Acp nº 020.14.003623 7 - liminar

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ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Criciúma 2ª Vara da Fazenda Endereço: Av. Santos Dumont, S/N, Prédio do Fórum, Milanese - CEP 88.804-500, Criciúma-SC - E-mail: [email protected] Autos n° 020.14.003623-7 Ação: Ação Civil Pública/Lei Especial Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina Réu: Municipio de Criciúma e outro Vistos, etc. Trata-se de ação civil pública, com pedido liminar, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, representado pelo Promotor de Justiça em exercício neste juízo, em face d o Município de Criciúma e de Engeterra Imóveis Ltda. - ME , devidamente qualificados, alegando, em síntese, que o ente público municipal efetuou a desafetação de parte da área correspondente às Ruas Manoel Rodrigues Ferrão e Ernesto Bianchini Góes, ambas constantes do projeto original do "Loteamento Nova Próspera", no bairro Ceará, nesta cidade, e permutou a área em questão com a segunda ré. Afirmou que as ruas mencionadas passaram para o domínio do Município de Criciúma em razão da reserva de área para fins de arruamento efetuada em projeto de loteamento, e que é vedado, em tais casos, dar destinação diversa daquela prevista no projeto original. Notificado, o Município de Criciúma alegou, em síntese, que a desafetação da área ocorreu em estrita observância aos princípios que norteiam a legalidade dos atos administrativos, e que, ao efetuar a permuta, a Municipalidade agiu dentro de seu poder discricionário, sob o manto do interesse público. Com base nisso, requereu, liminarmente, que se proceda às anotações na Matrícula n. 80.430 do 1º Ofício do Registro de Imóveis de Criciúma quanto à existência da presente Ação Civil Pública, bem como seja determinado que os réus se abstenham de iniciar ou dar continuidade a qualquer espécie de parcelamento, obra ou atividade na área do imóvel envolvido na presente ação, sob pena de multa diária em caso de descumprimento. ISSO POSTO. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de

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Autos n° 020.14.003623-7

Ação: Ação Civil Pública/Lei Especial Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina

Réu: Municipio de Criciúma e outro

Vistos, etc.

Trata-se de ação civil pública, com pedido liminar, ajuizada pelo Ministério

Público do Estado de Santa Catarina, representado pelo Promotor de Justiça em exercício

neste juízo, em face do Município de Criciúma e de Engeterra Imóveis Ltda. - ME,

devidamente qualificados, alegando, em síntese, que o ente público municipal efetuou a

desafetação de parte da área correspondente às Ruas Manoel Rodrigues Ferrão e Ernesto

Bianchini Góes, ambas constantes do projeto original do "Loteamento Nova Próspera", no

bairro Ceará, nesta cidade, e permutou a área em questão com a segunda ré.

Afirmou que as ruas mencionadas passaram para o domínio do Município de

Criciúma em razão da reserva de área para fins de arruamento efetuada em projeto de

loteamento, e que é vedado, em tais casos, dar destinação diversa daquela prevista no

projeto original.

Notificado, o Município de Criciúma alegou, em síntese, que a desafetação da

área ocorreu em estrita observância aos princípios que norteiam a legalidade dos atos

administrativos, e que, ao efetuar a permuta, a Municipalidade agiu dentro de seu poder

discricionário, sob o manto do interesse público.

Com base nisso, requereu, liminarmente, que se proceda às anotações na

Matrícula n. 80.430 do 1º Ofício do Registro de Imóveis de Criciúma quanto à existência da

presente Ação Civil Pública, bem como seja determinado que os réus se abstenham de

iniciar ou dar continuidade a qualquer espécie de parcelamento, obra ou atividade na área

do imóvel envolvido na presente ação, sob pena de multa diária em caso de

descumprimento.

ISSO POSTO.

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de

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Santa Catarina em face do Município de Criciúma e de Engeterra Imóveis Ltda. – ME, sob o

fundamento, em suma, de que os requeridos pactuaram negócio jurídico nulo, pois foi

objeto de permuta bem público desvirtuado de sua finalidade específica definida por lei.

Como é cediço, a ação civil pública tem por escopo a proteção de interesses

difusos ou coletivos. Em outras palavras, "admitida a ação civil pública não tão somente nos

casos expressamente previstos no art. 1° da Lei n. 7.347, na sua redação original, mas

também em relação a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (art. 110 da Lei n. 8.078)"

(MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado

de Injunção, 'Habeas Data'. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 175).

Para garantir desde logo a preservação dos interesses tutelados pela ação civil

pública, o legislador pátrio previu a possibilidade de concessão de medida liminar por meio

do artigo 12, da Lei 7.347/85, segundo o qual "Poderá o juiz conceder mandado liminar,

com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo".

