CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

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CAPÍTULO XI CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 1. Introdução O termo “Administração Pública” pode ser compreendido em dois sentidos: amplo e restrito. Em sentido amplo, Administração Pública é, subjetivamente, o conjunto de todos os agentes, órgãos e entidades públicas e, objetivamente, o conjunto de todas as funções exercidas por esses agentes, órgãos e entidades. Em sentido estrito, Administração Pública compreende apenas os agentes, órgãos e entidades que exercem a função administrativa, que consiste em executar a lei de ofício. Este último sentido é residual, tudo aquilo que não consistir no exercício das funções legislativa ou judicial está no campo de abrangência da Administração Pública. O sentido mais estrito é utilizado pelo Direito Administrativo, que se ocupa apenas daqueles agentes, órgãos e entidades que executam atividades de cunho estritamente administrativo, como aquelas referentes a gestão de recursos materiais e humanos, à intervenção, direta ou indireta, na iniciativa privada, e à limitação do exercício dos direitos individuais (polícia administrativa). A resolução definitiva de controvérsias (função judicial) e a edição de normas originárias de direitos e obrigações (função legislativa) estão, portanto, fora do âmbito do Direito Administrativo, sendo classificadas como temas de Direito Constitucional. O sentido mais estrito amplo é utilizado pelo Direito Penal, ou seja, crimes contra a Administração Pública são aqueles que lesionam o patrimônio, a honra e a probidade de qualquer entidades ou órgão público, inclusive aqueles cuja função essencial seja judicial (como os tribunais) ou legislativa (como o Congresso Nacional). Trata-se,

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CAPÍTULO XI

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. Introdução

O termo “Administração Pública” pode ser compreendido em dois sentidos: amplo e restrito. Em sentido amplo, Administração Pública é, subjetivamente, o conjunto de todos os agentes, órgãos e entidades públicas e, objetivamente, o conjunto de todas as funções exercidas por esses agentes, órgãos e entidades. Em sentido estrito, Administração Pública compreende apenas os agentes, órgãos e entidades que exercem a função administrativa, que consiste em executar a lei de ofício. Este último sentido é residual, tudo aquilo que não consistir no exercício das funções legislativa ou judicial está no campo de abrangência da Administração Pública.

O sentido mais estrito é utilizado pelo Direito Administrativo, que se ocupa apenas daqueles agentes, órgãos e entidades que executam atividades de cunho estritamente administrativo, como aquelas referentes a gestão de recursos materiais e humanos, à intervenção, direta ou indireta, na iniciativa privada, e à limitação do exercício dos direitos individuais (polícia administrativa). A resolução definitiva de controvérsias (função judicial) e a edição de normas originárias de direitos e obrigações (função legislativa) estão, portanto, fora do âmbito do Direito Administrativo, sendo classificadas como temas de Direito Constitucional.

O sentido mais estrito amplo é utilizado pelo Direito Penal, ou seja, crimes contra a Administração Pública são aqueles que lesionam o patrimônio, a honra e a probidade de qualquer entidades ou órgão público, inclusive aqueles cuja função essencial seja judicial (como os tribunais) ou legislativa (como o Congresso Nacional). Trata-se, portanto, de crimes em que o sujeito passivo é sempre um ente federativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) ou uma entidade administrativa (autarquia, função, empresa pública, sociedade de economia mista, subsidiária ou consórcios públicos).

Além do sujeito passivo constante (entidade pública), os crimes contra a Administração Pública ainda têm duas características em comum:

I) Em todos os casos, a ação penal é pública incondicionada, sendo indiscutível a existência de significativo interesse público na repressão desses crimes.

II) Inaplicabilidade do princípio da insignificância: aceito de forma condicionada nos crimes contra o patrimônio, o princípio da insignificância não se aplica aos crimes contra a Administração Pública, pois o que busca resguardar não é apenas o erário, mas também a moralidade pública. 1 Excepcionam-se os crimes que, por terem caráter

1 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PECULATO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

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eminentemente tributário, como descaminho (art. 334) e sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A) atingem de forma quase exclusiva o erário.

III) Caráter eminentemente sancionador: o CP no título relativo aos crimes contra a Administração Pública não transformou fatos anteriormente lícitos em ilícitos, mas apenas já reforçou a proteção legal dada por outro ramo do Direito, qual seja, o Direito Administrativo. Nesse sentido, todos os crimes enumerados nesse título são, necessariamente, ilícitos administrativos, já previstos em normas como a Lei n° 8.112, de 1990 (Estatuto dos Servidores Públicos Federais). Note-se, porém, que o inverso não é verdadeiro: uma infração administrativa não é necessariamente um crime contra a Administração Pública, pois, para isso, requer-se como em qualquer ilícito penal, tipificação expressa.

O último título do CP, que trata dos crimes contra a Administração Pública, é dividido nos seguintes capítulos:

a) crimes praticados por funcionários públicos contra a administração em geral (arts. 312 a 327);

b) crimes praticados por particulares contra a administração em geral (arts. 328 a 337-A);

c) crimes praticados por particulares contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B a 337-D), incluídos pela Lei 10.647, de 11 de junho de 2002;

d) crimes contra a administração da justiça (arts. 338 a 359); ee) crimes contra as finanças públicas (arts. 359-A a 359-H), incluídos pela Lei

10.028, de 19 de outubro de 2000.

Finalmente, é preciso destacar a respeito dos crimes contra a Administração Pública a circunstância poderem constituir crimes antecedentes à lavagem de dinheiro, como dispõe a Lei n° 9.613, de 1998: “Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: (...)V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos”. 2

IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. O entendimento firmado nas Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública, ainda que o valor da lesão possa ser considerado ínfimo, uma vez que a norma visa resguardar não apenas o aspecto patrimonial, mas, principalmente, a moral administrativa.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STJ, AgRg no REsp 1275835 / SC , julgado em 11/10/2011 )

2 PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO. DENÚNCIA NÃO INÉPTA. DEMAIS PRELIMINARES REJEITADAS. PRESCRIÇÃO QUANTO AO DELITO DE QUADRILHA EM RELAÇÃO AOS MAIORES DE SETENTA ANOS. RECEBIMENTO PARCIAL DA DENÚNCIA. (...) IV – Não sendo considerada a lavagem de capitais mero exaurimento do crime de corrupção passiva, é

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2. Dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral (arts. 312 a 327)

2.1 Introdução

A primeira categoria de crimes contra a Administração Pública diz respeito àqueles praticados por funcionário público. Nesse sentido, são crimes próprios, ou seja, que sempre requerem um sujeito ativo com uma característica especial: o funcionário público. Não basta que ele ocupe cargo, emprego ou função pública, mas também que no momento do crime esteja agindo nessa condição. Nada impede, porém, que o particular seja coautor ou partícipe desses crimes desde que atue em concurso de agentes com o funcionário público. 3

Os crimes cometidos por funcionários públicos (crimes funcionais) são classificados em dois gêneros:

a) funcionais próprios ou típicos: a condição de funcionário público é elementar ao tipo penal, transmitindo-se aos demais coautores e partícipes do crime, conforme o art. 30 do CP;

b) funcionais impróprios ou atípicos: a condição de funcionário público é apenas circunstância do tipo penal, não se transmitindo aos demais coautores e partícipes do crime. Essa circunstância pode ser totalmente indiferente para o cálculo da pena ou pode servir como causa de aumento de pena (é o caso da violação de domicílio – art. 150, § 2°) ou mesmo como qualificadora (é o caso da moeda falsa – art. 289, § 3°).

O Código de Processo Penal prevê a existência de um procedimento específico (“Processo e julgamento dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos”) em seu arts. 513 a 518. Esse procedimento destina-se exclusivamente aos crimes funcionais típicos, ou seja, àqueles previstos nos arts. 312 a 326 do CP. 4 Os crimes funcionais

possível que dois dos acusados respondam por ambos os crimes, inclusive em ações penais diversas, servindo, no presente caso, os indícios da corrupção advindos da AP 477 como delito antecedente da lavagem. (...) VIII - Remeter recursos financeiros ao exterior, supostamente originados no delito de corrupção passiva, por meio de “dólar-cabo” e sem a ciência do Banco Central, bem como promover intensa circulação das respectivas importâncias e o retorno de parcela do quantum ao Brasil, constitui indício de materialidade e autoria de delitos de lavagem de dinheiro, objeto da Lei 9.613/98. (...) (STF, Inq 2471 / SP, julgado em 29/09/2011)3 “O peculato é denominado crime próprio, pois exige a condição de funcionário público como característica especial do agente – condição que é de caráter pessoal, elementar do crime e que se comunica ao paciente, por ele ter conhecimento de que sua ex-esposa era funcionária pública. Não há constrangimento ilegal na denúncia do paciente pela prática, em tese, de peculato mediante erro de outrem, pois, embora não fosse funcionário público, a condição da ex-mulher – por ser elementar docrime – foi a ele comunicada.”(STJ, RHC 12506 / MG , julgado em 17/09/2002)4 HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO PRATICADO POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO (ARTIGO 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). RECEBIMENTO DA DENÚNCIA SEM NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRELIMINAR. ARTIGO 514 DO CÓDIGO

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atípicos são julgados de acordo com o procedimento penal comum, previsto nos arts. 354 a 405 do CPP.

São crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral (destacam-se em negrito aqueles apenados mais severamente, ou seja, que têm pena máxima de doze anos de reclusão):

a) peculato (art. 312);b) peculato mediante erro de outrem (art. 313);c) inserção de dados falsos em sistemas de informações (art. 313-A);d) modificação ou alteração não autorizada em sistema de informação (art. 313-B);e) extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento (art. 314);f) emprego irregular de verbas ou rendas públicas (art. 315);g) concussão (art. 316);h) excesso de exação – forma qualificada (art. 316, § 2°);i) corrupção passiva (art. 317);j) facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318);k) prevaricação (art. 319);l) descumprimento do dever de impedir a entrada de aparelho de comunicação em

presídio (art. 319-A);m) condescendência criminosa (art. 320);n) advocacia administrativa (art. 321);o) violência arbitrária (art. 322);p) abandono de função (art. 323);q) exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado (art. 324);r) violação de sigilo funcional (art. 325); es) violação de sigilo de proposta de concorrência (art. 326).

2.2 Dos modos de responsabilização do funcionário público

Caso o servidor público realize uma conduta ilícita, é possível sua responsabilização por meio de quatro processos:

a) civil: motivado por um prejuízo causado pelo servidor à Administração Pública ou a um particular. Sua principal penalidade é a reparação dos danos;

b) penal: motivado pelo cometimento de um crime ou de uma contravenção. Sua principal sanção é a pena privativa de liberdade;

DE PROCESSO PENAL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. DELITO QUE NÃO SE QUALIFICA COMO FUNCIONAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. DENEGAÇÃO DA ORDEM.1. O procedimento especial previsto nos artigos 513 a 518 do Código de Processo Penal só se aplica aos delitos funcionais típicos, descritos nos artigos 312 a 326 do Código Penal. Precedentes.2. No caso dos autos, a paciente foi denunciada pelo crime de estelionato contra a Previdência Social, o que afasta a incidência do artigo 514 do Estatuto Processual.3. Ordem denegada.(STJ, HC 198074 / RJ, julgado em 22/11/2011)

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c) administrativo: motivado pelo cometimento de uma infração administrativa (Lei 8.112/90, art. 116, 177 e 132). Sua principal sanção é a demissão;

d) improbidade administrativa: motivado pelo cometimento de um ato de improbidade, previsto na Lei 8.429/92. Sua principal penalidade é suspensão dos direitos políticos.

Esses processos são independentes entre si, ou seja, não é preciso que aconteçam simultaneamente ou que algum deles preceda os outros. Assim, é possível que tramite apenas o processo administrativo ou só o penal ou dois ou três deles. Da mesma forma, as sanções aplicadas em cada um desses processos podem ser acumuladas, pois são independentes entre si.

Nesse sentido, não é condição de procedibilidade da ação penal que a sindicância ou o processo administrativo a respeito do mesmo ilícito já tenha sido concluído. 5

Porém, deve haver um predomínio do processo penal sobre os outros para que sejam evitadas decisões contraditórias. Assim, o servidor condenado penalmente em sentença definitiva também deverá ser considerado culpado no processo administrativo.

A lei penal prevê, inclusive, que a perda do cargo público é uma das consequências da condenação penal. Em regra, o servidor condenado a pena privativa de liberdade maior que quatro anos deve perder o cargo. Se o crime for cometido com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, basta que a pena seja igual ou maior que um ano. 6 Não é viável a utilização de habeas corpus contra esse efeito extrapenal da condenação (perda do cargo, emprego ou função pública), uma vez que, nesse ponto, não está em risco a liberdade de locomoção. 7

5 “Por outro lado, no que se refere à alegada necessidade de instauração de sindicância antes do início da persecução criminal, o certo é que as esferas administrativa e penal são independentes, razão pela qual o Ministério Público, dispondo de elementos mínimos para oferecer a denúncia, pode fazê-lo independentemente da apuração dos fatos pelo órgão administrativo competente.”(STJ, HC 122673 / MT , julgado em 14/04/2011)6 “4. A decretação de perda do cargo público, sendo a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos, só ocorre na hipótese em que o crime tenha sido cometido com abuso de poder ou com a violação de dever para com a Administração Pública.5. Hipótese em que o crime, embora não tenha sido praticado com abuso de poder – porque não estava o policial de serviço, nem se valeu do cargo –, foi perpetrado com evidente violação de dever para com a Administração Pública.6. O Magistrado sentenciante, com propriedade, declinou fundamentação idônea e adequada, justificado sua decisão de afastar dos quadros da polícia pessoa envolvida em delito da natureza do tráfico ilícito de entorpecentes, por ferir dever inerente à função de policial militar, pago pelo Estado justamente para combater o crime.”(STJ, REsp 665472 / MS)7 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. POLICIAL CIVIL. PERDA DO CARGO PÚBLICO. EFEITO EXTRAPENAL ESPECÍFICO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO OU AMEAÇA DE VIOLÊNCIA AO DIREITO AMBULATÓRIO. VIA INADEQUADA. NÃO CONHECIMENTO. 1. Ainda que a Corte de origem tivesse se manifestado sobre a legalidade ou não da decretação da perda do cargo público ocupado pelo paciente em decorrência da sentença condenatória prolatada, o habeas corpus não poderia ser conhecido quanto ao ponto, uma vez que ausente qualquer violação ou ameaça à garantia do direito à liberdade de locomoção. Precedente.(STJ, HC 124737 / RS, julgado em 28/06/2011)

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No caso de absolvição penal, a vinculação da instância administrativa depende da motivação da sentença. O servidor absolvido penalmente ainda pode ser condenado pela Administração caso a sentença absolutória tenha sido motivada pela falta de provas, atipicidade (ausência de previsão legal para o crime) ou prescrição.

Porém, se a sentença foi motivada pela inexistência do fato ou pela negativa de autoria é obrigatória a absolvição administrativa.8 Caso o servidor já tenha sido condenado administrativamente, a consequência será a anulação da penalidade. Se tiver sido demitido, deve ser feita a sua reintegração.

2.3 Crimes de responsabilidade

Finalmente, é preciso fazer referência aos denominados “crimes de responsabilidade”, previstos nas seguintes normas: Lei 1.079, de 1950, e Decreto-Lei 201, de 1967.

A primeira tem por destinatários apenas determinados agentes políticos: Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-Geral da República, Governadores e Secretários de Estado. Apesar da denominação “crime”, essa lei não trata de ilícitos penais, mas de natureza política, uma vez que a pena é a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer função pública por determinado tempo. Portanto, não há impedimento para que as autoridades listadas sejam processadas simultaneamente por “crimes de responsabilidade” e pelos crimes previstos no CP, como bem determina o art. 3° da referida lei: “A imposição da pena referida no artigo anterior não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal”.

Situação diversa é prevista no Decreto-Lei 201, de 1967, que dispõe sobre a responsabilidade de prefeitos e vereadores. Seu art. 1° determina enumera diversos tipos penais para os quais é prevista pena de reclusão ou de detenção, conforme o caso. Isso significa que os tipos do Decreto-Lei 201, de 1967, são específicos com relação àqueles previstos no CP. Nesse sentido, prefeitos e vereadores somente poderão ser responsabilizados por crimes contra a Administração Pública se, no caso específico, o referido decreto-lei for omisso a esse respeito.

2.4 Peculato (art. 312)

8 “MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NEGLIGÊNCIA NA GUARDA DE PRESOS. PENALIDADE DE DEMISSÃO. SUSPEIÇÃO. NULIDADES. INOCORRÊNCIA.(...)7. O artigo 126 da Lei n.º 8.112/1990 só afasta a responsabilidade administrativa nos casos de absolvição criminal que negue a existência do fato ou a sua autoria. Nas demais hipóteses, há de prevalecer a independência das instâncias, como preconiza o artigo 125 do mesmo diploma.”(...)(STJ, MS 8091 / DF)

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O termo “peculato” deriva do latim pecus (do qual se derivou também pecuária e pecúnia), que significa rebanho, gado, animais que foram as moedas correntes em boa parte das civilizações da Antiguidade. Em alguns casos, chegou a ser propriedade exclusiva dos imperadores, tornando-se parte integrante do patrimônio público.

O peculato não é um tipo de crime, mas um gênero no qual estão compreendidas diversas espécies, cada uma delas relacionada, direta ou indiretamente, a um crime contra o patrimônio. Nesse sentido, tem-se: peculato-apropriação e peculato-desvio (art. 312, caput); peculato-furto (art. 312, § 1°); peculato culposo (art. 312, §§ 2° e 3°); e peculato-estelionato (art. 313). Em todos os casos, a nota essencial é a lesão ao erário (patrimônio público). A seguir, serão estudadas as espécies de peculato previstas no art. 312 do CP.

Peculato-apropriação: tal como no crime de apropriação indébita (art. 168), o peculato-apropriação constitui-se com a conduta do agente que, tendo a posse lícita do bem, passa a utilizá-lo como se fosse seu proprietário. A diferença entre esses crimes é que no caso do peculato, o funcionário público tem a posse do bem em razão do cargo que exerce. É a situação, por exemplo, do depositário judicial, que tem em seu poder bens apreendidos de acusados de crimes, mas passa a utilizá-los como seu dono (alienando, destruindo, modificando, etc.).

