CAPÍTULO I - Crimes contra a pessoa

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CAPÍTULO I  – CRIMES CONTRA A PESSOA 1. Introdução. 2. Crimes contra a vida. 2.1 Introdução. 2.2 Homicídio (art. 121). 2.2.1 Introdução. 2.2.2 Homicídio doloso. 2.2.2.1 Causas de diminuição de pena. 2.2.2.2 Homicídio qualificado. 2.2.3 Homicídio culposo. 2.3 Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio. 2.4 Infanticídio. 2.5 Aborto. 3. Lesão corporal. 3.1 Introdução. 3.2 Lesão corporal dolosa. 3.2.1 Lesão corporal qualificada 3.3 Lesão corporal culposa. 3.2.2 Causas de aumento de pena. 3.2.3 Causas de diminuição de pena. 4. Crimes de periclitação da vida e da saúde. 4.1 Perigo de contágio venéreo. 4.2 Perigo de contágio de moléstia grave. 4.3 Perigo para a vida e saúde de outrem. 4.4 Abandono de incapaz. 4.5 Exposição ou abandono de recém-nascido. 4.6 Omissão de socorro. 4.7 Maus-tratos. 5. Rixa. 6. Crimes contra a honra. 6.1 Introdução. 6.2 Espécies de crimes contra a honra. 6.2.1 Calúnia. 6.2.2 Difamação. 6.2.3 Injúria. 6.3 Disposições comuns aos crimes contra a honra. 6.3.1 Causas de aumento de pena. 6.3.2 Causas de exclusão da ilicitude. 6.3.3 Retratação. 6.3.4 Pedido de explicações. 6.3.5 Ação penal. 7. Crimes contra a liberdade individual. 7.1 Crimes contra a liberdade pessoal. 7.1.1 Constrangimento ilegal. 7.1.2 Ameaça. 7.1.3 Sequestro e cárcere privado. 7.1.4 Redução a condição análoga à de escravo. 7.2 Violação de domicílio. 7.3 Crimes contra a inviolabilidade de correspondência. 7.3.1 Violação de correspondência. 7.3.2 Sonegação ou destruição de correspondência. 7.3.3 Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica. 7.3.4 Dispositivos comuns. 7.3.5 Correspondência comercial. 7.4 Crimes contra a inviolabilidade dos segredos. 7.4.1 Divulgação de segredo. 7.4.2 Violação de segredo profissional. 1. Introdução “Pessoa” é palavra derivada do latim  persona , que, por sua vez, teve origem no grego  prosopon . Na Grécia, “pessoa” era simplesmente uma máscara utilizada pelos a tores para a representação de determinado papel. Em uma peça, um ato poderia ter vários papéis, desde que usasse diferentes máscaras. Por analogia, “pessoa” passou a significar o ser humano em seu relacionamento social, uma vez que a vida em sociedade requer a representação de vários “papéis”, a depender da espécie de relação envolvida. Em Roma, “pessoa” adquiriu conotação jurídica, indicando todo aquele que é titular de direitos e que pode ser também titular de deveres para com os demais. Esse conceito incluía não apenas os seres humanos, mas também entidades abstratas, reconhecidas como sujeitos de direitos e obrigações: as pessoas jurídicas, que receberam essa denominação para distingui-las dos seres humanos, as pessoas físicas. Nesse sentido, dispõe o art. 1° do Código Civil: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Assim, juridicamente, pessoa é, por definição, todo ser capaz de direitos e deveres, não apenas na ordem civil, mas também na ordem jurídica como um todo, inclusive a penal. Em seguida, o art. 2° da mesma lei dispõe: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro . Assim, o nascituro, ou seja, o ser humano concebido, mas ainda não nascido, não é detentor pleno dos direitos e deveres concedidos normalmente aos seres humanos já nascidos, mas tem determinados direitos já protegidos, principalmente aqueles referentes à vida e à

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CAPÍTULO I – CRIMES CONTRA A PESSOA

1. Introdução. 2. Crimes contra a vida. 2.1 Introdução. 2.2 Homicídio (art. 121). 2.2.1 Introdução.2.2.2 Homicídio doloso. 2.2.2.1 Causas de diminuição de pena. 2.2.2.2 Homicídio qualificado. 2.2.3Homicídio culposo. 2.3 Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio. 2.4 Infanticídio. 2.5 Aborto.3. Lesão corporal. 3.1 Introdução. 3.2 Lesão corporal dolosa. 3.2.1 Lesão corporal qualificada 3.3Lesão corporal culposa. 3.2.2 Causas de aumento de pena. 3.2.3 Causas de diminuição de pena. 4.Crimes de periclitação da vida e da saúde. 4.1 Perigo de contágio venéreo. 4.2 Perigo de contágiode moléstia grave. 4.3 Perigo para a vida e saúde de outrem. 4.4 Abandono de incapaz. 4.5Exposição ou abandono de recém-nascido. 4.6 Omissão de socorro. 4.7 Maus-tratos. 5. Rixa. 6.Crimes contra a honra. 6.1 Introdução. 6.2 Espécies de crimes contra a honra. 6.2.1 Calúnia. 6.2.2Difamação. 6.2.3 Injúria. 6.3 Disposições comuns aos crimes contra a honra. 6.3.1 Causas deaumento de pena. 6.3.2 Causas de exclusão da ilicitude. 6.3.3 Retratação. 6.3.4 Pedido deexplicações. 6.3.5 Ação penal. 7. Crimes contra a liberdade individual. 7.1 Crimes contra aliberdade pessoal. 7.1.1 Constrangimento ilegal. 7.1.2 Ameaça. 7.1.3 Sequestro e cárcere privado.7.1.4 Redução a condição análoga à de escravo. 7.2 Violação de domicílio. 7.3 Crimes contra ainviolabilidade de correspondência. 7.3.1 Violação de correspondência. 7.3.2 Sonegação oudestruição de correspondência. 7.3.3 Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica outelefônica. 7.3.4 Dispositivos comuns. 7.3.5 Correspondência comercial. 7.4 Crimes contra ainviolabilidade dos segredos. 7.4.1 Divulgação de segredo. 7.4.2 Violação de segredo profissional.

1. Introdução

“Pessoa” é palavra derivada do latim  persona, que, por sua vez, teve origem no grego prosopon. Na Grécia, “pessoa” era simplesmente uma máscara utilizada pelos atores para arepresentação de determinado papel. Em uma peça, um ato poderia ter vários papéis, desdeque usasse diferentes máscaras.

Por analogia, “pessoa” passou a significar o ser humano em seu relacionamento social, umavez que a vida em sociedade requer a representação de vários “papéis”, a depender daespécie de relação envolvida. Em Roma, “pessoa” adquiriu conotação jurídica, indicandotodo aquele que é titular de direitos e que pode ser também titular de deveres para com osdemais. Esse conceito incluía não apenas os seres humanos, mas também entidadesabstratas, reconhecidas como sujeitos de direitos e obrigações: as pessoas jurídicas, quereceberam essa denominação para distingui-las dos seres humanos, as pessoas físicas.

Nesse sentido, dispõe o art. 1° do Código Civil: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveresna ordem civil”. Assim, juridicamente, pessoa é, por definição, todo ser capaz de direitos e

deveres, não apenas na ordem civil, mas também na ordem jurídica como um todo,inclusive a penal.

Em seguida, o art. 2° da mesma lei dispõe: “A personalidade civil da pessoa começa donascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.Assim, o nascituro, ou seja, o ser humano concebido, mas ainda não nascido, não é detentorpleno dos direitos e deveres concedidos normalmente aos seres humanos já nascidos, mastem determinados direitos já protegidos, principalmente aqueles referentes à vida e à

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integridade física.1 Em termos penais, essa proteção dá-se por meio da incriminação doaborto (CP, art. 123-128).

Não é fortuita a circunstância de que as referências básicas sobre o estatuto jurídico dapessoa estejam no início do Código Civil. A pessoa constitui a base desse e de todos os

ramos do Direito. Também não por acaso, a Constituição Federal trata da pessoa ao disporentre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoahumana (art. 1°, III), considerado pela doutrina como o centro de todas as normasconstitucionais e, portanto, de todo o ordenamento jurídico. Mais do que isso, a dignidadeda pessoa humana é considerada uma norma pré-constitucional, ou seja, anterior e superiorà própria CF.2 Dignidade significa a importância especial do ser humano entre todos osdemais entes, incluindo o Estado, e, como consequência, seu necessário tratamento comoum fim em si mesmo, não como um instrumento nas mãos de outros seres, especialmente opróprio Estado.

Não são considerados pessoas:

a)  os outros seres vivos (animais e plantas): a proteção constitucional (art. 225) e legal(Lei 9.605/98) ao meio ambiente não visa proteger esses seres em si mesmos, mascomo “elemento essencial à sadia qualidade de vida” das pessoas humanas (CF, art.225, caput);

b)  os seres inanimados, como paisagens, minerais e monumentos em geral: novamente,a sua proteção visa ao bem estar dos seres humanos, como acontece na preservaçãoda história de uma comunidade mediante o tombamento de bens de valor histórico;

c)  os mortos: obviamente, não há sentido em conferir direitos e obrigações a pessoasque, ao menos no plano físico, deixaram de existir. Como diziam os romanos, mors

omnia solvit , ou seja, a morte resolve tudo. A previsão, no CP, de crimes contra osmortos (art. 209 a 212) não é exceção a isso, pois visa a proteger o sentimento derespeito que envolve do meio físico que já serviu de envoltório para uma pessoa.

1  RECURSO ESPECIAL. DIREITO SECURITÁRIO. SEGURO DPVAT. ATROPELAMENTO DEMULHER GRÁVIDA. MORTE DO FETO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA LEI Nº6194/74.1 - Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicleta por via pública, acarretando a morte dofeto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de gestação.2 - Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenização por danos pessoais, prevista na legislaçãoregulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte do feto.3 - Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intrauterina, desde a concepção, com fundamento no

princípio da dignidade da pessoa humana.4 - Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos pessoais previsto na Lei nº 6.194/74 (arts. 3º e4º).5 - Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se procedente o pedido.(STJ, REsp 1120676 / SC, julgado em 07/12/2010)2 "(...) a dignidade da pessoa humana precede a Constituição de 1988 e esta não poderia ter sido contrariada,em seu art. 1º, III, anteriormente a sua vigência. (...) Tem razão a arguente ao afirmar que a dignidade não tempreço. As coisas têm preço, as pessoas têm dignidade. A dignidade não tem preço, vale para todos quantos participam do humano. (...)” (ADPF 153, voto do Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-4-2010, Plenário, DJE de 6-8-2010.)

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Os crimes contra a pessoa constituem o primeiro Título da Parte Especial do CP,compreendendo os arts. 121 a 154. Os capítulos desse título são os seguintes:

a)  crimes contra a vida (arts. 121 a 128);b)  lesões corporais (art. 129);c)  periclitação da vida e da saúde (art. 130 a 136);

d)  rixa (art. 137);e)  crimes contra a honra (art. 138 a 145); ef)  crimes contra a liberdade individual (art. 146 a 154).

A imensa maioria desses crimes tem como destinatário apenas o ser humano, a pessoafísica. Assim, não há sentido nenhuma em considerar a existência, por exemplo, de crimecontra a integridade física de pessoa jurídica. As exceções são os crimes contra a honra(calúnia, injúria e difamação) que, em certos casos, podem ter como vítimas pessoas jurídicas. Ex.: a invenção de uma história que mancha a reputação de uma empresa podeconfigurar o crime de difamação (CP, art. 139).

Finalmente, é preciso esclarecer que quase todos os crimes têm pessoas, físicas ou jurídicas,como vítimas (a exceção é o crime vago, que não tem sujeito passivo determinado, como ovilipêndio a cadáver – CP, art.212). Portanto, quase sempre, os delitos são “crimes contra a pessoa”. O fato de haver um título específico com esse nome significa que o CP,implicitamente, considerou que determinados crimes afetam a pessoa de forma mais gravee, por isso, merecerem tratamento especial.

2. Crimes contra a vida

2.1 Introdução“Vida” é um conceito intuitivo, ou seja, em quase todos os casos, é possível, sem o auxíliode instrumentos, diferenciar um ser vivo de outro inanimado. Porém, isso não significa queseu conceito seja isento de dúvidas. Variam enormemente os requisitos consideradosnecessários para considerar algo ou alguém como vivo: requer-se, desde a simplesexistência de metabolismo ou de movimento até a posse da consciência.

Também não é isento de polêmica qual espécie de vida que deve ser protegida: se apenas avida humana, ou também a vegetal e a animal; se apenas a vida extrauterina, ou também avida intrauterina; se apenas a vida viável, ou também a inviável. Também é polêmico,atualmente, se a vida é um bem disponível ou indisponível.

A Constituição Federal deixou clara sua opção ao dispor que são garantidos “aos brasileirose aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida (...)” (art. 5°, caput).Interpretando o dispositivo de acordo com o princípio da máxima efetividade das normasconstitucionais, tem-se que a Carta Magna determina que o direito à vida é extensivo atodos, independentemente de sua condição física ou social. É preciso ressaltar, porém, quea CF considera como brasileiros aqueles nascidos no País (natos) ou nascidos noestrangeiro que vieram a se naturalizar. Portanto, a proteção constitucional à vida destina-se

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apenas àqueles que já nasceram, não incluindo o nascituro, cuja proteção ficou a cargo denormas infraconstitucionais.3 

A principal dessas normas é o Código Penal, que criminaliza não apenas o atentado à vidado ser humano já nascido (art. 121  – homicídio), mas também daquele que está nascendo

(art. 122 – infanticídio) e mesmo daquele que, concebido, não nasceu ainda (arts. 123 a 128 – aborto). Além disso, a violação desse direito, ou seja, a morte, é qualificadora ou causa deaumento de pena de vários crimes, como: lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3°),abandono de incapaz (art. 133, § 2°) e exposição ou abandono de recém-nascido (art. 134, §2°). Mais ainda: em todos os crimes para os quais é cominada a máxima pena possível (30anos), está presente o resultado morte: homicídio qualificado (art. 121, § 2°), extorsãomediante sequestro (art. 159, § 3°), latrocínio (art. 157, § 3°), estupro (art. 213, § 2°) eestupro de vulnerável (art. 217, § 4°).

A razão dessa proeminência do bem jurídico “vida” no CP é bastante evidente, uma vezque, como visto, somente as pessoas vivas podem ser titulares de direitos. O direito à vida

é, portanto, o pressuposto lógico da titularidade e do usufruto de todos os demais direitos.Um sistema jurídico que preveja dezenas de direitos, mas não proteja o mais elementardeles, decerto é um sistema bastante falho.

Porém, não há um caráter absoluto no direito à vida, ou seja, em determinadas situaçõesexcepcionalíssimas, haverá permissão jurídica para matar alguém. São os casos de pena demorte, se houver guerra declarada (CF, art. 5°, XLVII, a) 4; legítima defesa (CP, art. 25); eestado de necessidade (CP, art. 24).

O direito à vida está incluído no rol daqueles qualificados como indisponíveis, ou seja, seustitulares têm a garantia de preservação da própria vida contra ataques alheios. Porém, nãotem direito sobre a sua própria vida, ou seja, não pode causar voluntariamente a sua morte.Nesse sentido, é que o CP considera como constrangimento legal, “a coação para impedir osuicídio” (art. 146, § 3°, II). O suicídio apenas não é considerado crime por uma questão de

3 "O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa.Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria „natalista‟, em contraposição às teorias„concepcionista‟ ou da „personalidade condicional‟). E quando se reporta a „direitos da pessoa humana‟ e até a„direitos e garantias individuais‟ como cláusula pétrea, está falando de direitos e garantias do indivíduo - pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais „à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade‟, entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade

(como direito à saúde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante detranspasse de poder normativo para a legislação ordinária. (...)” (STF, ADI 3.510, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 29-5-2008, Plenário, DJE de 28-5-2010.)4  “O ordenamento positivo brasileiro, nas hipóteses em que se delineia a possibilidade de imposição dosupplicium extremum, impede a entrega do extraditando ao Estado requerente, a menos que este, previamente,assuma o compromisso formal de comutar, em pena privativa de liberdade, a pena de morte, ressalvadas,quanto a esta, as situações em que a lei brasileira  –  fundada na CF (art. 5º, XLVII, a)  –  permitir a suaaplicação, caso em que se tornará dispensável a exigência de comutação.” (STF, Ext 633, Rel. Min. Celso deMello, julgamento em 28-8-1996, Plenário,  DJ de 6-4-2001.) No mesmo sentido: Ext 1.201, Rel. Min. Celsode Mello, julgamento em 17-2-2011, Plenário, DJE de 15-3-2011.

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política criminal, mas sua ilicitude pode ser demonstrada ainda pela existência do crime de“Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio” (art. 122).

Outra questão controversa diz respeito ao início da vida humana, isto é, qual o evento quemarca um ser como titular de direitos e, eventualmente, de obrigações. Quanto a isso,

existem várias posições:a)  concepção: momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozóide, dandoorigem ao ovo – é o primeiro estágio da gestação;

b)  nidação: após migração das trompas de falópio, o ovo fixa-se no útero  – é o inícioda gestação considerada viável;

c)  fim do primeiro trimestre de gestação: fase em que o nascituro começa adesenvolver o sistema nervoso e, portanto, adquire a capacidade de sentir dor;

d)  nascimento: momento em que o ser ganha independência do corpo da mãe;e)  fim do primeiro ano de vida: fase em que a criança adquire consciência de si mesma,

como um ser independente.

No ordenamento jurídico brasileiro, tem-se considerado que a vida começa a ser protegidano momento da nidação. Isso se dá em razão de três fatores: primeiro, a proteção legal aonascituro, com a criminalização do aborto; segundo, a liberação do comércio da pílula dodia seguinte e do dispositivo intrauterino (DIU), que, em muitos casos, impedem a fixaçãodo ovo no útero; terceiro, a Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) permite, em seu art. 5°,a utilização de embriões para fins de pesquisa e terapia, desde que sejam inviáveis ouestejam congelados há três anos ou mais.

A determinação do momento do fim da vida também é cercada de controvérsias.Tradicionalmente, considera-se que alguém está morto no momento em que cessam arespiração e os batimentos cardíacos. Isso, porém, não totalmente preciso, pois existemcasos em que, mesmo após parada respiratória e/ou cardíaca, a pessoa recupera suasfunções normais.

Por isso, a lei escolheu, como critério, a morte encefálica ou morte cerebral, na qual há aperda definitiva e irreversível das funções cerebrais. Nesse sentido, dispõem,respectivamente, a Lei 9.434/97, que trata de transplantes e remoção de órgãos e aResolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) n° 1.480/97:

Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados atransplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada eregistrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante autilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de

Medicina.

Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são:coma aperceptivo com ausência de atividade motora supraespinal e apneia.

Em todos os casos de morte, deve ser sempre feito um exame de corpo de delitodenominado autópsia ou necropsia, “pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se osperitos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele

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prazo” (CPP, art. 162 –  conferir também os arts. 163 a 166 do mesmo código), cujafinalidade é determinar a causa da morte.

Processualmente, os crimes contra a vida têm tratamento específico, uma vez que todosesses crimes, se praticados dolosamente, devem ser julgados pelo tribunal do júri. A CF

determina (art. 5°, XXXVIII) que esse órgão tem a competência mínima para julgar crimesdolosos contra a vida, que pode, portanto, ser ampliada legalmente5, e ainda lhe garante: aplenitude da defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos. No CPP, oprocedimento do tribunal do júri é regulado nos arts. 406 a 497.

Finalmente, podem distinguir-se quatro níveis diferentes de proteção penal à vida humana:a)  embrião humano congelado: a sua utilização para pesquisa científica se for viável e

congelado há menos de três anos, é crime punido com detenção de um a três anos dedetenção e multa (Lei 11.105/2005, art. 24);

b)  nascituro (embrião ou feto no ventre da mulher): abortar é crime cuja pena máximavaria entre três de detenção (Aborto provocado pela gestante ou com seu

consentimento  –  art. 124) e dez anos de reclusão (Aborto provocado por terceirosem o consentimento da gestante – art. 125);c)  filho que está por nascer ou acabou de nascer : matá-lo é crime de infanticídio (CP,

art. 123 – pena máxima: seis anos de detenção), desde que a mãe esteja em estadopuerperal;

d)  pessoa já nascida: matar alguém é crime de homicídio, que, qualificado, pode levara pena a 30 anos de reclusão (CP, art. 121, § 3°).

2.2 Homicídio (art. 121)

2.2.1 Introdução

O homicídio é, indubitavelmente, o crime mais relevante de todo o CP. Não é exagero dizerque ele é o núcleo do qual se estruturou boa parte do CP, como ensina Nelson Hungria:

O homicídio é o tipo central dos crimes contra a vida e é o ponto culminante na orografiados crimes. É o crime por excelência. (...) O crimen homicidii constitui um temapreponderante da ciência jurídico-penal. Pode-se dizer que a parte geral do direito penalsistematizado não foi mais do que a generalização dos critérios e princípios ficados pelo

5 “A competência do Tribunal do Júri, fixada no art. 5º, XXXVIII, d , da CF, quanto ao julgamento de crimes

dolosos contra a vida é passível de ampliação pelo legislador ordinário. A regra estabelecida no art. 78, I, doCPP de observância obrigatória, faz com que a competência constitucional do Tribunal do Júri exerça uma vis

atractiva sobre delitos que apresentem relação de continência ou conexão com os crimes dolosos contra avida. (...) A manifestação dos jurados sobre os delitos de sequestro e roubo também imputados ao réu nãomaculam o julgamento com o vício da nulidade.” (HC 101.542, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamentoem 4-5-2010, Primeira Turma,  DJE  de 28-5-2010.) No mesmo sentido: RHC 98.731, Rel. Min. CármenLúcia, julgamento em 2-12-2010, Primeira Turma, DJE de 1º-2-2011.

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direito romano e pelo direito intermédio a respeito do homicídio. (...) O problema dacriminalidade é, antes de tudo, e acima de tudo, o problema da prevenção e repressão dohomicídio. 6 

O termo “homicídio” deriva da expressão latina hominis excidium, que significa,literalmente, “a destruição de um homem”. O art. 121, caput , do CP, o define de formaextremamente singela, formando o tipo penal mais básico de nossa legislação: “matar alguém”. É uma descrição totalmente objetiva, na qual estão conjugadas a ação (“matar”) eo sujeito passivo (“alguém”). 

Quanto à ação, não há dúvida de que matar é retirar a vida, causar a morte. Assim, ohomicídio consuma-se no momento que, conforme visto no item anterior, ocorre paradacompleta da atividade cerebral. Se o agente deseja matar e pratica os atos executórios paratal intento e, mesmo assim, não atinge o objetivo, haverá apenas tentativa de homicídio.

A vítima do crime é descrita singelamente como “alguém”, palavra que significa “alguma pessoa”. No CP, porém, esse conceito é mais restrito, uma vez que matar o feto que aindase encontra no ventre materno não é crime de homicídio, mas de aborto. Portanto, o sujeitopassivo do homicídio é pessoa que está nascendo (durante o trabalho de parto) ou já nasceu.Porém, se a vítima for o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dosDeputados ou o do Supremo Tribunal Federal, não haverá homicídio, mas crime contra asegurança nacional (Lei 7.170/84, art. 29).

O objeto material do homicídio é o corpo humano, que vulnerado, perde a sua vitalidade. Oobjeto (ou bem) jurídico protegido pela norma do art. 121 é a vida humana.

O homicídio pode ser classificado como crime:a)  comum: pode ser praticado por qualquer pessoa, ou seja, é indiferente a qualificação

do sujeito ativo;b)  instantâneo de efeitos permanentes: o homicídio consuma-se em um momento

determinado (morte da vítima), sendo seus efeitos irreversíveis;c)  de dano: lesiona bem jurídico protegido penalmente (vida);d)  material: produz modificação na realidade física;e)  de forma livre: pode ser praticado por qualquer meio (físico, químico, biológico,

etc.);f)  comissivo: realizado normalmente por meio de um ou mais atos  –  

excepcionalmente, pode ser crime comissivo por omissão;g)  unissubjetivo ou de concurso eventual: para a sua realização, é necessária a atuação

de apenas um agente;

h)  progressivo: o homicídio é um crime que, em sua realização, incorpora outro, nocaso, a lesão corporal;

i)  plurissubsistente: realizado, normalmente, por meio de vários atos.

Quanto à gravidade do crime, existem diversas situações:

6 Comentários ao Código Penal. Volume V, p. 25/27.

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a)  Crimes hediondos: é o caso, em geral, do homicídio doloso simples (art. 121, caput),desde que realizado em ação típica de grupo de extermínio, ainda que cometido porum só agente; e do homicídio qualificado (art. 121, § 2°), conforme dispõe o art. 1°,I, da Lei 8.072/90. São aqueles considerados de altíssimo potencial ofensivo e porisso o réu e o condenado sofrem diversas restrições no curso do processo e da

execução da pena (como vedação de anistia, graça, indulto, fiança e liberdadeprovisória). O cumprimento da pena deve sempre ser iniciado em regime fechado(Lei 8.072/90, art. 2°); 7 

b)  Infração penal de médio potencial ofensivo: é o caso do homicídio culposo (art. 121,§ 3°), para o qual é cominada pena de um a três anos de detenção. Nesse caso, éadmitida a suspensão condicional do processo, pois o crime tem pena mínima iguala um ano, sendo julgado pela Justiça Comum, já que sua pena máxima é superior adois anos; e

c)  Crime de grande potencial ofensivo: é o caso, em geral, do homicídio dolososimples (art. 121, caput ), para o qual é cominada pena de seis a vinte anos dereclusão. Como a pena mínima é superior a um ano, não é cabível a suspensão

condicional do processo. É possível, porém, que o cumprimento da pena sejainiciado em regime semiaberto.

Quanto ao elemento subjetivo do tipo, o homicídio pode ser crime doloso (art. 121, caput e§§ 2° e 4°), isto é, intencional; ou culposo (art. 121, caput e §§ 3° a 5°), em que não há aintenção de matar, mas o agente causa a morte da vítima mediante a desobediência a umdever de cuidado (conduta imprudente, negligente ou imperita).

