Apredizagem Ubiquoa e Educação Formal

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A aprendizagem ubíqua substitui a educação formal? Lúcia Santaella Resumo Inovações tecnológicas e comunicativas moldam a organização social porque são estruturadoras das relações espaço-temporais às quais o pensamento e a sensibilidade do ser humano se conformam. Mais do que isso, tecnologias de linguagem produzem mudanças neurológicas e sensórias que afetam significativamente nossas percepções e ações. Tendo isso em vista, pode-se avaliar a intensidade das transformações sócio-culturais e psíquicas por que a humanidade vem passando nos dois últimos séculos, período que já deu andamento a cinco gerações de tecnologias de linguagem e de comunicação: as tecnologias da re- produção, as da difusão, as do disponível, e aquelas resultantes da revolução digital, a saber, as tecnologias do acesso e as da conexão contínua. Entre outros aspectos derivados das condições provocadas por estas duas últimas, notáveis são aqueles que afetam diretamente as formas de educar e de aprender. Assim, dentre as grandes ques- tões que surgem, na conjuntura atual, uma das mais fundamentais é aquela que se reporta ao papel que a educação formal pode continuar a desempenhar no contexto das tecnologias móveis. Em suma: será que o acesso livre e ubíquo ao conhecimento, ou seja, àquilo que po- demos chamar de aprendizagem ubíqua, tem poderes para substituir a educação formal? Este é o problema que este artigo visa abrir à discussão. Palavras-chave: inovações tecnológicas, educação formal, aprendi- zagem ubíqua Abstract Technological and communication inovations conform social organiza- tion because they structure time and space relations to which human thought and sensitiveness are attached. Moreover, symbolic techno- logies produce neurological and sensorial changes which significantly affect our perceptions and ways of acting. Having this in mind, we can evaluate the intensity of the social, cultural, and psychic transfor- mations that humanity has been undergoing in the last two centuries, a period that has given birth to five generations of communication technologies, namely, technologies of reproduction, of diffusion, of disposal, and those resulting from the digital revolution, techologies of access and mobile technologies of continuous connection. Among other aspects that derive from the latter, those that directly affect the ways of educating and learning are remarcable. Hence, one of the most fundamental questions that arise presently is the one that refers to the role that formal education is still able to play in the context of mobile technologies. In sum: free and ubiquous access to knowledge, or rather, what we may call ubiquous learning, is able to substitute formal education? This is the issue that this paper aims to open to discussion. Keywords: technological innovations, formal education, ubiquous learning 1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Departamento de Computação Marquês de Paranaguá, 111 São Paulo, capital [email protected] Revista de Computação e Tecnologia da PUC-SP — Departamento de Computação/FCET/PUC-SP ISSN 2176-7998 Vol. II N o. 1 17

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Apredizagem Ubiquoa e Educação Formal

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  • A aprendizagem ubqua substitui a educao formal?Lcia Santaella

    ResumoInovaes tecnolgicas e comunicativas moldam a organizao socialporque so estruturadoras das relaes espao-temporais s quais opensamento e a sensibilidade do ser humano se conformam. Mais doque isso, tecnologias de linguagem produzem mudanas neurolgicase sensrias que afetam significativamente nossas percepes e aes.Tendo isso em vista, pode-se avaliar a intensidade das transformaesscio-culturais e psquicas por que a humanidade vem passando nosdois ltimos sculos, perodo que j deu andamento a cinco geraesde tecnologias de linguagem e de comunicao: as tecnologias da re-produo, as da difuso, as do disponvel, e aquelas resultantes darevoluo digital, a saber, as tecnologias do acesso e as da conexocontnua. Entre outros aspectos derivados das condies provocadaspor estas duas ltimas, notveis so aqueles que afetam diretamenteas formas de educar e de aprender. Assim, dentre as grandes ques-tes que surgem, na conjuntura atual, uma das mais fundamentais aquela que se reporta ao papel que a educao formal pode continuara desempenhar no contexto das tecnologias mveis. Em suma: serque o acesso livre e ubquo ao conhecimento, ou seja, quilo que po-demos chamar de aprendizagem ubqua, tem poderes para substituira educao formal? Este o problema que este artigo visa abrir discusso.

