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1 DAIRSON MENDES DE SOUZA A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora do Curso de Pós-Graduação em Direito das Relações Sociais – Subárea de Direitos Difusos e Coletivos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Patricia Miranda Pizzol PUC/SP SÃO PAULO 2005

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DAIRSON MENDES DE SOUZA

A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

NAS AÇÕES COLETIVAS

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora

do Curso de Pós-Graduação em Direito das Relações Sociais

– Subárea de Direitos Difusos e Coletivos da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Profa. Dra. Patricia Miranda Pizzol

PUC/SP

SÃO PAULO

2005

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Banca Examinadora

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Agradecimentos

À minha orientadora, Patricia Miranda Pizzol,

pelo apoio, orientação e amizade.

Ao meu irmão Pedro Luís e ao Marcelo,

pela ajuda incomensurável.

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“Talvez seja prematuro, no estágio atual do direito brasileiro,

rezar um réquiem à coisa julgada, e conseguintemente à ação

rescisória. Porém é fato inobscurecível que a importância desses

institutos diminuirá no futuro próximo”. (Araken de Assis,

Eficácia da coisa julgada inconstitucional. Revista Jurídica, n. 301,

ano 50, p. 13, nov. 2002).

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RESUMO

O trabalho versa sobre o polêmico tema da relativização da coisa julgada com foco

nas ações coletivas.

Antes de tudo, convém desde já delimitar o estudo em questão. Existem as ações

coletivas para a tutela dos casos concretos e as ações coletivas que cuidam do controle

abstrato de constitucionalidade.

Foram tratadas na dissertação as ações coletivas adequadas à tutela dos casos

concretos. Todavia, nem todas as ações desta categoria foram abordadas, pelo fato de que

algumas delas são muito específicas e cuidar de todas exigiria um aprofundamento e extensão

incompatíveis com o presente trabalho. As ações coletivas cabíveis ao controle abstrato de

constitucionalidade não foram abordadas porque a relativização da coisa julgada não se aplica

à elas, em hipótese alguma.

Antes de enfrentar o tema central, fizemos algumas considerações sobre a jurisdição,

sentença, coisa julgada, ações coletivas, nulidades que contaminam as sentenças, coisa

julgada e litispendência nas ações coletivas.

Depois partimos para o tema central e desenvolvemos uma argumentação para dar

subsídios à difícil resolução da equação segurança jurídica versus justiça das decisões e ao

final apresentamos uma proposta de relativização da coisa julgada para as ações coletivas no

que se refere à tutela dos casos concretos.

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ABSTRACT

This paper deals with the polemic subject of the relativization of the thing adjudged

focusing on the collective actions.

By the beginning it seems to be necessary to delimitate the issue of this study. There

are collective actions applied to concrete cases and collective actions that deal with the

abstract control of constitutionality.

In the present work we have studied the collective actions applied to concrete cases.

But not all kinds of collective actions in this category have been analysed though, because

some of them are too specific and writing about them would take a deepness and extension

not intended for this study. We didn’t consider the collective actions that deal with the

abstract control of constitutionality either because the relativization of the thing adjudged

does not apply to them.

Before facing the main subject we decided to make some considerations about

jurisdiction, sentences, thing adjudged, collective actions, nullities that affect the sentences,

thing adjudged and litispendency in the collective actions.

Then we came to the main subject of this work and developed an argumentation to

try to find a solution for the difficult balance: legal security versus justice in the judicial

decisions. By the end we present a suggestion for the relativization of the thing adjudged in

the collective actions applied to concrete cases.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................................................11

1. A JURISDIÇÃO E A COISA JULGADA ...................................................................................14

1.1. Jurisdição: conceito e finalidade ......................................................................................................14

1.2. Interesse na jurisdição e justiça das Decisões ..................................................................................20

1.3. Jurisdição e coisa julgada.................................................................................................................22

1.4. O processo como instrumento para a realização da jurisdição .................................................24

1.4.1. Pressupostos processuais e condições da ação .......................................................................25

2. SENTENÇA........................................................................................................................................30

2.1. Processo e segurança jurídica ..........................................................................................................30

2.2. Sentença: escorço histórico ...........................................................................................................31

2.3. Conceito, natureza jurídica e imutabilidade.....................................................................................33

2.4. A sentença como pronunciamento obrigatório do juiz ....................................................................37

2.4.1. Estrutura ...............................................................................................................................37

2.4.2. Condições ..............................................................................................................................39

2.4.3. Classificação...........................................................................................................................41

2.4.3.1. De acordo com o conteúdo ........................................................................................41

2.4.3.2. De acordo com a eficácia...........................................................................................42

2.4.3.2.1. Sentenças declaratórias..............................................................................43

2.4.3.2.2. Sentença constitutiva .................................................................................45

2.4.3.2.3. Sentença condenatória ...............................................................................46

2.4.3.2.4. Sentença Mandamental..............................................................................48

2.4.3.2.5 Sentença executiva lato sensu ....................................................................49

3. A COISA JULGADA .......................................................................................................................52

3.1. Brevíssimas notícias sobre o processo e a coisa julgada no direito romano ....................................52

3.2. O tratamento constitucional da coisa julgada no Brasil ...................................................................58

3.3. Definição de coisa julgada ...............................................................................................................61

3.3.1. Coisa julgada formal e material..............................................................................................65

3.4. Limites objetivo e subjetivo da coisa julgada ..................................................................................68

3.5. A importância da coisa julgada........................................................................................................75

3.6. Fundamentos da autoridade da coisa julgada...................................................................................76

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3.7. O duplo grau de jurisdição e a coisa julgada...............................................................................81

3.7. A coisa julgada como meio de prova ...............................................................................................83

4. AS AÇÕES COLETIVAS .................................................................................................................84

4.1. A necessidade do regramento das ações coletivas como conseqüência previsível da

evolução da sociedade e seus conflitos ..........................................................................................84

4.2. Brevíssimas notas sobre a evolução das ações coletivas no Brasil ..................................................86

4.3. Conceito de ações coletivas .............................................................................................................88

4.4. As ações coletivas previstas na Constituição Federal de 1988 ........................................................89

4.5. A contribuição da Constituição Federal de 1988 ao arcabouço processual coletivo brasileiro .......91

4.6. Tutela jurisdicional coletiva.............................................................................................................92

4.6.1. Ações coletivas mais comuns.................................................................................................94

4.6.1.1. Ação civil pública ......................................................................................................94

4.6.1.2. Ação popular............................................................................................................103

4.6.1.3 Mandado de segurança coletivo................................................................................108

5. NULIDADES QUE CONTAMINAM AS SENTENÇAS ......................................................116

5.1. Nulidades dos atos processuais ......................................................................................................116

5.2. Classificação ..................................................................................................................................120

5.3. Nulidades das sentenças.................................................................................................................125

5.4. Querela nullitatis ...........................................................................................................................130

6. A COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS.................................................................138

6.1. A disciplina da coisa julgada no CDC e a interação legislativa entre o CDC e a Lei de Ação

Civil Pública .........................................................................................................................................138

6.2. A coisa julgada e os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos: conceituação

necessária .............................................................................................................................................139

6.2.1. Os direitos e interesses essencialmente coletivos.................................................................140

6.1.2. Os direitos e interesses formalmente coletivos.....................................................................142

6.3. A coisa julgada nas ações coletivas.............................................................................................145

6.3.1. A coisa julgada para os direitos e interesses difusos .......................................................145

6.3.1.2. A coisa julgada para os direitos e interesses coletivos ........................................152

6.2.1.3. A coisa julgada para os interesses individuais homogêneos...............................154

6.3.1.3.1. Os direitos individuais homogêneos e a condenação genérica do artigo 95

do CDC....................................................................................................................157

6.3.1.3.2. O prazo legal para habilitação .................................................................159

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6.3.1.4. A indevida limitação dos efeitos da coisa julgada aos associados que demonstrarem

seu domicílio na data da propositura da ação .......................................................................160

6.4. A tentativa de restrição territorial da coisa julgada em ações coletivas: a alteração legislativa do

artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública .................................................................................................162

6.5. A formação da coisa julgada em processos extintos sem julgamento de mérito ...........................169

6.6. A coisa julgada no mandado de segurança coletivo.......................................................................172

6.7. A coisa julgada na ação popular ....................................................................................................174

7. A LITISPENDÊNCIA E AS AÇÕES COLETIVAS ..............................................................177

7.1. A ocorrência da litispendência e o instituto da coisa julgada ........................................................177

7.2. A litispendência entre ações individuais e coletivas ......................................................................178

7.3. A litispendência entre processos coletivos.....................................................................................180

7.4. A suspensão dos processos individuais como requisito para participação dos efeitos erga omnes do

processo coletivo...................................................................................................................................181

8. A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS ...................184

8.1. A garantia constitucional do acesso à justiça e a coisa julgada .....................................................184

8.2. A doutrina e a relativização da coisa julgada.................................................................................188

8.3. O pensamento do Ministro José Augusto Delgado do Supremo Tribunal Federal ........................196

8.4. A impossibilidade da relativização da coisa julgada de sentenças que julgaram pedidos

juridicamente impossíveis.....................................................................................................................200

8.5. A coisa julgada inconstitucional ....................................................................................................203

8.6. Coisa julgada e Estado Democrático de Direito: o pensamento de Nelson Nery Junior ...............213

8.7. Necessidade de relativização .........................................................................................................214

8.7.1. Definição de prova e prova técnica ......................................................................................219

8.7.2. Objeto da prova ..................................................................................................................221

8.7.3. A finalidade e o destinatário da prova e a coisa julgada.......................................................223

8.7.4. Ônus da prova.......................................................................................................................227

8.7.4.1. Inversão do ônus da prova .......................................................................................231

8.7.4.2. Os requisitos da verossimilhança e hipossuficiência ...............................................236

8.7.4.3. Momento da inversão ..............................................................................................238

8.8. O Direito, a coisa julgada, justiça das decisões e a sociedade de riscos ........................................241

8.8.1. A sociedade de riscos, os riscos do desenvolvimento e a ciência ........................................243

8.8.2. A controvérsia sobre a aplicação da teoria do risco do desenvolvimento como excludente

de responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto................................................................245

8.9. A potencialização dos riscos do desenvolvimento advindos da globalização e a necessária revisão da

possocoisa julgada ................................................................................................................................257

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8.10. A necessária previsão da relativização da coisa julgada em lei ...................................................259

CONCLUSÃO ......................................................................................................................................262

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................................273

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INTRODUÇÃO

A dissertação com o tema relativização da coisa julgada nas ações

coletivas foi desenvolvida em nove capítulos. Antes de ingressar nas

considerações acerca da relativização do clássico instituto de direito processual,

foram feitas algumas considerações sobre outros assuntos pertinentes à espécie e

necessários ao entendimento da matéria em comento.

O primeiro capítulo trata da jurisdição com ênfase na coisa julgada.

Foram abordados o conceito, a finalidade e o interesse na jurisdição,

relacionando-os com a justiça das decisões. Foram feitas, também,

considerações acerca do processo como instrumento para a realização da

jurisdição, sendo tratado os pressupostos processuais e as condições da ação.

O segundo capítulo cuida da sentença, cuja importância resulta de

ser ela o ato do juiz que permite a ocorrência da coisa julgada. Foi feito um

escorço histórico sobre o tema, definido seu conceito, natureza jurídica e

imutabilidade. Além disso, a sentença foi tratada como um pronunciamento

obrigatório do juiz, aonde foi abordada sua estrutura, condições e classificação

de acordo com seu conteúdo (sentenças definitivas ou terminativas), eficácia

(sentenças declaratórias, constitutiva, condenatória, mandamental, e as

executivas lato sensu).

O terceiro capítulo foi dedicado à coisa julgada. Foram feitas

considerações sobre o processo e o instituto da coisa julgada no direito romano e

sobre o tratamento constitucional da coisa julgada no Brasil. Além disso, foi

definida a coisa julgada (formal e material), bem como delineados os seus

limites objetivos e subjetivos. A importância da coisa julgada também foi

tratada, bem como os fundamentos que a sustentam.

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O quarto capítulo cuidou das ações coletivas, que surgiram como

conseqüência da evolução da sociedade e seus conflitos. Foram feitos pequenos

comentários acerca da evolução das ações coletivas no Brasil, definindo-as.

Das ações que integram a jurisdição coletiva comum foram feitos

comentários apenas à Lei de Ação Civil Pública, Lei de Ação Popular e

Mandado de Segurança Coletivo. Essa limitação foi entendida como necessária

em razão da abrangência da tutela das ações estudadas e especificidade de

algumas ações não condizentes com o trabalho dessa dissertação. As ações de

controle abstrato de constitucionalidade não foram estudadas porque a hipótese

de relativização da coisa julgada a elas não se aplicam.

O quinto capítulo versa sobre as nulidades que contaminam as

sentenças. Foram tratadas as nulidades que contaminam os atos processuais, a

classificação dos defeitos que podem macular os atos jurídicos (inexistência,

nulidade, anulabilidade e irregularidade), as nulidades da sentença e abordado o

tema da querella nullitatis.

O sexto capítulo foi dedicado à coisa julgada nas ações coletivas.

Inicialmente foram feitas considerações acerca da interação legislativa entre o

CDC e a Lei de Ação Civil Pública. Posteriormente, foram conceituados os

direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Então foi

demonstrado como se dá a coisa julgada na ação civil pública quando se tratam

de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Além disso, foi

demonstrado como se dá a coisa julgada na ação popular e no mandado de

segurança coletivo.

O sétimo capítulo versa sobre a litispendência nas ações coletivas.

Inicialmente foi explicada a ocorrência da litispendência e o instituto da coisa

julgada; sua ocorrência entre ações individuais e coletivas; a litispendência em

processos coletivos propriamente dito e questão da suspensão dos processos

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individuais como requisito para participação dos efeitos erga omnes do processo

coletivo.

O oitavo capítulo cuida da relativização da coisa julgada nas ações

coletivas que tutelam direitos subjetivos. Foram tratados, conjuntamente, a

garantia constitucional do acesso à justiça e a coisa julgada. Em seguida foi

trazido à colação o entendimento da doutrina acerca da relativização; o

pensamento do Ministro José Augusto Delgado, do STF; tratada a questão da

impossibilidade da relativização da coisa julgada das sentenças que julgaram

pedidos juridicamente impossíveis; feito um breve estudo sobre a coisa julgada

inconstitucional; o pensamento de Nelson Nery Junior sobre a coisa julgada;

discutida a necessidade de relativização, bem como feita uma proposta de

relativização para as ações coletivas.

Por derradeiro, as principais conclusões extraídas do estudo foram

condensadas e expostas no capítulo nono.

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1. A JURISDIÇÃO E A COISA JULGADA

1.1. Jurisdição: conceito e finalidade

O Homem, nas fases primitivas da civilização1, não dispunha de um

Estado organizado suficientemente forte para resolver os conflitos que

surgissem, de modo que prevalecesse uma decisão imparcial. Eram os tempos da

justiça privada.

Todavia, com o fortalecimento do Estado de Direito, os litígios, que

surgem quando há “um conflito de interesses qualificado por uma pretensão

resistida”, na lição clássica de Carnelutti2, passaram a ser pacificados

exclusivamente pelo Estado. 3

Com efeito, a distribuição da justiça4, é uma das missões do Estado

e exercida por ele por meio de seus poderes Legislativo, Executivo e Judiciário,

1“Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os

ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares”. CINTRA, Antonio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 1994. p. 21.

2CARNELUTTI, Francesco. Instituciones de proceso civil. Buenos Aires, 1973. v. 1, n. 1, p. 21-22. 3Pontes de Miranda ensina que “A pretensão é o poder exigir alguma prestação. Do outro lado da relação jurídica

está o obrigado, que talvez tenha, também ele, a sua pretensão, ou as suas pretensões. Tanto àquele quanto a esse o Estado reconhece a pretensão à tutela jurídica, com que, passando a si o fazer justiça, substituiu o antigo direito de se fazer justiça com as próprias mãos (declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental, executiva). Por isso, a pretensão à tutela jurídica dirige-se ao Estado; não a outras pessoas obrigadas. A designação Rechtsschutzanspruch foi-lhe dada em 1885, por Adolf Wach (Handbuch des deutschen, Zivilprozessrechts, I, 19, s.). Tanto os que têm a pretensão de direito material quanto o obrigado dispõem da pretensão à tutela jurídica. Também dela dispõe o que apenas quer que se declare, se constitua, se execute, ou se mande. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado da ação rescisória. Campinas: Bookseller, p. 42.

4“Para manter o império da ordem jurídica e assegurar a paz social, o Estado não tolera a justiça feita pelas próprias mãos dos interessados. Divide, pois, suas funções soberanas, de molde a atender essa contingência, em atividades administrativas, legislativas e jurisdicionais”. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 1.

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que são independentes e harmônicos entre si, consoante o disposto no artigo 2º

da Constituição Federal5.

O Poder Legislativo faz as leis que devem ser aplicadas; o Poder

Executivo, por meio da gerência da coisa pública, garante o investimento em

infra-estrutura, captação de recursos (recolhimento de tributos) e promove a

assistência social; o Poder Judiciário aplica as leis aos casos concretos, julgando

as ações submetidas à sua apreciação. Esta atividade recebe o nome de

jurisdição.6.

A jurisdição pode ser definida como a interpretação e aplicação do

direito objetivo, pelas autoridades constituídas pelo Estado, aos conflitos sociais

submetidas à apreciação.7 Busca-se, por meio da jurisdição, a pacificação dos

conflitos de interesses existentes na sociedade.

5“Nenhum princípio de nosso constitucionalismo excede em ancianidade e solidez o princípio da separação de

poderes. Inarredável de todas as Constituições e projetos de Constituição já formulados neste País, desde 1823, data de elaboração do célebre Projeto de Antônio Carlos oferecido à Constituição Imperial, ele atravessou o Império e a República, rodeado sempre de respeito e do prestígio que gozam as garantias constitucionais de liberdade. A única exceção veio a ser a Carta de 1937, mas esta em rigor não foi uma Constituição e sim um ato de força de natureza institucional, tanto que afastou, por inteiro, o País de toda a sua tradição de liberalismo e representatividade do poder. Veja-se que depois do desastre de 1937, nem as Constituições outorgadas pela ditadura de 1964, sem embargo de violência de seu autoritarismo, ousaram tocar naquele princípio”. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2002. p. 508.

6“Humberto Theodoro Jr. define jurisdição como “o poder que toca ao Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica concreta que, por força do direito vigente, disciplina determinada situação jurídica”. THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., p. 34.

7Patricia Miranda Pizzol, em sua obra Competência no Processo Civil, reuniu a definição de jurisdição de vários juristas consagrados, nacionais e estrangeiros, a saber: “a) Liebman: “a atividade dos órgãos do Estado, destinada a formular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente, disciplina determinada situação jurídica.’ b) Chiovenda: ‘a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la praticamente efetiva.’ c) Carnelutti, para quem jurisdição é a função de composição das lides, como se extrai do conceito de processo contencioso, ‘O processo contencioso é, portanto, um processo caracterizado pelo fim, que não é outro que a composição da lide.’ d) Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antonio Carlos de Araújo Cintra, segundo os quais jurisdição é poder, função e atividade: “(...) é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo (...) a jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e por meio do processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo

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A jurisdição não está ligada tão somente ao Poder Judiciário.

Existem países em que o Poder Executivo, por meio de processos

administrativos, julga e dá a última palavra sobre matérias administrativas. São

as chamadas jurisdições administrativas. O Brasil não adota esse sistema.8

Nosso regramento constitucional, artigo 5º, inciso XXXV, garante a

inafastabilidade do Poder Judiciário, ao dispor que “a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

A jurisdição é norteada por vários princípios, entre os quais se

destacam: juiz natural, inafastabilidade do controle jurisdicional e dispositivo,

duplo grau de jurisdição, investidura, aderência ao território, indelegabilidade,

inevitabilidade, indeclinabilidade e definitividade.9

O princípio do juiz natural está ligado à competência e à

imparcialidade do juiz. Assegura às partes que o processo não seja julgado por

um tribunal ou juiz criado ou designado especialmente para julgar aquele fato.

Esse princípio decorre do artigo 5º, XXXVII e LIII, da CF/88.

A inafastabilidade do controle jurisdicional decorre do artigo 5º,

XXXV, da CF/88, que dispõe, in verbis: “a lei não excluirá da apreciação do

Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Nem a lei, nem ninguém pode

o poder e cumprindo a função que lhe comete. O poder, a função e a atividade somente transparecem legitimamente por meio do processo devidamente estruturado (devido processo legal). e) Moacyr Amaral Santos: “Jurisdição é a função do Estado destinada a compor conflitos de interesses ocorrentes. Tem por finalidade resguardar a ordem jurídica, o império da lei, amparando o direito objetivo, e, como conseqüência, proteger aquele dos interesses em conflito que é tutelado pela lei. Sendo função Estatal, e mesmo uma das características da soberania do Estado, é exercida sobre todo o território nacional. PIZZOL, Patricia Miranda. A competência no processo civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. p. 33.

8Carmem Lúcia Antunes Rocha, em nota de rodapé, bem esclarece a questão: “Conquanto a palavra jurisdição vincule-se a idéia de judicial (aqui ligada à noção de Poder Judiciário), é certo que a jurisdição pode ser exercida por outros órgãos estatais que não aqueles componentes do Poder Judiciário. Isto ocorre nos Estados que adotam a chamada jurisdição administrativa. Neles, órgãos do Poder Executivo afirmam e aplicam o direito a caso concreto sobre o qual se litigue, em caráter definitivo e vinculante. Nos países que não adotam esse sistema tem-se o fortalecimento do conceito de jurisdição vinculado ao da atividade do Poder Judiciário, pois então o Estado monopoliza aquela atividade e responde pela prestação exclusivamente pelo conjunto de órgãos que compõem aquele Poder. Esta constatação não deve restringir ou apequenar o sentido da palavra jurisdição, pois a atividade é mais importante para o titular do direito que o órgão que realiza a prestação”. ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O direito constitucional à jurisdição. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 33.

9Ver PIZZOL, Patricia Miranda. op. cit., p. 37-57.

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impedir que uma lide seja apreciada pelo Poder Judiciário. O Tribunal Marítimo,

por exemplo, criado pela Lei 2.180/54, é um órgão auxiliar do Poder Judiciário.

Está ligado ao Poder Executivo e tem por competência o julgamento dos fatos e

acidentes de navegação e a manutenção do registro naval. Trata-se de um órgão

que, apesar do nome, profere decisões administrativas. Portanto, não integra a

jurisdição e suas decisões sempre podem ser revistas pelo Poder Judiciário.

Releva notar que a Lei 9.307/96, que dispõe sobre a arbitragem,

prevê a possibilidade de pessoas capazes de contratar valerem-se da arbitragem

para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Isto significa

que as partes podem renunciar à jurisdição estatal, mediante prévia convenção,

quando a questão envolver direitos patrimoniais disponíveis. Nesta hipótese, um

árbitro privado resolverá eventual lide surgida entre elas.

A convenção de arbitragem é uma relação jurídica formada entre as

partes por meio da cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

A lei que disciplina a matéria, em seu artigo 4º, define cláusula

compromissória como “a convenção através da qual as partes em um contrato

comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir,

relativamente a tal contrato.”

O compromisso arbitral é definido pela Lei de Arbitragem, em seu

artigo 9º, como “a convenção através do qual as partes submetem um litígio à

arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.”

O artigo 31 da referida Lei dispõe que a sentença arbitral produz os

mesmos efeitos das sentenças proferidas pelo Poder Judiciário, pelo que faz lei

entre as partes e seus sucessores e ainda dispõe que, sendo condenatória,

constitui título executivo.

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Nelson e Rosa Nery esclarecem que a arbitragem não ofende aos

princípios constitucionais da inafastabilidade do controle jurisdicional, nem do

juiz natural. É que a Lei da Arbitragem deixa a cargo das partes a escolha do

julgamento da lide, que pode tanto ser um juiz estatal ou um juiz privado. O

doutrinador ainda esclarece que a lei seria inconstitucional se houvesse

compulsoriedade de sua aplicação, afastando da apreciação do Poder Judiciário

a lesão ou ameaça a direito. No que tange ao juiz natural, explica que as partes

estabelecem de antemão como será julgada uma eventual lide surgida entre elas

e que o requisito da pré-constituição, na forma da lei, que caracteriza o princípio

do juiz natural, também está presente no juízo arbitral.10

O princípio do duplo grau de jurisdição não está expresso na

Constituição, mas decorre do princípio do devido processo legal, previsto no

artigo 5º, LIV, da Constituição Federal. Trata-se da possibilidade de uma

decisão ser examinada, no mínimo, por mais de uma vez, quando há

interposição de recurso, pelo Tribunal superior ou pelo mesmo Tribunal.

O princípio da investidura garante aos jurisdicionados serem

julgados somente por juízes regularmente investidos de autoridade, ou seja,

aqueles que ingressaram nos quadros da Magistratura por concurso público, pelo

quinto constitucional ou quando designados por autoridade competente. Por

exemplo, Ministros do Supremo Tribunal Federal indicados pelo Presidente da

República (artigo 101 da CF/88). Devem ainda estar em atividade. Decisões

proferidas por juízes aposentados são inexistentes.

O princípio da aderência ao território é uma espécie de delimitação

territorial do poder do Magistrado. Em razão da soberania nacional, a jurisdição

brasileira só alcança nosso território. A jurisdição também é limitada à Comarca

ou à Seção Judiciária, dependendo da Justiça (estadual ou federal). Um juiz só

10NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e Legislação

Processual Civil extravagante em vigor. 6. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 1461.

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tem sua jurisdição reconhecida dentro dos limites legais previamente

estabelecidos.

Quanto à indelegabilidade, significa que o juiz deve exercer

pessoalmente suas funções. Não pode delegar a terceiros o exercício de seu

ofício. A jurisdição é indelegável.

A inevitabilidade decorre do fato de que as partes do litígio,

independentemente do resultado do julgamento, sujeitam-se a ele. Isto porque

apenas o Estado detém o poder.

A indeclinabilidade é garantia de que o Estado vai pronunciar-se em

quaisquer demandas, ainda que para extinguir o processo sem julgamento de

mérito, nos termos do artigo 267 do CPC, conforme será abordado mais adiante.

Temos, também, o princípio da definitividade. Uma vez ocorrido o

trânsito em julgado, situação processual decorrente da impossibilidade de

interposição de recursos, opera-se a coisa julgada. A coisa julgada é um dos

institutos mais antigos do direito e graças a ela é alcançada a segurança jurídica

das decisões, uma vez que se tornam impassíveis de serem reformadas.

A jurisdição se caracteriza por ser “secundária”, “instrumental”,

“declarativa ou executiva”, “desinteressada” e “provocada”.11

É secundária porque a pacificação promovida pelo Estado deveria, a

princípio, ser alcançada pelas partes envolvidas no litígio.

Instrumental porque é o instrumento disponível à coletividade para

que resolvam seus conflitos. A Jurisdição não tem outra finalidade, senão a

pacificação dos conflitos sociais, por meio da aplicação do direito e distribuição

da justiça.

11THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., p. 37.

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A característica declarativa ou executiva decorre do fato de que o

Estado, por meio da atividade jurisdicional, muitas vezes afasta as incertezas ou

repara as transgressões sofridas pelas partes, por meio de declarações judiciais

ou de medidas de execução previstas em lei.

Outra característica da jurisdição é sua imparcialidade. O Juiz

aplica aos casos concretos a vontade da lei, e não das partes. Também é inerte: o

Poder Judiciário só se manifesta quando provocado.

1.2. Interesse na jurisdição e justiça das Decisões

Cabe ao Estado, portanto, o monopólio da prestação jurisdicional,

por meio do Juiz, que é imparcial, pacificar o conflito de interesses12 posto a

julgamento, aplicando ao caso concreto a regra legal adequada.

O interesse pode ser definido como um sentimento que nos leva a

buscar aquilo que é necessário, útil ou que tenha importância. Existem vários

tipos de interesses. A Constituição Federal menciona o interesse particular,

coletivo, específico, local, nacional, da União, dos Estados e público. 13

12Tradicionalmente, o processo civil cuidou dos interesses individuais. Essa visão, todavia, começou a mudar a

partir dos estudos levados a cabo por Capelletti. É o que explica Lourival Gonçalves de Oliveira: “Este foi enfocado dentro da tônica do nosso direito de que o ingresso em juízo é vinculado à sua natureza pessoal, o chamado direito subjetivo do autor. Esta influência das leis jusnaturalistas, como concebidas no século XVIII. De um lado, é posto o interesse pessoal, particular, e, de outro, o interesse público, numa dicotomia estável, excludente de outros interesses, insuficientes à satisfação da realidade. Esta situação sempre foi pretendida pelo Estado como garantia de supremacia e facilitação do exercício político, procurando retardar ou atenuar o reconhecimento de grupos intermediários ou categorias. Trata-se de fruto do jusnaturalismo de Rousseau, hoje amplamente revisto a partir da profunda crítica oriunda dos trabalhos de Capelletti. Atualmente, parece indiscutível a existência de interesses não opostos a um ou outro lado deste dualismo político tradicional, que atendem à generalidade de anseios. São verdadeiros tertium genus. Daí o jurista ressaltar o significado classista de interesse, sempre acrescido de adjetivo: público, individual, secundário, primário, de agir, social, etc”. OLIVEIRA, Lourival Gonçalves de. Interesse processual e mandado de segurança coletivo. Revista de Processo, São Paulo, v. 14, n. 56, p. 78, out./dez. 1989.

13“O interesse pode apresentar diversas titularidades ou sujeitos, levando a uma classificação subjetiva. A Constituição de 1988 é pródiga na utilização da palavra interesse, atribuindo-a a diversos sujeitos: interesse particular: 5º, XXXIII; 56, II, XXXIV; 12; ADCT, art. 4, § 5º;

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Independentemente de o interesse ser particular, coletivo, público,

social, específico, local, nacional, da União, dos Estados, dos Municípios, uma

vez provocado, o Poder Judiciário deverá pronunciar-se, dizendo a quem cabe o

direito. Para tanto, o Juiz deve pautar-se em todo o ordenamento jurídico. Na

necessária interpretação do direito objetivo, o magistrado não deve se esquecer

da vontade da lei, deve ser guiado pelas diretrizes traçadas pelo legislador

constituinte.

A Constituição Federal, em seu artigo 3º, consagra como um dos

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária. Isso significa que a busca por uma sociedade

justa deve nortear todas as atividades do Estado, compreendendo inclusive os

atos jurisdicionais. A justiça social vem novamente contemplada no artigo 193

da Carta Maior, quando o legislador garante que “a ordem social tem como base

o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.14

Em outras palavras: a jurisdição deve solucionar os conflitos, pondo

termo às controvérsias por meio de sentenças. Todavia, não basta ao Estado

simplesmente proferir quaisquer decisões, mas decisões justas, pois este é o

interesse coletivo: arts. 5º, XXXIV; 13, 192; interesse social: arts. 5º, XXI; 5º XXIV; 12, 184; interesse específico: arts. 29, XI; 129, V; 200, I; 232, 237; interesse local: art. 30, I e V; interesse nacional: art. 12, § 4º, I; 148, II; 172; 176, § 1º; 129, III; ADCT, 44, § 1º; interesse da União, Estados etc.: arts. 109, IV; 155, § 2º, V, b; 144, § 1º; interesse público: ARTS. 19, I; 37, IX; 57, § 6º, II; 66, § 1º; 93, VIII e IX; 95, II; 128. § 5º, I, b; 231, §§ 5º e 6º; ADCT, 51 §§ 2º e 3º; 52, parágrafo único”. SLAIBI FILHO, Nagib. Sentença cível: fundamentos e técnica. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 2.

14Oportuno, neste momento, lembrar a lição de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco: “Afirma-se que o objetivo-síntese do Estado Contemporâneo é o bem comum, e quando se passa ao estudo da jurisdição, é lícito dizer que a projeção particularizada do bem-comum nessa área é a pacificação com justiça. O Estado brasileiro quer uma ordem social que tenha como base o primado do trabalho e como objetivo o bem estar e a justiça sociais (art. 193) e considera-se responsável pela sua efetividade. Para o cumprimento desse desiderato, propõe-se a desenvolver a variada atividade em benefício da população, inclusive intervindo na ordem econômica e na social na medida em que isso seja necessário à consecução do desejado bem-comum, ou bem estar social (welfare state)”. CINTRA, Antonio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. op. cit., p. 37.

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objetivo do Direito.15 Não basta apenas proferir uma decisão que contemple o

particular, o individual em detrimento do bem comum 16 pondo em xeque

valores de toda a sociedade. A indeclinabilidade do Poder Judiciário não está

dissociada da justiça de suas decisões17

Para que uma decisão faça coisa julgada, é garantido um longo

caminho processual às partes, para que interponham os recursos que acharem

cabíveis. Assim, quando uma decisão faz coisa julgada, desde que tenham sido

interpostos recursos durante a marcha processual, foi dado ao Estado a

oportunidade para corrigir eventual erro judicial. Vale dizer, a logística

processual minimiza, de per si, a possibilidade de o Estado cometer injustiças.

Mas ainda assim, a prática tem demonstrado que em alguns casos elas ocorrem.

1.3. Jurisdição e coisa julgada

O instituto da coisa julgada permite que o Estado ponha fim à sua

missão jurisdicional. É por meio do referido instituto que o processo chega ao

seu fim. Com a sentença revestida pela autoridade da coisa julgada, torna-se

15Nesse sentido é a aula do Prof Rodolfo de Camargo Mancuso: “(...) o que hoje se espera da função

jurisdicional, sob a direção da intrumentalidade-efetividade, é que a resposta judiciária, no limite do possível, de um lado se mostre plena e exauriente, resolvendo-se a um tempo o processo e a lide; e, de outro lado, que promova a maior coincidência possível entre o direito material (lesado ou ameaçado) e a reparação/prevenção resultante do cumprimento do julgado”. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 8. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 291.

16Ver SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 5. 17Falando sobre as transformações sofridas pelo Poder Público, Nagib Slaibi Filho fez importantes considerações

ressaltando o aspecto legitimidade do Estado, que deve pautar-se na justiça, in verbis: “Daí porque a grande transformação operada neste século pela Ciência Política, da qual o Direito Constitucional é um dos ramos: os valores postos em nível constitucional ganham ascendência sobre a validade das regras específicas. Acompanha-se, neste passo, a transformação do Poder Público que passa do antigo princípio da legalidade para o princípio da legitimidade – hoje não basta o critério objetivo da legalidade para justificar os atos de Poder, exigem todos a legitimidade de sua atuação. O Estado legal não é suficiente, é necessário que se fundamente na Justiça. SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 25.

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impossível rediscutir as decisões judiciais ali lançadas, independentemente de

seu conteúdo. Daí o relevo que assume para o Direito em geral.18.

O aspecto da justiça das decisões tem sido argumento bastante

utilizado por parte da doutrina para sustentar que o Estado, para cumprir seu

papel jurisdicional, não pode proferir quaisquer decisões, mas somente aquelas

que consagrem a justiça. É a idéia da tutela jurisdicional efetiva e do processo

civil de resultados 19

Teresa Arruda Alvim Wambier, em artigo que tratava de recursos

judiciais, expressou sua visão sobre a finalidade da jurisdição, que tem o

processo como instrumento para que as partes possam alcançar o direito

material, ressaltando que não deve existir um abismo entre as decisões judiciais

e a realidade. A autora sustenta que o processo foi criado para distribuir direitos

a seus reais titulares, não para atribuir a quem não os tem”.20

Existem decisões judiciais acobertadas pelo manto da coisa julgada

que são absolutamente desconexas com a realidade, com o mundo dos fatos e

causas de enormes injustiças, ora contra o homem comum, ora contra o meio-

ambiente, ora contra a coletividade.

18“Diante da suprema importância dada à segurança jurídica pela doutrina em geral, a coisa julgada é e sempre

foi sacralizada. Conforme entendimento até pouco tempo atrás pacífico na doutrina e na jurisprudência, entende-se que após a imunização da situação de direito substancial pela coisa julgada material, passado o prazo para a propositura de ação rescisória, a imutabilidade persiste independentemente da gravidade do vício acobertado pela coisa julgada (Res judicata facit de nigro album et de albo nigrum). Nessa linha EDUARDO JUAN COUTURE faz menção ao famoso dístico de SCASSIA: "la cosa juzgada hace de lo branco, negro; origina y crea las cosas; transforma lo cuadrado en redondo; altera los lazos de la sangre y cambia lo falso en verdadero" LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Coisa julgada e justiça das decisões. Forense. Disponível em: <www.forense.com.br/atualida/artigos_DC/coisa.htm>. Acesso em: 29 dez. 2003.

19O Prof. Cândido Rangel Dinamarco sustenta que “O que importa não é oferecer ingresso em juízo, ou mesmo julgamento de mérito. Indispensável é que, além de reduzir os resíduos de conflitos não –jurisdicionalizáveis, possa o sistema processual oferecer aos litigantes resultados justos e efetivos, capazes de reverter situações injustas desfavoráveis. Tal é a idéia da efetividade da tutela jurisdicional, coincidente com a da plenitude do acesso à justiça e a do processo civil de resultados. DINAMARCO, Cândido Rangel. Tutela jurisdicional. Revista de Processo, São Paulo, v. 21, n. 81, p. 55, jan./mar. 1996.

20WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Fungibilidade de “meios”: uma outra dimensão do princípio da fungibilidade. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. v. 4, p. 1091.

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Rediscutir essas decisões fora dos limites previstos em lei (ação

rescisória e artigo 741, I, e parágrafo único do CPC) é impossível. Por isso, a

doutrina tem defendido a possibilidade de flexibilização da coisa julgada em

alguns casos, considerando que não é justo perpetuar injustiças com fundamento

na coisa julgada.

1.4. O processo como instrumento para a realização da jurisdição

A Constituição Federal (artigo 5º, X), bem como a legislação

infraconstitucional, garante a reparação dos danos materiais e morais de todas as

pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas. Assim, o sujeito de direito que tiver um

direito subjetivo alvejado, pode recorrer ao Judiciário, por meio do ajuizamento

de ação, solicitando ao Estado prestação jurisdicional.

O instrumento utilizado pelo Estado para que a parte possa alcançar

o direito material por meio do exercício de uma ação judicial chama-se

processo.21

O processo viabiliza o direito de ação, que é uma garantia

constitucional atribuída a todos os jurisdicionados. O direito de ação é, na

verdade, o alicerce de um Estado Democrático de Direito. Sem ele, não é

possível que o Estado preste a jurisdição, já que, pelo princípio da inércia22

21Para Arruda Alvim, “o processo é um instrumento de técnica jurídica, cujo escopo principal é a aplicação da lei

a um caso controvertido, não solucionado extraprocessualmente, e cuja solução é pedida pelo autor”. ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. v. 1, p. 103.

22“Outra característica da jurisdição decorre do fato de que os órgão jurisdicionais são, por sua própria índole, inertes (nemo judex sine actore; ne procedat judex ex officio). O exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo contraproducente, pois, a finalidade que informa toda a atividade jurídica do Estado é a pacificação social e isso viria em muitos casos a fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde elas não existiam antes. Há outros métodos reconhecidos pelo Estado para a solução dos conflitos (conciliação endo ou extraprocessual, autocomposição e, excepcionalissimamente, autotutela – sobre os meios alternativos para a eliminação de conflitos) e o melhor é deixar que o Estado só intervenha, mediante o exercício da jurisdição, quando tais métodos não tiverem surtido efeito. CINTRA, Antonio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. op. cit., p. 128.

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consagrado no artigo 2º do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário só pode

manifestar-se quando provocado.23

Todavia, o direito de ação não deve ser confundido com a garantia

de se obter um provimento judicial favorável à pretensão24. Trata-se tão somente

do direito de pedir tutela judicial do Estado, ou seja, que este diga a quem cabe o

direito em relação ao caso concreto analisado.

Muitas ações judiciais, todavia, não chegam sequer a ter o pedido

enfrentado pelo Poder Judiciário, por não preencherem os requisitos de natureza

processual previstos em nosso ordenamento jurídico. Vejamos:

1.4.1. Pressupostos processuais e condições da ação

Para que a parte interessada consiga a efetividade do processo,

alcançando-se o bem tutelado pelo direito e pleiteado na ação, é necessário o

preenchimento de alguns requisitos legais25, conhecidos como pressupostos

processuais e condições da ação.

23Ressalte-se que ao lado do direito de ação é necessário garantir aos jurisdicionados o acesso à justiça, garantia

constitucional estampada no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal. Por acesso à justiça não devemos entender apenas o acesso formal, mas sim o acesso efetivo para que os conflitos sociais sejam pacificados.

24“O direito à tutela jurisdicional não se confunde com o direito de petição, este último garantido pelo artigo 5º, XXXVI, a, da CF, conforme experiência haurida do Estado Liberal. O direito de petição é conferido para que se possa reclamar, junto aos poderes públicos, em defesa dos direitos contra ilegalidade ou abuso de poder”. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 6. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p. 96.

25Id. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1993. p. 59. “Para que se obtenha uma sentença de mérito, sob a res in judicium deducta, é necessário o preenchimento de certos requisitos denominados no Brasil de “condições da ação”.

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Os pressupostos processuais, conforme ensina Moacyr Amaral dos

Santos, são os requisitos processuais indispensáveis à validade e regularidade de

um processo.26

Na visão de Humberto Theodoro Júnior, os pressupostos

processuais são as exigências impostas pelo legislador sem as quais fica

inviabilizada a marcha processual válida ou até mesmo a sua formação.27

Nelson Nery adverte que a falta de um pressuposto processual não

acarreta, necessariamente, a extinção do processo. Cita como exemplo os casos

de incompetência absoluta do juízo, que se reconhecida “tem como

conseqüência a anulação dos atos decisórios e o envio do processo ao juízo

competente (art. 113 § 2º).”28

Para ele “são pressupostos processuais de existência da relação

processual: a) jurisdição; b) citação; c) capacidade postulatória (CPC 37 par.

ún); d) petição inicial. São pressupostos processuais de validade da relação

processual: a) petição inicial apta (v. CPC 295); b) citação válida; c)

capacidade processual (CPC 7º e 8º); d) competência do juiz (inexistência de

incompetência absoluta); e) imparcialidade do juiz (inexistência de

impedimento do juiz). São pressupostos processuais negativos, isto é,

circunstâncias que, se verificadas no processo, ensejam sua extinção sem

julgamento de mérito: litispendência, perempção, coisa julgada (CPC 267

V).”29

Os pressupostos processuais funcionam como um filtro para deter

que demandas temerárias, do ponto de vista formal, tenham que ter o mérito

enfrentado pelo Judiciário.

26SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1993.

p. 165. 27THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., p. 58. 28NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 593. 29Id. Ibid.

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Trata-se, pois, de requisitos formais necessários à validade e

eficácia do processo, vale dizer, para que o processo não contenha nulidades

capazes de frustrar o direito expresso na sentença de conhecimento.

Assim considerando, é necessário esclarecer que não basta que a

parte tenha o direito material tão somente. É necessário que os requisitos

formais do processo sejam observados, sem os quais não será possível a

satisfação do direito material.

Caso esteja ausente um dos pressupostos processuais, é necessário

sanar a irregularidade para que o processo possa ter sua marcha desenvolvida,

até que o Magistrado possa sentenciar, enfrentando o mérito do que está sendo

pedido.

As condições da ação estão previstas no artigo 267, VI, do Código

de Processo Civil e são: interesse processual; a legitimação “ad causam” e a

possibilidade jurídica do pedido.

O interesse processual está ligado à necessidade e à utilidade do

processo. Vale dizer, é necessário demonstrar a necessidade da interferência

estatal, por meio de prestação jurisdicional, e a utilidade daí advinda para o

jurisdicionado. 30

A possibilidade jurídica do pedido31 refere-se à admissão, em tese,

de se admitir o que se está sendo pleiteado em juízo. Somente poderá ser

30Em relação ao interesse processual, Ada Pellegrini Grinover, e outros, asseveram: “É preciso, pois, sob esse

prisma, que, em cada caso concreto, a prestação jurisdicional seja necessária e adequada. Repousa a necessidade da tutela jurisdicional na impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a intercessão do Estado – ou porque a parte contrária se nega a satisfazê-lo, sendo vedado ao autor o uso da autotutela, ou porque a própria lei exige que determinados direitos só possam ser exercidos mediante prévia declaração judicial (são as chamadas ações constitutivas necessárias, no processo civil e ação penal condenatória, no processo penal. CINTRA, Antonio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. op. cit., p. 256.

31“Assim, ilustrativamente, é exemplo da falta de possibilidade jurídica do pedido a ação declaratória para declarar meros (puros) fatos (Cf. ALVIM, Arruda. Código de processo civil e legislação extravagante: anotações de jurisprudência e doutrina. São Paulo, 1985, anotações ao art. 4º, n. 7, por onde se vê que o entendimento é pacífico). Nestas hipóteses, sendo patente a possibilidade jurídica do pedido, este não deve,

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pleiteado em juízo o que esteja em compasso com o ordenamento jurídico ou o

que este não vede expressamente.

A legitimidade para a causa está ligada a quem pode ser autor ou

réu em uma demanda, vale dizer, quem é o titular do pólo ativo ou passivo da

relação processual. A legitimidade também é bilateral: um autor é legitimado

para propor uma demanda em face de um réu (aqui não considerando

evidentemente os casos de cabimento de litisconsórcio) e não em face de outro.32

Donaldo Armelin endossa esse entendimento, qual seja, a de que

ambas as legitimidades são importantes, tanto a do autor, quando a do réu, pois

um autor está legitimado a propor a ação contra determinado réu e não contra

outro.33

A doutrina nunca conferiu muita importância à legitimidade

passiva, mas esta também é condição da ação importantíssima a ser considerada

para o efetivo desfecho do processo.

sequer, ser admitido pelo juiz (art. 295, parágrafo único, III). Igualmente não cabe ação declaratória para declarar nulidade de sentença, em lugar de ação rescisória (Id. Ibid., anotações ao art. 4º, 8). O exame e a decisão precipuamente com base na ausência de possibilidade jurídica do pedido dependerá da certeza de que o magistrado se encontre investido, ao examinar a petição inicial. Como já se assentou, não cabe ação declaratória para declarar nulidade de sentença, posto que, para tal fim, reserva o ordenamento jurídico meio próprio, a ação rescisória (CPC, art. 485).”.. ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., v. 1, p. 409.

32Preciosas são as palavras de Arruda Alvim para compreensão do tema: “a legitimidade é idéia transitiva, isto é, alguém é legítimo em função de outrem; vale dizer, o perfil final da legitimidade exige a consideração do outro, ambos esses pólos ligados a uma situação legitimante”. ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., p. 417.

33ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1979. p. 103.

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A falta de uma das condições da ação34 implica na extinção do

processo sem julgamento de mérito, por força do artigo 267, VI, do CPC.

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, o

processo desenvolve sua marcha, até o momento em que ocorre seu fim.

O fim de um processo pode ocorrer por vários motivos: 1) da

decisão judicial (sentença ou acórdão) a parte não interpôs recurso; 2) o recurso

interposto não preencheu os pressupostos de admissibilidade; 3) ocorreu o

esgotamento das vias recursais. Forma-se, então, a coisa julgada, com a

conseqüente impossibilidade, em regra, de rediscutir a decisão que se tornou

imutável.

34“O meio adequado para impugnar uma sentença, onde faltou uma das condições da ação, não é a ação

rescisória, mas, sim, a ação declaratória de inexistência de ato jurídico. Ação esta que não se subordina ao prazo de dois anos previstos no art. 495 do CPC, aliás, não se subordina a prazo algum, uma vez que a inexistência jurídica não prescreve e não preclui. SOTT, Airton José. Ensaio sobre a legitimidade extraordinária no direito processual civil brasileiro. 1995. p. 90. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1995.

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2. SENTENÇA

2.1. Processo e segurança jurídica

Com o exercício da jurisdição, o Estado busca a pacificação dos

conflitos existentes entre os jurisdicionados. No exercício desta atividade

deverão ser perseguidos o ideal da justiça, que somente é alcançado por meio de

decisões justas, quando o Estado dá a cada um aquilo que é seu.

É por meio do processo que as partes provocam o Poder Judiciário

na busca da jurisdição. Ajuizada a ação, tem-se início uma série de atos

processuais para que o Estado, por meio da sentença35 proferida por um

Magistrado, no final do processo, normalmente, atribua um bem jurídico a

alguém. Portanto, a sentença está intimamente relacionada à jurisdição e ao

próprio Estado Democrático de Direito.

A coisa julgada, por sua vez, está diretamente atrelada à sentença.

Ela se operará naquelas decisões que já não comportam mais recursos. Nestas

hipóteses diz-se que a decisão judicial foi alcançada pela autoridade da coisa

julgada e isto a torna imutável proporcionando aos jurisdicionados a segurança

jurídica que se espera das decisões judiciais.36 Daí porquê iremos analisar, ainda

que brevemente, a sentença.

35“A palavra ‘sentença’ decorre do latim sententia, sententiae, substantivo feminino, com diversas acepções,

como se pode ver em Cícero, noticiado no Novo dicionário latino-português: 1) o sentimento, sentença, opinião, parecer, intenção, vontade; 2) a prudência, ciência, sabedoria; 3) a sentença, determinação pela qual o juiz condena, ou absolve, o réu; a coisa sentenciada ou determinada em juízo; 4) frase que faz um sentido completo e perfeito; 5) sentimento, resolução; 6) a sentença, máxima dito sentencioso. Cícero usou a expressão ex animi sententia significando sinceramente, verdadeira, com sinceridade. “SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 203.

36“Justamente para retirar a incerteza do conflito, foi gestado o instituto da coisa julgada, o qual durante muito tempo acreditou-se fosse um efeito da sentença, mas que a doutrina de Liebman veio afastar essa falsa idéia, trazendo à voga a concepção de que a coisa julgada é uma especial qualidade que a lei atribui à sentença. Não é uma qualidade própria desta, assim pelo menos teoricamente é possível existir sentença sem coisa julgada”. ROCHA, Ibraim. Litisconsórcio, efeitos da sentença e coisa julgada na tutela coletiva. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 172.

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2.2. Sentença: escorço histórico

Contam os historiadores que os sumérios, civilização que teria

vivido entre 4.500 a 4.800 anos antes de Cristo, desenvolveram os primeiros

traços do Estado de nossos dias. Este povo criou um conjunto de regras sobre

leis, ouro, moedas, jóias, crédito, astronomia, literatura. Vencidos pelos

babilônicos, estes aproveitaram a experiência dos sumérios e promulgaram o

famoso Código de Hamurabi, em 2.400 ou 1.790 a.c.37

O artigo 5º do Código de Hamurabi tratava da sentença, que podia

ser oral ou escrita. Havia recomendação para que a sentença fosse justa, bem

como a previsão de pesadas multas ao seu prolator em caso de erro judiciário,

além de declará-lo impedido de julgar outro processo38 A pena capital era

prevista para aqueles que furtassem bens de Deus, da Corte ou escravos.39

No Código de Manu40, a sentença não advinha do raciocínio lógico

do juiz, pois na verdade o magistrado somente proclamava o resultado do juízo

de Deus ao qual era submetido o réu. O resultado da sentença dependia

exclusivamente das ordálias.41

O processo romano dividia os atos do juiz em sententias e

interlocutiones.42 Por meio da sentença, o juiz julgava efetivamente o direito da

37NORONHA, Carlos Silveira. Evolução histórica da sentença no processo lusitano. Revista de Processo, São

Paulo, v. 23, n. 92, p. 220, out./dez. 1998. 38Id. Ibid. 39Continua o autor: “As sentenças impunham severas penas pecuniárias, privativas da liberdade e até a pena

capital para quem furtasse bens de Deus e da corte (arts. 7º e 8º). Do mesmo modo, a sentença que condenasse alguém por furto de um escravo ou escrava pela porta da cidade, imporia ao culpado a pena capital”. Id. Ibid.

40“Esse nome é dado pelos hindus a quatorze pessoas diversas, cada uma delas presidindo a um período. Manu é, pois, o primeiro homem nascido de Brahman, pertence à casta hindiana, cujos membros são iguais à divindade e superiores aos reis, tocando-lhes tudo o que diz respeito com a religião e a justiça. As outras castas são os Xatryas, donde saem os reis e governantes; os Vaisyaas, lavradores e mercadores; e os Sudras que servem os demais”. Id. Ibid., p. 221.

41Id. Ibid. 42“A primeira era ato do juiz que julgava o direito da parte, e como se desconheciam outros tipos de tutela, a

sentença era sempre de “condenação” ou de “absolvição”, que após a sua prolação e diante da inexistência de recursos, ou mesmo após o julgamento desses, passava em julgado (res judicata). Já as interlocutórias eram os pronunciamentos do juiz que resolviam questões durante o curso do processo”. JORGE, Flávio Cheim. Sentença cível. Revista de Processo, São Paulo, v. 26, n. 104, p. 112, out./dez. 2001.

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parte. As interlocutiones eram utilizadas para resolver questões no curso do

processo.

No direito germânico, o processo era dividido em duas fases:

probatória e de julgamento e o juiz proferia duas sentenças. A primeira sentença

era lançada para regular o ônus da prova. A segunda efetivamente julgava o

direito material das partes. Ambas as sentenças alcançavam a coisa julgada.43

O direito canônico é dividido tradicionalmente em dois grandes

períodos pelos estudiosos e tem como marco o Decreto de Graciano (1139-

1145). Assim, costuma-se falar em período pré-Graciano44 e pós-Graciano.45

No período pré-graciano a sentença era proferida pelo guia dos

cristãos e era irrecorrível.46 Após o Decreto, em relação a sentença, houve uma

preocupação de ordem moral. Isto porque o julgador só deveria pronunciar o

julgamento quando estivesse imbuído de certeza moral (Cânon 1608 do Código

Canônico). 47 Com as Decretais de Gregório IX, foi instituído o processo escrito,

43“No direito germânico, a sentença passou a ter outro valor e conceito. No processo germânico existiam duas

fases bem distintas: a fase probatória e a fase de julgamento. A primeira terminava por sentença, e seu escopo era regular o ônus da prova. Após essa fase, proferia-se outra sentença proclamando o resultado. Assim, como lembra Buzaid, o processo germânico se desenvolvia intercalado de sentenças que decidiam ora matérias processuais, ora matérias substanciais, ambas prolatadas no decorrer do processo e sujeitas à impugnação mediante recurso de apelação. Na tradição germânica, não só a sentença definitiva alcançava a coisa julgada, mas também a sentença proferida na primeira fase (interlocutória)”. Id. Ibid.

44“Anteriormente ao decreto, a canonística era regida pelas Sagradas Escrituras, pelos escritos pseudo-apostólicos (Didachê, Didascalia, Cânones eclesiásticos, constituições apostólicas, bem como pelas normas emanadas dos concílios (de Nicéia, de Toledo, nos anos 325 e 587, respectivamente, pelas Decretais ou Epistoles, Decisões dos bispos e por regras monásticas e penitenciais de São Parcônio e São Basílio, em 320 e 370, respectivamente sem se distanciarem todas elas da tutela do direito romano, principalmente a partir de Constantino. Foram relevantes também para a regência da canonística pré-graciana algumas coleções pertinentes ao direito bizantino do oriente tais como a Écloga (726), Procheiron (875), Epanagogue (886) e Basílicas (890). A partir de Constantinopla, há que se referir ainda, como fontes do direito canônico daquele momento, outras coletâneas, tais como Collectiones Dionisiana, Hispana et Adriana, respectivamente em 500, 636 e 802. Foram estas, juntamente com outras de menor importância, promulgadas, atendendo exigências de normas processuais novas, em momento de grande afluência de feitos perante as episcopalis audientiae”. NORONHA, Carlos Silveira. op. cit., p. 224, citando aula de pós-graduação proferida pelo Prof. Moacir Lobo da Costa em 14.09.99 na Faculdade de Direito da USP.

45NORONHA, Carlos Silveira. op. cit., p. 223. 46Id. Ibid., p. 224. 47Continua o autor: ‘além da certitudo moralis, que é o elemento fundamental da sentença canônica, outros

princípios basilares sobre as sentenças, consagrados pela história da civilização jurídica e que se constituem também na espinha dorsal do direito da Igreja, estão presentes no decreto, podendo-se recordar, como exemplo, alguns deles: a) sententia definitiva obtinet auctoritatem rei judicatae (c. 29C. 2. Q. 6); b) iniqua sententia est revocanda c) 6C. 24 q.20. Id. Ibid., p. 225.

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ganhando incremento as sentenças interlocutórias, já que o processo era dividido

em várias fases e comportava várias sentenças, todas recorríveis.48

No período visigótico, a sentença de primeiro grau era proferida por

um juiz inferior (normalmente um conde). Raramente pelo rei, titular da

Suprema Magistratura. Para se chegar ao julgamento, utilizavam a tortura e o

juramento.49

Também no direito português as sentenças se dividiam em

definitivas e interlocutórias, por influência do direito germânico.50 Foi o Código

de Processo Civil de 1939 que adotou o novo conceito de sentença como o

pronunciamento judicial com vistas à extinção do processo, cindindo-o,

portanto, das decisões interlocutórias.51

2.3. Conceito, natureza jurídica e imutabilidade

Alguns autores conceituam a sentença sob vários ângulos: como ato

estatal, como ato processual e como ato do juiz.

Como ato estatal a sentença é a “manifestação da vontade estatal

emitida no exercício da função jurisdicional”.52 Como ato processual, a

48NORONHA, Carlos Silveira. op. cit.. 49Id. Ibid. 50“Dispunham as ordenações filipinas que a sentença interlocutória seria qualquer sentença ou mandado que o

juiz dava ou mandava em algum feito, antes da sentença definitiva. A sentença interlocutória podia ser revogada a qualquer tempo, a não ser quando a mesma impusesse a extinção do processo. Já a sentença definitiva era a que efetivamente apreciava o direito levado ao julgador, que deveria ficar circunscrito às provas e alegações deduzidas em juízo, a não ser quando a sentença definitiva era proferida pelo príncipe, que poderia julgar de acordo com a sua consciência”. JORGE, Flávio Cheim. op. cit., p. 113.

51Id. Ibid. 52Continua o autor: “Como ato estatal, deve nela ser enfatizado o caráter de ato de poder, de decisão, de

manifestação da autoridade do Estado visando à resolução do conflito de interesses. Ao resolver a lide, litígio ou mérito, impondo a vontade do Poder Público constitui a sentença a lei individualizada que vai reger as condutas das pessoas que estão em litígio”. SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 205.

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sentença é o ápice do processo, o momento em que aquela instância judicial

encerra a prestação jurisdicional com a decisão sobre o caso concreto. Como ato

do juiz é a definição dada pelo Código de Processo Civil.

A sentença, segundo o art. 162, § 1º, do Código de Processo Civil é

“o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da

causa”. Trata-se, assim, do ato estatal que põe fim à pretensão resistida das

partes. A doutrina, todavia, assegura que a palavra “ato” do dispositivo legal

trata na verdade dos pronunciamentos judiciais.53

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.253/04, que

altera inúmeros artigos do Código de Processo Civil, entre eles, o parágrafo

único do artigo 162, que passaria a ter a seguinte redação: “Sentença é o ato do

juiz proferido conforme os arts. 267 e 269.”

A sentença judicial é aquele pronunciamento do juiz que tem força

o suficiente para pôr fim ao processo. Muitos doutrinadores, todavia, criticaram

essa definição. Nelson Luiz Pinto, por exemplo, sustenta que o que qualifica o

pronunciamento judicial como sentença é o seu conteúdo e não o fato de pôr fim

ao processo.54 Teresa Arruda Alvim Wambier também entende ser o conteúdo o

traço marcante das sentenças. A autora sustenta que é ele que distingue as

sentenças dos demais pronunciamentos do juiz.55.

53Nesse sentido, Arruda Alvim: “Na verdade, embora o art. 162 aluda à categoria genérica de atos do juiz, refere-

se em verdade a seus pronunciamentos, que se constituem em sentenças, decisões interlocutórias e despachos, desprovidos estes últimos normalmente de caráter decisório. (...). Os atos do juiz são categoria mais ampla que pronunciamentos, que abrangem, v.g, a inquirição de testemunhas, a inspeção judicial, etc”. ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., p. 628.

54“São os artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil que estabelecem quais os conteúdos que podem ter as sentenças. O artigo 267 estabelece as hipóteses de sentenças de extinção do processo sem julgamento do mérito, enquanto que o artigo 269, as hipóteses de extinção do processo com julgamento de mérito.(...) Portanto, o que qualifica o pronunciamento judicial como sentença é o seu conteúdo e não a circunstância de por fim ao processo, que nada mais é do que a conseqüência desse pronunciamento, e os fenômenos jurídicos não devem ser definidos pelas suas conseqüências ou pelos seus efeitos, como pretende o § 1º do artigo 162 do CPC”. PINTO, Nelson Luiz. Recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: Malheiros Ed., 1992.

55WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998. p. 26.

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Nelson Nery, todavia, entende que o legislador levou em conta,

para conceituar processo, a finalidade do ato e não seu conteúdo.56

Flávio Cheim Jorge sustenta que o conceito de sentença do código,

a rigor, está incorreto porque a sentença não extingue nem o processo e nem o

procedimento.57 Para ele, a sentença apenas extingue o processo quando, em

face dela, não exista recurso e opera-se o trânsito em julgado. Havendo recurso,

o processo continua a existir, porém em outro grau de jurisdição. Também

discorda do entendimento de que o conteúdo do ato do juiz seja importante para

conceituar o que seja sentença. Isto porque “a extinção com fundamento no

artigo 267 ou no artigo 269, já se trata de conseqüência da própria sentença, no

que tange ao término do processo com ou sem julgamento de mérito. Ademais

disso, é possível a existência de pronunciamentos judiciais com o conteúdo do

art. 267 ou do artigo 269, que não podem ser classificados como sentença”.58

Ficamos com a definição de sentença dada pelo legislador, que

levou em consideração, como afirma Nelson Nery, a finalidade do ato

jurisdicional. Se o juiz quis pôr fim ao processo, estaremos diante de uma

sentença. Esse é, no nosso entender, o espírito do que seja a sentença. De

qualquer forma, pode-se dizer que se trata de ato essencial ao exercício da

56“Sentença é ato do juiz que, no primeiro grau de jurisdição, extingue o processo com ou sem julgamento de

mérito (CPC 267 e 269). No primeiro grau, pois, se houver apelação, o processo continua no segundo grau de jurisdição. O CPC levou em conta a finalidade do ato para classificá-lo e não seu conteúdo: se o objetivo for extinguir o processo, trata-se de sentença. O termo processo deve ser entendido como significando o conjunto de todas as relações processuais deduzidas cumulativamente e/ou processadas em simultaneus processus. O parâmetro para a classificação do ato judicial é o processo e não a ação. É irrelevante para classificar-se o ato judicial como sentença, indagar se extinguiu ou não a ação. O ato que extingue a ação pode ser sentença ou decisão interlocutória, caso, respectivamente, extinga ou não o processo”. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 515.

57“De fato, num rigor extremo, não se pode dizer efetivamente que é a sentença que extingue o processo. Nem a relação processual nem o procedimento se encerram com a sentença. É que, como ressalta Frederico Marques, a relação processual, na realidade, somente se encerra e se finda quando ocorrer a coisa julgada formal, isto é, quando o pronunciamento torna-se irrecorrível. Num sentido ainda mais técnico do que este, poderíamos dizer que o processo somente é extinto com o trânsito em julgado, que se dá, como leciona Machado Guimarães, com a passagem da sentença da condição de mutável para imutável”. JORGE, Flávio Cheim. Sentença cível. Revista de Processo, São Paulo, v. 26, n. 104, p. 114, out./dez. 2001.

58Id. Ibid.

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jurisdição. Pode-se afirmar, com segurança, que de todos os atos do juiz, a

sentença é o mais importante.