2.2.2 Homicídio doloso

O homicídio doloso é dividido pela CP nas seguintes categorias:a)  simples (art. 121, caput): é o tipo básico do homicídio doloso, ausente de qualquer

qualificação específica, seja positiva ou negativa. As outras categorias formam-sepela adesão de determinadas circunstâncias à descrição elementar desse tipo (“matar alguém”); 

7  HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. LIVRAMENTO CONDICIONAL.SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE DEIXOU DE ESTIPULAR O REGIME INTEGRALMENTE

FECHADO CABÍVEL À ÉPOCA. SUPOSTO AFASTAMENTO DO CARÁTER HEDIONDO DODELITO. DESCABIMENTO. CONCESSÃO DA BENESSE APÓS RESGATE DE 1/3 DA SANÇÃO.IMPOSSIBILIDADE. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA. ORDEM DENEGADA.1. A circunstância de a sentença condenatória não reconhecer expressamente o caráter hediondo do crime,permitindo a progressão de regime prisional, não tem o condão de alterar a sua natureza, conferida por normade caráter cogente (Lei n. 8.072/90).2. Portanto, o reconhecimento do direito à progressão prisional em nada altera a feição do delito, nãoproduzindo qualquer efeito no que respeita ao livramento condicional, por se tratarem de questões distintas.3. Ordem denegada.(STJ, HC 94703 / RS, julgado em 24/05/2011)

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b)  com causa de diminuição de pena (art. 121, § 1°): chamado indevidamente de“homicídio privilegiado”8, pois não se modificam os limites mínimos e máximosprevistos no tipo simples, mas é utilizada uma fração de redução da pena (de umsexto a um terço);

c)  qualificado (art. 121, § 2°): há o aumento do termo inicial e do termo final de

fixação da pena em razão da presença de circunstâncias desfavoráveis ao réu;d)  com causa de aumento de pena (art. 121, § 4°, última parte): a pena é aumentada deum terço a depender das condições etárias da vítima (maior de 60 anos ou menor de14 anos).

O homicídio doloso simples e o qualificado são espécies de crimes que permitem adecretação da prisão temporária (Lei 7.960/89, art. 1°, III, a), espécie de prisão preventivaque tem o objetivo de auxiliar no sucesso das investigações durante o inquérito policial. 9 

2.2.2.1 Causas de diminuição de pena

O § 1° do art. 121 prevê duas causas de diminuição de pena, sendo que a primeira dizrespeito aos motivos do crime e a segunda, à ocasião em que o crime foi praticado. Quantomaior for a justificação do ato, mais próxima a diminuição estará do limite máximo, qualseja, 1/3 da pena.10 

Quanto ao motivo do crime, a lei exige que haja “relevante valor”, ou seja, aquele deespecial importância para:

a)  o indivíduo: é o relevante valor moral, relativo a interesses de ordem privada. Ex.:pai que mata o estuprador da filha; ou

8 Em termos técnicos, homicídio privilegiado é o infanticídio (CP, art. 123), pois são agregadas elementaresao tipo básico (como “estado puerperal”) e a faixa de pena diminui, de 6 a 20 anos de reclusão para de 2 a 6anos de detenção.9 PROCESSUAL PENAL. PRISÃO TEMPORÁRIA. FORAGIDO. DECRETAÇÃO FUNDAMENTADA.DENEGAÇÃO. 1. A questão trazida no presente writ diz respeito ao possível constrangimento ilegal queestaria sofrendo o paciente em razão da decretação de sua prisão temporária. 2. O paciente, investigado comoincurso no crime previsto nos artigos 121 e 211 do Código Penal, encontra-se foragido desde o início doinquérito até a presente data. 3. Decreto de prisão temporária prorrogado pelo prazo de 30 dias. 4. A prisãotemporária é uma prisão cautelar de natureza processual que restringe a liberdade de locomoção do indiciadopor tempo determinado, a fim de possibilitar as investigações acerca de determinados crimes consideradosgraves, entre os quais o homicídio doloso. 5. A prisão temporária impugnada foi decretada em julho de 2006 eo paciente encontra-se foragido desde a instauração do inquérito policial até a presente data, restando semcumprimento o mandado de prisão. 6. Manter-se foragido durante toda a investigação criminal dá justificativa

à manutenção da medida extrema, imprescindível para as investigações policiais. 7. Habeas corpus denegado.(STF, HC 102974 / SP, julgado em 14/12/2010)10  CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. PRIVILÉGIO. FRAÇÃO DE REDUÇÃO. PLACAR DEVOTAÇÃO. ARGUMENTO INIDÔNEO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO NESSEPONTO.1. A escolha do quantum de redução de pena pelo privilégio deve se basear na relevância do valor moral ousocial, na intensidade do domínio do réu pela violenta emoção, ou no grau da injusta provocação da vítima.2. Não constitui fundamentação idônea a aplicação da fração mínima de 1/6 (um sexto) tão somente com baseno critério de proporção dos votos dos jurados.(STJ, HC 129726 / MG, julgado em 26/04/2011)

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b)  a sociedade: é o relevante valor social, relativo a interesses de ordem pública. Ex.:pessoa que mata conhecido traficante de sua comunidade.

Quanto à especial ocasião do crime, a lei prevê diminuição da pena se estiverem satisfeitasduas condições:

a)  Subjetivo: domínio de violenta emoção  –  estado psicológico alterado em que apessoa é controlada por um sentimento intenso (raiva, ódio, pavor, etc.),determinante de sua ação. A premeditação (planejamento) do crime é incompatívelcom o domínio de violenta emoção;

b)  Causal: injusta provocação da vítima. Não é preciso que o sujeito passivo dohomicídio tenha praticado um injusto penal (crime, na concepção bipartida), masapenas um ato que vá contra os valores socialmente aceitos, como fidelidade, honrae intimidade;

c)  Temporal: reação imediata do agente. A existência de um lapso temporal maior quealguns momentos exclui a diminuição da pena.

Exemplo da segunda causa de diminuição da pena é o caso de um homem mais velho ehonrado contra o qual são proferidas diversas injúrias. Sobre o crime passional (cometidoem razão de ciúmes) incide essa causa de diminuição de pena, desde que preenchidas todasas condições (subjetiva, temporal e causal).

O art. 65, III, c, parte final, prevê que é circunstância atenuante “ter o agente (...) cometi doo crime (...) sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima”. Essacircunstância distingue-se da causa de diminuição de pena por duas razões:

a)  Na atenuante, o agente é apenas influenciado pela violenta emoção, enquanto nacausa de diminuição, o agente é dominado por ela. No primeiro caso, portanto, hámaior possibilidade de resistência da vontade à emoção;

b)  Em ambos a vítima provoca o agente, a vítima, mas, na atenuante, a reação doagente pode demorar-se, quanto que, na causa de diminuição, é preciso que a reaçãoseja imediata.

2.2.2.2 Homicídio qualificado

Homicídio qualificado (art. 121, § 2°) é aquele em que determinadas circunstânciasconjugadas ao tipo básico fazem com que haja um aumento da faixa da pena: o limitemínimo passa de 6 para 12 anos e o máximo de 20 para 30 anos. Nos termos do art. 1° daLei 8.072/90, o homicídio qualificado é crime hediondo.

É possível que em uma mesma situação, incidam causas de diminuição da pena, previstasno § 1° e qualificadoras, previstas no § 2°: é o conhecido homicídio “privilegiado -qualificado”. Para isso, é preciso que haja compatibilidade lógica entre elas. Assim, sendotodas as causas de diminuição subjetivas, somente podem coexistir com qualificadoras decaráter objetivo. Ex.: pai que mata o estuprador da filha (diminuição de pena em razão dorelevante valor moral) por meio cruel (qualificadora). Não é possível, portanto, acoexistência de causas de diminuição de pena com qualificadoras de caráter subjetivo. É

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incompatível, por exemplo, o relevante valor moral com o motivo torpe.11 O homicídio“privilegiado-qualif icado” é também crime hediondo. 

O § 2° do art. 121 enumera cinco hipóteses de homicídio qualificado, que podem serclassificados quanto:

a)  ao motivo: torpe (I) ou fútil (II);b)  ao modo de execução: meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigocomum (III); ou mediante recurso que dificulte ou torne impossível a defesa doofendido (IV); e

c)  à finalidade: para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem deoutro crime (V).

Existem, portanto, dois motivos que classificam o homicídio como qualificado:a)  Torpe: motivo que causa extrema repugnância à moral média da população. O inciso

I dá dois exemplos: “mediante paga ou promessa de recompensa” (esses exemplossão aplicáveis a quem executa o homicídio, mas não ao mandante);

b)  Fútil: motivo absolutamente desproporcional ao crime cometido. Ex.: matar alguémque se recusou a dar carona.

Quanto ao modo de execução, o homicídio qualificado pode ser realizado por meio de:a)  Meio insidioso: aquele utilizado sorrateiramente, sem que a vítima perceba. Ex.:

colocação de veneno no suco de alguém;b)   Meio cruel: aquele que provoca mais sofrimento do que o necessário para matar a

vítima. Ex.: utilização de fogo ou de tortura;12 c)  Meio de que possa resultar perigo comum: aquele causa risco à vida ou à

propriedade de outras pessoas. Ex.: utilização de fogo ou de explosivo;d)  Mediante recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido: situações

em que o crime é realizado de maneira facilitada, uma vez que a vítima temcapacidade reduzida ou anulada de reação. O CP fornece três exemplos: traição(agente que abusa da confiança da vítima para poder matá-la); emboscada (o agentefica “de tocaia”, escondido, à espera que a vítima apareça) e dissimulação (o agentefinge ser pessoa diversa para ter acesso à vítima).13 

11  HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO. DOMÍNIO DE VIOLENTAEMOÇÃO. RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO. CIRCUNSTÂNCIAS DENATUREZA DIVERSA. COMPATIBILIDADE. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA.1. É firme o entendimento deste Superior Tribunal no sentido de que, sendo a qualificadora de caráterobjetivo, não haveria, em princípio, nenhum impeditivo para a coexistência com a forma privilegiada dohomicídio, vez que ambas as hipóteses previstas no § 1º do art. 121 do CP são de natureza subjetiva.

(STJ, HC 129726 / MG, julgado em 26/04/2011)12 Existe o crime de tortura qualificada pela morte (Lei 9.455, art. 1°, § 3°), que se diferencia do homicídioqualificado pela tortura, em razão da finalidade: no primeiro caso, o objetivo do agente é torturar e, por doloou culpa, sobreveio o resultado morte; no segundo caso, o objetivo do agente é matar, sendo a tortura meroinstrumento para tirar a vida da vítima.13 Habeas Corpus. Homicídio qualificado pelo modo de execução e dolo eventual. Incompatibilidade. Ordemconcedida. O dolo eventual não se compatibiliza com a qualificadora do art. 121, § 2º, inc. IV, do CP(“traição, emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesado ofendido”). Precedentes. Ordem concedida.  (STF, HC 95136 / PR, julgado em 01/03/2011)

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 O homicídio pode ter três espécies de conexão com outro crime (cf. art. 76 do CPP):

a)  Consequencial: o homicídio é cometido para assegurar a ocultação (impedir que sejadescoberto), impunidade (garantir que o autor não seja preso ou condenado) ouvantagem de outro crime (manter o produto do crime com o autor);

b)  Teleológica: prática do homicídio para garantir a execução de outro crime. É o casodo agente que mata alguém que tenta impedi-lo de cometer um crime qualquer. Essaespécie de conexão e a anterior são hipóteses de homicídio qualificado;

c)  Ocasional: prática do homicídio na mesma ocasião em que outro crime é cometido.Não há qualificadora, mas apenas concurso material de crimes.

2.2.2.3 Causas de aumento de pena

O § 4° do art. 121 prevê que a pena do homicídio doloso é aumentada em um terço se avítima estiver compreendida entre duas faixas etárias:

a)  menor de 14 anos, por analogia com a idade mínima para que a pessoa possa,validamente, consentir em uma relação sexual (cf. art. 217-A, que trata do estuprode vulnerável);

b)  maior de 60 anos, uma vez que os idosos recebem proteção especial (cf. Lei10.741/2003, chamada de Estatuto do Idoso).

2.2.3 Homicídio culposo

O homicídio culposo, previsto no § 3° do art. 121, tem estrutura semelhante ao homicídiodoloso previsto no caput do mesmo artigo: o único fator a diferenciá-los é o elementosubjetivo. Enquanto no primeiro não há intenção de matar, mas descumprimento de umdeve de cuidado (por meio de uma conduta imprudente, imperita ou negligente), nosegundo, existe a finalidade, mesmo que eventual, de retirar a vida de outrem.

A previsão do homicídio culposo no CP perdeu muito de sua utilidade com a edição doCódigo de Trânsito Brasileiro  –  CTB (Lei 9.503/97), que, em seu art. 302, criou tipoespecífico para o trânsito de veículos terrestres, uma vez que, no Brasil, acidentes detrânsito são as causas da quase totalidade dos homicídios culposos.

O § 4° do art. 121 prevê as seguintes causas de aumento de pena para o homicídio culposo:a)  se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício :

trata-se de hipótese praticamente inaplicável em casos concretos, pois confunde-secom a imperícia ou mesmo com a imprudência ou com a negligência; 14 

14  RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO.AGRAVAMENTO PELA INOBSERVÂNCIA DE REGRA TÉCNICA DE PROFISSÃO. NÃOCABIMENTO. CIRCUNSTÂNCIA DUPLAMENTE CONSIDERADA PARA CONFIGURAÇÃO DOTIPO E DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA. BIS IN IDEM.1. O homicídio culposo é aquele em que o agente produz o resultado morte por ter agido com imprudência,negligência ou imperícia, situando-se a causa de aumento de pena referente à inobservância de regra técnicade profissão no campo da culpabilidade, demonstrando que o comportamento do agente merece uma maior

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b)  se o agente:I) deixa de prestar imediato socorro à vítima: somente existe esse dever se não

houver risco para a vida do agente. Caso ele não tenha causado a lesão, ocrime é de omissão de socorro (CP, art. 135 ou CTB, art. 304). Se o crimefoi praticado por meio de veículo automotor terrestre, incide a causa de

aumento de pena prevista no art. 302, III, do CTB;II) não procura diminuir as consequências do seu ato: caso não seja possível aoagente a prestação do socorro à vítima, ele deve agir de outra maneira paraatenuar as consequências de seu ato. Ex.: se ele não tiver condições de levara vítima ao hospital, pode chamar uma ambulância.

III)  foge para evitar prisão em flagrante: o dispositivo é de constitucionalidadeduvidosa, em vista do privilégio, constitucional, contra a autoincriminação.Em sentido semelhante, é o art. 305 do CTB, que tratou da questão em tipoespecífico (“Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, parafugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída: detenção,de seis meses a um ano, ou multa”). 15 

Finalmente, o § 5° do art. 121 prevê o instituto do  perdão judicial, causa de extinção de punibilidade aplicada ao homicídio culposo, “se as consequências da infração atingirem opróprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”. Essasconsequências podem ser de ordem física (agente que se torna paraplégico em razão doacidente que causou a morte de outrem) ou moral (filha que, acidentalmente, mata a mãe).

Presume-se que há sofrimento intenso (e não mero arrependimento) o suficiente paraensejar o perdão judicial se a vítima for cônjuge (ou companheiro), ascendente,descendente ou irmão do agente. Nos outros casos (como de amizade íntima), torna-senecessária prova cabal da existência desse sofrimento.

HomicídioSimples Matar alguém.Casos de diminuiçãode pena

Motivo de relevante valor moral ou social.Domínio de violenta emoção, logo após injusta provocação da

censurabilidade. De toda sorte, não se pode utilizar do mesmo fato para, a um só tempo, tipificar a conduta e,ainda, fazer incidir o aumento de pena, o que consistiria bis in idem.2. Hipótese em que a peça exordial em momento algum esclarece em que consistiu a causa de aumento depena, apenas se referindo à inobservância de regra técnica como a própria circunstância caracterizadora danegligência do agente.3. Recurso ordinário em habeas corpus provido para excluir da imputação de que ora se cuida a causa de

aumento de pena prevista no § 4º do art. 121 do Código Penal.(STJ, RHC 22557 / SP, julgado em 17/05/2011)15  “Com estes dispositivos, o projeto visa, principalmente, a condução de automóveis, que constitui, naatualidade, devido a um generalizado descaso pelas cautelas técnicas (notadamente quanto à velocidade), umacausa frequente de eventos lesivos contra a pessoa, agravando-se o mal com o procedimento post factum dosmotoristas, que, tão-somente com o fim egoístico de escapar à prisão em flagrante ou à ação da justiça penal,sistematicamente imprimem maior velocidade ao veículo, desinteressando-se por completo da vítima, aindaquando um socorro imediato talvez pudesse evitar-lhe a morte” (Exposição de Motivos da Parte Especial,item 39). Ora, como visto, o homicídio culposo no trânsito passou a ser regulado pelo CTB, o que tornapraticamente inaplicáveis essas causas de aumentos de pena.

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vítima.Homicídioqualificado

Motivo torpe.Motivo fútil.Emprego de meio insidioso ou cruel ou de que possa resultar perigocomum.

Recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima.Para assegurar a execução, a vantagem ou a impunidade de outrocrime.

Aumento de pena Crimeculposo

Inobservância de regra técnica.O agente Deixa de prestar imediato socorro à

vítima.Não procura diminuir as consequênciasde seu ato.Foge para evitar prisão em flagrante.

Crimedoloso

Crimepraticado

contra pessoa

Menor de 14 anos.

Maior de 60 anos.Perdão judicial Natureza Causa de extinção da punibilidade.

Aplicação Apenas para crimes culpososMotivo As consequências dos crime tornam

desnecessária a aplicação da pena.

2.3 Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 122)

Suicídio é a conduta pela qual uma pessoa retira a própria vida. Apesar de o efeito ser o

mesmo do homicídio, qual seja, a perda de uma vida humana, o suicídio não é punido poruma razão óbvia: não é possível punir aquele que já morreu. Mesmo a simples tentativa desuicídio não é crime, pois a condenação da pessoa que tentou se matar em nada ajudaria a proteger o bem jurídico “vida”, podendo ser, por outro lado, um incentivo a que esseintento mantenha-se.

Apesar de não ser crime, o suicídio é um ato ilícito, uma vez que a vida é um bemindisponível. Por isso mesmo, o CP considera que não é constrangimento ilegal a coaçãoexercida para impedir o suicídio (art. 146, § 3°, II).

Há crime, portanto, apenas na conduta daquele que participa do suicídio de outrem. Essa

participação pode dar-se em qualquer uma das modalidades possíveis: indução (fazernascer a ideia de cometer o suicídio), instigação (estimular uma ideia suicida já existente)ou auxílio (prover os meios materiais para a realização do suicídio). O crime do art. 122 é,portanto, uma exceção à regra segundo a qual a participação somente é punível caso aconduta principal seja, ao menos, típica e ilícita (teoria da assessoriedade limitada).

O art. 122 é aplicado somente aos casos em que a conduta principal é praticada pelosuicida. Naqueles em que essa conduta é praticada por terceiro (ex.: ministrar injeção letal),

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este será responsabilizado por homicídio, se for o caso, com a pena diminuída pelorelevante valor moral.

Neste ponto, é preciso diferenciar três termos:a)  Suicídio assistido: o suicida recebe ajuda para terminar com a própria vida. Aquele

que ajudou responde pelo crime do art. 122;b)   Eutanásia: por motivos humanitários (ex.: para aliviar sofrimento em pacienteterminal), a vida de alguém é retirada por terceira pessoa, que responde pelo crimedo art. 121, § 1°;

c)  Ortotanásia: a vida de alguém deixa de ser artificialmente mantida por aparelhosdepois de verificada a impossibilidade de recuperação – é ato lícito.

O valor jurídico contra o qual se volta esse crime é a vida. O objeto material do crime é ocorpo do suicida. O elemento subjetivo é o dolo: não há exigência de finalidade específicanem de crime culposo.

O induzimento, instigação ou auxílio a suicídio é classificado como crime:a)  comum: pode ser realizado por qualquer pessoa;b)  material: somente é punível se houver um resultado naturalístico (lesão corporal

grave ou morte);c)  instantâneo: o crime consuma-se no momento da indução, instigação ou auxílio;d)  comissivo: realizado mediante uma ação;e)  de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido;f)  unissubjetivo: pode ser cometido por uma ou mais pessoas conjuntamente;g)  plurissubsistente: pode ser praticado por meio de mais de um ato;h)  condicionado: sua punição exige o resultado morte ou lesão corporal grave, que são

causas objetivas de punibilidade;i)  de médio potencial ofensivo, se resulta lesão corporal grave (pena de um a três anos

de reclusão), ou de grande potencial ofensivo, se resulta morte (pena de dois a seisanos de reclusão).

O art. 207, § 2°, do Código Penal Militar prevê uma modalidade privilegiada do crime(provocação indireta de suicídio) ao dispor que “Com detenção de um a três anos, serápunido quem, desumana e reiteradamente, inflige maus tratos a alguém, sob sua autoridadeou dependência, levando-o, em razão disso, à prática de suicídio”. Essa privilegiadora,porém, não existe no CP comum.16 

A participação em suicídio tem a pena aumentada ao dobro em duas situações:

16 SUICÍDIO - TIPICIDADE - ELEMENTO SUBJETIVO - O tipo do artigo 122 do Código Penal deve estarconfigurado em uma das três formas previstas na norma - o induzimento, a instigação ou o auxílio ao suicídio,exsurgindo daí o dolo específico. SUICÍDIO - MAUS TRATOS - LESÕES CORPORAIS. Em toda ciência, eo Direito o é, os vocábulos, as expressões e os institutos têm sentido próprio, cumprindo àqueles que deles seutilizam o apego à maior tecnicidade possível. Ao contrário do que preceituado no artigo 207, § 2º, do CódigoPenal Militar, o Diploma Penal Comum não contempla como tipo penal a provocação indireta ao suicídio, deresto cogitada no § 2º do artigo 123 do que seria o Código Penal de 1969, cuja vigência, fixada para 1º deagosto de 1970, jamais ocorreu.(STF, HC 72049 / MG, julgado em 28/03/1995)

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a)  se o crime é praticado por motivo egoístico, como a obtenção de herança;b)  se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de

resistência: são duas situações. Na primeira, a vítima tem entre 14 e 18 anos deidade. Caso tenha menos de 14 anos, considera-se irrelevante sua vontade,havendo, portanto, homicídio. Na última, a vítima tem menos condições, físicas

ou mentais, de resistir às investidas do criminoso, como doente em estadoterminal.

Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio Modalidade simples Participar em suicídio de outrem.Causas de aumento de pena Crime praticado por motivo egoístico.

Vítima menor ou que tem diminuída suacapacidade de resistência.

2.4 Infanticídio (art. 123)

O infanticídio é um tipo privilegiado do crime de homicídio: ao tipo básico “matar alguém” juntam-se circunstâncias relativas aos sujeitos, ativos e passivos, e o tempo de realização daconduta. Em razão disso, a pena passa de reclusão de 6 a 20 anos para detenção de 2 a 6anos.

Nesse sentido, o infanticídio diferencia-se do homicídio por três elementos:a)  Sujeito ativo: é a mãe, em estado puerperal, ou seja, em situação em que a

consciência é perturbada em razão da grande quantidade de hormônios liberadosdurante o parto.17 É possível, porém, coautoria e participação; 

b)  Sujeito passivo: é o próprio filho. Se matar outra criança imaginando-se tratar do

próprio filho, é possível considerar-se a existência de erro de tipo; c)  Tempo: durante o parto ou logo após. O parto inicia-se com o rompimento da bolsa etermina com a completa expulsão do feto do ventre materno. “Logo após” significamomento depois do fim do parto. 

17 PENAL E PROCESSUAL PENAL. JÚRI. ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTECONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS E ERRO OU INJUSTIÇA NO TOCANTE À APLICAÇÃO DAPENA. TENTETIVA DE HOMICÍDIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA INFANTICÍDIO.IMPOSSIBILIDADE. PENA DOSIMETRIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.CONDUTA DA AGENTE QUE, NA ESPÉCIE, SE AMOLDA À FIGURA TÍPICA DO HOMICÍDIO(TENTATIVA), POIS NÃO EVIDENCIADO QUE AGIRA SOB A INFLUÊNCIA DO ESTADO

PUERPERAL. EVENTO MORTE QUE SOMENTE NÃO SE CONSUMOU POR CIRCUNSTÂNCIASALHEIAS A SUA VONTADE, JÁ QUE A RECÉM-NASCIDA, NO MOMENTO EM QUE SOFRIAINSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA, DEVIDO À ASFIXIA POR CONFINAMENTO, FOIENCONTRADA POR VIZINHOS E PRONTAMENTE SOCORRIDA.DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA COM SUPORTE EM VERSÃO IDÔNEA CONSTANTE DOCONJUNTO PROBATÓRIO.PENA REDUZIDA EM RAZÃO DA PARCIAL FAVORABILIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIASJUDICIAIS.APELO PARCIALMENTE PROVIDO.(TJDFT, 2007 03 1 008266-2 APR , JULGADO EM 20/01/2011)

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O valor jurídico contra o qual se volta esse crime é a vida. O objeto material do crime é acriança, filha da autora do crime. O elemento subjetivo é o dolo: não há exigência definalidade específica nem de crime culposo.

O infanticídio é classificado como crime:

a)  próprio: deve ser realizado pela mãe, sendo possível a coautoria ou participação;b)  material: somente ocorre se houver um resultado naturalístico (morte);c)  instantâneo: o crime consuma-se no momento da morte;d)  comissivo: realizado mediante uma ação;e)  de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido;f)  progressivo: a realização do crime passa, necessariamente, pela lesão corporal;g)  unissubjetivo: pode ser cometido por uma ou mais pessoas conjuntamente;h)  plurissubsistente: pode ser praticado por meio de mais de um ato;i)  de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio; j)  que admite tentativa;k)  de grande potencial ofensivo (pena de dois a seis anos de reclusão).

InfanticídioNatureza Tipo privilegiado de homicídio.Conduta Matar o próprio filho, sob a influência do

estado puerperal, durante o parto ou logoapós.

2.5 Aborto (arts. 124 a 128)

Aborto é a interrupção prematura da gravidez, com a consequente morte do nascituro (feto

ou embrião).Quanto à causa, o aborto pode ser:

a)  espontâneo: originado de fenômenos patológicos que ocorrem no corpo da mulher;b)  voluntário: deriva de uma conduta humana, que produz a morte do nascituro

intencionalmente (conduta dolosa) ou acidentalmente (conduta culposa).

O aborto voluntário pode ser:a)  conduta permitida: por atipicidade (a forma culposa do aborto não é tipificada

penalmente), licitude (estado necessidade  – aborto para salvar a vida da mãe  – art.128, I) ou ausência de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa – aborto em

caso de estupro – art. 128, II);b)  crime: aborto cometido dolosamente que não se enquadre no casos do art. 128.