    Palavras-chave: inovaes tecnolgicas, educao formal, aprendi-zagem ubqua

    AbstractTechnological and communication inovations conform social organiza-tion because they structure time and space relations to which humanthought and sensitiveness are attached. Moreover, symbolic techno-logies produce neurological and sensorial changes which significantlyaffect our perceptions and ways of acting. Having this in mind, wecan evaluate the intensity of the social, cultural, and psychic transfor-mations that humanity has been undergoing in the last two centuries,a period that has given birth to five generations of communicationtechnologies, namely, technologies of reproduction, of diffusion, ofdisposal, and those resulting from the digital revolution, techologiesof access and mobile technologies of continuous connection. Amongother aspects that derive from the latter, those that directly affectthe ways of educating and learning are remarcable. Hence, one of themost fundamental questions that arise presently is the one that refersto the role that formal education is still able to play in the context ofmobile technologies. In sum: free and ubiquous access to knowledge,or rather, what we may call ubiquous learning, is able to substituteformal education? This is the issue that this paper aims to open todiscussion.

    Keywords: technological innovations, formal education, ubiquouslearning

    1Pontifcia Universidade Catlica deSo Paulo Departamento de Computao

    Marqus de Paranagu, 111So Paulo, capital

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  • Nas reflexes que venho desenvolvendo acercada cultura digital tenho defendido a ideia de quea hipercomplexidade da cultura em que vivemos fruto da mistura inextricvel de seis tipos de l-gicas comunicacionais e culturais: a cultura oral,a escrita, a impressa, a cultura de massas, a cul-tura das mdias e a cibercultura. Embora tenhamsurgido e se desenvolvido ao longo de muitos s-culos, formaes culturais prvias continuam vi-vas e operativas quando emerge uma nova forma-o. Isto se d porque nenhuma tecnologia dalinguagem e da comunicao borra ou elimina astecnologias anteriores. O que ela faz alterar asfunes sociais realizadas pelas tecnologias prece-dentes, provocando remanejamentos no papel quecabe a cada uma desempenhar. Desses remane-jamentos resultam gradualmente ambientes scio-culturais inteiramente novos.

    Chamar ateno para essa sincronicidade dasformaes culturais fundamental, porque, de umlado, evita que as tecnologias mais recentes, porserem inegavelmente as mais visveis, nos ceguempara a presena de formaes culturais prviasainda atuantes. De outro lado, ajuda-nos a com-preender o crescimento da complexidade das lin-guagens e culturas humanas, ou seja, a espessuratempo-espacial que fruto das misturas cada vezmais intrincadas de formaes culturais passadassob contnua transformao no presente.

    Outro aspecto a ser enfatizado diz respeito aofato de que as mdias e as linguagens que nelasse processam e as eras scio-culturais que delas seoriginam conformam perfis cognitivos que lhes soprprios, perfis diferenciais, inconfundveis, mastambm indissociveis, responsveis pela multipli-cao crescente de facetas do ser humano na suaaventura rumo a destinos que no podemos pre-ver, apenas pressentir.

    Convico similar encontra-se na postulao deMcLuhan de que inovaes tecnolgicas e comu-nicativas moldam a organizao social porque soestruturadores das relaes espao-temporais squais o pensamento e a sensibilidade do ser hu-mano se conformam. Mais do que isso, tecno-logias de linguagem produzem mudanas neuro-lgicas e sensrias que afetam significativamentenossas percepes e aes.

    Tendo isso em vista, pode-se avaliar a intensi-dade das transformaes scio-culturais e psqui-cas por que a humanidade vem passando nos doisltimos sculos, perodo que j deu andamento acinco geraes de tecnologias de linguagem e decomunicao, a saber:

    1 Cinco geraes tecnolgicas

    1.1 Tecnologias do reprodutvel

    Produzidas com o auxlio de tecnologias eletro-mecnicas, as linguagens da era da reprodutibili-

    dade tcnica jornal, foto e cinema lanaramas sementes da cultura de massas cujo pblico re-ceptor aflorava nas metrpoles que despontavamcomo frutos da exploso demogrfica.

