Biodanza: Desenvolver a Vez e a Voz do Idoso | Lícia Maria Lopes Barretto

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ÍNDICE

1. JUSTIFICATIVA.............................................................................................................. 6

2. HISTÓRICO.................................................................................................................... 8 2.1. O Grupo...................................................................................................................... 11 2.2. O Espaço..................................................................................................................... 11 2.3. Ambiente Humano..................................................................................................... 11 2.4. Questão Financeira.................................................................................................... 12 2.5. As Sessões.................................................................................................................... 13

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...................................................................................... 14 3.1. Definição de Biodanza............................................................................................... 24 3.2. Linhas de Vivência..................................................................................................... 25 3.2.1. Vitalidade.............................................................................................................. 26 3.2.2. Sexualidade........................................................................................................... 27 3.2.3. Criatividade.......................................................................................................... 28 3.2.4. Afetividade............................................................................................................ 28 3.2.5. Transcendência..................................................................................................... 30

4. METODOLOGIA APLICADA.......................................................................................... 32 4.1. Duração das Sessões.................................................................................................... 33 4.2. A Curva da Aula.......................................................................................................... 33 4.3. Dificuldades Iniciais.................................................................................................... 33 4.4. Priorização das Linhas de Vivências......................................................................... 34 4.5. As Vivências que Mais Marcaram............................................................................. 35 4.6. Vivências ou Músicas que mais deflagaram Mudanças........................................... 37 4.7. Mudanças não apenas de comportamento, mas de Humor Endógeno................... 37

5. CONSTATAÇÃO DOS EFEITOS DO TRABALHO............................................................. 39 5.1. Níveis Evolutivos Segundo o Modelo Teórico de Biodanza..................................... 48

6. CONCLUSÃO.................................................................................................................. 55

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 58

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1 – JUSTIFICATIVA

A escolha deste tema deve-se a dois motivos relacionados em minha vida. O primeiro

deve-se ao fato de, sendo filha caçula temporã em uma família de nove irmãos, ter ficado órfã

de mãe aos quatorze anos. Vi a grande mãe partir para a eternidade aos sessenta anos, e ficou

para mim a imagem não de uma senhora que partia prematuramente, mas de uma “velha

sofrida” que precisava descansar. Conseqüência de uma vida sofrida, sem grandes estímulos e

com muitos sacrifícios. Assim, fui buscando pela vida afora, em cada “idosa”, traços que

dessem novamente o colo que perdi. Apesar de possuir cinco irmãs mais velhas, zelosas,

atentas e carinhosas, o vazio permanecia. Com o amor que desenvolvi por toda minha vida na

busca da mãe tirada de mim às vésperas do meu debut dos 15 anos, desenvolvi uma ternura

para todos os de “cabeça branca”. Na minha visão, a imagem envelhecida não correspondia

com a maneira que a sociedade se relaciona com os idosos. São homens e mulheres

envelhecidos, mas são seres humanos com desejos e possibilidades...

O segundo motivo: também eu, depois dos quarenta anos, fui mãe de uma linda

menina temporã. Toda a vida do universo latejava em mim, um lindo recomeçar, caminhado

ao lado de um medo sutil de não dar conta também do meu recado: vê-la crescer e

desabrochar. Mas o instinto maternal venceu. Tornei-me forte, bela, com uma gestação

privilegiada... saudável. Porém neste mesmo período minha vida de par foi começando a ir ao

caos. Fui vivendo sem vez, sem voz, sem perspectivas, percebendo o quanto estava

descolorida, com uma tendência natural a desaparecer, acrescentando minhas próprias

descobertas de anti-vida, acomodações, preconceitos, discriminações. Busquei terapia, olhei o

mundo, tirei as vendas e comecei a dançar. Lancei-me carinhosamente a ver, a enxergar de

verdade a minha própria existência e a existência dos idosos nessa nossa sociedade, e

dançando pude sentir que mesmo com minha pele enrugando, mesmo encurralada pela

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entropia e percebendo os desgastes físicos, eu não poderia mais abrir mão do meu direito de

ser, de existir, de sentir e desejar. Dançando a vida pude sentir primeiramente em minha pele

a renovação existencial e a renovação orgânica. A vitalidade com que norteei meus atos e a

transcendência que me fizeram evoluir, e que estão retratados nos desenhos que recebi em

datas comemorativas do meu filho Fabio.

Antes da Biodanza Depois da Biodanza

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2 – HISTÓRICO

A partir de minhas mudanças, comecei a investir nas possibilidades de levar o bem

recebido na Biodanza para outros. Há quatro anos venho trabalhando com terceira idade em

Paquetá, convidada pelo Hospital Vila Boim, nas pessoas de Marco Aurélio Nirlepa,

responsável pelo setor de acupuntura, e da Dra. Márcia Augusta. Eles desejavam realizar um

trabalho de medicina preventiva neste hospital, e viram na Biodanza esta possibilidade.

Encontrei um grupo de aposentados tímidos, sem expressão, medrosos, envergonhados

e tristes.

A sensação que me dava era que para eles já se tinha perdido o tempo, já tinha passado

tudo e nenhuma possibilidade havia. Existencialmente viviam, porque ainda se locomoviam.

Mas já estavam mortos, sem sonhos, sem ideais. Nada a desejar. Corporalmente, parecia

haver nos ombros de cada um deles uma tabuleta: “Desculpe, estamos fechados”. Fechados

para o bom, o belo, para as oportunidades, para a vida. Era preciso resgatar algo naqueles

corpos endurecidos, era preciso buscar uma ressurreição e vida plena. Era preciso olhar com

um olhar curativo e fazê-los ver este olhar transformador. Depois fazê-los conhecer a

possibilidade de olhar e penetrar no mistério que é o outro. A censura e a timidez eram fortes

entre eles, uma vez que cresceram praticamente juntos e todos conheciam a vida de todos.

Uma barreira que tive que vencer com muito carinho, transparência, proteção e verdade. A

experiência da Biodanza tem também a finalidade de disseminar o amor pelo mundo e pelo

próximo. Difícil com eles foi recuperar o amor e o respeito por si próprios, difícil foi

desenvolver o amor pela oportunidade de viver. Difícil não, impossível foi torná-los plenos,

mas a Biodanza, com sua metodologia tão potente, foi fazendo aqueles idosos mais felizes,

mais confiantes e conseqüentemente mais saudáveis.

Duas coisas chamaram-me a atenção nas entrevistas iniciais:

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1. A total incapacidade de expressarem seus desejos e vontades, tanto em família

como em sociedade.

2. A falta de permissão para o sexo. Uma pobreza na vontade para realizar.

As mulheres, 80% delas, abdicam do prazer mais do que os homens e se desencantam

muito cedo dessa atividade. Na maioria, as mulheres se submetem ao parceiro porque não tem

outro jeito, o encontro sexual é visto como obrigação. Vivem o “princípio do dever”. As

viúvas ainda demonstravam muito timidamente uma vontade de arranjar um novo parceiro.

As solteiras, totalmente amedrontadas e conformadas com sua eterna castidade. Escamoteiam

essa necessidade, criando sobrinhos e netos. Tudo é motivo para abdicar da atividade sexual.

O lamento dessas mulheres é: “Quem vai me querer agora?” O verbo que mais usam:

“Quando eu era gente...”, referindo-se à juventude.

Apesar dos esforços, dos movimentos pelos direitos dos idosos, pouco se evoluiu na

visão do idoso. As revistas, guias e livros só mostram casais jovens e bonitos tendo sexo. A

sociedade rotula como desavergonhados os que ousam expressar suas necessidades.

Masturbação para eles é coisa de jovens insatisfeitos e, se praticam, é com culpa. Vêem seus

corpos como deformados. Não aprenderam questionar ou perguntar, apenas a obedecer.

“Acreditam em tudo que seus maridos dizem ao seu respeito. Não questionam a autoridade

médica, que muitas vezes as fazem serem deformadas pelos partos sofridos e não raro,

brincam com suas pacientes chamando-as de namoradas, sem levarem em conta que estas

senhoras também se excitam e que não devem ser iludidas, pois na maioria das vezes suas

excitações são contornadas com drogas ou orações.” (Ana Fraiman, Coisas da idade).

Leitura erótica? Nem pensar! Se ousam fazê-lo às escondidas, é sob forte vergonha,

culpa ou censuras. Sexo nesta fase, só nos romances. Ainda existem os agravantes sociais que

fazem os idosos serem vistos como retardados mentais, e o pior, tratados como se o fossem.

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Os papos com um idoso limitam-se a perguntar pela saúde, se tomou sol, se dormiu bem etc.

Não há o cuidado de conversar com os mesmos sobre o que vai pelo mundo. Os jovens

entram em suas casas, não os cumprimentam, não os enxergam. Se algum idoso registra a sua

presença, são chamados de rabugentos. No âmbito familiar, os filhos em nome da proteção e

do amor, decidem por eles desde o lazer ao vestir.

Nosso sistema educacional está caduco. Apesar de hoje se falar muito “em melhores

condições de vida para os idosos”, as aposentadorias são vistas e concretizadas mais como

uma necessidade de tirar do mercado mão-de-obra ultrapassada para atender às necessidades

das empresas, do que um prêmio merecido aos que contribuíram anos a fio com o suor do seu

rosto para o crescimento da nação. Na sociedade de consumo em que vivemos, só quem

produz é qualificado. Assim o idoso, além de perder o contato com os companheiros, perde

também seu papel, seu status e vê a aposentadoria como fim de vida, fim de caminho. Ele

próprio se percebe um inútil e passa a ser o comprador de jornal, o comprador de pão etc.

O Princípio Biocêntrico, pautado na conservação da vida, no respeito pela vida nunca

foi realidade para os interesses políticos e sociais. Pelo contrário, cada vez mais em todas as

formas de governo o que se busca é o lucro, cada vez mais esmagando o homem. A cada dia

que passa vamos desacreditando nessa reformulação de valores que propõe a potencialização

da vida e a sua evolução. O pensamento visionário do Albert Schweitzer, citado no Tomo I

por Rolando, de respeitar todas as espécies de vida, até as inferiores à nossa, e que a idéia do

bem é não por travas ao seu florescimento não corresponde aos interesses das nações. Com

um quadro social desse, é difícil não cair numa depressão, é quase impossível não adoecer.

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2.1 – O GRUPO

Este grupo começou em 1996 – eram idosos que buscavam o hospital Vila Boim em

Paquetá, com queixas como constantes alterações de pressão e dores de coluna. Um grupo de

médicos deste hospital buscava terapias alternativas e experimentaram proporcionar para estes

idosos novas opções de vida, levando até eles a meditação, a yoga e a fitoterapia. Neste

período me convidaram para levar a Biodanza. Eram trinta idosos na época – a Biodanza

passou a ser a preferência deles. Comecei de quinze em quinze dias e a pedido dos mesmos

passei a ir em Paquetá semanalmente.