O aborto criminoso, por sua vez, divide-se em duas espécies principais, de acordo com acausa:

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a)  aborto eugênico ou eugenésico: cometido contra nascituro que apresenta gravesdeformidades, deficiências ou malformações. É o caso dos fetos anencéfalos (comvariados graus de danos encefálicos) 18;

b)  aborto econômico-social: realizado por mulheres que não têm condições financeirasde cuidar de mais filhos.

O CP classifica o aborto de acordo de acordo com o sujeito ativo do crime e a existência ounão de consentimento da gestante:

a)  aborto provocado pela gestante (autoaborto)  – art. 124;b)  aborto provocado por terceiro:

I)  com o consentimento da gestante: o terceiro responde pelo crime do art. 126e a gestante pelo crime do art. 124. Trata-se de aplicação excepcional dateoria pluralista no concurso de pessoas, pois agentes que realizaram omesmo fato respondem por crimes diversos;

II)  sem o consentimento da gestante: o terceiro responde pelo crime do art. 125.A gestante não é responsabilizada, uma vez que também é vítima do crime.

Sujeito ativo: é a gestante, no caso do art. 124, ou terceiro, nos casos dos arts. 125 e 126.Sujeito ativo: em todas as situações, é o nascituro. No crime do art. 125, é também agestante.

Objeto (bem) jurídico protegido: primordialmente, a vida do nascituro. Secundariamente, avida e a integridade física da gestante. Objeto material: é o corpo do nascituro e, tambémde forma secundária, o corpo da gestante.

 Elemento subjetivo: é o dolo, a intenção de matar o nascituro. Não há previsão de abortoculposo.

Prova do aborto: como é crime material, a prova deve dar-se principalmente por meio doexame de corpo de delito direto (CPP, art. 158), que é a análise dos vestígios do crime,

18 ADPF - ADEQUAÇÃO - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - FETO ANENCÉFALO - POLÍTICAJUDICIÁRIA - MACROPROCESSO. Tanto quanto possível, há de ser dada seqüência a processo objetivo,chegando-se, de imediato, a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Em jogo valores consagrados naLei Fundamental - como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da liberdade e autonomia damanifestação da vontade e da legalidade -, considerados a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e osenfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto, adequada surge a argüição de

descumprimento de preceito fundamental. ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DAGRAVIDEZ - GLOSA PENAL - PROCESSOS EM CURSO - SUSPENSÃO. Pendente de julgamento aargüição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupçãoda gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do Supremo Tribunal Federal.ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - GLOSA PENAL -AFASTAMENTO - MITIGAÇÃO. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardoreserva, não prevalece, em argüição de descumprimento de preceito fundamental, liminar no sentido deafastar a glosa penal relativamente àqueles que venham a participar da interrupção da gravidez no caso deanencefalia.(STF, ADPF 54 QO / DF, julgado em 27/04/2005)

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como restos do embrião e do liquido amniótico. É permitido também o exame de corpo dedelito indireto, baseado em provas testemunhais (CPP, art. 167). 19 

O aborto é um crime:a)  comum (no caso dos arts. 125 e 126) ou próprio (no caso do art. 124);

b)  instantâneo;c)  comissivo ou omissivo;d)  material;e)  de dano;f)  plurissubsistente, pois admite a realização de vários atos;g)  unissubjetivo ou plurissubjetivo (no caso de aborto praticado por terceiro com

consentimento da gestante);h)  de forma livre;i)  que admite tentativa; e j)  de médio potencial ofensivo (art. 124) ou de grande potencial ofensivo (arts. 125 a

127).

Para que se caracterize o aborto cometido sem o consentimento da gestante, é preciso quehaja o dissenso, a discordância da vítima com a realização do ato. Esse dissenso pode ser:

a)  real: quando o crime é cometido mediante violência, grave ameaça ou fraude;b)  presumido: quando a gestante é menor de 14 anos, alienada ou débil mental, e não

tem, portanto, capacidade de consentir validamente.

Os crimes de aborto cometidos por terceiros (arts. 125 e 126) têm suas penas aumentadasdesde que sejam qualificados pelos seguintes resultados:

a)  morte da gestante: a pena é dobrada;b)  lesão corporal grave na gestante: a pena é aumentada de um terço.

Em rol taxativo20, o CP enumera duas situações em que o aborto não é punido, desde queseja praticado por médico:

19 HABEAS CORPUS. CRIME DE ABORTO COM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE.POSSIBILIDADE DE EXAME DE CORPO DE DELITO INDIRETO. PRECEDENTES DO STF.ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA DO RÉU. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOSE PROVAS. ORDEM DENEGADA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido dapossibilidade de exame de corpo de delito indireto no crime de aborto. (...) 3. Ante o exposto, denego a ordemde habeas corpus.(STF, HC 97479 / PA, julgado em 26/05/2009)20  HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO.NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO

LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO.INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DONASCITURO.(...)3. A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bemmaior a ser preservado. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito,inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam partem. Há de prevalecer, nesses casos,o princípio da reserva legal.4. O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 doCódigo Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta

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a)  Aborto necessário ou terapêutico: situações extremas em que a morte do feto éindispensável para salvar a vida da mãe  – trata-se de hipótese específica de estadode necessidade. Não há, portanto, obrigação de obter o consentimento da gestante;

b)  Aborto humanitário ou sentimental: em caso de gravidez decorrente de estupro. O“Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez” no

âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) é previsto pela Portaria n° 1.508/2005, doMinistério da Saúde. Como visto, trata-se de um caso de inexigibilidade de condutadiversa.21 Ao contrário do caso anterior, é, aqui, necessária a obtenção doconsentimento da gestante.

AbortoConceito Morte do nascituro, que se encontra no ventre da mãe.Provocado Pela gestante autoaborto

Por terceiro Com Consentimento dagestanteSem

Crime qualificado pelo resultado Lesão corporal de natureza grave

MorteAborto impunível Praticado por médico Para salvar a vida da gestanteEm caso de gravidezresultante de aborto.

3. Lesão corporal (art. 129)

3.1 Introdução

O crime de lesão corporal consiste em qualquer dano causado por alguém, sem animusnecandi [dolo de matar], à integridade física ou saúde (fisiológica ou mental de outrem).Não se trata, como o nomen juris poderia sugerir  prima facie, apenas do mal infligido àinteireza anatômica da pessoa. Lesão corporal compreende toda e qualquer ofensaocasionada à normalidade funcional do corpo ou organismo humano, seja do ponto de vistaanatômico, seja do ponto de vista fisiológico ou psíquico.22 A lesão moral à pessoa nãoconstitui o crime do art. 129, mas pode configurar crime contra a honra (arts. 138 a 140).

proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais

uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador.(...)(HC 32159 / RJ, julgado em 17/02/2004)21 A maior parte da doutrina classifica esse caso como estado de necessidade. Data vênia, considero que nãohá “direito próprio ou alheio” da gestante que enquadre a conduta como lícita. De fato, há o sofrimentogerado por uma gravidez decorrente de estupro, mas não se pode vislumbrar qualquer direito que o abortovenha a resguardar. O apelo à “supercláusula” constitucional, a dignidade da pessoa humana, decerto, nãosupre esse requisito. Portanto, o aborto humanitário ou sentimental é ato ilícito, mas inculpável, pois estáprevisto como causa específica de inexigibilidade de conduta diversa.22 HUNGRIA, Nelson. Op. cit., p. 323.

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De acordo com o princípio da alteridade, a autolesão (lesão provocada pela própria pessoaque a sofre) não é punível por si mesma, mas apenas se afetar bem jurídico de outrem,como no caso do crime do art. 171, § 2°, V (conduta de quem “destrói, total ouparcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava asconsequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro”). 

 Ação penal: pública condicionada à representação do ofendido nos casos de lesõescorporais leves e de lesões corporais culposas (Lei 9.099/95, art. 88)23; nos demais casos(lesão corporal grave, gravíssima ou seguida de morte), a ação penal é públicaincondicionada.

Sujeitos ativo e passivo: a lesão corporal pode ser cometida por qualquer pessoa,independente de qualquer qualificação. A vítima também não precisa ser determinada,exceto nos casos de lesão grave por aceleração do parto (art. 129, § 1°, IV) ou lesãogravíssima por aborto (art. 129, § 2°, V), nos quais o sujeito passivo é a gestante.

 Elemento subjetivo: geralmente, é o dolo, vontade livre e consciente de prejudicar a saúde,física ou mental, de outrem. Também são previstas as formas preterdolosas (art. 129, § 3°)e culposas (art. 129, § 6°).

A lesão corporal pode ser classificada como crime:a)  comum: pode ser praticado por qualquer pessoa, ou seja, é indiferente a qualificação

do sujeito ativo;b)  instantâneo: consuma-se em um momento determinado (início do dano à

integridade física da vítima);c)  de dano: lesiona bem jurídico protegido penalmente (integridade física);d)  material: produz modificação na realidade física;e)  de forma livre: pode ser praticado por qualquer meio (físico, químico, biológico,

etc.);f)  comissivo: realizado normalmente por meio de um ou mais atos  –  

excepcionalmente, pode ser crime comissivo por omissão;g)  unissubjetivo ou de concurso eventual: para a sua realização, é necessária a atuação

de apenas um agente;h)  plurissubsistente: realizado, normalmente, por meio de vários atos;

23  PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. AMEAÇA. LEI MARIA DA PENHA. SUSPENSÃOCONDICIONAL DO PROCESSO. VEDAÇÃO DO ART. 41 DA LEI 11.340/06. INTELIGÊNCIAINADEQUADA. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO.

1. O art. 41 da Lei Maria Penha, ao vedar a incidência da Lei 9.099/95, refere-se às disposições próprias doJuizado Especial Criminal, e, não, a outras, como aquelas contidas nos arts. 88 (REsp 1097042/DF, Rel.Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRASEÇÃO, julgado em 24/02/2010, DJe 21/05/2010) e 89. A suspensão condicional do processo comparece nobojo da Lei 9.099/95 de maneira apenas incidental, dado que não pertence substancialmente à planificaçãodos Juizados Especiais.2. Ordem concedida para anular o trânsito em julgado, devendo o Tribunal a quo providenciar a abertura devista para que o Ministério Público se manifeste sobre o art. 89 da Lei 9.099/95, afastado o óbice do art. 41 daLei 11.340/06.(STJ, HC 185930 / MS, julgado em 14/12/2010)

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i)  infração penal de menor potencial ofensivo (lesão corporal leve e lesão corporalculposa), crime de médio potencial ofensivo (lesão corporal grave ou qualificadapela violência doméstica) ou crime de grande potencial ofensivo (lesão corporalgravíssima ou seguida morte).

3.2 Lesão corporal dolosa

A lesão corporal dolosa é dividida nas seguintes categorias:a)  simples (art. 129, caput): é o tipo básico da lesão dolosa, ausente de qualquer

qualificação específica, seja positiva ou negativa. As outras categorias formam-sepela adesão de determinadas circunstâncias à descrição elementar desse tipo(“Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”); 

b)  qualificada (art. 129, §§ 1° a 3° e 9°): há o aumento do termo inicial e do termofinal de fixação da pena em razão da presença de circunstâncias desfavoráveis aoréu;

c)  com causa de diminuição de pena (art. 129, § 4°): é utilizada uma fração de reduçãoda pena (de um sexto a um terço). Também é possível a substituição da pena dedetenção pela de multa (art. 129, § 5°);

d)  com causa de aumento de pena (art. 129, §§ 7°, 10 e 11): a pena é aumentada denos mesmos casos do homicídio culposo ou em casos de violência doméstica.

3.2.1 Lesão corporal qualificada

O art. 129 prevê três espécies de lesão corporal qualificada: grave (§§ 1° e 2°), seguida demorte (§ 3°) e por meio de violência doméstica (§ 9°). Doutrinariamente, denomina-selesão corporal gravíssima os casos enumerados no § 2°, que têm pena superior aos do § 1°.

Dessas três espécies, duas requerem a existência de um resultado que seja consequêncialesão corporal: grave (§§ 1° e 2°), seguida de morte (§ 3°). São, portanto, crimesqualificados pelo resultado. No primeiro caso (lesão grave), o resultado mais gravoso podeser derivado de dolo, direto ou eventual, ou culpa do agente. No segundo caso (lesãoseguida de morte), a lei expressamente exclui a possibilidade de dolo no resultadoconsequente (“Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis oresultado, nem assumiu o risco de produzi-lo”), pois a intenção de matar configurarianecessariamente o crime de homicídio. O § 3° trata, portanto, de crime exclusivamentepreterdoloso (com dolo no antecedente e culpa no consequente).24 

24  RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. DESCLASSIFICAÇÃO.HOMICÍDIO CULPOSO. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. ARTIGO 284 DO CÓDIGODE PROCESSO PENAL. NORMA DE EXCEÇÃO. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIOPÚBLICO.(...)2. Não há falar em estrito cumprimento do dever legal, precisamente porque a lei proíbe à autoridade, aos seusagentes e a quem quer que seja desfechar tiros de revólver ou pistola contra pessoas em fuga, mais aindacontra quem, devida ou indevidamente, sequer havia sido preso efetivamente.

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 A lesão corporal grave não é apenas uma modalidade qualificada do próprio crime de lesãocorporal, mas também de vários outros crimes:

a)  aborto praticado por terceiro (art. 127);b)  abandono de incapaz (art. 133, § 1°);

c)  exposição ou abandono de recém-nascido (art. 134, § 1°);d)  omissão de socorro (art. 135, parágrafo único);e)  maus-tratos (art. 136, § 1°);f)  rixa (art. 137, parágrafo único);g)  roubo (art. 157, § 3°);h)  extorsão (art. 158, § 3°);i)  extorsão mediante sequestro (art. 159, § 2°); j)  estupro (art. 213, § 1°);k)  estupro de vulnerável (art. 217-A, § 3°); el)  de perigo comum (art. 258).

O § 1° determina que a lesão corporal seja de natureza grave se resulta:a)  Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias: inclui qualqueratividade rotineira da pessoa, não apenas o trabalho. O art. 168, § 2°, do CPPdetermina que devam ser realizados dois exames de corpo de delito: o primeiro,imediatamente após o crime, e o segundo, ao final do prazo de trinta dias;

b)  Perigo de vida: nessa hipótese, é indispensável laudo que comprove a existência derisco concreto à vida da pessoa atingida;

c)  Debilidade permanente de membro, sentido ou função: diminuição da eficácia demembro (que pode ser braços, pernas, mãos e pés), sentido (olfato, audição, paladar,visão e tato) ou função (respiratória, excretória, circulatória, etc.). Ex.: perda de umdedo ou de um dente; 

d)  Aceleração de parto: devido à lesão, o feto nasce prematuramente. É indiferente queele morra ou viva depois do nascimento. Se a morte ocorrer antes do nascimento, ocrime é de lesão corporal gravíssima, em razão de aborto (art. 129, § 2°, V). 

O § 2° determina que a lesão corporal seja de natureza gravíssima se resulta:a)  Incapacidade permanente para o trabalho: impossibilidade de exercer qualquer

trabalho lícito, independentemente daquele que a vítima exercia anteriormente. Aincapacidade provisória pode configurar a lesão corporal gravíssima prevista no §1°, I (incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias); 

b)  Enfermidade incurável: doença considerada irremediável de acordo com o estadoatual da medicina; 

c)  Perda ou inutilização do membro, sentido ou função: trata-se de caso mais graveque aquele previsto no § 1°, III, pois, aqui, o membro, sentido ou função deixa deexistir ou torna-se inútil. Ex.: cegueira em ambos os olhos e perda de uma mão; 

3. O resultado morte, transcendendo embora o animus laedendi do agente, era plenamente previsível, pelanatureza da arma, pelo local do corpo da vítima alvejado e pelas circunstâncias do fato, havendo o recorrido,em boa verdade, tangenciado o dolo eventual.(...)(STJ, REsp 402419 / RO, julgado em 21/10/2003)

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d)  Deformidade permanente: prejuízo anatômico irreversível, como uma profundacicatriz no rosto. A doutrina majoritária considera que é necessário, paracaracterizar essa qualificadora, um dano estético relevante;25

 e)  Aborto: interrupção da gravidez, com a consequente morte do feto. Essa hipótese

diferencia-se daquela do art. 127 pela finalidade: no primeiro caso (lesão qualificada

pelo aborto), a finalidade primordial é lesionar a vítima; nos segundo caso (abortoqualificado pela lesão grave), a finalidade principal é realizar o aborto. 

Finalmente, o § 9° do art. 129, incluído pela Lei 10.886/2004, determina que a lesão sejaqualificada (com pena de três meses a três anos) não por um resultado, mas pela especialrelação entre a vítima e o autor do crime, que configura a violência doméstica. Nessesentido, são previstas três situações:

a)  lesão praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro:não se aplica, neste caso, a agravante do art. 61, II, e;

b)  lesão praticada contra quem conviva ou tenha convivido: é preciso que aconvivência, atual ou anterior ao crime, seja doméstica;

c)  prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou dehospitalidade: relações domésticas incluem todos aqueles que participam da vidaem família, mesmo que sejam de parentesco mais distante, como primos; coabitaçãoinclui aqueles que vivem sob o mesmo teto, ainda que não tenham parentesco entresi; e hospitalidade é relação entre pessoas durante estadia provisória em uma casa.

3.2.2 Causas de aumento de pena

A lesão corporal dolosa, simples ou qualificada (§§ 1° a 3°), tem a pena aumentada em umterço:

25 CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL. PERDA DE DENTES. DEFORMIDADEOU DEBILIDADE PERMANENTES NÃO VERIFICADAS. LESÃO CORPORAL DE NATUREZAGRAVE. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA DE PROVA.IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO.I. Hipótese em que a vítima, ao levar um soco na boca em meio a uma briga com colega, perdeu dois dentesinferiores.II. Impossibilidade de equiparação da hipótese dos autos, de amolecimento e perda de dois dentes em razão deum soco desferido na boca em meio a uma briga, com casos de mutilações de membros, de nariz ou orelhas,de cicatrizes grandes advindas de queimaduras a fogo ou por substâncias químicas, ocasionadas de formaviolenta e dolosa, que só podem ser revertidas através de cirurgia plástica.III. Caracterização da qualificadora que necessita da aferição de critérios de índole subjetiva.IV. A deformidade permanente apta a caracterizar a qualificadora no inciso IV do § 2º do art. 129 do Código

Penal, segundo parte da doutrina, precisa representar lesão estética de certa monta, capaz de produzirdesgosto, desconforto a quem vê ou humilhação ao portador, não sendo qualquer dano estético ou físico.Embora se entenda que a deformidade não perde o caráter de permanente quando pode ser dissimulada pormeios artificiais, ela precisa ser relevante.V. Hipótese em que há possibilidade de realização de intervenção odontológica capaz de minimizar oresultado da lesão, que embora mantenha o seu caráter de definitiva, a vítima não será considerada umapessoa deformada.(...)VIII. Recurso não conhecido.(STJ, REsp 1220094 / MG, julgado em 22/02/2011)

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a)  nas mesmas situações previstas para o homicídio, ou seja, nos casos em que a vítimaé maior de 60 anos ou menor de 14 (§ 7°);

b)  se ocorre qualquer uma das situações previstas no § 9° (“violência doméstica”) – §10.

A lesão corporal qualificada pela violência doméstica (§ 9°) pode ter a pena aumentada emum terço se a vítima for deficiente físico (§ 11).

3.2.3 Causas diminuição de pena

A diminuição quantitativa da pena da lesão corporal dolosa, simples ou qualificada,também obedece à mesma regra do homicídio. Assim, a pena é diminuída de 1/6 a 1/3 “se oagente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob odomínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima” (art. 129, §4°).

Além disso, existem casos específicos de diminuição qualitativa de pena para a lesãocorporal leve (simples). Assim, a pena de detenção pode ser substituída pela de multa emduas situações (§ 5°):

a)  nos casos de diminuição de pena previstos no § 4°;b)  nos casos de lesões recíprocas, ou seja, todos os envolvidos são, simultaneamente,

autores e vítimas de lesão corporal. Se um agente lesionou o outro para se defenderde lesão ou ameaça iminente de lesão, não há, para ele, crime, mas a excludente deilicitude denominada legítima defesa.26 

3.3 Lesão corporal culposaA lesão corporal culposa é aquela cometida por meio de uma conduta imprudente, imperitaou negligente. A pena prevista é de detenção, de dois meses a um ano, o que a classificacomo infração penal de menor potencial ofensivo, julgada nos Juizados Especiais (Lei9.099/95). De acordo com o art. 88 da mesma lei, a ação penal é, nesse caso, públicacondicionada à representação do ofendido. O perdão judicial, previsto para o homicídioculposo no § 5° do art. 121, também é aplicável, nas mesmas condições, à lesão corporalculposa.

26 O STJ ampliou a abrangência desse parágrafo, permitindo a substituição da lesão corporal leve por multaou pena de restritiva de direitos em qualquer caso, desconsiderando a proibição do art. 44, I do CP (crimecometido mediante violência):“Violência e grave ameaça são resultantes de atos mais graves do que os decorrentes dos tipos legais dos arts.129 e 147. Na lesão leve (ou simples), até poderá haver alguma violência, mas não a violência impeditiva dasubstituição de uma pena por outra; do mesmo modo, relativamente à ameaça, até porque, sem ameaça, nemsequer existiria o tipo legal. Assim, lesão corporal leve (ou simples) e ameaça admitem, sempre e sempre,sejam substituídas as penas.” (HC 87644 / RS, julgado em 04/12/2007)

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O art. 303 do CTB (Lei 9.503/97) prevê um tipo qualificado desse crime: “Praticar lesãocorporal culposa na direção de veículo automotor”, com “pena de detenção, de seis meses adois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigirveículo automotor”. Atualmente, quase todos os casos de lesão corporal culposa tratadospelos tribunais enquadram-se nesse artigo.27 

Lesão corporalModalidade simples Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.Crime qualificado pelo resultado Lesão corporal

graveIncapacidade para as ocupaçõeshabituais por mais de 30 dias.Perigo de vida.Debilidade permanente demembro, sentido ou função.Aceleração de parto

Lesão corporalgravíssima

Incapacidade permanente para otrabalho.

Enfermidade incurável.Perda ou inutilização demembro, sentido ou função.Deformidade permanente.Aborto.

Lesão corporalseguida de morte

Crime necessariamentepreterdoloso.

Casos de diminuição de pena e deperdão judicial

Aplicam-se as normas previstas no art. 121(homicídio).

Substituição da pena de detençãopela de multa

Aplicação Lesão corporal leve.Hipóteses As mesmas da diminuição de

pena.Lesões recíprocas.

Violência doméstica Comoqualificadora dalesão corporalsimples

Lesão contra ascendente,descendente, irmão, cônjuge oucompanheiro ou quem convivaou tenha convivido ouprevalecendo-se o agente das

27  CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. DELITO DE TRÂNSITO.LESÃO CORPORAL CULPOSA. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. COMPETÊNCIADOS JUIZADOS ESPECIAIS.

1. Lesão corporal culposa praticada na direção de veículo automotor descreve a figura do art. 303 do Códigode Trânsito Brasileiro com pena máxima abstratamente cominada em 2 (dois) anos.2. Lei nº 10.259/01 e Lei nº 11.313/06 conceituaram os delitos de menor potencial ofensivo, alterando o art.61 da Lei nº 9.099/95.3. Competência do Juizado Especial Criminal para conhecer e julgar crimes de menor potencial ofensivo, cujapena não ultrapasse 2 (dois) anos, independente de rito especial. Competência absoluta, fixada em razão damatéria.4.Conflito conhecido para determinar competente o suscitado, Juízo de Direito do Juizado Especial Cível eCriminal de Uberlândia – MG.(STJ, CC 93128 / MG, julgado em 25/03/2009)

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relações domésticas, decoabitação ou de hospitalidade. 

Casos de aumento de pena Incidentes sobretodas asmodalidades

Os mesmos do homicídio.

Incidentes sobre alesão qualificadapelo resultado

Circunstâncias que caracterizemviolência doméstica.

Incidentes sobre alesão qualificadapela violênciadoméstica

Crime cometido contra pessoaportadora de deficiência.

4. Crimes de periclitação da vida e da saúde (arts. 130 a 136)

Todos os crimes estudados anteriormente são delitos de dano, ou seja, somente seconsumam com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido. Caso não haja essa lesão, o crimeé apenas tentado. Se o agente quer, por exemplo, lesionar alguém, mas não obtém esseresultado por circunstâncias alheias à sua vontade, responde por crime de lesão corporal, namodalidade tentativa. Há, nessa situação, a produção de um risco (perigo) ao bem jurídicoprotegido (integridade física). Portanto, nos crimes de dano, a simples existência de risco aobem jurídico pode configurar a tentativa, mas nunca o crime consumado. O dolo, portanto,é de dano, ou seja, o agente tem a intenção de ofender um bem jurídico, como vida epatrimônio.

Nos seguintes crimes de dano, a existência de perigo da ocorrência de um resultado mais

grave é uma hipótese de qualificadora:a)  homicídio: meio que possa resultar perigo comum (art. 121, § 2°, III); eb)  lesão corporal: perigo de vida (art. 129, § 1°, I).

Os crimes de perigo são aqueles cuja consumação ocorre com a mera exposição a risco dobem jurídico protegido. O dolo é de perigo, ou seja, o agente quer apenas criar a situação derisco, sem pretender, nem eventualmente, lesionar o bem protegido.

O risco pode ser presumido por lei (crimes de perigo abstrato  – ex.: porte de drogas) oudeve ser provado em cada caso (crimes de perigo concreto  –  ex.: abandono de incapaz).Quanto à amplitude, o perigo pode ser individual (atinge pessoa determinada  – ex.: maus-

tratos) ou coletivo (atinge genericamente a coletividade – ex.: crime de explosão).Os crimes de perigo são subsidiários, ou seja, somente existem na ausência de dano. Ex.:se, em razão de utilização de meio de transporte arriscado, a vítima vem a morrer, o crime éde homicídio (art. 121) e não de perigo para a vida e saúde de outrem (art. 132). Sãoexceções aqueles casos em que o dano já está previsto como qualificador do crime deperigo. Ex.: abandono de incapaz seguido de morte (art. 133, § 2°).

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Os crimes previstos nos arts. 130 a 136 são, geralmente, crimes de perigo individual. Já oscrimes de perigo comum estão previstos nos arts. 250 a 259.