Peculato-desvio: da mesma forma que no peculato-apropriação, o funcionário público tem a posse do bem, mas não exerce poderes exclusivos de proprietário, agindo, na verdade, como um desonesto administrador. 9 Aqui, o funcionário desvia o bem de sua finalidade determinada em lei ou outro ato normativo, utilizando-o em proveito próprio ou de outrem: administrativamente, trata-se de uma situação de desvio de finalidade. É o caso daquele que tendo recebido determinada verba que deve ser incorporada aos cofres públicos, atrasa a entrega da verba para poder emprestá-la e auferir juros com essa operação. Se o desvio ocorrer em proveito do interesse público (aplicação da verba

9 PENAL. PECULATO/DESVIO. TERMO A QUO DO LAPSO PRESCRICIONAL. MOMENTO CONSUMATIVO DO DELITO. DESTINAÇÃO DIVERSA DO DINHEIRO OU VALOR DISPONÍVEIS AOS AGENTES. OBTENÇÃO DO PREJUÍZO PRÓPRIO OU ALHEIO. DESNECESSIDADE.(...)7. O marco inicial para a contagem da prescrição é o momento da consumação da infração penal.8. Em se tratando de peculato desvio, delito plurissubsistente, cuja conduta pode ser fracionada em vários atos, o momento consumativo ocorre quando há efetiva destinação diversa do dinheiro ou valor de que tem posse o agente, independente da obtenção material do proveito próprio ou alheio.9. In casu, o desvio das verbas públicas ocorreu quando do empenho das ordens de pagamento dos valores e não da assinatura do contrato, pois, neste momento, ainda não se encontravam os valores na esferade disponibilidade dos autores da infração penal.PENAL. PECULATO/DESVIO. SUCESSIVOS ADITAMENTOS E PAGAMENTOS. CRIMES AUTÔNOMOS. CONTINUIDADE DELITIVA. RECONHECIMENTO.10. Consumando-se o crime de peculato desvio no momento em que desviada a verba pública, a realização sucessiva de novos empenhos de pagamento importam em novos desvios de dinheiro público e,portanto, tipificam crimes autônomos.11. Estando presentes as condições do art. 71 do Código Penal, é de rigor a manutenção do reconhecimento da continuidade delitiva na espécie.(STJ, AgRg no REsp 1045631 / SP , julgado em 08/11/2011)

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em finalidade pública diversa daquela prevista em norma), incide o tipo penal previsto no art. 315 do CP (emprego irregular de verbas públicas).

Peculato-furto: diversamente dos tipos anteriores, no peculato-furto não se exige que o funcionário tenha a posse do bem. Sendo sua inspiração o crime de furto (art. 155), a conduta fundamental é a mesma deste, ou seja, “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. O que distingue o peculato-furto é facilidade de acesso ao bem provocada pela condição de funcionário. É o caso do funcionário que se aproveitando do livre acesso que tem a todo o prédio do órgão onde trabalha, subtrai determinados bens que se encontram sem vigilância dos legítimos possuidores.

Peculato culposo: neste caso, por imprudência, negligência ou imperícia, o funcionário público contribui para que outrem lesione o patrimônio público (ou mesmo particular, desde que esteja em poder da Administração Pública). A pessoa beneficiada pela conduta culposa do funcionário público pode realizar qualquer uma das espécies de peculato (apropriação, desvio ou furto) ou até realizar o crime de furto, caso seja particular que atue isoladamente.

Peculato de uso: trata-se de situação semelhante ao furto de uso, ou seja, o funcionário público que utiliza bem infungível para fins particulares e logo depois o devolve, realiza fato atípico. É o caso do policial que usa veículo apreendido para levar as crianças à escola. Esse fato constitui ilícito administrativo e ato de improbidade administrativa, mas não crime. Será crime de peculato, porém, se o objeto for fungível (“Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade” – Código Civil), como o dinheiro, pois, nesse caso, não há de fato, uso, mas consumo do bem.

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. É possível que, juntamente com o funcionário público, particulares participem como coautores ou partícipes. 10 O sujeito passivo é a entidade pública cujo patrimônio foi lesionado por meio do peculato. Eventualmente, particulares também podem ser sujeitos passivos, pois o bem, objeto do crime, tanto pode ser público quanto privado.

Objetos materiais e jurídicos: o objeto material é “dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular”, ou seja, qualquer coisa com valor aferível pecuniariamente que esteja em poder da Administração Pública. Apesar de ser inaplicável o princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública, o objeto material do peculato deve ter algum financeiro, mesmo que ínfimo. Caso não tenha valor nenhum, o fato é atípico. O bem jurídico protegido é, primeiramente, o erário (patrimônio público) e, secundariamente, a moralidade pública. 11

10 “Conforme amplamente asseverado pela doutrina jurídica mais autorizada e pela jurisprudência dos Tribunais do País, à pessoa estranha à Administração Pública somente pode ser imputado o crime de peculato (art. 312 do CPB) quando a sua atuação ilícita se dá em comprovada comparceria com quem ostente a qualidade de Servidor Público.”(STJ, HC 201273 / RJ , julgado em 28/06/2011)

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Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público;b) de dano: somente é consumado com a efetiva lesão ao bem protegido

(patrimônio público);c) material: sua consumação exige resultado naturalístico, consistente na

apropriação, no desvio ou na subtração do bem; d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o agente

apropria-se, subtrai ou desvia o bem;f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) comissivo: os verbos típicos indicam ação; excepcionalmente pode ser

comissivo por omissão;h) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;i) crime de grande potencial ofensivo na modalidade dolosa, com pena de reclusão

de dois a doze anos, e multa; infração penal de menor potencial ofensivo, na modalidade culposa, com pena de detenção, de três meses a um ano.

Conduta equiparada ao peculato: “Os atos que importem em malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou entidades sindicais ficam equiparados ao crime de peculato julgado e punido na conformidade da legislação penal” (CLT, art. 552).12

11 PECULATO-APROPRIAÇÃO (ARTIGO 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). ACUSADO QUE TERIA SE APROPRIADO DE CARTÕES DE PONTO PERTENCENTES À AUTARQUIA MUNICIPAL DA QUAL ERA SUPERINTENDENTE. AUSÊNCIA DE VALOR PATRIMONIAL DOS BENS SUPOSTAMENTE APROPRIADOS. NECESSIDADE DE QUE A COISA OBJETO DO PECULATO TENHA EXPRESSÃO ECONÔMICA. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. RECURSO PROVIDO. 1. O crime de peculato-apropriação encontra-se disposto no caput do artigo 312 do Código Penal, verbis: "apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa."2. Conquanto a moralidade administrativa também seja tutelada no peculato, nele se exige que a Administração Pública sofra algum dano patrimonial.3. Tal como nos crimes contra o patrimônio, o objeto jurídico do delito contido no artigo 312 do Código Penal deve ter expressão econômica, ou seja, a coisa móvel, assim como o dinheiro e o valor, precisa ter significação patrimonial.4. Isso porque o que diferencia o peculato dos ilícitos patrimoniais previstos no Código Penal é o fato de que nele o delito é praticado por funcionário público, prevalecendo-se de suas funções, e em violação a um dever de fidelidade que existe entre ele e o órgão ao qual está vinculado.5. Desse modo, embora o peculato tutele a moralidade administrativa, não se pode olvidar que mantém sua natureza patrimonial, distinguindo-se dos crimes contra o patrimônio em razão da qualidade do sujeito ativo, do título da posse e da pluralidade de condutas, razão pela qual nele também se exige que o objeto material tenha expressão econômica, sob pena de atipicidade da conduta.6. Na hipótese vertente, o recorrente foi condenado porque teria se apropriado de cartões de ponto de autarquia da qual era superintendente. No entanto, os mencionados comprovantes de horário não possuem, em si, qualquer significação econômica, sendo desprovidos de valor patrimonial, não podendo, assim, ser objeto do crime de peculato-apropriação.7. Desse modo, vislumbra-se a ausência de justa causa para a ação penal no que se refere ao crime previsto no caput do artigo 312 do Código Penal, pelo que se impõe o trancamento da ação penal quantoao ponto.(STJ, RHC 23500 / SP , julgado em 05/05/2011)12 PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PECULATO POR EQUIPARAÇÃO. ART. 552 DA CLT. ENTIDADE SINDICAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

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São tipos assemelhados ao peculato:

Art. 303. Apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse ou detenção, em razão do cargo ou comissão, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio:

        Pena - reclusão, de três a quinze anos.

        § 1º A pena aumenta-se de um terço, se o objeto da apropriação ou desvio é de valor superior a vinte vezes o salário mínimo.

        Peculato-furto

        2º Aplica-se a mesma pena a quem, embora não tendo a posse ou detenção do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou contribui para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se da facilidade que lhe proporciona a qualidade de militar ou de funcionário.

        Peculato culposo

        § 3º Se o funcionário ou o militar contribui culposamente para que outrem subtraia ou desvie o dinheiro, valor ou bem, ou dele se aproprie:

        Pena - detenção, de três meses a um ano.

        Extinção ou minoração da pena

        § 4º No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede a sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

(Decreto-Lei 1001, de 1969 – Código Penal Militar)

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; 13

1. Os atos que importem em malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou entidades sindicais ficam equiparados ao crime de peculato julgado e punido na conformidade da legislação penal.2. Não é pelo fato de encontrar-se a tipificação do crime de peculato inserida no Título dos Crimes Contra a Administração da Justiça, no Código Penal, que haverá a incidência da regra constitucional que define a competência da Justiça Federal.3. O simples fato da necessidade de registro dos sindicatos no Ministério do Trabalho não aponta o mínimo interesse da União na ação penal para o processo e o julgamento dos crimes contra eles praticados.4. Inexiste ofensa a bens, serviços ou interesse da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, restando afastada a competência da Justiça Federal.5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Ituverava/SP, suscitado.(STJ, CC 31354 / SP, julgado em 13/12/2004)13 “Segundo a peça acusatória, o paciente, no cargo de Prefeito, teria elaborado um plano para desviar em proveito próprio e da paciente, então presidente do IBIDEC - Instituto Brasileiro de Integração e Desenvolvimento Pró-Cidadão, vultuosa quantia de dinheiro pertencente aos cofres públicos do Município de Santa Terezinha do Itaipu, cujos valores ultrapassam R$ 1.700.000,00, mediante fraude a licitação, terceirização ilegal de mão de obra e outras violações a diversas leis.”(STJ, CC 31354 / SP, julgado em 13/12/2004)

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Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;

Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;

(Decreto-Lei 201, de 1967, que define crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores)

Art. 5º Apropriar-se, quaisquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei14, de dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio:

        Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

        Parágrafo único. Incorre na mesma pena qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, que negociar direito, título ou qualquer outro bem móvel ou imóvel de que tem a posse, sem autorização de quem de direito.

(Lei 7.492, de 1986, que dispõe sobre os crimes contra o sistema financeiro)

Art. 173. Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa:

        Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

(Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 – Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária)

2.4 Peculato mediante erro de outrem (art. 313)

Conduta: Apesar do tipo penal do art. 313 ser conhecido como “peculato-estelionato”, sua fonte inspiradora é o crime de apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza (“Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza”- art. 169). O crime do art. 313 consiste fundamentalmente da mesma conduta, com a nota distintiva de que o dinheiro ou utilidade foi recebido em razão do exercício do cargo. O exemplo mais típico deste crime é o do funcionário que recebeu, em sua conta-corrente, valor indevidamente depositado pela entidade em que trabalha. Se o agente induziu a vítima em erro, tipifica-se o crime de estelionato (art. 171, caput).

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. É possível que, juntamente com o funcionário público, particulares participem como coautores ou partícipes. A ausência da expressão do artigo anterior “no exercício do cargo” é irrelevante pois, logicamente, somente pode se falar na qualidade de funcionário público se a pessoa

14 “Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes (Vetado). § 1º Equiparam-se aos administradores de instituição financeira (Vetado) o interventor, o liquidante ou o síndico.”

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estiver no exercício do cargo; caso contrário, mesmo ocupando cargo, emprego ou função pública, a pessoa será considerada como particular. O sujeito passivo é a entidade pública cujo patrimônio foi lesionado por meio do peculato. Eventualmente, particulares também podem ser sujeitos passivos, pois o dinheiro ou utilidade, objeto do crime, tanto pode ser público quanto privado.

Objetos materiais e jurídicos: o objeto material é dinheiro (moeda corrente, seja na forma de cédulas ou de moedas) ou qualquer utilidade15 recebida pelo funcionário público. O bem jurídico protegido é, primeiramente, o erário (patrimônio público) e, secundariamente, a moralidade pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público;b) de dano: somente é consumado com a efetiva lesão ao bem protegido

(patrimônio público);c) material: sua consumação exige resultado naturalístico, consistente na

apropriação de dinheiro ou utilidade; d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o agente

apropria-se do bem, ou seja, percebendo o erro, deixa de devolvê-lo ao legítimo proprietário; 16

f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) comissivo: “apropriar” indica ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;h) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;i) crime de médio potencial ofensivo, com pena de reclusão de um a quatro anos, e

multa.

Tipo assemelhado: “Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo ou comissão, recebeu por erro de outrem: Pena - reclusão, de dois a sete anos.” (Código Penal Militar, art. 304).

2.5 Inserção de dados falsos em sistema de informação (art. 313-A)

Os arts. 313-A e 313-B foram acrescentados ao Código Penal pela Lei nº 9.983, de 2000, que também criou a apropriação indébita previdenciária (art. 168-A) e a sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A). Além disso, modificou os arts. 15 De acordo com Nelson Hungria, “Utilidade é tudo quanto serve para uso, consumo ou proveito econômico ou avaliável em dinheiro (em qualquer de suas variantes, o peculato não pode deixar de revestir feição patrimonial)” (op. cit., p. 353).16 “Não há como prosperar a alegação de que não teria havido comunicação do Tribunal de Justiça sobre os depósitos indevidos na conta bancária do acusado, a fim de justificar o fato de não ter devolvido os valores em prazo razoável, se evidenciado que o mesmo poderia ter conhecimento da origem do dinheiro e, por consequência, providenciar sua devolução. Eventual falta de recebimento de comunicação não afasta, por si só, a possível ocorrência de crime a ser apurado. Não se pode examinar a presença, ou não, de dolo na conduta do paciente, tendo em vista a impropriedade da via eleita. O parcial ressarcimento posterior não tem o condão de descaracterizar o crime já consumado.”(STJ, RHC 12506 / MG , julgado em 17/09/2002)

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153 (divulgação de segredo), 296 (falsificação de selo ou sinal público), 297 (falsificação de documento público), 325 (violação de sigilo funcional) e 327 (conceito de funcionário público).

O art. 313-A prevê dois gêneros de condutas:

a) inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos (ex.: incluir indevidamente beneficiários em programas sociais); e

b) alterar ou excluir indevidamente dados corretos (ex.: excluir do banco de dados da receita débitos tributários em nome de determinada pessoa). 17

A conduta deve recair sobre “sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública”. O agente deve ter finalidade específica, devendo cometer o crime para “obter vantagem indevida [qualquer espécie de benefício, mesmo que não tenha natureza patrimonial] para si ou para outrem ou para causar dano”.

Sujeitos passivos e ativos: como qualquer crime funcional, somente o funcionário público pode realizar a inserção de dados falsos em sistema de informação. Neste caso, a qualificação é mais específica, pois o tipo penal determina que seja “funcionário autorizado”. Caso a conduta seja realizada por funcionário não autorizado é possível, em tese, enquadrá-la como peculato (art. 312 ou 313). O sujeito passivo é a entidade pública que detém o sistema informatizado ou administra o banco de dados. Eventualmente, particulares também podem ser sujeitos passivos caso a inserção de dados falsos prejudique pessoa determinada (é o caso daquele que altera indevidamente os beneficiários de uma pensão).

Objetos materiais e jurídicos: os objetos materiais do crime são os sistemas de informação (que manipulam dados e geram informações) e os bancos de dados (coleção organizada de dados para determinada finalidade). De acordo com Leandro Salevane Gonçalves, todo sistema de informações contém os seguintes elementos: hardware, software, pessoas, banco de dados, redes e procedimentos.18 O bem jurídico protegido é, primeiramente, o erário (patrimônio público) e, secundariamente, a moralidade pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público autorizado;

b) de perigo abstrato: a mera execução das condutas típicas faz presumir-se a existência de risco ao bem protegido (patrimônio público);

c) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente em vantagem indevida ou em produção de dano;

17 “No que tange ao aspecto formal, observa-se que a exordial logrou apontar conduta do recorrente que, ao menos em tese, pode ser tida como delituosa. Destacou-se sua participação ativa na suposta quadrilha, facilitando a recepção de álcool combustível e sua passagem pelo Estado de Pernambuco sem a abertura de passes fiscais, em detrimento do fisco, além de dar baixa indevidamente no sistema informatizado da SEFAZ.”(STJ, RHC 30790 / PE, julgado em 06/10/2011)18 Sistema de informação, p. 51-52. Disponível em http://www2.videolivraria.com.br/pdfs/6519.pdf. Acessado em 29.2.2012.

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d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o agente

insere ou facilita a inserção de dados falsos ou altera ou exclui dados verdadeiros;

f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;h) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;i) crime de grande potencial ofensivo, com pena de reclusão de dois a doze anos, e

multa.

2.6 Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações (art. 313-B)

Conduta: modificar (mudar a forma ou a qualidade) ou alterar (desorganizar, perturbar) sistema de informações ou programa de informática. Diferentemente do tipo anterior, não é preciso que seja funcionário autorizado, podendo ser sujeito ativo qualquer funcionário público. Para caracterizar o crime, não basta modificar ou alterar o sistema ou programa: é preciso que essa conduta seja realizada sem autorização ou solicitação da autoridade competente.

Esse crime é descrito nas seguintes formas:

a) simples: com pena de detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa;b) com causa de aumento de pena: de um terço até a metade se da modificação ou

alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. O sujeito passivo é a entidade pública cujo sistema de informações ou programa de informática foi indevidamente alterado ou modificado. Eventualmente, particulares também podem ser sujeitos passivos se a modificação ou alteração causar dano a alguém.

