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XVII Congresso Internacional del CLAD – 2012 - Cartagena de Índias, Colômbia Página 1 Arranjos institucionais e modelos de gestão na implementação de políticas de combate à miséria 1 Marcela Bauer, M. Cristina C. P. Galvão e Gabriela S. Lotta. “as pesquisas vêm mostrando que a variável mais importante para que a descentralização ocorra é o desenho institucional da política. A questão do desenho institucional tem recebido atenção crescente no que se refere ao seu papel nas políticas públicas. Dependendo de suas características, o desenho institucional pode ser decisivo no incentivo ou no constrangimento à descentralização”. Souza (2004:35). 1. Introdução Esse artigo é fruto de pesquisas que vem sendo realizadas por estas autoras que procuram compreender os arranjos institucionais que o Programa Brasil sem Miséria tem mobilizado para resolver o problema da extrema pobreza no Brasil. A iniciativa de analisar o programa se dá, além da relevância da temática em si, por causa de sua importância e visibilidade na agenda política brasileira e porque os arranjos institucionais realizados para formular e implementar as ações do programa indicam avanços relevantes na área de gestão de políticas públicas. Aprofundar o entendimento sobre como a administração pública está se organizando para combater a pobreza e por meio de quais mecanismos ela ocorre é um tema que merece destaque já que os avanços e resultados desta política pública aparecem com mais força à medida que tem sido implementada no país. Para o desenvolvimento desta análise recorremos às teorias explicativas do ciclo de políticas públicas, principalmente sobre os processos de implementação e formulação. Foram realizadas também entrevistas em profundidade com agentes públicos envolvidos na implementação de ações voltadas ao combate à miséria no estado de São Paulo. 2. O que é o Programa Brasil sem Miséria (PBSM) É uma política social, de caráter redistributivo, que tem o objetivo de erradicar a miséria no Brasil por meio da inclusão social e produtiva da população-alvo. Iniciado em junho de 2011, o programa pode ser considerado como a continuidade, ou a segunda etapa, de uma iniciativa de combater a pobreza que tinha como alicerce a transferência direta de renda às pessoas em situação de miséria. Em estudo anterior denominado ‘Novos arranjos institucionais para a gestão de políticas públicas: O Programa Brasil sem Miséria’, as autoras verificaram que o problema da miséria já vem 1 Publicado como: BAUER, M. ; LOTTA, G. S. ; GALVAO, M. C. . Arreglos Institucionales en la implementación de políticas para combatir na pobreza en Brasil. Revista del CLAD Reforma y Democracia , v. 57, p. 50, 2013.

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Arranjos institucionais e modelos de gestão na implementação de políticas de combate à miséria1

Marcela Bauer, M. Cristina C. P. Galvão e Gabriela S. Lotta.

“as pesquisas vêm mostrando que a variável mais importante para que a descentralização ocorra é o desenho institucional da política. A questão do desenho institucional tem recebido atenção crescente no que se refere ao seu papel nas políticas públicas. Dependendo de suas características, o desenho institucional pode ser decisivo no incentivo ou no constrangimento à descentralização”. Souza (2004:35).

1. Introdução

Esse artigo é fruto de pesquisas que vem sendo realizadas por estas autoras que procuram compreender os arranjos institucionais que o Programa Brasil sem Miséria tem mobilizado para resolver o problema da extrema pobreza no Brasil. A iniciativa de analisar o programa se dá, além da relevância da temática em si, por causa de sua importância e visibilidade na agenda política brasileira e porque os arranjos institucionais realizados para formular e implementar as ações do programa indicam avanços relevantes na área de gestão de políticas públicas.

Aprofundar o entendimento sobre como a administração pública está se organizando para combater a pobreza e por meio de quais mecanismos ela ocorre é um tema que merece destaque já que os avanços e resultados desta política pública aparecem com mais força à medida que tem sido implementada no país.

Para o desenvolvimento desta análise recorremos às teorias explicativas do ciclo de

políticas públicas, principalmente sobre os processos de implementação e formulação. Foram

realizadas também entrevistas em profundidade com agentes públicos envolvidos na

implementação de ações voltadas ao combate à miséria no estado de São Paulo.

2. O que é o Programa Brasil sem Miséria (PBSM)

É uma política social, de caráter redistributivo, que tem o objetivo de erradicar a miséria no Brasil por meio da inclusão social e produtiva da população-alvo. Iniciado em junho de 2011, o programa pode ser considerado como a continuidade, ou a segunda etapa, de uma iniciativa de combater a pobreza que tinha como alicerce a transferência direta de renda às pessoas em situação de miséria.

Em estudo anterior denominado ‘Novos arranjos institucionais para a gestão de políticas

públicas: O Programa Brasil sem Miséria’, as autoras verificaram que o problema da miséria já vem

1 Publicado como: BAUER, M. ; LOTTA, G. S. ; GALVAO, M. C. . Arreglos Institucionales en la implementación de políticas

para combatir na pobreza en Brasil. Revista del CLAD Reforma y Democracia , v. 57, p. 50, 2013.

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sendo enfrentado há muito anos, contudo não com o foco e mobilização institucional que é realizado atualmente.

