APLICAÇÃO PRÁTICA DOS ESTADOS DE TRANSE … · vT-o entrar em transe e executar em poucos...

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APLICAÇÃO PRÁTICA DOS ESTADOS DE TRANSE PSICAUTÔNOMO (*) DR. DAVID AKSTEIN Definimos os transes psicautônomos como aqueles que são induzidos e contro lados pelo próprio sujeito. Incluem-se entre estes os transes espíritas, os tran- ses auto-hipnõticos, certos êxtases religiosos e artísticos. Evidentemente que cer tos êxtases religiosos devem ser considerados dentro da neurose histérica, princi- palmente aqueles acompanhados de estigmas. Dentro dos.estados de transe espírita e de transe auto-hipnõtico incluem-se a escrita automática, a fala impulsiva (ou au- tomática) e .a pintura automática. Outros automatismos pouco vaíor têm no terreno das aplicações que iremos considerar. Apesar de não constituir um estado de transe psicautõnomo, o sonambulismo espontâneo apresenta fenómenos extraordinários que devemos levar em consideração; nossa experiência tem mostrado que quase todos os fenómenos produzidos nosonambu- lismo espontâneo também o são no sonambulismo provocado. Daí a consideração que aqui damos â referida condição. Muitas proezas de indivíduos sonâmbulos são referidas por diversos auto- res. SILVA MELLO menciona um caso, refendo por WEINHOLE, de um eclesiástico, que em sonambulismo escrevia excelentes sermões, "que relia cuidadosamente, corrigindo o estilo e a ortografia." No dia imediato ficava bastante surpreso ao encontrar pronto o sermão sobre sua mesa de trabalho. ABERCROMBIE citou também um caso inte- ressante de um advogado que se encontrava em grande dificuldade para resolver uma intrincada questão judiciária. Durante uma noite foi presa de uma crise de sonambu lismo, foi ã mesa de seu escritório e escreveu longo trabalho. Sua esposa, que a isto presenciou, ao ouvir dele, pela manhã, que tivera um sonho sobre a questão,le vou-o ã sua escrivaninha, onde apresentou o trabalho por ele produzido contendo a solução da questão. SILVA MELLO refere-se também a um caso, relatado por LOEWENFELD, de um estudante que, em sonambulismo, foi capaz de realizar um cálculo matemático com extrema perfeição, o que antes não tinha sido conseguido, apesar dos esforços empregados durante três dias de estéreis tentativas. Há referências de que LAFONTAINE às vezes escrevia ã noite seus trabalhos em estado sonambúlico. COLERIDGE afirmou ter escrito o seu KUBLA KHAN enquanto dor mia. Com respeito ao assunto, assim_se expressou DAVID PERRY: "Voltaire e o elegan te Massilon escreveram coisas admiráveis durante acessos de sonambulismo. Quando o famoso Condilac escrevia seu celebrado CURSO DE ESTUDOS, a grande concentração de seu espírito persistia durante o sono, dando lugar a um sonambulismo lúcido, em meio do qual terminava com pasmosa facilidade os trabalhos que, ao ir se deitar, havia deixado sem concluir". Da mesma forma, referência de músicos que, atacados de sonambulismo^ compuseram partituras admiráveis. 0 grande Tartini, por exemplo, compôs em uma noite sua. famosa Sonata do Diabo,(**}na qual trabalhava inutilfren te mais de um mês. BERNHEIM escreveu, sobre esses fenómenos, que tais obras são pro duzidas durante um acesso de sonambulismo "conscientemente e nao automaticamente , dentro de um outro estado de consciência, com concentração do espírito sobre a (*) Apresentado 2 Ha. Reunião Anual da "International Society for Clinicai and Ex- perimental Hypnosis",Rio de .Janeiro, 16 a 22 de julho, 1961. Este trabalho foi inspirado nos estudos pioneiros de JACQUES L. MONGRUEL sobre as aplicações da^PSICAUTONOMIA, e foi uma das bases, que serviu ao autor para o inicio de uma série de estudos e pesquisas envolvendo os tran- ses cinéticos rituais, gue permitiram o nascimento da Terpsicoretranseterapia (TTT). Neste trabalho ja se encontra claramente exposta a importância delibe- ração emocional e da dessensibilização obtidas através dos transes cinéticos rituais. (**)NOTADO AUTOR: Essa compôs içao de Tartini tambémé conhecida pelo nome de TRII.HA DO DIABO.