Sobre a natureza jurídica da sentença, Arruda Alvim assim

manifestou seu entendimento: “A sentença é ato intelectual de índole, ou com

estrutura, predominantemente lógica (formal e material), que pressupõe

apuração dos fatos e identificação da norma, através da qual o Estado-juiz se

manifesta, concretizando imperativamente a vontade do legislador, traduzida ou

expressada pela lei”. 59

O artigo 463 do CPC dispõe, in verbis: “Ao publicar a sentença de

mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la: I)

para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou

lhe retirar erros de cálculo; por meio de embargos de declaração”.

Muito embora o dispositivo legal se refira à sentença de mérito,

igualmente a sentença terminativa é imutável pelo juiz que a proferiu após a

publicação, somente podendo ser alteradas na hipótese do artigo supra.

Não se há de confundir publicação com intimação. A sentença civil

é publicada quando o juiz a entrega por escrito ao escrivão para que proceda a

juntada aos autos ou então quando é ditada para o escrevente em audiência.60 A

intimação é feita ou em audiência, quando os advogados tomam ciência de seu

teor ou pelo Diário Oficial. É a partir da intimação, e não da publicação, que

começa fluir o prazo para a interposição ou de embargos de declaração (nas

hipóteses do artigo 535, isto é, quando a sentença contiver obscuridade,

contradição ou omissão) ou do recurso de apelação.

59ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., v. 2, p. 636. 60O Código de Processo Penal, em seu artigo 389, trata da matéria nos seguintes termos: “A sentença será

publicada em mão do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo, registrando-a em livro especialmente destinado a este fim.”

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2.4. A sentença como pronunciamento obrigatório do juiz

O artigo 126 do Código de Processo Civil veda ao juiz a

possibilidade de deixar de julgar ou sentenciar alegando lacuna ou obscuridade

na lei. Para julgar deverá aplicar a lei, mas se esta não existir para o caso

concreto posto em julgamento, deverá o magistrado pautar-se na analogia, nos

costumes e nos princípios gerais de direito.

No mesmo sentido dispõe o artigo 4º da Lei de Introdução ao

Código Civil ao dispor que o “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de

acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Assim,

em hipótese alguma um juiz pode deixar de proferir sentença.

2.4.1. Estrutura

Os requisitos essenciais da sentença estão previstos no artigo 458

do CPC e são o relatório, os fundamentos de fato e de direito e o dispositivo.

Compõem-se, portanto, a sentença de três partes fundamentais.

No relatório, o juiz deverá mencionar o nome das partes, um

resumo do pedido e da contestação, bem como os principais acontecimentos

ocorridos durante o processo. Releva notar que o relatório é dispensado das

sentenças proferidas pelos juizados especiais cíveis, por força do artigo 38 da

Lei 9.099/95.

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A fundamentação é a segunda parte da sentença. O juiz deverá

fundamentar os motivos que o levaram a decidir em um ou outro sentido.61

O dever de fundamentação, além de estar assegurado na legislação

ordinária, artigo 165 do Código de Processo Civil, também vem determinado na

Constituição Federal, no artigo 93, IX.62 O inciso X do mesmo dispositivo

constitucional também prevê a necessidade de fundamentação das decisões

administrativas dos tribunais. A não observância da fundamentação de todos os

julgamentos do Poder Judiciário implica a nulidade absoluta da decisão.63

Vale lembrar que os processos extintos sem julgamento de mérito

poderão ter uma fundamentação concisa64, por força do artigo 459 do CPC.

Na opinião de José Rogério Cruz e Tucci, caso a decisão judicial

imotivada tenha transitado em julgado, só restará ao interessado ajuizar uma

61“É da tradição do direito luso-brasileiro ser necessária a fundamentação das decisões judiciais. As Ordenações

Filipinas, no Livro III, Título LXVI, nº 7º, diziam expressamente ser dever do juiz motivar suas decisões, preceito que foi seguido, posteriormente pelo art. 232 do regulamento 737 de 1850. “ Bento de Faria apud NERY JÚNIOR, Nelson Princípios do processo civil na Constituição Federal, cit., p. 174.

62Nesse sentido: NULIDADE – DECISÃO DESTITUÍDA DE FUNDAMENTAÇÃO – VIOLAÇÃO AOS ARTS. 93, IX DA CARTA MAIOR E 832 DA CLT – RECONHECIMENTO – A partir da CF/88, o legislador entendeu por bem elevar o dever de fundamentar as decisões ao patamar constitucional, a luz dos princípios basilares da Magna Carta. Tal garantia permite que as partes conheçam as razões de convencimento do magistrado ao proferir suas decisões, participando e controlando efetivamente os atos decisórios do Poder Judiciário, em respeito ao próprio Estado Democrático de Direito. Em sendo assim, as decisões prolatadas pelo Judiciário, deverão vir impreterivelmente acompanhadas de fundamentação, sob pena de incorrer em negativa de prestação jurisdicional. A decisão destituída de fundamentação, sem qualquer menção à realidade fática narrada nos autos, importa em violação aos arts. 93, IX da CF e 832 da CLT, sendo a declaração de nulidade medida que se impõe. (TRT 15ª R. – Proc. 9172/01 – (36686/01) – 2ª T. – Rel. p/o Ac. Juiz Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva – DOESP 20.08.2001 – p. 47).

63‘Interessante observar que normalmente a Constituição Federal não contém norma sancionadora, sendo simplesmente descritiva e principiológica, afirmando direitos e impondo deveres. Mas a falta de motivação é vício de tamanha gravidade que o legislador constituinte, abandonando a técnica de elaboração da Constituição, cominou no próprio texto a pena de nulidade. (...) O mau vezo em que ocorrem alguns juízes e tribunais de não fundamentarem suas decisões acarreta hoje nulidade por infringência à CF. Não é incomum os juízes indeferirem pretensões das partes argumentando com o jargão de que o fazem ‘por falta de amparo legal’. Esse tipo de decisão é exemplo clássico de fundamentação da decisão judicial (jurisdicional ou administrativa), que a torna írrita e ineficaz. O juiz deverá indicar o porquê do indeferimento, já que se não houver vedação expressa na lei, o juiz não poderá deixar de apreciar o pedido, preenchendo eventual lacuna pelos mecanismos indicados no artigo 5º, da LICC, no artigo 126 do CPC e no artigo 7º do CDC. Sua conclusão poderá ser pelo indeferimento, mas deverá dizer quais as razões pelas quais assim decidiu”. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, cit., p. 177.

64“Decisão concisa é a que tem fundamentação breve, da qual constem os elementos necessários para sua sustentação, expurgando-se dela aquilo que for supérfluo”. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 459.

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ação rescisória, com fundamento no inciso V, do artigo 485 alegando

descumprimento do artigo 458, II65.

O dispositivo é a terceira parte da sentença. É dele que

efetivamente constará a decisão. Caso o processo não seja extinto sem

julgamento de mérito, este deverá ser enfrentado e o pedido formulado na inicial

julgado como procedente, procedente em parte ou improcedente.

2.4.2. Condições

Para uma sentença judicial ser considerada válida, não se pode dar

observância exclusivamente aos requisitos estruturais do artigo 458 do CPC.

Existem outras condições conhecidas como qualidades que também devem ser

cumpridas. Estas outras condições também estão ligadas com a validade da

sentença e seu descumprimento também acarretam a nulidade do decisum. 66

A sentença deve ser clara. Muito embora tal determinação não

conste do atual CPC (constava no artigo 280 do código anterior), é possível

entender que tal exigência está em vigor porque a lei prevê os embargos de

declaração para aclarar decisões obscuras ou contraditórias; o dever

constitucional de dar fundamentação às decisões judiciais traz como

conseqüência que os fundamentos possam ser compreendidos, pois são eles que

legitimam a decisão tomada pelo Estado67

65TUCCI, José Rogério Cruz e. Ainda sobre a nulidade da sentença imotivada. Revista de Processo, São Paulo,

v. 14, n. 56, p. 223-233, out./dez. 1989. 66SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 399. 67Id. Ibid.

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A sentença também deve ser escrita em língua portuguesa,

consoante prescreve o artigo 156 do CPC.68 Deve ainda ser inteligível, por meio

de uma linguagem clara, senão a todas as pessoas, pelo menos ao homem médio.

Deve ainda ater-se ao pedido formulado na inicial, por força dos artigos 2º, 128

e 460 do CPC. Sentenças em descompasso com o pedido são classificadas como

extra petita, ultra petita ou citra petita.

Sentença extra petita é aquela que concede ao autor aquilo que ele

não pediu.69 Arruda Alvim lembra que sentença extra petita além de violar os

artigos 2º, 128 e 460 do CPC, também viola o princípio dispositivo e

contraditório. Poderá haver julgamento extra petita quando o juiz não observar o

pedido imediato (pedido propriamente dito) ou, ainda que atendido o pedido, por

outra causa petendi.70 Isto porque, “embora a causa petendi não integre o

pedido, ela o identifica. Assim, se o autor faz o pedido x baseado na causa de

pedir y, não estará, na verdade, concedendo o mesmo pedido. Assim tem

entendido a nossa jurisprudência maciçamente.” 71

Sentença ultra petita é aquela que concede ou deixa de conceder

além do pedido. É possível distingui-la das sentenças extra petita porque

naquela o juiz vai além do pedido, ampliando-o; nesta simplesmente

desconsidera o pedido para dar algo que não foi pedido.

68“O padrão é a grafia oficial, de acordo com a Lei nº 2.623/55, alterada pela Lei nº 5.765/71, bem como pela

convenção celebrada em Portugal, em 1973”. Id. Ibid., p. 400. 69PROCESSUAL – TRIBUTÁRIO – MEDIDA CAUTELAR – TÍTULO DA DÍVIDA PÚBLICA –

GARANTIA DE EXECUÇÃO – SENTENÇA INDEFERITÓRIA DA INICIAL POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE COMPENSAÇÃO – MATÉRIA ESTRANHA À LIDE – SENTENÇA "EXTRA PETITA" – A sentença que aprecia pedido diverso do proposto na inicial configura-se "extra petita", impondo-se a sua nulidade. Apelo provido. (TRF 1ª R. – AC 199901001187474 – GO – 4ª T. – Rel. Juiz Hilton Queiroz – DJU 13.11.2001 – p. 130).

70“Assim, se alguém solicita a separação judicial, fundada em determinada injúria grave, e o juiz decreta a separação, baseada em adultério (não alegado), padece de tal sentença do referido vício.” ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., v. 2, p. 658.

71ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., v. 2, p. 658.

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A jurisprudência normalmente não tem anulado sentenças ultra-

petita, em observância ao princípio da economia processual. Simplesmente

adequam o decisum ao pedido formulado pelo autor.72 7374

Sentença citra petita é aquela que não aprecia todos os pedidos

formulados pelo autor, em nítido descompasso com o artigo 459 do CPC. Sua

ocorrência enseja a nulidade do julgado75, pois o Tribunal, se examinasse

diretamente o pedido não apreciado pelo juiz estaria violando o princípio que

garante o duplo grau de jurisdição.

2.4.3. Classificação

2.4.3.1. De acordo com o conteúdo

As sentenças podem ser definitivas ou terminativas. Sentenças

definitivas, na sistemática processual do passado, eram aquelas que enfrentavam

o mérito. Sentenças terminativas eram aquelas que extinguiam o processo sem

72SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 406. 73Para ilustrar esse entendimento pode-se citar o seguinte julgado: PROCESSUAL CIVIL – SENTENÇA

EXTRA PETITA E ULTRA PETITA – ENTENDIMENTO – ANULAÇÃO DA SENTENÇA APENAS NO CASO DE CONDENAÇÃO EXTRA PETITA – Tratando-se, como se trata, de sentença ultra petita, descabe a sua anulação, mas apenas a sua redução pelo Tribunal aos limites do pedido. Recurso conhecido, mas desprovido. (STJ – RESP – 250255 – RS – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 15.10.2001 – p. 00281).

74Arruda Alvim esclarece que a sentença ultra petita “é fenômeno que diz respeito à sua parte decisória (ao decisum), pois que consiste em infração ao princípio da congruência do decisum com o pedido. Não diz respeito à ‘extensão argumentativa’ da fundamentação”. ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., v. 2, p. 661.

75PROCESSO CIVIL – EMBARGOS INFRINGENTES – SENTENÇA CITRA PETITA – NULIDADE – 1. É nula a sentença que deixa de apreciar pretensão material que integra o pedido formulado na inicial, decidindo citra petita. 2. Embargos infringentes improvidos. (TRF 1ª R. – EIAC 200001001346371 – DF – 2ª S. – Rel. Juiz Hilton Queiroz – DJU 24.09.2001 – p. 138).

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julgamento de mérito. Estas desafiavam recurso de agravo de petição e aquelas

recurso de apelação.7677

Todavia, na opinião de Flávio Cheim Jorge, atualmente a distinção

entre elas deve ter outro sentido, até porque, independentemente de ser sentença

terminativa ou definitiva, para ambas é cabível o recurso de apelação.

Para o autor, sentenças de mérito são aquelas que fazem coisa

julgada material, ficando o autor impossibilitado de rediscuti-la, exceto por meio

da ação rescisória. As sentenças terminativas são aquelas que possibilitam o

ajuizamento de uma nova demanda, por somente terem feito coisa julgada

processual.78

As hipóteses das sentenças de mérito, que fazem coisa julgada

material, estão previstas no artigo 269 do CPC e as que não julgam o mérito, que

fazem somente coisa julgada formal, encontram-se no artigo 267 do CPC.

2.4.3.2. De acordo com a eficácia

As sentenças também podem ser classificadas de acordo com o a

eficácia em: declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e

executivas lato sensu.

76JORGE, Flávio Cheim Jorge. op. cit. 77Gabriel José Rodrigues de Rezende Filho, ensinou que “As sentenças terminativas são as que põem fim ao

processo, sem lhe resolverem, entretanto, o mérito, como por exemplo, a que julga procedente a exceção de coisa julgada” Para o autor sentenças definitivas são as aquelas “que decidem o mérito da causa, no todo ou em parte” REZENDE FILHO, Gabriel José Rodrigues. Curso de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1956. v. 3, p. 16.

78JORGE, Flávio Cheim. op. cit., p. 125.

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2.4.3.2.1. Sentenças declaratórias

Sentenças declaratórias são proferidas em ações declaratórias79. A

sentença declaratória tem como efeito reconhecer a existência ou inexistência de

uma relação jurídica entre as partes. A declaração de certeza de uma relação

jurídica é o que se busca com a ação. Uma vez declarada a existência ou não da

relação jurídica, pode ser encerrada a atividade jurisdicional do Estado.

Sentenças declaratórias não podem ser executadas.

A previsão legal para o ajuizamento de ações declaratórias

encontra-se no artigo 4º, I e II, do CPC. Prescreve o dispositivo legal que “o

interesse do autor pode limitar-se à declaração: I) da existência ou inexistência

de direito; II) da autenticidade ou falsidade de documento”.

Tanto o autor quanto o réu podem propor ações declaratórias, com

fundamento no artigo 5º do CPC.

Nelson Nery lembra que não é possível utilizar-se da ação

declaratória com vistas à obtenção de uma consulta do Poder Judiciário sobre

79O autor Slaibi Nagib Filho sustenta que são ações declaratórias típicas: improcedência ou rejeição da demanda

(CPC, 269, I, Segunda parte): ‘julgo improcedente a demanda...’; procedência de ação consignatória (CPC, 897; acolho o pedido para declarar extintas as obrigações referentes aos depósitos efetuados no decorrer do processo; a primeira fase da ação de prestação de contas, quando nega o demandado a existência da relação jurídica que determina a obrigação de prestar contas; a sentença, aí, além de declarar a existência da relação jurídica, condenará o réu a prestar contas no prazo de 48:00 horas, a partir da intimação (ainda que por edital, nos casos cabíveis) à parte (e não ao advogado) sob pena de não lhe ser lícito impugnar o que o autor apresentar (CPC, 915, § 2º); ação declaratória de posse (o que é diferente das ações de reintegração, manutenção e proibitória); ação de usucapião (adquire-se a propriedade não pela sentença, mas pelo transcurso do tempo, CPC, 942; CC 530, III, 550); a ação de inventário e o arrolamento (porque nela se declaram os herdeiros, legatários e bens; já a partilha ou adjudicação são executivas); a ação declarativa de herança vacante e a ação de bens vagos (CPC, 1170); ação de declaração da incapacidade civil, embora as causas de cessação de incapacidade civil, previstas no art. 9º, § 1º, do CC, por si só produzem efeitos; ação de declaração de existência (ou inexistência) de sociedade de fato, inclusive decorrente do concubinato; ação de declaração de eficácia (ou ineficácia) de atos normativos sobre determinadas situações concretas (inclusive de incidência, ou não, de normas constitucionais, sobre situações concretas”. SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 247-248.

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tese jurídica ou questão de direito. A condição para ajuizar a ação é a

necessidade de pedir a tutela jurisdicional. 80

A lei não prevê prazo para o ajuizamento da ação declaratória, já

que seu objeto versa sobre a existência ou não de relação jurídica. Pode, pois,

ser ajuizada a qualquer tempo, sendo imprescritível.

Sentenças declaratórias são atingidas pela autoridade da coisa

julgada, de forma que não podem ser desrespeitadas.81

As sentenças declaratórias podem ser positivas, quando o juiz

declara a existência de determinada relação jurídica ou documento, ou negativa,

quando o juiz afirma o contrário.

Na sentença declaratória positiva cabe ao autor provar o alegado, ao

passo que na declaratória negativa, cabe ao demandado provar a existência da

relação jurídica ou documento que o autor alega inexistir. Isto porque nosso

sistema jurídico não faz exigência da prova negativa.

Existe ainda a ação declaratória incidental que é “ação acessória,

entre as mesmas partes da ação principal, cujo objeto de pedido é clarear a

existência ou inexistência da relação jurídica que, por si só, é questão

prejudicial naquela ação principal. O pedido principal na ação declaratória

incidental é a questão prejudicial da ação principal”.82

80NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 259. 81Arruda Alvim leciona, sobre as sentenças declaratórias: “Certamente tal sentença declaratória projetar-se-á na

ulterior sentença condenatória, com a sua força de coisa julgada material, no que tange à declaração do direito; por outras palavras, o resultado da sentença condenatória já está prefixado ‘prejulgado’ na anterior sentença declaratória. Apenas não tendo tido a ação declaratória o fim de obter a sanção – e nem mesmo isto seria viável em seu âmbito – a sentença respectiva não terá podido, por essa razão, acrescentar à anterior declaração positiva, sobre a qual já pesa a autoridade da coisa julgada, a respectiva sanção. Nada mais”. ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., p. 640.

82SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 245.

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2.4.3.2.2. Sentença constitutiva

A sentença constitutiva cria, modifica ou extingue uma relação

jurídica. Assim podem ser constitutivas positivas, negativas e modificativas.

Arruda Alvim também entende que essas sentenças podem ser constitutivas

necessárias ou voluntárias.83

Da mesma forma que a sentença declaratória, a sentença

constitutiva também não enseja sua execução.84

Enquanto a sentença declaratória afirma ou não a existência de uma

relação jurídica, a sentença constitutiva cria, modifica ou extingue a relação

jurídica.

Nagib Slaibi Filho entende como exemplo sentenças constitutivas

as pronunciadas em ações de anulação de casamento; tutelas e curatelas;

regulamentação de visitas; guarda e posse; suspensão e destituição do pátrio

poder; adoção; guarda e responsabilidade; suprimentos judiciais diversos, como

por exemplo, para fins matrimoniais, apresentação e cumprimento de

testamento; renovatórias e revisionais de locação; cautelares como justificação

(CPC, art. 861), protesto de títulos (CPC, art. 882), protesto, notificação e

interpelação; especialização da hipoteca legal; homologação de sentença

estrangeira; restauração de autos, anulação de ato jurídico; redibição e ‘quanti

minori’; desapropriação; ação popular constitucional; rescisória; anulação e

83“Será constitutiva voluntária, quando o estado jurídico obtido pela sentença poderia ter sido conseguido pelas

próprias partes litigantes, como, exemplificadamente, a rescisão amigável de um negócio jurídico, entre maiores e capazes, cujo objeto será disponível. Já, diversamente, será constitutiva necessária, quando o novo estado jurídico não pode ser alcançado pelas partes, senão por intermédio da intervenção do Judiciário. Assim, por exemplo, a hipótese de anulação de casamento”. ). ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., p. 643.

84“O seu efeito opera instantaneamente, dentro do próprio processo de cognição, de modo a não comportar ulterior execução de sentença. A simples existência da sentença constitutiva gera ‘a modificação do estado jurídico existente”. THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., p. 518.

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substituição de títulos ao portador (CPC, art. 907); divisão; interdição; falência e

concordata; despejo; extinção de condomínio.85

Tradicionalmente, salvo disposição em contrário na lei, as

sentenças constitutivas têm efeito ex nunc, ou seja, a partir da sua prolação e não

a partir do trânsito em julgado.86

2.4.3.2.3. Sentença condenatória

A sentença condenatória também declara o direito, mas não é isso o

que a caracteriza. É a sanção a sua marca. 87 Nesse passo, releva notar que a

Constituição Federal garante a reparação do dano individual ou coletivo, moral

ou patrimonial. É essa reparação o objeto das sentenças condenatórias.

Assim, o pressuposto para obtenção de uma sentença condenatória

é o dano, patrimonial ou moral. Sem ele não é possível que o magistrado

condene alguém a ressarcir, a indenizar algo.

A sentença declaratória são aquelas que obrigam a parte a fazer ou

não fazer ou a entregar alguma coisa. A ação condenatória também é chamada

de ação de prestação.88 89

85SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 255-280. 86Id. Ibid. 87ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., p. 644. 88“A ação condenatória é denominada, também, ação de prestação. Por prestação não se entenda, aqui, só a

preexistente obrigação ou vínculo obrigacional, senão que objetiva-se, pela ação/sentença condenatória, um título sentencial ou executivo que faça as vezes do adimplemento da obrigação, o qual só não enseja o processo de execução se houver uma conduta do réu para, ainda que depois da sentença (transitada em julgado ou ensejando execução, ainda que não haja coisa julgada) adimplir a preexistente obrigação. Id., loc. cit.

89Segundo o autor, “na sentença condenatória há a declaração (da violação do direito), a constitutividade (ao criar a obrigação por meio de cujo cumprimento haverá a reparação), a condenação (em uma obrigação típica – dar coisa, fazer ou não fazer, embora seja ilíquida, ou seja, sem ter sua extensão fixada). Há, também, na condenatória, o aspecto mandamental (ao determinar que o devedor o cumpra) e o aspecto executivo (com peso inferior ao da declaração), o qual incidirá em execução forçada, se não houver, pelo sucumbente, o pagamento espontâneo”. Id. Ibid., p. 282.

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Diferentemente das ações declaratórias e constitutivas, é cabível a

execução do julgado. Assim, durante o processo de conhecimento o autor busca

uma sentença de condenação do réu. Depois, em posse dela, ingressa com uma

ação de execução para satisfação do crédito que tenha por direito. A sentença é o

título judicial que permitirá ao credor ingressar no patrimônio do devedor para

satisfação de seu crédito.90

O Código de Processo Civil classifica as execuções com base no

objeto da prestação, conforme seja um ‘dar’ ou um ‘fazer’, considerando ainda a

situação patrimonial do executado (solvente ou insolvente).91 Destarte, tem-se a

execução para a entrega de coisa certa e incerta (arts. 621 a 631), a execução das

obrigações de fazer e não fazer (arts. 632 a 645), a execução por quantia certa

contra devedor solvente (arts. 646 e ss), e a execução por quantia certa contra

devedor insolvente. (arts. 748 e ss).

Nagib Slaibi Filho exemplifica as ações condenatórias da seguinte

forma: “condenatória decorrente de inadimplemento, total ou parcial de

obrigação contratual, em que se incluem obrigações decorrentes de contratos

típicos (por exemplo, compra e venda, locação, transporte), atípicos, mistos,

coligados, etc; por culpa aquiliana; ação de locupletamento; a segunda fase da

ação de prestação de contas; ação de indenização por ofensa à posse; ação

decorrente de gestão de negócio; ação confessória de servidão; reparação por ato

lesivo, como, por exemplo, o estado de necessidade; ação cominatória para

prestação de fato ou abster-se de ato ou tolerar atividade; ação de alimentos;

ação de indenização por atos do Poder Público”.92

90ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., p. 644. 91VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros Ed., 2000. 92SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 281-315.

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2.4.3.2.4. Sentença Mandamental

A existência da sentença mandamental não era unânime na

doutrina.93 Humberto Theodoro Jr, por exemplo, não faz menção no capítulo que

trata da sentença, em sua obra Curso de Direito Processual Civil, da espécie

mandamental. Arruda Alvim, embora entenda que as sentenças mandamentais

poderiam ser assimiladas às sentenças constitutivas e às condenatórias, admite

que parte da doutrina e jurisprudência reconhecem a sentença mandamental

como autônoma.94

Todavia, o artigo 14, V e seu parágrafo único do Código de

Processo Civil, acrescentado pela Lei 10.358/01, trazem menção expressa aos

provimentos mandamentais. Assim, não existe mais dúvida no sentido de que as

sentenças mandamentais existem em nosso ordenamento jurídico.

Na sentença mandamental o juiz dá uma ordem para que alguém

(pessoa física ou jurídica) faça ou deixe de fazer alguma coisa. 95

O descumprimento do preceito mandamental contido na sentença,

quer pelo particular, quer pelo servidor público, pode caracterizar o ilícito de

desobediência, desde que a ordem judicial contenha a advertência de que o

descumprimento da medida ensejaria a ocorrência de tal crime. Há quem

93Em nota de rodapé Nagib Slaibi Filho comenta: “Em nota de página, José Carlos Barbosa Moreira (Temas de

direito processual, 4ª série, São Paulo, Ed. Saraiva, 1989, p. 180) comenta que o grande propugnador do sistema quinário é Pontes de Miranda, havendo idêntica orientação de Ovídio A. Baptista (‘Eficácias da sentença e coisa julgada’), no volume Sentença e coisa julgada, Porto Alegre, 1979, ps. 93 e segs.) e José da Silva Pacheco (Direito Processual Civil, São Paulo, 1976, 2º vol. ps. 201 e seguintes.)”. Id. Ibid., p. 335.

94ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., p. 645. 95Nagib Slaibi Filho cita em sua obra o conceito de ação mandamental formulado por Pontes de Miranda: “A

ação mandamental é aquela que tem por fito preponderante que alguma pessoa atenda, imediatamente, ao que o juízo manda. Alude-se, no étimo, à mão, a manus, e a semelhantes palavras de velhas línguas. Porque quase só se trabalhava com a mão, formou o Mann, o homem, em tantas zonas do mundo. Com a mão, aponta-se, mas o mandamento refere-se ao movimento da mão e à premência de obedecer. Foi grave erro dos juristas desprezarem a busca dos pesos de mandamentalidade nas ações e sentenças”. Pontes de Miranda apud SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 336.

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entenda, ainda, que o descumprimento do mandamento judicial por parte de

servidor público caracterize o crime de prevaricação.96

A sentença mandamental não enseja processo de execução. Já se

decidiu que se o poder público não cumpre a sentença mandamental transitada

em julgado para rever pensão de servidor correspondente à remuneração que

recebia o falecido, é possível bloquear a rendas públicas para garantir a

autoridade da coisa julgada. 97

São típicos exemplos de sentenças mandamentais, segundo Nagib

Slaibi Filho, as proferidas em mandado de segurança, mandado de segurança

coletivo, mandado de injunção, habeas data, ação de manutenção de posse, ação

de interdito proibitório, embargos de terceiro, ação de depósito.98

Com a ocorrência da coisa julgada, as sentenças, sejam terminativas

ou definitivas, justas ou injustas tornam-se imutáveis, impassíveis, portanto, de

qualquer reforma ou revisão, ainda que acobertem gravíssimos danos ao homem

comum, ao meio ambiente ou ao Poder Público.

2.4.3.2.5 Sentença executiva lato sensu

A sentença executiva lato sensu pode ser definida como o

provimento jurisdicional que compreende condenação e ao mesmo tempo

96SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 338. 97AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO PREVIDENCIÁRIO – DIREITO A PENSÃO INTEGRAL –

SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO – EFICÁCIA MANDAMENTAL – DESCUMPRIMENTO – BLOQUEIO DE RENDA PÚBLICA NO VALOR DO DÉBITO – 1. A sentença que julga procedente ação de revisão de pensão para o efeito de reconhecer direito à pensão correspondente à remuneração que perceberia o segurado falecido tem eficácia mandamental, razão pela qual seu cumprimento não enseja a instauração de processo de execução. 2. Se a pessoa jurídica de direito público intimada não cumpre, voluntariamente, a decisão judicial de natureza mandamental transitada em julgado, é cabível o bloqueio das rendas públicas no montante do débito como meio coercitivo para assegurar a autoridade da coisa julgada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade civil, administrativa e penal dos agentes públicos. É que não cabendo ao administrador público decidir quando dará ensejo ao seu cumprimento, urge coibir sua conduta arbitrária e contrária ao direito de negar cumprimento à decisão judicial transitada em julgado. Recurso provido em parte. (TJRS – AGI 70002406890 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Maria Isabel de Azevedo Souza – J. 13.06.2001.

98SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 338-350.

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execução, isto é, permite-se a execução sem necessidade do ajuizamento de uma

ação autônoma.

A principal característica dessa sentença não é a obtenção de um

título judicial, já que não é necessário ao jurisdicionado promover um processo

de execução para alcançar o bem pretendido.99 A execução é promovida no

próprio processo. Outra característica singular é que não é dada ao executado a

possibilidade promover embargos à execução.

São exemplos de sentenças executivas lato sensu as proferidas em

ações de despejo, reintegração de posse ou imissão de posse. Teresa Arruda

Alvim Wambier cita o exemplo do artigo 65 da Lei de Locação de Imóveis

Urbanos para demonstrar o caráter executivo da ação de despejo. Dispõe o

referido artigo que após o prazo para a desocupação do imóvel, contado da

notificação, é possível inclusive o emprego de força, se necessário, e

arrombamento.100 Pode-se citar também as sentenças proferidas com

fundamento nos artigos 461 e 461-A do CPC.101

99WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, cit., p. 78. 100Id. Ibid., p. 79. 101“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá

a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento. § 1º. A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. § 2º. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287). § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5º. Para a efetivação da tutela específica ou obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. § 6º. O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. Art. 461-A Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. § 1º. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.

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As sentenças executivas lato sensu merecem ser classificadas como

uma categoria à parte de sentenças porque é cada vez maior a introdução no

ordenamento jurídico de mecanismos que levam à efetiva satisfação do credor

independentemente de processo de execução.102

§2º. Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel. § 3º. Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1º a 6º do art. 461.”

102WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, cit., p. 78.

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3. A COISA JULGADA

3.1. Brevíssimas notícias sobre o processo e a coisa julgada no direito

romano

Busca-se, nas próximas páginas, fazer um resgate da coisa julgada

no direito romano tão somente como subsídio para compreendermos melhor seu

conceito e evolução até nossos dias.

A História da Roma antiga abrange muitos séculos. Vai,

aproximadamente, desde o segundo século antes de Cristo até o fim do Império,

o que corresponde a cerca de 700 anos. 103

Os estudiosos tradicionalmente dividem a história do direito de

Roma em três períodos: arcaico, clássico e tardio (pós-clássico). O direito

arcaico compreende o período entre a fundação da cidade (753 a .c.), até cerca

do segundo século antes de Cristo. O período Clássico abrange a República

tardia e vai até o Principado, até pouco depois da dinastia dos Severos. O

Período Tardio compreende o período que vai do século III a.c. até o fim do

Império.104

O processo civil romano desenvolveu-se da seguinte forma: no

período arcaico foram utilizados os processos segundo as ações da lei (legis

actiones); no período clássico, o processo formular (per formulas), introduzido

103LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000.

p. 42. 104Id. Ibid., p. 43.

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pela Lex Aebutia (149-126 ac) e confirmado pela Lex Iulia (1 ac); no período

tardio a cognitio extra ordinem.105.106

O direito arcaico era cheio de fórmulas que precisavam ser

pronunciadas pelas pessoas certas, nos locais certos. Tanto nos processos,

quanto nos negócios, os atos só eram válidos quando se utilizava a forma

correta. O típico exemplo é a promessa. Ao dizer eu prometo, criava-se a

promessa107

O direito arcaico108 só era aplicado aos cidadãos romanos,

excluindo-se assim, os escravos e os estrangeiros. Por se aplicado somente aos

cidadãos, tornou-se conhecido como ius civilis.

Pode-se dizer que a regra que vedava a propositura de dois

processos, em Roma, parece remontar ao período anterior à lei das doze tábuas,

redigidas por volta de 450 a.c. e, portanto, ainda inserida no período arcaico.109

105LOPES, José Reinaldo de Lima. op. cit. 106Cruz e Tucci e Luís Carlos de Azevedo, todavia, entendem que não há uma delimitação temporal precisa que

nos informe quando os três sistemas processuais tiveram exatamente vigência em Roma. Não se sabe quando um terminou e onde outro começou precisamente. TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luís Carlos de. Lições de história do processo civil romano. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. p. 40.

107“Alguns ‘negócios’ ou ‘obrigações’ em direito romano dependiam de tais formalidades: o nexum (estabelecia a relação de dívida: o devedor vendia-se ao credor, pronunciando certas palavras), a sponsio (fórmula de promessa que dispensava testemunhas), mancipium (forma de troca). Nisto o direito era positivo e abstrato (Gernet, 1982:110-112; Villey, 1987). No campo do que hoje se chamaria processo o mesmo continuava verdade. Os procedimentos eram típicos (formais). Conheciam-se cinco ações: 1) per sacramentum, 2) per iudicis arbitrive postulationem, 3) per condictionem, 4) per manus iniectionem, 5) per pignores capionem (Tucci e Azevedo\|, 1996:51-72)”. LOPES, José Reinaldo de Lima. op. cit., p. 47.

108Otávio Luiz Rodrigues Júnior ensina que “As ações da lei (legis actiones) traduzem a etapa mais primitiva do processo civil romano, ainda eivado de princípios ultraformalistas do direito quiritário, cujas brumas alimentavam-se do incenso aos pais-fundadores (patrícios) da República Latina. Nesse sistema, as partes compareciam ao pretor e declinavam antigas orações, hauridas dos tempos em que o Direito era monopólio dos sacerdotes de Júpiter e o Lácio ainda era sujeito aos etruscos, cabendo ao magistrado verificar sua compatibilidade com os preceitos normativos e, após uma aligeirada tentativa de conciliação, remeter o caso ao judes para sua solução”. RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Coisa julgada e Constituição: os efeitos da lei nova, da mudança de interpretação dos tribunais e das emendas constitucionais sobre a coisa julgada. Nomos: revista do Curso de Mestrado de Direito da UFC, Fortaleza, v. 16/18, n. 4/6, p. 87, jan./dez. 1997-1999.

109Isso é o que nos informa Celso Bastos, in verbis:“A regra bis de eadem re ne sit actio já constituía, no período clássico, vetus proverbium, de tão remota consagração que Quintiliano não alcançava o seu verdadeiro e original significado. Acredita-se que a vedação tenha sido objeto de uma lei anterior às doze tábuas, mantida consuetudinariamente e que a interpretatio iuris civilis relacionou à litis contestatio, como salienta Cogliolo, para quem a regra significava: ‘Sobre uma e mesma relação jurídica não pode ocorrer duas vezes a ação da lei, um processo”. NEVES, Celso. Contribuição ao estudo da coisa julgada civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1970. p. 10.

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As ações da lei (legis actiones)110, processo utilizado durante o

período arcaico, e o processo formular (per formulas) são conhecidos como a

fase privada do direito romano, onde a participação do Estado era mínima. São

conhecidos como ordo judiciorum privatorum e possuiam duas fases distintas: a

primeira chamada in iure e a segunda apud iudicem.

Nas legis actiones, a primeira fase, in iure, ocorria perante um

funcionário público conhecido como pretor.

Para que o procedimento tivesse início, era necessária a citação do

réu. Não existia, nessa época, revelia e nem representação processual. As partes,

em pessoa, deveriam comparecer. Cabia ao interessado levar o réu até o pretor e

ali deduzir sua pretensão, o que limitava sensivelmente o acesso à justiça. 111

O pretor analisava a pretensão e decidia se ela poderia transformar-

se num conflito judicial. Em caso positivo, as partes firmavam um compromisso

perante testemunhas, concordando em submeter o julgamento a um particular.

Fixados os contornos da controvérsia era escolhido pelas partes um

cidadão romano (iudex). O critério utilizado para a escolha do juiz eram os

conhecimentos que este tinha em relação à matéria controvertida.

A primeira fase do processo terminava com a litis contestatio, que

era um contrato judicial assinado pelas partes, onde expressavam concordância

com a solução a ser dada pelo judex. Um dos efeitos da litis contestatio era

exatamente a de proibir que o caso fosse levado novamente ao magistrado.

110“observa-se, no preâmbulo da exposição de Gaio (I., 4.11), que as ações da lei eram de uso freqüente entre os

antigos – Qui in usu veteres habuerunt – e, foram assim designadas porque se originaram de um texto legal (da lei das XII tábuas ou de outro) ou porque as situações jurídicas por elas tuteladas se fundavam em uma lei, cujas palavras deveriam ser cuidadosamente repetidas no formulário da actio”. TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luís Carlos de. op. cit., p. 51.

111Id. Ibid., p. 55.

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Tinha início, então, a segunda fase do processo: o juiz determinaria

a produção de provas e julgaria o caso.112

Nas legis actiones, se um direito já apreciado pelo pretor fosse

submetido pela segunda vez ao seu crivo, ele o repelia de ofício, negando uma

segunda legis actio. Todavia, com o crescimento do surgimento das demandas,

essa tarefa de apurar a identidade dos litígios tornou-se muito difícil e passou a

ser feita pelo juiz privado, o iudex. Para tanto, dependia do exercício de uma

ação, a sponsio praeiudicialis. Trata-se de um elo evolutivo entre o sistema das

legis actiones e o formular 113

Releva notar que no sistema das legis actiones vigorava o princípio

do pact sunt servanda. Caso o vencido não cumprisse o estabelecido pelo juiz,

cabia ao vencedor utilizar-se do manis injectio, que poderia resultar na venda ou

no esquartejamento do devedor.114

O processo formular115 (período clássico) deu uma roupagem mais

moderna ao processo romano, pois era um processo menos formalista, mais ágil

e escrito. Esta última característica do processo formular amenizou muito o rigor

oral das legis actiones. Neste tipo de procedimento, quem não pronunciasse a

palavra corretamente e no momento certo, perdia o processo.116

O autor deveria comunicar, antes mesmo da citação, que

processaria o réu. Era um ato extrajudicial que poderia ser escrito. As partes

deveriam, então, comparecer diante do pretor. Nesta ocasião, o demandante

apresentava novamente sua pretensão (editio actionis), mostrando a fórmula que

112TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luís Carlos de. op. cit., p. 58. 113NEVES, Celso. op. cit., p. 13. 114TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luís Carlos de. op. cit., p. 61. 115Id. Ibid., p 73. Cruz e Tucci. Informa que o nome fórmula é um diminutivo de forma, palavra grega que

significa modelo. Id. Ibid., p. 73. 116Id. Ibid., p. 76-79.

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entendia ser a mais adequada, com vistas à concessão, pelo pretor, da respectiva

ação (dare actionem, iudicium dat).

O pretor, se verificasse a ausência de algum pressuposto processual

ou material, não concedia a ação. Deferido o pedido de ação, passava-se a

palavra ao réu, que poderia estar acompanhado de advogado. Após, deveria

apresentar defesa. Em não havendo nenhum motivo que justificasse a extinção

do processo (a confissão ou a coisa julgada, por exemplo) passava-se à redação

da fórmula, pelo magistrado e com a colaboração dos litigantes, para que o juiz

julgasse o processo.

No procedimento apud iudicem, o juiz, após se inteirar da

pretensão, determinava a produção de provas e julgava o processo, segundo sua

livre convicção, nos limites da fórmula, ao contrário do procedimento das ações

da lei, no qual ficava vinculado ao resultado das provas.117

Foi a partir desse período do processo romano que o réu poderia

alegar a coisa julgada por meio de da exceptio rei in judicium deducta, a

exceção de coisa julgada trazida a juízo.118

A coisa julgada, até então, dada a inexistência de um sistema

recursal organizado, ocorria com a prolação da decisão pelo pretor, na hipótese

de indeferir o prosseguimento do processo, ou pela decisão do juiz (iudex),

condenando ou absolvendo o réu.

No período da cognição extraordinária (tardio), os imperadores e

seus juristas tiveram grande destaque. Houve a valorização dos juristas, a

centralização dos poderes em um único órgão e o surgimento do recurso de

apelação.119

117TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luís Carlos de. op. cit., p. 124-128. 118RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. op. cit., p. 88. 119LOPES, José Reinaldo de Lima. op. cit., p. 53.

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Os julgamentos passaram a ser feitos ou pelo príncipe ou por algum

delegado por ele nomeado. Quando não ocorria a substituição do juiz

propriamente dita, o príncipe intervinha respondendo alguma questão ou

opinando. É claro que sua influência política alterou o procedimento dos

feitos.120

Na época do processo da extraordinaria cognitio, foi abolida a

prestação da justiça pelos particulares, passando a ser tarefa exclusivamente

estatal. Assim, desaparece a figura do iudex, normalmente exercida por um

cidadão romano, e o processo passa a ter o procedimento inteiramente regulado

pelo Estado, numa fase só.121

A citação, antes de caráter privado, vai progressivamente sendo

substituída pela oficial. Caso o réu não comparecesse em juízo, poderia tornar-se

contumaz.

Também é nesse período que surge a possibilidade de citação por

edital, o que ocorria quando o réu não fosse conhecido ou não se soubesse onde

poderia ser encontrado.

Uma vez iniciado o processo, realizada a citação, o demandante

fazia a exposição diretamente ao magistrado, que a apreciava livremente nos

limites do pedido (e não mais nos limites da fórmula).

A litis constestatio tinha como efeito interromper a prescrição e

possibilitar a transferência de uma actio relativa a direito intransmissível.122

120LOPES, José Reinaldo de Lima. op. cit. 121Sobre o período, assinala Celso Neves: “no processo da extraordinária cognitio a sententia iudicis corresponde

ao exercício da iurisdictio entregue às magistraturas que detêm a função jurisdicional do Estado. Esse modo de ser, inteiramente novo, assinala a eliminação dos resíduos da concepção arbitral e privada do antigo processo das ações da lei que permaneceram no processo formular, marcando a última etapa da transição privada ao processo público. A sententia passa a ser ato de aplicação da lei aos casos concretos: omnem, quae de libello scripta recintantu, dici volumus ataque esse sententiam”. NEVES, Celso. op. cit., p. 27.

122TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luís Carlos de. op. cit., p. 146.

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A sentença, para ser válida, deveria ser motivada, escrita e lida na

presença dos litigantes. A sentença também poderia ser utilizada para vedar a

possibilidade do demandante propor uma nova demanda sobre o mesmo objeto,

vale dizer, a exceptio rei iudicatae. 123

Nesta época surge, ainda, o sistema recursal, com o nascimento da

apelação. Assim, a coisa julgada passou não mais a ocorrer simultaneamente

com a decisão proferida no processo. Era uma conseqüência do esgotamento das

vias recursais ou mesmo a perda de prazo para fazê-lo.

A justificação da adoção pelos romanos do instituto da coisa

julgada está ligada a questões de ordem prática. O processo só teria um resultado

útil se houvesse segurança jurídica das decisões nele proferidas.

3.2. O tratamento constitucional da coisa julgada no Brasil

A Constituição monárquica de 1824 não dispunha de nenhuma

regra específica sobre a coisa julgada. O artigo 179, II e III, apenas tratava do

efeito retroativo das leis:

“Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública. A sua disposição não terá efeito retroativo”.

Da mesma forma, a Constituição Republicana de 1891 não

mencionava nada a respeito da coisa julgada. O artigo 11 simplesmente

dispunha:

“E vedado aos Estados, como a União (...) § 3º Prescrever leis retroativas”.

123TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luís Carlos de. op. cit., p. 148.

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A primeira constituição brasileira a tratar da coisa julgada foi a de

1934 em seu artigo 113, nº 03, in verbis:

“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

A Constituição de 1937, outorgada pelo Estado Novo, suprimiu a

proteção da coisa julgada, numa demonstração dos deletérios efeitos do regime

autocrático.

Otávio Luiz Rodrigues Júnior lembra-nos que “diversas leis com

caráter retroativo foram editadas nesta época (Decreto-lei nº 58, de 10 de

dezembro de 1937, art. 1º; Decreto nº 1027, de 02 de janeiro de 1939; Decreto-

Lei nº 5384, de 08 de abril de 1943; Decreto nº 1079, de 27 de janeiro de 1939

inaugurando um período de desordem jurídica que transcendia os direitos

materiais, atingindo, inclusive, os processos já aforados, como dispunha o

Decreto-lei nº 4529, de 30 de junho de 1942, sobre a prescrição para anulação

de casamento”.124

Também não passou despercebido ao mencionado autor que os

juristas que estudaram a coisa julgada sob a égide da constituição de 1937

“demitiram-se da responsabilidade de criticamente analisar o instituto”. Cita

como exemplo Francisco Cavalcanti Pontes Miranda, que nos Comentários à

Constituição Federal de 10 de novembro de 1937, 1º edição. Rio de Janeiro:

Pongetti, 1938. T. III, p. 470, escreveu: “na Constituição dos Estados Unidos da

América, art. I, Seção 10ª, proibem-se as leis ex post facto, as leis que atuam ou

incidem sobre os fatos e circunstâncias já consumados, anteriores. Mas a

restrição só diz respeito a leis penais”.125

124RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. op. cit., p. 90. 125Id. Ibid.

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A Constituição de 1946 resgatou a proteção da coisa julgada em seu

artigo 141, dando-lhe igual redação que a Constituição de 1934.

Nova alteração sofreu o artigo que trata da coisa julgada com a

Constituição de 1967. É que no artigo 149, inciso IX, foi suprimida a expressão

“a lei não prejudicará” que tradicionalmente constava nos dispositivos

constitucionais que cuidavam do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da

coisa julgada. O artigo tinha a seguinte redação:

“A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil o direito à vida, à liberdade, ao trabalho e à propriedade nos seguintes termos: IX – respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada”.

A Constituição de 1969, ou emenda constitucional como é chamada

por alguns juristas, resgatou em seu artigo 153, § 3º, as redações das

Constituições de 1934 e 1946.

A Constituição de 1988 traz em seu artigo 5º, que trata das garantias

e direitos fundamentais, inciso XXXVI, a proteção à coisa julgada. Referido

caput e inciso estão assim redigidos:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, nos seguintes termos: XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Constata-se, assim, que o inciso supra, que cuida do direito

adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada tem redação exatamente

igual às anteriores Constituições de 1934 e 1946. Não há novidade

constitucional em relação à matéria.

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3.3. Definição de coisa julgada

A princípio, poderíamos achar que a definição de coisa julgada é

uma tarefa muito fácil, principalmente se considerarmos que a coisa julgada é

tema dos mais estudados no processo civil, sobre o qual há séculos têm se

debruçado ilustres doutrinadores.

Todavia, o inquietante instituto desafia, cada vez mais, a

inteligência dos juristas, pois sempre que se chega a uma conclusão

aparentemente irrefutável, novas conclusões doutrinárias trazidas à baila acabam

por questionar e estremecer as conclusões anteriormente estabelecidas, numa

evolução permanente.

Assim, ao arrepio do que afirmou Carnelutti no início do século

passado, de que nada mais havia para ser acrescentado ao instituto da coisa

julgada, as mudanças conjunturais acabam por forçar-nos a uma revisitação do

conceito do instituto, sobretudo na época atual, em que muito se fala sobre a

possibilidade de relativização da coisa julgada, da problematização da coisa

julgada inconstitucional e de seus deletérios efeitos.

Por estes motivos, limitar-nos-emos à apresentação de alguns

conceitos elaborados pela doutrina autorizada, sem termos a pretensão de

criarmos um conceito revolucionário de coisa julgada.

A expressão coisa julgada deriva da expressão latina res iudicata126,

que significa bem julgado. Trata-se de instituto jurídico que é inerente à própria

126“Entre os romanos, o particípio iudicata qualificava o substantivo res, para indicar, em relação a este, a

situação particular que advinha de já se ter proferido o julgamento – tal como a expressão in iudicium deducta qualificava a res submetida ao conhecimento do juiz, mas ainda não julgada. Mas, tanto na locução res in iudicium deducta, como na outra, res iudicata, o elemento que ressaltava era uma substância, algo que se punha como o objeto da atividade cognitiva judicial – visto, ali, de um ângulo anterior, e aqui de um ângulo posterior à prolação da sentença”. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. In: ______. Direito processual civil: ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. p. 133-134.

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jurisdição, pois se não houvesse a coisa julgada, os litígios nunca seriam

apaziguados e o Estado, portanto, nunca se desincumbiria de sua missão

jurisdicional de pacificação dos conflitos.

Humberto Theodoro Júnior esclarece que “MODESTINO, há

muitos séculos, definiu coisa julgada no célebre enunciado do DIGESTO: res

iudicata dicitur, quae finem controversiarum pronuntiatione iudices accipit: vel

condemnatione vel absolutione contingit (42, I, 1)". Ou em vernáculo: "Diz-se

coisa julgada a que, pelo pronunciamento do juiz, alcança o fim das

controvérsias, o que acontece pela condenação ou pela absolvição".127

Liebman não vê a coisa julgada como um efeito próprio da

sentença, já que toda sentença é passível de produzir efeitos ainda que não tenha

se operado a coisa julgada. A coisa julgada seria uma qualidade que se agregaria

aos efeitos da sentença de modo a garantir estabilidade, vale dizer,

imutabilidade.128

Esse entendimento sofreu parciais críticas de Barbosa Moreira, para

quem o que na verdade faz coisa julgada é o conteúdo da sentença. Isto porque

as partes, voluntariamente, podem abrir mão dos efeitos próprios da sentença.129

Para ele, “a coisa julgada não se identifica nem como a sentença transitada em

julgado, nem com o particular atributo (imutabilidade) de que ela se reveste,

mas com a situação jurídica em que passa a existir após o trânsito em julgado.

Ingressando em tal situação, a sentença adquire uma autoridade que – esta sim

– se traduz na resistência a subsequentes tentativas de modificação do seu

127THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. A coisa julgada inconstitucional e os

instrumentos processuais para seu controle. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 795, p. 27, jan. 2002. 128“Uma coisa é distinguir os efeitos da sentença segundo sua natureza declaratória ou constitutiva, outra é

verificar se eles produzem de modo mais ou menos perene e imutável. De fato, todos os efeitos possíveis da sentença (declaratório, constitutivo, executório), podem, de igual modo, imaginar-se, pelo menos em sentido puramente hipotético, produzido independentemente da autoridade da coisa julgada, sem que isso lhe desnature a essência. A coisa julgada é qualquer coisa mais que se ajunta para aumentar-lhes a estabilidade e isso vale igualmente para todos os efeitos possíveis da sentença. LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 19-20.

129MOREIRA, José Carlos Barbosa. op. cit., p. 133-146.

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conteúdo. A expressão auctoritas rei iudicatae, e não res iudicata, portanto, é a

que corresponde ao conceito de imutabilidade”.130

Araken de Assis define coisa julgada como "o atributo do

provimento judicial que, julgando o mérito nas hipóteses arroladas no art. 269,

não se mostra mais suscetível de recurso, no processo em que há função de

cognição preponderante. Esta noção didática peca por alguma simplificação;

no mínimo, caberia explicitar, ainda, em que consiste a função de

conhecimento, e quando ela prepondera no processo, e o mérito, principalmente

discriminando-o do seu natural pressuposto: o juízo de admissibilidade da

demanda, constituída dos pressupostos processuais”.131

Sérgio Gilberto Porto, ensina que a definição de coisa julgada vai

além do que a simples soma dos seus termos porque se trata de um conceito

jurídico que qualifica uma sentença judicial, conferindo-lhe autoridade e

eficácia.132

O Código de Processo Civil, em seu artigo 467, traz a definição de

coisa julgada, nos seguintes termos:

“Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença”.

A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 6º, § 3º, define

coisa julgada, in verbis:

“Chama-se coisa julgada, ou caso julgado, a decisão judiciária de que já não caiba mais recurso”.

130MOREIRA, José Carlos Barbosa. op. cit., p. 146. 131ASSIS, Araken de. Eficácia da coisa julgada inconstitucional. Revista Jurídica, n. 301, p. 9, nov. 2002. 132PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao código de processo civil: do processo de conhecimento arts. 444 a

495. Coord. SILVA, Ovídio Baptista. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. v. 6, p. 152.

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José Carlos Barbosa Moreira fez uma crítica ácida à definição de

coisa julgada existente na LICC, chamando-a de “demasiado simplificadora”.

Para ele, a definição informa apenas o momento cronológico em que ocorreu a

coisa julgada, nada dizendo “sobre a essência do fenômeno e sobre o modo

como ele atua para desempenhar sua função específica”. Em síntese, “deixa

totalmente na sombra o aspecto ontológico da coisa julgada”. 133

A ordem constitucional também cuida da coisa julgada, impedindo

os legisladores de elaborar leis com efeitos retroativos em prejuízo ao que foi

julgado, em caráter definitivo, pelo Judiciário, consoante o disposto no artigo 5º,

XXXVI, da Carta Maior. 134

Para nós, a coisa julgada é a imutabilidade do conteúdo da sentença

de mérito não mais sujeita a recurso.

O conceito de coisa julgada se encontra umbilicalmente ligado à

idéia de imutabilidade. Na prática, a coisa julgada torna indiscutível o que foi

decidido pelo Poder Judiciário. Nem mesmo os tribunais poderão reformar a

decisão, por força do artigo 471 do Código de Processo Civil.135

133MOREIRA, José Carlos Barbosa. op. cit., p. 135-136. 134Sobre o referido dispositivo constitucional, assim se manifestou Araken de Assis: “À margem de quaisquer

considerações acerca das sinuosas vias do desenvolvimento histórico do direito intertemporal, e do seu regime concreto entre nós, três aspectos se evidenciam no inciso sob foco. Em primeiro lugar, a proibição se dirige ao legislador, ante a explícita menção inicial à figura da “lei”, notório e conspícuo produto do processo legislativo, nele apontada como o potencial valor deliqüescente. Ademais, o bem jurídico tutelado consiste na segurança jurídica: na ausência desse veto, o legislador assumiria funções onipotentes, quiçá sucumbindo à influência de fatores conjunturais para subtrair dos particulares seus direitos, inclusive aqueles reconhecidos por pronunciamento judiciário. E, finalmente, incumbe à lei infraconstitucional definir objeto da garantia”. ASSIS, Araken de. op. cit., p. 7.

135Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:

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3.3.1. Coisa julgada formal e material

Bastante elucidativa a lição de José Frederico Marques para

diferenciar coisa julgada material e coisa julgada formal. Esclarece o renomado

jurista que a sentença, no que diz respeito aos seus efeitos, deve ser vista sob

dois aspectos: como ato processual e na eficácia do comando que dela

emerge.136

A sentença, vista como um ato processual, irradia os seus efeitos

para dentro do processo. Nessa ordem de idéias, coisa julgada formal seria os

efeitos da imutabilidade da sentença, vale dizer, aqueles gerados dentro do

processo, impossibilitando as partes, juiz, ou tribunal de modificar o seu

conteúdo, tornado-o imutável por força da coisa julgada.137

A coisa julgada formal é também conhecida como “preclusão

máxima”. Aliás, Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery entendem que a

expressão coisa julgada formal é equívoca, pois trata-se, na verdade, de

preclusão. Todavia, reconhecem os juristas que a expressão encontra-se

sedimentada na doutrina.138 Isto porque o artigo 473 do Código de Processo

Civil dispõe ser “defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já

decididas, a cujo respeito se operou a preclusão”.

Cândido Rangel Dinamarco lembra que “O sistema procedimental

brasileiro é muito mais preclusivo que os europeus, o que é uma decorrência

I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II - nos demais casos prescritos em lei.

136MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 1. ed. at. Campinas: Ed. Millenium, 2000. p. 351.

137Os efeitos da coisa julgada formal, como bem definiu Patricia Miranda Pizzol, são “endoprocessuais, impedindo as partes entre as quais foi dada a sentença de discutir dentro daquele processo a matéria julgada” PIZZOL, Patricia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998. p. 223.

138NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 767.

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das fases em que a lei distribui os atos do procedimento, sem possibilidade de

repetições ou retrocessos e daí ser a rigidez do procedimento um dos mais

destacados elementos caracterizadores do modelo processual

infraconstitucional brasileiro”.139

A preclusão temporal ocorre quando a parte não pratica o ato

processual no prazo assinalado pela lei. A preclusão consumativa ocorre quando

a parte já tenha exercido o ato processual. A preclusão lógica ocorre quando a

parte adota atos processuais incompatíveis com outros já realizados no processo.

A preclusão cujo destinatário é o juiz é conhecida na doutrina como

pro judicato. A preclusão pro judicato impede juiz ou tribunal de alterar

sentença já transitada em julgado. Mas não é só: como dito, sua ocorrência

também impede o legislador de elaborar leis com efeito retroativo para alcançá-

la, por força constitucional.

A ocorrência da coisa julgada formal está ligada ao fato de a parte

não interpor os recursos cabíveis em face das decisões judiciais, ter interposto

recurso, mas não preenchido os requisitos legais de admissibilidade previstos no

estatuto processual ou já ter esgotado as vias recursais. Tanto pode incidir sobre

as sentenças terminativas de que trata o artigo 267 do CPC, quanto as sentenças

que efetivamente enfrentam o mérito, de que cuidam o artigo 269 do CPC.

José Frederico Marques ensina que a coisa julgada formal é

condição prévia para a ocorrência da coisa julgada material.140 Nelson e Rosa

Nery lecionam que a coisa julgada formal ocorre simultaneamente com a coisa

julgada material, mas nem sempre. Citam como exemplo decisão judicial contra

a Fazenda Pública em que a parte não recorreu, operando coisa julgada formal.

139DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista de Processo, São Paulo, v. 28,

n. 109, p. 13, jan./mar. 2003. 140“a coisa julgada formal é condição prévia da coisa julgada material, que é a mesma imutabilidade em relação

ao conteúdo de julgamento e mormente aos seus efeitos”. MARQUES, José Frederico. op. cit., p. 353.

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Todavia, a coisa julgada material só vai ocorrer após a apreciação pelo Tribunal

(reexame necessário CPC 475).141

Com a ocorrência da coisa julgada formal, a sentença em si – como

ato processual – torna-se imutável, não mais permitindo discussão, nos mesmos

autos, de toda a matéria jurídica ali ventilada. Trata-se,. pois, do último ato

processual insusceptível de reforma.

Já a coisa julgada material é o nome que se dá aos efeitos da

sentença, ou seja, o comando que emerge para fora do processo, atingindo as

partes, as pessoas. Sua ocorrência traz como conseqüência prática o

impedimento de qualquer outro juiz ou tribunal, no mesmo processo, ou em

qualquer outro, de rediscutir a matéria jurídica sobre a qual foi finalizada a

jurisdição.

O comando que flui da sentença, uma vez alcançado pela coisa

julgada, torna-se imutável, fazendo lei entre as partes, por força do artigo 468 do

CPC. 142 Só fazem coisa julgada material aquelas advindas de sentenças que

enfrentaram o mérito, isto é, as situações previstas no artigo 269 do CPC,

independentemente de serem constitutivas, declaratórias, mandamentais,

condenatórias ou executivas.

Cândido Rangel Dinamarco entende que a coisa julgada material

não é instituto meramente processual. Isso porque a situação jurídica acobertada

pelo manto da coisa julgada, nessa hipótese, por atingir a vida das pessoas, é

muito mais ampla do que as normas e técnicas que regem o procedimento do

processo.143

141NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 767. 142Art. 468 do CPC: “A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das

questões decididas”. 143“Com essa função e esse efeito, a coisa julgada material não é instituto confinado ao direito processual. Ela

tem acima de tudo o significado político-institucional de assegurar a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional. Uma vez consumada, reputa-se consolidada no presente e para o futuro a

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José Afonso da Silva salienta que a Constituição Federal, ao tratar

da coisa julgada, cuidou apenas da coisa julgada material. São do jurista as

seguintes palavras:

“Dizemos que o texto constitucional só se refere à coisa julgada material, em oposição à opinião de Pontes de Miranda, porque o que se protege é a prestação jurisdicional definitivamente outorgada. A coisa julgada formal só se beneficia da proteção indiretamente na medida em que se contém na coisa julgada material, visto que é pressuposto desta, mas não assim a simples coisa julgada formal. Tutela-se a estabilidade dos casos julgados, para que o titular do direito aí reconhecido tenha a certeza jurídica de que ele ingressou definitivamente no seu patrimônio”.144

Tanto a coisa julgada formal, quanto a material são fenômenos que

ocorrem quando já não mais é possível rediscutir aquilo que foi julgado. Na

ocorrência dos dois fenômenos ocorre o que a doutrina chama de autoridade da

coisa julgada.

É por meio da coisa julgada formal, material e da preclusão que o

Estado busca a estabilidade das decisões e, por conseqüência, a segurança das

decisões jurídicas, impedindo assim a existência do front perpétuo dos litígios.

3.4. Limites objetivo e subjetivo da coisa julgada

Entender o alcance, a órbita em torno da qual devem gravitar os

bens da vida atingidos pelos efeitos da imutabilidade é indispensável para se ter

segurança jurídica. São dois os limites da coisa julgada: objetivo e subjetivo.

situação jurídico-material das partes, relativa ao objeto do julgamento e às razões que uma delas tivesse para sustentar ou pretender alguma outra situação. Toda possível dúvida está definitivamente dissipada, quanto ao modo como aqueles sujeitos se relacionam juridicamente na vida comum, ou quanto à pertinência de bens a um deles. As normas e técnicas do processo limitam-se a reger os modos como a coisa julgada se produz e os instrumentos pelos quais é protegida a estabilidade dessas relações mas a função dessas normas e técnicas não vai além disso. Nesse sentido é que prestigioso doutrinador afirmou ser a coisa julgada material o direito do vencedor a obter dos órgãos jurisdicionais a observância do que tiver sido julgado (Hellwig). DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material, cit., p. 12.

144SILVA, José Afonso do Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2001. p. 415.

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Conhecer o limite objetivo da coisa julgada significa conhecer qual

parte da sentença adquire os efeitos da autoridade da coisa julgada. Isto porque

nem todas as partes da sentença, que é composta pelo relatório, fundamentação e

dispositivo, fazem coisa julgada, mas apenas as matérias efetivamente julgadas

pelo juiz. A lei é expressa nesse sentido. O artigo 469 do CPC dispõe que os

motivos, a verdade dos fatos e questão prejudicial não fazem coisa julgada. Por

sua vez, o artigo 468 do CPC dispõe que “A sentença que julgar total ou

parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões

decididas”.

Conclui-se, portanto, que nosso diploma processual limitou

objetivamente a coisa julgada ao dispositivo da sentença. Somente as questões

que foram efetivamente decididas pelo juiz é que fazem coisa julgada.

Excepcionalmente, a questão prejudicial prevista no inciso III do

artigo 469 do CPC poderá fazer coisa julgada, caso constitua um pressuposto

necessário para o julgamento da lide e a parte assim requeira ao juiz, conforme

autoriza o estatuto processual em seus artigos 5º, 325 e 470.145

Todavia, ainda que nossa lei seja absolutamente clara, a questão

dos limites objetivos da coisa julgada encontra grande embate na doutrina

especialmente no Brasil, colocando, de lado opostos, excelentes juristas,

conforme leciona Sérgio Gilberto Porto. 146

Ada Pellegrini Grinover, em artigo que trata dos limites objetivos

da coisa julgada, sustenta que nossa lei processual limita objetivamente a coisa

julgada somente ao dispositivo da sentença, mas isso não afasta a relevância dos

145SOUZA, Gelson Amaro de. Direitos difusos e coletivos – Sentença – Limites subjetivo e objetivo da coisa

julgada. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, p. 240, dez. 2002/abr. 2003. 146PORTO, Sérgio Gilberto. Classificação de ações, sentenças e coisa julgada. Revista de Processo, São Paulo,

v. 19, n. 73, p. 44-45, jan./mar. 1994.