2.2 – O ESPAÇO:

Nossas aulas são realizadas no solar Del Rey, antiga

hospedagem de D. João VI, hoje Biblioteca Pública de Paquetá.

Utilizamos um salão colonial de lajotas em cerâmica, com muitas

janelas e portas: o auditório, que se localiza nos fundos da Biblioteca,

em completo silêncio, privacidade e

beleza natural – flores e árvores

frutíferas cercam o nosso habitat. Localiza-se em um terreno

elevado do solar, longe da entrada e tendo como cenário a praia

da Moreninha.

2.3 – AMBIENTE HUMANO:

Desde o início fomos acolhidos pela direção da Biblioteca, pela Sra. Maria Luíza

Jobim, assim como por secretários e serventes num clima de amizade e carinho. O jardineiro e

as faxineiras são chamados pelo grupo de “nossos anjos”, pois encontramos a sala sempre

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limpa e todas as nossas necessidades são atendidas de imediato. O ambiente é alegre, fraterno,

gostoso.

No Natal o grupo oferece um presentinho a todos os funcionários e, nos aniversários

dos participantes do grupo, todos são convidados a partilhar o bolo (se um deles está ausente,

o bolo é guardado com carinho). Os ventiladores da sala se quebraram, então o grupo se

cotizou e presenteou a Biblioteca com ventiladores novos. Foi uma grata surpresa para mim

ver realizado o que desejei e não expressei. A diretora agradeceu emocionada, pois seria

maravilhoso se todos os que freqüentam a Biblioteca pudessem seguir o exemplo do grupo da

Biodanza. Outro fato: o som que utilizamos foi adquirido também pelo grupo, pois a

Biblioteca não dispunha de som.

2.4 – QUESTÃO FINANCEIRA

Durante um ano dei aulas inteiramente grátis, mesmo tendo despesas consideráveis por

causa do aerobarco e do almoço. Devido ao horário muito espaçado das barcas, para dar aula

à tarde eu precisava estar no local pela manhã. O tempo de viagem da barca é de uma hora e

vinte minutos; sai uma barca a cada duas horas. Depois deste tempo de trabalho, o Sr.

Edmundo (hoje com 80 anos) convocou o grupo para uma colaboração para aliviar as minhas

despesas. Uns dão R$ 5,00 e outros dão R$ 10,00.

Existem dois secretários eleitos pelo grupo, os dois se encarregam pela cobrança e

passam para mim o arrecadado. Eles também têm uma caixinha semanal, onde vamos

colocando uns trocados para suportar as festas e as celebrações, incluindo o presente da

professora, de aniversário e de Natal.

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2.5 – AS SESSÕES

Nossos encontros semanais são sempre de duas horas, de 14h30 às 16h30, e

geralmente se conversa muito no momento de Intimidade Verbal. Quando o tema é menos

palpitante, poucos se colocam e vamos logo para as vivências. Há alguns dias em que eles

necessitam se colocar mais, então vamos regulando de trinta a cinqüenta minutos para a

conversa e de uma hora e vinte minutos a uma hora e meia para as vivências. A chegada é

geralmente quinze minutos antes do início da aula, para as conversas iniciais. Na saída,

ninguém tem pressa e eu, que preciso pegar a barca para voltar para o Rio, me programo para

dar um tempo de tomar um cafezinho da tarde na padaria local com alguns deles. Isto deve ser

o nosso “Bio chopp”.

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3 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

“Os paradigmas de Biodanza são pontos de partida que dão

ao sistema estrutura operatória. Estão relacionados entre si e formam

uma rede de grandes intuições, mas vinculadas com a revelação

místicas do que com as estratégias cognitivas

convencionais.”(Rolando Toro, Tomo I, página 9)

1 PARADIGMA – O PRINCÍPIO BIOCÊNTRICO

“Pautado na conservação da vida no planeta; inspira-se nas leis universais que

conservam os sistemas vivos e torna possível sua evolução; tem como referencial o respeito

pela vida.” (Rolando Toro, Tomo I, página 8).

A sensação de que eles não se sentiam vivos, dignos, prestigiados, ouvidos, ia

aumentando a minha certeza de que investir no Princípio Biocêntrico era necessário. As

sessões iniciais foram sendo norteadas buscando reviver neles a sacralidade de suas próprias

vidas, sensibilizando-os também para a natureza tão pungente em Paquetá, para a grandeza de

um encontro real e significativo com os companheiros. Aos poucos fui percebendo que a

expansão da consciência e a ampliação de percepção que eles tinham de si, da vida que

levavam, já estava acontecendo.

Trabalhei muito o canto do próprio nome e do companheiro. Dançar ao centro

mostrando sua expressão e beleza. Falar “eu sou” (dizer o nome) com a certeza de que

existiam, de que tinham consistência. Celebramos tudo: nascimento de netos, festa de

primavera, bodas, aniversário, páscoa, natal... Chamou-me a atenção o amor, o carinho, o

entusiasmo com que eles realizavam essas festas e se comprometiam.

No final do primeiro ano de grupo, trabalhei para que todos fizessem uma expressão

para o grupo, falada ou dançada. Alguns criaram poesias e fizeram paródias musicais, outros

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convidei para caminhar mostrando-se para os colegas, com o fundo musical de “Garota de

Ipanema”, presenteei-os com fotos como a do modelo abaixo:

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Expressão criativa verbal de Jandira Rosa Blum (70 anos):

Verbo Amar

Nós somos alunos da Biodança

Crianças lindas da cabeça aos pés

Com a Lícia vamos aprendendo

E toda terça somos nota dez

Nosso estandarte é a alegria

O nosso lema é o ideal

Pois sempre à frente vem Rolando Toro

Que nos ensina a Biodançar legal

Nós já sabemos soletrar o be a ba

Um be com a faz be a ba

Nós já sabemos o que é afetividade, alegria e vitalidade

Agora só nos falta praticar

Sempre sempre o verbo amar

13/03/98

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Paródia da música Pense em Mim, de Leandro e Leonardo, feita por Jandira no Natal de 1999:

Em vez de você ficar em casa pensando

Curtindo doença e se estressando

Vem aqui, fique aqui

Não, não fique em casa pensando

Vem ver a vida que está te esperando

Aqui você vai ser muito mais feliz

Pois nós vivemos uma vida saudável

Com a Márcia nós vamos plantando

E com a Lícia, nós Biodançamos

Vem aqui, fique aqui

Não, não fique em casa chorando

Vem aqui, fique aqui

Nós estamos te esperando

Vem aqui, fique aqui

Olha que a vida está passando

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Criação de Marli Leal (59 anos), analfabeta:

Eu sou uma plantinha

Eu sou uma plantinha

Eu sou uma plantinha

Eu me chamo esperança e felicidade

Sei que estou morrendo

Me esqueceram no fundo de um quintal

Preciso sobreviver

Tenho sede e fome

Me esqueceram no fundo de um quintal

Que falta faz o amor...

De repente, surgiu uma luzinha no meu coração

Será que ainda sou a esperança?

Será que ainda sou a felicidade?

Ah, mais que bom!

Surgiu duas plantinhas sorrindo para mim

Que felicidade!

Uma plantinha me disse

O que você tem agora?

Eu estou morrendo.

Olha, eu sou Juju e Jaborandi

Daqui pra frente, você vai sobreviver

Junte-se a nós,

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Quem cuida de mim vai cuidar também de você

Sorri e comecei dali pra frente

A brotar, a brotar

Surgiu vários botõezinhos de flor,

Um de cada cor

Agora eu sei sorrir, sou a felicidade

Viva a Vida

Obs: Esta poesia foi referente a como ela viu o convite feito por duas colegas do grupo para

ela participar da Biodanza.

Remetê-los à sua própria sacralidade foi o objetivo.

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2 PARADIGMA – PROCESSO NEGUENTRÓPICO DE AMOR E ILUMINAÇÃO

Busquei muito estimular o segundo paradigma do Princípio Biocêntrico, que postula

que o ser humano é capaz de se auto-regular, ter autonomia e realizar sua auto-evolução.

Alguns deles tinham muito receio do beijo e do abraço. Comecei os encontros afetivos

através do lúdico. Eles adoravam o exercício de toques não convencionais, onde eu evitava a

princípio tocar no bumbum, até que um deles gritou: “No bumbum”! E assim pude perceber

como a permissão para brincar e tocar já estava estabelecida. Comecei na Afetividade com o

acariciamento de mãos, cabelos e toques no rosto. Hoje eles fazem sem receio o auto-

acariciamento e o acariciamento no corpo todo e gostam, sabendo que estão trabalhando o

despertar do corpo como fonte de prazer.

Caminhar com determinação e abrindo seu espaço pelo mundo também ajudou muito a

fortalecer suas identidades e a auto-estima. Uma aluna, já bisavó, contou que vestiu uma blusa

amarela para comemorar o jogo do Brasil, e a sua neta de quatorze anos criticou-a dizendo

que ela estava “pagando mico”. Resposta: “Eu hoje pago até gorila, porque eu sou... e vou

continuar sendo com amarelo, azul ou vermelho”. Isto me fez chorar, pois sabia da “não

permissão para ser” desta pessoa. Ela tinha horror em contrariar e nem sequer olhava nos

olhos. O “o que vão dizer, o que vão pensar” que ela vivia, foi-se!

3 PARADIGMA – EXPANSÃO DA EXISTÊNCIA ATRAVÉS DO POTENCIAL GENÉTICO

Cada ser tem sua história e condições ambientais diferentes para expressar ou não seus

potenciais genéticos. Nas nossas sessões de Biodanza criamos um clima sempre muito

afetivo, onde todos se sentissem acolhidos e aceitos para facilitar seu desabrochar. Os

cuidados com a qualificação com o olhar e com o continente afetivo, quando vão ao centro da

roda ou quando se colocam verbalmente, são constantes.

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4 PARADIGMA – PROCESSO BIOLÓGICO AUTO INDUZIDO MEDIANTE CERIMÔNIA

DE RENASCIMENTO

O Renascimento no processo biológico auto-induzido, como ocorre nas cerimônias de

Minotauro, nunca foi realizado, mas gradativamente todos renasceram e redecidiram com a

emoção das músicas, as situações de encontro. O Renascer deles foi também por meio das

danças euforizantes e de toda a vida afetiva que norteou os nossos encontros.

5 PARADIGMA – PULSAÇÃO DE IDENTIDADE

“A pulsação tem uma gênese biológica que vai desde a identidade imunológica até

outras formas de identidade psíquicas e comportamentais. A identidade portanto não tem

estrutura cultural – chamamos de ego a falsa identidade, auto-afirmativa e competitiva. A

identidade propriamente dita manifesta-se hierofanicamente no encontro com o outro. A

identidade é pulsante. A percepção de ser o centro de percepção do mundo pode diminuir os

estados de regressão e fusão com o universo, porém logo volta a adquirir a plenitude

originária. A identidade portanto está submetida a movimentos centrífugos e centrípetos.”