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APLICAÇÃO PRÁTICA DOS ESTADOS DE TRANSE PSICAUTÔNOMO (*) DR. DAVID AKSTEIN

Definimos os transes psicautônomos como aqueles que são induzidos e contro lados pelo próprio sujeito. Incluem-se entre estes os transes espíritas, os tran­ses auto-hipnõticos, certos êxtases religiosos e artísticos. Evidentemente que cer tos êxtases religiosos devem ser considerados dentro da neurose histérica, princi­palmente aqueles acompanhados de estigmas. Dentro dos.estados de transe espírita e de transe auto-hipnõtico incluem-se a escrita automática, a fala impulsiva (ou au­tomática) e .a pintura automática. Outros automatismos pouco vaíor têm no terreno das aplicações que iremos considerar.

Apesar de não constituir um estado de transe psicautõnomo, o sonambulismo espontâneo apresenta fenómenos extraordinários que devemos levar em consideração; nossa experiência tem mostrado que quase todos os fenómenos produzidos nosonambu-lismo espontâneo também o são no sonambulismo provocado. Daí a consideração que aqui damos â referida condição.

Muitas proezas de indivíduos sonâmbulos são referidas por diversos auto­res. SILVA MELLO menciona um caso, refendo por WEINHOLE, de um eclesiástico, que em sonambulismo escrevia excelentes sermões, "que r e l i a cuidadosamente, corrigindo o e s t i l o e a ortografia." No dia imediato ficava bastante surpreso ao encontrar pronto o sermão sobre sua mesa de trabalho. ABERCROMBIE citou também um caso inte­ressante de um advogado que se encontrava em grande dificuldade para resolver uma intrincada questão judiciária. Durante uma noite foi presa de uma crise de sonambu lismo, foi ã mesa de seu escritório e escreveu longo trabalho. Sua esposa, que a isto presenciou, ao ouvir dele, pela manhã, que tivera um sonho sobre a questão,le vou-o ã sua escrivaninha, onde apresentou o trabalho por ele produzido contendo a solução da questão. SILVA MELLO refere-se também a um caso, relatado por LOEWENFELD, de um estudante que, em sonambulismo, foi capaz de realizar um cálculo matemático com extrema perfeição, o que antes não tinha sido conseguido, apesar dos esforços empregados durante três dias de estéreis tentativas.

Há referências de que LAFONTAINE às vezes escrevia ã noite seus trabalhos em estado sonambúlico. COLERIDGE afirmou ter escrito o seu KUBLA KHAN enquanto dor mia. Com respeito ao assunto, assim_se expressou DAVID PERRY: "Voltaire e o elegan te Massilon escreveram coisas admiráveis durante acessos de sonambulismo. Quando o famoso Condilac escrevia seu celebrado CURSO DE ESTUDOS, a grande concentração de seu espírito persistia durante o sono, dando lugar a um sonambulismo lúcido, em meio do qual terminava com pasmosa facilidade os trabalhos que, ao i r se deitar, havia deixado sem concluir". Da mesma forma, há referência de músicos que, atacados de sonambulismo^ compuseram partituras admiráveis. 0 grande T a r t i n i , por exemplo, compôs em uma só noite sua. famosa Sonata do Diabo,(**}na qual trabalhava inutilfren te mais de um mês. BERNHEIM escreveu, sobre esses fenómenos, que tais obras são pro duzidas durante um acesso de sonambulismo "conscientemente e nao automaticamente , dentro de um outro estado de consciência, com concentração do espírito sobre a

(*) Apresentado 2 H a . Reunião Anual da "International Society for C l i n i c a i and Ex­

perimental Hypnosis",Rio de .Janeiro, 16 a 22 de julho, 1961. E s t e t r a b a l h o f o i i n s p i r a d o nos e s t u d o s p i o n e i r o s de JACQUES L . MONGRUEL sobre as aplicações da^PSICAUTONOMIA, e foi uma das bases, que serviu ao autor para o i n i c i o de uma série de estudos e pesquisas envolvendo os tran­ses cinéticos r i t u a i s , gue permitiram o nascimento da Terpsicoretranseterapia (TTT). Neste trabalho ja se encontra claramente exposta a importância d e l i b e ­ração emocional e da dessensibilização obtidas através dos transes cinéticos r i t u a i s .