“Até a década de 90 a questão do combate à miséria fez parte dos discursos e foi alvo de algumas iniciativas pontuais por parte dos governantes brasileiros. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) esse problema passou a fazer parte da agenda governamental, embora não prioritariamente, via Programa Comunidade Solidária, e programas setoriais de complemento de renda, como o bolsa-escola, o vale-leite e o vale-gás. A partir de 2003, o Presidente Lula define como prioridade de seu governo a inclusão social, criando vários programas para esse fim, como o Bolsa-Família, Minha Casa Minha Vida e Territórios da Cidadania. A Presidente Dilma, que assumiu em 2011, anunciou em sua campanha eleitoral, no discurso de posse e tem reiterado em diversos pronunciamentos que o seu principal compromisso de governo é o combate à miséria, dando origem ao Brasil Sem Miséria.” Bauer et al(2012:07).

O enfrentamento do problema avança à medida que articula três eixos de ação. O primeiro é a garantia de renda, para alívio imediato da situação de extrema pobreza. O segundo é o acesso a serviços, para melhorar as condições de educação, saúde, assistência e cidadania das famílias que compõem o público-alvo. E por fim, é a inclusão produtiva, para aumentar as capacidades e as oportunidades de ocupação e geração de renda entre as famílias extremamente pobres. MDS (2012:05)

Os três eixos da política evidenciam o reconhecimento de que a pobreza é

multidimensional e que o incremento financeiro na vida dos extremamente pobres não soluciona por completo o problema.

“O ponto de partida do Plano é que a pobreza atende por diversos nomes: insuficiência de renda; acesso precário à água, energia elétrica, saúde e moradia; baixa escolaridade; insegurança alimentar e nutricional; formas precárias de inserção no mundo do trabalho, entre outros. As diversas características que traduzem as distintas manifestações da pobreza têm expressão no território e assim se pode afirmar que a miséria tem nome, endereço, cor e sexo e, embora a renda também seja um indicador de pobreza, trata-se de um mecanismo insuficiente para medir o bem-estar. A pobreza se manifesta, sobretudo, em privação de bem-estar. Com isto, afirmamos que a pobreza é um fenômeno multidimensional e, portanto, requer também indicadores não monetários para seu dimensionamento.” Fonseca apud Bauer et al (2011:05)

3. Política de superação da miséria na agenda governamental

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A formulação e a implementação do Programa Brasil sem Miséria (PBSM) ocorrem através da participação de diversas áreas da administração pública federal2, de todos os entes da federação, de instituições do terceiro setor e com participação da sociedade civil. É importante pontuar que essa articulação complexa não ocorre por acaso. A razão da mobilização e articulação entre instituições, esferas e atores múltiplos se dá porque o PBSM encontra-se destacado na agenda política brasileira, especialmente a do governo federal.

A teoria sobre o ciclo de políticas públicas considera que nem toda situação ou problema social ocupam lugares prioritários em agenda de políticas. Kingdon (2006: 227). Um problema social se torna foco de atuação do Estado quando ele entra na agenda. Segundo Frey somente a convicção de que um problema social precisa ser dominado política e administrativamente o transforma em um problema de policy. Frey (2000: 227).

Segundo Kingdon (2006), para um problema fazer parte da agenda governamental, é preciso que seja aberta uma “janela de oportunidade”. Isso ocorre quando há convergência de três fluxos. O primeiro deles é quando um problema é reconhecido e declarado por um ou vários atores sociais. Nesse caso, o reconhecimento da existência de um contingente de miseráveis tem sido declarado por diversos atores da nossa sociedade há vários anos. O segundo fluxo diz respeito à existência de alternativas para o seu enfretamento. O Brasil tem uma experiência acumulada por programas de combate à miséria bem sucedidos, como Bolsa-Família, que é uma política focada e de âmbito nacional, e o Programa Territórios da Cidadania, pioneiro com foco na ação territorial e intersetorial. O terceiro fluxo está relacionado ao apoio político, que precisa ser suficiente para a implantação das medidas necessárias. O principal ator e empreendedor desse Programa é a própria Presidente Dilma Rousseff, seguido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, – MDS, que é o ator que propõe o programa como opção para o enfrentamento da pobreza.

A partir disso, é possível inferir que o que permitiu a proposição do Brasil Sem Miséria foi a

definição do perfil da extrema pobreza e o seu dimensionamento, pelos dados do IBGE3, a qualificação do governo federal, que lhe possibilita a análise de problemas e fixação de prioridades, bem como a experiência acumulada das políticas sociais.

4. Os avanços do combate à miséria

As políticas promovidas pelo Estado brasileiro se caracterizavam, até os anos 80, segundo Farah (2006), em primeiro lugar pela centralização decisória e financeira na esfera federal, pela fragmentação institucional e falta de coordenação das ações dos diversos órgãos e atores envolvidos pela setorialização das ações, e pela (4) exclusão da sociedade civil. Farah(2006:122)

2No governo federal é possível citar: Casa Civil, Secretaria Geral da Presidência da República, Ministério da Fazenda,Ministériodo

Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério das Cidades, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério da Integração Nacional, Ministério do Meio Ambiente e Ministériode Minas e Energia. AlémdeCodevasf, Conab, DNOCS, Embrapa, FBB, Funasa, ICMBio, Incra e

Sebrae.(Fonte: MDS)No governo do estado de São Paulo participam do programa as seguintes secretarias de estado: Educação;

Saúde; Emprego e Relações do Trabalho; Habitação; Gestão Pública; e Saneamento e Recursos Hídricos. 3O Instituto Brasileiro de necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil, bem como dos órgãos das esferas

governamentais federal, estadual e municipal. Fonte: ibge.gov.br Geografia e Estatística - IBGE se constitui no principal provedor de dados e informações do país, queatendem às necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil, bem como dos órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal.

