Ambientais No Desenvolvimento Da Lgg Em Uma Amostra de Cças

10
292 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (4): 292-301, out.-dez. 2006 A influência das variáveis ambientais no desenvolvimento da linguagem em uma amostra de crianças The influence of environment variables in the language development in a sample of children ARTIGOS ORIGINAIS RENATA F. CACHAPUZ – Mestre em Saúde Coletiva-Epidemiologia – ULBRA. Especialista em Regulação de Saúde Suplementar – Agência Nacional de Saúde Suplementar. Currículo ca- dastrado na plataforma Lattes do CNPq. RICARDO HALPERN – Doutor em Pedia- tria – UFRGS. Professor-orientador do Cur- so de Mestrado em Saúde Coletiva-Epide- miologia-Universidade Luterana do Brasil. Currículo cadastrado na plataforma Lattes do CNPq. Endereço para correspondência: Renata F. Cachapuz Rua Raul Pompéia, 131/613 Bairro Copacabana Rio de Janeiro – RJ, Brasil (21) 3435-0248 (21) 2105-0364 (21) 9403-4040 [email protected] Recebido: 18/4/2005 – Aprovado: 26/10/2006 RESUMO O objetivo deste estudo foi determinar a prevalência de suspeita de atraso de lin- guagem e possíveis associações entre fatores ambientais e biológicos em uma amos- tra de crianças de até seis anos. Foi aplicado um questionário para as mães das crian- ças contendo questões que contemplavam o histórico gestacional, neonatal e o desen- volvimento ao longo da infância. A aquisição da linguagem foi avaliada através do Teste de Denver. Foram visitados quarenta clusters pelo processo de amostragem por conglomerado na cidade de Canoas, RS. O delineamento do estudo foi analítico ob- servacional transversal. A ênfase do estudo foi nas variáveis ambientais, consideran- do aquelas relativas à linguagem, como estímulos familiares em casa, brinquedos, características pessoais e interacionais da criança, incluindo o fator resiliência infan- til. Os resultados mostram uma prevalência de suspeita de atraso de linguagem de 26% (53) das 204 crianças avaliadas por esse estudo. Os fatores ambientais e biológi- cos que se associaram ao desfecho no modelo final da regressão logística foram: ren- da familiar, escolaridade materna, intervalo interpartal, interesse da criança e estímu- lo à linguagem. Este estudo mostrou que situações estressantes vividas por crianças de baixa renda e criadas por mães com baixa escolaridade afetam sobremaneira a estrutura familiar e o estímulo à linguagem infantil, comprometendo a aquisição e o desenvolvimento da linguagem. UNITERMOS: Tromboembolia Pulmonar, Infarto Pulmonar, Pneumonia Adquirida na Comunidade. ABSTRACT The aim of this study was to determine the prevalence of suspect of language delay and possible association between environmental and biological factors in a sample of children up to six years old. A questionnaire was applied to the children’s mothers containing contemplative questions over the pregnancy historical, the neo- natal period and development throughout childhood. The language development was evaluated through the Denver II Test. Forty clusters were visited following the clus- ters probabilistic process in the city of Canoas, RS. The study was analytical cross- sectional. This study was based on environmental variables, considering those relati- ve to the language such as families’ competence at home, toys, personal and inter- rational characteristics of children, including the infantile resiliency factor. The re- sults show a prevalence suspect of language disorders of 26% (53) of the 204 chil- dren evaluated by this study. The environmental and biologic factors that were indeed associated with the final logistic model outcome were: family income, maternal edu- cation, birth intervals, child interest and language stimulus. This study shows that stressful situation experienced by children of low income families and raised by low level mother’s instruction have effects over family structure, putting in check the de- velopment of the child language. KEY WORDS: Child Language, Risk Factors, Protect Factors, Families’s Competence. I NTRODUÇÃO A linguagem é um veículo para a comunicação e se constitui no princi- pal instrumento usado nas interações sociais (1). A aquisição e o desenvol- vimento da linguagem acontece pelo equilíbrio entre dois fatores: caracte- rísticas individuais da criança, incluin- do sua base genética, e características de seu ambiente, como influências so- ciais, psicológicas a afetivas. O desen- volvimento global-lingüístico, cogni- tivo e emocional será determinado pelo processo de interação entre essas ca- racterísticas próprias da criança e as ca- racterísticas do meio com o qual ela entra em contato (2). A importância dos fatores genéti- cos e a sua associação entre as variá- veis do ambiente familiar são referi- das no estudo de Gilger et al. (2001) (3). Segundo os autores, os brinque- dos e os jogos disponíveis em casa, a qualidade do envolvimento materno, o número de pessoas que moram juntas e o grau de orientação intelectual e cul- tural em casa estão relacionados com o desenvolvimento da linguagem. Esse estudo refere que, nos casos relatados de distúrbio de linguagem, foram iden- tificados como fatores de risco na fa- 08-1720-a-influencia-das-variaveis-ambientais.p65 11/1/2007, 09:15 292

description

Ambiente

Transcript of Ambientais No Desenvolvimento Da Lgg Em Uma Amostra de Cças

  • A INFLUNCIA DAS VARIVEIS AMBIENTAIS NO... Cachapuz et al. ARTIGOS ORIGINAIS

    292 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (4): 292-301, out.-dez. 2006

    A influncia das variveis ambientais nodesenvolvimento da linguagem em uma

    amostra de crianas

    The influence of environment variablesin the language development

    in a sample of children

    ARTIGOS ORIGINAIS

    RENATA F. CACHAPUZ Mestre em SadeColetiva-Epidemiologia ULBRA. Especialistaem Regulao de Sade Suplementar AgnciaNacional de Sade Suplementar. Currculo ca-dastrado na plataforma Lattes do CNPq.RICARDO HALPERN Doutor em Pedia-tria UFRGS. Professor-orientador do Cur-so de Mestrado em Sade Coletiva-Epide-miologia-Universidade Luterana do Brasil.Currculo cadastrado na plataforma Lattesdo CNPq.

    Endereo para correspondncia:Renata F. CachapuzRua Raul Pompia, 131/613Bairro CopacabanaRio de Janeiro RJ, Brasil (21) 3435-0248 (21) 2105-0364(21) 9403-4040 [email protected]

    Recebido: 18/4/2005 Aprovado: 26/10/2006

    RESUMO

    O objetivo deste estudo foi determinar a prevalncia de suspeita de atraso de lin-guagem e possveis associaes entre fatores ambientais e biolgicos em uma amos-tra de crianas de at seis anos. Foi aplicado um questionrio para as mes das crian-as contendo questes que contemplavam o histrico gestacional, neonatal e o desen-volvimento ao longo da infncia. A aquisio da linguagem foi avaliada atravs doTeste de Denver. Foram visitados quarenta clusters pelo processo de amostragem porconglomerado na cidade de Canoas, RS. O delineamento do estudo foi analtico ob-servacional transversal. A nfase do estudo foi nas variveis ambientais, consideran-do aquelas relativas linguagem, como estmulos familiares em casa, brinquedos,caractersticas pessoais e interacionais da criana, incluindo o fator resilincia infan-til. Os resultados mostram uma prevalncia de suspeita de atraso de linguagem de26% (53) das 204 crianas avaliadas por esse estudo. Os fatores ambientais e biolgi-cos que se associaram ao desfecho no modelo final da regresso logstica foram: ren-da familiar, escolaridade materna, intervalo interpartal, interesse da criana e estmu-lo linguagem. Este estudo mostrou que situaes estressantes vividas por crianasde baixa renda e criadas por mes com baixa escolaridade afetam sobremaneira aestrutura familiar e o estmulo linguagem infantil, comprometendo a aquisio e odesenvolvimento da linguagem.

