CAPÍTULO IV – A AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA MATERIAL DA...

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INTRODUÇÃO O trabalho sempre foi o instrumento que impulsionou o desenvolvimento da sociedade. O esforço humano é que proporcionou o atual panorama tecnológico e a atual conjuntura das relações sociais, tornando-se, hoje, um elemento que traz dignidade e esperança ao homem. No início, o trabalho era sinônimo de castigo: basta ver, olhando-se para a antiguidade, o caráter atribuído ao trabalho. Entretanto, nenhuma sociedade se desenvolveu sem que o homem colocasse alguma finalidade em seu esforço. Com o modo de produção capitalista, o trabalho ganhou o status que hoje possui. Percebe-se, conquanto, que a divisão dos meios de produção sempre foi injusta, de forma que seus poucos detentores sempre auferiram vantagens injustas em cima daqueles que possuíam somente a sua força de trabalho para oferecer. É nesse contexto, quando da Revolução Industrial, caracterizada pela intensa exploração do trabalhador, submetido a jornadas desgastantes e a péssimas condições de trabalho, que começam a surgir os primeiros movimentos sindicais, as primeiras greves e as lutas por direitos dos trabalhadores. Surgem, então, junto com o desenvolvimento dos direitos humanos, em uma série de países, direitos dos trabalhadores, criados para garantir equilíbrio numa relação desigual e desproporcional, trazendo, com isso, condições dignas para que um homem desempenhe uma função perante a sociedade. No Brasil, o marco dos direitos do trabalhador é, sem dúvida, a criação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943. Trata-se de uma norma jurídica 1

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INTRODUÇÃO

O trabalho sempre foi o instrumento que impulsionou o desenvolvimento da

sociedade. O esforço humano é que proporcionou o atual panorama tecnológico e a

atual conjuntura das relações sociais, tornando-se, hoje, um elemento que traz

dignidade e esperança ao homem.

No início, o trabalho era sinônimo de castigo: basta ver, olhando-se para a

antiguidade, o caráter atribuído ao trabalho. Entretanto, nenhuma sociedade se

desenvolveu sem que o homem colocasse alguma finalidade em seu esforço.

Com o modo de produção capitalista, o trabalho ganhou o status que hoje

possui. Percebe-se, conquanto, que a divisão dos meios de produção sempre foi

injusta, de forma que seus poucos detentores sempre auferiram vantagens injustas em

cima daqueles que possuíam somente a sua força de trabalho para oferecer.

É nesse contexto, quando da Revolução Industrial, caracterizada pela

intensa exploração do trabalhador, submetido a jornadas desgastantes e a péssimas

condições de trabalho, que começam a surgir os primeiros movimentos sindicais, as

primeiras greves e as lutas por direitos dos trabalhadores.

Surgem, então, junto com o desenvolvimento dos direitos humanos, em

uma série de países, direitos dos trabalhadores, criados para garantir equilíbrio numa

relação desigual e desproporcional, trazendo, com isso, condições dignas para que um

homem desempenhe uma função perante a sociedade.

No Brasil, o marco dos direitos do trabalhador é, sem dúvida, a criação da

Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943. Trata-se de uma norma jurídica

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destinada a resguardar dignidade ao trabalhador, como melhores condições de

trabalho, regulamentar a jornada de trabalho e, até mesmo, distribuir renda num país

historicamente injusto nesse ponto.

Junto à CLT, criou-se a Justiça do Trabalho, originalmente vinculada ao

Poder Executivo, mas que, desde o início, tornara-se um importante instrumento

colocado à disposição do trabalhador destinado a assegurar seus direitos.

Posteriormente, a Justiça do Trabalho foi incorporada ao Poder Judiciário, dotando-se

da autonomia necessária para fazer cumprir a CLT.

Os anos se passaram e a Justiça do Trabalho vem cumprindo seu papel na

defesa do trabalhador, mesmo o Estado brasileiro, como um todo, ser deficiente

quando tenta cumprir seus objetivos, incluindo-se a função jurisdicional, prestada com

pouca agilidade.

Diante de um quadro crítico e insustentável em que se encontra o Poder

Judiciário, em uma sociedade assolada por desigualdades e injustiças como é a

sociedade brasileira, necessitada de crescimento e desenvolvimento que, esclareça-se,

só serão atingidos quando a impunidade deixar de ser um problema crônico do Estado

brasileiro, é que se buscou uma reforma do Poder Judiciário, para modernizá-lo e criar

melhores condições de acesso à Justiça.

Após doze anos de tramitação, a espinha dorsal da reforma do Judiciário, a

Emenda Constitucional nº 45, foi promulgada, acarretando mudanças no Poder

Judiciário que ainda estão em fase de implantação, mas que, desde já, foi possível

perceber o quão positivas são essas mudanças.

Nesse contexto, a Emenda Constitucional nº 45 trouxe, dentre outras, uma

importante inovação: aumentou consideravelmente a competência da Justiça do

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Trabalho, tornando-a o juízo natural de todas as ações oriundas da relação de trabalho,

incluindo-se, aí, a relação de emprego.

Face ao importante serviço prestado pela Justiça do Trabalho e,

principalmente, à crescente modernização das relações de trabalho, com a

flexibilização dos processos e mercados de trabalho, o Congresso Nacional entendeu

por bem alargar a competência da Justiça do Trabalho, notadamente mais célere e

sensível aos trabalhadores que outros ramos do Judiciário.

Num quadro em que o emprego formal diminui a cada ano, deixando um

grande número de trabalhadores fora da proteção da CLT e, por conseqüência, da

Justiça do Trabalho, o constituinte derivado reformador entendeu transferir para esta a

competência para julgar as lides destes trabalhadores, amenizando, de certa forma, os

problemas causados pelo desemprego e subemprego.

Destarte, a Emenda Constitucional nº 45 trouxe, junto com essas

importantes mudanças, dúvidas e dilemas aos operadores do Direito do Trabalho. Não

obstante a louvável intenção do legislador, o texto constitucional modificado é, de

certa forma, impreciso tecnicamente, trazendo divergências ao interpretá-lo e

causando, num primeiro momento, certa dificuldade aos juízes, advogados, membros

do Ministério Público e até mesmo ao trabalhador.

Muito embora a Emenda Constitucional nº 45 já tenha completado um ano

(foi publicada em 31.12.2004), a jurisprudência ainda não se pacificou, tornando

difícil, por ora, saber quais posicionamentos serão firmados por nossos Tribunais.

E é nesse contexto que nos propomos a escrever sobre a ampliação da

competência da Justiça do Trabalho com o advento da Emenda Constitucional nº 45.

Sobre um terreno movediço, apresentamos as tendências da doutrina e da

jurisprudência, ao lado de posicionamentos pessoais, que nos levaram a refletir um

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pouco sobre a importância que o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho têm na

sociedade brasileira.

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1 A HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Com a proclamação da República, em 1889, o país passou a viver o espírito

liberal da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1789), acarretando o

desenvolvimento dos direitos humanos no país.

A primeira Constituição da República, de 1891, já previa o livre exercício

profissional. Com o decorrer dos anos e o crescimento da atividade industrial no país,

surgiram as primeiras greves, os sindicatos e uma série de leis que visavam garantir

direitos aos trabalhadores.

Na campanha política para as eleições de 1930, o então candidato Getúlio

Vargas comprometeu-se a adotar uma legislação social-trabalhista. Assumindo o

governo em 24 de outubro de 1930, no mês seguinte criou o Ministério do Trabalho,

Indústria e Comércio. Posteriormente se seguiram várias leis de cunho regulatório e

protecionista, sempre visando o trabalhador.

Dos Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem, criados sem

muita ressonância em 1907 para decidir as controvérsias entre o trabalho e o capital,

Vargas criou, em 1932, através do Decreto 21.396, as Comissões Mistas de

Conciliação, para composição de conflitos coletivos entre trabalhadores e

empregadores, e as Juntas de Conciliação e Julgamento, criadas através do Decreto

22.132 do mesmo ano, estas para solução de conflitos individuais.

Prevista na Constituição de 1934, porém ainda fora do Poder Judiciário, a

Justiça do Trabalho foi formalmente constituída apenas em 1º de maio 1939, através

do Decreto-lei 1.237, e oficialmente instalada em 1941, tendo como órgãos as Juntas,

os Conselhos Regionais do Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho, estes últimos

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alterados, em 1946, para Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunal Superior do

Trabalho.

Desde então, a Justiça do Trabalho foi mantida por todas as Constituições

como órgão do Poder Judiciário, aumentando-se, gradativamente, o número de Varas

do Trabalho até chegarmos ao número atual. Em 2004, a Emenda Constitucional 45

aumenta consideravelmente a sua competência, mudando os rumos desta Justiça

Especializada.

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2 A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO APÓS A

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Após a criação da Justiça do Trabalho, as Constituições brasileiras

concentraram a competência da Justiça do Trabalho sobre as lides oriundas das

relações empregatícias. Desta forma, a Constituição Federal de 1988 manteve essa

tendência, que somente veio a ser modificada com a Emenda Constitucional nº 45.

A CF/88 não consagrara à Justiça do Trabalho competência para julgar lides

sobre representação sindical ou sobre as penalidades administrativas impostas aos

empregadores, por exemplo. A jurisprudência, entretanto, sempre entendeu que lides

conexas à relação de emprego, como as ações de danos morais decorrentes de tal

relação, eram de competência da Justiça do Trabalho.

Antes da EC 45/04, dispunha o artigo 114, da CF:

Art. 114 – Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. § 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicados ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho. § 3º Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.

Convém ressaltar que o § 3º foi acrescentado pela EC 20/98 e, portanto, não

estava inserido na redação original da CF/88.

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Temos que, quando a CF/88 consagrou a competência da JT para julgar os

dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, sem fazer

menção expressa à relação do emprego, passou a abranger qualquer lide que não fosse,

necessariamente, oriunda diretamente da relação de emprego. Assim, abriu caminho

para que a Justiça Laboral julgasse ações como, conforme citamos, de indenização por

danos morais.

Ademais, devemos considerar que a competência originalmente consagrada

pelo artigo 114, antes da EC 45/04, abarcava, também, os dissídios coletivos,

conforme extraímos da leitura do citado artigo. Temos, portanto, resumidamente, que a

competência se desdobrava entre os dissídios individuais e os dissídios coletivos.

A competência poderia ser ampliada mediante lei para julgar outros

dissídios decorrentes da relação de trabalho, como fazia o artigo 652 da CLT, ao

outorgar à Justiça do Trabalho a competência para julgar as lides entre os

trabalhadores portuários ou o Órgão Gestor de Mão-de-obra – OGMO, pois entre estes

não se configura uma relação de emprego.

Importante citarmos o magistrado Francisco Rossal de Araújo, que fala

sobre a competência da Justiça do Trabalho antes da EC 45/04:

Da forma como estava redigido, o Texto Constitucional após lenta interpretação jurisprudencial e desenvolvimento legal, permitia algumas conclusões: a) a expressão ‘trabalhadores’ permitia uma maior abrangência do que a expressão ‘empregados’ e era utilizada para permitir uma ampliação da competência em razão da matéria para outras relações de trabalho que não a relação de emprego (trabalho subordinado), como, por exemplo, a relação de trabalho avulso; b) a expressão ‘e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho...’ vinha sendo utilizada como porta de abertura para que outros temas passassem a fazer parte da competência em razão da matéria da Justiça do Trabalho, como, por exemplo, as indenizações por dano moral decorrentes das relações de trabalho, danos patrimoniais, etc.; e c) ficava ressalvada a questão relativa a servidores públicos estatutários (cargos de provimento efetivo ou de

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confiança regidos estatutariamente) e dos acidentes de trabalho (art. 643, § 2º, da CLT)1.

O juiz Alípio Roberto Figueiredo Cara, em artigo publicado, assim dividia a

competência da Justiça do Trabalho antes da EC 45/04:

Analisando esse artigo, a doutrina apontava três regras constitucionais referentes à competência material da Justiça do Trabalho: a) Competência material natural ou específica; b) Competência material decorrente; c) Competência material executória2.

Segundo o citado jurista, a competência material específica dizia respeito

aos dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores; a

competência material decorrente era entendida como aquela que permitia julgar

controvérsias decorrentes de outras relações de trabalho, e a executória referia-se à

competência da Justiça do Trabalho para executar as suas próprias sentenças.3

Importante definirmos com clareza a competência da Justiça do Trabalho

após a CF/88 e antes da EC 45/04 para, após, verificarmos com exatidão qual a

extensão da mudança proporcionada pela Emenda.

Concluindo, podemos resumir que a Justiça do Trabalho, antes da EC

45/04, era competente para:

a) Julgar os dissídios entre trabalhadores e empregadores, oriundos

diretamente da relação empregatícia ou quando esta se pleiteava, bem como

outras ações conexas, como os pleitos de danos morais;

b) Julgar os dissídios coletivos entre trabalhadores e empregadores; 1 ARAÚJO, Francisco Rossal de. A natureza jurídica da relação de trabalho (novas competências da Justiça do Trabalho – Emenda Constitucional 45/04). In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes (Coor.); FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova Competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 115-116. 2 CARA, Alípio Roberto Figueiredo. A Reforma do Judiciário e a competência da Justiça do Trabalho. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes (Coor.); FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova Competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 15. 3 Ibid., p. 16.

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c) Executar as suas próprias sentenças, inclusive as coletivas;

d) Executar as contribuições sociais, de ofício, decorrentes das sentenças

que proferir;

e) Julgar ações decorrentes de outras relações de trabalho, desde que lei

assim dispusesse, como, por exemplo, os litígios envolvendo os

trabalhadores avulsos e o pequeno empreiteiro.

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3 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45

Um Poder Constituído pouco ágil e que, não obstante o esforço de seus

membros e funcionários, não consegue suprir a demanda e atender aos anseios da

sociedade. Sendo, ainda, essa sociedade a brasileira, tem-se que o clamor por justiça é

maior pela desigualdade e injustiça que a aflige.

Esse é o retrato do Poder Judiciário brasileiro. Embora, repetimos, não se

discuta a honestidade e a qualidade técnica da imensa maioria de seus membros, o

Poder Judicário não consegue fazer justiça quando exerce sua função com tão pouca

agilidade e com demasiada lentidão.

Devido à intensa cobrança e ao forte desejo da sociedade de que mudanças

ocorressem, com o fito de imprimir ao Poder Judiciário maior agilidade e

transparência, é que, após doze anos de tramitação, o Congresso Nacional promulgou a

Emenda Constitucional nº 45, publicada em 31.12.2004, conhecida como “Reforma do

Judiciário”.

A Emenda Constitucional nº 45 teve origem na PEC 96/92, que

posteriormente foi substituída pela PEC 29/2000.

A Reforma do Judiciário, entretanto, não se resume à Emenda

Constitucional nº 45/04: aquela é um conjunto de alterações legislativas, de cunho

constitucional e infra-constitucional, com o intuito de democratizar e agilizar a

administração do Judiciário e a prestação jurisdicional. A EC 45/04 é apenas a

“espinha dorsal” da reforma, pois as mudanças por ela trazidas serão as de maior

impacto na rotina do Poder Judiciário.

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Ressalte-se que ainda há mudanças constitucionais em discussão na Câmara

dos Deputados, e que, em 2005 e 2006, várias reformas infra-constitucionais, como as

mudanças no Processo de Execução e nos Recursos Cíveis, a exemplo do Agravo de

Instrumento, já foram promulgadas pelo Congresso Nacional.

Há, inclusive, um grupo de trabalho criado pelo Governo Federal, vinculado

ao Ministério da Justiça, com o objetivo de trabalhar a reforma e que deu o impulso

necessário para a sua efetivação. A Secretaria da Reforma do Judiciário foi criada com

o objetivo de promover, coordenar, sistematizar e angariar propostas referentes à

Reforma do Judiciário, que, ressaltamos, ainda não se encerrou.

Por fim, mister consignar que dentre as várias mudanças trazidas pela EC

45/04, temos a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, tema do presente

estudo.

Faremos, abaixo, um resumo das principais alterações feitas pela EC 45/04:

1. Súmula vinculante: com o acréscimo do artigo 103-A à Constituição

Federal, após aprovação de dois terços de seus membros, o Supremo

Tribunal Federal poderá aprovar súmula que terá efeito vinculante perante

os demais órgãos do Poder Judiciário;

2. Criação do Conselho Nacional da Justiça: composto por quinze

membros, dentre eles dois advogados e dois cidadãos, o CNJ tem a função

de controle financeiro e administrativo do Judiciário, podendo editar atos e

resoluções, bem como conhecer de reclamações contra membros do Poder

Judiciário. Esse foi um dos pontos mais polêmicos e mais importantes da

reforma;

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3. Criação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho: criado com a

finalidade de supervisão administrativa, orçamentária, financeira e

patrimonial da Justiça do Trabalho, tal como o Conselho Nacional da

Justiça Federal;

4. Ampliação da competência da Justiça do Trabalho: marco divisor na

história da Justiça do Trabalho brasileira e o tema de nosso estudo;

5. Elevação do número de ministros do TST de 17 para 27: o TST recupera

o número de ministros que perdera com a Emenda Constitucional 24/99,

que extinguira a representação classista nos órgãos da Justiça do Trabalho;

6. Instituição de quarentena de 3 anos para juiz que deixar a função, que

não poderá exercer a advocacia durante este período;

7. Criação do Conselho Nacional do Ministério Público: tal qual a criação

do Conselho Nacional da Justiça, a criação do CNMP busca dar

transparência e agilidade à administração do Ministério Público;

8. “Federalização” dos crimes contra os direitos humanos, que passarão a

ser julgados pela Justiça Federal: na hipótese de violação aos direitos

humanos, o Procurador Geral da República poderá suscitar perante o STJ

incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal;

9. Exigência de três anos de atividade jurídica para ingresso na

Magistratura: recentemente, o CNJ editou a resolução 11 que regulamenta o

sentido da expressão “atividade jurídica”;

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10. Extinção dos Tribunais de Alçada: o artigo 4º da EC 45/04 extinguiu os

Tribunais de Alçada, passando os seus membros a integrar os Tribunais de

Justiça;

11. Determinação para que os Órgãos Especiais dos Tribunais sejam

compostos não mais pelos juízes mais antigos: a metade do órgão deverá

ser necessariamente eleita, e a outra metade será composta pelos julgadores

mais antigos;

12. Fim das férias coletivas nos Juízos e Tribunais de Segundo Grau;

13. Proibição da promoção de juiz que retiver autos em seu poder além do

prazo legal;

14. No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão

geral das questões constitucionais discutidas no caso.

Deixaremos de transcrever a íntegra da Emenda Constitucional 45,

publicada em 31.12.2004, por entendermos ser desnecessário, neste trabalho,

notadamente em vista de sua extensão.

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4 A AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO

TRABALHO COM O ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04

4.1 Objetivos

A Justiça do Trabalho sempre teve como característica o amparo ao

trabalhador e como objetivo equilibrar uma relação desigual, na qual, de um lado,

encontra-se o detentor da força de trabalho – trabalhador, e de outro o detentor dos

meios de produção – o empregador.

O surgimento da Justiça do Trabalho, instalada em 1941, foi pouco antes do

surgimento da CLT, em 1943, e, mesmo como um órgão vinculado ao Poder

Executivo, em seu início teve o objetivo de garantir os direitos que aos trabalhadores

eram previstos.

A realidade de 1941 buscava fazer com que a todos os empregados, relação

de trabalho predominante na época até mesmo pela economia e incipiente urbanização,

houvesse garantias contra a exploração e más condições de trabalho.

Com isso, em 1943 surgiu a CLT, vigente até hoje e que contribuiu muito

com a distribuição de renda e o aumento da qualidade de vida do empregado

brasileiro.

Ao integrar o Poder Judiciário em 1941, a Justiça do Trabalho demonstrou

sensibilidade às necessidades do trabalhador, tanto que, com as novas Constituições do

país, a tendência sempre foi que a Justiça Laboral tivesse alargada a sua competência

para atender às novas formas de trabalho que surgiam ao decorrer dos anos.

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Com a globalização, fenômeno acentuado nas décadas de 1990 e 2000, os

avanços tecnológicos e o conseqüente aumento do desemprego, há um panorama de

crescente modificação na prestação de trabalho. O emprego formal diminui e

aumentam as formas alternativas de prestação de trabalho por conta própria, numa

realidade indisfarçável e que atinge um número cada vez maior de brasileiros.

Nesse contexto, a Justiça do Trabalho pode ter atuação importante.

Comparativamente mais célere e acessível em cotejo com a Justiça Comum, somada à

maior sensibilidade do juiz do trabalho para dirimir conflitos desta ordem, a Justiça do

Trabalho é um instrumento da sociedade para fazer valer a justiça numa relação que,

por si só, já nasce desigual.

Avançando pelo caminho já aberto pela Constituição de 1988, o Congresso

Nacional entendeu por bem, com a Emenda Constitucional 45, publicada em

31/12/2004, estender a competência da Justiça do Trabalho para as ações oriundas da

relação de trabalho, atendendo às necessidades de uma sociedade assolada pelo

desespero do desemprego.

Outras ações, como ações sobre representação sindical e ações relativas às

penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização

das relações de trabalho, também foram expressamente deslocadas para a Justiça do

Trabalho, afastando as dúvidas quanto a sua competência que se firmaram após a

CF/88.

Como afirma Maurício Godinho Delgado:

O avanço político, cultural, institucional e jurídico trazido pela nova emenda constitucional (...) é simplesmente manifesto. Por meio do alargamento da competência da Justiça do Trabalho, a Carta Magna passa a reconhecer, indubitavelmente, a existência de um sistema institucional justrabalhista, como instrumento voltado à busca da efetividade do Direito do Trabalho4.

4 DELGADO, Maurício Godinho. As duas faces da nova competência da Justiça do Trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho – Edição especial sobre a Competência Material da Justiça do Trabalho, Brasília, n. 1, 2005, p. 108.

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Esse foi o objetivo do constituinte derivado reformador ao ampliar a

competência da Justiça do Trabalho: maior eficiência, celeridade e justiça na tutela

jurisdicional do trabalhador. Tanto o empregado quanto o profissional autônomo

moderno dependem economicamente do empresariado tomador de serviços e são

igualmente hipossuficientes. E a jurisdição trabalhista representa uma proteção

especial para qualquer trabalhador, mesmo os autônomos.

