ARTIGO PATRICIA PALLU REVISADO

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ACULTURAÇÃO NORTE-AMERICANA NO BRASIL: MARCO CONTEXTUAL Patrícia Helena Rubens Pallu 1 Universidade Positivo RESUMO Esse artigo apresenta um relato histórico do processo de entrada da língua inglesa no Brasil durante a segunda Guerra Mundial e por que os Estados Unidos escolheram a América Latina para invadir culturalmente. Abordou-se aqui de que forma essa invasão cultural aconteceu e qual o grau de dominação cultural que a língua inglesa atingiu no Brasil. Discutiu-se também o status de língua franca que o inglês tem hoje. Isto é, tem sido usado em todo o mundo, entre pessoas de diferentes nacionalidades e para diferentes fins. ABSTRACT This article presents how the English language entered Brazil during World War II and why Latin America was chosen to be culturally invaded by the United States at that time. How this invasion occurred and to what extent Brazil has been culturally dominated is also discussed in this article. Furthermore, the role of lingua franca that English has achieved is discussed since this language has been used all over the world by people of different nationalities and for different purposes. 1 Patrícia Helena Rubens Pallu é professora da Universidade Positivo e integrante do Conselho de Coordenação do curso de Jornalismo, graduada em Letras-Inglês (UFPR) e em Administração de Empresas (FAE), mestra em Educação e Cultura (UDESC), coordenadora do Centro de Línguas Positivo e orientadora de pesquisas da UFPR/SEED.

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ABstrAct This article presents how the English language entered Brazil during World War II and why Latin America was chosen to be culturally invaded by the United States at that time. How this invasion occurred and to what extent Brazil has been culturally dominated is also discussed in this article. Furthermore, the role of lingua franca that English has achieved is discussed since this language has been used all over the world by people of different nationalities and for different purposes.

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Patrícia Helena Rubens Pallu1 Universidade Positivo

resumoEsse artigo apresenta um relato histórico do processo de entrada da língua

inglesa no Brasil durante a segunda Guerra Mundial e por que os Estados Unidos escolheram a América Latina para invadir culturalmente. Abordou-se aqui de que forma essa invasão cultural aconteceu e qual o grau de dominação cultural que a língua inglesa atingiu no Brasil. Discutiu-se também o status de língua franca que o inglês tem hoje. Isto é, tem sido usado em todo o mundo, entre pessoas de diferentes nacionalidades e para diferentes fins.

ABstrActThis article presents how the English language entered Brazil during

World War II and why Latin America was chosen to be culturally invaded by the United States at that time. How this invasion occurred and to what extent Brazil has been culturally dominated is also discussed in this article. Furthermore, the role of lingua franca that English has achieved is discussed since this language has been used all over the world by people of different nationalities and for different purposes.

1 Patrícia Helena Rubens Pallu é professora da Universidade Positivo e integrante do Conselho de Coordenação do curso de Jornalismo, graduada em Letras-Inglês (UFPR) e em Administração de Empresas (FAE), mestra em Educação e Cultura (UDESC), coordenadora do Centro de Línguas Positivo e orientadora de pesquisas da UFPR/SEED.

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1 consiDerAçÕes introDutÓriAsNa maioria dos colégios brasileiros, nos quais uma língua estrangeira está incluída

há bastante tempo nos currículos do Ensino Fundamental e Médio, a aprendizagem da referida língua se caracteriza pela sua taxa de insucesso. São poucas as pessoas que alcançam um bom conhecimento de uma ou várias línguas estrangeiras, chegando ao estágio em que se possa ler um bom livro, acompanhar um filme ou manter uma conversa com os falantes nativos. Mesmo aquelas pessoas que estão motivadas por razões relacionadas às necessidades de aprender a falar o inglês pela influência norte-americana que o Brasil sofre em muitos setores continuam apresentando dificuldades.

Sobre a questão da inclusão do idioma inglês nos currículos do Ensino Fundamental e Médio no Brasil, a informação que temos, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, é que não há na política educacional brasileira o objetivo de que os alunos aprendam a se comunicar em inglês mas, apenas, que possam receber as informações necessárias para compreender pequenos textos escritos e realizar pequenas traduções. O ensino, neste caso, está voltado apenas para a leitura e escrita. Pode-se dizer que a obrigatoriedade do inglês nos currículos escolares no Brasil mais parece uma pseudo-segunda língua materna, em razão das dificuldades que são geradas nas escolas para os que ensinam e, principalmente, para os que aprendem.

A influência norte-americana na ciência e na tecnologia, a instalação de grandes multinacionais cujos melhores empregos exigem um bom conhecimento de inglês, a necessidade de realizar viagens, fazer estudos de pós-graduação, quando falar mais de um idioma é imprescindível, o desejo que muitas pessoas têm de destacar-se socialmente, a revolução nas telecomunicações proporcionada pela informática, pela fibra óptica e pelos satélites que despejam informações pela TV, o uso da internet, contribuindo para o fenômeno da globalização, são dados reais da necessidade que os brasileiros têm de falar o inglês.

Dando ênfase à voz política neste mundo já globalizado, mas que naturalmente ainda padece de graves problemas, e apesar de nosso atual Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, haver se pronunciado contra o idioma inglês para os brasileiros, o caminho da palavra inteligente se sobrepõe ao da agressão e da ignorância e se apresenta como a única alternativa. Quanto mais e quanto antes pudermos expressar nossos pontos de vista em linguagem convincente, no idioma da maioria, tanto melhores serão as chances de sermos ouvidos para defendermos nossos interesses, combatermos as injustiças bem como as posturas conservadoras e preconceituosas, discriminadoras e etnocêntricas.