(**)NOTADO AUTOR: Essa compôs içao de T a r t i n i t a m b é m é conhecida pelo nome de TRII.HA DO DIABO.

ideia que o cativa, sem distrajao pro/inda das impressões exteriores; e o trabalho do pensamento concentrado em si mesmo se realiza com mais clareza e mais brilho."

Esta comprovado que em todos esses casos de sonambulismo espontâneo, além da amnésia, há também insensibilidade ã dor.

Abordando a importância da aplicação dos transes psicautõnomos, devemos fa zer aqui referência a interessantes casos em que notáveis façanhas puderamser apre sentadas por indivíduos dentro dos mesmos.

Interessante é o caso de Helena Smith, bem conhecido, a qual escreveu, no estado de transe sonambúlico auto-induzido, romances bastante imaginativos e pin­tou um certo número de quadros bem curiosos que, após sua morte, tiverama honra de serem expostos em Genebrae Paris. Ela conhecia pintura, mas sob o transe psicautõno mo praticava-a diferentemente: em lugar de pincéis servia-se sõ dos dedos, traba -lhando desordenadamente, sem coerência, fazendo surgir em certo ponto da tela um pé, em outro lugar um olho, mais adiante uma árvore ou um objeto qualqjjer,tudo sem ligação entre s i . No f i n a l , contudo, o conjunto se harmonizava em detalhes bem com binados.

'Em São Paulo viveu um médium que, entre inúmeras façanhas obtidas no esta­do de transe, era capaz de pintar e desenhar com grande perfeição dentro de um be­lo e s t i l o . EURICO DE GOES, autor de um livro sobre esse médium, que se chamava Mi-r a b e l l i , dá o testemunho de um médico, J.A.JOSETTI que, segundo aquele autor, era membro honorário da Academia Nacional de Medicina: "Na residência do famoso médium vT-o entrar em transe e executar em poucos minutos, A CRAYON, o retrato de uma se­nhora, obra tão perfeita que o próprio Sr. Mirabelli não poderia jamais produzir fora do estado de êxtase, porque não tem estudos de desenho nem de pintura. Demais, quando executou o trabalho referido cantava e declamava (sem cessar) poesias."

Quanto ã afirmação de que o citado médium não tinha estudos sobre pintura e desenho, temos que duvidar, pois há bastante evidência de que era bom conhecedor dessas artes, tendo em vista principalmente os belos quadros ã óleo que ele pintou. 0 que ocorreu, porém, foi que no estado de transe, dentro de um certo automatismo, sua sensibilidade artística, liberta de inibições, se aprimorou, e mais o equilí -brio neuromuscu^ar junto com a hiperacuidade dos sentidos deram-lhe melhores meios para uma produção artística mais perfeita e realizada em menor tempo.

Victorien Sardou, famoso dramaturgo francês e que foi grande colaborador na obra de ALAN KARDEC, produziu o desenho automático: traçava no papel, com rap_j_ dez espantosa, desenhos de aspectos fantásticos, os quais atribuiu ao espírito de Fernand Desmoulins, que foi grande pintor e gravador, e que, por sua vez, além de seus trabalhos habituais, produziu uma série de trabalhos mediante a pintura impul_ siva (ou automática). Devido ao fato de não ter consciência do que f a z i a , Desmou -Tins também acreditou que sua obra se originasse da ação de um espírito. Segundo SILVA MELLO,Augustin Lesage, trabalhador de minas e descendente de mineiros.enquan to trabalhava ouvia uma voz que lhe dizia: "Tu serás pintor.'" - A partir de en­tão, segundo SILVA MELLO, "sua mão adquiriu um automatismo inconsciente, executan­do em completa amnésia aquilo que sua inteligência não fora capaz de executar."

ESTABROOKS refere-se a um caso interessante, o de Mrs. Curran, que vem de encontro ao nosso ponto de vista neurofisiolõgico a respeito dos estados de disso­ciação. A referida senhora, uma americana, levava uma vida normal, tinha boa ins­trução e boa saúde. Na mocidade desejara ser cantora ou outra artista qualquer,po­rem sentiu não ter qualidades para isso, ou melhor,tornou-se inibida pelas circuns_ tâncias. Entretanto, uma estereotipia "dinâmica foi estruturada na sua imaginação . ou melhor, na sua corticalidade, ficando porém estratificada. Posteriormente, a se nhora Curran apresentou um estado de dissociação caracterizado pela presença de uma nova personalidade, Patience Worth, com qualidades extraordinárias, que se dizia

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o espírito de uma jovem inglesa que vivera sob o reinado da rainha Elizabeth duran te a última metade do século dezesseis. Ao contrário da senhora Curran, Patience Worth tinha notável desembaraço artístico, sendo uma admirada escritora de livros e poemas. Segundo ESTABROOKS, os seus livros contêm uma porcentagem de inglês do século dezesseis maior do que a encontrada em qualquer outro romance ou poema es­crito na América. W.F.PRINCE, segundo este último autor, estudou em minúncias este caso no seu li v r o "0 Caso de Patience Worth".