4.1 Perigo de contágio venéreo (art. 130)

A inserção dessa conduta como tipo penal foi assim justificada na Exposição de Motivos àParte Especial do Código Penal (item 44):

Entre as novas entidades prefiguradas no capítulo em questão, depara-se, em primeirolugar, com o "contágio venéreo". Já há mais de meio século, o médico francês Despréspostulava que se incluísse tal fato entre as espécies do ilícito penal, como já fazia,aliás, desde 1866, a lei dinamarquesa. Tendo o assunto provocado amplo debate,ninguém mais duvida, atualmente, da legitimidade dessa incriminação. A doençavenérea é uma lesão corporal e de conseqüências gravíssimas, notadamente quando setrata da sífilis. O mal da contaminação (evento lesivo) não fica circunscrito a umapessoa determinada. O indivíduo que, sabendo-se portador de moléstia venérea, não se

priva do ato sexual, cria conscientemente a possibilidade de um contágio extensivo.Justifica-se, portanto, plenamente, não só a incriminação do fato, como o critério dedeclarar-se suficiente para a consumação do crime a produção do perigo decontaminação.

O crime consiste em expor alguém ao contágio de moléstia venérea, ou seja, transmissívelpor via sexual. Essa exposição inclui não apenas a relação sexual (conjunção carnal), masqualquer tipo de ato libidinoso, como o beijo. São exemplos de doenças venéreas, tambémchamadas de DSTs (doenças sexualmente transmissíveis): sífilis, cancro mole, gonorréia,herpes e HPV (papiloma vírus humano).

AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida) não é considerada, estritamente, moléstiavenérea, pois é possível sua transmissão por outros meios que não atos libidinosos. Por serfatal a AIDS, a maioria da doutrina considera que a transmissão intencional do HIV (vírusda imunodeficiência humana) implica em crime de homicídio consumado ou tentado, adepender se vítima está morta ou viva na data do julgamento do agente.

Para que o crime exista, é preciso que o agente tenha certeza da sua condição de portadorde doença venérea (dolo direto de perigo) ou, ao menos, considere essa condição comoprovável (dolo eventual de perigo). Nesse sentido, tanto comete este crime aquelediagnosticado com sífilis quanto aquele que realizou ato libidinoso com outrem portador desífilis.

Caso a doença venha a ser efetivamente transmitida, podem ocorrer duas situações, deacordo com o resultado:

a)  lesões corporais leves: são absorvidas pelo crime do art. 130;b)  lesões corporais graves, gravíssimas ou seguidas de morte: o agente responde,

respectivamente, pelos crimes do art. 129, §§ 1°, 2° ou 3°.

 Elemento subjetivo: é o dolo de perigo, não existindo a forma culposa do crime.

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Sujeitos ativo e passivo: o agente do crime é necessariamente alguém contaminado comdoença venérea. A vítima do crime pode ser qualquer pessoa, mesmo aquela que já sofra dedoença sexualmente transmissível.

Objetos material e jurídico: objeto material é o corpo da pessoa exposta à doença venérea.

Objetos (bens) jurídicos afetados pelo crime são a vida e a integridade física.O perigo de contágio venéreo pode ser classificado como crime:

a)  próprio: o sujeito ativo deve ser pessoa contaminada com doença venérea;b)  instantâneo: consuma-se em um momento determinado (início da exposição da

vítima à moléstia venérea);c)  de perigo abstrato: não é preciso que haja demonstração de risco concreto de

contaminação da vítima. Basta que haja o ato libidinoso com a pessoa que sabe oudeva saber que tem doença venérea;

d)  formal: não requer a modificação da realidade física, ou seja, não é preciso que avítima efetivamente seja contaminada;

e)  de forma vinculada: somente pode ser cometido por meio de relação sexual ou outroato libidinoso;f)  comissivo: realizado normalmente por meio de um ou mais atos;g)  unissubjetivo ou de concurso eventual: para a sua realização, é necessária a atuação

de apenas um agente;h)  plurissubsistente: realizado, normalmente, por meio de vários atos;i)  infração penal de menor potencial ofensivo (caput) ou crime de médio potencial

ofensivo (§ 1°).

O § 1° do art. 130 trata de um tipo penal diverso, no qual a intenção do agente é transmitir adoença. A pena, nesse caso, é de reclusão, de um a quatro anos, e multa. Diferentemente docaput, o autor, aqui, deve agir com dolo de dano, pois sua vontade é de transmitir a doença.

 Ação penal: pública condicionada à representação do ofendido (§ 2°). Trata-se de situaçãosemelhante à dos crimes contra a dignidade sexual, em que a vítima pode deixar de acionaro Ministério Público caso considere que haverá algum dano psicológico em um processopelo crime de perigo de contágio venéreo.28 

Perigo de contágio venéreo

28 PENAL - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - PRELIMINAR - AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DEPROCEDIBILIDADE - REPRESENTAÇÃO - DESCABIMENTO - MANIFESTAÇÃO DA GENITORA

DA VÍTIMA - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVASCOMPROVADAS - DECOTE DA AGRAVANTE DO ART. 61, II, 'h"", DO CP - IMPOSSIBILIDADE -VÍTIMA CRIANÇA - CRIME DE CONTÁGIO VENÉREO - AIDS - ABSOLVIÇÃO - PORTADOR DEHIV NÃO TRANSMITE DOENÇA VENÉREA - REJEITADA A PRELIMINAR, VENCIDO ODESEMBARGADOR REVISOR - RECURSO PROVIDO EM PARTE, À UNANIMIDADE. (...) - A AIDSnão se enquadra nas doenças venéreas a que alude do art. 130 do CP, já que não se transmite somente porrelação sexual ou ato libidinoso, mas por qualquer outro meio de transmissão, a impor a absolvição do réu. Oart. 130 do CP, em seu § 2º, estabelece a necessidade de representação para o início do processo. E quando oCódigo Penal exige tal conduta esta é absoluta, nos termos do art. 100 do referido código.(TJMG, processo 1.0672.08.302817-1/001(1), julgado em 19/05/2010)

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Tipo simples Expor alguém, por meio de ato libidinoso, acontágio de moléstia venérea, de que sabeou deva saber que está contaminado.Dolo de perigo.

Tipo qualificado Existe a intenção de contaminar a pessoa.

Dolo de dano.Ação penal Pública condicionada à representação doofendido.

4.2 Perigo de contágio de moléstia grave (art. 131)  

Trata-se da prática de ato capaz de contaminar outrem com moléstia grave. Apesar de estarincluído no capítulo dos crimes de perigo, este é um crime de dano, pois o tipo penal requerque o agente, que está contaminado, tenha a intenção de transmitir a moléstia, ou seja,tenha dolo de dano. A transmissão é mero exaurimento do crime, que se consuma com a

simples prática do ato capaz de transmitir a moléstia. A ocorrência de lesão corporal grave,gravíssima ou seguida de morte implica responsabilização do agente nos termos do art. 129.

Sujeitos ativo e passivo: o agente do crime é necessariamente alguém contaminado commoléstia grave. A vítima do crime pode ser qualquer pessoa, mesmo aquela que já sofra demoléstia grave, desde que essa contaminação seja capaz de piorar seu estado de saúde.

 Elemento subjetivo: é o dolo de dano, não existindo a forma culposa do crime.

 Moléstia grave: é elemento normativo do tipo, ou seja, sua caracterização depende deavaliação do juiz em cada caso. Uma enumeração exemplificativa consta do art. 186, § 1°,

da Lei 8.112/90: “tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasiamaligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave,doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante,nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome deImunodeficiência Adquirida – AIDS29”.

O perigo de moléstia grave pode ser classificado como crime:a)  próprio: o sujeito ativo deve ser pessoa contaminada com moléstia grave;b)  instantâneo: consuma-se em um momento determinado (início da prática do ato

capaz de contaminar);c)  de dano: o agente deve ter a intenção de transmitir a moléstia;

29 Como visto, a AIDS, mais do que moléstia grave, é moléstia fatal, sendo sua transmissão enquadrável nãono art. 131, mas no art. 121 (homicídio):HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PORTADOR VÍRUS DA AIDS.DESCLASSIFICAÇÃO. ARTIGO 131 DO CÓDIGO PENAL.1. Em havendo dolo de matar, a relação sexual forçada e dirigida à transmissão do vírus da AIDS é idôneapara a caracterização da tentativa de homicídio.2. Ordem denegada.(STJ, HC 9378 / RS, julgado em 18/10/1999)

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d)  formal: não requer a modificação da realidade física, ou seja, não é preciso que avítima efetivamente seja contaminada;

e)  de forma livre: somente pode ser cometido por qualquer, de relação sexual até umsimples espirro no rosto de alguém;

f)  comissivo: realizado normalmente por meio de um ou mais atos;

g)  unissubjetivo ou de concurso eventual: para a sua realização, é necessária a atuaçãode apenas um agente;h)  plurissubsistente: realizado, normalmente, por meio de vários atos;i)  crime de médio potencial ofensivo (pena de um a quatro anos e multa).

Perigo de contágio de moléstia grave Conduta Praticar ato capaz de produzir o contágio de

moléstia grave.Elemento subjetivo Dolo de dano (vontade de transmitir a

moléstia).

4.3 Perigo para a vida e saúde de outrem (art. 132)

A inserção dessa conduta como tipo penal foi assim justificada na Exposição de Motivos àParte Especial do Código Penal (item 46): 

No artigo 132, é igualmente prevista uma entidade criminal estranha à lei atual: "expora vida ou saúde de outrem a perigo direto e iminente", não constituindo o fato crimemais grave. Trata-se de um crime de caráter eminentemente subsidiário. Não o informao animus necandi ou o animus laedendi, mas apenas a consciência e vontade de expor avítima a grave perigo. O perigo concreto, que constitui o seu elemento objetivo, élimitado a determinada pessoa, não se confundindo, portanto, o crime em questão com

os de perigo comum ou contra a incolumidade pública.

Trata-se da conduta genérica de expor a vida e a saúde de outrem a perigo concreto eiminente. É crime subsidiário, ou seja, somente é aplicável se não for o caso de outro crimede dano (como homicídio ou lesão corporal) ou de perigo (como os crimes dos arts. 130 e131).

 Elemento subjetivo: é o dolo de perigo, não existindo a forma culposa do crime.

Sujeitos ativo e passivo: podem ser qualquer pessoa.

Objetos material e jurídico: objeto material é o corpo da pessoa exposta ao perigo. Objetos(bens) jurídicos afetados pelo crime são a vida e a saúde (integridade física).

O perigo de contágio venéreo pode ser classificado como crime:a)  comum: o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa;b)  instantâneo: consuma-se em um momento determinado (início da exposição da

vítima ao perigo);

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c)  de perigo concreto: é preciso que haja demonstração da existência de risco para avida ou a saúde da vítima;30 

d)  formal: não requer a modificação da realidade física, ou seja, não é preciso que avítima efetivamente seja contaminada;

e)  de forma livre: pode ser cometido por qualquer meio;

f)  comissivo ou omissivo, conforme o caso: “expor” pode significar uma ação ou umaomissão;g)  unissubjetivo ou de concurso eventual: para a sua realização, é necessária a atuação

de apenas um agente;h)  plurissubsistente: realizado, normalmente, por meio de vários atos;i)  infração penal de menor potencial ofensivo (caput) ou crime de médio potencial

ofensivo (parágrafo único).

Causa de aumento de pena: a pena é aumentada de um sexto a um terço se “ se a exposiçãoda vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação deserviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais”

(art. 132, parágrafo único). Trata-se de um crime de trânsito, localizado excepcionalmenteno CP, cujo objetivo principal é proteger os trabalhadores rurais denominados “bóias -frias”. 

Perigo para a vida e saúde de outrem Tipo simples Expor, a perigo, a vida ou a saúde de

outrem.Causa de aumento de pena Se a exposição decorre de transporte de

pessoas para a prestação de serviços, emdesacordo com as normas legais.

4.4 Abandono de incapaz (art. 133)Crimes de abandono: o CP prevê diversos crimes em que uma pessoa, responsável poroutra, deixa de cumprir suas obrigações para com ela, lesionando ou ameaçando algum bemda vítima. O abandono pode ser de quatro espécies: físico (arts. 133 e 134), material (arts.244 e 245), intelectual (art. 246) ou moral (art. 247).

O abandono de incapaz é a conduta daquele que abandona (deixa de prestar a assistênciadevida) a pessoa que está sob sua responsabilidade (“cuidado, guarda, vigilância ouautoridade”) e não é capaz de se proteger sozinho (“incapaz de defender -se dos riscosresultantes do abandono”). Não é preciso que exista uma relação jurídica entre os sujeitos

do delito, como a de pai e filho, bastando a presença de uma relação de fato, como a pessoaque, atendendo a pedidos, cuida, por momentos, de criança alheia. Na forma simples, apena é de seis meses a três anos.

30 “Descabe falar em ocorrência do delito inscrito no art. 132 do Código Penal, quando o perigo situa-se noplano abstrato, não ocorrendo qualquer ação que, concretamente, coloque em risco a integridade física ou asaúde de outrem.” (STJ, Apn 290 / PR, julgada em 16/03/2005)

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 Elemento subjetivo: é o dolo de perigo, não existindo a forma culposa do crime. A pessoaque, culposamente, abandona incapaz e este vem a sofrer lesão ou morrer, pode responder,respectivamente, pelos crimes de lesão corporal ou de homicídio, ambos na modalidadeculposa.

Sujeitos ativo e passivo: o agente do crime somente pode ser aquele que tem uma relação de“cuidado, guarda, vigilância ou autoridade” com a vítima, que, além disso, deve ser incapaz“incapaz de defender -se dos riscos resultantes do abandono”. Não se trata da incapacidade jurídica, prevista no Código Civil (arts. 3° e 4°), mas de incapacidade física ou mental,como é o caso da pessoa muito idosa ou enferma.

Objetos material e jurídico: objeto material é o corpo da pessoa abandonada. Objetos(bens) jurídicos afetados pelo crime são a vida e a saúde (integridade física).

O abandono de incapaz pode ser classificado como crime:a)  próprio: o sujeito ativo deve ser alguém que tenha uma relação de “cuidado, guarda,

vigilância ou autoridade” com o sujeito passivo;a)  instantâneo de efeitos permanentes: a consumação ocorre no momento em que avítima é abandonada, mas seus efeitos protraem-se enquanto ela estiver com suavida ou saúde em perigo;31 

b)  de perigo concreto: é preciso que haja demonstração que o abandono implica riscopara a vida ou a saúde da vítima;

c)  formal: não requer a modificação da realidade física, ou seja, não é preciso que avítima efetivamente seja sofra um dano;

d)  de forma livre: pode ser cometido por qualquer meio;e)  comissivo ou omissivo, conforme o caso: “abandonar” pode consistir em uma ação

ou uma omissão. Não é necessário que haja um deslocamento. Caracteriza essecrime, por exemplo, deixar o filho pequeno sozinho em casa por longo período;

f)  unissubjetivo ou de concurso eventual: para a sua realização, é necessária a atuaçãode apenas um agente;

g)  plurissubsistente: realizado, normalmente, por meio de vários atos;h)  crime de médio (caput e § 1°) ou de grande potencial ofensivo (§ 2°).

O crime de abandono de incapaz é dividido, pela lei, nas seguintes categorias:a)  simples (art. 133, caput): é o tipo básico do abandono, ausente de qualquer

qualificação específica, seja positiva ou negativa. As outras categorias formam-sepela adesão de determinadas circunstâncias à descrição elementar desse tipo;

31  Também há entendimento no sentido desse crime ser permanente: “HABEAS CORPUS.TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ABANDONO DE INCAPAZ. VIOLAÇÃO DE DOMÍCILIO.NULIDADE DO PROCESSO. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA.(...) 2. Sendo o crime de abandono de incapaz crime de natureza permanente, não há que falar em violação dedomicílio, pois a sua consumação se estende no tempo, conforme preconiza o Código de Processo Penal, emseu artigo 303, e também a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XI, conferindo a possibilidade deentrar na residência, sem mandato judicial. (...) 4. Ordem denegada”. (TJDFT, 20110020109069HBC, Relator SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, julgado em 14/07/2011, DJ 25/07/2011 p. 173)

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b)  qualificada (art. 133, §§ 1° e 2°): há o aumento do termo inicial e do termo final defixação da pena em razão do resultado lesão corporal grave (§ 1° - pena: reclusão,de um a cinco anos) ou morte (§ 2° - pena: reclusão, de quatro a doze anos). Sãocrimes preterdolosos, com dolo quanto ao abandono e culpa quanto à lesão grave oumorte;

c)  com causa de aumento de pena (art. 133, § 3°) – 

a pena é aumentada em razão de:I)  lugar : abandono realizado em local ermo (em que não ocorre normalmente otrânsito de pessoas);

II)  relação do autor com a vítima: o agente é ascendente ou descendente,cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima; e

III)  idade da vítima: maior de 60 anos.

No Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003, art. 98), há a previsão de uma forma qualificada docrime de abandono de incapaz: “Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidadesde longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quandoobrigado por lei ou mandado”. A pena é de detenção, de seis meses a três anos e multa.  

Abandono de incapazTipo simples Abandonar pessoa Que está sob seu cuidado,

guarda ou vigilância; e Incapaz de se defender dosriscos do abandono.

Crime qualificado pelo resultado Lesão corporal graveMorte

Casos de aumento de pena Abandono em lugar ermoAgente é descendente, ascendente, cônjuge, irmão,tutor ou curador da vítima.

Vítima maior de 60 anos.

4.5 Exposição ou abandono de recém-nascido (art. 134)

Trata-se da conduta daquele que deixa de prestar assistência (expõe ou abandona) recém-nascido, com o objetivo de ocultar desonra própria. Na forma simples, a pena é de seismeses a um ano. O crime do art. 134 é uma modalidade privilegiada daquele do art. 133,pois, abandono de recém-nascido é, sem dúvida, uma espécie de abandono de incapaz.

 Elemento subjetivo: é o dolo de perigo, não existindo a forma culposa do crime. A pessoa

que, culposamente, abandona recém-nascido e este vem a sofrer lesão ou morrer, poderesponder, respectivamente, pelos crimes de lesão corporal ou de homicídio, ambos namodalidade culposa. Além disso, há uma finalidade específica: “ocultar desonra própria”,no caso, esconder a ocorrência de uma gravidez extramatrimonial.

Sujeitos ativo e passivo: o crime é próprio, uma vez que o sujeito ativo somente pode ser amãe, solteira, adúltera, viúva ou simplesmente que concebeu fora do casamento. O sujeitopassivo é o recém-nascido. A doutrina diverge a respeito do limite de tempo para que uma

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pessoa seja considerada recém-nascida, mas, em geral, considera-se assim aquele quenasceu há poucos dias.

Objetos material e jurídico: objeto material é o corpo do recém-nascido. Objetos (bens) jurídicos afetados pelo crime são a vida e a saúde (integridade física).

O abandono de incapaz pode ser classificado como crime:b)  próprio: o autor do crime deve ser a mãe do recém-nascido;c)  instantâneo de efeitos permanentes: a consumação ocorre no momento em que a

vítima é abandonada, mas seus efeitos protraem-se enquanto ela estiver com suavida ou saúde em perigo;

d)  de perigo concreto: é preciso que haja demonstração que o abandono implica riscopara a vida ou a saúde da vítima;

e)  formal: não requer a modificação da realidade física, ou seja, não é preciso que avítima efetivamente seja sofra um dano;

f)  de forma livre: pode ser cometido por qualquer meio;

g)  comissivo ou omissivo, conforme o caso: “abandonar” e “expor” são sinônimos epodem consistir em uma ação ou uma omissão. Como no crime anterior, não énecessário que haja um deslocamento;

h)  unissubjetivo ou de concurso eventual: para a sua realização, é necessária a atuaçãode apenas um agente;

i)  plurissubsistente: realizado, normalmente, por meio de vários atos; j)  crime de médio (caput e § 1°) ou de grande potencial ofensivo (§ 2°).

O crime de exposição ou abandono de recém-nascido  é dividido, pela lei, nas seguintescategorias:

a)  simples (art. 134, caput): é o tipo básico do abandono, ausente de qualquerqualificação específica, seja positiva ou negativa;

b)  qualificada (art. 134, §§ 1° e 2°): há o aumento do termo inicial e do termo finalde fixação da pena em razão do resultado lesão corporal grave (§ 1° - pena:reclusão, de um a três anos) ou morte (§ 2° - pena: detenção, de dois a seisanos). São crimes preterdolosos, com dolo quanto ao abandono ou exposição eculpa quanto à lesão grave ou morte.32 

Exposição ou abandono de recém-nascido Tipo simples Abandonar recém-nascido com o objetivo

32 APELAÇÃO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO - ABANDONO DE RECÉM NASCIDO PELA MÃE -

DESCLASSIFICAÇÃO - SUMULA 337 STJ - AFASTAMENTO DO DOLO DE MATAR - ADMISSÍVEL- SITUAÇÃO FÁTICA. 1- A decisão do júri só é manifestamente contrária à prova dos autos quando não temapoio em prova mínima recolhida aos autos. Admissível, nos termos da Sumula 337 STJ, deixe o juiz deproferir a sentença no júri, após a desclassificação própria, a fim de que possam ser oferecidos os benefícioslegais. 2- A desclassificação operada pelos jurados que afastaram o "animus necandi" da conduta da mãe queabandona o recém nascido fruto de relação extra conjugal é opção possível, mesmo que não seja a maisadequada na visão do julgador técnico, não autoriza o tribunal ad quem anular o julgamento para que outros jurados examinem. Mantida a desclassificação própria. NEGADO PROVIMENTO. (Apelação Crime Nº70021829502, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elba Aparecida Nicolli Bastos,Julgado em 19/12/2007)

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de ocultar desonra própria.Tipo qualificado pelo resultado Lesão corporal grave

Morte

4.6 Omissão de socorro (art. 135)Os crimes omissivos são aqueles em que a consumação se dá em razão da ausência de umaação que a pessoa tinha o dever de realizar. Dividem-se em:

a)  Crimes omissivos próprios: previstos expressamente nos tipos penais. Consumam-secom a simples omissão, ou seja, no primeiro momento em que a pessoa poderia agire não agiu;

b)  Crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão: ocorrem nas mesmassituações dos crimes comissivos (que são realizados mediante uma ação). Acondição é que o sujeito ativo seja garantidor na não ocorrência do resultado, nostermos do art. 13, § 2°, do CP. Consumam-se com a ocorrência do resultado

previsto no tipo penal.

A distinção entre ambos fica mais clara ao considerarmos os efeitos da omissão em cadacaso. Assim, se o pai vê o filho se afogando e, tendo condições de salvá-lo, não o faz,responde pelo crime de homicídio se o filho morrer. O crime é consumado no momento damorte da criança. Isso se dá pelo fato de ele ser garantidor da não ocorrência do resultadomorte do seu filho. Trata-se, portanto, de crime omissivo impróprio. Caso, porém, umterceiro veja a mesma criança se afogando e, podendo salvá-la, não o faz, responde apenaspelo crime de omissão de socorro, uma vez que ele não tem a função de garantidor. O crimeé consumado no primeiro momento em que poderia agir, mesmo que, depois, arrependa-see preste socorro. Trata-se, portanto, de crime omissivo próprio.

A omissão de socorro é o crime omissivo puro por excelência. Não há, entre seus sujeitos,nenhuma relação jurídica específica, mas apenas o dever geral de solidariedade, inserido naCF (art. 3°, I) como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

A conduta fundamental do crime é deixar de prestar assistência, ou seja, de socorrer, aquelapessoa que está em perigo e é incapaz de se cuidar. Porém, somente há crime se não houverrisco para a pessoa que prestar a assistência. Ex.: vítima que está ferida dentro de um prédiodesabado. Não se pode exigir que alguém, arriscando a própria vida, entre nesse imóvel,podendo ser vítima de novo desabamento. Para os casos em que houver esse risco, a leiprevê um dever secundário, que é o de pedir o socorro da autoridade pública que tem

competência para socorrer a vítima, como o serviço de ambulância e o corpo de bombeiros.Sujeito ativo: o crime é comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa, exceto aquelaque tem o dever de garantir a não ocorrência do resultado, que pode responder por crimeomissivo impróprio.33 

33 1. CÓDIGO PENAL, ART. 135. OMISSAO DE SOCORRO. E CRIME CUJO SUJEITO ATIVO PODESER QUALQUER PESSOA, MESMO QUE NÃO TENHA O DEVE JURÍDICO DE PRESTAR

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 Sujeito passivo: é a pessoa em estado de perigo para a vida ou a saúde e que não pode, porsuas próprias vias, debelar esse perigo. O CP enumera as seguintes categorias de pessoas:

a)  criança abandonada ou extraviada: menor de 12 anos que foi deixado por seusresponsáveis ou perdeu-se deles;

b)  inválida: aquela que possui alguma deficiência física ou mental;c)  ferida: aquela que sofreu lesão corporal de certa gravidade (excluem-se, porexemplo, pequenas escoriações);

Não basta, porém, que a pessoa seja inválida ou esteja ferida. É preciso, ainda, que seencontre em uma das seguintes situações:

a)  ao desamparo: abandonada, sem a assistência de ninguém;b)  em grave e iminente perigo: existência de risco para a vida ou saúde da pessoa.

Objetos material e jurídico: objeto material é o corpo da pessoa em perigo. Objetos (bens) jurídicos afetados pelo crime são a vida e a saúde (integridade física).

 Elemento subjetivo: é o dolo de perigo, não existindo elemento subjetivo específico nem aforma culposa do crime. Há crime preterdoloso se ocorrer o resultado lesão corporal graveou morte.

A omissão de socorro pode ser classificada como crime:a)  comum quanto ao sujeito ativo e próprio quanto ao sujeito passivo;b)  instantâneo: a consumação ocorre no primeiro momento em que o agente poderia

agir e não agiu;c)  de perigo concreto: existência de risco para a vida ou a saúde da vítima;d)  formal: não requer a modificação da realidade física, ou seja, não é preciso que a

vítima efetivamente seja sofra um dano;e)  de forma livre: pode ser cometido por qualquer meio;f)  omissivo: as duas condutas previstas (“deixar de prestar assistência” e “não pedir o

socorro da autoridade pública”) constituem ausência de ação;g)  unissubjetivo ou de concurso eventual: para a sua realização, é necessária a atuação

de apenas um agente;h)  unissubsistente: basta que esteja caracterizada a omissão;i)  infração penal de menor potencial ofensivo.

O crime de omissão de socorro é dividido, pela lei, nas seguintes categorias:a) simples (art. 135, caput): é o tipo básico da omissão  – a pena é de um a seis meses

de detenção, ou multa;b) com causa de aumento de pena (art. 135, parágrafo único): a pena é aumentada da

metade se a vítima tem lesão corporal grave e triplicada caso a vítima morra. Sãocrimes preterdolosos, com dolo quanto à omissão e culpa quanto à lesão grave oumorte.

