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 Muito além do roteirizador: distribuição de produtos de baixa densidade  Danilo Campo s E ste artigo tem o objetivo de discutir algumas técnicas de otimização para aumentar a eciência da logística na distribui- ção de produtos de baixa densidade de transporte. Podemos citar, apenas para referência, o caso de caixas de papelão ondulado, produtos de linha branca, embalagens de vidro e farma- cêuticos, entre outros, nos quais uma carreta sider , que tem capacidade de carregar nominalmente 25 toneladas, normalmente tem seu espaço útil de carga completado com peso de dez a 18 toneladas, tal o volume do produ- to de baixa densidade. Tendo em vista a relevância do transporte rodoviário para a econo- mia nacional e considerando que, em grande medida, os custos estão relacionados ao capital aplicado na aquisição dos veículos e ao combus- tível empregado na sua operação, a escolha eficiente de uma frota (em quantidade e tipos de veículos) que atenda à necessidade de transporte com custo mínimo é um diferencial competitivo para as empresas. Ao verificar a literatura, todavia, observamos que ainda havia uma la- cuna de pesquisa e técnicas para a solução do problema de dimensio- namento de frota e roteamento de veículos com restrições de carrega- mento tridimensional de caixas, em se tratando de frota heterogênea. Este problema surge naturalmente quando os produtos a serem distribuí- dos são de baixa densidade (kg/m 3 ) de transporte. Nesta situação, é neces- sária uma conguração, ou arranjo, tridimensional de suas unidades de embarque em forma de paralelepípe- dos – caixas, fardos ou paletes – ou bobinas. Tal problema é muitas vezes erroneamente simplicado pelo que se referencia como “cubagem”. Con- tudo, como veremos adiante, não bas- ta controlar a soma de volumes das unidades de embarque para se garan- tir boa acomodação dos produtos. Mesmo considerando outras ques- tões práticas, como as janelas de tem- po e frota heterogênea, o problema de roteamento de veículos tradicio- nal contempla somente uma dimen- são de capacidade, normalmente peso ou volume, e, portanto, não se aplica aos casos de produtos de baixa densidade de transporte. Este é o caso de itens que completam a capacidade física de um veículo por ocupação volumétrica, não alcançando a capa- cidade limite de peso que o veículo comportaria se observada apenas sua potência de tração de carga. Observe como seria o roteamen- to de dois pedidos: um deles por um método tradicional, e outro que res- peitasse as três dimensões (altura, largura e comprimento) das unida- des de embarque: Problema: Deve-se entregar, ao cliente A, oito toneladas de um pro- duto e ao cliente B, dez toneladas do mesmo produto. Supondo que os clientes A e B são razoavelmente próximos, para que seja interessan- te consolidar a carga de ambos num mesmo veículo, e considerando que dispomos de um veículo com capaci- dade de 20 toneladas, o roteiro pode- ria ser feito por um único caminhão, como se pode ver na Figura 1. Contudo, se considerarmos as di- mensões de cada unidade de embarque, essa solução se torna inviável. Observe: 64 - Revista Tecnologí stica - Janeiro/2009 ARTIGO       D       i     v     u       l     g     a     ç       ã     o O roteamento de veículos tradicional contempla somente uma dimensão de capacidade, normalmente peso ou volume 

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  • Muito alm do roteirizador:

    distribuio de produtos de baixa densidade

    Danilo Campos

    Este artigo tem o objetivo de discutir algumas tcnicas de otimizao para aumentar a efi cincia da logstica na distribui-o de produtos de baixa densidade de transporte. Podemos citar, apenas para referncia, o caso de caixas de papelo ondulado, produtos de linha branca, embalagens de vidro e farma-cuticos, entre outros, nos quais uma carreta sider, que tem capacidade de carregar nominalmente 25 toneladas, normalmente tem seu espao til de carga completado com peso de dez a 18 toneladas, tal o volume do produ-to de baixa densidade.

    Tendo em vista a relevncia do transporte rodovirio para a econo-mia nacional e considerando que, em grande medida, os custos esto relacionados ao capital aplicado na aquisio dos veculos e ao combus-tvel empregado na sua operao, a escolha eficiente de uma frota (em quantidade e tipos de veculos) que atenda necessidade de transporte com custo mnimo um diferencial competitivo para as empresas.

    Ao verificar a literatura, todavia, observamos que ainda havia uma la-cuna de pesquisa e tcnicas para a soluo do problema de dimensio-namento de frota e roteamento de veculos com restries de carrega-

    mento tridimensional de caixas, em se tratando de frota heterognea.