Tem-se nesse um importante passo para modernizar um sistema de proteção

social que deixa uma ponderável parcela do mercado de trabalho à sua margem. É

certo que a Justiça do Trabalho mais uma vez dará sua contribuição para assegurar à

sociedade brasileira a justiça que ela tanto persegue.

4.2 Diferença entre relação de trabalho e relação de emprego

Como já vimos, a competência material da Justiça do Trabalho, após a

Constituição Federal de 1988 e anterior à Emenda Constitucional 45/04, limitava-se a

“conhecer e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e

empregadores”. Além disso, a competência material decorrente dizia respeito a “outras

controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”, e a competência

material executória atribuía à Justiça do Trabalho a competência para executar suas

próprias sentenças.

Essas eram, segundo a doutrina, as regras constitucionais referentes à

competência da Justiça do Trabalho, antes da Emenda Constitucional 45/04.

Convém discutir, neste trabalho, a diferença entre relação de emprego e

relação de trabalho, pois a interpretação jurisprudencial e doutrinária pacífica entendia

ser a Justiça do Trabalho competente para julgar, antes da EC 45/04, apenas os

dissídios oriundos “relação de emprego”, podendo a lei atribuir-lhe a competência para

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julgar “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho” (como os

trabalhadores avulsos e o pequeno empreiteiro). Assim, o requisito do vínculo

empregatício era necessário para se definir a sua competência.

4.2.1 Conceito de trabalho

Para darmos início ao nosso trabalho, tentaremos dar um conceito à palavra

“trabalho”, para, assim, tratarmos sucessivamente do conceito de “relação de

trabalho”.

Segundo o ilustre jurista Arnaldo Sussekind, trabalho é “toda energia

humana, física ou intelectual, empregada com um fim produtivo, constitui trabalho”5.

Para Daphnis Ferreira Souto, é “todo esforço que o homem, no exercício de

sua capacidade física e mental, executa para atingir seus objetivos em consonância

com princípios éticos”, ou o “efetivo exercício de uma profissão, um emprego ou uma

ocupação”6.

Já o autor Tostes Malta define trabalho como “esforço destinado à produção

de riqueza”7.

Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, define trabalho da

seguinte maneira: “o conjunto de atividades humanas, intelectuais ou braçais que

geram uma utilidade”8.

Não é simples para um jurista definir a expressão “trabalho”. Para uma

exata compreensão é necessário buscar conceitos em outros ramos das Ciências

5 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho, 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 3. 6 SOUTO, Daphnis Ferreira. Saúde no trabalho: uma revolução em andamento. São Paulo: SENAC, 2003, p. 37. 7 TOSTES MALTA, Christóvão Piragibe. Rudimentos de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1966, p.1 8 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, vol. 4. São Paulo: Editora Saraiva, 1998, pág. 51

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Humanas, mormente na Sociologia. Trata-se de um conceito de cunho sociológico mas

com implicações jurídicas.

Para não nos desvirtuarmos de nossa meta, trabalharemos com um conceito

de trabalho extraído das definições de especialistas no assunto: o esforço humano

voltado para a caracterização de um fim produtivo, adotando, ainda as palavras de

Daphnis Ferreira Souto: “efetivo exercício de uma profissão, um emprego ou uma

ocupação”9.

Hoje o trabalho é um instrumento de afirmação e valorização do indivíduo.

Se num passado distante trabalho era sinônimo de castigo, hoje somente com acesso a

um trabalho digno, o homem tem acesso à alimentação, à saúde, à educação, à

moradia, à cultura e à qualidade de vida.

4.2.2 Relação de trabalho

Iniciaremos citando a definição proferida pelo renomado Amauri Mascaro

do Nascimento:

Relação de trabalho tanto pode ser compreendida como indicativa de todo um universo de relações jurídicas ou contratos de atividade nos quais o objeto preponderante do vínculo jurídico é a atividade mesma da pessoa que presta serviços para outra, para uma empresa ou para uma pessoa física, portanto, gênero, como, também, o que não nos parece acontecer, relação de trabalho como sinônimo de relação de emprego10.

Percebemos, logo de início, que há uma relação de trabalho quando uma

pessoa física presta serviços a outrem, de maneira livre e consensual. Podemos

conceber que neste conceito estão abrangidas todas as relações intersubjetivas cujo

objeto seja a prestação de serviço por pessoa física, em favor de alguém, que dele se

beneficia.

9 Op. Cit., p. 37. 10 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. A Competência da Justiça do Trabalho para a Relação de Trabalho. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes (Coor.); FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova Competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 25.

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A relação de emprego está englobada no conceito de relação de trabalho,

com o diferencial de ser uma prestação de serviços a outrem de forma subordinada.

É mister ressaltar que não basta a mera prestação de serviços para que daí

surja relação de trabalho; é necessário que o objeto da relação jurídica seja o trabalho.

A acepção de relação de trabalho engloba o trabalho subordinado (a relação

de emprego), os prestadores de serviço regulamentados pelo artigo 593 do Código

Civil, o empreiteiro, o depositário, o mandatário, enfim, todos os trabalhadores que

firmem contratos de natureza civil, administrativa ou trabalhista e cujo objeto seja a

prestação de trabalho em favor de outrem.

Os regimes jurídicos diferenciados não desnaturam o que ambas têm na

essência: um vínculo entre o prestador e um tomador, cujo objeto é um serviço, uma

atividade ou uma obra.

A definição de Cláudio Mascarenhas Brandão é importante ao nosso

trabalho:

A expressão utilizada representa o vínculo que se estabelece entre a pessoa que executa o labor – o trabalhador propriamente dito, o ser humano que empresa a sua energia para o desenvolvimento de uma atividade – e a pessoa jurídica ou física que é beneficiária desse trabalho, ou seja, aufere o resultado proveniente da utilização da energia humana por parte daquele11.

Vejamos, também, o que diz o ministro do Tribunal Superior do Trabalho,

João Oreste Dalazen:

No tocante ao trabalho humano, seja subordinado, seja autônomo, acha-se “relacionado” de diferentes modos, visto que notoriamente pode ser objeto

11 BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas. Relação de Trabalho: enfim, o paradoxo superado. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes (Coor.); FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova Competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 55.

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de distintas relações jurídicas, contratuais ou não, entre as quais: relação jurídica estatutária entre servidos público e o Estado, contrato de emprego, contrato de empreitada, contrato de prestação de serviços, contrato de parceria, contrato de representação mercantil, etc. Por isso, no plano do Direito Privado, reportam-se alguns doutrinadores aos contratos, denominando-se genericamente “contratos de atividade”12.

Há que se destacar, ainda, o caráter intuito personae do prestador de

serviços. Toda relação de trabalho pressupõe um prestador pessoa física, não havendo

que se falar em relação de trabalho se o prestador for uma pessoa jurídica ou um

prestador autônomo que o faça por meio de trabalho alheio (de empregados ou

sublocação de serviços), porquanto ausente o caráter intuito personae.

Se o prestador de serviços é uma pessoa jurídica, não estaremos diante de

uma relação de trabalho, mas sim de uma relação comercial, empresarial.

Outra questão pertinente para a definição da relação de trabalho, com

efeitos na definição da competência da Justiça do Trabalho, é aquela situação em que o

prestador de serviços, em caráter esporádico e excepcional, se faz substituir por

alguém por ele indicado e que seja aceito pelo tomador. O prestador originário

permanece e continua titular quanto à obrigação objeto do contrato. Em caso de

substituição permanente e transferência da titularidade da obrigação, esta sofre

inovação subjetiva, com caráter sucessivo, nascendo uma nova relação jurídica de

trabalho.

Com efeito, a pessoalidade torna-se necessária na relação de trabalho, não

de forma inflexível como na relação de emprego, mas de uma maneira na qual o

prestador de serviços é o titular da relação, podendo, com o consentimento do

tomador, se fazer substituir esporadicamente ou recrutar o auxílio de outro profissional

em caráter precário.

12 DALAZEN, João Oreste. A reforma do Judiciário e os novos marcos da competência material da Justiça do Trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho – Edição especial sobre a Competência Material da Justiça do Trabalho, Brasília, n. 1, 2005, p. 44.

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Portanto, são características de uma relação de trabalho:

a) a prestação de um serviço e o desenvolvimento de um labor – um

“trabalho” – pelo trabalhador, diretamente ao tomador dos serviços;

b) a existência de um tomador de serviços, que pode ser uma pessoa física

ou jurídica, num pólo da relação, que aufere o resultado do trabalho

prestado pelo trabalhador;

c) o trabalhador, obrigatoriamente, será uma pessoa física;

Portanto, estão incluídos no conceito de relação de trabalho:

a) as relações de emprego;

b) os trabalhadores avulsos;

c) o servidor público regido por estatuto próprio ou pela CLT;

d) os contratos de prestação de serviços conforme os artigos 593 a 609 do

Código Civil, quando prestados por pessoa física, como, por exemplo, os

profissionais liberais, como médicos, advogados e engenheiros, e os

trabalhadores eventuais, quando estas relações não restarem caracterizadas

como relações de consumo;

e) os contratos de empreitada de lavor, mandato oneroso, comissão,

agência, distribuição e representação comercial, transporte, parceria rural,

etc.;

f) a relação de trabalho entre a cooperativa e seus associados;

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g) contratos de estágio, trabalho temporário e trabalho voluntário.

Dedicamos aos servidores públicos estatutários uma seção própria dentro

deste capítulo (seção 4), devido à importância do assunto, bem como a exclusão, do

conceito de relação do trabalho, das chamadas “relações de consumo” (seção 5).

As relações de emprego, que já eram competência da Justiça do Trabalho,

estudaremos na próxima subseção. As demais espécies de relação de trabalho

falaremos na próxima seção.

Repelimos todo e qualquer posicionamento no sentido de que “relação de

trabalho” e “relação de emprego” são expressões sinônimas. Ainda que fosse tal a

intenção do poder constituinte derivado reformador acrescer o inciso I ao artigo 114 da

Constituição Federal, o que também não acreditamos, no Direito do Trabalho

brasileiro os dois conceitos nunca foram sinônimos, pois “relação de trabalho” sempre

foi o gênero do qual “relação de emprego” é uma espécie.

4.2.3 Relação de emprego

A relação de emprego, espécie do gênero “relação de trabalho”, é aquela

relação de trabalho na qual estejam presentes os requisitos da pessoalidade,

subordinação, habitualidade e salário. Correspondente a um tipo legal, próprio e

específico, inconfundível com as demais modalidades de relação de trabalho ora

vigorantes.

Quando caracterizada a relação de emprego, a mesma obrigatoriamente será

regida pelas normas da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, seja o empregador

pessoa física, jurídica de direito privado ou pessoa jurídica de direito público,

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excetuando-se, entretanto, as relações empregatícias regidas por legislação específica

(empregados domésticos, por exemplo).

Torna-se relevante fazer a distinção entre ambas as relações neste trabalho,

pois, antes da EC 45/04, a Justiça do Trabalho era competente para julgar os “dissídios

entre trabalhadores e empregadores” e “outras relações de trabalho, na forma da lei”.

Portanto, somente a relação de emprego estava sob sua competência; as demais

relações de trabalho, somente se a lei assim definisse.

Na relação de emprego haverá, obrigatoriamente, um “empregado” e um

“empregador” nos pólos da relação jurídica.

A CLT define, em seus artigos 2º e 3º, o que é empregador e o que é

empregado, respectivamente:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. § 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. (...) Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

A doutrina sempre apresentou outros requisitos para se definir empregado e

empregador além destes da CLT, visto que os requisitos estabelecidos pela lei não

esgotam a definição. Foi acrescido um último requisito: a prestação pessoal de

serviços.

São estes os requisitos para se caracterizar um empregado, segundo Amauri

Mascaro do Nascimento13:

13 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho, 30ª ed., São Paulo: LTr, 2004, p. 193-197.

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a) Pessoa Física: o empregado deve ser pessoa física, não sendo possível ser

pessoa jurídica;

b) Continuidade: empregado é trabalhador “não eventual”; os serviços

devem ser prestados de maneira contínua e permanente;

c) Subordinação: empregado é aquele trabalhador que presta serviços sob

dependência do tomador. Embora a CLT utilize a palavra “dependência”, a

doutrina adota “subordinação”, pois permite fazer a separação entre

“trabalho subordinado” e “trabalho autônomo”. Este último, como sabemos,

não se trata de uma relação de emprego;

d) Salário: o empregado deve ser assalariado; sendo o trabalho prestado

gratuito, não se configura relação de emprego;

e) Pessoalidade: o contrato de trabalho é ajustado em função de

determinada pessoa, não podendo esta se fazer substituir. Não pode o

empregado por sua iniciativa fazer-se substituir, salvo com o consentimento

do empregador.

Portanto, relação de emprego é aquela em que um empregado, pessoa física,

presta serviços a um empregador, de maneira permanente, assalariada e sob a

dependência deste, que assume os riscos da atividade econômica. Veja que o conceito

é bem mais restrito do que o conceito de relação de trabalho.

Importante citar a peculiar situação do trabalhador avulso: desenvolve

trabalho subordinado, assalariado e de caráter pessoal, mas não-habitual, o que não

configura vínculo empregatício. A Constituição Federal, contudo, assegura ao avulso

direitos iguais aos do trabalhador com vínculo permanente (artigo 7º, parágrafo único).

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4.2.4 Conclusão

Através do conceito das duas relações jurídicas, verifica-se que ambas

possuem como diferenças fundamentais:

a) A relação de trabalho é uma relação jurídica que tem como objeto o

“trabalho” e a prestação de serviços por uma pessoa física a um tomador de

serviços, que pode ser pessoa física ou jurídica, acrescendo-se o requisito da

pessoalidade;

b) A relação de emprego, uma espécie de relação de trabalho, tem como

requisitos específicos, além daqueles próprios de qualquer relação de

trabalho, a subordinação, a habitualidade e o salário; se faltar quaisquer

desses requisitos específicos, tornar-se-á uma relação de trabalho qualquer;

c) A relação de emprego normalmente será regida pela CLT, constituindo-

se entre as partes um contrato de trabalho; há algumas poucas exceções,

como os trabalhadores domésticos, regidos por lei especial;

d) As demais relações de trabalho reger-se-ão por outros diplomas que

podem ser de natureza trabalhista ou não (civil ou administrativo, por

exemplo).

Na subseção 2 desta seção apresentamos os mais importantes exemplos de

relação de trabalho. Teoricamente, as ações oriundas de todas as relações de trabalho

estariam sob competência da Justiça do Trabalho, em uma interpretação ampla do

inciso I do artigo 114 da Constituição Federal. Discutiremos, adiante, se essa assertiva

é verdadeira e se tal interpretação é a mais correta juridicamente.

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4.3 A competência para julgar as ações oriundas da relação de trabalho

Como sabemos, a Emenda Constitucional 45/04 ampliou a competência

material da Justiça do Trabalho para julgar “as ações oriundas da relação de trabalho

(...)”, e não mais “os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e

empregadores (...)”, estes oriundos da relação de emprego.

Vimos, então, que a regra geral antes da Emenda era julgar os dissídios

entre trabalhadores e empregadores - relação de emprego - e que a lei poderia

transferir para a Justiça do Trabalho a competência para julgar outras controvérsias

decorrentes da relação de trabalho, como fez com os trabalhadores avulsos e os

pequenos empreiteiros.

Agora, a regra geral é a de que todas as ações oriundas da relação de

trabalho são de competência da Justiça do Trabalho. Mas qual o exato alcance desta

expressão?

Já definimos, na seção anterior, o que é relação de trabalho. Vimos que a

relação de emprego é, também, uma relação de trabalho; os trabalhadores autônomo,

eventual e o avulso também mantêm uma relação de trabalho com os seus tomadores

de serviço; até as relações entre o estagiário e o seu contratante e o servidor público

estatuário e o Estado são caracterizadas relação de trabalho.

Portanto, toda e qualquer lide oriunda relação de trabalho está, com o

advento da Emenda Constitucional 45/04, inserida na competência constitucional da

Justiça do Trabalho?

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É o que pretendemos discutir nesta seção. Deixaremos de lado, por

enquanto, as discussões referentes às lides envolvendo os servidores públicos

estatutários e às lides que envolvam relação de consumo, temas de tópicos posteriores.

4.3.1 O sentido da expressão “ações oriundas da relação de trabalho”

Para se definir o alcance da expressão acima, utilizaremos as palavras do

ilustre ministro do TST, Lélio Bentes Corrêa: Poder-se-ia recorrer ao método literal para pretender distinguir as expressões “ações oriundas da relação de trabalho”, constante do inciso I, e “controvérsias decorrentes da relação de trabalho”, constante no inciso IX. Enquanto a primeira locução indica gênese, nascimento e, portanto, uma vinculação direta com a relação de trabalho; a segunda poderia ser tomada como sugestiva de conseqüência e, portanto, de uma vinculação indireta com a relação de trabalho. Haveria, assim, conflitos que, conquanto não tenham origem primária na relação de trabalho, dela decorrem, ainda que indiretamente. Sua inclusão na competência da Justiça do Trabalho estaria autorizada, mediante mera lei ordinária14.

Embora ainda não seja possível saber qual entendimento será adotado pela

jurisprudência, corroboramos com o raciocínio do ilustre ministro, pois, a nosso

sentido, esse foi o alcance que a EC 45/04 pretendeu dar à expressão.

O inciso IX, do artigo 114, da CF, diz que a Justiça do Trabalho será

competente para julgar “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho” (grifo

nosso), havendo nítida distinção entre o alcance do inciso I e o alcance do inciso IX.

Mesmo que o constituinte derivado reformador tenha modificado a

competência da Justiça do Trabalho no sentido de que, anteriormente à EC 45/04, a

competência era em razão dos sujeitos envolvidos (trabalhadores e empregadores),

cremos que as ações oriundas da relação de trabalho terão apenas os sujeitos da

14 CORRÊA, Lelio Bentes. A Reforma Constitucional e a Justiça do Trabalho: perspectivas e desafios na concretização do ideal legislativo. Revista do Tribunal Superior do Trabalho – Edição especial sobre a Competência Material da Justiça do Trabalho, Brasília, n. 1, 2005, p. 74.

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relação de trabalho como autor e réu, excetuando-se os casos em que a lei determine o

contrário, de acordo com o inciso IX do artigo 114.

Assim, dissídios interobreiros, por exemplo, entre os empregados que

celebram contrato de equipe, a respeito de salário, ou interpatronais, tal como se

verifica na lide entre o empregado sucessor e o sucedido, não seriam de competência

da Justiça do Trabalho. Esse entendimento necessita de decisões jurisprudenciais para

firmar-se com segurança.

A abrangência da competência para as ações que envolvam terceiros, como

seriam, por exemplo, os casos das chamadas "intervenções de terceiros" ou mesmo de

responsabilização subsidiária ou solidária de terceiros, se dará somente se contemplada

em lei específica. Se entendermos que na previsão para ações "oriundas da relação de

trabalho" estariam compreendidas as que, pertinentes à prestação de trabalho, tenham

como sujeitos terceiros e uma das partes da relação de trabalho, teríamos a conclusão

de que passaram à competência da Justiça do Trabalho, por exemplo, as ações

criminais que tenham como elementar do tipo penal a relação de trabalho. Falaremos

adiante a respeito de ações criminais, as quais, já adiantamos, cremos não ser de

competência da Justiça do Trabalho, mesmo quando decorrentes de uma relação de

Trabalho, justamente por essa razão.

Outra observação importante é que para a determinação da competência da

Justiça do Trabalho, irrelevante é a natureza jurídica da matéria que esteja sendo

objeto do litígio, bastando que sua gênese esteja assentada numa relação de trabalho.

Até porque, por expressa determinação legal, o direito comum, material ou

processual, é “fonte subsidiária do Direito do Trabalho, naquilo em que não for

incompatível com os princípios fundamentais deste”, de acordo com a CLT, arts. 8º e

769.

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Tal entendimento, ainda, já encontrava suporte na jurisprudência, antes da

EC 45/04:

(...) 2 – À determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de Direito Civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho15.

Existe também a obrigatoriedade do intuito personae, na qual o prestador

de serviços, obrigatoriamente, deverá ser uma pessoa natural, conforme já expusemos

em outros tópicos.

Portanto, não cremos que lides entre sujeitos estranhos à relação de trabalho

sejam de competência da Justiça do Trabalho, exceto se expressamente determinado o

contrário por lei.

4.3.2 Litígios que já eram da competência da Justiça do Trabalho

(envolvendo trabalhadores avulsos, pequenos empreiteiros, trabalhadores

temporários e os servidores ocupantes de empregos públicos)

As lides decorrentes de relações de emprego, uma espécie da relação de

trabalho, continuam, obviamente, sob a égide da Justiça do Trabalho. A mesma

observação é feita acerca dos trabalhadores avulsos (art. 643 da CLT) e o pequeno

empreiteiro (art. 652, III, da CLT), que também tinham seus litígios julgados pela

Justiça do Trabalho, em decorrência da Lei.

Igualmente, os servidores públicos regidos pela CLT, os chamados

“empregados públicos”, já ingressavam na Justiça do Trabalho para resolver as suas

15 Ac. STF – Pleno – MV – Conflito de Jurisdição n. 6.959-6 – Rel.: Min. Sepúlveda Pertence – J. 23.5.90 – Suscte. juiz de direito da 1ª Vara Cível de Brasília; Suscdo. Tribunal Superior do Trabalho – DJU 22.2.91, p. 1.259.

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controvérsias resultantes da relação empregatícia. Sobre esse assunto, vide a seção 4

deste capítulo.

Falaremos, adiante, sobre o pequeno empreiteiro, o trabalhador avulso e o

trabalhador temporário.

4.3.2.1 Pequena empreitada

Considera-se de empreitada, segundo Maria Helena Diniz:

O contrato pelo qual um dos contraentes (empreiteiro) se obriga, sem subordinação ou dependência, a realizar, pessoalmente ou por meio de terceiro, certa obra para outro (dono da obra ou comitente), com material próprio ou por este fornecido, mediante remuneração determinada ou proporcional ao trabalho executado16.