    Tais tecnologias introduziram o automatismo ea mecanizao da vida, tanto nas fbricas em querespondiam com eficincia acelerao da pro-duo de mercadorias, quanto nas cidades cujoritmo, sob a luz das redes de eletricidade recminauguradas, anunciava os novos tempos em queos espetculos da novidade, da publicidade, damoda, da sofisticao e do luxo passariam a ali-mentar os prazeres fugazes do consumo.

    Bem distintos so os modos de produo, trans-misso e recepo das linguagens que foram intro-duzidas pelas tecnologias eletro-eletrnicas.

    1.2 Tecnologias da difuso

    Assim que entraram no mercado da indstria cul-tural, o rdio e a televiso comearam a se alastrara passos largos. O gigantismo de sua penetraoadveio no apenas da sua expanso no espao,mas, sobretudo, do seu poder de difuso, que responsvel pela ascenso da cultura de massas eque se tornou mais agudo com a transmisso viasatlite.

    1.3 Tecnologias do disponvel

    As tecnologias do disponvel, que fizeram emer-gir o que tenho chamado de cultura das mdias,so tecnologias de pequeno porte, ou mesmo gad-gets, feitas para atender a necessidades mais seg-mentadas e personalizadas de recepo de signosde origens diversas, de estratos culturais variados.Os processos de comunicao que essas tecnologiasinstauram so mais segmentados, voltados parapblicos especficos e at mesmo para escolhas in-dividuais, como nas redes de televiso a cabo, novdeo cassete, nas mquinas de xrox, no walkmanetc. Por isso, elas fazem germinar uma ecologiacultural que se distingue da lgica que comandaa comunicao de massa, assim como se distingueda comunicao via digital e, dentro desta, do seumais novo segmento sob a designao de culturada mobilidade.

    1.4 Tecnologias do acesso

    A histria da evoluo do computador alinear,quanto as linguagens hipermiditicas a que hojeele nos d acesso. uma histria com facetas di-versas, envolvendo projeto, memria, linguagem,circuito lgico, programas e alguns dispositivos,entre os quais se destacam os que permitiram aconvergncia dos computadores com as telecomu-nicaes.

    Embora os trs tipos de tecnologias preceden-tes cultura do computador tenham provocado

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  • profundas transformaes na vida humana, essastransformaes no so comparveis s mutaes,inclusive antropolgicas, que a revoluo digitalest acarretando para todos os nveis e facetas daexistncia humana, especialmente para os proces-sos educacionais que o presente artigo visa comen-tar.

    O que importa reter para a caracterizao dastecnologias atuais que chamo de tecnologias doacesso o advento da internet, um universo de in-formao que cresce ao infinito a passos largos ese coloca ao alcance da ponta dos dedos. Acesso o trao mais marcante desse espao virtual, quepassou a ser chamado de ciberespao, logo depoisque o escritor William Gibson, em 1984, lhe deuesse imaginativo batismo. um espao que estem todo lugar e em nenhum lugar, no qual pra-ticamos e produzimos eletronicamente. Um dostraos mais importantes dessa inovao tecnol-gica encontra-se no fato de que ela permite con-verter numa nica linguagem informtica todosos tipos de texto, som, voz, imagens e sons ar-mazenados e difundidos em mltiplas redes e aoservio de mltiplos usos, um componente tc-nico potencialmente ao servio das interaes ho-mem/mquina [1], p. 171. Por isso mesmo, in-teratividade a palavra-chave para caracterizar oagenciamento do cibernauta palavra, de resto,que foi tornando o termo recepo cada vez maisobsoleto. A interatividade, de resto, s poss-vel porque o ciberespao , sobretudo, um espaode acesso livre, informal, descentrado, capaz deatender a muitas das idiossincrasias motoras,afetivas, emocionais, cognitivas - do usurio.

    um espao que nos traz, portanto, um fluxo delinguagem multimdia incessante, cujas principaiscaractersticas so a mutao e a multiplicidade.Um no-lugar que, na mesma velocidade com quea enxurrada de signos aparece, tambm desapa-rece das telas dos monitores, metamorfoseando-se velocidade dos cliques, permitindo, desse modo,o delineamento de todas as variveis, pois estas setransformam continuamente.