    Este problema surge naturalmente quando os produtos a serem distribu-dos so de baixa densidade (kg/m3) de transporte. Nesta situao, neces-sria uma confi gurao, ou arranjo, tridimensional de suas unidades de embarque em forma de paraleleppe-dos caixas, fardos ou paletes ou bobinas. Tal problema muitas vezes erroneamente simplifi cado pelo que se referencia como cubagem. Con-tudo, como veremos adiante, no bas-ta controlar a soma de volumes das unidades de embarque para se garan-tir boa acomodao dos produtos.

    Mesmo considerando outras ques-tes prticas, como as janelas de tem-

    po e frota heterognea, o problema de roteamento de veculos tradicio-nal contempla somente uma dimen-so de capacidade, normalmente peso ou volume, e, portanto, no se aplica aos casos de produtos de baixa densidade de transporte. Este o caso de itens que completam a capacidade fsica de um veculo por ocupao volumtrica, no alcanando a capa-cidade limite de peso que o veculo comportaria se observada apenas sua potncia de trao de carga.

    Observe como seria o roteamen-to de dois pedidos: um deles por um mtodo tradicional, e outro que res-peitasse as trs dimenses (altura, largura e comprimento) das unida-des de embarque:

    Problema: Deve-se entregar, ao cliente A, oito toneladas de um pro-duto e ao cliente B, dez toneladas do mesmo produto. Supondo que os clientes A e B so razoavelmente prximos, para que seja interessan-te consolidar a carga de ambos num mesmo veculo, e considerando que dispomos de um veculo com capaci-dade de 20 toneladas, o roteiro pode-ria ser feito por um nico caminho, como se pode ver na Figura 1.

    Contudo, se considerarmos as di-menses de cada unidade de embarque, essa soluo se torna invivel. Observe:

    64 - Revista Tecnologstica - Janeiro/2009

    ARTIGO

    Div

    ulga

    o

    O roteamento de

    veculos tradicional

    contempla somente uma

    dimenso de capacidade,

    normalmente peso

    ou volume

  • Da unidade de embarque (caixa): uma tonelada, 1,2 metro de largura, um metro de comprimento e 1,2 me-tro de altura;

    Do veculo: dois metros de largura, seis metros de comprimento e 2,2 me-tros de altura.

    Somente caberiam dez caixas no veculo, caso estas no pudessem ser tombadas (Figura 2), situao que nor-malmente ocorre com embalagens fr-geis, onde se l este lado para cima.

    Ou, ainda, liberando-se a restrio de tombamento, seria possvel carre-gar no mximo 15 caixas, como se ob-serva na Figura 3.

    Portanto, no seria possvel en-tregar as 18 toneladas em um nico veculo com estas dimenses. Seriam necessrios pelo menos dois veculos carregando os pedidos dos destinos A e B separadamente, como se v na so-luo proposta na Figura 4.

    Como se observou no exemplo anterior, o problema de transporte de peas de grande volume relativo ao seu peso faz com que a soluo do pro-blema de roteamento e da escolha de veculos no seja factvel e tampouco tima, se no forem consideradas as dimenses das unidades de embarque.

    Problema de roteamento de veculo

    O problema clssico de roteamento de veculos (na sigla em ingls, VRP,

    vehic le rout ing problem) consiste em defi nir rotas de entrega para uma frota de ve-culos que aten-da s demandas de determinados clientes a partir de um depsito de origem. Quan-do estes clientes podem receber as mercadorias so-mente dentro de

    uma faixa de horrio, tem-se o pro-blema de roteamento de veculos com janela de tempo (ou VRPTW, do in-gls vehicle routing problem with time window). No contexto mais genrico, outras variaes deste mesmo proble-ma ocorrem para rotas de coleta, ml-tiplos depsitos e frota heterognea.

    Problema de carregamento de continer

    O problema do carregamento de contineres (na sigla em ingls, CLP, container loading problem) consiste em carregar caixas de diversos tama-nhos dentro de contineres, de ma-neira a otimizar determinado objeti-vo, como, por exemplo, maximizar o aproveitamento do espao dispon-vel. Formalmente, o problema pode ser descrito como uma extenso tri-dimensional de um modelo de pro-gramao binria.

    A maioria dos proce-dimentos, com algumas poucas excees, considera somente o cenrio em que a carga, tanto quanto poss-vel, carregada em um ni-co continer, e no em ml-tiplos, como muitas vezes se observa na prtica.

    Dentre os vrios modos que outros autores propuse-ram tratar o CLP, cada um

    se mostrou adequado para uma deter-minada faixa do espectro de problemas que ocorrem na prtica. A adequao dos algoritmos depende dos tamanhos dos problemas e de quo heterognea a composio da carga. Portanto, os algoritmos avaliados so dependentes das caixas a serem carregadas e do que se espera do resultado com relao taxa de utilizao do espao, estabili-dade e distribuio no continer, entre outros critrios.