A rapidez das mudanças nas tecnologias de produção, de venda, de marketing, de comunicação, da construção civil e a força da economia na prestação de serviços, que nessa era da pós-modernidade está em destaque, fazem com que falar o idioma inglês seja imperativo para muitas pessoas.

Outro fator relevante para a aprendizagem de mais de uma língua, sobretudo o inglês, está na influência da cultura norte-americana, presente também em todos os setores do cotidiano das pessoas. As donas-de-casa lidam com aparelhos domésticos

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cujas indicações de uso e de cuidados a serem tomados estão todos escritos em inglês. As crianças, sobretudo as de famílias de baixa ou média renda que vivem em apartamentos, passam boa parte de seu tempo livre diante de um aparelho de televisão assistindo à programação para o público infantil que é quase toda produzida fora do Brasil. Ainda que algumas crianças entendam o que se fala na programação é de supor que como está fora de contexto não produz nem aprendizagem e, talvez, nem diversão. Da mesma feita, isso ocorre também com os brinquedos e as revistas em quadrinhos. A construção da identidade cultural na criança não se baseia em nossos costumes, nossas tradições ou nossos valores. As crianças assistem a histórias e lêem revistas construindo sentidos sem dominar a complexidade de informações que provêm do contexto original no qual são criados estes produtos. O universo informacional emergente faz com que a recepção dos produtos midiáticos seja articulada com uma sobreinformação e com a desinformação que de fato não inibe a capacidade de reelaboração das crianças, mas que deve ser lida como um fenômeno mais complexo que a simples absorção de informações estranhas, porque estão descontextualizadas e sem familiaridade.

O número de falantes de inglês como língua estrangeira é de aproximadamente 700 milhões, como segunda língua é de algo em torno dos 400 milhões e o número de falantes nativos é de quase 440 milhões, somando um total aproximado de 1 bilhão e quatrocentos milhões falantes em todo o mundo. Conseqüentemente, há uma crescente demanda para a aprendizagem do inglês no mundo inteiro. (CRYSTAL, 2006).

Segundo Ventura (1989:36 apud PAIVA, 1996), o inglês é uma epidemia que contamina 750 milhões de pessoas no planeta. O inglês, a língua sem fronteiras, está na metade dos 10 mil jornais do mundo, em mais de 80% dos trabalhos científicos e no jargão de inúmeras profissões, como a informática, a economia e a publicidade.

Na pós-modernidade o domínio do idioma inglês é condição sine qua non para uma ascensão profissional. Não há como contestar, e nem desconsiderar, que na realidade atual o inglês é um idioma quase universal, sobretudo na cultura ocidental. O encurtamento das distâncias entre todos os continentes, reduzindo o globo terrestre a uma “aldeia global”, em função da tecnologia de informática, requer que quase todos os trabalhadores, mesmo aqueles que ocupam posições profissionais mais simples, tenham noções do idioma inglês, mesmo que seja para operarem as máquinas de produção, cujas legendas são sempre em inglês. O indivíduo que não tiver acesso à internet, e conseqüentemente a algumas noções do idioma inglês, está sendo excluído do mundo de trabalho, passando a fazer parte do rol das pessoas subempregadas que não têm nenhuma garantia de futuro.

A tentativa de refletir sobre a temática significa trazer à baila um tema de interesse para muitas pessoas, podendo abrir novos circuitos de reflexão.

2 A inFluÊnciA norte-AmericAnA no BrAsilComo ocorreu e ocorre com todos os povos, nós brasileiros também temos nossa

característica de ser e viver, nosso modo de resolver problemas, nossas formas de convivência, nossos valores e nossas formas singulares de expressar nossos desejos.

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O que significa que também temos nossa própria cultura. Se assim não fosse, nós não reconheceríamos um outro brasileiro que estivesse no Exterior ou vice-versa. Mesmo neste tempo de grandes transformações sociais pelas quais o mundo está passando, ainda temos uma identidade cultural. O que, aliás, todos os povos têm. Porém, como a identidade de um povo não é estática, imóvel, pronta e acabada, as transformações que já ocorreram e que atualmente ocorrem com maior velocidade se fazem sentir em nossa cultura nesse processo de transformações que é permanente.

No último século, além das influências que recebemos da cultura francesa, inglesa, dos imigrantes europeus, árabes e japoneses, tivemos, notadamente, a influência dos norte-americanos. Conseqüentemente surgiram formas de expressão cultural que interferiram no significado e no sentimento de brasilidade.

O processo de dominação em que vivemos atualmente, que vem mais diretamente dos EUA, pode até despertar um sentimento de autodesprezo e inferioridade que pode levar a maioria dos brasileiros a desejarem ser idênticos ao invasor.

Segundo Alves (1988), nos últimos anos tem-se falado muito no surgimento de uma civilização mundial, em virtude da internacionalização da economia e do desenvolvimento dos meios de comunicação. E isso nos levaria à perda das identidades nacionais e a viver numa nova civilização, que ela denomina de americanização da cultura em nível internacional.