Traz-se a jurisprudência aplicável:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – POLUIÇÃO SONORA EM ÁREA RESIDENCIAL – INOBSERVÂNCIA DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL – CABIMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA – EXEGESE DO INCISO I DO ART. 1º DA LEI N. 7.347/85 – CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR – ART. 12 DAQUELA NORMA – REQUISITOS PREENCHIDOS – RECURSO DESPROVIDO.Correta a concessão de medida liminar a fim de limitar o horário de funcionamento de empresa transportadora, dentre outras medidas, quando amplamente demonstrada a inobservância dos limites de emissão de ruídos, conforme a legislação ambiental específica, a despeito, aliás, de notificações e reclamações dos moradores e fundação ambiental."Os dois pressupostos devem coexistir. Quanto mais denso o fumus boni juris, com menor rigor deverá o juiz considerar o exame do periculum in mora; se grave o periculum in mora, maior flexibilidade deverá haver na análise do fumus boni juris (Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, Revista dos Tribunais, 2001, p. 353). Ou seja, deve o juiz considerar o princípio da proporcionalidade" (AI n. 02.012760-0, de Tubarão, Des. Newton Trisotto). (Agravo de instrumento n. 04.001886-0, de Joinville. Relator: Des. Francisco Oliveira Filho).

In casu, extrai-se dos autos que o Município de Criciúma, por meio da Lei n.

5.337/2009, efetuou a desafetação de parte das áreas correspondentes à Rua Manoel

Rodrigues Ferrão e à Rua Ernesto Bianchini, as quais integravam o projeto original do

"Loteamento Nova Próspera I", localizado no bairro Ceará, nesta cidade.

O art. 1º da mencionada lei deixa claro que a desafetação recai sobre área

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que, até o momento, correspondia a duas vias públicas do "Loteamento Nova Próspera I".

Veja-se:

Art.1º Fica o chefe do Poder Executivo municipal autorizado promover a desafetação parcial de duas ruas do loteamento Nova Próspera I, situadas no Bairro Ceará, neste município a seguir descritas:

I – Rua Manoel Rodrigues Ferrão (antiga Rua 406) – pertencente ao município de Criciúma, com área de 1.134,280 m2 (hum mil, cento e trinta e quatro metros e duzentos e oitenta centímetros quadrados) [...].

Com fundamento na norma mencionada, o primeiro réu aprovou a Lei n.

5.994/2011, que autorizou o Município a permutar com a segunda ré a área em questão,

negócio jurídico que foi levado a efeito por meio da Escritura Pública de Permuta com

Pagamento de Torna de fls. 141/145 e que originou a matrícula n. 80.430 do 1º Ofício do

Registro de Imóveis desta Comarca.

É sabido que a aprovação de um loteamento ou desmembramento envolve

regras de direito urbanístico, que visam ao atendimento do bem comum, e resulta,

inevitavelmente, na implantação de áreas destinadas ao uso público, como o sistema de

circulação.

Nesse sentido, o art. 4º, inciso I, da Lei n. 6.766/79, que dispõe sobre o

parcelamento do solo urbano e dá outras providências, determina: "Art. 4º. Os loteamentos

deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: I - as áreas destinadas a sistemas de

circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres

de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou

aprovada por lei municipal para a zona em que se situem".

A citada lei federal prevê, no art. 22, hipótese de aquisição de bem público

por determinação legal, pois estabelece que, em decorrência de loteamento, passam para o

domínio público as áreas nele obrigatoriamente previstas para vias, praças, espaços livres e

áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, previstos no projeto e

no memorial descritivo.

Essa reserva determinada por lei define a chamada "área institucional", a

qual, visando suportar o crescimento desordenado das cidades, configura garantia de que

cada bairro terá uma infraestrutura mínima para atendimento das necessidades dos

moradores do local.

Há, inclusive, previsão na Lei que dispõe sobre o parcelamento do solo no

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sentido de que as áreas que passam a integrar o domínio público não podem ter sua

destinação alterada pelo loteador, in verbis:Art. 17. Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do art. 23 desta Lei.

Sobre a desafetação de bem público de uso comum, leciona Celso Antônio

Bandeira de Mello:

[...] a desafetação dos bens de uso comum, isto é, seu trespasse para o uso especial ou sua conversão em bens meramente dominicais, depende de lei ou de ato do Executivo praticado na conformidade dela. É que, possuindo originariamente destinação natural para o uso comum ou tendo-a adquirido em consequência de ato administrativo que os tenha preposto neste destino, haverão, de toda sorte, neste caso, terminado por assumir uma destinação natural para tal fim. Só um ato de hierarquia jurídica superior, como o é a lei, poderia ulteriormente contrariar o destino natural que adquiriram ou habilitar o Executivo a fazê-lo. (Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros. p. 905).