Objetos materiais e jurídicos: os objetos materiais são sistemas de informações (conjunto de mecanismos que manipulam dados e geram informações) ou programas de informática, que recebem a seguinte definição legal: “Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados” (Lei 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, art. 1º). O bem jurídico protegido é, primeiramente, o regular funcionamento dos sistemas de informação da Administração Pública e, secundariamente, o erário.

Este crime recebe a seguinte classificação:

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a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público;b) de perigo abstrato: a mera execução das condutas típicas faz presumir-se a

existência de risco ao bem protegido;c) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente em dano

para a Administração Pública ou para o administrado; d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o agente

modifica ou altera sistema de informações ou programa de informática; f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;h) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;i) infração penal de menor potencial ofensivo.

Tipo assemelhado: caso haja violação a direitos autorais relativos a programas de computador, incide a Lei 9.609, de 1998:

 Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.

        § 1º Não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor de opor-se a alterações não autorizadas, quando estas impliquem deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação.

(...)

 Art. 12. Violar direitos de autor de programa de computador:

        Pena - Detenção de seis meses a dois anos ou multa.

(...)

  § 3º Nos crimes previstos neste artigo, somente se procede mediante queixa, salvo:

        I - quando praticados em prejuízo de entidade de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo poder público;

2.7 Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento (art. 314)

Conduta – o art. 318 prevê diversas condutas cometidas pelo funcionário público que, em razão do cargo, tem a guarda de livro oficial ou de qualquer documento. 19 Nesse

19 REPRIMENDA. AGRAVANTE DE TER O AGENTE COMETIDO O CRIME COM ABUSO DE PODER OU VIOLAÇÃO DE DEVER INERENTE AO CARGO. APLICAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR DO TIPO INFRINGIDO. BIS IN IDEM. AFASTAMENTO QUE SE IMPÕE DE OFÍCIO. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO.1. Sendo elementar do tipo do art. 314 do CP a condição de o agente ter a guarda do livro ou documento extraviado em razão do cargo público ocupado, configura bis in idem a incidência da agravante do art. 61,

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sentido, incrimina-se a conduta daquele que extravia (faz desaparecer), sonega (retém) ou inutiliza (retira a utilidade) do livro ou documento.

É preciso diferenciar o tipo penal do art. 314 de outros também presentes no CP:

a) se o crime for cometido para obter benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, incide o art. 305 (supressão de documento);

b) se o crime é cometido por particular, incide o art. 337 (subtração ou inutilização de livro ou documento);

c) se o crime é cometido por advogado e o objeto material consiste em documentos de valor probatório em processo, incide o art. 356 (sonegação de papel ou objeto de valor probatório).

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. O sujeito passivo é a entidade pública a que pertence o livro oficial ou documento. Eventualmente, particulares também podem ser sujeitos passivos se o extravio, sonegação ou inutilização causar dano a alguém.

Objetos materiais e jurídicos: os objetos materiais são os livros oficiais (volume que contém diversos documentos da Administração Pública)20; ou documentos (base física na qual são inseridas informações), públicos ou privados. O bem jurídico protegido é o regular funcionamento da Administração Pública e, secundariamente, o patrimônio público ou privado.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público;b) de perigo abstrato: a mera execução das condutas típicas faz presumir-se a

existência de risco ao bem protegido;c) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente em dano

para a Administração Pública ou para o administrado; d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o agente

extravia, sonega ou inutiliza livro oficial ou documento, público ou privado; f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;h) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;

II, g, do CP na segunda etapa da dosimetria, merecendo, portanto, afastado o aumento de pena efetuado nessa etapa.2. Ordem denegada, concedendo-se habeas corpus de ofício para afastar o aumento de pena efetuado em razão da agravante do art. 61, II, g, do CP, reduzindo-se a pena imposta ao paciente, que resta definitiva em 2 anos de reclusão, declarando-se, também de ofício, extinta a sua punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, na modalidade retroativa.(STJ, HC 117749 / DF, julgado em 13/08/2009)20 De acordo com Nelson Hungria, são exemplos de livros oficiais: “os livros de escrituração das repartições públicas ou de registros, os ‘protocolos’, os papeis de arquivos ou de museus, relatórios, plantas, projetos, representações, queixas formalizadas, pareceres, provas escritas de concurso, propostas em concorrência pública, autos de processos administrativos, etc.” (op. cit., p. 356-357).

Page 17: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

i) crime de médio potencial ofensivo, com pena de reclusão, de um a quatro anos;j) subsidiário: somente incide o tipo do art. 314 se a conduta descrita não for

elementar de outro crime – é o caso do art. 305 do CP, que tem pena de reclusão, de dois a seis anos, e multa, se o documento é público, e reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é particular.

Tipo assemelhado: caso haja crime de sonegação fiscal, incide a Lei 8.137, de 1990:

Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I):

        I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social;

2.8 Emprego irregular de verbas ou rendas públicas (art. 315)

Conduta: o tipo previsto no art. 315 do CP tem um ponto em comum com o do peculato-desvio (art. 312): em ambos, a verba pública tem destinação diversa da devida. A diferença entre eles é exatamente o destino dessa verba: no peculato, ela integra-se ao patrimônio privado, do funcionário público ou de outrem; já no emprego irregular de verbas públicas, a verba mantém sua destinação de caráter público, caracterizando-se o crime pelo fato de a destinação ser diversa daquela prevista em lei. 21

É preciso diferenciar este crime também daquele previsto no art. 359-D do CP: “Ordenar despesa não autorizada por lei”. Enquanto no art. 315 existe lei prevendo a destinação da aplicação, no art. 359-D não há lei nenhuma, ou seja, não existe autorização legal para o gasto público, qualquer que seja sua finalidade.

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. O sujeito passivo é a entidade pública cujo orçamento foi descumprido. Eventualmente, particulares também podem ser sujeitos passivos se a destinação inadequada da verba prejudicar interesses privados.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário, uma vez que rendas e verbas públicas geralmente não estão materializadas em notas moedas, tendo existência apenas escritural. O objeto jurídico é a execução regular do orçamento público: o art. 315 trata de um crime contra as finanças públicas, categoria que passou a ser prevista em capítulo específico com a Lei 10.028, de 2000.

21 PECULATO - ARTIGO 312 DO CÓDIGO PENAL - VERBA PÚBLICA. Longe fica de configurar crime de peculato o emprego de verba pública em obra diversa da programada, fazendo-se ausente quer a apropriação, quer o desvio em proveito próprio ou alheio. EMPREGO IRREGULAR DE VERBA PÚBLICA - ARTIGO 315 DO CÓDIGO PENAL. A configuração do crime tipificado no artigo 315 do Código Penal não prescinde da existência de lei, em sentido formal e material, a prever a destinação da verba.(STF, AP 375 / SE, julgado em 27/10/2004)

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Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público;b) de dano: somente se consuma com a lesão ao bem jurídico protegido (orçamento

público);c) material: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente na

utilização de verba pública em finalidade diversa daquela prevista em lei; d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o agente

aplica a verba em finalidade não prevista em lei; f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) comissivo: o verbo indica ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;h) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;i) crime de médio potencial ofensivo, com pena de reclusão, de um a três anos, ou

multa.

Tipos assemelhados:

I) Se o sujeito ativo for Presidente da República ou Ministro de Estado: “Art. 11. São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos: 1 - ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem observância das prescrições legais relativas às mesmas” (Lei 1.079, de 1950).

II) Se o sujeito ativo for prefeito ou vereador: “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (...) III - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;” (Decreto Lei 201, de 1967). 22

III) Se o crime for militar: “Art. 331. Dar às verbas ou ao dinheiro público aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena - detenção, até seis meses” (Código Penal Militar).

2.9 Concussão (art. 316, caput)22 Ação Penal. Ex-prefeito municipal. Atual deputado federal. Peculato (art. 312 do C.P.). Tipo previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201, de 27/2/67. Denúncia sucinta. Emendatio libelli. Possibilidade. Ausência dos elementos objetivos do tipo. Mero emprego irregular de verbas públicas, sem que haja proveito próprio do agente público ou de outrem. Mutatio libelli. Possibilidade. Possível tipificação de crimes diversos (art. 1º, incisos III, V ou IX, do Decreto-Lei nº 201, de 27/2/67), a ensejar, quando muito, o devido aditamento da denúncia pelo Ministério Público (CPP, art. 384). Desnecessidade. Prescrição da pretensão punitiva já consumada. Pedido julgado improcedente, com a absolvição dos réus com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal. (...) 3. Ausência de comprovação de apropriação de bens ou de renda públicas, ou seu desvio em proveito próprio ou alheio. Núcleo essencial do tipo não demonstrado. 4. A incidência da norma que se extrai do inciso I do art. 1º do Decreto-Lei nº 201/67 depende da presença de um claro elemento subjetivo do agente político: a vontade livre e consciente (dolo) de lesar o Erário, pois é assim que se garante a necessária distinção entre atos próprios do cotidiano político-administrativo e atos que revelam o cometimento de ilícitos penais. No caso, o órgão ministerial público não se desincumbiu do seu dever processual de demonstrar, minimamente que fosse, a vontade livre e consciente do agente em lesar o Erário. Ausência de demonstração do dolo específico do delito, com reconhecimento de atipicidade da conduta dos agentes denunciados, já reconhecida nesta Suprema Corte (Inq. Nº 2.646/RN, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 7/5/10). (...) 7. Ação penal julgada improcedente.(STF, AP 372 / SE, julgado em 16/12/2010)

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Conduta: a concussão consiste na exigência (ordem, demanda), em razão da função pública, de vantagem indevida. É indiferente que o agente esteja, naquele momento, exercendo a função. Também não se requer que ele tenha tomado posse do cargo. Essencial é que ele utilize a sua função pública como meio para obter a vantagem indevida. Além disso, a exigência pode ser feita de forma direta (pessoalmente) ou indireta (por meio de interposta pessoa).

O crime de concussão é bastante semelhante ao de extorsão, previsto no art. 158 do CP (“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.”). Há, porém, três diferenças essenciais:

a) na concussão, a exigência é feita sempre em razão de função pública;b) se o meio empregado é violência ou grave ameaça, o crime é de extorsão,

mesmo que tenha sido cometido por funcionário público; 23

c) na extorsão, a vantagem indevida é sempre de caráter pecuniário, enquanto que na concussão a vantagem indevida por ser de qualquer natureza.

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. O sujeito passivo é, primariamente, a pessoa vítima da exigência de vantagem indevida, e, secundariamente, a entidade pública a qual pertence o funcionário.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário, uma vez que a vantagem indevida pode ser de qualquer natureza, mesmo imaterial; além disso, a obtenção da vantagem é dispensável para a consumação do crime. O objeto jurídico é a moralidade administrativa.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público, porém, particulares podem atuar como coautores ou partícipes; 24

b) de perigo concreto: somente se consuma se houver probabilidade de a vítima, constrangida, dar a vantagem indevidamente exigida pelo agente;

c) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no recebimento da vantagem indevida pelo agente;

d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o agente

exige a vantagem indevida; f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;

23 “O emprego de violência ou grave ameaça é elementar do crime tipificado no art. 158 do Código Penal. Assim, se o funcionário público se utiliza desse meio para obter vantagem indevida, comete o crime de extorsão, e não o de concussão. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.”(STJ, HC 149132 / MG, julgado em 02/08/2011)24 Em sentido diverso:CONCUSSÃO – CRIME DE MÃO PRÓPRIA. A concussão é crime de mão própria, praticado pelo servidor público.(STF, HC 104864 / RJ, julgado em 17/05/2011)

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g) comissivo: o verbo indica ação; excepcionalmente pode ser comissivo por omissão;

h) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;i) crime de médio potencial ofensivo, com pena de reclusão, de dois a oito anos, e

multa.

Concussão praticada por jurados: o art. 438 do CPP, em sua redação original, previa: “Os jurados serão responsáveis criminalmente, nos mesmos termos em que o são os juízes de ofício, por concussão, corrupção ou prevaricação (Código Penal, arts. 316, 317, §§ 1º e 2º, e 319).” Com as profundas modificações realizadas no processo penal pela Lei 11.689, de 2008, passou a ser aplicável ao caso o art. 445: “O jurado, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, será responsável criminalmente nos mesmos termos em que o são os juízes togados”.

Tipo assemelhado: caso haja crime de sonegação fiscal, incide a Lei 8.137, de 1990:

Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I):

(...)

II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

2.10 Excesso de exação (art. 316, §§ 1º e 2º)

Conduta: o crime de excesso de exação, apesar de previsto nos parágrafos do art. 316, não é uma forma de concussão, mas um delito de natureza tributária, tanto que sua redação foi atualizada pela Lei 8.137, de 1990, que trata exatamente desse gênero de delitos. Trata-se de conduta realizada por funcionário da receita (federal, estadual, municipal ou distrital) que exige tributo (prestação pecuniária compulsória paga pela população para a manutenção das entidades públicas) ou contribuição social (tributo destinado a custear atividades específicas, como a previdência social) 25 nas seguintes situações:25 RECURSO ESPECIAL. EXCESSO DE EXAÇÃO. COBRANÇA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. PRINCÍPIO DA ESTREITA LEGALIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.1.O Tribunal a quo, soberano na análise das provas, entendeu que houve alteração de ânimos de ambos os lados - fiscais e contribuinte - porém, apto a configurar, apenas, “um comportamento inapropriado, não criminoso”. Ademais sustentou-se que não houve cobrança indevida de tributo, mas tão somente de multa.2. A questão posta a desate cinge-se ao reconhecimento da possibilidade ou não de o delito de excesso de exação ser praticado quando há cobrança de multa por meio de auto de infração.3. O tipo do art. 316, § 1º, do Código Penal incrimina a conduta de funcionário público que exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza.

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a) sabendo (dolo direto) ou devendo saber (dolo indireto) que é indevido; oub) empregando na cobrança meio vexatório (causador de vergonha) ou gravoso

(ofensivo), que a lei não autoriza.

Este crime é descrito nas seguintes formas:

a) Simples: pena de reclusão, de três a 8 oito anos, e multa.b) Qualificada: se o funcionário desvia, em proveito próprio ou alheio, o tributo ou

contribuição social recebido indevidamente. Neste caso, a pena é de reclusão, de dois a doze anos, e multa. Trata-se de uma forma específica de peculato-desvio, tendo, inclusive, a mesma pena prevista no art. 312, caput.

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. O sujeito passivo é, primariamente, a pessoa vítima do excesso de exação, e, secundariamente, a entidade pública a qual pertence o funcionário.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário, uma vez que os tributos e contribuições sociais recebidos ou cobrados indevidamente podem ou não materializar-se em cédulas e moedas. O objeto jurídico pode ser o patrimônio daquele que pagou tributo indevido (§ 1º) ou a honra da pessoa que foi cobrada de modo vexatório ou gravoso (§ 2º). Em ambos os casos, é atingida a moralidade administrativa.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público, porém, particulares podem atuar como coautores ou partícipes;

b) de perigo concreto, na modalidade “exigir”: somente se consuma se houver probabilidade de a vítima, constrangida, pagar o tributo ou contribuição social; de dano, na modalidade “empregar meio vexatório ou gravoso”, pois, neste caso, o crime é consumado com o dano à honra da vítima;

c) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no pagamento de tributo ou de contribuição social – o emprego de meio de gravoso ou vexatório não é resultado do crime, mas o instrumento de que se vale o agente; 26

4. Nos termos da definição dada pelo art. 3º do Código Tributário Nacional, "tributo é toda prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou cujo valor nela se posse exprimir, que não constitua sanção de ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa." Portanto, é consabido que a multa, em vista de sua natureza sancionatória, não constitui tributo.5. O princípio da estreita legalidade impede a interpretação extensiva para ampliar o objeto descrito na lei penal. Na medida em que as multas não se inserem no conceito de tributo é defeso considerar que sua cobrança, ainda que eventualmente indevida – quer pelo meio empregado quer pela sua não incidência - tenha o condão de configurar o delito de excesso de exação, sob pena de violação do princípio da legalidade, consagrado no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal e art. 1º do Código Penal.6. Recurso especial ao qual se nega provimento.(STJ, REsp 476315 / DF, julgado em 17/12/2009)26 Em sentido contrário, vide o seguinte julgado do STJ em que, data venia, confunde-se instrumento e resultado do crime:CRIMINAL. HABEAS CORPUS. EXCESSO DE EXAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ARTIGO 41 DO CPP. MEIO VEXATÓRIO EMPREGADO NA

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d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o agente

exige o tributo ou contribuição social; f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;h) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;i) crime de grande potencial ofensivo, em ambas as formas (simples e qualificada).

Tipo assemelhado: “Exigir imposto, taxa ou emolumento que sabe indevido, ou, quando devido, empregar na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena - detenção, de seis meses a dois anos.” (Código Penal Militar, art. 306)

2.11 Corrupção passiva (art. 317)

A corrupção passiva é semelhante à concussão no sentido de que a função pública é utilizada como meio para o recebimento de vantagem indevida. Do mesmo modo que no artigo anterior, é possível cometer o crime sem estar no exercício efetivo da função e até mesmo antes de assumi-la: requer-se apenas que a conduta seja realizada com fundamento na condição de funcionário público.