    O bit unidade mnima que d corpo aos sig-nos lquidos que escorregam por esses ambientes malevel e efmero. Os sistemas da inter-net esto em constante mutao. Ao contrrio deregistros em suportes materiais, os bytes ocupammuito pouco espao e, quando se tem excesso, po-dem ser apagados e substitudos. Isso gera a cons-tante atualizao dos dados. Nessa medida, almde ser um meio de comunicao, as tecnologias doacesso so tecnologias da inteligncia que alteramcompletamente as formas tradicionais de armaze-namento, manipulao e dilogo com as informa-es. Mais do que ferramentas de manipulaoda informao so, efetivamente, tecnologias dainteligncia, uma caracterstica que levada paraa comunicao mvel. Esta se caracteriza comoum segundo estgio da revoluo digital a qual,por sua vez, venho chamando de tecnologias da

    conexo contnua.

    1.5 Tecnologias da conexo contnua

    Na medida em que a comunicao entre as pessoase a conexo com a internet comearam a se des-prender dos filamentos de suas ncoras geogrficas modems, cabos e desktops espaos pblicos,ruas, parques, todo o ambiente urbano foram ad-quirindo um novo desenho que resulta da intro-misso de vias virtuais de comunicao e acesso informao enquanto a vida vai acontecendo. As-sim, este segundo estgio da quinta gerao detecnologias comunicacionais, o da conexo cont-nua, constitudo por uma rede mvel de pessoase de tecnologias nmades que operam em espa-os fsicos no contguos. Para fazer parte desseespao, um n (ou seja, uma pessoa) no precisacompartilhar o mesmo espao geogrfico com ou-tros ns da rede mvel, pois trata-se de um espaoque Souza e Silva [2] chama de espao hbrido.

    Essas tecnologias esto gestando novas subjeti-vidades em contnua mutao, subjetividades au-toprogramveis, dotadas de meios para repensarde modo intermitente suas falhas e competncias,seus limites e suas expectativas. Isto porque tec-nologias da inteligncia esto se tornando cada vezmais maleveis e aptas para dar abrigo a subjeti-vidades em construo no contexto de comunida-des adaptativas (para mais detalhes, ver [3], pp.189230; [4], pp.263296).

    Entre outros aspectos derivados das condiespropiciadas por essas tecnologias do acesso e daconexo contnua, notveis so aqueles que afetamdiretamente as formas de educar e de aprender.Baseadas em processos de aprendizagem abertos,nos quais os problemas so compartilhados e re-solvidos de forma colaborativa, so formas pro-fundamente distintas da lgica do conhecimentoindividual e autoral desenvolvida pela cultura ti-pogrfica e, em parte, pela acadmica [5], p. 30.

    2 Aprendizagem ubqua

    Processos de aprendizagem abertos significamprocessos espontneos, assistemticos e mesmocaticos, atualizados ao sabor das circunstnciase de curiosidades contingentes e que so possveisporque o acesso informao livre e contnuo, aqualquer hora do dia e da noite. Por meio dos dis-positivos mveis, continuidade do tempo se somaa continuidade do espao: a informao acessvelde qualquer lugar. para essa direo que apontaa evoluo dos dispositivos mveis, atestada peloscelulares multifuncionais de ltima gerao, a sa-ber: tornar absolutamente ubquos e pervasivos oacesso informao, a comunicao e a aquisiode conhecimento.

    Jacquinot-Delaunay [1], pp. 166167, chamaateno para dois pontos referentes s inovaes

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  • pedaggicas ligadas s TIC (Tecnologias da Infor-mao e da Comunicao):

    preciso destacar que a convergncia tecno-lgica com suas consequncias sociais, cul-turais e educacionais introduz rupturas semocultar os ganhos anteriores;

    existem divergncias pedaggicas que acar-retam a difcil integrao, pela escola e aeducao, das novas condies de acesso informao e aos saberes, sendo imperiosa anecessidade de remedi-las.

