A ÉTICA NO MARKETING DAS INDÚSTRIAS · do sistema econômico-social existem em todas as nações...

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ARTIGO A ÉTICA NO MARKETING DAS INDÚSTRIAS DE BENS DE CONSUMO NO BRASIL • Maria Cecília Coutinho de Arruda Professora do Departamento de Mercadologia da EAESP/FGV. * RESUMO: Embora sejam muito variados os mercados em que pode operar um profissional de marketing, entende-se que o volume e o impacto das ações de marketing sobre o consumidor final justifiquem uma especial atenção, do pon- to de vista da ética. Por esse motivo, o marketing dos bens de consumo constituirá o ponto central de análise do artigo. Até que o produto chegue ao consumidor final, muitas tran- sações entre produtores, atacadistas e varejistas já se efetua- ram. As indústrias, tratadas como produtores ou fabrican- tes de bens de consumo, foram escolhidas para o universo do estudo exploratório. 16 Revista de Administração de Empresas * PALAVRAS-CHAVE: Ética, marketing, bens de consumo, código de ética, indústria. * ABSTRACT: Although there are so many different mar- kets, a marketing professional can work in, one understands that the volume and impact of marketing decisions upon the final consumer justifies an special attention, under the Ethics point of view. For this reason, the central analysis of this article relies upon consumer goods marketing. Many transactions have taken place among producers, wholesalers and retailers, before the product is available to the consu- mers. The producers of consumer goods were chosen as uni- verse in this exploratory study. * KEY WORDS: Ethics, marketing, consumer goods, codes of ethics, industry. São Paulo, 33{1 ):16-28 Jan./Fev. 1993

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ARTIGO

A ÉTICA NO MARKETING DAS INDÚSTRIASDE BENS DE CONSUMO NO BRASIL• Maria Cecília Coutinho de Arruda

Professora do Departamento de Mercadologiada EAESP/FGV.

* RESUMO: Embora sejam muito variados os mercados emque pode operar um profissional de marketing, entende-seque o volume e o impacto das ações de marketing sobre oconsumidor final justifiquem uma especial atenção, do pon-to de vista da ética. Por esse motivo, o marketing dos bensde consumo constituirá o ponto central de análise do artigo.Até que o produto chegue ao consumidor final, muitas tran-sações entre produtores, atacadistas e varejistas já se efetua-ram. As indústrias, tratadas como produtores ou fabrican-tes de bens de consumo, foram escolhidas para o universo doestudo exploratório.

16 Revista de Administração de Empresas

* PALAVRAS-CHAVE: Ética, marketing, bens de consumo,código de ética, indústria.

* ABSTRACT: Although there are so many different mar-kets, a marketing professional can work in, one understandsthat the volume and impact of marketing decisions upon thefinal consumer justifies an special attention, under theEthics point of view. For this reason, the central analysis ofthis article relies upon consumer goods marketing. Manytransactions have taken place among producers, wholesalersand retailers, before the product is available to the consu-mers. The producers of consumer goods were chosen as uni-verse in this exploratory study.

* KEY WORDS: Ethics, marketing, consumer goods, codesof ethics, industry.

São Paulo, 33{1 ):16-28 Jan./Fev. 1993

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A ÉTICA NO MARKETING DAS INDÚSTRIAS DE BENS DE CONSUMO ...

É comum, atualmente, encontrar pro-fissionais de marketing sinceramentepreocupados com o rumo que vêm to-mando algumas práticas, do ponto devista ético. Sejam eles administradores,publicitários, sociólogos ou estatísticos. Aquestão parece ser sempre a mesma:quais os limites éticos do marketing? E adefinição mais precisa parece nebulosa, àmedida que se vêem industriais de reno-me adotando, com toda a naturalidade,posturas que, de início, chocavam, e ago-ra se tornaram lugar comum. A dificul-dade de aplicaçãodos princípios éti-cos a situações con-cretas do marketingparece estar de-mandando que sepense e se fale maissobre o assunto.

Existe, talvez,um preconceito emrelação aos admi-nistradores de mar-keting, no sentidode serem incapazesde um comporta-mento ético, por serdifícil praticá-lo nascircunstâncias porque passa a socie-dade atual, espe-cialmente em facedos problemas com que se deparam asempresas privadas, as agências de publi-cidade, os veículos de comunicação e opróprio Governo. 1

Os conflitos entre os valores éticos e osdo sistema econômico-social existem emtodas as nações onde há uma atividademercantil intensa. Muitos profissionaisencontram-se desnorteados no que tangeao comportamento correto a ser adotado,diante das possibilidades dinâmicas e di-versificadas que lhe são apresentadas,para a formulação de estratégias demarkeiing.?

Considerando a liberdade de que, pornatureza, é dotado o ser humano, somen-te os códigos de ética, ainda que necessá-rios para todas as carreiras, não têm sidosuficientes para guiar um profissional demarketing em todas as áreas. Este deveráconhecer os princípios básicos de Éticasobre a natureza humana e sobre a vida

comercial, ponderar sobre eles com regu-laridade e, com certeza, verá que se redu-zirão as dúvidas na seleção de alternati-vas. Essa formação mais profunda o leva-rá a distinguir com propriedade as deci-sões e ações a seguir no negócio.3

REFERENCIAIS

São muitos os referenciais disponíveispara nortear o comportamento de umprodutor, de forma que sua conduta pos-sa ser caracterizada como ética.

No âmbito doDireito Natural, aprópria naturezadas coisas e dos se-Existe, talvez, um

preconceito em relaçãoaos administradores

res, suas causas,seus efeitos, e a or-dem natural e so-cial, estabelecidadesde a criação douniverso, consti-tuem um fenômenosólido e objetivopara a fixação depadrões éticos.4

Como conse-qüência da liberda-de de que é dotadoo ser humano, nas-cem os seus deverese direitos, estes po-sitivados em 1948

na Declaração Universal dos Direitos doHomem, com o esforço de René Cassin,por tomar mais clara a lei natural.