O contrato de empreitada é regulamentado pelo Código Civil, em seus

artigos 610 a 626.

Segundo Maurício Godinho Delgado:

Trata a regra do art. 652, a, III da CLT, do empreiteiro pessoa física que, como profissional autônomo, executa, só e pessoalmente (ou, no máximo, com algum auxiliar), a empreitada, de valor econômico não elevado. Não se insere nessa excetiva hipótese legal o empreiteiro pessoa jurídica, ou aquele que, sendo pessoa física, leve a termo a obra mediante concurso de distintos auxiliares ou empregados – agindo como se empresário fosse17.

Complementa, ainda, o renomado autor:

Configurada a pequena empreitada, atribuem-se ao trabalhador empreiteiro, na Justiça Especializada, os direitos inerentes ao contrato civil firmado (preço, épocas de pagamento, etc.), sem extensão de direitos e normas

16 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, 20º ed., São Paulo: Saraiva, 2004, v. 3, p. 284. 17 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 5ª ed., São Paulo: LTr, 2006, p. 338.

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laborais. É que o art. 652 da CLT é norma típica e estrita de Direito Processual do Trabalho, fixando competência18.

A pequena empreitada, mesmo não sendo uma relação de emprego, já era

de competência da Justiça do Trabalho, antes mesmo da EC 45/04. Por ser uma relação

de trabalho, não houve qualquer alteração na competência para julgamento das lides

oriundas da pequena empreitada.

4.3.2.2 Trabalhador avulso

Maurício Godinho Delgado assim define o trabalhador avulso:

O obreiro chamado avulso corresponde a modalidade de trabalhador eventual, que oferta sua força de trabalho por curtos períodos de tempo, a distintos tomadores, sem se fixar especificamente a qualquer deles. O que distingue o avulso do eventual, entretanto, é a circunstância de sua força de trabalho ser ofertada, no mercado específico em que atua (o setor portuário), através de uma entidade intermediária. Esse ente intermediador é que realiza a interposição da força de trabalho avulsa em face dos distintos tomadores de serviço: armazéns de portos, navios em carregamento ou descarregamento, importadores e exportadores e outros operadores portuários. Essa entidade intermediária é que arrecada o valor correspondente à prestação de serviços e perfaz o respectivo pagamento ao trabalhador envolvido19.

Antes da atual redação do artigo 114, I, a MP 2164/01 atribuiu competência

à Justiça do Trabalho para julgar as lides entre uma espécie de avulso, o trabalhador

portuário, e os operadores portuários ou o Órgão Gestor de Mão-de-Obra (OGMO).

Portanto, nenhuma alteração na competência para julgamento de tais lides.

Não cremos que as ações entre o tomador de serviços e o sindicato (que lhe coordena e

dirige as atividades) ou a OGMO tenham sua competência transferida para a Justiça do

Trabalho, por não se tratarem de lides “oriundas” da relação de trabalho.

18 Ibid., p. 338.

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4.3.2.3 Trabalhadores temporários

O trabalhador temporário é regulamentado pela Lei 6019/74 que, em seu

artigo 2º, assim o define: “aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para

atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente

ou a acréscimo extraordinário de serviços.”

A própria lei completa o conceito, em seu artigo 4º:

Art. 4º Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos.

O vínculo trabalhista se forma entre a empresa de trabalho, aquela que

coloca o trabalhador à disposição de outras empresas, e o trabalhador. Não há vínculo

entre o trabalhador e o cliente.

Muito embora não sejam regidos pela CLT, a jurisprudência considera que

o contrato temporário é um contrato de trabalho. Como as lides oriundas deste contrato

já eram de competência da Justiça do Trabalho, nenhuma dúvida há, portanto, nesse

momento, com o advento da EC 45/04.

4.3.2.4 Empregados públicos

Sobre os empregados públicos, dedicamos uma seção deste capítulo para

falar sobre todos os agentes públicos. Portanto, na seção 4 estão as considerações

sobre as lides oriundas da relação entre os empregados públicos e a administração

pública, que continuam sob competência da Justiça do Trabalho.

19 Op. cit.,p. 341.

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4.3.3 Trabalhadores autônomos e eventuais

Vejamos a definição de Amauri Mascado do Nascimento:

na teoria, não é difícil estabelecer o elemento fundamental que distingue o empregado do trabalhador autônomo: a subordinação. Empregado é trabalhador subordinado. Autônomo trabalha sem subordinação. Essa é a idéia básica20.

A subordinação é, de fato, uma importante diferença entre o trabalhador

autônomo e o empregado. Entretanto, podemos citar outra de importância igualmente

substancial: o trabalhador autônomo trabalha por conta própria; o empregado, por

conta alheia.

O autônomo é que dirige e assume os riscos de sua atividade econômica. Já

o empregado trabalha mediante subordinação e tem no empregador aquele que assume

os riscos da atividade econômica desempenhada. Como exemplos de autônomos temos

numerosos contratos formados por pessoas físicas, a saber: prestação de serviços,

corretagem, representação comercial, transporte, os profissionais liberais, como

médicos, engenheiros, advogados, etc.;

Os trabalhadores eventuais são aqueles em que falta, na sua relação de

trabalho com o tomador de serviços, o requisito da habitualidade.

Vejamos como os define Maurício Godinho Delgado:

Uma das figuras de prestadores de trabalho que mais se aproximam do empregado é a do trabalhador eventual. Nela tendem a se reunir os demais pressupostos da relação empregatícia; seguramente, entretanto, não se apresenta o elemento permanência (ou melhor, não-eventualidade)21.

20 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho, 28ª ed., São Paulo: LTr, 2002. 21 Op. cit.,p. 339.

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Com o advento da EC 45/04, as lides oriundas da relação de trabalho entre

os trabalhadores autônomos/eventuais e seus tomadores de serviços serão julgadas pela

Justiça do Trabalho. Excluem-se, entretanto, as lides oriundas de relações de consumo.

4.3.4 Contratos de prestação de serviços (Código Civil, arts. 593 a 609)

A prestação de serviços, efetuada por um trabalhador autônomo,

compreende-se aquela que é desempenhada sem subordinação, não sendo regida,

portanto, pela CLT (caso em que se configurará uma relação de emprego e um

contrato de trabalho, não um contrato de prestação de serviços), nem pelo Código de

Defesa do Consumidor, caso em que se configurará uma relação de consumo e não

será competência da Justiça do Trabalho.

Como saberemos que se trata de um contrato de prestação de serviços

(regido pelo Código Civil), e não um contrato de trabalho (regido pela CLT) ou uma

relação de consumo (regida pelo CDC)?

Para responder a essa questão, importante citar Maria Helena Diniz:

Com o advento da legislação trabalhista, a locação de serviço, que se referia ao trabalho subordinado, foi substituída pelo contrato individual de trabalho, tanto para o trabalho urbano como para o rural, e pelo contrato de trabalho avulso. (...) Da locação de serviço, que abrangia toda e qualquer prestação de atividade remunerada, destacou-se, portanto, o contrato de trabalho, que pressupõe a continuidade, a dependência econômica e a subordinação, mas não aboliu a prestação civil de serviços. Em nosso direito, subsistem ambas as espécies contratuais, com vida autônoma. O contrato civil de locação de serviço sobrevive, não obstante venha sofrendo invasões do direito do trabalho. Somente onde ainda não penetrou a concepção própria do direito trabalhista é que perdura a locação de serviço. (...) suas normas são aplicáveis às relações de trabalho excluídas da seara da legislação trabalhista e da especial (CC, art. 593). O Código Civil não alcança o fornecimento de serviço em relação de consumo, que será disciplinado pelo Código de Defesa do Consumidor. Aplicar-se-ão as normas da locação de serviço a todos os modos de prestação de serviço que

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não se ajustem ao conceito legal de trabalho, pela falta de continuidade ou pelo fim da atividade do trabalhador22.

A explicação da renomada civilista não deixa dúvidas que, quando não se

tratar de uma prestação de serviços onde existam os requisitos da relação empregatícia

ou quando não se configurar os elementos determinantes da relação de consumo, a

prestação de serviços será regida pelos artigos 593 a 609 do Código Civil.

Fica fácil para nós identificarmos uma prestação de serviços que resulte em

um contrato de trabalho. Basta que nessa relação estejam previstos os requisitos da

pessoalidade, habitualidade, subordinação e salário.

Num contrato de prestação de serviços regido pelo Código Civil, sempre

haverá pessoalidade e salário, podendo, até mesmo, configurar-se uma certa dose de

continuidade. Mas sempre faltará o requisito da subordinação.

Se houver todos os requisitos, estaremos diante de um contrato de trabalho,

regido pela CLT.

Se numa prestação de serviços houver as características determinantes de

uma relação de consumo, como o fornecedor, o consumidor (vulnerável e destinatário

final) e o fornecimento de um produto ou serviço que é colocado no mercado de

consumo, a prestação de serviços será regida pelo Código de Defesa do Consumidor e

as ações oriundas desta relação não estarão sujeitas à competência da Justiça do

Trabalho. Falaremos sobre a relação do consumo na seção 5 deste capítulo.

São exemplos de contratos de prestação de serviços: os estabelecidos entre

o advogado e uma empresa de cobrança; entre um médico e um hospital; um arquiteto

que presta serviços a uma construtora, etc.

22 Op. cit., p. 275-276.

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Há contratos de prestação de serviços em que o prestador será uma pessoa

jurídica. Isso é perfeitamente lícito e vai ao encontro da natureza jurídica deste tipo de

contrato. Entretanto, como já vimos, neste caso não estará configurada uma relação de

trabalho, pois faltará o requisito da pessoalidade.

Exemplos: um escritório de advocacia que presta serviços a uma empresa

de cobrança.

Portanto, deixemos claro: quando a prestação de serviços não se

caracterizar uma relação de emprego (que estará sob competência da Justiça do

Trabalho) ou uma relação consumerista, será regida pelos artigos 593 a 609 do Código

Civil. Se o prestador for pessoa física, será competência da Justiça do Trabalho.

4.3.5 Contratos de agência e distribuição (Código Civil, arts. 720 a 721

e Lei 4886/65)

Maria Helena Diniz conceitua o contrato de agência ou representação

comercial da seguinte maneira:

A agência ou representação comercial vem a ser o contrato pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a realizar certos negócios, em zona determinada, com caráter de habitualidade, em favor e por conta de outrem, sem subordinação hierárquica (CC, art. 710, 1ª parte; Lei n. 4886/65, com alteração da Lei n. 8420/92, art. 1º)23.

A mencionada autora assim define o contrato de distribuição:

É uma espécie de contrato de agência, mas dele se distingue, visto que, na distribuição, o fabricante vende o produto ao distribuidor, para posterior revenda, e na agência o fabricante vende o produto diretamente ao consumidor, por meio da intermediação do agente. Além disso, o agente age em nome e por conta da empresa agenciada, e, na distribuição, o distribuidor

23 Op. cit., p. 395.

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age por conta própria, adquirindo o produto do fabricante para revendê-lo no mercado consumidor24.

É induvidoso que em tais casos haverá uma relação de trabalho quando o

agente ou o distribuidor for pessoa física, aplicando-se a regra do artigo 114, I, da CF,

na qual determina que as ações oriundas da relação de trabalho são de competência da

Justiça do Trabalho. A doutrina se manifesta de forma quase unânime nesse sentido

após a EC 45/04.

4.3.6 Depósito, Mandato, Comissão, Corretagem e Transporte

Os contratos de mandato, comissão, corretagem e transporte são

regulamentados pelo Código Civil, e a eles se aplicam, neste trabalho, as mesmas

observações feitas ao contrato de prestação de serviços. Se não restar configurada uma

relação de emprego ou uma relação de consumo, aplicar-se-á o Código Civil. Se o

prestador de serviços for pessoa física, todos terão seus litígios oriundos da relação de

trabalho julgados pela Justiça do Trabalho.

4.3.7 Empreitada

A competência para julgar as lides que envolvam a pequena empreitada já

eram atribuídas à Justiça do Trabalho, conforme vimos alhures. Nessas lides, o

empreiteiro é trabalhador autônomo que presta serviços a outrem, mediante

remuneração.

Entretanto, as medianas e as grandes empreitadas normalmente são

prestadas por empresas, pessoas jurídicas, o que afasta a competência da Justiça do

Trabalho, por faltar o caráter de pessoalidade. Tal relação seria considerada

empresarial e não de trabalho. Fica difícil vislumbrar um caso concreto em que o

contrato de empreitada será também uma relação de trabalho, conquanto não seja

24 Op. cit., p.403.

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juridicamente impossível. Se se configurar uma relação de trabalho, será competência

da Justiça do Trabalho o julgamento de lides oriundas dessa relação.

4.3.8 Parceria rural

O contrato de parceria rural é regulamentado pelo Estatuto da Terra (Lei

4504/64), seu regulamento (Decreto 59566/66) e a Lei 4947/66.

Utilizaremos o conceito de Juliana Portilho Floriani para definirmos a

parceria rural:

A parceria rural pode ser agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista. Consiste em o trabalhador receber do tomador rural ou um imóvel rural para ser cultivado ou animais para criá-los. Os atos são praticados com autonomia pelo trabalhador e os resultados do cultivo ou criação são divididos entre as partes na proporção acordada25.

A parceria rural não deixa de ser uma espécie de sociedade. Entretanto, não

foge ao conceito de relação de trabalho, pois seu objeto relevante é a prestação de

serviços de uma pessoa a outrem, a atividade pessoal de uma das partes.

Por isso, é forçoso reconhecer que o trabalhador parceiro se enquadra no

conceito de trabalhador, tanto que a Lei 5889/73 determinou a aplicação das regras

justrabalhistas aos parceiros, no que fosse compatível. Para nós, há uma autêntica

relação de trabalho nos casos de parceria rural.

Convém ressaltar que não há decisões jurisprudenciais sobre o tema ainda,

após o advento da EC 45/04. É prudente esperarmos a sedimentação da jurisprudência

para termos certeza a respeito de qual órgão do Poder Judiciário será competente para

julgar tais lides.

25 FLORIANI, Juliana Portilho. O conceito de relação de trabalho do art. 114, I, da Constituição da República de 1988 e os contratos de atividade. Relação de Trabalho: Enfim, o paradoxo superado. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes (Coor.); FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova Competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 186.

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4.3.9 Trabalho voluntário

O contrato de trabalho voluntário é regulamentado pela Lei 9608/98, que

afirma, em seu art. 1º, parágrafo único, que “o serviço voluntário não gera vínculo

empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim”.

Muito embora seja um trabalho gratuito, em que o prestador de serviços não

recebe nenhuma contraprestação, acreditamos que essa relação é de trabalho e está

incluída no dispositivo do inciso I do artigo 114 da CF, pois tem como objeto o

trabalho, prestado de forma pessoal.

Assim, o trabalhador voluntário pode buscar o ressarcimento de suas

despesas que comprovadamente realizar no desempenho das atividades voluntárias

(art. 3º da Lei 9608/98), bem como eventuais indenizações por danos moral ou

patrimonial decorrente dessa relação de trabalho.

4.3.10 Cooperativa

Cooperativa é uma sociedade prevista pelo Código Civil (arts. 1093 a 1096)

e por legislação especial, não se tratando de uma sociedade lucrativa, na qual os

cooperados são os sócios.

Há diversos tipos de cooperativas: de crédito, produção, consumo, etc.

Neste trabalho a que nos interessa é a cooperativa de trabalho, que tem por finalidade o

fornecimento de mão-de-obra para empresas.

O artigo 442, parágrafo único, da CLT, diz que não há vínculo empregatício

entre a cooperativa e seus cooperados, nem entre estes e os tomadores de serviços

daquela.

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Muito embora há numerosos casos, que inclusive chegam à Justiça do

Trabalho, nos quais as cooperativas são utilizadas como uma forma de fraudar a CLT,

em razão da regra contida no parágrafo único do art. 442 da CLT, existem

cooperativas de trabalho sérias que realmente prestam serviços de acordo com a lei.

Em muitos casos, trabalhadores sem espaço no mercado de trabalho unem-

se para formar uma cooperativa e assim obter maiores condições de produzir e

trabalhar.

Dessa forma, temos que entre o cooperado e a cooperativa há uma relação

de trabalho (não relação de emprego), o que levaria as ações oriundas dessa relação à

Justiça do Trabalho.

Mais uma vez, mister ressaltar que a jurisprudência ainda não nos

proporcionou maiores conclusões sobre o assunto. Para os fins buscados neste

trabalho, defendemos este posicionamento.

4.3.11 Contratos de Estágio

Os contratos de estágio são regidos pela Lei 6494/77. Estagiários não têm

vínculo empregatício.

Segundo a Lei, o estagiário receberá uma bolsa de estudos ou outra forma

de contraprestação que vier a ser combinada e terá uma jornada de trabalho a cumprir,

compatível com o seu horário escolar.

Além disso, nesta relação deve haver a interveniência obrigatória da

instituição de ensino.

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Cremos que os contratos de estágio também se caracterizam uma relação de

trabalho. Presentes estão todos os requisitos da relação de trabalho para se chegar a tal

conclusão.

Assim, teríamos ações oriundas desta relação também julgadas pela Justiça

do Trabalho.

Devemos aguardar o posicionamento da jurisprudência acerca do tema, não

obstante a nossa opinião já exposta.

4.3.12 Agentes Públicos

Aos agentes públicos, dedicamos a próxima seção deste capítulo, em vista

da importância do assunto.

4.3.13 Competência penal da Justiça do Trabalho

Não cremos que a Justiça do Trabalho seja competente para julgar ações de

natureza penal. Para nós, essa não foi a intenção do constituinte derivado reformador

ao acrescer o inciso I ao artigo 114 da CF.

Importante citar Rodnei Doreto Rodrigues e Gustavo Doreto Rodrigues:

Já discorremos no sentido de que, para ser o conflito enquadrado como "oriundo" da relação de trabalho, é necessário que se contraponham as partes da relação de trabalho e que o objeto do litígio seja concernente ao objeto da relação de trabalho (a prestação de trabalho). Ademais, defendemos como também inserida nesse bloco a hipótese em que a controvérsia se estabeleça entre as partes de uma relação de prestação de serviços cujo objeto seja uma relação de trabalho, qual seja, a situação em que seja da essência do contrato de prestação de serviços a prestação de trabalho pessoal por determinado trabalhador (pessoa natural), e não o mero resultado, com abstração de quem efetivamente seja(m) o(s) prestador(es). Evidentemente, não é o que sucede na hipótese do crime. Ocorre que, nesse caso, é parte, no pólo ativo da ação, o Estado (tendo o Ministério Público como dominus litis), portanto, terceiro em face da relação de trabalho. Assim

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sendo, apenas se concebe a instituição de competência pela via decorrente ou derivada, mediante edição de lei que a atribua à Justiça do Trabalho, com espeque na autorização contida no inciso IX do art. 11426.

Não obstante nosso entendimento, há precedentes, embora não muito

comuns, em sentido contrário. Vejamos a decisão proferida pelo Juiz Wilson Ricardo

Buquetti Pirotta, da 84ª Vara do Trabalho de São Paulo, nos autos do processo

411/2006:

Vistos, etc. Trata-se de Inquérito Policial iniciado por relatório de fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho encaminhado ao Ministério Público do Estado de São Paulo. Colhidos depoimentos no âmbito policial, retornaram os autos ao Ministério Público, que opinou por sua distribuição ao Juizado Especial Criminal. Em 29 de setembro de 2005, conforme parecer de fls. 179 dos autos, o Exmo. Sr. Promotor de Justiça atuante no feito discorreu sobre a modificação da competência para conhecer do presente feito a partir da Emenda Constitucional n.º 45, requerendo sua remessa à Justiça do Trabalho. A manifestação do Ministério Público foi acolhida pelo r. despacho de fls. 180, tendo os autos sido encaminhados ao Distribuidor dos Feitos da Justiça do Trabalho de São Paulo. A Emenda Constitucional n.º 45 alterou a redação do artigo 114 da Constituição Federal, restando inequívoca a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar todas as controvérsias decorrentes das relações de trabalho, o que inclui as ações penais para apuração de crimes contra a organização do trabalho. Diante do reconhecimento constitucional da competência da Justiça do Trabalho para tais ações, compete ao Ministério Público do Trabalho sua promoção, nos termos da lei. Frente ao exposto, aceito a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar o presente feito e determino a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho para as finalidades previstas pela lei. São Paulo, 26 de janeiro de 2006. Wilson Ricardo Buquetti Pirotta - Juiz do Trabalho27

Cremos que, sem norma constitucional ou mesmo infra-constitucional, por

força do inciso IX, do artigo 114, da CF, que determine a Justiça do Trabalho ser

competente para julgar ações penais decorrentes da relação de trabalho, não podemos

chegar a tal conclusão.

26 RODRIGUES, Rodnei Doreto; RODRIGUES, Gustavo Doreto. A nova competência da Justiça do Trabalho – uma abordagem inicial. 2005. Disponível em: <http://www.amatra5.org.br/artigos/artigos26_05.php>. 27 Decisão extraída do processo 0411200608402001, da 84ª VT de São Paulo, publicada no DJU de 03/02/06.

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4.3.14 Complementação de aposentadoria

A jurisprudência do TST e do STJ é pacífica quanto à competência para

julgar as ações sobre de complementação de aposentadoria, quando o benefício é

criado pelo empregador em prol de seus empregados em razão do contrato de trabalho:

essas ações são de competência da Justiça do Trabalho. Para isso, citaremos,

primeiramente, uma decisão proferida pelo TST:

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. PARCELAS QUE TÊM ORIGEM NO CONTRATO DE TRABALHO. Se a complementação da aposentadoria origina-se do contrato de trabalho havido entre as partes, como ocorreu na hipótese, consoante registrou o Regional, a Justiça do Trabalho tem competência para conhecer e julgar a matéria. No caso, o TRT salientou que, ao tempo de admissão do Reclamante (01/04/75), os empregados da Reclamada adquiriam a condição de participantes da Fundação Previdenciária Real Grandeza independentemente de pedido expresso, bastando para esse fim terem sido contratados pela Empresa FURNAS. Ademais, caso a FURNAS dispensasse o trabalhador, a inscrição junto à Real Grandeza era cancelada automaticamente, denotando que a única intenção da FURNAS era a de beneficiar seus empregados, tanto que a Real Grandeza não admite inscrição de pessoas estranhas ao quadro da FURNAS. Recurso de revista não conhecido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n.º TST-RR-1.777/2004-042-03-00.9, em que é Recorrente FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS S.A. e Recorridos REAL GRANDEZA FUNDAÇÃO DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL e BENEDITO SANTIAGO PRATES28.