Patiencejtlorth inicialmente dava conta de seu trabalho literário por meio da escrita automática, mas depois passou a usar a linguagem automática. Assim, enquanto a senhora Curran fazia tricô, Patience Worth ditava seu livr o de poesias ou seu último romance. Ao ser requisitada pelo telefone oú por uma outra necessida de qualquer,' levantava-se e atendia ao que era chamada, e imediatamente depois a linguagem automática, pela qual era responsável Patience Worth, tornava a se apre­sentar.

Os músculos responsáveis pela fonação podem adquirir a mesma qualidade au­tomática, como a que ocorre na escrita automática, sendo que é por intermédio de­l e s , nesse caso, que se libera o estereótipo dinâmico estratificado. A liberação , por hipermnésia, de impressões produzidas mesmo subliminarmente, em ocasiões ante riores, desde tenras idades (por leitura de livros antigos, por exemplo), pode ex­plicar o vocabulário de palavras inglesas antigas, as quais, com toda a certeza foram "absorvidas" pelo estereótipo estratificado.

As pressões sociais impedem comumente o surgimento de verdadeiros génios nas artes; esses indivíduos reprimem suas qualidades e, no estado de transe psicau tõnomo, podem desinibí-las. Temos visto médiuns espíritas que no estado de transe perdem toda a sua timidez e inibição, e falam o que antes não tinham coragem de fa l a r , e apresentam qualidades variadas - artísticas, por exemplo, - que estavam in­capacitados de mostrar antes. Uma prova interessante dessa liberação nos é dada pe lo caso de Magdeleine, citado por SCHRENCK-NOTZING. A referida senhora, de apareji cia elegante, d i s t i n t a , sob hipnose se transmutava em extraordinária dançarinaT acompanhando, de improviso, qualquer música, com gestos e movimentos de grande gra ça e beleza. Conforme atestou aquele famoso hipnologista, era impressionante a ce­na: "Quando caía por terra ou se elevava subitamente ãs alturas, quando empinava os seios ou se dobrava para trás em lances histéricos, quando soluçava com a músi­ca ou repetia a exclamação do recitador, quando, no chão, soltava um gorjeio pene trante, tudo isso alcançava cimos máximos, auges inexcedíveis. Além disso, o seu temperamento e o seu corpo magnífico favoreciam os movimentos e a expressão das suas emoções. A exteriorização livre e espontânea daquele instinto artístico pare­cia uma revolta contra as possibilidades medíocres e vulgares da nossa cultura".

Os médiuns, por meio de uma "entidade espiritual incorporada", apresentam uma estereotipia dinâmica que representa uma conduta organizada no passado,real ou imaginária, porém, em geral, desejada. Os estados de transe psicautõnomo, se devi­damente orientados por um medico hipnologista, podem, pelas suas características, ser de grande interesse para o indivíduo e para a sociedade. Lembremos que no Bra­s i l milhares e milhares de indivíduos entram em transe em milhares de centros espí r i tas.

Se temos em mente, através do transe psicautõnomo, a obtenção ou. aperfei -çoamento de atividades criativas, ou então, o melhoramento da qualidade de traba­lho, seria bastante interessante e importante para todos se esses médiuns pudessem abstrair do seu transe os aspectos místicos e religiosos, o que entretanto não é fácil, dado que é exatamente a concentração religiosa (na qual o transe foi condi­cionado), que proporciona uma melhor profundidade do transe. A maneira mais adequa da de resolver este problema seria fazer com que o transe psicautõnomo fosse obti­do ou condicionado nao mais através da concentração religiosa, mas sim mediante pos

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sante concentração no desejo de aperfeiçoamento de determinadas qualidades pes­soais (artísticas, esportivas, profissionais em geral).