(Rolando Toro, Tomo I, página 11)

“Identidade e regressão são absolutamente complementares e abarcam a totalidade

da experiência humana.” (Rolando Toro)

Toda vivência de íntase e êxtase está relacionada com esta pulsação.

6 PARADIGMA – PERMEABILIDADE DA IDENTIDADE

A nossa identidade é permeável à música e à presença do outro.

Nas danças criativas, nas danças de comunicação e encontro, nas rodas de olhar e em

muitos momentos das aulas esta verdade pode ser deflagrada. A consciência de si, de sua

totalidade e a emoção vivenciada pela música na presença do outro nos dá uma sensação de

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existir que permanece em nós nos dias seguintes às aulas e nos acompanha durante muito

tempo, dependendo da intensidade do que foi vivido. A emoção do instante lá e então

fortalece o nosso aqui e agora.

7 PARADIGMA – O PONTO DE PARTIDA AUTO REGULADOR É A VIVÊNCIA

“A vivência é a percepção intensa e apaixonada de estar vivo aqui e agora”. Tudo o

que realmente é vivenciado nunca é esquecido. Quanto mais forte for a vivência, mais nos

conscientizamos dos nossos processos. A elaboração, a compreensão do que foi vivenciado

muitas vezes se dá de forma tardia, mas uma vez registrado, nosso processo de integração,

regulação e optimização se evidenciam.

É importante lembrar aqui que este grupo era oriundo do Hospital Vila Boim, pessoas

que todas as semanas ou quase diariamente estavam no serviço médico com pressão

descompensada ou dores lombares, pedindo acupuntura. Houve mesmo alguns casos de

depressão. Em seis meses de Biodanza, a freqüência do Hospital diminuiu e em um ano a

diretora notou que o setor de acupuntura havia esvaziado. Hoje, deste grupo, apenas dois vão

ao Hospital com mais regularidade. A agenda deles encheu-se de compromissos, e eles

trocaram a “agenda da doença pela agenda da saúde” (como fala a doutora Márcia Augusta,

Médica de Família que acompanhou o grupo até aqui – ver vídeo).

Uma das coisas difíceis para quem começa a participar de um grupo de Biodanza é

explicar para outros o que é a Biodanza. Todos sentem a beleza, a magia, a potência e a

percepção do seu eu numa simples sessão. Porém, passar isso com palavras para outros torna-

se difícil, pois corre-se o risco de diminuir sua grandeza. Vivemos numa cultura onde a

expressão do que se sente, do que se vivencia em termos de emoção, de sentimentos, de afeto,

é camuflada, escondida. Vamos usando máscaras, disfarces, vivendo sem transparência, sem

verdade, porque somos ensinados a isso desde a mais tenra idade. Vamos tendo medo de

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sermos manipulados ou julgados. Enfim, vivemos uma anti-vida, cheios de medos,

preconceitos e tensões. Nestas confusões mentais, nestes conflitos internos, chegamos à

Biodanza, que se propõe a ser uma reeducação para a vida, funcionando como uma terapia

grupal. E a confusão se estabelece: mas o que é mesmo a Biodanza – terapia ou reeducação

para a vida? Nestes anos junto aos meus alunos de terceira idade e a grupos de adultos,

percebo que a Biodanza é reeducação com efeitos terapêuticos.

É reeducação quando todos nós sabemos que Rolando Toro, seu criador, a conceitua

como “uma profunda meditação sobre a vida no desejo de fazer renascer dos nossos gestos

despedaçados devido a uma cultura repressora, um convite para se resgatar o amor”. É

reescrever uma nova história.

É reeducação quando diante de um mundo violento, opressor, sem esperanças,

convidamos alguém para dançar mediante certas propostas para ativar seus potenciais afetivos

de comunição que os conecta consigo, com o outro e com a natureza.

E reeducação quando vamos reformulando nossos valores e vamos expandindo nossa

consciência, diminuindo nossos preconceitos, derrubando crenças.

É reeducação quando “exaltamos o encanto essencial do encontro como única

possibilidade de saúde” (Rolando Toro). Todos nós aprendemos desde cedo que o homem é

um ser essencialmente social, criado para o vínculo, mas vivemos egoisticamente fechados

como se não necessitássemos do outro. Esquecemos que é na presença do outro que nossa

identidade se firma. A sociedade de consumo em que vivemos nos leva a crer que para sermos

felizes precisamos apenas ter e ter cada vez mais.

A Biodanza é reeducação quando nos resgata a possibilidade de vivermos a ternura:

“Qualidade de uma presença que concede presença” (Rolando Toro).

É reeducação quando nos faz redecidir e optar por um estilo de vida que nos leve a

viver melhor conosco, com o outro e com universo, de maneira mais integrada e mais sentida.

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Tem efeitos terapêuticos quando por este caminho de reeducar, nos ajuda a perceber a

pobreza afetiva em que vivemos, sem consistência amorosa nem mesmo conosco.

Tem efeitos terapêuticos quando, através da dança e do exercício de comunicação em

grupo, nos leva a profundas vivências harmonizadoras.

Tem efeitos terapêuticos quando utiliza estímulos musicais, ativando o sistema

nervoso simpático e parassimpático e levando o ser humano para o ímpeto e ação, o descanso

e o repouso, tornando-o um ser mais vital.

Tem efeitos terapêuticos quando ativa o sistema límbico hipotalâmico, que é a sede

das emoções, e nossa dança deixa de ser dança mecanizada, estruturada pelo pensamento,

para ser um movimento pleno de sentido.

É reeducação quando nossa dança é orgânica e origina vida, imprimindo em nossas

células novas histórias de prazer, de coragem, de sensibilidade etc.

Rolando, na coletânea de textos da Biodanza volume I, página 158, examina a

Biodanza dentro do panorama das psicoterapias. Segundo alguns critérios, Biodanza é

caracterizada como uma terapia de grupo de estrutura semi-aberta, de composição

heterogênea, científica, de caráter ortodoxo, integral, corporal imanente e transcendente de

contato. A ação terapêutica é exercida pelo grupo oferecendo continente. O contato adquire a

qualidade de carícia ou acolhimento afetivo.

3.1 – DEFINIÇÃO DE BIODANZA.

É um sistema de integração afetiva de renovação orgânica e reaprendizagem de

funções originárias de vida, baseada em vivências induzidas pela dança, canto e situações de

encontro em grupo.

Biodanza na verdade é um caminho para reencontrar o prazer e a alegria de viver. É

um caminho para viver o sentir e o pensar de forma integrada. Pautada no Princípio

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Biocêntrico, que se inspira num universo organizado em função da vida. Toda a vida e todo o

sistema vivente são sagrados.

3.2 – LINHAS DE VIVÊNCIA

A vivência é um elemento operativo de Biodanza. A indução freqüente das vivências

organiza respostas frente à vida, permitindo a liberação de potenciais genéticos. Os exercícios

são selecionados para estimular vivências específicas em cinco conjuntos que constituem as

linhas de vivências, que são:

1 – Vitalidade

2 – Sexualidade

3 – Criatividade

4 – Afetividade

5 – Transcendência

Essas linhas no Modelo Teórico potencializam-se reciprocamente. Nos cursos de

Biodanza e grupos regulares as vivências combinam as cinco linhas, evitando-se as

dissociações. A gestalt,a música,o movimento e emoção são utilizados nas vivências. A música

tem o poder deflagrador para a vivência que se quer alcançar e para obter respostas

emocionais. É uma linguagem universal acessível a todos: crianças, adultos e idosos. Sua

influência é a nível celular. A nossa identidade é permeável à música e pode se expressar

através dela, segundo o paradigma do Princípio Biocêntrico.

“A vivência é a visão intensa e apaixonada de sentir-se vivo aqui-e-agora”. (R.T.)

O movimento é a dança plena de sentido. Este pensamento está de acordo com o

“dançar a vida” de Roger Garaudy. A Biodanza propõe o dançarino vir a ser a dança, evitando

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a teatralização, permitindo que a música se infiltre em seu organismo, induzindo o estado

cinestésico-vivencial, levando a uma renovação orgânica e ao estado de energização – caminho

para a saúde e para a mudança no estilo de viver.

A Biodanza, através das suas cinco linhas de vivência, nos faz uma proposta para

nossas mudanças existenciais e orgânicas. Cada um dá a sua resposta de acordo com as suas

histórias de vida, suas permissões ou não a curto, médio ou longo prazo. Mas todos dão sua

resposta. É um sistema potentíssimo, audacioso e eficaz. Possui instrumentos fantásticos: a

carícia, o toque, o contato, que todos desejam, necessitam e dos quais tantos fogem. E é este

afeto que tanto ameaça e que tantos temem e que muito transforma. Pois o alimento está para o

indivíduo da mesma forma que a carícia está para a unidade corpo-mente. É através da carícia,

do abraço, do encontro amoroso e comprometido que vamos aumentando nossa auto-estima,

melhorando nossa imagem, vamos nos qualificando, saindo do estado de auto-compaixão e

buscando novas atitudes frente à vida. A Biodanza, através das suas cinco linhas de vivências,

busca resgatar no Ser Humano movimentos para a vida mais plena. Segundo Rolando Toro, as

nossas metrópoles, com o seu estilo de viver, vêm perdendo a conexão com a vida e tornando

as pessoas totalmente atrofiadas. Os cidadãos dessas metrópoles estão enfermos com a total

incapacidade de estabelecer feedback com tudo que está vivo no ambiente. Integrar este

cidadão consigo mesmo, com o outro e com a natureza é um dos nossos objetivos.

3.2.1. Vitalidade

Através da vitalidade buscamos reabilitar o homem para a ação, para o movimento,

para a alegria e para o prazer de viver. Em um mundo doente como o nosso, onde a idéia

central de ser vital é ser poderoso, rico, bonito, forte, musculoso, a vitalidade está muito ligada

à imagem do jovem, do físico atlético, onde muitas vezes está instalado um processo

depressivo e uma crise de pânico crônica. Em corpos atléticos estão, também, vários mandatos

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de não vivas, não sejas, não confies. Nossa sociedade é uma sociedade que vive de aparências.

E a Biodanza propõe sair das aparências para a vida mais autêntica de auto-regulação,

buscando movimentos fluidos, potentes, elásticos, ágeis, integrativos, buscando uma

estabilidade dinâmica neuro-vegetativa, ativando os Sistemas Simpático e Parassimpático,

levando a um índice de saúde. Todos os seus exercícios são voltados para uma homeostase.

Suas consignas, de forma poética e científica, são voltadas para uma vitalidade, também,

existencial.

