[Banca 2 - Dissertação] - Felipe Prando

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[Banca 2 - Dissertação] uma exposição do Projeto [PAISAGEM :FRONTEIRA ] [Banca 2 - Dissertação] setembro de 2010 artista/pesquisador: Felipe Prando

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[Banca 2 – Dissertação] é uma apresentação e exposição do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] o qual é um site discursivo de investigação artística que se faz como um território constituído por uma rede de experiências e práticas discursivas, e articula-se, enquanto instância discursiva, em três etapas: experiências pelos sites, docs/registros das experiências e exposições (publicações/conversas) do processo de investigação.

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[Banca 2 -Dissertação]

uma exposição doProjeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]

[Banca 2 - Dissertação]setembro de 2010

artista/pesquisador:Felipe Prando

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE ARTES – CEART

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

FELIPE CARDOSO DE MELLO PRANDO

[Banca 2 – Dissertação]

uma exposição do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Gradução em Artes Visuais do CEART/UDESC, para obtenção do título de mestre em Artes Visuais.

Orientadora: Profª Drª Regina Melim

FLORIANÓPOLIS – SC2010

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FELIPE CARDOSO DE MELLO PRANDO

[Banca 2 – Dissertação]uma exposição do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do CEART/UDESC, para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais, na linha de pesquisa de Processos Artísticos Contemporâneos.

Banca Examinadora:

Orientadora:______________________________Profª Drª Regina Melim

PPGAV/CEART/UDESC

Membro:_________________________________Profº Drº José Luiz Kinceler

PPGAV/CEART/UDESC

Membro: _________________________________Profª Drª Maria da Glória Araújo Ferreira

UFRJ

Membro: ________________________________Profº Drº Paulo Roberto de Oliveira Reis

UFPR

Florianópolis, 30 de setembro de 2010

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AgradecimentosOs agradecimentos são a última parte que escrevo deste trabalho. Lembro do

primeiro dia em que estive na Udesc. Foi no processo de seleção para o Mestrado no ano de 2007. Acompanhava a Milla. Hoje, três anos após, estamos acompanhados. Quando realizei a entrevista para ingressar neste Programa, em 2008, não tinha a menor ideia de que, após os dois anos que se seguiriam àquele dia, finalizaria este trabalho à espera do Miguel.

Gostaria de agradecer a todas as pessoas que participaram destes dias.

Não posso começar de outro modo, que não seja agradecendo à Regina (Melim) por me aceitar como seu orientando. Tive uma orientadora e hoje tenho uma amiga. Sempre muito obrigado pela confiança e liberdade para a realização desta pesquisa. Com generosidade e muita energia, contribuiu para transformar algumas ideias que tenho sobre esse negócio que chamamos de arte.

Ao Zé (Kinceler), que, assim como a Regina, esteve em todas as bancas (seleção, qualificação e defesa). Os encontros nos quais fizemos a cerveja “Agosto” e a macarronada no “Enquanto Tiravanija não vem” serão sempre lembrados. Ainda em 2007, através da Milla, que foi sua aluna também, já acompanhava suas aulas.

Gostaria de escrever os nomes da Ana Gonzalez, Marcos Hill e Glória Ferreira. Com o apoio deles, desenvolvi um trabalho nos anos anteriores ao Mestrado. Aquele trabalho, de alguma forma segue por outros trilhos, mas segue.

Ao Paulo Reis, pela prontidão e pelo entusiasmo ao aceitar o convite para participar desta banca; e novamente à Glória Ferreira, também por participar nas bancas de qualificação e defesa.

Gostaria de agradecer ao Cleverson pelas conversas “desperdiçadas” entre viagens, cafés e cervejas. À Tati, que, com sua organização, me ajudou um monte várias vezes (documentos, requerimentos, etc.), sem esquecer os cafés que levava nas aulas do Zé. Ao Pedrinho, cara do bem, e a todos os outros colegas de turma. A todos do PPGAV/Udesc que fazem existir este lugar.

Agradeço à Udesc por conceder, pelo período de 12 meses, apoio financeiro através da Bolsa Promop.

À Anuschka e à Milla pelo tempo do Escapatórias. Aquele tempo continua importante.

Aos meus pais, os quais nem sei o que nem como agradecer por todo carinho. Às minhas irmãs, que, mesmo um pouco distantes, volta e meia quebram uns “galhos”, pela amizade que assegura um lugar de conversas sinceras.

À Milla, primeira leitora, de quem recebo todo amor, agradeço o carinho e a compreensão com que me acompanhou nestes dois anos. Daqui a alguns dias seremos três.

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RESUMO

A dissertação [Banca 2 – Dissertação] é uma apresentação e exposição do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], o qual é uma prática configurada como um site discursivo de investigação artística que se faz como um território constituído por uma rede de experiências e práticas discursivas, e articula-se, como instância discursiva, em três etapas: experiências pelos sites, docs/registros das experiências e exposições (publicações/conversas) do processo de investigação. O trabalho [Banca 2 – Dissertação], portanto, expõe questões construídas entre os anos 2008 e 2010, a partir de experiências pelo site discursivo de investigação artística, acessadas por docs/registros (diagramas, artigos, projetos irrealizados, etc.). A dissertação/exposição organiza-se em cinco partes: uma introdução, três capítulos e considerações finais. Após passar pelo primeiro capítulo, que realiza uma aproximação ao processo de construção do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] como um site discursivo de investigação artística, o leitor/público encontrará, no segundo capítulo, uma discussão sobre práticas contemporâneas site-specific que abordam o site discursivo como uma espécie de narrativa nômade, cujo percurso é articulado pela passagem do artista por contextos que se inscrevem na prática artística. Ainda no segundo capítulo, a partir da relação entre os Sites Geradores e os Sites Gerados que configuram o site discursivo, há uma abordagem do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] com um site posicionado na intersecção entre o campo da arte e outros campos. O terceiro capítulo, que surgiu da pergunta “Como disponibilizar ao público o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]?”, traz uma discussão sobre a construção de sites expositivos discursivos que possibilitem a circulação de docs/registros de experiências por sites discursivos de investigação artística. Por fim, nas Considerações Finais, há uma reflexão sobre a prática de projetos que ao não terem a preocupação de chegar a um produto final deslocam a atenção da “obra” para o processo, isto é, para a vida-no-projeto apresentada através de documentos.

Palavras-chaves: site-specific, site discursivo, exposição

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AbSTRACT

This dissertation [Juri 2 - Dissertation] consists of the presentation and exhibition of the Project [LANDSCAPE:BORDER] which consists of a configurative practice as a discursive site of artistic investigation done as a territory consisting of a net of experiences and discursive practices, and articulates, while a discursive instance, in three stages: site experiences, docs/registries of these experiences and exhibitions (publications/talks) of the investigative process. This work [Juri 2- Dissertation] therefore consists of questions that arose between 2008 and 2010 from experiences based on the discursive site of the artistic investigation accessed through docs/registries (diagrams, articles, undone projects, etc). The dissertation/exhibition is organized in five parts: an introduction, three chapters and final considerations. The first chapter provides a close view to the process of building the Project [LANDSCAPE:BORDER] as a discursive site for of artistic investigation. The reader/public will then get to the second chapter including a discussion about site-specific contemporary practice which addresses the discursive site as a nomadic narrative whose path is articulated by the passage of the artist by contexts that are inscribed in artistic practice. On the same second chapter the Project [LANDSCAPE:BORDER] is addressed as a site placed in the intersection between the art site and other sites starting from the relationship between the “generating sites” and the “generated sites”. Third chapter derivates from the following question: “how to make it the Project [LANDSCAPE:BORDER] available to the public?”. It brings a discussion about building discursive exhibition sites that enable the circulation of docs/registries of experiences through artistic investigative discursive sites. Lastly “final considerations” presents a reflection about the practice of projects that were not intended to get to a final product shifting the attention of the “work” to the process, namely the life-in-the-project presented by documents.

Keywords: site-specific, discursive site, exhibition

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Tabela de Figuras

Figura 1 -Robert Smithson, Un Recorrido por los Monumentos de Passaic, 1967......................20Figura 2 - Felipe Prando, Diagrama 2, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2010....................22Figura 3 - Felipe Prando, Embarque, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2009......................27Figura 4 - Felipe Prando, Anotações sobre o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2010..........30Figura 5 - Felipe Prando, Gráfico Contexto 1, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2010........32Figura 6 - Felipe Prando, Anotações sobre o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2009..........33Figura 7 - Felipe Prando, Check Point, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2009...................47Figura 8 - Felipe Prando, Diagrama 1, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2010 ...................50Figura 9 - Robert Smithson e Nancy Holt caminhando pelo site Mono Lake, frame do vídeo Mono Lake, 1968-2004...........................................................................................................................54Figura 10 - Robert Smithson, Mono Lake (nonsite), 1968 ...........................................................55Figura 11 - Felipe Prando, Contexto, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2009......................57Figura 12 - Felipe Prando, Exposição, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2009 ...................65Figura 13 - Felipe Prando, Diagrama 2, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2010..................67Figura 14 - Felipe Prando, No los conozco pero los quiero igual, 2010......................................70Figura 15 - Martha Rosler, If you lived here..., 1989...................................................................74Figura 16 - Martha Rosler, If you lived here still... - An archive project by Martha Rosler, 2009........................................................................................................................................................75Figura 17 - Martha Rosler apresentando um seminário no “unitednationsplaza” em Berlim, 2007 ......................................................................................................................................................77Figura 18 - Francis Alÿs, Historia de un desengaño, 2003-2006..................................................81Figura 19 - Felipe Prando, Projetos Irrealizados, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2009...83Figura 20 - Lucy Lippard, “557,087 Seatle Art Museum”, 1969 e “955,000 The Vancouver Gallery”, 1970...............................................................................................................................84Figura 21 - Roberto Winter e Luiza Proença, Temporada de Projetos na Temporada de Projeto, 2009..............................................................................................................................................85Figura 22 - Milton Machado, Hotel Tropical na Baia de Guanabara, 1978 ................................87Figura 23 -Robert Smithson, Proposal for a Monument at Antartica, 1966.................................88Figura 24 - Robert Smithson, Floating Island - to travel around Manhattan, 1970......................89

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SUMáRIO

Introdução à [Banca 2 - Dissertação]...............................................17

1. “O que você tem feito?”.........................................................................27

2. [PAISAGEM:FRONTEIRA]..............................................................47

3. Dúvidas e Pretensões.............................................................................65

Considerações Finais: Dos Projetos ao Projeto (Ir)realizado................79

Referências Bibliográficas.........................................................................93

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Introdução à [Banca 2 - Dissertação]

Observação: Este trabalho [Banca 2 – Dissertação] é um modo de apresentar e expor o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA].

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A [Banca 2 – Dissertação] constitui-se à medida que organiza a apresentação de algumas práticas, entendidas como artísticas, do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] e que acontecem há dois anos. Neste percurso, as práticas ocorrem através de experiências contextuais, encontros, coleta e produção de informações, e deslocamentos que aqui são acessados por meio de documentos e registros.

Organizar uma série de documentos não é a mesma coisa que apresentá-los nua e cruamente, mas um trabalho gerado a partir deles. O documento foi por muito tempo “descartado” da prática artística, sendo entendido como “mero” registro de algo que já aconteceu, tal qual, por muito tempo, sucedeu na história que buscava, a partir de documentos, “reconstruir [...] o passado de onde emanam e que se dilui, agora, bem distante deles”1.

Hoje, para muitas práticas artísticas, assim como para a história, “o documento não é mais essa matéria inerte através da qual ela tenta reconstituir o que os homens fizeram ou disseram”2. A história, e do mesmo modo a [Banca 2 – Dissertação], não corresponde à imagem “de uma memória milenar e coletiva que se servia de documentos materiais para reencontrar o frescor de suas lembranças: ela é o trabalho e a utilização de uma materialidade documental (livros, textos, narrações, instituições, etc.)”. Este trabalho [Banca 2 – Dissertação], assim como os outros que fazem parte do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], procura “uma maneira de dar status e elaboração à massa documental de que ela não se separa”3.

***

O trabalho [Banca 2 – Dissertação], que aqui é apresentado ao público, é um espaço gerado e configurado pelo artista-pesquisador através da organização e disponibilização de documentos e registros produzidos a partir de experiências por sites geradores de práticas artísticas.

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1 FOUCAULT, Michel. A arquelogia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 7.2 Ibid., p. 7. 3 Ibid., p.8.

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O conceito de nonsite, criado e praticado pelo artista Robert Smithson, é, desde os princípios deste trabalho, uma referência para pensar a construção e a apresentação de uma proposição a partir da experiência pelo contexto de um site selecionado. Smithson diz que a relação entre o contexto de um site selecionado e experimentado, e o contexto de um nonsite desdobrado e gerado pela experiência pelo site se constitui como uma dialética em constante movimento, sem a produção de uma síntese desta relação. O intervalo entre os dois é “um curso de perigos, um caminho de mão dupla feito de signos, fotografias e mapas que pertencem aos dois lados da dialética”4.

São vários os modos pelos quais Smithson busca pensar a relação site-nonsite. Ele diz haver entre um site e um nonsite um vasto campo metafórico, pois não há qualquer busca ou tentativa de que o nonsite seja uma espécie de representação do site. O nonsite tende a negar o site, apesar de apontar para sites existentes5.

Certa vez, quando perguntado se a prática do nonsite podia ser definida pela relação entre conteúdo e forma, Smithson afirmou que “[...] usualmente o conteúdo envolve algum aspecto representacional que eu busco esvaziar. O nonsite é uma abstração que representa o site. Ele não se parece com o site; o nonsite não é como o site, embora aponte para ele”. Questionado se haveria então uma aproximação por semelhança Smithson disse que o nonsite “é um equivalente abstrato do site... Não há aspectos representacionais entre as duas coisas...”6.

A prática do nonsite pode ainda ser entendida como um procedimento de investigação através do qual o artista constrói um diálogo entre exterior (site) e interior (nonsite). “Eu desenvolvi um método, ou dialética, que envolve o que chamo de site e nonsite. O site, em certo sentido, é o físico, realidade crua [...] então eu decidi que gostaria de estabelecer limites nos termos deste diálogo (é pra frente e pra trás o ritmo que há entre interior e exterior), e como resultado, ao invés de colocar alguma coisa sobre a paisagem eu decidi que seria interessante transferir a terra para o nonsite, que é um contêiner abstrato7, [...] dentro de outro contêiner – a sala”8.

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4 SMITHSON, Robert. Spiral Jetty (1972). In: FLAM, Jack (Org.). Robert Smithson: The collected Writings. University of California Press, 1996, p. 193. 5 SMITHSON, Robert. Fragments of an interview with P.A. [Patsy] Norvell (1969). In: FLAM, Jack (Org.). Robert Smithson: The collected Writings. University of California Press, 1996, p. 193. 6 SMITHSON, Robert. Four conversations between Dennis Wheeler and Robert Smithson (1966-1970). In: FLAM, Jack (Org.). Robert Smithson: The collected Writings. University of California Press, 1996, p. 199. 7 SMITHSON, Robert. Earth (1969).in: FLAM, Jack (Org.). Robert Smithson: The collected Writings. University of California Press, 1996, p. 178. 8 SMITHSON, Robert. Spiral Jetty (1972). In: FLAM, Jack (Org.). Robert Smithson: The collected Writings. University of California Press, 1996, p. 193.