    UNITERMOS: Tromboembolia Pulmonar, Infarto Pulmonar, Pneumonia Adquirida naComunidade.

    ABSTRACT

    The aim of this study was to determine the prevalence of suspect of languagedelay and possible association between environmental and biological factors in asample of children up to six years old. A questionnaire was applied to the childrensmothers containing contemplative questions over the pregnancy historical, the neo-natal period and development throughout childhood. The language development wasevaluated through the Denver II Test. Forty clusters were visited following the clus-ters probabilistic process in the city of Canoas, RS. The study was analytical cross-sectional. This study was based on environmental variables, considering those relati-ve to the language such as families competence at home, toys, personal and inter-rational characteristics of children, including the infantile resiliency factor. The re-sults show a prevalence suspect of language disorders of 26% (53) of the 204 chil-dren evaluated by this study. The environmental and biologic factors that were indeedassociated with the final logistic model outcome were: family income, maternal edu-cation, birth intervals, child interest and language stimulus. This study shows thatstressful situation experienced by children of low income families and raised by lowlevel mothers instruction have effects over family structure, putting in check the de-velopment of the child language.

    KEY WORDS: Child Language, Risk Factors, Protect Factors, Familiess Competence.

    I NTRODUOA linguagem um veculo para a

    comunicao e se constitui no princi-pal instrumento usado nas interaessociais (1). A aquisio e o desenvol-vimento da linguagem acontece peloequilbrio entre dois fatores: caracte-rsticas individuais da criana, incluin-do sua base gentica, e caractersticasde seu ambiente, como influncias so-ciais, psicolgicas a afetivas. O desen-volvimento global-lingstico, cogni-tivo e emocional ser determinado peloprocesso de interao entre essas ca-ractersticas prprias da criana e as ca-ractersticas do meio com o qual elaentra em contato (2).

    A importncia dos fatores genti-cos e a sua associao entre as vari-veis do ambiente familiar so referi-das no estudo de Gilger et al. (2001)(3). Segundo os autores, os brinque-dos e os jogos disponveis em casa, aqualidade do envolvimento materno, onmero de pessoas que moram juntase o grau de orientao intelectual e cul-tural em casa esto relacionados como desenvolvimento da linguagem. Esseestudo refere que, nos casos relatadosde distrbio de linguagem, foram iden-tificados como fatores de risco na fa-

    08-1720-a-influencia-das-variaveis-ambientais.p65 11/1/2007, 09:15292

  • A INFLUNCIA DAS VARIVEIS AMBIENTAIS NO... Cachapuz et al. ARTIGOS ORIGINAIS

    Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (4): 292-301, out.-dez. 2006 293

    mlia o baixo nvel de instruo dospais e o baixo nvel socioeconmicoda famlia.

    No estudo realizado por Halpern,Giugliani, Victora et al. (2000) (4), ve-rificou-se que as crianas que tinhammais de trs irmos apresentavam umrisco 90% maior de apresentar algumtipo de atraso no desenvolvimento neu-ropsicomotor.

    Em relao aos cuidados com acriana e situao da famlia, al-guns fatores de risco so referidoscomo influenciando o desenvolvi-mento da linguagem e incluem o usode drogas pelos pais, pobreza, baixaescolaridade materna e abuso infan-til ou negligncia. (5)

    Segundo o National Institute ofChild Health Development (2000) (6),foram encontradas diferenas signifi-cativas entre o desenvolvimento dacognio e da linguagem em crianasque so cuidadas em casa pelas mesem relao quelas que permanecemem creche.

    Em relao ao sexo da criana,Bonilla, Flax, Hirsch (2003) (7) refe-rem que nos meninos observam-semais alteraes de linguagem quandocomparados s meninas. Segundo Law(2001) (8), o sexo masculino apresen-ta um desenvolvimento mais lento, es-tando, desta forma, mais suscetvel sinfluncias do meio.

    No estudo de Hoff (2003) (9), fa-mlias de classes sociais diversas in-fluenciam diferentemente o processode desenvolvimento da linguagem nacriana em funo do exemplo de falamaterno. Mes com poder aquisitivomaior e que tenham realizado curso su-perior produzem sentenas completas,utilizando maior variao sinttica emelhor complexidade gramatical, oque influencia positivamente esse de-senvolvimento.

    Segundo Stanton-Chapman, Cha-pman, Bainbridge & Scott (2002)(10), as crianas com problemas pe-rinatais como baixo peso, hospitali-zao em UTI imediatamente ps-parto, ausncia de pr-natal, baixaescolaridade materna e me solteiraapresentam maior risco para o desen-

    volvimento de alteraes cognitivasdurante a vida.

    O apoio social tem sido identifi-cado como fator de proteo em re-lao s adversidades do ambienteem que as crianas vivem, como apobreza (11) e a discordncia em casae na vida familiar (12). A presenade cuidadores adequados e afetivoscom suas crianas, independente-mente da natureza ou extenso damisria a que esto expostos, servecomo funo protetiva para a lingua-gem (13). Crianas com relativaauto-estima e com orientao socialpositiva, inseridas em uma famliaunida e afetuosa, e com apoio adi-cional de outros adultos na comuni-dade, tendem a lidar com as situaesde adversidade mais eficazmente doque crianas que no possuem essesbenefcios durante sua infncia ouadolescncia (14).

    Embora uma parcela de crianaspasse por condies considerveis demisria e infortnio durante seu desen-volvimento e algumas desenvolvamsrios e duradouros problemas psicos-sociais, uma proporo substancialcresce como adultos saudveis (15).Pesquisas tm questionado porque al-gumas crianas so mais resilientes doque outras frente s adversidades (16, 17,18) e tm identificado fatores de prote-o para atenuar as situaes de misria.

    Indivduos que superaram as situa-es de necessidade na infncia iden-tificam ao menos uma pessoa que te-nha servido de suporte e de influnciapositiva para seu desenvolvimento, in-cluindo familiares e pessoas da comu-nidade (14, 19, 20).

    O aleitamento materno conside-rado fator de proteo para o desen-volvimento motor infantil, pois reduzsignificativamente a morbimortalida-de neonatal principalmente nas comu-nidades de baixo nvel socioeconmi-co (21). Em um estudo de coorte reali-zado por Halpern, Giugliani, Victoraet al. (2000) (4), constatou-se que a du-rao do aleitamento materno determi-nou significativamente a suspeita deatraso no desenvolvimento psicomotorde crianas.