ASSISTENCIA. 2. MEDICOS CLINICOS QUE SE RECUSAM A ATENDER DOENTE GRAVE DEDOENCA RENAL. 3. RECURSO DE HABEAS CORPUS DESPROVIDO.(STF, RHC 56395, julgado em 08/08/1978)

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 A própria omissão de socorro é causa de aumento de pena dos seguintes crimes:

a)  homicídio culposo: “a pena é aumentada de 1/3 (um terço), (...) se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima (...)” (CP, art. 121, § 4°); “No homicídio culposocometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à

metade, se o agente: (...) III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo semrisco pessoal, à vítima do acidente;” (Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503/97,art. 302, III);

b)  lesão corporal culposa: o aumento de pena se dá exatamente nas mesmas condiçõesdo homicídio culposo, como determinam os arts. 129, § 7°, do CP, e 303, parágrafoúnico, do CTB.34 

O CTB prevê, no art. art. 304, um tipo qualificado de omissão socorro: “Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendofazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública”. Apena é detenção de seis meses a um ano, ou multa. Seu parágrafo único ainda dispõe:

“Incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo, ainda que a sua omissão sejasuprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentosleves”.35 

O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003, art. 97) também prevê um tipo qualificado dessecrime: “Deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal,em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde,sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública ”. A pena édetenção de seis meses a um ano e multa. As causas de aumento de pena são exatamente asmesmas do parágrafo único do art. 135 do CP.

Omissão de socorro 34  CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. INQUÉRITO. LESÃO CORPORAL NADIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR E OMISSÃO DE SOCORRO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇACOMUM.(..)3. Uma vez confirmado que o investigado se evadiu sem prestar socorro à vítima, merece aplicação, em tese,o aumento de pena daí decorrente, previsto no parágrafo único do art. 303 da Lei 9.503/07, o que afasta oprocessamento do feito perante o Juizado Especial, porquanto ultrapassado o limite da pena que firmaria acompetência da Justiça Especializada.4. Conflito conhecido para determinar competente o suscitado, Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal deDelitos e Tóxicos e Trânsito de Campina Grande/PB.(STJ, CC 100576 / PB, julgado em 25/03/2009)35 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO NADIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EXCLUSÃO DA AGRAVANTE DE OMISSÃO DESOCORRO. RECONHECIMENTO DE RISCO PESSOAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N.º 07 DO STJ. IMEDIATA MORTE DA VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA.(...)2. Irrelevante o fato de a vítima ter falecido imediatamente, tendo em vista que não cabe ao condutor doveículo, no instante do acidente, supor que a gravidade das lesões resultou na morte para deixar de prestar odevido socorro.3. Agravo regimental desprovido.(STJ, AgRg no Ag 1140929 / MG, julgado em 13/08/2009)

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Tipo simples Deixar de prestar assistência, quandopossível fazê-lo sem risco pessoal, ou nãopedir o socorro da autoridade pública.

Sujeitos passivos Criança Abandonada ouExtraviada

Pessoa Inválida ou ferida eAo desamparo ou em grave eiminente perigo.

Tipo qualificado pelo resultado Lesão corporal graveMorte

4.7 Maus-tratos (art. 136)

Uma das grandes controvérsias da atualidade em questões familiares diz respeito o limitedo poder dos responsáveis na aplicação de sanções educativas aos filhos ou pessoas sob sua

guarda. Antes plenamente admitido, o castigo corporal passou a ser cada vez menostolerado, sendo que diversos países já o proibiram expressamente. No Brasil, admite-se ocastigo físico realizado pelos pais ou responsáveis diretos (pessoas que têm guarda oututela) do menor. Porém, não se admite mais que esse castigo seja imposto em situações deexclusive caráter educacional, ou seja, entre professores e alunos.

No Brasil, Para que o castigo físico seja considerado lícito, é preciso a concorrência de doisrequisitos essenciais:

a)  finalidade educativa: aquele que impõe a sanção deve ter como finalidade exclusiva(elemento subjetivo específico) a educação, a correção daquele que é castigado. Aausência dessa finalidade pode implicar os crimes de lesão corporal, homicídio e até

tortura, conforme o caso. Ex.: não se pode falar em castigo corporal para bebes, umavez que sua ausência de compreensão do fato exclui o caráter educativo da conduta;b)  ausência de perigo para a vida ou a saúde: o castigo infligido não deve ameaçar a

integridade física ou a vida da pessoa que o sofre. Só há crime, portanto, quandohouver, perigo concreto, demonstrável no caso. Ex.: um simples tapa, em regra, nãocoloca a pessoa em risco, contrariamente ao que acontece com a criança deixadasentada em cima de um formigueiro.

Conduta: o crime de maus-tratos surge, portanto, no momento em que o responsável (queexerce guarda, autoridade ou vigilância) aplica castigo corporal à vítima, com a finalidadede educação ou correção, causando risco à sua vida ou saúde. Trata-se de uma situação de

excesso de poder, que é exercido além dos limites permitidos em lei. Além disso, o crime éde conduta vinculada, ou seja, a lei exige que, para a sua configuração, ocorra algum dosseguintes atos:

a)  privação de alimentação ou de cuidados indispensáveis;b)  sujeição a trabalho excessivo ou inadequado; ouc)  abuso dos meios de correção e disciplina.

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Sujeitos ativo e passivo: o crime de maus-tratos é bipróprio, ou seja, tanto o sujeito ativoquanto o sujeito passivo devem ter características específicas. E o que determina essascaracterísticas é a relação existente entre um e outro, que, nos termos da lei, deve ser de“autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia”.

Objeto material e jurídico: o objeto material é o corpo da pessoa atingida pelos maus-tratos. Os objetos jurídicos (bens protegidos) são a vida e a integridade física.

 Elemento subjetivo: o crime de maus-tratos somente é punível a título de dolo, direto oueventual. Ainda é requerida uma finalidade específica, ou seja, a intenção de corrigir,disciplinar ou educar.

Os maus-tratos podem ser classificados como crime:a)  próprio: tanto com relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo;b)  instantâneo, em regra, sendo permanente no caso de privação de alimentação ou de

cuidados indispensáveis; 36 

c)  de perigo concreto: deve ser comprovada a existência de risco para a vida ou a saúdeda vítima;d)  de forma vinculada, pois a lei estabelece os modos como o crime pode ser cometido;e)  formal: não requer a modificação da realidade física, ou seja, não é preciso que a

vítima efetivamente seja sofra um dano;f)  comissivo ou omissivo: o tipo penal descreve condutas comissivas (sujeição a

trabalho excessivo ou inadequado) e omissivas (privação de alimentos ou decuidados indispensáveis);

g)  unissubjetivo ou de concurso eventual: para a sua realização, é necessária a atuaçãode apenas um agente;

h)  unissubsistente, na forma omissiva, ou plurissubsistente, na forma comissiva;i)  infração penal de menor potencial ofensivo, na forma simples; crime de pequeno (§

1º) ou grande potencial ofensivo (§ 2º).

O crime de maus-tratos é dividido, pela lei, nas seguintes categorias:a)  simples (art. 136, caput): é o tipo básico dos maus-tratos, ausente de qualquer

qualificação específica, seja positiva ou negativa. A pena é de detenção, de doismeses a um ano, ou multa;

b)  qualificada (art. 136, §§ 1° e 2°): há o aumento do termo inicial e do termo final defixação da pena em razão do resultado lesão corporal grave (§ 1° - pena: reclusão,de um a quatro anos) ou morte (§ 2° - pena: reclusão, de quatro a doze anos). Sãocrimes preterdolosos, com dolo quanto aos maus-tratos e culpa quanto à lesão graveou morte;

36 PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. MAUSTRATOS. MENORES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO-OCORRÊNCIA. AÇÃO PENAL. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. POSSIBILIDADE.(...) VI - Os maus tratos a menor, decorrentes da privação deste dos cuidados indispensáveis, configura crimepermanente, cujo prazo prescricional somente se inicia após cessada aquela(...) VIII - Ordem parcialmenteconcedida.(STF, HC 86711 / GO, julgado em 04/03/2006)

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c)  com causa de aumento de pena (art. 136, § 3°): a pena é aumentada em um terço sea vítima é menor de 14 anos, o que acontece na imensa maioria dos casos de maus-tratos.

Maus-tratos, considerado como um abuso do exercício do poder de uma pessoa sobre outra,

parece, como tipo qualificado ou apenas análogo, em diversos crimes delitos na legislaçãoespecial, configurando, respectivamente, crime de tortura, crime contra criança eadolescente, crime ambiental e crime contra o idoso.

A Lei de Tortura (Lei 9.455/97, art. 1°, II) tipifica a conduta de “submeter alguém, sob suaguarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intensosofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. Ao contrário do crime previsto no art. 136 do CP, não há, neste caso, aintenção de educar, mas apenas de provocar sofrimento. Além disso, a tortura é crime dedano, pois somente se consuma com a produção do resultado previsto (“intenso sofrimentofísico ou mental”). 37 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90, art. 232) prevê um tipo penalanálogo ao crime de maus-tratos: “Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade,guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento”, que tem pena de detenção de seismeses a dois anos. Diferentemente do art. 136 do CP, esse tipo penal não requer que avítima tenha a saúde ou a vida colocadas em risco, bastando que haja uma situação desofrimento psicológico (“vexame ou constrangimento”). Trata-se, portanto, de um crime dedano. Também não é requerido nenhum elemento subjetivo específico.

A Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98, art. 32) também prevê um tipo penal análogoao crime de maus-tratos:  “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animaissilvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. A pena é de detenção, de trêsmeses a um ano, e multa. Estranhamente, trata-se de pena mais rigorosa que aquela

37  PROCESSO PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL.AGRESSÕES FÍSICAS CONTRA MENORES INTERNADOS NA APAE. IMPOSSIBILIDADE DESUBSUNÇÃO DA CONDUTA NO DELITO DE MAUS TRATOS (ART. 136 DO CPB) ANTE A NÃOVERIFICAÇÃO, AO MENOS ATÉ ESTA ALTURA, DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPOESPECÍFICO DESTE DELITO (PARA FIM DE EDUCAÇÃO, ENSINO, TRATAMENTO OUCUSTÓDIA), MAS SIM DO PROPÓSITO DE CAUSAR SOFRIMENTO, PRÓPRIO DO CRIME DETORTURA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIMINAL. PARECERMINISTERIAL PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. CONFLITO CONHECIDO PARADECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA 1a. VARA CRIMINAL DE SÃO JOÃODEL REI, O SUSCITADO.

1. Para que se configure o delito de maus tratos é necessária a demonstração de que os castigos infligidostenham por fim a educação, o ensino, o tratamento ou a custódia do sujeito passivo, circunstâncias que não seevidenciam na hipótese. Precedente desta Corte.2. A conduta verificada nos autos encontra melhor adequação típica na descrição feita pelo art. 1o., II da Lei9.455/97 - tortura, o que não exclui a possibilidade de outra definição do fato se verificado, depois derealizada mais aprofundada cognição probatória, serem outras as circunstâncias delitivas.3. Parecer ministerial pela declaração de que competente o suscitado.4. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 1a. Vara Criminal deSão João Del Rei/MG, o suscitado.(STJ, CC 102833 / MG, julgado em 26/08/2009)

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aplicada quando o sujeito passivo é pessoa (CP, art. 136, cujo tipo simples tem penamínima de dois meses). Além disso, é determinada restrição à pesquisa científica: “ Incorrenas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda quepara fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos” (§ 1°). É previstoo aumento de um sexto a um terço da pena se há morte do animal.

O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003, art. 99) prevê um tipo qualificado desse crime:“Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o acondições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidadosindispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ouinadequado”. A pena é detenção de dois meses a um ano e multa. As causas de aumento depena são exatamente as mesmas do parágrafo único do art. 136 do CP.

Maus-tratosResultado Exposição, a perigo, da vida ou da saúde de outrem.

Sujeito passivo Pessoa sob autoridade, guarda ou vigilância, para fimde educação, ensino, tratamento ou custódia.Modos de execução Privação de Alimentos

Cuidados essenciaisSujeição a trabalho Excessivo

InadequadoAbuso dos meios de Correção

DisciplinaCrime qualificado pelo resultado Lesão corporal grave

MorteAumento de pena Vítima menor de 14 anos.

5. Rixa (art. 137)

Rixa é um conflito desordenado entre três ou mais pessoas que se agridem mutuamente,causando risco à vida e à integridade física dos rixosos. Caso sejam apenas duas pessoaslutando entre si, não há rixa, mas vias de fato, lesão corporal ou homicídio, conforme oresultado obtido. Da mesma forma, não há o crime de rixa quando dois grupos brigam entresi (ex.: membros de duas torcidas organizadas), pois, nesse crime, todos lutam contra todos.38 Como no caso anterior, os envolvidos podem ser responsabilizados até por homicídio.

38  PROCESSO PENAL. COAUTORIA. DENUNCIA. INEPCIA INOCORRENTE. HOMICIDIOQUALIFICADO. RIXA. DEFINIÇÃO. FORO PRIVILEGIADO. SEPARAÇÃO DOS PROCESSOS.IMPOSSIBILIDADE.(...)- INEXISTINDO DISSENSO ENTRE O EXPOSTO NA DENUNCIA E OS FATOS COLHIDOS NAINFORMAÇÃO POLICIAL, NÃO HA DE ACOLHER-SE A DESCARACTERIZAÇÃO DA FIGURADELITUOSA DO HOMICIDIO PARA O CRIME DE RIXA, COMO PRETENDEM OS ACUSADOS. ADOUTRINA E A JURISPRUDENCIA DOMINANTES ENTENDEM NÃO HAVER RIXA QUANDO APOSIÇÃO DOS CONTENDORES E DEFINIDA. PORTANTO, NA ESPECIE, NÃO HA DUVIDA

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 Sujeitos ativo e passivo: a rixa é um crime comum, ou seja, não é necessário que seusagentes tenham qualificação especial, podendo ser quaisquer pessoas. Trata-se do únicocrime em que os sujeitos ativos são, ao mesmo tempo, sujeitos passivos, ou seja, cadarixento é, simultaneamente, autor e vítima do crime. A participação em rixa pode, porém,

ser fato atípico se o agente interferir com o objetivo de separar os contendores, isto é, paraacabar com a própria rixa.

Objeto material e jurídico: objeto material é o corpo dos rixosos. Objetos jurídicos são avida e a integridade física.

 Elemento subjetivo: o crime de rixa somente é previsto a título de dolo, ou seja, somente hácrime se o agente tem a vontade livre e consciente de participar da rixa, colocando em riscoa vida e a integridade física dos demais.39 

A rixa pode ser classificada como crime:

a)  comum: pode ser cometido por qualquer pessoa;b)  instantâneo: para cada rixoso, consuma-se no momento em que ele começa aparticipar do confronto, mesmo que ele saia imediatamente depois;

c)  de perigo abstrato: não é necessária a comprovação da existência de risco para a vidaou a saúde da vítimas;

d)  de forma livre, pois a lei não estabelece os modos como o crime pode ser cometido;e)  formal: não requer a modificação da realidade física, ou seja, não é preciso que as

vítimas sejam efetivamente atingidas;f)  comissivo: requer ação por parte dos agentes;g)  plurissubjetivo ou de concurso necessária: para a sua realização, é necessária a

atuação de três ou mais agentes;h)  plurissubsistente: praticado geralmente por meio de vários atos;i)  infração penal de menor potencial ofensivo.

TRATAR-SE DO CRIME DESCRITO NA PEÇA ACUSATORIA. EM CONSEQUENCIA, AFASTA-SE APRELIMINAR DE INEPCIA DA DENUNCIA.(...)- DENUNCIA RECEBIDA.(STJ, Apn 35 / GO, julgada em 06/12/1991)39 PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE RIXA (ARTIGO 137, PARÁGRAFO ÚNICO, DOCÓDIGO PENAL). DOLO ESPECÍFICO QUE SE CARACTERIZA PELA VONTADE DELIBERADA DEPARTICIPAR DA RIXA. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PEDIDO DE CONDENAÇÃO.INACOLHIMENTO. DENÚNCIA FORMULADA APÓS REJEIÇÃO DE PROPOSTA DE TRANSAÇÃOPENAL PELO AUTOR DO FATO. FRAGILIDADE DA PROVA. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.

PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO.1. A CRIME DE RIXA QUALIFICADA QUE CONFIGURA O TIPO PENAL DO ART. 137,PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL CARACTERIZA-SE PELO EMPREGO DE VIOLÊNCIAFÍSICA, OFENDENDO A INTEGRIDADE CORPORAL OU A SAÚDE DA VÍTIMA. O DOLOESPECÍFICO DESSE CRIME SE CARACTERIZA PELA INTENÇÃO DE AGREDIR OS DEMAISCONTENDORES, EXTERIORIZADA DE FORMA CONSCIENTE PELO AGENTE.(...)4. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS E JURÍDICOS FUNDAMENTOS, COM SÚMULA DEJULGAMENTO SERVINDO DE ACÓRDÃO, NA FORMA DO ARTIGO 82, § 5º, DA LEI Nº 9.099/95.(TJDFT, 2006 01 1 076815-4 APJ - 0076815-59.2006.807.0001, julgado em 29/05/2007)

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 O crime de rixa é dividido, pela lei, nas seguintes categorias:

a)  simples (art. 137, caput): é o tipo básico da rixa, ausente de qualquer qualificaçãoespecífica, seja positiva ou negativa. A pena é de detenção, de 15 (quinze) dias a 2(dois) meses, ou multa;

b)  qualificada (art. 137, parágrafo único): há o aumento do termo inicial e do termofinal de fixação da pena em razão do resultado lesão corporal grave ou morte. Apena é de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. São crimes preterdolosos, com dolo quantoà rixa e culpa quanto à lesão grave ou morte. O rixoso que causar diretamente oresultado qualificador, responde pelo crime de rixa qualificada em concurso com ocrime de lesão corporal grave ou de homicídio.

RixaTipo básico Participar de embate corporal desordenado

em que estejam presentes ao menos trêspessoas.

Tipo qualificado pelo resultado Lesão corporal de natureza grave.Morte.

6. Crimes contra a honra

6.1 Introdução

Honra é a apreciação do valor de alguém realizada pela sociedade (honra objetiva) ou pelaprópria pessoa (honra subjetiva). A honra é considerada como um bem jurídico

fundamental, uma vez que possibilita à pessoa o exercício normal de suas atividadessociais, implicando sua ausência em graus variados de ostracismo (exclusão social).

Ao contrário da dignidade, que é o valor intrínseco de todo ser humano, a honra não dizrespeito ao que cada um é, mas sim a como ele é visto pelos outros ou por si mesmo. Alémdisso, não se pode dizer que há um direito à honra, que é um sentimento, social oupsicológico, mas não uma obrigação jurídica, que absurdamente imporia às pessoas o deverde sentirem-se honrosas e de honrar os outros. Ninguém é obrigado, assim, a externarconceitos positivos a respeito dos outros ou de si mesmo. O que se busca evitar juridicamente é a indevida degradação dessa honra.

Em termos ideais, a honra de uma pessoa deve corresponder exatamente às suas virtudes.Desse modo, quanto mais corajosa, honesta e leal for a pessoa, mais seria consideradahonrada; ao contrário, quanto mais medrosa, desonesta e vil for a pessoa, mais seriaconsiderada desonrada.

Em termos concretos, porém, isso não se realiza. A honra, entendida como mera expressãodas virtudes de alguém, entraria facilmente em choque com outros bens jurídicosconsiderados essenciais, como a privacidade e a saúde psíquica da pessoa. Assim, é

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possível que se constitua um crime contra a honra mesmo que o agente emita se expresse deforma absolutamente verdadeira.

A honra ainda tem uma relação tensional com o direito à liberdade de expressão, garantidode forma absoluta na Constituição Federal (“A manifestação do pensamento, a criação, a

expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquerrestrição” –  art. 220). A existência de crimes contra a honra chega a ser deconstitucionalidade duvidosa, uma vez que a CF apenas se refere ao “direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5°, X), sem fazer qualquermenção a sanções de natureza penal. Some-se a isso o fato de o STF ter declarado que a Leide Imprensa não foi recepcionada pela CF, uma vez que cercearia indevidamente aliberdade de expressão. De qualquer forma, na análise da tipicidade desses crimes, éindispensável a utilização de interpretação restritiva, somente admitindo a sua existêncianaquelas situações em que é indubitável a intenção de ofender (elemento subjetivoespecífico). 

Portanto, somente há crime contra a honra nas situações em que a intenção do agente éofender a vítima. Nesse sentido, Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, Vol. VI, p.56-63) enumera diversas motivações que tornam o fato atípico, pois excluem o ânimo deofender:

a)  Animus jocandi: o fim imediato do agente não é ofender a honra da vítima, masgracejar, caçoar, fazer pilhéria. Trata-se de piadas e de situações ocorrentes emprogramas humorísticos. Porém, a exposição da pessoa ao ridículo ultrapassa opropósito meramente humorístico e configura crime contra a honra;

b)  Animus consulendi: o agente tem a intenção de advertir, aconselhar ou informaralguém a respeito de outrem. Ex.: agências de detetives. Se houver um dever jurídico de informar, a lei prevê imunidade penal expressa (CP, art. 142, III  –  “oconceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ouinformação que preste no cumprimento de dever do ofício”); 

c)  Animus corrigendi: é a intenção de repreender alguém que está sob sua autoridade.Ex.: pai que chama o filho de preguiçoso por não ter cumprido suas obrigações. Senão houver moderação, deve-se presumir a existência de atentado à integridademoral do subordinado;

d)  Animus narrandi: intenção de expressar aquilo que se viu, sentiu ou ouviu a respeitode alguém. Esse ânimo é especialmente presente no caso de matérias jornalísticas. Oart. 142, II, refere-se a ele quando considera atípica “a opinião desfavorável dacrítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção deinjuriar ou difamar”; 40 

40 QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA A HONRA. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DOTIPO. ANIMUS NARRANDI. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.1. Segundo a jurisprudência, não há falar em crime de calúnia, injúria ou difamação, se perceptível primusictus oculi que a vontade do querelado "está desacompanhada da intenção de ofender, elemento subjetivo dotipo, vale dizer, se praticou o fato ora com animus narrandi, ora com animus criticandi". (RHC n. 15.941/PR,Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 1º/2/2005).2. Há até precedente da Corte Especial, consoante o qual "a manifestação considerada ofensiva, feita com opropósito de informar possíveis irregularidades, sem a intenção de ofender, descaracteriza o tipo subjetivo noscrimes contra a honra" (Apn n. 347/PA, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 14/3/2005).

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e)  Animus defendendi: é a intenção de agir na tutela dos próprios interesses. A leirefere-se a ele ao considerar atípica “a ofensa irrogada em juízo, na discussão dacausa, pela parte ou por seu procurador” (art. 142, I). 

Sujeitos passivos e ativos: os crimes contra a honra são crimes comuns, ou seja, qualquer

ser humano pode ser autor ou vítima deles. Mesmo a pessoa considerada desonrada podeser vítima do crime, pois em todo ser humano existe ainda a dignidade intrínseca. Tambémpodem ser vítimas os inimputáveis, que podem ter a honra atingida mesmo que nãocompreendam totalmente o fato. Se a vítima for Presidente da República ou funcionáriopúblico no exercício de suas funções, a pena é aumentada de um terço (art. 141, I e II).

Não podem ser sujeitos passivos desses crimes:a)  Os mortos, em razão da sua inexistência jurídica. Os sujeitos passivos do crime de

calúnia contra os mortos (art. 138, § 2º) são seus familiares vivos;b)  As coletividades indeterminadas, como raças, nações, faixas etárias, gêneros, etc.

Assim, expressar-se de forma a degradar os judeus de forma genérica não é crime

contra a honra, pois não atinge pessoas determinadas, mas pode constituir crime deracismo (Lei 7.716/89).

Quanto às pessoas jurídicas, é preciso ressaltar que tenham honra subjetiva (sentimento deautoestima), mas apenas honra objetiva (imagem perante a sociedade). Também não seconcebe, no Direito brasileiro, que a pessoa jurídica seja autora de crime (excepciona-se aresponsabilização quanto aos crimes ambientais). Portanto, a pessoa jurídica pode servítima de calúnia apenas se houver referência a crime ambiental; de difamação, emqualquer caso, pois atinge a honra objetiva; e nunca pode ser vítima de injúria, crime queatinge a honra subjetiva.41 

A honra é considerada um bem jurídico disponível, ou seja, é possível que seu titularrenuncie a ela. Assim, se alguém atentar contra a honra de outrem se utilizando deconsentimento anterior da vítima, não há crime contra a honra.

Os crimes contra a honra são geralmente classificados como:

3. No caso, a estudante, ao final do licenciamento para realização de curso no exterior, buscando se desligarantecipadamente do escritório de advocacia no qual estagiava, narrou fato envolvendo seu supervisor ao sóciodo escritório. Pelo que se tem dos autos, sem alarde, mostrou as mensagens constantes de seu aparelho detelefone móvel, enviadas do celular do querelante, apenas com o objetivo de justificar o fim prematuro doestágio.4. Tais fatos estão destituídos de tipicidade penal.

5. Ordem concedida para trancar a ação penal.(STJ, HC 173881 / SP, julgado em 17/05/2011)41 AGRAVO REGIMENTAL EM PETIÇÃO. PROCESSUAL PENAL. INTERPELAÇÃO JUDICIAL. LEIDE IMPRENSA. CRIME DE INJÚRIA. SUJEITO PASSIVO: PESSOA JURÍDICA. 1. A pessoa jurídica nãopode ser sujeito passivo dos crimes de injúria e calúnia, sujeitando-se apenas à imputação de difamação.Precedentes. 2. Cuidando-se de situação em que caracterizado, em tese, crime de injúria, é incabível a açãopenal que tenha por objeto a apuração de ofensa à honra de pessoa jurídica de direito público. Conseqüência:inviabilidade de prosseguimento da medida preparatória de interpelação judicial. Agravo regimental a que senega provimento.(STF, Pet 2491 AgR / BA, julgado em 11/04/2002) 

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a)  comuns: não exigem qualificação especial do sujeito ativo;b)  formais: a existência de resultado naturalístico é possível mas não necessária;c)  de forma livre: podem ser cometidos por qualquer meio;d)  comissivos: caluniar, difamar e injuriar implicam ação;e)  instantâneos: o resultado é produzido imediatamente;

f)  unissubjetivo: podem ser praticados por um ou mais agentes;g)  unissubsistente ou plurissubsistente: a ofensa à honra, conforme o caso, pode serfeita por meio de um ou de vários atos;

h)  infrações de menor potencial ofensivo, exceto a injúria qualificada pelo racismo (art.140, § 3°), que é crime de pequeno potencial ofensivo.