    Nos problemas de carregamento de veculos ainda h uma srie de aspec-tos prticos na montagem da carga que muitas vezes so desconsiderados:

    Restries de orientao: no caso de paletes montados, por exemplo, apesar de no poderem ser tombados verticalmente, porque a base os res-tringe na posio vertical, nem sempre eles tm dois sentidos para serem des-carregados. De acordo com o palete, o descarregamento depende de encaixe de uma empilhadeira que somente pode engat-lo em um sentido;

    Empilhamento mximo: por con-ta do peso de uma caixa ou palete, deve existir um limite de empilhamen-to, para que as unidades mais abaixo da pilha no sejam danifi cadas;

    Restries de manuseio: h casos em que, por segurana ou acessibi-lidade um rob, por exemplo , as posies so limitadas ou defi nidas a determinadas reas no continer;

    Estabilidade da carga: para garan-tir que a carga no vai se desmontar ao

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    Figura 1: roteiro de entrega somente considerando peso

    Figura 2: carga com dez caixas (sem tombamento)

  • longo do transporte, s vezes a soluo utilizar escoras ou fi tas de seguran-a. Na literatura, esta parece ser uma restrio que atrai mais a ateno dos pesquisadores e, por isso, exis-tem vrias heursticas que garantem uma boa estabilidade;

    Agrupamento dos itens e situa-es de vrias entregas: este um requerimento operacional, visto que h a necessidade de se descarregar um pedido em determinado local de modo rpido, sem a necessidade de descarregar o continer inteiro para depois recarreg-lo. Alm disso, a conferncia na carga e descarga muito facilitada desta forma;

    Separao de produtos em contineres: so os ca-sos em que, num mesmo continer, se deseja trans-portar produtos incom-patveis entre si, como, por exemplo, alimentos e produtos de limpeza;

    Peso mximo permi-tido: aqui, a restrio se aplica ao continer com-pleto, como tambm distribuio do peso den-tro do continer/veculo para contemplar o balan-o de carga sobre os eixos e garantir a dirigibilidade do veculo.

    Modelo estudado neste artigo

    Denominamos o proble-ma investigado neste estu-do de carregamento tridi-mensional e roteamento de veculos capacitados 3L-FS- MVRPTW (three-dimensio-nal loading fl eet size and mix vehicle routing problem with time window).

    Na Tabela 1 h um re-sumo das informaes tra-tadas pelo modelo propos-to, que significa que, dado

    um conjunto de clientes e seus pe-didos, o objetivo definir uma frota vivel (que respeite as restries) e rotas econmicas (de menor custo) de atendimento, que respeitem os horrios de entrega.

    Para o modelo estudado nes-te trabalho, foi criada uma funo multi-objetivo hierrquica, que contempla as funes objetivo a se-rem avaliadas, da seguinte forma:

    Minimizar o custo de frete to-tal: utilizar o custo real da tabela de fretes referente programao de rotas e carregamento;

    Minimizar o nmero de vecu-los utilizados: independentemente

    do tamanho de cada veculo, bus-ca-se reduzir o tamanho da frota. Quando possvel, a carga dispersa em mais de um veculo consolida-da em um nico;

    Minimizar a distncia total: a distncia percorrida pelos vecu-los envolve todo o percurso, desde a sada at o retorno origem, as-sim como todos os trechos entre os clientes, na seqncia determinada. O objetivo desta funo diminuir os custos variveis, tendo garanti-do que a quantidade de veculos a menor possvel;

    Maximizar a ocupao mdia: considerando o conceito de ocupa-o descrito na heurstica, o objetivo conseguir veculos bem ocupados e evitar que veculos de dimenses maiores que o necessrio, que nor-malmente tm custos fixos mais al-tos, sejam selecionados.

    Restries do modelo

    A seguir, esto listadas as caracters-ticas e restries do modelo tratado no 3L-FSMVRPTW e contempladas pelo algoritmo proposto neste trabalho:

    FrotaHeterogeneidade: a frota de ve-

    culos para atender ao conjunto de

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    ARTIGO

    Figura 4: nova soluo considerando as dimenses de veculo e carga

    Figura 3: carga com 15 caixas (com possibilidade de tombamento)

  • clientes heterognea, ou seja, as carroarias (bas ou caambas) tm dimenses distintas;

    Tridimensionalidade: todo veculo da frota tem formato de paraleleppe-do, com dimenses de largura, compri-mento e altura que podem ser distintas por veculo (frota heterognea);