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Todavia, os nonsites de Robert Smithson não serão apresentados apenas em cubos brancos, serão levados a outros “contêineres” além destes. O artista, na sua trajetória, expande a prática artística do nonsite para publicações e conferências, mas mantém aberta uma mesma questão: a relação entre um site selecionado e experienciado, e um nonsite gerado pela prática artística a partir da experiência do artista pelo contexto do site.

Recordo que uma das ideias para iniciar um texto que fez parte da [Banca 1 – Qualificação], que correspondeu ao Relatório de Qualificação, era a descrição e a análise de uma proposição artística orientada pelas especificidades de um contexto, ou seja, construída a partir da experiência pelo site. Percebi que foram raríssimas as oportunidades em que estive num espaço expositivo museológico ou galeria diante de trabalhos de artistas como: Robert Smithson, Christian Philipp Müller, Martha Rosler, Francis Alys, entre outros. Cheguei a comentar em reuniões de orientação sobre a dificuldade para encontrar imagens de muitos trabalhos de que estava tomando conhecimento. Nas poucas oportunidades em que encontrei estes trabalhos em museus, muitas vezes foram apenas parte dos trabalhos.

A primeira oportunidade em que me vi diante de um trabalho orientado pelas especificidades de um contexto foi quando, em 2008, encontrei o livro Un recorrido por los monumentos de Passaic (edição de “Monumentos de Passaic”), de Robert Smithson. Ou seja, um livro. O espaço que eu, como público, compartilhei com o trabalho não foi o “contêiner” físico com portas e paredes, mas o “contêiner” de um livro constituído de texto, fotografias e mapas que naquele momento percebia com um site discursivo gerado pela prática do artista.

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O conceito de nonsite proposto e praticado por Robert Smithson pode ser entendido como “uma experiência primeira que traz à tona uma forma híbrida e desterritorializada da noção de site-specific”9. A ideia de site-specific pensada e praticada na [Banca 2 – Dissertação] é a de um procedimento de investigação que aborda o site de investigação artística como uma rede de práticas e experiências discursivas sobrepostas, tramadas como uma espécie de cadeia de significantes. Este modo de pensar e praticar o site de investigação artística como um site discursivo é entendido como atualização ou desdobramento das primeiras práticas site-specific. As práticas contemporâneas site-specific, nomeadas de site-oriented por Miwon Kwon10, e de functional-site por James Meyer11, são processos artísticos que “desmaterializam” o site.

A ideia da desmaterialização12 apareceu com força entre os anos 1960–70 para

9 MELIM, Regina. Entre a especificidade e a mobilidade do lugar. Revista Número, São Paulo, abril/2004, p. 16-17. 10 Cf. KWON, Miwon. One place after another: site-specific art and locational identity. MIT Press: Cambridge, Massachusetts, 2002. 11 Cf. MEYER, James. The functional site: or, the transformation of site specificity. In: SUDERBURG, Erika. Space, Site, Intervention: situating installation art. 2000. página 12 Cf. LIPPARD, Lucy, Chandler, John. The Dematerialization of Art. In: ALBERRO, Alexander, STIMSON, Blake. Conceptual art: a critical anthology.. Cambridge: MIT Press, 1999, p.46-50.; LIPPARD, Lucy. Escape Attempts. In: Six Years: the dematerialization of the art object from 1966

Figura 1 -Robert Smithson, Un Recorrido por los Monumentos de Passaic, 1967

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pensar trabalhos com “ênfases não visuais”, nos quais “a ideia é primordial” e a forma material é considerada secundária, leve, efêmera, barata, simples e/ou desmaterializada.

No Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], bem como em seus desdobramentos como este trabalho [Banca 2 – Dissertação], a desmaterialização do site é pensada sob dois aspectos: a) o site experienciado não é compreendido apenas numa dimensão topográfica, mas também por práticas e experiências discursivas que constroem sentidos possíveis ao site; b) o segundo aspecto diz respeito ao site gerado pela prática artística: nos anos 1960, Seth Siegelaub desfez o site físico da sua galeria em Nova York e passou a organizar exposições em sites impressos como catálogos e outras publicações, ampliando e flexibilizando a ideia de circuito de arte.

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Este trabalho [Banca 2 – Dissertação] configura um site expositivo do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] que, nesta ocasião, acontece como um site discursivo de investigação artística.

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Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]

O Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] é uma prática artística configurada como um site discursivo de investigação artística que se faz como um território constituído como uma rede de experiências e práticas discursivas. Praticado como uma instância discursiva, articula-se em três etapas: experiências pelos sites, docs/registros das experiências e exposições (publicações/conversas) do processo de investigação.

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to 1972 . Berkeley: UCPress, 1997.

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Figura 2 - Felipe Prando, Diagrama 2, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2010

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[Banca 2 – Dissertação]

1. [Banca 2 – Dissertação], para o Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGAV/Udesc), é uma Dissertação apresentada como pré-requisito para a conclusão do Mestrado.

2. [Banca 2 – Dissertação], para o circuito e sistema de arte, é um site expositivo discursivo do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA].

3. O PPGAV/Udesc é parte do circuito e sistema de arte.

***

Esta Dissertação [BANCA 2 – Dissertação] é uma exposição com o propósito de discutir questões construídas, ao longo de 2008–2010, a partir de experiências pelo site discursivo de investigação artística Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], acessadas por docs/registros (diagramas, artigos, projetos irrealizados, etc.)

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[Banca 2 – Dissert ação] está organizada em cinco partes, uma introdução, três capítulos e considerações finais:

Introdução à [Banca 2 – Dissertação]

Capítulo 1 – O que você tem feito?

Esta parte é uma espécie de introdução ao Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]: uma primeira aproximação ao seu processo de construção como um site discursivo de investigação artística.

Capítulo 2 – [PAISAGEM:FRONTEIRA]

Esta seção discute a ideia de mobilidade discursiva do site através da relação entre Sites Geradores e Sites Gerados pela prática artística, e está dividida em duas partes:

2.1 [PAISAGEM: - discute a ideia da prática contemporânea site-specific como um procedimento de investigação que aborda o site discursivo como uma espécie de narrativa nômade, cujo percurso é articulado pela passagem do artista por contextos que se inscrevem na prática artística. O Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] é um site discursivo configurado como uma rede de discursos que vão se constituindo através da relação entre Sites Geradores e Sites Gerados pela prática artística.

2.2 :FRONTEIRA] – trata da posição que o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] constrói e ocupa em relação ao circuito e sistema de arte. Ao entender a :FRONTEIRA] como um site determinado pela interseção de dois campos, a posição para onde caminha o

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Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] é a da “passagem” entre o campo artístico e outros campos. Tanto o modo de abordagem aos Sites Geradores quanto a circulação dos Sites Gerados para além dos espaços circunscritos de museus e galerias não se fazem com o intuito de demarcar o oficial e o alternativo, pois tudo são circuitos.

Capítulo 3 – Dúvidas e pretensões

Como disponibilizar ao público o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]? É desta pergunta que surge a terceira parte da [Banca 2 – Dissertação]. O que há para ser disponibilizado são questões acerca da prática artística surgidas da experiência pelo site discursivo de investigação artística Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]. Recorro a exposições organizadas por Seth Siegelaub, Martha Rosler e Anton Vidokle para pensar a construção de sites expositivos discursivos que façam circular docs/registros de experiências.

Considerações Finais – Dos Projetos ao Projeto (Ir)realizado

A parte “Considerações Finais” é uma reflexão sobre projetos irrealizados. O Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] não tem a preocupação de ser concluído, de chegar a um produto final. É um projeto (ir)realizado num sentido diferente de projetos ficcionais que são impossíveis de serem realizados ou de projetos que ficam irrealizados na gaveta. O Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] acontece sem a preocupação de ser encerrado, pois desloca sua atenção da “obra”, para o processo, isto é, para a vida-no-projeto artístico apresentada através de documentos.

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1. “O que você tem feito?”

Muitas vezes, quando ouvi “o que você tem feito?”, fiquei entre dizer que realizando uma pesquisa no [Mestrado-Programa13] sobre paisagem contemporânea ou um projeto no [Chuí-Chuy14]. A continuação desta resposta era uma confusão tremenda, por mais que no decorrer da conversa tivesse dito que não há qualquer hierarquia entre produzir uma escrita, uma imagem, um objeto ou qualquer outra coisa, desde que exista alguma reflexão que seja exterior à especificidade do meio.

Raras foram as vezes em que iniciei a resposta pensando no fato de que é a pesquisa que constitui minha prática artística. Talvez com a expectativa de responder o que o outro quisesse ouvir, respondia: “trabalho com fotografia”. Porém, mesmo a fotografia estando presente e sendo pensada através dos trabalhos, não trabalho apenas com fotografia. Não sou fotógrafo no sentido em que alguns são pintores, outros escultores, outros performers, etc. Desenvolvo pesquisas, independentemente do recurso utilizado para pensar as questões que surjam na prática artística.

Após a realização de alguns trabalhos com fotografia documental, percebi que,

13 Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Estadual de Santa Catarina.14 A Cidade de Chuí-RS, localizada no extremo Sul do Brasil, separa-se, na parte urbana, do Chuy, município uruguaio, por uma longa avenida (Av. Internacional).

Figura 3 - Felipe Prando, Embarque, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2009

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para todos os projetos (Súra, Armazéns, Candonga, Coisas que não têm nome, Perder de vista, Fábrica), o ponto de partida havia sido a escolha de um site15 a ser experienciado, e que todos estes sites demandaram deslocamentos até eles. É destas experiências pelos sites que surgem as questões desenvolvidas nas pesquisas. Há, neste momento, duas experiências “primeiras” geradoras de questões: [Mestrado] e [Viagem ao Chuí(y)].

Numa outra ocasião em que perguntaram “o que você tem feito?”, respondi todo enrolado que no [Mestrado - Programa] e, ao mesmo tempo, no [Chuí-Chuy] desenvolvia um projeto sobre “paisagens contemporâneas”, mas ainda sem saber como apontar que cada um dos projetos é parte do outro. Enquanto preparava o relatório para a qualificação, esta dúvida continuava no ar. Como conectar o texto da dissertação como mais uma parte da prática artística? A questão não é reconhecer a prática da escritura como uma prática artística, mas como apresentar as duas experiências [Mestrado] e [Viagem ao Chuí(y)] como partes de uma mesma escritura.

Já pensei em responder que desenvolvo projetos site-specific16, mas sempre fico preocupado com o entendimento sobre esta prática artística. Como já dito em outros escritos, a ideia de site-specific que interessa é a de um modo de pensar, e não uma categoria artística a mais (pintura, fotografia, site-specific, performance, etc.).

Passei a deixar de lado a preocupação com o que o outro queria ouvir, pois, se

15 Espaço e lugar são conceitos sempre presentes na tentativa de traduzir o conceito de site que forma o de site-specific. Muitos pesquisadores das mais diversas áreas (Geografia, Antropologia, Arte, Sociologia, etc.) buscam estabelecer distinções entre as noções de espaço e lugar. Michel Du Certau e Milton Santos são dos mais citados por pesquisadores/artistas no auxílio à tradução do site-specific. O problema talvez decorra da diversidade de termos em inglês – origem do site-specific – para pensar espaço e lugar – space, place, site.O termo site-specific participa do contexto artístico brasileiro, e de outros países, sem tradução. O artista Jorge Menna Barreto ao pensar a tradução de site-specific para a língua portuguesa percebe “a sua tradução literal poderia gerar algo como ‘sítio específico’. O grande erro nessa transposição é que o sítio passa a ser específico, e não mais a obra, com é utilizado no inglês, pois o termo deixa de operar como um adjetivo [como ocorre na língua inglesa]. O que me parece um nó interessante é que o significado da própria palavra site-specific se refira justamente a uma especificidade de contexto para a construção de significado.”Neste trabalho fez-se a opção por não substituir a palavra site por outra equivalente em língua portuguesa com o propósito de mantê-la vinculada a idéia de uma prática site-specific. Nestas condições entendo ser possível uma aproximação do termo site com a idéia de um contexto (físico e/ou discursivo) selecionado numa prática artística.Cf. BARRETO, Jorge Menna. Lugares Moles – MESA 3. Dissertação de Mestrado. ECA-USP, 2007, p. 04; CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Ed. Vozes, 2008, p. 199-207.; SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1999, p. 8-88; MANO, Rubens. A condição do lugar no site. In: Ars. São Paulo: ECA/USP, nº 7, 2006, p. 113-120.16 Jorge Menna Barreto aponta que o entendimento do termo site-specific como uma categoria artística “tem sido usado por instituições de arte e discursos do mainstream para legitimar as obras às quais se referem, como se o simples fato de usar o temo lhe garantisse criticidade e atualidade. Isto tem acontecido no Brasil também, caso do Programa Rumos do Itaú Cultural (2005). Cf. BARRETO, Jorge Menna. Lugares Moles – MESA 1. Dissertação de Mestrado. ECA-USP, 2007, p. 17.

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havia o interesse de existir uma conversa, teria que fazer entender o que entendo por site-specific. Pois, além de ser um modo de pensar, o site do site-specific é compreendido como uma instância articulada por experiências e práticas discursivas, isto é, o site selecionado para investigação artística não é pensado e praticado através de suas especificidades topográficas, mas como um território compreendido como rede de discursos.

Por um lado, uma ideia “genérica” de site-specific ajudou a entender a ideia do [Chuí-Chuy], mas não a do [Mestrado-Progama], como um site inicial selecionado para investigação artística; por outro lado, a ideia de site como instância discursiva aproximou o entendimento da ideia do [Mestrado-Programa] e dificultou o do [Chuí-Chuy]. A separação entre ambos existe, porém tanto na experiência do [Mestrado] quanto na [Viagem ao Chuí(y)], a questão, ou o site de investigação artística, é o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], no qual as duas experiências passam a constituir uma mesma escritura.

Num escrito feito para pensar a experiência [Viagem ao Chuí(y)], mas que acabou utilizado para pensar a do [Mestrado], havia dito que a :FRONTEIRA] pensada é a da [PAISAGEM: articulada com o pensar a :FRONTEIRA] da arte contemporânea.

O site de investigação artística Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], gerado como uma formação discursiva articulada desde as práticas e experiências pelos Sites Geradores, e desde os Sites Gerados pela prática artística, não privilegia uma localização física. Desde os primeiros escritos do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], as experiências [Viagem ao Chuí(y)] e [Mestrado] se justificaram por questões conceituais, de modo que o [Chuí-Chuy] se tornou um destino a ser deixado para trás.