É importante observar que a adminis-tração. de marketing, como atividade de-sempenhada por seres humanos, não estádestituída de um caráter moral. Não seriaprofissional, no sentido antes discutido, oadministrador que apenas se limitasse aimplementar planos, utilizando-se doinstrumental de marketing indiscrimina-damente, com uma conduta que poderiaconduzi-lo a um mau uso da liberdade eà destruição do patrimônio moral da so-ciedade. Em contrapartida, quando segu-ro de que sua atividade é moralmente vá-lida, contribuindo para o bem comum, ohomem de marketing saberá manejar osinstrumentos de marketing da maneiramais sábia, positiva e ética, por não vio-lentar sua própria consciência e os direi-tos humanos dos consumidores a quem

de marketing, no sentidode serem incapazes

de um comportamentoético, por ser difícil

praticá-lo nascircunstâncias por que

passa a sociedade atual.

© 1993, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.

1. CHESKIN, Louis. Por que secompra. São Paulo, Pioneira,1964; CHILDS, Marquis W. &CATER, Douglas: A Ética emuma sociedade mercantil. SãoPaulo, Civilização Brasileira,1957; FERRELL, O. C. & WEA-VER, K. M. "Ethical Beliefs ofMarketing Managers". Journalof Marketing. (42), julho 1978;SÁFADY, Naief. Publicidade ePropaganda. Rio de Janeiro,FGV,1973.

2. ARRUDA, Maria Cecília Couti-nho de. "Ética: uma preocupa-ção emergente no campo domarketing social". Marketing,19(151):29-38, maio 1986.

3. PORRAS, J. I. & WEINBERG,C. B. "A framework for analy-sing the ethics of marketing in-terventions" in Governmentmarketing: theory and practice.New York, Ed. Steven E. Per-mut, 1981.

4. MESSNER, Johannes. Éticasocial: o direito natural no mun-do moderno. São Paulo, EditoraQuadrante e Editora Universida-de de São Paulo.( Versão diretada 4ª. edição austríaca de1960.)

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i1rn ARTIGO

5. ARRUDA, Maria Cecília Couti-nho de. "Ética: uma preocupa-ção emergente no campo domarketing social". Op. cit.

6. ROBINS, B. P. "Value issuesin marketing". In: LAMB JR., C.W. & DUNNE, P.M.(orgs.). Pro-ceedings series: theoretical de-velopmensts in marketing.American Marketing Associa-tion, 1980.

7. ARRUDA, Maria Cecília Couti-nho de. "Ética: uma preocupa-ção emergente no campo domarketing social". Op, cit.

8. ARRUDA, Maria Cecília Cou-tinho de.. Idem, ibidem.

9. DONALDSON, Thomas &WERHANE, Patricia H. Ethicalissues in business: a philoso-phical approach. New Jersey,Englewood Cliffs, Prentice Hall,1988.

10. DONALDSON, Thomas &WERHANE, Patricia H. Idem,ibidem.

11. STONER, James A. F. &FREEMAN, R. Edward. Manage-ment. New Jersey, EnglewoodCliffs, Prentice Hall, 4ª edição,1989.

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pretende atender. Só, então, sua atuaçãopode ser encarada como efetivamenteprofissional. 5

As soluções compatíveis com a lei na-tural, respeitando os direitos humanos,atrairão o apoio de autoridades civis e,quando for o caso, das eclesiásticas, am-pliando, com força e rapidez, a influênciasobre a comunidade. Em contrapartida,deslizes no campo da ética poderão signi-ficar perda de prestígio do projeto juntoaos líderes de opinião, prejuízo talvez ir-recuperável de imagem da empresa ouinstituição responsável pelo programa demarkeiing», e descrédito de uma socieda-de que se sentirá lesada em sua própriahonra e natureza. 7

Entende-se que uma personalidadeharmoniosa se desenvolverá se estiverlastreada numa ideologia realista, dentrode uma abordagem filosófica realista, emque a inteligência deve dirigir-se à verda-de para não se deixar levar por vieses dorelativismo; a vontade deve encaminhar-se ao bem; o homem, dessa forma, comsua personalidade completa, alcançará aobjetividade dos valores, sem sucumbir aqualquer forma de subjetivismo.8

O conceito de dizer a verdade pode serempregado para pesquisar uma grandevariedade de questões de marketing, in-cluindo honestidade na propaganda, pre-cisão na informação ao consumidor, e asresponsabilidades que qualquer negóciotem de se comunicar com veracidadecom os funcionários e acionistas.9

Kant, em sua Palestras sobre Ética, frisaque o princípio de dizer a verdade é umtraço essencial da comunicação correta, ecoloca-o em três campos. Primeiro, cadaum de nós gostaria que todos os sereshumanos seguissem esse princípio, ou se-ja, ele é universal. Depois, dizer a verda-de é um elemento necessário para a so-ciedade, pois todas as sociedades depen-dem de laços mútuos de honestidade everacidade, e neles se apóiam, que refor-çam sua unidade e sua continuação orde-nada. Por fim, a mentira destrói a maiorfonte do desenvolvimento humano (a in-teligência), uma vez que ele frustra a des-coberta de novas verdades.