A autora acima referida em 1988 já tinha uma visão de futuro, ao considerar a cultura norte-americana como a mais “cumulativa e rica”, legitimando sua hegemonia sobre as demais. Arrisco-me em dizer que talvez ela não tivesse claro, apenas, que o movimento cultural pelo qual passaria a civilização mundial ocorreria tão rapidamente. E isso porque hoje ao que tudo indica essa nova forma de civilização já está em pleno exercício. Com relação à ideologia e à indústria cultural brasileira, são veiculados com bastante ênfase os conteúdos ideológicos capitalistas, bem como, e em especial, os do imperialismo norte-americano.

Para melhor compreendermos isso vejamos o que significa ideologia: Marilena Chauí (1984) diz: “Para Marx as idéias dominantes em uma sociedade nascem das condições materiais de produção, da existência e das relações sociais por elas geradas naquele momento histórico. As idéias estão ligadas à maneira como são apropriados os bens, como é organizado o trabalho e são estruturadas as divisões sociais. E isso muda, quando mudam também essas condições”.

A ideologia capitalista por excelência, como é o caso dos EUA, e também do Brasil, tem se pautado por manter os membros de nossa sociedade a se conformarem, sem críticas e revoltas, com a sua organização, que é apresentada como única possível e desejável, sendo cada um o que é por ter se esforçado, por ter escolhido, ou por dispor de talento ou não para ocupar determinadas funções. No Brasil, isso é reforçado pelas crenças religiosas, que levam os crentes a se conformarem com sua condição e a pedirem que as mudanças em sua vida venham de poderes místicos. Vejamos como isso ocorre na prática: diante de dois funcionários de uma empresa, um executivo de alto escalão e o outro o faxineiro. Os valores pregados na empresa são que ambos são igualmente importantes para a empresa, apenas exercem funções diferentes. Pode-se

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dizer, então, que a ideologia procede pela omissão e não pela revelação da realidade. O que dá para pensar é que essa ideologia dominante está em toda parte, e é absorvida por todos, pois os valores ideológicos são difundidos pelos mais variados meios, não havendo possibilidade de não serem absorvidos.

O Brasil é um país capitalista e gira em torno dos EUA, como é o caso da cultura mundial depois do advento do processo da pós-modernidade, sobretudo nos países subdesenvolvidos. Os conteúdos dos filmes, notícias, quadrinhos, brinquedos, etc., que são dados a consumir, veiculam a ideologia burguesa nacional e norte-americana. Isso pode ser percebido nas situações mais comuns do cotidiano, conforme o exemplo que vimos acima.

Paulo Freire (1978) diz que a base da invasão cultural é a crença por parte dos invadidos de sua inferioridade intrínseca, enquanto acreditam na superioridade do invasor, nascendo daí o desejo de se parecerem com ele. Para que isso possa parecer real, basta vestir-se como eles, andar como eles, comprar as coisas que eles usam e, mais do que tudo, falar como eles. Neste caso, falar o inglês. Hoje isso já mudou em função da globalização, da internet, e ainda que o autor esteja dizendo algo que tem a ver com a nossa história, falar o inglês parece que não é mais uma questão psicológica identificadora e, sim, uma necessidade de sair da condição de monolíngüe para o bilingüismo mundial.

3 tio sAm cHeGA Ao BrAsilNo início da história do Brasil houve um processo intenso de trocas de elementos

culturais entre o branco europeu (o invasor colonizador) e o índio. Essas trocas se deram primeiro com o índio, habitante nativo, e depois com o negro trazido como escravo da África.

“Ouvi dizer que de Europa voltaste feito doutor?

Parece-te isso impossível? É verdade, sim, senhor!

E por que academia? E qual a ciência, então?

Isso não sei: o diploma é escrito em Alemão.”

(MATOS apud XAVIER, 1994, p. 28)

O começo propriamente da cultura brasileira, na época do Brasil Colônia, se deu com o domínio da cultura portuguesa, que foram nossos descobridores, cujo idioma, por força da própria história, se consolidou no Brasil. Na seqüência houve a cultura holandesa que deixou algumas influências culturais, ainda que sem destaque; a cultura francesa que motivou muitos filhos de brasileiros abastados a estudar na França, pois que isso dava grande prestígio. Em menor grau houve a influência inglesa, que com o passar do tempo, enquanto língua falada, foi a que permaneceu como sendo, depois do português, a de maior importância no Brasil. No final do século XIX e início do século XX, o Brasil recebe muitas levas de imigrantes, tais como: italianos, espanhóis, alemães, árabes, eslavos, suíços e japoneses. Ainda que tenhamos sofrido influências culturais trazidas por eles, estas não foram significativas em toda a cultura brasileira

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e são, atualmente, encontradas em regiões específicas como o Sudeste e a Região Sul. Ainda que os brasileiros tenham absorvido suas práticas culturais, estas não tiveram o caráter de dominação. Foi com os imigrantes italianos e espanhóis que, politicamente, houve a prática anarquista, mas, como elas eram condenadas pelos governos de sua própria origem e não estavam a serviço de seus países, não tiveram o caráter de dominação política no Brasil.

No entanto, sua influência cultural permanece ainda hoje, sobretudo a dos italianos, quer seja: a culinária, as artes, o idioma, que é falado em muitas regiões do sul do Brasil, a arquitetura, a música, a dança, quer seja, a diversão. A influência espanhola está situada mais nas regiões de fronteira, com a Argentina, Paraguai e Uruguai. Os japoneses tiveram influências na agricultura, no comércio de alimentos, e nas tradições japonesas, em geral. A influência dos alemães deu-se, sobretudo na indústria pesada, na arquitetura, na agricultura, na pecuária, na culinária e nas festas tradicionais de Santa Catarina. A influência dos árabes foi muito grande no comércio de roupas em geral e na culinária.