    O atraso de linguagem, por suavez, uma condio que causa criana um escore abaixo da mdianos testes de inteligncia e lingua-gem, causando prejuzos escolares.Aproximadamente 12% de todas ascrianas que ingressam no colgioapresentam este problema (22, 23).Estudos no Brasil informam que opercentual de alteraes fonoaudio-lgicas de 13,7% (24).

    O objetivo desse estudo foi avaliara prevalncia de suspeita de atraso delinguagem e possveis associaes comfatores ambientais e biolgicos em umaamostra de crianas de at seis anosde idade, no municpio de Canoas, RS,cidade onde se localiza a Universida-de Luterana do Brasil.

    A deteco precoce de atrasos delinguagem e o conhecimento dos seusfatores de risco e proteo so de fun-damental importncia para a organi-zao de programas de intervenona infncia, os quais tm efeitos po-sitivos na mediao da intelignciae do progresso escolar de crianas eadolescentes (25). Segundo a Unicef(2003) (26), os cuidados precoces ea nutrio tm um impacto decisivosobre o desenvolvimento futuro dacriana. O impacto dos programas dequalidade na infncia e na pr-esco-la em relao performance escolare ao nvel educacional dos indivduosse estende durante toda infncia, ado-lescncia e vida adulta (27). O co-nhecimento dos fatores que influen-ciam o desenvolvimento da lingua-gem possibilita aes de promoode sade no campo da ateno pri-mria em sade com a melhor capa-citao dos profissionais da rea.

    M ATERIAL E MTODOO delineamento do estudo foi ana-

    ltico observacional transversal. Esseestudo foi realizado a partir de umapesquisa patrocinada pela Organiza-o Mundial de Sade: Prevalnciade surdez e outros transtornos da au-dio: um estudo de base populacio-nal no sul do Brasil (28). O clculo

    08-1720-a-influencia-das-variaveis-ambientais.p65 11/1/2007, 09:15293

  • A INFLUNCIA DAS VARIVEIS AMBIENTAIS NO... Cachapuz et al. ARTIGOS ORIGINAIS

    294 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (4): 292-301, out.-dez. 2006

    de amostra inicial estimou a neces-sidade de se avaliar 288 crianas,considerando uma prevalncia deatraso de linguagem de 10% (29).

    Foram sorteados aleatoriamente40 dos 391 setores censitrios do mu-nicpio de Canoas, RS, pelo proces-so de amostragem probabilstico porconglomerado. Em cada setor foi sor-teado um quarteiro e deste foi sor-teada uma esquina. A partir desta es-quina foram visitados 26 domiclios,sistematicamente de dois em dois. Osdomiclios foram visitados por umafonoaudiloga, uma psicloga e porduplas de estudantes da faculdade demedicina da Universidade Luteranado Brasil.

    As crianas entrevistadas na pri-meira fase pela pesquisa de prevaln-cia de surdez foram visitadas nova-mente. Foi aplicado um questionrioestruturado sobre as questes relacio-nadas aos fatores reprodutivos dame, condies da criana ao nascer,ateno criana, rotinas e compe-tncias familiares e fatores socioeco-nmicos.

    A aquisio da linguagem foi ava-liada pelo teste de triagem Denver II,sendo considerados casos indicativosde suspeita de atraso no desenvolvi-mento da linguagem aqueles em quea criana apresentou mais de um item

    de ateno e/ou um ou mais itens defalha na rea da linguagem, confor-me as normas do teste. Aquelas crian-as que apresentaram um teste sus-peito de atraso de linguagem e/ou umteste suspeito de atraso no desenvol-vimento neuropsicomotor foram en-caminhadas para avaliao. As vari-veis estudadas foram selecionadas deacordo com o referencial terico.

    O desfecho utilizado na anlisedos dados foi o atraso de linguagem.As variveis independentes foram:renda familiar, escolaridade materna,idade materna, problemas maternosna gestao, intervalo interpartal,idade gestacional, peso ao nascer,morbidade neonatal, hospitalizaoda criana, nmero de irmos, pre-sena do pai em casa, o fato de acriana freqentar creche, aleitamen-to materno, cuidado com a criana,brinquedos e estmulo linguagem.

    Para a anlise dos dados foi utili-zado o teste do qui quadrado para va-riveis discretas, com o intuito de ve-rificar as diferenas de proporo en-tre as crianas que apresentaram atra-so ou no e as variveis seleciona-das. Para a realizao da anlise mul-tivariada, foi utilizada a regressologstica seguindo-se o modelo hie-rarquizado descrito. O uso dessemodelo estabelece que as diversas

    variveis potencialmente associadasao desfecho apresentam uma relaoproximal ou distal com o desfecho;portanto, tais variveis podem pro-duzir confuso no estabelecimento deuma possvel associao entre as va-riveis estudadas (30). Todas as va-riveis do mesmo nvel hierrquicoou de nvel superior (ver modelo deanlise anteriormente citado) sero con-sideradas como possveis fatores de con-fuso para o fator de risco estudado.

    Este estudo foi aprovado pelo Co-mit de tica da Universidade Lutera-na do Brasil, e est de acordo com asnormas vigentes na Resoluo No 196/96 do Conselho Nacional de Sade/Ministrio da Sade e suas comple-mentares, que regulamentam a pesqui-sa envolvendo seres humanos.

    R ESULTADOSOs resultados mostram uma preva-

    lncia de suspeita de atraso de lingua-gem de 26% (53) das 204 crianas ava-liadas por esse estudo. A prevalnciade suspeita de atraso no desenvolvi-mento neuropsicomotor foi 27,5%(56). A concentrao de suspeita deatraso de linguagem de acordo com osexo foi de 58,5% para os meninos e41,5% para as meninas.

    A mdia de idade nas crianas daamostra foi de 3,8 anos, com desviopadro em relao mdia de 1,9 anos.A idade materna no nascimento dacriana teve mdia de 26,5 anos de ida-de e mediana 25,6. A menor idade dame encontrada foi 14 anos e a maioridade foi 45 anos.

    A escolaridade materna teve m-dia de 7 anos com desvio padro de2,9 anos. A renda familiar, conside-rando o valor total recebido pela fa-mlia no ms anterior entrevista,teve mdia de 2,5 salrios mnimos.Entre as crianas suspeitas de atrasode linguagem, 37,7% vivem com fa-mlias cuja renda total foi de at umsalrio mnimo.

    A Tabela 1 mostra os resultadosencontrados para a anlise bivariadae o percentual de suspeita de atraso

    Figura 1 Modelo terico.

    Condiosocioeconmica Escolaridade

    Fatoresreprodutivos

    Condiesde nascimento

    Patologias infantis

    Estruturafamiliar

    Ateno criana

    Aleitamentomaterno

    Atrasode linguagem

    08-1720-a-influencia-das-variaveis-ambientais.p65 11/1/2007, 09:15294

  • A INFLUNCIA DAS VARIVEIS AMBIENTAIS NO... Cachapuz et al. ARTIGOS ORIGINAIS

    Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (4): 292-301, out.-dez. 2006 295

    de linguagem em cada estrato dasvariveis.