Donaldson e Werhane w, depois deconsiderarem esse princípio de Kant,convidam-nos a enfocar a ética nos negó-cios, em primeiro lugar, atribuindo valor

às questões. Daí se segue que as açõesempresariais não podem ser considera-das isoladamente, sem relacioná-las aosvalores humanos. Dada a amplitude doescopo da ética empresarial, os autoreslistam as questões que devem ser analisa-das, muitas das quais diretamente liga-das ao marketing:1. práticas de propaganda, por exemplo,

propaganda falsa ou enganosa;2. esquemas de preço monopolista e seus

efeitos sobre o consumidor;3. segurança de produtos;4. a busca dos lucros;5. o tratamento dos funcionários, incluin-

do salários, condições de trabalho, par-ticipação dos empregados e acesso aosplanos de pensão e benefícios;

6. os efeitos da poluição, tanto econômicaquanto ambiental;

7. pagamento de "consideráveis" somasde dinheiro a governos e agentes es-trangeiros, ou para políticos locais;

8. os papéis adequados de acionistas, ge-rência, governo e do público, ao deter-minarem políticas corporativas;

9. políticas e condições discriminatóriasde contratação de pessoal, e de pro-moção;

10.os limites da propriedade privada; e11.espionagem empresarial.

Levando em consideração os princí-pios do Direito Natural, cabe ressaltar aimportância da moralidade em relação aculturas, sociedades ou comunidades es-pecíficas. É difícil afirmar que existempadrões que ajudem a um julgamento damoralidade de uma cultura em particu-lar. O melhor que se pode fazer é enten-der os costumes e códigos morais parti-culares de uma dada sociedade.v Indoum pouco mais adiante, não se trata ape-nas de uma questão de compreensão,mas também de respeito à peculiaridadee aos valores dessa coletividade.

Os códigos de ética de diferentes seto-res industriais representam um esforçode profissionais que desenvolvem ativi-dades semelhantes, para garantir umaatuação correta. Mais ou menos sofistica-dos, os códigos podem ser continuamen-te aperfeiçoados, à medida que novas cir-cunstâncias aparecem, exigindo uma re-flexãomais aprofundada e uma definiçãoadequada.

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A ÉTICA NO MARKfTlNG DAS INDÚSTRIAS DE BENS DE CONSUMO ...

[ohn Impert, Diretor de Ética Corpora-tiva da Boeing Company nos EstadosUnidos, dizia recentemente numa pales-tra no Brasil: "Os códigos de conduta foramoriginalmente publicados no final da décadade 70 por muitas empresas americanas sobforma de pequenos livretos, superficialmentesemelhantes aos Dez Mandamentos judaíco-cristãos ou ao livrinho vermelho de Mao TséTung. Inspiradas em quaisquer políticas cor-porativas que já tivessem existido acerca doconflito de interesses, legislação antitruste eassemelhados, as em-presas escreveram es-ses livretos durante ofinal dos anos 70 einício dos anos 80 emlinguagem do tipo'Dez Mandamen-tos 111. "Você não devefazer isto ou os em-pregados não devemfazer aquilo". O in-tuito era limitar ocomportamento doempregado e forne-cer uma base paraa rápida puniçãodas transgressões. 12

Explicando quea década de 90 seinicia num climade confiança emque os empregados são encorajados a le-vantar questões a respeito de condutasque pareçam duvidosas, num diálogoaberto, Impert continuava o raciocínio:"O novo código de conduta deve estar firme-mente corado na cultura e nos valores dacompanhia. Deve fornecer as diretrizes asmais claras possíveis para uma conduta apro-priada e encorajar o diálogo sempre que sur-girem situações ambíguas. Os empregados de-vem se exortar a falar com o seu superior oucom um 'conselho de ética' de uma unidadede negócios, um dirigente mais antigo comparticular interesse e com experiência emconduta empresarial, ou a contatar um om-budsman da companhia ou utilizar uma 'li-nha' telefônica direta" (hot line)."

A legislação em vigor sempre signifi-cou uma fronteira a ser respeitada pelosprofissionais em geral e pelos de marke-ting em especial. O Estado é uma comu-nidade que se fundamenta nos fins exis-tenciais do homem, integrando a ordem

ética e constituindo um valor desse tipo.Visto em comunidade, o Estado assumeconsigo a dignidade dos seres morais,com função fundamental de satisfazer asfunções humanas, culturais e vitais, ecom o mais amplo valor, em relação aosvalores particulares. 14

Uma lei deve ser racional, ou seja, de-ve atender ao bem comum. Para com-preender corretamente esta qualidade, énecessário frisar que a pessoa vive em so-ciedade, mas a sociedade não é fonte ori-

ginária de direitossobre a pessoa.t"Além disso, o fimda sociedade - e detodos os que acompõem - é obem comum. Se es-te faltasse, imedia-tamente observar-se-ia o processo dedesagregação so-cial. A limitação daindi vid ualidade,na busca do bemcomum, é com-preendida como di-minuiçãodo egoís-mo, beneficiandoos autênticos direi-tos da pessoa.

Aqui, cabe lem-brar que os direitos do consumidor estãosendo hoje objeto de proteção especialdo Estado. No Brasil, o recente Códigode Defesa do Consumidor, Lei n? 8.078de 11/09/90, ao lado de entidades regu-lamentadoras, de iniciativa privada oupública, como são as associações de defe-sa do consumidor (IDEC - Instituto deDefesa do Consumidor), sociedades deamigos de bairro, PROCON (Departa-mento de Proteção ao Consumidor), SU-NAB (Superintendência Nacional doAbastecimento), IPEM (Instituto de Pe-sos e Medidas), IAL (Instituto AdolfoLutz) e tantas outras, com objetivos de-terminados, podem apontar também al-guns limites éticos à atuação concreta dogerente de marketing das indústrias debens de consumo.

Mais ou menos sofisticados,os códigos (de ética

de setores industriais)podem ser continuamente

aperfeiçoados,à medida que novas

circunstâncias aparecem,exigindo uma reflexão

mais aprofundadae uma definição adequada.