O STJ também se posiciona no sentido de conferir à Justiça do Trabalho tal

competência. Vejamos:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. DEFINIÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO ABONO DENOMINADO “PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS DO EXERCÍCIO DE 1998”. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. A Segunda Seção desta Corte pacificou o entendimento no sentido da competência da Justiça especializada para apreciar causa em que se discute se determinado abono salarial, pago aos empregados em atividade da ré, possui natureza salarial, hipótese em que repercutiria na complementação dos proventos dos aposentados.

28 TST, RR - 1777/2004-042-03-00.9, 4ª Turma, Rel. Ives Gandra Martins Filho, DJ – 10.02.2006.

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2. Conflito conhecido para declarar competente o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, o suscitado29.

Portanto, em face da jurisprudência pacífica, não há muito o que falarmos

sobre a competência para julgar tais ações. Antes mesmo da EC 45/04, a controvérsia

era inexistente acerca do tema.

4.3.15 Projeto de lei 6542/2006

Diante de toda a indefinição acerca de qual o sentido e o alcance do inciso I

do artigo 114 da CF, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 6542/2006,

proposto pela Comissão Especial Mista de Regulamentação da EC 45/04, que alteraria

o artigo 652 da CLT, dispondo sobre a competência da Justiça do Trabalho referente

às relações de trabalho.

O projeto tem a finalidade de regulamentar o inciso IX do artigo 114, e não

o inciso I. Cremos haver uma imprecisão técnica neste ponto, o que esperamos ser

corrigida, se convertido em lei o projeto.

Muito embora o projeto de lei citado necessite, ainda, de aprimoramento

técnico, cremos que a solução para dirimir tantas controvérsias seja, justamente, uma

lei que venha a regulamentar o alcance do inciso I do artigo 114 da CF.

Já fica claro, entretanto, a tendência legislativa em excluir as lides oriundas

de relações de consumo da competência da Justiça do Trabalho, e incluir aquelas

oriundas de contratos de parceria rural, cooperativas de trabalho e daqueles contratos

de direito civil que citamos nesta seção (mandato, agência, empreitada, etc.).

Abaixo, transcrevemos o citado projeto de lei:

29 STJ, CC 2005/0143160-7, 2ª Seção, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJ 05.12.2005, p. 216.

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Art. 1º O art. 652 do Decreto-Lei n.º 5452, de 1º de maio de 1943, que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho, passa a vigorar acrescido da seguinte alínea f: “Art. 652 (...): f) compete ainda ao juiz do trabalho processar e julgar os litígios decorrentes de relações de trabalho que, não configurando vínculo empregatício, envolvam, dentre outras, as ações: I – de cobrança de crédito resultante de comissões de representante comercial ou de contrato de agenciamento e distribuição, quando o representante, agente ou distribuidor for pessoa física; II – de cobrança de quota-parte de parceria agrícola, pesqueira, pecuária, extrativa vegetal e mineral, em que o parceiro outorgado desenvolva seu trabalho direta e pessoalmente, admitida a ajuda da família; III – decorrentes de execução e de extinção de contratos agrários, entre o proprietário rural e o parceiro outorgado, quando este desenvolva seu trabalho direta e pessoalmente, ainda que com a ajuda dos membros da família; IV – de cobrança de honorários decorrentes de exercício de mandato oneroso, exceto os que se qualifiquem como relação de consumo, nos termos da Lei 8078, de 1990; V – de cobrança de créditos de corretagem, inclusive de seguro, em face da corretora, em se tratando de corretor autônomo; VI – de cobrança de honorários de leiloeiros, em face da casa de leilões; VII – entre trabalhadores portuários e operadores portuários ou o Órgão Gestor de Mão-de-obra – OGMO; VIII – entre empreiteiro e subempreiteiro, ou qualquer destes e o dono da obra, nos contratos de pequena empreitada, sempre que os primeiros concorrerem pessoalmente com seu trabalho para a execução dos serviços, ainda que mediante o concurso de terceiros; IX – entre cooperativas de trabalho e seus associados; X – de conflitos envolvendo as demais espécies de trabalhadores autônomos, tais como encanador, eletricista, digitador, jardineiro, dentre outros; XI – decorrentes de assédio moral. Art. 2º Ficam revogados os incisos III e V da alínea a do artigo 652 do Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943.

4.3.16 Conclusão

Por todo exposto, há de se concluir que, para se definir o exato alcance do

inciso I, do artigo 114, da CF, é necessário que:

a) A relação deve ser intuito personae e o prestador de serviços não pode

ser pessoa jurídica;

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b) A relação de trabalho não pode se configurar uma relação de consumo;

se isso acontecer, não será competência da Justiça do Trabalho, muito

embora ainda há certa controvérsia jurisprudencial;

c) Para se definir a competência da Justiça do Trabalho, independe qual

direito material será aplicado, se direito civil, do trabalho, etc.;

d) Em razão de o inciso I mencionar “ações oriundas da relação de

trabalho”, isto compreende aquelas ações que nascem diretamente de uma

relação de trabalho. Por isso, mesmo sem muito respaldo jurisprudencial,

cremos que os sujeitos da ação deverão ser os mesmos sujeitos da relação

de trabalho; do contrário, não será uma ação “oriunda” da relação de

trabalho;

e) Por força da liminar concedida na ADIN 3395-6, as ações entre

servidores ocupantes de cargos públicos e administração pública, quando

oriundas desta relação de trabalho, estão excluídas, por ora, da competência

da Justiça do Trabalho;

f) Na competência da Justiça do Trabalho não estão incluídas ações penais,

não obstante raras decisões jurisprudenciais em sentido contrário.

4.4 Os agentes públicos

Já definimos o conceito de relação do trabalho. Já determinamos, também,

nossa maneira de interpretar essa expressão de tão amplo conceito e alvo de tantas

controvérsias no universo jurídico brasileiro.

Segundo o ilustre professor Celso Antônio Bandeira de Mello, a expressão

agentes públicos é utilizada para “designar genérica e indistintamente os sujeitos que

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servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação,

ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente”30.

O ilustre professor completa:

Quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. Por isso, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas) como os senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da Administração direta dos três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações governamentais, das empresas públicas e sociedades de economia mista nas distintas órbitas de governo, os de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação civil de serviços e os gestores de negócios públicos31.

O professor propõe uma classificação a essa imensa gama de colaboradores

com a Administração Pública:

Os agentes públicos podem ser divididos em três grandes grupos, dentro nos quais são reconhecíveis ulteriores subdivisões. A saber: a) agentes políticos; b) servidores estatais, abrangendo servidores públicos e servidores das pessoas governamentais de Direito Privado; e c) particulares em atuação colaborada com o Poder Público32.

Citando o mesmo autor:

A designação servidores estatais – que ora se sugere em atenção à mudança constitucional – abarca todos aqueles que entretêm com o Estado e suas entidades da Administração indireta, independentemente de sua natureza pública ou privada (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência. (...) Entre os servidores estatais são reconhecíveis os seguintes grupos: 1) servidores públicos; e 2) servidores das pessoas governamentais de Direito Privado33

Os servidores públicos dividem-se, segundo o citado autor, em servidores

titulares de cargos públicos, no âmbito da Administração Direta, nas autarquias e

fundações de Direito Público da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

30 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 18ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 228. 31 Ibid., p. 229. 32 Ibid., p. 231. 33 Op. cit., p. 232.

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Municípios, assim como no Poder Judiciário e na esfera administrativa do Legislativo,

e servidores empregados das pessoas supra-referidas.

Os servidores empregados mantêm vínculo empregatício com a

Administração Pública, sendo regidos pela CLT. Os empregos públicos são

núcleos de encargos de trabalho permanentes a serem preenchidos por agentes contratados para desempenha-los, sob relação trabalhista (...). Sujeitam-se a uma disciplina jurídica que, embora sofra inevitáveis influências advindas da natureza governamental da contratante, basicamente, é a que se aplica aos contratos trabalhistas em geral; portanto, a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho34.

Já os “servidores titulares de cargos públicos submetem-se a um regime

especificadamente concebido para reger esta categoria de agentes. Tal regime é

estatutário ou institucional; logo, de índole não-contratual”35.

Com relação aos servidores das pessoas governamentais de Direito Privado,

segundo o mesmo autor, estes estão, “obrigatoriamente, sob regime trabalhista”36,

sendo, portanto, empregados.

Neste trabalho, nos interessa apenas o vínculo entre o agente e a

Administração, se o mesmo ocupa cargo ou emprego público. Pouco importa se o

agente é vinculado à Administração direta, indireta ou às Empresas Públicas,

Sociedades de Economia Mista e Fundações de Direito Privado instituídas pelo Poder

Público, pois a dúvida doutrinária e jurisprudencial corresponde apenas à natureza do

vínculo.

Muitos juristas vêm defendendo que, quando tratar-se de cargo público,

regulamentado por estatuto próprio, a competência para julgar ações oriundas dessa

relação não é da Justiça do Trabalho, e sim da Justiça Comum, diferentemente do

34 Op. cit., p. 236-237. 35 Op. cit., p. 235-236. 36 Op. cit., p. 234.

49

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empregado público, que já estava sob a égide da Justiça do Trabalho, conforme

esclareceremos.

4.4.1 Servidores titulares de empregos públicos

Nenhuma dúvida a levantar com relação ao empregado público: continua

sendo competência da Justiça Laboral julgar os conflitos decorrentes da relação

empregatícia entre o empregado público e a Administração Pública. Antes mesmo da

EC 45/04, a jurisprudência já havia consumado tal entendimento (vide seção 3 deste

capítulo). Quando o Estado adota o regime celetista, ele age como um particular, como

um sujeito de direito privado, celebrando um contrato de trabalho com o empregado.

Além de uma relação de trabalho, é uma relação de emprego.

Aliás, a própria Constituição previa, antes da EC 45/04, no caput do seu

artigo 114, in verbis, que

compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direita e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União (...). (grifo nosso)

Como sabemos, relação de emprego é uma espécie de relação de trabalho,

continuando aquela sob a competência da Justiça Obreira. Os conflitos entre

empregados públicos e a Administração Pública já estavam sob a competência da

Justiça do Trabalho, não acarretando a EC 45/04, portanto, nenhuma alteração,

tampouco trazendo quaisquer dúvidas nesse aspecto.

4.4.2 Servidores titulares de cargos públicos

Questão de árdua discussão encontra-se no tocante aos servidores titulares

de cargos públicos da Administração Direta, nas autarquias e Fundações de Direito

50

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Público da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim como no

Poder Judiciário e na esfera administrativa do Legislativo, regidos por estatuto próprio.

Na redação original da Lei 8112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis

da União), o art. 240, e, previa que os servidores públicos, individualmente, poderiam

ajuizar ação perante a Justiça do Trabalho. Essa alínea acabou por gerar conflito de

competência entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal para julgar os dissídios que

envolviam os servidores públicos.

Diante do conflito, o Procurador Geral da República impetrou a ADIn 492-

1, sob o argumento de que tal redação era contrária aos arts. 37, 41 e 114 da

Constituição Federal. O relator, ministro Carlos Velloso, votou pela

inconstitucionalidade do artigo com o fundamento de que os direitos dos servidores

públicos decorrem de ato unilateral do Estado, afastando, assim, o regime contratual

típico da relação de emprego.

Assim, foi declarada, por maioria, a inconstitucionalidade da alínea e do art.

240, firmando-se o entendimento de que a Justiça do Trabalho era incompetente para

julgar as lides entre os servidores titulares de cargos públicos e a Administração

Pública.

De fato, na relação estatutária, muito embora estejam presentes os

requisitos caracterizadores da relação empregatícia (habitualidade, subordinação,

salário e pessoalidade), não se caracteriza vínculo empregatício pois os servidores

submetem-se a um regime especial, definido pela lei, que não tem natureza contratual.

As características dessa relação jurídica, entre servidor e Poder Público, são ditadas

pela lei, não pela vontade das partes.

Nesse sentido, ensina Hely Lopes Meirelles:

51

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Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e fundações públicas federais é o modo pelo qual se estabelecem as relações jurídicas entre o funcionário público e a Administração, com base nos princípios constitucionais pertinentes e nos preceitos legais e regulamentares da entidade a que pertence. Sob este regime a situação do funcionário público não é contratual, mas estatutária37.

Diversamente, quando o Estado adota o regime celetista, age como um

particular, celebrando um contrato de trabalho com o empregado público.

Percebe-se, entretanto, que, com o advento da EC 45/04, não mais se

coaduna os argumentos que ensejaram a inconstitucionalidade daquele dispositivo.

Hoje a Justiça do Trabalho não é competente para julgar apenas os conflitos

decorrentes da relação de emprego, mas sim todos os conflitos oriundos da relação de

trabalho.

Fica claro o seguinte: os ocupantes de cargos públicos não mantêm uma

relação de emprego com a Administração Pública, diferentemente dos ocupantes de

emprego público. Entretanto, tal relação seria uma “relação de trabalho” e estaria

abarcada pelo artigo 114, I, da CF, igualmente aos empregados públicos? Os litígios

oriundos dessa relação estariam sob a competência da Justiça do Trabalho?

Relembremos Celso Antônio Bandeira de Mello, ao definir os “servidores

estatais” (conceito que engloba tanto os ocupantes de empregos quanto de cargos

públicos):

A designação servidores estatais – que ora se sugere em atenção à mudança constitucional – abarca todos aqueles que entretêm com o Estado e suas entidades da Administração indireta, independentemente de sua natureza pública ou privada (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência (grifo nosso)38.

37 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. 38 Op. cit., p. 232.

52

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Quem responde a esta questão, de maneira cristalina, é a Constituição de

1969 (que antecedeu a de 1988). Dizia ela, em seu artigo 110:

Art. 110 Os litígios decorrentes das relações de trabalho dos servidores com a União, inclusive as autarquias e empresas públicas federais, qualquer que seja o seu regime jurídico, processar-se-ão e julgar-se-ão perante os Juízes Federais, devendo ser interposto recurso, se couber, ao Tribunal Federal de Recursos. (grifo nosso)

Para nós, a relação entre o servidor ocupante de cargo público e a

Administração Pública, conquanto não seja empregatícia e contratual, é uma relação

de trabalho. Em sentido contrário, diz Juliana Bernardes Rosignoli: “acreditamos ser a

relação de trabalho uma relação contratual, decorrente do acordo de vontades das

partes, em que haja a prestação de serviços, necessariamente, por uma pessoa física”39.

Não acreditamos ser a relação de trabalho uma relação contratual. Essa é

uma característica da relação de emprego. O elemento fundamental de uma relação de

trabalho é o labor, despendido por uma pessoa física, de maneira livre. Essa relação se

enquadra no modelo de relação entre o servidor e a Administração Pública.

Não obstante o posicionamento da ilustre jurista, s.m.j., entendemos que seu

conceito restringe a relação de trabalho sem uma razão que assim a justifique.

Também de encontro à nossa tese, José Affonso Dallegrave Neto opina:

Não nos parece adequada essa opção legislativa, máxime porque os servidores estatutários são informados por princípios próprios do Direito Administrativo que em nada se identificam ou se aproximam das relações de trabalho travadas entre particulares40.

39 ROSIGNOLI, Juliana Bernardes. O conceito da relação de trabalho do art. 114, I, da Constituição da República de 1988 e os servidores estatutários, os agentes políticos e os particulares em colaboração com o Estado. In: DELGADO, Maurício Godinho (Coord.); TEODORO, Maria Cecília Máximo (Coord.); PEREIRA, Vanessa dos Reis (Coord.). Relação de trabalho: Fundamentos interpretativos para a nova competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 129. 40 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Primeiras Linhas sobre a Nova Competência da Justiça do Trabalho fixada pela Reforma do Judiciário (EC n.45/2004). In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes (Coord.); FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova Competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 195.

53

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Conforme já defendemos na seção 3 deste capitulo, para se definir a

competência da Justiça do Trabalho pouco importa qual direito material será aplicado.

Tal entendimento já havia sido pacificado pelo STF, através do julgamento do Conflito

de Competência 6959-6.

Mesmo que a relação entre o servidor público e a Administração seja regida

por normas e princípios do Direito Administrativo, essa relação não deixa de ter como

objeto o “trabalho”, a execução de um serviço. Nesse sentido, Cláudio Mascarenhas

Brandão:

O servidor público em sentido amplo, pois, independentemente da natureza do vínculo criado com a Administração Pública, de natureza estatutária ou não, inexistem dúvidas no que toca ao objeto da relação jurídica mantida: o trabalho, a execução de um serviço41.

Importante, também, é a opinião do respeitável ministro do TST, João

Oreste Dalazen:

Penso que a alusão a dissídios decorrentes de relação de trabalho com ente público é indicativa de que se transferiram para a órbita da Justiça do Trabalho todos os dissídios de servidor público, qualquer que seja o regime jurídico: ‘celetista’ ou estatutário42. (grifo nosso)

O ilustre ministro completa dizendo: “ora, inconteste que entre o servidor e

a Administração Pública forma-se uma relação de trabalho em sentido amplo, embora

de natureza jurídica bem distinta da contratual-trabalhista”43.

Para nós, o raciocínio mais acertado é pela competência da Justiça do

Trabalho. Toda a dissertação sobre o conceito de relação de trabalho realizado na

seção 2 deste capítulo nos permite, facilmente, identificar essa relação como uma

relação de trabalho, estando inserida, portanto, na competência da Justiça Laboral.

41 Op. cit., p. 59. 42 Op. cit., p. 59. 43 Op. cit., p. 50.

54

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4.4.3 A tramitação legislativa da EC 45/04 e a ADIN 3395-6

Após uma conturbada discussão, na qual os termos “relação de trabalho” e

“relação de emprego” foram substituídos mais de uma vez, o Senado Federal, após a

aprovação da PEC 29/2000 pela Câmara dos Deputados, decidiu manter a locução

“relação de trabalho”, conforme aprovado na Câmara, mas aprovou emenda para

excluir da competência material da Justiça do Trabalho “os servidores ocupantes de

cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e

fundações públicas”.

A exceção em tela voltou à Câmara dos Deputados para apreciação e lá será

aprovada ou rejeitada. Tal fato serviu de embasamento para o ministro Nelson Jobim

deferir medida liminar em ADIN, registrada sob o n.º 3395-6, a qual suspendeu, ad

referendum do Pleno,

(...) toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45/04, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a ‘(...) apreciação (...) de causas que (...) sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo44.

Dessa forma, a questão ganha segurança jurídica ao menos até o julgamento

do mérito da ADIN, impetrada pela AJUFE (Associação dos Juízes Federais do

Brasil), pela incompetência da Justiça do Trabalho, não obstante nosso entendimento

contrário. Até o encerramento deste trabalho a ação ainda não havia sido julgada.

A decisão do eminente ministro fundamentou-se também na já comentada

ADIN 492-1, mediante a qual o STF declarou a inconstitucionalidade material do art.

240, e, da Lei 8112/90, que havia sedimentado o entendimento deste órgão quanto à

incompetência da Justiça do Trabalho.

44 Decisão liminar proferida pelo ministro Nelson Jobim, publicada em 04/02/2005, na ADIn 3395-6.

55

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Já comentamos, acima, que a ADIN 492-1 não mais se aplica com o

advento da EC 45/04, pois as razões básicas da sua declaração de

inconstitucionalidade, s.m.j., não mais subsistem.

Ademais, entendemos que, se a expressão “relação de trabalho” não inclui

na competência da Justiça do Trabalho os servidores públicos, não haveria razão para

o Senado Federal excepcioná-los literalmente na redação do inciso I do artigo 114.

Concluímos com o pensamento do ministro João Oreste Dalazen:

Com efeito: a) o texto atual do art. 114, inciso I, não mais alude a dissídio entre “trabalhador” e empregador para que se possa cingir aos dissídios da relação de emprego a competência material da JT; b) tampouco consta a representação classista da estrutura da Justiça do Trabalho, então invocada como óbice ao reconhecimento da acenada competência; c) ademais, declarou-se então a inconstitucionalidade também à luz de uma norma constitucional hoje inexistente (art. 39), que previra regime jurídico único dos servidores públicos; d) por fim, insista-se em assinalar que, se a locução ‘relação de trabalho’ não compreendesse também a relação jurídica estatutária do servidor com a Administração Pública, não faria sentido o Senado Federal aprovar uma exceção expressa a tal regra, exatamente com a finalidade de descartar a competência da Justiça do Trabalho para o estatutário45.

Portanto, todas as ações oriundas da relação de trabalho entre os servidores

ocupantes de cargos públicos e a Administração Pública continuam temporariamente

sendo julgadas pela Justiça Comum em virtude da mencionada decisão, o que não nos

parece acertado.

4.4.4 Agentes políticos

Com relação aos agentes políticos (Presidente da República, Governadores

de Estado, Prefeitos e respectivos vices, ministros e Secretários, Senadores, Deputados

Federais e Estaduais, Vereadores, Membros do Poder Judiciário e Ministério Público),

não é crível haver alguma incerteza.

45 Op. cit., p. 50.

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De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello:

Os agentes políticos não mantêm com o Estado uma relação de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem munus público. Vale dizer, o que os qualifica para o exercício das correspondentes funções não é a habilidade profissional, a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos, membros das civitas e, por isso, candidatos possíveis à condução dos destinos da Sociedade46.

Da própria definição de agende político se percebe que não se trata de uma

relação de trabalho, sendo, uma relação de caráter político, pois estes agentes são o

Estado, agindo como se ele o fossem, fazendo com que os cidadãos executem as leis,

solucionando conflitos ou elaborando as leis.