    Tomando por base sua larga experincia nessecampo, o autor d testemunho de trs grandesprincpios operativos na histria das mdias e dastecnologias na educao, a saber:

    que quando uma nova mdia ou uma tecno-logia aparece, ela subitamente investida deuma potencialidade educativa. . . que a reali-dade das prticas vem rapidamente desmen-tir;

    que uma nova mdia ou uma nova tecnolo-gia nunca fazem desaparecer as antigas, masmodificam os seus usos:

    que a real apropriao de uma mdia ou tec-nologia em nvel pedaggico, qualquer queseja o nvel de escolaridade considerado, le-vam a termo a evoluo do conjunto dosdispositivos educacionais no qual se inscreveaquela nova prtica.

    Diante disso, uma, dentre as grandes questesque surgem, na conjuntura atual, reporta-se aopapel que a educao formal pode continuar adesempenhar, se que lhe resta algum papel adesempenhar no contexto das tecnologias mveis.Em suma: ser que o acesso livre e ubquo ao co-nhecimento, ou seja, quilo que podemos chamarde aprendizagem ubqua, tem poderes para subs-tituir a educao formal? Eis o problema que esteartigo visa abrir discusso.

    De acordo com Vieira [6], p. 21,

    a educao enquanto forma de ensino-aprendizagem, pode ser dividida emtrs diferentes formas: educao es-colar, formal, desenvolvida em esco-las; educao informal transmitida pe-los pais, no convvio com amigos, emclubes, teatros, leituras e outros, ouseja, aquela que decorre de proces-sos naturais e espontneos; e educaono-formal, que ocorre quando existe ainteno de determinados sujeitos emcriar ou buscar determinados objeti-vos fora da instituio escolar. Assim,a educao no-formal pode ser defi-nida como a que proporciona a apren-dizagem de contedos da escolarizaoformal em espaos como museus, cen-tros de cincias, ou qualquer outro emque as atividades sejam desenvolvidas

    de forma bem direcionada, com o ob-jetivo definido.

    Para analisar como a aprendizagem ubqua po-deria ou no se definir em relao a essas trs for-mas de educao, preciso considerar as modali-dades de processos de aprendizagem que as tecno-logias comunicacionais fazem emergir, a saber:

    processos de ensino-aprendizagem baseadosna tecnologia do livro;

    a educao a distncia, a aprendizagem em ambientes virtuais e, por meio dos dispositivos mveis, isso que

    estou chamando de aprendizagem ubqua.

    Cada um desses processos origina um modeloeducacional que lhe prprio. O modelo que nascedas mdias impressas, que tambm pode ser cha-mado de modelo gutenberguiano, aquele que for-jou o conceito tradicional de educao baseado nalegitimidade da linguagem escrita e de seu ve-culo privilegiado, o livro. Ao modelo educacionalprprio das mdias massivas, por seu lado, cabecom justeza o ttulo de educao a distncia, talcomo esta operada via telecursos e outras viassimilares. J ao modelo que est nascendo comas mdias computacionais no cabe mais o nomede educao a distncia, pois um dos aspectosmais primordiais das mdias digitais encontra-sena abolio da distncia e na paradoxal simulta-neidade da presena e ausncia, presena ausente,ou ausncia presente que essas mdias ensejam.Portanto, a esse modelo educacional cabem muitomais as expresses educao on line ou ambientesvirtuais de aprendizagem (AVA).

    H que constatar que a maioria dos modeloseducacionais, submetidos lei da inrcia, que marca registrada da maioria das instituies deensino, ainda permanecem inamovveis e presosexclusivamente lgica da era de Gutenberg. Osresultados obtidos pelo modelo a distncia, porsua vez, sempre foram discretos, especialmenteporque tendem a copiar para as telas ou rdios,de maneira artificial, os procedimentos de ensinoque so prprios das atividades presenciais, almde que os processos de recepo das mensagensdas mdias massivas so processos passivos, con-trrios s operaes da aprendizagem que impli-cam o agenciamento e a participao do aprendiz.