3.2.2. Sexualidade

Para a continuidade da vida e para assegurar a espécie, seja humana, vegetal ou animal.

A sexualidade é o único recurso natural. Por isso ela está tão ligada a vida. No homem ela vem

acompanhada do prazer e não serve só para a procriação. Na nossa cultura, o procriar não é um

fim em si mesmo, mas uma conseqüência muitas vezes não desejada. O prazer e a busca para

realizar este prazer vêm sendo o objetivo central das relações Homem X Mulher. Com uma

carga de repressão, por uma educação judaico-cristã, o conflito nesta área fica estabelecido.

Vamos vivendo uma busca desenfreada para o prazer genitalizado, carregando uma culpa sem

limites por se permitir desfrutar de um encontro amoroso. E numa época como a nossa, de

tanta busca, de tanta informação, não sei se posso afirmar que a dissociação corpo e mente ou

corpo-espírito tenha se diluído. Vejo tanto progresso, como na Internet, levar à prática do amor

virtual. Onde cheiro, olhar, toques, tato e contato se perdem por entre fios e válvulas das

máquinas. Não vivemos apenas sob a “lei” de economia de carícias que postula a Análise

Transacional, vivemos sim a miséria e a inanição das carícias. É necessário libertar este

homem moderno desta sua prisão afetiva e sexual. E aqui surge a Biodanza, com a sua força

transformadora, com uma proposta de libertar este ser conflituoso e levá-lo a interagir com esta

energia natural de maneira a fortalecer sua identidade sexual, assumindo com inteireza seu ser

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masculino e feminino, reconhecendo seu corpo como fonte de prazer e despertando nele o

erotismo para com tudo que o cerca.

Conectar-se com o prazer desde um simples banho num chuveiro de água morna, até

uma fusão orgásmica plena com o semelhante, é um dos objetivos da Biodanza: ser feliz é o

que se quer.

3.2.3 Criatividade

Na criatividade somos desde cedo massacrados e oprimidos. Nas escolas infantis ainda

persiste o método das coisas serem como são. Nossas crianças não podem pintar o cachorro de

amarelo ou de azul, porque lhes é dito para obedecer um padrão X. Na nossa cultura toda

pessoa criativa é uma excêntrica, que não deve ser levada a sério. Para os regimes

governamentais, ser criativo é ser um perigo e uma ameaça.

Nossas aulas de Biodanza são um verdadeiro bombardeio de criatividade, uma grande

revolução, presente mesmo em um simples caminhar com alegria, com ímpeto e potência, com

determinação e sinergia. Do caminhar solitário ou a dois, a três, a quatro, com encontros

afetivos, até chegarmos à criatividade gráfica, onde pessoas que nunca escreveram nenhum

verso descobrem-se poetas e até compositores. Os potenciais escondidos e massacrados

explodem. Os trabalhos com argila são reveladores. A capacidade de criar e recriar no

cotidiano existencial dessas pessoas é algo maravilhoso. Muda-se do movimento duro e

enrijecido para um corpo leve e gracioso no dançar. Mudam também os atos e as ações e se

recria uma vida mais luminosa.

3.2.4. Afetividade

Caminhar por esta linha requer muita sensibilidade e inteireza. Esta linha relaciona-se

com o instinto de solidariedade das espécies, com o instinto gregário. Sabemos que nenhum

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homem pode viver só. Somos seres sociais. Necessitamos um do outro para sobreviver.

Precisamos de simbioses para nos manter vivos. Quando falo de simbiose não estou me

referindo à simbiose patológica, que as psicoterapias definem como perniciosas por causarem

dependência, onde o Ser perde sua autonomia e a pessoa vive como um parasita, sem decisões

próprias. Falo da simbiose na fusão amorosa, onde precisamos do outro para existirmos de

uma maneira mais plena, assim como necessitamos do oxigênio que extraímos da natureza.

Esta é uma simbiose necessária. Necessitamos do outro para percebermos que existimos e para

dar mais qualidade à nossa vida. Necessitamos do contato para termos noção de que somos

humanos ou até divinos... Então por que tanto desamor? Tanta falta de ternura? Tanto

isolamento e solidão? Ser afetivo efetivamente é um desafio. Para se vincular a alguém ou a

um grupo é necessário diminuir o ego, abrir mão muitas vezes do seu jeito de ser e pensar para

o bem comum. Viver a aceitação incondicional do outro é uma tarefa árdua. Dar e receber são

vivências de amor e abertura, que toda a humanidade necessita assustadoramente. Mas das

quais muitos fogem ou não sabem como vivenciar. Há uma multidão de solitários nas

comunidades ditas amorosas como famílias, comunidades religiosas e entidades filantrópicas.

Muitos não dão um passo para se filiar ao “Partido do Amor – que não quer o poder, quer

amar, que não quer militantes, quer amantes, que não quer governar mas, transformar. Que não

quer convencer, mas contagiar.” (Autor desconhecido).

Este partido é o partido dos corações dançantes. Onde os participantes de Biodanza,

mesmo numa primeira experiência, percebem toda evolução a que Rolando Toro quis chegar:

“A dança é um movimento profundo, que surge das entranhas do Homem com o ritmo

biológico, com o ritmo do coração. É um movimento com a espécie humana e com o Cosmos”.

As linhas de vivência levam as pessoas a perceberem que para haver mudanças é necessário

sincronizar o passo de um ao outro. Que caminhar confiando nada mais é que se entregar nas

mãos do outro e acreditar que no outro pode haver um porto seguro.

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É perceber que numa roda de olhar há toda uma qualificação do seu ser pessoa. Há um

não verbal que nos brinda com uma mensagem para despertar, e todos se percebem vivos. Dos

olhares aos toques de mãos, do contato do abraço, dos beijos e das carícias a um convite para

sermos plenos despertando para uma consciência coletiva.

De sessão em sessão muito progressivamente vamos evoluindo para uma afetividade

cósmica. Vamos desenvolvendo circuitos ecológicos até penetrarmos no Princípio Biocêntrico,

que na minha experiência pessoal tanto influenciou minhas crenças e valores. Hoje é para mim

a mais alta religiosidade, o verdadeiro religare. Através desta visão do meu interagir com o

outro na linha da afetividade, fui me tornando um Ser Humano mais concreto e mais feliz. É

com certeza “o nosso carro chefe, a nossa grande sacada”. É o grande compromisso para uma

ação eficaz nas mudanças e nas transformações que buscamos na sociedade. A sacralidade da

vida em toda sua expressão é a maior expressão de afetividade.

3.2.5. Transcendência

Adquirir uma nova sensibilidade frente à vida está na base da Biodanza. Na

Transcendência há um bombardeio de resgate dessa sensibilidade. A maioria das pessoas está

dissociada e vive uma dicotomia corpo e alma, chegando mesmo a separar coisas do corpo e

coisas da alma. Isto está tão enraizado que, apesar de sabermos que somos uma unidade,

estamos a todo momento vivendo esta divisão. Nesta linha, a Biodanza propõe uma expansão

da consciência e uma amplificação da percepção do divino, uma vinculação profunda com a

totalidade. Porém sem nenhuma conotação religiosa. A Transcendência é uma experiência

mística com sensações de leveza, afeto, ternura e iluminação, é o íntase e a fusão com o

Universo de maneira muito amorosa. É a sensação beatífica. As posições geratrizes, que são

gestos originários de vida, levam todos que se entregam às vivência a se conectarem com suas

fontes instintivas, fortalecendo o vínculo com a vida. Exercícios como embalar a vida, posição

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de valor, conexão com o infinito etc. acionam os nossos arquétipos, nos sensibilizando com

profundidade, enriquecendo nosso mundo interior.

A Transcendência permeia todas as linhas.

No simples fato de dar as mãos e fazer a roda já se está transcendendo, já se está saindo

do isolamento para o grupo, já se está no encontro de mãos e do olhar. Já se está na vida da

comunidade, já se começa a deixar o fechamento para a abertura do encontrar-se. Nos

encontros afetivos sinceros, quando a ternura se faz presente, há toda uma carga de emoção

que faz o corpo arrepiar, transpirar e desfrutar. Tal encontro, assim vivenciado, evidencia a

grande transcendência, principalmente naquelas pessoas que possuem um forte “não te

aproximes”, “não te expresses”, “não sejas”, “não sintas”.

Um abraço profundo restaura a coragem de viver.

Como diz o Rolando: “Transcender é superar limites, é superar a força do ego, ir mais

além, é identificar-se com a natureza e a essência das pessoas”.

Transcender não é ver a face de Deus, mas sentir Deus em si mesmo, no outro e no

Cosmos. Transcender é chegar ao estado de iluminação que tanto almejamos.

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4 – METODOLOGIA APLICADA

Comecei meu trabalho com o grupo de idosos em Paquetá com uma aula aberta, onde a

alegria, o lúdico e os jogos foram marcantes.

Apesar de vê-los tímidos e retraídos pelo conhecimento prévio que eles já tinham uns

dos outros e pela proximidade da morada, o encontro foi coroado de êxito: a alegria foi a

tônica.

Com o pedido para continuar comecei pelas entrevistas e nelas fui conhecendo suas

histórias, os fatos tristes, a perda de cônjuge e de filhos, as doenças e os medos. Logo percebi

que precisava trabalhar a elevação da auto-estima, a consciência amorosa de si mesmo e fazê-

los perceber que eles estavam idosos e não mortos. Percebi que quebrar ou diminuir o

preconceito de que não sabiam dançar e de que não eram jovens para isto, era urgentíssimo.

Criar um grupo amoroso e integrado, onde os participantes fossem cúmplices uns dos outros

me pareceu um desafio. Com o caminhar, isto foi mais fácil do que imaginava: um dos meus

cuidados iniciais foi dar ênfase ao momento de intimidade verbal, onde todos podiam falar de

si com a certeza do sigilo. Em algumas tentativas de alguém contar-me algo separado do

grupo, não dava incentivo e solicitava que o assunto fosse abordado na presença dos

companheiros. Isto foi uma inspiração, porque em quase cinco anos de convívio nada foi

ventilado de Paquetá neste grupo, nem de seus relatos de vivência, nem das coisinhas do dia-a-

dia em comum.

O livro de Maria Lúcia Pessoa Santos foi minha Bíblia. Norteou meus trabalhos.

Algumas dúvidas foram tiradas com a autora, em cursos e maratonas que ela realizava. Nos

quatro Minotauros com Maria Lúcia em Lagoa Santa, aproveitava para beber da fonte. A

minha facilitadora Ecy Costa foi de grande valor nesta etapa. Pois acompanhou-me várias

vezes a este grupo dando-me toques importantíssimos. A formação da Escola, com tão bons

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Didatas, dilatou meus horizontes. Os Tomos de Rolando Toro até hoje são fontes de

conhecimento e inspiração. Foi fascinante ir percebendo na prática os níveis de mudança que

os exercícios criados por Rolando atingiam. Cada sessão encerrada é uma motivação para a

próxima.