Não se trata, portanto, de uma relação de trabalho, mas de exercício de

poder público. A competência para julgamento dos conflitos oriundos dessa relação

não sofreu alteração com a EC 45/04.

4.5 A relação de consumo e a relação de trabalho

Encontramo-nos no ponto que suscita as maiores controvérsias e que

implicará as maiores mudanças no cotidiano da Justiça do Trabalho: a ampliação da

competência laboral inclui também aquelas relações que se caracterizam uma relação

de consumo?

Para responder a essa questão, deveremos inicialmente estudar a natureza

de ambas as relações. Já estudamos a natureza da relação de trabalho, restando-nos

conhecer a natureza da relação de consumo, que buscamos em outro ramo do Direito.

46 Op. cit., p. 231-232.

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4.5.1 Conceito de relação de consumo

Utilizaremos o conceito do ilustre autor consumerista João Batista de

Almeida:

As relações de consumo são bilaterais, pressupondo numa ponta o fornecedor – que pode tomar a forma de fabricante, produtor, importador, comerciante e prestador de serviço -, aquele que se dispõe a fornecer bens e serviços a terceiros; e na outra ponta o consumidor, aquele subordinado às condições e interesses impostos pelo titular dos bens ou serviços, no atendimento de suas necessidades de consumo47.

Importante mencionar, também, as observações de José Geraldo Brito

Filomeno:

Conclui-se, pois, que toda relação de consumo: 1. envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado o adquirente de um produto ou serviço (consumidor); de outro o fornecedor ou vendedor de um serviço ou produto (produtor/fornecedor); 2. destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; 3. o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços48.

Para identificarmos uma relação de consumo, é necessário identificar os

requisitos que a caracterizam: o consumidor, o fornecedor e o produto ou serviço que é

colocado no mercado.

Filomeno assim define consumidor:

Entendemos que consumidor, abstraídas todas as conotações de ordem filosófica, tão-somente econômica, psicológica ou sociológica, e concentrando-nos basicamente na acepção jurídica, vem a ser qualquer pessoa física que, isolada ou coletivamente, contrata para consumo final, em

47 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1 48 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor, 8ª ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 22.

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benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de serviços49.

O artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor assim o define: “Art. 2º -

Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço

como destinatário final.”

Importante mencionar que o CDC permite que pessoa jurídica seja

considerada consumidor, não obstante uma corrente do pensamento consumerista

entender o contrário, pois existe a presunção de que uma pessoa jurídica não é

vulnerável e não se caracteriza consumidor.

Entretanto, como o CDC expressamente permitiu que uma pessoa jurídica

possa se inserir no conceito de consumidor, temos que a corrente maximalista foi

adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Para ser considerado destinatário final, é necessário que o consumidor

adquira o bem ou o serviço para utilizá-lo em proveito próprio, satisfazendo a uma

necessidade pessoal e não para revenda ou para acrescentá-la à cadeia produtiva.

Acresça-se que o consumidor deve ser vulnerável econômica ou tecnicamente, estando

numa situação de desvantagem perante o fornecedor.

O outro protagonista da relação de consumo é o fornecedor, que, conforme

ensina Filomeno, “são compreendidos todos quanto propiciem a oferta de bens e

serviços no mercado de consumo, de molde a atender as suas necessidades, pouco

importando a que título”50.

São fornecedores todos aqueles que ofertem serviços ou produtos no

mercado de consumo. Nesse conceito enquadram-se os prestadores de serviços

49 Ibid., p. 22. 50 Op. cit., p. 34.

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autônomos, como médicos, engenheiros e advogados, que nos interessam

especificadamente neste trabalho.

Segundo o CDC, “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou

imaterial”51, e “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,

mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e

securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”52.

O Código abrange todo e qualquer tipo de serviço, entendido como uma

utilidade usufruída pelo consumidor e prestada por um fornecedor determinado.

4.5.2 As relações de consumo também estão inseridas na competência

da Justiça do Trabalho, após a EC 45/04?

Esse é um questionamento cuja resposta traz grandes implicações à

competência e ao cotidiano da Justiça do Trabalho.

A questão é relevante pois, como vimos, a relação de consumo pode se

caracterizar pela prestação de serviço de um sujeito a outrem de uma relação. Com

isso, a depender do entendimento a ser adotado pelo Tribunal, uma relação de trabalho,

que também se caracteriza por uma prestação de serviços, pode ser confundida com

uma relação de consumo.

Como exemplo clássico, temos o médico que presta serviços em seu

consultório. Por um lado, resta caracterizada uma relação de trabalho: uma pessoa

física presta serviços pessoalmente a outrem. Por outro, há uma relação de consumo:

um serviço, posto no mercado de consumo, por um fornecedor a um consumidor

destinatário final e vulnerável tecnicamente ou economicamente.

51 CDC, art. 3º, § 1º. 52 CDC, art. 3º, § 2º.

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É óbvio que, neste caso, a relação será de consumo e será regida pelo CDC.

É diferente, por exemplo, do caso em que um médico firma contrato de prestação de

serviços com um hospital. Essa relação não será de consumo: o hospital não é

destinatário final do serviço, pois utiliza esse serviço para o desenvolvimento de sua

atividade econômica, agregando valor ao serviço que lhe é prestado pelo médico.

Neste último caso, temos o típico caso de prestação de serviços regida

Código Civil, o que, sem sombra de dúvida, é relação de trabalho e as ações oriundas

dessa relação serão de competência da Justiça do Trabalho.

Convém ressaltar que, neste mesmo exemplo, se constatados os requisitos

da relação de emprego, a mesma será regida pela CLT e incontestavelmente suas lides

serão de competência da Justiça do Trabalho.

O próprio CDC, no § 2º do artigo 3º, exclui a relação de consumo quando

se tratar de uma relação “de caráter trabalhista”. Entretanto, a doutrina entende que o

termo foi usado equivocadamente, quando a intenção do legislador foi excluir as

relações empregatícias, que notadamente não podem ser relações de consumo.

Veremos adiante que para sabermos qual é a natureza desse exemplo de

relação, devemos buscar os requisitos da relação de emprego, primeiramente; ausentes,

buscaremos aqueles da relação de consumo; e, se ausentes, será uma relação de

natureza civil.

Portanto, a dúvida é concernente apenas àquelas relações nas quais podem

estar presentes os requisitos das relações de trabalho e de consumo.

Parece-nos que não foi intenção do constituinte derivado reformador a

transferência das ações oriundas da relação de consumo para a Justiça do Trabalho.

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Muito embora é fato que um médico que atende em seu consultório seja um

trabalhador, a relação entre ele e seu cliente, se destinatário final, caracteriza-se uma

relação de consumo.

O diploma consumerista brasileiro diz, em seu artigo 1º, que:

Art. 1º O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. (grifo nosso)

Em seu artigo 4º, determina os objetivos da Política Nacional das Relações

de Consumo:

Art. 4º - A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor do mercado de consumo; II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: (...)

O Direito do Consumidor é regido por princípios próprios e que buscam a

defesa e proteção do consumidor, em vista da sua vulnerabilidade econômica e técnica

frente a fornecedores de produtos e serviços. A Política Nacional das Relações de

Consumo é clara ao estabelecer como meta a proteção dos diversos interesses dos

consumidores.

Já o Direito do Trabalho tem como propósitos, segundo Amauri Mascaro do

Nascimento,

a defesa da vida, da saúde, da integridade física e de outros bens jurídicos do trabalhador, compensatório diante da desigualdade econômica do operário, construtivo do sistema normativo pela atuação direta das associações

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sindicais na negociação coletiva, e uma finalidade produtiva de organização empresarial da força de trabalho para o desenvolvimento econômico53.

Ambos os ramos do Direito tem objetivos razoavelmente comuns: a

proteção do hipossuficiente numa relação jurídica desigual, quais sejam o consumidor

na relação de consumo e o trabalhador numa relação de trabalho, diante do fornecedor

e do detentor dos meios de produção, respectivamente.

Há todo um sistema principiológico em ambos os Direitos destinado a

assegurar o cumprimento destes objetivos. Dentre eles, como exemplos singelos, o

princípio da norma favorável ao trabalhador, no Direito do Trabalho, e os instrumentos

processuais colocados à disposição do consumidor, como a inversão do ônus da prova,

dentre outros inúmeros sistemas de proteção ao consumidor e ao trabalhador.

A Justiça do Trabalho é uma parcela do Judiciário especializada em dirimir

conflitos dos trabalhadores, a fim de se garantir que o hipossuficiente na relação de

trabalho não seja prejudicado em seus direitos e em suas garantias pelos detentores do

capital e das fontes produtoras, que estão claramente em uma posição que lhes

proporciona um poder de barganha consideravelmente maior.

Se analisarmos o histórico da Justiça do Trabalho e do próprio Direito do

Trabalho, veremos que ambos nasceram com o objetivo de garantir equilíbrio na

relação de trabalho. Os juízes do trabalho têm uma formação voltada a buscar estes

objetivos, evidentemente não para prejudicar os empregadores e os tomadores de

serviço, mas para garantir o equilíbrio na relação tutelada.

Muito embora ambos os ramos do Direito busquem a proteção do

hipossuficiente, ocorre um certo “conflito”, na prática, que nos obriga a limitar muito

bem o que é relação do trabalho e relação de consumo.

53 Op. cit., p. 72.

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Como exemplo, retornemos ao caso do médico e do seu paciente particular.

O médico, se consideramos a relação de trabalho, será o prestador de serviços, e o

paciente o tomador de serviços. Portanto, sob o objetivo do Direito do Trabalho e da

Justiça do Trabalho, o médico, trabalhador, seria hipossuficiente nesta relação.

Agora, se analisarmos sob o aspecto da relação de consumo, teríamos o

médico como fornecedor e o paciente como um consumidor. O paciente, nesse caso,

seria hipossuficiente juridicamente assim se tratando.

Na relação de consumo, o protegido é o consumidor e, em hipótese alguma,

o prestador dos serviços, este aparecendo como o detentor do poder econômico que

oferece publicamente seus préstimos auferindo ganhos junto aos consumidores.

Transportando-se para as relações de trabalho, seria no mínimo estranho

imaginar-se o deferimento de uma tutela especial ao consumidor que, no caso,

apareceria também como tomador dos serviços, reconhecendo-se-lhe,

simultaneamente, duas posições que se afiguram incompatíveis ontologicamente: a de

fragilizado consumidor com a de contratante beneficiado pela energia de trabalho

(tomador dos serviços).

Assim, muito embora ambas protejam partes fragilizadas de uma relação

jurídica, temos que a aplicação de ambas, simultaneamente a um mesmo fato, para fins

de determinação de competência para julgamento das ações oriundas desse fato,

configura-se algo contraditório.

Essa é a principal razão pela qual nos posicionamos pela competência da

Justiça Comum para o julgamento de toda e quaisquer ações oriundas de uma relação

de consumo.

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Entretanto, o assunto ainda é bastante recente e nos faltam decisões

jurisprudenciais que nos permitam perceber alguma tendência entre os juízes e

tribunais. Há decisões por todo o país que reconheça uma ou outra hipótese: a

competência da Justiça do Trabalho ou a competência da Justiça Comum.

Enquanto aguardamos a sedimentação da jurisprudência ou um projeto de

lei que regulamente o inciso I do artigo 114 da CF, defenderemos, neste trabalho,

nosso posicionamento pela competência da Justiça Comum.

4.5.3 Diferença entre relação de consumo e relação de trabalho: os

limites entre as duas relações

Importante e árdua tarefa é estabelecer os limites entre uma relação de

trabalho e uma relação de consumo, quando tratar-se de prestação de serviços.

Quando presentes os requisitos da relação de emprego, torna-se

incontroverso o caráter empregatício da relação e a competência da Justiça do

Trabalho para julgar as lides daí oriundas.

Quando ausentes os requisitos da relação de emprego e da relação de

consumo, também configura-se clara a relação: será regida pelo Código Civil,

porquanto é relação de trabalho e estará sob competência da Justiça do Trabalho.

Porém, quando presentes os requisitos da relação de consumo (e ausentes os

da relação de emprego), a competência será da Justiça Comum. Serão requisitos da

relação de consumo:

a) Consumidor, que deverá ser destinatário final do serviço prestado e

vulnerável técnica ou economicamente;

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b) Fornecedor, que poderá ser pessoa física ou jurídica;

c) Um serviço colocado à disposição no mercado pelo fornecedor.

Destarte, as relações que se configurarem de consumo não terão suas ações

julgadas pela Justiça do Trabalho.

Convém esclarecer que:

a) Como na relação de trabalho o prestador de serviços deve

obrigatoriamente ser uma pessoa física, nas relações em que o prestador for

uma pessoa jurídica a competência da Justiça do Trabalho estará

automaticamente excluída. Nesse caso teremos uma relação de consumo ou

uma relação empresarial;

b) Se na relação o tomador de serviços não for destinatário final, não será

uma relação de consumo. Entretanto, para que seja uma relação de trabalho

de competência da Justiça Laboral, o prestador deverá ser uma pessoa

física.

Concluindo: se não restar configurada uma relação de emprego, e se

presentes os seguintes requisitos, caracterizar-se-á uma relação de trabalho, na qual as

ações dela oriundas serão processadas e julgadas pela Justiça do Trabalho:

a) se o prestador for pessoa física;

b) se o tomador não for destinatário final.

Se adotarmos a teoria maximalista do Direito do Consumidor, ficariam

excluídas, portanto, as lides decorrentes das seguintes relações:

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a) entre médico e paciente;

b) entre advogado e cliente que utiliza o serviço como destinatário final;

c) entre dentista e seu cliente;

d) entre jardineiros, eletricistas, encanadores e seus clientes.

Seriam relações de trabalho, por não se caracterizar uma relação de

consumo:

a) entre médico e hospital;

b) entre advogado e empresa de cobranças;

c) entre engenheiro e construtora;

d) todos os contratos de prestação de serviços do Código Civil, conforme

falamos alhures, bem como contratos atípicos que não se configurem

relação de consumo.

Importante citar uma outra visão acerca dos limites entre a relação de

consumo e a relação de trabalho. A idéia abaixo é do eminente ministro Lélio Bentes

Corrêa, do Tribunal Superior do Trabalho, em seu artigo “A Reforma Constitucional e

a Justiça do Trabalho: perspectivas e desafios na concretização do ideal legislativo”,

publicado na Edição Especial da Revista do TST:

A incorporação indiscriminada de elementos típicos do direito civil, vocacionado para dirimir lides entre partes em situação de igualdade na relação jurídica, ou mesmo das regras consagradas pelas normas de proteção ao consumidor – tendente a proteger o tomador dos serviços, e não o

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prestador -, poderiam, em tese, pôr em risco a identidade do Judiciário Trabalhista. Pode-se, a partir daí, pensar em uma nova perspectiva para o enfoque da questão, que não perca de vista a necessidade de preservação da identidade matricial da Justiça do Trabalho, e, ao mesmo tempo, assegure conseqüência à inovação introduzida pelo constituinte derivado, com o alargamento da sua competência. Por esse prisma, seria razoável admitir que, configurando-se, na prestação de serviços de caráter autônomo, a sua inserção em processo produtivo, agregando valor à atividade econômica de terceiro (por exemplo, médico que presta serviços em caráter autônomo, em hospital), justificar-se-ia a competência da Justiça do Trabalho54.

4.5.4 Conclusão

Em virtude da escassez de decisões jurisprudenciais, torna-se difícil saber

qual posicionamento adotarão os juízes e tribunais sobre as relações de consumo no

tocante ao inciso I do artigo 114 da CF.

Parece-nos que a tendência é no sentido de separar as relações de trabalho e

de consumo, deixando estas na Justiça Comum.

Ademais, não é possível estabelecer com clareza qual o exato limite que

separa uma de outra relação. A princípio, aqueles requisitos utilizados pelos

consumeristas devem ser utilizados.

Partindo-se deste pressuposto, seria considerado para se chegar a uma

relação de trabalho:

a) se o prestador é pessoa física;

b) se o tomador contrata o prestador para viabilizar sua empresa/atividade

econômica;

54 Op. cit., p. 81-82.

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4.6 Ações que envolvam o exercício do direito de greve

A Constituição Federal, em seu artigo 9º, assegura o direito de greve aos

trabalhadores brasileiros. Diz referido artigo que “é assegurado o direito de greve,

competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os

interesses que devam por meio dele defender.”

O ilustre professor Amauri Mascaro do Nascimento assim define a greve:

Observa-se de modo geral que greve é, primeiro, a suspensão temporária do trabalho; segundo, um ato formal condicionado à aprovação do sindicato mediante assembléia; terceiro, uma paralisação dos serviços que tem como causa o interesse de trabalhadores e não de qualquer pessoa, o que exclui do âmbito da disciplina legal paralisações de pessoas que não sejam trabalhadores; quarto, um movimento que tem por finalidade a reivindicação e a obtenção de melhores condições de trabalho ou o cumprimento das obrigações assumidas pelo empregador em decorrência das normas jurídicas ou do próprio contrato de trabalho, definidas expressamente mediante indicação formulada pelos empregados ao empregador, para que não haja dúvidas sobre a natureza dessas reivindicações55.

Antes da EC 45/04, a Justiça do Trabalho era competente para julgar apenas

os dissídios coletivos, excluindo-se, assim, um universo de ações de natureza conexa

às ações de greve.

Oportuna a transcrição do artigo 14 da Lei 7783/89, que outorgara à Justiça

do Trabalho a competência para julgar a legalidade do movimento grevista:

Art. 8º - A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão.

Entretanto, a EC 45/04 ampliou consideravelmente a competência da

Justiça Laboral, assim dispondo o inciso II, do artigo 114 da CF: “Art. 114 – Compete

55 Op. cit., p. 619.

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à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...) II – as ações que envolvam o exercício do

direito de greve;”

O artigo 114, § 2º e 3º, da CF, ainda prevê outras ações, como aquelas no

caso de greve de atividades essenciais, mediante provocação do Ministério Público do

Trabalho, ou nos casos de dissídios coletivos, suscitados em conjunto pelos sindicatos

patronal e profissional.

É coerente interpretar que o inciso II do artigo 114 trouxe para a Justiça do

Trabalho, por exemplo, a competência para julgar as ações possessórias, conforme

citamos alhures, originárias durante a greve. Como exemplo, temos casos em que os

empregados ocupam ou ameaçam ocupar o estabelecimento do empregador, como

meio de pressão para obter o acolhimento das reivindicações trabalhistas.

A lei brasileira prevê três ações para a defesa judicial do direito de posse: a

ação de manutenção de posse, no caso de turbação; ação de reintegração de posse, no

caso de esbulho; e o interdito proibitório, em caso de justo receio de violência

iminente que possa causar esbulho ou turbação da posse.

Entendemos que, com a EC 45/04, essas ações, quando oriundas do

exercício de greve pelos trabalhadores, são de competência da Justiça do Trabalho.

Ficam afastadas dúvidas que, por exemplo, animaram outros ramos do Judiciário, ao

tempo da greve promovida pelos bancários em 2005, quando, em diversas ocasiões,

apreciaram pleitos deduzidos em interditos ajuizados por empresas bancárias em face

do movimento paredista implementado pela categoria profissional.

Há outras ações que também foram deslocadas para a Justiça do Trabalho.

Como exemplo, o Mandado de Segurança e a Ação Declaratória, quando decorrentes

do exercício do direito de greve.

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Deve-se afastar a competência criminal da Justiça do Trabalho, mesmo

quando envolva o exercício do direito de greve. Assim, crimes praticados por

trabalhadores ou empregadores durante o movimento grevista, ou habeas corpus

impetrado em face de autoridade policial, que prende o trabalhador, por exemplo,

quando entende que o mesmo praticou algum crime durante a greve.

Questões de indefinida solução são os pleitos de dano moral ou patrimonial

ocorrido durante a greve. Como exemplo, o empregador que ofende um trabalhador

durante o movimento, ou o trabalhador que causa danos à empresa durante

manifestação grevista.

Muito embora alguns doutrinadores vêm entendendo ser incabíveis tais

ações na Justiça do Trabalho, entendemos contrariamente, por força do inciso VI do

artigo 114. Por serem pleitos de indenização por danos moral ou material decorrente

da relação de trabalho, não há dúvidas de que tais ações devem ser julgadas pela

Justiça do Trabalho.

As ações referentes ao exercício do direito de greve dos servidores

ocupantes de cargos públicos não são de competência da Justiça do Trabalho, por força

da medida liminar concedida na ADIN 3395-6.

4.7 Ações sobre representação sindical

Proclama o artigo 114, inciso III, da Constituição Federal: “Art. 114 –

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...) III – as ações sobre

representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre

sindicatos e empregadores;”

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Antes da EC 45/04, as ações sobre representação sindical eram julgadas

pela Justiça Comum, no esteio da limitada competência da Justiça do Trabalho pré-

Emenda Constitucional 45/04.

O TST entendia neste sentido, conforme a OJ n.º 4 da SDC56, bem como o

STJ, na Súmula n.º 457, consoante a clareza da norma constitucional de 1988 em não

atribuir à competência da Justiça do Trabalho tais litígios.

Destarte, a Justiça do Trabalho tornou-se competente para conhecer, por

exemplo, as ações entre sindicatos nas quais se discuta qual é o legítimo representante

da categoria, ou casos de consignação de pagamento ajuizada por empregador, quando

exista dúvida sobre a entidade legitimada ao recebimento de parcelas devidas por

integrantes de categoria.

4.7.1 Espécies de dissídios sindicais

O sindicado pode atuar processualmente sob três diferentes formas:

a) como representante processual, na qual o sindicato postula em nome dos

integrantes da categoria nominalmente, com expressa autorização destes

(CLT, arts. 513, a, e 791, § 1º);

b) como substituto processual, quando o sindicato atua em nome próprio

mas deduz pretensão em juízo em prol dos associados ou dos integrantes da

categoria (CF, art. 8º, III);

c) em nome próprio, defendendo direito próprio, como pessoa jurídica.

56 TST, OJ-SDC nº 4. Disputa por titularidade de representação. Incompetência da Justiça do Trabalho. A disputa intersindical pela representatividade de certa categoria refoge ao âmbito da competência material da Justiça do Trabalho. DJU 27.03.1998. 57 STJ, Súmula nº 4. Compete à Justiça estadual julgar causa decorrente do processo eleitoral sindical. DJU 18/05/1990.