Compromisso pessoalPara viver com dignidade, cada indus-

trial deve ter estabelecido, em sua vida,

12. TEIXEIRA, Nelson Gomes(organizador). A Ética no Mun-do da Empresa. São Paulo, Pio-neira, 1991.

13. TEIXEIRA, Nelson Gomes.Idem, ibidem.

14. ARRUDA, Maria Cecília Cou-tinho de. "Ética: uma preocupa-ção emergente no campo domarketing social". Op. cít,

15. MESSNER, Johannes. Op.cil.

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16. ARRUDA, Maria Cecília Cou-tinho de. "Os limites éticos daatividade profissional". O Esta·do de São Paulo. Caderno deEmpresas. 06/11/86, p.3.

17. ARRUDA, Maria Cecília coe-linho de. "A ética dos amigos".O Estado de São Paulo. Cadernode Empresas. 31/10/86, p.3.

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um código de valores morais a que se re-porte habitualmente e em momentos decrise. Isto é universal, não se aplicando aum setor ou outro. Quando se estuda avida de grandes empresários, por exem-plo, com freqüência se observa que essaspessoas são dotadas de uma naturezaprofundamente espiritual. Em contrapar-tida, os homens de negócios que não pri-mam pela honestidade e moralidade emsua atuação, cedose tornam conheci-dos por suas defi-ciências, e seu pres-tígio pode ser maisdrasticamente aba-lado do que aconte-ceria em outras pro-fissões.

Que no campodo marketing o su-cesso implique numcomprometimen todos padrões moraisnão parece algoconvincente parapessoas psicologi-camente equilibra-das, e profissionalmente bem formadas.

Neste empenho em conhecer e deter-minar parâmetros de eticidade, de formasimples, mas não menos profunda, é quese propôs desenvolver uma pesquisa quepermita meditar e analisar as atividadesde marketing de bens de consumo, no quetange à Ética.

estou, com isso, cometendo um erro dejulgamento, ou seriam os motivos, de fa-to, maus? Pelo tipo de atividade, as rea-ções do público são rápidas e muitas ve-zes estridentes. Quando há algo errado, oconsumidor facilmente se convence deque houve má fé, que a falha foi intencio-nal e que as coisas foram planejadas paraacontecer desta maneira.

Se uma grande empresa, no passado,ficou conhecida poralgum deslize maissério no campo mo-ral, pode tornar-sealvo de observaçõese, até mesmo, moti-vo de novas leis ou

Acordos de preçosrealizados entre váriosconcorrentes poderiam

sanear muitas atividadesde marketing, sem

descaracterizar a empresacomo lucrativa, tendo em

vista o bem social.

Ética nos negóciosHá quem diga que para sobreviver na

empresa não se pode ter "consciência fi-na". Que existem problemas éticos sériosa serem enfrentados, qualquer industrialo sabe. Não se pode dizer, porém, quesão maiores ou menores que os encontra-dos em outras profissões.

O que se nota é que a conduta corretanão depende só das circunstâncias. O queé certo, é certo, e o que é errado, é errado."Faze o bem e evita o mal" é uma lei im-pressa na consciência de cada ser huma-no. Na vida empresarial, este princípio étalvez mais lembrado que em outras ocu-pações." O gerente, por natureza, é al-guém continuamente implicado no pro-cesso de tomada de decisões. Por isso, écomum que ele se sinta em um dilema:

normas que contro-lem todo o setor ouindústria em queopera. Aliás, estetem sido o caminhousual de muita re-gulamentação espe-cífica. Quando umadeterminada práti-ca "não-ética" sedesenvolve e se es-

tabelece, quase mesmo obrigando que osque a desaprovam também a sigam "por-que os amigos ou concorrentes o fazem",é chegada a hora do consumidor. É entãoque o mercado explode, e novas restri-ções legais tomam forma. 17

Este é um momento especificamenteem que se esperaria uma conduta éticados líderes setoriais. Dentro de uma in-dústria, por exemplo, acordos de preçosrealizados entre vários concorrentes po-deriam sanear muitas atividades de mar-keting, sem descaracterizar a empresa co-mo lucrativa, tendo em vista o bem so-cial. Trabalhar nesse sentido é ir ao en-contro de um movimento de defesa da li-vre iniciativa, prerrogativa de um siste-ma capitalista, com visão democrática.Opor-se a esse raciocínio significa dar lu-gar a abusos que poderão levar à estati-zação de novos setores da economia, des-necessariamente.

DEFINiÇÕES OPERACIONAIS

Diante da variedade de conceitos eopiniões a respeito de algumas expres-sões usadas ao longo do artigo, decidiu-

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A ÉTICA NO MARKETING DAS INDÚSTRIAS DE BENS DE CONSUMO ...

se definir precisamente o significado ado-tado:• Bens de consumo: são produtos com-

prados por indivíduos e famílias parauso pessoal.

• Ética: é o estudo filosófico da ação e daconduta humana, considerando emconformidade ou não com a reta razão.

• Ético: termo usualmente encontradocomo sinônimo de moral, bom, certo,justo, honesto, reto, correto, verda-deiro.

• Padrões éticos: são princípios ou idéiasde conduta humana.

• Moralidade: é a coincidência da condu-ta humana com os fins traçados emsua natureza, em seus instintos espiri-tuais e corporais.

• Lei natural: é uma inclinação impressana natureza humana, ordenando-a eorientando os atos humanos.

• Trabalho profissional: é o trabalho (di-versificado) requisitado para suprir asdiversas necessidades do homem, cor-porais e espirituais.

• Etica profissional: é o conjunto deprincípios que regem a conduta fun-cional dos membros de um órgão declasse.

• Código de ética: é o documento que serefere à conduta profissional dosmembros de um órgão de classe.

• Lei civil: é uma determinação, umaconcretização da exigência de organi-zação da sociedade. E elaborada livre-mente pelo homem.