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motivos da sentença, já que estes têm importante papel nos efeitos da sentença e

sua real extensão.147

Em fase de execução é correto afirmar que não se poderá modificar,

aumentando ou restringindo, o conteúdo do dispositivo da sentença exeqüenda

onde pesa a autoridade da coisa julgada.

Releva notar ainda que a controvérsia em torno dos limites

objetivos da coisa julgada não dá ensejo à interposição de recurso

extraordinário, por alegação de violação do artigo 5º, XXXVI, da CF.

É que a ofensa a ofensa à coisa julgada estaria limitada ao âmbito

infraconstitucional. Nesse sentido, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal no

seguinte julgado:

“CONTROVÉRSIA EM TORNO DOS LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA – ALEGADA OFENSA AO ART. 5º, XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – Questão restrita ao âmbito infraconstitucional, não ensejando apreciação em recurso extraordinário. Agravo desprovido. (STF – AGRAG – 146668 – RJ – 1ª T. – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 29.06.2001 – p. 00036)

Já os limites subjetivos da coisa julgada permitem-nos conhecer

quem são as pessoas atingidas pela autoridade da coisa julgada. Para essa

compreensão é necessário, primeiramente, definir parte e terceiros, porque o

artigo 472 do CPC dispõe que a sentença somente faz coisa julgada entre as

partes, não beneficiando e nem prejudicando terceiros.

147“Muito embora seja certo, conforme amplamente demonstrado, que a regra do direito brasileiro, em

consonância com a autorizada doutrina, é no sentido e que apenas o dispositivo da sentença passe em julgado, e não assim os motivos, certo é que esses últimos têm relevante papel ao se determinar a real extensão dos efeitos da sentença e a respectiva imutabilidade”. GRINOVER, Ada Pellegrini. Considerações sobre os limites objetivos e a eficácia preclusiva da coisa julgada. Revista do Advogado, São Paulo, n. 65, p. 77, dez. 2001.

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O conceito de parte sofreu grande transformação ao longo da

evolução do direito processual. No passado, estava ligado à relação de direito

material. Partes eram, então, os detentores do direito material.148

Estudos levados a efeito por Oscar Von Bülow em 1868,

demonstraram que a propositura da demanda implica o nascimento de uma

relação jurídica processual totalmente distinta da relação jurídica de direito

material. Desde então, o processo passou a ser visto como uma relação jurídica

autônoma da relação jurídica de direito material.149

No início do século XX Chiovenda definiu parte como “aquele que

demanda em seu próprio nome (ou em cujo nome é demandada) a atuação

duma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada”.150

Esse conceito não corresponde a toda realidade processual, porque

põe em relevo o conceito de parte no sentido processual, mas não considera a

parte em seu sentido material, vale dizer, o detentor propriamente do direito

material.151

Atualmente, para se conceituar parte é necessário levar em

consideração os conceitos de legitimidade para a causa, legitimidade para o

processo e capacidade para agir.152

A legitimidade é qualidade da parte. Não é qualquer pessoa que

pode ajuizar uma ação judicial, comparecer em juízo e defender direito alheio.

Só pode propor uma ação judicial quem esteja autorizado a demandar sobre o

objeto da pretensão resistida.

148MARQUES, José Frederico. op. cit., v. 2, p. 145. 149LIMA, Alcides de Mendonça. Direito processual civil. São Paulo: José Bushatski Editor, 1977. p. 291. 150CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. J. Guimarães Menegale. São Paulo:

Saraiva, 1969. v. 2, p. 234. 151SOTT, Airton José. op. cit., p. 162-163. 152Id. Ibid., p. 167.

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A partir dos estudos de Von Bülow, foi desmembrada em

legitimidade ad causam (legitimidade para o direito material) e legitimidade

processual (legitimidade para figurar como parte no processo).

A legitimidade ad causam, uma das condições da ação, pode ser

entendida como a titularidade da afirmação de direito feita em juízo, ou seja, a

titularidade do direito material. Está prevista nos artigos 3º, 267, VI e 295, II,

todos do CPC.

Já a legitimidade processual, conforme Airton José Sott sustentou,

em sua dissertação de mestrado, “é a situação jurídica específica, atribuída por

lei, que liga um sujeito a outro sujeito, para em nome próprio fazer ou suportar

uma afirmação de direito. Ou, em outro giro, legitimidade processual é a

situação jurídica específica que autoriza alguém a fazer, em nome próprio, uma

afirmação de direito contra outrem, ou ter uma afirmação de direito contra si.

Trata-se de um pressuposto de validade do processo e de eficácia de seu

resultado. (...)Depois de exercida, a legitimidade processual se manifesta no

processo como a titularidade ativa e passiva da afirmação de direito feita em

juízo, ou seja, a titularidade da ação processual”.153

A legitimidade processual, portanto, constitui situação distinta do

legitimidade “ad causam”. O legitimado processual apenas está autorizado por

lei a demandar em juízo na defesa de direito material alheio. Não detém,

portanto, a titularidade do direito material.

Importante ressaltar aqui que para que a legitimidade processual

possa ser validamente exercida, é necessário que o autor detenha, também, a

capacidade processual.

153SOTT, Airton José. op. cit., p. 167-168.

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A capacidade processual é a qualidade necessária para adquirir e

exercer direitos na órbita do direito civil. Pode ser exercida pelo sujeito de

direitos ou por outrem. Alguém tem capacidade processual para estar em juízo

quando pode mover uma ação judicial contra outrem ou ser validamente citado

como réu.154

O conceito desenvolvido por Chiovenda é perfeito para a

qualificação de parte quando estamos diante de casos em que ocorre legitimação

ordinária, isto é, quando o próprio titular do direito material é quem ingressa em

juízo com a demanda. Porém é insuficiente para explicar os casos em que ocorre

legitimação extraordinária, isto é, quando um legitimado para o processo se

apresenta em juízo para defender direito alheio.155

Bem por isso, ficamos com o conceito esposado por Airton José

Sott para quem “parte em direito processual civil é aquele que age e se

apresenta como o legitimado para o processo e aquele que é apresentado como

o legitimado para a causa”.156

Pode haver coincidência entre a titularidade do direito material e a

legitimidade processual para a causa, mas não necessariamente. A primeira

hipótese ocorre nos casos de legitimação ordinária, em que o próprio titular

ingressa em juízo para defender seu direito. A segunda hipótese ocorre nos casos

de legitimação extraordinária, detentor da legitimidade processual, mas não da

legitimidade material.

Quanto aos terceiros, em linhas gerais, podem ser definidos como

aqueles que não foram partes em determinada demanda. Existem três categorias

de terceiros: aqueles que são indiferentes à demanda; os que possuem interesse

de fato e os que possuem interesse jurídico.

154ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., p. 22-23. 155SOTT, Airton José. op. cit., p. 162-163. 156Id. Ibid., p. 168.

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Se “a” moveu uma ação judicial contra “b”, e “c” é absolutamente

estranho à lide, ele é um terceiro indiferente; se tiver um interesse na demanda

por ser credor de “b”, por exemplo, ele é um terceiro interessado de fato. Nestas

duas hipóteses, os efeitos da sentença atingirão a todos, mas a coisa julgada

atingirá somente às partes envolvidas no litígio e deverá ser respeitada. Nem o

terceiro indiferente, nem o terceiro de fato poderão contestá-la naquele ou outro

processo.

Um terceiro terá interesse jurídico quando, por exemplo, perdeu seu

bem em litígio por outrem, num processo do qual não participou e tenha

ocorrido coisa julgada entre as partes. Neste caso, poderá mover uma ação para

rediscutir aquilo que foi discutido no outro processo.157

A regra é que somente as partes são atingidas pela autoridade da

coisa julgada (artigo 472 do CPC) e a jurisprudência tem se manifestado nesse

sentido.158159160. Por exceção, terceiros juridicamente interessados podem ser

157BAZILONI, Nilton Luiz de Freitas. A coisa julgada nas ações coletivas. 2002. p. 59. Dissertação (Mestrado) -

Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2002. 158PROCESSO CIVIL – LIQUIDAÇÃO – INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA LIQUIDANDA – ART. 610,

CPC – COISA JULGADA – LIMITES SUBJETIVOS – ART. 472, CPC – EXTENSÃO A TERCEIROS – IMPOSSIBILIDADE – ARTS. 382, CPC E 19, CCOM – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADA – DESSEMELHANÇA FÁTICA – RECURSO DESACOLHIDO – I – A liquidação de sentença deve guardar estrita consonância com o decidido no processo de conhecimento, para o que se impõe averiguar o sentido lógico da decisão liquidanda, por meio de análise integrada de seu conjunto. II – É defeso, na liquidação, modificar a sentença que julgou a lide, mas, na sua interpretação, compreende-se como expresso o que virtualmente nela se contém. III – A sistemática do Código de Processo Civil brasileiro não se compadece com a extensão da coisa julgada a terceiros, que não podem suportar as conseqüências prejudiciais da sentença, consoante princípio estabelecido no art. 472 da lei processual civil. IV – Os arts. 19, C.Com e 382, CPC, não impõem a terceiros a obrigação de exibir livros e documentos, mas somente às partes da relação jurídica processual. V – A dessemelhança fática entre acórdão impugnado e os arestos paradigmas não caracteriza a divergência jurisprudencial hábil a instaurar a via do recurso especial. (STJ – RESP 206946 – PR – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 07.05.2001 – p. 00145).

159COISA JULGADA EFEITOS COISA JULGADA – Terceiro interessado. Sindicato. Declara expressamente o artigo 472 do CPC que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando nem prejudicando a terceiros. Não há que se falar em trânsito em julgado para a entidade assistente, pois a coisa julgada é estabelecida entre as partes no processo e não entre terceiros interessados, como o advogado do sindicato. Só se pode falar em coisa julgada em relação ao autor e réu não ao sindicato, que não é parte no processo. Os limites subjetivos da coisa julgada dizem respeito apenas a autor e réu não ao sindicato ou ao seu advogado. Nego provimento. (TRT 2ª R. – AP 20010191202 – (20010326841) – 1ª T. – Rel. Juiz Sérgio Pinto Martins – DOESP 03.07.2001).

160LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA – PROTEÇÃO DO TERCEIRO QUE NÃO INTEGROU A RELAÇÃO PROCESSUAL – POSSUIDOR DESALOJADO EM DECORRÊNCIA DE ORDEM DE DESPEJO PROFERIDA EM AÇÃO DA QUAL NÃO PARTICIPARA – VIOLAÇÃO DAS GARANTIAS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – DUPLO GRAU DE

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atingidos. São eles: sucessor (herdeiro) e cessionário (quem recebeu por cessão

o direito discutido na ação)

3.5. A importância da coisa julgada

Por sua importância, a coisa julgada é matéria de ordem pública,

podendo o juiz ex officio, por força do art. 301, inciso VI e § 4º, CPC reconhecê-

la e extinguir o processo sem julgamento de mérito nos termos do artigo 267 do

CPC.161

Otávio Luiz Rodrigues Júnior, assim sintetizou a tradição e o

enraizamento em nossa cultura jurídica da coisa julgada:

“A coisa julgada é o modo de expressão de um valor antiquíssimo – como revelado nas fontes romanas - inscrito no coração dos homens pelas leis naturais, imutável no tempo, invariável em qualquer latitude ou longitude: o respeito ao direito adquirido pela via judicial, a mesura à constituição pela força do Estado-Jurisdição de um direito que anteriormente fora negado ou obnubilado em seu exercício pela conduta de outrem. Ainda que se riscassem dos Códigos e das Constituições, a coisa julgada sobreviveria àquelas, pois representa a um só tempo a reação contra a barbárie da solução violenta e pessoal dos conflitos e a afirmativa eloqüente de que as decisões judiciais, desde que percorridos todos os escaninhos do processo, têm os

JURISDIÇÃO – INÉPCIA DA INICIAL – CONVERSÃO PARA IMPROCEDÊNCIA – IMPOSSIBILDADE NA ESPÉCIE – CPC, ARTS. 295, 472 E 515 – RECURSO PROVIDO – I – A sistemática do Código de Processo Civil brasileiro não se compadece com a extensão da coisa julgada a terceiros, que não podem suportar as conseqüências prejudiciais da sentença, consoante princípio com teto no art. 472 da lei processual civil. II – Não tendo o possuidor, por qualquer forma, integrado a relação processual, de onde emanou a sentença cuja execução importou em ordem de despejo, contra ele expedida, pode valer-se da ação possessória, uma vez violado o direito de não ser o possuidor prejudicado por sentença dada entre vendedor e compradora, e de não ser desalojado, sem as garantias do due process of law, da posse que vinha exercendo. III – Tendo a sentença indeferido a petição inicial, por inépcia, antes da citação, por impossibilidade jurídica do pedido, vedado era ao Tribunal interpretar os fundamentos da sentença como improcedência do pedido, suprimindo um grau de jurisdição e pronunciando-se sobre o meritum causae. (STJ – RESP 161054 – (199700934284) – MG – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 08.05.2000 – p. 00096).

161Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito: (...) V - quando o juiz acolher a alegação de preempção, litispendência ou de coisa julgada; Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar: (...)VI - coisa julgada; (...) § 4º. Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste artigo.

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caracteres da intangibilidade e imodificabilidade, os quais desafiam os homens e o tempo”.162

A coisa julgada, além dos seus efeitos, da imutabilidade que reveste

as sentenças não mais sujeitas a recursos ordinários ou extraordinários, marca

também o fim da prestação jurisdicional. Sua importância advém exatamente da

finalização do processo, pois não seria conveniente lançar a sociedade em eterno

litígio. Se o processo nunca tivesse fim, como seria possível resolver os litígios?

Trata-se de instituto de importantíssima utilidade para a jurisdição e

para os jurisdicionados. É a paz social que o exige. Como regra, não seria justo,

e nem moralmente correto, as partes moverem as engrenagens do Poder

Judiciário por longos anos, às vezes décadas, e depois de todo o trâmite

processual percorrido, já em sede final do processo de execução, fosse o

vencedor surpreendido com a notícia de que o Poder Judiciário mudou de

posicionamento e agora a realidade seria outra.

Seria inimaginável a existência de um Estado Democrático de

Direito sem a coisa julgada. A impermeabilidade das decisões finais do Poder

Judiciário é o que permite pôr pá de cal nos litígios e é a preocupação de

segurança nas relações jurídicas e de paz na convivência social o que explica a

res iudicata.

3.6. Fundamentos da autoridade da coisa julgada

A doutrina tem entendido que dois são os fundamentos da

autoridade da coisa julgada: o primeiro de ordem política e o segundo de ordem

jurídica.

162RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. op. cit., p. 94.

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A finalidade da jurisdição, que utiliza o processo como instrumento,

é promover a justiça, pacificar os conflitos de interesses, dando a cada um aquilo

que é seu por direito. O ordenamento jurídico, para minimizar a possibilidade de

ocorrência de injustiças, prevê às partes a possibilidade de interposição de

recursos, desde que preenchidos seus pressupostos de admissibilidade.

Todavia, o processo tem que ter um ponto final, dando segurança

jurídica às partes. Vale dizer, os recursos devem ser finitos e em um

determinado momento a decisão judicial tornar-se imutável.

Aquele que venceu a demanda tem de ter a certeza de que poderá

promover uma execução e uma vez satisfeito seu crédito, aquele bem da vida

alcançado por meio do processo passa a integrar definitivamente seu patrimônio.

Não poderia ficar constantemente na incerteza de que aquilo que a Justiça disse

que era seu poderia ser revisto a qualquer tempo e então, não mais sê-lo.

Portanto, o fundamento político da autoridade da coisa julgada repousa no

princípio da segurança jurídica.

Quanto ao fundamento jurídico da coisa julgada, não há

unanimidade entre os juristas. Trata-se de tema controvertido. Algumas teorias a

respeito foram sintetizadas por Moacyr Amaral dos Santos163, a saber:

Teoria da presunção da verdade: os juristas da Idade Média

entendiam que a sentença continha uma presunção de verdade. Eles sabiam que

nem sempre as sentenças eram justas, mas ainda assim elas produziam coisa

julgada. Pelo fato de nem sempre reproduzirem a verdade, não se podia dizer

que a sentença era a verdade, mas tão somente que continha uma presunção de

verdade.

163SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.

p. 46-52.

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Essa teoria foi esposada pelo Regimento nº 737, de 1850, cujo

artigo 185 assim dispunha: “São presunções legais absolutas os fatos ou atos

que a lei expressamente estabelece como verdade, ainda que haja prova em

contrário, como a coisa julgada”.

Teoria da ficção da verdade: foi elaborada por Savigny também

partindo-se do fato de que sentenças com erros de fato ou de direito fazem coisa

julgada. Como as sentenças injustas também fazem coisa julgada, aquilo que a

sentença declara não pode deixar de ser reconhecido verdadeiro pelas partes,

bem como por qualquer juiz. Assim considerando, pode-se dizer que na sentença

nada mais há do que ficção da verdade. O autor explica que a ficção é aparência

havida como verdade, ainda que não seja verdade, pelo que a sentença contém

uma verdade artificial.

Teoria da força legal, substancial da sentença: seu autor é

Pagenstecher, que entende que toda sentença – ainda que a meramente

declaratória, cria direito, é constitutiva de direito.

A sentença, para o autor da teoria, assemelha-se a um parecer

elaborado por um jurisconsulto. O parecer deste produz certeza, mas a certeza

produzida pela sentença contém um quid, isto é, um quê a mais que se molda à

certeza produzida pela sentença, tornando-a criadora de direito. Uma vez

proferida a sentença, não é o direito anterior que se impõe, mas o direito novo

resultante da certeza contida na sentença mais o referido quid.

Por essa teoria, o fundamento da coisa julgada reside no fato de que

direito novo criado pela sentença tem força de lei.

Teoria da eficácia da declaração: seus elaboradores e defensores

são Hellwig, Binder, Stein. O fundamento da autoridade da coisa julgada estaria

na eficácia da declaração de certeza contida na sentença.

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Segundo esta teoria, a sentença pode ser declaratória (quando

declara o direito) ou constitutiva (quando forma o direito). Até a sentença

condenatória tem natureza constitutiva porque além da declaração de certeza,

tem também uma ordem de dar, fazer ou não fazer.

Toda sentença conteria uma declaração e esta é que produz a

certeza do direito.164

Teoria da extinção da obrigação jurisdicional: foi desenvolvida

por Ugo Rocco, para quem o conceito de sentença e coisa julgada estão

necessariamente presos aos conceitos de ação e jurisdição.

A parte tem o direito de ação, que é o direito subjetivo de submeter

ao Estado a resolução de um conflito. O Estado, por meio da jurisdição, irá

aplicar o direito objetivo ao caso concreto. O direito de ação implica a

correspondente obrigação jurisdicional do Estado. Mas, tendo o processo

chegado ao seu final com a devida prestação jurisdicional, extingue-se o direito

de ação e de jurisdição sobre aquela relação de direito material. Assim, a decisão

final não mais poderá ser questionada porque, para o caso, a jurisdição está

extinta e, conseqüentemente, o direito de ação também.

Teoria da vontade do Estado: esta teoria teve Chiovenda como

um dos seus ilustres defensores. Teve grande aceitação na Alemanha. O

fundamento da coisa julgada estaria na vontade do Estado.

A sentença em si, como ato de inteligência do juiz e produto de

raciocínio lógico, não tem nenhuma influência do Estado. Todavia, o Estado a

164“Na parte declaratória da sentença reside a autoridade da coisa julgada. Esta se fundamenta na eficácia da

declaração de certeza. A declaração de certeza produz a eficácia de impor às partes, bem como ao juiz que proferiu a sentença e aos demais juízes, a observância de tal declaração. A declaração produz, assim, fenômeno processual de duplo aspecto: por um lado, atribui às partes o direito de exigir de uma e de outra a sua observância, e, por outro lado, atribui a todos os juízes a obrigação de respeitarem-na. A autoridade da coisa julgada, assim, se fundamenta na eficácia da declaração, e, pois, corresponde ao fenômeno processual pelo qual a sentença se torna indiscutível, incontestável não só pelas partes como para todos os juízes.” SANTOS, Moacyr Amaral. op. cit., 17. ed., p. 48.

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transforma num comando com força obrigatória, que pode se tornar indiscutível

e imutável.

Teoria de Carnelutti: o construtor da teoria também vislumbra a

autoridade da coisa julgada pelo fato dela provir do Estado. Carnelutti

argumenta que para se ter um comando na sentença é necessário que se tenha

um comando na lei. Assim, pode-se dizer que o comando da sentença é um

comando suplementar ao da lei.165

Esta teoria diferencia-se da teoria da vontade do Estado defendida

por Chiovenda pelo fato deste sustentar que a sentença espelha a lei aplicável ao

caso concreto. Isto significa que na sentença é possível encontrar a própria lei,

embora aplicada ao caso concreto. Uma vez proferida a sentença, esta

substituiria a lei e o comando da sentença seria autônomo à própria lei.

Teoria de Liebman: O idealizador não vê a coisa julgada como um

dos efeitos da sentença. Liebman sustenta que a coisa julgada é uma qualidade

especial da sentença, que reforça a sua eficácia. Essa qualidade advém da

imutabilidade da sentença enquanto ato processual (coisa julgada formal) e

imutabilidade de seus efeitos (coisa julgada material).

A eficácia da sentença resulta do fato de provir do Estado, mas deve

estar conforme o direito. Os recursos minimizam a possibilidade de o Estado

proferir sentenças injustas. Muitas sentenças têm efeito suspensivo, outras só

devolutivo. As sentenças que têm efeito suspensivo somente produzirão efeitos

quando cessar o efeito suspensivo, com o julgamento dos recursos que lhe

garantem essa suspensão. Depois de todos os recursos serem julgados, a eficácia

da sentença se reforça, pois ocorre a formação da coisa julgada formal

165“Na teoria de Carnelutti é interessante a inversão dos momentos do fenômeno processual da coisa julgada.

Enquanto para as demais teorias a coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal, para Carnelutti é esta que pressupõe aquela. Na certeza que a sentença produz está a imperatividade dela, e é esta imperatividade que constitui a coisa julgada material, a qual, pela preclusão dos recursos se transforma em coisa julgada formal.” SANTOS, Moacyr Amaral. op. cit., 17. ed., p. 50.

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(imutabilidade da sentença) e conseqüentemente a coisa julgada material

(imutabilidade dos efeitos da sentença).

3.7. O duplo grau de jurisdição e a coisa julgada

O direito de recorrer das decisões judiciais, inclusive das sentenças,

é previsto por todos os ordenamentos jurídicos e sendo o Brasil um Estado

Democrático de Direito, não seria exceção à regra.166167 Trata-se, pois, de um

direito processual das partes, que para tanto devem preencher os pressupostos

objetivos e subjetivos próprios de cada recurso.168

Luiz Rodrigues Wambier ensina que os recursos já foram relegados

no curso da história por lhes ter sido atribuído ‘certa responsabilização pela

elitização do direito.’ Segundo o autor, na França, “chegou a ser editada norma,

em 1793, considerando definitivas as decisões proferidas pelos magistrados de

primeiro grau, sem que contra elas fosse possível interpor qualquer modalidade

de recurso. Essa orientação, todavia, perdurou um curto espaço de tempo,

tendo sido restaurado o direito ao recurso a juízo superior pela Constituição de

1795. Hoje, todas as nações civilizadas, que escolheram o Estado como modelo

166Sobre a impugnação das decisões judiciais, elucidativa é a lição de Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas

de direito processual civil, cit., v. 3, p. 78: “Considerando a posição do juiz na relação processual, de sujeito imparcial, não seria ilogismo conferir-se às suas decisões o caráter de irrevogáveis. Proferidas e publicadas, poderiam ser imutáveis. Mas os juízes são criaturas humanas e, portanto, falíveis, suscetíveis de erros e injunções, razão bastante para os ordenamentos processuais de todos os povos, com o propósito de assegurar justiça o quanto possível perfeita, propiciarem a possibilidade de reexame e reforma de suas decisões por outros juízes, ou mesmo pelos próprios juízes que as proferiram. Com esse intuito se instituíram meios para impugnação das decisões, atribuídos ao vencido, que é interessado na sua reforma, por injustas ou ilegais”.

167SLAIBI FILHO, Nagib. op. cit., p. 134, entende que “A recorribilidade das decisões é pressuposto necessário à legitimação da função jurisdicional não só quanto ao controle do exercício do poder mas, e principalmente, porque integra o direito de ação – assim como a lei não pode excluir do Poder Judiciário qualquer lesão a direito (Constituição, art. 5º, inc. XXXV, não pode evitar que o sucumbente em qualquer decisão se socorra do apelo ao órgão judiciário de instância superior, ou ao menos, ao mesmo órgão, de forma que tenha um meio de revisão das decisões”.

168SANTOS, Moacyr Amaral. op. cit., v. 3, p. 83 e 88, entende que: “Os pressupostos objetivos do recurso são: a) recorribilidade do ato decisório; b) a tempestividade do recurso; c) a singularidade do recurso; d) a adequação do recurso; e) o preparo do recurso. Além destes, cada recurso tem pressupostos objetivos próprios, específicos, referentes ao processo e ao procedimento. “.”.. Pressuposto subjetivo do recurso é que ele deve ser interposto por quem para isso esteja legitimado”. Id. Ibid..

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de organização social, admitem a recorribilidade das decisões judiciais, para

reapreciação por organismos de hierarquia superior, como uma expressiva

garantia reconhecida a todos os seus súditos”.169

Os recursos podem ser definidos como “o poder de provocar o

reexame de uma decisão, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra

hierarquicamente superior, visando a obter a sua reforma ou modificação”.170

Na Constituição Federal, muito embora não haja garantia expressa a

respeito, a competência recursal dos tribunais nela existente é indicação

implícita da garantia do duplo grau de jurisdição.171

Já a legislação infraconstitucional faz menção explícita acerca dos

recursos existentes no processo civil brasileiro. Com efeito, o CPC, em seu

artigo 496, dispõe serem cabíveis os recursos de apelação, agravo, embargos

infringentes, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial,

recurso extraordinário, embargos de divergência em recurso especial e

extraordinário.

169WAMBIER, Luiz Rodrigues. Da integração dos subsistemas recursal e cautelar nas hipóteses de recurso

especial e recurso extraordinário. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. v. 4, p. 684.

170SANTOS, Moacyr Amaral. op. cit., v. 3, p. 80. 171Nelson Nery Júnior, tratando do duplo grau de jurisdição, assim ensinou: ‘O art. 158 da Constituição do

Império de 1824 dispunha expressamente sobre a garantia absoluta do duplo grau de jurisdição, permitindo que a causa fosse apreciada, sempre que a parte o quisesse, pelo então Tribunal da Relação (depois de Apelação e hoje de Justiça). Ali estava inscrita a regra da garantia absoluta ao duplo grau de jurisdição. As constituições que se lhe seguiram limitaram-se a apenas mencionar a existência de tribunais, conferindo-lhes competência recursal. Implicitamente, portanto, havia previsão para a existência de recurso. Mas, frise-se, não garantia absoluta ao duplo grau de jurisdição. A diferença é sutil, reconheçamos, mas de grande importância prática. Com isto, queremos dizer que, não havendo garantia constitucional ao duplo grau, mas mera previsão, o legislador infraconstitucional pode limitar o direito de recurso, dizendo, por exemplo, não caber apelação nas execuções fiscais de valor igual ou inferior a 50 OTNs (art. 34, da Lei 6830/80) e nas causas, de qualquer natureza, nas mesmas condições, que forem julgadas pela Justiça Federal (art. 4º, da Lei 6.825/80), ou ainda, não caber recurso dos despachos (art. 504, CPC)”. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, cit., p. 169-170.

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3.7. A coisa julgada como meio de prova

O Código de Processo Civil não reconhece a coisa julgada como

um meio de prova. Tampouco na doutrina encontramos esse entendimento,

muito embora seja, eventualmente, possível quando puder demonstrar uma

situação subjetiva. Trata-se, tão somente, de uma presunção juris et de jure em

favor de um indivíduo e em relação ao que foi parte na causa.

O primeiro requisito para que a decisão que fez coisa julgada possa

ser utilizada como meio de prova é que a sentença tenha transitado em julgado e

que ela verse sobre matéria contenciosa. Isto porque os atos de jurisdição

voluntária não podem ter os efeitos da coisa julgada.172 Os outros requisitos é

que haja identidade de partes, da causa de pedir e do pedido.173

172RESCISÓRIA – JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA – COISA JULGADA FORMAL – AUSÊNCIA DE

SENTENÇA DE MÉRITO – DESCABIMENTO – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA – EXTINÇÃO DO PROCESSO – Tratando-se de ação rescisória ajuizada em face de sentença proferida em jurisdição voluntária, impõe-se julgar extinto o processo, reconhecendo o autor carecedor de ação em razão da impossibilidade jurídica do pedido, haja vista que somente a sentença de mérito enseja a coisa julgada material, dando azo à rescisão, nos termos do art. 485 do CPC. (TJMG – AR 142.506/5.00 – 2º G.C.Cív. – Rel. Des. Reynaldo Ximenes Carneiro – J. 05.04.2000).

173COISA JULGADA – TRÍPLICE IDENTIDADE – Para configurar-se a coisa julgada, há que se verificar a existência da identidade entre as ações em questão, ou seja, se são as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo objeto do pedido, inocorrendo qualquer dos elementos caracterizados, inexiste mencionada exceção. (TRT 9ª R. – RO 13.316/93 – 4ª T. – Ac. 17.031/94 – Rel. Juiz Carlos Buck – DJPR 10.10.1994).

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4. AS AÇÕES COLETIVAS

4.1. A necessidade do regramento das ações coletivas como conseqüência

previsível da evolução da sociedade e seus conflitos

Após a revolução industrial, notadamente a partir da segunda

metade do século XX, a capacidade produtiva do ser humano foi multiplicada

em centenas de vezes. O que era produzido de forma artesanal, manual e muitas

vezes envolvendo apenas os familiares, passou a ser industrializado.

Com o aumento da velocidade da confecção dos produtos,

igualmente aumentou a disponibilidade destes no mercado de consumo. A

produção em massa gerou a sociedade de massa, muito mais sofisticada e

exigente.

A produção em escala industrial demandou um aumento

considerável na utilização de matérias primas, que na maioria das vezes passou a

ser explorada de maneira predatória. Os resíduos sólidos, líquidos e gasosos das

atividades industriais eram despejados in natura em nossos solos, águas e

atmosfera, agredindo, desta forma, os bens de toda a coletividade. Além disso, o

crescimento desordenado das cidades, principalmente nas grandes metrópoles,

agravou a degradação ambiental.

A gerência da coisa pública tornou-se mais complexa, ante o

desenvolvimento da sociedade e da tecnologia, com o aumento expressivo do

número de leis, atos normativos e administrativos e conseqüentemente

cresceram os conflitos com os administrados.

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Era necessária a edificação de uma legislação específica voltada

para os direitos e interesses coletivos. É que nesse cenário, o Direito não mais

conseguia responder a contento aos seus jurisdicionados, porque a legislação

privatista não mais se prestava para solucionar os conflitos metaindividuais

envolvendo os consumidores, o meio ambiente e outros valores da coletividade,

como os bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Também era necessário tutelar, de forma coletiva, as garantias e direitos

fundamentais previstas na Constituição, já que muitos desrespeitos perpetrados a

esses direitos tinham contornos que atingiam toda a coletividade.

Com efeito, ao analisarmos o Código Civil de 1916 e o Código

Comercial, diplomas legislativos aplicados para dirimir a maioria das lides do

direito privado até o surgimento da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da

Ação Civil Pública) fica fácil perceber a inadequação da legislação existente

para solucionar as lides metaindividuais. A coisa julgada e a legitimidade, por

exemplo, da forma como estão concebidos no direito privado, são institutos

jurídicos totalmente inadequados para a resolução das lides coletivas.

Era notória a necessidade da edificação de um novo conjunto de

regras, desta vez mais específica, para atender às necessidades da

coletividade174. Era necessário o surgimento de uma legislação que cuidasse das

ações coletivas175, mesmo porque a solução de uma lide coletiva evita que

174MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação de agir. 5. ed. rev. e atual. São

Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p. 51, “pensar e sentir coletivamente é relegar a um plano secundário o interesse imediato, egoísta, para como os olhos postos num ideal amplo e generoso, empenhar os esforços comuns com vista à consecução desse desiderato. É possível e até provável que os frutos desse esforço recaiam também sobre os que dele participaram; mas, dada a amplitude do fim perseguido, terceiros poderão eventualmente ser beneficiados. Quando um grupo luta por melhores condições de segurança no trabalho, são todos os trabalhadores, como categoria, que disso poderão beneficiar-se”.

175WATANABE, Kazuo et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1999. p. 719: “A necessidade de estar o direito subjetivo sempre referido a um titular determinado ou ao menos determinável, impediu por muito tempo que os “interesses” pertinentes, a um tempo, a toda uma coletividade e a cada um dos membros dessa mesma coletividade, como por exemplo, os ‘interesses’ relacionados ao meio ambiente, à saúde, à educação, à qualidade de vida, etc..., pudessem ser havidos por juridicamente protegidos. Era a estreiteza da concepção tradicional do direito subjetivo, marcada profundamente pelo liberalismo individualista, que obstava a essa tutela jurídica”.

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milhares de ações individuais com causa de pedir idênticas cheguem ao

Judiciário, contribuindo, assim, para uma maior efetividade da prestação

jurisdicional.

4.2. Brevíssimas notas sobre a evolução das ações coletivas no Brasil

No Brasil, a primeira lei a tratar de direitos coletivos foi a Lei de

Ação Popular. Surgiu inicialmente na Constituição Federal de 1934 (art. 113,

XXXVIII) e foi repetida em todas as Constituições posteriores, com exceção da

Carta Magna de 1937. Por meio dela, qualquer cidadão estava legitimado a

requerer ao Poder Judiciário a declaração de nulidade ou a anulação dos atos

lesivos ao patrimônio da União, dos Estados e dos municípios. Todavia, só foi

regulamentada pela Lei 4.717/65.176

Depois, houve o surgimento da Lei 6.938/81, que cuidava do meio

ambiente. Em 1985, num importante passo do legislador no que diz referência à

tutela dos direitos e interesses difusos, foi aprovada a Lei de Ação Civil Pública,

inspirada nas class action do direito norte americano.

Em 1989 surgiu a Lei 7.853, criada para promover a defesa dos

portadores de deficiência e a Lei 7.913, que dispôs sobre a ação civil pública por

responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores

mobiliários.

Em 1990 surgiu a Lei 8.060, que dispõe sobre a ação civil pública

por responsabilidade à criança e ao adolescente e a Lei 8.078, conhecida como

Código de Defesa do Consumidor.

176VENTURI, Elton. op. cit., p. 33.

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A Lei nº 8.429/92 cuidou das sanções aplicáveis aos agentes

públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato cargo,

emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.

A Lei nº 8.884/94 foi criada para tutelar os danos morais e

patrimoniais por infração da ordem econômica.

Quando a Lei de Ação Civil Pública foi criada tratava tão somente

dos interesses difusos e coletivos. Todavia, com a inovação trazida pelo Código

de Defesa do Consumidor, que além dos direitos citados também tratou dos

interesses individuais homogêneos, a LACP também passou a tutelar essa

espécie de interesses, por força da interação legislativa existente entre os dois

diplomas legais (art. 90 do CDC e 21 da LACP).

Mas não foram somente os diplomas legislativos criados para

tutelar os direitos subjetivos da coletividade que evoluíram. Também a tutela

coletiva dos direitos objetivos, que é feito pelo controle de constitucionalidade

das leis, foi aprimorada no último século, sobretudo após a Constituição de

1988.

Muito embora o controle de constitucionalidade existisse no

ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição de 1891, a Constituição

Federal de 1988 criou o mandado de injunção (art. 5º, LXXI), a ação direta de

inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º) e a argüição de

descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º), disponibilizando aos

legitimados legais instrumentos processuais mais específicos para a tutela do

direito objetivo pátrio.

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4.3. Conceito de ações coletivas

O Código de Defesa do Consumidor e a lei de ação civil pública

não definiram o que sejam ações coletivas.177 Assim, cabe à doutrina e à

jurisprudência fazê-lo.

Exatamente pelo fato de que as ações coletivas ampliaram

enormemente o rol dos legitimados à sua propositura, bem como o instituto da

coisa julgada possui aspectos sui generis no ordenamento, já que a extensão de

seus efeitos pode ser erga omnes ou ultra partes, dependendo do tipo de direito

em debate (difuso, coletivo ou individual homogêneo), pensamos que para se

conceituar o que são as ações coletivas é necessário levar em conta esses dois

institutos jurídicos. A natureza do direito (difuso, coletivo ou individual

homogêneo), bem como a causa de pedir e pedido também devem ser

considerados na definição.

Na doutrina, a definição de ações coletivas dada por Kazuo

Watanabe leva em consideração todas essas observações. Para ele:

“a natureza verdadeiramente coletiva da demanda depende não somente da legitimação ativa para a ação e da natureza dos interesses ou direitos nela veiculados, como também da causa de pedir invocadas e do tipo e abrangência do provimento jurisdicional postulado e, ainda, da relação de adequação entre esses elementos objetivos da ação e a legitimação ad causam passiva”.178

Assim, podemos definir ação coletiva como o instrumento

processual por meio do qual os legitimados legais pedem ao Judiciário a tutela

177Luiz Antonio Rizzatto Nunes sustenta que: “Sabe-se que a opção do legislador por definir conceitos em vez de

deixar tal tarefa à doutrina e à jurisprudência pode gerar problemas na interpretação, especialmente porque corre o risco de delimitar o sentido do termo”. NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (arts 1º a 54). São Paulo: Saraiva, 2000. p. 77.

178WATANABE, Kazuo. Demandas coletivas e os problemas emergentes da práxis forense. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 195-196.

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de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos com efeitos erga

omnes ou ultra partes, para beneficiar toda a coletividade, categoria, grupo ou

classe de pessoas ligadas por circunstâncias de fato ou de direito.

Não há diferença entre a ação civil pública e a ação coletiva. Esta

não é gênero do qual aquela é espécie. Por isso, podem-se usar ambos os termos

indiscriminadamente, conforme ensina autorizada doutrina.179180

4.4. As ações coletivas previstas na Constituição Federal de 1988

A partir da Constituição de 1988, a dicotomia público/privado foi

definitivamente superada com a adoção de um sistema processual moderno e

adequado às soluções dos litígios do século XXI, levando-se em conta os

interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.181

Esse sistema pode ser traduzido como a profunda atenção à

democratização do acesso à justiça proporcionado pela Constituição Federal,

não somente da justiça formal, mas a uma justiça efetiva. E nesse passo, a tutela

179“(...) não há como sustentar seja a ação coletiva um gênero, do qual a ação civil pública seja uma espécie. É

plenamente possível a utilização de uma expressão pela outra. (....) Ambas não deveriam existir, pois a ação não deve ser adjetivada. Mas a coletiva, diz muito mais: diz que tipo de interesse se busca tutelar. A ação civil pública além de ser utilizável por outros legitimados que não o Ministério Público(...) pode perfeitamente postular a defesa de um interesse individual homogêneo, já que tal ação se presta (porque de idêntica abrangência da coletiva) a tutelar interesses coletivos (seja essencialmente coletivos, sejam não-essencialmente coletivos) VIGLIAR, Marcelo Menezes. Ação civil pública ou coletiva? In MILARÉ, Édis (Coord.) Ação civil pública: Lei 7.347/85 – 15 anos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. p. 412.

180“Outro ponto importante é o da possibilidade do uso indiscriminado das expressões ação civil pública e ação coletiva, uma vez que aquela não é espécie desta, como poder-se-ia depreender de uma análise apressada dos institutos” PIZZOL, Patricia Miranda. A competência no processo civil, cit, p. 571.

181Nesse sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso “(...) a Constituição brasileira de 88 parece ter dado guarida a esse reclamo jurídico-sociológico, quando acenou, vivamente, para uma democracia participativa (e não apenas representativa), permitindo aos modernos corpos intermediários (sindicatos, associações, órgãos de classe) integrarem-se na gestão da coisa pública, atuando tanto nas instâncias primárias (arts. 1º, V, e parágrafo único; 205, 216, § 1º, e 225), como na via judicial, esta última com o alargamento da legitimidade ativa para a defesa dos interesses metaindividuais (arts. 5º, XXI e LXX, 103, VII e IX, 129, III e § 1º)”. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação de agir, cit., p. 41.

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dos interesses supraindividuais é uma das maiores conquistas dos

jurisdicionados.182

Com efeito, a Constituição Federal de 1988, numa inovação sem

precedentes na história constitucional de nosso país e do direito comparado,

trouxe em seu bojo inúmeras inovações em se tratando de defesa de direitos

metaindividuais por meio das ações coletivas.183

E o legislador constituinte não apenas garantiu os direitos coletivos

de forma abstrata, mas tratou de criar instrumentos efetivos para tutelá-los,

como por exemplo a ampla garantia do acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV) e as

inúmeras ações coletivas destinadas a tutela dos direitos subjetivos e objetivos

dos juridiscionados.

Pode-se dizer que as ações coletivas ganharam com a Constituição

Cidadã altura de incenso. Estão asseguradas na Carta Magna as seguintes ações

coletivas: mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXIX); ação popular (art. 5º,

LXXIII); ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10 e 11); ação

direta interventiva (art. 36, III); ação direta de inconstitucionalidade por ação ou

omissão (art. 102, I, ‘a’, e 103, § 2º); ação declaratória de constitucionalidade de

182Ada Pellegrini Grinover sustenta, com propriedade que, “A tutela jurisdicional dos interesses difusos e

individuais homogêneos representa, neste final de milênio, uma das conquistas mais expressivas do direito brasileiro. Colocados a meio caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma sociedade de massa e resultado de conflitos de massa, carregados de relevância política e capazes de transformar conceitos jurídicos estratificados, os interesses transindividuais têm uma clara dimensão social e configuram nova categoria política e jurídica”. GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação civil pública refém do autoritarismo. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 349, p. 3, jan./mar. 2000.

183Essa observação foi feita pelo Prof. Barbosa Moreira nos seguintes termos:“(...) esse fenômenos das ações coletivas, que, como vimos, assume na Carta de 1988 proporções inéditas, repito, na história das Constituições brasileiras, aparece aqui com um destaque, uma saliência, um realce que não encontra paralelo em nenhuma das Cartas anteriores no nosso país, e diria até que não encontra paralelo no Direito Constitucional Comparado. Creio que o Direito Brasileiro hoje está mais bem equipado que qualquer outro que eu conheça em matéria de Ações Coletivas. É um direito extremamente rico em remédios desse tipo. E o mais interessante é que agora essa riqueza está incorporada à Constituição”. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ações coletivas na Constituição Federal de 1988. Revista de Processo, São Paulo, v. 16, n. 61, p. 198, jan./mar. 1991.

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lei ou ato normativo federal (art. 102, I, ‘a’, e 103, § 4º); ação de dissídio

coletivo (art. 114, § 2º) e ação civil pública (art. 129, III).184

4.5. A contribuição da Constituição Federal de 1988 ao arcabouço

processual coletivo brasileiro

O diploma processual civil brasileiro tem raízes, normas e toda sua

força motriz direcionada à resolução dos conflitos tipicamente individuais. A

maior prova disso é o modelo de legitimidade consagrada em seu artigo 6º, bem

como o instituto da coisa julgada, cuja extensão dos efeitos subjetivos não

passam dos indivíduos que figuraram no pólo ativo ou passivo da lide. A

extensão dos efeitos erga omnes ou ultra partes é totalmente estranha à luz do

Código de Processo Civil.

O legislador constituinte elevou a Ação Civil Pública a nível

constitucional e no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, dispôs que

o Estado promoveria, na forma da lei, a defesa do consumidor. Também fez

constar no artigo 48 do Ato das Disposições Transitórias que o Congresso

Nacional, no prazo de cento e vinte dias, elaboraria o Código de Defesa do

Consumidor.

Assim, a Lei 8.078/90 surgiu como cumprimento à determinação do

legislador constituinte para regulamentar a defesa do consumidor. E foi

exatamente a partir da promulgação do CDC, que os interesses coletivos lato

sensu ganharam o temperamento legal merecido, com as diversas inovações

introduzidas na sistemática processual que regula as ações coletivas,

184ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003.

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notadamente, pela inserção do título III do CDC e sua interligação com a LACP,

por força do artigo 117 do CDC, que introduziu o artigo 21 na LACP, que

passou vigorar com a seguinte redação:

“Aplicam-se à defesa dos interesses coletivos, difusos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.

Mas não é só. O controle de constitucionalidade, que tem por

objetivo a tutela dos direitos objetivos dos jurisdicionados também foi atenção

de inúmeras modificações por parte do legislador constituinte.

Além da já mencionada criação do mandado de injunção (art. 5º,

LXXI), da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º) e da

argüição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º), houve

ampliação da legitimidade para a propositura da ação direta de

inconstitucionalidade (art. 103), que anteriormente era limitada ao procurador

geral da República; obrigatoriedade da manifestação do Procurador Geral da

República em todos os processos de competência do STF (artigo 103, § 1º); a

exigência de citação do advogado-geral da República, para a defesa do ato

impugnado nas ações diretas (artigo 103, § 3º); previsão dos Estados-Membros

criarem representação de inconstitucionalidade de lei e atos normativos

estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (artigo 125, § 2º).185

4.6. Tutela jurisdicional coletiva

A importância da jurisdição como meio para se efetivar o direito

material foi tratada no início deste trabalho. Fala-se em jurisdição coletiva

185ALMEIDA, Gregório Assagra de. op. cit., p. 181-182.

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quando, por meio dos legitimados legais são deduzidos em juízo direitos

difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Gregório Assagra de Almeida divide a jurisdição coletiva em

jurisdição coletiva comum e jurisdição coletiva especial.186

A jurisdição coletiva comum cuida do julgamento das ações

coletivas submetidas a juízo para a tutela dos direitos subjetivos difusos,

coletivos e individuais homogêneos. Cuida, portanto, dos conflitos de interesses

nascidos na realidade fática da sociedade.

Já a jurisdição coletiva especial cuida do controle abstrato de

constitucionalidade, ou seja, dos direitos objetivos coletivos, da

constitucionalidade das leis ou atos normativos.

Pela classificação feita por Assagra, com a qual concordamos,

integram a jurisdição coletiva comum a ação civil pública, a ação popular, o

mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção coletivo, a ação de

dissídio coletivo, a ação de impugnação de mandato eletivo e a ação direta

interventiva.

A jurisdição coletiva especial é formada pela ação direta de

constitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão e

argüição de descumprimento de preceito fundamental.

No presente trabalho, cuidaremos da relativização da coisa julgada

nas ações coletivas de jurisdição comum, notadamente na ação civil pública. Por

isso, abordaremos tão somente aspectos da ação civil pública, ação popular e

mandado de segurança coletivo, que são as ações coletivas mais conhecidas e

utilizadas. Não abordaremos as outras ações coletivas de jurisdição comum por

serem muito específicas. Cuidar de todas as ações coletivas, ainda que as de

186ALMEIDA, Gregório Assagra de. op. cit., p. 530.

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jurisdição comum, implicaria em desenvolvimento de trabalho incompatível

com uma dissertação de mestrado. Por outro motivo não trataremos das ações de

jurisdição especial, que são as ações de controle de constitucionalidade. É que a

proposta de relativização aqui desenvolvida a elas não se aplicam.

4.6.1. Ações coletivas mais comuns

4.6.1.1. Ação civil pública

A Ação Civil Pública foi introduzida no Brasil por meio da Lei

7.347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos

causados ao meio ambiente, ao consumidor, a outros bens de natureza difusa ou

coletiva, e dá outras providências.

Inicialmente, o artigo 1º da LACP tinha a seguinte redação:

“Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I – ao meio ambiente; II – ao consumidor; III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”.

Com a promulgação da Constituição de 1988, os contornos da Ação

Civil Pública sofreram sensíveis mudanças. É que em seu artigo 129, que trata

sobre a função institucional do Ministério Público, o inciso III amplia o rol de

bens tutelados pela indigitada lei, ao dispor que cabe ao Ministério Público:

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;” (grifo nosso)

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Para dirimir quaisquer dúvidas a respeito do espectro abrangido

pela LACP, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), por força de seu

artigo 110, acrescentou um novo e importante inciso, o IV, ao artigo 1º da

LACP, com seguinte redação: “a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.

Portanto, por meio da ação civil pública pode-se tutelar quaisquer

interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Releva notar que a

expressão direitos individuais homogêneos surgiu com o Código de Defesa do

Consumidor, que é posterior à Constituição Federal.

O inciso III do artigo 1º foi alterado pela Lei nº10.257, de

10/07/2001, DOU 11/07/2001, com vigência a partir de 90 dias após a

publicação, passando a ter a seguinte redação: “III - à ordem urbanística;”.

Contudo, essa alteração foi revogada pela Medida Provisória 2.180-35/2001.

O inciso V foi introduzido pela Lei 8.884/94 e tinha a seguinte

redação: “por infração da ordem econômica”, mas por força da Medida

Provisória nº 2.180-35, acrescentou-se ao citado dispositivo a expressão “e da

economia popular”. Assim, passou a ter a seguinte redação: “por infração da

ordem econômica e da economia popular”.

A indigitada Medida Provisória acrescentou um parágrafo único no

artigo 1º da LACP com a seguinte redação:

“Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”.

A restrição da aplicabilidade da Ação Civil Pública é

inconstitucional, pois contraria o espírito do legislador que concedeu a ela

dignidade constitucional como instrumento apto a tutelar quaisquer interesses

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difusos e coletivos. Se o legislador constituinte não fez nenhuma restrição, não

poderia o legislador infraconstitucional fazê-lo, mormente quando o ato

normativo é de autoria da Presidência da República em causa própria.187

A natureza da ação civil pública “é de direito processual

constitucional, e a ela se aplicam regras e princípios de interpretação

constitucional, em conjugação com os princípios e regras processuais com ela

compatíveis, como, entre outros, o princípio da aplicabilidade imediata, quanto

à eficácia no tempo, das normas processuais.”188

O objeto da lei de ação civil pública, em sua redação original,

poderia ser o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer ou a condenação

em dinheiro.

Todavia, com a entrada em vigência do Código de Defesa do

Consumidor, esse rol foi extremamente ampliado, pela citada interação entre os

dois diplomas legislativos. É que o artigo 83 do CDC dispõe que quaisquer

ações poderão ser ajuizadas para a tutela dos interesses difusos, coletivos e

individuais homogêneos.

Atualmente, portanto, a restrição do pedido da ação civil pública

deixou de existir, podendo ser formulados quaisquer pedidos, sejam eles

condenatórios (fazer ou não fazer), constitutivo, cautelar, executivo ou

mandamental.

Na verdade, em se tratando de tutela de interesses difusos e

coletivos, o ideal seria que o responsável fosse condenado a repor o bem ou

interesse lesado no seu estado anterior, mas nem sempre isso é possível. Daí a

187MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 125-129. 188ALMEIDA, Gregório Assagra de. op. cit., p. 343.

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importância da condenação em dinheiro, como fator de desestímulo a pessoas

físicas e jurídicas agressores dos citados interesses e direitos em potencial.189

A legitimidade para a propositura da ação civil pública está

expressa no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor e no artigo 5º da Lei

de Ação Civil Pública. São legitimados o Ministério Público, a União, Estados,

Municípios, Distrito Federal, autarquia, empresa pública, fundação, sociedade

de economia mista, entidades e órgãos da administração pública, ainda que sem

personalidade jurídica, destinados à tutela dos direitos protegidos pelo CDC ou

pela LACP ou por associação que esteja constituída a mais de um ano e inclua

entre suas finalidades institucionais a proteção ao consumidor, meio ambiente, à

livre concorrência, à ordem econômica, patrimônio artístico, estético, histórico,

turístico e paisagístico.

A legitimação processual nas ações coletivas é do tipo concorrente

disjuntiva. Trata-se de matéria pacífica na doutrina. Isto significa que cada um

dos legitimados, independentemente de autorização do outro, pode propor as

ações coletivas. A legitimidade de um não exclui a do outro e tampouco impede

que se reúnam em litisconsórcio.

Nas ações coletivas em que estejam envolvidos direitos

essencialmente coletivos (difusos e coletivos, assim entendidos como

discriminados no artigo 81, I e II do CDC), a legitimidade dos entes para

propositura, segundo uma parte da doutrina, é do tipo ordinária. Isto porque

189No ponto, Rodolfo de Camargo Mancuso leciona: “Infelizmente nessa classe de bens e interesses nem sempre

isso é possível: o consumidor já terá utilizado o bem adquirido; a erosão já terá deteriorado a paisagem; o manancial já terá secado porque foram cortadas as matas ciliares; o derradeiro exemplar da espécie já terá sido aniquilado, etc. Quando a reparação específica não seja possível, a solução será o correspondente sucedâneo pecuniário, a ser canalizado para o “fundo” a que se refere o artigo 13 da Lei 7.347/85; é que tais bens e interesses, sendo difusos, o produto da condenação não pode ser titularizado, subjetivado (ao menos lege lata)”. Nesse sentido, aduz Ada Pellegrini Grinover: “A Lei 7347/85, tutela exclusivamente os bens coletivos indivisivelmente considerados. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, cit., p. 29.

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quando o legitimado vai a juízo está na defesa de seus próprios interesses

institucionais e também porque “ação e pedido são coletivos”190

José dos Santos Carvalho Filho, todavia, não faz nenhuma distinção

no tocante à natureza da legitimidade se os direitos envolvidos forem difusos,

coletivos ou individuais homogêneos. Para o autor, a legitimidade do Ministério

Público e das associações é do tipo extraordinária, sob o argumento de que os

legitimados atuam em nome próprio na defesa dos interesses alheios.191

Nelson Nery, comungando da doutrina alemã sobre o tema, entende

que, em se tratando de ações coletivas onde se discutam direitos difusos e

coletivos é de legitimação autônoma para conduzir o processo.192

Com efeito, a posição adotada por Nelson Nery parece ser a mais

adequada para o caso de direitos difusos e coletivos. De fato a legitimidade não

é ordinária, pois o legitimado não está defendendo direito próprio. Tampouco a

legitimidade é extraordinária, porque impossível identificar os titulares do

direito material. A doutrina alemã do Prozessführungsbefugnis – aplicadas às

situações em que os efeitos da sentença não atingem os legitimados ad

processum, traduzida como o direito de conduzir o processo, veio de encontro à

nova realidade processual aplicada às demandas coletivas.

Já nos casos dos direitos formalmente coletivos, onde se tutelam

direitos individuais homogêneos, a hipótese é de legitimação extraordinária,

ocorrendo verdadeira substituição processual. Isto porque, o artigo 91 do CDC

assevera expressamente:

“Os legitimados de que trata o art. 81 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil de

190CUNHA, Gisele Heloísa. Aspectos da legitimidade para agir no Código de Defesa do Consumidor. 1997.

p. 121. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1997. 191CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 136. 192NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 1339.

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responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes”.

Assim, o legislador está autorizando os legitimados a ingressar com

ação judicial para, em nome próprio, defender interesse ou direito alheio. Trata-

se, evidentemente, de legitimação extraordinária e ocorre substituição

processual.

O prazo de um ano de fundação da associação, que é requisito legal

para as associações poderem demandar em juízo, começa a contar a partir da

inscrição dos seus estatutos no registro Civil das Pessoas Jurídicas, consoante a

regra do artigo 45 do CC. Esse requisito temporal, segundo Kazuo Watanabe,

tem a finalidade de coibir abusos que poderiam ocorrer principalmente por

razões políticas.193

Todavia, esse requisito pode ser dispensado pelo juiz, consoante

determinação do parágrafo primeiro do artigo 82 do CDC “quando haja

manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano,

ou relevância do bem jurídico a ser protegido”194.

O artigo 1º da LACP dispõe que o ajuizamento da ação civil

pública se dá sem prejuízo da ação popular, prevista no artigo 5º, LXXIII, da

CF. Natural que assim o fosse. É que a ação popular não se presta somente a

anular atos lesivos ao patrimônio público ou de entidade em que o Estado

participe, mas também a evitar ou reparar lesões à moralidade administrativa, ao

meio ambiente e ao patrimônio histórico cultural.

Assim, em algumas situações, tem a mesma utilidade que a ação

civil pública, porém tem um campo de aplicabilidade mais restrita. Enquanto a

193WATANABE, Kazuo et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto, cit., p. 739-740. 194Parágrafo primeiro do artigo 82 do CDC.

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ação popular tem seu objeto expressamente previsto pela Constituição Federal, a

lei de ação civil pública pode tutelar quaisquer direitos difusos e coletivos em

sentido amplo. Diferencia-se, também, em relação à legitimidade, que no caso

da ação popular cabe exclusivamente ao cidadão, ao passo que para o

ajuizamento da ação civil pública é previsto um rol maior de legitimados no

artigo 82 do CDC e 5º da LACP.

Quanto à competência, o artigo 2º da LACP dispõe que as ações

serão propostas no foro do local do dano e que o juiz terá competência funcional

para processar e julgar a causa. Esse artigo deve ser interpretado em compasso

com o artigo 93, I, do CDC, que dispõe: “ressalvada a competência da Justiça

Federal, é competente para a causa a justiça local: I - no foro do lugar onde

ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local”.

O legislador estabeleceu dois critérios para a fixação da

competência nas ações civis públicas o primeiro, o da territorialidade, o local do

fato, que é caso de competência relativa e o segundo, de aspecto funcional, que é

caso de competência absoluta. Em havendo conjugação de critérios, deve

prevalecer o absoluto, ou seja, o critério funcional.195

Patricia Miranda Pizzol ensina que a interpretação dada aos dois

artigos deve ser no sentido de que a ação coletiva deva ser promovida na Justiça

Estadual do local do dano e em havendo interesse ou intervenção da União, a

competência seja deslocada para a Justiça Federal, conforme artigo 109 da

Constituição Federal. Também sustenta que a competência é territorial

funcional, sendo absoluta e improrrogável.196

Questão de relevo que se coloca é a hipótese de não haver vara da

Justiça Federal na Comarca onde ocorreu o dano. Seria competente a Justiça

195ALMEIDA, Gregório Assagra de. op. cit., p. 345. 196PIZZOL, Patricia Miranda. A competência no processo civil, cit., p. 573.

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Estadual ou os autos deveriam ser encaminhados para a seção judiciária mais

próxima?

Pela competência da Justiça Estadual foi editada a Súmula nº 183

do STJ, que dizia: “Compete ao Juiz Estadual, nas comarcas que não sejam

sede de vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda

que a União figure no processo”.

Todavia essa Súmula foi cancelada, por força do julgamento do

EDCComp 27676, rel. Min. José Delgado, j. 8-11-2.000, pelo fato do Supremo

Tribunal Federal entender que a matéria referente à competência da Justiça

Federal é constitucional e que o artigo 2º da LACP não continha expressamente

a exceção que se enquadrasse na permissão legal de transferência de

competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual (art. 109, § 3º, da CF). 197

Prevalece hoje o entendimento nos Tribunais Superiores no sentido

de que, havendo interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública

federal, na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, a competência será

da Justiça Federal da respectiva seção judiciária onde ocorreu ou deva ocorrer o

dano (art. 109, I, da CF). 198

Patricia Miranda Pizzol discorda desse posicionamento que vem

prevalecendo nas Cortes Superiores, com o qual concordamos, pelos seguintes

motivos: 1) a Constituição Federal, em seu artigo 109, § 3º, permite a delegação,

por lei infraconstitucional, de competência da Justiça Federal para a Justiça

Estadual e foi exatamente isso o que fez o artigo 2º da LACP; 2) o argumento

utilizado de que a LACP não faz menção expressa à Justiça Estadual não se

sustenta, porque o artigo 93 do CDC, ao assim dispor “ressalvada a

competência da justiça federal, é competente para a causa a justiça local”,

197ALMEIDA, Gregório Assagra de. op. cit., p. 346. 198Id., loc. cit.

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evidentemente quis dizer, por justiça local, justiça estadual; 3) a competência

territorial funcional é absoluta e isso se deve pelo fato do juiz do local do dano

ter melhores condições de julgar a lide.199

Outra questão que deve ser enfrentada é a relativa à competência

nas hipóteses de danos regionais ou nacionais. O artigo 93, II, do CDC, dispõe

que a competência, em casos de danos de âmbito nacional ou regional seria da

capital do Estado ou do Distrito Federal. A dúvida reside no fato de saber se se

trata de competências concorrentes ou se havendo dano de âmbito regional seria

a capital do estado a competente e em caso de dano nacional, o Distrito Federal.

Hugo Nigro Mazzili sustenta que se os danos atingirem mais de um

foro, mas não estenderem ao território estadual ou nacional, a competência será

resolvida pela prevenção. Se os danos se estenderem ao território estadual ou

nacional, aí sim seriam resolvidos analogicamente pelo artigo 93, II, do CDC, 200

mas da seguinte forma: “Nos termos dessa disciplina, portanto, e ressalvada a

competência da Justiça Federal, os danos de âmbito nacional ou regional em

matéria de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos serão

apurados perante a Justiça estadual, em ação proposta no foro do local do

dano; se os danos forem regionais, no foro da Capital do Estado; se nacionais,

no foro do Distrito Federal, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil

nos casos de competência concorrente.”201

Entendemos que a hipótese do artigo 93, II, é de foros concorrentes.

Havendo dano regional ou nacional, tanto o foro da Capital do Estado ou do

Distrito Federal são competentes para a causa, inexistindo preferência entre eles,

independentemente do dano ser regional ou nacional.202

199PIZZOL, Patricia Miranda. A competência no processo civil, cit., p. 577. 200MAZZILLI, Hugo Nigro. op. cit., p. 211-212. 201Id. Ibid. 202Nesse sentido, PIZZOL, Patricia Miranda. A competência no processo civil, cit., p. 577-579.

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Vale lembrar que o parágrafo único do artigo 2º da Lei de Ação

Civil Pública, acrescentado por força do artigo 6º da Medida Provisória nº

2.180-35, tem a seguinte redação: “A propositura da ação prevenirá a

jurisdição do juízo para todas as ações posteriores intentadas que possuam a

mesma causa de pedir ou o mesmo objeto”. 203

Releva notar que o magistrado poderá fixar uma multa diária em

caso do descumprimento da determinação judicial, independentemente de

pedido do autor, consoante dispõe o artigo 11 da LACP e o art. 84, §§ 2º e 4º do

CDC. Pode também se valer de medidas de apoio ou sub-rogação, conforme art.

84 , § 5º, do CDC.

4.6.1.2. Ação popular

A ação popular204 inaugurou, ainda que timidamente, as ações

coletivas no Brasil. Trata-se de ação coletiva porque por meio dela não se

defende o interesse individual, mas o interesse coletivo: a boa administração da

coisa pública ou de entidade que o Estado participe, a moralidade

administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro a conceitua da seguinte forma:

203“A competência é do foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano. Caso o dano se verifique em mais de

uma comarca, é competente qualquer uma delas, resolvendo-se a questão pela prevenção (CPC 106, 107, 219 e 263). Mesmo para as demais ações, sejam cautelares, de execução ou de conhecimento, é competente o foro do lugar onde o dano possa ou deva ocorrer.” NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 1461.