    Foram encontrados valores estatis-ticamente significativos para as asso-ciaes entre renda familiar; escolari-dade materna, em anos de estudo; in-tervalo interpartal, menor que 18 me-ses; problemas maternos na gestao(diabete melito, presso alta, infecourinria, ameaa de aborto e anemia);hospitalizao da criana; nmero deirmos; presena do pai em casa; fre-qncia creche; interesse da criananas atividades relativas a sua faixa et-ria; e estmulo linguagem.

    As variveis relacionadas com brin-quedo foram agrupadas e transforma-das em uma nica varivel dicotmi-ca. Para a anlise das caractersticaspessoais e de interao da criana, fo-ram consideradas oito variveis, massomente uma se associou significati-vamente com o desfecho e esta foi in-cluda no modelo de regresso logsti-ca. A varivel utilizada foi o interesseda criana, o qual indica se ela tem omesmo interesse que outras crianas damesma idade dela, em relao s ati-vidades dirias.

    As variveis ambientais e familiaresrelacionadas linguagem, como a pre-sena de livros em casa; ler ou cantar paraa criana; comunicar e conversar com acriana quando tomada alguma deci-so que envolva a vida dela; e levar emconsiderao a opinio (as formas maisvariadas de expresso, isto , choro, ges-tos, movimentos do corpo, palavras) dacriana, foram recodificadas em umanica varivel.

    A varivel aleitamento maternofoi utilizada de forma dicotmica,uma vez que no foram encontradasrelaes estatisticamente significati-vas quando considerado o tempo deamamentao e o fato de ter sido alei-tamento materno exclusivo.

    Para a realizao da anlise multi-variada, de acordo com o modelo hie-rarquizado descrito, foi utilizado o pro-grama estatstico SPSS verso 10.0. Naprimeira fase, as variveis foram acres-centadas regresso logstica de acor-do com sua relao proximal ou distalcom o desfecho. As variveis de me-nor poder de associao foram retira-das do modelo final, cujo resultado estespecificado na Tabela 2.

    Esta tabela mostra as variveis in-dependentes associadas ao desfecho desuspeita de atraso de linguagem. Osfatores ambientais e biolgicos que seassociaram ao desfecho foram: rendafamiliar, escolaridade materna, inter-valo interpartal, interesse da criana eestmulo linguagem.

    Neste estudo, a probabilidade deuma criana cuja famlia tem renda deat um salrio mnimo ter atraso de lin-guagem foi 7,35 vezes maior do queuma criana inserida em uma famliacom renda maior do que trs salriosmnimos. O mesmo ocorre com ascrianas cujos interesses pessoais e so-ciais diferem de outras crianas damesma faixa etria. A probabilidade deessas crianas serem suspeitas de atra-so de linguagem 17, 30 vezes maiordo que as crianas as quais demons-tram interesses semelhantes por idade.Em relao ao estmulo linguagem,as crianas pouco estimuladas com lei-turas, conversas e interao em casatm uma probabilidade 2,88 vezesmaior de terem um teste suspeito paraatraso de linguagem do que as crianasque recebem estmulos diariamente.

    Tabela 1 Anlise bivariada entre as variveis independentes e o desfecho suspeita de atraso de linguagem Canoas/RS 2004Varivel n % da amostra % de suspeitos Valor de p Odds Ratio IC 95%Renda familiar> 3 salrios mnimos 58 28,4 8,6 1,00 a 1 salrios mnimos 39 19,1 51,3 0,000 11,1 (3,67 33,90)1,1 a 2 salrios mnimos 63 30,9 23,8 0,030 3,1 (1,11 9,80)2,1 a 3 salrios mnimos 44 21,6 29,5 0,009 4,4 (1,44 13,65)Total 204 100,0 26,0

    Escolaridade me9 ou mais anos de estudo 63 30,9 14,3 1,00 a 3 anos de estudo 13 6,4 61,5 0,001 9,5 (2,56 35,9)4 a 8 anos de estudo 127 62,3 27,3 0,045 2,8 (1,00 5,10)Total 203 99,5 25,6

    Idade materna no nascimentoda criana

    19 39 anos 167 89,0 24,0 1,013 18 anos 18 8,8 27,8 0,720 1,22 (0,41 3,63)40 anos ou mais 5 2,5 60,0 0,940 4,76 (0,76 29,51)Total 190 93,1 25,3

    Problemas maternos na gestaoNenhum 119 58,3 28,6 1,01 problema 59 28,9 18,6 0,086 0,13 (0,01 1,32)2 problemas 22 10,8 22,7 0,032 0,07 (0,00 0,80)3 problemas 4 2,0 75 0,066 0,98 (0,00 1,16)Total 204 100,0 26

    (continua)

    08-1720-a-influencia-das-variaveis-ambientais.p65 11/1/2007, 09:15295

  • A INFLUNCIA DAS VARIVEIS AMBIENTAIS NO... Cachapuz et al. ARTIGOS ORIGINAIS

    296 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (4): 292-301, out.-dez. 2006

    Intervalo interpartal19 meses ou mais 181 88,7 23,2 1,0At 18 meses 12 5,9 66,7 0,003 6,61 (1,8923,07)total 193 94,6 25,9

    Idade gestacional> = 37 semanas 161 78,9 26,7 1,0< 37 semanas 30 14,7 20,7 0,70 0,83 (0,33 2,08)Total 191 93,9 25,8

    Peso ao nascer> 2500 gramas 177 86,8 27,1 1,0< = 2500 gramas 18 8,8 16,7 0,34 0,53 (0,149 1,93)Total 195 95,6 26,0

    Morbidade neonatalSem problemas 180 88,2 27,2 1,01 problema 16 7,8 6,3 0,33 0,37 (0,51 2,72)2 problemas 4 2,0 25,0 0,06 0,06 (0,00 1,11)3 problemas 4 2,0 50,0 0,47 0,33 (0,01 6,65)Total 204 100,0 26,0

    HospitalizaoNo 146 71,6 21,9 1,0Sim 54 26,5 38,9 0,01 2,26 (1,15 4,44)Total 200 98,0 26,0

    Nmero de irmosNenhum 45 22,1 17,8 1,01 a 2 irmos 108 52,9 22,2 0,53 1,32 (0,54 3,21)3 ou mais 46 22,5 41,3 0,01 3,25 (1,24 8,53)Total 199 97,5 25,6

    Pai mora juntoSim 156 76,5 21,2 1,0no 47 23 42,6 0,004 2,76 (1,37 5,52)Total 203 99,5 26,0

    Freqenta crecheSim 54 26,5 14,8 1,0No 145 71,1 29,7 0,03 2,42 (1,05 5,56)Total 199 97,5 25,6

    BrinquedosSim 187 91,7 24,6 1,0No 17 8,3 41,2 0,14 2,14 (0,77 5,96)Total 204 100,0 26,0

    Interesse crianaSim 191 93,6 24,1 1,0No 6 2,9 83,3 0,01 15,75 (1,79138,34)Total 197 96,6 25,9