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Figura 4 - Felipe Prando, Anotações sobre o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2010

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“A escolha [do Chuí(y) como destino da viagem] não teve um motivo lógico, tipo ‘vim aqui depois de passar por ali’. O que chamou a atenção foi o termo ‘campos neutrais’. Foi curioso achar ‘campos neutrais’ enquanto buscava informações sobre fronteira. Agora, já não acho tão curioso como havia achado. Alguns meses antes, havia começado o [mestrado] em Artes Visuais na UDESC e para fazer a seleção precisava escrever um projeto de pesquisa. Sem saber por onde começar, optei por continuar (sem continuar do mesmo modo) pensando paisagem. O projeto ‘Perder de Vista’ havia sido apresentado algumas semanas antes de elaborar o projeto do [mestrado] ‘Paisagens Contemporâneas’. No ‘Perder de Vista’, havia trabalhado com paisagem e passado por muitos lugares que sofriam transformações (tenho retornado àqueles lugares, e nenhum dos que visitei existe mais, os espaços foram destruídos/construídos, e os objetos, removidos). Paisagem, espaços, como pensá-los? O propósito não era o que pensar, mas como pensar, por onde pensar? Fuçando coisas e livros, internet, no início do [mestrado] encontrei a história de que, em 1777, um Tratado entre as Coroas Portuguesa e Espanhola estabeleceu uma faixa territorial como ‘campo neutral’. Localizava-se onde hoje é a fronteira extremo sul do Brasil. [Viajei para o Chuí(y)].” (anotações de caderno)

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O site de investigação artística Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], mesmo configurado como uma instância discursiva, sempre participa de um contexto que vaza para a prática artística, tanto pelas experiências em localizações físicas quanto pelas experiências em livros, conversas, imagens.

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Figura 5 - Felipe Prando, Gráfico Contexto 1, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2010

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O Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] foi surgindo como um emaranhado de conceitos, práticas e experiências sem qualquer tipo de hierarquia, sem começo, meio ou fim. Foi curioso perceber que nenhum marco divisório visto na [Viagem ao Chuí(y)] se mantinha como tal. As tentativas de enrijecer a :FRONTEIRA] foram são “desfeitas” por experiências e práticas que (re)constituem permanentemente a ideia de :FRONTEIRA].

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Figura 6 - Felipe Prando, Anotações sobre o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2009

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O site Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], que foi sendo experimentado e elaborado no transcorrer da prática artística, aproxima-se de uma ideia apresentada por Deleuze17 para falar do ENTRE como “a meio de” (dois espaços, dois tempos, duas situações), ou através da imagem de um “riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio”. [PAISAGEM:FRONTEIRA] é o que está em movimento.

Este movimento, seguindo com Deleuze, são como linhas de fuga, corredores de deslocamento ou vetores de desterritorialização. É um território que escapa de todas as tentativas de estratificação, isto é, de torná-lo estático.

O site Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] é um território em movimento que se desdobra em outros Sites Geradores e Sites Gerados pela prática artística como uma espécie de reterritorialização, um conceito novo, ou seja, a construção de um novo território que pode ocorrer sobre um objeto, um aparelho, um ser, um livro, uma propriedade da terra, etc. Cada Site Gerado, ou seja, cada nova proposição que recoloca questões construídas no desenvolvimento do projeto pode apresentar docs/registros e exposições anteriores, e assim podem ir configurando a trama de práticas e experiências discursivas do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA].

É possível falar de um movimento dialético entre Sites Geradores da prática artística e Sites Gerados pela prática artística, ainda mais se considerarmos que um Site Gerado pode vir a ser também gerador da prática artística. O movimento dialético é compreendido no sentido proposto por Robert Smithson18 não como tese-antítese-síntese, mas como “um desenvolvimento em curso”, que não produz uma síntese da relação dialética.

Por mais que as experiências [Mestrado] e [Viagem ao Chuí(y)] ocorram a partir de sites com forte referência física, esta vai se desfazendo à medida que os sites vão sendo pensados por outras experiências artísticas.

Os Sites Gerados pela prática artística correspondem a formas de apresentação do projeto, o qual é (ir)realizado, pois tanto os docs/registros quanto as exposições não buscam responder às questões do site, e sim colocar questões sobre o site Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA].

As exposições, à medida que ocorrem, levam em consideração os docs/registros e as exposições já ocorridas, todavia, sem o interesse de explicá-los ou exemplificá-los. É como aconteceu na exposição [Sala (Estágio de Docência)]: 17 DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. vol.1. São Paulo: Ed. 34, p. 37.18 SMITHSON, Robert. A provisionabl theory of non-sites (1968). In: FLAM, Jack (Org.). Robert Smithson: The collected Writings. University of California Press, 1996, p.364.

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pensada a partir dos docs/registros e da exposição anterior, [Experiência no Chuí(y)]. Nesta toada, as ex-posições que se seguem são próprias, ao mesmo tempo em que constroem questões a partir do percurso pelo site discursivo de investigação artística [PAISAGEM:FRONTEIRA].

Uma proposição artística, ao ser apresentada, tem que, de algum modo, estar fechada/armada, mas ao mesmo tempo possibilitar novas aberturas.

Cada exposição tem por objetivo configurar um site expositivo que disponibilize docs/registros sob a forma de publicações e conversas. Estas, por sua vez, através da participação do artista/pesquisador/coordenador do projeto, ou outros convidados – artistas, ou não –, estabelecem uma articulação/mediação com o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], que remete não mais a uma experiência por um site físico, mas por um site discursivo.

Pelo fato de o projeto não elaborar objetos, mas questões a partir da narrativa de percursos, as exposições configuram-se como sites expositivos discursivos que estabelecem percursos pelo itinerário do projeto. Cada exposição gerada pela prática artística pode ser configurada de modos distintos, sempre considerando o contexto no qual se insere. Até o presente, já foram realizadas algumas exposições do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]:

1) Experiência no Chuí(y)2) SALA (estágio de docência)3) Relatório Funarte4) Banca (1) – Qualificação5) No los conozco pero los quiero igual

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1) A exposição [Experiência no Chuí(y)], num primeiro momento, ocorreu de modo bastante diluído através de situações de inserções sociais. Através de algumas ações, serviços e conversas, o projeto “paisagem:fronteira” (enviado para o Edital Bolsa Estímulo à Criação Artística-Fotografia, Funarte) foi apresentado a moradores das cidades do Chuí-BR e do Chuy-URU: restauro de fotografias, realização de retratos de trabalhadores, busca por arquivos fotográficos, entrevista com Carlos Ibarra, participação no programa “Sin preconceitos”, do radialista Heber Alegre, ocasião na qual o projeto foi apresentado à comunidade do Chuí-Chuy. Estas intervenções que caracterizam a experiência [Viagem ao Chuí(y)] foram modos praticados para investigar a site inicial [Chuí-Chuy].

Num segundo momento, a exposição [Experiência no Chuí(y)], constituída de docs/registros da [Viagem ao Chuí(y)], foi inserida em outras duas exposições do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]: na publicação [Relatório Funarte] e na conversa [Sala].

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2) A exposição [SALA (estágio de docência)] aconteceu durante o estágio de docência realizado na disciplina “Oficina Avançada” do Curso de Graduação em Artes Visuais/Udesc, que era coordenada pela curadora/pesquisadora Regina Melim. Nesta exposição, o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] acumulava os docs/registros (artigos, fotos, etc.) das experiências [Viagem ao Chuí(y)] e [Mestrado], e também docs/registros da exposição [Experiência no Chuí(y)]. [SALA] aconteceu em três momentos: a) apresentação dos projetos19 “paisagem:fronteira” e “Paisagens Contemporâneas”; b) disponibilização de docs/registros das experiências [Viagem ao Chuí(y)] e [Mestrado], numa espécie de depositário de imagens fotográficas, relatos, jornais, panfletos, projetos irrealizados e outras coisas; c) apresentação de questões elaboradas no percurso do projeto que foram discutidas e trocadas com os participantes.

19 O projeto “Paisagens Contemporâneas: territorialidades artísticas intertextuais” foi enviado ao Edital de Seleção para ingresso no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGAV-Udesc), na linha de pesquisa Processos Artísticos Contemporâneos; e o projeto “paisagem:fronteira” submetido ao Edital Bolsa de Estímulo à Criação Artística-Fotografia concedido pela Funarte/Ministério da Cultura para o financiamento de pesquisas artísticas.

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3) A exposição [Relatório Funarte] é: a) um relatório de prestação de contas de atividades artísticas junto à Funarte pelo recebimento de apoio financeiro através da Bolsa de Estímulo à Criação Artística-Fotografia; b) e, como informado na prestação de contas, uma exposição que apresenta e constrói o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]. Realizar a exposição sob a forma de um relatório cria possibilidades para o projeto ser acessado por uma audiência ampliada, e criar mecanismos de circulação e dispersão desta prática artística através de publicações on-line e impressos.

O [Relatório Funarte], constituído de docs/registros das experiências [Viagem ao Chuí(y)] e [Mestrado], e também das exposições [Experiência no Chuí(y)] e [Sala], está organizado em cinco partes: 1) dos Projetos “paisagem:fronteira” e “paisagens contemporâneas”; 2) doc/registro que discute o Título do Projeto; 3) Sobre apresentações do projeto com docs/registros da exposição [Sala]; 4) a exposição [Experiência no Chuí(y)]; 5) Projetos irrealizados de intervenções.

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4) [BANCA 1 – Qualificação] é o nome dado ao Relatório de Qualificação apresentado ao PPGAV/Udesc que apresentou um percurso da prática artística Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] através da qual busco pensar a geração de sites discursivos.

A exposição [Banca 1 – Qualificação] configurou-se pela apresentação de docs/registros da experiência [Mestrado]: projeto “Paisagens Contemporâneas: territorialidades artísticas intertextuais”, relatos de créditos cursados e trabalhos realizados nas disciplinas e seminários no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV/Udesc); e quatro textos que procuraram, através da análise de práticas artísticas site-specific, pensar sobre as experiências [Viagem ao Chuí(y)] e [Mestrado], bem como sobre a configuração do site discursivo [PAISAGEM:FRONTEIRA]. Os quatro escritos foram: 00 “Sobre Paisagens Contemporâneas”, 01 “Sobre a Mobilidade Discursiva do Site”, 02 “Sobre Sites do site-specific”, e 03 “Sobre o que você tem feito – introdução”. Houve a ativação desta exposição através do diálogo com os membros da “BANCA”.

Também foram disponibilizados docs/registros de exposições anteriores: [Experiência no Chuí(y)], [Sala] e [Relatório Funarte]; e três projetos irrealizados de exposições: [Campo Neutral], [Quintal] e [Oficina].

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5) A exposição [No los conozco pero los quiero igual] ocorreu como uma conversa realizada no evento “Relações de Fronteira”, que fez parte do projeto “Trânsito à margem do lago”, coordenado pelos artistas Lúcio de Araújo e Claudia Washington. [Nos los conozco pero los quiero igual] é um relato/ensaio situado entre o comentário real (ou) ficcional. Diante da impossibilidade de apreensão mimética da experiência, cria-se uma possibilidade para que o relato da experiência seja uma nova experiência construída na relação com o público. Ao invés de jogar o público para trás do tempo, voltando à experiência passada, a exposição de docs/registros procura articular um espaço novo, ainda não vivido.

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2. [PAISAGEM:FRONTEIRA]

[PAISAGEM:

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Quando este projeto se iniciou, a denominação [PAISAGEM:FRONTEIRA] não era riscada. O percurso do trabalho levou a caminhos em que a ideia da [PAISAGEM: na prática artística se distanciou de trabalhos nos quais a terra, a natureza ou o meio ambiente são matérias20.

20 A paisagem, apesar de ser construída por processos culturais, por muito tempo foi apreendida visualmente sob o aspecto objetivo/descritivo que permitiu que muitos acabassem associando-a à ideia de natureza. As práticas artísticas de Land Art e site-specific, entre os anos 1960 e 70, passaram a realizar trabalhos que intervinham diretamente na paisagem. Vários projetos de artistas daquele período (Michel Heizer, Carl Andre, Denis Oppenheim, Robert Smithson e outros) pensaram a paisagem através da ideia da transitoriedade e transformação, e também como uma matéria para seus procedimentos artísticos. Michel Heizer, por exemplo, dizia que um dos seus interesses era “deslocar massas”. Entretanto, existiram artistas, como Robert Smithson, que participaram do movimento da Land Art e que entenderam a paisagem não apenas como matéria para o trabalho de arte, mas também como um procedimento artístico. Assim podem ser entendidos projetos como “Monumentos para Passaic” e “Hotel Palenque”, nos quais a seleção de sites se faz com o intuito de produzir reflexões sobre “modos como o mundo é construído e visto”. Deste mesmo período, há outros projetos como: da Lucy Lippard (557,087 Seatle Art Museum, sep-oct 1969; 955,000 The Vancouver Gallery, jan-feb 1970; 2,972,453 CAYC Buenos Aires, 1970), do Douglas

Figura 7 - Felipe Prando, Check Point, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2009

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Lucy Lippard21 destaca que a palavra “paisagem” (landscape), além de ser “usada indistintamente para uma cena enquadrada diretamente pelo olhar (uma narrativa), ou uma cena enquadrada/imaginada para ser olhada (um quadro)”, é, também, um conceito ocidental utilizado para a recepção do mundo ideologicamente enquadrado.

O que resta da paisagem na [PAISAGEM: é a ideia de “uma cena enquadrada, um recorte”, porém, produzida “não apenas por um olhar contemplativo, mas a partir da infiltração ou do percurso do próprio corpo”22 nos espaços. Poderia, desde já, apontar a concepção da [PAISAGEM: como um procedimento através do qual o homem enquadra, revela, modifica e produz “modos como o mundo é construído e visto”23.

Hoje, a [PAISAGEM: pode ser pensada pela mobilidade, transitoriedade e fluxos que caracterizam a contemporaneidade. Se a [PAISAGEM: é entendida como um procedimento que enquadra ou recorta um espaço que é móvel, transitório e fluido, o procedimento provavelmente também será. Pensar a [PAISAGEM: como um procedimento é pensar um instante (enquadrado/recortado) de um fluxo.

***

A [PAISAGEM: como um procedimento que enquadra ou recorta, um espaço através da infiltração ou do percurso do corpo no espaço é bastante próxima das práticas contemporâneas site-specific. Estas, uma vez que não são compreendidas como uma categoria artística, são entendidas como um procedimento de investigação, “um modo de agir e pensar” que se estabelece a partir da seleção de um site de investigação artística. O site, abordado como um processo ou itinerário, uma sequência fragmentária de eventos e ações através dele, é uma espécie de narrativa nômade cujo percurso é articulado pela passagem do artista. Este tipo de prática artística enfatiza as possibilidades discursivas do site, pois este encontra sua âncora localizacional no âmbito do discurso, e não numa noção meramente física, topográfica. É possível dizer que, da referência física, literal do site, o que resta é a passagem do artista por um contexto que se inscreve na sua prática.