Objetos material e jurídico: os crimes contra a honra não tem objeto material, pois, sendocrimes formais, não atingem nenhum bem físico. O objeto jurídico (bem protegido) é ahonra da vítima.

Consumação: os crimes previstos neste capítulo consumam-se no momento em que a honra

da vítima é atingida. Se a honra é objetiva (apreciação social da pessoa), a consumaçãoocorre no momento em que terceiros tomam conhecimento da ofensa. É o caso dos crimesde calúnia e difamação. Se a honra é subjetiva (autoimagem da pessoa), a consumaçãoocorre no momento em que a vítima toma conhecimento da ofensa. É o caso do crime deinjúria.

Os crimes contra a honra são previstos, além do CP, pelas seguintes leis: Código Eleitoral(Lei 4.737/1965, arts. 324 a 327) e Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83, art. 26). A Leide Imprensa (Lei 5.250/65), que também previa esses crimes, foi considerada pelo STFcomo não recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

6.2 Espécies de crimes contra a honra

6.2.1 Calúnia (art. 138)

Caluniar é atribuir falsamente a alguém a prática de ato definido como crime. Assim, para asua configuração, é preciso a existência de três elementos:

a)  falsidade da imputação;b)  atribuição a alguém de fato definido como crime: essa imputação pode ser feita

inclusive a menores e a mortos, pois não é preciso que o fato seja, no caso concreto,um crime, mas apenas definido como tal;

c)  elemento subjetivo: animus caluniandi, ou seja, intenção de ofender 42.

42 PENAL. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO.CRIMES CONTRA A HONRA. CALÚNIA. PEÇA DE DEFESA. ANIMUS DEFENDENDI.REPRESENTAÇÃO CONTRA A VÍTIMA. ANIMUS NARRANDI. ADVOGADO. EXERCÍCIO DAPROFISSÃO. AUSÊNCIA DO ANIMUS CALUNIANDI. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INJÚRIA.PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.1. Os crimes contra a honra exigem, além do dolo genérico, o elemento subjetivo especial do tipoconsubstanciado no propósito de ofender a honra da vítima.

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 Também responde pelo crime aquele que apenas divulga ou propala a imputação. Para isso,é preciso que ele saiba (dolo direto) que a imputação é falsa.

O CP também pune a calúnia contra pessoa já falecida. Contudo, não é exato dizer que se

trata de crime contra a honra, pois os mortos não têm esse atributo, nem se pode dizer que ahonra é familiar, pois a família é um agrupamento sem personalidade física ou jurídica.Nesse sentido, seria mais preciso alocar este delito entre os crimes contra o respeito aosmortos. A ação penal, sendo privada, cabe ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmãodo morto.

Exceção da verdade (prova da verdade) é uma espécie de defesa indireta utilizada pelosacusados de crimes contra a honra. Em vez de negar a existência de ofensa à honra, o réudemonstra que, no caso concreto, poderia fazê-la, pois o fato é verdadeiro. Em regra, aexceção da verdade é aceita nos processos relativos ao crime de calúnia, exceto nasseguintes situações:

a)  se o fato imputado é crime de ação penal privada e ainda não há condenaçãotransitada em julgado;b)  se o fato é imputado ao Presidente da República ou a chefe de Estado estrangeiro;c)  se o fato imputado é crime de ação penal pública e há absolvição transitada em

 julgado.

6.2.2 Difamação (art. 139)

Difamar é atribuir a alguém fatos ofensivos à sua reputação, mesmo que esses fatos sejamverdadeiros. Caso o fato atribuído seja definido como crime, o delito passa a ser de calúnia(art. 138), que consiste em um tipo qualificado do crime de difamação. 43 

2. A calúnia exige a presença concomitante da imputação de fato determinado qualificado como crime; dafalsidade da imputação; e do elemento subjetivo, que é o animus caluniandi.3. O propósito de esclarecimento e de defesa das acusações anteriormente sofridas configura o animusdefendendi e exclui a calúnia.4. A representação dirigida contra a vítima com o propósito de informar possíveis irregularidades, sem aintenção de ofender, caracteriza o animus narrandi e afasta o tipo subjetivo nos crimes contra a honra.5. A advocacia constitui um múnus público e goza de imunidade - excluída em caso de evidente abuso - poiso advogado, no exercício do seu mister, necessita ter ampla liberdade para analisar todos os ângulos daquestão em litígio e emitir juízos de valor na defesa do seu cliente. A imputação a alguém de fato definidocomo crime não configura a calúnia se ausente a intenção de ofender e o ato for motivado apenas pela defesado seu constituinte.

(...)7. Rejeição da denúncia quanto ao crime de calúnia; declaração de extinção da punibilidade quanto à injúria,ante a prescrição da pretensão punitiva.(STJ, APn 564 / MT, julgada em 18/05/2011)43 PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A HONRA. CALÚNIA. TRANCAMENTO DA AÇÃOPENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. ADVOGADO NA DEFESADOS INTERESSES DOS SEUS CONSTITUINTES. AUSÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA.VERACIDADE DAS ACUSAÇÕES. IMPROPRIEDADE DO WRIT. DESCLASSIFICAÇÃO.POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PARA A INTERRUPÇÃO DA PERSECUÇÃOCRIMINAL. ORDEM DENEGADA.

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 No crime de difamação, a exceção da verdade não é, em regra, admitida. A únicapossibilidade de utilizá-la ocorre quando o sujeito passivo é funcionário público e a ofensarefere-se ao exercício de suas funções, pois, nesse caso, há interesse da AdministraçãoPública em averiguar a ocorrência do fato e, se for o caso, punir o funcionário.

6.2.3 Injúria (art. 140)

Injúria é a ofensa à honra subjetiva da vítima, consistente na imputação de determinadodefeito ou vício de personalidade. De acordo com o magistério de Nelson Hungria (op. cit.,p. 91):

O art. 140 define a injúria como a ofensa à dignidade ou ao decoro de alguém. Dignidade edecoro são os aspectos da honra que está em nós. É sutil a diferença entre uma e outro:dignidade é o sentimento de nossa própria honorabilidade ou valor moral; decoro é osentimento, a consciência de nossa respeitabilidade pessoal. Assim, se um indivíduo chama

a outro “cachorro”, “canalha”, “invertido”, está ofendendo sua dignidade; se lhe chama“ignorante”, “burro”, “sifilítico”, ofende-lhe apenas o decoro.

Ao contrário da calúnia e da difamação, o agente não se refere a fatos, mas a característicasda vítima. Ex.: imbecil, ladrão, maconheiro, etc. É absolutamente irrelevante a existênciaou não da qualidade imputada à vítima. Em decorrência disso, a injúria é o único crimecontra a honra no qual não há nenhuma hipótese de aplicação da exceção da verdade.

A lei prevê duas situações de perdão judicial, ou seja, hipóteses em que o juiz pode deixarde punir a injúria:

a)  quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria: trata-se de

caso semelhante ao previsto para diminuição de pena no homicídio (“sob o domíniode violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima” – art. 121, §1°);

b)  no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria: trata-se de situaçãoanáloga à legítima defesa, pois a pessoa inicialmente injuriada devolve a agressãocom outra injúria. Aquele quer injuriou pela primeira vez responde normalmentepelo crime.

O crime de injúria é previsto em duas formas qualificadas:a)  injúria qualificada pelo racismo: para realizar a injúria, o agente utiliza-se de

“elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa

I. Hipótese em que é atribuída ao paciente a prática de calúnia porque, na condição de advogado, teriaimputado ao curador provisório da genitora de seus constituintes, em petições dirigidas ao Magistrado deprimeiro grau, fatos que caracterizariam crimes de apropriação indébita e exploração de prestígio.(...)IV. Queixa que comporta desclassificação para o delito de difamação, cujos elementos típicos encontram-selogicamente contidos no tipo da calúnia.(...)VI. Ordem denegada.(STJ, HC 144274 / MG, julgado em 23/11/2010)

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idosa ou portadora de deficiência” (art. 140, § 3°). Ex.: chamar alguém de negão,crente, velho gagá, etc. com a intenção de ofender. Como todo crime de racismo, éinafiançável e imprescritível, conforme o art. 5°, XLII, da CF; 44 

b)  injúria real: para ofender a honra da vítima, o agente utiliza-se de violência ou devias de fato, desde que esses meios sejam considerados aviltantes (humilhantes).

Ex.: dar um tapa na cara ou jogar um balde de excrementos na vítima. Se houverviolência, o agente responde por injúria real em concurso com o crime de lesõescorporais;

Finalmente, é preciso distinguir a injúria de outros crimes que também ofendem adignidade ou o decoro pessoal:

a)  ultraje a culto (CP, art. 208): “Escarnecer de alguém publicamente, por motivo decrença ou função religiosa” –  diferencia-se tanto pelo fato de ser realizadopublicamente, quanto por referir-ser especificamente à religião da vítima;

b)  desacato (CP, art. 331): “Desacatar funcionário público no exercício da função ouem razão dela” – trata-se de crime contra a Administração Pública, que somente se

configura se o autor estiver na presença da vítima, que deve ser ofendida em razãodo exercício da função pública. Caso autor e vítima estejam distantes, o crime é deinjúria, com o aumento de pena do art. 141, II;45 

c)  preconceito racial (Lei 7.716/89, art. 20): “Praticar, induzir ou incitar adiscriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” –  

44 Em sentido contrário, vide o seguinte julgado do STJ:PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE RACISMO. 1.DENÚNCIA QUE IMPUTA A UTILIZAÇÃO DE PALAVRAS PEJORATIVAS REFERENTES À RAÇADO OFENDIDO. IMPUTAÇÃO. CRIME DE RACISMO. INADEQUAÇÃO. CONDUTA QUE SEAMOLDA AO TIPO DE INJÚRIA QUALIFICADA PELO USO DE ELEMENTO RACIAL.DESCLASSIFICAÇÃO. 2. ANULAÇÃO DA DENÚNCIA. DECADÊNCIA DO DIREITO DE QUEIXA.EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECONHECIMENTO. 3. RECURSO PROVIDO.1. A imputação de termos pejorativos referentes à raça do ofendido, com o nítido intuito de lesão à honradeste, importa no crime de injúria qualificada pelo uso de elemento racial, e não de racismo.2. Não tendo sido oferecida a queixa crime no prazo de seis meses, é de se reconhecer a decadência do direitode queixa pelo ofendido, extinguindo-se a punibilidade do recorrente.3. Recurso provido para desclassificar a conduta narrada na denúncia para o tipo penal previsto no §3º doartigo 140 do Código Penal, e, em conseqüência, extinguir a punibilidade do recorrente, em razão dadecadência, por força do artigo 107, IV, do Código Penal.(RHC 18620 / PR, julgado em 14/10/2008)45  I - Desacato: inexistência: consequente descabimento de ação penal pública. 1 - A caracterização dodesacato (CP, art. 331), em cotejo com a injúria, e necessário, mas não suficiente, que o ato injurioso se passena presença do funcionário ofendido: e imprescindível, também, um nexo funcional - que terá caráter

ocasional, se a ofensa ocorre onde e quando esteja o funcionário a exercer funções de seu cargo - ou naturezacausal, quando, embora presente, o funcionário não esteja a desempenhar ato de oficio, mas a ofensa se de emrazão do exercício de suas funções publicas (cf. Heleno Fragoso). 2 - Não está no exercício de suas funções opolicial militar que - não sendo o autor da prisão, nem o condutor, nem sequer testemunha do fato - assistiapor mera curiosidade a lavratura do auto de flagrante, quando das ofensas que lhe dirigiu o agente; por outrolado, não se relacionando as ofensas ao exercício de suas funções, não há desacato, o que induz ainadmissibilidade da ação penal pública. II - Habeas-Corpus: cabimento: denuncia abusiva: cabe verificar emhabeas-corpus a inexistência de circunstancia essencial a tipicidade da imputação, afirmada na denuncia,quando a desminta, no ponto, prova documental inequívoca (HC 42.697, Victor Nunes, RTJ 35/517, 532 ss.).(STF, HC 70687 / SP, julgado em 08/03/1994)

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é um crime que, ao contrário da injúria, não atinge a honra de pessoas determinadas,mas de toda uma categoria de pessoas.

6.3 Disposições comuns aos crimes contra a honra (arts. 141 a 145)

6.3.1 Causas de aumento de pena

O art. 141 do CP prevê o aumento de um terço da pena se a calúnia, injúria ou difamação écometida:

a)  Contra Presidente da República ou chefe de Estado estrangeiro. Quanto ao primeiro,se o crime tiver motivação política, aplica-se a Lei de Segurança Nacional (Lei7.170/83, art. 26);

b)  Contra funcionário público, em razão de suas funções, pois, nesse caso, é afetadatambém a honra da Administração Pública;

c)  Na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia,injúria ou difamação, uma vez que o dano à imagem é agravado nesses casos. Otermo “várias pessoas” significa que a audiência deve ser de, pelo menos, três pessoas. “Meio que facilite a divulgação” é aquele que pode levar a mensagem avárias pessoas;

d)  Contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto nocaso de injúria: essa hipótese foi incluída pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003).A injúria é excluída dessa causa de aumento de pena, pois já é injúria qualificada(art. 140, § 3°) aquela cometida contra idoso ou deficiente.

A pena é dobrada se o crime é cometido por motivo torpe, ou seja, mediante paga oupromessa de recompensa.

6.3.2 Causas de exclusão da ilicitude

O art. 142 determina que a difamação e a injúria consideram-se lícitas quando consistiremem:

a)  ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador(imunidade judiciária): para que esteja presente essa causa de justificação é precisoque a ofensa seja proferida no decorrer de um processo judicial e que o ofensor sejaparte (autor ou réu) ou procurador (advogado da parte) 46;

46 HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME CONTRA HONRA DE MAGISTRADA. DIFAMAÇÃO.ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA E DE INEXISTÊNCIA DE DOLO. REEXAME DOCONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. EXCLUDENTE DE CRIME.INAPLICABILIDADE. ORDEM DENEGADA. (...) II  – Extrai-se da sentença e do acórdão que a confirmouque a paciente, advogada, de forma voluntária e consciente, teria irrogado ofensas à honra objetiva da vítima,diante de funcionários do cartório e demais pessoas que lá se encontravam, o que se amolda perfeitamente àconduta descrita no art. 139 do Código Penal. III  – No caso concreto, não há como acolher a pretensão dereconhecimento da imunidade conferida aos advogados, uma vez que a ofensa não foi irrogada em juízo, na

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b)  opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quandoinequívoca a intenção de injuriar ou difamar (imunidade literária, artística oucientífica): trata-se, na verdade, de um caso de atipicidade da conduta, pois, comovisto, o animus narrandi exclui a dolo específico (animus difamandi ou injuriandi);

c)  conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou

informação que preste no cumprimento de dever do ofício (imunidade funcional):trata-se de um caso específico de estrito cumprimento do dever legal, que “exige dofuncionário, nos seus relatos, opiniões ou informes de caráter oficial, a máximafranqueza e fidelidade” (Nelson Hungria, op. cit. p. 124).  

Não há exclusão da ilicitude se terceiro dá publicidade à injúria ou à difamação proferidapor parte em processo judicial ou por funcionário público no exercício de suas funções,uma vez que, nesses casos, algo que ficaria restrito, ganha publicidade, gerando efetivalesão a honra. Aquele que dá publicidade a opinião desfavorável da crítica literária, artísticaou científica, porém, beneficia-se da excludente de ilicitude, uma vez que essa opinião já énormalmente feita de forma pública.

6.3.3 Retratação (art. 143)

Retratação é uma das causas de extinção da punibilidade previstas no art. 107, VI, do CP.Trata-se do ato daquele que desmente o fato anteriormente narrado. Aplica-se, portanto, aoscrimes de calúnia e difamação, não gerando efeitos quanto ao crime de injúria.

A retratação somente extingue a punibilidade do crime caso:a)  o processo seja movido por meio de ação penal privada, não gerando efeito a

retratação realizada em ação penal pública, condicionada ou incondicionada;b)  seja realizada até a prolação da sentença de primeira instância; ec)  consista em declaração expressa e inequívoca, não havendo retratação implícita ou

tácita.

6.3.4 Pedido de explicações (art. 144)

Para gerar responsabilização criminal, a ofensa à honra deve ser clara e evidente.Expressões de sentido ambíguo ou confuso não são suficientes para caracterizar aexistência de crimes contra a honra. A simples inferência de que a expressão utilizada possaconstituir calúnia, difamação ou injúria é, portanto, insuficiente para fundamentar umacondenação.

Nesses casos, o suposto ofendido pode utilizar-se de uma medida cautelar denominada“pedido de explicações”, por meio da qual o agente é chamado para, em juízo, delimitar o

discussão da causa e, ainda, porque a referida excludente de crime não abrange o magistrado, que não podeser considerado parte na relação processual, para os fins da norma. IV – Ordem denegada.(STF, HC 104385 / SP, julgado em 28/06/2011)

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exato sentido da expressão utilizada. 47 Caso ele se recuse a dar explicações ou, dando-as, o juiz as considere insatisfatórias, deve ser iniciado o processo penal por crime contra ahonra. Caso as explicações sejam dadas e consideradas satisfatórias, o fato passa a serconsiderado como atípico por ausência do ânimo de ofender.

6.3.5 Ação penal (art. 145)

Em regra, o processo dos crimes contra a honra é iniciado por meio de queixa. Trata-se,portanto, de ação penal privada, tendo em vista o caráter disponível do bem jurídico honra.

O CP prevê ainda que a ação penal pode ser pública:a)  incondicionada: se, do crime de injúria real (art. 140, § 2°), resultar lesão corporal;b)  condicionada:

I)  à representação do ofendido: crime cometido contra funcionário público noexercício de suas funções. De acordo com o STF, “É concorrente a

legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público,condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crimecontra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”.Tratar-se-ia, portanto, de ação penal alternativa, uma vez que o ofendidopode oferecer queixa ou representação ao MP; 48 

II)  à requisição do Ministro da Justiça: se o crime é cometido contra oPresidente da República ou chefe de Estado estrangeiro.

Crimes contra a honraConduta Veracidade

da

afirmativa

Bem jurídico

Exceção daverdade

Retratação

Calúnia Narração defato.

Geralmente,torna o fato

Honraobjetiva.

Possível, emregra.

Extingue apunibilidade.

47 A interpelação judicial do art. 144 do CP não constitui etapa necessária para o ajuizamento de ação penalnos crimes contra a honra, traduzindo-se, isto sim, em faculdade legal, sujeita à discrição do próprio ofendido,de pedir explicações ao autor de frase, referência ou alusão reputada dúbia ou equívoca, o que denota seucaráter de medida cautelar preparatória à instauração de eventual ação penal (Precedentes do PretórioExcelso). Assim, deve ser classificada como instrumento processual cujo ônus recai sobre o próprio ofendido,pois, tratando-se de expressões efetivamente dúbias ou equívocas, sua não utilização implicará em possívelrejeição da queixa ou denúncia.(STJ, HC 90733 / AL, julgado em 25/11/2008)48 AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA. ARTIGO 140, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. CRIME DE INJÚRIA,COM LESÕES CORPORAIS. QUERELADO MAGISTRADO. QUEIXA. IMPOSSIBILIDADETITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTE.I - Tratando-se de suposto crime de injúria, com lesões corporais, praticado por desembargador estadual, aação penal é pública condicionada, de titularidade do Ministério Público, não tendo o querelante legitimidadepara agir. Precedente: Apn nº 39/BA, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO, DJ de 15.02.93.II - Queixa rejeitada, com a reautuação do procedimento como inquérito e seu envio ao Ministério Público,nos termo em que solicitado.III - Prejudicada a Sindicância nº 77/PR em apenso.(STJ, APn 453 / PR, julgado em 03/11/2010)

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atípico.Difamação Narração de

fato.Irrelevante,exceto sefor contrafuncionário

público.

Honraobjetiva.

Possível,comoexceção.

Extingue apunibilidade.

Injúria Desqualificaçãoda vítima.

Sempreirrelevante.

Honrasubjetiva.

Impossível. Não extingueapunibilidade.

7. Crimes contra a liberdade individual (arts. 146 a 154)

Liberdade é a condição ou qualidade da pessoa que não está submetida a nenhuma espéciede impedimento em suas condutas. Em sentido, oposto, necessidade é a condição na qual avontade da pessoa é irrelevante, uma vez que, dado o fato “A”, o fato “B” inevitavelmente

deverá ocorrer.

Ambas as situações existem apenas idealmente, sendo absolutamente desnecessária asecular discussão a respeito do livre arbítrio (prevalência da liberdade) e do determinismo(prevalência da necessidade), uma vez que a vida humana consiste em uma interaçãocontínua entre liberdade e necessidade. Nesse sentido, nem mesmo o mais totalitário dosditadores é absolutamente livre, pois, como qualquer pessoa, está submetido, ao menos, acontingências fisiológicas; e nem mesmo o mais subjugado dos escravos perde toda a sualiberdade, pois é, em termos práticos, impossível controlar todas as suas ações, quanto maisseus pensamentos.

Em termos realistas, portanto, a liberdade somente pode ser concebida como umacapacidade de ação limitada. Assim, somente é possível falar-se em o poder ilimitado deação quando se tratam de Estados, únicos entes aos quais podem ser atribuídos os termos“independência” e “soberania”. Contudo, mesmo o mais poderoso dos Estados somentepode ser considerado soberano em seus assuntos internos, gozando de limitado poder comrelação aos demais Estados.

Em um Estado de Direito, o poder somente pode ser exercido se for previamente jurisdicionalizado, ou seja, fundamentado em uma lei (espécie de norma jurídica emanadado Poder Legislativo). Em conhecidíssimo dispositivo (art. 5°, II), a Constituição Federalestabelece o limite fundamental à liberdade: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de

fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A interpretação desse dispositivo é deveras simples: em regra, o indivíduo é livre paradispor da sua vida como bem entender, fazendo ou deixando de fazer o que, em cadamomento, lhe aprouver. A única limitação à autonomia individual é a lei, que, sempre

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tendo em vista parâmetros razoáveis, pode exigir que as pessoas façam ou deixem de fazerdeterminado ato.49 

Crimes contra a liberdade individual são, portanto, aqueles que lesionam de forma direta obem jurídico “liberdade”, no sentido de conduta limitada apenas pela força da lei. Vários

crimes têm entre seus elementos a limitação indevida da liberdade, como o roubo (art. 157)e a extorsão (art. 158). Os crimes previstos neste capítulo, porém, referem-se apenas àliberdade (e eventualmente à privacidade), sendo, portanto, de aplicação subsidiária. Assim,constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça com o objetivo de subtrair coisa

alheia móvel é crime de roubo; inexistindo essa finalidade, o crime é de constrangimentoilegal (art. 146).

O capítulo dos crimes contra a liberdade individual (arts. 146 a 154) marca o fim doprimeiro Título da parte Especial do Código Penal, que trata dos crimes contra a pessoa.Depois de proteger a vida (com a incriminação do homicídio), a integridade física (com aincriminação da lesão corporal) e honra (com a incriminação da calúnia, da injúria e da

difamação), o CP trata de proteger aquele que é considerado o último bem personalíssimo:a liberdade.

O referido capítulo é dividido nas seguintes seções:a)  crimes contra a liberdade pessoal (arts. 146 a 149);b)  crimes contra a inviolabilidade do domicílio (art. 150);c)  crimes contra a inviolabilidade de correspondência (arts. 151 e 152); ed)  crimes contra a inviolabilidade dos segredos (arts. 153 e 154).

7.1 Crimes contra a liberdade pessoal (arts. 146 a 149)

O primeiro aspecto da liberdade individual, ou seja, a proteção ao campo de atuaçãogarantido constitucionalmente a cada indivíduo, é a liberdade pessoal, assim denominadaem razão de estar diretamente relacionada à atuação da pessoa humana. De acordo comNelson Hungria (op. cit., p. 145):

49 "O princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado,cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica quelhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações

ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito deatuação material da lei em sentido formal. O abuso de poder regulamentar, especialmente nos casosem que o Estado atua contra legem ou praeter legem, não só expõe o ato transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, oexercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, inciso

V, da CF, e que lhe permite „sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (...)‟. Doutrina. Precedentes (RE 318.873-AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.)."(STF, AC 1.033-AgR-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-5-2006, Plenário,  DJ de 

16-6-2006.) 

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[A liberdade pessoal] compreende o interesse jurídico do indivíduo à imperturbada formação eatuação de sua vontade, à sua tranquila possibilidade de ir e vir, à livre disposição de si mesmoou ao seu status libertatis, nos limites traçados pela lei. Trata-se, em suma, do direito àindependência de injusto poder estranho à nossa pessoa.

O CP define quatro crimes contra a liberdade pessoal:

a)  constrangimento ilegal (art. 146);b)  ameaça (art. 147);c)  sequestro e cárcere privado (art. 148); ed)  redução a condição análoga à de escravo (art. 149).

7.1.1 Constrangimento ilegal (art. 146)

Conduta: o crime consiste em constranger (obrigar) alguém a fazer algo que a lei não exigeou a não fazer algo que ela permite. Trata-se, portanto, da imposição de uma conduta (açãoou omissão) que não corresponda a uma determinação legal. Lesiona-se, desse modo, a

liberdade de atuação garantida constitucionalmente ao indivíduo.

Não há, porém, permissão para que um indivíduo constranja outrem a fazer o que a leidetermina ou deixar de fazer o que lei proíbe. O atributo da imperatividade é exclusivo dosatos estatais, o que significa ser exclusiva dos agentes públicos a competência para obrigaralguém a obedecer a lei. A conduta do particular nesse sentido pode caracterizar o crime deexercício arbitrário das próprias razões (CP, art. 345).

O art. 146 prevê três meios genéricos de execução deste crime:a)  violência: utilização de força física apta a provocar lesão corporal ou morte na

vítima; 

b)  ameaça: intimidação que consiste na promessa de causar um mal grave à vítima. Aameaça também é chamada de violência moral;50 e 

c)  qualquer meio que reduza a capacidade de resistência da vítima : como nos casosanteriores, a vítima faz ou deixa de fazer algo contra a sua vontade, em virtude, porexemplo, da ingestão de entorpecentes. 