    Preveno de acidentesem casa

    Sim 172 84,3 27,3 1,0No 29 14,2 17,2 0,25 0,55 (0,20 1,53)Total 201 98,5 25,9

    Estmulo Linguagem4 estmulos 116 56,9 17,2 1,003 estmulos 41 20,1 31,7 0,054 2,22 (0,98 5,03)At 2 estmulos 47 23,0 42,6 0,001 3,55 (1,67 7,54)Total 204 100,0 26,0

    Aleitamento maternoSim 179 87,7 25,1 1,0No 24 11,8 29,2 0,67 1,22 (0,47 3,14)Total 203 99,5 25,6

    Tabela 1 (continuao)Varivel n % da amostra % de suspeitos Valor de p Odds Ratio IC 95%

    08-1720-a-influencia-das-variaveis-ambientais.p65 11/1/2007, 09:15296

  • A INFLUNCIA DAS VARIVEIS AMBIENTAIS NO... Cachapuz et al. ARTIGOS ORIGINAIS

    Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (4): 292-301, out.-dez. 2006 297

    D ISCUSSOA prevalncia de 26% de suspeita

    de atraso de linguagem, no presenteestudo, foi maior do que a descrita emoutros estudos brasileiros. Em umapesquisa realizada por Andrade (1997)(24), com uma amostra de 2.980 crian-as, constatou-se que 4,19% delasapresentavam desordens da comunica-o. Segundo esta autora, os estudosno Brasil referem um percentual de13,7% de patologias fonoaudiolgicas.Lima, Barbarini, Gagliardo et al.(2004) (31) apontam 2 a 3% de crian-as com atraso no desenvolvimento dalinguagem at trs anos de idade. Pes-quisas em outros pases indicam 12%de alteraes de linguagem em crian-as que ingressam no colgio (22, 23).Devemos considerar que as diferenasna freqncia dos resultados podemestar associadas populao em estu-do, considerando as diferentes idades,ao mtodo utilizado para as pesquisase ao tipo de teste utilizado triagem.

    Referente renda familiar, obser-vou-se uma associao estatisticamen-te significativa com atraso de lingua-

    gem no modelo final da regresso lo-gstica. Achado semelhante em relaoao desenvolvimento infantil foi obser-vado no estudo de Barros, Fragoso,Oliveira et al. (2003) (32); Qi, Kaiser,Milan et al. (2003) (33); Andraca, Pino,Parra et al. (1998) (34); Law (2001)(8). A provvel explicao para a as-sociao seria o fato de que situaesestressantes vividas por crianas debaixa renda, como nutrio inadequa-da, falta de cuidados de sade e insta-bilidade familiar, afetariam o desenvol-vimento da linguagem. Esse quadro freqentemente observado, uma vezque os fatores de risco para o desen-volvimento da linguagem so comunsem condies de pobreza e predispem vulnerabilidade biolgica (34).

    Em relao escolaridade mater-na, foi observada uma associao sig-nificativa na anlise bivariada, o queest de acordo com outros estudos osquais referem associao entre baixonvel de escolaridade da me e maioro risco da criana apresentar atraso nodesenvolvimento (32, 33). Uma das ex-plicaes para a influncia da escola-ridade materna no desenvolvimento da

    linguagem seria o fato de que o am-biente no qual a criana se desenvolveinfluencia quanto aos modelos verbaise experincias que proporciona. Osmodelos verbais, fornecidos pelo meio,influem pela sua quantidade, qualida-de e por suas relaes com a situaovivida pela criana. Escassez e exageroso contraproducentes; construes gra-maticais e articulaes muito infantis, ouainda, desvinculadas de experinciasimediatas, desfavorecem o desenvolvi-mento nos primeiros anos de vida (35).

    A idade materna tambm foi consi-derada neste estudo, mas no se obser-vou associao com o desenvolvimen-to da linguagem. Andraca, Pino, Parraet al. (1998) (34) descreveram, em seuestudo, uma relao entre mes jovense atraso no desenvolvimento infantil.

    Os problemas maternos e as gesta-es de alto risco comprometem o de-senvolvimento normal do feto. Nesteestudo no foi encontrada associaoentre esse fator em estudo e o desen-volvimento de linguagem. Sabe-se,porm, que mulheres com presso alta,diabete melito, anemia e infeces dotrato renal, durante a gestao, tm

    Tabela 2 Anlise multivariada: regresso logstica ajustada para o modelo final. Desfecho considerado suspeita de atraso delinguagem Canoas/RS 2004Varivel OR bruto OR ajustado Valor de pRenda familiar (1o nvel)> 3 salrios mnimos 1,0 1,00 a 1 salrios mnimos 11,1 (3,67-33,90) 7,35 (1,94-27,80) 0,001,1 a 2 salrios mnimos 3,1 (1,11-9,80) 3,05 (0,85-10,89) 0,082,1 a 3 salrios mnimos 4,4 (1,44-13,65) 3,99 (1,12-14,12) 0,32Escolaridade materna (1o nvel)9 ou mais anos de estudo 1,0 1,00 a 3 anos de estudo 9,5 (2,56-35,9) 1,83 (0,33-10,10) 0,484 a 8 anos de estudo 2,8 (1,00-5,10) 0,95 (0,36-2,51) 0,92Intervalo interpartal (2o nvel)19 meses ou mais 1,0 1,0At 18 meses 6,61 (1,89-23,07) 3,37 (0,67-16,81) 0,13Interesse criana (5o e ltimo nvel)Sim 1,0 1,0No 15,75 (1,79-138,34) 17,30 (1,82-164,22) 0,01Estmulo de linguagem (5o e ltimo nvel)4 estmulos 1,0 1,003 estmulos 2,22 (0,98-5,03) 2,88 (1,13-7,37) 0,02At 2 estmulos 3,55 (1,67-7,54) 1,84 (0,64-4,87) 0,22

    08-1720-a-influencia-das-variaveis-ambientais.p65 11/1/2007, 09:15297

  • A INFLUNCIA DAS VARIVEIS AMBIENTAIS NO... Cachapuz et al. ARTIGOS ORIGINAIS

    298 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (4): 292-301, out.-dez. 2006

    aumento da taxa de morbidade neona-tal em seus bebs (36).

    Considerando o intervalo entre asgestaes foi constatada relao dedependncia entre essa varivel e de-senvolvimento da linguagem. Os acha-dos da maioria dos estudos sugeremque o intervalo interpartal curto estrelacionado com o aumento da morta-lidade neonatal e infantil (37). Almdisso, o espaamento entre os partosparece ter um impacto muito grandena sobrevivncia dos filhos (38). In-tervalos interpartais tm efeitos nega-tivos no bem estar da criana nascidaantes da nova gravidez (39) e na so-brevida da criana a nascer, principal-mente em populaes com altas taxasde mortalidade infantil (40), indepen-dente do fator social (41). Segundo oestudo de Shimakura, Aerts, Carvalhoet al. (2001) (42), a ateno dedicadas crianas, cujas mes tiveram mui-tos filhos, com pequeno intervalo in-terpartal, dificultada.