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Pode-se dizer que desde o inicio do processo de democratização brasileiro há um movimento de mudança nos arranjos institucionais das políticas públicas que se orientam por um modelo de gestão transversal, intersetorial, sistêmico, participativo, com visão de problemas e voltada ao alcance de resultados. No entanto, é preciso reconhecer que a adoção completa desse modelo é ainda um desafio. A contribuição deste estudo é verificar em que medida a implementação do PBSM consegue avançar neste sentido.

A intersetorialidade é percebida quando o plano combina políticas universais focando o perfil da população-alvo e é desenhado dentro de “uma perspectiva que cria, renova, amplia e, especialmente, integra dezenas de ações das áreas da assistência social, segurança alimentar e nutricional, saúde, educação, moradia, geração de ocupação e renda e desenvolvimento agrário, entre outras”. Fonseca (2011:13)

A proposta da política de superação da miséria no âmbito federal é promover a inclusão

social e produtiva da população extremamente pobre, por meio da articulação e da coordenação de ações em parceria com estados, municípios, empresas públicas e privadas e organizações da sociedade civil. As ações coordenadas das diferentes esferas são a expressão da descentralização da política nacional na medida em que nesse processo cada ator possui um papel bem definido e tem poder de decisão para desenvolver suas ações conforme a sua realidade local.

Segundo Farah (2006) a descentralização não significa transferir atribuições para garantir

eficiência. É, sobretudo, redistribuição de poder, favorecendo a democratização da relação entre o Estado e a sociedade, bem como o acesso a serviços. Farah (2006:127)

Acredita-se que o empoderamento dos estados e municípios ocorre por meio do repasse

de recursos, incentivo e autonomia para promover e gerir ações locais que têm como objetivo tirar pessoas da extrema pobreza não só pela garantia de renda, mas também pela inclusão produtiva e pelo acesso a serviços que são direitos fundamentais tais como educação e saúde.

O monitoramento e a avaliação são avanços significativos em termos de racionalização dos

gastos públicos, acompanhamento das ações para ajustes de rota e verificação dos resultados e impactos alcançados com a política em curso. No PBSM, o repasse de recursos do governo federal para os estados e para os municípios estão sempre condicionados às devolutivas que se expressam por meio de produtos das ações implementadas e informações sobre elas. Os dados sobre as ações, gastos e avanços do programa são disponibilizados no site do órgão responsável pelo programa, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

5. Política Pública como indutora da coordenação de ações Intersetoriais

A visão por problema e a busca de soluções complexas leva a gestão pública a constituir arranjos que permitam ir além da visão setorial ou segmentada de ação. O foco, para tanto, não pode estar na abordagem setorial, mas sim na articulação e na coordenação que permitam integrar soluções a partir dos problemas selecionados e analisados. Este processo é ainda mais complexo quando falamos de um país federativo, como o Brasil, no qual coexistem políticas públicas executadas pelo governo federal, pelos 27 governos estaduais e pelos mais de 5.500 governos municipais. Para a solução de problemas complexos, como é a miséria, percebeu-se que seria necessário articular não apenas ações desenvolvidas dentro do governo federal, por seus diversos ministérios, mas também aquelas desenvolvidas pelos governos estaduais e municipais.

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Abrucio (2005) afirma que com tais medidas:

“(...)busca-se atacar diretamente a pobreza por meio de políticas nacionais, as quais podem ser realizadas em parceria com outros instrumentos de gestão local, mas com a garantia de verba federal padronizada. O pressuposto dessas ações era que em problemas de origem redistributiva, particularmente em uma federação, é necessária a atuação do governo federal para evitar o agravamento das desigualdades.” Abrucio (2005: 22)

É válido esclarecer que o percurso teórico realizado na próxima sessão se dá para sustentar

a análise do processo de implementação da política de combate à extrema pobreza. A verificação das diretrizes da formulação da política de combate à miséria mostra que existe um avanço na concepção da gestão da política já que considera a intersetorialidade, a descentralização, a cooperação entre as esferas de poder e o monitoramento e avaliação das ações os pilares da ação. Para compreender a implementação da política de combate à miséria realizamos um estudo de caso, apresentado mais adiante, na oitava sessão deste texto, que pretendeu olhar a execução do PBSM no estado de São Paulo buscando compreender como são articulados os arranjos institucionais.

6. Ciclo de políticas públicas: a relação entre a formulação e a implementação

A fase de implementação é a hora de colocar a política em prática. Subirats et al (2012:185) define a implementação como um conjunto de processos posteriores à formulação que tendem a realização concreta dos objetivos de uma política pública. Mas é preciso esclarecer que, diferentemente dos postulados das teorias tradicionais, a fase da implementação não é simplesmente a execução ipsis litteris do que foi planejado em uma fase anterior. Em decorrência das complexidades dos problemas sociais, do contexto em que se estabelecem e da diversidade de interações entre os agentes implementadores, é praticamente impossível que um plano, por mais bem elaborado que seja, seja posto em prática no formato em que foi pensando inicialmente, antes do enfrentamento do problema propriamente dito.

A visão que assume a implementação como um mero executar das diretrizes da formulação falha porque considera que a fase de planejamento é isenta de problemas. A prática da gestão das políticas públicas indica que o planejamento não dá conta de prever e antecipar as singularidades do processo de implementação. É possível dizer que essas singularidades possuem duas causas principais: a falibilidade do modelo racional e a relação conflituosa entre os atores. Saasa (2006) Silva et al (2000).