Já sabemos, como indivíduos no estado sonambúlico, espontâneo ou hétero-iji duzido, podem apresentar fenómenos extraordinários; igualmente, podem apresenta-los indivíduos durante o transe psicautõnomo. Por exemplo, no transe mediúnico te­mos visto indivíduos entenderem o que se chama a LINGUAGEM MUSCULAR: tocando nos músculos dos braços e nas mãos do consulente ou, simplesmente, vendo a movimenta -ção, levíssimas contrações ou outras reações musculares, inclusive, do rosto, o médium poderá saber de antemão as perguntas que poderá fazer, as respostas que po­derá dar, bem como as reações que provocam suas palavras. Enfim, ele "lerá", pelo estado da musculatura do consulente, o seu "estado de espírito".

Há uma série de quase fantásticas façanhas que podem apresentar certos in­divíduos nestes transes, como por exemolo, beber uma certa quantidade de bebida al coõlica e não sentir os seus efeitos tóxicos (ação auto-sugestiva); ou pisar (rapT damente) sobre brasas sem se queimarem e sem se sangrarem (inibição da" sensibilidã de dolorosa e espasmo dos pequenos vasos das plantas dos pés); ou controlar certas funções internas, como a circulatória e a do coração (Iogues).

Todas essas manifestações espetaculares, se bem que sem um valor específi­co no campo das aplicações práticas que estamos aqui abordando, servem, contudo,pai ra nos dar uma ideia das extraordinárias potencialidades que o transe psicautõnomo e a auto-sugestão, bem empregada durante o mesmo, podem propiciar.

Um indivíduo sob o transe psicautõnomo pode ser levado a um aprimoramento de determinadas atividades, pelo equi1íbrio neuromuscular e pela hiperacuidade dos sentidos, que são al cançados no referi do transe. Dessa forma, artistas do pincel, da escultura, do desenho, por exemplo, poderão apresentar um trabalho mais aprimo­rado, uma perfeição artística antes nao alcançada. Nessa situação, toda a ativida-de criadora se canaliza através da zona vígil ,(*) restri ta , al tamente excitãvel , liv r e de influências perturbadoras, pronta para uma elevada produção artística. Po der-se-ia aproveitar,em nosso meio, indivíduos acostumados ao transe espíri ta para, devidamente orientados, executarem dentro do mesmo determinadas funções em que se exige uma grande acuidade visual, auditiva, táctil, da memória, de cálculo, etc. Assim, em determinados momentos, poderiam entrar em transe e executar um trabalho altamente especializado, dentro da sua profissão, por exemplo, em que se necessi­tassem aquelas qual i dades. Há al guns anos atrás tivemos uma enfermei ra que, após uns poucos treinos no estado sonambúlico, pôde imitar perfeitamente a nossa assina­tura e a de um nosso colega; pudemos, inclusive, descontar um cheque com a nossa assinatura falsificada por ela!

0 equilíbrio neuromuscular, que é obtido por meio do estado de transe psi­cautõnomo, pode conduzir a uma maior perfeição o trabalho de art i s t a s .

Para melhor figuração e comprovação do nosso ponto de v i s t a , faremos a apre sentaçãos dentro em pouco,de um conjunto de BALLET composto de quatro moças habilT tadas na auto-hipnose. El as foram treinadas a ter o controle completo do seu pró­prio transe. Após um número pequeno de ensaios, elas têm conseguido executar um determinado adágio com grande facilidade e perfeição. Assim, conforme_veremos,apõs entrarem em profunda auto-hipnose, elas irão ouvir a introdução do adágio, quando então se levantarão das cadeiras em que estarão sentadas, abri rão os olhos ,colocar-se-ão em posição e, em seguida, no tempo devido, iniciarão o bailado. Terminado es_ te, irão voltar para seus respectivos lugares e, sentadas, tornarão a fechar os

(*) Zona cortical de transferência,isenta do processo frenador, por intermédio da qual o médium se comunica com a realidade exterior.

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olhos. Apôs um minuto, sairão do transe. Este tempo de um minuto tem sido calcula­do com maravilhosa perfeição por três daquelas jovens, sendo que na outra jovem tem havido em média um atraso de uns quinze segundos. Segundo nosso ponto de vista, essa referida jovem tem seus processos nervosos com menor mobilidade, tanto que não só sua saída, mas também sua entrada na hipnose levam mais tempo do que nas ou_ tras três jovens.