204José Afonso da Silva leciona que “A origem das ações populares perde-se na história do Direito romano. O nome ação popular deriva do fato de atribuir-se ao povo, ou a parcela dele, legitimidade para pleitear, por qualquer de seus membros, a tutela jurisdicional de interesse que não lhe pertence, ut singuli, mas à coletividade. O autor popular faz valer um interesse que só lhe cabe, ut universis, como membro de uma coletividade, agindo pro populo. Mas a ação popular não é mera atribuição de ius actionis a qualquer do povo, ou a qualquer cidadão como no caso da nossa. Essa é apenas uma de suas notas conceituais. O que lhe dá a conotação essencial é a natureza impessoal do interesse defendido por meio dela: interesses da coletividade. Ela há de visar a defesa de direito ou interesse público. O qualificativo popular prende-se a isto: defesa da coisa pública, coisa do povo (publicum, de populicum, de populum)”. SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 439.

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“Ação popular é ação civil pública pela qual qualquer cidadão pode pleitear a invalidação de atos praticados pelo poder público ou entidades de que participe, lesivos ao patrimônio público, ao meio ambiente, à moralidade administrativa ou ao patrimônio histórico e cultural, bem como a condenação por perdas e danos dos responsáveis pela lesão”.205

A ação popular teve origem no direito romano. O Estado, naquela

época, não tinha personalidade jurídica, razão pela qual cultivava-se a idéia de

que os bens públicos pertenciam a todos os cidadãos romanos. Na idade média e

na idéia moderna, a ação popular teve sua importância reduzida, devido à

descentralização do poder político e absolutismo, respectivamente. 206

Apesar de ter sido instituída pela Constituição de 1934, só foi

regulamentada pela lei 4.717, de 29/06/65207. Na Constituição Federal de 1988

encontra-se no artigo 5º, inciso LXXIII. Seu rito é ordinário e pode ser utilizada

de forma preventiva (evitar a ocorrência de um dano) ou repressiva (buscar a

reparação do dano).208

205DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 655. 206ALMEIDA, Gregório Assagra de. op. cit., p. 300. 207“Apesar de instituída pela Carta de 1934, a ação popular só veio a ser regulamentada pela Lei 4.717/65. Não

foi de muita freqüência na prática forense, porque não impedia que a lesão produzisse todos os seus efeitos, por vezes irreparáveis ou de difícil reparação, até o advento da Lei nº 6513/77, que autorizou a suspensão liminar do ato lesivo impugnado quando passou a ser manejada com maior assiduidade”. FLAKS, Milton. Instrumentos processuais de defesa coletiva. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, v. 21, p. 242, dez. 1992.

208Sobre a finalidade da ação popular, Alexandre de Moraes ensina que: “a ação popular, juntamente com o direito de sufrágio, direito de voto em eleições, plebiscitos e referendos, e ainda a iniciativa popular de lei e o direito de organização e participação de partidos políticos, constituem formas de exercício da soberania popular (CF, arts. 1º e 14), pela qual na presente hipótese, permite-se ao povo, diretamente, exercer a função fiscalizatória do Poder Público, com base no princípio da legalidade dos atos administrativos e no conceito de que a res pública (República) é patrimônio do povo. A ação popular poderá ser utilizada de forma preventiva (ajuizamento da ação antes da consumação dos efeitos lesivos) ou repressiva (ajuizamento da ação buscando o ressarcimento do dano causado). Assim sendo, a finalidade da ação popular é a defesa de interesses difusos, reconhecendo-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover a defesa de tais interesses”. MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 192. Hely Lopes Meirelles também entende que a ação popular pode ter fins preventivos e repressivos. “A ação popular tem fins preventivos e repressivos da atividade administrativa ilegal e lesiva ao patrimônio público, pelo que sempre propugnamos pela suspensão liminar do ato impugnado, visando à preservação dos superiores interesses da coletividade”. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data. 12. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 1989. p. 92.

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Busca-se, por meio de dela, a anulação de atos lesivos ou imorais209

ao patrimônio público ou de entidade que o Estado participe, à moralidade

administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, bem como

a condenação dos responsáveis à restituição de bens ou valores, ou a condenação

em dinheiro pelas perdas e danos, consoante autoriza o artigo 14, § 4º, da Lei

4.417/65.

Trata-se, portanto, de importante mecanismo de defesa da

coletividade, na medida em que os atos lesivos, ilegais ou imorais, nas quatro

hipóteses acima, podem ser anulados e a coletividade ressarcida dos prejuízos

sofridos.

A legitimidade para propositura da ação popular vem expressa no

artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal e no artigo 1º e 3º da Lei 4.717/65.

Segundo o texto constitucional, “qualquer cidadão é parte legítima para propor

ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade

de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao

patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento

de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

Assim, somente o cidadão, independentemente do nato ou

naturalizado, e também o português equiparado, que esteja no gozo de seus

direitos políticos, possuem legitimação constitucional para a propositura da ação

popular.210

209Maria Sylvia Zanella Di Pietro pensa que: “Quanto à imoralidade, sempre houve os que defendiam como

fundamento suficiente para a ação popular. Hoje, a idéia se reforça pela norma do artigo 37, caput, da Constituição, que inclui a moralidade como um dos princípios a que a Administração Pública está sujeita. Tornar-se-ia letra morta o dispositivo se a prática de ato imoral não gerasse a nulidade do ato da Administração. Além disso, o próprio dispositivo concernente à ação popular permite concluir que a imoralidade se constitui em fundamento autônomo para propositura da ação popular, independentemente de demonstração de ilegalidade, ao permitir que ela tenha por objeto anular ato lesivo à moralidade administrativa”. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 656.

210Releva notar, todavia, que o STJ já decidiu pela legitimidade do MP para a propositura de ação popular. Nesse sentido tem-se o seguinte julgado. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. LESÃO À MORALIDADE PÚBLICA. 1. O Ministério público, por força do art. 129, III, da CF/88, é

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A comprovação da legitimidade será feita com a juntada do título

de eleitor211 (brasileiros) ou do certificado de equiparação e gozo dos direitos

civis e políticos e título de eleitor (português equiparado) Como é o título de

eleitor o documento comprobatório da cidadania, os relativamente incapazes

legitimado a promover qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não atua na condição de autor, deve intervir como custos legis (LACP, art. 5º, § 1º; CDC, art. 92; ECA, art. 202 e LAP, art. 9º). 2. A carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 3. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade). 4. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 5.A lógica jurídica sugere que legitimar-se o Ministério Público como o mais perfeito órgão intermediário entre o Estado e a sociedade para todas as demandas transindividuais e interditar-lhe a iniciativa da Ação Popular, revela contraditio in terminis. 6. Interpretação histórica justifica a posição do MP como legitimado subsidiário do autor na Ação Popular quando desistente o cidadão, porquanto à época de sua edição, valorizava-se o parquet como guardião da lei, entrevendo-se conflitante a posição de parte e de custos legis. 7. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança coletivo. 8. Os interesses mencionados na LACP acaso se encontrem sob iminência de lesão por ato abusivo da autoridade podem ser tutelados pelo mandamus coletivo. 9. No mesmo sentido, se a lesividade ou a ilegalidade do ato administrativo atingem o interesse difuso, passível é a propositura da Ação Civil Pública fazendo as vezes de uma Ação Popular multilegitimária. 10. As modernas leis de tutela dos interesses difusos completam a definição dos interesses que protegem. Assim é que a LAP define o patrimônio e a LACP dilargou-o, abarcando áreas antes deixadas ao desabrigo, como o patrimônio histórico, estético, moral, etc. 11. A moralidade administrativa e seus desvios, com conseqüências patrimoniais para o erário público enquadram-se na categoria dos interesses difusos, habilitando o Ministério Público a demandar em juízo acerca dos mesmos. 12. Recurso especial desprovido.(STJ - RESP nº 427140/RO – 1ª Turma – Rel. Min. José Delgado. J. 20/05/2003. DJ 25/08/03, p. 263).

211CONSTITUCIONAL – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO POPULAR – LEGITIMIDADE – TÍTULO DE ELEITOR – I - A ação popular destina-se a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, sendo legítimo para propô-la qualquer cidadão, devendo ser comprovado estar no gozo de seus direitos políticos por meio do título de eleitor, não bastando a apresentação da carteira de identidade ou do CPF para suprir tal falha, até mesmo porque aqueles que perderam seus direitos políticos ou estão com seus direitos suspensos não detêm legitimidade para propor ação popular. II - Não tendo o autor demonstrado a condição de cidadão por meio do título de eleitor, este não é parte legítima a figurar no pólo ativo da demanda. Remessa de ofício improvida. (TJDF – RMO 20020150081800 – DF – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Jeronymo de Souza – DJU 04.06.2003 – p. 64). LEGITIMIDADE DE PARTE – AÇÃO POPULAR – A ilegitimidade para agir do cidadão deve ser comprovada pelo título de eleitor, como também por certidão negativa da Justiça Eleitoral. Meio de verificação de brasileiro em pleno exercício da cidadania, inclusive para os fins de encabeçar a popular. (TJSP – AC 87.803-5 – 7ª CDPúb. – Rel. Des. Guerrieri Rezende – J. 08.05.2000).

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portadores de tal documento também são legitimados para a propositura da ação

popular.

Desta forma, não poderão ser autores da ação popular os

estrangeiros, pessoas jurídicas212 e todos aqueles que não têm ou perderam seus

direitos políticos.

Muito embora somente o cidadão esteja legitimado a propor ação

popular, o resultado prático da ação também pode ser alcançado por meio da

ação civil pública, o que legitimaria todo o elenco do artigo 5º da LACP e 82 do

CDC a ingressar com esta ação.

O Ministério Público, em que pese não estar legitimado para propor

ação popular213, possui um papel importantíssimo ao andamento das ações. É

que o artigo 6º, § 4º, da Lei 4.717/65, prescreve que o Ministério Público deverá

acompanhar a ação, cabendo-lhe apressar a prova, bem como a promoção civil

ou penal dos responsáveis, sendo vedado, em quaisquer hipóteses, a defesa, por

parte do Ministério Público, do ato impugnado ou dos seus autores.

Por sua vez, o artigo 7º da referida lei prescreve que a ação

obedecerá o procedimento ordinário e que o juiz ordenará a citação dos réus,

bem como a intimação do Ministério Público; requisitará às entidades citadas na

petição inicial todos os documentos referidos pelo autor, bem como outros que

entenda necessários para a compreensão dos fatos e concederá prazo de quinze a

trinta dias para cumprimento. Cabe ao Ministério Púbico providenciar a entrega

dos documentos solicitados pelo juiz no prazo estabelecido pela lei.

212Ver súmula 365 do STF. 213ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO

MÉRITO – SENTENÇA CONFIRMADA – Em face da ilegitimidade do ministério público para propor ação popular, confirma-se a sentença que extinção o processo sem julgamento do mérito. Reexame necessário improvido. Decisão unânime. (TJPE – DGJ 36563-5 – Rel. Des. Santiago Reis – DJPE 14.01.2003..

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Cabe, ainda, ao Ministério Público, promover a execução da

sentença condenatória, caso o autor ou terceiro não o faça nos sessenta dias após

a publicação da sentença condenatória de segunda instância, sob pena de falta

grave. O prazo concedido ao Ministério Público para cumprimento da

determinação é de até trinta dias, consoante determinação do artigo 16 da Lei de

Ação Popular. Também poderá recorrer das sentenças sujeitas a recurso

proferidas contra o autor da ação.

O artigo 9º da LAP dispõe que se o autor desistir da ação ou “der

motivo à absolvição da instância”, serão publicados editais nos moldes do

artigo 7º, II214, garantindo-se a qualquer cidadão, assim como ao Ministério

Público, dentro do prazo de noventa dias da última publicação prosseguir com a

ação.

O prazo prescricional é de cinco anos (artigo 21 da LAP). Há

discussão na doutrina sobre a natureza desse prazo: prescricional, decadencial

ou extintivo. Gregório Assagra entende que esse prazo, por ser restritivo de

direitos, não foi recepcionado pela Constituição, mas reconhece que a questão

não é pacífica na doutrina e na jurisprudência215.

4.6.1.3 Mandado de segurança coletivo

O mandado de segurança está disciplinado no artigo 5º, incisos

LXIX e LXX da Constituição Federal. Hely Lopes Meirelles o define como um

remédio constitucional disponível às pessoas físicas ou jurídicas, órgão com

214“Quando o autor preferir, a citação dos beneficiários far-se-á por edital com o prazo de 30 (trinta) dias

afixado na sede do juízo e publicado três vezes no jornal oficial do Distrito Federal, ou da Capital do Estado ou Território que seja ajuizada a ação.”

215ALMEIDA, Gregório Assagra de. op. cit., p. 417.

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capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para proteção de

direito líquido e certo, seja ele individual ou coletivo, lesado ou ameaçado de

lesão, por ato de autoridade, não amparado por habeas corpus.216

Nelson Nery adverte para o fato de que “O MSC nada mais é do

que a possibilidade de impetrar-se o MS tradicional por meio de tutela

jurisdicional coletiva. O adjetivo “coletivo” se refere à forma de exercer-se a

prestação mandamental e não à pretensão deduzida em si mesma. O MSC se

presta à tutela de direito difuso, coletivo ou individual. O que é coletivo não é o

mérito, o objeto, o direito pleiteado por meio do MSC, mas sim a ação”.217

Com efeito, o mandado de segurança individual não constitui uma

novidade em nosso ordenamento jurídico.218 Todavia, a Constituição Federal de

88 inovou ao tratar do mandado de segurança coletivo em seu artigo 5º, LXX,

que dispõe:

“O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; e b)organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados”.

A Constituição Federal trata apenas dos requisitos do mandado de

segurança individual. Nada fala dos requisitos do mandado de segurança

coletivo, pelo que conclui-se que os requisitos sejam os mesmos. São eles: 1) o

direito deve ser líquido e certo, que pode ser interpretado como o direito

susceptível de demonstração mediante prova pré-constituída; 2) que não se trate

de ilegalidade ou abusividade referentes ao direito de ir e vir – tutelados por

216MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 3. 217NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 28. 218“O mandado de segurança foi previsto, pela primeira vez, na Constituição de 1934, desapareceu na

Constituição de 1937 e voltou na Constituição de 1946. Ele surgiu como decorrência do desenvolvimento da doutrina brasileira do habeas corpus. Quando a Emenda de 1926 restringiu o uso dessa medida às hipóteses de ofensa ao direito de locomoção, os doutrinadores passaram a procurar outro instituto para proteger os demais direitos. Sob inspiração dos writs do direito norte americano e do juicio de amparo do direito mexicano, institui-se o mandado de segurança”. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 636.

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habeas corpus – ou direito à informação devido às pessoas - amparados por

habeas data; 3) que o ato seja abusivo e ilegal e que a autoridade coatora esteja

no exercício da Administração Pública; 4) que haja lesão ou ameaça de lesão a

direito.

Por ato de autoridade, Hely Lopes Meirelles entende como “toda

manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados no

desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Por autoridade

entenda-se pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de

competência que lhe é atribuída pela norma legal”.219

O artigo 1º, § 1º, da Lei 1.533 considera autoridade, para efeitos

dessa lei, “os representantes ou órgãos dos Partidos Políticos e os

representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas

naturais ou jurídicas com funções delegadas do poder público somente no que

entender com essas funções”.

O mandado de segurança, regulado no ordenamento pátrio

genericamente pela Lei 1.533, de 31/12/1951 e por outras que também dele

cuidam, como a Lei 4.358/64 e 8.427/92, é remédio constitucional indicado para

coibir que o Poder Público, por meio de seus agentes, cometa ilegalidades ou

abuso de poder violando direito líquido e certo individual e coletivo. É cabível,

portanto, contra o Poder Público ou quem lhe faça as vezes.220 Seu rito é

sumaríssimo especial, pois independe de produção probatória.

219MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 9. 220Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona: “Com relação às entidades particulares, cabe mandado de segurança

quando atuem por delegação e nos limites da delegação; quando exerçam atividades que nada têm a ver com essa delegação, não cabe mandado de segurança. Além disso, se exercerem atividades autorizadas, com base no poder de polícia do Estado, que não se inserem entre as atividades próprias do Poder Público, também não cabe essa medida. É o que ocorre com os serviços de táxi, hospitais particulares, estabelecimentos bancários, companhias de seguro”. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 637.

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Impetra-se o mandado de segurança contra a autoridade coatora e

não contra a pessoa jurídica. Na hipótese de atos complexos e compostos, onde

haja mais de uma autoridade, todas deverão ser citadas.221

De acordo com a Constituição Federal, artigo 5º, LXX, são

legitimados para propor mandado de segurança coletivo:

“a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, em defesa dos interesses de seus membros associados”.

A alínea “a” do artigo 5º, LXX, confere legitimidade aos partidos

políticos para propositura do mandado de segurança coletivo. Todavia, impõe

como condição o fato de ter o impetrante representação no Congresso Nacional,

de modo que aqueles que não a tenham são partes manifestamente ilegítimas.

Tal questão não suscita controvérsia na doutrina.

Na alínea “b” do dispositivo constitucional é conferida a

legitimidade a organizações sindicais, entidades de classe ou associações.

Chama a atenção que o legislador tenha condicionado a legitimidade dessas

entidades ao fato de estarem constituídas há pelo menos um ano e que estejam

defendendo interesses de seus filiados/associados.

Inexiste consenso na doutrina acerca do alcance da legitimidade no

mandado de segurança coletivo. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por exemplo,

entende que o constituinte legitimou tanto o partido político, quanto as

organizações sindicais, entidades de classe ou associações, mas por ter

desmembrado a legitimidade em duas alíneas, quis conferir abrangência

diferente à atuação dos legitimados: enquanto o partido político teria

legitimidade para defender interesses que extrapolavam os dos seus associados,

221DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 638.

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os legitimados da alínea “b” somente a teriam em defesa de seus associados ou

membros.222

Ada Pellegrini Grinover pensa diferente. Para ela, uma

interpretação restritiva de direitos somente aos membros ou associados dos

sindicatos e associações estaria em descompasso com a amplitude do mandado

de segurança coletivo. Por essa interpretação, o dispositivo em comento seria

letra morta, já que estaria absorvido pelo disposto no artigo 8º, III e 5º, XXI,

ambos da Constituição Federal. A única interpretação em harmonia com estes

mencionados dispositivos é que para as citadas hipóteses do artigo 5º, XXI e 8º,

III, da Constituição Federal, as normas específicas cuidam de interesses da

categoria ou de seus membros, ao passo que para a via do mandado de

segurança não haveria essa restrição.223

A legitimidade pode ser do tipo ordinária, hipótese em que os

legitimados estão em juízo na defesa de seus interesses institucionais ou ocorrer

substituição processual, hipótese em que os legitimados vão a juízo na defesa de

apenas alguns de seus associados e fora dos seus interesses institucionais. Nesse

sentido é a lição de Ada Pellegrini Grinover.224 Todavia, a questão não é pacífica

na doutrina. Alguns autores entendem que se trata de hipótese de substituição

processual.225

222DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 651. 223GRINOVER, Ada Pellegrini. Mandado de segurança coletivo: legitimação, objeto e coisa julgada. Revista de

Processo, São Paulo, v. 15, n. 58, p. 78-79, abr./jun. 1990. 224“A questão há de ser examinada à luz dos princípios gerais do processo, podendo-se falar, em muitos casos,

em substituição processual, decorrente de legitimação extraordinária conferida pelo texto constitucional (art. 6º do Código de Processo Penal). Vale lembrar, contudo, a moderna tendência doutrinária que vê na legitimação de entidades que ajam na defesa de interesses institucionais uma verdadeira legitimação ordinária (v. Vincenzo Vigoriti, Carlos Barbosa Moreira, Kazuo Watanabe e a autora desse estudo. De modo que, caso a caso, dever-se-á verificar se a entidade age na defesa de seus interesses institucionais – proteção ao meio ambiente, aos consumidores, aos contribuintes, por exemplo, e, neste caso, a legitimação seria ordinária; ou se atua no interesse de alguns de seus filiados, membros ou associados, que não seja comum a todos, nem esteja compreendido em seus objetivos institucionais: neste caso, sim, haveria uma verdadeira substituição processual”. GRINOVER, Ada Pellegrini. Mandado de segurança coletivo: legitimação, objeto e coisa julgada, cit., p. 77.

225Nesse sentido, OLIVEIRA, Lourival Gonçalves de. op. cit., p. 83.

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Parte da doutrina entendia que era necessária autorização expressa

dos associados ou filiados para que pudessem ser defendidos judicialmente via

mandamus. É que o artigo 5º, XXI, da Constituição Federal prescreve que “as

entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade

para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”,

Ada Pellegrini Grinover, entretanto, discorda da referida

autorização. No seu entendimento, com o qual concordamos, a regra para

legitimação vem expressa no artigo 5º, LXX, e lá não há nenhuma disposição

acerca de tal necessidade, de modo que não cabe ao intérprete criar obstáculos

para o acesso à justiça que constitucionalmente inexistem.226

Releva notar, mais uma vez, que o artigo 82, § 1º, do CDC

prescreve:

“o requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas no art. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou relevância do bem jurídico a ser protegido”.

Assim, o requisito de pré-constituição não é absoluto, podendo ele,

em razão do interesse social ou da relevância do bem jurídico a ser protegido,

ser dispensado.

A segurança, que pode ser concedida pelo Judiciário, irá determinar

que a autoridade coatora faça ou deixe de fazer determinado ato administrativo.

Trata-se, portanto, de sentença mandamental.227

226“Seja como for, uma coisa é clara: o intérprete, assim como o futuro legislador, não podem estabelecer outros

obstáculos à legitimação, que não os decorrentes da Constituição. Por isso é que não temos dúvida em afirmar que, para o ajuizamento do mandado de segurança coletivo, nem os partidos políticos, nem as organizações sindicais, nem as entidades de classe e nem mesmo as associações legalmente constituídas necessitam daquela autorização expressa a que alude o inciso XXI do artigo 5º da Constituição para outras ações, que não a segurança coletiva”. GRINOVER, Ada Pellegrini. Mandado de segurança coletivo: legitimação, objeto e coisa julgada, cit., p. 77.

227“A sentença é mandamental porque contém uma ordem dirigida à autoridade coatora, e é de execução imediata, cumprindo-se por ofício do juiz, transmitido por oficial de Justiça ou pelo Correio, conforme artigo 11 da Lei nº 1.533/51. Apenas no caso de pagamento de vantagens pecuniárias ao servidor público, com base na Lei nº 5.021/66, o mandado de segurança comporta liquidação por cálculo do contador”. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 646.

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O mandado de segurança tem natureza jurídica de ação civil de rito

sumário especial sendo que, pela via coletiva, podem ser tutelados interesses

difusos, coletivos e individuais homogêneos. Distingue-se das outras ações

porque tem objeto e procedimento próprios, aplicando-se somente

subsidiariamente o Código de Processo Civil.

As principais diferenças entre o mandado de segurança individual e

coletivo consistem na legitimidade e no alcance da coisa julgada, que foram

inquestionavelmente ampliadas pela Constituição Cidadã e pela aplicação das

normas processuais contidas no CDC e na Lei de Ação Civil Pública.

É coletivo o mandado de segurança interposto por partidos

políticos, associações e sindicatos, nos termos estabelecidos no dispositivo

constitucional e não aquele impetrado por várias pessoas em eventual

litisconsórcio ativo. Ao mandado de segurança coletivo aplicam-se as regras da

chamada jurisdição civil coletiva (CDC + LACP).

Também não é cabível mandado de segurança para corrigir lesão

decorrente de lei em tese (súmula 266 do STF); contra despacho ou decisão

judicial que tenha recurso próprio ou possa ser modificados por via de correição;

contra ato disciplinar, salvo quando praticado por autoridade incompetente ou

quando observadas as formalidades essenciais e contra ato administrativo

passível de recurso com efeito suspensivo, independentemente de caução.228

O prazo para interposição do mandado de segurança é de 120 dias,

contados da ciência pelo interessado do ato impugnado (artigo 18 da Lei nº

1.533/51).229 Nelson e Rosa Nery entendem que o referido artigo é

228DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 641-645. 229“Quanto ao início do prazo (dies a quo), é preciso distinguir:: 1) se o mandado é interposto contra ato lesivo já

praticado, o prazo começa a correr a partir da ciência do ato; nenhuma conseqüência terá a interposição de recurso administrativo sem efeito suspensivo, porque o ato já está causando lesão e, em conseqüência, o prazo de decadência já está correndo; mas se o recurso tem efeito suspensivo, o prazo começa a correr quando decidido o último recurso ou quando se esgotar o prazo para recorrer administrativamente; 2) se o mandado é interposto contra omissão, duas hipóteses devem ser distinguidas: se a Administração está sujeita a prazo para

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inconstitucional, já que o legislador constituinte não estipulou nenhum requisito

temporal ao exercício do mandado de segurança”.230 Todavia, o Supremo

Tribunal Federal, por meio da Súmula 632, fixou entendimento de que é

constitucional a lei que fixa prazo de decadência para o mandado de segurança.

praticar o ato, esgotado esse prazo, começam a correr os 120 dias para impetração da segurança, conforme decisão do STF, in RTJ 53/637; se a Administração não está sujeita a prazo legal para a prática do ato, não se cogita de decadência para o mandado de segurança, por inexistência de um termo a quo; enquanto persistir a omissão, é cabível o mandado”. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 650.

230“A LMS 18 é inconstitucional. O MS, sendo ação constitucional, tem seus requisitos e limites estabelecidos apenas no texto constitucional (CF 5º LXIX e LXX), que não remeteu seu regime jurídico à lei federal. Ao legislador ordinário é reservado somente o poder regulamentar, fixando contornos procedimentais para seu exercício. Não pode criar requisitos e limites não previstos na CF. A norma sob comentário, porque restringe o exercício do direito fundamental previsto na CF, é inconstitucional. O impetrante pode impetrar MS mesmo depois de passado o prazo mencionado na LMS 18”. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 1644.

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5. NULIDADES QUE CONTAMINAM AS SENTENÇAS

5.1. Nulidades dos atos processuais

O processo, conforme já visto em item próprio, é o instrumento

utilizado pelas partes para alcançar o bem da vida objeto do conflito de

interesses. É composto de uma sucessão de atos, conhecidos como atos

processuais, desde a propositura da ação até o seu termo final.

Conforme ensina Arruda Alvim, o ato, para ser processual, tem que

ser praticado ou trazido ao processo.231 Os atos processuais constituem uma

espécie dos atos jurídicos em geral, com a diferença de que pertencem ao

processo e nele produzem efeitos diretos e imediatos na relação jurídica

processual.232

Esses atos processuais, para produzirem efeitos válidos, têm que ser

elaborados ou produzidos conforme a lei, sob pena de nulidade. A nulidade pode

ser definida como “o estado em que se encontra um ato, que o torna passível de

deixar de produzir seus efeitos próprios e, em alguns casos, destróem-se os já

produzidos”.233

Marcelo Cinelli de Paula Freitas define a nulidade processual como

“um estado de anormalidade do ato originado na carência de algum de seus

231“O ato, para ser processual, tem que ser necessariamente praticado no processo, ou sermpre trazido a este.

Todo e qualquer ato relativo ao processo, mas materialmente elaborado antes do início ou fora deste somente adquirirá relevância jurídica e, então, produzirá efeitos precisamente quando for constituído o processo. É neste sentido que se há de ler o artigo 158, caput. A palavra imediatamente, do art. 158, caput, há de ser interpretada como significando que os atos produzem imediatamente efeitos processuais, desde que trazidos ao processo, e não a partir da manifestação unilateral, ou mesmo bilateral (negócios processuais), mas antes de levadas, uma e outros, ao juiz”. ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., v. 1, p. 462.

232FREITAS, Marcelo Cinatti de Paula. Nulidades da sentença cível. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 6. 233WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, cit., p. 112.

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elementos constitutivos, ou em vícios acerca dos mesmos, que potencialmente os

coloca em situação de serem declarados judicialmente inválidos.”234

Teresa Arruda Alvim Wambier adverte que não se pode confundir

ou assimilar as nulidades civis às processuais, já que aquele direito é privado, ao

passo que este é publico, regido, portanto, por princípios totalmente

diferentes.235 A jurista236, com propriedade, cita os princípios que norteiam o

sistema de nulidades, bem como exemplifica sua ocorrência no CPC:

a) o processo é um conjunto de formas. O afastamento dessas

formas é que dão ensejo às nulidades. Essas formas237

constituem uma garantia às partes para defesa de seus direitos.

(Arts 156 e 157 do CPC);238

b) as formas têm caráter instrumental, vale dizer, são meios para

atingir determinados fins. Se estes forem atingidos, não se há

de falar em nulidades. (Arts. 154; 214, § 2º; e 244 do CPC);239

c) não há nulidade sem prejuízo. Se não houve prejuízo à parte

(o prejuízo deve ser entendido como direito ao contraditório),

não existe porquê se declarar a nulidade. Trata-se de princípio

de relevo na teoria das nulidades. A jurisprudência é sólida no

234FREITAS, Marcelo Cinatti de Paula. op. cit., p. 33. 235Id. Ibid., p. 126. 236Id. Ibid., p. 139-150. 237Teresa Arruda Alvim Wambier leciona: “No que diz com o plano processual, não se questiona mais a idéia de

Justiça em relação à norma de direito material a ser aplicada, isto é, refoge ao âmbito das considerações relativas ao processo a questão da justiça do conteúdo da regra a ser aplicada (que, sob certo enfoque, também é uma decisão, só que do Poder Legislativo). À esfera processual interessa a forma de obtenção da decisão do magistrado”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, cit., p. 154.

238Art. 156. Em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo. Art. 157. Só poderá ser junto aos autos documento redigido em língua estrangeira, quando acompanhado de versão em vernáculo, firmada por tradutor juramentado.

239Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando Nulidades do processo e da sentença, cit., p. 139-150.a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencheram a finalidade essencial. Art. 214. § 2º. Comparecendo o réu apenas para argüir a nulidade e sendo esta decretada, considerar-se-á feita a citação na data em que ele ou seu advogado for intimado da decisão. Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato, se realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

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sentido de não decretar a nulidade dos atos processuais, se não

houver prejuízo à parte.240 (Arts. 249, § § 1º e 2º; 250,

parágrafo único do CPC;241

d) nulidades instituídas no interesse das partes, ainda que

absolutas, são sanáveis. (Arts. 284, 13, do CPC)242

e) nulidades instituídas no interesse público são insanáveis.

(Art. 113 do CPC)243

f) maximização das atividades jurisdicionais. Deve-se obter o

máximo de rendimento possível da atividade jurisdional,

evitando-se, assim, em obediência ao princípio da economia

processual, decretação de nulidades desnecessariamente. (Art.

245 do CPC)244

240PROCESSUAL CIVIL – RECLAMAÇÃO TRABALHISTA – INDEFERIMETNO DA INICIAL –

PROCEDIMENTO INADEQUADO – ART. 250, DO CPC – PRINCÍPIOS DA ECONOMIA PROCESSUAL E DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS – (...) III – A jurisprudência está firmada, quanto à aplicação do art. 250 do CPC, no sentido de que não é nulo o processo se o réu não argüir a nulidade ou se não tiver havido prejuízo para ele. De qualquer modo, o processo deve ser adaptado a todo tempo, com aproveitamento dos atos praticados. IV – Apelação provida. (TRF 2ª R. – AC 94.02.08165-8 – RJ – 2ª T. – Rel. Juiz Cruz Netto – DJU 21.06.2001).

241Art. 249. § 1º. O ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte. § 2º. Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta. Art. 250. Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa.

242Art. 284. Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos artigos 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial. Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito. Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber: I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo; II - ao réu, reputar-se-á revel; III - ao terceiro, será excluído do processo.

243Art. 113. A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção.

244Art. 245. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão. Parágrafo único. Não se aplica esta disposição às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão, provando a parte legítimo impedimento.

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g) princípio da causalidade ou da concatenação. Os atos

processuais dependem uns dos outros. Um ato nulo contamina

de nulidade todos os posteriores. (Arts. 248 e 249 do CPC);245

h) toda vez que uma parte se manifestar no processo, a outra

também tem o direito de fazê-lo, sob pena de nulidade por

violação do princípio do contraditório. (Art. 398 do CPC);246

i) pelo princípio da proteção tem-se que a parte que praticou o

ato viciado não pode levantar seu vício, pois não é lícito a

ninguém beneficiar-se da própria torpeza. (Art. 245 do CPC);

j) o princípio da celeridade norteia o processo civil, bem por

isso, quanto menos tempo o processo durar, melhor para todos,

o que implica em aproveitar os atos processuais o quanto seja

possível. (Art. 245 do CPC);

k) para que se chegue à verdade no processo, deve ser concedida

às partes ampla liberdade para produção de provas e a garantia

da imparcialidade do juízo. (Arts. 247 e 214 do CPC)247;

l) as nulidades devem ser expressamente previstas em lei. É o

que chamamos de princípio da especificidade. (Art. 246 do

CPC);248

245Art. 248. Anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subseqüentes, que dele dependam; todavia, a

nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras, que dela sejam independentes. Art. 249. O juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados. § 1º. O ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte. § 2º. Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta.

246Art. 398. Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias.

247Art. 247. As citações e as intimações serão nulas, quando feitas sem observância das prescrições legais. Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu. § 1º. O comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação. § 2º. Comparecendo o réu apenas para argüir a nulidade e sendo esta decretada, considerar-se-á feita a citação na data em que ele ou seu advogado for intimado da decisão.

248Art. 246. É nulo o processo quando o Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir.

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m) pelo princípio da eficácia do ato viciado, temos que todo ato

processual, ainda que viciado, é eficaz, até que essa eficácia

seja desconstituída pelo Poder Judiciário, ou então, sanada pela

preclusão. O Art. 485 cuida das hipóteses legais que ensejam

ação rescisória e serão tratadas em item próprio.

5.2. Classificação

Existem quatro tipos de defeitos que podem macular os atos

jurídicos: a inexistência, a nulidade (absoluta ou relativa), a anulabilidade e a

mera irrregularidade.

O ato processual inexistente é aquele que, por faltar um elemento

fundamental exigido pela lei, possui vício tão grave que sequer pode ser

considerado como ato processual. É problema anterior ao da validade. Não se

pode aferir a validade de algo que não existe, que sequer ingressou no mundo

jurídico.

Washington de Barros Monteiro conceitua o ato inexistente como o

nada e assegura que a rigor não é necessária declaração judicial de sua

inexistência, pois jamais chegou a existir e não é possível invalidar o que não

existe.249

Parágrafo único. Se o processo tiver corrido, sem conhecimento do Ministério Público, o juiz o anulará a partir do momento em que o órgão devia ter sido intimado.

249MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 275.

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Humberto Theodoro Júnior define o ato inexistente como aquele

que não reúne os mínimos requisitos de fato para a sua existência como ato

jurídico, nem mesmo a aparência exterior.250

A lei, de uma forma geral, não diz quando o ato processual é

inexistente. Cabe ao intérprete fazê-lo e para tanto deverá avaliar se o ato

processual preencheu os requisitos de validade exigidos pela lei. Se lhe faltar

algum elemento essencial à sua formação, deverá ser reputado inexistente. Um

exemplo de ato inexistente é a sentença proferida por quem não é e nunca foi

juiz ou quem não era mais juiz do processo no momento em que o sentenciou.

Arruda Alvim sustenta que devem ser considerados como inexistentes os

processos que se tenham constituído sem um ou mais pressupostos processuais

de existência.251

A doutrina, no entanto, não é pacífica acerca da categoria dos atos

processuais inexistentes. Ovídio Batista252, Leonardo Greco253 e Antônio Janyer

DallÁgnol Júnior254, por exemplo, negam sua existência.

Entendemos que os atos inexistentes devem integrar o rol dos vícios

processuais pelo fato de existirem situações teratológicas no mundo dos fatos

que definitivamente não se enquadram nem como nulidades absolutas nem como

nulidades relativas. A construção dessa teoria tem mais efeitos práticos do que

científicos, até porque nos filiamos à corrente que sustenta a necessidade de um

processo judicial para declarar a inexistência de ato processual eventualmente

considerado como tal.

250THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, cit., v. 1, p. 280. 251ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil: parte geral, cit., v.1, p. 478. 252SILVA, Ovídio Batista da. Curso de direito de processo civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998.

v. 1, p. 219-220. 253GRECO, Leonardo. O processo de execução. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. v. 2, p. 270. 254DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyer. Invalidades processuais: algumas questões. Conferências. Revista

de Processo, São Paulo, v. 17, n. 67, p. 156, jul./set. 1992.

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A nulidade absoluta é vício insanável que atinge os atos jurídicos

gravemente afetados em sua formação, salvo quando a lei autorize a sua

convalidação. É vício que viola norma protetora do interesse público. A

nulidade absoluta ocorre quando na formação do ato jurídico não são observados

os requisitos tidos como indispensáveis pela lei.255

O ato jurídico absolutamente nulo pode ser invalidado de ofício

pelo juízo, não havendo necessidade de as partes o argüirem. Eles têm uma

espécie de vida aparente ou artificial, pois na verdade não são aptos a produzir a

eficácia que se espera do ato jurídico. Essa vida perdura até que o juiz decrete o

ato privado de validade.256

Muito embora o ato jurídico absolutamente nulo não seja

convalidado com o tempo (durante a marcha processual, até o prazo final para

propositura da ação rescisória), é necessária declaração judicial o invalidando.

Até que isso ocorra, o ato nulo produz efeitos, como se válido fosse.

A nulidade relativa é aquela que, apesar de viciar o ato em sua

formação, torna-se sanável se a parte prejudicada não requerer sua invalidação,

ou seja, o ato nulo se convalida pela preclusão. Trata-se de violação do direito

da parte e não de norma de interesse público (como no caso da nulidade

absoluta). É a regra geral do CPC; a nulidade absoluta constitui exceção.257

255José Frederico Marques aponta, entre outras, as seguintes nulidades absolutas: “O Código de Processo Civil

considera, de modo expresso, como absolutamente nulos: a) – os atos decisórios de juiz absolutamente incompetente (art.. 113, § 2º); b) - a intimação publicada em órgão oficial, quando dela não constar ‘os nomes das partes e de seus advogados, suficientes para sua identificação’; c) – a citação e a intimação, ‘quando feitas sem a observância das prescrições legais’ (art. 247); d) – o negócio jurídico que distribua o ônus da prova de maneira diversa da prevista no artigo 333, I e II, quando recair sobre direito indisponível ou tornar excessivamente difícil à parte o exercício de sua pretensão na ação processual (art. 333, parágrafo único); e) - a execução, se o título que lhe servir não for certo, líquido e exigível, ou se o executado não for regularmente citado, ou se a ação for aforada antes de se verificar a condição ou de ocorrido o termo, nos casos do artigo 572 (art. 618), v.g.” MARQUES, José Frederico. op. cit., v. 2, p. 378.

256THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, cit., v. 1, p. 281. 257Id., loc. cit., p. 281.

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Para ser caracterizada a nulidade relativa, deve haver prejuízo à

parte contrária àquela que lhe deu causa e há de ser alegada em determinado

lapso de tempo, sob pena de preclusão. Em nada se alegando no momento

oportuno, a nulidade relativa se convalida.

A anulabilidade está ligada à violação de norma de interesse da

parte, de natureza dispositiva. O juiz não pode decretá-la de ofício. Deve

aguardar provocação da parte, que deverá argüí-la na primeira oportunidade que

tiver para falar nos autos, sob pena de preclusão e, portanto, convalidação do

ato.

A semelhança entre a nulidade relativa e a anulabilidade decorre de

ambas tutelarem, em caráter principal, o interesse da parte. A diferença é que a

nulidade relativa ocorre quando são violadas normas cogentes e a anulabilidade,

normas dispositivas.258

O último vício dos atos jurídicos é conhecido como irregularidade.

Esta não constitui propriamente uma nulidade. Como seu termo expressa,

constitui mera irregularidade incapaz de invalidar o ato. Teresa Arruda Alvim

Wambier esclarece que não se trata de uma mácula que condene o ato à sua

ineficácia, pois a irregularidade não constitui um defeito que condene o ato à

perda de seus efeitos. Também não contamina os atos subseqüentes, nem influi

na durabilidade dos efeitos que os atos jurídicos têm.259

Antonio J. Dall’Agnol Jr. esclarece que “o termo irregularidade

deve ser guardado para a estrita hipótese de vício não essencial, para o caso de

deficiência, ou falta, daquele requisito que Carnelutti denominou de

simplesmente útil à técnica”. E mais a frente, o conceitua da seguinte forma:

“irregularidade, portanto, é defeito que não diz respeito a requisito estrutural

258FREITAS, Marcelo Cinatti de Paula. op. cit., p. 43-44. 259WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, cit., p. 161.

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do ato, que não atinge a eficiência do suporte fático, mas tão-somente a conduta

infringente de norma instituidora de dever do agente”.260

O autor classifica as irregularidades em corrigíveis e irrecorrigíveis.

Por irregularidades corrigíveis cita como exemplo a ausência de rubrica ou

numeração das folhas dos autos pelo escrivão. Por incorrigíveis, a perda dos

prazos impróprios pelo juiz ou seus auxiliares.261

Releva notar que a classificação das nulidades na doutrina é tema

tormentoso que não encontra consenso. Galeno Lacerda, por exemplo, em seu

clássico Despacho Saneador, reconhece a existência das nulidades absolutas, as

relativas e as anulabilidades.262

Pontes de Miranda reconhece somente a existência das nulidades,

rescindibilidades e revogabilidades. Sustenta, expressamente que as anulações

não existem de regra no direito processual civil brasileiro.263

José Frederico Marques reconhece a categoria dos atos processuais

inexistentes, nulidades, anulabilidades e ato processual irregular.264

Humberto Theodoro Júnior apresenta como espécies de vícios do

ato processual o ato inexistente, os absolutamente e os relativamente nulos.265

Teresa Arruda Alvim apresenta uma interessante classificação das

nulidades. Para a autora, as nulidades podem dar-se de duas maneiras: de forma

e de fundo. As nulidades de forma, se previstas expressamente em lei, são

260DALL’AGNOL JÚNIOR, Antonio J. Para um conceito de irregularidade processual. Revista de Processo, São

Paulo, v. 15, n. 60, p. 27, out./dez. 1990. 261Id., loc. cit. 262LACERDA, Galeno. Despacho saneador. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1985. p. 71. 263Tratado da ação rescisória, das sentenças e outras decisões. Campinas: Bookseller, 2003, p. 439: “As

anulações não existem de regra no direito processual civil, mas apenas nulidades, rescindibilidades e revogabilidades. Quando aludimos a anulabilidades, de certo modo descemos ao direito material, mas o legislador, mesmo a respeito dos atos em processo, que são anuláveis conforme o direito material, preferiu frisar a diferença. Assim, o ato dito judicial que poderia ou pode ter decretação de anulação conforme o direito material, e, pois, é anulável, tem-se se ocorre o que se prevê no art. 486, como rescindível. Daí tais atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que ela é meramente homologatória, poderem ‘ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil.’”

264MARQUES, José Frederico. op. cit., v. 2, p. 372-382. 265THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, cit., p. 280.

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denominadas nulidades absolutas; se não previstas em lei, nulidades relativas.

As nulidades de fundo estão ligadas às condições da ação; aos pressupostos

processuais positivos de existência e de validade; e aos pressupostos processuais

negativos. São nulidades absolutas.266 Nelson e Rosa Nery utilizam o critério de

classificação proposto por Teresa Arruda Alvim.267

Interessante frisar que um ato processual nulo contamina todos os

posteriores. Se se tratar de nulidade relativa, poderá haver convalidação dos atos

após a ocorrência da preclusão. Todavia, se for o caso de nulidade absoluta, não

há possibilidade de saneamento, podendo ocorrer o trânsito em julgado. Nesta

hipótese, a parte terá o prazo de dois anos para ajuizar ação rescisória. Esgotado

esse prazo, não mais será possível desconstituir a nulidade. Em se tratando de

casos de inexistência de ato processual, a parte prejudicada não fica sujeita ao

prazo de dois anos após o trânsito em julgado para o ajuizamento de ação

rescisória. Ela deverá ingressar com uma ação declaratória de inexistência, não

sujeita a prazo prescricional.

5.3. Nulidades das sentenças

Merecem atenção especial as nulidades que podem acometer o mais

importante dos atos processuais: a sentença. É que, dependendo do grau de

contaminação por ela sofrida, não fará coisa julgada, não trazendo, portanto, a

segurança jurídica que se espera da jurisdição.

Entendemos que existem três classes de sentenças viciadas:

inexistentes, nulas e rescindíveis.

266WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, cit., p. 157-159. 267NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 580.

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Sentença inexistente, “é o julgado que não reúne as mínimas

condições materiais sequer para aparentar o ato processual que pretende

ser”.268

Araken de Assis afirma que o ato processual inexistente é incapaz

de gerar efeitos.269 Esse entendimento doutrinário não é o que melhor se aplica à

espécie. As sentenças inexistentes, que constituem atos processuais, serão ou

poderão ser eficazes até que uma declaração judicial as declare como tal. Neste

aspecto, comungamos do pensamento de Teresa Arruda Alvim Wambier.270

Como exemplos de sentenças inexistentes temos: aquelas proferidas

por quem não é juiz ou não reduzidas a termo; aquela não publicada ou sem

dispositivo; uma segunda sentença proferida no mesmo processo; quando o

litisconsorte necessário deixa de ser convocado para compor o processo.

O meio adequado para a argüição de inexistência das sentenças é a

ação declaratória de inexistência e não a ação rescisória. Tecnicamente, é

inadequada a utilização da ação rescisória porque é requisito para o ajuizamento

desta a ocorrência da coisa julgada, situação não alcançada pelas sentenças

inexistentes.271 Não está sujeita ao prazo prescricional de dois anos após o

trânsito em julgado para seu ajuizamento.

As sentenças nulas são aquelas que, quer por vícios intrínsecos, ou

seja, contidos na própria sentença, quer por vícios anteriores a ela, ficam

sujeitas, em razão das nulidades, à sua desconstituição. O meio de ataque às

sentenças nulas é a ação rescisória (art. 485 do CPC).

268THEODORO JÚNIOR, Humberto. A coisa julgada e a rescindibilidade da sentença. Revista Jurídica, n. 219,

p. 13, jan. 1996. 269ASSIS, Araken de. op. cit., p. 14. 270“Trata-se de fenômeno razoavelmente análogo ao da lei inconstitucional – ela não o é até que o órgão

competente o afirme, embora esta afirmação, no caso de controle concentrado, tenha efeito ex tunc.”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, cit., p. 232.

271FREITAS, Marcelo Cinatti de Paula. op. cit., p. 99.

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São exemplos de sentenças nulas: defeitos graves no relatório que

impossibilitem a identificação da lide, das partes e de suas principais

ocorrências; sentenças sem fundamentação; extra ou ultra petita; proferida por

juízo absolutamente incompetente ou impedido; não intimação e intervenção do

Ministério Público em processos em que sua intimação e/ou intervenção se fazia

obrigatória; casos flagrantes de violação do contraditório e da ampla defesa.

Para Teresa Arruda Alvim Wambier, todavia, com a ocorrência do

trânsito em julgado, serão rescindíveis dentro de dois anos as sentenças nulas em

si mesmas (vícios intrínsecos), incluindo-se aí as sentenças que desatenderam ao

princípio da congruência mostrando-se citra, ultra ou extra petita, bem como as

que não apresentarem requisitos essenciais, como por exemplo, o relatório e a

fundamentação. Também serão rescindíveis as sentenças provenientes de

processo onde tenha havido nulidades (vícios extrínsecos) e outros casos, como

por exemplo o do artigo 485, II. 272

As sentenças nulas são rescindíveis, mas nem toda sentença

rescindível é nula. Teresa Arruda Alvim esclarece que não é inexpressiva a parte

da doutrina que considera haver transformação da nulidade em rescindibilidade

após o trânsito em julgado.

Todavia, a autora não concorda com esse entendimento pelo fato

dos termos apresentarem significados diferentes. É que, segundo ela, a nulidade

é um estado defeituoso e a rescindibilidade é a possibilidade de a sentença ser

rescindida, por meio da ação rescisória. E uma coisa não se transforma em outra.

Assim considerando, a nulidade não se transforma em rescindibilidade e esta

também não se transforma em nulidade.273

272WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, cit., p. 227. 273 “Todas as sentenças nulas são rescindíveis, embora nem todas as sentenças rescindíveis sejam nulas.

É uma diferença importante entre o sistema de nulidades do direito privado e do direito público, uma vez que, no direito privado, as nulidades devem ser declaradas como tal e, no direito público, especialmente no direito processual, por causa da autoridade de que ficam revestidas, precisam ser desconstituídas. Isto porque a ação

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Concordamos com a citada autora. Assim se posicionando,

concluímos que sentenças nulas são aquelas que padecem de alguma nulidade e

sentenças rescindíveis são as sentenças que padecem de nulidade e as que

podem ser rescindidas por meio de ação rescisória.

Em relação às sentenças rescindíveis, vale lembrar que as sentenças

judiciais são ordinariamente reformadas com os recursos previstos em nosso

ordenamento jurídico. Uma vez operada a coisa julgada, o remédio processual

adequado a desconstituí-la é a ação rescisória.

A ação rescisória é uma ação de natureza constitutiva e tem como

objeto a anulação da sentença transitada em julgado.Trata-se de uma ação

porque enseja a formação de uma nova relação processual . O prazo para ajuizá-

la não se adequa a nenhum tipo de recurso e, uma vez ajuizada, o réu será citado

para apresentar defesa.274 O recurso ataca uma decisão ainda sujeita a

modificação dentro do mesmo processo. A rescisória ataca uma decisão

transitada em julgado de um outro processo.

O fundamento jurídico para sustentar a ação rescisória é justamente

o fato de que as sentenças podem, eventualmente, ser iníquas, conter alguma

imperfeição tão grande que mereçam ser rescindidas, em detrimento do

rescisória é uma ação desconstitutiva (= constitutiva negativa) cuja função é desconstituir a coisa julgada, para, depois, atingir a nulidade da decisão, agora já não mais “protegida” pela coisa julgada. A nulidade é, então, atingida indireta ou mediatamente. Não é inexpressiva parte da doutrina que afirma que após o trânsito em julgado a nulidade se converte em rescindibilidade. Não estamos de acordo e a primeira das razões é de ordem lógica. A nulidade é, como se viu, um estado defeituoso. A rescindibilidade, a seu turno, é a circunstância de o ato, que padece daquele vício, que se encontra naquele estado defeituoso, poder ser impugnado por meio da ação rescisória. O sufixo dade tem sentidos e funções diferentes em ambas as expressões: nulidade e rescindibilidade. Não tem sentido dizer-se que a nulidade deve ser convertida em rescindibilidade, como se um vício se convertesse no outro. Até porque ser rescindível não é ser viciada: veja-se a hipótese do art. 485, VII, do CPC!” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, cit.

274Citamos o conceito e os caracteres da ação rescisória esposado por José Frederico Marques: “A ação rescisória é aquela que tem por objeto ajuizar pedido de anulação de sentença passada em julgado. Remédio por excelência para anulação dos efeitos da sentença passada em julgado, a ação rescisória é de natureza constitutiva, uma vez que tem por fim extinguir a situação jurídica consubstanciada na decisão que se busca anular. Não é recurso, e sim ação. Ajuizado o pedido rescisório, procede-se à citação do réu e se instaura uma nova relação processual. Além disso, o prazo para a propositura da rescisória não se coaduna com a natureza dos procedimentos recursais.” MARQUES, José Frederico. op. cit., v. 4, p. 410.

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princípio que garante a segurança jurídica das decisões alcançadas pela

autoridade da coisa julgada.

As hipóteses de cabimento da ação rescisória estão expressas no

artigo 485 do Código de Processo Civil.275 O artigo 495 do CPC prescreve que o

prazo para a parte propor a ação rescisória extingue em dois anos, contados do

trânsito em julgado da decisão.

Vê-se, pois que os requisitos da ação rescisória são três: sentença de

mérito transitada em julgado; cabimento em uma das hipóteses do rol do artigo

485 e observância do prazo decadencial de dois anos.

As sentenças terminativas que não fazem coisa julgada material não

podem ser rescindidas por força do caput do artigo 485 do CPC, que exige o

trânsito em julgado de sentença de mérito. Igualmente excluídas estão as

sentenças proferidas em medidas cautelares, homologatórias e que decidam

relação jurídica continuada.276

O artigo 487 do CPC dispõe sobre a legitimidade para a propositura

da ação rescisória: a) quem tiver sido parte no processo ou seu legítimo

sucessor; b) o terceiro juridicamente interessado e c) o Ministério Público em

duas hipóteses: se não foi ouvido no processo em cuja intervenção lhe era

275“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV - ofender a coisa julgada; V - violar literal disposição de lei; VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal, ou seja, provada na própria ação rescisória; VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa; § 1º. Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. § 2º. É indispensável, tanto num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.

276MARQUES, José Frederico. op. cit., p. 411.

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obrigatória e quando a sentença é o efeito de colusão entre as partes para fraudar

a lei.

Apesar de a ação rescisória ser voltada a rescindir uma decisão

judicial defeituosa e, portanto, voltada contra a Jurisdição, contra o Estado,

inexiste no rol de legitimados a previsão da participação do Estado como réu.277

5.4. Querela nullitatis

A querela nullitatis surgiu na idade média, na Itália, como meio

judicial apto a impugnar a sentença nula278. Na origem, a querela nullitatis não

era nem uma ação e nem um recurso, mas uma forma de denunciar as graves

nulidades havidas no processo por meio de uma invocação officiu iudicis do

Estado para que retirasse do sistema as sentenças que na verdade não o eram.279

Trata-se de expressão latina que significa “nulidade do litígio.”

Ao longo de seu desenvolvimento histórico, podia-se constatar a

existência da querela nullitatis sanabilis e da querela nullitatis insanabilis.

Aquela era destinada a atacar nulidades da sentença e do processo de uma forma

geral, existindo certo prazo para a alegação da nulidade, sob pena de todos os

vícios serem sanados. Esta era indicada para atacar os processos e sentenças

277José Frederico Marques, sobre o tema, sustenta: “Sendo assim, ficou, àquele que foi parte, a dupla função de,

na rescisória, defender a prestação entregue pelo Estado e o seu próprio interesse. E como este se confunde com o interesse do próprio Estado, pela íntima comunhão entre ambos, entendeu o legislador que seria suficiente investir a parte do ônus de defender seu direito, concomitantemente com o de defender a legitimidade do ato descisório emanado de órgão judiciário do Estado”. op. cit., p. 417.

278“O direito medieval, no entanto, antes de consumar-se o princípio depois vitorioso do direito moderno, segundo o qual os motivos de nulidade da sentença ficam absorvidos pelos recursos, concebeu a actio nullitatis como meio autônomo de impugnação contra a sentença nula, de modo que a apelação ficasse reservada para o controle, por autoridade superior, da injustiça da sentença (errores in iudicando), atribuindo-se à querela nullitatis a função de reparar os vícios formais que pudessem tornar nula a sentença”. SILVA, Ovídio Batista da. Sobrevivência da querela nullitatis. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 92, n. 333, p. 117, jan./mar. 1996.

279GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Sentenças inexistentes e Querela Nullitatis. Revista Jurídica da Universidade de Franca, Franca, v. 3, n. 5, p. 110, nov. 2000.

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inexistentes. Nesta hipótese, não havia prazo preclusivo para argüição do vício,

eis que insanável.280

Todavia, com o desenvolvimento do direito processual,

notadamente do sistema recursal e particularmente a evolução do recurso de

apelação, com o alargamento das matérias a serem ventiladas em sede recursal, a

querela nullitatis desapareceu aos poucos dos diversos ordenamentos

jurídicos.281

Atualmente, a querela nullitatis é entendida como um instrumento

processual apto a atacar uma decisão judicial maculada de vício insanável ou

considerada inexistente. Por isso, a alegação do indigitado vício de inexistência

pode ser feita a qualquer tempo, porque a decisão a ser atacada não está sujeita

às regras de estabilidade das relações jurídicas em geral, independentemente de

a sentença ter sido revestida pela autoridade da coisa julgada ou já tenha

decorrido o prazo de dois anos para ajuizamento da ação rescisória 282

Para explicar a natureza jurídica da querela nullitatis, Fernando da

Fonseca Gajardoni fez uma interessante classificação das vias para atacar as

decisões judiciais, que denominou de sistematização dos remédios contra

decisões judiciais283.

Para o citado autor, existem os recursos (apelação, recurso especial,

etc); os sucedâneos dos recursos (reexame necessário, a correição parcial,

pedido de reconsideração e agravo regimental) e as ações impugnativas (ação

rescisória, embargos do devedor, mandado de segurança contra ato judicial

etc).284

280GAJARDONI, Fernando da Fonseca. op. cit., p. 103. 281Id. Ibid. 282SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Querela nullitatis. Cadernos Jurídicos da Escola Paulista de

Magistratura, v. 2, n. 4, p. 99, mar./abr. 2001. 283GAJARDONI, Fernando da Fonseca. op. cit. p. 110-111. 284Id. Ibid.

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O recurso é utilizado como o meio idôneo para obter a modificação

ou invalidação do julgado e é interposto no mesmo processo da decisão

recorrida; os sucedâneos dos recursos têm os mesmos objetivos dos recursos,

mas podem ser assim denominados por não estarem presentes todas as

características de um recurso, como por exemplo a voluntariedade e a previsão

legal; as ações impugnativas são remédios voluntários que, por meio de relação

jurídica distinta da decisão impugnada (fora do processo) portanto, buscam a

reforma ou invalidação do ato judicial.285

Para ele, a querela nullitatis enquadra-se perfeitamente na hipótese

da ação impugnativa, portanto autônoma do processo em que houve a decisão

impugnada e tem por objeto uma decisão judicial, mesmo que só na aparência.286

Concordamos integralmente com esse entendimento.

O ordenamento jurídico pátrio não prevê textualmente a querela

nullitatis nem como recurso, nem como sucedâneo de recurso ou ação

impugnativa. Aliás, de forma expressa, a querela nullitatis talvez só esteja

prevista no Direito Canônico.287

A doutrina é controversa a respeito da sobrevivência da querela

nulittatis no direito brasileiro. A maior parte dos doutrinadores inclinam-se pela

sua inexistência288 Ovídio Baptista da Silva lembra que a doutrina universal

proclama que as nulidades não sobrevivem à sentença, ou então, as nulidades

eventualmente existentes no processo convertem-se em motivos para se recorrer,

285GAJARDONI, Fernando da Fonseca. op. cit. 286Id. Ibid., p. 111. 287GAJARDONI, Fernando da Fonseca. op. cit. p. 105. 288“Seria ocioso dizer que a communis opinio entre os juristas, tanto brasileiros quanto estrangeiros, inclina-se

decididamente no sentido de negar a existência, nos sistemas jurídicos contemporâneos, de alguma ação declaratória ou constitutiva, diversa da ação rescisória, para o sistema brasileiro, ou da cassação para os sistemas europeus, com que se possa atacar uma sentença já transitada em julgado.” SILVA, Ovídio Batista da. Sobrevivência da querela nullitatis, cit., p. 115.

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de forma que a formação da coisa julgada teria o condão de afastar

completamente eventuais defeitos existentes na relação processual.289

Teresa Arruda Alvim admite a existência da querella nullitatis, mas

a denomina ação declaratória de inexistência, que é o instrumento apto a

expurgar do ordenamento jurídico as sentenças inexistentes. É que tais

sentenças, apesar de serem consideradas inexistentes, produzem efeitos até que o

Poder Judiciário declare sua inexistência290

A resistência à idéia da sobrevivência da querela nullitatis no

ordenamento jurídico brasileiro se dá porque somente há previsão da ação

rescisória como o instrumento adequado para rescindir sentenças de mérito

transitadas em julgado.

Releva notar que o parágrafo único do artigo 741 do CPC prevê

uma hipótese de rediscutir a coisa julgada além do vício de citação (art. 741, I

do CPC) e do rol previsto no artigo 485 do CPC, que deve dar-se em sede de

embargos à execução quando a lei ou ato normativo que fundamentaram o título

executivo judicial, forem declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal

Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a

Constituição Federal.291

Para nós, o parágrafo único do artigo 741 do CPC não está em

consonância com a Constituição Federal. É que a novidade legislativa foi

289SILVA, Ovídio Batista da. Sobrevivência da querela nullitatis, cit., p. 115. 290WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, cit., p. 226. 291Ovídio Batista da Silva, com razão, fez a seguinte observação em relação à existência da querela nullitatis no

ordenamento jurídico pátrio: “Como as construções dos juristas, dissera-o igualmente Calamandrei, podem muito, mas não poderão jamais ultrapassar os limites da razão e da lógica, a querela nullitatis, expulsa do universo conceitual pelos juristas modernos, infiltra-se disfarçadamente na experiência judiciária, vestindo-se com outras roupagens, mas exercendo, rigorosamente a mesma função de ataque às sentenças nulas. Um exemplo de disfarce da querela nullitatis ocorreu em julgamento do Superior Tribunal de Justiça, relativo a uma ação de mandado de segurança em que o impetrante buscava impedir a execução de um mandado de despejo, alegando nulidade do processo, por falta de citação. Disse o Tribunal: “Não tinha o impetrante sequer ação rescisória, posto que não se cuida de sentença de mérito, pelo que restou ao mesmo a via constitucional do mandado de segurança, na qual deduziu a sua querela nullitatis insanabilis, de forma adequada”. op. cit. p. 121.

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introduzida no ordenamento jurídico por meio da medida provisória nº 2.180-35,

de 24 de agosto de 2001.

Nesse passo, releva notar que a Emenda Constitucional nº 32, de 11

de setembro de 2001, deu nova redação ao artigo 62 da Constituição Federal, e

impossibilitou o Presidente da República de editar Medida Provisória que verse,

entre outras coisas, sobre direito processual.292

Mas o fato de per si da Emenda Constitucional ser posterior à

Edição da Medida Provisória 2180-35 não torna possível que matéria de ordem

processual seja tratada por meio de medidas provisórias. É que a competência

292Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com

força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I - relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; II - que vise à detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III - reservada a lei complementar; § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. § 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. § 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. § 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. § 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. § 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. § 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. (NR) (Redação dada ao artigo pela Emenda Constitucional nº 32, de 11.09.2001, DOU 12.09.2001).

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privativa da União, por meio do Congresso Nacional, seria ultrajada, implicando

violação aos artigos 22, I e 48 da Constituição Federal.

É fato que o artigo 2º da Emenda Constitucional 32/2001 dispõe:

“As medidas provisórias editadas em data anterior a da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.”