A fraqueza do modelo tradicional baseado na racionalidade (absoluta ou limitada) se dá porque ele coloca o planejamento cartesiano como o principal condutor da análise. Como se a política pública pudesse ser um processo simples: um problema é reconhecido, informações sobre ele tornam-se disponíveis, em seguida políticas são traçadas e, por fim, executadas.

A principal crítica a esse modelo é que ele não leva em consideração os aspectos da politic, ou seja, o campo das disputas e dos conflitos entre os atores (políticos, burocratas, cidadãos e grupos organizados) envolvidos no processo de formulação e também de implementação das políticas. A principal crítica que Saasa (2006) faz à racionalidade como eixo de análise é que as

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variações do sistema político e do processo decisório e as ações e valores dos atores são tidas como agentes neutros incapazes de influenciar o processo; e na prática ocorre o contrário, ou seja, esses componentes do processo de implementação influenciam vigorosamente a política.

“Os modelos que aspiram à generalidade parecem desconsiderar o fato de que diferentes ambientes sociais, que configuram a situação em que é feita a escolha política, aparentemente levam os tomadores de decisão a fazer opções significativamente distintas.” Saasa(2006:220)

Na crítica ao modelo, o autor aborda a clássica questão da separação do trabalho do político e do burocrata na qual o primeiro formula e o outro executa a política pública. SAASA avalia que esse pressuposto não é verdadeiro e aponta que o burocrata também interfere e contribui em diversos processos da política pública. A burocracia contribui para definir, formular, avaliar e legitimar a política. É parte integrante das instituições que operacionalizam as políticas. Saasa(2006:221)

Subirats et al (2012) pondera que a fase de implementação é aquela em que os diversos atores vão interagir e para compreender o bom ou mau funcionamento de uma política pública é necessário entender essa interação. Bardach apud Viana(1996) afirma que o processo de implementação deve ser visto como um processo de interação estratégica entre numerosos interesses, no qual todos perseguem os seus próprios objetivos em maior ou menor grau de compatibilidade com a política traçada, pois cada grupo segue seus próprios interesses. Viana(1996:35)

Conclui-se que é ingênuo pressupor que os atores implementadores agem de forma impessoal e sem interesses sobre a política em jogo. A implementação modifica a política. Subirats et al(2012), Silva et al (2000) indicam que o processo de implementação pode ser melhor representado como um jogo entre implementadores onde os papeis são negociados, os graus de adesão ao programa variam e os recursos entre os atores são objeto de barganha. Tanto o desenho de uma política pública como uma análise relevante sobre esta política devem levar em conta que a implementação é um processo autônomo no qual decisões cruciais são tomadas e não só implementadas. Silva et al(2000:10)

“A implementação, portanto, “cria” políticas: a implementação de políticas constantemente orienta novas políticas. Como a implementação implica tomada de decisões, ela própria se constitui em fonte de informações para a formulação de políticas.” Silva et al (2000:11)

Diante da explicitação dos pressupostos teóricos desta análise vale esclarecer que ela considera o processo de implementação como um jogo no qual os atores têm papel fundamental para a sua realização, entendendo que o limite entre a formulação e a execução é tênue. Sob esta ótica, verifica-se como a política de combate à miséria tem sido realizada, quais são as suas ações, suas condições e contexto. Por meio da descrição das ações da execução da política examina-se em que medida a política de combate à miséria em ação produz ações descentralizadas, intersetoriais, coordenadas e articuladas.

7. Descentralização política: a forma de implementar a política de superação da miséria

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No Brasil, a Constituição Federal (CF) de 1988 consolidou o debate sobre a reforma da ação do Estado na área social, que vinha ganhando força desde os anos 70 e culminou na democratização dos processos decisórios no país. Com isso, a formulação e a implementação das políticas públicas passaram a ser mais descentralizadas e com participação das diferentes esferas de governo.

A CF estabeleceu uma forte descentralização, dando competências concorrentes para todos os entes da federação (União, Distrito Federal, estados e municípios). Assim, qualquer ente federativo está constitucionalmente autorizado a implementar programas nas áreas de saúde, educação, assistência social, habitação e saneamento. Tal característica promoveu uma intensificação das iniciativas locais, ampliando significativamente as ações locais no campo das políticas sociais. Ao mesmo tempo, outro efeito desta descentralização foi a superposição de ações, desigualdades territoriais na provisão de serviços e pouquíssimos denominadores comuns nas políticas nacionais.

Entretanto, assim como dá autonomia aos níveis subnacionais de governo, a CF supervaloriza a capacidade dos municípios resolverem seus problemas sozinhos. A realidade dos municípios é déficit de recursos, de equipe de trabalho e de organização institucional.

“Ocorre que num país heterogêneo e de dimensões continentais como o Brasil, a autonomia municipal - sem diretrizes nacionais - pode levar a uma situação de aprofundamento das desigualdades na medida em que os municípios apresentam grandes diferenças em termos de capacidade institucional e de condições sociais e econômicas.” Arretche (2010).