Embora, no caso em exame, o Município de Criciúma tenha efetuado, por meio de lei, a desafetação do bem público de uso comum, necessário levar em consideração que as áreas que integravam o patrimônio público antes da permuta eram destinadas a um fim específico também determinado por lei (Lei Federal n. 6.766/99), não parecendo razoável, em uma análise preliminar, admitir que a Municipalidade modifique a finalidade do bem após ter aprovado o plano de loteamento, que definia a área para fins de instalação de vias públicas.

Por oportuno, extrai-se da jurisprudência entendimento no sentido de que prévia aprovação de área como institucional, pelo Município, impossibilita posterior renúncia do ente público à implementação de serviços públicos nesses espaços:

EMENTA: EMENTA: DIREITO AMBIENTAL - TUTELA DE INTERESSE TRANSINDIVIDUAL - DESAFETAÇÃO DE ÁREAS INSTITUCIONAIS - PROVÁVEL OFENSA AO INTERESSE PÚBLICO - DANO AO BEM-ESTAR SOCIAL DOS CITADINOS - RECURSO PROVIDO.

1. O ordenamento jurídico, materializando a proteção constitucionalmente conferida ao meio ambiente equilibrado (art. 225 da CR/88), bem como à política urbana, (art. 182 da CR/88), estabelece, no art. 2º, XII do Estatuto da Cidade (Lei Federal n. 10.257/01) que, dentre outras diretrizes, o desenvolvimento urbano deve observar a "proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico".

2. Trata-se da reserva da chamada área institucional, a qual, na esteira da preocupação com o crescimento desordenado das cidades, configura garantia de que cada bairro terá uma infra-estrutura mínima para atendimento das necessidades dos moradores do local.

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3. Uma vez definida e aprovada, inclusive pelo Município, a destinação de determinada área como institucional, não pode a municipalidade depois renunciar à implementação de serviços públicos nesses espaços, desafetando-os e alienando-os a particulares.

4. Deve ser concedida a liminar para que se suspenda a desafetação, pelo Município de Uberlândia, de supostas áreas institucionais remanescentes, vedando novas edificações nas áreas já desafetadas, de modo a impedir situação de irreversibilidade, ressalvadas as situações de fato já consolidadas, com o fim de se obstar prejuízos para terceiros de boa fé. (TJMG. Agravo de Instrumento n. 10702110456846001 MG. Relator: Des. Elpídio Donizetti. Julgado em: 31-1-2013).

Verifica-se, ainda, que a descaracterização da área como espaço de vias

públicas pode causar prejuízo à coletividade que necessita circular pelo local, especialmente

aqueles que almejam acesso aos lotes confrontantes, conforme se extrai da Planta do

Loteamento acostada à fl. 51, empecilho que não é afastado pelo simples fato de os

terrenos, atualmente, pertencerem a um mesmo proprietário, haja vista a possibilidade de

futura alienação individual dos lotes.

Presente, pois, o fumus boni juris.

Do mesmo modo, entendo configurado o periculum in mora, pois o

deferimento da medida apenas ao final do processo, em caso de procedência dos pedidos,

poderia ocasionar investimentos indevidos na área incorporada ao patrimônio da segunda ré

e futura alegação de irreversibilidade da situação de fato consolidada.

Diante desse cenário, presentes os pressupostos legais, traduzidos,

essencialmente, na fumaça do bom direito e no perigo da demora, a concessão da liminar é

medida que se impõe. Saliento, contudo, que o deferimento da liminar se restringe a obstar

qualquer obra no imóvel de matrícula n. 80.430 (fl. 62), sem prejuízo à manutenção da

situação em que se encontra o imóvel que, antes da permuta, pertencia à empresa

Engeterra Imóveis Ltda, e que passou a integrar o patrimônio do Município de Criciúma para

fins de regularização fundiária de 127 residências no "Loteamento Primavera" (fl. 49),

considerando a questão de interesse social que envolve o imóvel citado.

Ex positis, DEFIRO o pedido liminar para determinar que se proceda às

anotações na matrícula n. 80.430 do 1º Ofício do Registro de Imóveis desta Comarca quanto

à existência da presente ação civil pública, bem como que os réus se abstenham de iniciar

ou dar continuidade a qualquer espécie de parcelamento, obra ou atividade na área do

imóvel mencionado (matrícula n. 80.430), sob pena de multa diária, no valor de R$ 1.000,00

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(um mil reais), para o caso de descumprimento da decisão, a ser revertida ao Fundo de que

trata o art. 13 da Lei n. 7.347/85.

Expeça-se mandado para cumprimento da liminar.

Citem-se com as advertências legais.

Cumpra-se com urgência.

Criciúma (SC), 07 de abril de 2014.

Rogério Mariano do Nascimento Juiz de Direito