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Até a EC 45/04, os dissídios individuais dos sindicatos em nome próprio

eram de competência da Justiça do Trabalho somente quando correspondessem do

cumprimento de acordo ou convenção coletiva de trabalho (Lei 8.984/95).

Os dissídios como substituto ou representante processual envolvendo

matéria trabalhista sempre foram de competência da Justiça do Trabalho, antes mesmo

da EC 45/04.

Há grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca do alcance do

inciso III. É mais um ponto em que imperam discussões, pois o texto constitucional

não foi preciso o suficiente para dar margem a poucas interpretações, o que não é

comum tratando-se o novo artigo 114 da Constituição Federal.

4.7.2 O alcance do inciso III do artigo 114 da CF

Alguns questionamentos são pertinentes neste trabalho, pois são comuns

aos operadores do Direito do Trabalho brasileiro.

O mais importante é se o inciso III diz respeito a todas as ações que

envolvam o direito sindical, ainda que não estritamente “sobre representação sindical”,

desde que entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores e entre sindicatos e

empregadores, ou se, numa interpretação restritiva, apenas aos dissídios sobre

representação sindical.

Em uma primeira leitura feita do novo texto constitucional, tem-se que a

segunda opção seria mais lógica. Entretanto, há de se considerar argumentos de vários

autores, no sentido de uma interpretação mais abrangente e em acordo com todo o

histórico da EC 45/04.

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Como exemplo de dissídios que poderíamos considerar incluídos no

referido dispositivo, temos quaisquer ações entre sindicatos, e os intra-sindicais, como

os pleitos de direitos trabalhistas de dirigente sindical licenciado, para anulação de

eleição sindical ou de cobrança de contribuições sindicais.

A respeito da cobrança de contribuições sindicais, trataremos sobre o tema

especificamente na próxima seção.

Vejamos o que diz João Oreste Dalazen:

Soaria irracional e logicamente incompreensível persistir proclamando a incompetência da Justiça do Trabalho para instruir e julgar os demais litígios emergentes da vida sindical, que, inclusive, cresceram desmedidamente após a CF/88 e tendem a aumentar se se implantar um regime de plena liberdade sindical em nosso país, como se anuncia. Com efeito, as mesmas razões que ditaram a expansão dos domínios da Justiça do Trabalho para os conflitos sobre representação sindical concorrem para o reconhecimento de igual competência para todos os demais dissídios individuais sobre direito sindical. Resulta manifesto que os Tribunais do Trabalho devem ser reputados os juízos naturais de causas dessa espécie, quando menos pela notória especialização requerida no julgamento58.

Os ilustres autores Osmair Couto e Renato de Oliveira Luz trazem

argumentos que assim interpretam o inciso III:

Se o texto do citado inciso não contivesse a primeira vírgula, ai sim, o entendimento sinalizaria a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações sobre representação sindical, as quais poderiam se dar, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores e entre sindicatos e empregadores. Contudo, a colocação da primeira vírgula, logo após “representação sindical”, conduz ao entendimento de que o dispositivo trata, como já dito, de ações distintas, ou seja: ações sobre representação sindical, ações entre sindicatos, ações entre sindicatos e trabalhadores e ações entre sindicatos e empregadores. Registre-se que, repisando, antes da vírgula que inicia a enumeração temos “as ações SOBRE representação sindical”. Nas outras enumerações, fica subtendida a expressão “as ações SOBRE”, o que implica lermos o dispositivo assim: “as ações sobre representação sindical, (as ações sobre) entre sindicatos, (as ações sobre) entre sindicatos e trabalhadores, e (as ações

58 Op. cit., p.57.

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sobre) entre sindicatos e empregadores”. Como se vê, gramaticalmente não é possível no texto a junção das preposições SOBRE e ENTRE. No nosso entender, o texto legal deveria ser redigido assim: “III – as ações entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, entre sindicados e empregadores e sobre representação sindical”59.

Utilizamos os dois argumentos acima porque acreditamos ser os mais

coerentes e os que mais expressam a vontade do constituinte derivado reformador. O

inciso III, sob nosso entendimento, deve ser interpretado em consonância com o

conjunto da EC 45/04, no tocante à Justiça do Trabalho.

Como argumenta o ministro Dalazen, não é crível que a intenção do

legislador fosse que tão somente as ações sobre representação sindical se transferissem

ao âmbito da Justiça do Trabalho. Tal entendimento corrobora com a interpretação

dada pelos ilustres autores acima, pois uma análise gramatical mais aguçada

proporciona deduzir que, realmente, o inciso III tem alcance mais amplo do que parece

ter à primeira vista.

Importante citar a decisão do STJ, proferida no Agravo Regimental no

Agravo Regimental no Recurso Especial 2005/0044160-9, a qual diz:

DIREITO SINDICAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA E PECUÁRIA - CNA. EC N.º 45/04. ART. 114, III, DA CF/88. NORMA DE EFICÁCIA PLENA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. A decisão monocrática que ora se pretende reformar foi proferida com base em robustos fundamentos, havendo reproduzido o entendimento que já havia sido firmado pela Primeira Seção deste Tribunal acerca da matéria. Não há, portanto, como lhe imputar a pecha de falta de motivação. 2. Após a Emenda Constitucional n.º 45/04, a Justiça do Trabalho passou a deter competência para processar e julgar não só as ações sobre representação sindical (externa - relativa à legitimidade sindical, e interna - relacionada à escolha dos dirigentes sindicais), como também os feitos intersindicais e os processos que envolvam sindicatos e empregadores ou sindicatos e trabalhadores.3. As ações de cobrança de contribuição sindical propostas pelo sindicato, federação ou confederação respectiva contra o empregador, após a Emenda,

59 COUTO, Osmair; LUZ, Renato de Oliveira. A competência da Justiça do Trabalho para conhecer as ações sobre representação sindical – ações entre sindicatos – ações entre sindicatos e trabalhadores e entre sindicatos e empregadores por força da EC n. 45/2004. In: PINHEIRO, Alexandre Augusto Campana (Coord.). Competência da Justiça do Trabalho, aspectos materiais e processuais: de acordo com a EC n. 45/04. São Paulo: LTr, 2005, p. 115.

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devem ser processadas e julgadas pela Justiça Laboral. Precedentes da Primeira Seção. 4. O TST, em recentes julgados sobre a matéria, reconheceu que, por força da EC n.º 45/04, houve significativa ampliação de sua competência constitucional, que passou a abarcar, dentre outras, as causas ajuizadas por sindicato patronal contra empresa por ele representada, objetivando o recebimento de contribuição sindical (RR 804.986/2001.1, Rel. Juíza Convocada Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, DJ de 20.05.05; RR 49.046/2002-900-04-00.9, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ de 06.05.05; RR 99.207/2003-900-04-00.6, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DJ de 13.05.05 e RR 69.235/2002-900-04-00.8, Rel. Juiz Convocado Ricardo Machado, DJ de 03.06.05). 5. A regra de competência prevista no art. 114, III, da CF/88 é norma de eficácia plena e produz efeitos imediatos, a partir da publicação da EC n.º 45/04, atingindo os processos em curso, ressalvado o que já fora decidido sob a regra de competência anterior. 6. Agravo regimental improvido60. (grifo nosso)

Há outra consideração importante que talvez não tenha, ainda, chegado ao

crivo dos nossos tribunais.

O inciso III do artigo 114 fala, tão somente, em “sindicatos”, e não em

“entidades sindicais”. As lides que envolvam outros entes sindicais, como as

federações e as confederações, versando sobre representação sindical, inclusive,

seriam de competência da Justiça Laboral?

Entendemos que sim, corroborando com o raciocínio já exposto. Seria

ilógico a Justiça do Trabalho julgando, por exemplo, lides entre sindicatos sobre

representação sindical, e a Justiça Comum julgando as mesmas lides, mas entre

federações ou confederações sindicais.

Mister citar Reginaldo Melhado, que, neste sentido, afirma:

O dispositivo em questão alude a sindicatos. Deve-se entender compreendidas nessa locução as entidades sindicais de qualquer grau. Ações envolvendo federações, confederações e centrais sindicais também são competência da Justiça do Trabalho, desde que versem sobre algumas das matérias fixadas no art. 114, ou sobre a representação dos trabalhadores e empregadores, inclusive aquela feita no próprio local de trabalho (art. 11 da Constituição) ou nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses

60 STJ, Rec Esp 734.126 – SP, 2ª Turma, Rel. Ministro Castro Meira, DJ – 01.02.2006.

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profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação (art. 10). Uma leitura restritiva da norma constitucional, limitando a competência aos sindicatos de primeiro grau – e, logo, excluindo todas as demais organizações – levaria ao ridículo: a Justiça Comum seguiria decidindo sobre matéria sindical, própria do Direito do Trabalho, e a competência estaria absurdamente cindida nesse campo específico do direito material61.

Convém esclarecer que alguns destes questionamentos ainda não chegaram

aos nossos tribunais. O que escrevemos expressa somente a nossa opinião e a opinião

de consagrados juristas, carecendo, ainda, da solidez de decisões jurisprudenciais.

4.7.3 Conclusão

Para nós, ao analisarmos o inciso III, do artigo 114, da CF, concluímos:

a) Muito embora o inciso III fale em “sindicatos”, é lógico interpretar que

são de competência da Justiça do Trabalho as ações que envolvam também

outros entes sindicais, quais sejam as confederações e federações;

b) O inciso III se refere a todas as ações que entre os entes sindicais, entre

entes sindicais e empregadores e entre sindicais e trabalhadores, não apenas

às ações sobre representação sindical.

4.8 Ações de cobrança de contribuição sindical

Como discorremos na seção anterior, o inciso III, do artigo 114, da CF,

refere-se não somente às ações sobre representação sindical, mas a todas as ações que

tenham como sujeitos entes sindicais.

61 MELHADO, Reginaldo. Da dicotomia ao conceito aberto: As novas competências da Justiça do Trabalho. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes (Coor.); FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova Competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 334.

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Assim, temos que as ações de cobrança de contribuição sindical, que é

estatuída por lei, também são de competência da Justiça do Trabalho, por força de tal

dispositivo.

A doutrina tinha dúvidas quanto a essa questão, porquanto a contribuição

sindical é instituída por lei. Antes da EC 45/04, as ações de cobrança das contribuições

instituídas por acordo ou convenção coletiva já eram de competência da Justiça do

Trabalho, por força da lei 8894/1995; porém, as ações de cobrança de contribuições

sindicais, instituídas por lei e não por acordo/convenção coletiva, não eram de

competência da Justiça do Trabalho, justamente por este detalhe.

Com o advento da EC 45/04 e o acréscimo do inciso III ao artigo 114,

pairou a dúvida se tais ações teriam de ser propostas na Justiça do Trabalho.

Pelo que já explicamos na seção anterior, no sentido de que todas as ações

entre entes sindicais, entre entes sindicais e trabalhadores, e entre entes sindicais e

empregadores são de competência da Justiça do Trabalho, não resta dúvida de que as

ações de cobrança de contribuição sindical também o são.

Aliás, a própria jurisprudência tem se manifestado neste sentido. Vejamos a

decisão proferida em conflito de competência julgado pelo STJ:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL INSTITUÍDA POR LEI. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA. ART. 114, INCISO III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EC N.º 45 DE 08 DE DEZEMBRO DE 2004. APLICAÇÃO IMEDIATA. ART. 87 DO CPC. REMESSA, DE OFÍCIO, DOS AUTOS À JUSTIÇA LABORAL. 1. Examina-se conflito de competência negativo suscitado pelo Juízo Federal da Vara de Guarapuava/PR em face do Juízo de Direito da Primeira Vara Cível, também da cidade de Guarapuava/PR. O ponto em debate no processado está fundado no exame de competência entre a Justiça Estadual Comum e a Justiça Federal para processar e julgar ação de cobrança ajuizada pela Confederação Nacional da Agricultura e outros objetivando o recebimento de contribuição sindical fundada no art. 578 e seguintes da

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Consolidação das Leis Trabalhistas. O Douto representante do Parquet opinou pela declaração de competência da Justiça Comum Estadual. 2. Ainda que instaurado o conflito de competência nos moldes exigidos pelo art. 115, I e II do CPC, reconheço a incompetência absoluta de ambos os juízos para processar e julgar o presente feito, por entender ser a matéria de competência da Justiça Laboral. 3. O entendimento jurisprudencial desta Corte estava firmado no sentido de atribuir competência à Justiça Comum Estadual para processar e julgar as ações relativas à contribuição sindical instituído por lei. Instaurou-se, entretanto, novo panorama jurídico oriundo da reforma operada na Carta Magna com a edição da Emenda Constitucional n.º 45 de 08 de dezembro de 2004. 4. A EC n.º 45 dispõe, conforme redação que deu ao art. 114, III da CF/88, que: "Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: ... III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores." 5. As ações ajuizadas por entidades sindicais atinentes à cobrança de contribuição sindical devem ser processadas e julgadas na Justiça Trabalhista em face da carga cogente do art. 114, inciso III da Constituição Federal. Competência atribuída pela EC n.º 45 de 08 de dezembro de 2004. 6. No tocante ao fenômeno da aplicação da Emenda Constitucional referida no tempo, tenho que ela se aplica, desde logo, em virtude do disposto na parte final do art. 87 do CPC. Qualquer decisão proferida por órgão judiciário incompetente, após a vigência da EC 45, é nula de pleno direito, por ser a incompetência absoluta inderrogável (art. 111 do CPC). 7. Em face do exposto, DETERMINO, DE OFÍCIO, o envio dos autos da ação de cobrança ajuizada pela Confederação Nacional da Agricultura e Outros para distribuição a uma das Varas da Justiça do Trabalho da cidade de Guarapuava/PR62.

Não temos dúvida de que a competência para processar e julgar tais lides é

da Justiça do Trabalho e que a jurisprudência confirmará, como já tem feito, este

entendimento.

4.9 Mandados de segurança e habeas corpus, quando o ato questionado

envolver matéria sujeita à jurisdição da Justiça do Trabalho

A primeira impressão que temos, ao ler o inciso IV do artigo 114 da CF, é

que a questão não enfrenta maiores dificuldades. No caso do mandado de segurança,

por exemplo, basta que alguma autoridade pública, seja um órgão judicial ou

administrativo, interfira em direito líquido e certo de qualquer cidadão para que se

configure uma situação que enseje o mandado de segurança.

62 STJ, CC 49.659-PR, 1ª Seção, Rel. Ministro José Delgado, DJ – 17.10.2005.

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Entretanto, este inciso traz maiores implicações, as quais discorreremos

adiante.

Antes da EC 45/04, não havia nenhum dispositivo legal, tampouco

constitucional, estabelecendo a competência da Justiça do Trabalho para julgar os

remédios citados quando a matéria envolvida era sujeita a sua jurisdição. Havia uma

jurisprudência pacífica aceitando, em certos casos, tais remédios constitucionais.

A grande mudança que a EC 45/04 trouxe foi alargar o entendimento, além

de lhe garantir uma previsão constitucional, tornando a matéria indiscutível. A

jurisprudência admitia a impetração de mandado de segurança na seara laboral apenas

quando a autoridade coatora fosse o próprio magistrado na prática de ato judicial.

A novidade, agora, é que a matéria passa, também, a ser fator relevante na

determinação da competência para julgamento dos “remédios constitucionais”.

4.9.1 Mandado de segurança

Diz o professor Hely Lopes Meirelles:

Mandado de Segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça63.

Na Justiça do Trabalho, era cabível o mandado de segurança apenas quando

a autoridade coatora era o próprio juiz do trabalho. Aliás, há uma tendência nos

tribunais que autoriza uma utilização equivocada desse instrumento como um

63 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 27º ed. Atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 21-22.

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sucedâneo recursal, mormente em face do princípio da irrecorribilidade das decisões

interlocutórias, em nossa singela opinião.

Essa situação não se altera, pois esses casos não foram alterados pela EC

45/04. Houve apenas um elastecimento quanto ao campo de aplicação do mandado de

segurança na Justiça do Trabalho. O texto novel do artigo 114 fala em cabimento na

Justiça Especializada desde que a matéria seja afeta à sua jurisdição.

Com isso, a competência foi ampliada para alcançar quaisquer atos de

autoridade (judiciária ou administrativa), desde que relacionados com matéria sujeita à

jurisdição trabalhista. Por exemplo:

a) Mandados de segurança oriundos da relação de trabalho, como entre

o empregado público e a Administração Pública (inciso I);

b) Atos de autoridades públicas relacionados com o exercício do direito

de greve (inciso II);

c) Atos de autoridades públicas relacionados com a representação

sindical (inciso III);

d) Atos de autoridades públicas relacionados às penalidades

administrativas impostas por órgão da fiscalização do trabalho;

e) Atos proferidos por magistrados do trabalho.

Convém ressaltar que a questão não é tão simples quanto parece. Todos

estes casos podem ensejar inúmeras situações que acarretarão dúvidas ao intérprete da

lei.

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O primeiro desafio será para reconhecer em qual órgão da Justiça do

Trabalho o mandado de segurança deverá ser impetrado. Não é lógico admitir que um

ato do Presidente da República, questionado perante do Supremo Tribunal Federal

quando a matéria não está sujeita à Justiça do Trabalho (art. 102, I, d) seja apreciado

pelo órgão de primeira instância trabalhista. Não obstante o zelo e a competência dos

nossos magistrados que atuam nas Varas do Trabalho, a Constituição Federal sempre

garantiu foro privilegiado a certos agentes políticos, em especial tratando-se de ação

mandamental.

Vejamos:

a) Autoridades administrativas (delegados regionais do trabalho, órgãos

encarregados do registro sindical, salvo quando praticados pelo próprio Ministro do

Trabalho, e autoridades administrativas do INSS): Varas do Trabalho;

b) Juízes do trabalho: Tribunais Regionais do Trabalho;

c) Juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho: Tribunais Regionais do

Trabalho (de acordo com o Regimento Interno de cada Regional; por exemplo, no

TRT da 2ª Região, vide o artigo 37-A, I, b, do seu Regimento Interno);

d) Ministros do Tribunal Superior do Trabalho: Tribunal Superior do

Trabalho, de acordo com o seu Regimento;

e) Procuradores do Trabalho: Tribunais Regionais do Trabalho,

utilizando-se analogicamente o art. 108, I, a, da CF;

f) Prefeitos e outros agentes políticos municipais (Secretários e

Presidentes de Câmaras de Vereadores): Tribunais Regionais do Trabalho (de acordo

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com o Regimento de cada Regional ou utilizando-se analogicamente a Lei de

Organização Judiciária Estadual);

g) Governadores de Estado, do Distrito Federal e agentes políticos

estaduais (Secretários e Presidentes de Assembléia Legislativa): Tribunais Regionais

do Trabalho (de acordo com o Regimento de cada Regional ou utilizando-se

analogicamente a Lei de Organização Judiciária Estadual);

h) Ministros de Estado: Superior Tribunal de Justiça, utilizando-se o artigo

105, I, b, da Constituição Federal, bem como a decisão proferida no mandado de

segurança 2005/0001694-2 do STJ;

i) Presidente da República, Mesas da Câmara dos Deputados e Senado

Federal, do Tribunal de Contas e Procurador Geral da República: Supremo

Tribunal Federal, por força do artigo 102, I, d, da CF.

Importante citar André Araújo Molina:

O fato que define a competência funcional para processamento e julgamento do mandado de segurança é a categoria da autoridade dita coatora e sua sede de atuação funcional. (...) A interveniência da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios não induzirá o deslocamento da competência originária da Justiça do Trabalho para a Justiça Comum (parágrafo único do art. 99 do CPC), seja Federal ou Estadual, desde que a matéria questionada seja afeta à jurisdição da Justiça Especializada64.

Entendemos que, no caso do Presidente da República, das Mesas da Câmara

dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas e Procurador Geral da

República, não há que se questionar a competência do STF. No caso dos Ministros de

Estado, importante citar uma decisão do STJ acerca do tema:

64 MOLINA, André Araújo. O novo inciso IV do artigo 114 da Constituição Federal e a sua aplicabilidade, abrangência e procedimento na Justiça do Trabalho. In: PINHEIRO, Alexandre Augusto Campana (Coord.). Competência da Justiça do Trabalho, aspectos materiais e processuais: de acordo com a EC n. 45/04. São Paulo: LTr, 2005, p. 115.

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CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA – REGISTRO SINDICAL - IMPUGNAÇÃO - SOBRESTAMENTO DO PEDIDO - CONFLITO DE REPRESENTAÇÃO - COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR A PRETENSÃO DIRIGIDA CONTRA O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO, NÃO OBSTANTE A NOVA REDAÇÃO DO ART. 114, IV, DA CARTA MAGNA - PREVALÊNCIA DA NORMA ESPECIAL PREVISTA NO ART. 105, I, B, DA CF - DESPACHO PROFERIDO PELO SECRETÁRIO DAS RELAÇÕES DO TRABALHO, NO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA DELEGADA PELO MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO – SÚMULA 510/STF - ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO MINISTRO DE ESTADO - EXTINÇÃO DO PROCESSO, COM A REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA DO TRABALHO PARA EXAME DA PRETENSÃO DIRIGIDA CONTRA A AUTORIDADE REMANESCENTE. 1. Não obstante a nova redação do art. 114 da Constituição Federal, em relação aos mandados de segurança impetrados contra ato do Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, evidencia-se a prevalência do art. 105, I, b, da Carta Magna, sobre o retrocitado dispositivo constitucional, por tratar-se de norma de caráter especial. Com efeito, o art. 105, I, b, confere aos Ministros de Estado, Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, bem como aos membros do próprio tribunal, a prerrogativa de foro de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça dos mandados de segurança impetrados contra seus atos. 2. Conclui-se, portanto, que restou inalterada a competência deste Tribunal Superior para processar e julgar mandados de segurança impetrados contra ato do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, ainda que o mandamus verse sobre as matérias elencadas no art. 114 da Constituição Federal. 3. O writ foi impetrado contra o despacho proferido pelo Senhor Secretário das Relações do Trabalho, que acolheu a impugnação apresentada em face do pedido de registro sindical formulado pelo impetrante. 4. É evidente a ilegitimidade passiva ad causam do Senhor Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, pois o ato apontado como coator foi exclusivamente praticado pelo referido Secretário, no uso de suas atribuições delegadas pelo titular da pasta. Incidência do enunciado da Súmula 510/STF. 5. Segundo a orientação desta Corte Superior, admite-se a remessa dos autos ao Juízo competente nos casos em que remanesce no pólo passivo do mandamus autoridade que não está inserida no art. 105, I, b, da Carta Magna. Precedentes. 6. Extinção do processo, sem julgamento do mérito, em relação ao Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, com fundamento no art. 267, VI, do Código de Processo Civil, determinando-se o encaminhamento dos autos à Justiça do Trabalho, a fim de que examine a pretensão dirigida em face do Senhor Secretário de Relações do Trabalho (CF, art. 114, III e IV)65. (grifo nosso)

Percebe-se, portanto, que o inciso IV, do art. 114, da CF, segundo

entendimento preliminar do STJ, não afasta a incidência do artigo 105, I, b, da CF,

mesmo quando a matéria for sujeita à jurisdição trabalhista.