A chegada de Tio Sam ao Brasil, de forma contundente, aconteceu a partir do início dos anos 40, em condições e com propósitos muito bem definidos. Essa década, a de 40, foi notável pela presença cultural maciça dos Estados Unidos, entendendo-se cultura no sentido amplo dos padrões de comportamento, da substância dos veículos de comunicação social, das expressões artísticas e dos modelos de conhecimento técnico e saber científico.

O estandarte dos americanos era a necessidade de uma política de boa vizinhança entre os Estados Unidos e os demais países da América Latina com dois propósitos: um o de favorecer um convívio harmônico e respeitoso entre todo o continente americano, e outro o de que houvesse uma política de troca generalizada de mercadorias, valores e bens culturais, que deveria partir do Tio Sam para o restante da América.

Os brasileiros, como bons aprendizes, começaram a substituir os sucos de frutas tropicais, que podiam ser fartos à mesa, por uma bebida de gosto estranho e artificial, a “famosa” coca-cola. Naturalmente, começaram a trocar os sorvetes feitos nas pequenas sorveterias por um sucedâneo industrial chamado Kibon, acontecendo o mesmo com a goma elástica chamada chiclets. Novas palavras foram sendo incorporadas ao vocabulário e passamos a ouvir o fox trot, o jazz, o boogie-woogie e a assistir aos filmes produzidos em Hollywood.

A boa vizinhança tinha a “cara” de uma avenida larga, de mão dupla, isto é, um intercâmbio de valores culturais entre as duas sociedades. Porém, na prática, isso foi bem diferente. A avenida larga tinha a fantástica diferença de recursos de difusão cultural dos dois países e produziu, o que era de se esperar, uma influência de direção praticamente única, de lá para cá.

Segundo Moura (1984), o imenso impacto cultural que ocorreu em virtude da presença norte-americana no Brasil não foi aleatório. Houve um planejamento cuidadoso de penetração ideológica e conquista de mercado. O principal organismo criado foi o Birô Interamericano para a América Latina, e foram convidados especialistas das universidades norte-americanas para debater uma “filosofia”

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para orientar sua ação. Eles diziam que esse processo de exportação cultural era parte integrante de uma estratégia mais ampla que procurava assegurar no plano internacional o alinhamento do Brasil e da América Latina como um todo aos Estados Unidos, que naquele momento procurava afirmar-se como uma grande potência e um novo sistema de poder no plano internacional.

Foi a partir da Segunda Grande Guerra Mundial que a influência política e econômica da Inglaterra na América Latina como um todo foi dando lugar e espaço cada vez maior à influência norte-americana, cujo idioma é o inglês. No período da política de Getúlio Vargas, quando foi grande o desenvolvimento industrial, o capital norte-americano foi entrando no Brasil, sob a forma de empréstimos, equipamentos e tecnologia. Surgiram no Brasil as multinacionais, que tinham suas sedes sobretudo nos EUA, e foi assim que o capitalismo yankee serviu de modelo para o capitalismo em nosso país. Associada a isso ocorreu também a invasão dos setores de comunicação de massa, que tiveram grandes investimentos em nosso país com a importação de filmes, músicas, histórias em quadrinhos, jornais e revistas. Esse período marcou a invasão e dominação norte-americana sobre os nossos costumes culturais. Os filmes dos Estados Unidos procuravam mostrar as indústrias bélica, aeronáutica, cinematográfica, siderúrgica, óptica, assim como os avanços técnico-científicos (microscópio eletrônico, tecidos sintéticos, produtos químicos, o sistema educacional e a cultura em geral). Tivemos então a chamada “invasão teleguiada” que, sem a presença do invasor, fazia chegar até nós os produtos culturais dos norte-americanos. Ocorre então a imposição da cultura americana através do consumo, mas pensávamos estar preservando a nossa liberdade e mantendo nossa determinação cultural.

A invasão cultural dos EUA parecia até conveniente, pois o Brasil tinha a ilusão de atingir um estágio de desenvolvimento igual ao dos norte-americanos, uma vez que o imperialismo americano teve sucesso sem par na exportação de padrões de comportamento, gostos artísticos, hábitos de consumo – o que praticamente universalizou o chamado “American way of life”. Mas, é claro, isso não fazia parte dos planos dos Estados Unidos. Muito pelo contrário. O que os EUA queriam era que os brasileiros, e uma grande parte da América Latina, interiorizassem a ideologia imperialista2 norte-americana, e isso foi muito bem feito.

Alves (1988), em seu livro A invasão cultural norte-americana, identifica algumas concepções e práticas ideológicas que são veiculadas pelos meios de comunicação: todas as coisas podem ser trocadas por dinheiro no mercado. Até mesmo o ser humano (por um salário); consumir sempre é a regra básica para todos. Ter é mais importante do que ser, pois a posse de determinadas coisas pode conduzir ao sucesso, à felicidade, ao prazer e à elevação do status, prioridades supremas na escala de valores do capitalismo; as chaves do sucesso são a ambição, a astúcia, o trabalho disciplinado e a habilidade em aproveitar as oportunidades da vida que são oferecidas “igualmente para todos”, embora apenas os “mais aptos, esforçados, ou melhor, adaptados às regras da competição”, sejam capazes de desfrutá-las; o sucesso é estar de certa forma acima dos outros, provando-se de algum modo que se está entre os

2 Por imperialismo entendemos a forma de política ou prática exercida por um Estado que visa à própria expansão, seja por meio de aquisição territorial, seja pela submissão econômica, política e cultural de outros Estados.