    Diferentemente das mdias massivas, as mdiasdigitais, por seu lado, permitem que os usuriostenham controle sobre o fluxo de informaes, li-dem com informaes em excesso e descontinua-das, faam parte de comunidades virtuais, articu-lem ideias de forma muito rpida e desenvolvamo pensamento crtico [7], p.22. Ora, o treina-mento sensrio, perceptivo e mental, que o acessocontnuo a essas mdias produz, traz como con-sequncia inevitvel que esses sujeitos aprendamde modo muito distinto daquele em que foram for-madas as geraes anteriores.

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  • Diante disso, Jacquinot-Delaunay [1], p. 172,enumera alguns fatos a serem considerados naeducao e na escola:

    pela primeira vez na histria, assiste-se auma inverso da transmisso intergeracionaldos saberes e servios ligados ao computa-dor. So hoje os jovens que transmitem essesaber aos mais velhos;

    os saberes e habilidades associados ao com-putador so adquiridos pelos jovens frequen-temente entre os seus pares, numa transmis-so horizontal na escola ou fora dela, demodo informal, mais que estruturada ou es-truturante;

    no obstante as variaes entre pases, re-gies e nveis scio-culturais, a verdade quea excluso informtica se reduz progressi-vamente, sobretudo graas diminuio doscustos e simplificao dos procedimentosde acesso (. . .);

    h uma grande disparidade nos usos, quanti-dade e natureza entre as prticas domsticase escolares, que a causa das divergnciaspedaggicas;

    em todo o mundo, para os jovens, as relaessociais passam pela Web.

    Concluso: so desenvolvidas novas expectati-vas de liberdade, flexibilidade em relao ao mo-mento e ao local da prtica, uma necessidade deinstantaneidade que se ope s prticas cultu-rais tradicionais, dependentes de um longo tempocomo aquele exigido pela leitura de livros e jor-nais.

    Alm disso, comparando esses novos proces-sos s formas de educao acima enunciadas, em-bora sejam distintas, tanto a educao a distn-cia quanto a educao on line caracterizam-secomo educao formal na medida em que apre-sentam procedimentos sistematizados de ensino-aprendizagem. J a aprendizagem ubqua, es-pontnea, contingente, catica e fragmentriaaproxima-se, mas no coincide exatamente coma educao informal. A no coincidncia se deveao fato de que as condies que se apresentamso to novas que parecem merecer que seja es-tabelecida a distino entre educao e aprendi-zagem. Ou seja, inaugura-se uma modalidade deaprendizagem que to contingencial, inadvertidae no deliberada que prescinde da equao ensino-aprendizagem caracterizadora dos modelos educa-cionais e das formas de educar. O que emerge,portanto, um novo processo de aprendizagemsem ensino. Isto posto, cumpre indagar sobre aspossveis consequncias que essas condies tra-zem para a educao.

    3 Consequncias para aeducao

    No incio deste artigo, propositalmente chameiateno para o fato de que nenhuma tecnologiada linguagem e da comunicao borra ou eliminaas tecnologias anteriores. Nenhuma nova forma-o cultural at hoje conseguiu levar as formaesculturais anteriores ao desaparecimento.

    Ecologias miditicas so intrincadamente enre-dadas porque novas mdias so introduzidas emuma paisagem humana j povoada por mdias pre-cedentes. Longe de levar as anteriores ao desapa-recimento, a mdia emergente vai se espremendoentre as outras e gradativamente encontrando seusdireitos de existncia ao provocar uma refunciona-lizao nos papis desempenhados pelas anterio-res. justamente isso que tem ocorrido com osdispositivos mveis, cuja velocidade de absoroe domesticao vem se dando em progresso geo-mtrica espantosa.

    Transpondo essas caractersticas de diversifica-o e hibridao crescente da ecologia miditicapara o campo da educao evita-se a ideia de queformas emergentes de aprendizagem e novos mo-delos educacionais tenham que necessariamenteapagar as formas e modelos precedentes. Querdizer, e esta a tese que pretendo aqui propor:cada uma das formas de aprendizagem apresentapotenciais e limites que lhe so prprios. Por issomesmo, a educao a distncia no substitui intei-ramente a educao gutenberguiana, assim comoa aprendizagem em ambientes virtuais no subs-titui ambas, tanto quanto a aprendizagem ubquano capaz de substituir quaisquer dessas formasanteriores. Ao contrrio, todas elas se comple-mentam, o que torna o processo educativo muitomais rico.