Através dos ensaios, em estado de transe psicautõnomo, obteve-se um evideji te progresso em vários sentidos: uma das moças era demasiado tímida e, no caso,pas_ sou a não ter mais qualquer inibição â execução do bailado;uma outra apresentava facilmente desequilíbrios quando executava certos passos (o que ela justificava di^ zendo sofrer de "dafeito na espinha", mas que, em verdade, era consequência de uma inibição psicomotora), estando, porém, atualmente, no estado psicautõnomo, a cum­prir oseu papel de maneira brilhante, graças a um bom equilíbrio neuromuscular; a concentração da atenção na execução do bailado passou a ser tão intensa que, certa vez, em um dos ensaios, tendo uma das moças sentido forte torção de um-dos pês,com luxação muscular, teve de ser retirada do ensaio e, fato interessante foi-nos reve lado pelas outras três moças apôs o referido ensaio: sentiram, de relance, desejo ou curiosidade natural de tomar conhecimento do que se passava com a colega, mas que a atenção no cumprimento da dança era tao forte, que as impediu de concentra -rem-se em outra coisa; também, o aprendizado se fez mais rápido e facilmente, con­sequência principalmente de um bom equilíbrio neuromuscular e da mais fácil memori_' zaçao que pode ser alcançada nestes estados de transe'.

Uma hipermnésia específica pode ocorrer quando um indivíduo, se abstraindo de toda a estimulação ao redor, se concentra em um determinado problema^ Sabe-se que a concentração exaltada ou contínua de um ponto leva a um estado análogo ao da hipnose, tanto gue nesse estado pode haver uma diminuição ou perda da análise crí­t i c a , como também pode haver parcial ou total anestesia de certas partes do corpo. A capacidade de cálculo pode ser aumentada se a atenção for hiperconcentrada neste sentido. Esse estado tem evidente analogia com a chamada HIPNOSE DE ESTRADA, em que a limitação do campo da atividade consciente a uma r e s t r i t a , porém, poderosa zona vígil c o r t i c a l , conduz a uma inibição da análise crítica. Daí a maior f a c i l i ­dade de acidentes nas estradas compostas de grandes retas.

Com respeito a essa diminuição ou perda da analise crítica, muito a propó­sito podemos exemplificar com o célebre episódio de Arquimedes'.

Os escritores, os poetas, os artistas em geral, os grandes pensadores con­seguem se concentrar de uma maneira preponderante na sua produção graças ao fenõme no da indução negativa, isto é, da abstração dos outros estímulos do ambiente. Es­se estado de abstração pode alheiar completamente o indivíduo do seu mundo exte­r i o r .

Já afirmamos que o transe psicautõnomo pode ser orientado para uma f i n a l i ­dade benéfica. No Brasil,.por exemplo, em que há milhões de adeptos das religiões espíritas, milhares dejndivíduos, que não compreendem a natureza e o valor do es­tado de transe psicautõnomo, são auto-induzidos ao transe espírita simplesmente com finalidade místico-religiosa.

Mesmo que não fosse possível excluir os elementos místicos e religiosos do transe espírita, pois constituem a sua principal mola impulsora, mesmo asim, 0 TRANSE EM ST SE CONSTITUI UMA MANEIRA BENÉFICA DE LIBERAÇÃO DOS ESTADOS TENSIONAIS, AUXILIANDO OU PROPICIANDO A CURA DE INÚMERAS CONDIÇÕES PSICONEURÕTICAS E PSICOSSO­MÁTICAS. E uma tese que temos defendido após incontáveis observações de transes es_ p i r i tas.

No transe espírita, logo de início, há uma forte estimulação emocional que, por sua vez, induz negativamente o córtex cerebral, produzindo difusão da inibição

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em torno da zona de vigilância. Há uma forte liberação emocional e de certas ten­dências primitivas ou regressivas. A referida liberação emocional é benéfica para a vida psíquica e vegetativa do indivíduo, o que se explica pelas íntimas correla­ções funcionais e anatómicas entre os centros neurovegetativos e os centros respon sáveis pela emoção. Por essa razão temos, mesmo, advogado o emprego principalmente do TRANSE CINÉTICO como medida profilática e curativa em determinados indivíduos neuróticos. Isto não deve surpreender demais, e nenhum preconceito deve fechar as portas a essa possibilidade terapêutica, sabendo-se, ademais, que o exercício do transe é tão antigo que se perde na poeira dos tempos.

Principalmente nos transes com convulsões ou com fortes exaltações moto­ras, como ocorre no-transe umbandista, o analisador motor cortical é desinibido em grande parte (inclusive a área concernente ao aparelho da fonação) e funciona como porta de escape das tensões emocionais. Este escape é "canalizado num bom cami­nho", "amaciado", limitado e moderado em sua violência pelo chefe do centro espín t a , que o enquadra no r i t u a l , de modo a ser compatível com o meio social ambiente.