65 STJ, MS 10295 / DF, 1ª Seção, Rel. Ministra Denise Arruda, DJ – 23.11.2005.

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Ainda não há jurisprudência consolidada quanto aos mandados de

segurança impetrados em face de Governadores de Estado ou Distrito Federal e

agentes políticos estaduais, Prefeitos ou agentes políticos municipais e membros do

Ministério Público do Trabalho. O critério que utilizamos acima é a analogia, ainda

carente de sustentação jurisprudencial.

Devemos, portanto, aguardar e saber como se posicionarão os tribunais

acerca dessas controvertidas questões.

Há uma outra discussão sobre o mandado de segurança que devemos

abordar. Alguns doutrinadores entendem que, quando o Estado age como contratante

de agentes públicos, qualquer que seja o regime, age como se fosse um particular,

sendo descabido o mandado de segurança nesses casos. Vejamos, novamente, o que

diz André Araújo Molina:

Partindo-se dessa diferenciação, tem-se que o Estado quando contrata agentes públicos, sejam celetistas, estatutários ou de regime especial, age em condições de igualdade com o particular, praticando atos de gestão. Logo, para alguns, nestas hipóteses, não estaria autorizada a impetração do mandado de segurança, pois não há possibilidade de prática de atos genuinamente estatais que possam lesar direito líquido e certo dos possíveis impetrantes66.

Para nós, esta diferença entre os atos administrativos não acarreta muitos

efeitos práticos, razão pela qual os atos sempre serão emanados por autoridade pública

e, ferindo direito líquido e certo de um particular, ensejam a ação mandamental,

observados os seus demais requisitos.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisco LXIX, não fez qualquer

menção a tal diferença, dizendo apenas que

conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela

66 Op. cit., p. 110.

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ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

O próprio STF já havia decidido nesse sentido. Como exemplo, uma

decisão de 1993 (há dezesseis anos atrás, portanto), na qual o ministro Sepúlveda

Pertence, decidindo favoravelmente á tese por nós defendida, asseverou, em seu voto:

“sendo, pois, ato de autoridade, o Decreto Presidencial que dispensa servidor público,

embora regido pela legislação trabalhista, a sua desconstituição pode ser postulada em

mandado de segurança”67.

Destarte, não procede a afirmação de que não é cabível mandado de

segurança contra atos administrativos de gestão.

A conclusão fica a cargo do mesmo André Araújo Molina:

Defendo, pois, que é plenamente cabível a impetração do mandamus para atacar atos ilegais ou abusivos praticados pelo Poder Público em situações ocorridas na relação de trabalho, situações estas que possam ferir direito líquido e certo do trabalhador, v.g., dispensa, redução salarial, mudança de função, suspensão disciplinar, negativa de aplicação de reajuste concedido, entre tantas outras situações, mesmo que doutrinariamente classificadas como atos de gestão68.

Importante citar alguns exemplos de mandado de segurança abarcados pela

EC 45/04:

a) Mandados de segurança envolvendo a atuação do Ministério Público do

Trabalho, em especial na condução de procedimentos administrativos, como os

inquéritos civis;

b) Multas aplicadas pelos fiscais de trabalho em situações que não

configuram infrações;

67 STF, MS 21.109-DF, TP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 19.2.1993. 68 Op. cit., p. 111.

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c) Delegado regional do trabalho que lança indevidamente o nome do

empregador em lista de empresas que utilizam trabalho escravo;

Não podemos deixar de ressaltar que, ante medida liminar concedida na

ADIN n. 3.395-DF pelo ministro Nelson Jobim, as ações oriundas da relação entre o

servidor público estatutário e a Administração Pública continuam sob competência da

Justiça Comum, razão pela qual os mandados de segurança que envolvam essa matéria

não estão sujeitos à jurisdição da Justiça do Trabalho.

4.9.2 Habeas Corpus

A Constituição Federal prevê no artigo 5º, inciso LXVIII, que

conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Segundo o professor Alexandre de Moraes, habeas corpus é

uma garantia individual ao direito de locomoção, consubstanciada em uma ordem dada pelo Juiz ou Tribunal ao coator, fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de locomoção em sentido amplo – o direito do indivíduo de ir, vir e ficar69.

Era pacífico o entendimento de ser competência da Justiça do Trabalho o

habeas corpus impetrado em face de magistrado do trabalho, excluindo-se os casos

nos quais a prisão era decorrente de ato ilícito criminal. O writ seria apreciado pela

Justiça Laboral quando a ameaça à liberdade fosse uma prisão civil, mormente no caso

do depositário infiel e do devedor de prestação alimentícia.

Por exemplo: o juiz do trabalho determina a prisão do depositário infiel,

quando este não assinou o termo de depositário. A prisão do depositário infiel, como

69 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 138.

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se sabe, é uma prisão civil. O habeas corpus, nesse caso, continuará sendo apreciado

pelo Tribunal Regional do Trabalho.

Entendemos que o antigo posicionamento em nada foi alterado com o

advento da EC 45/04: o writ só será cabível quando tratar-se de prisão civil. Nos

demais casos em que possa haver prisão proveniente de um processo trabalhista, a

competência é da Justiça Federal, vez que, inevitavelmente, a prisão será decorrente da

prática de crime, fator que afasta a competência da Justiça do Trabalho por esta não

deter competência para matéria criminal. Nesse sentido, vide a seção 3 deste capítulo.

Como exemplo, temos os casos de prisão por desobediência (art. 330, CP),

por desacato (art. 331, CP), por falso testemunho ou falsa perícia (art. 342, CP).

Acreditamos ser esse o entendimento mais acertado, pois o ato questionado

não é sujeito à jurisdição da Justiça do Trabalho.

Finalizando esse raciocínio, importante citar novamente André Araújo

Molina:

Em conclusão, se a prisão é de natureza civil – infiel depositário ou devedor de pensão alimentícia (para aqueles que a admitem) – competente é a própria Justiça do Trabalho para julgar, seja de que hierarquia for a autoridade coatora. Se a decisão do juiz do trabalho constranger a liberdade do indivíduo em razão de crime capitulado no Código Penal ou na legislação extravagante, competente será a Justiça Federal, em cada uma das hipóteses seguintes: Tribunais Regionais Federais quando o coator for juiz do trabalho de primeiro grau (alínea d do inciso I do art. 108 da CF/88), Superior Tribunal de Justiça quando o coator for Juiz de segundo grau (alínea c do inciso I do art. 105 da CF/88) e, por fim, o Supremo Tribunal Federal quando a autoridade coatora for Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (alínea d do inciso I do art. 102 da CF/88)70.

O habeas corpus impetrado em face de juiz de Tribunal Regional do

Trabalho deverá ser apreciado pelo Tribunal Superior do Trabalho, não obstante o

70 Op. cit., p. 130.

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artigo 105, I, c, da Constituição Federal, que determina ser o Superior Tribunal de

Justiça competente. Cremos que o inciso IV do artigo 114 declina de forma

peremptória tal competência para a Justiça do Trabalho. Ressalte-se que estamos

falando das prisões de natureza civil, pois para as prisões de natureza criminal o

Superior Tribunal de Justiça continuará competente, nos termos do dispositivo

constitucional citado. Ressalte-se que não encontramos decisões jurisprudenciais

acerca de tal caso.

Questão interessante surge na esfera do exercício do direito de greve.

Poder-se-ia atribuir à Justiça do Trabalho a competência para julgar e processar habeas

corpus contra ato da autoridade policial de que resultou a prisão de trabalhadores pelo

mero exercício do direito da greve?

Cremos que, como tal prisão será decorrente da acusação de algum crime

supostamente cometido pelo trabalhador, afastada estará a competência da Justiça do

Trabalho.

Importante ressaltar que o habeas corpus poderá ser impetrado contra

particular, desde que a violação à liberdade do paciente seja oriunda de uma relação de

trabalho. Nesse sentido, citamos o professor Alexandre de Moraes:

O habeas corpus deverá ser impetrado contra o ato do coator, que poderá ser tanto autoridade (delegado de polícia, promotor de justiça, juiz de direito, tribunal, etc.) como particular71.

Quando a violação à liberdade decorre de um crime, como, por exemplo, o

crime de redução à condição análoga de escravo (CP, art. 149), a competência será da

Justiça Comum, pelas razões já expressas.

71 Op. cit., p. 144.

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4.10 Conflitos de competência entre órgãos de jurisdição trabalhista

A EC 45/04 acrescentou ao artigo 114, da CF, o inciso V, determinando que

“os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o

disposto no art. 102, I, o” sejam processados e julgados pela Justiça do Trabalho.

Tal dispositivo veio apenas constitucionalizar os entendimentos já

pacificados pelos Tribunais Superiores. Essa competência, portanto, não é novidade; a

novidade foi a sua inserção de forma expressa no texto constitucional.

Havendo conflito entre Varas do Trabalho, entre estas e Tribunais

Regionais e entre esses, a competência é da Justiça do Trabalho. O mesmo ocorre no

caso de conflito entre Vara do Trabalho e órgão da Justiça Estadual investido de

jurisdição trabalhista, como já decidido, consoante a Súmula 180 do Superior Tribunal

de Justiça:

Na lide trabalhista, compete ao Tribunal Regional do Trabalho dirimir conflito de competência verificado, na respectiva Região, entre Juiz Estadual e Junta de Conciliação e Julgamento72.

O mesmo ocorre entre dois órgãos da Justiça Estadual investidos de

jurisdição trabalhista.

4.11 Ações por danos materiais e morais decorrentes da relação de

trabalho

O inciso VI do artigo 114 da Constituição Federal corrobora o que já foi

defendido neste trabalho: para se definir a competência da Justiça do Trabalho, pouco

importa qual regra de direito material o juiz aplicará. Este inciso abriu, claramente, a

72 STJ, Súmula nº 180, DJ 17/02/1997.

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competência para matérias que não são parcelas trabalhistas típicas, como a

responsabilidade civil.

Tal inciso está inserido na perspectiva antes narrada pela jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal, que apontava o critério de que a competência material da

Justiça do Trabalho não se limita a analisar lides envolvendo interpretação de normas

trabalhistas típicas, mas também de lides trabalhistas que envolvam interpretação de

outros ramos do Direito, como o Direito Civil, por exemplo.

Vejamos:

Justiça do Trabalho. Competência: Ação de reparação de danos decorrentes de imputação caluniosa irrogada ao trabalhador pelo empregador a pretexto de justa causa para a despedida e, assim, decorrente da relação de trabalho, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil73.

Em igual sentido, já havia posicionamento do TST pela competência da

Justiça do Trabalho para solver litígios referentes à indenização por dano moral, desde

que “decorrente de relação de trabalho”. Vejamos:

OJ-SDI-I n. 327 – Dano Moral. Competência da Justiça do Trabalho. Nos termos do art. 114 da CF/88, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrente de relação de trabalho74.

A OJ 327, em 20/04/2005, foi convertida na Súmula 392 do TST.

Como se vê, a nova redação do artigo 114 da Constituição Federal apenas

ratificou o entendimento jurisprudencial do STF e do TST, embora, ressalte-se, o STJ

mantinha posição dúbia acerca da matéria, ora decidindo pela competência da Justiça

do Trabalho, ora definindo a competência da Justiça Estadual.

73 STF, 1ª T, RE n. 238.73704, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, Diário da Justiça n. 226, Seção 1, 25/11/98, p. 22. 74 TST, OJ-SDI-I nº 327, DJU 09/12/2003, convertida na Súmula 392, DJ 20/04/2005.

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Alguns doutrinadores questionam a real necessidade de tal inciso. Por força

da parte inicial do inciso I, cabe à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações

oriundas da relação de trabalho; assim, não é imaginável a necessidade de se perquirir

a natureza jurídica do dano cuja reparação se busca.

Entretanto, a menção, neste inciso, a dano “moral” talvez se justifique em

razão da controvérsia estabelecida na jurisprudência pelo STJ e encerrada, aqui, com a

EC 45/04.

Destarte, eventual dano moral ou material, decorrente dos contratos de

trabalho lato sensu, deverá ser pleiteado na Justiça do Trabalho, inclusive aquele

decorrente de acidente de trabalho, o qual preparamos uma seção especialmente para

tratar do assunto. Obviamente que dano moral ou material decorrente da relação de

trabalho entre o servidor público estatutário e o Poder Público, em fade da ADIN

3395-6, e decorrente das relações de consumo (como a relação médico/paciente;

advogado/cliente, etc.), não são competência da Justiça do Trabalho.

Com sábia experiência, ensina o ministro João Oreste Dalazen:

Se, pois, o dano mantém uma relação direta, de causa e efeito, com o contrato de emprego, de tal modo que a causa de pedir do pedido de indenização repousa na qualidade jurídica ostentada pelos sujeitos do conflito intersubjetivo de interesses (empregado e empregador, agindo nesta condição), inarredável a competência da Justiça do Trabalho, ao menos a partir da EC 45/04, para solucionar a lide75.

Existem algumas questões importantes a serem levantadas, mas ainda de

difícil discussão e argumentação sólida, ante a novidade do tema e a falta de uma

orientação jurisprudencial e doutrinária segura.

75 Op. cit., p. 62.

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4.11.1 Dano moral ocorrido durante a greve

É seguro dizer que os danos, material e moral, provenientes de atos ilícitos

praticados durante a greve, são competência da Justiça do Trabalho?

Entendemos que com o advento da EC 45/04, é imperioso outorgar à Justiça

do Trabalho a competência para julgamento de tais ilícitos. Se um empregador ofende

um empregado, ou vice-versa, causando-lhe danos a sua imagem, entendemos ser a

Justiça Laboral competente para julgar eventual pleito de indenização de danos morais,

o mesmo acontecendo em caso de danos materiais.

Outra hipótese vislumbrada seria a possibilidade de o Estado ser condenado

a reparar prejuízo material e moral que causar ao trabalhador ao exceder, por exemplo,

no uso do aparato policial, utilizando-o de forma abusiva e desnecessária durante a

greve. Mesmo não existindo uma relação de trabalho entre o trabalhador e o Estado,

entendemos que cabe à Justiça do Trabalho, por envolver diretamente o exercício do

direito de greve, exegese dos incisos II e VI do artigo 114 da CF.

Destacamos que não há decisões jurisprudenciais sobre o tema e

expressamos aqui apenas a nossa tese, no aguardo da sedimentação da jurisprudência e

da doutrina.

4.11.2 Dano moral ou patrimonial entre trabalhadores

Em pesquisa sobre o assunto, encontramos a seguinte opinião que nos

chamou a atenção:

O inciso VI do art. 114 da CF, por sua vez, respalda a competência da Justiça do Trabalho para, por exemplo, a ação de um empregado em face de outro empregado por ato praticado por este em decorrência de uma relação de emprego. Imaginem a hipótese do empregado assediado que pode exigir

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do assediante, seu colega de trabalho, uma indenização por danos morais e materiais76.

Não obstante o inteligente raciocínio do ilustre colega, entendemos não ser

competência da Justiça do Trabalho as ações supramencionadas, visto que entre

empregados não há relação de trabalho, tampouco relação de emprego. A relação se

estabelece, na verdade, entre o empregado e o seu empregador, que são sujeitos da

relação de emprego, ou entre o trabalhador e o tomador de serviços na relação de

trabalho.

Neste caso, a ação não seria oriunda tampouco decorrente de uma relação

de trabalho. Defendemos que o mais acertado é a permanência de tais ações onde

estão: na Justiça Comum.

Também não encontramos jurisprudência sobre o assunto, nos fazendo

reforçar o objetivo perseguido neste trabalho, qual seja o de mostrar nosso

entendimento pessoal.

4.11.3 Dano moral ou patrimonial decorrente de relação de consumo

Mister esclarecer também que, como acreditamos não estar inserida na

competência da Justiça do Trabalho as ações oriundas das chamadas “relações de

consumo”, os danos morais e patrimoniais delas decorrentes, por consequência lógica,

também continuam sob a égide da Justiça Comum.

Citamos, como exemplo, o ilustre colega Edilton Meireles novamente:

Assim, por exemplo, celebrado um contrato de prestação de serviços entre o paciente e o médico, eventual litígio decorrente dessa relação de trabalho deve ser julgado pela Justiça do Trabalho. Se se pretender, outrossim, uma indenização decorrente de erro médico, da mesma forma competirá à Justiça

76 MEIRELES, Edilton. Ações indenizatórias e outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho (incisos VI e IX do artigo 114 da CF. Revista do Tribunal Superior do Trabalho – Edição especial sobre a Competência Material da Justiça do Trabalho, Brasília, n. 1, 2005, p. 277.

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do Trabalho o julgamento da ação de ressarcimento respectiva. O mesmo se diga quanto a qualquer outra relação de trabalho, a exemplo daquela formada pelo advogado e seu cliente, podendo o causídico, por exemplo, cobrar seus honorários na Justiça do Trabalho ou o cliente pedir indenização por danos causados por aquele77.

Nos casos citados pelo eminente colega podem configurar-se uma relação

de consumo, o que excluiria a competência da Justiça Laboral. Na relação entre o

médico e o seu paciente, por exemplo, há tais características: consumo de um serviço,

um fornecedor (o médico) e um consumidor final, dotado de vulnerabilidade.

Portanto, danos morais ou materiais decorrentes desta relação não serão

competência da Justiça do Trabalho, pelas mesmas razões já expostas na seção 5 deste

capítulo.

A mesma situação ocorre com o advogado e seu cliente, quando este é

consumidor final e não agrega valor ao serviço prestado pelo causídico. Trata-se de

uma relação de consumo, cujos eventuais danos morais ou materiais decorrentes de tal

relação deverão ser processados e julgados pela Justiça Comum.

4.12 Ações de danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do

trabalho

Quando da promulgação da EC 45/04, essa talvez fosse a questão mais

comentada no mundo jurídico brasileiro acerca da ampliação da competência da

Justiça do Trabalho: os pleitos de danos morais ou materiais decorrentes de acidente

de trabalho.

Muito embora o inciso VI do artigo 114 da CF determina ser a Justiça do

Trabalho competente para processar e julgar as “ações de indenização por dano moral

ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”, muitos juristas refutavam a idéia

77 Op. cit., p. 277.

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de que as ações de indenização decorrentes de acidente do trabalho haviam sido

transferidas à Justiça do Trabalho. Os argumentos são os mais variados: a disposição

no inciso I do artigo 109 da CF, que restou imodificada com a EC 45/04; a natureza da

lide, afeita à matéria trabalhista; discussões travadas no Congresso Nacional durante o

processo legislativo, dentre outras.

Até o próprio STF entendeu, num primeiro momento, ser competência da

Justiça Comum o julgamento de tais ações (RE 438639), entendimento já

predominante antes mesmo da EC 45/04. Tal entendimento acabou modificado com o

julgamento do Conflito de Competência 7204/2004-MG, como veremos adiante.

Após o posicionamento do STF, as discussões se abrandaram e se voltaram

a outros pontos da reforma ampliativa da competência laboral, como as relações de

consumo e os servidores ocupantes de cargos públicos.

Hoje, boa parte da doutrina se manifesta junto ao posicionamento do STF,

não obstante alguns segmentos do ambiente jurídico brasileiro ainda resistam a adotar

essa tese.

Para nós, não há dúvida: com o advento da EC 45/04, as lides que

envolvam indenização por danos materiais e patrimoniais decorrentes de acidente do

trabalho deverão ser processadas e julgadas pela Justiça do Trabalho, por vários

motivos, os quais demonstraremos a seguir.

4.12.1 Conceito de acidente do trabalho

Segundo o artigo 19 da Lei 8213/91, que dispõe sobre o Plano de

Benefícios da Previdência Social, acidente de trabalho é

o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 da lei,

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provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

O artigo 20 da citada lei completa:

Consideram-se acidente de trabalho as seguintes entidades mórbidas: I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

4.12.2 Histórico

Quando do advento da CLT, em 1943, não havia dúvida quanto à

competência para o julgamento de tais ações. O Decreto 24637/34 previa

expressamente a competência da Justiça Comum, de forma que a própria CLT, no § 2º

do art. 643, traz a seguinte redação: “As questões referentes a acidentes do trabalho

continuam sujeitas à justiça ordinária, na forma do Decreto 24.637, de 10 de julho de

1934, e legislação subsequente”.

O mesmo Decreto previa em seu artigo 12, que “a indenização estatuída

pela presente lei exonera o empregador de pagar à vítima, pelo mesmo acidente,

qualquer outra indenização de direito comum”. Entretanto, com o passar do tempo e

com o amadurecimento da concepção verdadeira da hipossuficiência do trabalhador, o

STF passou a admitir a responsabilidade civil do empregador por acidente do trabalho,

culminando com a Súmula 229, publicada em 1963, fixando que “a indenização

acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa do empregador”.

A Constituição de 1946 também dispunha, em seu artigo 123, ser

competência da justiça comum, o que foi mantido pela Constituição de 1967 e pela

Emenda Constitucional de 1969.