Um dos riscos colocados para uma proposta como a do Brasil Sem Miséria é a maneira como se desenvolve a relação entre governo federal, governos estaduais e governos municipais – que impacta diretamente no processo de implementação do programa. Essa questão é crítica no Estado brasileiro, considerando-se as características heterogêneas do país e dos entes federativos. Para compreender as relações institucionais que se estabelecem nos programas de combate à pobreza, é preciso conhecer como ela se manifesta na realidade dos governos locais. Em 2003, os dados do IBGE indicavam que 32,6% dos municípios brasileiros tinham mais da metade de sua população vivendo na pobreza. Souza (2002) indicou que mais de 200 municípios no nordeste não têm possibilidades de arrecadar recursos próprios:

“As razões para essa impossibilidade estão na inexistência de atividade econômica significativa e no tamanho de sua população pobre. Cálculos (...) mostram que quase 75% dos municípios brasileiros arrecadam menos de 10% de sua receita total via impostos e que cerca de 90% dos municípios com menos de 10 mil habitantes dependem quase que em 100% das transferências de impostos federais e estaduais.” Souza (2002: 432)

Segundo Sousa e Carvalho apud Lotta (2008) as desigualdades existentes no país se

refletem em significativas diferenças nas condições financeiras, institucionais, políticas e técnico-administrativas dos entes subnacionais, interferindo diretamente na sua capacidade de resposta às necessidades e demandas da população. Lotta (2008:06)

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Percebe-se, assim, que o combate à miséria pressupõe o envolvimento e a articulação das diversas esferas. A implementação do programa se dá por meio de acordos e pactos de cooperação entre estados e governo federal e também por meio de repasse de recursos do estado e da federação para os municípios.

O governo federal tem feito pactos com os estados para que estes se comprometam e se

empenhem em superar a extrema pobreza até o fim de 2014. Embora exista uma diretriz nacional, cada estado cria suas estratégias para desenvolver ações que possam ir ao encontro do objetivo de superar a pobreza. O que ocorre em âmbito nacional é a transferência de renda e a realização da busca ativa4.

8.Política de superação da pobreza em São Paulo: estudo de caso

A literatura sobre o federalismo brasileiro aponta o protagonismo histórico do governo federal na execução de políticas. As diretrizes nacionais da política de combate à miséria nascem nessa esfera de governo. Em seguida, pactos e acordos com estados e municípios são realizados.

Pode-se dizer que o governo federal promove ações diretamente focadas com a população-alvo (por meio da transferência direta de renda e da busca ativa) e que os estados desenvolvem estratégias diferenciadas com seus municípios.

Consideramos o PBSM um programa que induz novas e diversas ações direcionadas para a superação da miséria em todo o território brasileiro. A indução pode ser vista pela ótica otimista, já que estimula o desenvolvimento de ações locais diferenciadas que têm possibilidade de contemplar as diversidades e heterogeneidades regionais. Ainda pode ser associada ao movimento crescente (embora ainda incipiente) de descentralização.

Verificaremos daqui em diante como a política de combate à miséria tem sido feita no estado de São Paulo (SP), onde se encontram um milhão das 16 milhões de pessoas identificadas pelo censo do IBGE de 2010 como extremamente pobres. A partir da descrição das ações da política, os aspectos importantes lançados na fundamentação teórica serão destacados.

O estudo de caso foi apoiado no referencial teórico sobre o ciclo de políticas públicas que permitiu o aprofundamento da análise dos documentos que retratam o desenvolvimento do programa em São Paulo. Além disso, foram realizadas entrevistas em profundidade com gestores estaduais e locais5. Estes são considerados os atores6 da implementação. É preciso esclarecer que as entrevistas nos permitiram conhecer algumas perspectivas e alguns pontos de vista sobre a realidade social e nos possibilitaram realizar inferências sobre o tema em pauta, já que a metodologia de pesquisa qualitativa não nos permite produzir resultados que representem toda a realidade.

4Busca Ativa é a ação de buscar identificar quem são as 16 milhões de pessoas que vivem em extrema pobreza e ainda são

‘invisíveis’ para o poder público. Por meio pesquisadores que visitam suas moradias, são produzidas informações sobre o perfil: quem são, onde vivem e que tipo de privações têm as pessoas em extrema pobreza. O objetivo o Busca Ativa é formar um banco de dados que subsidie e oriente os programas para a superação de extrema pobreza.

5 Foram entrevistados três gestores estaduais e três gestores municipais para realizar este estudo.

6 O estudo não contemplou, entretanto, o ponto de vista de gestores do governo federal. Incluir este ator na análise é uma forma

de aprofundar a compreensão do funcionamento dos arranjos e dos modelos de gestão e é um ponto de partida interessante para estudos futuros.

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8.1 Pactos, ações coordenadas e intersetorialidade

Arranjo institucional é entendido como a forma em que diferentes esferas ou instituições de governo (ou da sociedade civil) se relacionam para atingir objetivos políticos. Para executar ações de combate à miséria em São Paulo o arranjo realizado foi entre o governo federal e o Estado de São Paulo através de um pacto cuja iniciativa partiu do governo federal com o objetivo de impulsionar São Paulo a realizar uma política estruturada para o estado.

É um aspecto positivo da política brasileira atuar cada vez mais por meio de pactos. Independentemente de partidos políticos ou singularidades regionais, a miséria tem sido alvo de acordos e pactos. No caso de São Paulo, as ações voltadas para a superação da miséria passaram a ser coordenadas pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (SEDS) após o estado tornar-se signatário do Pacto Sudeste7.

São Paulo desenvolve desde agosto de 2011 o programa São Paulo Solidário, que tem quatro eixos ou ações:

“A primeira etapa do programa é a realização da ‘Busca Ativa’,

que localiza as famílias em situação de extrema pobreza e

aplica questionário elaborado pelo Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)8.