• Entidades regulamentadoras: são ór-gãos e associações, de origem públicaou privada, para defesa dos direitos doconsumidor.

Pesquisa: objetivosIdentificar o comportamento dos ge-

rentes de marketing de empresas produto-ras de bens de consumo, em relação aosseguintes parâmetros éticos: códigos deética, legislação, entidades regulamenta-doras, lei natural, direitos humanos.

Isso foi conseguido com a busca de in-formação junto aos gerentes de marketing,quanto ao conhecimento e cuidados éti-cos relativos às decisões de produto, pre-ço, promoção, pontos de venda e atendi-mento ao consumidor.

Assim, o objetivo da pesquisa foi pos-sibilitar um maior nível de conhecimento

sobre a opinião dos diretores, gerentes demarketing ou proprietários de empresasprodutoras de bens de consumo, a res-peito da ética em geral, e aplicada à ativi-dade de marketing.

Em virtude da crescente complexidadeda vida moderna, do dinamismo dosmercados e das contínuas mudanças nocomportamento do consumidor, pareceque o gerente de marketing, por mais ex-periente que seja, não chega a percebertodos os elementos que interferem no seuprocesso decisório. Talvez por carecer deformação e informação suficientes e ne-cessárias para orientá-lo racionalmentena conduta de todos os negócios que ocercam, o administrador de marketing, emmuitos campos, tende a apoiar-se na con-tribuição de profissionais de outras áreas,os quais lhe prestam eficientes serviçosespecíficos.

Tendo em vista o problema de investi-gação proposto, procurou-se pesquisar asquestões ao caráter ético na atividade demarketing de bens de consumo, conformerol do quadro 1.

A atividade de marketing constitui oelo de ligação entre os objetivos de umaempresa fabricante de bens de consumo ea expectativa do consumidor final, quealmeja satisfazer seus desejos e necessi-dades com produtos específicos.

São inúmeras, e de grande importân-cia, as ações dos profissionais de marke-ting, típicas de suas funções, que não seencontram em outras áreas de atuação. Oestudo do objeto, da intenção e das cir-cunstâncias ou conseqüências dessasações, sua correção ou incorreção, consti-tuem o campo da ética em marketing, fi-nalidade desta pesquisa.

Embora sejam muitos e variados osmercados em que pode operar um profis-sional de marketing, entendeu-se que ovolume e o impacto das ações de marke-ting sobre o consumidor final justifica-vam uma especial atenção, do ponto devista da ética. Por esse motivo, o marke-ting dos bens de consumo constituiu oponto central da pesquisa. Excluíram-sedo âmbito do estudo as transações entreprodutores e revendedores, pela comple-xidade e amplidão de nuances que acar-retavam. Procurou-se, assim, concentrar-se a análise nos fatores éticos envolvidosna produção e colocação de bens de con-

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~!JéARTIGO

Quadro 1 - Conhecimento e comportament.o éticoso 40 80 100

Padrão ético esperado (%)

Práticas de marketing

Embasamento filosófico

Ética é ciência normativa

Ética é ciência

Fraude, logro, engano/quantidade

Fraude, logro, engano/qualidade

Conluio de concorrentes/preço

Tabelamentos de preços

Clareza nos contratos

Comissões eliminam concorrência

Ág io e mercado paralelo

Sabotagem e espionagem

Mentiras "inocentes'

Mal entendido intencional

Persuasão na venda pessoal

Persuasão/consumidores desinformados

Persuasão/produtos não essenciais

Promoção de valores ilusórios

Estereótipo - Propaganda

Estereótipo - Vendas

Maquiagem de produtos

Maquiagem de embalagens

Não existência de normas técnicas

Venda inadequada ao segmento

Assistência técnica baixa qualidade

Métodos irritantes de cobrança

Não devolução/dinheiro da compra

Obsolescência planejada

Exploração de idéias infantis

Maior ênfase à quantidade

Manuais/produtos de tecnologia

Competência p/ oferecer manuais

Não informação embalagem/incompetência

Não informação/ética

Plágio na marca

Informação condizente c/ benefícios

Falta comunicação empresário-consumidor

Atendimento ao consumidor na empresa

Reestrutu ração de marketing/ética

Código de ética na empresa

••• Padrão ético Resp, não condizentes com o padrão ético Resp. condizentes com o padrão ético .- Resp. indicando indiferença

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85.0

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65.5

58.4

62.0

86.7

57.5

50.4

885

37.277.0

• percentual de respostas condizentes com o padrão ético

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A ÉTICA NO MARKETlNG DAS INDÚSTRIAS DE BENS DE CONSUMO ...

Quadro 2: Distribuição dos questionários porsetor de atividade e região geográfica

SETOR SP INTERIOR OUTROS TOTAL N %ESTADOS

Alimentos 167 63 147 337 17,14

Util. domésticas 55 35 46 136 6,18

Bebidas 5 18 26 49 2,23

Fumo 3 3 6 0,27

Têxtil 204 22 39 265 12,05-Plásticos 77 7 10 94 4,27

Borracha 13 4 18 35 1,59

Brinquedos 36 5 11 52 2,36

Veículos 34 9 16 59 2.68

Confecções 376 147 227 750 34,08

Cultura e recreação 72 11 17 100 4.55

Eletro-eletrônico 118 6 37 161 7,32---Higiene e limpeza 30 3 14 47 2,14

Papelaria 150 8 11 69 3.14

TOTAL N 1240 338 622 2200 100,00

% 56.36 15,36 28,28 100.00

sumo à disposição dos consumidoresfinais.

Com base nos conceitos relacionadosanteriormente, procurou-se iniciar o estu-do com o seguinte pressuposto básico:/I A produção e comercialização de algunsbens de consumo não são consistentescom a ética no marketing, dado que os ge-rentes de marketing desconhecem princí-pios básicos de ética."