Condutas – o tipo penal do art. 317 descreve as seguintes ações, todas referentes a vantagem indevida:

a) solicitar (incitar, induzir, chamar): trata-se da promessa de um benefício – difere da exigência típica da concussão, que consiste na ameaça de um malefício;

b) receber (aceitar, tomar); ec) aceitar promessa de tal vantagem (concordar com o recebimento futuro).27

COBRANÇA DO TRIBUTO NÃO DESCRITO NA EXORDIAL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE DEFESA DOS PACIENTES. ORDEM CONCEDIDA.I. Não obstante o fato de a denúncia afirmar que os pacientes teriam empregado meio vexatório na tentativa de impelir a vítima a realizar o pagamento do imposto, o Parquet não logrou descrever as indignidades e desrespeitos aos quais o contribuinte teria sido submetido.II. A simples menção ao emprego de meio vexatório, sem uma descrição objetiva, sistemática e abrangente do constrangimento indevido causado à vítima, implica em inépcia da inicial, pois as circunstâncias do crime, essenciais para a análise da eventual subsunção da conduta ao tipo penal previsto no art. 316, § 1º, do Estatuto Repressor Penal, não foram esclarecidas.III. Tratando-se de crime material, que exige o resultado naturalístico consistente no emprego de meio vexatório ou humilhante pelo agente ao exigir o pagamento do tributo, mister se faz a exposição concreta do elemento normativo do tipo, vez que o réu defende-se da conduta a ele atribuída e não da tipificação consignada na peça pórtica.(...)VII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.(HC 201562 / RR, julgado em 15/12/2011)27 “Houve a indicação de que o paciente era incumbido de liderar e de organizar as práticas delituosas, estabelecendo contato telefônico com os internos e com os demais agentes penitenciários, elaborando listas de pessoas a serem favorecidas e fixando os preços. Era também responsável pela exclusão de registros de irregularidades constatadas durante a ronda externa do Centro de Progressão, rasurando ou modificando o horário de entrada e saída de internos e repartindo a vantagem indevida com os demais agentes penitenciários. De especial relevo é a indicação de que a atuação do grupo viabilizou a dispensa de inúmeros internos do Centro de Progressão Penitenciária, gerando o descumprimento de sentenças

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A solicitação de vantagem indevida caso não seja aceita pelo particular constitui apenas o crime de corrupção passiva. Havendo aceitação pelo particular, configura-se também o crime de corrupção ativa (art. 333). Trata-se de hipótese excepcional de aplicação da teoria pluralista, na qual as pessoas que participam do mesmo fato respondem por crimes diversos a depender da posição que ocupam (funcionário público ou particular).

Nos outros dois casos (“receber” e “aceitar” vantagem indevida), a existência de corrupção passiva necessariamente pressupõe a de corrupção ativa, uma vez que, logicamente, ao recebimento e à aceitação deve anteceder o oferecimento ou a promessa de vantagem indevida, condutas típicas do art. 333. Nestes casos, ao contrário do anterior (“solicitar”) a denúncia por corrupção passiva somente pode ser recebida caso haja comprovação da ocorrência também de corrupção ativa.

Este crime é descrito nas seguintes formas:

I) Simples: descrita no caput, com pena de reclusão, de dois a doze anos, e multa.

II) Com causa de aumento de pena (§ 1º): de um terço, se o funcionário público, em consequência da vantagem ou promessa retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. Trata-se do exaurimento da corrupção passiva. 28

III) Privilegiada (§ 2º): o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem. Trata-se de conduta bastante semelhante à descrita no § 1º, com a diferença fundamental de que a conduta do funcionário não é motivada pela vantagem indevida, mas pelo mero pedido (solicitação) ou influência (prestígio) de outrem. A pena é substancialmente diminuída, consistindo em detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. O sujeito passivo é a entidade pública a que pertence o funcionário corrupto. Eventualmente, particulares também podem ser sujeitos passivos se a omissão, retardamento do ato ou a prática indevida prejudicarem interesses privados.

Objetos materiais e jurídicos: da mesma forma que na concussão, não há objeto material necessário, uma vez que a vantagem indevida pode ser de qualquer natureza, mesmo imaterial; além disso, a obtenção da vantagem é dispensável para a consumação do crime. O objeto jurídico é a moralidade administrativa.

condenatórias, pondo em risco a credibilidade do Poder Judiciário.”(STJ, HC 205981 / DF, julgado em 13/12/2011)28 “Noutro giro, improcede a alegação de nulidade por inobservância do rito previsto no art. 514 do CPP. Isso porque tal preceito somente é aplicável aos crimes funcionais afiançáveis. Na hipótese dos autos, imputa-se ao paciente o delito do art. 317, § 1º, do CP, chamado pela doutrina ‘corrupção passiva exaurida’. A sanção corporal cominada a tal infração é a estabelecida para a corrupção passiva - a saber, de 2 (dois) a 12 (doze) anos -, aumentada de 1/3 (um terço), não se lhe albergando, portanto, o instituto da fiança (art. 323, I, do CPP).”(STJ, HC 147634 / RJ, julgado em 05/04/2011)

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Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público, porém, particulares podem atuar como coautores ou partícipes;

b) de perigo abstrato: considera-se existente o risco para a Administração Pública com a mera prática das condutas típicas;

c) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no retardamento, omissão ou prática indevida de ato administrativo (caso ocorra, será mero exaurimento);

d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o agente

solicita, recebe ou aceita promessa de vantagem indevida; f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;h) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;i) crime de grande potencial ofensivo, na forma simples; infração de menor

potencial ofensivo na forma privilegiada.

Desclassificação do crime de concussão para o de corrupção passiva: inadmissibilidade em sede de recurso especial, uma vez que exige a análise de provas. 29

Tipo assemelhado: “Receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de dois a oito anos. § 1º A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o agente retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º Se o agente pratica, deixa de praticar ou retarda o ato de ofício com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano.” (Código Penal Militar, art. 308)

2.12 Facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318)

29 DESCLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES DE CONCUSSÃO PARA O DELITO CORRUPÇÃO PASSIVA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT.1. Para desconstituir o édito repressivo como pretendido no mandamus seria necessário o exame aprofundado de provas, providência que é inadmissível na via angusta do habeas corpus, mormente pelo fato de que vigora no processo penal brasileiro o princípio do livre convencimento, em que o julgador pode decidir pela condenação, desde que fundamentadamente.2. In casu, constata-se que o Juízo singular, ao proferir a sentença, após proceder ao cotejo do material probatório reunido ao longo da instrução processual, formou seu livre convencimento, concluindo pela comprovação da autoria e da materialidade dos crimes de concussão atribuídos ao paciente, notadamente diante dos testemunhos das vítimas, que evidenciariam que ele teria exigido diretamente para si, no exercício da função de inspetor de polícia, vantagem indevida.3. Seguindo o entendimento deste Sodalício, não há como proceder à análise do pedido de desclassificação do crime de concussão para o de corrupção passiva, porquanto é matéria que exige aprofundado revolvimento das provas produzidas nos autos, o que é incompatível com a via estreita do writ (Precedentes).(STJ, HC 124737 / RS, julgado em 28/06/2011)

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Conduta: facilitar (desimpedir, auxiliar) a prática (realização) do contrabando (importação ou exportação proibida de mercadorias) ou do descaminho (entrada ou saída de mercadorias sem o pagamento do tributo devido), crimes previstos no art. 334 do CP. O elemento normativo é a infração de dever funcional, ou seja, o funcionário público deve ter, entre suas funções, a de impedir o contrabando ou o descaminho.

Tal como a corrupção passiva, o crime de facilitação de contrabando ou descaminho é mais uma exceção à teoria monista, ou seja, agentes que participam do mesmo evento (contrabando ou descaminho) respondem por crimes diversos de acordo com sua condição – o funcionário público responde pelo art. 318 e o particular pelo art. 334.

Sujeitos passivos e ativos: o sujeito ativo é o funcionário público que exerce função de caráter policial 30 ou fiscal. O sujeito passivo é o Estado.

Objetos materiais e jurídicos: o objeto material são os bens contrabandeados ou descaminhados. O objeto jurídico é a Administração Pública, em seus aspectos financeiros e morais.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público cuja função esteja relacionada à prevenção e repressão do contrabando e do descaminho;

b) de perigo concreto: consuma-se com a efetiva colocação em risco da moralidade e do patrimônio público;

c) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente na realização do contrabando ou do descaminho;

d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o

funcionário facilita o contrabando ou o descaminho; f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) comissivo: “facilitar” indica ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;

30 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FACILITAÇÃO DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO. ALEGAÇÃO DE QUE POLICIAL CIVIL NÃO PODE INCORRER EM TAL DELITO, SOB O FUNDAMENTO DE QUE A REPRESSÃO DA REFERIDA INFRAÇÃO COMPETE PRECIPUAMENTE À POLÍCIA FEDERAL. TESE QUE DEVE SER REFUTADA. POLÍCIA CIVIL: ÓRGÃO CUJOS AGENTES TÊM O DEVER CONSTITUCIONAL DE EXERCER A PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA E DA INCOLUMIDADE DAS PESSOAS E DO PATRIMÔNIO. RECURSO DESPROVIDO.1. Se Policial Civil, ao infringir dever funcional, facilita a terceiros a prática do contrabando ou descaminho, incorre no delito do art. 318, do Código Penal, independentemente do interesse da União relativo ao crime previsto no art. 334, do mesmo Estatuto.2. Explicite-se: é completamente descabida a alegação de que a facilitação não pode ser cometida por Policial Civil, sob o fundamento de que a ele não compete reprimir e investigar infrações cujo processamento e julgamento cabem à Justiça Comum Federal.3. Ora, a Polícia Civil se trata de órgão cuja finalidade imediata é a de preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144, caput, da Constituição da República), não se lhe cabendo omitir de tais deveres gerais ainda que a infração tenha sido cometida em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas.4. Recurso desprovido.(STJ, RHC 24998 / RJ, julgado em 15/12/2011)

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h) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;i) crime de grande potencial ofensivo, com pena de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito)

anos, e multa. 

2.13 Prevaricação (art. 319)

Conduta: o crime de prevaricação é semelhante ao de corrupção passiva exaurida (art. 317, § 2º): ambos consistem em “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício [ato que o agente tem a competência e, portanto, o dever funcional de realizar], ou praticá-lo contra disposição expressa de lei”. A diferença entre ambos é que, na corrupção passiva, o agente solicita, recebe ou aceita promessa de vantagem indevida; na prevaricação, o agente não realiza nenhuma dessas condutas, mas tem por finalidade satisfazer sentimento (ligação afetiva com outra pessoa) ou interesse pessoal (qualquer espécie de proveito que o agente teria com o ato). 31 Nesse sentido, caso o funcionário público solicite a vantagem indevida, o crime será de corrupção passiva; caso ele não solicite, mas tenha somente a expectativa de receber espontaneamente a vantagem indevida, o crime é de prevaricação. 32

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. O sujeito passivo é a entidade pública a que pertence o funcionário corrupto. Eventualmente, particulares também podem ser sujeitos passivos se a omissão, retardamento do ato ou a prática indevida prejudicarem interesses privados.

31 PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. DENÚNCIA POR CRIMES DE PREVARICAÇÃO E FALSIDADE IDEOLÓGICA PRATICADOS POR PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA. ATIPICIDADE APONTADA PELA DEFESA NÃO EVIDENCIADA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.I - O crime de prevaricação se perfaz, na forma comissiva, com a prática de ato de ofício, contra disposição expressa de lei, visando satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Desse modo, afigura-se típica, em tese, a acusação neste ponto, haja vista que o acusado teria praticado ato de ofício (previsto tanto na Constituição Federal, quanto na Lei Complementar nº 75/93, como uma das prerrogativas dos membros do Ministério Público da União) consistente em requisitar informações a entidades públicas e privadas, a fim de obter dados sigilosos, notadamente acerca de realização de interceptação telefônica, muito embora o tenha feito na condição de investigado, portanto sem o amparo de procedimento administrativo de sua competência, buscando, aparentemente, satisfazer exclusivamente interesse pessoal.(...)Denúncia recebida.(STJ, APn 642 / DF, julgado em 17/11/2010)32 “O delito de prevaricação consiste em retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Prevaricação é a traição, a deslealdade, a perfídia ao dever do ofício, à função exercida. É o descumprimento dasobrigações que lhe são inerentes, motivado o agente por interesse ou sentimento próprios. Destaca Damásio E. de Jesus (in ‘Direito Penal – Volume 4”, ed. Saraiva, 6ª edição, 1995, página 143) que naprática do fato o agente se abstém da realização da conduta a que está obrigado, ou retarda ou concretiza contra a lei, com a destinação específica de atender a sentimento ou interesse próprios. É um delito que ofende a Administração Pública, causando dano ou perturbando o normal desenvolvimento de sua atividade. O agente não mercadeja sua função, o que ocorre na corrupção passiva, mas degrada ao violar dever de ofício para satisfazer objetivos pessoais.”(STJ, Denun na APn 549 / SP, julgado em 21/10/2009)

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Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário, pois o ato de ofício retardado, não praticado ou realizado indevidamente pode atingir qualquer bem. O objeto jurídico é a moralidade administrativa.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público; b) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (moralidade

administrativa);c) formal: para sua consumação, basta que o agente retarde, deixe de praticar ou

realize indevidamente ato de ofício – não é preciso que haja efetiva satisfação do interesse ou sentimento pessoal;

d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o

funcionário retarda, deixa de praticar ou realiza indevidamente ato de ofício; f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) comissivo: na modalidade “praticar”, a conduta é comissiva; na modalidade

“deixar de praticar”, a conduta é omissiva; na modalidade “retardar”, a conduta pode ser comissiva ou omissiva; excepcionalmente pode ser comissivo por omissão;

h) plurissubsistente, na forma comissiva; unissubsistente, na forma omissiva;i) infração penal de menor potencial ofensivo, com pena de detenção, de três

meses a um ano, e multa.

Conduta equiparada à prevaricação: o retardamento injustificado dos prazos previstos na Lei 1.521, de 1951 (Lei de Crimes contra a Economia Popular) implica crime de prevaricação (art. 10, § 4º, da lei). Neste caso, é dispensável a existência da finalidade específica de satisfazer sentimento ou interesse pessoal, ou seja, a mera negligência do funcionário já constitui crime.

Tipos assemelhados:

I) Se o sujeito ativo for prefeito: “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (...) XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;” (Decreto-Lei 201, de 1967). 33

33 AÇÃO PENAL. CRIME DE PREVARICAÇÃO (ART. 319 DO CP) E DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO (ART. 1º DO DECRETO-LEI Nº 201/67). AUSÊNCIA DE PROVAS. IMPROCEDÊNCIA. ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS. 1. A configuração do crime de prevaricação requer a demonstração não só da vontade livre e consciente de deixar de praticar ato de ofício, como também do elemento subjetivo específico do tipo, qual seja, a vontade de satisfazer "interesse" ou "sentimento pessoal". Instrução criminal que não evidenciou o especial fim de agir a que os denunciados supostamente cederam. Elemento essencial cuja ausência impede o reconhecimento do tipo incriminador em causa. 2. A acusação ministerial pública carece de elementos mínimos necessários para a condenação do parlamentar pelo crime de responsabilidade. Os depoimentos judicialmente colhidos não evidenciaram ordem pessoal do Prefeito de não autuação dos veículos oficiais do Município de Santa Cruz do Sul/RS. A mera subordinação hierárquica dos secretários municipais não pode significar a automática responsabilização criminal do Prefeito. Noutros termos: não se pode presumir a responsabilidade criminal do Prefeito, simplesmente com apoio na indicação de terceiros -- por um "ouvir dizer" das testemunhas --;

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II) Se o crime for militar: “Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra expressa disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de seis meses a dois anos.” (Código Penal Militar).

III) Se o crime for eleitoral: “Art. 345. Não cumprir a autoridade judiciária, ou qualquer funcionário dos órgãos da Justiça Eleitoral, nos prazos legais, os deveres impostos por este Código, se a infração não estiver sujeita a outra penalidade: Pena - pagamento de trinta a noventa dias-multa” (Código Eleitoral).

IV) Se o ato de ofício relacionar-se ao sistema financeiro nacional: “Art. 23. Omitir, retardar ou praticar, o funcionário público, contra disposição expressa de lei, ato de ofício necessário ao regular funcionamento do sistema financeiro nacional, bem como a preservação dos interesses e valores da ordem econômico-financeira: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa” (Lei 7.492, de 1986).

V) Se o crime for relativo à produção, o comércio e o transporte clandestino de açúcar e do álcool: “Art. 3º O fiscal ou qualquer outro servidor que facilitar, com infração do dever funcional, a prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei, ficará sujeito à pena cominada no art. 1º, acrescida de uma terça parte, com abertura obrigatória do competente inquérito administrativo” (Decreto-Lei nº 16, de 6 de agosto de 1966).

2.14 Prevaricação imprópria ou especial (art. 319-A)

Conduta: deixar de vedar ao preso o acesso a aparelho (telefônico, de rádio ou similar) que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Este tipo penal foi incluído pela Lei 11.446, de 28 de março de 2007, que também modificou a Lei de Execução Penal, acrescentando uma hipótese de falta grave para o preso que: “tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo” (art. 50, VII). 34

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. A referência típica a diretor de penitenciária é apenas exemplificativa, pois, pode ser ante do crime qualquer funcionário público que tenha contato com os presos. O sujeito passivo é ente federativo que custodia o preso (em geral, os estabelecimentos prisionais são de responsabilidade

sabido que o nosso sistema jurídico penal não admite a culpa por presunção. 3. O crime do inciso XIV do art. 1º do Decreto-Lei nº 201/67 é delito de mão própria. Logo, somente é passível de cometimento pelo Prefeito mesmo (unipessoalmente, portanto) ou, quando muito, em coautoria com ele. Ausência de comprovação do vínculo subjetivo, ou psicológico, entre o Prefeito e a Secretária de Transportes para a caracterização do concurso de pessoas, de que trata o artigo 29 do Código Penal. 4. Improcedência da ação penal. Absolvição dos réus por falta de provas, nos termos do inciso VII do artigo 386 do Código de Processo Penal.(STF, AP 447 / RS, julgado em 18/02/2009)34 “Com a edição da Lei n.º 11.466, de 29 de março de 2007, passou-se a considerar falta grave tanto a posse de aparelho celular, como a de seus componentes, tendo em vista que a ratio essendi da norma é proibir a comunicação entre os presos ou destes com o meio externo. Precedentes.”(STJ, HC 213789 / SP, julgado em 06/12/2011)

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dos Estados). Eventualmente, particulares também podem ser sujeitos passivos caso a utilização, pelos presos, de aparelhos de comunicação, dê origem a novos crimes.

Objetos materiais e jurídicos: o objeto material é o aparelho de comunicação. O objeto jurídico é a segurança pública, ameaçada pela utilização de tais aparelhos, que podem ser utilizados para o cometimento de diversos crimes, principalmente extorsão (art. 158).

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público; b) de perigo abstrato: consuma-se com a mera realização da conduta, sendo

presumida o risco de lesão ao bem jurídico protegido (segurança pública);c) formal: não requer a produção de resultado naturalístico; d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o

funcionário deixa de cumprir seu dever de impedir o acesso do preso a aparelho de comunicação;

f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) omissivo, pois trata-se do descumprimento de um dever funcional;h) unissubsistente, por seu caráter omissivo;i) infração penal de menor potencial ofensivo, com pena de detenção, de três

meses a um ano.