Tendo como base os questionários preenchidos durante a

‘Busca Ativa’, os dados serão compilados e tabelados,

resultando assim no ‘Retrato Social’, que servirá como um

diagnóstico das condições de vida da população. Nele serão

verificadas as privações da comunidade local em suas várias

dimensões: saúde, educação e padrão de vida.

Para receber o benefício, as famílias deverão assinar a

‘Agenda da Família Paulista’, firmando compromisso

juntamente com a Prefeitura na busca de superar suas mais

graves privações sociais.

O benefício será transferido por meio do cartão único,

somando recursos dos programas Renda Cidadã (Governo

Estadual) e Bolsa Família (Governo Federal). “SEDS (2012)

O programa começou a ser executado nos 100 municípios paulistas de menor índice de

IDH. O governo do estado de São Paulo tem atuado não como mero executor da política nacional.

Pelo contrário, trabalha de forma autônoma e promove ações que são consideradas adequadas à

realidade dos municípios paulistas. Os arranjos estão sendo desenvolvidos por meio da articulação

entre os órgãos regionais e municipais de assistência social. É interesse notar que o governo

estadual teve importante papel na promoção das ações iniciais do programa. Os prefeitos e

7Acordo firmado entre os governo federal e estados da região sudeste (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo). Do

total de miseráveis no país, 20% encontram-se nessa região. O objetivo do pacto é promover ações em cada um dos estados para combater a miséria. Cada estado desenvolve estratégias conforme suas particularidades e têm como eixo comum a “Busca Ativa” e a transferência de renda. Fonte: mds.gov.br e Guia Orientador do Programa São Paulo Solidário.

8A metodologia do PNUD é interessante porque se orienta pela multidimensionalidade da pobreza. Por meio de três dimensões

(educação, saúde e padrão de vida), as principais privações (além da financeira) são levantadas.

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gestores locais da área de assistência foram mobilizados e comprometeram-se com a política e sua

execução.

Além disso, para realizar as atividades de visita e pesquisa do ‘Busca Ativa’ e ‘Retrato

Social’, as associações e organizações da sociedade civil já atuantes na localidade participam do

processo em razão do envolvimento com que têm com a comunidade. Ou seja, a experiência de

organizações não-governamentais já atuantes com a população de baixa renda foi reconhecida e

valorizada. A participação de organizações não-governamentais é outro tipo de arranjo que deve

ser destacado nesse contexto.

Após a coleta e envio de dados para a SEDS, o retrato social volta para o município e é

validado pelo prefeito que, além de tomar conhecimento da realidade por meio de um diagnóstico

sistematizado, se compromete em fortalecer e fomentar a rede que está sendo criada em seu

município para superar a miséria.

Os dados das pesquisas de ‘Busca Ativa’ e ‘Retrato Social’ mostram que as crianças estão

fora da escola, que os chefes de família não estão no mercado de trabalho e que lhes falta qualificação profissional, e que vivem em moradias sub-humanas sem acesso a água e escoamento sanitário. O problema da miséria é complexo e cheio de variáveis e o movimento iniciado pela política nacional fomenta a mobilização do estado e dos municípios para o desenvolvimento de atividades de apoio à saída da família dessa condição. Isso pode significar que as diretrizes nacionais de ‘Busca Ativa’ e a transferência de renda estão servindo como um primeiro passo. Essas ações têm promovido o acesso do poder público à realidade local e, a partir disso, iniciativas complementares passam a ser desenvolvidas de forma autônoma.

O caráter intersetorial da política demonstra-se desde o governo federal até o municipal quando se percebe que, a partir do retrato social, é possível fomentar uma diversidade de ações naquela localidade, que vão desde colocar crianças na escola, fazer a ponte entre programas de qualificação profissional já existentes - mas que não eram acessados por essa população - até mobilização para a construção de rede de água e esgoto. É preciso esclarecer que a realidade não está mudando rapidamente e que as condições de miséria não estão sendo superadas automaticamente. Contudo, muitas atividades estão começando a ser estimuladas e, além disso, o poder público está se estruturando e se manifestando nas regiões de maior pobreza.

De acordo com as entrevistas realizadas, verificamos que nem todos os municípios estão

no mesmo patamar em termos de ações intersetoriais. Há locais nos quais o prefeito reuniu toda a

sua equipe de secretários, comércio, setor de serviços e organizações sociais para buscar a

integração e a cooperação de todas as forças da localidade. Já em outros, há menos envolvimento

dos setores ativos da localidade. Isso significa que a intersetorialidade, embora seja uma

realidade, ainda se mostra como um desafio na execução da política no município.

8.2 Aumento de eficiência na prestação de serviço público por meio da visão de problemas e

ações voltadas ao alcance de resultados

A “Agenda da Família”, o terceiro eixo do programa paulista, também merece destaque

nesse estudo já que expressa um aprimoramento da prestação de serviço público e da própria

gestão pública. A partir da elaboração do diagnóstico da pobreza, as famílias que estão em

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situação de miséria são foco de ação particularizada do poder local. Por meio dos agentes que já

fizeram o primeiro contato e levantamento dos dados para cadastro do “Busca Ativa” e “Retrato

Social”, são pactuadas com a família medidas para superar as privações que ela própria família

identifica como prioritárias. Os agentes locais firmam um compromisso entre a família, o órgão de

assistência social do município e a SEDS.