***

A crítica Miwon Kwon, ao escrever uma possível genealogia das práticas site-

Huebler (“Site Sculpture Project”), do Grupo Rosário (“Tucumán Arde”), e ainda os projetos de Seth Sieglaub (July, August, September, 1969, e outros). A partir dos anos 1980, percebe-se o aparecimento de muitos projetos artísticos que entendem a [PAISAGEM: como um procedimento: “If you lived here...”, 1989, – Martha Rosler; “unitednationsplaza”, 2007-8 e “New York Conversation”, 2010 – Anton Vidokle; “Projeto Matéria”, 2004 – Jorge Menna Barreto.21 LIPPARD, Lucy. Land Art in the rearview mirror, in: LaBELLE, Brandon e EHRLICH, Ken. Surface Tension: problematics of site. New York: Artbook, 2003, p.60.22 GANZ, Louise. Paisagens e experiências. In: Concinnitas ano 9, vol.2, nº13, dez. 2008, p. 163.23 Ibid., p. 161.

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specific, aponta, através da compreensão do site gerador do trabalho, três paradigmas – fenomenológico24, institucional/social25 e discursivo – que não são estágios de um desenvolvimento histórico linear, mas definições concorrentes, que podem ser sobrepostas ou operarem simultaneamente26. Com suas diferenças que dizem respeito ao site selecionado, e ao modo de pensar e operar a partir deste site, em todos os momentos está presente a ideia de uma prática contextual.

Estas três formas de compreensão do site demonstram uma transformação interessante na sua definição ao não ser observado apenas como uma localização física (fenomenológica, ou literal), fixa e enraizada, mas num sentido discursivo, fluido e desenraizado. O site de investigação artística determinado discursivamente pode ser delineado como um campo de conhecimento, troca intelectual ou debate cultural27.

A ideia de site discursivo pode ser entendida como uma atualização ou desdobramento das primeiras práticas site-specific. As práticas contemporâneas site-specific, nomeadas de site-oriented por Miwon Kwon e de functional-site por James Meyer, são processos artísticos que reconhecem a mobilidade discursiva do site e o operam como territórios compreendidos como redes de discursos que estabelecem diferentes conversas com o sistema de arte. Os sites “acabam achando sua âncora localizacional no âmbito do discurso”28.

***24 Double Negativo, 1969 (Michel Heizer). The Lighting Field, 1977 (Walter de Maria). Desert Cross, 1969 (Walter de Maria). Spiral Jetty, 1970 (Robert Smithson). Amarillo Ramp, 1973 (Robert Smithson). Os trabalhos de Land Art assumiram a paisagem como sua morada. As intervenções construídas pelos artistas deixavam de ser esculturas e confundiam-se com a própria paisagem que recebia os trabalhos. Conforme Michel Heizer, “o trabalho não era posto em um lugar: ele é o lugar”. Os interesses desses projetos eram diversos: “deslocar massas” e “a eliminação completa do status de mercadoria do trabalho de arte”, até a experiência física direta do nosso corpo (espectador) na paisagem-trabalho. Cf. HEIZER, Michael; OPPENHEIM, Dennis; SMITHSON, Robert. Discussões com Heizer, Oppenheim, Smithson. In: FERREIRA, Gloria, COTRIN, Cecilia (Orgs). Escritos de Artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006, p.275, 279-281.25 Within and Beyond the Frame, 1973 (Daniel Buren). Measurement: Room, 1969 (Mel Bochner). Project for Claire Copley Gallery, Los Angeles, 1974 (Michael Asher). Shapolsky et al. Manhattan Real Estate Holdings, A Real Time Social System, as of May 1, 1971(Hans Haacke). Musée d’Art Moderne, Départment des Aigles, 1968 (Marcel Broodthaers). A Crítica Institucional, ao pensar o espaço de apresentação e circulação dos trabalhos artísticos, desloca a ideia dominante de um espaço puro, idealista e não contaminado. A ideologia do “cubo branco” é posta em questão através de projetos que dão visibilidades a relações até então pouco evidenciadas. Os trabalhos artísticos não apresentam apenas as dimensões físicas do “cubo branco”, mas também suas dimensões políticas, econômicas, culturais. A partir de então, as várias camadas de discursos e práticas que permeiam e constituem o sistema da arte se fizeram visíveis.26 KWON, Miwon. One place after another: site-specific art and locational identity. Cambrigde, Massachussets: MIT Press, 2004, p. 30.27 Ibid., p. 26.28 Ibid., p. 28.

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50Figura 8 - Felipe Prando, Diagrama 1, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2010

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51Figura 8 - Felipe Prando, Diagrama 1, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2010

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O sentido do site é relativo, pois o [...] território só vale se se põe em relação, se remete a uma outra coisa ou outros lugares, e aos valores ligados a esses lugares. Assim é que é preciso compreender o relativismo: é o entrar em relação. Neste sentido é que o espaço é um espaço que pode ser uma base de exploração. Aquilo que em compensação o torna flutuante, nebuloso, quase imaterial29. A mobilidade permite e exige outras maneiras de pensar os territórios.

Nas práticas contemporâneas site-specific, a especificidade do site não é pensada pela sua topografia, mas através de suas possibilidades discursivas, pois são entendidos como cadeias de significados elaborados por experiências e práticas discursivas superpostas.

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[PAISAGEM:FRONTEIRA] é um site discursivo de investigação artística entendido como um projeto (ir)realizado, cuja prática são o processo e a experiência que articulam uma rede de discursos que em sua trama criam sentidos. O processo, apresentado no Diagrama 1, configura-se através de estratégias de inserções em redes de relações sociais. Dois campos de relações sociais são identificados como Sites Iniciais: [Chuí-Chuy], uma localização física, e [Mestrado-Programa], um Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais – Udesc. Todavia, estes são partes dos Sites Geradores, assim como a Experiência no Site. A prática artística Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], articulada pela passagem do artista pelos Sites Geradores, não está obrigatoriamente vinculada à construção de objetos, intervenções ou algo parecido, mas a algum tipo de reflexão30 que pode ocorrer por qualquer gesto que pense o site de investigação artística.

Selecionar um site não é cristalizar um fluxo, mas um instante experienciado. Por sua vez, o instante experienciado é apresentado como Site Gerado, um desdobramento da própria proposição artística. Os Sites Gerados – Docs/Registros e Exposição – podem ser uma conversa, um café, uma publicação ou outra situação que de alguma 29 MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 88.30 A “desmaterialização da arte” pensada por Lucy Lippard e John Chandler, entre os anos 1960 e 70 no contexto artístico norte-americano e anglo-saxão, é entendida como uma desmaterialização do objeto marcada pela ênfase não visual dos trabalhos. Em 1968, ano da publicação do artigo “A desmaterialização da arte”, Lippard e Chandler diziam que o objeto se tornava obsoleto e que “qualquer dia, num futuro próximo, será necessário o escritor ser um artista, assim como, um artista ser um escritor”. Num artigo intitulado “Escape Attempts”, 1973, a mesma Lucy Lippard diz que: “a arte conceitual, para mim, significa o trabalho em que a idéia é primordial e a forma material é secundária, leve, efêmera, barata, simples e/ou ‘desmaterializada’”. Cf. LIPPARD, Lucy, Chandler, John. The Dematerialization of Art. In: ALBERRO, Alexander, STIMSON, Blake. Conceptual art: a critical anthology. Cambridge: MIT Press, 1999, p.46-50. LIPPARD, Lucy. Escape Attempts. In: Six Years: the dematerialization of the art object from 1966 to 1972 … Berkeley: UCPress, 1997, p.viii.

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maneira pense a experiência do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA].

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Acompanhando o movimento de desmaterialização do site, é possível constatar outra desmaterialização, a do trabalho de arte, bem como uma progressiva desestetização (recuo do prazer visual)31, sendo mais verbo/processo que substantivo/objeto. Percebe-se uma prática impregnada de estratégias conceitualistas como a configuração de proposições antivisuais (informacional, textual, didática) e imateriais (gestos, eventos, performances).

***

O conceito de nonsite propõe e pratica uma forma desterritorializada da noção de site-specific. O nonsite criou-se na prática artística de Smithson a partir da necessidade de transpor seus projetos de terra (Land Art) para espaços fechados (galerias). Em princípio, o nonsite em um espaço “artístico” (galeria, museu, publicação, etc.) remeteria ao site de um espaço “não artístico” (estradas abandonadas, minas de carvão e outros lugares percorridos pelo artista). Através desta operação, Smithson rachou o site em dois: um Site Gerador do trabalho e outro Site Gerado pelo trabalho do artista. Ele dá consequência a algo que já ocorria de fato, pois, ao criar um trabalho de intervenção na paisagem, os artistas da Land Art estavam, sobre um mesmo site que gerava o trabalho, criando outro site. Smithson transporta consigo este outro site criado pela prática artística.

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31 KWON, op. cit., p.24.

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Figura 9 - Robert Smithson e Nancy Holt caminhando pelo site Mono Lake, frame do vídeo Mono Lake, 1968-2004

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Figura 10 - Robert Smithson, Mono Lake (nonsite), 1968

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A prática site-specific é marcadamente contextual porque se orienta pelas experiências nos sites32. O Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] é uma prática artística não autônoma ao seu contexto, o qual é absorvido (pensado) pela prática. O contexto pensado no projeto é o do site discursivo de investigação artística [PAISAGEM:FRONTEIRA], o qual se articula desde os contextos dos Sites Geradores, dos Sites Gerados e também do sistema de arte, pois este é um site implícito numa prática artística.

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O site, como “um lugar único, um lugar demarcado e disponível para uma solitária experiência perceptual”, no movimento do site ao nonsite “torna-se uma rede (network) de sites que remetem a outro site”33. Através de documentos e registros (vídeos, escritos, fotografias, mapas, pedras, areia e outras coisas) trazidos ou produzidos da experiência pelo Site Gerador, Robert Smithson estabelece novos pontos situados fora dos limites iniciais do site.

A produção de novos encontros, arranjos e funções “aumenta o território por desterritorialização”34. A desterritorialização35 é o movimento pelo qual se abandona o território (este é agitado por dentro por vetores de desterritorialização), e a reterritorialização é o movimento de construção do território (pode ser feita sobre um ser, um objeto, um livro, um aparelho, um sistema, uma propriedade da terra, etc.). “Pensar é desterritorializar. Isto quer dizer que o pensamento só é possível na criação, e para criar algo é necessário romper com o território existente, criando outro”36. A reterritorialização que acompanha a desterritorialização é o novo conceito, o trabalho criado. O território não é fechado, pois se constrói sobre um espaço aberto e infinito.

32 A prática artística e o modo como Smithson pensava esta prática eram contextuais, como ele evidencia em “Spiral Jetty”, quando percebe a necessidade de deixar o site falar, ou, em suas palavras “deixar o site determinar o que iria construir”. Cf. SMITHSON, Robert. Spiral Jetty (1972). In: FLAM, Jack (Org.). Robert Smithson: The collected Writings. University of California Press, 1996, p. 145.33 MEYER, James. The functional site; or, the transformation of site specificity. In: SUDERBURG, Erika. Space, Site, Intervention: situating installation art. 2000, p.30.34 DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol.1. São Paulo: Ed.34, 1995, p. 20.35 DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol.5. São Paulo: Ed.34, 1997, p. 224-226.36 HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2007, p. 130.

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Figura 11 - Felipe Prando, Contexto, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2009

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:FRONTEIRA]

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A :FRONTEIRA] também acabou riscada no percurso do trabalho. Se fronteira pode ser entendida como um contorno, um limite que separa um dentro e um fora, :FRONTEIRA] é onde há o contato que possibilita pensar o procedimento artístico de modo contextual, e não autônomo.

:FRONTEIRA] não é a fronteira rígida que circunda um território e que, de certa forma, aponta para uma essência do ser como sendo o contorno de uma figura37. :FRONTEIRA] está onde se estabelece o contato: no “entre”, na “soleira de uma porta”, numa “passagem”, isto é, onde a divisão “dentro/fora” não faz sentido. Estar no meio, estar “entre”, pode configurar uma condição de ausência do dentro/fora e, ao mesmo tempo, criar uma situação para pensar a :FRONTEIRA] como algo que pode desfazer o “ou” e fazer o “e”. Deleuze diz que “há nesta conjunção ‘e’ força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ‘ser’”38.

É possível, portanto, pensar a :FRONTEIRA] não como um limite inequívoco ou o contorno que circunda uma forma ideal, mas como uma instância limiar, isto é, a soleira, a passagem, o penúltimo ou aquilo que permite reabrir a série39. :FRONTEIRA] é um site determinado pelo contato de dois ou mais domínios no qual não imperam ideias compactas do modernismo (autonomia, subjetividade, soberania), mas de onde emergem novas ideias ausentes, fruto de contato e fricção.

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É possível pensar de várias maneiras a passagem entre o fora e o dentro no sistema de arte, afinal o dentro não é percebido como algo formado por paredes de concreto, mas fundamentalmente pelo discurso Isto é Arte!(?). O fato de, por muitos anos, o sistema de arte ter sido delimitado e contornado pelo museu produziu uma ficção: a da autonomia da arte em relação ao mundo exterior. Douglas Crimp, em Sobre as ruínas do museu, também percebe o papel das instituições artísticas (galerias e museus) no estabelecimento da ideia Isto é Arte!(?): “a originalidade e a autenticidade são produto do discurso do museu”40. A autonomia do dentro em relação ao fora se processou através da descontextualização do

37 A ideia de fronteira como contorno é contraposta à ideia de fronteira como quantidades de potências que se desenvolvem: a fronteira é dinâmica e só “tiene el límite de su potencia o de su acción”. Cf. DUPLUS. La práctica artística más allá del dispositivo de exhibición. In: NAVARRO, Santiago Garcia, [et.al.]. El pez, la bicicleta y la máquina de escribir. Buenos Aires: Fundación Proa/Duplus, 2005, p. 104. 38 DELEUZE, Gilles; GUATARI, Felix. Mil platôs, op. cit., vol.1. p.37.39 ANTELO, Raúl. Os confins como reconfiguração das fronteiras. Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.7, Rio de Janeiro, 2005, p. 11 e 15. (mimeo).40 CRIMP, Douglas. Sobre as ruínas do museu. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.17.

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trabalho de arte.

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Não tratar o site meramente como uma topografia sedimentada e deixar que suas fissuras se façam presentes possibilitam que o contexto do site se espalhe sobre as práticas artísticas. As pressões, que muitas vezes causam as fissuras e se espalham, são culturais, sociais, econômicas, políticas. O site discursivo Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], constituído tanto pelos Sites Geradores do trabalho quanto pelos Sites Gerados pelo trabalho, possui uma escala de mensuração, não restrita à topografia, mas ampliada por outros campos de conhecimento.