4.1 – DURAÇÃO DAS SESSÕES

Cada sessão tem a duração de duas horas.

4.2 – A CURVA DA AULA

Nossas sessões são sempre bem suaves e moderadas, com uma ativação inicial

moderada, uma regressão serena e uma ativação final um pouco mais elevada. É claro que esta

curva sofre variações dependendo do objetivo da sessão, mas com certeza nunca fiz aula com o

componente adrenérgico muito alto nem com regressão profunda. Nas festas juninas e de

carnaval, a curva sofre alterações pela própria ênfase das músicas, porém cuido para não

cansá-los. Nossas aulas terminam sempre com o gostinho de “quero mais”.

4.3 – DIFICULDADES INICIAIS

As dificuldades iniciais eram mesmo conseqüência da minha inexperiência na seleção

das músicas, mas apenas para os exercícios pontes. Mesmo observando o catálogo, a dúvida ou

o desconhecimento me fez algumas vezes ativá-los depois de um exercício regressivo, com

músicas mais rítmicas do que melódicas, sem me dar conta desta progressão na curva.

Com muita consciência e cuidado sempre utilizei músicas catalogadas. Nunca criei

novidades. Obedeci orientações e a ortodoxia do Sistema.

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4.4 – PRIORIZAÇÃO DAS LINHAS DE VIVÊNCIAS

Todas a linhas de vivências foram trabalhadas. Trabalhei com mais cautela a linha da

sexualidade. Pois muito deles eram viúvos ou desquitados e sozinhos, cheios de tabus e

preconceitos. Eu não pude dar ênfase a esta linha, mas não a ignorei. Nas minhas falas

colocava muito a cultura que ridicularizava o velho que namorava. Devagar, fui dando

permissão sutil. O exercício de auto-acariciamento foi uma surpresa para mim, vê-los tão

lindamente tocando-se e de uma maneira tão plena. Este exercício o fiz, com quase um ano de

grupo, unindo o corpo como fonte de prazer ao ato de amar-se.

Acariciamentos de cabelos, de mãos e a dois, no corpo todo foi feito muito

naturalmente. A permissão de tocar foi estabelecida e em conseqüência as falas e as

brincadeiras mais picantes foram acontecendo.

O grupo compacto com músicas voltadas para a sexualidade não foi bem aceito; havia

uma certa indisposição para o contato grupal. Porém o grupo compacto rítmico sempre foi

sucesso. No movimento lúdico e com ritmo, a alegria e a permissão para o toque contagiavam.

Apesar de ter sido uma linha que utilizei com cautela, as mudanças nesta área foram bem

sentidas: algumas viúvas arranjaram namorados eventuais às escondidas, como me diziam:

“quando aparecia um velhinho dando sopa na Ilha”... sem culpa, elas “tiravam o atraso”.

Isto é fantástico para pessoas que viviam na sua auto-piedade. Entre os que, ainda eram

casados, aconteceram duas coisas. Uns melhoraram sua vida de par e criaram situações mais

prazerosas a dois. Outros constatavam a pobreza sexual em que viviam. Buscaram uma

aceitação fluida, pois seus parceiros não acreditavam nas mudanças ocorridas. Mesmo estes,

porém, louvavam a Biodanza, por fazê-los sentirem-se vivos. Por questões éticas ou por força

da moral vigente, não percebi nas senhoras nenhuma revolta. Creio que na própria dinâmica da

Biodanza em nutrir as pessoas, elas até brincavam e gozavam da não permissão de seus

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maridos para desfrutarem de uma sexualidade mais plena. O jogo de dominó nas praças e a

cachaça de lei nos botequins eram mais chamativos.

4.5 – AS VIVÊNCIAS QUE MAIS MARCARAM

Foram tantas e tão belas para pessoas que já não acreditavam na possibilidade de mudar

ou não sabiam das suas potencialidades, nem mesmo achavam que as possuíam. Na verdade

eles se viam como um caso sem jeito. Viam a si mesmos feios, sem capacidades, sem

possibilidades para realizarem mais nada, já tendo vivido o que tinham de viver. A maioria,

tímidos, esperando a morte chegar ou “até quando Deus quiser”.

Comecei trabalhando o movimento. Muitas caminhadas, cultivando e convidando a

alegria, aliando-a ao caminhar existencial. Ora sozinho, procurando bastar-se. Ora a dois, a

três, sintonizados, trocando, buscando novas alternativas de encontro e de vida. O caminhar

fisiológico e com determinação, buscando o equilíbrio e a realização das suas necessidades e

metas, começou a despertar neles a crença de que mudar alguma coisa em suas vidas era

possível.

Dançar sua expressão no centro da roda foi levando-os a mostrarem-se com coragem e

a dançar também em festas familiares. Alguns nunca tinham dançado e outros já não faziam

isto há mais de quarenta anos. O prazer de dançar foi restaurado através dos bailinhos, com os

boleros antigos que fizeram suas histórias.

Cantar seu próprio nome e o nome do companheiro, como uma música única e

irrepetível, foi alicerçando neles o gostar do seu nome e em conseqüência o gostar de si.

Estimular o ato de escolha nas vivências propostas como uma ferramenta para as suas

vidas levou-os a reconquistar seus desejos e vontades, muitas vezes não expressos. Temos uma

senhora de sessenta e oito anos que dizia ter a maior dificuldade para escolher. Pois nunca

pôde escolher nada na vida. Os pais escolheram tudo, depois o marido. Naquele período em

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que começou na Biodanza, os filhos a governavam. Ela não opinava sobre nada. E sempre me

dizia no exercício que não sabia ou não podia fazer. Um belo dia, numa tarde de primavera em

pleno jardim de Paquetá, onde celebrávamos a estação das flores, ela me segredou: “Olha,

Lícia, eu sempre tenho dito a você que não sei fazer os exercícios e nem escolho nada. Hoje eu

vou lhe dizer o que escolhi na vida: meu marido, minha irmã, minha cunhada e sobrinha

decidiram vender a casa grande onde nasci, da minha mãe, não me consultaram e agilizaram

a venda. Aquilo me matava por dentro. E eu me perguntei: estou fazendo Biodanza para quê?

E me veio sua voz aos meus ouvidos: vá em busca dos seus desejos... reaprenda a dizer sim e a

dizer não. Então, me armei de coragem. Quando eles estavam reunidos falei: não vou assinar

a venda da casa da minha mãe nem morta. Foi uma bomba! Todos olhavam para mim como se

vissem um fantasma e eu respondi: eu sou...!” Nesta altura ouvindo isto eu já temia os

resultados que poderiam surgir, pensava na não estrutura e na consistência desta fala. Tremi

nas bases... Ela não daria conta!... Ousei perguntar: “E como você está se sentindo?”

Resposta: “eu estou feliz da vida!” Eu respirei aliviada e guardei comigo uma certeza:

ninguém mais a seguraria! Resultado: todas as chantagens e manipulações aconteceram. Ela

não arredou o pé das suas decisões. Esta senhora participa do grupo de seresta, viaja sozinha e

decide tudo. Na igreja local onde freqüenta, fazendo parte também do coral, foi solicitada

algumas vezes para fazer preces e quando um dia alguém reclamou que ela estava lendo muito

baixo na missa, ela interrompeu calmamente a leitura olhou para a companheira de grupo e

disse: “dá um tempo, tá? Eu estou no meu ritmo”. E me comunicou: “aprendi a fluir!”

Sinto-me gratificada. Louvo a Deus por Rolando ter nascido e ter criado algo tão

potente, tão transformador e tão mágico como a Biodanza. Se nada mais houvesse acontecido,

compensaria este caso acima.

Já que citei aprender a fluir, a descoberta da fluidez para a vida nos exercícios

propostos pela Biodanza transformou a vida de muitos e passou a ser uma constante no

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caminhar existencial deles, como algo que deve ser exercitado para a serenidade e a busca da

saúde. Muitos que eram super estressados e hiper-ativos fizeram da fluidez a sua cartilha em

busca da harmonia.

4.6 – VIVÊNCIAS OU MÚSICAS QUE MAIS DEFLAGARAM MUDANÇAS

Caminhar com determinação, caminhar abrindo seu espaço pelo mundo, dançar no

centro da roda, cantar o seu nome, dar e receber o colo, posições geratrizes (quase todas

marcaram muito), ressaltando dar, pedir, receber e dar-se, posição de valor e o homem estelar e

conexão com a grandeza.

Fascinação (Elis Regina), Gloryanna (Vangelis), O que é, o que é (Gonzaguinha),

Amigos para Sempre (José Carreras), Odara (Caetano Veloso), Canção da América (Milton

Nascimento), Vitoriosa (Ivan Lins), Maluco Beleza (Raul Seixas), Como uma Onda (Lulu

Santos), Acalanto (Nana Caimmy).

4.7 – MUDANÇAS NÃO APENAS DE COMPORTAMENTO, MAS DE HUMOR ENDÓGENO

Como sabemos, as células e os órgãos têm memória e um sistema de defesa e de

solidariedade, funcionando de forma integrada. Este psiquismo dá origem a estados de humor,

não trabalhando nem com idéias nem com imagens, mas somente respondendo a estímulos

internos e externos com respostas instintivas. Sendo a Biodanza um sistema que trabalha a

favor da vida, um método vivencial com o objetivo maior de superar dissociações, as vivências

de prazer, de alegria e erotismo alcançam a totalidade do organismo, reorganizando as

respostas frente à vida, uma vez que a mente está em cada célula do corpo.

Creio que dois fatos deflagraram mudanças a nível endógeno. O primeiro foi o episódio

de uma aluna que veio fazer Biodanza num processo de raiva e ressentimento com o mundo e

com as pessoas por ter perdido um filho de quarenta e dois anos, filho único que morava com

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ela. Este filho morreu afogado na praia da Moreninha de maneira inexplicável. A dor da perda

se converteu em um ódio por tudo e todos. A frase constante dela era: “Falo tudo o que penso,

quem gostar que goste.” Nas nossas sessões de Biodanza, ela reclamava de tudo: das músicas,

das pessoas, do ambiente. Era insuportável, os colegas chegavam a comentar aliviados a sua

ausência. Com um ano de Biodanza, esta senhora voltou ao seu original, alegre, comunicativa

e feliz. Já fez cinco anos de grupo e este estado de humor perdura. É irreconhecível! Ela

mesma narrou que quando ia ao Banco, os funcionários comentavam: “Lá vem a brigona...”

Hoje a fila do Banco pode dobrar a ilha, que ela não se altera e até brinca com todos. Um

funcionário notou a diferença, no que ela respondeu: “É a Biodanza, meu filho, deu jeito na

minha vida. Aprendi a fluir, recuperei a saúde, estou de bem com a vida!”.

