A PMA E AS TRANSFORMAÇÕES NA FAMÍLIA

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PMA: Presente e Futuro. Questões Emergentes nos contextos Científico, Ético, Social e Legal A PMA E AS TRANSFORMAÇÕES NA FAMÍLIA Anália Cardoso Torres Professora Catedrática do ISCSP Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade Técnica de Lisboa www.analiatorres.net 9 de Janeiro de 2012 Fundação Calouste Gulbenkian

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PMA: Presente e Futuro.

Questões Emergentes nos contextos Científico, Ético,

Social e Legal

A PMA E AS TRANSFORMAÇÕES NA FAMÍLIA

Anália Cardoso Torres

Professora Catedrática do ISCSP

Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade

Técnica de Lisboa

www.analiatorres.net

9 de Janeiro de 2012

Fundação Calouste Gulbenkian

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As mudanças na família nos últimos anos, na Europa e no mundo, constituem um terreno fértil de debates, por vezes apaixonados, onde se cruzam ideologias, emoções e visibilidade mediática que nem sempre têm ajudado à compreensão das realidades vividas pelas cidadãs e cidadãos contemporâneos.

Do lugar da investigação no domínio das ciências sociais, no entanto, têm sido constantes e persistentes as conclusões das pesquisas realizadas:

As relações familiares continuam a ser extremamente valorizadas pelos indivíduos e constituem-se como âncoras fundamentais nas suas vidas.

O que mudou então? Porquê tanto debate e controvérsia?

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1. Mudanças na Família: traços mais marcantes dessas

transformações nos últimos anos na Europa;

2. Resultados de investigação em Portugal e a nível Europeu;

para procurar responder às questões levantadas e enquadrá-

las nos debate sobre a PMA

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Mudanças Sociais e Mudanças na Família

Recomposição Social e mudança no século XX,

particularmente nos últimos 50 anos. Novos modos de vida.

Crescimento das classes médias (impactos decisivos sobre as relações familiares); Feminização da

força de trabalho; Urbanização, desindustrialização, crescimento dos serviços; Velhas e novas

exclusões sociais; Mediatização/Globalização/Sociedade da informação e do conhecimento;

Convivências múltiplas (de lógicas tradicionais com modernas, de modelos e modos de vida

diferenciados) ;

Como se reflectem estas mudanças nas práticas e nas lógicas

familiares?

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SENTIMENTALIZAÇÃO, SECULARIZAÇÃO,

INDIVIDUALIZAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO;

Sentimentalização, valorização da dimensão afectiva:

nas relação entre cônjuges; amor e casamento no mesmo

projecto;

na relação pais/filhos;

Secularização

Perda acentuada da perspectiva do casamento como

“sacramento”; descida das práticas religiosas formais (30% de

praticantes em PT, mais casamentos civis do que religiosos);

mais importante: visão mais individualizada , espiritualizada da

religião e menos institucionalizada;

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Individualização, valorização do bem-estar individual no

contexto da família:

O casamento funda a família (e não o contrário na lógica tradicional);

valorização da escolha individual do cônjuge; persistência da relação

enquanto ela trouxer bem-estar individual, estabilidade e felicidade;

Igualdade entre homens e mulheres;

Individualização é menor dependência, maior liberdade e capacidade

para optar; não é necessariamente individualismo e não se opõe a uma

ideia de compromisso com os outros;

Maior fragilidade dos laços conjugais mas persistência na aposta

conjugal; pede-se demais ao casamento?

A criança como sujeito de direitos; forte aposta na criança também

como a relação mais “perene”;

Page 7: A PMA E AS TRANSFORMAÇÕES NA FAMÍLIA

Privatização:

Regras e práticas no contexto das relações familiares

decididas pelos próprios; aceitação da diversidade de

modelos e de valores;

Depois dos anos 60 do século XX, a valorização dos

direitos humanos assume a possibilidade de interferência

no privado;

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Em paralelo e em articulação, grandes avanços técnico-científicos:

Revolução contraceptiva, desvinculação entre sexualidade e

procriação (já em vigor sobretudo para os homens…);

A PMA permite abertura de novas possibilidades para a

procriação e reprodução apoiada no saber médico e científico;

A lógica é semelhante; ampliam-se as capacidades de escolha

nas opções fundamentais da vida.

Mas porque se trilham caminhos novos – tal como aconteceu

no passado – estas técnicas suscitam, compreensivelmente

também, medos e apreensões.

Vejamos como as tendências de fundo identificadas se revelam a partir de alguns

resultados de Investigação (European Social Survey, Prémio Descartes, 2005);

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Qual a importância de cada um destes aspectos na sua vida?

(médias)

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1

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Família Amigos Tempos livres Política Trabalho Religião Organizações de voluntariado Centro da escala

Extremamente importante

Nada

importante

ESS, 2002

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% Europa

(ESS 2010)Portugal Suécia

Reino

Unido

Casado/as 52,0 60,8 42,8 52,6Divorciado/as 8,4 4,5 12,0 10,0

Coabitantes 17,5 5,1 33,2 17,7A maioria dos europeus vive em casal. As situações de divórcio e de monoparentalidade são transitórias.