Quadro 3: Retorno dos questionários

SITUAÇÃO N %

Respondidos 113 5,14

Recusas formais 2 0.09

Inutilizados 10 0,45

Devolvidos por mudança 163 7,41

Devolvidos por endereço impróprio 15 0.68Devolvidos-destinatário desconhecido 7 0,32

Devolvidos-falência da empresa 5 0,23

Omissões (não respostas) 1885 85,68

TOTAL DE QUESTIONÁRIOS ENVIADOS 2.200 100,00

Pesquisa: metodologiaEmbora não haja dados precisos sobre

o número de empresas produtoras debens de consumo operando hoje no Bra-sil, estima-se que superem o patamar de50.000, porém com características total-mente distintas. O ciclo de vida das mi-cro e pequenas empresas, em geral, não émuito longo, e sua mobilidade muitogrande. Tendo em vista a frágil estruturaorganizacional da grande maioria dessas

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Tabela 1: Características dos respondentes

SEXO: FORMAÇÃO SUPERIOR (PRINCIPAL):Nº RESPOSTAS % Nº RESPOSTAS %

- - -Masculino 108 95,6 Administração 41 34,2

-Feminino 5 4,4 Economia 24 20,0

------Tolal 113 100,00 Engenharia 17 14,2

-- ---Marketing 9 7,5

----FAIXA ETÁRIA: Comunicações 5 4,1

Nº RESPOSTAS % Outras 24 20,019 - 24 anos 5 4,4 Tntal 113 100,0

. - -- - -- -24 - 29 anos 13 11,529 - 34 anos 30 26,6 GRAU DE ESCOLARIDADE:34 - 39 anos 23 20,3 Nº RESPOSTAS %39 - 44 anos 23 20,3 12 grau O 0,044 - 49 anos 10 8,9 2º grau 7 6,249 - 59 anos 9 8,0 Superior completo 75 66,4

-Total 113 100,0 Pós-graduação 31 27,4

-Tolal 113 100,0

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL EMMARKETING: PÓS-GRADUAÇÃO:

Nº RESPOSTAS % Nº RESPOSTAS %0-5 anos 45 39,8 Marketing 19 17,26-10anos 25 22,1 Administração 12 11,011 - 15 anos 23 20,4 Outras 6 5,5----Mais 15 anos 20 17,7 Nenhuma 73 66,3Tolal 113 100,0 Total 110 100,0

empresas, e a impossibilidade de locali-zá-las fisicamente, optou-se por definircomo universo da pesquisa, todas as queconstam do rol da FIESP-Federação dasIndústrias do Estado de São Paulo, quenão se limita a empresas sediadas no Es-tado de São Paulo.

As 2.200 indústrias de bens de consu-mo foram selecionadas por julgamento,guardadas as proporções dos setores es-colhidos. Assim, o universo pesquisadoconstitui-se das empresas localizadas emtodo o país (quadro 2), constantes doAnuário 1988/89 da FIESP, representan-do aproximadamente 4 a 10%das empre-sas cadastradas.

Foram enviados questionários a todasas empresas selecionadas, e os 113 res-pondidos de forma correta não foram su-ficientes para se chegar a uma amostraestatisticamente representativa. Elabo-rou-se, portanto, um estudo exploratório.

O índice de 85,7%de omissões poderialevar a pensar que houve uma perdasubstancial dos resultados. Em se tratan-do, porém, de um tema polêmico e quedesperta a reflexão e o comportamento,assumiu-se tal informe como um dadoque permitiria formular hipóteses ou jus-tificar novos estudos sobre as opiniõesdos gerentes de marketing das empresasprodutoras de bens de consumo, no que

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A ÉTICA NO MARKETlNG OAS INDÚSTRIAS DE BENS DE CONSUMO ...

tange à ética (quadro 3).Elaborou-se um questionário estrutu-

rado, com questões fechadas, empregan-do uma escala composta de ci.ncoitens,aos quais foram atribuídos escores, o quepermitiu ao respondente exprimir-se comcerta flexibilidade. Ao descrever sua po-sição, não teve a necessidade de atribuir-lhe uma dimensão determinada. Com oapoio do método de Likertv. dependen-do do tipo de assertiva, a opinião ou ati-tude dos gerentes de marketing foi avalia-da pela concordância ou discordânciaapontada na escala.

Pesquisa: análise dos resultadosOs resultados obtidos serão analisados

em duas partes: a primeira, relativa àdescrição dos respondentes e respectivasempresas; a segunda, referente às princi-pais práticas de marketing recolhidas noquadro l.

Como podemos observar, a grandemaioria dos questionários foi respondidapor pessoas do sexo masculino. A utiliza-ção da Fórmula de Sturges19 permitiuuma distribuição que parecia indicar for-te predominância de gerentes com idadeentre 30 e 44 anos, faixa bastante com-preensível em cargos de direção.

O tempo de experiência profissionalem marketing foi variável, porém se con-centrou em períodos curtos. Comparadaà idade e ao porte da empresa, a relativa-mente pouca experiência em markeiingpoderá indicar que os profissionais maisjovens tendem a abrir novas empresas,iniciando suas atividades com númeromais reduzido de funcionários.

É importante ressaltar a diversidadede áreas de formação acadêmico-profis-sional dos respondentes, apesar de hojeocuparem cargos diretivos ligados aomarketing.

Quanto ao grau de escolaridade, fatorimportante para a percepção da dimen-são ética de uma atuação gerencial emmarketing, notou-se que a grande maioriaera universitária, havendo entre essesrespondentes um número razoável depós-graduados. Este poderia ser um indi-cador de quão profissional vem-se tor-nando o campo de markeiing no Brasil,ainda que recente.