2.15 Condescendência criminosa (art. 320)

Obrigatoriedade de responsabilização administrativa: a Lei 8.112, de 1990, determina que um dos deveres do servidor público é “representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder” (art. 116, XII). Nesse sentido, os servidores públicos estão obrigados a comunicar formalmente o superior hierárquico daquele que for suspeito do cometimento de uma infração administrativa. Essa autoridade, ao saber, de ofício ou mediante representação, do possível cometimento de infração, deve determinar imediatamente a apuração do fato, seja mediante sindicância, seja por meio de processo administrativo (art. 143). 35

Conduta: o crime de condescendência criminosa consiste em uma conduta omissiva da autoridade que, tendo conhecimento da suspeita do cometimento de infração administrativa, deixa, por indulgência (tolerância, clemência), de responsabilizar subordinado, iniciando a sindicância ou o processo administrativo disciplinar. Caso a autoridade não tenha competência para isso, o crime do art. 320 é consumado caso ela

35 “Qualquer autoridade administrativa que tiver ciência da ocorrência de infração no Serviço Público tem o dever de proceder à apuração do ilícito ou comunicar imediatamente à autoridade competente para promovê-la, sob pena de incidir no delito de condescendência criminosa (art. 143 da Lei 8.112/90); considera-se autoridade, para os efeitos dessa orientação, somente quem estiver investido de poder decisório na estrutura administrativa, ou seja, o integrante da hierarquia superior da Administração Pública. Ressalva do ponto de vista do relator quanto a essa exigência.”(STJ, MS 14391 / DF, julgado em 24/08/2011)

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deixe de levar o fato ao conhecimento da autoridade competente para instaurar a sindicância ou o processo administrativo disciplinar. Trata-se de um tipo específico de prevaricação, pois, por sentimento pessoal (indulgência), o agente deixa de cumprir dever de ofício.

Sujeitos passivos e ativos: o sujeito ativo do crime somente pode ser autoridade hierarquicamente superior ao funcionário público acusado de cometer uma infração administrativa. O sujeito passivo é a entidade pública a qual pertence o funcionário que, indevidamente, deixou de ser responsabilizado.

Objetos materiais e jurídicos: sendo o crime omissivo, não há objeto material. O objeto jurídico é a legalidade administrativa.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público hierarquicamente superior ao suspeito de cometer uma infração administrativa;

b) de perigo abstrato: consuma-se com a mera realização da conduta, sendo presumida o risco de lesão ao bem jurídico protegido (legalidade administrativa) há crime mesmo se posteriormente o funcionário suspeito venha a ser responsabilizado;

c) de mera conduta: o tipo penal não prevê a possibilidade de produção de resultado naturalístico (por óbvio, eventual responsabilização do suspeito não é resultado material, mas jurídico);

d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o

funcionário deixa de cumprir seu dever de responsabilizar o subordinado ou de comunicar a suspeita de irregularidade para a autoridade competente;

f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) omissivo, pois trata-se do descumprimento de um dever funcional;h) unissubsistente, por seu caráter omissivo;i) infração penal de menor potencial ofensivo, com pena de detenção, de quinze

dias a um mês, ou multa.

Tipos assemelhados:

I) Se a condescendência for relativa a suspeito do cometimento de crime de tortura, incide a Lei 9.455, de 7 de abril de 1997: “Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos” (art. 1º, § 2º). 36

36 PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1º, § 2º DA LEI N.º 9.455/97. INÉPCIA DA DENÚNCIA. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.I. Não procede a alegação de responsabilização objetiva da paciente quando evidenciado, pela narrativa da denúncia, que a agressão sofrida pela vítima iniciou logo após esta ter sido apresentada diretamente à autoridade policial.II. Denúncia que descreve a exposição do fato criminoso, com todas as circunstâncias, e possibilita à defesa o exercício do seu munus constitucional não pode ser tachada de inepta. Precedentes.III. Suficiente descrição acusatória, que permite a compreensão dos fatos imputados, descrevendo conduta que, ao menos, em tese, configura crime de tortura.IV. Ordem denegada.(STJ, HC 131795 / RJ, julgado em 28/09/2010)

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II) Se o crime for militar, incide o Código Penal Militar: “Deixar de responsabilizar subordinado que comete infração no exercício do cargo, ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente: Pena - se o fato foi praticado por indulgência, detenção até seis meses; se por negligência, detenção até três meses.” (art. 320).

III) Se o sujeito ativo for Presidente da República ou Ministro de Estado, incide a Lei 1.079, de 1950: “Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: (...) 3 - não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”.

2.16 Advocacia administrativa (art. 321)

Ilícito administrativo: a Lei 8.112, de 1990, proíbe ao servidor público federal “atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro” (art. 117, XI). Nesse sentido, a infração administrativa consiste em atuar o servidor público como representante de um interesse privado perante a Administração Pública, utilizando o prestígio decorrente do exercício do cargo público. Não importa se o interesse privado é legítimo ou ilegítimo, uma vez que a sua defesa realizada por servidor público é uma afronta ao princípio da impessoalidade (previsto na CF, art. 37, caput), segundo o qual todas as pessoas devem ser tratadas da mesma forma pela Administração Pública.Assim, todos os que necessitem de serviços administrativos devem requerê-los pelas vias normais, que geralmente consistem em protocolar um requerimento no órgão público competente. Porém, essa conduta é considerada lícita quando o interessado for cônjuge, companheiro ou parente de até segundo grau o e o benefício for de natureza assistencial ou previdenciária.

Conduta: o crime do art. 321 consiste em “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”. A rubrica do tipo – “advocacia administrativa” – pode levar à impressão de que se trata de ato privativo de advogado. Na verdade, o termo advogar é utilizado aqui em seu sentido genérico, ou seja, significando “interceder a favor de”. O patrocínio pode ser direto (feito pessoalmente pelo funcionário público) ou indireto (no qual o funcionário utiliza um intermediário). Trata-se, enfim, da mesma conduta prevista no art. 117, XI, da Lei 8.112, de 1990. 37

37 Em sentido contrário:“O crime de advocacia administrativa, previsto no art. 321 do CP, não se confunde, necessariamente, com a infração disciplinar prevista no art. 117, XI, da Lei 8.112/90. A infração disciplinar, para configurar-se, não exige que o agente patrocine interesse privado, nem que se valha da sua condição de funcionário público. Basta, para tanto, que atue como procurador ou intermediário junto a repartições públicas. Nesses termos, não havendo identidade, necessária, entre o crime de advocacia administrativa e a infração disciplinar do art. 117, XI, da Lei 8.112/90, a exclusão em abstrato do ilícito penal impõe a adoção, para a infração administrativa, do prazo prescricional regulado na própria Lei 8.112/90”.(STJ, MS 15437 / DF, julgado em 27/10/2010)

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Causa de exclusão da ilicitude: para os servidores públicos federais (regidos pela Lei 8.112, de 1990), a advocacia administrativa será lícita desde que beneficie cônjuge, companheiro ou parente de até segundo grau e refira-se a benefício assistencial ou previdenciário.

São modalidades desse crime:

a) simples, com pena de detenção, de um a três meses, ou multa (caput); b) qualificada, com pena de detenção, de três meses a um ano, além da multa, se o

interesse for ilegítimo (parágrafo único).

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. O sujeito passivo é a entidade pública prejudicada pela atuação ímproba de seu funcionário.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário. O objeto jurídico é a moralidade administrativa.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público; b) formal: consuma-se com a mera realização da conduta, sendo desnecessária a

efetiva satisfação do interesse privado;c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;d) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o

funcionário realiza qualquer ato relativo ao patrocínio de interesse privado perante a Administração Pública;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo, pois “patrocinar” indica ação – excepcionalmente, pode ser

comissivo por omissãog) plurissubsistente, em regra, pois é constituído por vários atos;h) infração penal de menor potencial ofensivo.

Tipos assemelhados:

I) Se o crime for militar, incide o Código Penal Militar: “Patrocínio indébito – Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração militar, valendo-se da qualidade de funcionário ou de militar: Pena - detenção, até três meses.” (art. 320).

II) Se o patrocínio de interesse privado der-se perante a administração fazendária incide a Lei 8.137, de 1990: “Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I): (...) III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa” (art. 3º, III). 38

38 “Ao contrário do que sustentado na inicial do writ, extrai-se da denúncia que o órgão ministerial atribuiu ao paciente comportamentos que transbordariam as suas atribuições como auditor da ReceitaFederal, aduzindo que haveria fortes indícios de que ele estaria prestando serviços a contribuintes em prejuízo da Fazenda Pública, elaborando requerimentos privados em detrimento da União, defendendo,

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III) Se o interesse patrocinado for relativo a licitação, pode incidir a Lei 8.666, de 1993: “Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.

2.17 Violência arbitrária (art. 322)

O funcionário público somente pode utilizar a violência (força física contra pessoa ou objeto) caso seja estritamente necessário ao cumprimento de sua função pública. Trata-se do estrito cumprimento do dever legal, previsto expressamente como causa de exclusão da ilicitude (CP, art. 23, III).

O emprego lícito da violência é expressamente tratado nos seguintes artigos do CPP: “Art. 284.  Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.” e “Art. 292.  Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.” Perceba-se que o uso lícito da violência somente ocorre se houver resistência do destinatário do ato ou tentativa de fuga do preso.

A violência desmedida, desnecessária viola o princípio da proporcionalidade e constitui abuso de poder na modalidade excesso de poder, pois o funcionário público atua além do que é determinado como sua atribuição. Em consequência, o excesso no uso da força constitui infração administrativa, para a qual é cominada a pena de demissão (Lei 8.112, de 1990, art. 132, VII), e ilícito penal.

Conduta: configura o crime do art. 322 a conduta daquele que utiliza desnecessariamente a força física no efetivo exercício da função ou a pretexto de exercê-la (situação em que o agente simula o exercício da função pública). Existe divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito da manutenção desse tipo penal, uma vez que a Lei 4.898, de 1968, que trata do crime de abuso de autoridade tipificou a conduta genérica de “atentado à incolumidade física do indivíduo” (art. 3º, i). Os tribunais superiores, porém, tem entendimento consolidado no sentido de que o art. 322 não foi revogado pela referida lei. 39

assim, interesses privados no exercício de sua função, fatos que, em tese, caracterizam o delito previsto no artigo 3º, inciso III, da Lei 8.137/1990.”(STJ, HC 139947 / AM, julgado em 16/08/2011)39 HABEAS CORPUS. PENAL. CP, ART. 322. CRIME DE VIOLÊNCIA ARBITRÁRIA. REVOGAÇÃO PELA LEI N. 4.898/65. INOCORRÊNCIA. O artigo 322 do Código Penal, que tipifica o crime de violência arbitrária, não foi revogado pelo artigo 3º, alínea i da Lei n. 4.898/65 (Lei de Abuso de Autoridade). Precedentes. Recurso ordinário em habeas corpus não provido.(STF, RHC 95617 / MG, julgado em 25/11/2008)

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Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. O sujeito passivo é a entidade pública prejudicada pela atuação ímproba de seu funcionário.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário. O objeto jurídico é a moralidade administrativa.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público; b) formal: consuma-se com a mera realização da conduta, sendo desnecessária a

efetiva lesão à integridade física da vítima;c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;d) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o

funcionário utiliza violência desnecessária; e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo, pois “praticar” indica ação – excepcionalmente, pode ser comissivo

por omissãog) plurissubsistente, em regra, pois é constituído por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, com pena de detenção, de seis meses a três

anos, além da pena correspondente à violência.

Conduta equiparada: “A autoridade que impedir ou embaraçar a liberdade da radiodifusão ou da televisão fora dos casos autorizados em lei, incidirá no que couber, na sanção do artigo 322 do Código Penal” (Lei 4.117, de 1962, art. 72).

Tipos assemelhados:

I) Se o uso da violência tiver por finalidade causar sofrimento físico e mental para a vítima, o crime é tortura, previsto no art. 1º da Lei 9.455, de 1997.

II) Se o crime for militar, incide o CPM: “Praticar violência, em repartição ou estabelecimento militar, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, além da correspondente à violência.” (art. 333).

2.18 Abandono de função (art. 323)

Abandono de cargo: de acordo com a Lei 8.112, de 1990, “Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos” (art. 138). Trata-se de infração administrativa punível com demissão (art. 132, II), que deve ser antecedida de processo administrativo sumário (art. 140). 40 Ressalte-se que 40 ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL - PROCESSO DISCIPLINAR - LEGALIDADE - ABANDONO DE CARGO - CONFIGURAÇÃO.1. Processo administrativo disciplinar para apurar a prática de abandono de cargo que observou os arts. 133 e 140 da Lei 8.112/90 e os princípios do contraditório e da ampla defesa.2. Servidor que, após licença regular, deixa de comparecer ao trabalho por 07 (sete) meses.3. Escusa apresentada - cuidar de familiares - não comprovada. Animus abandonandi demonstrado.4. Segurança denegada.(STJ, MS 15259 / DF, julgado em 25/08/2010)

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somente haverá infração administrativa se o servidor acumular mais de 30 dias consecutivos de faltas injustificas. Por óbvio, não se pode punir o servidor que ficou ausente do trabalho em casos expressamente previstos em lei, como férias, licenças, afastamentos e concessões.

Conduta: o crime de abandono de função é bastante semelhante à infração administrativa de abandono de função. Existem, porém, três diferenças fundamentais:

a) A infração administrativa é aplicável somente aos servidores públicos federais, pois regidos pela Lei 8.112, de 1990. O crime é aplicável também aos servidores públicos de outros entes federativos, uma vez que a lei penal tem abrangência nacional;

b) A infração administrativa constitui-se em um prazo determinado (30 dias), prazo este que inexiste para o crime; e

c) A infração administrativa não requer, para sua consumação, que haja risco para o regular funcionamento da Administração Pública; já o crime somente se consuma se houver perigo concreto para a continuidade do serviço público.

A respeito do último item, é preciso salientar que somente há crime se houver risco de solução de continuidade para o serviço público. Nesse sentido, é atípico o abandono de função se o servidor faltoso puder ser prontamente substituído por outro ou mesmo ter seu trabalho redistribuído a seus pares.

São modalidades desse crime:

a) simples, com pena de detenção, de quinze dias a um mês, ou multa (caput); b) qualificada, com pena de:

I) detenção, de três meses a um ano, e multa, se do abandono resulta prejuízo à entidade pública (§ 1º);

II) detenção, de um a três anos, e multa, se o abandono ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira – trecho de 150km a partir das fronteiras internacionais terrestres – (§ 2º).

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer sempre a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. O sujeito passivo é a entidade pública prejudicada pelo abandono do cargo.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário. O objeto jurídico é a continuidade dos serviços públicos.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de mão própria: somente pode ser realizado pessoalmente pelo funcionário público;

b) norma penal em branco, uma vez que somente há crime se o abandono não puder ser justificado em alguma das hipóteses previstas em lei; 41

41 CRIMINAL. RHC. ABANDONO DE CARGO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE DOLO. FATO ATÍPICO. ILEGALIDADE FLAGRANTE. TRANCAMENTO DETERMINADO. RECURSO

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c) de perigo concreto: requer a efetiva produção de risco para a continuidade dos serviços administrativos;

d) formal: consuma-se com a mera realização da conduta, sendo desnecessária a efetiva lesão ao patrimônio público;

e) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;f) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o

funcionário deixa de exercer seu cargo sem motivo determinado; g) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;h) omissivo, pois “abandonar” indica ;i) unissubsistente, uma vez que os crimes omissivos, por sua natureza, consumam-

se com uma única conduta;j) infração penal de menor potencial ofensivo, na forma simples e na qualificadora

do § 1º; crime de médio potencial ofensivo, na qualificadora do § 2º.

Tipos assemelhados:

I) Se o crime for militar: “Art. 195. Abandonar, sem ordem superior, o posto ou lugar de serviço que lhe tenha sido designado, ou o serviço que lhe cumpria, antes de terminá-lo: Pena - detenção, de três meses a um ano.” (Código Penal Militar).42

II) Se o crime for eleitoral: “Art. 344. Recusar ou abandonar o serviço eleitoral sem justa causa: Pena - detenção até dois meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa.” (Código Eleitoral).

2.19 Exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado (art. 324)

O funcionário público somente pode exercer regularmente sua função caso ele tenha cumprido todas as formalidades previstas em lei. O servidor público federal ocupante de cargo efetivo deve, por exemplo, ser aprovado em concurso público, ser nomeado, comprovar saúde física e mental, declarar seus bens e, finalmente, tomar posse do cargo público. A função pública somente pode exercida até que aconteça alguma das causas de vacância previstas no art. 33 da Lei 8.112, de 1990, como aposentadoria, demissão, exoneração e adaptação.

PROVIDO. I. Evidenciado que o paciente, na condição de Delegado de Polícia, ausentou-se do serviço em virtude de problemas de saúde, tendo fornecido, inclusive, o número do telefone do local onde poderia ser encontrado, sem demonstrar, contudo, dolo ou propósito de abandonar arbitrariamente o cargo público exercido, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta para o fim de determinar-se o trancamento da ação penal.II. Recurso provido para determinar-se o trancamento da ação penal movida contra o paciente.(STJ, RHC 200100909450, julgado em 17/09/2001)42 APELAÇÃO. DEFESA. ABANDONO DE POSTO. AFASTAMENTO DO LOCAL DE SERVIÇO. IMPROVIMENTO. 1- Militares que escalados para o serviço afastam-se da OM no horário de repouso sem a devida autorização, desfalcando a equipe de serviço. 2- A guarnição que entra de serviço por 24 horas tem que estar, em sua integralidade, pronta para atuar de imediato. O afastamento dos acusados do local de serviço deixou desfalcado o sistema de segurança da OM, gerando situação de perigo na hipótese de eventual agressão ou acidente. Apelo improvido. Decisão unânime.(STM, 0000018-05.2008.7.01.0201, julgado em 16/03/2010)

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Conduta – o crime do art. 323 consiste no exercício ilegal de função pública, que pode dar-se em duas situações:

a) entrar no exercício de função pública antes de satisfeitas as exigências legais; oub) continuar a exercê-la, sem autorização, depois de saber oficialmente que foi

exonerado, removido, substituído ou suspenso.