Sujeitos passivos e ativos: o crime de constrangimento ilegal é comum, ou seja, qualquerser humano pode ser autor ou vítima dele. Porém, se o agente é agente público no exercíciode suas funções, o crime poderá ser de abuso de autoridade (Lei 4.898/65).

Objetos material e jurídico: o crime de constrangimento ilegal tem como objeto material o

corpo da vítima do crime . O objeto jurídico (bem protegido) é a liberdade de ação davítima.

O crime de constrangimento ilegal classifica-se como:

50 O conceito jurídico de violência foi sensivelmente ampliado pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006, art.7°), que passou a classificá-la como física, moral, patrimonial, sexual e psicológica. Em especial quanto áúltima espécie (violência psicológica), a utilização, em cada um dos casos, de descrições excessivamenteabertas, constitui nítida infração ao princípio da taxatividade da lei penal.

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a)  comum: não exige qualificação especial do sujeito ativo;b)  material: exige resultado naturalístico (ação ou omissão da vítima);51 c)  de forma livre: pode ser cometido por qualquer meio;d)  comissivo: constranger implica ação – excepcionalmente, pode ser crime comissivo

por omissão;

e)  instantâneo: o resultado é produzido imediatamente, sem prolongação no tempo;f)  de dano: consuma-se apenas com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido(liberdade);

g)  unissubjetivo: pode ser praticado por um ou mais agentes;h)  plurissubsistente: pode ser praticado por meio de um ou de vários atos;i)  subsidiário: aplicado apenas se não for tipificado crime mais grave; j)  infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena máxima é de apenas um

ano.

Causa de aumento de pena: as penas previstas no caput do art. 146 são de detenção, de trêsmeses a um ano, ou multa. Caso haja, na execução do crime, a reunião de mais de três

pessoas ou o emprego de armas, as penas devem ser aplicadas cumulativamente e emdobro.52 Assim, presentes essas circunstâncias, a pena de é detenção, de seis meses a doisanos, e multa.

O CP ainda prevê que devem ser cumuladas as penas do crime de constrangimento ilegal edo crime resultante da violência. Assim, se houver, por exemplo, lesão corporal leve, oagente responderá de acordo com as penas dos arts. 129, caput, e 146.

Finalmente, o art. 146 prevê duas situações de exclusão da tipicidade, nas quais oconstrangimento é legal, pois está relacionado a um bem indisponível e hierarquicamentesuperior à liberdade: a vida. Portanto, são fatos atípicos:

a)  a intervenção médica ou cirúrgica, justificada por iminente perigo de vida (casoespecial de estado de necessidade): deve ser comprovada a indispensabilidade daintervenção médica para a preservação da vida do paciente; e

b)  a coação para impedir o suicídio (caso especial de legítima defesa de terceiro):ressalte-se que o suicídio, a despeito de não ser crime, constitui crime, pois aninguém cabe dispor da própria vida.

Constrangimento ilegalConduta Obrigar alguém a fazer algo que a lei não exige ou a não

51 Previsto no Código Penal, o delito de constrangimento ilegal (...), consuma-se "[q]uando o ofendido faz ou

deixa de fazer a coisa a que foi constrangido" (CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTODELMANTO JUNIOR e FÁBIO MACHADO DE ALMEIDA DELMANTO, in Código penal comentado, 7.ªed., Rio de Janeiro: Renovar 2007, p. 141).No caso, o referido crime  –  possível a modalidade tentada (doutrina)  –  resta devidamente indicado nadenúncia: o Paciente teria apontado arma de fogo para criança portadora de síndrome de down, visando aconstranger o irmão de sua namorada a não oferecer resistência à sua pretensão de forçar a moça a deixar acasa em que se encontrava.(STJ, HC 151530 / PB, julgado em 18/05/2010)52 Nos dois casos, é possível o concurso material: respectivamente, com o crime de quadrilha (CP, art. 288), ecom o crime de porte ilegal de armas (Lei 10.826/2003, art. 14 ou 16).

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fazer algo que ela permita.Meios de execução Violência.

Grave ameaça.Qualquer meio que reduza a capacidade de resistência davítima.

Aumento de pena Penas aplicadascumulativamente e emdobro.

Quatro ou mais pessoasexecutam o crime.Emprego de armas.

Cumulação de penas Se for o caso, do constrangimento ilegal com o crimerelativo à violência.

Casos de exclusão da ilicitude Intervenção médica necessária para salvar a vida dopaciente.Coação para impedir o suicídio.

7.1.2 Ameaça (art. 147)

Vulgarmente, a ameaça é um sinal que indica a possibilidade de algo acontecer. Nessesentido se diz, por exemplo, que “ameaça chover”. Em termos penais, a ameaça tem sentidomais estrito, consistindo na promessa feita a alguém de causar futuramente um mal injustoe grave.

A ameaça é, ao lado da violência, o meio de execução mais comum entre aqueles previstosno Código Penal. Nesse sentido, são crimes que podem ser cometidos por meio de ameaça:

a)  aborto com o consentimento da gestante (art. 126, parágrafo único);b)  constrangimento ilegal (art. 146);c)  roubo (art. 157);

d)  extorsão (art. 158);e)  extorsão mediante sequestro (art. 159);f)  esbulho possessório (art. 161, § 1°, II);g)  dano qualificado (art. 165, parágrafo único, I);h)  atentado contra a liberdade do trabalho (art. 197);i)  atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta (art. 198); j)  atentado contra a liberdade de associação (art. 199);k)  estupro (art. 213);l)  mediação para servir a lascívia de outrem (art. 227, § 2°);m) favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (art. 228, § 2°);n)  rufianismo (art. 230, § 2°);

o)  tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231, § 2°, IV);p)  tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231-A, § 2°, IV);q)  resistência (art. 329);r)  impedimento, perturbação ou fraude de concorrência (art. 335);s)  coação no curso do processo (art. 344); et)  violência ou fraude em arrematação judicial (art. 358).

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A importância da ameaça no Direito Penal também pode ser aferida pelos institutos cujaaplicação fica impossibilitada por sua presença: redução da pena em decorrência dearrependimento posterior (art. 16) e conversão da pena privativa de liberdade em restritivade direitos (art. 44, I).

Em todos os crimes enumerados, a ameaça é apenas o meio de execução, nunca um fim emsi mesmo. No roubo, por exemplo, ameaça é utilizada para subtrair coisa alheia móvel. Oque diferencia o crime do art. 147 daqueles que têm a ameaça entre seus elementos oucircunstâncias, é que, no primeiro caso, o agente ameaça a vítima sem ter qualquerfinalidade específica, ou seja, sua única intenção é atemorizar, amedrontar; nos demais, aameaça é sempre meio para finalidades diversas.

O crime de ameaça é, portanto, um delito subsidiário, uma vez que somente estarácaracterizado se não constituir meio de execução de outro crime. Sua menor gravidade ficaevidenciada pela possibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva dedireitos, o que é vedado quando a ameaça é meio para a realização de outro crime.53 

Esse crime consiste na apresentação de um símbolo, que, interpretado pela vítima,provoque nesta um temor fundado de mal injusto e grave, para si ou para pessoa próxima.A lei refere-se expressamente a palavras e gestos, mas admite-se qualquer meio simbólico,capaz de transmitir a ameaça. Ex.: colocar um animal decapitado na frente da casa de umdesafeto.

Sujeitos passivos e ativos: o crime de ameaça é comum, ou seja, qualquer ser humano podeser autor ou vítima dele. Exige-se apenas que a vítima tenha a capacidade de compreender oconteúdo da mensagem transmitida pelo agente. Desse modo, não se pode considerarnecessariamente atípica a ameaça proferida contra criança, retardado ou doente mental, poisa verificação do entendimento da ameaça deve ser feita em cada caso.

Objetos material e jurídico: o crime de ameaça tem como objeto material a psique davítima do crime . O objeto jurídico (bem protegido) é, de forma imediata, a tranquilidade davítima e, mediatamente, a sua liberdade de ação, pois o medo incutido pela ameaça é umpoderoso mecanismo de restrição do livre exercício da vontade.

O crime de ameaça classifica-se como:

53 Art. 44 do Cód. Penal (aplicação). Pena de prisão (limitação aos casos de reconhecida necessidade). Lesãocorporal leve e ameaça (caso). Substituição da pena (possibilidade).1. Tratando-se, como se trata, de lesão leve e de simples ameaça, a ofensa resultante daquela e a decorrente

desta não dizem respeito à violência e à grave ameaça a que se refere o inciso I do art. 44 do Cód. Penal.2. Violência e grave ameaça são resultantes de atos mais graves do que os decorrentes dos tipos legais dosarts. 129 e 147. Na lesão leve (ou simples), até poderá haver alguma violência, mas não a violência impeditivada substituição de uma pena por outra; do mesmo modo, relativamente à ameaça, até porque, sem ameaça,nem sequer existiria o tipo legal. Assim, lesão corporal leve (ou simples) e ameaça admitem, sempre esempre, sejam substituídas as penas.(...)6. Habeas corpus deferido em parte, para se substituir a pena privativa de liberdade por prestação de serviçosà comunidade.(STJ, HC 87644 / RS, julgado em 04/12/2007)

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a)  comum: não exige qualificação especial do agente nem da vítima;b)  formal: não exige resultado naturalístico;c)  de forma livre: pode ser cometido por qualquer meio;d)  comissivo: ameaçar implica ação – excepcionalmente, pode ser crime comissivo por

omissão;

e)  instantâneo: o resultado é produzido imediatamente, sem prolongação no tempo;f)  de dano: consuma-se apenas com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido(estabilidade psíquica);

g)  unissubjetivo: pode ser praticado por um ou mais agentes;h)  plurissubsistente: pode ser praticado por meio de um ou de vários atos;i)  subsidiário: aplicado apenas se não for tipificado crime mais grave; j)  infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena máxima é de apenas um

ano.

 Ação penal pública: condicionada à representação do ofendido.

AmeaçaConduta Promessa de causar a outrem um malinjusto e grave.

Natureza Crime subsidiário, que somente persiste se aameaça não for meio para o cometimento deoutro crime.

7.1.3 Sequestro e cárcere privado (art. 148)

Em um Estado democrático de Direito, a liberdade de locomoção é considerada como um

dos mais valiosos bens jurídicos, sendo previstos diversos mecanismos para protegê-la,entre os quais se destaca o habeas corpus. Além disso, a prisão de qualquer pessoa por umagente público sem que haja o cumprimento das formalidades legais, constitui crime deabuso de autoridade (Lei 4.898/65, art. 4°).54 

A indevida restrição da liberdade de locomoção de alguém constitui o crime de sequestro ecárcere privado. Essas suas expressões utilizadas na lei têm entre si uma relação de gêneroe espécie, ou seja, genericamente a restrição da liberdade de locomoção constitui sequestro;

54 HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ABUSO DE PODER: MANUTENÇÃO DEPRISÃO SEM FLAGRANTE DELITO OU ORDEM FUNDAMENTADA DA AUTORIDADEJUDICIÁRIA COMPETENTE. DENÚNCIA INEPTA. INOCORRÊNCIA. MEMBRO DO MINISTÉRIO

PÚBLICO ESTADUAL. ARTIGO 18, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LC 73/95 E ARTIGO 41, PARÁGRAFOÚNICO, DA LEI N. 8.625/93. INVESTIGAÇÃO CONDUZIDA PELO PARQUET. LEGALIDADE. AÇÃOPENAL. TRANCAMENTO. EXCEPCIONALIDADE. 1. A denúncia que descreve de forma clara, precisa,pormenorizada e individualizada a conduta praticada por todos e cada um dos co-réus, viabilizando oexercício da ampla defesa, não é inepta. Está na peça acusatória que o paciente ordenou --- verbo nuclear dotipo relativo ao delito de abuso de poder --- que o Delegado de Polícia mantivesse, abusivamente, a prisão depessoas, conduzindo-as à delegacia policial, sem flagrante delito ou ordem fundamentada da autoridade judiciária competente.(...)(STF, HC 93224 / SP, julgado em 13/05/2008)

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caso essa restrição seja feita de modo semelhante a uma prisão (em um espaço fechado),haverá uma espécie de sequestro denominada cárcere privado.

Sujeitos passivos e ativos: o crime de sequestro ou cárcere privado é comum, ou seja,qualquer ser humano pode ser autor ou vítima dele. Porém, se o agente for funcionário

público, o crime pode ser, como visto, de abuso de autoridade. Além disso, se a vítima formenor de 18 anos, pode ser caracterizado o crime do art. 230 do ECA: “Privar a criança ouo adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de atoinfracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente”. 

Objetos material e jurídico: o crime de sequestro ou cárcere privado tem como objetomaterial o corpo da vítima do crime . O objeto jurídico (bem protegido) é a liberdade delocomoção da vítima.

Esse crime é:a)  comum: não exige qualificação especial do agente nem da vítima;

b)  material: exige resultado naturalístico, consistente na privação da liberdade davítima  –  excepcionalmente, é formal, na modalidade prevista no § 1°, V (crimepraticado com fins libidinosos);

c)  de forma livre: pode ser cometido por qualquer meio;d)  comissivo ou omissivo, conforme o caso;e)  permanente: o crime consuma-se enquanto a vítima está em poder do agente;f)  de dano: consuma-se apenas com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido

(liberdade de locomoção);g)  unissubjetivo: pode ser praticado por um ou mais agentes;h)  plurissubsistente: pode ser praticado por meio de um ou de vários atos;i)  subsidiário: aplicado apenas se não for tipificado crime mais grave (extorsão

mediante sequestro – art. 159); j)  crime de médio potencial ofensivo, uma vez que, na modalidade simples, a pena

mínima é de um ano. Nas formas qualificadas, o crime é de grande potencialofensivo.

A lei prevê duas formas qualificadas para o crime de sequestro ou cárcere privado (art. 148,§§ 1° e 2°).

Na primeira, a pena é de reclusão, de dois a cinco anos em razão da existência decircunstâncias relativas a:

a)  qualidade da vítima: ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente;ou maior de 60 ou menor de 18 anos;

b)  local: internação da vítima em casa de saúde ou hospital;c)  tempo: privação de liberdade superior a 15 dias; 55 

55  EXTRADIÇÃO INSTRUTÓRIA. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PELA JUSTIÇAARGENTINA. TRATADO ESPECÍFICO: REQUISITOS ATENDIDOS. EXTRADITANDOINVESTIGADO PELOS CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELA TRAIÇÃO (“HOMICÍDIOAGRAVADO POR ALEIVOSIA E POR EL NUMERO DE PARTICIPES”) E SEQÜESTROQUALIFICADO (“DESAPARICIÓN FORZADA  DE PERSONAS”): DUPLA TIPICIDADE ATENDIDA.EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DOS CRIMES DE HOMICÍDIO PELA PRESCRIÇÃO:

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d)  finalidade: o crime tem por objetivo satisfazer a libido do agente.

 Na segunda qualificadora, a pena é de reclusão, de dois a oito anos, “se resulta à vítima, emrazão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral”. Trata-se de crime qualificado pelo resultado.

Sequestro e cárcere privadoTipo básico Privar alguém, sem justa causa, de sua liberdade de

locomoção.Tipos qualificados Vítima ascendente, descendente, cônjuge ou

companheiro do agente, maior de 60 ou menor de 18anos.Crime praticado mediante internação em hospital oucasa de saúde.Privação de liberdade superior a 15 dias.Crime praticado com fins libidinosos.

Tipo qualificado pelo resultado Se a vítima sofre intenso sofrimento físico ou mental.

7.1.4 Redução a condição análoga à de escravo (art. 149)

A escravidão é a condição daquele que está integralmente submetido à vontade de outrem,sendo anulada sua liberdade de ação. Como situação jurídica, existiu no Brasil até 1888,data da abolição da escravatura. Como situação fática, porém, permanece, principalmentenas áreas mais afastadas dos centros urbanos.

Reduzir alguém à condição análoga à de escravo não significa que a vítima passa a ser

tratada exatamente como os escravos viviam até o século XIX. Exatamente por se tratar deuma analogia, basta que a situação assemelhe-se à escravidão, com a consequente reduçãodrástica da liberdade.

PROCEDÊNCIA. CRIME PERMANENTE DE SEQÜESTRO QUALIFICADO: INEXISTÊNCIA DEPRESCRIÇÃO. ALEGAÇÕES DE AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO, CRIME MILITAR OUPOLÍTICO, TRIBUNAL DE EXCEÇÃO E EVENTUAL INDULTO: IMPROCEDÊNCIA. EXTRADIÇÃOPARCIALMENTE DEFERIDA.(...)4. Requisito da dupla tipicidade, previsto no art. 77, inc. II, da Lei n. 6.815/1980 satisfeito: fato delituosoimputado ao Extraditando correspondente, no Brasil, ao crime de sequestro qualificado, previsto no art. 148, §

1º, inc. III, do Código Penal. (...) 6. Crime de seqüestro qualificado: de natureza permanente, prazoprescricional começa a fluir a partir da cessação da permanência e não da data do início do sequestro.Precedentes. (...) 11. Extradição parcialmente deferida pelos crimes de “desaparecimento forçado de pessoas”,considerada a dupla tipicidade do crime de “sequestro qualificado”, ressalvado que, na eventual hipótese decondenação do Extraditando pelo desaparecimento ou sequestro de FERNANDO GABRIEL PIEROLA,JULIO ANDRES PEREIRA, ROBERTO HORACIO YEDRO e REYNALDO AMALIO ZAPATA SOÑEZ,não concorrerá para a pena o eventual fim ou motivo político dos crimes; devendo ser efetuada a detração dotempo de prisão, ao qual foi submetido no Brasil, em razão desse pedido, nem podendo lhe ser aplicada apena de prisão perpétua.(STF, Ext 1150, julgada em 19/05/2011)

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Em sua redação original, o tipo penal era bastante sintético: resumia-se à locução “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Como seu conteúdo era excessivamente genérico(em séria ameaça ao princípio da taxatividade), a doutrina e a jurisprudência precisavam, atodo momento, construir parâmetros que caracterizassem essa condição.

Esse problema foi resolvido pela lei 10.803/2003 que incluiu grande detalhamento nadescrição legal e, principalmente, limitando sua abrangência às relações de trabalho. Naprática, o tipo do art. 149 foi transformado em um crime contra a organização do trabalho,sendo, portanto, sua competência transferida para a Justiça Federal nos termos do art. 109,VI, da Constituição Federal.56 

Nesse sentido, a redução a condição análoga à de escravo consiste em:a)  submeter alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva;b)  sujeitar alguém a condições degradantes de trabalho;c)  restringir a locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto;d)  com o fim de retê-lo no local de trabalho:

I)  cercear o uso de meio de transporte pelo trabalhador;II)  manter vigilância ostensiva no local de trabalho;III)  apoderar-se de documentos ou objetos pessoais do trabalhador.

Sujeitos passivos e ativos: a redução a condição análoga à de escravo é crime próprio tantopara o agente quanto para a vítima, pois deve sempre haver uma relação de trabalho. Oagente, portanto, deve ser o empregador ou seu preposto e o sujeito passivo deve ser oempregado (trabalhador).

Objetos material e jurídico: esse crime tem como objeto material o corpo da vítima. Oobjeto jurídico (bem protegido) é a liberdade de locomoção da vítima.

O crime de redução a condição análoga à de escravo é:a)  próprio: exige qualificação especial do agente nem da vítima;b)  material: exige resultado naturalístico, consistente na privação da liberdade da

vítima;c)  de forma vinculada: somente pode ser cometido pelo meios previstos na lei;d)  comissivo (“reduzir” implica ação) ou, excepcionalmente, comissivo por omissão;

56 CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DEESCRAVO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA E AO SISTEMA PROTETIVO DEORGANIZAÇÃO AO TRABALHO. ART. 109, V-A E VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. O delito de redução a condição análoga à de escravo está inserido nos crimes contra a liberdade pessoal.Contudo, o ilícito não suprime somente o bem jurídico numa perspectiva individual.2. A conduta ilícita atinge frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, violando valores basilaresao homem, e ofende todo um sistema de organização do trabalho, bem como as instituições e órgãos que lheasseguram, que buscam estender o alcance do direito ao labor a todos os trabalhadores, inexistindo, pois, viésde afetação particularizada, mas sim, verdadeiro empreendimento de depauperação humana. Artigo 109, V-Ae VI, da Constituição Federal.3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 11. ª Vara Criminal da Seção Judiciária doEstado de Minas Gerais/MG, ora suscitante.(STJ, CC 113428 / MG, julgado em 13/12/2010)

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e)  permanente: o crime consuma-se enquanto a vítima está em poder do agente;57 f)  de dano: consuma-se apenas com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido

(liberdade de locomoção);g)  unissubjetivo: pode ser praticado por um ou mais agentes;h)  plurissubsistente: pode ser praticado por meio de um ou de vários atos;

i)  crime de grande potencial ofensivo, uma vez que, na modalidade simples, a pena éde reclusão, de dois a oito anos.

A lei prevê que a pena é aumentada da metade se o crime é cometido:a)  contra criança (menor de 12 anos) ou adolescente (maior de 12 e menor de 18 anos);b)  por motivo de preconceito contra raça, cor, etnia, religião ou origem. Neste caso,

caracteriza-se crime de racismo, portanto, imprescritível e inafiançável.

Redução a condição análoga à de escravo Modos de execução Submissão a Trabalhos forçados.

Jornada exaustiva.

Sujeição a Condições degradantes detrabalho.Restrição da Locomoção em razão de dívida

contraída.Cerceamento de Meio de transporte.Vigilância ostensiva Do local de trabalho.Apossamento Dos documentos e objetos pessoais

do trabalhador.Causas de aumento de pena Crime cometido Contra criança ou adolescente.

Por motivo de preconceito.

7.2 Violação de domicílio (art. 150)

Os termos “domicílio” e “casa”, empregados no CP, não equivalem a “local onde a pessoamantém residência com ânimo definitivo” (Código Civil, art. 70), pois têm sentido maisamplo, que inclui qualquer aposento habitado por alguém, mesmo por curtíssimo períodode tempo, como o quarto de um hotel.

O art. 150, § 4°, inclui na definição de casa:a)  qualquer compartimento habitado (ex.: barraco em favela e boleia de caminhão);b)  aposento ocupado de habitação coletiva (ex.: quarto de hotel, pensão ou república –  

se estiverem desocupados, porém, não há crime). Dentro da habitação coletiva, oslocais abertos ao público, como salões e refeitórios, não são considerados comocasa;

57 “Afigura-se legal a prisão em flagrante do ora Paciente pela prática do crime previsto no art. 149, doCódigo Penal, uma vez que, tendo em vista a sua natureza permanente, a teor do que dispõe o art. 303, doCódigo de Processo Penal, se deu quando ainda persistia a submissão das vítimas à condição análoga a deescravo.” (STJ, HC 33484 / PA, julgado em 16/11/2004)

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c)  compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (ex.: interior de loja ou de escritório). Da mesma forma que na situação anterior, aparte do estabelecimento acessível ao público (ex.: local do restaurante onde osclientes têm suas refeições) não é considerada como casa.

A casa recebe expressa proteção da CF, que dispõe: “a casa é asilo inviolável do indivíduo,ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrantedelito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por dete rminação judicial” (art. 5°, XI). A regra, portanto, é que a entrada de alguém em uma casa somente é lícita se omorador (proprietário ou possuidor) a permitir.

As exceções à inviolabilidade do domicílio são apenas aquelas previstas expressamente noreferido dispositivo constitucional, podendo ser classificadas à existência ou não delimitação temporal:

a)  Não limitadas temporalmente: a qualquer hora do dia ou da noite, é possível entrarna casa sem consentimento do morador se for o caso de flagrante delito (inclui

qualquer uma das espécies de flagrante previstas no art. 302 do CPP)

58

ou dedesastre, para prestar socorro;b)  Limitadas temporalmente: a violação de domicílio em razão de mandado judicial

somente pode acontecer durante o dia. Isso não impede que a noite o agente públicoresponsável tome todas as cautelas necessárias para o cumprimento do mandado,como o isolamento do local (CPP, art. 293).

A lei prevê duas condutas: “entrar”, ou seja, deslocar -se para o interior da casa; e“permanecer”, ou seja, manter-se na casa depois de haver entrado. Para configurar-se ocrime de violação de domicílio ainda é preciso que essas condutas sejam realizadas emdesacordo com a vontade, expressa ou tácita, do morador.

São previstas três modalidades de violação de domicílio:a)  clandestinamente: o agente entra na casa as ocultas, ou seja, sem que o morador

perceba;b)  astuciosamente: o agente atua de forma fraudulenta, utilizando-se de um subterfúgio

para conseguir adentrar à casa. Ex.: fantasia-se de funcionário da companhia deenergia;

c)  contra a vontade de quem de direito: trata-se de fórmula genérica, que engloba asduas anteriores. Aquelas, porém,tratavam apenas do dissenso tácito do morador,sendo que esta também inclui a discordância explícita.

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser agente do crime de violação dedomicílio. A lei, porém, restringe o sujeito passivo a “quem de direito”, ou seja, àquele quetem o poder de controlar a entrada e saída de pessoas da casa, ou seja, o proprietário ou opossuidor do imóvel.

58  “A Constituição Federal autoriza a prisão em flagrante como exceção à inviolabilidade domiciliar,

prescindindo de mandado judicial, qualquer que seja sua natureza.” (RHC 91.189, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 9-3-2010, Segunda Turma, DJE de 23-4-2010.)

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Objetos material e jurídico: esse crime tem como objeto material a casa invadida. O objeto jurídico (bem protegido) é, de forma imediata, a privacidade da vítima. Indiretamente,também é protegida a vida, a integridade física e o patrimônio.

O crime de violação de domicílio é:

a)  comum: qualquer pessoa pode praticá-lo;b)  de mera conduta: o tipo não prevê resultado naturalístico, bastando a mera entradana casa sem o consentimento do morador;

c)  de forma livre: pode ser cometido por qualquer meio;d)  comissivo (na forma “entrar”) ou omissivo (na forma “permanecer”);e)  instantâneo (na forma “entrar”) ou permanente (na forma “permanecer”); f)  de dano: consuma-se apenas com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido

(privacidade);g)  unissubjetivo: pode ser praticado por um ou mais agentes;h)  unissubsistente ou plurissubsistente, conforme o caso;i)  infração penal de menor potencial ofensivo.