No segundo caso, a psiquiatra do Hospital Vila Boim enviou para a Biodanza uma

senhora P.M.D. (Psicótica Maníaca Depressiva) no auge da crise. Na entrevista ela afirmou

que tinha que ficar no grupo e que ela não podia ser contrariada, senão ela “avançava no

pescoço”. Afirmava que só a Biodanza iria curá-la e que estava de alta do hospital. Tentei

argumentar, desejando mesmo que ela não ficasse no grupo, algumas pessoas já haviam

comentado sobre sua agressividade. Deixei-a ficar, não me sentindo nem um pouco preparada

para esta missão. A queixa maior da mesma era que ninguém a ouvia, ninguém a escutava.

Solicitei ao grupo amor e compreensão e que trabalhassem a paciência, uma vez que nas suas

falas ela repetia e se alongava. O grupo cooperou. Esta senhora já fez quatro anos conosco, não

mais se deprimiu, nem entrou na mania. Dança lindamente, é constante e responsável, sente-se

aceita e é amada. Sente-se feliz e cultivou muitos amigos.

Nestes dois casos, as mudanças foram a nível interno e profundo. Houve um

reequilíbrio de saúde.

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5 – CONSTATAÇÃO DOS EFEITOS DO TRABALHO

DEPOIMENTOS DOS PARTICIPANTES DO GRUPO:

Jandira Rose Blum – 4 anos de Biodanza

Idade: 70 anos

Príncipe Regente, 48 – Paquetá

3397-1548

Para mim a Biodanza é maravilhosa. Está me fazendo muito bem. Estou conseguindo

superar os momentos difíceis que estou passando de saúde e, na parte afetiva, pois eu era uma

pessoa de gênio muito oscilante, e muito desconfiada de tudo e de todos. Hoje eu estou mais

liberta para curtir novas amizades. Está sendo muito gratificante esta nova fase de minha vida

que para mim, já não tinha horizonte. Conhecer Lícia e a Biodanza foi uma benção, pois agora

sei que nunca é tarde para recomeçar a viver. Fiz muitos amigos que hoje fazem parte de uma

nova vida. Espero ansiosa de chegar terçar-feira para jogar tudo de ruim para o alto e começar

com muita energia e alegria nova semana.

Que Deus abençoe Rolando que nos trouxe esta maravilha e Lícia que nos ensina a

Biodançar a vida.

***

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40

Eunice Lopes de Araújo – 4 anos de Biodanza

Idade: 65 anos

Rua Furquin Werneck, 175 – Paquetá

Estando no Biodanza há quatro anos aprendi a ter maior relacionamento com as

pessoas, era muito tímida e medrosa, sempre pensando o que as pessoas iam julgar sobre

meus modos.

Hoje eu sou mais corajosa, mais participativa, querendo fazer parte de grupos e vendo

como é importante a amizade, o afeto e o companheirismo. Isto foi o que a Biodanza me

ensinou e que eu procuro passar para as pessoas. Hoje eu tenho mais personalidade, fazendo

as coisas que gosto.

A Biodanza é para mim muito boa, e tenho sempre vontade de vir, sentindo muita paz

e alegria.

***

Wanda dos Santos Leitão – 4 anos de Biodanza

Idade: 78 anos

Travessa do Pescador, 4 – Paquetá

3397-0015

Para mim foi a coisa melhor que aconteceu, fiquei mais solta, mais desembaraçada,

mais independente, mais corajosa. Sei dizer não, em casa principalmente. Fui criada com

rigidez e fiquei tímida. Eu tenho vergonha de falar e me dirigir às pessoas.

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41

Com a Biodanza fiquei com mais interesse pelas coisas e vida. Minha vida social

melhorou muito! Entrei no grupo Farmácia Viva, no grupo de Teatro, Seresta e coral da

Igreja. Graças a Lícia e a Biodanza.

***

Ieda Gonçalves da Silva – 4 anos de Biodanza

Idade: 73 anos

Rua Furquin Werneck, casa 4 – Paquetá

Eu tinha pressão sempre alta e regulou, tinha muita tristeza porque precisei morar

com os filhos, mas vir para a Biodanza me faz mais alegre e ter mais saúde. Comecei a ver a

vida de maneira melhor. Hoje estou mais feliz.

***

Áurea da Cruz Costa – 4 anos de Biodanza

Idade: 69 anos

Praia José Bonifácio, 221 – Paquetá

Biodanza mudou o meu ritmo de vida principalmente quando eu tinha que ir ao Banco,

mercado, as filas me deixavam nervosa, ficava desesperada. Toda vida em cada um sempre

tem seu lado triste.

Freqüentando a Biodanza fiquei mais alegre, mais livre, com mais alegria de viver, sou

mais comunicativa, entendo mais os problemas da vida, também das minhas amigas. Quando

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vem com os problemas, era mal humorada, chegava na Biodanza reclamando de tudo sempre:

agora sou alegre, brinco, danço, canto, grito bem alto para todos e o mundo.

Eu sou feliz: agradeço à Biodanza!

À Lícia: Eu vivo a vida!

Parabéns Lícia por tudo! Obrigada!

***

Leda de Costa – 4 anos de Biodanza

Idade: 74 anos

Rua Comandante Guedes de Carvalho 150 / 101 – Paquetá

A Biodanza foi muito importante. Eu era muito acanhada, só me relacionava com os

parentes. Hoje não: convivo com todos e me dou muito bem.

As pessoas de casa também sentem que o relacionamento ficou melhor. O

relacionamento ficou melhor. Ajudou a aceitar a perda do marido, os amigos da Biodanza

ajudaram – “minha cabeça melhorou muito”.

Tudo para mim agora está bem, por isso não deixo de vir a Biodanza.

***

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Dircéa de Assis Cardoso – 6 meses de Biodanza

Idade: 63 anos

Rua Tomás Cerqueira, 150 – Paquetá

33970571

Minha vida melhorou muito, no aspecto da saúde já não penso muito, já não sou muito

preocupada com meus filhos.

Sou mais independente porque antes eu pedia a opinião de outras pessoas, isto é, das

minhas filhas.

Todos os trabalhos da Biodanza me deram muita satisfação de estar também junto com

muitas pessoas amigas.

Apesar de pouco tempo de Biodanza

***

Regina Coeli – 4 anos de Biodanza

Idade: 55 anos

Rua Tomás Cerqueira, 43 – Paquetá

Em março de 97 iniciei no grupo de Biodanza atendendo ao convite de Marco Aurélio.

Este grupo me permitiu conhecer e fazer novas amizades.

Dos aspectos trabalhados na Biodanza, gostaria de destacar como importante para

minha vida diária a Fluidez e a Transcendência. Só tenho aprendido nesse grupo.

Agradeço a Lícia por sua dedicação e competência.

***

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Léa – 5 anos de Biodanza

Idade: 66 anos

Rua Frei Leopoldo, 64 – Paquetá

Para mim foi muito bom fazer parte deste grupo. Desde que comecei muita coisa

mudou em mim, Sempre fui muito tímida, apesar de ter trabalhado na Telerj durante trinta

anos como telefonista. Mas a maneira que fui criada, a repressão do que “não pode, isso é

feio” prevaleceu em toda minha vida.

Hoje na terceira idade, comecei a ver as coisas de outro ângulo. Sou mais alegre,

consigo me expressar melhor e até representar. Dizer quando quero e quando não quero as

coisas, essa foi a mudança depois de conhecer e fazer parte da Biodanza.

A dança da vida para mim é uma maravilha.

***

José Francisco Vargas – 5 anos de Biodanza

Idade: 90 anos

Rua Benjamin Constant, 497 / 307 / bl. 2 – Niterói

Eu me senti muito bem. No princípio fiquei meio acabrunhado, hoje gosto de todos.

A turma é legal, sinto que todos gostam de mim.

No princípio o toque, o beijo e o abraço eram difíceis, hoje aceito com mais facilidade.

Eu trabalhava muito sozinho, mas me dava bem com todos.

***

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Edmundo Martins – 5 anos de Biodanza

Idade: 81 anos

“Estou na Biodanza há mais ou menos 4 anos. Estive várias vezes para desistir por

motivos diversos, mas na Biodanza tive bastante alegria, fiz muitas amizades. Embora com

idade bastante elevada, aprendi a ser mais compreensivo e calmo. Uma coisa eu tenho certeza:

se todo ser humano praticasse a Biodanza o mundo seria bem melhor, principalmente o nosso

Brasil.

Para mim a Biodanza é alegria, saúde, amor, saudades, recordação, amizade,

fraternidade... e tudo é VIDA.”

***

Darci Siqueira da Silva Gomes – 8 meses de Biodanza

Idade: 67 anos

Rua Maestro Anacleto, 320-A – Paquetá

“A Biodanza surgiu em minha vida num momento em que estava precisando muito de

paz, reflexão, distração para preencher algumas dificuldades pelas quais estava passando.

A depressão estava começando a me dominar quando conheci este grupo maravilhoso,

que tinha como “líder” uma pessoa que nos passava muita garra, muito amor e principalmente

vontade de viver. Mudanças minhas não foram muitas, pelo pouco tempo que aqui me

encontro, mas grandiosa a descoberta de que poderia “receber” na mesma proporção de que

poderia “doar”.

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Ainda tenho muita estrada a caminhar e muita energia a receber dessas amigas que

fazem parte do nosso grupo.

A você Lícia, minha eterna gratidão, pelas horas de que você se priva, para nos dar

alegria, compreensão e prazer. Você é um Anjo que entrou em nossas vida.

Te amo,”

Darci.

***

Marli Leal da Silva – 5 anos de Biodanza

Idade: 59 anos

Praia dos Tamoios, 185 – casa 3 – Paquetá

“Eu era muito tímida, muito desconfiada, não conseguia olhar ninguém nos olhos, porque eu

me achava muito inferior por não saber ler. A Biodanza veio me mostrar que eu tenho valor.

Hoje eu sou mais feliz e converso com todo mundo e fiquei com mais saúde. Hoje eu já

consigo olhar as pessoas bem dentro dos olhos. Aprendi a confiar em mim até chegar no

grupo da terceira idade e saber que eu podia participar das peças de teatro. A Biodanza e Lícia

foi um sol em minha vida.”

***

Hilda Marques Ferreira – 5 anos de Biodanza com uma pausa de 1 ano.

Idade: 69 anos

Rua Feliciana Borges, 43 – casa 201 – Paquetá

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“Estava vivendo muito perturbada e deprimida sem amizades e sem ânimo, porque perdi meu

marido e vim morar em Paquetá. Tomei conhecimento que aqui tinha Biodanza. Foi um mar

de rosas porque eu encontrei pessoas, que antes eu julgava que eram antipáticas e percebi que

eu estava enganada, fiz boas amizades. Me modifiquei, aprendi a fluir. Hoje tiro de letra todos

os problemas que me afligem, me transformei completamente. A Biodanza para mim foi uma

maravilha.”