    Em relao s variveis peso aonascer, idade gestacional e morbidadeneonatal, somente a ltima associou-se ao desfecho atravs da anlise biva-riada. As variveis baixo peso e hospi-talizao imediatamente ps-parto fo-ram consideradas fatores de risco noestudo de Stanton-Chapman, Chap-man, Brainbridge et al. (2002) (10).Outros estudos referem que baixo pesoao nascimento e crianas pequenaspara a idade gestacional apresentammaior risco de alteraes no seu de-senvolvimento (8, 34).

    Em relao hospitalizao dacriana, considerada como 1a interna-o durante a vida, constatou-se asso-ciao significativa com o desenvol-vimento da linguagem na anlise bi-variada. Segundo Camon (1988) (43),os efeitos da hospitalizao na crianaso carncia afetiva, agresses psico-lgicas e fsicas, interrupo no ritmo devida e no desenvolvimento e desmame.

    Quanto ao estado civil, o fato dame no ter companheiro um aspec-to importante a ser considerado, poisalm da desvantagem psicolgica, aausncia do pai, em geral, traz menorestabilidade econmica para a famlia,podendo se constituir em fator de ris-

    co para o baixo peso ao nascer (44).No presente estudo, os achados quan-to relao com o desenvolvimento dalinguagem apontam relao de depen-dncia entre as variveis.

    O nmero de irmos tambm foiconsiderado e observou-se, na anlisebivariada, uma associao significati-va entre ter trs ou mais irmos com odesenvolvimento da linguagem dacriana. Em famlias com grande n-mero de filhos, a criana tem menosestmulos para explorar seu desenvol-vimento e, ainda, menor disponibilida-de materna para oferecer ateno criana (4).

    A permanncia da criana em cre-che foi estudada, e encontrou-se umaassociao na anlise bivariada paradesenvolvimento da linguagem. O es-tudo do National Institute of ChildHealth Development, em 2000 (6), re-fere que creches oferecem mais vanta-gens em relao ao desenvolvimento,porque as crianas tm a sua disposi-o mais modelos de linguagem. Elaspermanecem em um rico ambiente deestimulao de linguagem, porque tmmaior oportunidade de convvio comcrianas da mesma idade, quantidadevariada de materiais e brinquedos epela qualidade de estimulao de lin-guagem pelos cuidadores.

    Considerando a relao da crianacom os brinquedos, no foi observadaassociao com o atraso de linguagemneste estudo. Outro estudo (45) anali-sou o ambiente familiar e os proble-mas de comportamento apresentadospor crianas com baixo desempenhoescolar. Os resultados apontam que ascrianas com oferta de brinquedos eoutros materiais em casa, somado aofato de brincarem dentro de casa quan-do no esto na escola e terem hor-rios estabelecidos para essas ativida-des, apresentam menor percentual deproblemas de comportamento, sendoessa associao estatisticamente signi-ficativa.

    Os estmulos em casa, observadospor prticas familiares, como incenti-vo leitura, presena de livros e con-versas com a criana, so de grandeimportncia para a aquisio e desen-volvimento da linguagem como apon-

    ta este estudo. Essas prticas, conhe-cimentos, comportamentos e habilida-des das famlias que facilitam e pro-movem a sobrevivncia, o desenvol-vimento, a proteo e a participaodas crianas so conhecidas comocompetncias familiares (26). Sabe-se,portanto, que o principal incentivo parapromover intervenes na comunida-de para a infncia identificar fatoresde proteo, e o apoio social deve serconsiderado como a melhor alternati-va (13); bem como as competncias fa-miliares (26).

    Uma varivel que se destacou noestudo foi o fato da criana apresen-tar interesses em atividades seme-lhantes s exercidas por outras crian-as da mesma idade. Embora poucascrianas tenham se diferenciado dasdemais, estas tm forte probabilida-de de apresentarem alteraes na lin-guagem, porque a varivel coletadacomo percepo da me apresentouuma relao importante com o des-fecho. A probabilidade de estas crian-as apresentarem atraso de lingua-gem, mesmo com uma amostra me-nor do que o estimado, foi 17,30 ve-zes maior do que em crianas em queas mes relataram interesses iguais.Isto indica, tambm, que a percepomaterna deve ser considerada rele-vante para a suspeita de atraso nodesenvolvimento da linguagem.

    Devemos considerar algumas limi-taes metodolgicas na realizaodeste estudo. Em relao ao tamanhoda amostra, ocorreram perdas de crian-as por mudana de endereo em 12%dos casos da amostra total estimada.As famlias se mudaram, em sua maio-ria, para o interior do Estado do RioGrande do Sul e para Estados vizinhos.No foi possvel, pois, o acompanha-mento desses casos. As perdas ocorre-ram, tambm, devido impossibilida-de de entrevistar alguns sujeitos dapesquisa em lugares em que no foipermitido o acesso dos pesquisadores.Corresponderam a 13% das perdas to-tais da amostra. Desta forma, no foipossvel alcanar o nmero calculadopara a amostra anterior de 288 crian-as, ficando a pesquisa com o total de204 participantes. Isto pode ter levado

    08-1720-a-influencia-das-variaveis-ambientais.p65 11/1/2007, 09:15298

  • A INFLUNCIA DAS VARIVEIS AMBIENTAIS NO... Cachapuz et al. ARTIGOS ORIGINAIS

    Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (4): 292-301, out.-dez. 2006 299

    a um erro tipo II, o qual se refere nodeterminao de uma associao quena realidade existe.

    A alta prevalncia encontrada,como foi comentado anteriormente,comprometeu a interpretao de algunsresultados. Em virtude do clculo an-terior, e considerando os achados, paraque o estudo tivesse poder para verifi-car algumas associaes estatistica-mente significativas, seria necessriouma amostra trs vezes maior do que aobtida.

    As famlias no avaliadas tiveram,porm, seu perfil descrito de acordocom os dados da pesquisa Prevaln-cia de surdez e outros transtornos daaudio: um estudo de base populacio-nal no sul do Brasil (28). Essas fam-lias no apresentaram diferena esta-tisticamente significativa em relao svariveis deste estudo como renda fa-miliar, escolaridade materna, sexo eidade da criana.

    O modelo final da regresso logs-tica mostrou como as variveis inde-pendentes renda familiar, escolarida-de materna, intervalo interpartal, inte-resse da criana e estmulo lingua-gem, tanto separadamente como con-juntamente, explicam a variao emuma nica varivel dependente, o atra-so de linguagem. O efeito final da an-lise multivariada permitiu mostrar queessas variveis independentes tm umaassociao positiva com o desfecho, etambm mostrou como elas interagemna capacidade de predizer o atraso delinguagem. Os potenciais fatores deconfuso, de mesmo nvel hierrquicode anlise ou de nvel superior, quepoderiam interferir no atraso de lingua-gem, foram controlados. A interaoentre as variveis independentes foiobservada na variao do valor doOdds Ratio, portanto os valores finaismostraram o quanto esses fatores derisco podem, de fato, influenciarem adeterminao do atraso de linguagem.