0 médium se julga possuído de um grande poder, o que compensa as frustra -ções da sua monótona vida diária. 0 transe passa a ser também um refúgio das a f l i ­ções quotidianas, das tensões neuróticas e da mediocridade. Também, a música monó­tona, ritmada, que anima a sessão espírita (umbandista,por exemplo).mantêm as con­dições de hipnogenia da sessão e permite uma grande tranquilização e profundo bem estar.

Temos observado que durante certas danças propiciadas por músicas de ritmo dinâmico,mas monõtono(pois que , com um tempo de duração maisou menos longo),pode se pro duzir um estado queé análogo ao de__transe umbandista(ou ao da Quimbanda ou ao do Cam" domblé.sendoque aquela corresponde àmagia negrae estesendo uma seita espírita com maio res tradições africanas) .Tambémnessas condições, a liberação emocional pode ser be­néfica. Isto é muito facilmente observado durante os festejos do nosso Carnaval.

As contrações e exaltações motoras do transe umbandista (mais ou menos con troladas pelo MÉDIUM DESENVOLVIDO), acompanhadas de caretas e emissão de gritos es trindentes ou sons guturais, nada mais são que a expressão psicomotora da libera­ção das tensões emocionais represadas e a expressão de uma conduta regressiva. E, portanto, uma liberação atenuada, não-perigosa, controlada_pelo médium e pelo r i ­tual. E como se fora uma forma de doença atenuada, uma espécie de vacinação. Como prova do nosso ponto dc vista, podemos nos refe r i r ao que nos foi expressado por diversos médiuns umbandistas, além das inúmeras observações que temos feito.Assim, têm eles nos afirmado que seus transes sao caracterizados por contrações mais for­tes quando passaram recentemente por grandes desgostos, frustrações intensas, sen­timento de inferioridade, ódio, etc.

Não é somente no TRANSE CINÉTICO, como ê comumente o da Umbanda, o do Vodu (no H a i t i ) , o de muitos povos africanos e de certas tribus esquimós, que se produz uma benéfica liberação emocional; mesmo nos casos de transe estático, que ocorre principalmente nas chamadas sessões espíritas de mesa ou kardecistas, o médium se libera emocionalmente; sente-se leve, abstraído de tudo e de todos,trans_ portado por seu êxtase ãs elevadíssimas regiões dos sonhos místicos e da magia. Em tal momento ele é uma entidade poderosa, com força mágica superior para vencer fá­c i l as mesquinhas situações da vida vulgar. Esse sentimento de poderio sobre o bem e sobre o mal lhe dá extraordinária satisfação, compensando bastante as frustrações da sua vida diária corriqueira.

Foi JACQUES MONGRUEL quem primeiro estabeleceu a importância da aplicação racional e científica dos estados de transe psicautõnomo. 0 termo PSICAUTONOMIA, conforme o referido autor, significa o exercício do transe auto-dirigido. Diz ele, ser importante educar para o bom uso da psicautonomia indivíduos que, sem qualquer orientação ou finalidade prática, se entregam â prática do transe. Os bons resulta

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dos seriam obtidos_mediante "a elaboração mental inconsciente conscientemente pro­vocada". "A educação da psicautonomia tem por objeto despertar favoráveis proces­sos intelecto-afetivos, bons impulsos desde logo aproveitados na medida possível, no duplo sentido mental e moral, respeitados talentos ou vocações individuais". MONGRUEL aconselha a aplicação orientada dos estados de transe psicautõnomo nao sõ como meio de liberação emocional, mas também como meio para desenvolver certas qualidades. Assim, diz que cursos poderiam ser dirigidos em ambiente calmo.de con­fiança, confortável, "com instalações adequadas aos diferentes géneros de capacida_ desa desenvolver e hábitos a adquirir", e que então "os alunos realizarão exerci -ciosde atenção introspectiva calma, com a emulação de progredir, sob o estímulode emoções apropriadas produzidas por fatores morais, intelectuais e estéticos, deven do sem constrangimento escrever, desenhar, e t c , ou dizer aquilo que vão pensando e sentindo". Essas manifestações, diz ele , seriam analisadas e aperfeiçoadas em sua técnica, de modo a orientar cada paciente nos domínios intelectual e afetivo. "A maioria dos alunos, em certa fase do adestramento, por momentos, sob o império da emoção, pode sentir chegar ã consciência uma ideia nova, uma solução desejada, uma intuição elevada (falando, escrevendo, e t c ) , estados psicológicos estes (psicautô nomos) semelhantes aos períodos de inspiração dos artistas ou de imaginação criado ra dos sábios e inventores." Durante os exercícios psicautõnomos "o aluno aprende a libertar-se de suas inibições, habituando-se a sondar em s i mesmo ideias de que a princípio quase nao se julgava capaz."