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As práticas contemporâneas site-specific, ao se configurarem como práticas contextuais, transcorrem na :FRONTEIRA], isto é, na intersecção do campo artístico com outros campos, onde não há normas preestabelecidas41. O contexto não apenas orienta as práticas artísticas, como acaba incorporado por elas. Os trabalhos orientados pelos contextos dos seus Sites Geradores e Gerados infiltram-se fora do sistema de arte (hotéis, ruas, escolas, supermercados, jornais, internet, rádio), participam de redes sociais e se articulam com campos diversos (antropologia, urbanismo, filosofia, crítica literária, história cultural, teoria política, etc.).

O sistema de arte, constitutivo do site de investigação artística, não é abordado desde si mesmo, mas desde suas intersecções com outros campos. Esta intersecção pode ocorrer desde os pontos referenciados no parágrafo anterior como também através da articulação de Sites Geradores e Gerados da prática artística.

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Se na contemporaneidade a Arte (campo de práticas e discursos) mantém um dentro, o faz com portas e janelas para existir a passagem. Mantém um dentro que está sempre em transformação, uma espécie de barco Argus que durante o percurso se refaz peça a peça a ponto de, do original, ter apenas o nome.

Então, o que é arte? Quando há arte? Trabalhada com o sentido de :FRONTEIRA], está vinculada com a ação... Não é uma prática ou um discurso a priori, mas algo que se faz à medida que é feito42.

41 Néstor García Canclini diz que “tal vez las respuestas no surjan del campo artístico, sino de lo que le está ocurriendo al intersectarse con otros y volverse posautónomo”. CANCLINI, Néstor García. Arte y fronteras: de la transgresión a la posautonomía. Mimeo.42 Canclini, para pensar o que é arte, faz referência a uma citação do escritor argentino Ricardo Piglia, que, ao ser perguntado sobre o que transforma um texto em literatura ou arte, respondeu que “un escritor escribe para saber qué es la literatura”. Cf. CANCLINI, Néstor García. Arte y fronteras: de la transgresión a la posautonomía. Mimeo.

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Não sei se o projeto já se encontra na :FRONTEIRA], mas é para lá que busco caminhar. A :FRONTEIRA] do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] configura-se tanto na abordagem aos Sites Geradores quanto na configuração dos Sites Gerados na prática artística. Os sites do [PAISAGEM:FRONTEIRA] não se articulam em regiões de certezas (!) artísticas.

A abordagem aos Sites Geradores ou a criação de Sites Gerados não ocorre com a preocupação de fazer arte, mas pelo acúmulo e organização de informações (históricas, artísticas, filosóficas, literárias, cartográficas, etc.) que permitam pensar e elaborar questões sobre os sites e, de tal modo, perguntar sobre arte. A pergunta sobre arte, tal qual o site discursivo [PAISAGEM:FRONTEIRA], não é definida como uma pré-condição, ou seja, ela é gerada pelo trabalho como uma formação discursiva.

No processo de experienciar física e discursivamente o contexto dos Sites Geradores, formou-se uma espécie de “rancho de pouso”43 com: Juan Saer, Gilles Deleuze, Carlos Ibarra, Milla Jung, Robert Smithson, Francis Alÿs, Seth Siegelaub, Heber Alegre, Regina Melim, Zé Kinceler, Roberto Bolaño, Anton Vidokle, Roland Barthes, Glória Ferreira, Jorge Menna Barreto, Ricardo Basbaum, Miwon Kwon, James Meyer, Paulo Reis, CL Salvaro, WG Sebald e outros.

Entre os Sites Geradores e Sites Gerados, há um movimento dialético no sentido pensado por Robert Smithson de “um desenvolvimento em curso”, sem síntese. Os Sites Gerados (Diagrama 1) pela prática artística, portanto, orientados pelo contexto dos Sites Geradores e também pelos seus, configuram sites expositivos que buscam não se encerrar entre as paredes do espaço físico de um museu ou galeria, tampouco encerrar o sentido dos Sites Geradores.

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Dizer que a prática artística infiltra-se para fora das paredes de museus ou galerias pode significar que o dentro também é o fora. Este movimento não implica o deslocamento de objetos, mas um “estado de coisas com o qual se trabalha”, outra maneira de pensar. Para Ricardo Basbaum, circuito/sistema é “um modo de pensar, introjetado na própria concepção do que se quer obra ou estrutura pensável, problematizável [...] entidades processuais que se lançam de imediato à vertigem de jogos de relações, ao seu destino de circulação”44.

43 “Rancho de Pouso” era o nome dado às paradas de tropeiros que varavam noites dançando, tocando e trocando histórias.44 BASBAUM, Ricardo. Circuito de arte em deslocamento. (debate realizado no Vídeobrasil em 01/10/2003). Disponível em: http://www2.sescsp.org.br/sesc/videobrasil/vbonline/bd/index.asp . Acessado em 24 de agosto de 2010.

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Muitas proposições conceitualistas dos anos 1960–70 estabeleceram-se como procedimentos de difusão, dispersão e circulação como forma de construção de novos circuitos artísticos indo para fora de museus e galerias. O fato de os trabalhos serem considerados “antivisuais” e “desmaterializados”, pois faziam circular ideias, provocou artistas e curadores a construírem seus próprios sites expositivos. Seth Siegelaub foi um galerista que, ao dar-se conta de que o valor intrínseco (comunicativo) dos trabalhos conceituais não é alterado se apresentado em impressos (catálogos, livros), organizou uma série de exposições que acontecem dentro da publicação. Muitos trabalhos que não precisavam da parede para ser expostos se adequavam a páginas de catálogos, os quais até então eram tratados como meras informações sobre exposições que aconteciam em espaços físicos.

As estratégias expositivas configuradas por Siegelaub e outros em publicações “alargam o espectro de audiência e participação, através de tiragens impressas, ilimitadas para reprodução [e circulação]. Além disso, a publicação como espaço expositivo torna-se o dispositivo que prolonga a efemeridade do tempo de uma exposição” por ser ela própria – a publicação – “o veículo primário das práticas artísticas que ali se inserem”45.

Certa vez, o Art & Language propôs um editorial de revista como uma proposição artística e, por conseguinte, a publicação impressa com um site expositivo. Diziam que, quando um texto é apresentado no espaço físico da galeria de arte, esta relação ajuda a fixar o significado de um texto como trabalho de arte; porém, é diferente ao ser apresentado numa revista. Quando ele [o texto] é usado como neste editorial, o componente da galeria de arte tem de ser especificado. O componente da galeria de arte no primeiro caso é uma entidade concreta, o componente da galeria de arte no segundo caso [do editorial da publicação] é um componente teórico, e o componente concreto são as palavras “em uma galeria de arte”46.

Esta maneira de pensar a exposição, acontecendo em sites impressos (catálogos, livros, fichas), em conversas e outros construídos pela prática artística aponta para o alargamento, flexibilização e mobilidade discursiva de sites que (des)configuram um circuito/sistema de arte.

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Os nonsites, pensados e praticados por Smithson, eram fragmentos de matérias e 45 MELIM, Regina. Outros espaços expositivos. In: DAPesquisa – revista de investigação em artes. Vol 2. N º 2, ago/2006 – jul/2007. Disponível em: http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume2/numero2/plasticas/Regina%20Melim.pdf . Acessado em: 30 de agosto de 2009.46 Art & Language. Arte-linguagem. In: FERREIRA, Gloria, COTRIN, Cecilia (Orgs). Escritos de Artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006, p. 243.

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ideias tomados do Site Gerador e “moldados” dentro da galeria. Apesar de desenvolver projetos ao ar livre, Robert Smithson não achava que do ponto de vista artístico fosse mais livre no deserto do que dentro de uma sala, e isto o provocou a pensar o que denominou de “dialética interior-exterior”: entre um site e um nonsite, há uma relação dialética, que não é a de da tese-antítese-síntese, mas a de um “um desenvolvimento em curso” 47, sem síntese.

Smithson afirmava que entre o site e o nonsite há um vasto campo metafórico, e que “viajar” neste espaço é uma grande metáfora; “digamos que alguém que vai para uma viagem fictícia decida ir para um site do nonsite. A viagem passa a ser inventada, imaginada, artificial, e, por isso, se poderia chamar de um não ir para uma viagem a partir de um nonsite”48. Na maneira como o artista trabalha o nonsite, há um deslocamento de sites. A localização física é um destino para ser visto e/ou deixado para trás. O nonsite não é uma tentativa de produzir uma analogia ou uma transposição realista de lugares. As transposições do site para um nonsite não são decalques do site, representações fechadas sobre si mesmas, mas cartografias que permitem pensar a construção de novas territorialidades artísticas abertas e conectáveis em suas dimensões, reversíveis e suscetíveis de receberem modificações constantemente.

Os nonsites, pensados a partir da experiência, constroem outros sites, criam possibilidades de diferentes relações e outras experiências. Os nonsites são espécies de cartografias49 que, ao mesmo tempo em que podem reterritorializar uma experiência, não deixam de ser mais uma desterritorialização, pois criam linhas de fuga.

Robert Smithson instalou seus primeiros nonsites (Sites Gerados) em galerias (cubo branco), problematizando a ideia de “obra de arte” ao utilizar pedras, areia, recortes de mapas e registros da experiência pelo site (Site Gerador); todavia, em momentos posteriores seus nonsites passaram a criar seus próprios sites expositivos e desterritorializaram-se da ideologia do cubo branco. É a proposição artística que cria seus sites expositivos e circuitos. Assim, pode-se entender a apresentação dos nonsites de Robert Smithson em exposições/publicações impressas como: “0 to 9” (organizada por Vito Acconti), “557,087Seatle Art Museum, sep-oct 1969; e 955,000 The Vancouver 47 SMITHSON, Robert. Art and Dialetics. In: In: FLAM, Jack (Org.). Robert Smithson: The collected Writings. University of California Press, 1996, p. 371.48 SMITHSON, Robert. A provisional theory of non-sites. In: FLAM, Jack (Org.). Robert Smithson: The collected Writings. University of California Press, 1996, p.364.49 “Para os geógrafos, a cartografia – diferentemente do mapa: representação de um todo estático – é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem. Paisagem psicosociais também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos – sua perda de sentido – e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornam-se obsoletos.” Cf. ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina: Ed.UFRGS, 2007, p. 23.

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Gallery, jan-feb 1970” (organizada por Lucy Lippard), “July, August, September, 1969” (organizada por Seth Sieglaub). Sem esquecer que, em 1967, Smithson já havia exposto “Monumentos de Passaic” como um artigo na revista Art Forum.

Os Sites Gerados nas proposições de Robert Smithson são gerados a partir das próprias proposições artísticas; e, assim como suas proposições pensam o site por articulações discursivas, elas acabam gerando seus próprios sites e circuitos.

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Docs/Registros e Exposição, apresentados no Diagrama 1 como Sites Gerados, podem ser apresentados em publicações e conversas. Exposições são “dispositivos curatoriais” que põem em circulação, dispersam e fazem circular os docs/registros, pois os circuitos vão além dos espaços circunscritos de museus e galerias; “‘oficial’ ou ‘alternativo’ tudo são circuitos – diferindo, entretanto em termos de amplitude, maleabilidade, alcance e fluência das conexões”50. O propósito não é delimitar um “dentro” e um “fora”, mas estabelecer passagens, pois, se do ponto de vista artístico num deserto não somos necessariamente mais livres do que dentro de uma sala, o interessante é a :FRONTEIRA] onde há a “passagem”, o “entre”, o “e”.

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Nas práticas contemporâneas site-specific, o artista não é o artista-artista, mas o que transita na :FRONTEIRA] e pode ser entendido, segundo Ricardo Basbaum, como artista-etc.51 (artista-curador, artista-escritor, artista-pesquisador, etc.), isto é, aquele que “questiona a natureza e a função de seu papel como artista”52, pois, é “permeado por uma inquietação na produção de passagens produtivas e ritmos relacionais entre diversos campos e papéis”53.

O papel do artista que considera e opera com a mobilidade discursiva do site é viver a experiência de um contexto específico e pensar esta experiência (apresentar/expor/exibir). O artista54 reconfigura, intertextualmente e dentro de quadros históricos e institucionais, seu percurso. O artista, nas práticas contemporâneas site-specific, pode ser entendido como uma espécie de narrador-protagonista que exerce atividades de artista-curador, artista-educador, artista-relações públicas, artista-pesquisador, artista-etc.

50 BASBAUM, Ricardo. Circuito de arte em deslocamento.51 BASBAUM, Ricardo. Amo os artistas-etc. in: Políticas institucionais, práticas curatoriais, Rodrigo Moura (Org.), Belo Horizonte, Museu de Arte da Pampulha, 2005. Disponível em: http://rbtxt.files.wordpress.com/2009/09/artista_etc.pdf . Acessado em: 25 de agosto de 2010.52 Ibid.53 BASBAUM, Ricardo. O artista como pesquisador. Concinnitas, ano 7, vol 1, nº9, julho 2009, p.71.54 MEYER, James. Nomads: figures of travel in contemporary art. In: Site-specificity: the ethnographic turn. London: Black Dog Publishing, 2000, p. 11, 12 e 17.

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3. Dúvidas e PretensõesO que há na construção de um trabalho são dúvidas. É difícil falar de certezas no

Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]. Enquanto preparava a exposição [Banca 1 - Qualificação], como chamei o Relatório de Qualificação, ficava com alguns pontos de interrogação sobre o trabalho.

Depois de uma conversa com um amigo, pesquisador em Sociologia do Trabalho, ficou no ar a dúvida se o que venho fazendo é ou não uma pesquisa acadêmica. Por outro lado, ao falar com amigos artistas (não acadêmicos) fiquei com outra dúvida: o que faço é arte? No percurso do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], venho perguntado sobre o sentido de as coisas terem um lugar específico (site-specific) tão determinado, fixo e enraizado.

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Na Documenta 5 (1972), Joseph Beuys instalou um “Comitê para a Democracia Direta”, onde passou os cem dias do evento. Neste período, Beuys conversou com visitantes, e o Comitê elaborou e recebeu petições para o reconhecimento de direitos. Era a proposta do Comitê a construção de um debate sobre uma sociedade livre e democrática. Para muitos, esta proposição, ao tratar diretamente da política, educação e cultura, não era

Figura 12 - Felipe Prando, Exposição, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2009

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considerada uma proposição artística.

No mesmo ano, Robert Smithson realizou a palestra “Hotel Palenque” para estudantes de Arquitetura da Universidade de Uthat. Esta conferência consistiu na projeção de fotografias realizadas num hotel chamado Palenque, localizado em Yucatán (México), ao mesmo tempo em que apresentava suas ideias de “ruínas ao avesso”. A ideia de que existem construções que alcançam o estado de ruína antes de se construírem é também discutida no seu trabalho “Monumentos de Passaic”, que foi publicado como artigo na revista Art Forum em dezembro de 1967.

Um espaço de conversa, uma conferência e um artigo55: nestas situações, o que interessa é a possibilidade de “Pensar com Arte” através da criação de sites que provocam contatos do campo artístico com outros campos. Um modo de pensar contaminado pela imersão na experiência artística e que constrói conceitos desde o contexto do trabalho artístico. Para Ricardo Basbaum, “Pensar com Arte” requer um “um pensamento que saiba como arrancar da arte algo que o constitua e uma produção artística que se lance para fora de seus próprios limites em direção à intervenção cultural”56.