O crime de violação de domicílio é dividido, pela lei, nas seguintes categorias:a)  Simples (art. 150, caput): é o tipo básico da violação, ausente de qualquer

qualificação específica, seja positiva ou negativa. A pena é de detenção, de um atrês meses, ou multa;

b)  Qualificada (art. 150, § 1°): há o aumento do termo inicial e do termo final defixação da pena (detenção, de seis meses a dois anos) em razão da existência dealguma de circunstâncias relativas a:I)  tempo: crime cometido durante a noite;II)  lugar: crime cometido em local ermo;III)  modo de execução: com o emprego de violência ou de arma;IV)  agentes: crime cometido por duas ou mais pessoas; 59 

c)  Com causa de aumento de pena (art. 150, § 2°): a pena é aumentada em um terço seo crime é cometido por agente público no exercício de suas funções.  Esse

dispositivo, porém, foi tacitamente revogado pela Lei de Abuso de Autoridade (lei4.898/65), de aplicação específica aos agentes públicos, que, em seu art. 3°, dispõe:“Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: (...) b) à inviolabilidade dodomicílio”. 

Violação de domicílioTipo básico Entrar ou permanecer em casa alheia ou em

suas dependências contra a vontade do

proprietário ou possuidor.Causa de aumento de pena  –  crime Durante a noite.

59 “Narra a denúncia que o Paciente tentou invadir a residência do irmão de sua namorada, não obstantevontade expressa deste em sentido contrário, não tendo o Denunciado adentrado no local em razão deresistência. Sem eiva de dúvidas, tal fato configura, em tese, o delito previsto no art. 150, § 1º, c.c. art. 14,inciso II, do Código Penal (tentativa de violação de domicílio qualificada). Precedente: STJ, RHC18.388/MG, Rel. Min. LAURITA VAZ.” (STJ, HC 151530 / PB, julgado em 18/05/2010)

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cometido: Em lugar ermo.Com emprego de violência ou de arma.Por duas ou mais pessoas.

Violação de domicílio cometida porfuncionário público

Crime de abuso de autoridade.

Não constitui crime entrar em casa alheiasem autorização De dia Para cumprir mandado judicial.A qualquer hora Para prestar socorro.

Em caso de flagrante delito.

7.3 Crimes contra a inviolabilidade de correspondência

7.3.1 Violação de correspondência (Lei 6.358/76, art. 40,  caput)

De acordo com o art. 47 da Lei 6.538/78, que dispõe sobre os serviços postais,correspondência é “toda comunicação de pessoa a pessoa, por meio de carta, através da via postal, ou por telegrama”. 

Inviolabilidade da correspondência é uma decorrência dos direitos à privacidade eintimidade, que impede a transmissão de seu conteúdo a terceiros sem a autorização doremetente ou do destinatário. Tal é a sua importância, que foi protegida por cláusula pétrea(CF, art. 5°, XII): “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicaçõestelegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ouinstrução processual penal”. 

A interpretação literal desse dispositivo pode levar à conclusão de que apenas ascomunicações telefônicas podem ser licitamente interceptadas, sendo as correspondênciasabsolutamente invioláveis. Essa interpretação, porém, estabelece uma discriminação semqualquer fundamento razoável (não há razão para permitir a interceptação de comunicaçõestelefônicas e simultaneamente proibi-la para correspondências). Além disso, definiria ainviolabilidade de correspondência como um direito absoluto, categoria cuja existência énegada pela moderna doutrina constitucional.

Portanto, é possível que as correspondências sejam licitamente violadas nos casosexpressamente previstos na Lei 6.538/76:

Art. 10º - Não constitui violação de sigilo da correspondência postal a abertura de carta:

I - endereçada a homônimo, no mesmo endereço;

II - que apresente indícios de conter objeto sujeito a pagamento de tributos;

III - que apresente indícios de conter valor não declarado, objeto ou substância deexpedição, uso ou entrega proibidos;

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IV - que deva ser inutilizada, na forma prevista em regulamento, em virtude deimpossibilidade de sua entrega e restituição.

Parágrafo único - Nos casos dos incisos II e III a abertura será feita obrigatoriamente napresença do remetente ou do destinatário.

Além disso, várias leis autorizam a devassa da correspondência, destacando-se:

a)  na falência, o administrador judicial pode “receber e abrir a correspondênciadirigida ao devedor, entregando a ele o que não for assunto de interesse da massa ”(Lei 11.101/2005, art. 22, III, d);

b)  em busca domiciliar, podem ser apreendidas cartas que estejam em poder ou sejamdestinadas ao acusado no inquérito ou no processo penal (CPP, art. 240, § 1°, f);

c)  o diretor do estabelecimento prisional pode, mediante ato motivado, devassar oconteúdo de correspondência do preso (LEP, art. 41, parágrafo único). 60 

O caput do art. 151 do CP foi tacitamente revogado pelo art. 40 da Lei 6.538/76, quedispôs:

VIOLAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA

Art. 40º - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada dirigida a outrem:

Pena: detenção, até seis meses, ou pagamento não excedente a vinte dias-multa.

Conduta: “devassar” significa tomar conhecimento do conteúdo de algo. Não é preciso nem

que a carta seja aberta pelo agente, bastando que, de algum modo, ele tenha acesso àsinformações nela contida. Nesse sentido, há crime impossível na conduta daquele que tenhaacesso a uma carta escrita em língua estrangeira completamente desconhecida.

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser agente do crime de violação decorrespondência. O sujeito passivo, porém, somente pode ser o remetente (até o momentoda entrega da carta) e o destinatário (após esse momento). Não existe, a princípio, qualquerlesão ao patrimônio da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). A competênciapara julgamento desse crime é, portanto, da Justiça Estadual.

Objetos material e jurídico: o objeto material do crime é a correspondência fechada e oobjeto jurídico é a privacidade do remetente e do destinatário.

60 “A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisionalou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscritano art. 41, parágrafo único, da Lei 7.210/1984, proceder à interceptação da correspondência remetida pelossentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumentode salvaguarda de práticas ilícitas.” (HC 70.814, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-3-1994,Primeira Turma, DJ de 24-6-1994.)

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O crime de violação de correspondência é:a)  comum: qualquer pessoa pode praticá-lo;b)  de mera conduta: o tipo não prevê resultado naturalístico, bastando que o agente

conheça o conteúdo da correspondência;c)  de forma livre: pode ser cometido por qualquer meio;

d)  comissivo pois “devassar” implica ação;e)  instantâneo, que se consuma no momento em que o agente tem conhecimento doconteúdo da correspondência;

f)  de dano: consuma-se apenas com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido(privacidade);

g)  unissubjetivo: pode ser praticado por um ou mais agentes;h)  plurissubsistente, podendo ser realizado por meio de vários atos;i)  infração penal de menor potencial ofensivo.

7.3.2 Sonegação ou destruição de correspondência (Lei 6.358/76, art. 40, § 1°)

Da mesma forma que o caput, o § 1°, I, do art. 151 do CP foi revogado pelo também § 1°do art. 40 da Lei 6.538/76, que dispôs:

SONEGAÇÃO OU DESTRUIÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA.

§ 1º - Incorre nas mesmas penas quem se apossa indevidamente de correspondência alheia,embora não fechada, para sonegá-la ou destruí-la, no todo ou em parte.

Assim, também atenta contra a inviolabilidade da correspondência aquele que, mesmo nãotomando conhecimento de seu conteúdo, apossa-se indevidamente dela com o objetivo de

sonegá-la (fazê-la desaparecer) ou destruí-la. Além disso, o crime de sonegação oudestruição distingue-se daquele de violação de correspondência quanto:

a)  ao objeto material: o crime de sonegação ou destruição pode incidir sobre qualquercorrespondência, seja aberta ou fechada;

b)  ao resultado naturalístico: a sonegação ou destruição de correspondência é crimeformal, pois não é preciso que esses resultados ocorram, consumando-se o crimecom o apossamento da carta.

Os sujeitos passivos são os mesmos do crime anterior, ou seja, o remetente e destinatário dacorrespondência.61 

61  CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 1. SONEGAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA. RETENÇÃO DEMISSIVAS NA PORTARIA DE CONDOMÍNIO RESIDENCIAL E DEVOLUÇÃO AOS CORREIOS DECARTAS COM AVISO DE RECEBIMENTO. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BENS, SERVIÇOS OUINTERESSES DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INOCORRÊNCIA. 2. CONFLITOCONHECIDO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.1. A despeito de envolver o caso discussão sobre existir ou não dever por parte dos Correios, empresa pública,na entrega de correspondência no domicílio dos moradores ou na Portaria, fato é que não é apontado qualquerdano aos Correios, a indicar lesão a bens, serviços ou interesses da União, mas tão somente aos particulares,afastando a competência da Justiça Federal.

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7.3.3 Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica

O § 1°, II, do art. 151 tipifica as seguintes condutas: divulgar, transmitir ou utilizarindevidamente comunicação telegráfica ou radioelétrica (rádio e TV) dirigida a terceiro ouconversa telefônica entre outras pessoas. No caso das comunicações telefônicas, podeincidir também o tipo penal previsto no art. 10 da Lei 9.296/96: “Constitui crime realizarinterceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrarsegredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”. Estecrime distingue-se daquele previsto no CP por consumar-se com a mera interceptação(conhecimento das conversas telefônicas), sem necessidade de realização de nenhumaconduta posterior.

O § 1°, III, do art. 151 tipifica a conduta daquele que impede a comunicação telegráfica ouradioelétrica e a conversação telefônica. De acordo com o art. 72 da Lei 4.117/62 (CódigoBrasileiro de Telecomunicações), “A autoridade que impedir ou embaraçar a liberdade da

radiodifusão ou da televisão fora dos casos autorizados em lei, incidirá no que couber, nasanção do artigo 322 do Código Penal”, ou seja, responderá pelo crime de violênciaarbitrária. Portanto, quanto à conduta “impedir comunicação radioelétrica”, se o agente for funcionário público, o crime é próprio, enquadrando-se no tipo penal do art. 72 da leireferida.

O § 1°, IV, do art. 151 foi revogado tacitamente pelo art. 70 da Lei 4.117/62, quedetermina:

Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos,aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de

telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos.

Parágrafo único. Precedendo ao processo penal, para os efeitos referidos neste artigo, seráliminarmente procedida a busca e apreensão da estação ou aparelho ilegal.

O art. 183 da Lei 9.472/97, que organiza os serviços de telecomunicações, tem dispositivosemelhante ao anterior, mas que se refere à conduta daquele exerce atividade detelecomunicação sem autorização:

Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:

Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, emulta de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca deCampinas/SP, juízo suscitado.(STJ, CC 95877 / SP, julgado em 11/02/2009)

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Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para ocrime.62 

Principais crimes relativos aos meios de comunicaçãoCrime Conduta Previsão Legal

Violação decorrespondência Devassar indevidamente oconteúdo decorrespondência fechadadirigida a outrem.

Lei 6.358/76, art. 40, caput  

Sonegação ou destruiçãode correspondência

Apossamento indevido decorrespondência alheia,com o objetivo de sonegá-la ou destruí-la.

Lei 6.358/76, art. 40, § 1°

Violação de comunicaçãotelegráfica, radioelétrica outelefônica

Divulgar, transmitir ouutilizar abusivamente decomunicação transmitida a

terceiros.

CP, art. 151, § 1°, II

Interceptação decomunicações telefônicas,de informática outelemática.

Lei 9.296/96, art. 10

Impedimento decomunicação radioelétrica,telefônica ou telegráfica.

CP, art. 151, § 1°, III

Autoridade que impedir ouembaraçar a liberdade daradiodifusão ou da

televisão.

Lei 4.117/62, art. 72

Instalação ou utilização detelecomunicações semobservância das leis e dosregulamentos.

Lei 4.117/62, art. 70

Desenvolverclandestinamente

Lei 9.472/97, art. 183

62  CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUIZADO ESPECIAL FEDERAL E VARA FEDERAL.PROCESSUAL PENAL. ESTAÇÃO DE RÁDIO CLANDESTINA. CONDUTA QUE SE SUBSUME NOTIPO PREVISTO NO ART. 183 DA LEI 9.472/97 E NÃO AO ART. 70 DA LEI 4.117/62. COMPETÊNCIA

DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM. PARECER DO MPF PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERALCOMUM. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO FEDERAL DA 2A.VARA DE PELOTAS - SJ/RS, ORA SUSCITADO.1. A prática de atividade de telecomunicação sem a devida autorização dos órgãos públicos competentessubsume-se no tipo previsto no art. 183 da Lei 9.472/97; divergindo da conduta descrita no art. 70 da Lei4.117/62, em que se pune aquele que, previamente autorizado, exerce a atividade de telecomunicação deforma contrária aos preceitos legais e aos regulamentos. Precedentes do STJ.2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2a. Vara de Pelotas - SJ/RS, orasuscitado, em conformidade com o parecer ministerial.(STJ, CC 101468 / RS, julgado em 26/08/2009)

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atividades detelecomunicação.

7.3.4 Dispositivos comuns

Tanto o CP (art. 151, § 2°) quanto a Lei 6.538/76 (art. 40, § 2°) e a Lei 4.117/62 (art. 70)determinam que a pena deve ser aumentada da metade se há dano para outrem. Esse danopode ser material ou moral e constitui mero exaurimento do crime, já consumado.

O art. 151, § 3°, prevê a forma qualificada (com pena de detenção de um a três anos) “s e oagente comete o crime, com abuso de função em serviço postal, telegráfico, radioelétrico outelefônico”. Essa qualificadora somente mantém-se para os casos ainda regulados pelo CP,quais sejam, aqueles previstos nos incisos II e III do § 1° do art. 151.

A ação penal é, em geral, pública incondicionada. Será, porém, pública condicionada à

representação do ofendido nos casos dos incisos II e III do § 1° do art. 151.

7.3.5 Correspondência comercial (art. 152)

Este crime é bastante semelhante àquele previsto no art. 151, diferenciando-sefundamentalmente pelo abuso da condição de sócio ou de empregado de estabelecimentocomercial ou industrial. Assim, o sócio ou empregado da empresa somente comete o crimese atuar além do poder pela lei e pelo estatuto social. O tipo penal prevê as seguintescondutas: desviar, sonegar, subtrair, suprimir correspondência ou revelar a estranho seuconteúdo.

Sujeitos passivos e ativos: o crime de correspondência comercial é próprio tanto para osujeito ativo quanto para o sujeito passivo. Nesse sentido, podem cometer o crime o sócio eo empregado e pode ser vítima do crime a pessoa jurídica que mantém o comércio ou aindústria.

Objetos material e jurídico: o objeto material do crime é a correspondência comercial e oobjeto jurídico é a inviolabilidade da correspondência (sigilo comercial).

O crime de violação de correspondência é:a)  próprio: deve ser praticado por agentes com qualificação específica;

b)  formal: o tipo prevê resultado naturalístico, que, contudo, não é necessário para aconsumação do crime;c)  de forma livre: pode ser cometido por qualquer meio;d)  comissivo pois “desviar, sonegar, subtrair, suprimir e revelar” são verbos que

indicam ação;e)  instantâneo, que se consuma no momento em que o agente tem conhecimento do

conteúdo da correspondência;

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f)  de dano: consuma-se apenas com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (sigilocomercial);

g)  unissubjetivo: pode ser praticado por um ou mais agentes;h)  plurissubsistente, podendo ser realizado por meio de vários atos;i)  infração penal de menor potencial ofensivo.

 Ação penal: pública condicionada à representação do ofendido.

Correspondência comercialConduta Desviar, sonegar, subtrair ou suprimir

correspondência ou revelar seu conteúdo.Elemento normativo Abuso da condição de sócio de

estabelecimento comercial ou industrial.Ação penal Pública condicionada à representação do

ofendido.

7.4 Crimes contra a inviolabilidade dos segredos (arts. 153 e 154)

7.4.1 Divulgação de segredo (art. 153)

Conduta: divulgar (tornar público) indevidamente documento particular ou correspondênciade que é destinatário ou detentor. É preciso que essa divulgação possa causar dano, moralou material, a alguém. 63 

 Elemento normativo do tipo: somente há crime se a divulgação for realizada sem justa

causa, ou seja, contrariamente ao ordenamento jurídico. A doutrina64

considera devida adivulgação nos seguintes casos:a)  comunicação, à autoridade policial, da existência de infração penal  –   delatio

criminis (CPP, art. 5°, § 3°);

63  PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. 1. FURTO DE CÓPIAS DE PETIÇÃO ECORRESPONDÊNCIAS. ESPOSA QUE SUBTRAI DOCUMENTOS DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIADO QUAL SEU MARIDO ERA UM DOS SÓCIOS PARA FAZER PROVA EM AÇÃO DE DIVÓRCIO.BEM SEM VALOR ECONÔMICO EM SI MESMO. FURTO NÃO CARACTERIZADO. 2. FATONARRADO NA DENÚNCIA QUE NÃO SE MOLDA A NENHUMA FIGURA TÍPICA. ATIPICIDADE.RECONHECIMENTO. 3. ORDEM CONCEDIDA.

1. Para caracterizar-se o crime de furto, necessário de faz que o bem jurídico patrimônio seja afetado dealguma forma com a subtração do bem em si mesmo. Assim, se o bem em questão não possui valoreconômico algum, não há tipicidade material no fato narrado na denúncia, embora reprovável, e passível deser questionado na esfera cível sob diversos aspectos.2. Os fatos tal como narrados na denúncia não se subsumem a nenhuma figura típica, impondo-se otrancamento da ação penal, por falta de justa causa.3. Ordem concedida para, reconhecendo a atipicidade material da conduta imputada, trancar a ação penal nº60952-7/03, instaurada contra a paciente.(STJ, HC 47121 / DF, julgado em 06/11/2008)64 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 2, p. 353-354.

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b)  depoimento da testemunha no processo penal, que tem a obrigação de responder atodas as perguntas (CPP, art. 203);

c)  apresentação de documento particular ou correspondência para fazer prova deinocência em processo judicial – trata-se de exercício regular de direito;

d)  apreensão de cartas destinadas ao acusado, quando haja suspeita de que o

conhecimento de seu conteúdo pode ser útil à elucidação do caso (CPP, art. 240, §1°, f); ee)  consentimento do ofendido para a divulgação do segredo.

Sujeitos passivos e ativos: o agente do crime é o detentor ou o destinatário do documentoou da correspondência. A vítima do crime pode ser: o remetente do documento ou dacorrespondência; o destinatário, se o sujeito ativo for o detentor; e qualquer outra pessoaque possa sofrer dano com a divulgação do segredo.

Objetos material e jurídico: o objeto material é o documento ou a correspondência; o objeto jurídico é a privacidade da vítima.

O crime de divulgação de segredo é:a)  próprio: deve ser praticado por agentes com qualificação específica;b)  formal: o tipo prevê resultado naturalístico (ocorrência de dano moral ou material),

que, contudo, não é necessário para a consumação do crime;c)  de forma livre: pode ser cometido por qualquer meio;d)  comissivo, pois “divulgar” implica ação;e)  instantâneo, que se consuma no momento em que o agente divulga o conteúdo da

correspondência ou do documento;f)  de dano: consuma-se apenas com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido

(privacidade);g)  unissubjetivo: pode ser praticado por um ou mais agentes;h)  plurissubsistente, podendo ser realizado por meio de vários atos;i)  infração penal de menor potencial ofensivo.

 Divulgação de segredo da Administração Pública: a lei 9.983/2000 acrescentou o § 1°-Aao art. 152, que passou a tipificar a conduta daquele que divulga indevidamenteinformações reservadas ou confidenciais, assim definidas em lei, da Administração Pública.São exemplos de leis que conferem caráter sigiloso à determinadas informações: Lei deExecução Penal (Lei 7.210, art. 202); Lei de Juizados Especiais (Lei 9.099/95, art. 76, § 4°)65; Lei Orgânica Nacional da Magistratura  – LOMAN (Lei Complementar 35/79, arts. 27,

65 RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSOPÚBLICO. ETAPA DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL. NÃO-RECOMENDAÇÃO PARA O CARGO.TRANSAÇÃO PENAL. FUNDAMENTO ÚNICO. ART. 76, §§ 4º E 6º, DA LEI Nº 9099/95.ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO.I - A transação penal aceita por suposto autor da infração não importará em reincidência, nem terá efeitoscivis, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício, conforme art. 76, §§ 4º e 6º, da LeiFederal nº 9099/95.II - Em decorrência da independência entre as instâncias, no entanto, é possível a apuração administrativa dofato objeto da transação penal e, por consequência, a aplicação das sanções correspondentes. Precedente do c.STJ.

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40, 43, 44, 45 e 48); e CPP (art. 20, caput). Esse crime é comum, podendo ser cometido porqualquer pessoa, exceto for funcionário público, pois, neste caso, incide o tipo do art. 325do CP (violação de sigilo funcional).

 Ação penal: se houver prejuízo apenas para particulares, a ação é pública condicionada à

representação do ofendido; se houver prejuízo para a Administração Pública, a ação épública incondicionada.

Tipos assemelhados: outros tipos penais também protegem a inviolabilidade dos segredos,como a, já citada, violação de sigilo funcional (CP, art. 325); a violação de sigilo deproposta de concorrência (CP, art. 326); crime de concorrência desleal (Lei 9.279/96, art.195, XI a XVI); crime contra a segurança nacional (Lei 7.170/83, arts. 13 e 21).

Divulgação de segredoConduta Ação penal

Particular Divulgar conteúdo de

correspondência particularou de correspondênciaconfidencial, de que édestinatário ou detentor.

Pública condicionada à

representação do ofendido.

Da Administração Pública Divulgar informaçõessigilosas ou reservadas,mesmo que não estejamcontidas em sistemas deinformações ou bancos dedados da AdministraçãoPública.

Pública incondicionada.

7.4.2 Violação de segredo profissional (art. 154)

Conduta: revelar, sem justa causa, segredo de que teve ciência em razão de função,ministério, ofício ou profissão, desde que essa revelação tenha potencial para causar danomoral ou material. De acordo com Nelson Hungria66, são elementos integrantes dessecrime:

a)  Existência de um segredo, ou seja, um fato da vida privada que se deseja ocultar;b)  Seu conhecimento em razão de função, ministério, ofício ou profissão: é

indispensável que haja um nexo de causalidade entre o exercício da profissão,

ofício, etc. e o conhecimento do segredo;

III - In casu, porém, a não recomendação do candidato em concurso público ocorreu exclusivamente com basena existência de termo circunstanciado e da respectiva transação penal, contrariando os efeitos reconhecidospela lei ao instituto e ferindo direito líquido e certo do recorrente.Recurso ordinário provido.(STJ, RMS 28851 / AC, julgado em 29/04/2009)66 Comentários ao Código Penal. Volume VI, p. 260-274.

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c)  Revelação, ou seja, a divulgação do crime para terceiros: é o momento daconsumação do crime;

d)  Ausência de justa causa: o dever de sigilo não é absoluto, podendo ceder sempreque houver autorização legal. No CP, há um caso expresso de obrigatoriedade dequebra do sigilo funcional: o art. 269 (“omissão de notificação de doença”). Se

forem desobrigados por seus clientes, os profissionais podem revelar segredos(CPP, art. 207); 67 e)  Possibilidade de dano a outrem: não basta a lesão à privacidade da vítima,

consubstanciada no próprio ato de revelar o segredo. É preciso que haja um danoulterior, de natureza moral ou material;

f)   Dolo: vontade livre e consciente de revelar indevidamente informação sigilosaobtida em razão do exercício de função, ministério, ofício ou profissão.

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, pois o agente deve ser aquele queobteve a informação devido a função, etc. De acordo com Mirabete 68, “refere-se a lei à função, encargo derivado de lei, convenção ou decisão judicial (tutores, curadores,

inventariantes, síndicos, diretores de hospital, etc.), ministério, atividade religiosa ou social(sacerdotes, pastores, freiras, assistentes sociais, voluntárias etc.), ofício, atividade com fimlucrativo na arte mecânica ou manual (serralheiros, costureiros etc.) e  profissão, atividadeintelectual lucrativa (médico, advogado, engenheiro etc.), incluindo-se sempre seusauxiliares (estagiários, assistentes etc.)”. O sujeito passivo é a pessoa que pode sofrer algumdano com a divulgação do segredo.

Objetos material e jurídico: objeto material é a informação transmitida em caráter sigiloso;o objeto jurídico é a privacidade da vítima (sigilo profissional). Portanto, se não houverdivulgação de informações que afetem a vida privada de alguém, não há crime. 69 

O crime de violação de segredo profissional é:a)  próprio: deve ser praticado por agentes com qualificação específica;

67 O advogado, porém, pode recusar-se a depor mesmo que seja liberado por seu cliente:PROCESSUAL PENAL. ADVOGADO. TESTEMUNHA. RECUSA. SIGILO PROFISSIONAL. ARTIGO7º, XIX, LEI 8.906/94.É direito do advogado "recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou devafuncionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ousolicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional".Agravo regimental improvido.(STJ, AgRg na APn 206 / RJ, julgado em 10/04/2003)68 Código Penal Interpretado, p. 995-996.69  RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. DIVULGAÇÃO DE

SEGREDOS DO ILUSIONISMO. QUADRO CONHECIDO COMO "MISTER M - O MÁGICOMASCARADO". AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO.1. Não há norma jurídica que impeça a revelação dos alegados "segredos do ilusionismo", razão por quedescabe imputar às emissoras de televisão qualquer responsabilidade civil por essa conduta.2. A publicidade é a regra e o sigilo é exceção, que somente se justifica quando interesses mais caros àsociedade ou ao indivíduo estiverem em confronto com a liberdade de informar. No caso dos alegados"segredos do ilusionismo", não há bem jurídico de substancial relevância a ser protegido - que justifique acensura à informação.3. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.(STJ, REsp 1189975 / RS, julgado em 10/05/2011)

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b)  formal: o tipo prevê resultado naturalístico (dano para a vítima), que, contudo, não énecessário para a consumação do crime;

c)  de forma livre: pode ser cometido por qualquer meio;d)  comissivo pois “revelar” implica ação;e)  instantâneo, que se consuma no momento em que o agente revela o conteúdo da

correspondência;f)  de dano: consuma-se apenas com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (sigiloprofissional);

g)  unissubjetivo: pode ser praticado por um ou mais agentes;h)  plurissubsistente, podendo ser realizado por meio de vários atos;i)  infração penal de menor potencial ofensivo.

 Ação penal: pública condicionada à representação do ofendido.

Tipo assemelhado: a Lei Complementar 105/2001 prevê, em seu art. 10, o crime deviolação de sigilo bancário  –  “A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei

Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatroanos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sançõescabíveis”.

Violação de segredo profissional Conduta Divulgar segredo de que tenha ciência em

razão de função, ministério, ofício ouprofissão, e cuja revelação possa causardano, moral ou material, a outrem.

Ação penal Pública condicionada à representação doofendido.