***

Raquel Bernardes Dória – 1 ano de Biodanza

Idade: 56 anos

Rua Maestro Anacleto, 74 – casa – Paquetá

“Eu era uma pessoa muito tímida, muito apagada, para lutar por mim mesma. Hoje estou

brigando mais por mim. Despertei meu ser mulher. Meu marido já falou para Regina, que me

convidou para Biodanza: “viu o que você me arranjou?” A Biodanza só me trouxe alegria e

mais saúde. Não sinto mais nenhuma dor. Sinto falta quando não vou a aula e vivo

convidando muita gente para conhecer a Biodanza, Adoro todos vocês. ”

***

Regina Gonçalves da Silva – 4 anos de Biodanza

Idade: 63 anos

Rua Gal. Ribeiro da Costa, 190 – Apartamento 407 – Leme

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“Fiz tratamento de psicoterapia desde a morte da minha mãe, uma perda que eu não consegui

superar. Alguém me falou da Biodanza e eu fui conhecer. Já estou todos estes anos e para

mim a Biodanza foi melhor do que a psicoterapia. Voltei a poder ouvir a música de minha

mãe: Fascinação. E hoje, eu já canto em festas de aniversário em homenagem a ela.

Recentemente fui agredida na estação das barcas em Paquetá fisicamente e verbalmente. A

dor e a amargura tomaram conta de mim e na terça-feira seguintes não tive condições de ir ao

grupo mesmo sabendo que eu teria todo o continente afetivo. Neste dia em casa, na cama, às

16:00 h, deu-me uma vontade irresistível de dançar e dancei umas quatro músicas seguidas,

uma energia enorme tomou conta de mim. Às 18:00 horas, soube pela minha xará que neste

mesmo horário eles todos em roda, lá no solar de Paquetá, ao som da Ave Maria de Gounot

mandaram uma mensagem energética de vida para mim. Foi forte, foi marcante. Este é um

grupo que tem uma sintonia muito grande de amor e a minha facilitadora é a própria

Biodanza.”

5.1 – NÍVEIS EVOLUTIVOS SEGUNDO O MODELO TEÓRICO DE BIODANZA

As mudanças esperadas neste grupo

atingiram quase que totalmente os três graus em

sua linha de vivência.

Na Vitalidade foi notório o aumento da

energia vital e coordenação motora. No segundo

grau, forte motivação para viver e auto-regulação sistêmica suprimindo os sintomas

psicossomáticos aconteceu com todos. A renovação biológica, o terceiro grau, foi evidente na

sua totalidade, as crises de dores e de pressão alterada diminuíram sensivelmente.

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Na linha da sexualidade grau um, despertar a fonte do desejo para alguns houve

mudanças. Uma delas, já mastectomizada, voltou a sentir desejos

pelo companheiro, o que ela atribuía ao segmentar de pélvis. A

desrepressão sexual veio através da fala de muitos, na permissão

de brincar e contar piadas picantes. No grau dois, quanto ao

orgasmo nunca pesquisei, porém a consciência da identidade

sexual aumentou. Quanto ao êxtase erótico, também nenhum

cometário.

Na Criatividade grau um, todas as suas

expressões de voz, movimento e emoções foram

atingidas. É importante afirmar que no grupo de

senhoras seresteiras de Paquetá e no teatro da

terceira idade, das vinte e três componentes,

dezenove são minhas alunas. No grau dois, reformulação do estilo de vida, todos os

componentes internalizaram esta mudança. Grau três, criação artística, idem.

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Na Afetividade grau um, eliminação de relações tóxicas, em alguns casos aconteceu, de

maneira muito bonita e serena. E os rituais de vínculos

entre eles mesmos foram largamente vivenciados. No

segundo grau, o dar e receber continente e ter

afetividade nutritiva, foi maravilhosamente vivenciado.

No terceiro grau, a ação e luta social pelos

desamparados não pesquisei, mas nos movimentos de melhoria para Paquetá, eles se

mobilizam.

Na Transcendência grau um, na consciência ecológica e percepção holística do

universo, tivemos um resultado muito bom. No

derramamento de óleo na baía de Guanabara pela

Petrobrás, Paquetá foi cruelmente atingida. Muitos

choraram e a energia naqueles dias foi de luto.

Movidos pelo amor ao local, mas muito também pela

consciência ecológica que o Princípio Biocêntrico despertou. Ver nossas garças morrendo foi

desolador, alguns adoeceram com esta visão. No segundo grau, capacidade de regressão e

transe, todos foram

muito sensíveis e,

com os exercícios

de Biodanza, esta

sensibilidade

aumentou. No

terceiro grau, a

estruturação de um

continente interno

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foi maravilhosamente desenvolvida. A sensação de íntase e êxtase também.

Se a meta do meu trabalho

foi devolver a vez e a voz aos

idosos, mudar seu estilo de viver,

torná-los mais saudáveis e

estimular novas motivações para a

vida, precisava despertar neles o

prazer de se movimentar, que para

alguns era a princípio muito doloroso. Despertar a alegria do encontro tendo como carro-chefe

a afetividade, levando-os a perceber que o grupo era a matriz de renascimento que tanto

buscávamos. Dando ênfase aos efeitos psicológicos, biológicos, neurológicos, imunológicos

etc. que através da Biodanza se alcançava, a cura e a diminuição das doenças psicossomáticas

rapidamente aconteceram. O desejo de mudar e ser mais feliz tem sido uma constante.

Integrar as linhas de vivências não foi uma tarefa fácil, porém a vontade de criar um

grupo onde as relações fossem mais nutritivas me levou a investir muito na alegria de estar

junto, no resgatar o prazer do abraço e do beijo.

Havia em mim um certo preconceito em relação à linha da criatividade e

transcendência. Na minha santa ignorância inicial, julguei que haveria dificuldades de

internalização destas linhas, e foram elas

que me levaram a uma certeza: nem todo

jovem é belo em suas expressões de vida e

nem todo velho é sábio. A sabedoria não se

dá através dos anos vividos, mas sim pela

maneira pela qual as pessoas optam ou se

programam para a vida, a depender também do seu meio ambiente. A capacidade de mudar e

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redecidir, comum a toda espécie humana, escapa a alguns, e estes caminham para a morte

como robôs programados, sem terem descoberto esta “sabedoria” atribuída falsamente aos

anos vividos. Ser sábio está ligado à busca, ao ímpeto vital, ao potencial genético de cada um,

com as protovivências singulares a cada um. Ser tocado, ser acariciado, ser nutrido com

segurança e amor, crescer em contato com a natureza num ambiente harmonioso leva

naturalmente a ser mais criativo e feliz. E certamente mais sábio.

Na Vitalidade, Criatividade, Afetividade e Transcendência baseei minhas buscas nos

idosos que vieram a mim, a princípio medrosos, tímidos e apáticos. Conectá-los com seus

instintos de conservação, exploratório, gregário e de fusão foi imperioso, pois para muitos

deles falar em instintos era algo diabólico, desenfreado e que necessitava de cuidados. Mas

esse cuidado era na verdade inibir ou até mesmo ignorar. Nos momentos de Intimidade Verbal,

pude conscientizá-los das repressões culturais por trás desta palavra e convidá-los para uma

releitura, dando ao instinto seu real significado. Levei-os a compreender que os instintos têm

por objetivo a conservação da vida e a sua evolução. Nesta época, um senhor de 78 anos

comentou que a sensação dele por estar na Biodanza era a de também estar cursando uma

faculdade, devido a tanta coisa que ele aprendeu. Até a maneira dele falar também mudou.

Referindo-se a Rolando, disse que só um “monstro sagrado” poderia ter criado algo tão

formidável assim. Para fortalecer as suas identidades, usei muitas caminhadas com potência,

com determinação, assim como o caminhar triunfante e o caminhar com fluidez quando a vida

nos exigisse, adaptando-se e aprendendo a

fluir diante do imutável. Ser fluido

significava não ser inerte: era ser

determinado de maneira harmoniosa, como o

rio que corre para o mar. Isto foi um bom

aprendizado, pois eles muitas vezes caíam no

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conformismo da situação. Os segmentares de pescoço, ombros, pernas e braços foram muito

usados para diminuir as couraças, tão evidentes nesta faixa etária dos setenta anos. As danças

rítmicas e as danças de liberação de movimentos com deslocamento e leveza os deixaram

soltos e descontraídos.

As rodas de alegria, de celebração, rodas guerreiras, as cirandas e até as rodas

vertiginosas. Estas últimas foram usada com a devida cautela, pois havia casos de labirintite.

Hoje, depois de cinco anos e mais idosos, menos labirínticos ficaram.

Levá-los a dançar os quatro animais e os quatro elementos, respeitando muito o

movimento de cada um foi uma grande descoberta. Aqui, o Princípio Biocêntrico se

internalizou de forma vivencial e as mudanças existenciais também. Muitos viviam totalmente

alheios a outras dimensões de vida e puderam lançar sobre o mundo e as outras espécies um

novo olhar. O banho de sol recomendado pelo geriatra passou a ser uma saudação ou uma

conexão com a grandeza e de um hábito obrigatório se tornou um prazer.

Ao dançar os animais, muitas lições de vida foram percebidas e sentidas: o

hipopótamo, tão desqualificado na nossa cultura, pôde trazer para todos a visão do desfrute e

do prazer, aos quais quase todos abdicaram na vida enquanto ativos no sistema trabalhista

vigente e muito mais quando aposentados. O auto acariciamento abdominal foi uma revelação.

Muitos se encantaram com o prazer de tocar tão prazeirozamente seu próprio abdômen e com

toda a permissão acariciaram o abdômen dos companheiros.

Ao dançarem a sedução da serpente, entraram pelo lúdico do movimento, mas a

graciosidade dos gestos e a permissão de mostrar as ondulações da pélvis foi evidente nas

senhoras, e os homens também ficaram contidos. Porém para ambos a serpente permitiu liberar

uma criança livre com permissão para brincar com um assunto tabu como é a sexualidade.

No momento da intimidade verbal, ou relato de vivências, convidei-os a levarem fotos

de animais. O grande vencedor foi o cachorro. Serviu para uma boa reflexão: o modo como

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este amigo do homem recebe seus donos. Uma pergunta lançada serviu para meditação: como

nós recebemos nossos filhos e maridos; será que temos o mesmo entusiasmo do cão? Ficou

evidente que na maioria das famílias o chegar em casa não é festejado, e às vezes nem mesmo

notado: a televisão absorve.