O trânsito entre produção de arte e de pensamento indica a “construção de uma espacialidade própria, a abertura pra uma região de fluxos em permanente mutabilidade, onde os percursos são instáveis, embora intensos”57. A ação de interpretar é entendida como uma produção mesma, de conceitos e práticas artísticas. Esta prática de “produção de um pensamento em movimento implica em fazer o mapa de uma experiência, uma cartografia dos exercícios concretos, em que deslocamentos, impasses, torções e tensões do percurso, as perguntas mesmas, estão situadas no mapa”58.

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Num relato que faz parte da exposição [Experiência no Chuí(y)], eu disse que o que interessava era: “`Paisagem, espaços, como pensá-los? O propósito não era o que pensar, mas como pensar, por onde pensar?”. Agora, reescrevo do seguinte modo: “[PAISAGEM:, sites, como pensá-los? O que o projeto propõe é: como, na :FRONTEIRA], pensar a [PAISAGEM:, e os sites?”.

Ao preparar a [Banca 1 - Qualificação], havia a dúvida sobre a sua estrutura de apresentação, isto é, como disponibilizar o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] ao público. Na exposição [Sala], a estrutura para fazer circular e dispersar os docs/55 Robert Smithson e Joseph Beuys tiveram grande reconhecimento através de seus trabalhos escultóricos ou performáticos. Estas proposições que trago para pensar [PAISAGEM;FRONTEIRA], apesar de trazerem a radicalidade do pensamento destes artistas, muitas vezes foram vistas como secundárias em suas trajetórias.56 BASBAUM, Ricardo. Além da pureza visual. Porto Alegre: Zouk, 2007, p. 48.57 Ibid., p. 59.58 Ibid., p. 51.

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Figura 13 - Felipe Prando, Diagrama 2, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2010

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registros foi uma conversa na qual foram disponibilizados alguns álbuns de fotografias, escritos, além da leitura de um texto.

Pretensões: construir o [PAISAGEM:FRONTEIRA] como uma estrutura de corpo aberto. Um todo, mas reconectável; um todo que permita “um começo pelo meio”. A dúvida de como exibir a estrutura do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], muito provavelmente, decorre do fato de que o projeto vai se constituindo também à medida em que as exposições acontecem. Isto para mim é novidade, pois meus trabalhos anteriores, quando exibidos, já eram considerados finalizados. O Diagrama 02 é uma espécie de partitura59 que possibilita diversas interpretações e realizações do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA].

***

Há uma estrutura considerada dorsal do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] configurada por três etapas (Diagrama 02):

1. EXPERIÊNCIAS como práticas artísticas;

2. DOCS/REGISTROS das experiências;

3. EXPOSIÇÃO: publicação/conversa como site expositivo.

Uma primeira aproximação entre estas etapas pode ser formulada do seguinte modo: uma publicação/conversa do projeto configura um site que pensa questões da experiência que é acessada pelos docs/registros. Por exemplo: esta Dissertação [BANCA 2 – Dissertação] é uma espécie de publicação construída a partir da seleção de alguns docs/registros (diagramas, artigos, projetos irrealizados, etc.) da experiência pelo site discursivo de investigação artística [PAISAGEM:FRONTEIRA].

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Práticas contemporâneas site-specific constituem trabalhos cujo foco deixa de

59 A título de outras exemplificações, Hélio Fervenza utiliza a ideia de partitura para referir-se aos Diagramas dos “Wall Drawings” de Sol LeWitt. Nos Diagramas, constam os desenhos para serem executados nos murais, todavia, para LeWitt ambos os desenhos (do diagrama e do mural) têm a mesma importância. Os diagramas permitem “sucessivas interpretações desses desenhos murais. O desenho pode ser refeito, reinterpretado, pois não há a preocupação de que ele seja único e imutável, ou seja, que dure para sempre”. Cf. FERVENZA, Hélio. Registros sobre deslocamentos nos registros da arte. In: COSTA, Luis Cláudio da (Org.). Dispositivos de registro na arte contemporânea. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria/Faperj, 2009, p. 52. Igualmente, Cristina Freire cita Sol LeWitt assinalando a analogia que este faz entre a música e as artes visuais quando considera seus desenhos para projetos de pinturas murais como partituras musicais. Freire salienta ainda que os desenhos murais de Sol LeWitt são temporários e podem ser refeitos a partir do projeto e que procedimentos dessa natureza sugerem que o domínio da documentação, como uma das vertentes da Arte Conceitual, tornou-se decisivo para a arte contemporânea. Basta, segundo ela, adentrarmos nos projetos de instalações e de performances realizados a partir da segunda metade do século XX. Cf. FREIRE, Cristina. Arte conceitual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006, p. 39-40.

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ser o objeto e passa a ser o site experienciado. A ideia da experiência como prática artística havia sido pensada por Tony Smith quando questionou a natureza convencional da arte através de uma situação vivida por ele, numa viagem noturna, ao deparar-se com o final de uma estrada: “Não há maneira de poder articular, simplesmente há que experimentá-lo”60.

A questão de como enquadrar o site e a experiência por este, desde convenções institucionais e discursivas, foi pensada por Robert Smithson na sua teoria e prática da dialética site/nonsite, espaço exterior/espaço interior. Ao pensar o site, ao invés de pensar o objeto, Smithson deparou-se com a relação entre um site dinâmico (onde constrói seus projetos) e um (non)site estático (espaço onde apresenta seus projetos). Robert Morris61 aponta uma crucial distinção entre estes dois tipos de espaço, ao perceber que são experimentados em tempos diferentes. “O espaço real”, num sentido muito próximo da ideia de site (espaço exterior) de Robert Smithson, “[...] não é experimentado a não ser no tempo real. O corpo está em movimento, os olhos se movimentam interminavelmente a várias distâncias focais, fixando inúmeras imagens estáticas ou móveis. A localização e o ponto de vista estão constantemente se alterando no vértice do fluxo do tempo”. A primeira experiência espacial é “essencialmente sem imagem, corresponde à percepção do espaço se desdobrando no contínuo presente”.

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Para Robert Morris, haveria uma perda entre a percepção imediata no que ele chama de espaço real em tempo real, e outra mediada por registros que tivessem o propósito de trazer para o espectador aquela percepção imediata. Não está totalmente enganado, pois, de fato, há a “impossibilidade de uma construção produtiva de enunciados ou visibilidades que represente de maneira mimética tal processo”62. Todavia, Morris considera as percepções que ocorrem por meio de textos, imagens, som (documentações e registros) 60 O comentário de Tony Smith ocorre num momento de ruptura crítica com o modernismo tardio, questionando a natureza convencional da arte: “a experiência da estrada era algo organizado, mão não reconhecido socialmente. Eu pensei pra mim que deveria estar claro que este é o fim (propósito) da arte. A maior parte da pintura parece muito pictórica depois disso. Não há maneira de articular, simplesmente há que experimentá-lo”. Cf. FOSTER, Hal. El quid del minimalismo, in: El retorno de lo real: la vanguardia a finales del siglo. Madrid: Akal, 1999, p.55. Outra anedota que pensa a ideia da experiência como prática artística ocorreu entre Richard Long e Anthony Caro. Richard Long, na avaliação de uma escultura sua por Anthony Caro, “explicou que o que estava na exposição era a metade de uma escultura, composta de duas partes. Ok. Então, traga-me a outra parte, Caro respondeu. Não posso, ela está no topo de Ben Nevis (uma montanha na Escócia), retrucou Long”. A outra parte da escultura não mostrada é o que foi experimentado pelo artista, e não tem como ser mostrado, apenas vivenciado. A caminhada e a experiência pelo site são partes da proposição artística de Richard Long. Cf. HARRISON, Charles. O ensino da arte conceitual, in: Revista Arte e Ensaio nº10, Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2003, p. 120.61 MORRIS, Robert. O tempo presente do espaço [1978], in: FERREIRA, Gloria, COTRIM, Cecília (org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006, p.404.62 BASBAUM, Ricardo. Além da pureza visual. Porto Alegre: Ed. Zouk, 2007, p.53.

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como percepções estáticas, não fluidas, espécies de congelamento da experiência. Este caráter estático atribuído, não apenas por Robert Morris, aos docs/registros fez com que estes, por muito tempo, fossem considerados como informações secundárias às práticas artísticas.

Ricardo Basbaum, a partir do “papel autônomo que palavra e imagem adquirem na era moderna, colocando em crise a representação”, pensa a impossibilidade de apreensão da experiência não como um impossível, mas como possibilidades. No mergulho na experiência mesma, nos encontramos numa situação de paradoxo através da “combinação de proximidade máxima e disjunção”, isto é, a “imersão em um processo”, e a “impossibilidade de uma construção produtiva de enunciados ou visibilidades que represente de maneira mimética tal processo”. Contudo, aponta Ricardo Basbaum63, na impossibilidade de uma resposta instantânea à experiência, “o que aparece como impossibilidade, incomunicabilidade, distância insuperável, desencontro, separação, ausência de lugar comum – regiões de heterogeneidade irredutível –, acaba por enfatizar uma geometria de contatos, membranas interfaces, passagens [...]”. Empresto as reflexões de Ricardo Basbaum para pontuar a relação entre a experiência e docs/registros como “uma combinação de movimentos que conduzem de um mergulho na experiência enquanto local de imersão à abertura de outro espaço – nele redobrado e desdobrado –, em que uma multiplicidade de forças constitui as relações possíveis”64.

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63 Ibid., p. 53.64 Ibid., p. 55.

Figura 14 - Felipe Prando, No los conozco pero los quiero igual, 2010

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[No los conozco pero los quiero igual] é uma exposição organizada a partir de docs/registros criados desde a experiência pelo site de investigação artística [PAISAGEM:FRONTEIRA]. A exposição do docs/registros ocorre sob a forma de um relato/ensaio situado entre o comentário real (ou) ficcional. Diante da impossibilidade de apreensão mimética da experiência, cria-se a possibilidade para que a exposição dos docs/registros da experiência seja uma nova experiência construída na relação com o público. Ao invés de jogá-lo para trás do tempo, voltando à experiência passada, a apresentação de uma experiência ao público busca criar um espaço novo, ainda não vivido.

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Robert Smithson, ao retornar das experiências pelo Site Gerador, continuava a pensá-las através construção de nonsites gerados pela prática artística e constituídos por documentações fotográficas, vídeos e escritos. Esta narrativa produzida pela prática artística é uma espécie de cartografia e uma criação que não busca ser a representação ou duplo da experiência. A cartografia “acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos e a formação de outros”65. O papel do artista, aquele que passa por contextos, é “dar língua para afetos que pedem passagem”66; “dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a composição de cartografias que se fazem necessárias”67.

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Os docs/registros no Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] são entendidos como “informações primárias”. Ocorre o que Regina Melim denomina de “deslocamento do estatuto das informações”68, isto é, uma série de coisas (documentações, reproduções, produção de bastidor, escritos de processos, etc.) que foram consideradas, por muito tempo, como informação secundária, tornam-se informação primária69. O estatuto de informação primária indica que não é um tipo de informação ou conhecimento sobre a 65 ROLNIK, Sueli. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Ed. Sulina, 2007, p.2366 Ibid.67 Ibid. 68 Regina Melim, anotações de conversa realizada em encontros de orientações.69 Para Seth Siegelaub, “o emprego de catálogos e livros para comunicar a arte é o meio mais neutro para apresentar a nova arte. Agora, o catálogo pode servir como informação primária da exposição, e digo primária por oposição à informação secundária sobre a arte que aparece em revistas, catálogos, etc.; em alguns casos, a ‘exposição’ também pode ser o ‘catálogo’”. Cf. SIEGELAUB, Seth. Sobre exposiciones y el mundo como todo: conversación con Seth Siegelaub. In: BATTOCCK, Gregory (org.). La idea como arte: documentos sobre el arte conceptual. Barcelona: Gustavo Gilli, 1977, p. 129.

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prática artística, pois, assim como as experiências e as exposições, os docs/registros constituem-se como prática artística.

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Os nonsites de Robert Smithson, que num primeiro momento apresentaram estruturas/objetos que continham materiais (pedra, areia, madeira, carvão mineral, etc.) coletados nos Sites Geradores, em outros momentos passaram a destacar um caráter discursivo e intertextual que hoje se faz presente nas práticas contemporâneas site-specific.

Em “Hotel Palenque” (1972), sua prática artística, ao ser exibida como uma conferência, “desobjetualiza-se”, possibilitando a extensão do nonsite para uma sala de aula/auditório, ao invés de ser instalado numa galeria de arte. Hoje, o vídeo/documentação daquela conferência, entendido como informação primária, continua a gerar outros nonsites como, por exemplo, a tela/monitor de um computador. Condição semelhante ocorre com “Monumentos de Passaic”: uma publicação (artigo ou livro) entendida como um nonsite constituído pela documentação gerada a partir de uma experiência por um site.

Os sites gerados pela prática artística de Robert Smithson configuram novos sites expositivos (conferência/publicação) que vão além do cubo branco da galeria. Isto fez com que o artista participasse e influenciasse vários projetos que contribuíram para ampliar os limites do circuito/sistema de arte.

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É cada vez mais frequente as práticas artísticas criarem seus próprios sites expositivos, ao invés de usarem locais preestabelecidos, supostamente neutros, para se apresentarem. As exposições são sites expositivos gerados pela prática artística que podem ocorrer através de intervenções (interpretações) em museus e galerias, ou da configuração de novos sites discursivos como publicações e conversas.

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Na virada dos anos 1960–70, foram vários os projetos que construíram seus próprios sites expositivos. O galerista Seth Siegelaub, por exemplo, literalmente fechou as portas de sua galeria70 em Nova York quando passou a organizar uma série de exposições

70 Seth Siegelaub, ao fechar a sua galeria, passou a usar outros sites como sites expositivos: em 1968, realizou a exposição “Windham College”, quando chamou Carl Andre, Robert Barry e Lawrence Weiner para desenvolverem projetos no campus da universidade apenas com materiais encontrados no próprio site. Além das intervenções físicas no campus, foi realizada uma conferência mediada por outro artista, Dan Graham. Ainda em 1968, começou a organizar exposições em catálogos e publicações. Cf. ALBERRO, Alexander. Conceptual Art and the politics of publicity. The MIT press, 2003, p. 18 e 57.

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cujos sites expositivos são publicações impressas. Para ele, as publicações tinham o mesmo significado que uma galeria tinha para os outros. A exposição “Douglas Huebler: november 1968”, por exemplo, ocorre apenas no catálogo formado pela documentação (fotografias, mapas, diagramas e textos) dos trabalhos “site-specific sculpture”. Huebler inclusive afirma que é a documentação que faz suas esculturas existirem. Já “July, August, September 1969” contou com a participação de vários artistas, incluindo Robert Smithson, cujos trabalhos aconteciam simultaneamente em lugares distintos e distantes. Para Siegelaub, os trabalhos espalhados por várias cidades norte-americanas e europeias eram suplementares ao catálogo/publicação, pois o site expositivo é a publicação. O catálogo é a informação primária e não secundária71.