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. Porém, na primeira conduta prevista no tipo, o sujeito ativo ainda não é plenamente funcionário público, apenas está a caminho de sê-lo. O sujeito passivo é a entidade pública prejudicada pelo exercício ilegal da função pública.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário. O objeto jurídico é a legalidade administrativa.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de mão própria: somente pode ser realizado pessoalmente pelo funcionário público;

b) norma penal em branco, uma vez que somente há crime se existir, administrativamente, o exercício irregular da função;

c) formal: consuma-se com a mera realização da conduta, sendo desnecessária a ocorrência de dano à entidade pública;

d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que o

funcionário passa a exercer ilegalmente seu cargo; f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) comissivo, pois os verbos indicam ação; excepcionalmente, pode ser comissivo

por omissão;h) plurissubsistente, pois o exercício da função pública implica a realização de

diversos atos;i) infração penal de menor potencial ofensivo, com pena de detenção, de quinze

dias a um mês, ou multa.

Tipo assemelhado: se o crime for militar incide o CPM – “Art. 329. Entrar no exercício de posto ou função militar, ou de cargo ou função em repartição militar, antes de satisfeitas as exigências legais, ou continuar o exercício, sem autorização, depois de saber que foi exonerado, ou afastado, legal e definitivamente, qualquer que seja o ato determinante do afastamento: Pena - detenção, até quatro meses, se o fato não constitui crime mais grave.”

2.20 Violação de sigilo funcional (art. 325)

Um dos princípios fundamentais da Administração Pública é o da publicidade, conforme dispõe o art. 37, caput, da CF. O sigilo dos atos administrativos somente pode ser admitido se for “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (art. 5º,

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XXXIII).43 A publicidade e o sigilo dos atos administrativos são regulados pela Lei 12.527, de 2011, que determina “observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção” (art. 3º, I).

Um dos deveres do servidor público federal é “guardar sigilo sobre assunto da repartição” (Lei 8.112, de 1990, art. 116, VIII). A lei não faz diferenciação entre informações de conteúdo confidencial e ostensivo. A proibição é ampla, uma vez que não cabe ao servidor divulgar os atos da sua entidade. A distinção está na penalidade, uma vez que a divulgação de atos ostensivos implica somente pena de advertência (art. 129), enquanto que a divulgação de ato confidencial implica pena de demissão (art. 132, IX).

Conduta: o crime do art. 325 tem por objeto fato que o funcionário público tenha ciência em razão do cargo e que deva prevalecer em segredo. O agente pode realizar duas condutas relativas a ele: revelar (fazer conhecido o que era secreto) e facilitar-lhe a revelação (retirar os obstáculos para que terceiros não autorizados tenham acesso à informação). Trata-se de tipo bastante semelhante ao previsto no art. 154 (violação de segredo profissional), com a diferença de que este é cometido por particulares.

A divulgação da informação para órgãos públicos, como Receita Federal e Ministério Público, que expressa competência para analisá-las não implica violação de sigilo funcional. Também é atípica a divulgação realizada com animus defendendi, ou seja, feita com o objetivo de defender o acusado em qualquer processo (judicial ou administrativo). 44

Condutas equiparadas – a Lei 9.983, de 2000, incluiu as seguintes condutas equiparadas à violação de sigilo funcional:

a) permitir ou facilitar, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública;

b) utilizar-se, indevidamente, do acesso restrito.

43 “Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição.” (STF, MS 21.729, Rel. p/ o ac. Min. Néri da Silveira, julgamento em 5-10-1995, Plenário, DJ de 19-10-2001.)44 PROCESSUAL PENAL. INQUERITO. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. AÇÃO PENAL PUBLICA INCONDICIONADA. ARQUIVAMENTO. - O SUBPROCURADOR-GERAL QUE, PERANTE O TRIBUNAL REPRESENTA O PROCURADOR GERAL, TEM LEGITIMIDADE PARA REQUERER O ARQUIVAMENTO DE INQUERITO. (CPP, ART. 28). - NÃO HA CRIME DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL QUANDO O INDICIADO, COM ''ANIMUS DEFENDENDI'', REMETE OS DOCUMENTOS AO PROCURADOR GERAL, SEM QUEBRA DO CARATER CONFIDENCIAL. - INQUERITO ARQUIVADO POR FALTA DE JUSTA CAUSA PARA O OFERECIMENTO DA DENUNCIA.(STJ, Inq 12 / DF, julgado em 01/08/1990)

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São modalidades desse crime:

a) simples, com pena de detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave (caput e § 1°); 

b) qualificada, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa, se da conduta resultar dano para a Administração Pública (§ 2°).

Sujeitos passivos e ativos: trata-se de crime próprio, que requer a presença de um sujeito ativo específico, no caso, o funcionário público. O sujeito passivo é a entidade pública à qual pertence a informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário. O objeto jurídico é o interesse público relativo à preservação do sigilo.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) próprio: requer a presença de sujeito ativo específico: o funcionário público; b) formal: consuma-se com a mera realização da conduta, sendo desnecessário que

cause prejuízo à entidade público (se ocorrer, incide a forma qualificada prevista no § 2°);

c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio;d) instantâneo: consuma-se em um momento determinado; e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo ou omissivo, a depender do caso concreto;g) plurissubsistente ou unissubsistente;h) infração penal de menor potencial ofensivo, na forma simples; crime de grande

potencial ofensivo, na forma qualificada.

Conduta equiparada – a Lei 8.021, de 1990, que dispõe sobre a identificação de contribuintes para fins fiscais determina:

Art. 7° A autoridade fiscal do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento poderá proceder a exames de documentos, livros e registros das Bolsas de Valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, bem como solicitar a prestação de esclarecimentos e informações a respeito de operações por elas praticadas, inclusive em relação a terceiros.

(...)

§ 3° O servidor que revelar, informações que tiver obtido na forma deste artigo estará sujeito às penas previstas no art. 325 do Código Penal Brasileiro.

Tipos assemelhados:

I) Se o crime for militar, incide o CPM:

Art. 326. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo ou função e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação, em prejuízo da administração militar:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave. 45

45 Violação de Sigilo Funcional. Atipicidade. Desclassificação. Impossibilidade. Rejeitada a preliminar da Defesa que visa impugnar Apelação do MPM por ilegitimidade da parte. O MPM é sucumbente, ainda que em Alegações Escritas tenha pedido pela absolvição. Entendimento doutrinário e jurisprudencial. Soldado que exibe a outro cópia da prova do Concurso de Clínica Médica da Aeronáutica, encontrada no seu escaninho, dentro da Unidade, em envelope lacrado, a ele endereçado, não pratica o delito previsto no

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II) Se o crime afetar a segurança nacional, incide a Lei 7.170, de 1984:

Art. 13 - Comunicar, entregar ou permitir a comunicação ou a entrega, a governo ou grupo estrangeiro, ou a organização ou grupo de existência ilegal, de dados, documentos ou cópias de documentos, planos, códigos, cifras ou assuntos que, no interesse do Estado brasileiro, são classificados como sigilosos.

Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.

Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem:

I - com o objetivo de realizar os atos previstos neste artigo, mantém serviço de espionagem ou dele participa;

II - com o mesmo objetivo, realiza atividade aerofotográfica ou de sensoreamento remoto, em qualquer parte do território nacional;

III - oculta ou presta auxílio a espião, sabendo-o tal, para subtraí-lo à ação da autoridade pública;

IV - obtém ou revela, para fim de espionagem, desenhos, projetos, fotografias, notícias ou informações a respeito de técnicas, de tecnologias, de componentes, de equipamentos, de instalações ou de sistemas de processamento automatizado de dados, em uso ou em desenvolvimento no País, que, reputados essenciais para a sua defesa, segurança ou economia, devem permanecer em segredo.

Art. 14 - Facilitar, culposamente, a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 12 e 13, e seus parágrafos.

Pena: detenção, de 1 a 5 anos.

(...)

Art. 21 - Revelar segredo obtido em razão de cargo, emprego ou função pública, relativamente a planos, ações ou operações militares ou policiais contra rebeldes, insurretos ou revolucionários.

Pena: reclusão, de 2 a 10 anos.

III) Se informação é relativa a energia nuclear, incide a Lei 6.453, de 1977: “Art. 23 - Transmitir ilicitamente informações sigilosas, concernentes à energia nuclear. Pena: reclusão, de quatro a oito anos”.

IV) Na hipótese de sigilo relativo ao sistema financeiro nacional, incide a Lei 7.492, de 1986: “Art. 18. Violar sigilo de operação ou de serviço prestado por instituição financeira ou integrante do sistema de distribuição de títulos mobiliários de que tenha conhecimento, em razão de ofício: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

art. 326 do CPM; este delito tem como pressuposto o conhecimento do fato em razão do cargo, isto é, de sua atribuição funcional. Impossibilidade de desclassificação para o art. 325 do CPM. Ausência do elemento necessário à configuração do delito - a divulgação. Apelo ministerial improvido. Decisão unânime.(STM, 0000001-12.2000.7.06.0006 (2003.01.049285-2), julgado em 12/04/2005)

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2.21 Violação do sigilo de proposta de concorrência (art. 326)

O art. 326 do CP foi tacitamente revogado pelo art. 94 da Lei 8.666, de 1993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), que tem a seguinte redação: “Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo: Pena - detenção, de 2 (dois) a 3 (três) anos, e multa”.

Tipo assemelhado: o CPM também conta com disposição nesse sentido – “Devassar o sigilo de proposta de concorrência de interesse da administração militar ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo: Pena - detenção, de três meses a um ano” (art. 327).

2.22 Funcionário público (art. 327)

O art. 327 do CP é uma norma de caráter explicativo que, com o objetivo de dirimir eventuais controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, define o termo “funcionário público” para efeitos penais e ainda prevê causa de aumento de pena para todos os tipos penais descritos neste capítulo. Antes, porém, é preciso verificar o significado do termo em seu ramo de origem, qual seja, o Direito Administrativo.

Etimologicamente, funcionário é aquele que exerce uma função (atividade, serviço, encargo). Funcionário público é, portanto, aquela pessoa que exerce uma função de caráter público, ou seja, estatal. Essa função consiste em uma parcela do poder conferido ao Estado pela Constituição e pelas leis para que possa atingir seus fins de interesse público.

Além de exercer uma função, o funcionário público pode também ocupar um cargo ou emprego público. O primeiro é definido como  “o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor” (Lei 8.112, de 1990, art. 3º). Os cargos estão presentes nos entes federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios) e nas entidades de Direito Público da Administração Indireta (autarquias e fundações). Os empregos públicos são definidos de forma semelhante aos cargos, com a nota distintiva de que estão presentes nas entidades de Direito Público da Administração Indireta (empresas públicas e sociedades de economia mista).

Perceba-se que todos os ocupantes de cargos e empregos públicos exercem função pública. Além desse exercício, os servidores e empregados públicos ocupam postos de caráter permanente nas entidades públicas em que atuam. É possível que uma função pública seja exercida sem que a pessoa ocupe cargo ou emprego público. Nesse caso, o funcionário exerce sua função em caráter provisório, como é o caso dos agentes temporários, que firmam contrato administrativo por tempo determinado para “atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” (CF, art. 37, IX).

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O art. 327, caput, define funcionário público como aquele que “embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”. A definição busca ser a mais abrangente possível, englobando todos aqueles que exercem função pública, mesmo que esta não seja vinculada a cargo ou emprego – também é indiferente que a função seja exercida de forma permanente ou transitória, remunerada ou gratuita. Esse conceito aplica-se não apenas aos crimes funcionais (arts. 312 a 326 do CP), mas também aos demais crimes previstos no CP e nas demais leis penais.

Ressalte-se que o termo “funcionário público” tornou-se arcaico, pois, desde a CF de 1988, ele foi substituído por agente público (funcionário em sentido amplo) e por servidor público (funcionário em sentido amplo). Atualmente, o termo “agente público” é definido pela Lei 8.429, de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa): “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”, ou seja, entidades públicas (da Administração Direta ou Indireta; de Direito Público ou Privado) ou de entidades privadas que recebam qualquer tipo de apoio financeiro da Administração Pública (subvenção, incentivo fiscal, verba para custeio, etc.). O termo “servidor público” é definido pela Lei 8.112, de 1990 como “a pessoa legalmente investida em cargo público” (art. 2º).

A Lei 9.983, de 2000, criou a figura do funcionário público por equiparação, que inclui:

I) Quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal: a doutrina administrativista não é consensual a respeito da definição de entidade paraestatal. De acordo com a Lei 8.666, de 1993, as entidades paraestatais são “assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público” (art. 84, § 2º).

II) Quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública: trata-se de empresas privadas que realizam serviços públicos, por meio de contrato administrativo ou de convênio. É o caso do médico de hospital privado que atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que saúde é considerada serviço público. 46

46 HABEAS CORPUS. CRIME DE CONCUSSÃO. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO PARA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE URGÊNCIA. CONCEITO PENAL DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO. MÉDICO CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. TELEOLOGIA DO CAPUT DO ART. 327 DO CÓDIGO PENAL. ORDEM DENEGADA. 1. A saúde é constitucionalmente definida como atividade mistamente pública e privada. Se prestada pelo setor público, seu regime jurídico é igualmente público; se prestada pela iniciativa privada, é atividade privada, porém sob o timbre da relevância pública. 2. O hospital privado que, mediante convênio, se credencia para exercer atividade de relevância pública, recebendo, em contrapartida, remuneração dos cofres públicos, passa a desempenhar o múnus público. O mesmo acontecendo com o profissional da medicina que, diretamente, se obriga com o SUS. 3. O médico particular, em atendimento pelo SUS, equipara-se, para fins penais, a funcionário público. Isso por efeito da regra que se lê no caput do art. 327 do Código Penal. 4. Recurso ordinário a que se nega provimento.(STF, RHC 90523 / ES, julgado em 19/04/2011)

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Finalmente, o § 2º prevê aumento da terça parte da pena em todos os crimes cometidos por funcionário público contra a administração pública em geral quando seus autores “forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento” . Nesse caso, tanto o cargo quanto a função “destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (CF, art. 37, V), diferenciam-se em razão de o primeiro ser acessível a qualquer pessoa e o segundo, apenas a ocupantes de cargos efetivos (que adquirem estabilidade após três anos de efetivo exercício). Como se tratam de cargos e funções de confiança, as condutas criminosas realizadas por seus ocupantes são, indubitavelmente, mais grave do que aquelas realizadas por funcionários públicos comuns.

A lei dispõe que esses cargos e comissões devem ser exercidos em “órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público”. Nitidamente, houve um lapso do legislador ao não incluir as autarquias, entidades da administração indireta que têm as mesmas prerrogativas da administração direta. Havendo o mesmo regime jurídico, deve ser aplicada a causa de aumento de pena também aos ocupantes de cargos e funções de confiança nas autarquias. 47

3. Crimes praticados por particular contra a administração pública em geral (arts. 328 a 337-A)

3.1 Introdução

O segundo capítulo do título relativo aos crimes contra a administração pública diferencia-se do primeiro em razão do sujeito ativo. Enquanto os arts. 312 a 327 tratam de crimes cometidos por funcionários públicos, os arts. 328 a 337-A tratam de crimes praticados por particulares, ou seja, por quaisquer pessoas, sendo indiferente ostentarem ou não a condição de funcionário público.

Esse ponto merece ser ressaltado: a princípio, nada impede que funcionários públicos sejam sujeitos ativos dos crimes previstos neste capítulo, uma vez que são infrações penais de natureza comum. A exclusão do funcionário público do polo ativo dos crimes descritos neste capítulo somente pode ocorrer caso haja um tipo penal especificamente previsto para ele no capítulo anterior. É o caso do contrabando ou descaminho (art. 334), que não pode ser cometido por funcionário público no exercício de suas funções, pois este já responde pelo crime de facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318).

O Capítulo II do Título XI da Parte Especial do CP contém os seguintes tipos penais:

a) usurpação de função pública (art. 328)b) resistência (art. 329);

47 “A disposição do parágrafo 2º do artigo 327 do Código Penal, inequivocamente, compreende implicitamente as autarquias, fazendo, com faz, enumeração que vai dos órgãos da administração direta aos entes paraestatais, suprimindo, assim, qualquer dúvida sobre os funcionários autárquicos, cuja exclusão caracterizaria interpretação de resultado absurdo.”(STJ, REsp 940861 / SP, julgado em 26/02/2008)

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c) desobediência (art. 330);d) desacato (art. 331);e) tráfico de influência (art. 332);f) corrupção ativa (art. 333) – é o crime mais grave deste capítulo, com pena de

reclusão de dois a doze anos;g) contrabando ou descaminho (art. 334);h) impedimento, perturbação ou fraude de concorrência (art. 335);i) inutilização de edital ou de sinal (art. 336); j) subtração ou inutilização de livro ou documento (art. 337); ek) sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A).

3.2 Usurpação de função pública (art. 328)

Conduta: usurpar (exercer indevidamente, assumir de forma ilícita) função pública. Trata-se da conduta do particular que, sem ser investido regularmente, exerce função pública. Em termos administrativistas, é o agente de fato putativo, ou seja, aquele que se faz passar por funcionário público, induzindo a erro os verdadeiros funcionários e a população em geral. Se a pessoa já foi nomeada, mas ainda não tomou posse do cargo público, incide o tipo penal do art. 324 (exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado).

São modalidades desse crime:

a) simples, com pena de detenção, de três meses a dois anos, e multa (caput); b) qualificada, com pena de reclusão, de dois a cinco anos, e multa, se da conduta

resultar qualquer espécie de vantagem para o agente (§ 2°).