Todavia, há interpretação jurisprudencial no sentido de que este

artigo só pode ser aplicado se a medida provisória editada anteriormente à

Emenda Constitucional 32/2001 não se chocar com esta. Deriva daí, portanto, a

inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 741 do CPC.293

A jurisprudência tem admitido a existência da querela nullitatis na

hipótese de falta ou nulidade de citação em processos que correram a revelia.294

293CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL – FGTS – EMBARGOS À EXECUÇÃO –

REDISCUTIR MATÉRIA DE MÉRITO – IMPOSSIBILIDADE – ART. 610, DO CPC – MEDIDA PROVISÓRIA VERSANDO SOBRE NORMAS DE PROCESSO – IMPOSSIBILIDADE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 32 – INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO EXEQÜENDO – INOCORRÊNCIA – 1. Incabível, em sede de embargos à execução, pelo disposto no art. 610, do CPC, rediscutir o mérito da lide, pretendendo modificar a sentença exeqüenda. 2. A nova disciplina das medidas provisórias, introduzida pela Emenda Constitucional nº 32, além de impor limites materiais, estabelece diversas normas procedimentais no que concerne à sua conversão em Lei e ao seu período de vigência. As medidas editadas anteriormente à Emenda não se submetem às novas normas procedimentais e nem ao novo limite de eficácia; continuam a vigorar "até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional". No entanto, não subsistem as medidas em franco antagonismo à nova sistemática constitucional. 3. O artigo 10 da Medida Provisória nº 2.180-35, que acrescenta o parágrafo único ao art. 741 do CPC, não se aplica ao presente caso, uma vez que afronta claramente o novo art. 62 da Constituição. 4. Apelação da CEF improvida. (TRF 1ª R. – AC 38000120282 – MG – 6ª T. – Relª Desª Fed. Maria do Carmo Cardoso – DJU 28.04.2003 – p. 269)

294É o que demonstram os seguintes julgados: “AÇÃO ORDINÁRIA – DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CITAÇÃO EM PROCESSO EXECUTIVO – 'QUERELA NULLITATIS' – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 486 DO CPC – MEIO IDÔNEO – RECURSO PROVIDO – Na hipótese de falta ou nulidade de citação, ocorrendo revelia, persiste no direito positivo brasileiro, a querela nullitatis, possibilitando a discussão em ação declaratória de nulidade se ocorreu ou não a correta citação do réu, na ação anterior. (TAPR – AC 0154036-3 – (13276) – 1ª C. Cív. – Rel. Juiz Lauro Augusto Fabrício de Melo – DJPR 10.11.2000)” EMBARGOS À EXECUÇÃO – CITAÇÃO – ART. 741 – INC. I – CPC – Embargos à execução fundada em sentença. Ausência de elementos fáticos-jurídicos formais a exordial para avaliação do alegado. Falta ou nulidade abstrata da citação do devedor no processo de conhecimento. Exegese do artigo 741, I do CPC. 1) A coisa julgada inadmite reapreciação da prova por meio de embargos, havendo transitado em julgado a sentença, torna-se inviável, por via da oposição de embargos ao devedor rediscutir a matéria que, por sua natureza deveria ser objeto da ação principal; 2) Na hipótese do artigo 741, I do CPC, previsto no direito pátrio a "querela nullitatis", o que implica dizer que a nulidade da sentença, na hipótese, pode ser declarada em ação de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da rescisória; 3) No caso concreto, transitada a

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Convém lembrar que não basta ter havido nulidade no processo: é necessário

que também ocorra a revelia. Se no curso do processo, o réu comparecer

espontaneamente para defender-se, haverá saneamento do vício de nulidade da

citação, conforme prescreve o parágrafo primeiro do artigo 214 do CPC. Mas se

houver nulidade da citação e o processo tenha ocorrido a revelia do réu, caberá a

ele, caso sofra um processo de execução, alegar o vício em sede de embargos à

execução ou por meio de uma ação declaratória de nulidade de citação proposta

a qualquer tempo. Mas essa questão não é pacífica na doutrina.

Teresa Arruda Alvim Wambier, discorrendo sobre o tema, entende

que, se em um processo houve citação viciada, há de se perquirir se também houve

revelia. Em sendo positiva a resposta, a citação deve ser considerada inexistente.

Nesse diapasão, não haveria citação nula: ou é inexistente ou então a citação é

válida, porque o vício se sanaria com o comparecimento espontâneo do réu.295

Pensamento diferente sobre o tema manifesta Fernando da Fonseca

Gajardoni, para quem citação nula, ainda que acompanhada da revelia, não

equivale a citação inexistente. O autor sustenta que o próprio sistema, prevendo

a possibilidade desse vício, admite ao executado que oponha embargos à

execução, cujo único inconveniente seria a necessidade de assegurar o juízo

através da competente penhora. Nas suas palavras seria “um mal suportável do

sistema, facilmente afastado pela prevalência da segurança jurídica”.296

Pensamos assistir razão à Teresa Arruda Alvim. De fato, se a

citação é viciada e houve revelia, a relação jurídica triangular que deve ser

estabelecida entre juiz, autor e réu não se estabeleceu. Em decorrência, processo

sentença de mérito, o meio normal de rescindi-la é o da ação rescisória, porém, a excepcionalidade da desconstituição do julgado exeqüendo nos embargos ao devedor é dada pela falta ou nulidade absoluta da citação do devedor no processo de conhecimento, independente da rescisória; 4) Ausência de elementos fáticos-jurídicos formais de avaliação. (TJRJ – AC 2677/94 – (Reg. 280995) – Cód. 94.001.02677 – Rio de Janeiro – 4ª C. Cív. – Rel. Des. Álvaro Mayrink da Costa – J. 28.03.1995).

295WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, cit., p. 273. 296GAJARDONI, Fernando da Fonseca. op. cit., p. 116.

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não houve. Admitir o contrário implicaria ofensa aos princípios constitucionais

do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

A ação declaratória de inexistência de ato processual é apontada por

Rogério Marrone de Castro Sampaio297 como um outro instrumento a indicar a

sobrevivência da querela nullitatis. Por meio da referida ação também seria

possível rediscutir decisões judiciais alcançadas pela autoridade da coisa

julgada, independentemente de ter-se escoado ou não o prazo para o ajuizamento

da ação rescisória.

A justificativa para a existência desse tipo de ação está fundada no

fato de que somente são rescindíveis ações de mérito transitadas em julgado.

Ocorre, como dito alhures, que determinadas decisões judiciais sequer transitam

em julgado por serem consideradas inexistentes. Nesse ponto, a ação

declaratória de inexistência de ato processual estaria restrita às hipóteses

excepcionais de sentenças inexistentes.

Também aqui é forçoso admitir a existência da querela nullitatis,

ainda que sob a denominação de ação declaratória de inexistência de relação

jurídica. Com efeito, em que pese admitir-se que sentenças inexistentes não

transitem em julgado por lhes faltar os pressupostos de existência, não se pode

negar-lhes eficácia enquanto não forem declaradas como tais pelo Poder

Judiciário. E como essas sentenças não podem ser rescindidas pela via da ação

rescisória, justamente porque um dos requisitos para tanto é que tenha ocorrido

o transitado em julgado, o único caminho viável é a ação declaratória de

inexistência da sentença, ou seja, em outras letras, a querela nullitatis.

297SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. op. cit., p. 110.

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6. A COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS

6.1. A disciplina da coisa julgada no CDC e a interação legislativa entre o

CDC e a Lei de Ação Civil Pública

A coisa julgada nas ações coletivas é disciplinada pelo artigo 103

do Código de Defesa do Consumidor.298 Ao contrário do que inicialmente

poder-se-ia pensar, tal regra não é só aplicável às demandas que envolvam

relação de consumo, mas também às ações coletivas em geral, notadamente à

Ação Civil Pública. É que existe uma interação legislativa entre os dois

diplomas legais, senão vejamos.

O artigo 117 do CDC determinou que fosse acrescentado à Lei da

Ação Civil Pública o artigo 21, renumerando-se os artigos seguintes, com a

seguinte redação:

“Art. 21 – Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.

Assim, por força deste dispositivo legal, o Título III do CDC (artigo

81 até o 104) é também aplicável à Lei de Ação Civil Pública. 299.

298“O artigo 103 contém toda a disciplina da coisa julgada nas ações coletivas, seja definindo seus limites

subjetivos (o que equivale a estabelecer quais as entidades e pessoas que serão alcançadas pela autoridade da sentença passada em julgado), seja determinando a ampliação do objeto do processo da ação coletiva, mediante o transporte, in utilibus, do julgado coletivo às ações individuais”. GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 813.

299Sobre a referida interação, Nelson Nery Nery assim se manifestou: “Há, por assim dizer, uma perfeita interação entre os sistemas do C.D.C. e da L.A.C.P., que se completam e podem ser aplicados indistintamente às ações que versem direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais, observado o princípio da especialidade das ações sobre relações de consumo, às quais se aplica o Título III do C.D.C., e só subsidiariamente a L.A.C.P. Esse interagir recíproco de ambos os sistemas (C.D.C. e L.A.C.P.) tornou-se

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Antes do advento do CDC, as leis que regulavam as ações coletivas

eram esparsas. O legislador consumerista sentiu necessidade de unificar as

regras processuais dos diplomas legislativos, até mesmo para evitar duplicidade

de regras processuais sobre o mesmo assunto e por isso dedicou o Título III do

CDC a essa finalidade.

Bem por isso, tudo o que for dito em relação ao artigo 103 do CDC

vale para as ações coletivas em geral, independentemente de versarem sobre

direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos e independentemente do

objeto de que cuidam (tutela do consumidor, meio ambiente, patrimônio

histórico e cultural ou qualquer outro direito difuso ou coletivo). Por isso,

também, a coisa julgada na ação civil pública será tratada em primeiro lugar,

apesar de não ser a ação coletiva que primeiramente aparece no texto

constitucional.

6.2. A coisa julgada e os interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos: conceituação necessária

A coisa julgada nas ações coletivas poderá se dar, a grosso modo,

de duas formas distintas: erga omnes ou ultra partes, dependendo do tipo de

direito tratado (difusos, coletivos ou individuais homogêneos). Destarte, o

primeiro esclarecimento que se faz necessário para o entendimento da matéria é

a compreensão do significado e alcance desses termos.

possível em razão da adequada e perfeita compatibilidade que existe entre eles por força do C.D.C. e, principalmente, de suas disposições finais, alterando e acrescentando artigos ao texto da Lei nº 7.347/85” NERY JÚNIOR, Nelson et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 869.

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E cuidou o legislador, para evitar entendimentos divergentes que

pudessem atrasar o processo ou prejudicar sua efetividade, de definir esses

“direitos e interesses”, conforme leciona Kazuo Watanabe300, no artigo 81 do

Código de Defesa do Consumidor.

No ponto, é necessário realizar uma diferenciação entre os direitos

coletivos lato sensu, que englobam os direitos difusos e os coletivos, e os

direitos individuais homogêneos, que são coletivos porque assim o foram

tratados pelo legislador.

6.2.1. Os direitos e interesses essencialmente coletivos

Os direitos e interesses essencialmente coletivos são formados

pelos direitos difusos e coletivos.

Como dito, a definição dos direitos difusos é feita pelo legislador

no parágrafo único, I, do artigo 81 do CDC como “os transindividuais, de

natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas

por circunstâncias de fato”.

Conforme observa Kazuo Watanabe, o legislador utilizou, na

conceituação dos direitos difusos, um critério subjetivo, consistente na

indeterminação dos titulares e na inexistência entre eles de uma relação jurídica

base e outro critério objetivo, qual seja, a indivisibilidade do bem.301

300Kazuo Watanabe chama a atenção pelo fato do legislador tratar de interesses ou direitos, como se eles

cuidassem de coisas diferentes. Esclarece afirmando que “Os termos ‘interesses’ e ‘direitos’ foram utilizados como sinônimos, certo é que, a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os ‘interesses’ assumem o mesmo status de ‘direitos’, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles. digo Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 718.

301Id. Ibid., p. 720.

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A indeterminação dos sujeitos, nos direitos difusos, resulta da

inexistência de vínculo jurídico entre as partes. Eles simplesmente se agregam

em razão de circunstâncias fáticas, como a de residirem na mesma cidade.

No tocante à questão da indivisibilidade do objeto, Kazuo

Watanabe nos dá um exemplo bastante elucidativo, que é o caso da publicidade

enganosa. Se se trata realmente de publicidade enganosa, ela não o é somente

para uma pessoa ou outra, mas atinge toda a coletividade, tornando-se

impossível dividir o objeto da ação, de forma que o indivíduo não pode

apoderar-se de um direito que é de toda a coletividade.302

Outro exemplo utilizado pela doutrina é o ar atmosférico,

insuscetível de divisibilidade. Se uma fábrica emite gases poluentes à atmosfera,

eventual ação coletiva cujo pedido seja julgado procedente e condene a empresa

a cessar a emissão de poluentes, com a adoção, por exemplo, de filtros

protetores, beneficiará toda a coletividade e não somente uma pessoa.

Rodolfo de Camargo Mancuso ensina que a maior parte da

doutrina, sobretudo na Itália, aponta a “conflittulità massima” como outra

característica dos interesses difusos. É que quando estão envolvidos esses

interesses, os conflitos não se restringem às partes, podendo alcançar terceiros.

O autor cita, entre outros exemplos, a proteção das florestas em conflito com os

302WATANABE, Kazuo et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto, cit., p. 720: “No campo da relação de consumo, podem ser figurados os seguintes exemplos de interesses ou direitos difusos: a) publicidade enganosa ou abusiva, veiculada por meio da imprensa falada, escrita ou televisionada, a afetar uma multidão incalculável de pessoas, sem que entre elas exista uma relação base. O bem jurídico tutelado pelo art. 37 e parágrafos do Código é indivisível no sentido de que basta uma única ofensa para que todos os consumidores sejam atingidos e também no sentido de que a satisfação de um deles, pela cessação da publicidade ilegal, beneficia contemporaneamente todos eles. As pessoas legitimidadas a agir, nos termos do art. 82, poderão postular em juízo o provimento adequado à tutela dos interesses ou direitos difusos da coletividade atingida pela publicidade enganosa ou abusiva; b) colocação no mercado de produtos com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança dos consumidores, o que é vedado pelo art. 10 do Código. O ato do fornecedor atinge todos os consumidores potenciais do produto, que são em número incalculável e não vinculados entre si por qualquer relação-base. Da mesma forma que no exemplo anterior, o bem jurídico tutelável é indivisível, pois uma única ofensa é suficiente para a lesão de todos os consumidores, e igualmente a satisfação de um deles, pela retirada do produto do mercado, beneficia ao mesmo tempo todos eles”.

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interesses da indústria madeireira e dos lenhadores, interessados na manutenção

de seus empregos.303

Por sua vez, interesses ou direitos coletivos, foram definidos pelo

legislador no artigo 81, II, do CDC como ”os transindividuais de natureza

indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas

entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base”.

Os direitos coletivos são caracterizados por serem indivisíveis, mas

terem a titularidade restrita a um grupo, categoria de classe ou de pessoas

ligadas por uma relação jurídica-base.

Quando o legislador assevera que os direitos coletivos são os

“transindividuais de natureza indivisível”, quer excluir os interesses individuais

agrupados. Rodolfo Camargo Mancuso elucida que “um feixe de interesses

individuais não se transforma em coletivo, pelo simples fato do exercício ser

coletivo. A essência permanece individual”.304

Muito embora o que caracterize os direitos difusos e coletivos seja

a indivisibilidade do objeto e a indeterminação dos sujeitos, pode-se dizer que

no tocante aos direitos difusos essa regra é absoluta. Já em relação aos direitos

coletivos, essa regra é relativa, uma vez que os sujeitos, embora indeterminados,

podem ser, com algum esforço, identificados.

6.1.2. Os direitos e interesses formalmente coletivos

Por interesses ou direitos individuais homogêneos entende-se os

decorrentes de origem comum305. Formam aquela espécie de direito que Kazuo

303MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação de agir, cit., p. 91-93. 304Id. Ibid., p. 50. 305CDC, art. 81,III.

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Watanabe entende como formalmente coletivo, porque na verdade se trata de

tutelar coletivamente interesses individuais agrupados. E é com razão que faz

essa afirmação.

À primeira vista, poder-se-ia pensar que pelo simples fato de o

direito individual homogêneo estar estampado num artigo que versa sobre a

tutela coletiva, seria também coletivo. Não é o que ocorre.

Os interesses ou direitos individuais homogêneos, como o próprio

nome indica, são individuais. O legislador apenas permitiu que fossem eles

tutelados de forma coletiva306 para dar maior efetividade ao processo.

Nesse sentido, vale lembrar que o catalisador para o surgimento das

ações coletivas foi o surgimento da sociedade de massa que fez com que os

legisladores, com o tempo, transpusessem para o mundo legislativo,

possibilitando-se, portanto, alcançar o mundo jurídico, as mudanças ocorridas na

sociedade de fato.

E um dos fortes argumentos para o surgimento das mudanças na

processualística foi o fato de que não se estava alcançando a efetividade do

processo utilizando-se da velha fórmula processual de resolução de conflitos de

interesses Tício x Caio.

Buscou-se, portanto, adequar o aparato legislativo à nova realidade

social, permitindo-se a defesa, na forma coletiva, aos interesses individuais,

quando decorrentes de origem comum, até mesmo em observância ao princípio

306MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, cit., p. 45: “O que ora

se vem demonstrando parece ficar bem evidenciado no tocante aos chamados interesses individuais homogêneos: em sua essência, ou natureza, eles são individuais, e a própria denominação o indica; todavia, como eles relevam de um evento comum, que lhes confere uniformidade (Lei 8078/90, CDC, art. 81, III), entendeu o legislador que o modo de fazê-los valer em juízo há de ser por meio da jurisdição coletiva, conducente a uma possível condenação genérica (CDC, art. 95). É que, especialmente nos casos em que há expressiva dispersão dos lesados (por exemplo, aplicadores em cadernetas de poupança de certo banco, prejudicados pelo incorreto índice remuneratório), haverá extrema conveniência em que o trato jurisdicional da matéria se faça de modo molecular, assim evitando a atomização do fenômeno coletivo em múltiplas demandas individuais, ao risco de decisões discrepantes, em processos mais demorados e onerosos”.

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da economia processual e para se evitar que cheguem ao judiciário centenas de

milhares de ações versando sobre o mesmo assunto.

A mudança legislativa permitiu, por exemplo, que os poupadores de

cadernetas de poupança lesados com os planos “Verão” e “Collor”, ocorridos

respectivamente em 1989 e 1990, pudessem ver tutelados seus interesses de

forma coletiva. Nesse sentido, as diversas ações civis públicas propostas na

defesa dos direitos individuais homogêneos dos poupadores em face das

inúmeras instituições financeiras que a eles causaram prejuízos impediram que

chegassem ao judiciário milhares de ações de conhecimento que tratavam do

mesmo assunto.

Destarte, não se pode falar que existe um interesse material

homogêneo, como ocorre com os difusos e coletivos, uma vez que aquele é uma

criação do direito processual.

Os direitos individuais homogêneos diferem dos direitos coletivos

no tocante à divisibilidade do objeto. Enquanto nos direitos coletivos o objeto é

um bem indivisível, nos que envolvem direitos individuais homogêneos são

perfeitamente divisíveis. Tanto que a lei, ao defini-lo, nem fala de objeto.

Vale lembrar que em uma ação onde estejam sendo discutidos

direitos individuais homogêneos, em caso de procedência do pedido, a

condenação será genérica, nos termos do artigo 95 do CDC, ficando consignada

na sentença a responsabilidade do réu pelos danos causados. Deste modo, os

interessados deverão liquidar e executar o julgado, demonstrando interesse

processual. Na liquidação o autor terá que provar dano individual, nexo de

causalidade entre o dano e a responsabilidade fixada globalmente na sentença e

montante.

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6.3. A coisa julgada nas ações coletivas

Uma vez compreendida a interação legislativa existente entre o

regime da coisa julgada estabelecido no Código de Defesa do Consumidor e na

Lei de Ação Civil Pública e feita a conceituação necessária do que são os

direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, partamos para o estudo dos

efeitos da decisão e da coisa julgada.

Para o entendimento dos efeitos da coisa julgada na ação civil

pública, é necessária a análise em separado de seus efeitos em relação aos

direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. É o que faremos.

6.3.1. A coisa julgada para os direitos e interesses difusos

A regra geral da coisa julgada em se tratando de direitos e

interesses difusos é que tenha efeito erga omnes, ou seja, contra todos, tanto no

caso de procedência do pedido, como no de improcedência, com uma exceção:

se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, qualquer

legitimado poderá ingressar com uma nova ação, com os mesmos fundamentos,

desde que juntando nova prova.

Nesse passo, o CDC não inseriu propriamente nenhuma novidade

no ordenamento jurídico.307 É que o artigo 18 da Lei de Ação Popular já dava o

307“O dado histórico sempre deve ser devidamente ponderado, e o fato é que na ação popular (Lei 4.717/65) o

regime da coisa julgada secundum eventus litis já é velho de mais de trinta anos na praxis judiciária brasileira. Se em texto legal vindo a lume vinte anos após a edição daquela lei, entendeu o legislador de repetir tal fórmula para a disciplina de uma ação – civil pública – cuja finalidade se mostra consoante com a da ação popular (arts. 1º e 16 da Lei 7.347/85), há de ser porque a citada técnica processual provou sua eficiência ao longo do tempo, na experiência diuturna do foro, que é o laboratório por excelência, onde os institutos processuais têm o seu campo de prova. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, cit., p. 292.

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mesmo tratamento erga omnes aos julgados, prevendo a mesma exceção, in

verbis:

“Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.

O termo “deficiência de prova” usado na Lei de Ação Popular foi

substituída pela moderna legislação (artigo 16 da LACP e art 103 do CDC) por

“insuficiência de prova”.

No sistema da coisa julgada para os interesses difusos, a sentença

de procedência ou improcedência produzirá efeitos contra todos. Em ambos os

casos (procedência ou improcedência da ação), a coisa julgada impede que um

dos legitimados do artigo 82 do CDC ou artigo 5º da LACP ajuíze nova ação

contra o mesmo réu repetindo a demanda anterior, vale dizer, fundamentando a

ação com a mesma causa de pedir e pedido. Caso isso ocorra, bastará o réu

alegar a exceção de coisa julgada e o processo deverá ser extinto sem

julgamento de mérito, nos termos do artigo 267, IV, do CPC.

Releva notar que em caso de procedência do pedido, os efeitos erga

omnes de que trata o dispositivo legal não atingirão somente o réu que

participou do processo, mas todos aqueles que direta ou indiretamente tenham

interesses afins aos do réu, contraposto, portanto, ao interesse coletivo.308

Teremos a “eficácia vinculativa direta erga omnes da coisa julgada.309 Pede-se

308FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. op. cit.,. p. 146. 309”Desse modo, coloca-se a salvo de novas discussões judiciais aquilo que foi objeto da decisão prolatada na

ação coletiva, mesmo que um terceiro (em relação ao processo em que se operou a autoridade da res iudicata) ostente um interesse particular no resultado da ação coletiva. Neste caso, o terceiro, ainda que prejudicado, não poderá se insurgir contra o resultado da demanda, alegando ser ele um extraneus quanto os limites subjetivos da coisa julgada. A eficácia erga omnes do artigo 103 do CDC alcança-o” FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. op. cit., p. 146.. Revista de Processo, São Paulo, v. 18, n. 71, p. 146, 1993.

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vênia para transcrever o exemplo dado por Sérgio Ricardo de Arruda Fernandes,

que em muito ajuda para a compreensão da questão:

“Uma determinada empresa foi impedida de distribuir e comercializar os seus produtos, como corolário direto da decisão proferida na ação coletiva. Entretanto, poderão as empresas que atuam no varejo, dispondo em seus estoques do produto reconhecido como prejudicial aos consumidores, comercializá-lo? Evidente que não, posto que a decisão coletiva determinou a retirada de mercado daquele produto. Embora essas empresas varejistas disponham de interesses (individuais) na manutenção de suas vendas, não podem elas pretender nova discussão sobre aquilo que já fora decidido na demanda coletiva, ou seja, não podem, com chance de êxito, alegar que aquela decisão não lhes afeta. Estão, por força direta da coisa julgada, impedidas de comercializar aquele produto declarado nocivo, sujeitando-se, inclusive, a eventuais sanções impostas no decisum, desde que cientificadas (por editais, contrapropaganda a cargo da empresa distribuidora ou outra forma que alcance o mesmo resultado)”.310

A sentença de improcedência não impossibilita o ajuizamento de

ações individuais. A coisa julgada a que o dispositivo legal se refere é a que se

opera entre as partes, isto é, entre os legitimados processuais para a demanda e

entre aqueles que figuraram como réus.

Dessa forma, ficam resguardados os direitos individuais, o que se

coaduna perfeitamente com o princípio constitucional que garante o acesso à

justiça. E nem poderia ser diferente, haja vista que o direito individual não foi

posto em causa. A exceção a essa regra está prevista no artigo 94 do CDC. É que

a lei determina que proposta a ação, deverá ser publicado edital no órgão oficial

para que os interessados possam intervir como litisconsortes.

Evidentemente se algum interessado se habilitou como litisconsorte

na ação coletiva e esta foi julgada improcedente, depois de cognição exauriente,

310FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. op. cit., p. 147.

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deverá suportar o peso da coisa julgada, ficando impossibilitado de ajuizar nova

demanda com o mesmo pedido e mesma causa de pedir. 311

A citação de um exemplo torna mais fácil a compreensão do acerto

do legislador em preservar a via das ações individuais em caso de improcedência

de uma ação civil pública em defesa dos interesses difusos. Imagine a situação

de uma comunidade que vive próxima a uma indústria de papel que lança gases

tóxicos na atmosfera diuturnamente. Após incomensurável esforço do Ministério

Público, a ação civil pública objetivando a condenação da empresa na obrigação

de fazer colocação de filtros nas chaminés e reparação pelos prejuízos causados

é julgada improcedente, porque não restou demonstrada a ocorrência de danos

nem ao meio ambiente, nem às pessoas em geral, apesar da extensa produção

probatória.

Não fosse a possibilidade do ajuizamento das ações individuais, as

pessoas que morassem na região e que poderiam estar inclusive doentes, com o

aparelho respiratório comprometido, sequer poderiam entrar em juízo para

demonstrar seus danos pessoais, de forma que a sistemática da preservação dos

direitos individuais em razão da improcedência da ação é medida das mais

acertadas pelo legislador consumerista.

Todavia, ainda que não houvesse a previsão expressa do legislador

no § 1º do artigo 103 do CDC, que resguarda os interesses e direitos dos

indivíduos, ainda assim não poderiam ser prejudicados por eventual sentença de

311Sobre a preservação dos direitos individuais em se tratando de coisa julgada em ações coletivas, com operação

da coisa julgada erga omnes, Ibraim Rocha leciona:“Assim, a curvatura se dá por excluir o legislador a possibilidade de que a coisa julgada erga omnes da tutela coletiva de interesses difusos, possa prejudicar de qualquer forma os interesses e direitos individuais dos integrantes da sociedade. Significa dizer que, embora a via coletiva esteja fechada para a impugnação de todos – demais legitimados à tutela coletiva e os terceiros integrantes da coletividade, que, aliás, não tem legitimidade ativa para ajuizar estas ações – dado o efeito de caso julgado erga omnes, mas esta especial qualidade da sentença não poderá prejudicar os interesses individuais das pessoas integrantes da coletividade, até porque o que se discutiu, e este é o objeto do processo de tutela de interesses difusos, foi única e exclusivamente a tutela do interesse coletivamente considerado e não os interesses individuais dos integrantes da coletividade. Evidente que a coisa julgada impede que se impugne no mesmo ou outro processo a decisão relativa ao objeto coletivamente considerado, nada mais”. ROCHA, Ibraim. op. cit., p. 190.

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improcedência. É que a Constituição Federal, no artigo 5º, XXXV, garantiu o

amplo acesso à Justiça, ao prever que “a lei não excluirá da apreciação do

Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Ademais, a ação coletiva não

guarda identidade com a ação individual, seja nas partes litigantes, causa de

pedir ou pedido.

A sentença de improcedência – até mesmo pela natureza e

importância das ações coletivas - somente deverá ser proferida pelo juiz se ele

estiver absolutamente convicto, diante de toda a produção probatória dos autos,

que os danos narrados na inicial não ocorreram. Do contrário, o magistrado

estará prestando um desserviço aos jurisdicionados.

É que se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de

provas – e isto ficar consignado na sentença – poderá ser reproposta a demanda

pelo mesmo ou outro legitimado, desde que, é claro, apresente nova prova.

É pertinente questionar se, diante de uma nova prova, poderia ser

ajuizada idêntica ação coletiva, ainda que não constasse na sentença que o

pedido foi julgado improcedente por insuficiência de provas. O legitimado, por

exemplo, poderia, em tese, convencer o julgador de que na época em que fora

proferida a sentença, o magistrado não teve condições de deixar consignado na

decisão que as provas eram insuficientes, haja vista o surgimento posterior de

nova prova.

Ada Pellegrini Grinover sustenta que essa tese, a princípio, poderia

ser acolhida se fosse possível identificar na sentença proferida em matéria de

direitos difusos e coletivos uma coisa julgada secundum eventum probationes.

Ou seja, a sentença só faria coisa julgada em relação à prova produzida,

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podendo ser reproposta uma nova ação coletiva, ainda que baseada em idêntico

fundamento.312313

Para nós, todavia, a declaração de improcedência por insuficiência

de provas tem que estar implícita ou explicitamente expressa na fundamentação

ou no dispositivo da sentença. Se as partes tiverem dúvida de que a

improcedência é por insuficiência de provas, deverão interpor embargos de

declaração para que o magistrado manifeste-se a respeito. Se no prazo de dois

anos, surgir documento novo, poderá ser reproposta ação rescisória. Todavia,

decorrido o biênio legal para sua propositura, a sentença estará acobertada pelo

manto eterno da coisa julgada.

Nem é preciso dizer que a ação também poderá ser reproposta

individualmente nesta hipótese, já que o objetivo do legislador com as ações

coletivas não foi criar obstáculo à prestação jurisdicional, mas maximizá-la.

Assim, haverá coisa julgada material para as partes (legitimados

processuais e réus) somente em dois casos: sentença de procedência ou

improcedência com provas suficientes. A improcedência por insuficiência de

provas não faz coisa julgada. E para os indivíduos, somente haverá coisa julgada

se o pedido for julgado procedente. É o que se chama de coisa julgada secundum

eventus litis, ou seja, segundo o resultado da demanda.

Arruda Alvim entende que se houver ação civil pública para tutela

de interesses difusos julgada procedente e esta decisão for alcançada pela

autoridade da coisa julgada, estará vetado o ajuizamento de ações individuais

312GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a coisa

julgada. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 98, n. 361, p. 10, maio/jun. 2002. 313“Pode-se portanto, sustentar, numa outra ótica, que nas ações coletivas em defesa de interesses difusos e

coletivos (stricto sensu), a sentença faz coisa julgada secundum probationem, só alcançando, em caso de rejeição da demanda, os fatos provados no processo, sem precluir a via de outra ação coletiva idêntica, baseada em novas provas, tenha – ou não – o juiz se dado conta da insuficiência de elementos probatórios produzidos no primeiro processo.” Id. Ibid., p. 11.

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com o mesmo pedido daquela, pois inexistirá interesse de agir dos interessados.

Eles estariam satisfeitos pela decisão da referida ação civil pública. 314

Neste ponto, são necessários alguns esclarecimentos: o parágrafo 3º

do artigo 103 do CDC traz uma grande inovação denominada transporte in

utilibus da coisa julgada. Dispõe o referido artigo:

“Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei 7.347/85, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos do artigo 96 a 99.”315

Ada Pellegrini Grinover ensina que o referido artigo foi inspirado

no princípio da economia processual e nos critérios da coisa julgada secundum

eventum litis, bem como na ampliação ope legis do objeto do processo. Essa

norma permite o transporte in utilibus da sentença proferida na ação civil

pública para as ações individuais.316

Trata-se da possibilidade do indivíduo aproveitar-se do resultado

favorável (procedência do pedido) da sentença proferida em ação civil pública

(ações coletivas) com efeitos erga omnes.

314“A regra do art. 103, inc. I, (correlata à do art. 81, par. ún., inc. I, ambos do CDC), dispõe que se procedente a

ação civil coletiva, sobre a sentença (decisão judicial) pesará autoridade de coisa julgada erga omnes, ou seja, alcançará a sua eficácia toda a coletividade, revestida por essa autoridade de coisa julgada erga omnes, inviabilizando, portanto, sua repropositura enquanto ação civil coletiva, como também (pelo mesmo fundamento) obsta ações individuais, precisamente porque o interesse e o direito dos que poderiam propô-las encontram-se inteiramente satisfeitos”. ALVIM, Arruda. Notas sobre a coisa julgada coletiva. Revista de Processo, São Paulo, v. 22. n. 88, p. 36-37, out./dez. 1997.

315Dispõem respectivamente o artigo 16 e 13 da Lei de Ação Civil Pública: “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de outra prova.” “Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.”

316GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit.

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Assim, o indivíduo ou seus sucessores poderão aproveitar a sentença de

procedência de uma ação civil pública, sem necessidade de uma outra ação e

sentença condenatória. Basta partir diretamente para a liquidação e execução da

sentença, observando-se os artigos 97 a 100 do Código de Defesa do Consumidor.317

Como o referido dispositivo legal dispõe que as “as vítimas ou seus

sucessores poderão proceder à liquidação e à execução” e não “deverão

proceder à liquidação e à execução”, pensamos que o legislador deixou uma

alternativa, uma faculdade às vítimas ou seus sucessores. Assim, não se há de

falar em falta de interesse de agir se algum indivíduo propuser ação individual

em face de algum réu, repetindo ação coletiva anteriormente ajuizada em que já

houvesse sentença de procedência do pedido transitada em julgado.

Do ponto de vista teórico, a matéria é discutível, tendo em vista o

amplo acesso à justiça previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Do

ponto de vista prático, ineficaz porque dificilmente algum réu vencido em ação

coletiva irá alegar coisa julgada, em ação de conhecimento, para beneficiar o

autor, porque estaria indicando o caminho para que este diretamente liquidasse

os danos pessoalmente sofridos.

6.3.1.2. A coisa julgada para os direitos e interesses coletivos

Em relação aos direitos coletivos, a coisa julgada será “ultra

partes” mas limitada ao grupo, categoria ou classe, tanto em caso de

procedência, quanto em caso de improcedência do pedido.

317“Se por exemplo, a ação civil pública que tenda à obrigação de retirar do mercado um produto nocivo à saúde

pública for julgada procedente, reconhecendo a sentença os danos, reais ou potenciais, pelo fato do produto, poderão as vítimas, sem necessidade de novo processo de conhecimento, alcançar a reparação dos prejuízos pessoalmente sofridos, mediante liquidação e execução de sentença coletiva, nos termos do art. 97 do Código. Se, porém, a ação civil pública for julgada improcedente, as vítimas e seus sucessores poderão normalmente intentar suas próprias ações reparatórias, a título individual, de acordo com o disposto no § 1º do art. 103” GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 827.

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Isto significa que somente o grupo de pessoas, a categoria ou

determinada classe substituída processualmente pelos legitimados se

beneficiarão dos efeitos da sentença. Por exemplo, uma determinada associação

ajuíza uma ação coletiva e pede que o pedido seja procedente somente para os

seus associados. Assim, apesar da procedência desta ação ser coletiva, somente

os referidos associados serão atingidos, e não a sociedade em geral.

Trata-se do mesmo sistema da coisa julgada em relação aos direitos

difusos, pois tanto nestes quanto nos direitos coletivos os titulares são

indeterminados. Nos direitos coletivos eles são, porém, determináveis. A

diferença entre a coisa julgada dos direitos difusos e coletivos é que naquele a

abrangência da autoridade da coisa julgada é muito maior, pois atinge toda a

sociedade, ao passo que nessa é limitada ao grupo, categoria ou classe.

Da mesma forma que nos direitos difusos, se o pedido for julgado

improcedente, a autoridade da coisa julgada impedirá que qualquer outro

legitimado proponha a mesma ação, vale dizer, com a mesma causa de pedir e

pedido em face daquele que figurou como réu no processo. Caso isso ocorra, o

réu poderá alegar exceção de coisa julgada e o juiz, se verificar essa ocorrência,

extinguirá o processo com fundamento no artigo 267, IV, do CPC.

Se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,

não haverá coisa julgada. Tanto o legitimado que ajuizou a ação, quanto outro

legitimado, em posse de nova prova, poderão repropô-la.

Os direitos individuais dos integrantes do grupo, da categoria ou

classe não serão atingidos pela improcedência do pedido, em quaisquer

hipóteses, por determinação legal constante no § 1º do artigo 103 do CDC.

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6.2.1.3. A coisa julgada para os interesses individuais homogêneos

A disciplina da coisa julgada para os direitos individuais

homogêneos está prevista no inciso III e § 2º do artigo 103 do CDC. Dispõe o

referido dispositivo legal que a sentença fará coisa julgada erga omnes, em caso

de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores.

Aparentemente a hipótese é simples, mas qual é o verdadeiro

alcance dessa hipótese legal? Em caso de improcedência, estariam os outros

legitimados que não ajuizaram a ação autorizados a reabrir a mesma

controvérsia judicial? Na verdade, existe posicionamento doutrinário

controverso a esse respeito.

Ibrahim Rocha, por exemplo, sustenta que somente a procedência

do pedido é que fará coisa julgada para beneficiar as vítimas e seus sucessores.

Na hipótese, nenhuma das partes, ou co-legitimados ou terceiros, poderia reabrir

judicialmente a discussão judicial, eis que alcançada pela blindagem da coisa

julgada.318 Caso o pedido seja julgado improcedente, não se há de falar em coisa

julgada material. Dessa forma, qualquer outro legitimado, exceto o vencido na

ação coletiva, poderia ajuizar nova demanda. A coisa julgada se operaria nos

moldes tradicionais, vale dizer, somente entre o autor e o réu. Todavia não

alcançaria os demais legitimados concorrentes à propositura da demanda.319

Ada Pellegrini pensa diferente. A autora vislumbra as seguintes

hipóteses: 1) o pedido da ação coletiva é julgado procedente. No caso, todos os

indivíduos que se encontrem na mesma situação jurídica que motivou a

propositura da ação se aproveitarão do julgado; 2) Se o pedido for julgado pelo

318ROCHA, Ibraim. Litisconsórcio, efeitos da sentença e coisa julgada na tutela coletiva. Rio de Janeiro:

Forense, 2002. p. 211. 319Id. Ibid.

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mérito, os demais legitimados ficarão atingidos pela autoridade da coisa julgada

e não poderão ajuizar nova demanda, ao contrário do que sustenta Ibraim Rocha.

Somente os indivíduos não teriam seus direitos atingidos, de forma que a via

judicial individual estaria aberta.320

Arruda Alvim tem entendimento semelhante ao de Ada Pellegrini

na hipótese de improcedência do pedido nas ações em que se tutelam direitos

individuais homogêneos. Para ele, a conclusão é de que os legitimados do artigo

82 estariam atingidos pelos efeitos da coisa julgada, ficando assim impedidos de

ajuizar nova demanda.321

Entendemos que assiste razão à corrente defendida por Ada

Pellegrini e Arruda Alvim. Com efeito, em caso de improcedência do pedido, os

outros legitimados legais previstos no artigo 82 do Código de Defesa do

Consumidor e no artigo 5º da Lei de Ação Civil Pública ficariam impedidos de

propor nova ação porque o legislador, nos incisos I e II do artigo 103 do CDC,

quando quis permitir que os legitimados repropusessem a ação em caso de

improcedência, o fez expressamente, hipótese admissível somente nos casos em

que a improcedência se der por insuficiência de provas e o legitimado, na

repropositura, apresentar prova nova.

Ademais, a questão referente à possibilidade de repropositura da

ação julgada improcedente por insuficiência de provas também suscita

controvérsia no caso dos direitos individuais homogêneos. De um lado, Ibrahim

Rocha afirma que o Código de Defesa do Consumidor não fez a ressalva, em se

tratando de direitos individuais homogêneos, da improcedência da ação por

insuficiência de provas, mas mesmo assim estariam os legitimados – inclusive o

vencido - diante de nova prova, habilitados a reingressar com a ação, “afinal

320GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto, cit., p. 825. 321ALVIM, Arruda. Notas sobre a coisa julgada coletiva, cit., p. 43.

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aqui teremos nova causa de pedir, e, afinal a mens legislatoris é permitir que

efeitos tão relevantes, concedidos por lei, não favoreçam o violador de tais

interesses de elevada significação social quando a improcedência da ação

ocorrer por insuficiência de elementos probatórios”.322

Ada Pellegrini, não vê essa possibilidade do ajuizamento de uma

nova ação se o motivo da improcedência foi o de insuficiência de provas. Isto

porque a lei não contemplou esta hipótese.323 Arruda Alvim pensa da mesma

forma, in verbis:

“O texto do art. 103, III, se literalmente lido, poderia suscitar dúvida. Isso porque, se aí se diz que há coisa julgada erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas..., poder-se-ia, a contrario sensu, concluir que, no caso de improcedência (já que o objetivo seria ‘apenas’ o de beneficiar), não ocorreria coisa julgada em relação à ação civil coletiva. Isso conduziria à implicação – se assim fosse, de que a mesma ação civil coletiva poderia ser novamente movida (por hipótese, em face de nova prova, tal como se passa com os incisos I e II do art. 103). Como a conclusão é dogmaticamente inaceitável, e tendo-se presente que, quando o legislador quis (e o fez quando o quis) excluir a ocorrencia de coisa julgada, o fez claramente (incisos I e II deste art. 103), deve-se entender que há sempre coisa julgada, no plano da ação coletiva e, também, para quem foi ‘litisconsorte’”324

O entendimento adotado pela segunda corrente é o melhor. Se o

legislador não previu a hipótese de nova propositura em casos de improcedência

da ação por insuficiência de provas quando se tutelam interesses individuais

homogêneos – e quando quis o fez, como bem disse Arruda Alvim - não se pode

auferir do silêncio legislativo hipótese legal de flexibilização da coisa julgada.

322ROCHA, Ibraim. op. cit., p. 212. 323GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto, cit., p. 825. 324ALVIM, Arruda. Notas sobre a coisa julgada coletiva, cit., p. 43.

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6.3.1.3.1. Os direitos individuais homogêneos e a condenação genérica do

artigo 95 do CDC

As ações que versam sobre direitos individuais homogêneos têm

natureza condenatória. Busca-se a condenação do réu à indenização de todos os

danos causados – e não os prejuízos sofridos – pelas vítimas.

Porém, diferentemente das ações onde se discutem direitos

essencialmente coletivos – e não os formalmente coletivos como o caso dos

direitos individuais homogêneos – onde a sentença além de condenar o réu

normalmente fixa o montante da indenização que será destinado a um fundo, no

caso presente, a condenação apenas fixará, de forma genérica, o dever de

ressarcir.325

Prescreve o artigo 95 do CDC – inserido no capítulo que cuida dos

direitos individuais homogêneos – que a sentença de procedência será

genérica326 e deverá fixar a responsabilidade do réu pelos danos causados.

Isso não significa que a sentença não seja certa. O Magistrado, no

dispositivo, deverá fixar exatamente quais os limites de responsabilidade do réu,

vale dizer, em quais hipóteses deverá ressarcir as vítimas. A sentença é certa,

mas ilíquida. Bem por isso será necessária uma fase de liquidação no processo

de execução, conforme prescreve o artigo 586, § 1º, do CDC.

A liquidação, que precede a execução propriamente dita, poderá ser

levada a cabo pelos entes legitimados do artigo 82. Nesta hipótese ocorreria

325VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros Ed., 2000. p. 125. 326“Ressalte-se que a sentença condenatória genérica não constitui exatamente novidade em nosso ordenamento.

O inciso II do art. 286 do CPC já previa a possibilidade de se formular pedido genérico, dentre outras hipóteses, ‘quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou fato ilícito’. E neste caso, a exemplo do ocorrido com a sentença condenatória proferida na ação coletiva para tutela dos interesses individuais homogêneos, o decisum somente fixará o debeatur, necessitando de posterior integração por meio do processo de liquidação”. VENTURI, Elton. op. cit. p. 125.

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representação processual, sendo necessária autorização de cada um dos

interessados. Ou ainda individualmente por cada pessoa vítima do evento ou

ainda por seus sucessores.

A ausência de legitimidade ativa é motivo para que o juiz julgue

extinta a liquidação, impedindo assim o prosseguimento da fase executória.

Releva notar que existe entendimento jurisprudencial afastando a possibilidade

de o Ministério Público representar as “vítimas e seus sucessores na busca de

reparações individualizadas”.327 328

A competência para liquidação é concorrente: tanto pode ser a do

mesmo juízo onde se processou a ação de conhecimento, quanto a do juízo do

foro do domicílio do liquidante, à luz do inciso I do § 2º do artigo 98 do CDC.

Caso a liquidação seja feita no foro do domicílio do liquidante é

necessária, além dos documentos que comprovem o nexo de causalidade entre

os fundamentos da sentença condenatória e a situação específica do liquidante, a

juntada de uma cópia da sentença condenatória e, se houver trânsito em julgado,

a respectiva certidão para demonstrar ao juiz que se trata de sentença definitiva.

A liquidação de sentença é procedimento que deve ser feito

observando-se o contraditório e a ampla defesa. Assim, deve ser feita a citação

do réu para que, querendo, ofereça resistência em relação à legitimidade e ao

montante pleiteado pelo liquidante. Haverá sentença sujeita à formação de coisa

julgada material. Desafia, portanto, o recurso de apelação.

327VENTURI, Elton. op. cit., p. 132. 328Nesse sentido pode-se citar decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região, no acórdão

9404263010, rel. Juiz Teori Albino Zavascki, julgamento em 16/03/95: “Ementa: Processo Civil. Ação Coletiva proposta pelo Ministério Público. Reajuste de proventos previdenciários e ação individual proposta pelo próprio segurado. Questão da litispendência. (...) O Ministério Público, na condição de substituto processual, não tem legitimidade para propor a ação de liquidação e execução da sentença genérica proferida na ação coletiva”.

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6.3.1.3.2. O prazo legal para habilitação

O artigo 100 do CDC dispõe o prazo legal de um ano após o

trânsito em julgado para que os interessados apresentem habilitação. Após esse

prazo, poderão os legitimados do artigo 82 promover a liquidação, bem como a

execução devida.

O prazo de um ano previsto na lei não é prescritível ou sujeito à

decadência. É apenas um marco para que os legitimados do artigo 82, em razão

da inércia de interessados, possam ingressar com a habilitação e posterior

execução. É que em muitos casos não são apresentadas habilitações ou o número

de interessados que o fazem é incompatível com a gravidade do dano.329

Na hipótese, plenamente justificável a habilitação por parte dos

legitimados legais para as ações coletivas para fixação do quantum devido pelo

réu, pois se isto não fosse possível, apesar da condenação imposta, não haveria

sanção aos infratores da lei. Neste caso, o produto da indenização será destinado

ao Fundo previsto pelo artigo 13 da Lei de Ação Civil Pública.

Mesmo após o prazo de um ano, os lesados individualmente

poderão habilitar-se na liquidação, ainda que algum legitimado legal tenha

apresentado habilitação coletiva, pois a lei não menciona, no artigo 100 do

CDC, qualquer prazo prescricional ou decadencial. Nessa hipótese, o magistrado

deverá fazer uma estimativa dos danos individuais e fazer uma compensação

entre o que será pago efetivamente aos lesados individualmente e o que será

329“O legislador brasileiro não descartou a hipótese de a sentença condenatória não vir a ser objeto de liquidação

pelas vítimas, ou então de os interessados que se habilitarem serem em número incompatível com a gravidade do dano. A hipótese é comum no campo das relações de consumo, quando se trate de danos insignificantes em sua individualidade, mas ponderáveis no conjunto: imagine-se, por exemplo, o caso de venda de produto cujo peso ou quantidade não corresponda aos equivalentes ao preço cobrado. O dano globalmente causado pode ser considerável, mas de pouca ou nenhuma importância o prejuízo sofrido por cada consumidor lesado. Foi para casos como esses que o caput do art. 100 previu a fluid recovery”. GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 793.

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destinado ao Fundo. Nesse sentido é o posicionamento de Ada Pellegrini

Grinover.330

O prazo para os indivíduos executarem a sentença genérica do

artigo 95 é o mesmo prazo prescricional estabelecido para o direito material no

qual se fundou o pedido de condenação.331

6.3.1.4. A indevida limitação dos efeitos da coisa julgada aos associados que

demonstrarem seu domicílio na data da propositura da ação

Por meio da Medida Provisória 2.180/2001, o Poder Executivo

introduziu o artigo 2º-A na Lei de Ação Civil Pública, com a seguinte redação:

“Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator”.

Mais uma medida do governo para abalar os alicerces das ações

coletivas; na verdade uma tentativa ineficaz de esvaziar a legitimidade das

330GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto, cit., p. 795. 331“De fato, inegável que sob o ponto de vista material tais pretensões não se consideram indivisíveis. O

tratamento coletivo emprestado às pretensões de obtenção de uma condenação genérica e, até mesmo, a uma liquidação dos danos individualmente suportados, não induz à transformação daquelas em supraindividuais. Tanto é assim que já se convencionou denominar o fenômeno da viabilidade da tutela coletiva às pretensões ditas individuais homogêneas como “acidentes de coletivismo”, o qual se restringe à instrumentalidade predisposta aos indivíduos no intuito da efetividade da proteção jurisdicional daqueles seus direitos homogeneizados. Desta forma, para a execução dos danos acarretados aos direitos individuais homogêneos, já devidamente fixado em título executivo, razão parece assistir àqueles que preconizam que deve a prescrição seguir o mesmo prazo prescricional estabelecido para o direito material (neste caso, de índole divisível) no qual tenha sido fundada a pretensão condenatória.” VENTURI, Elton. op. cit.

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associações e, por conseqüência, atingir os efeitos da coisa julgada restringindo-

os ao menor número possível de beneficiados.

O referido dispositivo legal é aplicado apenas quando a demanda é

proposta contra o Estado, uma vez que integra a Lei 9.494/97, que disciplina a

aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública.

Trata-se de privilégio concedido ao Estado que viola o princípio da

isonomia garantido pela Constituição Federal. Mas não é só: o referido

dispositivo legal também viola o princípio constitucional que garante acesso

efetivo à justiça (artigo 5º, XXXV), pois conforme ressalta Ada Pellegrini

Grinover, não se trata de uma prerrogativa que poderia beneficiar o Estado, mas

tão somente um obstáculo criado com a finalidade de dificultar o acesso à justiça

das associações que contra o Estado litigam.332

O referido dispositivo legal também é inconstitucional por se

chocar com o artigo 5º, XXI, da Constituição Federal, que dispõe:

“as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”.

A autorização a que o constituinte se refere é a genérica, estatutária

e não qualquer outro tipo de autorização como procuração ou autorização

individual. Até porque a hipótese é de substituição processual e não de

332“A restrição, que beneficia apenas o Estado, opera no âmbito do art.82, IV, do CDC, que legitima as ações

coletivas “as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear”. A exigência de autorização assemblear, acompanhada da relação nominal dos associados e da indicação dos respectivos endereços, que representa um obstáculo para o acesso das associações à justiça e que é limitada às demandas intentadas contra o Estado e suas entidades autárquicas e fundacionais, é uma clara demonstração de privilégio que não se coaduna com o princípio da igualdade processual, decorrente da isonomia garantida pela Constituição. Não se trata de prerrogativa, que poderia se justificar em face da complexa organização dos órgãos estatais ou paraestatais e que autoriza que se tratem desigualmente os desiguais. Nenhuma facilitação da atividade defensiva surgirá para o Estado dessa exigência, que tem apenas o intuito de dificultar o acesso à justiça das associações que contra ele litigam”.

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representação. Como o legislador constituinte não impôs qualquer outro

requisito aos associados para que pudessem ser substituídos em juízo, além da

autorização estatutária, o legislador ordinário não poderia fazê-lo.

Exatamente por isso pensamos que a limitação introduzida por

meio da Provisória 2.180/2001, com o objetivo de limitar os efeitos da coisa

julgada ao associados que demonstrarem seu domicílio na data da propositura

da ação, é inconstitucional.

Além disso, em se tratando de direitos difusos, não existe a

possibilidade de identificação de todos os lesados, até porque o que caracteriza

esses direitos é a indivisibilidade do objeto e a indeterminação dos sujeitos.

No caso dos direitos coletivos a identificação é até possível, mas

não sem um esforço hercúleo que desanimaria qualquer associação em

demandar em nome de seus associados.

Em se tratando dos direitos individuais homogêneos, a regra é

ineficaz, pois como explica Ada Pellegrini Grinover, a questão não é de eficácia

de sentença, mas de pedido. “E o âmbito de competência territorial do órgão

prolator é o definido no art. 93, II, do CDC, tendo o órgão prolator

competência nacional ou regional nos expressos termos do Código.”333

6.4. A tentativa de restrição territorial da coisa julgada em ações coletivas:

a alteração legislativa do artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública

Originalmente o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública tinha efeito

erga omnes, sem restrição alguma, com a seguinte redação:

333GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação civil pública refém do autoritarismo, cit., p. 9.

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"Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.

Todavia, por alteração legislativa introduzida pela medida

provisória 1.570/97, os efeitos erga omnes de que fala a lei foram restringidos

aos limites da competência territorial do órgão prolator, in verbis:

“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.

Sobre o tema, é conhecida a indignação de Ada Pellegrini Grinover.

Para ela, o executivo foi duplamente infeliz: primeiro pela multiplicação de

demandas desnecessárias que resultariam da limitação dos efeitos da coisa

julgada; segundo pela incompetência, porque a alteração é ineficaz em face da

interação existente entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação

Civil Pública. A alteração do artigo 16 da LACP sem a alteração do artigo 103

do CDC resulta em sua ineficácia, dada a vigência deste dispositivo legal. 334.

De fato, restringir territorialmente o alcance da ação coletiva depois

das conquistas levadas a cabo ao longo de décadas, que teve início com a Lei de

Ação Popular, seguida da Lei de Ação Civil Pública e Código de Defesa do

Consumidor, é um retrocesso inexplicável.

Trata-se de uma medida que vem na contramão da história,

totalmente em descompasso com as necessidades dos jurisdicionados e do

334GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto, cit., p. 818.

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próprio Poder Judiciário, que perde a chance de resolver os conflitos

molecularmente.

Mas como observado por Ada Pellegrini, a mudança legislativa é

ineficaz, tendo em vista que o artigo 103, que regula a sistemática da coisa

julgada no Código de Defesa do Consumidor, não foi alterado e os dois

diplomas legais, Lei de Ação Civil Pública e Código de Defesa do Consumidor,

estão inteirados por força do artigo 21 da Lei de Ação Civil Pública e 90 do

CDC.335

Além disso, a doutrina também vislumbra a inconstitucionalidade

da referida alteração legislativa por ofensa aos princípios do acesso à justiça,

razoabilidade e proporcionalidade e pelo fato de ter sido implementada por meio

de medida provisória. Nesse sentido é o posicionamento de Nelson e Rosa

Nery.336. Aloísio Gonçalves de Castro Mendes acrescenta a

inconstitucionalidade do referido dispositivo legal em razão da violação do

poder jurisdicional dos juízes.337

335Na doutrina de Rodolfo de Camargo Mancuso, “felizmente, como antes acenado, o sistema processual que

rege a jurisdição coletiva em matéria de interesses metaindividuais forma um todo integrado e intercomplementar: na parte processual do CDC distinguem-se as eficácias erga omnes e ultra partes da coisa julgada, em função do tipo de interesse metaindivual objetivado (art. 103, incisos e parágrafos, e art. 104) e, bem assim, faz-se o discrímen entre os danos local, regional e nacional (art. 93 e incisos), autorizando-se, por fim, o traslado de todo esse conjunto para o âmbito da Lei 7.347/85 (cf. art. 117 di CDC, que para tal acrescentou um artigo – n 21 – à Lei 7.347/85. Com isso, tecnicamente, fica ao menos circunscrito o equívoco decorrente da inovação advinda com a Lei 9.494/97, na medida em que uma interpretação ponderada e sistemática dos textos de regência evidencia que a compreensão da extensão da coisa julgada não podem ser delimitadas em função de território, que é critério determinativo de competência, justamente por isso invocado o art. 2º da Lei 7.347/85”. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, cit., p. 299.

336“A norma, na redação dada pela L 9494/97, é inconstitucional e ineficaz. Inconstitucional por ferir os princípios do direito de ação (CF 5º XXXV), da razoabilidade e da proporcionalidade e porque o Presidente da República a editou, por meio de medida provisória, sem que houvesse autorização constitucional para tanto, pois não havia urgência (...), nem relevância, requisitos exigidos pela CF 62 caput., NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 1366.

337“Todos os juízes são investidos na jurisdição, estando limitada tão somente a sua competência para conhecer, processar e julgar os processos. Por outro lado, a jurisdição é um poder, decorrente diretamente da soberania, razão pela qual guarda aderência sobre o território nacional, ainda quando o órgão seja estadual. As regras de competência fixarão, sim, quem deva ser o responsável pelo processo, não se prestando, portanto, para tolher a eficácia da decisão, principalmente sob o prisma territorial”. MENDES, Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 265.

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Isso sem contar que restringindo os efeitos da coisa julgada aos

limites territoriais do órgão prolator da sentença, muitas ações sobre o mesmo

objeto teriam que ser propostas quando o dano fosse interestadual ou nacional.

Acontece que nesta hipótese ocorreria litispendência, que faria com que o

processo fosse extinto sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, V,

do CPC.

Vê-se que muitos são os argumentos jurídicos existentes para

afastar a limitação territorial dos efeitos erga omnes da sentença: o art. 16 da Lei

9.494/97 é inconstitucional por ferir os princípios do acesso à justiça e

proporcionalidade e razoabilidade; aplica-se à espécie o artigo 103 do CDC; o

legislador fez confusão entre competência e coisa julgada; em caso de limitação

territorial dos efeitos da coisa julgada, outras ações sobre o mesmo objeto teriam

que ser propostas, o que ensejaria a ocorrência da litispendência, não aceita pelo

sistema.

Do ponto de vista prático, em muitos casos, a indigitada alteração

legislativa seria um verdadeiro antídoto à eficácia da coisa julgada, tornando

inócua a defesa coletiva dos direitos.

O problema é que o Superior Tribunal de Justiça já aplicou a

restrição territorial dos efeitos da coisa julgada prevista no artigo 16 da Lei de

Ação Civil Pública.

No Recurso Especial n.º 253.589, por exemplo, onde figuram como

partes o IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e o Banco Itaú e

se discute, numa ação civil pública, direitos individuais homogêneos de todos os

poupadores do país relativas às perdas inflacionárias ocorridas em janeiro de

1989, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, em voto vencedor, sobre o alcance da

coisa julgada, sustentou:

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“(...) f) quanto aos efeitos, quer o Banco fiquem limitados aos contratos celebrados no âmbito da jurisdição do Tribunal.

Também aqui procede a irresignação, nos termos da Lei 9494/97, do seguinte teor:

“Art. 2º. O artigo 16 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a figurar com a seguinte redação:

´Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.

Muito se tem discutido sobre a ação civil pública, o foro competente quando interessa a mais de um estado e o efeito erga omnes da sentença de procedência. Na situação atual, tenho que a melhor solução é a que permite a propositura da ação perante o juiz estadual, ainda quando houver interesse de cidadãos residentes em mais de um estado, com limitação da eficácia erga omnes ao território do tribunal que julgar o recurso ordinário.

A solução tem o inconveniente de exigir o ajuizamento da mesma ação em mais de um Estado, ao mesmo tempo em que não dá eficácia geral ao julgamento proferido em juízo sobre uma relação jurídica que se repete em muitos lugares do país.

Ocorre que as desvantagens de entendimento diverso são maiores: a exigência de propositura da ação em Brasília, para demandas com reflexo em mais de um Estado, dificultaria sobremaneira o acesso à justiça e limitaria a um juízo – muitas vezes distante da realidade da causa – a decisão sobre os interesses coletivos de todo o país”. (grifamos)

Da citada decisão o IDEC interpôs embargos de divergência, que

aguarda julgamento. O acórdão utilizado para demonstrar a divergência foi o

proferido no Resp nº 294.021/PR, tendo por recorrente a Fazenda Nacional e

recorrida a Associação Paranaense de Defesa do Consumidor – APADECO,

onde os Senhores Ministros da Primeira Turma firmaram entendimento pela

aplicação do artigo 103 do CDC ao invés do artigo 16 da Lei de Ação Civil

Pública. Do voto do Ministro Relator José Delgado foram extraídos os seguintes

trechos:

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“(...) O argumento de que a extensão de eficácia erga omnes somente é cabível nas hipóteses previstas originalmente na Lei nº 7.347/85 cai por terra diante da autorização expressa para interação entre a Lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor (art. 21 da Lei 7.347/85, com a redação que lhe foi dada pelo art. 117, da lei nº 8.078/90). Assim, afasta-se a alegação de incompetência do Juízo da 4º Vara Federal de Curitiba para a concessão de amplitude territorial à sentença, porquanto tal amplitude está prevista no ordenamento jurídico nos arts. 16, da Lei nº 7.347, e 103, da Lei nº 8.078/90, e é efeito da sentença em ação deste gênero.

Nesse sentido, os ensinamentos da renomada Professora Ada Pellegrini Grinover (A ação civil pública e a defesa de interesses individuais homogêneos in Revista de Direito do Consumidor – Pareceres, v. 5, p. 206-229) em questão análoga:

‘(...)

57. Afirma, ainda, a r. decisão de 1º grau que a sentença proferida na demanda posta pelo IDEC não poderia beneficiar todos os cidadãos...

(...) A questão, entretanto, não é de jurisdição, ou competência, mas de limites subjetivos da coisa julgada.

Não se discute que a competência do juiz federal e a dos Tribunais Regionais Federais está limitada, respectivamente, ao Estado e à Região. Mas não se trata, no caso, de estender a competência, que será rigorosamente observada. O fato é que a sentença, proferida pelo juiz federal de São Paulo, no âmbito de sua competência constitucional, atingirá, com sua autoridade, todas as pessoas que se encontrem na mesma situação, independentemente do local de seu domicílio”.

Ademais, com o advento do Código de Defesa do Consumidor,

vários dispositivos da Lei de Ação Civil Pública foram revogados tacitamente.

Foi o que aconteceu com o artigo 16 da LACP, que cuida da coisa julgada, já

que a matéria passou a ser tratada exclusivamente pelo artigo 103 da legislação

consumerista. Assim, a reforma levada a cabo pelo legislador, pretendendo

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restringir os efeitos da coisa julgada com a nova redação do artigo 16 da Lei de

Ação Civil Pública, é ineficaz.338339

Releva notar que tramita no Congresso Nacional o Projeto de

Emenda Constitucional 358/05, que trata da Reforma do Judiciário, propondo,

entre outras, a alteração do artigo 105 da Constituição Federal, com a criação de

seu parágrafo segundo, in verbis:

“Art. 105

(...) § 2º. Estabelece competência ao Superior Tribunal de Justiça para definir a competência do foro e a extensão territorial da decisão, nas ações civis públicas e nas propostas por entidades associativas na defesa de seus associados, quando a abrangência da lesão ultrapassar a jurisdição de diferentes Tribunais Regionais Federais ou de Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal e Territórios.”

Se o Projeto de Emenda Constitucional for aprovado e o artigo 105

da Constituição Federal contiver a redação supra, o direito coletivo levará duro

golpe, haja vista a possibilidade legal de restrição dos efeitos da coisa julgada

338“Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a matéria pertinente aos efeitos do julgamento e da

coisa julgada passou a ser regulada inteiramente pelo art. 103, na medida em que instituiu sistema consentâneo com a nova divisão tripartite dos interesses coletivos, nada mais podendo ser aproveitado do art. 16 da Lei 7.347/85, razão pela qual é de se considerar o mesmo revogado, com fulcro no artigo 2º, § 1º, parte final, da Lei de Introdução ao Código Civil. Desse modo, houve manifesto equívoco do legislador ao pretender dar nova redação a dispositivo que não se encontrava mais em vigor”. MENDES, Aloísio Gonçalves de Castro. op. cit., p. 264. No mesmo sentido Patricia Miranda Pizzol: “as ações coletivas submetem à jurisdição coletiva e, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, vários dispositivos da Lei 7.347/85 foram revogados tacitamente (por exemplo, art. 3º da LACP, revogado pelo art. 83 do CDC). Isso aconteceu, também, com o art. 16 da LACP. É o que afirmam Nelson Nery Junior e Aluisio Gonçalves de Castro Mendes. Assim, estando revogado tacitamente o art. 16 da LACP, a sua alteração pela Lei 9494/97 foi completamente inócua, ineficaz.” PIZZOL, Patricia Miranda. A competência no processo civil, cit, p. 587.