“Com os compromissos estabelecidos, caberá ao profissional da

prefeitura municipal identificar os recursos externos à família que

serão demandados para o cumprimento da Agenda. Ao mesmo

tempo, a família deve analisar as possibilidades de sanar com êxito as

quatro necessidades identificadas como prioritárias. Para alcançar

esse objetivo, as famílias serão acompanhadas e receberão o apoio

do município, conforme estabelecido nas normativas do programa.”

(Guia orientador Programa São Paulo Solidário, 2012:09)

Segundo gestores entrevistados, o programa paulista encontra-se nessa fase realização da

“Agenda da Família”. Para dar assistência à família, o estado atua em parceria com o município

orientando o processo de formação de rede para a consecução dos termos de compromissos

firmados com a família. O acompanhamento dessa ação será realizado por estas pesquisadoras já

que a intenção dessa política é o fortalecimento do poder local para a resolutividade de seus

problemas específicos. Além disso, pode-se perceber que a estratégia de superação da extrema

pobreza tem dois sentidos. O primeiro é o olhar mais amplo (comunitário) que verifica quais são as

privações comuns a todas as famílias e que podem ser consideradas problemas de organização

político-econômico do território, quais sejam: acesso à educação, à saúde e à escoamento de água

e esgoto. O segundo é o olhar singular à família e suas privações: problemas de violência

doméstica, necessidades especiais de crianças e idosos, qualificação profissional e apoio ao

desenvolvimento profissional.

Ao realizar ações por meio desses dois sentidos, verifica-se a superação do modelo racional

de execução de política no âmbito estadual, pois, em vez de implementar um programa pré-

definido que tenta enquadrar a realidade local em seus parâmetros, são estimuladas ações do

poder público para resolver seus problemas específicos.

Para encerrar esta sessão é válido analisar o papel do município na implementação da

política. As entrevistas indicam que ainda há pouca autonomia aos entes subnacionais de governo

na execução das ações. Os agentes locais são responsáveis por aplicar metodologias de trabalho

que são definidas pelo governo ou no nível nacional. Embora se sintam como parte de um sistema

e de uma política mais ampla, os agentes municipais da implementação questionam a falta de

liberdade e o excesso de normas para usar os recursos disponíveis. Por mais que tenham apoio e

auxílio para a execução, sentem falta de liberdade operacional no sentido mais simples da

expressão: o recurso é transferido, mas seu uso tem destino pré-definido. Pode ser gasto para

comprar lanche para os visitadores sociais, mas não pode ser gasto, por exemplo, para comprar

material para a realização de capacitação.

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Conclui-se que o movimento que a política de superação da miséria está criando nos entes

federativos é bastante significativo. O governo federal estimula e induz a criação de políticas nos

estados e planeja e monitora a política nos municípios. O estado mostra-se comprometido,

autônomo, com poder de decisão e de articulação de setores e municípios. Já o município tem

apoio das demais esferas e tem conseguido dar resolutividades aos seus problemas locais,

contudo, sem a autonomia financeira e sem poder de decisão.

A figura abaixo apresenta de forma esquemática os arranjos institucionais identificados

entre entes federativos na política de combate a miséria.

9. Considerações finais: o papel dos entes federativos nesse processo

Há duas questões importantes que devem ser levadas em conta quando buscamos

compreender em que medida a política de combate à miséria caminha para o fortalecimento do

município. Ao mesmo tempo em que ele acaba tendo a função de executar as diretrizes que vêm

formatadas tanto do governo federal como do governo estadual, percebe-se que o as estruturas

de poder público estão sendo fortalecidas nesse processo. As ações chegam até o público-alvo e

medidas são efetivamente tomadas para resolver o problema. Fato que talvez não ocorresse se o

município não tivesse a orientação e o repasse de verbas das outras esferas, conforme as

deficiências e carências características dos níveis subnacionais de governo já relatadas.

As entrevistas realizadas mostraram que o agente do município sente-se um executor.

Embora a forma de executar a política não seja uma grade de ferro, existem metodologias a serem

seguidas, diretrizes que devem ser verificadas e metas que devem ser atingidas. Os motivos de o

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poder local não desenvolver suas próprias políticas são a falta de recursos e a capacidade técnica -

faltam profissionais e, mais do que isso, faltam profissionais qualificados.

É possível dizer que os problemas de extrema pobreza nos municípios paulistas estão

sendo resolvidos por meio de três tipos de arranjos institucionais. O primeiro ocorre por meio de

ações centralizadas que descem do governo federal diretamente ao município e garantem renda à

família extremamente pobre. Os pactos são impulsionados pelo governo federal. Atividades como

busca, ou melhor, o levantamento e cadastramento da população miserável e a realização de

diagnósticos da miséria são ações vindas do governo central para a esfera local.

O segundo tipo de arranjo é o envolvimento e do governo estadual na política. Nesse

contexto, a descentralização da esfera nacional para a estadual gerou o empoderamento e a

promoção de ações autônomas. O estado está articulando setores e mobilizando forças nos

municípios para o alcance dos objetivos do programa São Paulo Solidário. Realiza capacitações aos

agentes municipais que executam as ações e oferece apoio técnico por meio de visita, produção

de guias e orientações e também por meio do monitoramento.

O terceiro tipo de arranjo institucional são os realizados em nível local no momento em

que o governo local chama as organizações não-governamentais e o setor de comércio para

atuarem como parceiros.