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Quando uma prática artística é constituída pela experiência por sites, muitas vezes a única possibilidade de acessá-la ocorre através dos docs/registros. A possibilidade de a prática ser acessada por uma audiência ampliada, ou a possibilidade de uma maior circulação, realiza-se através de publicações on-line e impressas72, como o [Relatório Funarte].

As exposições do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] constroem seus sites expositivos e circuitos. Em [Relatório Funarte], o site expositivo é uma publicação gerada por docs/registros que pensam as experiências pelos Sites Geradores [Viagem ao Chuí(y)] e [Mestrado].

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71 Acerca disso, podemos acrescentar também as iniciativas de Gerry Schum e sua proposição de tornar a televisão um espaço expositivo para o que ele chamava de “arte filmada”. Tratando as filmagens de muitos trabalhos como informação primária, em 15 de abril de 1969, às 22h40, Schum apresenta uma série deles em sua primeira exposição televisiva. Chamada de “Land Art” e com a duração de 35 minutos, foi levada ao ar para toda a Alemanha com trabalhos de Richard Long, Barry Flanagan, Dennis Oppenheim, Robert Smithson, Marinus Boezen, JanDibbets, Walter de Maria e Michael Heizer. Cf. FRIEDEL, Helmut. Galerie Télévisuelle, Gerry Shum, Land Art, Berlin 1969, In: KLÜSER, Bernd e HEGEWISCH, Katharina. L’Art de L’Exposition. Paris: Editions du Regard, 1998, p. 355-368. 72 Cf. Ofício 01/2009, de 29 de julho de 2009, que consta no [Relatório Funarte].

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A documentação também foi seminal para Martha Rosler construir, em 1989, o projeto “If you lived here...”. A ideia de uma prática artística documental foi o coração do projeto, que tratou de pensar problemas da moradia, dos sem-teto e o processo de gentrificação em Nova York. Para Martha Rosler, “as práticas documentais são práticas sociais que produzem significados em contextos específicos... Uma estratégia fundamental do projeto ‘If you lived here…’ foi, portanto, usar e abusar de estratégias documentais”73.

O site expositivo “If you lived here...” configurou-se como uma estrutura processual em várias camadas: três salas de leitura (Home Front, Homeless: the street and other venues; City: Visions and Revisions) montadas com documentos (produzidos por artistas ou não) em diferentes mídias; quatro fóruns (Open Forums) de debates, nos quais artistas e não artistas apresentaram suas experiências; exibições de filmes; e uma publicação concebida como informação primária e plataforma para o projeto.

Pelo fato de Martha Rosler incluir trabalhos de outros artistas, e ter criado dispositivos como salas de leituras e discussões, Anton Vidokle não entende “If You Lived Here...” como um trabalho de arte, mas como uma exposição ou instituição temporária curada e organizada pela artista.

73 ROSLER, Martha, apud. MONTAMANN, Nina. (Under)Privileged Spaces: On Martha Rosler’s “If You Lived Here…”. In: E-flux journal #9, October 2009, p. 10. Disponível em: http://www.e-flux.com/journal/issue/9. Acessado em: 15 de novembro de 2009.

Figura 15 - Martha Rosler, If you lived here..., 1989

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No ano de 2009, em Nova York, por iniciativa de Anton Vidokle, a exposição “If You lived here still... An archive Project by Martha Rosler” disponibilizou o arquivo de docs/registros do projeto “If You lived here...” para serem consultados pelo público. Com o intuito de revisitar o projeto, foram apresentados, além de documentações do processo de organização e pesquisa do projeto, outros documentos agregados pela artista ou outras contribuições solicitadas ao longo dos últimos 20 anos. O dispositivo curatorial desta exposição, que em 2010 foi apresentada na Holanda, contou com uma biblioteca e espécies de escritórios temporários que remetiam às salas de leituras do projeto de 1989, onde ocorrem novos debates (open fórums).

Em 1989, o projeto “If You Lived Here…”, que contou com a colaboração de ativistas e profissionais de várias disciplinas e incluiu o público, não apenas o público da arte, em processos comunicativos, foi muito pouco comentado no meio artístico e até mesmo rechaçado como prática artística. Entretanto, atualmente é considerado por Ninna Möntmann74 e Anton Vidokle75 como uma estratégia artística de produção social 74 O projeto “If You Lived Here...” “não apenas aponta na direção de uma politização direta dos anos 1970 junto com as políticas mais herméticas no ‘novo institucionalismo’, como também se encontra nas explorações artísticas interessadas na produção de espaços sociais concretos e abstratos que surgem nos anos 1990 como os trabalhos de Rikrit Tiravanija, Renee Green e Fred Wilson. Cf. MONTAMANN, Nina. (Under)Privileged Spaces: On Martha Rosler’s “If You Lived Here…”. In: E-flux journal #9, October 2009, p. 10. Disponível em: http://www.e-flux.com/journal/issue/9. Acessado em: 15 de novembro de 2009.75 Para Anton Vidokle “If You Lived Here...”, influenciou uma geração de artistas como Rikrit

Figura 16 - Martha Rosler, If you lived here still... - An archive project by Martha Rosler, 2009

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de espaço que influenciou metodologias e práticas artísticas/curatoriais documentais que, nos anos 1990 e 2000, configuraram sites relacionais e discursivos.

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A exposição [Sala] do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], que aconteceu numa aula do estágio de docência realizado na “Oficina Avançada” do Curso de Graduação em Artes Visuais da Udesc, coordenada pela curadora-pesquisadora Regina Melim, foi uma ocasião para pensar a dúvida sobre como expor uma prática artística que constrói questões sobre o site discursivo, e não objetos. A ideia de uma plataforma de acesso como um site de embarque, desembarque e produção de conexões foi utilizada para articular uma exposição aberta no sentido de, ao ser apresentada, criar possibilidades de novas aberturas e não encerrar o projeto.

A exposição configurou-se em três momentos que ocorreram de modo simultâneo: a) apresentação literal dos projetos “paisagem:fronteira”, que ainda não era riscada, e “paisagens contemporâneas: territorialidades artísticas intertextuais”; b) disponibilização de docs/registros das experiências [Viagem ao Chuí(y)] e [Mestrado]: relatórios de viagem, uma espécie de depósito de imagens (vídeos, fotografias, desenhos e mapas), jornais, panfletos, artigos, outras coisas coletadas durante as experiências, além dos esboços de alguns projetos irrealizados; c) apresentação de questões elaboradas a partir da experiência pelo site de investigação artística que foram discutidas e trocadas com os participantes.

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“unitednationsplaza”76 – exposição como escola, projeto do artista Anton Vidokle, é uma exposição na forma de uma escola temporária. O site expositivo de “unitednationsplaza” é móvel e transitório, constituído por uma série de seminários e workshops presenciais, cujos conteúdos são distribuídos através de publicações, uma estação de rádio web e uma página na internet que disponibiliza documentações (textos, vídeos e áudios) das exposições realizadas (www.unitednationsplaza.org). O projeto já circulou por Berlim (2007), Nova York (2008), como “Night School”, e Cidade do México (2008)77. Tiravanija, Renee Green, Liam Gillick e ele próprio. Vidokle também reconhece a influência deste projeto de Martha Rosler na concepção e construção do “unitednationsplaza”. Cf. VIDOKLE, Anton; ROSLER, Martha. Exhibition as School as Work of Art. In: Art Lies, nº 59. internet: http://www.artlies.org/article.php?id=1661&issue=59&s=1. Acessado em 4 de agosto de 2010, 23:25.76 “unitednationsplaza” era uma parte da proposta curatorial para a Bienal de Arte Contemporânea Manifesta 6, que ocorreria em Nicosia, Chipre. A concepção da proposta levava em consideração o contexto político, social e religioso do Chipre, que, além do baixo nível de institucionalização cultural, é dividido cultural e religiosamente.77 Em Berlim, o projeto ocorreu num espaço autogestionado pelo próprio projeto e descrito como sendo atrás de um supermercado. Em Nova York e na Cidade do México, ocorreu dentro de instituições artísticas: New Museum e PAC (Patronato de Arte Contemporânea – AC),

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A ideia de escola presente neste projeto é a de um espaço multidisciplinar em que discurso, prática e apresentação podem coexistir sem o privilégio de um sobre outro. O site expositivo “unitednationsplaza” é encarado pelo próprio Anton Vidokle como “um site multifuncional de produção discursiva”78. Apesar de ser pensado como uma “escola”, o projeto não existe preocupado somente com o processo de aprendizagem, pois configura-se como um site de produção cultural.

O site expositivo foi configurado a partir de uma série de seminários, conferências, exibição de filmes e performances que tinham o propósito de discutir questões sobre o sistema contemporâneo de arte. Em Berlim e Nova York, como a exposição teve a duração de um ano, alguns seminários também ocorriam por semanas79.respectivamente.78 VIDOKLE, Anton, ROSLER, Martha. Exhibition as School as Work of Art. In: Art Lies – a contemporary art quartely, nº 59. Disponível em: http://www.artlies.org/article.php?id=1661&issue=59&s=1 . Acessado em 10 de julho de 2010.79 A estrutura de cada uma das três exposições foi diferente. Vidokle diz que, em Berlim, o projeto foi completamente independente, e num espaço próprio, já em Nova York ocorreu dentro do New Museum, uma instituição com muitos empregados e guardas, e com horários preestabelecidos de funcionamento. “Neste sentido, não havia [no New Museum] muita liberdade. Por exemplo, nós não podíamos seguir os debates até a uma hora da manhã, porque os guardas tinham que ir pra casa. Nova York também foi diferente de Berlim, pois as pessoas vivem economicamente sob muita pressão. Jovens artistas e curadores têm até dois trabalhos para fazer sua renda, então as pessoas têm menos tempo. Como resultado, o programa da ‘Escola’ foi mais condensado. Em Berlim, alguns seminários duraram duas semanas. Em Nova York, todos os seminários duram 4 dias”. Cf. VIDOKLE, Anton. Vidokle on Night School. In: Artinfo. Disponível em: http://www.artinfo.com/news/story/26703/anton-vidokle-on-night-school/ Acessado em: 29 de julho de 2010.

Figura 17 - Martha Rosler apresentando um seminário no “unitednationsplaza” em berlim, 2007

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Projetos como os de Seth Siegelaub, Martha Rosler e Anton Vidokle contribuem para pensar um circuito/sistema de arte amplo e flexível. O elástico que volta e meia se encontra todo grudado no museu e na galeria é esticado para incluir outros sites. Esticar o elástico corresponde a compreender que o circuito/sistema de arte não é constituído apenas institucionalmente, mas também discursivamente e, como tal, é móvel, transitório e em permanente (des)construção.

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O procedimento artístico do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], ao entender o site como uma narrativa nômade e enfatizar as possibilidades discursivas deste, recorre a outras formas de exposição. Os “dispositivos curatoriais” que dispersam e fazem circular os docs/registros configuram sites expositivos que não estão necessariamente atrelados ao espaço físico de um museu ou galeria, e que podem ser um DVD, uma página da internet (ARQUIVO), uma publicação (Relatório Funarte, Banca 2 – Dissertação) ou uma conversa (Sala, No los conozco pero los quiero igual).

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O Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], como um site discursivo móvel e transitório desdobra-se em outros sites (Geradores – Sites Iniciais e Experiência no Site – e Gerados – Docs/registros e Exposições), e existe de forma múltipla. Em determinados momentos do desenvolvimento do projeto, eu não conseguia visualizá-lo. Espalhava-se e espalha, num movimento que não responde às questões do site de investigação artística, mas (re)elabora e (re)coloca as questões. O projeto, ao se resolver na sua não-resolução, segue no movimento de construção de estratégias para prosseguir o trabalho, sem a preocupação de encontrar “a solução” ou o final.

É neste sentido que se constrói o site-expositivo on-line [Arquivo] do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA]. Um site-expositivo que é um [Arquivo] do site de investigação artística [PAISAGEM:FRONTEIRA] e constituído de docs/registros das experiências, docs/registros das publicações que são disponibilizadas on-line, docs/registros das conversas que são disponibilizadas em textos, áudios e vídeos. O propósito do site-expositivo [Arquivo] é seguir pensando o site de investigação artística[PAISAGEM:FRONTEIRA] como produção de um circuito que se lança, ao mesmo tempo, para dentro de si e para o exterior80, ao estabelecer novas conexões.80 Para Ricardo Basbaum, pensar por circuito/sistema é um novo modo de pensar que se faz por redes, vizinhança, afinidades, afetos e desvios. Os circuitos, como entidades processuais, lançam-se à vertigem dos jogos de relações e seus destinos de circulação. Neste sentido, a “simples construção de um site reveste-se de significado por ser exatamente interface a partir da qual o pensamento se ordena enquanto produção de um circuito que produz valor para o próprio trabalho – constrói valor –, lançando-se ao mesmo tempo para dentro de si mesmo e para o

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Considerações Finais:

Dos Projetos ao Projeto (Ir)realizado Os inícios do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] ocorreram pela formulação

e aprovação de dois projetos: “Paisagens contemporâneas: territorialidades artísticas intertextuais”, submetido ao Edital de Seleção para ingresso no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGAV-Udesc), na linha de pesquisa Processos artísticos contemporâneos; e “paisagem: fronteira”, submetido ao Edital Bolsa de Estímulo à Criação Artística-Fotografia concedido pela Funarte/Ministério da Cultura para o financiamento de pesquisas artísticas.

Estes dois projetos foram espécies de primeiras aproximações aos dois sites iniciais – [MESTRADO] e [CHUÍ-CHUY] – e participam da rede de práticas e experiências discursivas que configuram o Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] como um site discursivo de investigação artística.

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A sociedade contemporânea, segundo Boris Groys81, pode ser pensada por uma maior preocupação do homem contemporâneo em formular projetos. Inúmeros projetos no campo econômico, político e cultural são formulados e submetidos a aprovações e concessões de apoios financeiros de autoridades públicas. Há um grande número de pessoas envolvidas em criar, discutir, aprovar e rejeitar uma enorme quantidade de projetos, e há aqueles que nada lêem além de projetos.

Envolver-se na realização de um projeto significa, para Boris Groys, experimentar um quadro temporal heterogêneo, pois exige da pessoa que o realiza um período de afastamento dessincronizado do tempo experimentado pela sociedade. Uma pessoa que está envolvida na realização de um projeto “sempre já está no futuro”, “já sabe como será o futuro, já que seu projeto não é mais do que a descrição desse futuro”. O final do projeto representa um momento de “ressincronização do estado de tempo paralelo do projeto com o do fluxo geral das coisas”. Espera-se que, ao final de um projeto realizado, ocorra uma “prestação de contas” com a apresentação de um produto acabado, um obra, que também justifique o tempo vivido no desenvolvimento do projeto.