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo desse crime, inclusive o funcionário público.48 O sujeito passivo é a entidade pública onde o usurpador exerceu indevidamente sua função.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário neste crime. O objeto jurídico é a moralidade administrativa.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: não requer sujeito ativo específico;b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para a atividade administrativa; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;

48 “IV - Comete o delito previsto no art. 328 do Código Penal (usurpação de função pública) aquele que pratica função própria da administração indevidamente, ou seja, sem estar legitimamente investido na função de que se trate. Não bastando, portanto, que o agente se arrogue na função, sendo imprescindível que este pratique atos de ofício como se legitimado fosse, com o ânimo de usurpar, consistente na vontade deliberada de praticá-lo (Precedente).V - O crime de usurpação de função pública, muito embora previsto no capítulo destinado aos crimes praticados por particular contra a Administração Pública, pode ser praticado por funcionário público,porquanto, quando o Código Penal se refere a particular é por que indica que os delitos ali (capítulo II do Título XI), ao contrário do capítulo I, são crimes comuns e não especiais (próprios).”(STJ, RHC 20818 / AC, julgado em 22/05/2007)

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d) instantâneo, consumando-se no momento em que o agente passa a exercer indevidamente função pública;

e) comissivo: o verbo típico indica ação; excepcionalmente pode ser comissivo por omissão;

f) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;g) infração penal de menor potencial ofensivo, na forma simples; crime de grande

potencial ofensivo na forma qualificada.

Tipos assemelhados:

I) Se o agente simplesmente simula a qualidade de funcionário (sem exercer de forma efetiva função pública) ou usa uniforme ou distintivo, incidem os seguintes artigos da Lei de Contravenções Penais:

Art. 45. Fingir-se funcionário público:

        Pena – prisão simples, de um a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a três contos de réis.

Art. 46. Usar, publicamente, de uniforme, ou distintivo de função pública que não exerce; usar, indevidamente, de sinal, distintivo ou denominação cujo emprêgo seja regulado por lei.

        Pena – multa, de duzentos a dois mil cruzeiros, se o fato não constitui infração penal mais grave.

II) Se o crime for militar, incide o CPM:   “Art. 335. Usurpar o exercício de função em repartição ou estabelecimento militar: Pena - detenção, de três meses a dois anos.” 49

3.3 Resistência (art. 329)

Os atos administrativos, realizados por funcionários públicos, têm presunção de legitimidade, ou seja, independentemente de qualquer prova, são considerados verídicos (de acordo com a verdade dos fatos) e legais (de acordo com a lei). Por isso, eles são

49 A extinção da punibilidade, pela prescrição da pretensão, é matéria de ordem pública, impondo-se a sua declaração, até de ofício, em sede preliminar, com consequente afastamento da apreciação do meritum causae: qui non potest condemnare, non potest absolvere. - Para a configuração do delito recortado no art. 335 do CPM, Usurpação de função, é indispensável que o Agente atue com o animus de exercitar uma determinada função em repartição ou estabelecimento militar, praticando ato ou atos de ofício a ela inerente ou inerentes. Hipótese em que tal animus não se desvela em nenhuma das condutas atribuídas ao Apelante. - Para a ocorrência do crime previsto no art. 334 do CPM, Patrocínio Indébito, é essencial a vontade do Agente orientada para patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração Militar, valendo-se de sua condição de funcionário ou militar. Não configura, pois, o delito em tela a mera intervenção oportunística do Apelante (diga-se, na condição de também paraquedista e parcipante do evento festivo), junto a outro militar superior (por sinal, com quem mantinha relações pessoais e profissionais conturbadas), na verdade bem mais com o propósito de questionar a autoridade deste último para impedir a realização do salto por outro atleta, do que com o objetivo de obter a sua aquiescência para tanto. - Declaração, por maioria, da extinção da punibilidade do Apelante, pela prescrição da pretensão punitiva, com relação à parte dos delitos que lhe foram imputados; provimento, por unanimidade, da Apelação, para absolvê-lo da prática dos demais delitos.(STM, AP 2002.01.049124-4, julgada em 08/04/2003)

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também imperativos, pois criam obrigações a seus destinatários independentemente da concordância destes.

Tanto a presunção de legitimidade quanto a imperatividade, atributos dos atos administrativos, são atenuadas nas situações em que a ilegitimidade do ato praticado for de caráter indubitável. Nesse sentido, há norma específica na Lei 8.112, de 1990, que dispõe: “Art. 116.  São deveres do servidor: (...)  IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais”. Não há previsão expressa da mesma norma para particulares. Porém, levando em consideração que nos arts. 329 e 330 faz-se referência a “ordem legal” e a “ato legal”, implicitamente está se permitindo que se desobedeça ou resista a ordens e atos cuja ilegalidade for evidente, manifesta. Tanto para o particular quanto para o servidor público, vale a regra de que a ordem de legitimidade certa ou mesmo duvidosa, deve ser cumprida.

Conduta: o crime de resistência consiste na oposição ativa à execução de ato legal, ou seja, o agente atua com o objetivo de impedir que o ato seja plenamente realizado. Para isso, ele pode utilizar violência ou ameaça (ao contrário de outros crimes, não é preciso que a ameaça seja grave).

A resistência pode dirigir-se a funcionário público encarregado de executar o ato ou mesmo a um particular que o esteja auxiliando. É o caso do policial que realiza a prisão em flagrante (CPP, art. 302) e das duas testemunhas que devem acompanhá-lo na hipótese de “o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo” (CPP, art. 304, § 3º).

O CPP permite o uso da força em diversas ocasiões nas quais está presente a resistência: conferir a respeito os arts. 284, 292 e 795. Os dois primeiros artigos foram referenciados no item 2.17, que trata do crime de violência arbitrária (CP, art. 320). O último artigo tem a seguinte redação: “Art. 795.  Os espectadores das audiências ou das sessões não poderão manifestar-se. Parágrafo único.  O juiz ou o presidente fará retirar da sala os desobedientes, que, em caso de resistência, serão presos e autuados”.

São modalidades desse crime:

c) simples, com pena de detenção, de dois meses a dois anos (caput); d) qualificada, com pena de reclusão, de reclusão, de um a três anos – caso o ato

não seja realizado em razão da resistência (§ 1°). 50

O § 2° ainda determina que as penas previstas no art. 329 devem ser aplicadas sem prejuízo das cominadas à violência, ou seja, deve se somar as penas da resistência

50 “3. A figura qualificada do crime de resistência ocorre se o agente efetivamente consegue obstar a execução da prisão, que significa ‘o exaurimento da resistência já consumada’ (CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FÁBIO MACHADO DE ALMEIDADELMANTO. Código Penal Comentado, 6.ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, p. 655).4. No caso dos autos, restou comprovado que o Paciente ofereceu resistência, contudo, a conduta não foi suficiente para obstar a sua prisão. Não há, portanto, como imputar ao ora Paciente a qualificadora prevista no § 1.º do art. 329, do Código Penal.”(STJ, HC 131161 / RJ, julgado em 18/10/2011)

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àquelas relativas ao crime ou contravenção correspondente à violência (homicídio, lesão corporal ou vias de fato).

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo desse crime. O sujeito passivo é a entidade pública prejudicada pela resistência e, secundariamente, o funcionário público e o particular que o acompanha, sujeitos à ameaça ou à violência.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário neste crime (obviamente, “ato legal” é um fato, um acontecimento, não um objeto). O objeto jurídico é legalidade administrativa.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: não requer sujeito ativo específico;b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

impedimento da realização do ato legal por funcionário público; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que o agente tenta impedir o ato

legal;e) comissivo: o verbo típico indica ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;

f) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;g) infração penal de menor potencial ofensivo, na forma simples; crime de médio

potencial ofensivo na forma qualificada.

Ausência de consunção em caso de prisão em flagrante: a resistência que o acusado realiza para evitar a prisão em flagrante configura crime totalmente independente daquele pelo qual ele está sendo preso. Não é possível, por exemplo, que o crime de resistência (art. 329) seja consumido pelo crime de roubo (art. 157) anteriormente praticado. 51

Conduta equiparada: “Todo aquele que se opuser ou obstaculizar a intervenção ou, cessada esta, praticar quaisquer atos que direta ou indiretamente anulem seus efeitos, no todo ou em parte, ou desobedecer a ordens legais do interventor será, conforme o caso, responsabilizado criminalmente por resistência, desobediência ou coação no curso do processo, na forma dos arts. 329, 330 e 344 do Código Penal.” (Lei 8.884, de 11 de junho de 1994, art. 78).

Tipos assemelhados:

I) Se o crime for militar, incide o CPM: “Art. 177. Opor-se à execução de ato legal, mediante ameaça ou violência ao executor, ou a quem esteja prestando auxílio: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. § 1º Se o ato não se executa em razão da resistência: Pena - reclusão de dois a quatro anos. § 2º As penas deste artigo são 51 “1. Para a aplicação do princípio da consunção pressupõe-se a existência de ilícitos penais chamados de ‘consuntos’, que funcionam apenas como estágio de preparação ou de execução, ou como condutas, anteriores ou posteriores de outro delito mais grave.2. No caso, não existe relação de subordinação entre as duas condutas - roubo circunstanciado e resistência -, conforme devidamente demonstrado pelas instâncias ordinárias, inviável a aplicação do referido princípio. Acresce-se a isso, ainda, o fato de que a adoção de entendimento estaria condicionada a uma análise aprofundada de todo o conjunto fático-probatório dos autos, o que se afigura inviável na via estreita do habeas corpus.”(STJ, HC 131161 / RJ, julgado em 18/10/2011)

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aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência, ou ao fato que constitua crime mais grave.”

II) Se o crime estiver relacionado a comissão parlamentar de inquérito, incide a Lei 1.579, de 18 de março de 1952: “Art. 4º. Constitui crime: I - Impedir, ou tentar impedir, mediante violência, ameaça ou assuadas, o regular funcionamento de Comissão Parlamentar de Inquérito, ou o livre exercício das atribuições de qualquer dos seus membros.   Pena - A do art. 329 do Código Penal.”

3.4 Desobediência (art. 330)

Conduta: o crime de desobediência consiste em deixar de cumprir ordem legal emanada de funcionário público. Portanto, não constitui crime descumprir pedido (como recomendação feita por membro do Ministério Público) nem ordem ilícita.

Distingue-se da resistência em dois aspectos:

a) a resistência é realizada contra ato e a desobediência contra ordem – ambos de funcionário publico;

b) a resistência é ativa (necessariamente consiste em uma ação), enquanto que a desobediência é passiva (pode consistir em ação ou omissão);

c) a resistência é realizada por meio de violência ou ameaça, o que não acontece na desobediência.52

Característica marcante do crime de desobediência é a sua subsidiariedade, ou seja, somente incide o tipo penal do art. 330 do CP se, para o descumprimento de ordem legal de funcionário público, a lei não determina outra espécie de sanção; ou, se caso determina, preveja expressamente a incidência do art. 330.

Nesse sentido, vejam-se, no CPP, as disposições referentes a depoimento durante o inquérito policial ou o processo penal:

Art. 201.  Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.

§ 1º  Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.

(...)

Art. 218.  Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou

52 “Hipótese em que a inicial acusatória narra os fatos de forma clara, apresentando conduta que, muito embora possa não configurar o crime de resistência, previsto no art. 329 do Código Penal, uma vez que sua tipificação exige que a oposição ao ato legal ocorra mediante violência ou ameaça, elementares essas não observadas no caso, poderia se enquadrar em outras figuras típicas previstas pelo legislador, a exemplo dos delitos de desobediência ou desacato, não sendo caso, portanto, de encerramento prematuro do processo criminal.”(STJ, HC 149650 / PB, julgado em 14/04/2011)

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determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.

Art. 219. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência.

(...)

Art. 458.  Se a testemunha, sem justa causa, deixar de comparecer, o juiz presidente, sem prejuízo da ação penal pela desobediência, aplicar-lhe-á a multa prevista no § 2º do art. 436 deste Código.

A interpretação desses artigos é bastante simples: tanto a testemunha quanto o ofendido (vítima do crime) são obrigados a comparecer para prestar depoimentos a respeito das circunstâncias do crime. Caso desobedeçam a essa ordem, a consequência, em ambos os casos, será a condução coercitiva. Porém, a testemunha ainda pode ser processada pelo crime de desobediência, uma vez que isso está expressamente previsto em lei. Já o ofendido está livre dessa responsabilização, pois nesse caso não há previsão expressa de incidência do crime do art. 330.

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime, inclusive funcionário público.53 O sujeito passivo é a entidade pública cuja ordem foi desobedecida.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário neste crime (obviamente, “ordem legal” é um ato jurídico, não um objeto). O objeto jurídico é legalidade administrativa.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: não requer sujeito ativo específico;b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente na

ocorrência de prejuízo à Administração Pública em razão da desobediência da ordem legal;

c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que o sujeito descumpre a ordem

legal;e) omissivo: o verbo típico pode indicar ação ou omissão, conforme o caso

concreto; excepcionalmente pode ser comissivo por omissão;

f) plurissubsistente ou unissubsistente, conforme o caso;

53 CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL, POR SECRETÁRIO DE SAÚDE DO ESTADO DE RONDÔNIA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO. RECURSO PROVIDO.O funcionário público pode cometer crime de desobediência, se destinatário da ordem judicial, e considerando a inexistência de hierarquia, tem o dever de cumpri-la, sob pena de a determinação judicial perder sua eficácia. Precedentes da Turma. Rejeição da denúncia que se afigura imprópria, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal a quo para nova análise acerca da admissibilidade da inicial acusatória.Recurso especial provido, nos termos do voto do relator.(STJ, REsp 1173226 / RO, julgado em 17/03/2011)

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g) infração penal de menor potencial ofensivo, com pena de detenção de quinze dias a seis meses, e multa.

Habeas corpus: a simples ameaça de processo pelo crime de desobediência em caso de descumprimento de ordem não pode ser atacada por meio de habeas corpus, uma vez seria preciso realizar dilação probatória para determinar se a ordem foi ou não cumprida. 54

Condutas sujeitas às penas do crime de desobediência: diversas normas cominam as penas do art. 330 caso haja o descumprimento de determinadas espécies de ordens. É importante conhecê-las, pois elas delimitam o âmbito de aplicação do tipo penal da desobediência.

I) Código de Processo Penal: além dos artigos já referidos, também é prevista a incidência do tipo penal da desobediência no seguinte dispositivo:

Art. 163.  Em caso de exumação para exame cadavérico, a autoridade providenciará para que, em dia e hora previamente marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto circunstanciado.

Parágrafo único.  O administrador de cemitério público ou particular indicará o lugar da sepultura, sob pena de desobediência. No caso de recusa ou de falta de quem indique a sepultura, ou de encontrar-se o cadáver em lugar não destinado a inumações, a autoridade procederá às pesquisas necessárias, o que tudo constará do auto.

II) Código de Processo Civil:

Art. 362.  Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz lhe ordenará que proceda ao respectivo depósito em cartório ou noutro lugar designado, no prazo de 5 (cinco) dias, impondo ao requerente que o embolse das despesas que tiver; se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, tudo sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência.

(...)

54 HABEAS CORPUS. DETERMINAÇÃO DE IMEDIATO CUMPRIMENTO DE ORDEM CONCEDIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA, SOB PENA DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO-CRIME POR DESOBEDIÊNCIA, COM ADVERTÊNCIA GENÉRICA DA POSSIBILIDADE DE PRISÃO EM FLAGRANTE DO RESPONSÁVEL. AUSÊNCIA DE AMEAÇA CONCRETA E EFETIVA. DESCABIMENTO DA VIA ELEITA TANTO PARA EXAMINAR A PROCEDÊNCIA DAS ALEGAÇÕES PARA O RETARDO NO CUMPRIMENTO DA ORDEM QUANTO PARA EXPEDIR SALVO-CONDUTO GENÉRICO.1. Hipótese em que o Vice-Presidente do Tribunal de Justiça determinou a intimação do Estado, na figura de seu Procurador-Geral, para imediato cumprimento da ordem concedida em mandado de segurança, sob pena de instauração de processo-crime por desobediência, com advertência genérica da possibilidade de prisão em flagrante do responsável.2. A via do habeas corpus é imprópria para examinar a procedência das alegações para o retardo no cumprimento da ordem mandamental, por demandar vedada dilação probatória. Precedentes.3. Mera intimação para cumprimento de decisão judicial, com advertência genérica de responsabilização por crime de desobediência, com eventual sujeição do agente a prisão em flagrante, não constitui cerceamento à liberdade de locomoção passível de correção na via do habeas corpus, porquanto o despacho da autoridade impetrada é de caráter genérico e abstrato, consubstanciando-se em simples exortação ao cumprimento de dever legal. Precedentes.4. Habeas corpus denegado, revogando-se a liminar anteriormente deferida.(STJ, HC 157499 / MS, julgado em 09/06/2011)

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Art. 938.  Deferido o embargo, o oficial de justiça, encarregado de seu cumprimento, lavrará auto circunstanciado, descrevendo o estado em que se encontra a obra; e, ato contínuo, intimará o construtor e os operários a que não continuem a obra sob pena de desobediência e citará o proprietário a contestar em 5 (cinco) dias a ação.

III) Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Recuperação de Empresas e de Falência):

Art. 23. O administrador judicial que não apresentar, no prazo estabelecido, suas contas ou qualquer dos relatórios previstos nesta Lei será intimado pessoalmente a fazê-lo no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de desobediência.

(...)

Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:

(...)

III – ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos, se esta já não se encontrar nos autos, sob pena de desobediência;

(...)

Art. 104. A decretação da falência impõe ao falido os seguintes deveres:

(...)

Parágrafo único. Faltando ao cumprimento de quaisquer dos deveres que esta Lei lhe impõe, após intimado pelo juiz a fazê-lo, responderá o falido por crime de desobediência.

IV) Lei 7.716, de 1989 (Lei de Crimes de Racismo):

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

        Pena: reclusão de um a três anos e multa.

        § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

        Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

        § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:

        Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

        § 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:

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        I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;

        II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.

        III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores.

        § 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

V) Lei 8.884, de 1994: art. 78 (já citado no item 3.3, relativo ao crime de resistência).

VI) Decreto 2.181, de 20 de março de 1997 (dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC, estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990):

Art. 33. As práticas infrativas às normas de proteção e defesa do consumidor serão apuradas em processo administrativo, que terá início mediante:

        (...)

        § 1º Antecedendo à instauração do processo administrativo, poderá a autoridade competente abrir investigação preliminar, cabendo, para tanto, requisitar dos fornecedores informações sobre as questões investigados, resguardado o segredo industrial, na forma do disposto no § 4º do art. 55 da Lei nº 8.078, de 1990.

        § 2º A recusa à prestação das informações ou o desrespeito às determinações e convocações dos órgãos do SNDC caracterizam desobediência, na forma do art. 330 do Código Penal, ficando a autoridade administrativa com poderes para determinar a imediata cessação da prática, além da imposição das sanções administrativas e civis cabíveis.