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melhores; desigualdade de riquezas e diferenças sociais sempre existiram e existirão na humanidade, cabendo a cada um o que o destino lhe reservou como quinhão. No entanto, o trabalho, a perseverança e a sorte poderão conduzir a níveis mais altos na escala social, como provam alguns poucos exemplos de self-made men; ambientes plenos de bens materiais são fonte de prazer e realização pessoal. O capitalismo é o caminho natural que nos conduz a eles, garantindo-nos sua propriedade, desfrute e posse, e nos transformando em usuários permanentes do “paraíso terrestre”. Se, porém, nossos sonhos de felicidade não se realizarem aqui na Terra, existe sempre a esperança de atingi-los numa outra realidade imaterial após a nossa morte.

Esses eram alguns dos parâmetros sobre os quais se sustentaria – do ponto de vista do campo ideológico – o capitalismo, que mantém a burguesia no poder. Estes serviriam também para nivelar as pessoas em termos de necessidade, interesse, gosto e hábito. Estaria então mantida a massa de consumidores dos produtos padronizados.

Os brasileiros que eram assalariados das multinacionais, e também a maioria da população, foram “engolindo” o que era norte-americano e começaram a achar que o que é importado é melhor. Aliás, esse conceito permanece até hoje no Brasil. Transformamo-nos em brasileiros americanizados. Passamos a desejar consumir o que eles produzem e, quanto mais semelhantes a eles nos sentirmos, tanto mais acreditaremos que o que é melhor para eles é melhor também para nós, os brasileiros. O que é americano se apresenta cada vez menos como estrangeiro para nós, e até incorporamos muito de sua cultura em produções autenticamente brasileiras.

Vale destacar que as mensagens ideológicas difundidas pela indústria cultural não são facilmente percebidas pela maioria da população. “Fazer as nossas cabeças” é estrategicamente programado. Uma seleção prévia é feita nos noticiários, documentários, artigos e programas da imprensa falada e escrita. Ainda que procurem dar aos informes um aspecto de neutralidade ou imparcialidade, não é isso que acontece. A estratégia utilizada para a propaganda ideológica é muito sutil, dessa maneira, os meios de comunicação desempenham muito bem o seu papel como manipuladores do público.

Considerando a tendência da pós-modernidade, de que tudo é temporário, tudo é desmontável, a informação, o conhecimento, os costumes, os comportamentos, as atitudes, as novas ideologias, as novas tecnologias, o novo know-how sobre marketing, as mais modernas formas de lazer, os novos investimentos, novas pedagogias, a mais sofisticada medicina, as subidas à Lua são na grande maioria das vezes veiculadas no idioma inglês.

Alguns hábitos comuns aos norte-americanos estão sendo vivenciados tão freqüentemente por nós, que já estamos nos transformando em criaturas muito semelhantes a eles. Pode-se até dizer que, em alguns casos, já se torna difícil distinguir entre nossos hábitos aqueles que se originaram da cultura estrangeira, sobretudo da norte-americana. Os remanescentes da geração brasileira que viveu antes da invasão cultural e que podem distinguir uma cultura da outra são muito poucos. A nossa própria identidade nacional está muito pálida, ainda que esse fenômeno na pós-modernidade esteja ocorrendo em todos os países em desenvolvimento, que perdem suas fronteiras

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nacionais em virtude de sua dependência aos países altamente desenvolvidos. Dependência essa que se dá em muitos sentidos.

A cultura norte-americana começou a entrar no Brasil através de mecanismos políticos, tais como as leis de ensino, nos idos da década de 30, e ficou muito mais forte nos anos 60. Fomos bombardeados com promessas de riqueza e bem-estar que eram produzidas pelos milagres econômicos, planejados por super-heróis tecnocratas, que prometiam um futuro de desenvolvimento e paz social, com grandes carros, eletrodomésticos sofisticados, lazer e casa própria para todos.

Nossas atenções eram dirigidas para campeonatos esportivos, copas do mundo, resultado de loteria esportiva, campanhas da fraternidade, enchentes, secas, “novelas das 8”. Havia no ar uma intenção implícita de ocupar nossas energias intelectuais para que nos tornássemos espectadores acomodados e sem senso crítico. Os brasileiros interessados no conforto que lhes era prometido muito pouco refletiam sobre os acontecimentos à sua volta.

Em 1860, do total de nossas importações 55% vinham da Inglaterra, e 33% de nossas exportações iam para a Inglaterra. O Brasil estava se tornando um grande mercado de investimento de capitais ingleses. Nossas ferrovias e outros meios de transporte e de comunicação eram financiados pelos ingleses. Ocorreu, no entanto, que a hegemonia política e econômica da Inglaterra logo seria contestada e posta em risco pelos EUA, que já começavam a transparecer a grande potência que seriam no século seguinte.

Foi a partir desse ponto que o nosso passado começou a ser mais ou menos camuflado ou interpretado de maneira um tanto inocente por nossos escritores e educadores. Os EUA começam a ter sua ação imperialista no continente americano. O termo imperialista está sendo usado com o sentido de exercício de influência ou dominação, que países industrializados, militarmente fortes e mais ricos, exercem sobre a economia, a política, a diplomacia e a cultura dos outros países ditos subdesenvolvidos.

Uma característica das relações imperialistas é o intercâmbio econômico desigual, em que o país dominado se transforma em mero fornecedor de matérias-primas e alimentos e importador de manufaturados, de tecnologia e capitais do país dominador.