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A vontade de projetos não é nova. Projetar, planejar, programar fazer algo em

exterior. Através do website, as coisas não são acessadas diretamente, mas através do circuito/interface em que todos os elementos presentes se reforcem mutuamente, produzindo o efeito de geração de sentido”. Cf. BASBAUM, Ricardo. Circuito de arte em deslocamento. 81 GROYS, Boris. A solidão do projeto. Disponível em: <http://projetosnatemporada.org/eventos/arte-projeto/groys/solidao-do-projeto/>. Acessado em: 20 de novembro de 2009.

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futuro próximo ou distante, a partir do esboço detalhado de um trabalho, do desenho de uma planta, são questões que já envolviam a construção de uma modernidade iluminista e/ou revolucionária. Declarações de direitos e proclamações de independência procuraram inscrever o presente no futuro. Independentemente de os projetos serem ou não realizados, tanto as declarações quanto as proclamações descrevem um futuro a ser alcançado através da realização do projeto apresentado nestes documentos.

Os impulsos da modernidade, imersos em sua complexidade e riqueza, desencadearam movimentos que criaram uma “tradição do novo”. Movidos pela ideia de progresso, movimentos que projetam e se lançam ao novo criaram possibilidades de transformar e alterar as condições do presente. Neste sentido, a utopia, entendida como um não-lugar, mas também como um bom-lugar82, pode ser vista como um projeto.

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Entre os anos de 2003 e 2006, Francis Alÿs realizou o trabalho “Historia de un desengaño”, apresentado como um vídeo cuja imagem vai em direção a uma miragem inalcançável do horizonte. A câmera centra-se na estrada e segue através da paisagem da Patagônia. Em outros trabalhos como “Tornado” (2000–2010), em que o artista corre ao encontro dos tornados, e “When faith move montains” (2002), quando um grupo de pessoas com pás “desloca” uma montanha, essa busca pelo inalcançável também se faz presente.

Para Cuauthémoc Medina, ao escrever sobre alguns trabalhos de Francis Alÿs, “a modernização [no cenário latino-americano] comporta-se como uma espécie de miragem: uma meta histórica que desaparece perpetuamente no ar, surgindo apenas no horizonte”83. Sob esta ideia, os projetos de modernidade na América Latina lançaram futuros que nunca foram plenamente alcançados.

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82 Do ponto de vista de Rancière, o das reconfigurações do sensível comum, “a palavra utopia carrega duas significações contraditórias. A utopia é o não-lugar, o ponto extremo de uma reconfiguração polêmica do sensível, que rompe com as categorias da evidência. Mas também é a configuração de um bom lugar, de uma partilha não polêmica do universo sensível, onde o que se faz, se vê e se diz se ajustam exatamente”.Cf. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005, p. 6183 MEDINA, Cuauthémoc, apud. DEBROISE, Olivier. Mancha Blanca. In: Alÿs, Francis. Historia de un desengaño – Patagonia 2003–2006. Buenos Aires: Fundación Eduardo F. Costantini, 2006, p.21.

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Figura 18 - Francis Alÿs, Historia de un desengaño, 2003-2006

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Em sua absoluta maioria, as instituições governamentais e as não governamentais, artísticas ou não, ao apoiarem a realização de um projeto esperam que este seja “bem-sucedido” e demonstre sua realização apresentando um produto, uma “obra” de arte. Neste sentido, o projeto é uma descrição prévia (desenho, texto, maquete, etc.) de algo a ser construído que auxilia a escolha ou a recusa de um produto ainda não construído. O projeto realizado, “bem-sucedido”, é o que constrói o que havia sido projetado. Todavia, em sua maioria, os projetos permanecem irrealizados, “fracassados”, mas estes, do mesmo modo que os “bem-sucedidos”, esboçam uma visão particular do futuro. Descartar os projetos “fracassados” ou “bem-sucedidos” “nos impede de analisar e compreender visões para o futuro que foram investidas nestes projetos e que podem propiciar uma compreensão mais ampla sobre a nossa sociedade do que qualquer coisa”84.

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Há partes do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] que foram projetadas com o intuito de produzir um produto (intervenções e exposições) e que não foram realizadas. Nas exposições [Relatório Funarte] e [Banca 1 – Qualificação], foram apresentados alguns projetos não realizados. O acesso a estes futuros projetados, mas não concretizados, ocorre através de docs/registros (esboços e textos) que conferem um lugar no presente para eles.

Os projetos irrealizados apresentados no [Relatório Funarte] são propostas de intervenções artísticas construídas a partir do contexto da experiência [Viagem ao Chuí(y)]. Hoje, estas intervenções são docs/registros, que esboçam um futuro não realizado. Estes trabalhos acontecem no intervalo entre o tempo presente do público e o futuro da possível realização do projeto, mediados por docs/registros que apresentam a proposta.

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84 GROYS, op.cit.

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Figura 19 - Felipe Prando, Projetos Irrealizados, Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], 2009

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O projeto artístico, cada vez mais, ganha espaço no sistema de arte e não apenas pela demanda de editais, salões e concursos. Sem a pretensão de estabelecer marcos históricos, é possível perceber nas práticas conceitualistas “desmaterializadas” dos anos 1960–70 um momento em que os projetos artísticos se fizeram presentes.

Lucy Lippard conta que, nos projetos “557,087 Seatle Art Museum” e “955,000 The Vancouver Gallery”, ambos organizados por ela, nem todos os trabalhos apresentados no catálogo da exibição (95 fichas – tipo de cadastro) foram construídos durante as exibições85. O catálogo, portanto, apresenta não apenas a documentação dos projetos realizados, mas também dos projetos irrealizados.

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85 “Muitos trabalhos não foram montados em Seatle por causa de dinheiro, falta de ajuda, minha própria incapacidade, ou sei lá. Tudo foi tentado: três trabalhos (Ande, Flanagan e Rohm) foram executados errados; Serra nunca chegou a fazer seu trabalho; os trabalhos e Sol LeWitt e Dibbets nunca foram completados por causa de má carpintaria e condições climáticas. Os trabalhos de Heizer, tanto em Seatle quanto em Vancouver, tomaram uma imensa quantidade de tempo e nunca foram executados.” Cf. LIPPARD, Lucy. Six Years: the dematerialization of the art object from 1966 to 1972… Berkeley: UCPress, 1997, p. 111.

Figura 20 - Lucy Lippard, “557,087 Seatle Art Museum”, 1969 e “955,000 The Vancouver Gallery”, 1970

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“Temporada de Projetos na Temporada de Projetos”, organizada por Roberto Winter e Luiza Proença, foi uma exposição que aconteceu após ser um dos projetos selecionados pelo “Edital Temporada de Projetos – Paço das Artes”86. A exposição, um projeto realizado, além de ser um produto “final”, configurou-se como um processo de pesquisa através de uma plataforma relacional e discursiva formatada em exposição de projetos, oficinas, encontros com pesquisadores de vários campos, apresentações de portfólios, que foram espaços para a apresentação e reflexão sobre a prática de projetos e, ainda, plataformas virtuais que, além de terem servido como fóruns de discussões, também disponibilizaram documentações das atividades que eram realizadas.

O Projeto “Temporada ....” realizou-se como uma exposição de projetos irrealizados, isto é, uma exposição de projetos, e não de seus produtos/obras finais. A proposta foi pensar sobre “práticas [artísticas e não artísticas] que funcionam e se originam na criação de projetos e que exemplificam o cenário atual da produção artística no Brasil”87.

86 Todos os projetos enviados ao Edital Temporada de Projetos foram convidados para serem expostos durante o período da exposição que aconteceu entre 6 de outubro e 6 de dezembro de 2009 em São Paulo. A plataforma virtual da “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos” encontra-se no endereço: http://projetosnatemporada.org/ 87 WINTER, Roberto, PROENÇA, Luiza. Projeto Inicial. Disponível em: http://projetosnatemporada.org/projeto/. Acessado em 29 de agosto de 2010.

Figura 21 - Roberto Winter e Luiza Proença, Temporada de Projetos na Temporada de Projeto, 2009

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O Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], que é um site discursivo de investigação artística, é um projeto (ir)realizado, com já dito aqui na [Banca 2 – Dissertação], porque é concebido para se realizar sem a preocupação de produzir um produto final que o encerre. Encerrar um projeto tem dois sentidos: um produto que aponta para o término do projeto, mas também o de um produto que contém em si todo o sentido do projeto.

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Entendo que há projetos (ir)realizados, projetos irrealizáveis e projetos irrealizados. Além dos projetos (ir)realizados concebidos para se realizarem sem a preocupação de produzir um produto final, “uma obra”, há projetos irrealizáveis que não são realizados devido a seu caráter muitas vezes ficcional; e, ainda, projetos irrealizados que permanecem irrealizados apesar de concebidos para serem realizados. Em todos estes casos, “a documentação da arte confere um lugar no presente sem forçá-los a ser um sucesso ou fracasso”88.

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Em muitas ocasiões, há projetos concebidos para não serem realizados em decorrência de seu caráter ficcional. São projetos irrealizáveis. Na Exposição “Desenho de Idéias”, que integrou a 7ª Bienal do Mercosul, uma sala apresentou projetos não realizados do artista Milton Machado. Os projetos irrealizáveis deste artista assim o são em decorrência do que Victoria Noorthoorn chama de “narrativas impossíveis que, entretanto, se apresentam como totalmente lógicas, [...], cujos resultados são da ordem do imaginário”89.

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88 GROYS, op.cit.89 NOORTHOORN, Victoria. Desenho das ideias. Disponível em: <http://www.bienalmercosul.art.br/7bienalmercosul/pt-br/desenho-das-ideias>. Acessado em: 13 de maio de 2010.

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Figura 22 - Milton Machado, Hotel Tropical na Baia de Guanabara, 1978

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No mesmo sentido de projetos irrealizáveis, é possível encontrar projetos de Robert Smithson. “Proposal of a Monument on the Red Sea” e “Proposal for a Monument at Antartica”, ambos de 1966, são projetos que apontam para espécies de paisagens de ficção científica90.

90 SOBIESZEK, Robert. Robert Smithson’s proposal for monument at anartica. In: TSAI, Eugenie, BUTLER, Cornelia (Org.). Robert Smithson. Los Angeles: The Museum of Contemporary Art, 2004, p. 142-147.

Figura 23 -Robert Smithson, Proposal for a Monument at Antartica, 1966.

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“Floating Island – to travel around Manhattan, do mesmo Robert Smithson, pode ser um bom exemplo de projeto que por muitos anos permaneceu irrealizado. Por mais que na época pudesse parecer ficcional, imaginário, este projeto veio a ser realizado no ano de 2005 a partir do projeto elaborado pelo artista em 1970. Também o vídeo “Mono Lake” por muito tempo permaneceu um projeto irrealizado até vir a ser realizado em 2004, editado por Nancy Holt, também seguindo um projeto elaborado pelo artista. A trilha sonora, o texto narrado e as imagens editadas foram selecionados e gravados em 1968.

Figura 24 - Robert Smithson, Floating Island - to travel around Manhattan, 1970

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Outros projetos irrealizados são aqueles enviados para editais e concursos, e que não foram selecionados. A grande maioria destes projetos poderão ficar irrealizados, apesar da vontade de serem realizados.

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Enquanto os projetos artísticos não são concluídos, eles podem ser acessados através de documentações: seja o próprio projeto, seja do processo de construção do projeto. Deste modo, o acesso à prática artística não ocorre através de uma “obra”, mas por docs/registros do percurso e do processo no qual acontece a vida-no-projeto. A arte, portanto, não se manifesta como objeto para contemplação, mas como vida vivida no tempo heterogêneo do projeto.

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“Tempo heterogêneo do projeto” é o termo que Boris Groys usou para pensar o período que transcorre entre o início de um projeto e sua finalização. Na conclusão do projeto, “o curso das coisas estaria modificado, e toda a humanidade será levada a um futuro diferente”91, o que havia sido declarado na elaboração do projeto.

Esta distância entre o presente e o futuro, a dessincronização entre o tempo do fluxo geral das coisas e outro paralelo do projeto, se constrói quando, “para o autor do projeto, [...], nada do aqui e agora é importante, pois ele já vive no futuro e vê o presente como algo que se deve ser superado, abolido ou pelo menos modificado”92.

Este intervalo de tempo (presente – futuro) se constitui desde outro intervalo, de espaço (aqui e lá). Michel Foucault, numa conferência de 1984, afirmou que “a época atual seria talvez de preferência a época do espaço”, e que “o tempo provavelmente só aparece com um dos jogos de distribuição possíveis entre elementos que se repartem no espaço”93.

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O espaço na sociedade contemporânea apresenta-se sob a forma de “relações de vizinhança entre pontos ou elementos”, as quais Foucault chama de “relações de posicionamentos”. Há dois tipos de posicionamento nos quais os espaços se encontram ligados com todos os outros: as utopias e as heterotopias. Entre estes dois posicionamentos, há uma experiência intermediária: “o espelho”.

O espelho é uma utopia, quando “me vejo lá onde não estou, em um espaço irreal,

91 GROYS, op. cit.92 Ibid.93 FOUCAULT, Michel. Outros espaços. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Michel Foucault – Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 411-413.

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que se abre atrás da superfície [...] que me permite olhar lá onde estou ausente”. O espelho é também heterotopia, na medida em que me descubro ausente do lugar em que estou, pois me vejo projetado no espaço virtual; mas, ao mesmo tempo, por este olhar que se dirige a mim, vindo do fundo do espelho, começo “a dirigir meus olhos para mim mesmo e a me constituir ali onde estou”. A heterotopia é uma espécie de posicionamento em que a relação entre o espaço em que estou e outro projetado por mim ocorre ao mesmo tempo, isto é, sincronizados.

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Praticar um projeto como uma descrição prévia de obra a ser construída inscreve esta prática, como diz Boris Groys, num quadro de tempo dessincronizado do fluxo geral das coisas. O Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], uma prática contemporânea site-specific, é entendido com um processo que não busca responder às questões do site de investigação artística, mas sim colocar questões. O projeto é uma prática artística que acontece num tempo sincronizado com o fluxo geral das coisas, pois o contexto da experiência pelos Sites Geradores inscreve-se na prática artística.

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O Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] é um projeto (ir)realizado que não busca um produto final e desloca sua atenção da “obra” para a o processo, isto é, para a vida-no-projeto artístico94. [PAISAGEM:FRONTEIRA] é um projeto que não se refere a um produto final, mas a processos e pesquisas que se desdobram dos projetos iniciais.

As exposições do projeto, como esta [BANCA 2 – Dissertação], correspondem a uma [PAISAGEM: do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA], isto é, são procedimentos artísticos que enquadram e recortam um site discursivo de investigação artística que é móvel, transitório e fluido. Uma exposição do Projeto [PAISAGEM:FRONTEIRA] é um instante de um fluxo apresentado por docs/registros.

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94 GROYS, op. cit..

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