Alegações finais da Associação dos Tuk Tuk Ecológicos

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ALEGAÇÕES FINAIS DA ASSOCIAÇÃO DOS TUK TUK ECOLÓGICOS Competência para a emissão do regulamento A matéria das condições de circulação dos triciclos ou ciclomotores afectos à actividade de animação turística insere-se nas atribuições do município (artigo 23.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro Regime Jurídico das Autarquias Locais). A emissão do regulamento administrativo sub judice assume carácter externo, na medida em que, sendo aplicável a uma indeterminabilidade de sujeitos (generalidade) e situações (abstracção), afecta a posição de terceiros. Tratando- se de um município, a aprovação deste regulamento (artigo 241.º da Constituição da República Portuguesa) deve ser feita pela assembleia municipal, de acordo com o artigo 25.º, n.º 1, alínea g) do RJAL, uma vez que este órgão colegial representativo goza de maior legitimidade democrática. Nem a competência para iniciar o procedimento de aprovação de regulamento através da submissão do respectivo projecto à assembleia (conferida à Câmara Municipal pelo artigo 33.º, n.º 1, alínea a) do RJAL) pode ser delegada ao Presidente, por força da exclusão operada pelo artigo 34.º, n.º 1 do RJAL. De acordo com o parecer emitido pelo Ministério Público atinente ao presente caso, este regulamento acarreta um vício de incompetência pelo que se pede a declarada a invalidade do diploma. Preterição da audiência dos interessados Na sua contestação, o Município de Capital confessa a não realização da audiência prévia com dois fundamentos, um subsidiário do outro. Primeiramente alega-se que o cariz interno do regulamento dispensa esta fase do procedimento. Em segundo lugar, é invocada a urgência do procedimento como fundamento da preterição, mesmo que este se considera-se que o regulamento produzia efeitos externos. Quanto ao primeiro argumento, já se tem por assente a vinculação de terceiros pelo regulamento em causa. Já o carácter urgente (artigo 100.º, n.º 3, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo) não pode aqui ser atendido, de acordo com a posição tomada pelo Ministério Público, “dado que não estávamos perante uma situação em que a passagem do tempo tirasse o

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Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - Contencioso Administrativo e Tributário, 2015/16

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ALEGAÇÕES FINAIS DA ASSOCIAÇÃO DOS TUK TUK ECOLÓGICOS

Competência para a emissão do regulamento

A matéria das condições de circulação dos triciclos ou ciclomotores afectos à

actividade de animação turística insere-se nas atribuições do município (artigo

23.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro – Regime Jurídico

das Autarquias Locais).

A emissão do regulamento administrativo sub judice assume carácter externo, na

medida em que, sendo aplicável a uma indeterminabilidade de sujeitos

(generalidade) e situações (abstracção), afecta a posição de terceiros. Tratando-

se de um município, a aprovação deste regulamento (artigo 241.º da

Constituição da República Portuguesa) deve ser feita pela assembleia municipal,

de acordo com o artigo 25.º, n.º 1, alínea g) do RJAL, uma vez que este órgão

colegial representativo goza de maior legitimidade democrática. Nem a

competência para iniciar o procedimento de aprovação de regulamento através

da submissão do respectivo projecto à assembleia (conferida à Câmara

Municipal pelo artigo 33.º, n.º 1, alínea a) do RJAL) pode ser delegada ao

Presidente, por força da exclusão operada pelo artigo 34.º, n.º 1 do RJAL. De

acordo com o parecer emitido pelo Ministério Público atinente ao presente caso,

este regulamento acarreta um vício de incompetência pelo que se pede a

declarada a invalidade do diploma.

Preterição da audiência dos interessados

Na sua contestação, o Município de Capital confessa a não realização da

audiência prévia com dois fundamentos, um subsidiário do outro. Primeiramente

alega-se que o cariz interno do regulamento dispensa esta fase do procedimento.

Em segundo lugar, é invocada a urgência do procedimento como fundamento da

preterição, mesmo que este se considera-se que o regulamento produzia efeitos

externos. Quanto ao primeiro argumento, já se tem por assente a vinculação de

terceiros pelo regulamento em causa. Já o carácter urgente (artigo 100.º, n.º 3,

alínea a) do Código do Procedimento Administrativo) não pode aqui ser

atendido, de acordo com a posição tomada pelo Ministério Público, “dado que

não estávamos perante uma situação em que a passagem do tempo tirasse o

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efeito útil dos direitos dos moradores, estando apenas em causa alguma

perturbação causada pelo ruído.” Por esta razão, considera-se ilícita a dispensa

desta fase procedimental, em violação do direito de participação dos particulares

na formação de decisões pela Administração (artigo 267.º, n.º 5 da Constituição

da República Portuguesa), o que consubstancia fundamento de invalidade do

regulamento ao abrigo dos artigos 143.º, n.º 1 e 144.º, n.º 1 do CPA.