Na linha da Transcendência, as posições geratrizes desenvolveram a sensibilidade nas

relações. No código I, foi sucesso absoluto de transformação no cotidiano a posição de dar-se,

pedir e receber. Descomplicaram o medo de pedir, por medo da negação. Uma aluna criou um

slogan: “Pedir não ofende”. Como culturalmente no papel de mãe, avó e esposa, o dar-se com

entrega e doação vem embutido numa submissão servil, compreenderam que tinham que dar

um limite para os abusos do dar-se. Passaram também a receber sentindo-se merecedoras.

Deixaram de crer que quando recebiam era por favor. O reconhecimento dos seus valores

enquanto pessoas foi concretizado nestas vivências.

Posições de intimidade consigo, sustentar a vida nos braços e posição de valor,

despertou em todos eles um respeito por si próprio até então desconhecido. O encanto por si

mesmo aconteceu.

No código II as posições de homem-estrela, que eles amavam, faziam-nos se sentir o

próprio. A posição de atemporalidade desenvolveu neles um sentimento maior de amor pela

vida, da qual eles eram parte.

No código III, a posição de identidade, conexão céu e terra e de iluminação, deu-me

uma certeza: nenhum deles nunca mais se veria pequeno e insignificante como no início. O Ser

Divino, o Ser Sagrado, que nestas vivências foi muito significativo, fortaleceu suas identidades

de tal maneira que hoje eles sabem que são idosos, alguns já anciãos, porém são os mais belos

do planeta.

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6 – CONCLUSÃO

Devolver a voz e a vez aos idosos, em Biodanza, foi e está sendo plenamente

satisfatório, mesmo que nem todos os aspectos tenham sido modificados, como alguns

relacionamentos tóxicos e já cristalizados, com uma estrutura familiar rígida e uma aceitação

pacífica. Fica uma certeza absoluta: nestas pessoas está havendo uma nova dinâmica interna,

uma tolerância maior permitindo uma melhor convivência, superando frustrações e não

acumulando mágoas. Eles aprenderam a aceitar posições divergentes, sem contudo submeter-

se a elas. A fluidez e a lucidez foram cultivadas; a saúde foi acessada.

É gratificante perceber que neste imenso planeta surgiu algo maravilhoso como a

Biodanza, que nasceu no Chile e correu estradas. E também que eu, na pequena ilha de

Paquetá, fui instrumento para levar essa proposta. E eles puderam penetrar nesta doce magia e

deram sua resposta.

Saíram da inércia para o movimento, da estática para a dança.

Nos seus vôos existenciais mais sábios, mais lúcidos, mais felizes e mais serenos,

deixaram de ser exilados em suas próprias pátrias, que eram suas vidas. Estas vidas se

encheram de graça, de beleza, de luz.

Hoje, mesmo com as limitações próprias da idade, alcançaram autonomia. Suas

agendas vazias se encheram de compromissos. As minhas vovós tímidas, que conheci em

1996, hoje, para meu grande orgulho, fazem parte do grupo de seresteiras de Paquetá, fazem

parte do Teatro de Terceira Idade, levando peças como A Moreninha e Dom João VI em

diversos pontos do Rio. Eu, com o coração em festa, sempre que posso, com a máquina

fotográfica em mãos acompanho e registro estes momentos como uma mãe coruja que enche

os olhos de lágrimas vendo o desabrochar de suas criancinhas. Estas mesmas senhoras

trabalham com amor na Farmácia Viva, plantando e transformando ervas. Na igreja local

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fazem parte do coral e, nos eventos da matriz, lá estão elas, cantando e participando das

liturgias sem nenhum medo de serem, de expressarem, de existirem.

Eu, com um agradecimento à dança da vida por acreditar nesta evolução tão amorosa,

bato palmas com vontade e pensando no mestre Rolando, tantas vezes o imito gritando:

“Bravo, Bravíssimo!”

Paz é a certeza de ter feito a coisa certa. Neste momento, em que finalizo este trabalho,

é esta paz que me invade, um prazer vivido e vivenciado. Olho para trás e a emoção se refaz ao

perceber que este meu povo um dia chegou como estranho, tornou-se um semelhante e hoje é

um povo tão por mim amado.

Na fusão amorosa deste nosso encontro, onde tanto facilitei o caminhar de cada um, fui

reciprocamente sendo facilitada.

O desabrochar deles foi com certeza o meu desabrochar, o meu crescimento foi o

crescimento deles.

Percebi na minha trajetória que três momentos muito importantes devem acontecer em

todos os que vivem a Biodanza. O primeiro momento é quando entramos para a Biodanza, o

segundo momento é quando a Biodanza entra em nós, e o terceiro momento é quando a

Biodanza sai por nós.

Fazer a Biodanza sair por nós nos gestos e atitudes do cotidiano e mostrar ao mundo

tudo de bom e belo que se internalizou é talvez o maior desafio.

O facilitador de Biodanza só pode levar o grupo até as mudanças existenciais que ele

também alcançou. Ver meus idosos deixando sair por eles toda proposta de vida mais saudável

e feliz é ver também retornar para mim, “a minha voz, a minha vez”.

Hoje eu tenho certeza que sou, que posso, que realizo. Olho para eles e os vejo: não são

mais reféns deles próprios, estão a cada dia buscando um rumo, que dá saltos na sua qualidade

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de vida, estão buscando uma vida superior de constante comunicação com o si mesmo, com o

outro e com o universo.

Olho para eles e os vejo: “Com vez, com voz.”

E penso como são belos os pés daqueles que dançam e mais belos ainda os pés

daqueles que dançam a vida na idade avançada.

A sociedade não mudou.

Mas eles mudaram.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

TORO, R. Teoria de Biodanza – Coletânea de Textos, Vol. 1 e 2, 1ª edição, Editora Alab – Ceará SANTOS, M.L.P. Metodologia em Biodanza – Primeiros Passos – 1996 Impressão Gráfica Almeida – BH CHOPRA, D. Corpo sem idade, Mente Sem Fronteiras – 6ª edição Rocco – 1997 GARAUDY, R. Dançar a Vida, 5ª edição Ed. Nova Fronteira, RJ – 1989 BOFF, L. Saber Cuidar – 1ª edição Ed. Vozes – 1999 FRAIMAN, A. Coisas da Idade – 1ª edição Ed. Gente – 1998 VIA VIDA, Revista – Ano II – Nº 7 - 1997 Ed. T & D Editora e Empreendimentos Culturais Ltda

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ESCOLA DE BIODANZA ROLANDO TORO

DO RIO DE JANEIRO

BIODANZA – DEVOLVER A VOZ E A VEZ AO IDOSO

MONOGRAFIA VISANDO À TITULAÇÃO COMO FACILITADORA DE BIODANZA AUTORA: LÍCIA MARIA LOPES BARRETTO ORIENTADORA: LOIS DÓRIA WERNECK

MARÇO – 2001

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Dedico este trabalho aos meus filhos Fábio, Fabrício, Jussara e Flávia que durante os anos de minha formação suportaram as minhas ausências em tantos finais de semana e acompanharam em silêncio, ao mesmo tempo amedrontados e respeitosos, o desabrochar do meu crescimento e das muitas buscas. Mesmo sem entender o meu vôo ou a minha dança, dançaram comigo , buscando sintonizar no meu novo ritmo.

Dedico-o também a Alberto Rocha Tavares (in memorian) com minha eterna gratidão.

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Agradecimentos

A Deus que me criou e me abriu para a vida, iluminando meus passos, dando-me um coração aberto à “Sua doce Presença”. À minha comunidade católica que desenvolveu em mim a capacidade de sentir, vivenciando momentos de profunda afetividade. Rio de Janeiro: Movimento Familiar Cristão

Bahia: Grupo de jovens Shalom Pastoral Familiar Pastoral da Crisma Pastoral de Batismo Cursilhos de Cristandade Missa das Crianças Encontros de Casais com Cristo

Às minhas irmãs: Deusdite, Diva, Lúcia, Diolinda e Darci, que povoaram minha infância de cuidados e me fizeram crescer acreditando no amor-doação, semeando ternura no coração que hoje carrego. A Sandoval Cloves Barretto, meu amigo hoje e pai dos meus filhos, que facilitou e cooperou com meu processo de crescimento e formação. Aos meus filhos com os quais pude ensinar, aprender e evoluir; A Marcos Antonio Alves de Souza, meu amado amigo em Biodanza, que tantas vezes me deu o ombro e depois o coração, ressuscitando-me para o amor, o prazer e a alegria. Hoje meu par ecológico. A Ecy Ferreira Costa, minha primeira facilitadora, que com muito carinho me conduziu do caos para a ordem. A Beatriz Rubião, minha amiga, minha terapeuta, seta de luz no meu caminhar mostrando-me o mundo das metas e das minhas possibilidades. A Maria Lúcia Pessoa, mestra e amiga ajudando a vencer meus medos, me tornou mais firme, mais corajosa. Aos meus colegas de grupo regular da Ecy e meus colegas de Escola de Biodança do Rio de Janeiro agradeço as lágrimas enxugadas, os beijos os abraços, os olhares que sinalizavam: Prossiga! A Maria Adella, diretora da Escola do Rio de Janeiro nesta minha etapa de formação, pela fé que colocou neste meu trabalho. A todos os didatas que com dedicação dilataram o meu universo do saber. A Lois Dória, minha companheira de grupo e supervisora de monografia pelo seu exemplo de ética, de compromisso, de simplicidade e leveza de vida. Aos meus alunos de Paquetá do grupo Viva a Vida, onde iniciei minhas pesquisas, onde cometi erros e acertos que me possibilitaram crescer no amor e no estudo A todos os meus alunos do Portal Violeta, que nesta troca semanal juntos caminham e dançam em busca da iluminação. A Ana Maria Araújo Pena e à Irmã Maria Teresa, pelo carinho com que ilustraram a capa desta monografia em Salvador. A Rilton Mário de Souza, meu cunhado amigo, que via telefone e internet batalhou para que a capa deste trabalho chegasse até nós. A Rolando Toro, mestre e guru, que com sua genialidade abriu-me a porta para o maravilhoso, dando-me a certeza de que para ser feliz é preciso dançar a vida com coragem, com leveza e prazer.

A mim mesma: Eu, Lícia Maria Lopes Barretto, por aceitar a proposta e dar a minha resposta, permitindo que a Biodanza saia através de mim.

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“O corpo é um todo, único, intrinsicamente belo. Manifestação da vida em toda sua maravilha.” (Rolando Toro)

“Esse corpo que somos é morada divina. No entanto, profanado pelo trabalho opressivo, abatido pelas guerras, prostituído pelas misérias, excluído pelo Estado do mal

estar social. Corpo feito para se revestir de dignidade, pleno de direitos. Corpo copo que

acolhe vinho e carinho e se projeta em palavras, como o pássaro lança-se ao vento que

imprime vôo às suas asas. Esse nosso corpo vocacionado a eterna idade, lá onde o tempo se

despe do espaço e cede lugar à plenitude do amor.” (Frei Beto)

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Meus monumentos vivos...