Preocupados e ocupados com o trabalho nas multinacionais e esperançosos com as promessas de um porvir melhor, os trabalhadores brasileiros novamente pouco refletiam sobre os acontecimentos que vinham ocorrendo à sua volta.

Vejamos como foi o caminhar do Sistema Educacional Brasileiro após a Segunda Grande Guerra Mundial, quando o nosso país foi invadido pelas grandes indústrias européias e norte-americanas. A Lei das Diretrizes e Bases do Ensino de 4024/61 foi importada da França, e aplicada no Brasil sem adaptações. Permaneceu em aplicação por 10 anos, mas os Estados Unidos logo perceberam que ela não atendia aos objetivos do “emburrecimento” desejado por eles. Esta foi, então, substituída pela Lei 5692/71, importada dos Estados Unidos, e que também foi aplicada sem adaptações.

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Aliás, quando elaborada segundo parâmetros ou influências dos procedimentos norte-americanos, tinha por objetivos profissionalizar já no nível do Segundo Grau, para preparar “mão-de-obra” um pouco mais qualificada, permitindo assim que os brasileiros pudessem trabalhar nas grandes indústrias multinacionais. Não podemos dizer que o sistema educacional de um país prepare as gerações para as mudanças sociais; são, ao contrário, as mudanças sociais que pedem um sistema educacional condizente com suas necessidades, então, o que se pode supor é que quando essas leis de ensino foram aplicadas vieram atender ao novo jeito e às novas necessidades da nossa sociedade, portanto, necessidades estrangeiras, ou americanizadas, que era o que estávamos nos tornando.

Aliás, as próprias leis de ensino não pretendiam que o povo se tornasse crítico, ao contrário, era suficiente que se soubesse operar as máquinas, ou da produção ou dos escritórios. Se as leis eram “produzidas” por intelectuais estrangeiros isso significava que eram excelentes e não se questionava se elas se aplicariam à nossa realidade ou não.

4 A PenetrAção DA lÍnGuA inGlesA no BrAsilDesde o momento em que a classe média (pequena burguesia) acorda no Brasil

e a classe menos favorecida pula da cama para ir trabalhar, o povo brasileiro é bombardeado por palavras da língua inglesa, cujo significado, freqüentemente, não é entendido por muitos daqueles que as ouvem.

Escovamos os dentes com Close up, Colgate ou Phillips. Usamos meias Hang-ten, tênis Nike, Reebok, Puma; calças feitas com blue jeans. Depois de se vestir com Red Nose, Levi’s, Golden Cup, Mormaii, Lee, Calvin Klein, Asics, Triumph International, GAP, Psycho Street, Zapping, Zoomp, ou tantas outras marcas de roupas, as pessoas vão até a cozinha, sobretudo as da classe média, em busca do café da manhã. Comem biscoitos cream-cracker, waffers ou cookies com o café a ser mantido quente na garrafa térmica Aladdin Pump-A-Drink. Os estudantes ao sair para o colégio pegam sua mochila da Kipling com seus objetos: canetas roller ball da Parker, Bic Soft Touch, Paper Mate, Uniball, Pentel ou uma Pilot que estão dentro do estojo made in Taiwan.

Ao entrar numa lanchonete pedimos uma coca-cola ou light-coke e comemos um hot-dog, um hamburger ou um cheeseburger. Nos finais de semana certamente o pessoal da burguesia pode ir a uma Steak House, ou no restaurante self-service. E à noite tomamos um whisky em um Scotch bar e depois saímos para dançar num disco club.

A língua inglesa está presente nos quatro cantos de uma residência onde aparelhos de rádio, televisão, vídeo, etc. são ligados e desligados com as indicações ON e OFF.

Em uma pesquisa realizada nas páginas amarelas da lista telefônica de Belo Horizonte no período de 1969 a 1971, Neves (1971 apud Paiva, 1996) constatou a presença de 64 nomes comerciais em inglês. Examinando as páginas amarelas do

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catálogo de 1990 da mesma cidade encontram-se, apenas nos itens encabeçados pela letra A, de nomes comerciais listados sob rótulos que vão de academias a automóveis, 120 nomes comerciais em inglês. Como exemplo: Academia Muscle Ltda; Steel Scenter Ltda; Big Loc, Trade Center, Golden Center, Selfs Alimentos Ltda, Holly Mix Comida Kilo, Rubberplast Indústria e Comércio, Autospet, Help, Habit, World Sales Corretagem Promoções Ltda, Price Waterhouse Auditores, etc.

Na lista telefônica Editel 2004 para Curitiba e Região Metropolitana podemos encontrar, num total de 138 assinantes de Curitiba, 58 nomes de academias desportivas em inglês ou usando termos em inglês para compor o nome das empresas. São exemplos: H20 Natação e Wellness, Academia Ambient’s, Academia Atletic Wellness, Academia Be Happy, Academia Body Center, Academia CWB Sports, Master Gym, Academia Sport Mania Ltda, entre outros.

Segundo Paes (1986, p. 10 apud Paiva, 1996), jornais e revistas estão cheios de expressões em inglês e há até propagandas produzidas na língua inglesa. Aliás, poderíamos perguntar: “A quem se destinam essas propagandas se nós falamos o idioma português? Ou será que há brasileiros, no Brasil, que só falam o inglês?”