    Houve uma diminuio do risco darenda familiar na determinao do atra-so de linguagem quando a escolarida-de materna foi acrescentada ao mode-lo, portanto esta varivel pode ser con-siderada fator de confuso na relao

    entre as outras duas. O intervalo inter-partal manteve a significncia estats-tica quando avaliado no seu nvel hie-rarquizado. No momento em que asvariveis de nvel hierrquico proximalao desfecho foram acrescentadas aomodelo, a varivel em questo perdeusua significncia, e o risco de influen-ciar a determinao do atraso de lin-guagem foi reduzido. Isto indica queas variveis relativas estrutura fami-liar e ateno criana podem in-fluenciar a maneira pela qual o inter-valo interpartal age sobre a determi-nao da linguagem. A relao proxi-mal das variveis do ltimo nvel, in-teresses da criana e estmulo lingua-gem, com o atraso da linguagem mos-tra que intervenes nesta rea podemser consideradas benficas para a redu-o do percentual de atraso de lingua-gem, mesmo que a famlia esteja em con-dies socioeconmicas precrias.

    Em funo dos resultados obtidose com o objetivo de aplic-los no pla-nejamento de polticas pblicas de sa-de da criana, foi utilizada uma medi-da de impacto, Reduo do Risco Atri-buvel, onde simulou-se uma interven-o que removesse o fator de risco bai-xa renda nesta populao. Com isso, orisco de atraso de linguagem seria re-duzido em at 60% em termos relati-vos. O mesmo pode ser observado paraas outras variveis. Se a baixa escola-ridade materna pudesse ser extinta,uma ao, nesse sentido, eliminaria oatraso de linguagem em at 62%. Essevalor varia para 65%, 71% e 50% seremovssemos, respectivamente, os fa-tores de risco relativos ao intervalo in-terpartal, aos interesses da criana e aoestmulo para a linguagem em casa.

    Aes como essa so importantespara o desenvolvimento de polticaspblicas preventivas, no momento emque podemos estimar o quanto dadoena varia em funo de certos fa-tores de risco modificveis. A educa-o em sade mais efetiva quando oseducadores podem demonstrar a mag-nitude do impacto de um dado fator derisco sobre riscos individuais.

    Com base nos resultados obtidos,conclui-se que as situaes estressan-

    tes vividas por crianas de baixa ren-da e criadas por mes com baixa es-colaridade afetam sobremaneira a es-trutura familiar e o estmulo lingua-gem infantil, comprometendo a aqui-sio e o desenvolvimento da lingua-gem. Os estmulos para a aquisioe para o desenvolvimento da lingua-gem devem ser priorizados entre asprticas para o desenvolvimento in-fantil, uma vez que podem influen-ciar o aprendizado escolar e as inte-raes sociais, as quais foram obser-vadas, neste estudo, pelo interesse dacriana em atividades dirias reali-zadas por outras crianas da mesmaidade.

    Os resultados encontrados apon-tam para a necessidade da estimula-o para desenvolvimento da lingua-gem em casa durante o perodo pr-escolar, no qual a criana adquireconhecimentos que sero importan-tes na vida adulta. O fato do atrasode linguagem estar presente no pe-rodo anterior ao ingresso na escolano significa que esta alterao noser suprida pela escola, nem que acriana venha a desenvolver sriosproblemas de aprendizado. Mas es-ses conhecimentos so prticas,aes, habilidades e comportamentosque devero acompanhar o indivduodurante sua vida adulta, e influenciarseus valores culturais e sua interaocom as pessoas no campo pessoal eprofissional.

    R EFERNCIASBIBLIOGRFICAS

    1. NOGUEIRA S, FERNANDES B, POR-FRIO H, BORGES L. A criana comatraso da linguagem. Sade Infantil,2000, 22(1):5-16.

    2. ZORZI JL. Linguagem e Desenvolvi-mento Cognitivo. So Paulo: Pancast,1998.

    3. GILGER JW, HO, H, WHIPPLE AD,SPITZ R. Genotype-environment corre-lations for language-related abilities:implications for typical and atypical le-arners. Journal of Learning Disabilities.2001 december, 34(6):492-502.

    4. HALPERN R, GIUGLIANI ERJ, VIC-TORA CG, BARROS FC, HORTA BL.Fatores de risco para suspeita de atraso

    08-1720-a-influencia-das-variaveis-ambientais.p65 11/1/2007, 09:15299

  • A INFLUNCIA DAS VARIVEIS AMBIENTAIS NO... Cachapuz et al. ARTIGOS ORIGINAIS

    300 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (4): 292-301, out.-dez. 2006

    no desenvolvimento neuropsicomotoraos 12 meses de vida. Jornal de Pedia-tria, 2000, Rio de Janeiro, 76(6):121-128.

    5. WIDERSTROM AH. Newborns and in-fant at-risk for or with disabilities. InA.H. Widerstrom, B. A. Mowder & S. r.Snadall Eds. Infant Development andrisk. Baltimore, MD: Paul H. BrookesPublishing Co., 1997, 2.ed.: 3-18.

    6. NICHD. Early Child Care Research Ne-twork. The relation of child care to cog-nitive and language development. ChildDevelopment., 2000 july/august 71(4):960-980.

    7. FLAX J, REALPE-BONILLA T, HIRS-CH LS, BRZUSTOWICZ LB, BAR-TLETT CW, TALLAL P. Specific lan-guage impairment in families: Evidencefor co-occurence with reading impair-ments. Journal of Speech, Language, andHearing Research, 2003 june, 46:530-543.

    8. LAW J. Identificao precoce dos distr-bios da linguagem na criana. Rio de Ja-neiro: Revinter, 2001.

    9. HOFF E. The specificity of environmentinfluence: socioeconomic status affectsearly vocabulary development via mater-nal speech. Child Development. 2003September/October, 74(5):1368-1378.

    10. STANTON-CHAPMAN TL, CHAP-MAN DA, BAINBRIDGE NL, SCOTTKG. Identification of early risk factors forlanguage impairment. Research in Deve-lopmental Disabilities, 2002, 23:390-405.

    11. LUTHAR SS. Vulnerability and resilien-ce: A study of high-risk adolescent. ChildDevelopment, 1991, 62:600-616.

    12. WERNER EE. Risk, resilience, and re-covery: perspectives from the Kauai lon-gitudinal study. Developmet and psycho-pathology, 1993, 5:503-515.

    13. WOLKOW KE, FERGUSON HB. Com-munity factors in the development of re-siliency: considerations and future direc-tions. Community Mental Health Jour-nal, 2001 december, 37(6):489-498.

    14. GARMEZY N. Stress resistant children:The search for protective factors. In J.E.Stevenson (Ed.), Recent research in de-velopment psychopathology Oxford,UK: Pergamon, 1985, 213-233.

    15. WERNER EE. Resilience in develop-ment. Current directions in psychologi-cal science. American Psychological So-ciety, 1995, 4 (5):81-5.

    16. GARMEZY N. Resilience and vulnera-bility to adverse development outcomesassociated with poverty. American Beha-vioral Scientist, 1991, 34:416-430.