Contraditoriamente, a contra-interessada, Associação de Taxistas de Capital,

contesta que houve lugar à audiência dos interessados com a correspondente

notificação da Associação dos Tuk Tuk Ecológicos e da Associação de

Empresários dos Tuk Tuk. Como meio de prova, a contra-interessada anexa duas

cartas registadas, alegadamente recebidas pelos autores. Não sendo remetente

nem destinatária das missivas, a obtenção e divulgação das mesmas pela

Associação de Taxistas de Capital implica a violação de correspondência. Por

isso, a prova apresentada será nula nos termos dos artigos 32.º, n.º 8 da

Constituição e 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal aplicados

analogicamente (como se admite em relação ao processo civil: acórdão do

Tribunal da Relação de Guimarães de 16-02-2012, José Rainho [Relator]).

Ainda, a confissão pelo Município de que não foi realizada a audiência dos

interessados, leva a concluir pela falsidade dos documentos apresentados.

No seu depoimento como testemunha, o vereador Carlos Moura demonstrou um

“estranho” desconhecimento acerca do procedimento que desencadeou no

regulamento em questão, bem como da defesa apresentada pelo Município onde

exerce funções, reconhecendo a contradição supra mencionada.

Falta de fundamentação do regulamento

Tal como considerou o Ministério Público em parecer emitido no desempenho

do seu papel de amicus curiae, “não foi justificado pelo Presidente da Câmara

Municipal de Capital o interesse que subjaz à emanação do despacho, sendo de

qualificar como insuficiente o facto de se considerar “insuportável” o ruído”,

devendo ater-se a critérios técnicos. Estamos perante mais um vício de forma

que fundamenta a invalidade do despacho do Presidente da Câmara (artigo

144.º, n.º 2 do CPA).

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Esta fundamentação é ainda mais insuficiente no que toca às empresas de Tuk

Tuk ecológicos, cujo ruído e emissão de gases são praticamente inexistentes,

bem como o seu prejuízo para a saúde pública, como concordaram André Silva e

Teófilo Remédio Santos Loureiro nos respectivos depoimentos prestados na

qualidade de testemunhas, apesar de este último ter demonstrado

desconhecimento relativamente às viaturas a que se refere no parecer que

coordenou.

Quanto aos motivos económicos invocados, foi declarado pelos comerciantes de

Capital que intervieram como testemunhas no processo, Ronaldo Meireles e

Joaquim Bola de Berlim, que a actividade das empresas de Tuk Tuk beneficiava

o comércio das respectivas zonas, o que se afigura lógico, uma vez que ao levar

turistas a locais de difícil acesso para outras viaturas, fazendo, enquanto guias

referência aos locais por onde passam, os motoristas dos Tuk Tuk promovem a

economia dessa área.

Violação do princípio da imparcialidade

Para efeitos de impedimento de intervenção em procedimento administrativo

(artigo 69.º, n.º 1, alínea b) do CPA), não releva a pendência de acção de

divórcio entre Joaquim Autarca Substituto e Maria Aguiar Rodrigues, uma vez

que nos termos do artigo 1789.º do Código Civil, este só produz efeitos a partir

do trânsito em julgado da sentença que o decrete.

De acordo com o depoimento prestado por Maria Aguiar Rodrigues, a acção de

divórcio não implicou uma efectiva ruptura da vida familiar, dado que se deve

apenas a razões financeiras, tendo ainda sido declarado que Joaquim Autarca

Substituto mantem uma relação próxima com Amador Aguiar Rodrigues,

taxista.

Defende-se, então, a violação do princípio da imparcialidade como configurado

pelo artigo 9.º do CPA e, por isso, o despacho é inválido (artigos 143.º, n.º 1 e

144.º, n.º 1 do CPA).

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Não sujeição dos motoristas dos Tuk Tuk a inspecções periódicas de aptidão física

e psicológica, como os taxistas

Não se viola aqui o princípio da igualdade, na medida em que se tratam de

actividades distintas. As empresas de Tuk Tuk inserem-se no ramo turístico e os

seus motoristas desempenham a função de guias, sendo esta actividade e suas

condições de acesso e exercício regulada pelo Decreto-Lei n.º 108/2009, de 15

de Maio. Por seu lado, a actividade dos taxistas incide, predominantemente,

sobre o simples transporte de pessoas e respectiva bagagem, ao que as empresas

filiadas na nossa Associação não pretendem ser alternativa.

A existência deste controlo não assegura em nada a qualidade do serviço de

transporte por Taxi. São conhecidos do público os inúmeros abusos cometidos

pelos empresários do sector contra os seus clientes (em especial os estrangeiros),

desde recusas aleatórias à prestação do serviço à cobrança de preços que

excedem as tarifas aplicáveis.

Tumultos entre os taxistas e os motoristas dos Tuk Tuk

Como é sabido, tanto os motoristas de Tuk Tuk como os de outras empresas,

entre as quais a Uber, foram vítimas de agressões físicas e danos nas suas

viaturas, cometidos por taxistas, manifestando assim uma atitude de bully do

recreio ao recorrer à violência contra quaisquer sujeitos que desenvolvam outras

actividades que estes considerem “ameaçadoras”.

É necessário, sim, tomar medidas de modo a pôr termo a estes conflitos.

Todavia, a solução adoptada não se pode ter por adequada, dado que este

fundamento não serve para uma limitação da livre iniciativa económica de

apenas uma das partes neste conflito, direito com consagração no artigo 80.º,

alínea c) da Constituição.

Os advogados

André Julião

Carolina Viegas

David Alves

Romina Almeida

Virgínia Nascimento