Respondentes com formação escolarem nível de pós-graduação provinham

Tabela 2: Porte das empresas

NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS N~ RESPOSTAS %

DA EMPRESA:Até 500 47 41,6

--- -501 a 2000 43 38,0

--- -Mais de 2000 23 20,4

--- --Total 113 100,0

com mais freqüência de empresas de mé-dio e grande porte. Um preparo acadêmi-co mais profundo poderá estar contri-buindo para um crescimento do profis-sionalismo e eficiência das empresas, fa-zendo-as manter ou elevar seu porte, emtermos do número de funcionários.

Na determinação do porte das empre-sas, foi utilizado o critério de classifica-ção por número de funcionários, confor-me tabela 2 (acima).

As pequenas e médias empresas, porestes parâmetros, representariam 79,7%do universo pesqui.sado. Imaginando-seque, em sua maioria, sejam empresas re-lativamente novas, não seria de se esperaruma estrutura funcional já desenvolvida,com a área de markeiing bem delineada.

Embora constitua um assunto trazidoà tona nos meios gerenciais apenas nosúltimos anos, a ética foi apontada comoum tema de preocupação já levantado emgrande parte das empresas pesquisadas(ver tabela 3).

Tabela 3: A ética comotema de preocupação

na empresa

Nº RESPOSTAS %

Já foi tema depreocupação

---Não foi tema depreocupação---Total

94 83,2

19 16,8100,0113

18. LlKERT, Rensis. "Techniquefor the Measurement of Attitu-des." Archieves ot Psychology.New York, McGraw-Hill, nº 167,1932.

19. FONSECA,Jairo Simon da &MARTINS, Giberto de Andrade.Curso de Estatística. São Paulo,FEAlUSP, 1978, mimeo, p. 48.

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o conhecimento de éticaSendo muito diversificadas a formação

e as características dos dirigentes de mar-keting das empresas produtoras de bensde consumo, procurou-se, com a pesqui-sa, conhecer sua concepção de ética.

de de dar-se seqüência ao raciocínio dosrespondentes, e perceber a existência deuma efetiva lacuna em sua formação filo-sófica, do que proceder a uma discussãometodológica (ver tabela 5).

Em face dos referenciais anteriormente

Tabela 4: Falta de Tabela 5: Ética comoembasamento filosófico ciência positiva

Nº RESPOSTAS % Nº RESPOSTAS %Discordância 33 29,2 Discordância 49 43,4Indiferença 7 6,2 Indiferença 14 12,4Concordância 73 64,6 Concordância 50 44,2Total 113 100,0 Total 113 100,0

É considerável a proporção de respon-dentes que admitiram possuir pouco em-basamento filosófico, para opinar sobreética (ver tabela 4). Destes, 68,5% pos-suíam grau universitário, e 28,8% erampós-graduados. Assim sendo, poder-se-iapensar na hipótese de que a formaçãoacadêmica, da forma como vem sendooferecida por escolas superiores e univer-sidades brasileiras, é incompleta e insufi-ciente para preparar seus alunos no sen-tido de uma compreensão ética de suaatuação profissional.

Cabe ressaltar, ainda, que a falta deembasamento filosófico foi sentida porrespondentes que provinham de empre-sas de grande (19,7%),médio (39,4%) epequeno (40,9%)porte. Tentou-se, comisso, detectar a possível existência deuma correlação entre o porte das empre-sas, avaliado em número de funcionários,e a percepção de que o conhecimento fi-losófico resultava insuficiente para umaperfeita concepção de ética. Constituiriaobjeto de um interessante estudo a verifi-cação da hipótese de que os profissionaisde grandes empresas possuem mais for-mação filosófica, ou preocupam-se maiscom conceitos de ética, porque zelam pe-la imagem da organização que dirigem.

Os itens referentes à ética como ciênciapositiva ou normativa foram introduzi-dos no questionário mais com a finalida-

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Tabela 6: Ética comociência normativa

Nº RESPOSTAS %Discordância 37 32,7Indiferença 13 11,5Concordância 63 55,8Tolal 113 100,0

expostos, não pareceu coerente o pontode vista dos que concordam com o con-ceito de ética como ciência positiva, oumesmo dos que se manifestaram indife-rentes (ver tabela 6). Esta opinião pareceter-se acentuado com respostas indican-do uma percepção imprecisa da ética co-mo ciência normativa, ou sequer admi-tindo que seja uma ciência.

Ética nas práticas de marketingHouve acentuada concordância de que

a fraude, o logro e o engano não deve-riam ser utilizados no tocante à qualida-de e à quantidade dos produtos. Da mes-ma forma, foi visto como incorreto o con-luio dos concorrentes em relação aos pre-

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ços praticados.A maioria dos respondentes afirmou

que seguiria totalmente os tabelamentosou restrições legais de preços, e entendeuser fundamental a clareza nos contratosde compra, venda e locação.

66,8% dos respondentes perceberamcomo não ética a fixação de porcentagensde comissões que eliminem a concorrên-cia. No entanto, são 37,2% os que conside-ram válidos o ágioe o mercado parale-lo, pelo fato deexistir demanda.

Poucos respon-dentes apontarama sabotagem e a es-pionagem (indus-trial e comercial)como meios váli-dos para eliminar aconcorrência, ouenxergaram a for-mulação de menti-ras "inocentes" econdições engana-dor as de "garan-tias" como práticaséticas.

O mal-entendidointencional não foi

timulada a venda de produtos inadequa-dos aos respectivos segmentos. Concen-traram-se as respostas indicando não serum recurso ético o oferecimento de assis-tência técnica de baixa qualidade.

Um significativo volume de respostasindicou a opinião de que é desonesto nãodevolver ao consumidor o dinheiro dacompra, quando a queixa do produto nãotem fundamento.