339No mesmo sentido Nelson Nery Junior: “A LACP 16, com a redação que lhe foi dada pela L 9494/97, além de ser inconstitucional por vício formal (adveio de medida provisória editada sem urgência e relevância da matéria) e material (ofende os princípios constitucionais do direito de ação, da proporcionalidade e da razoabilidade), é um nada jurídico porque “alterou” (expressões textuais da L 9494/97) a redação de um dispositivo legal (LACP 16) que não mais existia porque havia sido tacitamente revogado (LICC 2º § 1º) pelo CDC 103, dispositivo legal esse que tratou completamente da matéria da coisa julgada, abrangendo os direitos difusos (CDC 103 I) e coletivos (CDC 103 II), tratados anteriormente pela LACP 16, e, ainda, os individuais homogêneos (CDC 103). Em vez de “alterar” a LACP 16, deveria a L 9494/97 “incluir” na LACP um novo art. 16, porque o anterior não mais existia, revogado tacitamente que fora pelo CDC 103. Por esta razão prevalece o CDC quanto à coisa julgada na ação coletiva, em detrimento da LACP 16, que não tem nenhuma aplicação no direito brasileiro”. NERY JÚNIOR, Nelson. Prefácio. In: ALMEIDA, Gregório Assagra de. op. cit., p. XXV).

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que poderá ser levada a cabo pelo Superior Tribunal de Justiça. Sem dúvida

alguma a reforma, nesse passo, representa retrocesso inexplicável da conquista

dos direitos coletivos já efetivadas no nosso país.340

6.5. A formação da coisa julgada em processos extintos sem julgamento de

mérito

Questão de relevo que merece ser abordada é a referente à

formação da coisa julgada formal em razão da extinção do processo sem

julgamento de mérito. Na hipótese, estaria vedada a propositura de uma nova

ação em razão da formação da coisa julgada?

Para responder a esta questão, é necessário observar o que dispõem

os arts. 267, que cuida das hipóteses de extinção do processo sem julgamento de

mérito341, e o 268, ambos do Código de Processo Civil. Este diz, in verbis:

340No V encontro Nacional do Ministério Público do Consumidor, realizado na cidade de Natal, em agosto de

2005, uma das conclusões foi a seguinte: “A tentativa de alteração do sistema de competências adotado pelo Código de Defesa do Consumidor devem ser repudiadas pela sociedade civil, especificamente quanto aquela que é o objeto da PEC nº 358/05, que pretende alterar o art. 105, § 2º da CF, outorgando ao STJ o poder de decidir acerca da eficácia territorial de duas ou mais sentenças prolatadas por órgãos jurisdicionais com competência distinta acerca da mesma questão, devendo prevalecer a tese de que a competência é daquele juízo que primeiro houver conhecido da matéria.” ASSOCIAÇÃO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO CONSUMIDOR. Disponível em: <www.mpcon.org.br>. Acesso em: 20 set. 2005.

341Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento de mérito: I - quando o juiz indeferir a petição inicial; II- quando ficar parado durante mais de um (1) ano por negligência das partes; III - quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de (30) dias; IV- quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo; V- quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência e coisa julgada; VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual; VII - pela convenção de arbitragem; VIII - quando o autor desistir da ação; IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal; X - quando ocorrer confusão entre autor e réu; XI - nos demais casos previstos neste Código;

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“Art. 268. Salvo o disposto no art. 267, n. V, a extinção do processo não obsta a que o autor intente de novo a ação. A petição inicial, todavia, não será despachada sem a prova do pagamento ou do depósito das custas e honorários de advogado.

Parágrafo único. Se o autor der causa, por três (3) vezes, à extinção do processo pelo fundamento previsto no n. III do artigo anterior, não poderá intentar nova ação contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada, entretanto, a possibilidade de alegar em defesa o seu direito”.

Da letra da lei extrai-se o entendimento no sentido de que havendo

a extinção de um processo sem julgamento de mérito e operando-se a coisa

julgada formal (impossibilidade de rediscutir a decisão no mesmo processo), o

autor poderia ajuizar nova ação, ainda que contra o mesmo réu, com a mesma

causa de pedir e mesmo pedido. Todavia, não é este entendimento que vem

prevalecendo no Superior Tribunal de Justiça.

Com efeito, por ocasião do julgamento do RESP 191.194-SP, a 4ª

Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça entendeu não ser possível a

repropositura de uma ação, quando a ação anterior foi extinta sem julgamento de

mérito por ausência de interesse processual.342

§ 1º. O juiz ordenará, nos casos dos ns. II e III o arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em quarenta e oito horas. § 2º. No caso do parágrafo anterior, quanto ao n. II, as partes pagarão proporcionalmente as custas e, quanto ao n. III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e honorários de advogado (art. 28). § 3º. O juiz conhecerá de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI; todavia, o réu que não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas do retardamento. § 4º. Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação”.

342No relatório do Resp 191.934, o Ministro Relator Barros Monteiro destacou a ementa da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, por ocasião do julgamento da apelação: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ajuizamento de outra idêntica após ter sido outra extinta considerada inadequada para a hipótese, ante a possibilidade da individualização do direito cabente a cada um daqueles que eventualmente experimentaram prejuízo. Decisão que transitou em julgado – Se extinto o processo por faltar-lhe algum pressuposto processual, somente será possível ao autor repropor a mesma demanda uma vez superado o defeito no processo extinto. – O que o texto legal permite é a repropositura de nova ou de outra ação, não intentar de novo a mesma ação, pois a expressão “intentar de novo a ação”, comum nos artigos 28 e 268 do CPC, e empregada no sentido processual significa a vinda de outra instância da mesma relação jurídica processual, que se desfez pela extinção da anterior. – Quem teve a demanda extinta, considerado carecedor de ação, somente poderá intentar outra semelhante, desde que corrigido o defeito que acarretou a extinção da lide – Não é possível, utilizando-se dos mesmos fundamentos, em nome das mesmas pessoas e, contra o mesmo réu, renovar a mesma ação até encontrar, quiçá, um Juízo favorável – Recurso provido, invertidos os ônus da sucumbência”. (fls. 524).

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O Ministro Relator Barros Monteiro entendeu, citando doutrina

autorizada, que a repropositura da ação não é imediata. Ele pode ajuizar nova

ação, desde que corrija “o defeito que acarretou a extinção anômala da lide

anterior”343. No mesmo acórdão, o Ministro Cesar Asfor Rocha, em voto-vista,

esposou entendimento de que sentença que indefere a inicial, julgando extinto o

processo, sem julgar o mérito, pela falta de uma das condições da ação, faz

trânsito julgado material, caso a parte não apresente recurso no prazo legal.344

343Eis a íntegra do voto do Sr. Ministro Barros Monteiro (Relator) “A presente ação é reprodução integral de uma

anterior, proposta perante o Juízo da 25ª Vara Cível da Comarca da Capital, cuja inicial fora indeferida por falta de interesse processual, em face da inadequação da ação civil pública na hipótese vertente, em que perfeitamente possível a individualização do direito de cada um daqueles que eventualmente experimentaram prejuízo. Conforme mencionou o il. Desembargador Revisor, em 28 de junho de 1.993, o autor fez distribuir de novo a ação anteriormente intentada, agora junto à 31ª Vara Cível, elaborada a inicial em computador, sem uma só letra diversa da demanda precedente (fls. 529). A despeito de reconhecer tal circunstância, o IDEC sustenta a admissibilidade da propositura da mesma ação, ao argumento de que o processo anterior foi declarado extinto sem apreciação do mérito, não se tendo operado, portanto, a coisa julgada material, mas apenas a formal. Daí a sua argüição de contrariedade aos artigos 267 e 268, “caput”, da lei processual civil. Entretanto, tal como anota o em. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira em sede doutrinária, “o caput (do art. 268), em sua 1ª parte, deve ser interpretado com ressalvas, haja vista que há outros casos que obstam a renovação na propositura da ação (v.g., inc. IX)” (TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Código de Processo Civil anotado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 193). Assim realmente o é. Para Theotônio Negrão, nem sempre prevalece a única ressalva inserta no “caput” do indigitado art. 268 do CPC, havendo outras alternativas em que não poderá ser proposta a mesma ação: “se a ilegitimidade de parte for ativa ou se falta interesse processual ao autor não poderá propor nova ação” (NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual civil em vigor. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 332). Bem expressivo e esclarecedor a propósito do tema mostra-se o escólio de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, para quem “como a sentença de extinção do processo sem julgamento de mérito (CPC 267) não faz coisa julgada material, a lide objeto daquele processo não foi julgada, razão pela qual pode ser reproposta a ação. A repropositura não é admitida de forma automática, devendo implementar-se o requisito faltante que ocasionou a extinção do processo. Por exemplo: processo extinto por ilegitimidade de parte somente admite repropositura, se sobrevier circunstância que implemente essa condição da ação faltante no processo anterior. Do contrário, a repropositura pura e simples, sem essa observância, acarretaria nova extinção do processo sem julgamento do mérito por falta de interesse processual (CPC 267 VI)” (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 739). A orientação jurisprudencial desta Casa não discrepa. Ao apreciar o RESP nº 45.935-4/SP, relator Ministro Nilson Naves, a C. Terceira Turma assentou: “Intentar de novo a ação. Não é lícito que o autor intente de novo a ação, quando lhe tenha faltado interesse processual para a anterior. Identidade de ações. Hipótese em que não houve ofensa ao art. 268 do Código de Processo Civil”. Tal como enfatizou o voto condutor da decisão recorrida, a entender-se de modo contrário, poderia o autor repetir a mesma ação quantas vezes quisesse, até encontrar, quiçá, um Juízo que viesse admitir a viabilidade do remédio judicial eleito. Escorreita, pois, a asserção do v. julgado no sentido de que poderá o autor intentar outra demanda semelhante, desde que corrigido o defeito que acarretou a extinção anômala da lide anterior. Renovar a mesma causa, ipsis litteris, não é possível, daí por que, no caso, não há falar-se em ofensa aos dois dispositivos citados no diploma processual civil. Do quanto foi exposto, não conheço do recurso”. (RESP 191.934- SP. Julgado em 21 de setembro de 2.000)

344Trecho do voto-vista do Ministro Cesar Asfor Rocha: “(...) Pedi vista dos autos para melhor exame da matéria, após o que de logo registro que acompanho integralmente Sua Excelência o eminente Relator.

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O entendimento acima do Superior Tribunal de Justiça não é o

melhor aplicado à espécie. Ora, o legislador explicitamente admite, no caput do

artigo 268 do CPC a hipótese do ajuizamento de uma nova ação – o que afasta

de plano a ocorrência da coisa julgada material em caso de não interposição de

recurso. E para que a nova ação possa ser proposta, não há nenhuma exigência

de que o defeito apontado na sentença que extinguiu o processo sem julgamento

de mérito tenha que ser sanado. O único requisito legal é que o autor instrua a

petição inicial com o comprovante de recolhimento das custas processuais e

honorários de advogado.

6.6. A coisa julgada no mandado de segurança coletivo

Faz coisa julgada erga omnes a decisão proferida em mandado de

segurança coletivo desde que o mérito da segurança tenha sido apreciado, por

força do artigo 16 da Lei do Mandado de Segurança, que dispõe:

A controvérsia está cingida à discussão sofre os efeitos da sentença que indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem julgamento de mérito, por ilegitimidade passiva para a causa da instituição financeira, contra a qual não houve a interposição de qualquer recurso. O IDEC defende a tese abraçada em primeira instância, bem como pelo douto órgão ministerial oficiante nesta sede, no sentido de que, a teor do art. 267, VI e 268 do CPC, a decisão que extinguiu o processo, sem julgamento de mérito, faz coisa julgada meramente formal, podendo a ação ser novamente proposta. Por sua vez, o banco aduz a ocorrência de verdadeira coisa julgada material, estando preclusa a questão da legitimatio ad causam, que não poderá mais ser objeto da discussão. Tenho por mais correta a segunda posição. A princípio, numa interpretação meramente literal dos dispositivos supracitados, poder-se-ia chegar à conclusão de que a extinção do processo sem julgamento do mérito, em qualquer das hipóteses do art. 267 do CPC, não obstaria ao autor o novo ajuizamento de idêntica demanda, salvo no caso do inciso V, por expressa exceção legal, disposta no caput do subseqüente artigo 268. Ressalvo, entretanto, que se afigura admissível o ajuizamento de nova ação, nos termos do art. 267 do Código de Processo Civil, desde que haja a devida correção da deficiência anteriormente verificada, o que conduz a que a Segunda ação seja apenas semelhante à anterior, podendo estampar as mesmas partes, pedido ou causa de pedir. Não poderá, todavia, ser idêntica à anteriormente ajuizada, ou seja, com igualdade concomitante de partes, pedido e causa de pedir, sob pena de flagrante litispendência, caso não extinto o primeiro processo, ou de ofensa à coisa julgada materialmente julgada, se já extinto aquele, como ocorreu na espécie. Desta feita, entendo que se a sentença que indefere a petição inicial e julga extinto o processo, sem o julgamento do mérito, pela falta de uma das condições da ação, qual seja, a legitimidade passiva para a causa, faz trânsito em julgado material, se a parte deixar transcorrer em branco o prazo para a interposição do recurso cabível”. RESP 191.934-SP, julgado em 21 de setembro de 2.000.

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“Art. 16. O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito”.

Assim, o primeiro passo é compreender o julgado. Se a segurança

foi concedida, fará coisa julgada erga omnes. Se a segurança foi denegada

porque o juiz diante das provas apresentadas se convenceu da inexistência de

lesão ou ameaça de lesão por parte da autoridade tida como coatora, a decisão

também fará coisa julgada erga omnes. Em casos tais, ficam os legitimados

coletivos impedidos de impetrar novo mandado de segurança, mas o indivíduo

não perde o direito de fazê-lo. Trata-se de coisa julgada secundum eventum litis.

Todavia, se o mérito não foi apreciado, seja porque a petição inicial

foi tida como inepta, faltou alguma condição da ação ou pressupostos

processuais, não haverá formação de coisa julgada, podendo o mesmo

legitimado ou co-legitimado repropor o mandado de segurança. Se a segurança

foi denegada por insuficiência de provas, o mandado de segurança também

poderá ser reproposto, pois neste caso houve negação do direito líquido e certo,

mas não do mérito propriamente dito.

Para o entendimento da coisa julgada no mandado de segurança

deve-se também levar em conta o artigo 15 da Lei 1.551/51, que dispõe:

Art. 15. A decisão do mandado de segurança não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais.

Ademais, a Súmula 304 do STF, que dispõe: “decisão denegatória

do mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não

impede o uso de ação própria”.

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Caso o mandado de segurança tenha sido apreciado e a segurança

denegada, a coisa julgada formal e material formada não impede que o

impetrante, diante de novas provas, ajuíze processo comum. Esse é o

entendimento adotado por Ada Pellegrini Grinover, com o qual concordamos.345

Decisões administrativas, como sempre, não fazem coisa julgada.

Dessa forma, mesmo que já haja decisão administrativa sobre o ato inquinado de

abusivo ou ilegal, a via judicial poderá ser percorrida, podendo o impetrante,

diante de direito líquido e certo, impetrar o competente mandado de

segurança.346

Aplica-se o artigo 103 do CDC ao mandado de segurança coletivo

em razão da interação do Título III (parte processual) do Código de Defesa do

Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública.

6.7. A coisa julgada na ação popular

A coisa julgada na ação popular é erga omnes. Procedente ou

improcedente, uma vez que o ato supostamente lesivo ou ilegal tenha sido

apreciado pelo Poder Judiciário e sobre ele tenha decisão definitiva, a blindagem

345“Com efeito, em matéria de mandado de segurança, em que o pedido do impetrante deve basear-se em prova

documental, de regra juntada com a petição inicial, a sentença de rejeição faz coisa julgada, formal e material, mas não preclui a via do processo comum, em que o pedido se baseie em outras provas (art. 15 da Lei 1.533/51)” GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 98, n. 361, p. 10, maio/jun. 2002.

346Nesse sentido pode-se citar a seguinte jurisprudência: ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – TRANSPORTE COLETIVO INTERESTADUAL – PERMISSÃO E CONCESSÃO – AJUSTE DE ITINERÁRIO – COISA JULGADA E PRECLUSÃO – RECURSO HIERÁRQUICO – INVALIDAÇÃO DE ATO PRETÉRITO – DEVIDO PROCESSO LEGAL – CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGOS 37, § 6º, E 175 – DECRETO Nº 952/93 (ARTS 89, 90 E 91) – SÚMULA 473/STF – 1. Inexistência de "coisa julgada administrativa" (formal ou material) oponível erga omnes. No sentido processual só concretiza-se nos julgados judiciais (arts. 467, 471 e 473, CPC). A preclusão cinge-se à extinção do direito de praticar o ato. No caso, à parla de recurso interposto por terceiro interessado, não ficou demonstrada a intempestividade. (...).(STJ – MS 5611 – DF – 1ª S. – Rel. Min. Milton Luiz Pereira – DJU 29.03.1999 – p. 58).

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da coisa julgada impede que novas ações sejam propostas por outros cidadãos. E

nem poderia ser diferente, tendo em vista que o bem tutelado é indivisível.

Exceção a essa regra ocorre quando a ação foi julgada improcedente por

“deficiência de prova” (artigo 18 da Lei 4.717/65).

Registre-se que foi a Lei de Ação Popular que, pela primeira vez,

previu a exceção da improcedência do pedido por deficiência de prova, hipótese

em que não haverá formação da coisa julgada material. Nesse passo, pertinente é

o magistério de Ada Pellegrini Grinover:

“A coisa julgada é erga omnes, nas hipóteses em que o bem afetado pela ação popular é um bem indivisivelmente considerado, apenas com o abrandamento de não existir a coisa julgada quando houver o non liquet, quando o juiz deixar de decidir a causa em virtude da insuficiência de provas. Este foi o primeiro passo do legislador brasileiro, numa solução diferenciada quanto aos limites subjetivos da coisa julgada. E esse passo foi seguido na Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/85) que estabeleceu exatamente o princípio da coisa julgada erga omnes, com o mesmo temperamento da inexistência da coisa julgada quando a sentença fosse pela improcedência por insuficiência de provas, podendo então a ação ser repetida”.347

Por fim, importante disposição traz o caput do artigo 19 da Lei de

Ação popular em relação à coisa julgada. Dispõe o referido dispositivo legal:

“Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita a duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação com efeito suspensivo”.

Assim, em caso de carência de ação ou improcedência do pedido,

não haverá formação de coisa julgada, salvo após confirmação pelo Tribunal.

347GRINOVER, Ada Pellegrini. A coisa julgada perante a Constituição, a Lei da Ação Civil Pública, o Estatuto

da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor. In: LIVRO de Estudos Jurídicos 5. Rio de Janeiro, 1992. p. 410.

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Isso porque a lei confere, nos casos citados, o duplo grau de jurisdição

obrigatório. Isso significa que nas hipóteses apontadas, ainda que o autor não

recorra, os autos subirão ao Tribunal automaticamente e somente após o

julgamento pela Corte e esgotada a via recursal é que haverá formação da coisa

julgada formal ou material, consoante o processo tenha sido julgado extinto por

carência de ação ou no mérito pela improcedência, respectivamente.

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7. A LITISPENDÊNCIA E AS AÇÕES COLETIVAS

7.1. A ocorrência da litispendência e o instituto da coisa julgada

O Código de Processo Civil cuida da ocorrência da litispendência

nos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 301, in verbis:

“Art. 301

§ 1º. Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.

§ 2º. Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

§ 3º. Há litispendência, quando se repete ação que está em curso; há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso”.

Verifica-se, portanto, que existe semelhança e diferença entre a

coisa julgada e a litispendência. A semelhança advém do fato de que em ambos

os casos haverá ajuizamento de uma ação idêntica a outra que já foi ajuizada. A

diferença é que, enquanto na coisa julgada se propõe uma ação anteriormente

julgada (e com a sentença atingida pela autoridade da coisa julgada), a

litispendência ocorre quando se propõe uma demanda idêntica a outra que ainda

está em curso.

Em ações individuais é relativamente fácil constatar a ocorrência da

litispendência. Basta que o mesmo autor proponha uma ação com a mesma

causa de pedir e pedido idênticos a uma ação anteriormente ajuizada e que ainda

esteja em curso. As ações coletivas têm regramento próprio em relação à

ocorrência da litispendência. Senão vejamos:

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7.2. A litispendência entre ações individuais e coletivas

O Código de Defesa do Consumidor expressamente diz que não

ocorre a litispendência entre ações individuais e entre ações coletivas onde se

discutam direitos difusos e coletivos estrito senso (artigo 104)348.349

E a letra da lei tem razão de ser. Como dito alhures, somente

ocorrerá litispendência quando for proposta uma ação idêntica a outra já em

curso. Os critérios que permitem auferir se uma ação é idêntica a outra residem

na análise da tríplice eadem (partes, causa de pedir e pedido).350

No caso onde se discutem interesses difusos e coletivos é muito

fácil verificar que inexiste identidade de pedido. Enquanto nas ações coletivas

busca-se a reparação de um bem indivisível, nas ações individuais postula-se a

reparação pessoal do demandante pelos prejuízos sofridos.

Todavia, a lei não fala que não ocorrerá litispendência entre ações

individuais e ações coletivas onde se discutam direitos individuais homogêneos.

348“Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II, do parágrafo único, do artigo 81, não induzem

litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva”.

349“AÇÕES COLETIVAS E INDIVIDUAIS – LITISPENDÊNCIA – INEXISTÊNCIA – APLICABILIDADE DO ARTIGO 104, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – Existência de ação coletiva, em que o sindicato obreiro atua na qualidade de substituto processual, não impede que o Autor intente ação individual, com pedido idêntico. Não há litispendência, aplicando-se o disposto no Código de Defesa do Consumidor (art. 81 e 104). Direitos coletivos e individuais homogêneos, não disciplinados especificamente, regulamentam-se pelas normas do Código de Defesa do Consumidor. Das ações coletivas a que se refere o artigo 104 do CDC também faz parte, pela sua natureza, o dissídio coletivo, merecendo tratamento idêntico ao que o CDC deu em casos de litispendência, para as ações individuais. Adoção de ações coletivas nas relações de consumo teve inspiração nas ações coletivas já reguladas pela CLT desde 1946. Sem propósito, portanto, aplicar ao consumidor regra que se inspirou em leis trabalhistas e não dar o mesmo tratamento ao trabalhador. (TRT 9ª R. – RO 07115-2001 – (06514-2002) – 2ª T. – Relª Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu – DJPR 05.04.2002)”

350LITISPENDÊNCIA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – A litispendência, segundo o conceito legal, é a repetição de uma ação anteriormente ajuizada, tendo as mesmas partes, os mesmos pedidos e a mesma causa de pedir – artigo 301, §§ 1º e 2º, do CPC. Caso em que o art. 104 do Código de Defesa do Consumidor prevê que as ações coletivas não induzem litispendência para as ações individuais. (TRT 4ª R. – RO 01284.003/00-0 – 4ª T. – Rel. Juiz Ricardo Gehling – J. 10.10.2002).

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Entretanto, pode-se afirmar, com segurança, que mesmo na hipótese

supra não ocorrerá litispendência, uma vez que novamente não há coincidência

dos objetos da ação coletiva e da individual.351 Ada Pellegrini Grinover

acrescenta o argumento de que “o legislador teve que dizer expressamente que a

sentença coletiva do inciso III do artigo 103 não prejudica os interessados a

título individual (§ 2º do artigo 103).352

Na hipótese supra ocorrerá continência. Segundo o artigo 104 do

CPC, “Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade

quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo,

abrange o das outras”.

Ada Pellegrini explica porquê ocorreria continência entre o

legitimado legal e o substituído processualmente no caso da defesa dos

interesses individuais homogêneos.

“Com relação às partes, há coincidência perfeita dos sujeitos passivos e, quanto aos sujeitos ativos, a identidade resulta da circunstância de que o legitimado à ação coletiva é o adequado representante de todos os membros da classe, sendo portador, em juízo, dos interesses de cada um e de todos. Talvez se possa falar, na espécie, de uma nova hipótese de continência, a aplicar-se também aos sujeitos ativos, porquanto a parte ideológica, portadora em juízo dos direitos ou interesses individuais homogêneos, abrange a todos os seus titulares. A identidade da causa de pedir é evidente. E o objeto da ação coletiva, mais amplo, abrange o das ações individuais”.353

Em ocorrendo a continência, o juiz, de ofício ou a requerimento da

parte, poderá determinar a reunião dos processos para que sejam julgados

simultaneamente, nos termos do artigo 105, do CPC.354

351MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 197. 352GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto, cit., p. 831. 353Id. Ibid., p. 832. 354“Art. 105. Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode

ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente”.

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7.3. A litispendência entre processos coletivos

Em tese pode haver litispendência entre duas ações coletivas. É o

que ocorre, por exemplo, se um legitimado legal ingressar com uma ação na

defesa de um bem difuso e um outro legitimado o tiver feito e a ação ainda se

encontrar em curso.

Imagine que uma indústria lance dejetos industriais no rio que corta

sua cidade e que irá banhar outras tantas pela frente até desembocar no oceano.

Uma das descargas poluidoras foi considerada a razão determinante de uma

mortantade expressiva de peixes. O Promotor de Justiça da cidade,

representando o Ministério Público, ingressa com uma ação civil pública para

condenar a empresa ré à instalação de filtros anti-poluição, bem como a

indenização pelos danos causados. Posteriormente, com a ação ministerial ainda

em curso, uma nova ação civil pública é ajuizada por uma associação civil de

defesa do meio ambiente, com a mesma causa de pedir e idêntico pedido.

Evidentemente estamos diante da hipótese legal de litispendência. O juiz do

segundo processo poderá reconhecer a litispendência e extinguir o processo sem

julgamento de mérito.

Todavia, se a natureza do direito é diferente, mesmo na hipótese de

estar-se diante da mesma causa de pedir e pedido, não haverá ocorrência da

coisa julgada. Assim, se em uma ação pleiteia-se a defesa dos direitos difusos e

em outra ação um co-legitimado pleiteia a defesa de interesses coletivos de um

grupo, categoria ou classe, não haverá ocorrência da litispendência. Veja-se que

neste caso o pedido é diferente. Enquanto na ação que se defendem direitos

difusos busca-se a condenação com efeitos erga omnes, na ação em que se busca

a tutela dos direitos coletivos de um grupo, categoria ou classe os efeitos da

sentença terão efeitos ultra partes.

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Antonio Gidi, com propriedade, enumera os requisitos da

litispendência entre ações coletivas:

“A litispendência entre duas ações coletivas ocorre sempre que se esteja em defesa do mesmo direito. É o que acontece quando há identidade de causa de pedir e de pedido. É preciso ressaltar que, se entre uma ação coletiva do CDC e uma ação civil pública, uma ação popular, um mandado de segurança coletivo ou qualquer outra ação coletiva ocorrer identidade de causa de pedir e de pedido, haverá litispendência entre duas ações. Serão a mesma e única ação coletiva, apenas propostas com base em leis processuais diferentes.

Se a identidade ocorre apenas entre as causas de pedir ou somente entre os pedidos, não há que se falar em litispendência entre duas ações coletivas, mas, conforme o caso, em conexão ou continência.

Não ocorrerá litispendência ou coisa julgada entre duas ações coletivas propostas com a mesma causa de pedir, se não visarem ambas à proteção do mesmo direito coletivo ou dos mesmos interesses individuais homogêneos. Assim, uma ação coletiva em defesa do direito difuso não obsta uma ação coletiva em defesa do direito coletivo correspondente nem por uma ação coletiva em defesa dos interesses individuais homogêneos correspondentes. Isso porque, em que pese haver identidade de partes e correspondência de causas de pedir, os pedidos formulados em cada ação coletiva são diferentes, e isso as torna ações coletivas diferentes”.355

Perfeitamente cabível, portanto, o ajuizamento por um legitimado

legal de uma ação judicial na defesa de direitos coletivos, quando o direito

difuso, que tinha a mesma causa de pedir, tiver sido julgado improcedente, ainda

que no mérito. E o mesmo pode ser dito quando se tratar de interesse difuso ou

coletivo em relação aos direitos individuais homogêneos.

7.4. A suspensão dos processos individuais como requisito para participação

dos efeitos erga omnes do processo coletivo

O artigo 104 do CDC é muito claro ao estabelecer que inexiste

litispendência entre processos individuais e coletivos, todavia faz uma ressalva

355GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 221.

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àqueles que quiserem se beneficiar dos efeitos da coisa julgada erga omnes ou

ultra partes.

Segundo a referida regra processual, quem quiser aproveitar-se da

coisa julgada coletiva, deverá requerer a suspensão do processo individual no

prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos (da ação individual) do

ajuizamento da ação coletiva.

A ciência do ajuizamento da ação coletiva deve ser real e

inequívoca. Isto significa que não basta a publicação do edital previsto no artigo

94 ou a divulgação da ação pelos órgãos de comunicação. Há necessidade da

intimação pessoal do consumidor ou seu sucessor, que pode plenamente ser

requerida pelo réu.356 Isto também vale para quem promoveu ação individual

posteriormente à propositura de uma ação coletiva ou da publicação do edital. A

partir da intimação, o consumidor terá trinta dias para adotar uma de duas

possibilidades:

A primeira delas é não requerer a suspensão do processo e dar-se

prosseguimento normal às demandas individuais. Neste caso, não importa o

resultado final da ação coletiva porque o seu resultado não poderá ser

aproveitado pelo demandante individual, ainda que os efeitos da ação coletiva

sejam erga omnes. A coisa julgada se formará no processo individual, atingindo

diretamente as partes (autor e réu). Fica, portanto, sujeito ao risco da demanda.

Neste caso, impõe-se a ocorrência da coisa julgada tradicional do Código de

Processo Civil.

A segunda hipótese é requerer a suspensão do processo, no prazo

assinalado pela lei, e desta forma poder utilizar-se de eventual decisão favorável

do processo coletivo. A lei não contempla a hipótese de o juiz indeferir o pedido

356NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. rev. modif. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2005. p. 764-765.

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de suspensão, mas como se trata de decisão interlocutória, cabível em casos tais,

o recurso de agravo de instrumento.

Ressalte-se que se o consumidor não tomar ciência inequívoca do

ajuizamento da ação coletiva e prosseguir com sua ação individual e o resultado

desta lhe seja desfavorável, poderá aproveitar-se de eventual resultado favorável

da ação coletiva.

Segundo a sistemática da coisa julgada coletiva, caso o processo

seja julgado improcedente, não prejudicará o indivíduo que teve seu processo

suspenso. Basta, neste caso, requerer o prosseguimento do processo.

A lei nada diz sobre o tempo que o processo poderá ficar suspenso.

Todavia, tendo em vista o tempo necessário para o esgotamento das vias

recursais, é seguro afirmar que a fixação de qualquer tempo para a suspensão do

processo é obstáculo que se choca com o artigo 104. Bem por isso entendemos

não ser aplicável à espécie o prazo estabelecido no parágrafo 5º do artigo 265 do

Código de Processo Civil.

Assim, temos que a suspensão do processo individual durará o

tempo necessário para que a ação de conhecimento chegue ao seu final, com

coisa julgada material. Ada Pellegrini Grinover também entende não haver

limites temporais à suspensão do processo individual.357

357GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto, cit., p. 823.

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8. A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA NAS AÇÕES

COLETIVAS

8.1. A garantia constitucional do acesso à justiça e a coisa julgada

O direito de ação358 é garantia constitucional atribuída a todos os

jurisdicionados. Trata-se do alicerce de um Estado Democrático de Direito. Sem

ele, não é possível que o Estado preste a jurisdição, até porque pelo princípio da

inércia359, consagrado no artigo 2º do Código de Processo Civil360, o Poder

Judiciário só pode manifestar-se quando provocado. Não existe jurisdição

contenciosa sem que um autor proponha um pedido em face de um réu, com

base no ordenamento jurídico em vigência.

Ao lado do direito de ação é necessário garantir aos jurisdicionados

o acesso à justiça361, garantia constitucional estampada no inciso XXXV do

358NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 6. ed. São Paulo: Ed. Revista

dos Tribunais, 2000. p. 96: “O direito à tutela jurisdicional não se confunde com o direito de petição, este último garantido pelo artigo 5º, XXXVI, a), da CF, conforme experiência haurida do Estado Liberal. O direito de petição é conferido para que se possa reclamar, junto aos poderes públicos, em defesa dos direitos contra ilegalidade ou abuso de poder”.

359CINTRA, Antonio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. op. cit., p. 128 “Outra característica da jurisdição decorre do fato de que os órgãos jurisdicionais são, por sua própria índole, inertes (nemo judex sine actore; ne procedat judex ex officio). O exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo contraproducente, pois, a finalidade que informa toda a atividade jurídica do Estado é a pacificação social e isso viria em muitos casos a fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde elas não existiam antes. Há outros métodos reconhecidos pelo Estado para a solução dos conflitos (conciliação endo ou extraprocessual, autocomposição e, excepcionalissimamente, autotutela – sobre os meios alternativos para a eliminação de conflitos) e o melhor é deixar que o Estado só intervenha, mediante o exercício da jurisdição, quando tais métodos não tiverem surtido efeito.

360‘Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais.

361CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 9: “Nos Estados Liberais ”burgueses” dos séculos XXXVIII e XIX, os procedimentos adotados para a solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos, então vigorante. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para a sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriormente ao Estado. Sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para

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artigo 5º da Constituição Federal362. Assim, aquele que se sentir lesado ou na

ameaça de sofrer uma lesão deve invocar a proteção jurisdicional do Estado, por

meio de um instrumento apto – o processo.

Ressalte-se que por acesso à justiça363 não devemos entender apenas

o acesso formal, mas sim o acesso efetivo para que os conflitos sociais sejam

pacificados.364

O acesso efetivo à justiça assume papel muito maior nas demandas

coletivas em razão do alcance das decisões nela proferidas, que se dá, conforme

dito, nos termos do artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, podendo

inclusive ser erga omnes.

Como é sabido, nas demandas coletivas busca-se o atendimento de

interesses supra-individuais. Por meio delas são tutelados os interesses difusos,

coletivos e individuais homogêneos.

reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática”. (...) “Afastar a pobreza no sentido legal não era preocupação do Estado. A justiça, como outros bens, no sistema do laissez faire, só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos; aqueles que não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade apenas formal, mas não efetiva”.

362PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Acesso do consumidor à justiça e a advocacia pública. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 30, p. 54, abr./jun. 1999, leciona: “Interessante notar que a perspectiva do acesso à justiça sofreu sensíveis modificações com a mudança do perfil do Estado. No período da hegemonia do liberalismo clássico exigia-se do Estado sobretudo uma atitude passiva, de não intervenção nas relações sociais. A própria noção de jurisdição estava contaminada por tal visão, sendo concedida como atividade eminentemente repressiva, que ocorria somente após a violação ao ordenamento jurídico, sendo mitigada a função preventiva. Prevalecia o entendimento de que a atuação do Estado-juiz, antes da ocorrência da lesão a algum direito, feria a liberdade individual, que deveria ser resguardada a todo custo dos poderes de intervenção estatal. Neste quadro, bastava ao Estado, no campo da aparência, prever genericamente o direito dos indivíduos acionarem o Poder Judiciário, sem preocupar-se se, na realidade, todos tinham a efetiva possibilidade de fazê-lo. Entretanto, com a crescente complexidade social a esfera de atribuições do Estado foi aumentada, notando-se que a sociedade passou a exigir do Estado não apenas uma posição passiva – ou seja, de abstenção de intervenção na esfera privada, mas também a de prestador de políticas públicas”.

363“No Brasil, a jurisdição ainda encontra, na prática, muitas vezes, obstáculos a seu exercício, como se fora um luxo, mais que um direito básico que é. A assim permanecer, contudo, não teremos como fugir da infeliz constatação de que todos os direitos, inclusive aqueles fundamentais, arrolados e assegurados constitucionalmente, não passarão, dia após dia, de requinte legal posto fora do alcance e gozo de todos os cidadãos”. Carmem Lúcia Antunes Rocha. op. cit., p. 33.

364Nesse sentido: “Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. (...) para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos); mas para a integralidade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais”. CINTRA, Antonio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. op. cit., p. 33.

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O Poder Judiciário desempenha um papel importantíssimo na

pacificação das lides e na solução das controvérsias que surgem no dia-a-dia dos

jurisdicionados. Bem por isso, eventuais decisões finais desfavoráveis (de

mérito ou não) proferidas em ações coletivas, quando o direito é latente,

repercutem negativamente junto à população e ao próprio Judiciário.

É certo que a coisa julgada formada não impede o ajuizamento de

ações individuais, pois o parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor

dispõe que os efeitos da coisa julgada não prejudicarão interesses e direitos

individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe. Ainda

assim, não se pode negar o desgaste que decisões coletivas inequivocamente

injustas, em descompasso com o ordenamento jurídico vigente, notadamente a

Constituição Federal, trazem à sociedade.

Ora, as ações coletivas só podem ser promovidas pelos legitimados

legais do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor e 5º da Lei de Ação

Civil Pública. O Homem médio imagina que uma ação movida por um desses

legitimados tenha sido muito bem conduzida e se o Judiciário lhes deu decisão

final desfavorável, realmente pode inexistir o direito pleiteado na ação.

Isso, sem sombra de dúvida, funciona como um desestímulo à

contratação de um advogado para pleitear o mesmo pedido, até porque sabe-se

que uma demanda judicial implica dispêndio de tempo e custas.

Com efeito, o curso de uma ação judicial de conhecimento pode

levar até mais de dez anos. Imagine, depois do trânsito em julgado de uma

decisão coletiva cujo pedido tenha sido julgado improcedente, ter o indivíduo

que propor sua ação de conhecimento e trilhar toda a marcha processual

novamente, sujeito a perder o processo e ter que arcar com os honorários

advocatícios do advogado da parte contrária (artigo 20 do CPC).

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Para ilustrar a situação, é cabível a citação do seguinte exemplo: em

1994, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor moveu ação de repetição

do indébito em nome de seus associados em face da Eletropaulo - Eletricidade

de São Paulo S.A., da CESP - Companhia Energética de São Paulo e da Fazenda

Pública do Estado de São Paulo, pleiteando as diferenças pagas a maior a título

de ICMS sobre energia elétrica, excedentes da alíquota de 18% desde a vigência

da Lei 6.374/89, devendo ser o “quantum” apurado na fase de liquidação. O

feito recebeu o nº 531/94 e foi processado na 9ª Vara Cível do Foro Central.

O pedido foi julgado procedente em primeira instância, mas o

Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, deu provimento ao recurso,

na apelação 039.662-5/9-00, e julgou o processo extinto, sem julgamento de

mérito, sob o argumento de o consumidor final de energia elétrica não é

contribuinte de ICMS. Nessa esteira de raciocínio, os consumidores não teriam

interesse processual e, portanto, o IDEC não poderia estar em juízo

representando-os.

O IDEC interpôs recurso especial, alegando violação do artigo 166

do CTN e divergência jurisprudencial. O RESP recebeu nº 279.491, mas não

teve melhor sorte que a decisão do Egrégio Tribunal Paulista. É que os

Julgadores da Segunda Turma do STJ, tendo por Presidente o Ministro

Franciulli Netto e Relator o Ministro Francisco Peçanha Martins, comungaram

do entendimento no sentido de o IDEC não teria legitimidade para propor ação

em nome de seus associados, consumidores de energia elétrica, porque eles não

são sujeitos da relação tributária.

A associação civil novamente recorreu, por meio de embargos de

divergência em RESP, que recebeu o número 279.491, alegando divergência

jurisprudencial da Primeira Turma e apontou, entre outros, o acórdão

183.087/SP.

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Em 27 de abril de 2.005, houve decisão final desfavorável. Até

agosto de 2005, o acórdão ainda não havia sido publicado. Caso os Srs.

Ministros sustentem que o consumidor final de energia elétrica é parte ilegítima

para questionar o ICMS na Justiça porque não é sujeito da relação tributária,

ainda que a decisão não alcance o direito individual de ação, certamente ela

desestimula que o homem médio contrate um advogado e procure a justiça.

Mesmo assim, é certo que chegarão ao Judiciário inúmeras

demandas individuais questionando-se a mesma coisa, contribuindo para a

morosidade dos processos e desperdício de dinheiro público utilizado na

manutenção de toda a estrutura do Poder Judiciário, como pagamento de

pessoal, materiais utilizados no Cartório, carros do Tribunal que conduzem os

processos de uma instância à outra etc...

Também é fato que existem muitas decisões teratológicas, absurdas

e injustas por estarem em descompasso com os princípios mais basilares da

Constituição Federal.

Admitir que essas decisões sejam acobertadas eternamente pelo

manto da coisa julgada, perpetuando grotestas injustiças em detrimento do

homem, da sociedade e da nação seria um absurdo. Bem por isso, deve-se

procurar um meio de relativização da coisa julgada nas ações coletivas em casos

excepcionais.

8.2. A doutrina e a relativização da coisa julgada

A coisa julgada, desde os romanos, é tradicional instituto jurídico

que dá estabilidade às decisões judiciais, por meio da imutabilidade do

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conteúdo, ou efeitos, da sentença (sem aqui travar qualquer embate doutrinário a

respeito).

Todavia, a segurança jurídica das decisões vem sendo questionada

por parte da doutrina, nos últimos tempos, atingindo diretamente a coisa

julgada.365 Recentemente, uma corrente doutrinária da qual faz parte Cândido

Rangel Dinamarco, Teresa Arruda Alvim Wambier, Humberto Theodoro Júnior,

entre outros, passou a sustentar a relativização da coisa julgada em casos

excepcionais; isto é, a possibilidade de se rediscutir uma decisão que tenha

transitado em julgado.

O fundamento central encontrado pela doutrina para sustentar a

relativização da coisa julgada é que ao lado da segurança jurídica trazida pela

coisa julgada, outros valores, notadamente de ordem constitucional, também

precisam ser preservados. Cite-se, como exemplo, a violação do princípio da

isonomia.

Muito já foi falado sobre a justiça das decisões. Dificilmente algum

jurisdicionado discordaria das conclusões a que chegamos neste trabalho sobre o

assunto, qual seja, a de que não basta ao Poder Público proferir simplesmente

decisões judiciais, mas em observância ao ordenamento jurídico como um todo,

notadamente nossa Constituição Federal, deve proferir decisões justas.

Todavia, é sabido que a incerteza do direito é um mal que angustia,

entristece, é fonte geradora de discórdia entre os homens. Cabe ao Estado

pacificar esses conflitos, através da jurisdição.

365“... a segurança jurídica é valor constitucional que entrou em flagrante e declínio retrocesso. Não interessam,

aqui, as complexas razões desse fenômeno perturbador, e sim, o fato de que ele atingiu diretamente a coisa julgada. Tornou-se corriqueiro afirmar que a eficácia de coisa julgada cederá passo, independentemente do emprego da ação rescisória ou da observância do prazo previsto no artigo 485, em algumas hipóteses. À guisa de exemplo, citam-se as sentenças de mérito, cujo comando seja de cumprimento materialmente impossível, e as sentenças proferidas em hipotético desacordo com os valores humanos, éticos e políticos da Constituição, postos ao lado da coisa julgada no rol dos direitos fundamentais. “ASSIS, Araken de. op. cit., p. 11-12.

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Como inovar para resolver eventuais distorções do Poder Judiciário

que efetivamente acabam por gerar decisões injustas, sem divorciar-se do

milenar e importantíssimo instituto da coisa julgada? Como fazê-lo sem

desmoronar com todas as inovações implantadas pelos legisladores ao longo de

séculos? A resolução da equação é dificílima, face à inexistência de elementos

objetivos legais para justificar a relativização.

Os argumentos freqüentemente utilizados por quem sustenta esse

posicionamento foram sistematizados por Cândido Rangel Dinamarco. Segundo

o autor, poderiam ser relativizadas as decisões judiciais nitidamente

inconstitucionais, notadamente as que se chocam com o princípio da

razoabilidade e da proporcionalidade; as que ferem o princípio da moralidade

administrativa, lesando absurdamente o erário; as que não observam o justo

valor das indenizações; as que não zelam pela cidadania e pelos direitos do

homem, as que desrespeitam o meio ambiente ecologicamente equilibrado; as

que se afastam fundadas em prova falsa, na fraude, no dolo de uma das partes

em detrimento da outra; as decisões que se afastam da ordem jurídica justa, dos

ditames da justiça e da eqüidade366

Cândido José Dinamarco vai além: sustenta que sentenças que

contivessem um efeito juridicamente impossível não estariam aptas de serem

imunizadas pela coisa julgada. Para ele: “a impossibilidade jurídica dos efeitos

substanciais programados pela sentença impede a formação da coisa julgada

material porque essa é uma autoridade incidente sobre efeitos e não pode

incidir quando não houver efeito algum que se possa produzir”.367

O autor leciona que a sentença em si mesma não tem um efeito e

nem tem dimensão própria, mas tão somente a dimensão dos efeitos substanciais

366DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material, cit., p. 22-23. 367Id. Ibid., p. 27-28.

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sobre a qual se projeta. Nessa linha de pensamento, se o pedido é juridicamente

impossível, também será juridicamente impossível a sentença que o acolha.

Exemplifica sua tese utilizando-se de dois argumentos aos quais ele

chamou de valores constitucionalmente relevantes: o justo preço e a moralidade

administrativa. Nesse diapasão, também seria uma sentença juridicamente

impossível a que condenasse o Estado a pagar um valor incondizente com o de

mercado. Se a condenação fosse pagar um montante menor, ou seja, o Estado

fosse condenado a pagar aquém do preço de mercado, seria violado o direito de

propriedade e de reposição patrimonial que a sentença deveria conter. Se o

Estado fosse condenado em valor maior que o real, estaria sendo violado o

princípio da moralidade administrativa, pelo que a sentença também não

produziria efeitos válidos.368

A tese esposada por Cândido Rangel Dinamarco, no sentido de que

a decisão portadora de efeitos juridicamente impossíveis não está coberta pela

coisa julgada foi utilizada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo no

julgamento do Mandado de Segurança 100010010013, julgado em 06 de

fevereiro de 2003, tendo por Relator o Desembargador Sérgio Bizzotto Pessoa

de Mendonça.

No acórdão ficou consignado que a inconstitucionalidade, por ser

matéria de ordem pública, pode ser reconhecida, inclusive de ofício, a qualquer

tempo e grau de jurisdição, independentemente de terem se esgotado as vias

impugnativas e ocorrido a formação da coisa julgada, a exemplo do que ocorre

com as nulidades absolutas e erros materiais. E que decisão portadora de efeitos

juridicamente impossíveis, é nula por ser coisa julgada inconstitucional,

podendo ser revista até por ocasião da execução, ante a inexigibilidade do título.

368DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material, cit., p. 31.

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A decisão referia-se à impossibilidade de eleição do IPC como

índice de reajustes de servidores estaduais, à despeito de decisão transitada em

julgado, pelo fato do Supremo Tribunal Federal e do próprio Tribunal de Justiça

do Estado do Espírito Santo terem reiteradamente se posicionado no sentido da

inconstitucionalidade do índice.

Além da tese relativa à ineficácia dos efeitos da sentença portadora

de efeitos juridicamente impossíveis, para as quais bastaria a propositura de uma

ação declaratória; resistência à execução por meio de embargos ou alegação

incidenter tantum em algum outro processo, inclusive em peças defensivas369,

Cândido Rangel Dinamarco também sustenta que deveria ser admitida uma

ampliação do rol das hipóteses previstas no artigo 485 para propositura das

ações rescisórias, admitindo-se a relativização da coisa julgada das decisões

flagrantemente inconstitucionais ou das fundadas em prova falsa, na fraude ou

dolo de uma das partes em detrimento de outra.

Humberto Theodor Júnior e Juliana Cordeiro de Paiva também

entendem que o vício de inconstitucionalidade pode ser reconhecido a qualquer

tempo e em qualquer procedimento, por ser insanável. Desta forma, em que pese

a ocorrência de coisa julgada no processo, poder-se-ia, independentemente das

hipóteses do artigo 485 e do prazo decadencial de dois anos, resistir a uma

eventual pretensão executiva, através da oposição de embargos do devedor ou

então propor qualquer ação com vistas à revisão do julgado.370

Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina

comungam do entendimento no sentido de que muitas decisões são perpetuadas,

afrontando o princípio da isonomia, em função de uma inexplicável

supervalorização do instituto da coisa julgada. Os autores exemplificam a

violação do indigitado princípio com o aumento de 84,32%, relativo a março de

369WAMBIER, Teresa Arruda; GARCIA MEDINA, José Miguel. O dogma da coisa julgada: hipóteses de

relativização. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 212. 370THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. op. cit., p. 40.

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1990, concedido pela justiça a alguns servidores públicos e empregados e a

outros não.

Nesta hipótese, apesar de os servidores públicos estarem sujeitos à

mesma lei, os processos foram propostos individualmente. Não havia, à época,

um amadurecimento da matéria por parte dos Tribunais. Assim, cada processo

foi tendo um desfecho. Para alguns foi concedido o reclamado aumento e para

outros não, apesar de muitas vezes realizarem a mesma tarefa e até trabalharem

na mesma sala. Ou seja, no caso houve violação frontal do princípio da

isonomia, que assegura serem todos iguais perante a lei.371

Alvim e Medina também ensinam que em função da complexidade

da vida social, da velocidade com que os fatos ocorrem na vida contemporânea,

nem sempre a solução para os conflitos levados ao Judiciário subsume-se

estritamente à letra da lei, sendo cada vez mais crescente a utilização nos

julgados, não só das leis, mas também dos princípios, jurisprudência e

doutrina.372 Entendem “(...) ser hoje, ultrapassada a noção de que princípio da

legalidade como significativa de que o juiz deva decidir estritamente vinculado

ao texto legal. Essa concepção só faz sentido num contexto em que se entenda a

lei como legítima representante da vontade geral e não num contexto como o

atual. A lei deve ser obedecida, tal como entende a jurisprudência dominante,

baseada na doutrina e nos princípios por ela versados”.373

Bem por isso, sugerem uma interpretação mais abrangente ao inciso

V do artigo 485 do CPC, permitindo-se a propositura de ação rescisória quando

um princípio utilizado na decisão deva ser afastado ou quando o princípio que

deveria ter sido utilizado não o foi.374

371TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: Ed. Revista dos

Tribunais, 2002. p. 170. 372WAMBIER, Teresa Arruda; GARCIA MEDINA, José Miguel. op. cit., p. 174. 373Id. loc. cit. 374Id. Ibid., p. 175.

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José Maria Tesheiner vê na jurisprudência a resolução para a

revisão dos julgados. Para ele, a jurisprudência constitui uma fonte de direito.

Nesse diapasão, se o contribuinte ou o fisco obtém declaração com fundamento

em determinada interpretação da lei, mas posteriormente essa interpretação vier

a ser mudada pela Jurisprudência, houve no caso mudança do direito e isso

bastaria para autorizar a revisão do julgado.

Diante disso, propõe a inclusão no parágrafo único do artigo 471 do

CPC, que se considera como modificação do direito a fixação da jurisprudência

em outro sentido, por súmula do tribunal competente (Supremo Tribunal Federal

em matéria constitucional; Superior Tribunal de Justiça em se tratando de lei

federal; Tribunal de Justiça do Estado quando se tratar de lei local). Para ele, não

se trataria de revisão de sentença, mas de revisão do julgado, com efeitos ex

nunc ou então retroagindo somente até a data da propositura da ação

revisional.375

Todavia, o autor reconhece dificuldades para as lides em que

figurarem como partes funcionários públicos e a Administração, haja vista que

poder-se-ia argumentar que a revisão do julgado não poderia implicar redução

dos salários, por força do comando constitucional que garante a irredutibilidade

dos vencimentos. Outro obstáculo vislumbrado pelo autor seria a incidência da

Súmula 343 do STF, que dispõe: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal

disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal

de interpretação controvertida nos tribunais”. Os tribunais têm afastado essa

súmula caso o dispositivo de lei aplicado venha a ser declarado inconstitucional

pelo Supremo Tribunal Federal.376

Sérgio Porto defende a ampliação das hipóteses de cabimento da

ação rescisória, a dilação do prazo decadencial para sua interposição e a

375TESHEINER, José Maria. op. cit., p. 191. 376Id. Ibid.

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supressão desse prazo para hipóteses excepcionalíssimas, se os julgados forem

portadores de vícios inconvalidáveis. O autor faz, ainda, uma relevante

observação no sentido de que na revisão criminal – a qual chama de irmã

siamesa da ação rescisória – não há prazo decadencial, tendo em vista a natureza

do direito envolvido e que isso não gerou uma crise social intolerável.377

Hugo Nigro Mazilli também é voz que se ergueu contra a coisa

julgada que viola o meio ambiente e destrói as condições do próprio habitat do

ser humano.378

Francisco Barros Dias defende a aceitação por parte da

jurisprudência da ação rescisória como fundamento da inconstitucionalidade do

julgado e sem prazo de decadência.379

Elaine Guadanucci Llaguno, em sua dissertação de mestrado,

sugeriu a flexibilização da coisa julgada em algumas situações, a saber:

“pensamos, todavia, que nesse primeiro momento seria razoável propor a possibilidade de flexibilização da coisa julgada com a admissão da ação modificativa do julgado, a qualquer tempo, para as demandas que tratam de direitos da personalidade, para aquelas que veiculam interesse público primário, para aquelas que veiculam matéria reconhecida posteriormente como inconstitucional e, ainda, para aquelas nas quais é parte o Poder Público e que se configurem as hipóteses de flagrante ilegitimidade, ou que esta venha a acarretar grave lesão à ordem, à segurança, à saúde e à economias públicas”.380

377PORTO, Sérgio. Cidadania processual e relativização da coisa julgada. Revista Síntese de Direito Civil e

Processual Civil, São Paulo, n. 22, mar./abr. 2003. 378MAZZILLI, Hugo Nigro. op. cit., p. 402. 379DIAS, Francisco Barros. Breve análise sobre a coisa julgada inconstitucional. Revista dos Tribunais, São

Paulo, ano 87, v. 758, p. 41, dez. 1998. 380LLAGUNO, Elaine Guadanucci. O mito da coisa julgada. 2003. p. 168. Dissertação (Mestrado). Pontifícia

Universidade Católica, São Paulo, 2003.

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196

8.3. O pensamento do Ministro José Augusto Delgado do Supremo Tribunal

Federal

O Ministro José Delgado, do Egrégio Supremo Tribunal Federal,

comunga do entendimento de que a coisa julgada possui natureza relativa e não

pode sobrepor-se jamais ao princípio da moralidade e da legalidade.381

Para ele, obedecer ao princípio da moralidade na interpretação e

aplicação do direito é a mais relevante ação para determinar a estabilização das

relações jurídicas.382

Na sua concepção, a moralidade é comando de força maior e

cumprimento obrigatório e está presente em todas as regras existentes na

Constituição e em qualquer mensagem ou regulamentar. É absoluta e prevalece

sobre qualquer outro princípio, até mesmo sobre o da coisa julgada. A violação

do princípio da moralidade, quer pelo Estado, quer pelo cidadão, não gera

qualquer tipo de direito.383

É certo, para ele, que se deve impor a segurança jurídica, mas essa

segurança deve ceder quando outros princípios jurídicos de maior hierarquia

forem violados pela sentença, porque a sentença, mesmo transitada em julgado,

não pode ser veículo de injustiças, de apropriação indébita de valores contra o

particular ou o Estado, de situações de desigualdades entre o contribuinte e o

Fisco ou dos servidores públicos. Em hipótese alguma a decisão judicial poderia

violar as garantias previstas na Constituição Federal.384

381DELGADO, José. Pontos polêmicos das ações de indenização de áreas naturais protegidas: efeitos da coisa

julgada e os princípios constitucionais. Revista de Processo, São Paulo, v. 26, n. 103, p. 31, jul./set. 2001. 382Id. Ibid., p. 10. 383Id. Ibid., p. 11-12. 384Id. Ibid., p. 31.

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Em se tratando de desapropriação, sustenta que o princípio da justa

indenização paira acima do princípio garantidor da coisa julgada. Eventual

conflito entre o princípio da intangibilidade da coisa julgada e moralidade do ato

indenizatório deve ser resolvido através da regra constitucional que prevê

obediência à justa indenização (artigo 5º, XXIV).385

Quando a sentença transitada em julgado contivesse uma injustiça

que afrontasse a estrutura do regime democrático de direito, violando o princípio

da moralidade e legalidade, desrespeitando a Constituição e as regras da

natureza, poderia ser revista a qualquer tempo, além do prazo para a rescisória.

A existência de novas provas não autoriza a propositura de uma

nova ação judicial para discutir a mesma lide, salvo em situações extraordinárias

que impossibilitaram a apresentação das provas durante o processo ou

acontecimentos imorais que posteriormente chegaram ao conhecimento das

partes.386

O Ministro reconhece que existe uma preocupação da doutrina com

a ocorrência de coisa julgada de sentenças injustas, que violam o princípio da

moralidade, da legalidade e dos princípios constitucionais. Nessa categoria de

sentenças estariam, por exemplo:

a) a declaratória de existência de preclusão quando esse fenômeno processual inexiste por terem sido falsas as provas em tal sentido;

b) a expedida sem que o demandado tenha sido citado com.as garantias exigidas pela lei processual;

c) a originária de posição privilegiada da parte autora que, aproveitando-se de sua própria posição de monopólio e do estado de necessidade do réu, demanda a este por razão de um crédito juridicamente infundado;

d) a baseada em fatos falsos depositados durante o curso da lide;

385DELGADO, José. op. cit., p. 32. 386Id. Ibid., p. 34.

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e) a reconhecedora da existência de um fato que não está adequado à realidade;

f) a sentença conseguida graças a um perjúrio ou a um juramento falso;

g) a ofensiva à soberania nacional;

h) a violadora dos princípios guardadores da dignidade humana;

i) a provocadora de anulação dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

j) a que estabeleça, em qualquer tipo de relação jurídica, preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (arts. 1º e 3º da CF);

k) a que obrigue alguém a fazer alguma coisa ou deixar de fazer, de modo contrário à lei;

l) a que autorize prática de tortura, tratamento desumano ou degradante de alguém;

m) a que julga válido ato praticado sob a forma de anonimato na manifestação de pensamento ou que vede essa livre manifestação;

n) a que impeça a liberdade de atuação dos cultos religiosos;

o) a que impeça a liberdade de atuação na atividade intelectual, artística, científica e de comunicação;

p) a que consagre a possibilidade de violação ao direito da intimidade, da vida, da honra e da imagem das pessoas;

q) a que abra espaço para a quebra do sigilo de correspondência;

r) a que impeça alguém de associar-se ou de permanecer associado;

s) a que não garanta o direito de herança;

t) a que inviabilize a aposentadoria do trabalhador;

u) a que reduza o salário do trabalhador, salvo o caso de convenção ou acordo coletivo;

v) a que autorize a empresa, por motivos de dificuldades financeiras a não pagar o 13º salário do trabalhador;

w) a que não conceda a remuneração do trabalho noturno superior ao diurno;

x) a que não permita o gozo de férias anuais remuneradas;

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y) a que não reconheça como brasileiros natos os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seus países;

z) a que estabeleça distinção entre brasileiros natos e naturalizados, além dos casos previstos na Constituição Federal;

aa) a que permita a brasileiros naturalizados exercerem os cargos de Presidente da República, Presidente da Câmara de Deputados, Presidente do Senado Federal, ser Ministro do STF, ser oficial das Forças Armadas e outros cargos (art. 12, § 3º);

bb) a que proíba a União de executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e fazendária – XXI, do art. 21;

cc) a que autorize alguém a assumir cargo público descumprindo os princípios fixados na Constituição Federal e nas leis específicas;

dd) a que ofenda, nas relações jurídicas de direito administrativo, o princípio da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade e da publicidade;

ee) a que reconheça vitalício no cargo o juiz com apenas um ano de exercício;

ff) a que atente contra os bons costumes, os valores morais da sociedade, que reconheça casamento entre homem e homem, entre mulher e mulher;

gg) a que, no trato de indenização de propriedade pelo Poder Público, para qualquer fim, não atenda ao princípio da justa indenização;

hh) a que considere eficaz e efetiva dívida de jogo ilícito”.387

Concordamos com o Sr. Ministro quando aduz que a coisa julgada

possui natureza relativa, mas pensamos que adotar o princípio da moralidade

como parâmetro apto a determinar a estabilidade das decisões é critério por

demais subjetivo. O desgaste da insegurança que a adoção dessa teoria traria

para relativizar a coisa julgada não compensaria a insegurança jurídica que traria

à sociedade.

387DELGADO, José. op. cit., p. 24-25.

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8.4. A impossibilidade da relativização da coisa julgada de sentenças que

julgaram pedidos juridicamente impossíveis

Cândido Rangel Dinamarco entende que “a impossibilidade

jurídica do pedido, ou seja, sua inadmissibilidade a priori, constitui

antecipação da impossibilidade jurídica do resultado pretendido, ou seja, dos

efeitos sentenciais postulados”.388

O autor é ainda mais claro ao dizer: “Repito, para clareza:

sentença portadora de efeitos juridicamente impossíveis não se reputa jamais

coberta pela res iudicata, porque não têm efeitos suscetíveis de ficarem

imunizados por essa autoridade. Pode-se até discutir, em casos concretos, se os

efeitos se produzem ou não, se são ou não compatíveis com a ordem

constitucional etc., mas não se pode afirmar que, sem ter efeitos substanciais,

uma sentença possa obter coisa julgada material”.

Estaria nessa zona cinzenta toda a sentença que julgasse procedente

um pedido juridicamente impossível, como por exemplo, a que declarasse o

recesso de algum estado federado brasileiro.389

Ora, as condições da ação, expressas no artigo 267, VI, do CPC

(interesse de agir, legitimidade ad causam, e possibilidade jurídica do pedido), e

os pressupostos processuais são requisitos indispensáveis ao julgamento do

mérito. Primeiro o magistrado analisa se estão presentes as condições da ação e

pressupostos processuais para só então julgar o mérito.

Diante da constatação da inocorrência de quaisquer das condições

da ação, deveria o magistrado, inclusive de ofício, indeferir a inicial e extinguir

o processo, sem julgamento de mérito, por força do artigo 267, IV, § 3º, do CPC.

388DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material, cit, p. 26. 389Id., Ibid., p. 26-27.

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Além disso, o Código de Processo Civil também dispõe ser inepta a

petição inicial cujo pedido for juridicamente impossível (parágrafo único, III, do

artigo 295).

Se o juiz não declarou a inépcia da inicial de ofício, deveria o réu

tê-la apontado na contestação, antes de discutir o mérito, nos termos do artigo

301, III, do CPC. E se ainda assim o processo não fosse extinto sem julgamento

de mérito nos termos do artigo 267, VI, do CPC, deveria o réu apelar, e

demonstrar a inépcia, em sede preliminar. Caso o Tribunal a rejeitasse, poderia o

réu ainda interpor recurso especial ao STJ alegando violação dos artigos 267, VI

e § 3º; 295, I e seu parágrafo único, III, todos do CPC.

Admitir a relativização da coisa julgada com fundamento na

impossibilidade jurídica do pedido implicaria a decretação de letra morta aos

indigitados dispositivos processuais.

Além disso, a hipótese enseja que a parte, inconformada com

eventual decisão judicial final desfavorável, imotivadamente sempre alegue

impossibilidade jurídica do pedido, além das hipóteses previstas pelo autor,

notadamente em sede de execução, através de execução de pré-executividade.

A exceção de pré-executividade não está expressa em lei; todavia

foi criada pela jurisprudência e hoje alcançou status de verdadeiro instituto

jurídico, sendo largamente aceita em nossos tribunais e pela doutrina.

Trata-se da possibilidade de o executado, ou terceiro interessado,

sem garantir o juízo através da apresentação de penhora e sem a oposição de

embargos à execução, apresentar defesa, notadamente quando se trata de matéria

de ordem pública, como a falta de pressupostos processuais e condições da ação,

além das hipóteses de nulidade do título executivo, previstas no artigo 618 do

Código de Processo Civil. É uma forma de oposição com vistas a fulminar a

execução logo em seu nascedouro.

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Existem inclusive posições jurisprudenciais que vêm aumentando o

alcance do instituto, chegando a matérias inclusive de mérito, como por

exemplo, prescrição, decadência e pagamento.390

A criação jurisprudencial da exceção de pré-executividade

homenageia diversos princípios constitucionais, entre eles o da ampla defesa,

contraditório e devido processo legal.