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A Lei 5.316/67, que integrou o seguro de acidente de trabalho na

Previdência Social, trouxe, em seu artigo 16, o deslocamento da competência para a

Justiça Comum Federal. Tal dispositivo foi declarado inconstitucional pelo STF, eis

que estava em vigor a Constituição de 1967, que previa expressamente o contrário. Em

1969, o STF adotou a Súmula 501, que estabelece:

Compete à Justiça ordinária estadual o processo e julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente de trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista78.

Com a Constituição de 1988 começaram a surgir novos questionamentos

quanto ao tema. Isso porque o diploma constitucional não manteve de maneira

expressa e literal os dispositivos das Cartas anteriores, que outorgavam à Justiça

Estadual o julgamento das lides decorrentes de acidente de trabalho. Há na CF/88, no

artigo 109, I, que dispõe sobre a competência da Justiça Federal, apenas uma exclusão

das causas de acidente de trabalho da competência da Justiça Federal. Pode-se

entender que apenas as ações acidentárias em face de uma autarquia federal, no caso o

INSS, continuariam na Justiça Comum Estadual.

Em 1991, foi inserida no ordenamento jurídico a lei 8.213/91, que dispõe

sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Tal diploma contém, em seu

artigo 129, dispositivo que determina ser a Justiça Comum Estadual competente para

julgamento das causas decorrentes dos acidentes de trabalho apenas no que tange aos

direitos acidentários, oriundos do seguro infortunístico. Esse dispositivo repetiu o

disposto no artigo 109, I, da CF, pois refere-se àquelas ações as quais têm o órgão

previdenciários no pólo passivo.

O STF e STJ adotavam a competência da Justiça Comum Estadual,

prevalecendo as Súmulas 501 e 1579, respectivamente, para as ações acidentárias,

78 STF, Súmula nº 501, DJ 11/12/1969. 79 STJ, Súmula nº 15. Compete à Justiça estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho. DJU 14/11/1990.

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inclusive aquelas entre empregados e empregadores. O TST vinha acolhendo a Justiça

do Trabalho como órgão competente para estas ações, nos termos da OJ 327 da SDI-I.

Em dezembro de 2004 é promulgada a EC 45/04, que acresceu o inciso VI

ao artigo 114 da Constituição, dispondo que compete à Justiça do Trabalho processar e

julgar “as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação

de trabalho”. O mencionado inciso não encerrou as discussões, trazendo, num primeiro

momento, mais controvérsia.

Em sua primeira manifestação sobre a questão após a EC 45/04, o STF, ao

julgar o Recurso Extraordinário 438.639-9, interposto pela Empresa Mineração Ouro

Velho Ltda., posiciona-se pela competência da Justiça dos Estados e do Distrito

Federal. Muito embora o eminente ministro Relator, Carlos Ayres Brito, tenha se

posicionado pela competência da Justiça do Trabalho, o mesmo acabou vencido, sob o

argumento de que era pacífico o posicionamento do STF quanto à competência para

julgar as causas de acidente de trabalho entre empregados e empregadores, não

prevalecendo o inciso VI do artigo 114 sobre a regra do artigo 109, I, da CF.

O RE 438.639-9 foi julgado em 09/03/05.

Em 29/06/2005, ao julgar o conflito de competência 7.204-1/MG, o STF

reveu seu posicionamento, declarando a Justiça do Trabalho competente para julgar as

ações decorrentes de acidente de trabalho entre trabalhador e tomador de serviços,

permanecendo a Justiça Comum Estadual competente para julgar tais ações em que o

INSS figura como parte. O relator, ministro Carlos Ayres Brito, entendeu que o artigo

109, I, da CF, diz respeito apenas às ações do INSS. Vejamos:

Constitucional. Competência judicante em razão da matéria. Ação de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho, proposta pelo empregado em face de seu (ex-) empregador. Competência da Justiça do Trabalho. Art. 114 da Magna Carta. Redação anterior e posterior à Emenda Constitucional nº 45/04. Evolução da

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jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Processos em curso na Justiça Comum dos Estados. Imperativo de política judiciária80.

4.12.3 A competência da Justiça do Trabalho – o sentido do artigo 109,

I, da Constituição Federal

Não obstante os posicionamentos contrários à competência da Justiça do

Trabalho, cremos ser acertada a decisão do STF em creditar à Justiça Laboral tal

parcela da jurisdição para o julgamento de ações entre prestador e tomador de serviços

decorrentes de acidente de trabalho.

Em primeiro lugar, uma boa parcela dos opositores à tese resistem à

mudança por simples apego a construções jurídicas do passado. Vejamos a opinião de

Sebastião Geraldo de Oliveira, que em artigo sobre o assunto diz:

As decisões que estão atribuindo competência à Justiça Comum dos Estados para apreciar tais controvérsias, data venia, só têm como sustentáculo o apego às construções jurídicas do passado. Como bem acentua o Juiz do Trabalho Fontes, não se pode estabelecer uma espécie de “competência por tradição”, pois tal critério agride o princípio do juízo natural81.

Em segundo lugar, verifica-se que o mais utilizado argumento contrário à

competência da Justiça do Trabalho, o inciso I do artigo 109 da Constituição Federal,

não nos permite concluir contrariamente à recente decisão do STF. Diz o artigo 109,

inciso I:

Art. 109 Aos juízes federais compete processar e julgar: I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

80 Ac. STF – Pleno – Conflito de Jurisdição n. 7.204-1 – Rel.: Min. Carlos Britto – J. 29.06.05 – Suscte. Tribunal Superior do Trabalho; Suscdo. Tribunal de Alçada de Minas Gerais – DJU 03.08.05. 81 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Competência para julgar as indenizações por acidente do trabalho após a EC 45/04. Revista do Tribunal Superior do Trabalho – Edição especial sobre a Competência Material da Justiça do Trabalho, Brasília, n. 1, 2005, p. 49.

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O STF e o STJ entendiam, até a EC 45/04, que devido à exceção expressa

quanto às causas de acidente de trabalho, que não seriam competência da Justiça

Federal, estas não poderiam ser competência da Justiça do Trabalho, pois o inciso

acima também excepciona que as causas sujeitas à Justiça do Trabalho não estariam

sujeitas à Justiça Federal.

Logo, se as causas de acidente de trabalho estivessem sujeitas à Justiça do

Trabalho, não haveria razão para o constituinte originário excepcionar expressamente

as causas de acidente de trabalho e as causas sujeitas à Justiça do Trabalho, pois a

primeira já estaria abrangida pela segunda.

A nosso ver, antes mesmo da EC 45/04 a Constituição Federal de 1988 já

permitia o posicionamento pela competência da Justiça do Trabalho, não obstante os

entendimentos do STF e do STJ, em consonância com as Súmulas 501 e 15,

respectivamente.

Isso porque o inciso I, do artigo 109, da CF, não nos possibilita concluir

pela competência da Justiça Comum. Primeiro, por não fazê-lo expressamente.

Segundo que uma interpretação lógica do dispositivo é suficiente para deduzir o

contrário.

O que o citado inciso quer indicar é uma exceção à regra geral, qual seja,

sempre que da relação processual participar entidade autárquica federal, como é o caso

da Previdência Social, a competência é da Justiça Federal, exceto quando se tratar de

causas relativas a acidente do trabalho, às sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do

Trabalho.

Importante citar o Juiz da 23ª Vara do Trabalho de Salvador/BA Edilton

Meireles, que em seu artigo publicado na Revista do TST explicou minuciosamente o

sentido do citado dispositivo constitucional:

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Ora, na primeira parte do inciso I do art. 109 da CF se estabelece a competência da Justiça Federal. Tem-se, assim, a regra geral: “as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes”. Desse rol de ações de competência da Justiça Federal, no entanto, o constituinte estabeleceu algumas exceções. Elas seriam: a) às causas de falência em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes; b) às causas sujeitas à Justiça Eleitoral em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes; c) às causas sujeitas à Justiça do Trabalho em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes; e, d) às causas decorrentes de acidente de trabalho em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes. Nessa última hipótese, tem-se a ação acidentária proposta pelo segurado em face da autarquia oficial de previdência social (o INSS). Pela regra geral, essa causa seria de competência da Justiça Federal. Em face de exceção, deslocou-se a competência para a Justiça Estadual. Obviamente que nesta última hipótese não se insere a ação do empregado em face do empregador privado ou dos entes públicos estaduais e municipais em decorrência do acidente do trabalho. Isso porque esta ação não tem a União, entidade autárquica federal ou empresa pública federal como interessada82.

Corroboramos com as palavras do eminente jurista. Adotaremos seu

posicionamento para todos os efeitos em nosso trabalho.

A conclusão que se chega é a seguinte: antes mesmo da EC 45/04, a CF já

outorgava à Justiça do Trabalho a competência para julgar as ações decorrentes de

acidente de trabalho entre empregados e empregadores, com fundamento nos artigos

109, I, e 114 da CF. Entretanto, o STF e o STJ não entendiam dessa maneira,

atribuindo tal competência à Justiça Comum.

As ações acidentárias em que o INSS é parte sempre foram competência da

Justiça Comum, por disposição do artigo 109, I, da CF.

82 Op. cit., p. 278-179.

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Com o advento da EC 45/04, que acresceu o inciso VI ao artigo 114 da CF,

o STF, em 29/06/2005, ao julgar o Conflito de Competência 7.204-1/MG, finalmente

decidiu pela competência da Justiça do Trabalho para julgar os pleitos de indenização

decorrente de acidente de trabalho em face do tomador de serviços. Os pleitos em face

do INSS continuam sob a égide da Justiça comum estadual, pois não houve nenhuma

modificação no artigo 109, I, da CF.

Há, ainda, outros aspectos que merecem destaque, a favor da competência

da Justiça do Trabalho.

O primeiro é o tratamento diverso que o STF sempre dispensou em

hipóteses análogas. Como exemplo, temos a complementação de aposentadoria, o

dano moral e todo litígio entre empregado e empregador que decorra da relação de

emprego é da competência da Justiça do Trabalho. A lesão mais relevante, aquela que

diz respeito à reparação por lesão à integridade física, sempre fora excluída dessa

competência, num entendimento não muito razoável.

O segundo é que o constituinte de 1988 não repetiu as ressalvas das

Constituições anteriores, no sentido de retirar da Justiça do Trabalho a competência

para julgar esses dissídios. Como exemplo, a Constituição de 1967 e a Emenda

Constitucional n.º 1 de 1969, as últimas Cartas antes de 1988, tinham no artigo 142 a

fixação da competência da JT, havendo uma ressalva no § 2º:

§ 2º Os litígios relativos a acidente do trabalho são de competência da justiça ordinária dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, salvo exceções estabelecidas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

A Constituição de 1988 não manteve essa ressalva, tratando-se o inciso I do

artigo 109 uma ressalva à competência da Justiça Federal, não da Justiça do Trabalho.

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Concluímos que, se a CF/88 deu um tratamento diverso à questão, não

excluindo expressamente como fizera as Constituições anteriores, é crível que fosse

vontade do constituinte outorgar à Justiça do Trabalho a competência para essas lides.

4.12.4 Conclusão

Importante para esse trabalho é a última manifestação do STF, que vai ao

encontro do que defendemos. Cremos não haver mais dúvidas de que a competência

para processar e julgar as ações decorrentes de acidente de trabalho é da Justiça do

Trabalho, de acordo com o artigo 114, VI, da CF, exceto aquelas em que o INSS for

parte, quando a competência será da Justiça comum estadual, por expressa disposição

no artigo 109, I, da CF.

4.13 Ações relativas às penalidades administrativas impostas aos

empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho

O inciso VII do artigo 114 da CF trouxe para a Justiça do Trabalho, a

competência para processar e julgar as ações relativas às penalidades administrativas

impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho.

São lides conexas à relação de emprego. Com efeito, essa é a razão pela

qual o constituinte derivado reformador atribuiu à Justiça do Trabalho a competência

para julgamento de tais lides.

Como exemplo, podemos citar os mandados de segurança contra a

fiscalização das Delegacias do Trabalho, bem como outras ações neste sentido, e as

execuções fiscais de multas impostas pelos órgãos de fiscalização.

Também estão enquadradas as formas de se opor à execução que transborda

aos limites da lei, como os embargos do devedor.

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Não há muito que se debater sobre este inciso. Apesar da aparente

tranqüilidade para interpretá-lo, suas conseqüências práticas serão visíveis: um grande

número de processos será transferido à Justiça do Trabalho, a começar pelos que já

estavam em curso na Justiça Federal antes mesmo da EC 45/04.

4.14 Outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho

O inciso IX do artigo 114 da CF, acrescentado pela EC 45/04, pode, sob

uma preliminar análise, parecer contraditório quando comparado com o inciso I do

mesmo artigo.

Dizem os incisos I e IX do artigo 114, da CF:

Art. 114 – Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – As ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (...) IX – outras controvérsias decorrentes da relação do trabalho, na forma da lei.

Alguns doutrinadores afirmam que o inciso IX comprova que o constituinte

derivado reformador quis, na verdade, que a expressão “relação de trabalho” no inciso

I fosse interpretada como “relação de emprego”. Assim, o inciso IX não entraria em

contradição com o inciso I, pois o inciso I aludiu, impropriamente, à relação de

trabalho.

Embora respeitemos opiniões neste sentido, já explicamos neste trabalho

que não há contrariedade nenhuma entre ambos os dispositivos. Sem querer sermos

repetitivos, relembraremos o que foi dito alhures.

Citaremos o eminente ministro Lélio Bentes Corrêa, muito feliz ao ponderar

o seguinte:

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Poder-se-ia recorrer ao método literal para pretender distinguir as expressões “ações oriundas da relação de trabalho”, constante do inciso I, e “controvérsias decorrentes da relação de trabalho”, constante no inciso IX. Enquanto a primeira locução indica gênese, nascimento e, portanto, uma vinculação direta com a relação de trabalho; a segunda poderia ser tomada como sugestiva de conseqüência e, portanto, de uma vinculação indireta com a relação de trabalho. Haveria, assim, conflitos que, conquanto não tenham origem primária na relação de trabalho, dela decorrem, ainda que indiretamente. Sua inclusão na competência da Justiça do Trabalho estaria autorizada, mediante mera lei ordinária83.

Conforme já dissemos, o inciso I do artigo 114 quis que todas as ações

“oriundas” da relação do trabalho fossem transferidas à Justiça do Trabalho, o que,

numa interpretação coerente, é bastante diferente de ações “decorrentes” da relação de

trabalho. O inciso I não tem alcance tão amplo; já o inciso IX proporciona ao

legislador a ampliação da competência da Justiça do Trabalho.

O inciso I trata de ações fundadas em litígios direta e imediatamente

vinculados às obrigações dos sujeitos titulares do respectivo vínculo, nos exatos

termos da seção 3 deste capítulo. O inciso IX diz respeito às ações decorrentes de

litígios indireta e mediatamente vinculados à relação de trabalho, como, por exemplo,

aquelas que envolvam um terceiro e um dos sujeitos da relação de trabalho.

Como exemplo, podemos citar as seguintes controvérsias, que, por força do

inciso IX do artigo 114, poderão ser julgadas pela Justiça do Trabalho, na existência

lei que assim determine:

a) Conflitos interobreiros, como as controvérsias salariais, quando

celebrado contrato de equipe;

b) Conflitos interpatronais, como entre o empregador sucessor e o sucedido;

c) Ações penais, decorrentes da relação de trabalho; 83 Op. cit., p. 74.

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d) Controvérsias entre órgão gestor de mão-de-obra e tomador de serviços,

no caso dos trabalhadores avulsos; dentre outras.

Já falamos sobre as ações acima, quando tratamos, em capítulos anteriores,

de sua exclusão da competência da Justiça do Trabalho.

Há uma imensa gama de outras ações, decorrentes de uma relação de

trabalho, que poderão ser transferidas para a Justiça de Trabalho quando houver lei que

assim determine. Como bem asseverou o ministro Lélio Bentes Corrêa, são aquelas

ações que decorrem indiretamente da relação de trabalho, não possuindo uma

vinculação direta com ela. Esse é o sentido do inciso IX do artigo 114 da CF.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Justiça do Trabalho teve sua competência dilatada sensivelmente pelo

constituinte derivado reformador. Entretanto, as dúvidas acerca do exato alcance dessa

ampliação ainda não foram dirimidas e se constituem num obstáculo considerável para

os operadores do Direito do Trabalho.

Concluímos que, não obstante a falta de decisões jurisprudenciais que nos

permitam afirmar seguramente, não se mostra conveniente uma interpretação assaz

ampliativa, de forma a englobar as lides oriundas das relações de consumo, por

exemplo. Tal posicionamento traria problemas ao estabelecer conflitos

principiológicos entre o Direito do Trabalho e outros ramos do Direito.

Por essa razão, uma saída natural e necessária para resolver as controvérsias

seria uma lei regulamentando o artigo 114 e seus incisos da Constituição Federal. Há

projetos de lei no Congresso Nacional neste sentido. Seria importante a aprovação de

leis que estabelecessem limites e inibissem interpretações distorcidas.

Do contrário, deveremos aguardar a sedimentação da jurisprudência sobre a

competência da Justiça do Trabalho.

Há também um ponto estrutural sobre a ampliação da competência da

Justiça do Trabalho: esta necessita de um adequado aparelhamento, com aumento do

orçamento para contratação de novos magistrados e serventuários, sob pena de

congestionamento nas Varas do Trabalho e nos Tribunais.

Percebe-se, ademais, a confiança do Congresso Nacional, legítimo

representante da sociedade, na Justiça do Trabalho, um órgão que desempenha um

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papel fundamental na defesa do trabalhador. Hoje, mais do que nunca, a Justiça do

Trabalho assegura os direitos dos trabalhadores e não apenas dos empregados, uma

espécie que vem diminuindo no moderno mercado de trabalho.

Aguardamos que as mudanças acarretadas pela Emenda Constitucional nº

45 tenham a efetividade desejada, encerrando-se as dúvidas sobre a melhor

interpretação, e que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho traga os

benefícios que a sociedade aguarda.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................1

1 A HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO ......................................................5

2 A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO APÓS A

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ......................................................................7

3 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45 ..............................................................11

4 A AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO

TRABALHO COM O ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04 ..15

4.1 Objetivos..............................................................................................................15

4.2 Diferença entre relação de trabalho e relação de emprego ............................17

4.2.1 Conceito de trabalho .....................................................................................18

4.2.2 Relação de trabalho......................................................................................19

4.2.3 Relação de emprego......................................................................................23

4.2.4 Conclusão ......................................................................................................26

4.3 A competência para julgar as ações oriundas da relação de trabalho ..........27

4.3.1 O sentido da expressão “ações oriundas da relação de trabalho”...........28

4.3.2 Litígios que já eram da competência da Justiça do Trabalho (envolvendo

trabalhadores avulsos, pequenos empreiteiros, trabalhadores temporários e os

servidores ocupantes de empregos públicos) ......................................................30

4.3.2.1 Pequena empreitada...............................................................................31

4.3.2.2 Trabalhador avulso ................................................................................32

4.3.2.3 Trabalhadores temporários...................................................................33

4.3.2.4 Empregados públicos .............................................................................33

4.3.3 Trabalhadores autônomos e eventuais .......................................................34

4.3.4 Contratos de prestação de serviços (Código Civil, arts. 593 a 609).........35

4.3.5 Contratos de agência e distribuição (Código Civil, arts. 720 a 721 e Lei

4886/65)...................................................................................................................37

4.3.6 Depósito, Mandato, Comissão, Corretagem e Transporte .......................38

4.3.7 Empreitada....................................................................................................38

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4.3.8 Parceria rural ...............................................................................................39

4.3.9 Trabalho voluntário .....................................................................................40

4.3.10 Cooperativa.................................................................................................40

4.3.11 Contratos de Estágio ..................................................................................41

4.3.12 Agentes Públicos .........................................................................................42

4.3.13 Competência penal da Justiça do Trabalho.............................................42

4.3.14 Complementação de aposentadoria..........................................................44

4.3.15 Projeto de lei 6542/2006 .............................................................................45

4.3.16 Conclusão ....................................................................................................46

4.4 Os agentes públicos ............................................................................................47

4.4.1 Servidores titulares de empregos públicos.................................................50

4.4.2 Servidores titulares de cargos públicos .........................................................50

4.4.3 A tramitação legislativa da EC 45/04 e a ADIN 3395-6............................55

4.4.4 Agentes políticos ...........................................................................................56

4.5 A relação de consumo e a relação de trabalho.................................................57

4.5.1 Conceito de relação de consumo .................................................................58

4.5.2 As relações de consumo também estão inseridas na competência da

Justiça do Trabalho, após a EC 45/04? ...............................................................60

4.5.3 Diferença entre relação de consumo e relação de trabalho: os limites

entre as duas relações............................................................................................65

4.5.4 Conclusão ......................................................................................................68

4.6 Ações que envolvam o exercício do direito de greve .......................................69

4.7 Ações sobre representação sindical...................................................................71

4.7.1 Espécies de dissídios sindicais .....................................................................72

4.7.2 O alcance do inciso III do artigo 114 da CF ..............................................73

4.7.3 Conclusão ......................................................................................................77

4.8 Ações de cobrança de contribuição sindical ....................................................77

4.9 Mandados de segurança e habeas corpus, quando o ato questionado

envolver matéria sujeita à jurisdição da Justiça do Trabalho .............................79

4.9.1 Mandado de segurança ................................................................................80

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4.9.2 Habeas Corpus...............................................................................................87

4.10 Conflitos de competência entre órgãos de jurisdição trabalhista ................90

4.11 Ações por danos materiais e morais decorrentes da relação de trabalho...90

4.11.1 Dano moral ocorrido durante a greve ......................................................93

4.11.2 Dano moral ou patrimonial entre trabalhadores ....................................93

4.11.3 Dano moral ou patrimonial decorrente de relação de consumo............94

4.12 Ações de danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho

....................................................................................................................................95

4.12.1 Conceito de acidente do trabalho..............................................................96

4.12.2 Histórico ......................................................................................................97

4.12.3 A competência da Justiça do Trabalho – o sentido do artigo 109, I, da

Constituição Federal ...........................................................................................100

4.12.4 Conclusão ..................................................................................................104

4.13 Ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores

pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho .........................................104

4.14 Outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho..........................105

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................108

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................110

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