    17. RUTTER M. Psychossocial resilienceand protective mechanisms. AmericanJournal of Orthopsychiatry, 1987,57(3):316-331.

    18. WERNER EE. High-risk children inyoung adulthood: a longitudinal studyfrom birth to 32 years. American Journalof Orthopsychiatric, 1989, 59(1):72-81.

    19. WERNER EE, SMITH RS. Vulnerablebut invincible: A study of resilient chil-dren. New York: McGraw Hill, 1982.

    20. WERNER EE, SMITH RS. Overcomingthe odds: high risk children from birth toadulthood. Ithaca, NY: Cornell Univer-sity Press, 1992.

    21. BERNALDO AJN, SILVA IS. Alimen-tao do recm-nascido. In: BASSETTOMCA, BROCK R, WAJNSZTEJN R.Neonatologia: Um convite atuao fo-noaudiolgica. So Paulo: Lovise, 1998,11:75-84.

    22. TOMBLIN JB, RECORDS NL, BU-CKWALTER P, ZHANG X, SMITH E,OBRIEN M. Prevalence of specific lan-guage impairment in kindergarten chil-dren. Journal of speech, language andhearing research, 1997, 20:1245-1260.

    23. TOMBLIN JB, SMITH E & ZANG X.Epidemiology of specific language im-pairment: Prenatal and perinatal risk fac-tors. Journal of communication disorders,1997, 30:325-344.

    24. ANDRADE CRF, Prevalncia de desor-dens idiopticas da fala e da linguagemem crianas de um a onze anos de idade.Revista de Sade Pblica, So Paulo,1997 outubro, 321(5):495-501.

    25. BROOKS-GUNN J, MCCARTON CM,CASEY PH, MCCORMICK MC, BAU-ER CR, BERNBAUM JC et al. Early in-tervention in low-birth-weight prematu-re infants: results through age 5 year fromthe infant Health and Development Pro-gram. Journal of American Medical As-sociation, 1994, 272:1257-1262.

    26. UNICEF Toda hora hora de cuidar Manual de apoio 1.ed., Maro 2003 (sitena internet). Disponvel: www.unicef.org/brazil/manual.pdf.

    27. CAMPBELL FA, RAMEY CT. Effectsof early intervention on intellectual andacademic achievement: A follow-up ofchildren from low-income families. ChildDevelopment, 1994, 65:684-698.

    28. BRIA J, RAYMANN B, GIGANTE L,FIGUEIREDO A, JOTZ G, ROITHMANR. Prevalncia de surdez e outros trans-tornos da audio: um estudo de base po-pulacional no sul do Brasil- RelatrioBrasil- Transtornos auditivos e da ore-lha- Estudo de base populacional, Ca-noas, RS, Brasil, 2003 outubro.

    29. BARROS FC, VICTORA CG. Epide-miologia da sade infantil: um manualpara diagnsticos comunitrios. SoPaulo: Editora Hucitec-Unicef, 1991,4:53-78.

    30. FUCHS SC, VICTORA CG, FACHELJ. Hierarchical Model: a proposal for a

    model to be applied in the investiga-tion of risk factors for severe diarrhea.Revista de Sade Pblica, 1996, 30(2):168-78.

    31. LIMA MCMP, BARBARINI GC, GA-GLIARDO HGRG, OLIVEIRA AMA,GIMENES GVM. Observao do desen-volvimento da linguagem e funo audi-tiva e visual em lactentes. Revista deSade Pblica, 2004, So Paulo, 38(1):106-12.

    32. BARROS KMFT, FRAGOSO AGC,OLIVEIRA ALB, CABRAL FILHO JE,DE CASTRO RM. Do environmental in-fluences alter motor abilities acquisition?A comparasion among children from day-care centers and private schools. Arq.Neuro Psiquiatr, 2003 junho, So Paulo,6(2).

    33. QI CH, KAISER AP, MILAN SE, YZ-QUIERDO ZY, HANCOCK TB. Theperformance of low income, African,American children on the preschool lan-guage scale-3. Mark journal of speech,language and hearing research, 2003june, 46(3):576-591.

    34. ANDRACA I, PINO P, PARRA A, CAS-TILLO M. Factores de riesgo para el de-sarrollo psicomotor em lactantes nasci-dos em ptimas condiciones biolgicas.Revista de Sade Pblica, So Paulo,1998 abril, 32(2):138-47.

    35. SPINELLI M. Foniatria. So Paulo: Edi-tora Moraes, 1983, 2.ed.

    36. NAUFAL J. Gestao de Alto Risco In:BASSETTO MCA, BROCK R, WA-JNSZTEJN R. Neonatologia: Um convite atuao fonoaudiolgica. So Paulo:Lovise, 1998, 3:35-40.

    37. WANG IY & FRASER IS. Reproducti-ve function and contraception in the pos-tpartum period. Obstet. Gynec. Surv.1994, 49(1):56-63.

    38. HATCHER RA, KOVAL D, GUEST F,TRUSSEL J, STEWART F, STEWARTGK et al. Tecnologia Contraceptiva. Dis-positivos intra-uterinos. Insercin delDIU inmediatamente despus del parto.Atlanta, Printed Matter, 1979, p. 7, 206-212 e 374.

    39. FORTNEY J & HIGGINS JE. The effectof birth interval on perinatal survival andbirth weight. Pub. Health. Lond., 1984,98(2):73-83.

    40. ANDERSON JE, MARKS JS, PARK T.Breast-feeding, birth interval and infanthealth. Pediatrics, (supplement), 1984, p.695-701.

    41. PARK BN. The place of child-spacing asa factor in infant mortality: A recursivemodel. Am. J. Public. Health, 1986,76(8):995-999.

    42. SHIMAKURA SE, CARVALHO M S,AERTS DR, FLORES R. Distribuioespacial do risco: modelagem da morta-

    08-1720-a-influencia-das-variaveis-ambientais.p65 11/1/2007, 09:15300

  • A INFLUNCIA DAS VARIVEIS AMBIENTAIS NO... Cachapuz et al. ARTIGOS ORIGINAIS

    Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 50 (4): 292-301, out.-dez. 2006 301

    lidade infantil em Porto Alegre, RioGrande do Sul, Brasil. Cad. Sade P-blica, 2001, Rio de Janeiro, 17(5).

    43. CAMON VAA (org.). A Psicologia noHospital, So Paulo: Trao, 1988, v.7.

    44. LIMA GSP, SAMPAIO HAC. Influnciade fatores obsttricos, socioeconmicos

    e nutricionais da gestante sobre o pesodo recm-nascido: estudo realizado emuma maternidade em Teresina, Piau.Revista Brasileira Sade Materno Infan-til., 2004, 4(3), Recife.

    45. FERREIRA MCT, MARTURANO EM.Ambiente familiar e os problemas de

    comportamento apresentados por crian-as com baixo desempenho escolar. Psi-cologia: reflexo e crtica. 2002, 15(1):35-44.

    08-1720-a-influencia-das-variaveis-ambientais.p65 11/1/2007, 09:15301