O mesmo autor, que estudou os transes espíritas e outros durante longos anos, tem o mesmo ponto de vista que o nosso quando opina que as explosões emoti -vas que surgem em certos transes externam "causas de conflitos íntimos, depois do que resulta grande alívio aos pacientes"; gradativamente estas descargas vão de­crescendo de intensidade e, por fim, surge o equilíbrio emocional_e psicossomático dos pacientes. Diz o mesmo autor, que "a psicautonomia é uma função psicossomá­t i c a " , cujo exercício pelos pacientes fornece notáveis possibilidades aos psiquia­tras._0s principais beneficiados seriam "os inadaptados a choques e torturas da existência, sofredores pela emoção, os quais, formam legião interminável."

B I B L I O G R A F I A

1. AKSTEIN, D. e CARNEIRO,J.P. - A Fenomenologia Hipnótica ã Luz da Reflexologia. ATUAL. MED. E BIOL., n9 16, 27-35, 1957.

2. AKSTEIN, D. - HIPNOTISMO, SEUS ASPECTOS MEDICO-LEGAIS, MORAIS E RELIGIOSOS. Ed. Hypnos Ltda., Rio de Janeiro, 1950.

3. BERNHEIM, H.- HYPNOTISME ET SUGGESTION. 3a. edição. Ed. Octave Doin et Fils,Pa­r i s , 1910.

4. BINET, A. - LES ALTERATIONS DE LA PERSONNALITÊ. Ed. Librairie Félix Alcan, Pa­r i s , 1912.

5. ESTABROOKS, G.H. - HIPNOTISMO. Tradução de A. Accioly Netto e Maria Stella Bru­ce. Ed. "0 Cruzeiro" S.A., Rio de Janeiro, 1946.

6. GOES, E. de - PRODÍGIOS DA 8I0PSYCHICA OBTIDOS COM 0 MÉDIUM MIRABELLI. Ed. Tipo grafia Cupolo, São Paulo, 1937.

7. MONGRUEL,J.L. - 0 "Transe" de Personificação Verbal e a Hipótese da "Psicautono mia". ANAIS DO 19 CONGRESSO INTER-AMERICANO DE MEDICINA (Rio de Janeiro,7-15" de setembro de 1946), publicado em 1947.

8. PERRY, D. - EL ARTE DE MAGNETIZAR. Ed. Glem, Buenos Aires, 1944.

9. SILVA MELLO, A. da - MISTÉRIOS E REALIDADES DESTE E DO OUTRO MUNDO. 2a. edição. Ed. José Olympio, Rio de Janeiro, 1950.

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- R E S U M E -

Voilã un travail presente par 1'auteur en 1961, fruit d'études et d'expérien ce sur les transes psychautonomes, c'est-â-dire, 1 es transes qui sont induites et controlées para le sujet-mime. Ce travail a été inspire des études pionnières de JACQUES L. MONGRUEL sur les applications de la psychautonoraie, et i l a été une des bases, pour 1'auteur, pour le début d'une série d'études et de recherches englobant les transes r i t u e l l e s , qui ont permis la naissance de la Terpsichoretransethérapie (TTT). Dans ce travail se trouve clairement exposé l'importance de la libêration emotionnelle et de la désensibilisation obtenues ã travers les transes cinétiques r i t u e l l e s .

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- S U M M A R Y -

This paper was f i r s t presented back in 1961 and consolidated the studies and experiments the author had conducted in connection with psychoautonomic trances, i.e., trances that are inducted and controlled by the subject. The pioneer studies studies of JACQUES L. MONGRUEL on the applications of psychoautonomy inspired this paper, which in turn opened the road for further studies and f i e l d research now in connection with ritual trances, which eventually led to deveioping Terpsichoretrancetherapy (TTT). In this paper the importance of the emotional libêration and of the desensitization secured through ritual kinetic trance is already clearly stated.

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