    Estamos, portanto, muito longe da ideia de quea aprendizagem ubqua possa porventura substi-tuir a educao formal, a informal e a no formal,assim como no substitui as formas de aprendi-zagem gutenberguianas, a distncia e em ambien-tes virtuais. Na realidade, elas se complementam.Evidentemente, no se trata de uma mera soma-tria, mas de um jogo de complementaridades. ainda Jacquinot-Delaunay [1], p. 174, quem nosalerta para o fato de que a escola sempre teveuma funo de atraso e, deste ponto de vista, elano pode e no deve responder s injunes tec-nolgicas mais que s outras. De fato, h valoreshumanos tradicionais que devem resistir corro-so do tempo. A escola a grande transmissoradesses valores,

    um lugar parte, em que se constroemprogressivamente e de maneira formale estruturante os saberes, as habilida-des e o saber-ser que no podem serelaborados em outras instncias de so-cializao. Isso no significa desconec-

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  • tar as aprendizagens escolares do novoambiente cultural e tecnolgico das jo-vens geraes [1], p. 175.

    Por isso, tanto quanto posso ver, como desen-volver estratgias integradoras para entrar no jogodas complementaridades o grande desafio dossistemas educacionais e curriculares no mundocontemporneo.

    Referncias

    [1] G. Jacquinot-Delaunay, Algumas observaessobre os nativos digitais e a escola, (Curi-tiba: Intercom), pp. 167182, Marialva Bar-bosa et al., 2009.

    [2] A. S. e Silva, Do ciber ao hbrido. tecnologiasmveis como interfaces de espaos hbridos.,in Imagem (Ir) realidade. Comunicao e ci-bermdia (D. C. de Arajo, ed.), (Porto Ale-gre), pp. 2151, Ed. Sulina, 2006.

    [3] L. Santaella, Linguagens lquidas na era damobilidade. 2007.

    [4] L. Santaella, A ecologia pluralista da comuni-cao. Conectividade, mobilidade, ubiqidade.2010.

    [5] M. D. Felice, A colaborao tecnologicamenteguiada, MSG, Revista de Comunicao e Cul-tura, vol. 1, no. no. 4, pp. 2931, 2009.

    [6] V. Vieira, M. L. Bianconi, and M. Dias, Espa-os no-formais de ensino e o currculo de cin-cias, Cincia e cultura. Temas e tendncias:Educao no-formal, vol. 57, no. 4, pp. 2123,2005.

    [7] P. A. Behar, O planeta dos nativos digitais,

    Fundamental A Revista do Professor, p. 22,maio 2009.

    Mini-currculo do autor: Lucia Santaella professora titular daPUCSP com doutoramento em Teoria Literria na PUCSP em1973 e Livre-Docncia em Cincias da Comunicao na ECA/USPem 1993. Diretora do CIMID, Centro de Investigao em M-dias Digitais, da PUCSP e Coordenadora do Centro de Estu-dos Peirceanos (Grupo de pesquisa cadastrado no CNPq). Co-ordenou o lado brasileiro do projeto de pesquisa Probral (Brasil-Alemanha/Capes-DAAD, 20002003) sobre relaes entre pala-vra e imagem nas mdias. Coordenou ainda trs outros proje-tos de pesquisa coletiva de grande porte: Imagens Tcnicas: domundo industrial-mecnico ao eletrnico-ps-industrial, convnioPUC/SP-FINEP, 19891991; o projeto de pesquisa temtico sobreO Advento de Novas Tecnologias e Novas Gramticas da Sonori-dade, financiado pela FAPESP, de 1992 a 1995; o projeto coletivo,modalidade multiusurios, Produo e Difuso da Pesquisa Cien-tfica na Era Digital, financiado pela FAPESP, 19992002. pre-sidente honorria da Federao Latino-Americana de Semitica eVice Presidente da Associacin Mundial de Semitica Massmedi-tica y Comunicacin Global, Mxico, desde 2004. membro cor-respondente brasileira da da Academia Argentina de Belas Artes,eleita em 2002. membro do Advisory Board do Peirce EditionProject em Indianapolis, USA.

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