Se estivermos procurando um imóvel de alto padrão para comprar, teremos que usar um dicionário português-inglês para entender a descrição dos imóveis e fazer a nossa escolha. Esses imóveis podem possuir penthouse gardens, suítes master, flat service, coffee shops, e um brasileiro que não aprendeu inglês ainda não saberia dizer se essas peculiaridades deixam o imóvel melhor ou não. Enfrentamos atualmente, também, o problema da adoção do gerundismo que pode ter se originado das traduções literais de expressões em inglês tais como: “I’ll be putting you through” (“Eu vou estar transferindo a sua ligação”), que são indiscriminadamente utilizadas pelos operadores de telemarketing. Essas expressões passaram a fazer parte do jargão do setor de telemarketing das empresas brasileiras a partir do momento em que os funcionários do ramo foram treinados com manuais americanos traduzidos sem o cuidado de se identificar que a melhor tradução para o português brasileiro de “I’ll be putting you through” não é “Eu vou estar transferindo a sua ligação”, mas “Eu vou transferir a sua ligação”.

Temos que pensar que 90% dos jovens consumidores de hit parade e que gostam de rock não entendem as músicas que ouvem “berradas” em inglês pelos cantores mais badalados. Mas, para que entender se basta “berrar” também e, sobretudo, “soletrar” o nome do CD na hora de comprá-lo?

Nos cinemas de Curitiba em 15 de outubro de 2004 havia 29 filmes em cartaz: 17 americanos, 02 ingleses, 06 brasileiros, 02 franceses, 01 italiano e 01 japonês. Segundo Guareschi (1988, p. 33 apud Paiva, 1996), uma média de 55% do total de filmes exibidos são americanos. Esses filmes são distribuídos pela Motion Pictures Export Association of America, que congrega a MGM, 20th Century Fox, United Artists, Columbian Paramount e Warner Bros. Predomina de norte a sul do país o cinema americano e nas programações dos cinemas em todas as capitais do país as produções nacionais em exibição não chegam a 50% das americanas. As estações de rádio tocam músicas em inglês dia e noite e também usam nomes em inglês, por

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exemplo: Transamérica Light FM - PR, MIIB (Music Independent Internet Brazil) Internet Radio – RJ e Radio Rock FM – PR.

O Brasil é um grande comprador de filmes americanos para a televisão e, conforme Guareschi (1988, p. 38 apud Paiva 1996), é responsável por um quarto do total das compras do continente latino-americano.

Diante do quadro brasileiro podemos afirmar que aprender a língua inglesa neste início de milênio é tão importante quanto aprender uma profissão. O idioma inglês é necessário para a vida atual porque em muitas profissões é indispensável algum domínio de inglês. Mas, é lógico que não podemos nos esquecer que temos objetivos bem claros com esse idioma.

Segundo Figueiredo (1990, p.4 apud PAIVA, 1996), o ensino de inglês virou verdadeira febre em Belo Horizonte, onde cerca de 100 mil pessoas se deparam com métodos de ensino cada vez mais modernos e sofisticados.

Alguns dos motivos que levam as pessoas a estudar inglês são: conseguir um bom emprego, promoção de cargos nas empresas, fazer estudos de pós-graduação, fazer turismo, conseguir uma bolsa de estudos para o exterior, usar a internet, entre outros. Há muitas pessoas que estudam inglês para ascender socialmente melhorando seu status social. Freqüentemente, ouvem-se os adolescentes dizerem que estudar o inglês é bom para o futuro profissional, porque esse é o discurso dos pais, que não tiveram a mesma oportunidade. Esses pais costumam pagar cursos de inglês para os filhos alegando que já estão velhos demais para aprender essa língua, e que os seus filhos estão com a cabeça mais fresca, e que, portanto, aprenderão mais e melhor.

O prestígio do inglês é usado até por um vendedor de cuscuz no Rio de Janeiro que faz sucesso ao oferecer seu produto falando em inglês com seus fregueses. Um vendedor de cuscuz é um homem simples, isto é, com pouca instrução, e ele certamente sabe muito bem que os brasileiros gostam e se interessam mais por objetos que são vendidos em inglês, ainda que seus ingredientes sejam nacionais.

É muito comum a publicação de artigos em inglês em revistas editadas no Brasil pela comunidade científica. O argumento é que com isso a revista científica pode circular e ser lida nos países do Exterior e se ela for publicada em português sua circulação será restrita ao Brasil. Com isso o Brasil não daria a conhecer suas produções científicas no Exterior, porque o português não é uma língua universal, como é o caso do inglês.

O fascínio por falar a língua inglesa e as respectivas culturas que ela representa tem gerado muitas críticas. O crítico de cinema Pepe Escobar comentou ironicamente sobre a cidade de Fortaleza, dizendo que “o bar mais popular é o “London, London” e a rua dos restaurantes chama-se “Broadway”. (O Estado de S. Paulo, 25/11/1989). Será que freqüentar um bar ou restaurante com o nome em inglês dá a ilusão de pertencer a uma classe social de prestígio?

Na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos dois de seus serviços são rotulados em inglês. O Express Mail Service e o Sedex VIP, Very Important Package, que é um serviço de malotes entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Por que

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rotular em inglês se a circulação é doméstica? A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é uma empresa do governo, portanto não se justifica que seja permitido rotular serviços em inglês para circulação doméstica. Ao que tudo indica, o governo não está muito preocupado em preservar a cultura nacional e deixa livre a invasão dos rótulos importados.

O que vemos é o inglês estampado pelas ruas das grandes e pequenas cidades, constituindo-se num dialeto comercial próprio do povo brasileiro. Ao que dá para supor que o que é importado é bom3.