Embora semconsenso, a maiorparte dos respon-dentes concordaque é ética a obso-lescência planejadados produtos.

Tanto a prolife-ração de produtosquanto a de emba-lagens foram vistascomo corretas.

Apenas 39,8%das respostas mos-traram concordân-cia com a afirma-ção de que a situa-ção de monopóliode um produtopermite que se alte-re indiscriminada-mente a relação

Parece ser necessárioe oportuno pensar em

se proporcionar umpreparo mais sérioe profundo do queo que vem sendopossibilitado aos

diversos profissionaisque atuam e têmpoder de decisão.

visto como umaprática que pode ser usada sem grandesconseqüências.

Com respeito à persuasão, os respon-dentes afirmaram ser ética quando usadana venda pessoal. Entretanto, 56,6% dis-cordaram de que seja ética quando dirigi-da a consumidores desinformados, ouquando empregada na propaganda deprodutos não essenciais (54,0%).

Predominou a discordância de que sepode utilizar a promoção de valores ilu-sórios, embora aparentemente não hou-vesse um consenso.

O estereótipo racial, sexual ou de cre-do, tanto na propaganda como na ativi-dade de vendas foi entendido como nãoválido. A maquiagem de produtos e deembalagem só não foi considerada válidapor pequena maioria dos respondentes.

Foi forte a discordância de que a não-existência de normas técnicas desobriga ofabricante de seguir os padrões ideais.

Houve uma predominância nas res-postas, no sentido de que deve ser deses-

qualidade / preço.A maioria dos repondentes concorda

que a exploração de idéias infantis deveser motivo de preocupação dos gerentesde marketing.

Em sua maioria, os respondentes dis-cordaram da idéia de que, em suas res-pectivas empresas, maior ênfase é dada àquantidade, e não à qualidade dos pro-dutos. A forte maioria assinalou que, pa-ra produtos de tecnologia complexa, nãoé correto não oferecer manuais explicati-vos de fácil entendimento. Em muitas si-tuações, isto foi visto até como uma ques-tão de competência.

No que tange à falta de informação norótulo, embalagem, bula ou manual, oproblema foi visto mais como uma ques-tão de ética do que de competência.

Um grande volume de respostas mos-trou discordância a respeito da possibili-dade de se empregar o plágio na marca.Em menor escala, prevaleceu a opiniãode que há informações em embalagens

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que não correspondem aos benefíciosoferecidos pelo produto.

Não houve consenso a respeito da faltade comunicaçãoentre o empresárioe o consumidor,

discutidos: a ordem natural das coisas, alegislação vigente, os códigos de ética se-toriais ou das empresas, os usos e costu-

mes da indústriacomo um todo e,mais recentemente,o Código de Defesado Consumidor.Mesmo assim, nãose encontrou no es-tudo nenhum diri-gente completa-mente desprovidode preocupação éti-ca. O que se notoufoi uma nítida per-da de sensibilida-de, causadora deum elevado índicede omissões, e deuma postura apa-rentemente super-ficial, sobretudo no

o que se notou foiuma nítida perda de

sensibilidade, causadorade um elevado índice

nas empresas pes-quisadas. No en-tanto, em 88,5%das respostas seafirmou ser funda-mental o serviço deatendimento aoconsumidor na em-presa. Conformeassinalado nosquestionários, namaioria das empre-sas existe um códi-go de ética. Talvezpor isso, somente37,2% dos respon-dentes tenham ma-nifestado já haver .sentido necessidade de reestruturar o se-tor de marketing por questões éticas.

de omissões, e de umapostura aparentementesuperficial, sobretudo

no campo moral,expressa por muitos dos

respondentes da pesquisa.

CONCLUSÕES

A carência de cuidados éticos, em inú-meras áreas da atividade de marketingdos bens de consumo, exige um aprofun-damento ulterior, por setor industrial.

Práticas percebidas como corretas ouincorretas, em setores diferentes, podemlevar a um viés estatístico, possibilitandoapenas a elaboração de hipóteses para fu-turas pesquisas.

Um estudo exploratório, como o apre-sentado no artigo, não objetivou inferên-cias, por sua própria natureza. Tendên-cias de falta de ética, no entanto, parecemse delinear, no sentido de tratar, primei-ramente, algumas atividades de marke-ting com indiferença ou despreocupaçãomoral.

Parece ser necessário e oportuno pen-sar em se proporcionar um preparo maissério e profundo do que o que vem sendopossibilitado aos diversos profissionaisque atuam e têm poder de decisão nocampo da Administração de Marketing deBens de Consumo.

Em vários aspectos, algumas opiniõesse afastaram pouco ou muito do padrãoético esperado, conforme os referenciais

campo moral, ex-pressa por muitos dos respondentes dapesquisa.

O possível desnorteamento de algunsdiretores de marketing de bens de consu-mo no Brasil poderia indicar um desinte-resse ej ou desinformação a respeito daexperiência profissional em muitos paísesonde, pelos resultados nada satisfatórios,algumas práticas não éticas já foram, hátempos, abandonadas . .J

.BlhUografia Suplementar

• BBAUCHAMP r'Tom L. Case. $tu-dies il'f Busines», Society anâ Eihics,

, NewJersey~Englewóód' Cliffs.Pren- .'tice Hall, 2~ edição, 1.989. .

• MALANGA, Etigên;ió. Publicidade:4ltnâlntroduçap.SãQ Paulo"Atlâs,1976. . . . .

' •. MESSNEK Eugênio. Das"Nâtur"', ~~cht tversão.e!?panhóla). Ética SociaL,:

PolfJic.a.y Eeonomiéa a la Lilz d!?l Dere-ch»NatÍltâl. Madri, .Espanha, Ríalp,1967. .

Artigo recebido pela Redação da RAE em março/92, aprovado para publicação em agosto/92.