Nesse contexto pode-se definir que o papel do governo federal é de promover diretrizes ao

mesmo tempo em que pactua para que elas sejam colocadas em prática. Ao estado cabe formular

políticas específicas complementares, orientar, formar agentes e monitorar. Já os municípios

encarregam-se de executar as ações de maneira com que o público-alvo possa ser atingido. Ainda

sem autonomia de decisão, estrutura administrativa e recursos para desenvolverem suas próprias

ações, o poder local permanece como um executor.

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Resenha bibliográfica

Marcela Bauer é socióloga, formada pela PUC-SP e é mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas. Atualmente exerce o cargo de gestora de projetos educacionais na Egap-Fundap, a Escola de Governo do Estado de São Paulo da Fundação para o Desenvolvimento Administrativo. [email protected]; 55-11-98331-7749

Gabriela Lotta é doutora em Ciência Política pela USP, mestre e graduada em administração pública pela FGV. Docente da Universidade Federal do ABC. Trabalha com assessoria, pesquisa e formação para diversos governos. Tem experiência na área de Administração Pública, com ênfase em Políticas Públicas, atuando nos seguintes temas: formulação, implementação e avaliação de

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políticas públicas, burocracia implementadora, políticas de saúde, políticas culturais, poder local, gestão pública, gerenciamento público, administração, entre outros. [email protected]

Maria Cristina Pinto Galvão é administradora pública pela FGV, créditos de mestrado concluídos em Administração e Planejamento Urbano, pela FGV, e mestranda em Gestão e Políticas Públicas, também pela FGV. É técnica da Fundap em planejamento e gestão (afastada temporariamente). Atua como consultora independente na área de gestão pública governamental e organizacional, especialmente para escolas de governo. Endereço: Rua Guilherme Moura, 152 Alto de Pinheiros, São Paulo – SP – CEP 05449 010, telefones – 11 30216724 (res) e 11 91318415 (cel). E-mail –[email protected]

Resumo

O processo de democratização impulsionou transformações importantes nas relações entre e

sociedade nos últimos anos. As transformações na sociedade brasileira passaram a gerar uma

mudança no perfil dos arranjos institucionais das políticas públicas em decorrência da demanda de

resolução dos problemas sociais.

Há um movimento de mudança nos arranjos institucionais que passa de um modelo de gestão

baseado em uma visão tradicional, hierarquizada, funcional, setorial e ensimesmada para um

modelo descentralizado, transversal, intersetorial, sistêmico, participativo, com visão de

problemas e voltada ao alcance de resultados.

Se adotarmos como pressuposto que a relação Estado-sociedade se dá por meio da política

pública, esta passa a ser o locus de inovação e experimentação tendo em vista sua melhoria

qualitativa e quantitativa.

O foco deste artigo é a analisar uma das principais políticas públicas desenvolvidas no Brasil, o

Programa Brasil sem Miséria, que tem como objetivo aumentar as capacidades e oportunidades

das pessoas que vivem em situação de pobreza extrema pela elevação de sua renda e aumento de

seu bem-estar social. Considerando o Brasil um país continental marcado pela heterogeneidade

regional, econômica, cultural e climática, este programa tem o desafio de dar conta dessas

especificidades territoriais por meio de estratégias diferenciadas para o atendimento de seu

público-alvo e para isso desenvolveu arranjos institucionais complexos e inovadores em termos de

gestão pública, articulando ações em parceria com estados, municípios e organizações da

sociedade civil.

Esta análise verifica os arranjos institucionais e os mecanismos de gestão da fase de

implementação deste programa especificamente no Estado de São Paulo. Problematizam-se

também os formatos e condições da descentralização contidas no desenho institucional.

Palavras-chave: combate à miséria; arranjos institucionais; descentralização; implementação de

políticas públicas; São Paulo – Brasil

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Resumen

El proceso de democratización impulsó transformaciones importantes en las relaciones entre el estado y la sociedad en los últimos años. Las transformaciones en la sociedad brasileña pasaron a generar un cambio en el perfil de los arreglos institucionales de las políticas públicas como resultado de la demanda de resolución de problemas sociales.

Hay un movimiento de cambio en los arreglos institucionales que pasa de un modelo de gestión basado en una visión tradicional, jerarquizada, funcional, sectorial e ensimismada a un modelo descentralizado, transversal, intersectorial, sistémico, participativo con visión de problemas y orientada al alcance de resultados.

Si adoptamos como presupuesto que la relación estado-sociedad se da por medio de la política pública, esta pasa a ser el locus de innovación y experimentación teniendo en vista su mejoría cualitativa y cuantitativa.

El foco de este artículo es analizar una de las principales políticas públicas desarrolladas en Brasil, el programa Brasil sin Miseria, que tiene como objetivo aumentar las capacidades y oportunidades de las personas que viven en situación de pobreza extrema por el incremento de su renta y el aumento de su bienestar social. Considerando Brasil un país continental marcado por la heterogeneidad regional, económica, cultural y climática, este programa tiene el desafío de da cuenta de esas especificaciones territoriales por medio de estrategias diferenciadas para el atendimiento de su público objetico y para eso desarrollo arreglos institucionales complejos e innovadores en términos de gestión pública, articulando acciones en asociación con estados, municipios y organizaciones de la sociedad civil.

Este análisis verifica los arreglos institucionales y los mecanismos de gestión de la fase de implementación de este programa específicamente en el Estado de Sao Paulo. Se problematizan también los formatos y condiciones de la descentralización contenidas en el diseño institucional.

Palabras clave: combate a la miseria, arreglos institucionales, descentralización, implementación de políticas públicas, São Paulo- Brasil