O jornal Hoje em Dia (15/08/1989), da cidade de Belo Horizonte, publicou uma entrevista com Cássia Avelar, coordenadora do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), que informa que 70% dos pedidos de registro de marca são de nomes estrangeiros, com predominância do inglês.

Esse dado revelado na entrevista mostra por si só a influência da americanização, que se estende em outras marcas da influência dos EUA. Só para dar alguns exemplos: a mania de carro, a crescente mania de processos na justiça entre cidadãos, o aparecimento de casos de assassinatos em série, o uso do boné típico dos mecânicos da II Guerra e do beisebol, etc. Isso ao que parece pode ser uma tentativa ilusória de identificação com os estadunidenses. Quem sabe numa tentativa de julgarem que assim podem entrar no mercado como se fossem do país hegemônico, que mais tem influência política e econômica nos países subdesenvolvidos.

Pinto (1986, p. 41 apud PAIVA, 1996) afirma que a Primeira Guerra Mundial foi essencial para a mudança do eixo Brasil – Europa para Brasil – Estados Unidos. O comportamento de rotular os locais comerciais com o inglês tem suas raízes na história de nossa dependência cultural. A partir de 1921, a dependência para com os norte-americanos aumentou com a crise do café, tendo o Brasil que recorrer a constantes empréstimos dos Estados Unidos. A dependência cultural veio da dependência econômica. O povo é levado a acreditar que o cinema americano é melhor que o cinema brasileiro, e este encontra dificuldades de exibição, porque, naturalmente, o povo já internalizou em suas crenças, atitudes e comportamentos, que o que é importado é sempre melhor do que aquilo que é feito aqui mesmo no Brasil.

Os Estados Unidos possuem organismos de “ajuda” aos países subdesenvolvidos. Esses organismos contribuem para a divulgação da cultura e do idioma estadunidense, pois que, naturalmente, o país que ajuda não vai fazer isso gratuitamente. Mesmo sem esses organismos os meios de comunicação de massa, as emissoras de rádio, a televisão, a programação dos cinemas, encarregam-se da tarefa de divulgação da cultura americana. O produtor de cinema Jece Valadão4 declarou que os Estados Unidos interferem no mercado cinematográfico sempre que o cinema brasileiro ameaça conquistar algum espaço, dizendo: “Através do cinema, os americanos estão vendendo a música deles, o jeans deles, o way of life deles, a língua deles. Atrás de cada filme americano vem um produto americano”.

3 O grifo é da autora.4 Debate sobre o cinema brasileiro, realizado pela Rede Bandeirantes de Televisão em 26/02/1990.

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As pessoas, grupos e classes sociais alcançados por essa indústria são induzidos a pensar e a expressarem-se principalmente nos termos e segundo os objetivos dos que a controlam. Todo um conjunto de possibilidades do pensamento e expressão é esquecido, proibido ou reprimido. A própria maneira de transmitir informações e interpretações, além da seleção de umas e outras, induz as gentes a um modo de pensar e expressar-se alienado. Esse processo de massificação é importante para a perpetuação das estruturas sócio-econômicas geradas pelo sistema capitalista. (IANNI, 1976, p. 56 apud PAIVA, 1996, p. 26).

Todo o processo de divulgação da cultura americana está sendo pensado pela indústria cultural que serve ao seu país. Ao que parece, o homem americano traz dentro de si o culto à sua pátria e procura ampliar seus horizontes de domínio cultural e econômico. A impressão que temos é que esse sentimento nacionalista é bem menos acentuado no povo brasileiro, haja vista todos esses nomes em inglês que são expostos nas portas do comércio e da indústria no Brasil, bem como a importância que muitas pessoas dão ao uso de roupa que trazem as etiquetas americanas e até orgulho em dizer que usam objetos importados. Para os brasileiros o que é nacional não é bom, não dá status e isso, ao que tudo indica, também é um conceito que está internalizado no povo brasileiro. Este comportamento é adquirido de geração em geração, pela fala dos mais velhos sobre os mais novos, e é um fenômeno psicológico, sociológico e ideologicamente transmitido de uma geração para outra, como ocorre em todas as culturas. As mudanças no comportamento e atitudes dos povos de uma nação, naturalmente se processam, porém, lentamente e na caminhada histórica.

A penetração da língua inglesa no Brasil e também no mundo tem a presença hegemônica dos Estados Unidos. O domínio da força armada no Terceiro Mundo não é mais a maior força. A maior força de domínio é a língua que é a matéria-prima do imperialismo cultural causado pela dependência econômica.

A língua inglesa circula entre os brasileiros como uma mercadoria altamente vendável, cujo mercado é sempre comprador. Com isso importam-se palavras estrangeiras que servem a uma necessidade simbólica de identificação com a sociedade norte-americana que tem grande poder político e econômico no mundo.

Temos uma demonstração de que os brasileiros querem se identificar com as nações de grande poder político e econômico para se sentir superiores e privilegiados enquanto classe social. Parece um comportamento adolescente em grande escala, que é o de querer ser filho de pais da classe privilegiada para sentir-se bem recebido por outros grupos. A contar a idade do Brasil, em seu aspecto cultural é possível dizer, metaforicamente falando, que o Brasil está na fase da adolescência, não possuindo ainda sua própria identidade social, cultural, política e econômica. E a necessidade que as pessoas sentem de falar o idioma inglês não é sem razão.

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reFerÊnciAs

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