Casados, Divorciados e Coabitantes (ESS, 2010)%

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Homens Mulheres Centro da escala

Discordo totalmente

Concordo totalmente

(médias)

Homossexuais e lésbicas deveriam ser livres de viver a

sua vida como muito bem entenderem (ESS, 2010)

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41,3

69,9

39,1 40,0

55,3

37,6

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Europeus que declaram não pertencer a uma religião,

2010 (%)

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Os afectos no centro; a Europa dos casais; a importância

para a vida dos indivíduos destas esferas da vida;

Deseja-se ter mais filhos do que aqueles que se tem; nos

últimos anos, em toda a Europa, a fecundidade tem estado a

aumentar nos países escandinavos, R.U. e França (está já na

reposição das gerações); Portugal está em contra ciclo;

Os fenómenos de mudança a que temos vindo a assistir são

globais e vão no mesmo sentido na Europa e normalmente

“descem” de Norte para Sul.

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Especificidades das transformações no

caso português

Diferentes tempos da mudança. Na maior parte dos países europeus

estes processos desencadeiam-se a partir dos anos 60; em Portugal só ganham visibilidade a partir dos anos 80. Sobreposições, coexistências várias. Mudanças muito acentuadas sobretudo na 1ª década do século XXI;

Efeitos diferenciados da influência religiosa católica no Sul quando se compara Portugal com os outros países como os escandinavos ou com outros de influência protestante/luterana (exemplo da contracepção);

Muita pesquisa feita em Portugal

Sociologia da Família; extensivos, qualitativos; Observatório da Família e das Políticas de Família (ICS/U. Lisboa-ISCTE-IUL);

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% Agnóstico Católico

praticante

Católico Ateu Total

Mesmo que haja razões fortes para um

divórcio o casamento deve manter-se

para que a família não se desagregue

4 20 10 10 14

Mesmo tendo casado com a noção de

que o casamento é para toda a vida e

ainda que haja filhos, há problemas

graves na vida do casal que podem

justificar o divórcio

41

36

30

30

32

O divórcio é a melhor solução para um

mau casamento 55 41 56 57 51

Não sabe / Não responde 3 4 3 3 Total 100 100 100 100

Opiniões sobre o divórcio, segundo a religião (Portugal, 1999)

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Evolução do casamento católico (1960-2010) Portugal (%)

Page 17: A PMA E AS TRANSFORMAÇÕES NA FAMÍLIA

Nascimentos fora do casamento (1960-2010) Portugal (%)

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Values (ESS, 2006) - %

Desaprova que uma pessoa

escolha não ter filhos

Desaprova se uma pessoa

vive com uma pessoa sem

ser casada

Bust

Generation

(15-34)

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Generation

(35 - 64 )

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Generation

(65+)

Bust

Generation

(15-34)

Boom

Generation

(35 - 64)

War

Generation

(65+)

Sweden 6,6 4,7 12,5 3,1 2,8 4,3

Finland 7,9 14,7 27,5 4,9 4,5 20,6

Netherlands 10,1 12,3 21,3 9,7 10,7 17,6

Germany 18,5 20,5 37,2 6,1 7,2 19,8

UK 9,1 4,7 12,4 10,4 9,9 29,7

Spain 20,3 22,2 41,7 5,9 10,5 44,3

Portugal 16,6 23,0 34,1 4,3 11,3 24,9

Page 19: A PMA E AS TRANSFORMAÇÕES NA FAMÍLIA

Desaprova se uma pessoa tem filhos

sem ser casada

Bust

Generation

(15-34)

Boom

Generation

(35 - 64)

War Generation

(65+)

Sweden 6,1 4,4 10,7

Finland 6,6 8,6 27,0

Netherlands 11,1 13,6 23,8

Germany 12,2 12,9 28,4

UK 11,6 18,0 39,9

Spain 6,6 14,1 47,0

Portugal 6,4 11,8 21,9

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Mudanças em 30 anos (de 1970 a 2000) equivalentes às ocorridas em 10 (de 2000 a 2010);

Uma geração que já chegou ou está a chegar à idade de casar (ou viver em conjugalidade) e a procriar, nascida nos anos 70/80 e que tem perspectivas menos institucionalistas do que a tendência dominante anterior; valorizam casal e família, afectos, crianças, mas menos as instituições; igualdade entre mulheres e homens; novas perspectivas sobre a sexualidade e a orientação sexual. Tendência maioritária já hoje;

Coexistem na sociedade portuguesa com outros grupos mais empenhados ideologicamente, outras visões, que se combatem na arena mediática. Os media tendem a salientar mais a excepção, a notícia – a favor ou contra - e menos as tendências centrais;

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Em conclusão…

Valorização da família e dos afectos, segundo moldes não tradicionais, nos países Europeus, como elemento central da vida dos indivíduos.

Mudanças mais expressivas:

de uma perspectiva autoritária de obediência da mulher ao

marido na família para o valor da igualdade entre homens e mulheres;

do respeito inquestionável pela vontade do pai à valorização da realização pessoal dos filho/as e ao respeito pelos direitos das crianças;

da discriminação pelas diferenças de orientação sexual ao respeito pela diversidade no modo de constituir e de viver a família;

da aceitação da procriação como destino para a valorização do planeamento familiar e para o dever de assumir uma maternidade e paternidade responsáveis.

Page 22: A PMA E AS TRANSFORMAÇÕES NA FAMÍLIA

A aceleração nos últimos anos destas mudanças e a

coexistência de modelos e gerações diferentes com

formações e experiências de vida diversas pode ajudar a

explicar uma certa “babilónia” de ideias.

Mas conclui-se que a maior liberdade individual não tem

colidido com a centralidade da família nem com o desejo

generalizado de maternidade e paternidade.

Neste contexto as possibilidades abertas pela PMA

constituíram-se como enorme benefício não só para os

casais inférteis como também para todos aquela/es que

desejarem concretizar responsabilidades parentais.