Como bem diz Teresa Arruda Alvim Wambier “Seria absurdo que

o sistema não contivesse freios, consubstanciados nas decisões negativas de

admissibilidade, cujo objetivo é evitar que prossiga uma etapa procedimental

gerada por um pedido fadado ao insucesso. É justamente a isto que se visa com

o possibilitar que o executado alegue certo tipo de ‘defesa’, mesmo antes da

citação, principalmente quando se trata de alegações que, se conhecidas e

acolhidas, devem gerar necessariamente a extinção daquilo que nem execução

chegou a ser”391

Todavia, em que pese a necessidade de um instituto processual apto

a espancar eventuais execuções fadadas ao insucesso, até mesmo em

homenagem aos princípios da ampla defesa, economia e celeridade processual,

admitir a relativização da coisa julgada alegando-se impossibilidade jurídica do

pedido não nos parece uma boa opção, por causar à parte vencedora total

insegurança jurídica, depois de percorridas todas as fases do processo de

conhecimento e injustificada resistência à satisfação do seu título judicial, o que

contribuiria ainda mais para a morosidade da justiça.

390TRIBUTÁRIO – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – DECADÊNCIA – PRESCRIÇÃO – NÃO

OCORRÊNCIA – ART. 174/CTN – LEI Nº 6.830/80, § 2º. ART. 219/CPC – 1. A exceção de pré-executividade tem sido admitida, excepcionalmente, pela jurisprudência nas hipóteses de vícios formais do título executivo, prescrição, decadência e pagamento sem o necessário oferecimento de embargos. 2. Prescrição não afigurada, considerando-se que não transcorreu o prazo de cinco anos entre a constituição definitiva do crédito tributário e a citação válida (art. 174/CTN c/c art. 8º da Lei nº 6.830/80 e art. 219/CPC). 3. Apelação e remessa providas. (TRF 1ª R. – AC 01000662731 – MT – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz – DJU 06.03.2003 – p. 164).

391WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998. p. 410.

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8.5. A coisa julgada inconstitucional

Em conhecido artigo sobre a coisa julgada inconstitucional,

Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria sustentam que, em tema

de inconstitucionalidade, nos últimos duzentos anos, sempre houve preocupação

com o controle de constitucionalidade das leis, e um esquecimento em relação

ao Poder Judiciário, muito embora suas decisões também sejam passíveis de

estar em descompasso com a Carta Magna.392

Com efeito, por meio do controle de constitucionalidade somente as

leis e os atos normativos são passíveis de serem declarados inconstitucionais.

Jamais as decisões judiciais transitadas em julgado.

Os citados autores questionam o que fazer quando estivermos

diante de uma decisão judicial que acoberte uma flagrante

inconstitucionalidade.393

Releva notar que uma decisão judicial transitada em julgado pode

ser considerada inconstitucional em três hipóteses: 1) o julgador aplicou, na

resolução do litígio, uma lei que posteriormente venha a ser declarada

inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal; 2) o julgador deixou de aplicar

uma lei porque a considerou inconstitucional, mas posteriormente a Corte

Suprema a declara constitucional; 3) o julgador deliberou contrariamente a um

dispositivo ou princípio constitucional.

Evidentemente, se da decisão inconstitucional ainda couber recurso

ordinário ou extraordinário, nenhum problema real. Basta interpor o recurso

cabível. Todavia, a problemática ganha relevo se a decisão estiver acobertada

pela autoridade da coisa julgada.

392THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. op. cit., p. 22. 393Id. Ibid., p. 21-40.

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Em relação à primeira hipótese de coisa julgada inconstitucional,

questão de bastante relevância é saber se há ou não vício em uma sentença

transitada em julgado, que teve como fundamento da decisão uma lei que

posteriormente venha a ser declarada inconstitucional, por meio de controle

concentrado, pelo Supremo Tribunal Federal. Poderia, neste caso, ser proposta

ação rescisória, com base em violação a literal disposição de lei?

Antes de responder essa pergunta, é necessário saber a partir de que

momento a lei passou a ser considerada inconstitucional. É que a regra geral em

ações diretas de inconstitucionalidade é que a decisão do Supremo Tribunal

Federal tenha efeitos erga omnes e ex tunc. Todavia, a Lei 9.868/99, em seu

artigo 27, dispôs que o Supremo Tribunal Federal poderá, por maioria de dois

terços de seus membros, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de

excepcional interesse social, restringir os efeitos da decisão ou decidir que ela só

tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que

venha a ser fixado.

Se a lei que foi utilizada na decisão transitada em julgado, e

posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, teve

vigência durante algum período em que ocorreu o caso concreto julgado, caberá

ação rescisória para a declaração da nulidade da decisão.

O cabimento da ação rescisória de decisões judiciais rescindendas

que aplicou lei cuja inconstitucionalidade veio a ser declarada pelo Supremo

Tribunal Federal já foi apreciada e declarada pelo Superior Tribunal de Justiça

no julgamento do RESP 130886/RS, ocorrido em 13 de outubro de 1998 e teve

como Ministro Humberto Gomes de Barros. Neste acórdão, houve afastamento

da Súmula 343 do STF que diz: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal

disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal

de interpretação controvertida nos tribunais”.

Segundo o STJ, a Súmula apenas veda a discussão acerca de

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interpretação controvertida de dispositivos legais. Todavia, deixa-se de aplicá-la

se a discussão versar sobre a interpretação controvertida dos tribunais entre a

compatibilidade da Constituição e da Lei. Em outras letras: havendo discussão

de matéria constitucional, em sede de interpretações controvertidas nos

tribunais, afasta-se a incidência da Súmula 343 do STF, permitindo-se a ação

rescisória.394

Esse entendimento também foi adotado no julgamento do RESP

233038/RN, julgado em 15 de outubro de 2001, tendo por relatora a Ministra

Eliana Calmon, da Segunda Turma. Da ementa, extraiu-se o seguinte trecho:

“(...) Segundo orientação da Primeira Seção desta Corte, deve-se afastar a

aplicação da Súmula 343/STF somente na hipótese em que o Supremo Tribunal

Federal venha a declarar a inconstitucionalidade da lei aplicada pelo acórdão

rescindendo.(...)”

Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro Faria sustentam que

a ação rescisória para a coisa julgada inconstitucional, na hipótese, não se sujeita

ao mesmo regime da coisa julgada ilegal, pelo que ainda que esgotado o prazo

de dois anos ainda assim seria cabível o seu ajuizamento. Entendimento

contrário aviltaria o sistema e os valores da Constituição. Entendem que deve

ser aplicado o mesmo regime de inconstitucionalidade dos atos legislativos, para

os quais não há prazo.395

Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina

entendem que não haveria necessidade de se propor ação rescisória, já que a

decisão impugnada seria juridicamente inexistente, pois baseada em lei que não

é lei. Neste diapasão, não estaria a parte sujeita ao prazo estabelecido no artigo

495 do CPC. Bastaria intentar ação de natureza declaratória, com o único

394Nesse sentido THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. op. cit., p. 38. 395Id. Ibid., p. 35.

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objetivo de se conseguir maior segurança jurídica à situação. 396

Ousamos divergir do argumento dos autores no sentido de que

decisões transitadas em julgado que tenham por fundamento leis que,

posteriormente declaradas inconstitucionais, sejam tidas por inexistentes. Na

verdade trata-se de nulidade e não da hipótese de inexistência.

Conforme ensinam Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira

Mendes, “o dogma da nulidade da lei inconstitucional pertence à tradição do

direito brasileiro. A teoria da nulidade tem sido sustentada por praticamente

todos os nossos importantes constitucionalistas. Fundada na antiga doutrina

americana, segundo a qual ‘the inconstitucional statute is not law at all’,

significativa parcela da doutrina brasileira posicionou-se pela equiparação

entre inconstitucionalidade e nulidade”.397

Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria defendem

que uma decisão que viole diretamente a Constituição não é inexistente, mas

nula. Posicionamento com o qual concordamos. A hipótese sustentada pelos

autores, a nosso ver, também se subsume à situação da aplicação de lei

posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Para

eles, se o ato reúne as mínimas condições de um ato judicial, isto é, tenha sido

prolatado por um juiz investido de jurisdição e, observados os requisitos

processuais e formais mínimos, decisão existe; todavia, se a decisão judicial for

inconstitucional, falta-lhe condição para valer, para gerar os efeitos para o qual

foi praticada, pelo que a decisão será nula.398

Ora, se nem mesmo uma decisão que se choque frontalmente com

um dispositivo constitucional pode ser tida como inexistente, também não será

396WAMBIER, Teresa Arruda; GARCIA MEDINA, José Miguel. op. cit., p. 43. 397MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade.

São Paulo: Saraiva, 2001. p. 313. 398THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. op. cit., p. 34.

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assim considerada uma decisão transitada em julgado que aplicou norma que

posteriormente venha a ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal

Federal.

Em relação à segunda hipótese, onde o julgador não aplicou uma lei

por considerá-la inconstitucional, mas posteriormente à formação da coisa

julgada o Supremo Tribunal Federal, em ação declaratória de

constitucionalidade, declarou a lei constitucional, caberia ação rescisória?

Segundo Humberto Theodoro Júnior, o STJ tem dado igual

tratamento, em se tratando do cabimento da ação rescisória, tanto à sentença que

deixa de aplicar lei ordinária por considerá-la inconstitucional e posteriormente

o STF a declara constitucional, quanto quando é aplicada lei que posteriormente

é declarada inconstitucional pela Corte Suprema.399

Todavia entende que as duas situações são distintas: Na hipótese da

aplicação de uma lei inconstitucional, a ofensa é cometida diretamente contra a

Constituição. É que em sendo a lei absolutamente nula, há contaminação da

nulidade da sentença que a aplica.400

Já no caso da não aplicação da lei ordinária, porque o julgador a

entendeu inconstitucional, mas a Corte Suprema a declarou constitucional, a

violação não se daria de forma frontal à Constituição, mas por via reflexa.

Somente haveria violação a literal dispositivo de lei, o que segundo o autor

autorizaria o cabimento da ação rescisória pelo regime comum das ações

rescisórias por ofensa à lei ordinária e não pelo regime especial de invalidação

ou rescisão das sentenças inconstitucionais.401

É que o autor entende que, em se tratando de sentença nula de pleno

399THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. op. cit., p. 38. 400Id., loc. cit. 401Id., loc. cit.

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direito, o reconhecimento do vício de inconstitucionalidade pode se dar a

qualquer tempo e através de qualquer procedimento, inclusive a ação rescisória.

Mas quando o jurisdicionado optasse pela ação rescisória, não ficaria sujeito à

limitação temporal do artigo 486 do Código de Processo Civil.402

Concordamos com o posicionamento de Humberto Theodoro Júnior

e Juliana Cordeiro Faria no sentido de que o STJ trata com igual critério,

permitindo a via da ação rescisória, tanto uma decisão que aplicou lei

posteriormente declarada inconstitucional pelo STF, quanto decisão que deixou

de aplicar lei sob o argumento de inconstitucionalidade, posteriormente

declarada constitucional pela Corte Suprema, mas que na verdade constituem

situações distintas.

Todavia, se entendermos que não há matéria constitucional na

segunda hipótese, a princípio não haveria o cabimento da ação rescisória com

fundamento no artigo 485, V, do CPC, conforme jurisprudência do STJ, por

força da Súmula 343 do STF.

Todavia, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia

Medina entendem, na hipótese, cabível a via rescisória, por negativa de vigência

à lei federal. Sustentam que “não aplicar a lei é, na verdade, a forma mais

violenta de se a violar”. E aqui não teria cabimento a aplicação da Súmula 343

porque é regra que não se compatibiliza com a Constituição Federal, por ferir os

princípios da legalidade e da isonomia 403, argumento com o qual concordamos.

Os autores explicam que o princípio da legalidade, que garante a

ninguém ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude

de lei, tem que ser entendido pelo julgador não como uma vinculação direta,

automática e exclusiva ao texto da lei, como no período da Revolução

402THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. op. cit., p. 40. 403WAMBIER, Teresa Arruda; GARCIA MEDINA, José Miguel. op. cit., p. 54-59.

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Francesa.404

Atualmente, encontra-se superada a idéia de que a sentença surja

claramente e sem vacilação da norma codificada. O juiz também exerce um

papel criativo quando julga, o que importa numa substituição de idéias, um

abandono da visão simplista do fenômeno decisório para uma visão realista

entre a sentença e o texto da lei. Existe, hoje em dia, a tendência no sentido de se

entender o princípio da legalidade como a necessidade de vinculação do juiz ao

sistema, na qual fosse englobadas a lei, a doutrina e a jurisprudência.405

Nessa ordem de idéias, os objetivos da aplicação do princípio da

legalidade são de geração de jurisprudências uniformes, previsíveis e que

estabeleçam segurança jurídica. O direito não é somente lei, porque outras

também são suas fontes, como a doutrina e a jurisprudência. O princípio da

legalidade impõe ao juiz que se vincule à lei, mas à lei interpretada pela doutrina

e pelos tribunais.406

A Súmula 343 do STF viola o princípio da legalidade na medida em

que veda o acesso à via rescisória de decisões que não afrontam somente a lei,

mas também o sistema jurídico. É que tendo a jurisprudência amadurecido e

percebido que outras decisões proferidas anteriormente estavam equivocadas,

principalmente quando essas decisões emanam de Tribunais Superiores, ao não

permitir a rediscussão de uma decisão cujo entendimento haja mudado no

Tribunal, viola-se também o entendimento de como essa lei amadureceu, por

meio da jurisprudência, que certamente contou com subsídios da doutrina.407

O princípio da isonomia traz a idéia de que todos são iguais perante

a lei, o que implica, entre outras coisas, tratamento jurisdicional igual para os

cidadãos, notadamente quanto ao posicionamento dos tribunais em casos

404WAMBIER, Teresa Arruda; GARCIA MEDINA, José Miguel. op. cit., p. 61. 405Id. Ibid., p. 62. 406Id. Ibid. 407Id. Ibid., p. 62-63.

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absolutamente idênticos. Não se pode admitir que, em casos absolutamente

idênticos, para um autor o pedido seja julgado procedente e para outro

improcedente, simplesmente porque este autor não tenha tido boa sorte como

aquele de ter seu processo distribuído a julgadores que tivessem uma visão da lei

aplicada ao caso concreto que lhe favorecesse.408

Por estes motivos, seria cabível a ação rescisória, afastando-se a

Súmula 343 do STF.

Em relação à terceira hipótese, Paulo Otero, em sua obra Ensaio sobre

o Caso Julgado Inconstitucional, onde analisa a inconstitucionalidade das decisões

judiciais sob o foco do ordenamento jurídico português, diz ser chocante que num

Estado Democrático de Direito possam existir decisões judiciais que violam a

Constituição, sem que haja qualquer mecanismo de fiscalização.409

Também pondera que se existisse um órgão controlador da

constitucionalidade das decisões judiciais, o problema é saber quem fiscalizaria

o órgão controlador.410

Não obstante essa observação, também admitir que as decisões

inconstitucionais jamais pudessem ser revistas, seria conferir um poder absoluto

e exclusivo de definir qual o sentido normativo da Constituição. A Carta Magna

não seria então o documento escrito a qual reconhecemos como Constituição,

mas sim o direito aplicado pelos tribunais, notadamente as decisões alcançadas

pela autoridade da coisa julgada.411

Se considerássemos que não existe um mecanismo processual para

se desfazer a coisa julgada inconstitucional que afronte diretamente os

dispositivos e princípios da Constituição, poder-se-ia imaginar que essas

decisões estariam incólumes a quaisquer questionamentos judiciais, pelo fato de

408WAMBIER, Teresa Arruda; GARCIA MEDINA, José Miguel. op. cit., p. 59. 409OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex, 1993. p. 35-36. 410Id. Ibid. 411Id. Ibid., p. 35.

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esgotamento das vias recursais.

Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria aduzem que

esse entendimento seria insustentável, já que até mesmo as decisões que contêm

vícios menores sujeitam-se à impugnação por meio da ação rescisória, nos

termos do artigo 485 e seguintes do CPC.412 Se até mesmo a violação a literal

dispositivo de lei enseja a rediscussão da coisa julgada, via abertura de uma ação

rescisória, por que a violação a um dispositivo da Constituição estaria imune a

quaisquer rediscussões judiciais?

Os autores sustentam que não haveria necessidade do ajuizamento

de uma ação rescisória para desconstituir o ato jurídico, podendo a parte lesada

opor embargos quando o credor fosse executar a decisão ou ação

desconstitutiva, inclusive declaratória, como sobrevivência da querela

nullitatis.413

E mais: havendo inconstitucionalidade nas decisões, os tribunais

poderiam, até mesmo de ofício, reconhecê-las, o que poderia dar-se a qualquer

tempo, seja por meio da ação rescisória (não sujeita a prazo), seja em ação

declaratória ou em embargos à execução.414

Para nós, todavia, a violação à lei, prevista no artigo 485, V, do

Código de Processo Civil como hipótese ensejadora de ação rescisória

contempla também os artigos da Constituição. O alcance da norma deve ser

interpretado como violação a direito objetivo.415

Ademais, pensamos não ser tão simples relativizar as decisões

judiciais acobertadas pelo manto da coisa julgada como sugere Humberto

Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria.

412THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. op. cit., p. 35. 413Id. Ibid., p. 34. 414Id. Ibid., p. 37. 415RIZZI, Sérgio. Ação rescisória. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1979. p. 108.

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Nos países de família romano-germânica, considera-se que a

melhor maneira de se fazer justiça se dá quando o julgador sustenta suas

conclusões na letra da lei. O apoio decisivo a essa prática deu-se quando quase

todos os Estados membros da família romano-germânica publicaram seus

códigos e se valeram de constituições escritas, desde meados do século XIX.416

E vale lembrar que em nossa época, com o alargamento da

participação e papel do Estado em todas as áreas da sociedade, é a lei que

garante ao cidadão os seus direitos e a quem impõe seus deveres.

Compartilhamos com o entendimento de Teresa Arruda Alvim

Wambier e José Miguel Garcia Medina de que o princípio da legalidade tem que

ser visto com temperamentos. Não basta o juiz aplicar simplesmente a lei que

entende aplicável ao caso concreto dissociando-se da jurisprudência e da

doutrina.417 Também não refutamos que o julgador tenha um papel criador nas

decisões judiciais. E deve ter mesmo, mas como bem lembra os doutrinadores

acima citados, “A jurisprudência e a doutrina funcionam, por assim dizer, como

um filtro através do qual a lei é entendida e é a este fenômeno que se vinculam

os juízes ao decidir”.418

Mas é certo que a lei deva existir para que o juiz ou qualquer

julgador possa aplicá-la. A atividade legiferante não pode ser substituída pelo

julgador, sob pena de colocar em xeque a independência e a harmonia que deve

existir entre os Poderes.

Para nós, se a coisa julgada for inconstitucional por violação a

dispositivo da própria constituição, o remédio seria ajuizar a ação rescisória,

dentro do prazo legal para rescisão do julgado, com fundamento no artigo 485,

V, do CPC. Fora dessa hipótese, a coisa julgada, ainda que inconstitucional,

416DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 93. 417WAMBIER, Teresa Arruda; GARCIA MEDINA, José Miguel. op. cit., p. 61-64. 418Id. Ibid., p. 62.

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estaria acobertada eternamente pelo manto da coisa julgada inconstitucional, por

falta de outra hipótese legal que autorize sua desconstituição.

8.6. Coisa julgada e Estado Democrático de Direito: o pensamento de

Nelson Nery Junior

Nelson Nery Junior não admite o ataque à coisa julgada fora das

hipóteses legais previstas no ordenamento jurídico brasileiro (ação rescisória

(CPC, art. 485); revisão criminal (CPP, art. 622) e embargos do devedor (CPC,

art. 741). Para tanto, o autor construiu argumentos bastante sólidos fundados,

principalmente, na própria Constituição Federal.419

O autor lembra que o Brasil é um Estado Democrático de Direito,

conforme vem expresso no caput do artigo primeiro da Constituição Federal.

Isso significa ser mais do que um Estado de Direito tão somente (Nery comenta

que o Estado Nazista e reconhecidas ditaduras como Cuba também são Estados

de Direito, porque tinham e têm normas legais regulando as atividades do

Estado e dos particulares). Significa que esse Estado de Direito é também

Democrático, regulado por princípios que se traduzam no bem de todos.

Sustenta que em relação à jurisdição, esse princípio se manifestaria por

intermédio da coisa julgada. Para ele, a coisa julgada é o próprio elemento do

estado democrático de direito.420

419NERY JÚNIOR, Nelson. Coisa julgada e o Estado democrático de direito. Revista Forense, Rio de Janeiro,

v. 375, p. 143, set./out. 2004. 420Id. Ibid.

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8.7. Necessidade de relativização

Ante a perplexidade causada por algumas decisões judiciais

alcançadas pela autoridade da coisa julgada, a doutrina cada vez mais tem se

mobilizado na construção da teoria da relativização do milenar instituto jurídico

e o coro dos relativistas é cada vez maior e por certo irá influenciar as decisões

dos tribunais num futuro próximo.

A necessidade de relativização se torna ainda mais imprescindível

em situações excepcionalíssimas quando se trata de decisões proferidas em

ações coletivas, por atingir um número, via de regra, muito grande de pessoas,

como nas questões que envolvam direitos do consumidor e do meio ambiente.

Imaginemos o seguinte exemplo: uma indústria produtora de papel

lança na atmosfera gases considerados tóxicos pela população da cidade do

interior paulista onde está instalada. Diante de representação feita pela

associação de moradores do bairro onde a indústria funciona, oitiva de inúmeras

testemunhas e constatação de que muitas pessoas estão sendo atendidas no

Hospital com problemas respiratórios, o Ministério Público do Estado ajuíza

ação civil pública com vistas à condenação da empresa na obrigação de fazer a

instalação de filtros em suas chaminés para fins de eliminação dos gases

poluentes na atmosfera, bem como reparação dos danos causados à saúde e ao

meio ambiente.

O Juiz, no curso do processo, determina a realização de perícia

técnica para formação de seu convencimento sobre a matéria. A perícia é

realizada por perito imparcial e conclusiva no sentido de que os gases poluentes

emitidos pela indústria estão em níveis tolerados pela OMS e não agridem a

saúde humana ou o meio ambiente.

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Diante da robusta prova pericial, o juiz julga improcedente o

pedido. Após o esgotamento das vias recursais, a decisão transita em julgado,

mantendo-se incólume a decisão monocrática.

Decorridos mais de dois anos do trânsito em julgado, prazo

decadencial para o ajuizamento da ação rescisória, uma nova descoberta técnica

desenvolvida pela ciência demonstra que os gases emitidos são muito tóxicos,

inclusive cancerígenos e que tem componentes que degradam substancialmente

o meio ambiente.

Do ponto de vista legal, inexiste a possibilidade de se propor a

mesma demanda anterior, porque a decisão foi acobertada pela coisa julgada e

bastaria a empresa ré, por ocasião da apresentação da contestação, alegá-la, para

que o processo fosse extinto sem julgamento de mérito.

Também não se poderia propor ação rescisória com fundamento no

artigo 485, VII, do CPC, que permite a via rescisória para rescindir julgado

quando, depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência não

era do seu conhecimento, ou que não podia fazer uso e que fosse capaz, por si

só, de alterar o pronunciamento judicial. Isto porque o direito de propor ação

rescisória extingue em dois anos, conforme disposição expressa do artigo 495 do

CPC. Ou seja, nenhuma ação coletiva poderia ser proposta contra a empresa.

Somente a via individual de acesso à justiça estaria aberta, nos termos do § 1º do

artigo 103, do CPC.

É certo que um dos princípios informativos do direito ambiental é o

princípio da prevenção. A Constituição Federal, no artigo 225, IV, dispõe que

incumbe ao Poder Público exigir, na forma da lei, estudo prévio de impacto

ambiental para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de

significativa degradação do meio ambiente.

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Assim, sempre que uma empresa for se instalar ou exercer alguma

atividade que possa degradar significativamente o meio ambiente, deverá

apresentar às autoridades estudo realizado para demonstrar o impacto ambiental

que a atividade produzirá, bem como planos para minimizá-lo.

Todavia, não menos certo é que existem situações da vida prática

em que o estudo de impacto ambiental não é absolutamente conclusivo no

sentido de que a atividade industrial ou o produto ou serviço oferecido não

prejudique a saúde da população ou o meio ambiente, em que pese estarem

disponíveis no mercado de consumo.

Rodrigo Andreotti Musetti cita como exemplo os telefones

celulares. O autor esclarece que não existe notícia de algum estudo que tenha

demonstrado cabalmente os efeitos cancerígenos causados pela exposição dos

seres humanos às ondas eletromagnéticas, mas há diversos casos que relacionam

a utilização do aparelho de celulares ao câncer.421 Em outras letras: se ainda não

são demonstrados pela ciência os efeitos prejudiciais da utilização do telefone

celular, o estudo de impacto ambiental também não é capaz de afastar essas

dúvidas dos cientistas.

421MUSETI, Rodrigo Andreotti. Telefonia celular: aspectos ambientais. Juris Síntese n. 28, mar./abr. 2001.

“Estudo recente, feito por pesquisadores suecos, é preocupante. ‘...dois minutos da radiação emitida pelos celulares prejudicam um mecanismo de defesa do organismo que impede a entrada no cérebro de certas proteínas e toxinas presentes no sangue. São elas que, ao penetrar nos tecidos cerebrais, aumentam os riscos de doenças como a de Alzheimer e Parkinson, além de esclerose múltipla. Os testes foram feitos na Universidade sueca de Lund, expuseram ratos a pulsos de microondas semelhantes aos emitidos pelos celulares. Outro trabalho realizado nos EUA, chegou a conclusões semelhantes. Porém, logo depois de noticiado, foi parcialmente desmentido pelo próprio pesquisador, Henry Lai, da Universidade de Washington. Segundo ele, 'ainda é prematuro dizer com certeza que o que aconteceu nos ratos de laboratório é o mesmo que se dá com o sujeito que usa celular'. A última pesquisa realizada no Reino Unido e divulgada pelo governo ‘aponta um resultado dúbio: não revela evidências de danos à saúde dos usuários em geral, mas alerta que as crianças podem estar expostas a riscos ao usar telefones celulares. O cérebro da criança é mais vulnerável à radiação dos celulares porque possui um crânio mais fino do que o dos adultos, segundo o estudo feito pela Universidade de Tayside a pedido do governo Britânico. Como há evidências de que a radiação causa alguma 'modificação biológica', diz o estudo, é melhor que as crianças só usem os aparelhos em casos estritamente necessários.’ Cientistas dos E.U.A, Suécia, Suíça e Alemanha reunir-se-ão em junho próximo para apresentar ao Parlamento Europeu o resultado de seus estudos sobre os riscos para a saúde do uso do celular. O engenheiro eletrônico belga, Daniel Comblin, consultor do Ecolo (Partido Verde da Bélgica - que pretende aplicar ao uso de celulares o Princípio da Precaução), já ressaltou: "Enquanto não se consegue determinar precisamente que tipo de risco o celular pode representar para a saúde, é melhor afastá-lo. A exposição permanente à ação das antenas reduz nosso nível de imunidade. Não que isso provoque doenças, mas permite que elas se desenvolvam mais facilmente”.

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É possível que no futuro exista prova técnica de que os celulares

não são seguros, que são prejudiciais tanto à saúde humana quanto ao meio

ambiente, mas uma coisa é certa: se algum legitimado atualmente promovesse

uma ação civil pública pleiteando a reparação aos danos ambientais e à saúde da

população causados pelo uso dos aparelhos celulares, a ação certamente seria

julgada improcedente, não por falta de prova, mas porque a perícia poderia não

identificar os verdadeiros agentes causadores dos danos. Neste caso, se houvesse

decisão de improcedência transitada em julgado, a via coletiva de reparação dos

danos estaria eternamente vedada em relação aos fornecedores contra os quais a

ação foi movida.

Por estes exemplos, fica claro que relativizar as decisões judiciais

transitadas em julgado em ações coletivas, quando os danos causados atingem os

direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos é uma necessidade do

próprio sistema jurisdicional. Nenhum juiz ou tribunal quer prestar um

desserviço à sociedade eternizando uma injustiça que tem o condão de atingir

milhares de pessoas; nenhum julgador, em sã consciência, quer agir em

descompasso com os princípios da economia e celeridade processual. Sabem

que uma única ação coletiva poderia resolver o problema de toda a coletividade

e que poderiam, de um lado, evitar que milhares de processos fossem

distribuídos e de outro, que milhares de pessoas ficassem à margem da

jurisdição, tendo que suportar amargamente os males de uma decisão injusta,

seja pela falta de recursos financeiros ou mesmo por ignorância.

O problema, todavia, é equacionar o princípio da segurança jurídica

com as outras garantias e direitos constitucionais igualmente importantes para os

jurisdicionados.

Todos os doutrinadores citados não defendem a “revogação” da

coisa julgada simplesmente. Não se está aqui declarando guerra ao milenar

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instituto romano. Trata-se tão somente de uma tentativa de contribuir para a

melhoria da jurisdição.

A advertência feita por Araken de Assis traz bem a calhar os

cuidados que se deve ter quando se cuida em flexibilizar a coisa julgada para

que a sociedade, ao invés de ser beneficiada com o expurgo de algumas decisões

injustas, pague o preço de não mais ver solucionado seus conflitos porque

lançada em situação de eterno litígio, in verbis:

“Aberta a janela, sob o pretexto de observar equivalentes princípios da Carta Política, comprometidos pela indiscutibilidade do provimento judicial, não se revela difícil prever que todas as portas se escancararão às iniciativas do vencido. O vírus do relativismo contaminará, fatalmente, todo o sistema judiciário. Nenhum veto, a priori, barrará o vencido de desafiar e afrontar o resultado precedente de qualquer processo, invocando hipotética ofensa deste ou daquele valor da Constituição. A simples possibilidade de êxito do intento revisionista, sem as peias da rescisória, multiplicará os litígios, nos quais o órgão judiciário de 1º grau decidirá, preliminarmente, se obedece ou não ao pronunciamento transitado em julgado do seu Tribunal e até, conforme o caso, do Supremo Tribunal Federal. Tudo, naturalmente, justificado pelo respeito obsequioso à Constituição e baseado na volúvel livre convicção do magistrado inferior”.422

O autor adverte para o risco de se perder “qualquer noção de

segurança e hierarquia judiciária”. Daí ser necessária a intervenção do

legislador para o estabelecimento das situações excepcionais possíveis de se

poder relativizar a coisa julgada.

O próprio Cândido Rangel Dinamarco, um dos maiores defensores

da flexibilização da coisa julgada, é cauteloso com as hipóteses de relativização,

dizendo que o que se busca com a proposta de relativização da coisa julgada não

é minar imprudentemente a autoridade da coisa julgada, ou ainda transgredir o

que a seu respeito diz a Constituição, mas apenas existir a possibilidade de

422ASSIS, Araken de. op. cit., p. 12.

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flexibilização em casos excepcionais, com o objetivo de afastar absurdos,

flagrantes injustiças, fraudes e desrespeito à ordem constitucional. A idéia não é

que a coisa julgada seja coisa rara e que a regra geral seja a relativização, mas

sim o contrário disso.423

O importante é que a sociedade, o legislador e o intérprete estejam

atentos a essa onda renovatória da coisa julgada. O Poder Judiciário não pode

continuar mantendo a postura de colocar a segurança jurídica de suas decisões

acima do bem e do mal (ainda que de toda a sociedade).

A empreitada pela flexibilização da coisa julgada está apenas

começando. O amadurecimento da sociedade em geral trará novos rumos para a

coisa julgada, já que no atual cenário mundial a revisão é medida de necessidade

para o alcance da justiça e da paz de todos.

Vislumbramos, no atual estágio do direito brasileiro, uma única

hipótese permissiva para a abertura da via excepcional para relativizar a coisa

julgada nas ações coletivas: o surgimento de uma nova prova técnica capaz de

mudar a decisão desfavorável que foi acobertada pela coisa julgada.

8.7.1. Definição de prova e prova técnica

Definir prova não é tarefa fácil na doutrina. Existe uma pluralidade

de conceitos, tanto restringindo a prova ao interesse processual, quanto

aproximando-a do âmbito material. Existem autores que a definem segundo um

conceito mais amplo do que a busca da verdade processual. E há aqueles, ainda,

423DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material, cit.

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que adotam uma definição segundo o direito positivo de seus respectivos

países.424

Para Francisco Augusto das Neves e Castro a prova, em seu sentido

jurídico, “é simplesmente a demonstração da verdade dos fatos alegados em

juízo”.425

João Carlos Pestana de Aguiar e Silva sustenta que, pela “pela

evidência regulamentar de nosso sistema processual codificado, prova é meio e

resultado” e mais à frente, define prova, em conformidade com o direito

processual como “todo meio em condições de obter o resultado, assim como o

próprio resultado, na pesquisa da verdade processual”.426

Moacyr Amaral do Santos comunga do mesmo entendimento que

Malatesta, com o qual concordamos, e conceitua a prova em sentido objetivo e

subjetivo. Para ele, prova no sentido objetivo são os meios de prova destinados a

fornecer ao juiz o conhecimento da verdade dos fatos deduzidos em juízo. Em

sentido subjetivo seria a atividade intelectiva formada no espírito do juiz, seu

424SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar. As provas no cível. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 6: “Sob esse

prisma, adotam a natureza processualista da prova Lessona, Chiovenda, Goldschmidt, Mittermaier, Adolf Wach, Schönk, Prieto-Castro, Jaime Guasp, Valentin Silva Melero, Hugo Alsina e Andrei Wishinki, dentre outros. Em favor da natureza mais geral, Nikisch, Leo Rosenberg, Isodoro Eisner e Castro Mendes, este último admitindo a prova como pertencente à teoria geral do direito (veja-se Do conceito de prova em Processo Civil, Lisboa, 1961, p. 271). Já o jurista colombiano Hernando Devis Echandia, provavelmente arrimado com o alcance da prova dado por Antonio Dellepiane para as ciências reconstrutivas em geral (Nueva Teoria General de La Prueba, Buenos Aires, 1939, p. 23). Lembra que a prova transcende os limites do direito, estabelecendo-se a todas as ciências que integram o saber humano e, inclusive, a vida prática cotidiana. (Echandia – Teoria General de La Prueba Judicial, 2º edição, 1972, T. I, p. 9). Em igual sentido Erich Döhring (La prueba, su Práctica e Apreciación, Buenos Aires, 1972, p. 7. Pontes de Miranda chega com eloqüência a censurar Melo Freire na limitação da prova ao ato judicial ou processual, tal como este o fizera ao afirmar: probatio est actus iudicalis, quo litigantes iudici de facto incontroverso, vel de re dubia fidem iudicio faciunt. A prova é ato judicial, quando os litigantes convencem o juiz a respeito do fato incontroverso, ou, ao contrário, por reflexão, de já coisa duvidosa.. É processualizar-se gritantemente a prova” verberou – “Pensar-se em prova judicial quando se fala de prova é apenas devido à importância espetacular do litígio, nas relações jurídicas entre os homens. As provas destinam-se para convencer da verdade; tal o fim. (Pontes de Miranda – Tratado de Direito Privado, T.III, parágrafo 345, p. 404)”

425CASTRO, Francisco Augusto das Neves e. Teoria das provas e sua aplicação aos atos civis. Campinas: Servanda, 2000. p. 32.

426SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar. op. cit., p. 8.

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principal destinatário, quanto à verdade desses fatos, ou seja, a convicção que

geram no juiz”.427

A prova técnica é a pericial, consistente em exame, vistoria ou

avaliação, na dicção do artigo 420 do Código de Processo Civil. A prova pericial

não é necessária ou realizada em todos os processos. Isto porque existem fatos

que não demandam conhecimento técnico para a verificação de sua ocorrência;

podem estar provados por outros meios de prova ou então sua verificação é

impraticável. Em ocorrendo uma dessas três ocorrências, o juiz indeferirá a

realização da prova pericial.

8.7.2. Objeto da prova

Objeto da prova são os fatos, acontecimentos ou circunstâncias que

devem ser provados no processo.428 Somente os fatos relevantes para a lide

devem ser provados e pela regra do artigo 451 compete ao juiz fixar, em

audiência, os pontos controvertidos que serão objetos de prova.

O artigo 334 do CPC expressamente estatui que independe de prova

os fatos notórios; afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

admitidos no processo como incontroversos e aqueles em cujo favor milita

presunção de direito.

O fato notório, na definição do Prof. Nelson Nery, é “o de

conhecimento pleno pelo grupo social onde ele ocorreu ou desperta interesse,

427SANTOS, Moacyr Amaral dos. Primeiras linhas de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

v. 2, p. 329. 428João Mendes de Almeida: “o juiz deve ‘ser instruído nas premissas maior e menor do silogismo a que se

reduz sua função, isto é: a) no direito; b) no fato. Não pode julgar, efetivamente, quem não conhece a lei; impossível se torna raciocinar na ignorância da proposição maior, que é o princípio jurídico aplicável. Também não pode julgar o magistrado que desconhece o caso concreto, isto é, a premissa menor. E perdura a razão: o juízo que deve emitir depende das duas afirmações”. ALMEIDA, João Mendes de. A contrariedade na instrução criminal. São Paulo: Graf Cruzeiro do Sul, 1937. p. 3-4.

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no tempo, no lugar onde o processo tramita e para cujo deslinde sua existência

tem relevância”.429

O fato incontroverso é aquele admitido como verdadeiro em juízo

pelo fato de não ter sido impugnado ou posto em dúvida. Na nossa sistemática

processual, ocorre quando o réu é revel ou então quando não são impugnados na

contestação os fatos narrados pelo autor na petição inicial.

Arruda Alvim, conceituou presunção nos seguintes termos:“A

presunção, genericamente considerada, constituiu-se num processo lógico-

jurídico, admitido pelo sistema para provar determinados fatos, por meio de

cujo processo, desde que conhecido um determinado fato, admitiu-se como

verdadeiro um outro fato, que é desconhecido, e que é (este último) o inserido

no objeto da prova”.430

As presunções podem ser simples (do homem comum) e legais

(decorrem da lei). Estas podem ser absolutas ou relativas. As presunções

absolutas não admitem prova em contrário, ao passo que as presunções relativas

admitem.

O direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário

quando alegado pelas partes deve por elas ser provado quanto ao teor e à

vigência, se assim determinar o juiz (art. 337 CPC).431 Trata-se de um

429NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 700. 430ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, cit., v. 2, p. 597. 431AGRAVO – DENEGAÇÃO DE RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA –

INTEMPESTIVIDADE – PRORROGAÇÃO DE EXPEDIENTE FORENSE NÃO COMPROVADA OPORTUNAMENTE – Cabe à Recorrente comprovar, quando da interposição do recurso ordinário, a existência de motivo que justifique a prorrogação do prazo recursal, sob pena de preclusão. Não constitui fato notório a prorrogação de prazo judicial, decorrente da antecipação do encerramento do expediente forense nos órgãos da Justiça do Trabalho da 1ª Região, ocasionado por jogo do Brasil na Copa do Mundo, sobretudo porque o art. 337 do CPC determina que a Parte que alegar direito estadual ou municipal, provar-lhe-á o teor e a vigência oportunamente. Inteligência da Orientação Jurisprudencial nº 161 da SBDI-1 do TST. Agravo a que se nega provimento. (TST – AROMS 482950 – SBDI 2 – Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho – DJU 05.10.2001 – p. 565). AGRAVO DO ART. 557, § 1º, DO CPC – RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA – INTEMPESTIVIDADE – FERIADO LOCAL – Cabe ao Recorrente comprovar, quando da interposição do recurso, a existência de feriado local que justifique a prorrogação do prazo recursal, sob pena de preclusão.

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abrandamento da máxima iuri novit curia (o juiz conhece o direito). O legislador

quis deixar claro que o julgador deve conhecer a legislação federal. Se o direito

for municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, fica o magistrado

autorizado a determinar sua prova e vigência. Natural que assim o seja, tendo

em vista a extensão continental e o federalismo brasileiro, conforme bem

observa Marcelo Abelha.432

8.7.3. A finalidade e o destinatário da prova e a coisa julgada

Busca-se com o processo e a atividade probatória a verdade dos

fatos articulados pelas partes. É por meio do conhecimento desta verdade que o

juiz formará os elementos de convicção que lhe permita julgar com acerto e

justiça. Ou seja, a finalidade da prova é a de fornecer elementos de convicção ao

juiz, que é o destinatário da prova. Todavia, o alcance da verdade não é requisito

para a validade e eficácia de uma sentença. Basta que a sentença seja

verossímel.433

Como já dito, ao Estado é incumbida a difícil missão de ministrar a

distribuição da Justiça, através da Jurisdição. Muito já se falou acerca da justiça

das decisões. Não basta simplesmente que os magistrados profiram decisões

Não se constitui em fato notório a existência de feriado local, sobretudo porque o art. 337 do CPC determina que a Parte que alegar direito estadual ou municipal, provar-lhe-á o teor e a vigência. Inteligência da Orientação Jurisprudencial nº 161 da SBDI-1 do TST. Agravo a que se nega provimento. (TST – AROAR 607331 – SBDI 2 – Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho – DJU 30.03.2001 – p. 553).

432ABELHA, Marcelo. Ação civil pública e meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 186. 433Nesse sentido, doutrina Arruda Alvim:“A verdade, no processo, deve ser sempre buscada pelo juiz, mas o

legislador, embora cure da busca da verdade, não a coloca como um fim absoluto, em si mesmo. Ou seja, o que é suficiente, muitas vezes, para a validade e eficácia da sentença é que, conquanto o escopo do juiz haja de ser a descoberta da verdade, este fim não é absoluto, no sentido, v.g., de que, se um processo tiver tido uma prova mal avaliada, deixe a decisão nele proferida de subsistir, pois a má apreciação da prova não enseja cabimento ou não é fundamento para a ação rescisória. Se este é o entendimento que deve prevalecer, quer isto que a ordem jurídica convive e alberga decisões menos exatas (não desejáveis, mas toleráveis), quanto à apreciação da prova, ou seja, quanto a verdade apurada”.

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somente para que se desincumbem de suas obrigações legais. Essas decisões têm

que ser lastreadas em elementos que tornem inafastáveis os argumentos

utilizados pelos magistrados na sentença, notadamente quando são alcançadas

pela imutabilidade da coisa julgada.

A par da pesquisa da verdade real, que muitas vezes não é dado ao

juiz realizar até as últimas conseqüências, justamente pela falibilidade dos juízes

humanos e inacessibilidade da verdade absoluta, erige o direito como meta,

também, valiosa, a de outorgar segurança às pessoas nas suas diversas relações

ou situações jurídicas.

Assim, tão importante como a pesquisa da verdade e a busca da

justiça é a manutenção da segurança do indivíduo no seu relacionamento

jurídico-social. O processo, que é um fenômeno dinâmico, caminha

forçosamente para uma solução que, qualquer que seja ela, se manifeste

revestida de definitividade, capaz de eliminar o conflito jurídico de forma a

tornar indiscutível e imutável a solução ditada pelo órgão judicial depois de

exaurida a atividade jurisdicional.

Vê-se, portanto, que a questão probatória é de fundamental

importância para nortear o magistrado no momento em que irá proferir sua

decisão. É por meio dela que o julgador poderá conhecer a verdade dos fatos e,

baseado nas provas dos autos, é que fundamentará sua decisão. Portanto, quanto

mais instruído estejam os autos, maiores os elementos de convicção para que o

juiz possa decidir acertadamente.

Aliás, há quem afirme que a prova é o real elemento legitimador da

coisa julgada. Nesse sentido, Marcelo Abelha posicionou-se:

“A prova, portanto, é um desses instrumentos decisivos, eu diria, no alcance da paz social. Ora, se a coisa julgada é fenômeno político de pacificação social, fruto de uma verdade jurídica que, muitas vezes, não corresponde à realidade dos fatos – e às vezes por isso se diz que

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é fenômeno criador de direitos – não se pode negar que a prova no processo tem uma força capital, qual seja, de único instrumento legitimador da coisa julgada ou, em outras palavras, é a prova e especialmente a convicção que dela resulta que servem como real elemento para a coincidência da verdade formal e da verdade real (ainda que esta esteja sendo vista como um utopia), tornando-se, portanto, legitimadora do fenômeno da coisa julgada”.434

O citado autor esclarece que não é a coisa julgada propriamente dita

que traz a paz social. Sem desconsiderar o elemento político da coisa julgada,

esta só se legitima quando as decisões são fundamentadas na demonstração da

ocorrência dos fatos narrados na lide e levadas à apreciação do Estado-Juiz.

Nesta hipótese, a sociedade e os próprios litigantes reconhecem a justiça das

decisões porque sabem que elas foram tomadas por meio das evidências das

provas.435

O argumento tem honras de cidade. Com efeito, as partes,

vencedoras ou perdedoras, podem se conformar quando restou cabalmente

demonstrado que suas pretensões tinham ou não condições legais de prosperar.

Se este raciocínio está correto para as lides individuais, com muito mais

propriedade também está correto para as ações coletivas, vez que não é difícil

explicar à sociedade a ocorrência da formação de uma decisão judicial final

fundamentada em provas produzidas durante a instrução processual e sob os

olhos imparciais do magistrado.

Portanto, é papel de relevo a demonstração dos fatos alegados por

todos os meios de prova admitidos em direito, mesmo porque é sabido que a

instrução imperfeita ou a deficiência de provas não são motivos que autorizam a

propositura de ação rescisória.

434ABELHA, Marcelo. op. cit., p. 181. 435Id. Ibid.

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Exceções a essa regra, como já tratado, constituem o artigo 18 da

Lei de Ação Popular (Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, onde está expresso

que “A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no

caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova”) ,

artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública, com a redação dada pela Lei 9494/97

(“A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência

territorial do prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por

insuficiência de provas...) e artigo 103 do CDC, onde está disposto que os

efeitos da sentença fará coisa julgada erga omnes ou ultra partes, dependendo

do direito postulado, salvo se houver improcedência do pedido por insuficiência

de provas.

Assim, em se tratando de ação popular, ação civil pública ou

qualquer outra ação para a defesa dos interesses e direitos difusos e coletivos,

quando o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, não

haverá formação da coisa julgada. Todavia, é muito raro um pedido formulado

em ação coletiva ser julgado improcedente por insuficiência de provas, seja pelo

desconhecimento do real alcance da norma em vigor, seja pela influência da

tradição privatista do nosso direito, fruto do Estado Liberal.

Vale lembrar que a apreciação da prova pelo juiz é livre, todavia

deverá fundamentar sua decisão, conforme prescreve o artigo 131 do CPC.436

Trata-se do princípio da livre convicção fundamentada. Decisões judiciais sem

fundamentação são nulas, vez que violam o artigo 93, IX, da Constituição

Federal.

Na lição de Nelson Nery Jr., a prova legal “é o limite do livre

convencimento motivado”. Segundo o autor:“Quando a lei estabelece que

436Art. 131 do CPC: “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos

autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 5.925, de 01.10.1973).

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somente por determinado meio se prova um fato, é vedado ao juiz considerá-lo

provado por outro meio, por mais especial que seja. O estado da pessoa, por

exemplo, somente se prova mediante certidão do cartório de registro civil. Não

pode o juiz considerar provado casamento, quando a demonstração desse fato

tiver sido feita por testemunhas ou documentos que não a certidão do registro

civil”.437

Na linha de pensamento desenvolvida nesse trabalho,

independentemente de quais provas tenham sido determinadas pelo juiz, de

ofício ou a requerimento das partes e da fundamentação utilizada, o surgimento

de uma nova prova técnica que no futuro venha a demonstrar o desacerto da

decisão levada a efeito pelo Poder Judiciário é motivo suficiente para desativar a

coisa julgada constituída.

8.7.4. Ônus da prova

As regras do ônus da prova são destinadas aos litigantes. Trata-se

do comportamento que se espera de cada um no tocante à atividade probatória

que deverá ser desenvolvida no processo.

Para que o pedido formulado na petição inicial seja julgado

procedente, os fatos articulados na peça vestibular deverão ser provados. No

direito romano a regra era semper onus probande ei incumbit qui dict, ou seja, o

ônus de provar os fatos é incumbência de quem os alega. Como é o autor que

437NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 481.

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sempre inicia a demanda, o princípio passou a ser conhecido como actori

incumbit onus probandi, isto é, cabia ao autor o ônus de provar.438

O preceito parecia eximir da prova o réu que negasse a afirmação

do autor (ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat). Todavia, nem sempre a

defesa do réu consistia na negativa dos fatos articulados pelo autor. Muitas

vezes, o réu alegava fatos que extinguiam, anulavam, impediam ou modificavam

os fatos enunciados pelo autor. Ulpiniano, observando esses fatos, criou o

princípio, a saber: reus in exceptione actor est, ou seja, os fatos afirmados pelo

réu em sua defesa também devem ser provados.439

No Estado Liberal, a idéia de que o Estado não deveria atrapalhar

as liberdades individuais em razão da igualdade de todos perante a lei foi o tema

central do Estado Liberal. Havia, nesta época, uma preocupação da propriedade

e da liberdade sob a ótica de uma igualdade formal entre as pessoas. Todos

poderiam usar, gozar e dispor de seus bens como bem quisessem. O Estado

deveria ficar distante dessas discussões e o juiz, como funcionário do Estado,

também não deveria intervir sem ser chamado para preservar a vontade das

partes. 440

No Poder Judiciário, a filosofia do Estado Liberal, na prática, pode

ser traduzida como uma verdadeira omissão dos juízes no curso do processo,

exceto quando fossem chamados, devendo ser neutros quanto aos poderes

instrutórios.

O sistema jurídico atual permite o “poder-dever” para que o juiz

determine a produção da prova que entender necessária para elucidação dos

fatos alegados pelas partes e que sejam necessárias para o julgamento da lide,

438LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Revista de

Direito do Consumidor, São Paulo, v. 12, n. 47, p. 208, jul./set. 2003. 439SANTOS, Moacyr Amaral. op. cit., v. 2, p. 344. 440ABELHA, Marcelo. op. cit., p. 175.

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indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Esse poder

instrutório deve ser exercido pelo juiz para garantir a igualdade de tratamento às

partes.

Com efeito, o artigo 130 do CPC dispõe que compete ao juiz, de

ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias para instruir

o processo, bem como o indeferimento das providências inúteis ou meramente

protelatórias.441

A norma não prevê limites para a atuação de ofício do juiz.442 443

Mas isso não significa que o juiz pode deixar de ser imparcial ou de observar o

princípio do contraditório.

Nelson e Rosa Nery ensinam que o poder instrutório do juiz refere-

se à sua atividade no sentido da produção da prova. O ônus da prova é regra de

julgamento, que só é aplicada pelo juiz no momento em que for dar a sentença,

ou seja, depois que a prova foi produzida.444445

441SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – PRESTAÇÕES DO MÚTUO – PROVA PERICIAL – 1.

O litígio entre o mutuário do Sistema Financeiro da Habitação e o agente financeiro, que tem por objeto a discussão do valor do encargo mensal e do saldo devedor deve ser dirimido à luz de prova pericial. Precedentes desta Corte. 2. A atuação do Poder Judiciário deve se voltar para que o Direito seja atendido e a Justiça satisfeita. Por isso mesmo que o comando do art. 130 do CPC emana poder-dever ao magistrado no sentido de determinar as provas necessárias para solução da lide, o que deve fazer mesmo ante a omissão da parte, sob pena de o processo revelar apenas a verdade formal, que na hipótese converte a sentença num juízo apofântico expressando uma proposição que pode ser verdadeira ou falsa, o que não se sabe, porquanto a prova pericial não foi realizada. 3. O pronunciamento do Contador do Juízo não se avulta suficiente para esclarecer se houve ou não o respeito à equivalência salarial, considerando-se o rompimento da equação financeira inicialmente estabelecida no ajuste que revela o comprometimento de renda, bem como não esclarece se aplicou a taxa básica de remuneração dos depósitos em caderneta de poupança, cumulativamente com os percentuais de equivalência salarial. Apenas os esclarecimentos de tais circunstâncias poderão ensejar um provimento jurisdicional de modo a satisfazer a Justiça no caso concreto. 4. Sentença anulada. Prejudicados a apelação e o agravo retido. (TRF 1ª R. – AC 01000171350 – PA – 3ª T.Supl. – Rel. Juiz Conv. Carlos Alberto Simões de Tomaz – DJU 05.06.2003 – p. 155).

442NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 481. 443AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO MONITÓRIA – ALEGAÇÃO DA PRÁTICA DE

ANATOCISMO – PERÍCIA DETERMINADA DE OFÍCIO – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 130 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – RECURSO NÃO PROVIDO – DECISÃO UNÂNIME – O juiz, na impulsão do processo, tem amplos poderes para determinar a produção das provas que entender cabíveis e com a abrangência que for necessária, conforme seu livre convencimento, segundo as disposições do artigo 130 do Código de Processo Civil. (TJPR – Ag Instr 0115315-1 – (8474) – Ponta Grossa – 6ª C. Cív. – Rel. Des. Antônio Lopes de Noronha – DJPR 18.03.2002).

444NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 479. 445AGRAVO INTERNO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A

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230

De acordo com o artigo 333 do CPC, o ônus da prova incumbe ao

autor, quanto aos fatos constitutivos de seu direito e ao réu, quanto aos fatos

impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. A exceção a essa

regra está disposta no artigo 334 do CPC, que exime de prova os fatos notórios;

afirmados por uma parte e confessados pela contrária, admitidos no processo

como incontroversos e em cujo favor milita presunção legal de existência ou

veracidade.

Importante ressaltar que o ônus de produzir uma prova não impede

que o adversário, inadvertidamente ou não, a produza e dela se beneficie aquele

que tinha o ônus de produzi-la.

Releva notar que existem diferenças entre ônus e obrigação. Para

Arruda Alvim, se não houver cumprimento de uma obrigação pelo obrigado, a

outra parte poderá obrigá-lo coercitivamente a adimpli-la ou cumpri-la. Com o

ônus isso não ocorre. Aquele que não se desincumbir de seu ônus sofrerá as

conseqüências negativas de sua omissão, que recairão sobre ele próprio. O autor

também menciona que a obrigação tem um valor e pode ser convertida em

pecúnia o que não ocorre com o ônus. Para ele, existe ainda uma terceira figura:

a do dever.446

Moacyr Amaral dos Santos leciona que a palavra ônus deriva do

latim onus e significa peso, fardo. O onus probandi tem como tradução

aproximada o dever de provar, aqui tido como necessidade de provar. Esse dever

é considerado no sentido de interesse, de necessidade de provar. 447

AGRAVO DE INSTRUMENTO – DECISÃO QUE DETERMINA A EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – INFRAÇÃO AS REGRAS DO ART. 333 DO CPC – Inexistência. As normas sobre o ônus da prova são regras de julgamento. Aplicação dos arts. 335 e 130 do CPC. Observância dos princípios da obtenção coativa dos meios materiais de prova e da iniciativa oficial na atividade de instrução. Recurso desprovido. (TJRS – AGV 70005420203 – 6ª C. Cív.– Rel. Des. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira – DJRS 27.11.2002).

446NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 476. 447SANTOS, Moacyr Amaral. op. cit., v. 2, p. 344.

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231

Assim, temos que o ônus deve ser tido como a necessidade que a

parte tem de produzir provas, sob pena de ter sua pretensão não reconhecida

pelo direito.

8.7.4.1. Inversão do ônus da prova

A regra prevista no artigo 333 do Código de Processo Civil pode

sofrer inversão quando a lide versar sobre uma relação de consumo ou quando

se tratar de ação coletiva. É que de acordo com o artigo 6º, VIII, do CDC o juiz

deverá inverter o ônus da prova, quando, a seu critério, se deparar com a

verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do consumidor, segundo as

regras ordinárias de experiência.

As regras ordinárias de experiência para o magistrado equivalem ao

conjunto de raciocínios lógicos elaborados para apreciar a probabilidade de

ocorrência dos fatos dos autos conforme narrado pelas partes, a partir de regras

do cotidiano, sem se ater exclusivamente ao critério da legalidade.

A inversão do ônus da prova é uma das maneiras que o legislador

encontrou de facilitar a defesa do consumidor em juízo, para fins de se buscar o

equilíbrio da desigual relação jurídica entre consumidor e fornecedor, diante da

desvantagem destes em relação à compreensão e controle do processo de

produção e do comércio realizado pelos fornecedores.

Assim, a inversão do ônus da prova exsurge como manifestação do

princípio constitucional da isonomia, previsto no artigo 5º, I, da Constituição

Federal, como forma de se alcançar a igualdade real entre as partes. Isto porque

tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas

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desigualdades, é medida necessária para o alcance da justiça efetiva, conforme

nos ensinou há tempos o pensador grego Aristóteles.

A inversão do ônus da prova só se justifica em razão do notório

desequilíbrio existente entre as partes envolvidas numa relação de consumo,

pois caso contrário, estaria eivada de inconstitucionalidade, dado que não é

permitido ao legislador criar leis discriminatórias injustamente, de forma a

violar o princípio da isonomia garantido pela Constituição Federal.

Havendo, pois, uma relação de consumo e a verossimilhança das

alegações ou o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor, a inversão

do ônus da prova é medida vinculada a ser tomada pelo magistrado.448 Não há

necessidade de requerimento do consumidor para que o juiz inverta o ônus da

prova em razão do disposto no artigo 1º da legislação consumerista.

Há de se registrar, também, que no artigo 38 do CDC está previsto

o que a doutrina chama de inversão da prova ope legis. O referido dispositivo

legal dispõe que “o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou

comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”. Neste caso, não existe

nenhum requisito legal a ser preenchido. A inversão não precisa ser decretada

pelo juiz. O fornecedor sabe, por disposição da lei, que a ele cabe provar a

veracidade ou corrigir eventuais informações ou campanhas publicitárias e a

esse respeito não existe dúvida nem na doutrina nem na jurisprudência.

Todavia, na hipótese do artigo 38 do CDC, ao invés de tratarmos o

instituto como inversão do ônus da prova, melhor seria se falássemos em

distribuição diversa do ônus da prova.

448Mirella Dángelo Caldeira entende que “(...) o magistrado determinará ou não a aplicação do art. 6º, VIII, pela

decisão entre duas alternativas: verossimilhança das alegações ou hipossuficiência, sendo certo que, em havendo apenas uma das duas situações, estará o magistrado obrigado a inverter o ônus da prova.” CALDEIRA, Mirella Dángelo. Inversão do ônus da prova. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 10, n. 38, p. 173, abr./jun. 2001.

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233

Questão de relevo que se coloca é a referente à inversão do ônus

econômico-financeiro da prova em razão de sua inversão. Se houvesse a

inversão do ônus da prova no processo ficaria o consumidor responsável pelo

pagamento das despesas?

Rizatto Nunes entende que sim, porque a questão da produção da

prova é de natureza processual, ao passo que a condição econômica do

consumidor refere-se ao direito material. Nesse passo, a inversão do ônus da

prova não implicaria a inversão do pagamento das custas processuais. Até

porque se fosse para tutelar as pessoas carentes no processo, não haveria

necessidade de inversão do ônus da prova, mas tão somente determinação

judicial no sentido de que o fornecedor arcasse com as despesas. O autor ainda

lembra que para tutelar os pobres na acepção jurídica do termo existe a justiça

gratuita, mas que esse direito não implica em isenção de provar seu direito.449

Com efeito, a regra do artigo 19 do CPC é impor à parte que

realizou ou requereu algum ato no processo a antecipação do seu pagamento. Já

o artigo 33 do CPC dispõe que o pagamento do perito deverá ser feito por quem

requereu a perícia, mas se ambas as partes a requereram ou sua realização se deu

por determinação do juiz, o responsável pelo pagamento é o autor.450

449NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor, cit., p. 124. 450Nesse sentido, pode-se citar as seguintes decisões: PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO

– ART. 33 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – PERÍCIA REQUERIDA POR AMBAS AS PARTES – DECISÃO QUE DETERMINOU À RÉ O ADIANTAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – INTERPRETAÇÃO – 1. Há expresso pedido na inicial da ação que originou o presente recurso de necessidade de realização de prova pericial. 2. A CEF também postulou, por ocasião da fase de especificação de provas, pela produção de prova pericial. 3. Segundo exegese do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, tem-se que a inversão do ônus probatório constitui exceção à regra geral estabelecida no artigo 333, inciso I, do CPC, quanto à produção de provas e não quanto à responsabilidade pelo pagamento de despesas relativas a estas. 4. À luz do disposto no art. 33 do CPC, cabe ao autor da ação o pagamento dos honorários periciais quando requerido por ambas as partes. 5. Agravo parcialmente provido, para determinar que caberá aos autores/agravados arcar com o adiantamento dos honorários periciais. (TRF 1ª R. – AG 01000413926 – AM – 5ª T. – Relª Desª Fed. Selene Maria de Almeida – DJU 23.05.2003 – p. 213). PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONTRATO DE FINANCIAMENTO DA CASA PRÓPRIA – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – HONORÁRIOS PERICIAIS – ADIANTAMENTO – ARTIGO 33 DO CPC – INVERSÃO O ÔNUS DA PROVA – REGRA DE JULGAMENTO – ARTIGO 6º INCISO VIII DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – JUSTIÇA GRATUITA – LEI Nº 1060/50 – AGRAVO PROVIDO – 1. Os honorários devidos ao perito, enquanto não disciplinada a responsabilidade pelo ônus da sucumbência em final julgamento, devem ser

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Mas há quem entenda que a inversão do ônus da prova também

implica numa inversão de quem pague os seus custos de produção. André

Gustavo C. de Andrade sustenta que a regra do art. 19 do CPC é de que os

custos da perícia deve recair sobre quem a prova interessa. E se houve inversão

do ônus da prova, o interesse pela sua produção é do consumidor, pelo que cabe

a ele arcar com as despesas respectivas.451

Ademais, também existe entendimento jurisprudencial de que com

a inversão do ônus da prova, opera-se também a inversão dos custos da

realização da prova.452

Pensamos que assiste razão à segunda corrente. De fato, se ocorre a

inversão do ônus da prova, o interesse pela produção da prova passa a ser do

fornecedor, pelo que caberia a ele o pagamento pelos gastos daí oriundos.

Todavia, não podemos esquecer que a inversão do ônus da prova

deve ser apreciada pelo juiz na sentença, em razão de ser uma regra de

julgamento. Daí decorre que o consumidor, mesmo preenchendo os requisitos da

inversão do ônus da prova, caso não tenha como pagar os custos da produção da

suportados pela parte que houver requerido a prova, ou pelo autor, quando requerida por ambas as partes, ou quando determinada de ofício pelo Juiz, nos termos do que dispõe o artigo 33 do Código de Processo Civil. 2. A expressão "a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova..." contida no inciso VIII, do artigo 6º, da Lei nº 8.078/90 não se traduz em inversão da responsabilidade pelo adiantamento dos honorários periciais. 3. Se a parte não tem condições de suportar as custas e despesas do processo, deve valer-se do disposto na Lei nº 1060/50. 4. Agravo provido. (TRF 3ª R. – AG 166729 – (2002.03.00.046012-1) – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce – DOU 27.05.2003 – p. 262).

451“A regra, no tocante às despesas processuais, é a de que os custos da prova devem recair, de ordinário, sobre aquele a quem a prova interessa (art. 19 do CPC). Assim, se o fato não depende de comprovação pelo consumidor, em razão da inversão do ônus da prova, caberá ao fornecedor, a quem interessa a prova, arcar com as despesas respectivas. Isso vale não apenas para a prova requerida pelo fornecedor, mas também para a determinada de ofício pelo juízo (se a prova interessar ao fornecedor). Desse modo, em sendo o caso de inversão do ônus probatório, não há como impor ao consumidor o pagamento das despesas para a produção da prova que, em razão da inversão, tenha passado a constituir interesse do fornecedor. Em tal situação, à evidência, a inversão do ônus financeiro se opera junto com a inversão do ônus da prova, como conseqüência lógica dessa“. ANDRADE, André Gustavo C. de. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do consumidor, São Paulo, v. 12, n. 48, p. 95, out./dez. 2003.

452CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – LEASING – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – PERÍCIA – ANTECIPAÇÃO DE DESPESAS – APLICA-SE O CDC ÀS OPERAÇÕES DE LEASING – A inversão do ônus da prova significa também transferir ao réu o ônus de antecipar as despesas de perícia tida por imprescindível ao julgamento da causa. Recurso não conhecido. (STJ – RESP 383276 – RJ – 4ª T. – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – DJU 12.08.2002).

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prova, deve socorrer-se da justiça gratuita, requerendo sua concessão na petição

inicial, conforme dispõe a Lei 1.060/50.

Se puder pagar as custas e o pedido for julgado procedente, o juiz

fixará na sentença o dever do fornecedor ressarcir o consumidor pelas despesas

realizadas, quando fixar o ônus da sucumbência. Caso não o faça, o consumidor

deverá interpor embargos de declaração e ainda, caso necessário, recurso de

apelação.

Por fim, vale frisar que a inversão do ônus da prova pode ser

aplicada tanto às ações coletivas que versem sobre tutela do consumidor, quanto

às ações civis públicas, quando preenchidos os requisitos do art. 6º, VIII do

CDC. Apesar da regra não constar no Título III do CDC, pode ser aplicada

porque trata-se de matéria iminentemente processual adotada pelo legislador

como o objetivo de promover a facilitação de direitos. Deve-se levar em

consideração o princípio da isonomia somado ao fato de que a produção de

provas no processo coletivo muitas vezes constitui obstáculo instransponível a

ser superada pelos legitimados do artigo 82 do CDC e art. 5º da Lei de Ação

Civil Pública.453

453Releva notar que o artigo 11 do Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos dispõe, in

verbis:“Art. 11. Provas – São admissíveis em juízo todos os meios de prova, desde que obtidos por meios lícitos, incluindo a prova estatística ou por amostragem. Par. 1o. O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração. Par. 2o. Durante a fase instrutória, surgindo modificação de fato ou de direito relevante para o julgamento da causa, o juiz poderá rever, em decisão motivada, a distribuição do ônus da prova, concedido à parte a quem for atribuída a incumbência, prazo razoável para a produção da prova, observado o contraditório em relação à parte contrária. Par. 3º. O juiz poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o contraditório”.

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8.7.4.2. Os requisitos da verossimilhança e hipossuficiência

O vocábulo verossimilhança significa aquilo que é semelhante à

verdade, que aparenta ser verdadeiro, plausível ou provável. É um vocábulo

indeterminado, mas diante de um fato concreto, o juiz tem condições de apreciar

a sua ocorrência.

Luiz Antonio Rizzatto Nunes ensina que não se pode confundir a

verossimilhança que se extrai da narrativa de um fato concreto com a própria

narrativa. Ou seja, não é do uso de uma boa técnica redacional da petição ou de

qualquer outra peça do processo, através de uma argumentação convincente, ou

da conexão lógica das normas vigentes no ordenamento jurídico com os fatos

narrados que se extrai a verossimilhança. Esta decorre do conteúdo persuasivo

que se pode ter da leitura dos fatos. O doutrinador sustenta, ainda, que o juiz

deve aguardar a contestação para aferir o grau de verossimilhança das alegações

da inicial, comparando-as com os elementos trazidos pela peça de defesa.454

A hipossuficiência tradicionamente era entendida pela doutrina

como uma condição que acompanhava a parte economicamente mais fraca de

uma relação jurídica e, em razão dessa inferioridade, merecia proteção especial

do legislador.455

Atualmente, existe uma vertente da doutrina e jurisprudência, com

a qual concordamos, no sentido de se considerar a hipossuficiência do

consumidor como técnica e não econômica.

Com efeito, o consumidor não deve ser visto como hipossuficiente

tão somente porque é pobre. O Código de Defesa do Consumidor não busca dar

454NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (arts 1º a

54). São Paulo: Saraiva, 2000. p. 123. 455LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Ed. Revista dos

Tribunais, 2001. p. 88.

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proteção e promover a facilitação dos direitos dos consumidores pobres, mas de

todos os consumidores em geral, desde os pobres até os milionários, para fins de

uma tutela jurisdicional efetiva e adequada.

No contexto do artigo 6º, VIII, do CDC, a hipossuficiência do

consumidor deve ser entendida como a técnica, porque é nesse sentido que o

consumidor encontra-se francamente em desvantagem em relação ao fornecedor.

De fato, o consumidor não conhece os aspectos relacionados com a

cadeia produtiva e com a prestação de serviços e dificilmente conseguiria

produzir prova nesse sentido. É o fornecedor quem conhece detalhadamente o

projeto executivo dos produtos que fornece ou dos serviços que presta. O

conhecimento técnico do fornecedor é inerente às suas atividades.

Portanto, é esse monopólio da informação que desequilibra a

relação jurídica entre consumidor e fornecedor no tocante à produção da prova e

que justifica a sua inversão, como medida de se levar a efeito o princípio da

isonomia real e não meramente formal no processo judicial.

Os legitimados do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor

também podem ser considerados hipossuficientes porque, como os

consumidores, não conhecem detalhes do processo de produção, informação

detida apenas pelos fornecedores.

É importante salientar que não se há de confundir o conceito de

hipossuficiência com o de vulnerabilidade do consumidor.

A vulnerabilidade é qualidade de todos os consumidores porque o

legislador a reconheceu como tal, expressando-a no artigo 4º, I, do CDC, por ser

o consumidor a parte mais fraca no mercado, sujeitando-se às práticas dos

fornecedores de produtos e serviços. Trata-se de uma presunção iure et de iure,

portanto independe de pronunciamento jurisdicional.

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Os motivos que levaram o legislador a reconhecer essa fragilidade

são de duas ordens: técnica e econômica. A vulnerabilidade técnica decorre,

como a hipossuficiência, da ignorância do consumidor em relação aos aspectos

técnicos da cadeia produtiva e da prestação de serviços. A vulnerabilidade

econômica advém do fato de que, via de regra, é o fornecedor quem detém

maior capacidade econômica que o consumidor.

Assim, temos que todos os consumidores são vulneráveis, mas isso

não significa que todos também sejam hipossuficientes. A hipossuficiência

deverá ser aferida pelo magistrado por meio de um critério de razoabilidade.

Trata-se de expressões, portanto, que não devem ser entendidas como

sinônimos. O reconhecimento da hipossuficiência traz como conseqüência a

decretação da inversão do ônus da prova.

8.7.4.3. Momento da inversão

Tendo em vista que a inversão do ônus da prova não é automática,

devendo o juiz, a seu critério, fazê-lo, se vislumbar a hipossuficiência ou a

verossimilhança da alegação, reveste de suma importância o momento

processual em que isso deve ocorrer.

Roberto Senise Lisboa entende que a inversão do ônus da prova

deve ser decretada até o final da fase postulatória, para não surpreender

indevidamente a outra parte. Sustenta, também, que a inversão do ônus da prova

após a fase instrutória atentaria contra os princípios do devido processo legal,

ampla defesa e contraditório.456

Luiz Antonio Rizzatto Nunes entende que o melhor momento para

a inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e o despacho

456LISBOA, Roberto Senise. op. cit., p. 90.

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saneador. Na maior parte dos casos, após a contestação, na qual se prepara a fase

instrutória, indo até o saneador, ou no próprio momento do despacho

saneador.457

Os autores que sustentam que a inversão do ônus da prova deve se

dar até o despacho saneador assim o fazem por entender que a inversão do ônus

da prova é uma regra de procedimento e não de julgamento. Essa afirmação

normalmente vem acompanhada de argumentos no sentido de que se o

fornecedor não fosse comunicado que sobre ele recairia o ônus de provar que o

consumidor não tinha o direito, estariam sendo violados os princípios do

contraditório, ampla defesa e devido processo legal. É que a sentença prolatada

surpreenderia inteiramente o fornecedor, que acharia que o ônus da prova ficaria

a cargo do consumidor em razão da regra geral prevista no CPC.

Todavia, esse raciocínio é equivocado. Primeiro porque não é

verdade que o fornecedor seria pego de surpresa caso o ônus da prova fosse

invertido na fase instrutória ou mesmo no julgamento, haja vista que a inversão

do ônus da prova é prevista no CDC e sua ocorrência é uma possibilidade (para

tanto basta haver preenchimento do requisito legal e a determinação do juiz). A

oportunidade para a produção de provas é dada para as duas partes. Se o

fornecedor não quiser assumir riscos de que o ônus da prova recaia sobre os seus

ombros na sentença, então que produza as provas que entenda úteis ou

necessárias.458

Ademais, releva notar que o artigo 131 do CPC dispõe que: “o juiz

apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes

457NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. op. cit., p. 125-126. 458DANOS MORAIS – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM SENTENÇA – Violação ao princípio do

devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Inocorrência. Serasa. Inscrição indevida. Indenização. Fixação do quantum. Tratando-se de evidente relação de consumo e havendo expressa previsão legal de que a inversão do ônus da prova pode ocorrer, não se há de falar em violação ao princípio do devido processo legal, se esta ocorrer no momento da decisão. Comprovada a inscrição indevida nos cadastros de inadimplentes, é devida a indenização a título de danos morais, devendo ser fixado um valor que ao mesmo tempo compense a dor sofrida e sirva de desestímulo ao causador do dano para não incidir na prática novamente. (TJRO – AC 03.001079-9 – C. Cív. – Rel. Des. Roosevelt Queiroz Costa – J. 27.05.2003).

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dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na

sentença, os motivos que lhe informaram o convencimento”.

Isso significa que o juiz, no momento do julgamento, irá apreciar

todas as provas produzidas nos autos, independentemente se trazidas pelo autor

ou réu. Havendo elementos de convicção para seu convencimento irá proferir a

decisão, fundamentando-a, sem se aplicar o ônus da prova. Se forem

insuficientes, o juiz não tem como julgar. Todavia, no processo atual, ao

contrário do romano, o juiz não pode declarar o non liquet, sob pena de

denegação da justiça. E como é sabido, a jurisdição é indeclinável. (artigo 126

do CPC e 4º da LICC). Portanto o magistrado terá que julgar a lide.

Havendo dúvida a respeito de quem é o direito, por insuficiência de

provas no momento do julgamento, o juiz recorre às regras de distribuição do

ônus da prova. Isto porque “a regra do ônus da prova só tem pertinência como

regra de juízo, isto é, aos casos em que, encerrada a instrução, fique no

julgador a dúvida instransponível acerca da existência de fato constitutivo ou

liberatório”.459

E quando aplicar a regra de julgamento do ônus da prova, em se

tratando de relação de consumo, se o juiz vislumbrar a verossimilhança das

alegações ou a hipossuficiência do consumidor deverá inverter o ônus da prova,

em favor deste, impondo-se ao fornecedor o ônus de tê-las produzido,

condenando-o pela sua inércia ou pela insuficiência da demonstração de que o

pedido do autor não procede.460

459Ag In 64.343-4-3º Câmara de Direito Privado – v.u. – rel. Ney Almada – RJTJSP 210/213-215, nov. 1998. 460LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. op. cit., p. 225.

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8.8. O Direito, a coisa julgada, justiça das decisões e a sociedade de riscos

A única possibilidade de admitirmos a relativização da coisa

julgada nas ações coletivas ocorre quando surgir uma nova prova técnica que

possa mudar o rumo do julgamento de improcedência do pedido.

Como diz Goffredo Telles Junior, “O Direito exprime um anelo do

inquieto coração humano. Ele acompanha a vida. Ele é, em suma, o reflexo do

que somos.”461

É certo que a palavra direito é plurívoca e comporta vários

significados. Para o referido autor, o direito é um termo de três sentidos que

pode expressar o direito enquanto norma (direito objetivo); enquanto permissão

(direito subjetivo) e enquanto qualidade do que é justo.462. E é exatamente sob

esta ótica no sentido de que o direito exprime três realidades distintas que o

enxergamos.

Com efeito, o Estado somente ministrará a distribuição da Justiça

de uma forma eficaz se o Direito, nos três sentidos citados, estiver em compasso

com a sociedade de seu tempo. Nos dizeres de Plauto Faraco de Azevedo, “Para

que a reflexão sobre o direito possa ser convincente, há que situá-lo onde se

encontra – no processo histórico global -, sem cortes epistemológicos artificiais,

considerando-o criticamente, mediante a sua permanente valoração.”463

O Direito não pode se distanciar do mundo real, da realidade social

que o cerca e onde é aplicado, da finalidade social da norma, sob pena de

subverter a finalidade para a qual foi criado, que é a pacificação social a ser

alcançada de uma maneira justa. Isto porque o Direito também é um dos

principais instrumentos de que o Estado dispõe para a organização da sociedade

461TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 378. 462Id. Ibid., p. 379. 463AZEVEDO, Plauto Faraco de. Do direito ambiental – reflexões sobre seu sentido e aplicação. Revista de

Direito Ambiental, São Paulo, v. 5, n. 19, p. 53, jul./set. 2000.

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e não se pode admitir que possa ser aplicado sem considerar os aspectos

sociológicos e filosóficos que permeiam qualquer decisão judicial.

Cristiano Chaves de Faria, em artigo que trata da proteção do

consumidor na era da globalização, sustenta que na atualidade os novos tempos

exigem uma concepção jusfilosófica sobre a ciência do direito. Há necessidade

de um direito mais aberto, poroso e sensível aos avanços trazidos pela

tecnologia para dirimir os novos conflitos que se vislumbram.464

É fato que a proteção da coisa julgada está expressa no artigo 5º,

XXXVI, da Constituição Federal, impedindo que o legislador elabore uma lei

com efeitos retroativos para prejudicar a coisa julgada. Não menos correto é que

a proteção do consumidor também está expressa nos artigos 5º, XXXII, 24, VIII,

150, § 5º e 170, V, da Carta Magna. Por sua vez, o artigo 225 da Constituição

Federal dispõe que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-

lo para as presentes e futuras gerações.” Vale dizer, os direitos protetivos dos

consumidores e do meio ambiente também gozam de domicílio constitucional.

Nessa linha de pensamento, a segurança jurídica trazida pela

ocorrência da coisa julgada não repousa eternamente acima de outros direitos

também constitucionais, portanto de igual hierarquia, pelo que todas as regras e

princípios constitucionais devem ser compatibilizados.

A proteção ao consumidor e ao meio ambiente foram mencionados

por serem, talvez, representantes mais genéricos dos direitos difusos e coletivos,

embora nem todos os direitos difusos e coletivos enquadrem-se nesta categoria

de direitos. E é sob a égide dos direitos difusos e coletivos que se pretende

justificar a relativização da coisa julgada.

464FARIA, Cristiano Chaves de. A proteção do consumidor na era da globalização. Revista de Direito do

Consumidor, São Paulo, v. 11, n. 41, p. 81, jan./mar. 2002.

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Outros autores sustentam, como já dito, a necessidade de

compatibilizar a proteção constitucional da coisa julgada com as demais normas

e princípios constitucionais, sob o argumento de que, se assim não fosse,

restariam violados os princípios da isonomia e da proporcionalidade.

Para nós, todavia, sem afastar o argumento supra, a admissão da

relativização da coisa julgada das ações coletivas está ligada à necessária

preocupação que o Direito deve ter com a sociedade de riscos, com os riscos do

desenvolvimento.

Nesse diapasão, entendemos ser necessário romper a blindagem

proporcionada pela coisa julgada como única forma possível de defender a

sociedade em geral e a própria finalidade do sistema jurídico. Somente desta

forma estaríamos resolvendo a contento a difícil equação segurança jurídica

versus justiça das decisões.

8.8.1. A sociedade de riscos, os riscos do desenvolvimento e a ciência

O surgimento do capitalismo industrial trouxe inequivocamente o

desenvolvimento tecnológico, mas também expôs a sociedade a ameaças nunca

dantes conhecidas, motivo pelo qual essas ameaças só eram identificadas

quando prejudicavam a população “não permitindo a reação institucional

mediante instrumentos de controle, cálculo e previdência.”465

José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala ensinam que

o alastramento dessas ameaças invisíveis, que não podem ser previstas e em cujo

controle os instrumentos estatais falham, estão ligadas a uma nova forma de

organização social, cujas origens remontam a uma fase do desenvolvimento da

465LEITE, José Rubens Morato Leite; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco.

2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 11.

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modernização. Pelo fato de essas transformações exporem as instituições de

controle e proteção das sociedades industriais à crítica, Beck as conceituou

como sociedades de risco.466

A existência dos riscos, em relação à defesa dos consumidores, está

ligada à incapacidade dos fornecedores de preverem como se comportará

determinado produto ou a prestação de determinado serviço ao longo do tempo

no mercado de consumo. Trata-se, aqui, do chamado risco do desenvolvimento,

que ocorre quando um produto ou serviço é colocado no mercado de consumo e

seus riscos não podem ser conhecidos de imediato, somente vindo a sê-lo no

futuro, em razão do desenvolvimento tecnológico.467468

Em relação ao meio ambiente, pode-se dizer que a utilização de

determinadas técnicas de produção poluem o solo da vida e promovem o

esgotamento dos recursos naturais, colocando-se em risco o próprio equilíbrio

da vida no planeta, porque não se preocupam com o desenvolvimento

sustentável. Esses riscos, obviamente, vão na contramão do direito

constitucional à sadia qualidade de vida.

466LEITE, José Rubens Morato Leite; AYALA, Patryck de Araújo. op. cit., p. 12. 467James Marins conceitua o risco do desenvolvimento como “a possibilidade de que um determinado produto

venha a ser introduzido no mercado sem que possua defeito cognoscível, ainda que exaustivamente testado, ante o grau de conhecimento científico disponível à época de sua introdução, ocorrendo, todavia, que posteriormente, decorrido determinado período do início de sua circulação no mercado de consumo, venha a se detectar defeito, somente identificável ante a evolução dos meios técnicos e científicos, capaz de causar danos aos consumidores.” MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto: os acidentes de consumo no Código de Proteção e Defesa dos Consumidores. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1993. p. 128.

468Para Guilhermo Alcover Garau “Los riesgos de desarollo (development risks) son aquellos defectos de los productos que son conocidos como consecuencia de los avances científicos y técnicos posteriores a su puesta en circulación, por lo que en el momento de ésta el fabricante no podía de ninguma forma detectarlos.” ALCOVER GARAU, Guilhermo. La responsabilidad civil del fabricante: derecho comunitario y adaptacion al derecho español. Madrid: Civitas, 1990. p. 51.

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8.8.2. A controvérsia sobre a aplicação da teoria do risco do

desenvolvimento como excludente de responsabilidade do

fornecedor pelo fato do produto

Em sede de direito do consumidor, existe uma controvérsia na

doutrina acerca da aplicação da teoria do risco do desenvolvimento para afastar

a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto, tratada nos artigos 12 e

13 do CDC.

Na Lei Protetiva, o termo fato do produto está relacionado aos

defeitos que ele apresenta ou possa apresentar e que, portanto, possa colocar em

risco a saúde ou a segurança dos consumidores.

É que no inciso III do § 1º do artigo 12 do CDC está disposto que

deve-se levar em consideração a época que o produto foi colocado em circulação

no mercado de consumo como uma das hipóteses para se verificar se um

produto é defeituoso ou não.

A questão é meramente hermenêutica. Há quem defenda que o teor

do citado dispositivo legal deve ser interpretado como se o legislador brasileiro

tivesse adotado a teoria do risco do desenvolvimento como uma das hipóteses

excludentes da responsabilidade do fabricante, produtor, construtor e

importador.469

469Zelmo Denari, comentando o § 1º do artigo 12 do CDC reconhece: “Forte setor doutrinário considera que o

Código, nesta passagem – acolhendo sugestão da Comunidade Econômica Européia – adotou a teoria dos riscos do desenvolvimento, vale dizer, aqueles riscos que correm os fornecedores por defeitos que somente se tornam conhecidos em decorrência dos avanços científicos posteriores à colocação do produto ou serviço no mercado de consumo”. DENARI, Zelmo et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 163.

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James Marins escreveu sobre o tema e apontou alguns fatores que

podem influenciar o intérprete da norma.470 O autor lembrou que na elaboração

do texto da Diretiva 374/85 da Comunidade Econômica Européia foi criada uma

norma facultando aos Estados Membros a adoção ou não da teoria dos riscos do

desenvolvimento para afastar a responsabilidade do fornecedor pelo fato do

produto.

Em que pese os esforços levados a efeito pelo Council of the

European Communities, não foi possível dar tratamento unívoco à matéria. O

fator político influenciou enormemente a redação da referida regra. É que alguns

Estados Membros defendiam o lobby dos empresários, em detrimento dos

direitos dos consumidores.471

O segundo ponto tratado pelo autor faz referência à distribuição dos

riscos da produção. Para ele, não existem dúvidas de que o empresário deve

responder pelos riscos da comercialização, envolvendo os riscos de criação,

informação ou produção. Todavia, em se tratando de riscos do desenvolvimento,

deveriam ser estabelecidas “novas premissas, pois trata-se, evidentemente de

um tertium genus dificilmente subsumível a qualquer daquelas categorias”

Além disso, os riscos do desenvolvimento poderiam levar ao detrimento do

desenvolvimento social por razões de ordem econômica, se utilizado de forma a

470SOUZA, James J. Marins de. Risco do desenvolvimento e tipologia das imperfeições dos produtos. Revista de

Direito do Consumidor, São Paulo, n. 6, p. 126, abr./jun. 1993. 471“Zelmo Denari, sobre o tema, traz a seguinte nota: “Na verdade, o tema da adoção dos riscos do

desenvolvimento, como eximente de responsabilidade do fornecedor, foi extremamente debatido junto ao Conselho da Comunidade Econômica Européia que, diante das incertezas geradas pelo lobby dos empresários e dos consumidores, tornou facultativa a recepção do instituto em nível legislativo. Sem embargo, a Diretiva CEE 374/85 acabou por acolher o instituto nos seguintes termos: ‘Whereas, for similar reasons, the possibility offered to a producer to free himself from liability if he proves that the state of scientific and tecnical knowledge at the time when he put the product into circulation was not such as to enable the existence of a defect to be discovered may be feint in certain Member States to restrict unduly the protection of the consumer; whereas is should therefore be possible for a Member to maintain in its legislation or to provide by new legislation that this exonerating circunstance is not admitted; whereas, in the case of new legislation making use of this derrogation should, however, be subject to a Community stand-still procedure, in order to raise, if possible of the protection in a uniform manner thoughout the Community.” Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 163.

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tornar insuportáveis os riscos a serem assumidos pelo setor produtivo da

sociedade.472

O terceiro ponto lembrado pelo autor é o referente ao aspecto

sociológico. A comoção popular gerada por alguns defeitos que possam surgir

nos produtos pode influir na interpretação da norma. Esclarece que há um difícil

confronto entre a vontade da sociedade em geral no sentido de que sejam

empenhados esforços para o aprimoramento da ciência e as reticências pelos

riscos que possam daí advir.473

Em relação ao dispositivo legal propriamente do CDC, isto é, o § 1º

do artigo 12, James Marins sustenta que vários problemas hermenêuticos serão

inevitavelmente levantados, principalmente os surgidos no direito comparado, já

que o artigo 12 do CDC teve como inspiração o artigo 6º da Diretiva 384/85 da

Comunidade Econômica Européia.

É que, segundo ele, o texto da Diretiva foi apenas parcialmente

utilizado, de forma que haverá dificuldades na utilização dos conceitos do

direito estrangeiro.474 Em nota, o autor esclarece que apenas o artigo 6º da

Diretiva da CEE foi adotado pelo CDC. O artigo 7º foi reproduzido somente em

parte e era justamente esse artigo que deixava clara a questão relativa aos riscos

do desenvolvimento.475

O autor também esclarece que na maior parte dos países da

Comunidade Econômica Européia foi adotada a Diretiva 384/85 sem a

revogação do artigo 7º, mantendo-se, pois, o risco do desenvolvimento como

causa de exclusão da responsabilidade do fornecedor.476

472SOUZA, James J. Marins de. op. cit., p. 126. 473Id., loc. cit. 474Id., loc. cit. 475Id Ibid., p. 132. 476Id. Ibid., p. 126.

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Em que pese o reconhecimento das questões acima levantadas,

James Marins entende que o consumidor não pode alegar risco do

desenvolvimento para responsabilizar o fornecedor pelo fato do produto. É que

ele classifica os defeitos em juridicamente relevantes e juridicamente

irrelevantes. Na primeira categoria estariam os defeitos de criação, produção e

informação e na segunda categoria, a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito

ou força maior, os riscos do desenvolvimento e a ação deletéria do tempo.

Na sua concepção, os riscos do desenvolvimento são considerados

como juridicamente irrelevantes porque não contemplados no caput do artigo 12

do CDC, que dispõe:

“O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento dos produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.”

O autor também faz um cotejo entre o caput do artigo 10, que

dispõe não poder o fornecedor colocar no mercado de consumo produto ou

serviço que sabe ou deveria saber apresentar perigo à saúde ou segurança e o

dispositivo acima citado para concluir que o fornecedor pode inserir no mercado

de consumo produtos que não saiba nem deveria saber serem perigosos porque

não existia conhecimento científico nesse sentido na época em que o produto foi

disponibilizado no mercado de consumo.477

Não podemos concordar, em absoluto, com tal posicionamento.

Para nós, os riscos do desenvolvimento não só ensejam a responsabilização dos

legitimados do caput do artigo 12 do CDC, como devem permitir a

477SOUZA, James J. Marins de. op. cit., p. 127.

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desconstituição da coisa julgada das ações coletivas quando o conhecimento

científico o permitir, por meio de produção de prova adequada.

O fato de a Diretiva 374/85 da Comunidade Econômica Européia,

por pressões políticas, ter facultado aos Estados Membros a adoção da teoria dos

riscos do desenvolvimento para excluir a responsabilidade dos fornecedores

nada tem a ver com a realidade brasileira. Se não houve consenso na matéria em

razão de interesses dos lobbies dos empresários, nem por isso se deve fazer

desse fato motivo ensejador para eximir de responsabilidade aqueles que, à luz

do microssistema protetivo, devem ser responsabilizados.

Caso houvesse uma interpretação política do § 1º, III, do artigo 12

do CDC para afastar a responsabilidade do fabricante, do produtor, construtor

nacional ou estrangeiro ou importador pelo fato do produto, seria ela

inconstitucional, por ferir o princípio da proporcionalidade. O mesmo se daria se

o intérprete auferisse outro sentido da norma senão aquele que ela deve ter: um

produto é defeituoso, por exemplo, se colocado no mercado de consumo fora do

prazo de validade estipulado pelo produtor. Pela lógica do microssistema, não

seria outra a interpretação a ser dada pelo dispositivo em comento.

Conforme leciona Paulo Bonavides, existem princípios que são

mais fáceis de entender do que definir. Cita o autor, adotando a teoria de Pierre

Müller, que o princípio da proporcionalidade pode ser entendido sob dois

prismas: um na acepção lata, e outro na acepção estrita:478

Em sentido amplo, pode-se entender o princípio da

proporcionalidade como uma regra fundamental a ser obedecida por todos, tanto

pelos que detêm o poder, quanto pelos que não o detêm. Pode-se dizer que, por

esta acepção, o princípio da proporcionalidade deve ser observado não só pelos

478BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2001. p. 356.

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jurisdicionados, mas também pelo Estado, inclusive pelos órgãos jurisdicionais,

incluindo-se os intérpretes encarregados de aplicar a lei.479

Em sentido estrito, o princípio da proporcionalidade deve ser

entendido como a adequação necessária que se deve ter entre a finalidade e os

meios existentes para alcançá-la.480 Nessa linha de pensamento, “haveria

violação do princípio da proporcionalidade, com ocorrência de arbítrio, toda

vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos

apropriados e ou quando a desproporção entre meios e fim é particularmente

evidente, ou seja, manifesta”.481

Paulo Bonavides ensina que a doutrina constatou a existência de

três elementos, conteúdos parciais ou subprincípios que compõem o princípio da

proporcionalidade: pertinência ou aptidão, necessidade e proporcionalidade em

sentido estrito.482 Em havendo a violação de um desses três elementos, restaria

violado o princípio da proporcionalidade.

O primeiro elemento – o da pertinência ou aptidão – informa se foi

utilizado o caminho certo para ser levado a efeito um fim baseado no interesse

público. O segundo elemento é o da necessidade, ou seja, uma medida só deve

ser tomada se necessária. O terceiro elemento é o da proporcionalidade, tomada

strictu sensu, ou seja, considerando o meio ou os meios utilizados em relação a

todos os interesses envolvidos.

Não é do interesse público que os consumidores sejam lesados em

razão dos riscos do desenvolvimento, haja vista os inúmeros princípios

constitucionais que norteiam a defesa do consumidor, bem como o próprio

CDC. Poderíamos citar a dignidade da pessoa humana, a solidariedade, o direito

479BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, cit., p. 357. 480Id. Ibid. 481Id. Ibid. 482Id. Ibid.

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à vida, honra, imagem, informação, isonomia e vulnerabilidade do consumidor

como exemplos de alguns dos direitos assegurados.

Também não é necessária a exclusão da responsabilidade do

fornecedor pelo fato do produto em razão dos riscos do desenvolvimento para

que as engrenagens da cadeia produtiva não sejam interrompidas.

Por derradeiro, em vista os interesses envolvidos (saúde e

segurança), é medida de justiça que os legitimados do artigo 12 respondam pelos

danos que venham a causar em razão dos defeitos imprevisíveis que seus

produtos possam gerar. Inverter esse raciocínio seria revogar tacitamente todas

as garantias legais já conquistadas pelos consumidores.

O intérprete deve evitar o apego demasiado à letra da lei, mas

também o contrário, ou seja, enxergar na norma um sentido inexistente, um

sentido para encaixar as suas convicções ideológicas ou para dela extrair um

resultado esperado que possa beneficiar determinados interesses. A interpretação

tem que ser objetiva e sistemática.

O princípio da proporcionalidade deve ser entendido como um

mecanismo que veda o arbítrio que muitas vezes pode o legislador cometer no

uso das atribuições que lhe são conferidas, colocando em risco o Estado

Democrático de Direito. Se o dispositivo legal comporta mais de uma

interpretação, deve-se optar por aquela que não se choque com os maiores

valores assegurados pelo ordenamento jurídico, notadamente os de ordem

constitucional.

Em relação à distribuição dos riscos do empreendimento, não há

necessidade da criação de novas premissas para cuidar do risco do

desenvolvimento. Isto porque eles podem, para nós, serem entendidos como

riscos de criação, que segundo Marins “afetam as características gerais da

produção em conseqüência de erro havido no momento da elaboração de seu

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projeto ou de sua fórmula, entendidos em sentido lato, como, p. ex., a escolha de

um material inadequado ou de um componente químico nocivo porque não

suficientemente testado”.483

Da definição supra só discordamos do entendimento no sentido de

que o componente químico seria nocivo apenas porque não suficientemente

testado. Ora, ou um componente químico é nocivo ou não é. Pode-se levar

tempo para descobrir sua nocividade, mas isso não afasta os malefícios por ele

causados durante o tempo em que o defeito não foi descoberto.

Em relação aos aspectos sociológicos, a pressão social que ocorre

quando são descobertos os defeitos de alguns produtos podem influenciar o

intérprete na aplicação dos riscos do desenvolvimento na responsabilização de

quem os produziu (em sentido amplo). É evidente que a descoberta dos defeitos,

como por exemplo, os provocados pela Talidomida, chocam a opinião pública e

em momentos tais há clamores sociais para indenização das vítimas.

A Talidomida foi descoberta em 1954, na Alemanha. Era utilizada

no controle da ansiedade, tensão e náuseas. Em 1957, o medicamento passou a

ser utilizado em 146 países. Somente em 1960 foram descobertos os primeiros

efeitos teratogênicos da droga. Quando usado por gestantes durante os três

primeiros meses de gestação, provocava a focomelia nos fetos, que é a

aproximação e o encurtamento dos membros junto ao tronco, fazendo os fetos

parecerem focas. Em 1961, o medicamento foi retirado do mercado em todos os

países, à exceção do Brasil, que somente o fez quatro anos mais tarde. Também

em 1965, foram descobertos por um médico israelense os efeitos benéficos da

droga para o tratamento da hanseníase. Por isso o medicamento voltou a ser

utilizado evidentemente com a advertência de que não deveria ser consumido

por gestantes.

483SOUZA, James J. Marins de. op. cit., p. 122.

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Em razão de acidentes de consumo como o acima citado, a

expectativa de indenização pelos danos suportados pelos consumidores é

natural, haja vista que foi o fabricante, o produtor, o construtor ou o importador

quem lucrou com o produto defeituoso durante o tempo em que esteve no

mercado. Portanto, é ele quem deve assumir os prejuízos gerados.

Luiz Antonio Rizzatto Nunes, Desembargador do Tribunal de

Justiça de São Paulo, ao conceder liminar pleiteada pelo IDEC, com vistas à

proibição dos aumentos das tarifas telefônicas da TELESP - denominada

TELEFONICA, no processo 99.064602-5, teceu, em sua decisão, importantes

considerações acerca dos riscos da atividade econômica, os quais merecem

transcrição:

“(...)

E, além disso, como todo substrato dos princípios é o da garantia da dignidade da pessoa humana, mesmo atingindo esse nível de excelência constitucional, o empreendedor ainda remanesce com uma imputabilidade ética: seu lucro mesmo que legítimo nos termos apresentados, deve contribuir para a construção de uma sociedade fundada nesse princípio. Todo explorador tem responsabilidade social para com todos os indivíduos, mesmo para com aqueles que não são seus clientes.

O outro aspecto fundamental para o entendimento de direito material do consumidor é o princípio que se extrai da harmonização dos demais princípios do artigo 170 na relação com os outros mais relevantes (dignidade da pessoa humana, isonomia, vida sadia, justiça etc.). É o do risco da atividade do empreendedor.

É que a garantia da livre iniciativa tem uma contrapartida. O empreendedor age porque quer. Cabe unicamente a ele decidir se vai explorar ou não o mercado.

Ele não está obrigado a desenvolver qualquer negócio ou atividade. Se fizê-lo e obtiver lucro, é legítimo que tenha o ganho, nos limites postos. Mas se sofrer perdas, elas também são suas.

É preciso que se afirme esse princípio do risco com todas as letras: a decisão de empreender é livre; o lucro decorrente dessa exploração é legítimo; o risco é total do empreendedor. Isso implica que, da mesma maneira como ele não repassa o lucro para o consumidor, não pode, de maneira alguma, passar o risco para o consumidor. Nenhum

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risco, mesmo parcial, pode ser repassado.

Ressalte-se que esse risco não pode ser dividido, quer através de cláusula contratual, quer por meio de ações concretas ou comportamentos reais. Nem por norma infra-constitucional - por óbvia inconstitucionalidade - se poderá transferir o risco da atividade para o consumidor”.(grifamos)

O Código de Defesa do Consumidor foi promulgado para dar

cumprimento ao mandamento constitucional previsto no artigo 5º, XXXII, de

que o Estado promoveria a defesa do consumidor por meio de uma lei. A lei

protetiva, ao tratar dos direitos básicos do consumidor, assegura-lhes “a

proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas

no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”,

conforme se extrai do artigo 6º, I, do CDC.

José Geraldo Brito Filomeno leciona que decorre de tal direito o

dever de os fornecedores retirarem do mercado de consumo os produtos e

serviços que venham colocar em risco a saúde e a segurança dos consumidores

ou terceiros atingidos, bem como comunicar às autoridades adequadas a

existência de tais riscos, sem prejuízo de eventual indenização dos prejuízos

causados pelo fato do produto.484

E vale lembrar que o conceito de consumidor não é restrito somente

aos que efetivamente participaram da relação de consumo. O Código também

equipara a consumidor “a coletividade de pessoas que, ainda que

indetermináveis, haja intervindo na relação de consumo”, conforme disposição

do parágrafo único do artigo 2º do CDC e também todas as vítimas do evento

dos acidentes de consumo, nos termos do artigo 17. Além disso, traz uma outra

definição de consumidor no artigo 29, que equipara a consumidor todas as

484Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 123.

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pessoas expostas às práticas comerciais, mas esta última definição não tem

relevância para o tema em comento.

Ou seja, a proteção do consumidor é plena e estendida a todos que

eventualmente possam ser prejudicados em razão de um acidente de consumo.

Não há preocupação tão somente com os aspectos patrimoniais que

eventualmente um dano possa trazer, mas também com a saúde e a segurança

das pessoas, que são os maiores bens tutelados pelo Direito.

Por estes motivos, e diante de toda a preocupação do legislador em

proteger inclusive a saúde e a segurança daqueles que não participaram da

relação de consumo, quando vítimas de acidentes de consumo, concluímos que

ainda que não existissem mecanismos científicos para levar a cabo todos os

estudos necessários à conclusão de que determinado produto ou serviço são

inofensivos à saúde humana, isso não justificaria a colocação deles no mercado

de consumo, de forma a lançar em risco os direitos mais basilares dos

consumidores. Por esse raciocínio, também não se justificaria a adoção de

determinadas técnicas de produção que colocassem em risco a integridade

ambiental.

Portanto, se prejuízo houver em razão dos riscos do

desenvolvimento, ficarão responsáveis pela sua reparação o rol elencado no

caput do artigo 12 do CDC.

Roberto Norris485, em obra publicada antes da vigência do novo

Código Civil, resumiu as razões pelas quais não se admite a aplicação da teoria

dos riscos do desenvolvimento como excludente de responsabilidade com as

seguintes idéias:

485NORRIS, Roberto. Responsabilidade civil do fabricante pelo fato do produto. Rio de Janeiro: Forense. 1996.

p. 91.

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“a) a causa excludente, ora examinada, não encontra sustentação em hipótese de responsabilidade civil especial, considerando-se aqueles que exercem a atividade de risco, tão bem delineada pelo Projeto de Código Civil (Projeto nº 634, de 1975), em seu artigo 963, parágrafo único;

b) por se tratar de causa de exclusão bastante controvertida, para que pudesse ser aceita, deveria estar expressamente elencada nas hipóteses constantes do artigo 12, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor e;

c) uma excludente alicerçada no risco do desenvolvimento reintroduziria no ordenamento muitos dos elementos indesejáveis do sistema baseado em culpa.”

Sílvio Luís Ferreira da Rocha sustenta que o direito português, o

italiano e o alemão optaram por impor aos consumidores os riscos do

desenvolvimento, mas o direito brasileiro não. Para ele, a exclusão da

responsabilidade deveria estar expressa no § 3º do artigo 12. Como não está,

deve ser entendido que o defeito existia no momento em que o produto foi

disponibilizado no mercado de consumo, apesar do conhecimento científico

existente a época não o detectar. Como não ocorreu culpa exclusiva do

consumidor e a existência de culpa do fornecedor é irrelevante para a solução do

problema, deverá este ser responsabilizado pelos danos causados pelo produto

defeituoso.486

Os argumentos apresentados por Roberto Norris e por Sílvio Luís

Ferreira da Rocha corroboram o entendimento desenvolvido neste trabalho

acerca da responsabilização dos legitimados do caput do artigo 12 pelo fato do

produto em razão dos riscos do desenvolvimento.

486ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito

brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1992. p. 111.

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257

8.9. A potencialização dos riscos do desenvolvimento advindos da

globalização e a necessária revisão da coisa julgada

Se não bastassem os riscos a que todos estão expostos em razão do

aparecimento da sociedade de riscos, surgida posteriormente à revolução

industrial, não se pode ignorar, para fins de tutela de direitos, o advento da

globalização, ou seja, “mundialização das economias e do próprio consumo e

predominância do capital financeiro”487

Trata-se de um fenômeno de repercussões importantíssimas na área

econômica, que vem mudando as feições e os hábitos da sociedade brasileira e

que não pode ser esquecida pelo direito.

A globalização, em linhas gerais, pode ser definida como “a

designação dada ao conjunto de transformações de ordem política, social e

econômica verificadas nos últimos tempos em quase todos os países

democráticos de direito, tendentes à integração dos mercados, possibilitando

maior circulação de riquezas. É, enfim, a integração acelerada dos mercados

nacionais.”488

Entre as conseqüências trazidas pela globalização, pode-se citar a

hegemonia do capital financeiro, o crescimento das empresas transnacionais, a

internacionalização da produção, a liberalização do comércio e uma maior

disponibilização de produtos e serviços, além das mudanças contratuais.489

Ora, como conseqüência natural de todo esse crescimento está o da

própria cadeia produtiva, que vai desde a extração de matérias primas,

processamento, transporte, disponibilização no mercado de consumo de

produtos e serviços e, por fim, aumento do próprio consumo. E como o processo

487FARIA, Cristiano Chaves de. op. cit., p. 88. 488Id. Ibid., p. 89. 489Id. Ibid.

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produtivo, os produtos e serviços disponibilizados também não estão isentos dos

riscos do desenvolvimento. Dessa forma, ocorre expressivo aumento desses

riscos na sociedade moderna.

Destarte, tendo em vista todos esses impactos produzidos pela

sociedade de risco, pelos riscos do desenvolvimento e mais recentemente pela

globalização em relação aos direitos difusos e coletivos, o tratamento dado à

coisa julgada não pode permanecer incólume a essas alterações.

Nesta esteira de raciocínio, não se tem como admitir que uma

decisão de improcedência do pedido acobertada pela coisa julgada não possa ser

flexibilizada em razão do surgimento de uma prova técnica que seja capaz de

modificar o julgado.

O mesmo raciocínio pode ser transportado para a defesa do meio

ambiente. Se um dano for provocado ao meio ambiente por pessoa física ou

jurídica e não restar comprovado o nexo de causalidade entre o dano e a conduta

do agente agressor durante a marcha processual, uma ação coletiva que busque a

responsabilização do réu estará fadada ao fracasso, ou seja, ao decreto de

improcedência.

Assim, mesmo que posteriormente a ciência desenvolva métodos

para produção da prova técnica necessária à demonstração do nexo de

causalidade entre a conduta e o dano suportado pelo meio ambiente, se

decorridos dois anos para o ajuizamento da ação rescisória, aqui também estará

fechada a via coletiva para a responsabilização judicial do responsável.

O sistema atual da coisa julgada acaba por premiar o fornecedor

que assume os riscos do desenvolvimento, lucra com a disponibilidade desse

produto no mercado de consumo, prejudica muita gente, mas em razão de não

haver demonstração cabal dos prejuízos causados por uma perícia ao tempo em

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que ela foi realizada, não sofre as penalidades de uma condenação judicial, por

exemplo, numa ação coletiva em que há tão somente sentença de improcedência.

E se passar o prazo legal para ajuizamento da ação rescisória, restará protegido

eternamente pelo manto da coisa julgada, não mais podendo, por aqueles fatos,

ser demandado em juízo pela via coletiva.

8.10. A necessária previsão da relativização da coisa julgada em lei

Para que a sociedade não seja exposta as perigos e mazelas já

mencionados, propomos a relativização da coisa julgada das ações coletivas na

única hipótese de descobrimento de nova prova técnica posterior ao trânsito em

julgado da decisão de improcedência.

Para tanto, deverá ser criada uma lei ordinária acrescentando um

novo artigo ao Código de Defesa do Consumidor, no sentido de se permitir a

desconstituição da coisa julgada nas ações coletivas cujas decisões tenham sido

de improcedência e posteriormente tenha surgido nova prova técnica capaz de

mudar o rumo do julgamento. Sugere-se, como redação o seguinte texto:

“Diante do surgimento de nova prova técnica que possa mudar o resultado do julgamento após a formação da coisa julgada nos processos coletivos que tutelem direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, poderá ser ajuizada, a qualquer tempo, nova ação com vistas à relativização da coisa julgada.

§ 1º. A competência para o processamento da ação será do respectivo Tribunal onde tramitou ou poderia tramitar, em sede de segunda instância, a ação cuja decisão busca-se relativizar.

§ 2º. Aplicam-se à ação de relativização da coisa julgada, no que for cabível, o CPC, o CDC e a LACP”.

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Deverá, portanto, haver o ajuizamento de uma ação de relativização

da coisa julgada no Tribunal Estadual ou do Distrito Federal, dependendo de

onde tenha tramitado a ação cuja decisão se busca relativizar.

A petição inicial deverá ser elaborada observando-se os requisitos do

artigo 282 do CPC e ser instruída com as principais peças do processo cuja

decisão pretende-se relativizar, incluindo-se, necessariamente, a petição inicial,

provas produzidas, sentença e todos os acórdãos (se houver), além da nova

prova que lastrearia o ajuizamento da nova ação.

A ação de desconstituição da coisa julgada somente poderá ser

reproposta por um dos legitimados do artigo 82 do CDC ou 5º da Lei de Ação

Civil Pública por razões de natureza estritamente processual. Somente eles

detêm o interesse processual no desenvolvimento da indigitada ação.

O ente legitimado deve juntar à petição inicial, evidentemente, um

laudo extrajudicial com a nova prova técnica para convencer o juiz acerca do

interesse judicial existente na ação de relativização de coisa julgada, mas isso

não deve dispensar a realização da perícia judicial.

Preenchidos os requisitos do art. 461 do CPC ou art. 84 do CDC, ou

ainda, do art. 273 do CPC, será lícito ao relator deferir pedido de tutela

antecipada. Do indeferimento caberá o recurso de agravo interno.

O relator mandará citar o réu e assinalará o prazo para resposta,

nunca inferior a 15 dias e nem superior a 30, aplicando-se a regra do artigo 491

do CPC. Assim, se houver réus com procuradores diferentes, o prazo para

contestação será o dobro do assinalado pelo Relator (art. 191do CPC). Se o réu

for a Fazenda Pública, o prazo será quadruplicado (art. 188 do CPC).

Caberá ao juiz da Comarca onde tramitou a ação cuja decisão busca

ser relativizada, acompanhar a realização da nova prova técnica, por meio de

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261

perícia judicial, garantindo-se assim a observação dos princípios constitucionais

do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

A medida, além de respeitar as regras atinentes ao processo e à

própria Constituição Federal, também tem o condão de desestimular algum ente

legitimado a propor ações temerárias e com isso invocar desnecessariamente a

máquina Jurisdicional.

Concluída a instrução, aplica-se o artigo 493 do CPC, ou seja, abre-

se vistas, sucessivamente, ao autor e ao réu, para que ofereçam as razões finais

no prazo de dez dias. Após, a ação será julgada.490

Com estas considerações, fechamos nossa proposta de relativização

da coisa julgada nas ações coletivas.

Neste trabalho vislumbramos uma única hipótese de flexibilização da

coisa julgada nas ações coletivas. Mas o amadurecimento da sociedade em geral,

incluindo-se o desenvolvimento da doutrina e das decisões dos tribunais, poderá

trazer novos rumos para a coisa julgada e o legislador não deverá ignorar a

marcha natural desse processo histórico, por ser medida de necessidade para o

alcance da efetividade dos direitos consagrados na Constituição Federal e para

lastrear as decisões vindouras que de alguma forma possam afetar a coisa

julgada.

490Art. 493. Concluída a instrução, será aberta vista, sucessivamente, ao autor e ao réu, pelo prazo de dez (10)

dias, para as razões finais. Em seguida, os autos subirão ao relator, procedendo-se ao julgamento: I - no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Regional Federal de Recursos, na forma de seus regimentos internos; II - nos Estados, conforme dispuser a norma de organização judiciária”.

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CONCLUSÕES

A distribuição da justiça é missão do Estado exercida pelos seus

três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Este detém a jurisdição, que é

a aplicação e interpretação do direito objetivo pelos seus membros aos casos

concretos submetidos à sua apreciação.

Um dos princípios que norteiam a jurisdição é o da

indeclinabilidade, por meio do qual garante-se ao jurisdicionado uma decisão

para pôr fim ao processo, ainda que seja para extingui-lo sem julgamento do

mérito.

A indeclinabilidade da jurisdição não está dissociada da justiça das

decisões. O Estado, por meio das autoridades legalmente constituídas, não pode

proferir quaisquer decisões, mas decisões justas.

Os recursos processuais minimizam a possibilidade da injustiça da

decisão. Todavia, em alguns casos elas existem.

A coisa julgada é o instituto que põe fim à missão jurisdicional.

Tendo o processo transitado em julgado, a decisão só poderá ser rediscutida nas

hipóteses da ação rescisória, artigo 741, I e parágrafo único do CPC.

O processo é o instrumento que permite a jurisdição e o exercício

do direito de ação, base de um Estado Democrático de Direito.

O direito de ação não se confunde com o julgamento favorável de

uma demanda, já que um processo pode ser extinto com ou sem julgamento de

mérito. Para que a pretensão do jurisdicionado possa ser apreciada pelo Poder

Judiciário é necessário que sejam preenchidos alguns requisitos legais

denominados pressupostos processuais e condições da ação.

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Jurisdição, sentença e coisa julgada estão intimamente relacionadas

porque é utilizando-se da Jurisdição que o Estado, por meio de uma sentença,

pacifica os conflitos de interesses submetidos à sua apreciação. A coisa julgada

é o fenômeno jurídico que permite a segurança das decisões. É alcançada

quando a parte não interpõe recurso de uma sentença ou acórdão, quando o

recurso não satisfaz os pressupostos legais de admissibilidade ou quando já não

é mais possível recorrer porque esgotaram-se os recursos cabíveis.

É vedado ao juiz deixar de sentenciar um processo pelo fato de

existir lacuna ou obscuridade da lei. Diante dessas hipóteses, o juiz deve

sentenciar aplicando a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

A sentença é composta de três partes fundamentais: relatório,

fundamentos de fato e de direito e o dispositivo. Além disso, deve ser clara,

escrita em língua portuguesa e ater-se ao pedido formulado pelo autor na petição

inicial.

As sentenças podem ser classificadas quanto ao seu conteúdo

(quando são definitivas ou terminativas) ou quanto à sua eficácia, quando são

declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas lato

sensu.

A coisa julgada formal pode ser definida como a imutabilidade dos

efeitos da sentença dentro do mesmo processo, impossibilitando as partes, os

juízes ou quaisquer outros tribunais de modificar o seu teor.

A coisa julgada material pode ser definida como a imutabilidade

dos efeitos da sentença que impede que as partes, juízes ou tribunais, no mesmo

processo ou fora dele, discutam a matéria jurídica decidida.

A coisa julgada é importantíssimo instituto garantidor da segurança

jurídica, aquilatada pela exigência da paz social.

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A autoridade da coisa julgada repousa sobre dois fundamentos: um

de ordem política e outro de ordem jurídica. O fundamento de ordem política é a

segurança jurídica que se espera das decisões judiciais. Quanto ao fundamento

jurídico, inexiste consenso na doutrina. Algumas teorias foram sintetizadas e são

conhecidas como presunção da verdade, ficção da verdade, força legal e

substancial da sentença, eficácia da declaração, extinção da obrigação

jurisdicional, vontade do Estado, e as Teorias de Carnelutti e Liebman.

Embora não haja previsão constitucional expressa acerca do duplo

grau de jurisdição, nem por isso a coisa julgada forma-se automaticamente com

a sentença. A existência do duplo grau de jurisdição é implícita. No âmbito

constitucional, há a competência recursal dos tribunais. No campo

infraconstitucional, os recursos são tratados explicitamente e indicadores,

portanto, da possibilidade da sentença ser reapreciada, em regra, em outro grau

de jurisdição.

A proteção dos direitos difusos e coletivos surgiu em decorrência

da evolução dos conflitos sociais e da inadequação legislativa existente para o

tratamento dos conflitos metaindividuais.

A primeira ação coletiva surgida no Brasil foi a ação popular. Sua

previsão constitucional deu-se com a Constituição de 1937, mas só foi

regulamentada pela Lei 4.717/65.

A ação coletiva é o instrumento processual adequado para tutelar

interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Não existe diferença

entre a denominação de ação coletiva e ação civil pública porque esta não é

gênero da qual aquela é espécie.

Na Constituição Federal estão previstos o mandado de segurança

coletivo, a ação popular, a ação de impugnação de mandato eletivo, a ação direta

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interventiva, a ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão, a ação

declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a ação de

dissídio coletivo e a ação civil pública.

A jurisdição coletiva pode ser dividida, segundo Gregório Assagra,

em jurisdição coletiva comum e jurisdição coletiva especial. Integram a

jurisdição coletiva comum a ação popular, a ação civil pública, o mandado de

segurança coletivo, a ação de dissídio coletivo, a ação de impugnação de

mandato eletivo e a ação direta interventiva. São as ações aptas a tutelar os

direitos subjetivos em suas três dimensões: difusos, coletivos e individuais

homogêneos.

A jurisdição coletiva especial é formada pela ação direta de

constitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão e

argüição de descumprimento de preceito fundamental. São as ações voltadas

para o controle abstrato de constitucionalidade, ou seja, dos direitos objetivos,

da constitucionalidade das leis ou atos normativos.

Na presente dissertação foram tratadas apenas as principais ações

de jurisdição comum, considerando a abrangência da tutela, o escopo do

trabalho e ainda, que a relativização da coisa julgada proposta não tem aplicação

alguma às ações de jurisdição especial.

Somente o cidadão é parte legítima para propositura da ação

popular. Há, todavia, entendimento do STJ reconhecendo ao Ministério Público

legitimidade ativa.

Por meio da ação civil pública é possível tutelar quaisquer

interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

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266

Existe uma interação legislativa entre o Código de Defesa do

Consumidor e a Ação Civil Pública, em razão de previsão legal expressa (art. 90

do CDC e 21 da LACP).

A legitimidade para propositura das ações coletivas vem expressas

nos artigos 82 do CDC e art. 5º da LACP.

O mandado de segurança coletivo está disciplinado no art. 5º, LXIX

e LXX da Constituição Federal. Trata-se de remédio constitucional apto a tutelar

lesão ou ameaça de lesão, de pessoa física ou jurídica, por ato de autoridade não

amparado por habeas corpus. Pode ser proposto individual ou coletivamente.

Para a propositura do mandado de segurança coletivo estão legitimados os

partidos políticos com representação no Congresso Nacional e organização

sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em

funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses dos seus

membros ou associados.

Existem quatro tipos de defeitos que podem macular os atos

jurídicos: a inexistência, a nulidade (absoluta ou relativa), a anulabilidade e a

irregularidade.

As sentenças podem ser inexistentes, nulas ou rescindíveis.

Sentença inexistente é aquela que não reúne as mínimas condições para ser de

fato uma sentença, como, por exemplo, a proferida por quem não é juiz.

Sentença nula é aquela que, em razão dos vícios que porta, fica sujeita à sua

desconstituição, como por exemplo, a que apresenta defeitos graves no relatório

que impossibilitam a identificação da lide. Sentença rescindível é a sentença

transitada em julgado que, por apresentar nulidades ou se enquadrar nas

hipóteses do artigo 485 do CPC, fica sujeita à desconstituição por meio da ação

rescisória.

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A querela nullitatis é um instrumento processual apto a atacar uma

decisão maculada de vício insanável ou considerada inexistente. Não fica sujeita

a nenhum prazo para o seu ajuizamento. A maior parte da doutrina entende que

esse mecanismo inexiste no direito brasileiro. A jurisprudência tem admitido a

existência da querela nullitatis pelo menos na hipótese da falta ou nulidade de

citação em processos que correram à revelia.

A coisa julgada nas ações coletivas é disciplinada pelo artigo 103

do Código de Defesa do Consumidor em razão da interação existente entre o

CDC (art. 90) e a LACP (art.21).

Os direitos difusos e coletivos são denominados essencialmente

coletivos. Os direitos individuais homogêneos são denominados formalmente

coletivos, por ser criação do direito processual. O conceito desses direitos está

estampado no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor.

Os direitos difusos são caracterizados por serem de natureza

indivisível e seus titulares não poderem ser identificados. Além disso, são

ligados por circunstâncias de fato. Os direitos coletivos são os transindividuais,

também de natureza indivisível, de sujeitos indetermináveis (mas com muito

esforço podem ser determinados), ligados por uma relação jurídica base. Os

direitos individuais homogêneos são decorrentes de uma origem comum. Na

verdade trata-se de direitos individuais, tuteláveis pela via coletiva porque o

legislador quis dar mais efetividade ao processo.

A coisa julgada para os direitos difusos é erga omnes, tanto no caso

de procedência quanto de improcedência do pedido. Todavia, se o pedido for

julgado improcedente por insuficiência de provas, qualquer outro legitimado

poderá propor nova ação.

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A sentença de improcedência não impossibilita o ajuizamento de

ações individuais. Todavia, as pessoas que tiverem ajuizado ações individuais e

tomarem ciência do ajuizamento da ação coletiva, nos autos da ação individual,

da propositura, deverão requerer a suspensão do processo, no prazo de trinta

dias, caso queiram participar de eventual decisão favorável que possa ser

proferida na ação coletiva.

A coisa julgada para os direitos difusos será ultra partes, limitada

ao grupo, categoria ou classe, tanto em caso de procedência do pedido, quanto

em caso de improcedência. A sentença de improcedência não impede o

ajuizamento de ações individuais. Da mesma forma que nos direitos difusos, a

sentença de improcedência por insuficiência de provas não impede o

ajuizamento da mesma ação por outro legitimado.

A coisa julgada para os direitos individuais homogêneos é erga

omnes. A sentença de improcedência não impede a propositura de ações

individuais, mas a sentença de improcedência por insuficiência de provas não

autoriza outro legitimado legal a propor nova ação coletiva, por falta de previsão

legal.

Na sentença de procedência do pedido de ações coletivas que

tutelem direitos individuais homogêneos, a condenação será genérica, fixando-se

a responsabilidade do réu pelos danos causados. Na liquidação o autor terá que

provar dano individual, nexo de causalidade entre o dano e a responsabilidade

fixada globalmente na sentença e montante.

A habilitação dos interessados na liquidação deverá ser feita no

prazo de um ano. Após esse prazo, os legitimados poderão promover a

liquidação, bem como a competente execução. Não se trata de prazo decadencial

ou prescricional. Trata-se apenas de um limite para que as liquidações possam

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ser promovidas pelos legitimados do CDC e da LACP. O prazo prescricional é o

mesmo do direito material do litígio.

A limitação dos efeitos da coisa julgada aos associados que

demonstrarem seu domicílio na data da propositura da ação é inconstitucional

por se chocar com o artigo 5º, XXI, da Constituição Federal.

A restrição dos efeitos da coisa julgada aos limites do órgão

prolator da sentença (artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública ) é inconstitucional,

entre outros motivos, por ofender os princípios que garantem o acesso à justiça,

razoabilidade, proporcionalidade e poder de jurisdição dos juízes. Além disso, a

restrição é ineficaz porque o CDC revogou tacitamente vários dispositivos da

LACP, entre eles o artigo 16. A coisa julgada nas ações coletivas é regulada

somente pelo artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor.

A coisa julgada no mandado de segurança coletivo é erga omnes, se

o mérito do mandado de segurança foi apreciado. Se a segurança foi denegada

por insuficiência de provas, poderá ser reproposto novo mandado de segurança.

A coisa julgada nas ações populares é erga omnes. Para esta ação, o

duplo grau de jurisdição é obrigatório. Mesmo que o autor não recorra, em caso

de improcedência, os autos deverão subir ao Tribunal para serem novamente

julgados.

A litispendência ocorre quando há repetição de ação em curso. O

artigo 104 do CDC expressamente dispõe que não ocorre litispendência entre

processo individual e coletivo. Todavia, entre ações coletivas pode ocorrer

litispendência se se tratar de ações absolutamente idênticas.

Por acesso à justiça não se deve entender o acesso formal, mas o

acesso efetivo. Nesse sentido, o acesso à justiça promovido pelas ações coletivas

desempenha importante papel na sociedade.

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270

A relativização da coisa julgada vem sendo proposta por alguns

doutrinadores sob o argumento de que ao lado da segurança jurídica

proporcionada pela coisa julgada, outros valores de ordem constitucionais

também devem ser protegidos.

Entre outros argumentos, a doutrina sustenta a relativização da

coisa julgada de decisões nitidamente inconstitucionais, as que violam o

princípio da moralidade administrativa e os direitos do homem, as que

desrespeitam o meio ambiente, as fundadas em provas falsas, na fraude ou dolo

de uma das partes em detrimento de outra.

É impossível relativizar coisa julgada de sentenças que julgaram

pedidos juridicamente impossíveis. O interessado deveria alegar, durante a

marcha processual ou mesmo em sede de ação rescisória, violação aos artigos

267, VI e § 3º; 295, I, e seu parágrafo único, III, todos do CPC.

Decisões que fizeram coisa julgada podem ser reputadas

inconstitucionais quando: 1) o julgador aplicou lei que posteriormente venha a

ser declarada inconstitucional pelo STF; 2) o julgador deixou de aplicar lei por

entender que ela era inconstitucional, mas posteriormente o STF declarou-a

constitucional; 3) o julgador julgou contrariamente a um dispositivo ou princípio

constitucional. A coisa julgada inconstitucional poderá ser desconstituída,

quando o caso, por ação rescisória.

É indiscutível a necessidade de relativização da coisa julgada,

principalmente em se tratando de ações coletivas.

A única possibilidade que vislumbramos, no atual momento do

direito brasileiro, a relativização da coisa julgada é o surgimento de uma nova

prova técnica que permita concluir a impropriedade da sentença de

improcedência do pedido.

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As regras do ônus da prova são destinadas aos litigantes. Nos

termos do artigo 333 do CPC, compete ao autor quanto ao fato constitutivo de

seu direito e ao réu, quanto à existência de fato modificativo, impeditivo ou

extintivo do direito do autor.

Havendo verossimilhança das alegações ou hipossuficiência

técnica, o juiz deverá inverter o ônus da prova com fundamento no artigo 6º,

VIII, do CDC, independentemente de pedido da parte. A inversão poderá ocorrer

nas lides que versem sobre relações de consumo ou em quaisquer outras ações

coletivas. É que, apesar de a norma não estar localizada no Título III do CDC,

entende-se que também pode ser aplicada às ações coletivas por se tratar de

norma processual, haja vista a já citada interação existente entre o CDC e a

LACP.

A inversão do ônus da prova deverá se dar no momento em que o

julgador for proferir a sentença, pelo fato do ônus da prova ser regra de

julgamento. Se houver provas suficientes nos autos, o juiz poderá proferir a

sentença sem necessidade de averiguar quem produziu a prova. Todavia, diante

da insuficiência de provas, preenchidos os requisitos do artigo 6º, VIII, do CDC,

deverá inverter o ônus da prova.

O desenvolvimento tecnológico lançou a sociedade a riscos

somente conhecidos quando estas ameaçadas efetivamente prejudicavam a

população. Uma das conseqüências nefastas do desenvolvimento é criar a

sociedade de riscos.

Há quem entenda na doutrina que o legislador brasileiro adotou, no

artigo 12, § 1º, III do CDC a teoria dos riscos do desenvolvimento como

excludente de responsabilidade do rol elencado no seu artigo 12.

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Todavia, os riscos do desenvolvimento não só ensejam

responsabilidade pela reparação integral dos danos causados à coletividade em

sentido amplo (aplicação da teoria do risco integral), como também enseja a

desconstituição da coisa julgada diante do surgimento de uma nova prova

técnica após a formação da coisa julgada.

A globalização é fenômeno que amplia a possibilidade da

ocorrência de danos coletivos em razão dos riscos do desenvolvimento.

A única forma de proteger integralmente a sociedade em razão dos

riscos do desenvolvimento é a previsão legal de relativização da coisa julgada

diante do surgimento de uma nova prova técnica.

Para tanto, é necessária a aprovação de uma lei que acrescente um

artigo ao Título III do CDC prevendo expressamente a possibilidade de

relativização da coisa julgada nas ações coletivas sempre que o surgimento de

uma nova prova técnica puder lastrear uma nova ação judicial.

O amadurecimento dos estudos sobre a coisa julgada, fruto

principalmente da doutrina, poderá trazer novas conclusões acerca de sua

relativização. Caberá ao Poder Legislativo, então, lastrear essas conclusões para

que delas se beneficiem toda a sociedade.

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