    Capacidade: cada veculo tem um limite de peso m-ximo e este pode ser distinto por veculo (frota he-terognea);

    Disponibilida-de: o nmero de veculos ilimita-do, de modo que todos os produtos possam ser entre-gues (desde que a janela de tempo seja factvel);

    Pedidos/Pro-dutos

    Tridimensio-nalidade: os pro-dutos so trans-

    portados em unidades de embarque em formato de paraleleppedo. Es-tas unidades muitas vezes sero chamadas de caixas, mas podem ser paletes, fardos, etc. As unidades de embarque podem ter dimenses distintas;

    Rotao: dependendo do produ-to, a caixa pode ser rotacionada e

    Depsito Local de origem com horrio de funcionamento

    Seqncia de partidas/retornos de veculos

    Localizao de cada cliente, faixa de horrio de atendimento e tempo de servio

    Rota qual o cliente pertence e horrio efetivo no qual se iniciar a entrega

    Quantidades, peso e dimenses (largura x comprimento x altura) de cada item

    Alocao de cada pedido em uma nica rota em determinada posio no veculo

    Tipos de veculos disponveis com sua capacidade e suas dimenses (largura x comprimento x altura)

    Quantidade de cada tipo de veculo que ser necessria para efetuar as entregas

    Clientes

    Pedidos

    Frota

    Informao Entrada Sada

    Tabela 1: entradas e sadas para o 3L-FSMVRPTW

    Figura 5: primeira caixa inserida

  • posicionada em mais de uma ma-neira em relao aos eixos do ve-culo. A definio deste grau de li-berdade feita para cada caixa da instncia avaliada;

    Espao til: no pode haver uma parte de qualquer caixa para fora das dimenses dos veculos; todas as caixas devem ser dispostas orto-gonalmente s dimenses do vecu-

    lo comprimento, largura e altura;

    Estabilidade: toda caixa deve ter pelo menos uma frao de sua base apoiada sobre uma rea plana e horizon-tal, que pode ser formada por ou-tras caixas ou pelo piso do continer.

    Atendimento aos clientes

    Unicidade: to-dos os pedidos (cai-xas) devem ser en-tregues aos clientes em visita nica. Portanto, no

    permitida a diviso do pedido em ml-tiplas entregas (order splitting);

    Janela de tempo: os veculos de-vem se apresentar para entrega nos clientes at, no mximo, o fi nal do

    perodo da janela de entre-ga. Se chegar antes do in-cio do perodo, aguardar at o momento de incio da janela de tempo;

    Descarregamento: a se-qncia de descarregamen-to deve ser respeitada, de modo que a reti-rada de uma caixa pela porta de sa-da do veculo no demande o movi-mento vertical ou horizontal de ne-nhuma outra.

    Exemplo de funcionamento

    A seqncia de carrega-mento a seguir um exem-plo formado com os se-guintes dados extrados da literatura acadmica:

    Passo 1 Escolha da primeira caixa a ser carregada e, conse-qentemente, do cliente na rota que ser atendido.

    Passo 2 Para as caixas do mes-mo cliente, comea o processo de in-sero atravs da combinao e com-parao entre as possveis caixas que cabem nos espaos disponveis.

    Passo 3 ao mudar de cliente, os espaos que ficaram inacessveis devem ser descartados para a se- qncia do processo. Contudo, neste passo nenhum espao foi desperdiado pelo posicionamen-to das outras caixas.

    Passo 4 Como o ltimo cliente a entrar na carga (e o pri-meiro a ser descarregado), o res-tante do veculo est disponvel para colocao das ltimas caixas e concluso da carga.

    E, como resultado final, tem-se a rota seguida pelo veculo com sua seqncia de descarregamento.

    Concluses

    A distribuio de produtos de baixa densidade muito complexa, pois depende da soluo integrada de dois problemas que, separada-mente, j so bastante difceis.

    Os algoritmos de otimizao

    ARTIGO

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    Figura 6: conjunto de caixas da ltima entrega

    Figura 7: entrada do conjunto de caixas da penltima entrega

    Figura 8: carga completa com todas as caixas

  • matemtica criados pelo autor se provaram superiores a outros estu-dos encontrados na literatura e ver-ses mais complexas foram imple-mentadas em software comercial, provando-se competitivas para em-presas que fazem uso do mesmo.

    Danilo CamposBacharel em Matemtica Aplicada e

    Computacional pela UnicampMestre em Engenharia de Sistemas pela

    UnicampDoutor em Engenharia de Produo pela Poli/

    USPDiretor da Neolog

    (11) [email protected]

    Janeiro/2009 - Revista Tecnologstica - 69

    Figura 9: rota com seqncia de descarregamento