Tipos assemelhados (leis especiais que preveem crimes semelhantes ao de desobediência):

I) Código Penal Militar: “Art. 301. Desobedecer a ordem legal de autoridade militar: Pena - detenção, até seis meses”.55

II) Lei 1.079, de 1950 (Lei de Crimes de Responsabilidade):

Art. 12. São crimes contra o cumprimento das decisões judiciárias:

        1 - impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário;

55 DESOBEDIÊNCIA. DESRESPEITO FUNCIONAL À ORDEM LEGAL DE AUTORIDADE. NÃO COMPARECIMENTO À AUDIÊNCIA EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. Não é possível equiparar o direito de se manter silente, ao ser indagado sobre fatos apurados em procedimento administrativo, à possibilidade de descumprir ordem de permanecer a bordo e se apresentar em audiência em que foi regularmente cientificado. Provido o recurso do Ministério Público Militar. Decisão unânime.(STM, RSE 0000051-20.2007.7.01.0301, julgado em 24/04/2008)

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        2 - Recusar o cumprimento das decisões do Poder Judiciário no que depender do exercício das funções do Poder Executivo;

        3 - deixar de atender a requisição de intervenção federal do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral;

4 - Impedir ou frustrar pagamento determinado por sentença judiciária.

III) Lei 9.503, de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro):

  Art. 307. Violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor imposta com fundamento neste Código:

        Penas - detenção, de seis meses a um ano e multa, com nova imposição adicional de idêntico prazo de suspensão ou de proibição.

        Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o condenado que deixa de entregar, no prazo estabelecido no § 1º do art. 293, a Permissão para Dirigir ou a Carteira de Habilitação.

3.5 Desacato (art. 331)

Conduta: desacatar (desrespeitar, tratar com irreverência, afrontar) funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Exige-se que a conduta seja realizada na presença do funcionário.

Somente há desacato se a conduta desrespeitosa referir à pessoa enquanto funcionário público, ou seja, a afronta deve dirigir-se à função pública exercida pela pessoa. Mesmo que a vítima seja funcionário público, se a conduta referir-se à sua vida privada pode incidir o tipo penal da injúria (art. 140), nunca o do desacato (art. 331).

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime, inclusive o funcionário público. O dispositivo do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906, de 1994, art. 7º, § 2º) que previa imunidade penal em caso de desacato foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.56 O sujeito passivo é a entidade pública e, secundariamente, o funcionário público desacatado.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário neste crime. O objeto jurídico é a honra: primariamente, da entidade pública; e, secundariamente, do funcionário.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: não requer sujeito ativo específico;

56 “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 8.906, de 4 de julho de 1994. Estatuto da Advocacia e a OAB. Dispositivos impugnados pela AMB. (...) A imunidade profissional do advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da atividade jurisdicional. (...).” (ADI 1.127, Rel. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 17-5-2006, Plenário, DJE de 11-6-2010.)

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b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no efetivo desprestígio da função pública exercida;

c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a ofensa é proferida;e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: o verbo típico indica ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;

g) plurissubsistente ou unissubsistente, conforme o caso;h) infração penal de menor potencial ofensivo, com pena de detenção, de seis

meses a dois anos, ou multa.

Desclassificação do crime de injúria para o de desacato: inadmissibilidade em recurso especial, pois verificar a intenção do agente (ofender a honra subjetiva da vítima ou a honra da função pública) demandaria revolvimento de provas. 57

Tipo assemelhado: “Art. 341. Desacatar autoridade judiciária militar no exercício da função ou em razão dela: Pena - reclusão, até quatro anos.” (CPM)

3.6 Tráfico de influência (art. 332)

Conduta típica: no tráfico de influência, o agente solicita, exige, cobra ou obtém, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem. Para isso, ele alega que pode influir em ato realizado por funcionário público no exercício da função. É indiferente para consumação do crime que alegação do agente seja verdadeira ou falsa: basta que ele se manifeste nesse sentido.

Porém:

a) se o tráfico de influência atingir a administração da justiça, incide o art. 357 do CP;

b) se a vantagem destina-se realmente a funcionário público, incidem os arts. 317 (corrupção passiva) e 333 (corrupção ativa) do CP.

São modalidades desse crime:

57 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INJÚRIA QUALIFICADA POR ELEMENTOS RACIAIS COMETIDA CONTRA FUNCIONÁRIO PÚBLICO EM RAZÃO DA SUA FUNÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO. DESACATO. EXAME DE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ANÁLISE APROFUNDADA DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. IMPROVIMENTO DO RECLAMO.1. Seguindo o entendimento deste Sodalício, não há como proceder a análise do pedido de desclassificação da conduta de injúria qualificada para o delito de desacato porquanto é matéria que exige análise aprofundada das provas produzidas nos autos, o que é incompatível com a via estreita do writ.2. Afirmar se a intenção da recorrente era ofender a dignidade do policial militar ou menosprezar a função pública a caracterizar ou não o delito de desacato é matéria que demanda aprofundado revolvimento do conjunto probatório - vedado na via estreita do mandamus -, tratando-se de análise que deve ser feita de acordo com a narrativa dos fatos constantes da denúncia, com o auxílio das provas produzidas no âmbito do devido processo legal, no seio da amplitude cognitiva que lhe é inerente.3. Recurso improvido.(STJ, RHC 25378 / RJ, julgado em 16/11/2010)

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a) simples, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa (caput); eb) com aumento de 1/2 da pena “se o agente alega ou insinua que a vantagem é

também destinada ao funcionário” (parágrafo único).

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime, inclusive o funcionário público. O sujeito passivo é a entidade pública cuja atuação o agente alega poder influenciar.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário, uma vez o recebimento da vantagem constitui apenas exaurimento do crime (exceção: modalidade “obter”, em que o crime é consumado com o recebimento da vantagem). O objeto jurídico é a honra da entidade administrativa.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: não requer sujeito ativo específico;b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico; material, na

modalidade “obter”, em que há o recebimento da vantagem indevida;c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que é feita a solicitação, exigência,

cobrança ou obtenção de vantagem indevida; 58

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;

g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de grande potencial ofensivo, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 5

(cinco) anos, e multa.

Tipo assemelhado: “Art. 336. Obter para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em militar ou assemelhado ou funcionário de repartição militar, no exercício de função: Pena - reclusão, até cinco anos. Parágrafo único. A pena é agravada, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao militar ou assemelhado, ou ao funcionário.” (CPM)

3.7 Corrupção ativa (art. 333)

Conduta típica: oferecer (apresentar, propor) ou prometer (afirmar que entregará) vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício (ato que está compreendido entre as atribuições do funcionário).

58 CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. MOMENTO CONSUMATIVO.1. Consuma-se o crime de tráfico de influência (art. 332 do Código Penal) com a solicitação, exigência, cobrança ou obtenção de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função.2. No caso, matéria jornalista noticiou que a obtenção de suposta vantagem, a pretexto de influenciar ato do Presidente da República, elementar do tipo penal, teria ocorrido na cidade de São Paulo.3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 10ª Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo, o suscitante.(STJ, CC 108664 / SP, julgado em 09/02/2011)

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59O funcionário que aceita ou solicita vantagem indevida é punido de acordo com o art. 317 (corrupção passiva). Trata-se de um caso excepcional de aplicação da teoria pluralista, de acordo com a qual devem corresponder diversos tipos penais aos diferentes agentes que participam do mesmo fato. Caso o funcionário exija a vantagem indevida, ele responde pelo crime de concussão (art. 316), não havendo, obviamente, responsabilização do particular.

São modalidades desse crime:

c) simples, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa (caput); ed) com aumento de 1/3 da aumento de pena “se, em razão da vantagem ou

promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional” parágrafo único). 60

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime, inclusive o funcionário público. O sujeito passivo é a entidade pública a que pertence o funcionário público que recebe o oferecimento ou promessa de vantagem indevida.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário, uma vez que a efetiva entrega da vantagem constitui apenas exaurimento do crime. O objeto jurídico é a legalidade administrativa.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: não requer sujeito ativo específico;b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

retardamento ou omissão do ato de ofício ou a prática deste com infração do deve funcional;

c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que é feito o oferecimento ou a

promessa de vantagem indevida; e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;

g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;

59 “2. O crime de corrupção ativa, assim como o delito previsto no artigo 317 do Código Penal, pressupõe a existência de nexo de causalidade entre a oferta ou promessa de vantagem indevida a funcionário público, e a prática, o retardo ou a omissão de ato de ofício de sua competência.3. Na hipótese, a denúncia descreve o suposto ato de ofício praticado, omitido ou retardado por auditor da Receita Federal em troca do recebimento de vantagem indevida por parte do ora paciente. Ainda que o auditor fiscal corréu na ação penal em tela não tenha atuado formalmente em procedimentos administrativos envolvendo a empresa do paciente, o certo é que há nos autos indícios de que o mencionado servidor público, valendo-se de sua função, teria atuado de modo a beneficiá-la e favorecê-la em processos administrativos tributários em trâmite perante a Delegacia da Receita Federal em Manaus.”(STJ, HC 134985 / AM, julgado em 31/05/2011)60 “4. Os denunciados negociaram vantagem indevida com o fim de retardar o andamento de ação penal em trâmite no Tribunal de Justiça da Bahia, praticando, em tese, corrupção passiva (no art. 317, § 1º, do Código Penal).5. Beneficiado com o atraso no andamento do feito, conforme prova indiciária, foi repassada vantagem indevida ao relator do processo, por intermédio de seu filho, praticando ambos corrupção ativa.”(STJ, APn 644 / BA, julgado em 30/11/2011)

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h) crime de grande potencial ofensivo.

Aferição a respeito da existência de coação, realizada pelo funcionário, ou de pagamento voluntário, realizado pelo particular: inadmissibilidade em habeas corpus, pois demandaria revolvimento de provas, inviável nesse procedimento. 61

Tipos assemelhados:

I) Se o crime é militar: “Art. 309. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou vantagem indevida para a prática, omissão ou retardamento de ato funcional: Pena - reclusão, até oito anos. Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem, dádiva ou promessa, é retardado ou omitido o ato, ou praticado com infração de dever funcional.” (CPM).

II) Se o crime é de responsabilidade (Lei 1.079, de 1950):

Art. 6º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados:

(...) 

2 - usar de violência ou ameaça contra algum representante da Nação para afastá-lo da Câmara a que pertença ou para coagi-lo no modo de exercer o seu mandato bem como conseguir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras formas de corrupção;

(...)

Art. 7º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:

        1- impedir por violência, ameaça ou corrupção, o livre exercício do voto;

Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:

(...)

6 - Usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim;

61 CRIMINAL. HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO ATIVA (ART. 333 DO CÓDIGO PENAL). ATIPICIDADE. PACIENTE CONDENADO EM DUAS INSTÂNCIAS, MEDIANTE AMPLA COGNIÇÃO. A VIA ESTREITA DO WRIT INVIABILIZA O EXAME DOS FATOS, MERCÊ DA EXCEPCIONALIDADE DO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. O Habeas Corpus é via imprópria para apreciar fatos com o escopo de trancar excepcionalmente a ação penal, máxime diante de sentença condenatória confirmada em sede de apelação resultante de ampla cognição, assentado que o pagamento da vantagem ilícita pelo paciente fora voluntário, e não resultado de coação. 2. A aferição sobre se realmente o paciente cedeu a coações ou se pagou voluntariamente a vantagem indevida é tarefa que cabe ao Juízo da ação penal por ocasião do exame das provas produzidas no processo-crime, restando inviável, na via estreita do habeas corpus, assentar algo diverso do que aferido, quanto aos fatos, nas duas instâncias de jurisdição. 3. In casu, o paciente fora condenado, mediante sentença confirmada em sede de recurso de apelação, pela prática do crime de corrupção ativa (art. 333 do CP), porquanto pagara voluntariamente vantagem ilícita a policiais civis (U$ 1.000.000,00 – um milhão de dólares), diante de solicitação destes, a fim de que não revelassem à Polícia Federal sua real identidade, mercê da sua situação de estrangeiro irregular no País. 4, Parecer do MPF pela denegação da ordem. 5. Habeas corpus denegado.(STF, HC 102578 / PR, julgado em 24/05/2011)

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III) Se o crime é eleitoral: “Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita: Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.”

3.8 Contrabando ou descaminho (art. 334)

Conduta típica: em um mesmo artigo, o CP descreve dois tipos penais (contrabando e descaminho), que consistem em importar (trazer de país estrangeiro) ou exportar (levar a país estrangeiro) mercadoria (qualquer objeto passível de compra e venda). Esses crimes distinguem-se em razão do objeto material: enquanto, no contrabando, é “mercadoria proibida”; no descaminho, a mercadoria é permitida (é possível, legalmente, importá-la ou exportá-la), mas a sua entrada ou saída do país é realizada sem o pagamento dos tributos devidos, como impostos e taxas.

O § 1º enumera diversas condutas cujos autores devem sofrer as mesmas penas cominadas ao contrabando e ao descaminho:

I) Pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei: navegação de cabotagem é a “realizada entre portos ou pontos do território brasileiro, utilizando a via marítima ou esta e as vias navegáveis interiores” (Lei 9.432, de 8 de janeiro de 1997, art. 2º, IX). Essa espécie de navegação é regulada pela referida lei e também pela CF (art. 178, parágrafo único); pelo Decreto 24.643, de 10 de julho de 1934 – Código de Águas (art. 39); pela Lei 5.025, de 10 de julho de 1966 (art. 81); e pelo Decreto-Lei 190, de 24 de fevereiro de 1967 (arts. 1º e 19).

II) Pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho: trata-se de fato equiparado, por lei especial, a esses crimes. Vide, a respeito, o art. 39 do Decreto-Lei 288, de 28 de fevereiro de 1967, que regula a Zona Franca de Manaus: “Será considerado contrabando a saída de mercadorias da Zona Franca sem a autorização legal expedida pelas autoridades competentes”.

III) Vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem: trata-se da conduta do comerciante ou industrial que utiliza mercadoria de procedência estrangeira que foi importada de forma fraudulenta ou clandestina. 62

62 “Na hipótese, a paciente foi denunciada como incursa nas penas do art. 334, § 1º, alínea ‘c’, do Código Penal, não se vislumbrando inépcia na exordial acusatória, uma vez que ela possui poderes de gestão, o que denota ter conhecimento das atividades desenvolvidas no âmbito do empreendimento sobre o qual voluntariamente assumiu responsabilidades.”(STJ, HC 202872 / DF, julgado em 22/11/2011)

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IV) Adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos: de forma semelhante ao caso anterior, o sujeito ativo também é comerciante ou industrial. Mas, neste tipo, não é preciso que a mercadoria tenha vindo necessariamente por meio de contrabando ou descaminho, basta que esteja desacompanhada de documentos ou que estes sejam falsos. No último caso, somente há crime se o comerciante ou industrial efetivamente conhecer o caráter fraudulento dos documentos.

Perceba-se que os últimos dois casos (art. 334, § 1º, “c” e “d”) o crime é realizado no exercício de atividade comercial ou industrial. Nos termos do § 2º, atividade comercial não é apenas aquela exercida por meio de empresas regularmente constituídas, mas também “qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências”. É o caso do vendedor ambulante (camelô) e daquele que vende as mercadorias em sua própria casa ou no local de trabalho.

São modalidades desse crime:

a) simples, com pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa (caput e § 1º); e

b) com aplicação da pena em sobro se o crime é cometido por via aérea (§ 3°).

Princípio da insignificância: em tese, é aplicável, desde que presentes seus requisitos objetivo (ínfimo valor da mercadoria) e subjetivo (grau reduzido de reprovabilidade do comportamento). 63

63 PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO (ART. 334, CAPUT, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA: AUSÊNCIA DE CUMULATIVIDADE DE SEUS REQUISITOS. PACIENTE REINCIDENTE. EXPRESSIVIDADE DO COMPORTAMENTO LESIVO. DELITO NÃO PURAMENTE FISCAL. TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes: HC 104403/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 1/2/2011; HC 104117/MT, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 26/10/2010; HC 96757/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 4/12/2009; RHC 96813/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/4/2009. 2. O princípio da insignificância não se aplica quando se trata de paciente reincidente, porquanto não há que se falar em reduzido grau de reprovabilidade do comportamento lesivo. Precedentes: HC 107067, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 26/5/2011; HC 96684/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 23/11/2010; HC 103359/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ 6/8/2010. 3. In casu, encontra-se em curso na Justiça Federal quatro processos-crime em desfavor da paciente, sendo certo que a mesma é reincidente, posto condenada em outra ação penal por fatos análogos. 4. Em se tratando de cigarro a mercadoria importada com elisão de impostos, há não apenas uma lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não descaminho. 5. In casu, muito embora também haja sonegação de tributos com o ingresso de cigarros, trata-se de mercadoria sobre a qual incide proibição relativa, presentes as restrições dos órgãos de saúde nacionais. 6. A insignificância da conduta em razão de o valor do tributo sonegado ser inferior a R$ 10.000,00 (art. 20 da Lei nº 10.522/2002) não se aplica ao presente caso, posto não tratar-se de delito puramente fiscal. 7. Parecer do Ministério Público pela denegação da ordem. 8. Ordem denegada.(STF, HC 100367 / RS, julgado em 09/08/2011)

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Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O funcionário publico que, no exercício da função, colaborar com o crime, incide no art. 318 (facilitação de contrabando ou descaminho). O sujeito passivo é a União, ente federativo que tem competência para legislar sobre comércio exterior (CF, art. 22, VIII).

Objetos materiais e jurídicos: o objeto material definido é a mercadoria importada ou exportada. O objeto jurídico:

a) no caso do contrabando, depende da finalidade da lei que proíbe a entrada ou saída de mercadorias do país;

b) no caso do descaminho, o bem jurídico protegido é o erário (patrimônio público).

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: não requer a presença de sujeito ativo com qualificação especial;c) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;e) instantâneo, consumando-se no momento a mercadoria proibida entra ou sai do

País, no caso do contrabando, ou no momento em que o pagamento dos tributos devidos deixa de ser realizado, no caso do descaminho;

f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;

h) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;i) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples; e de grande

potencial ofensivo, quando aplicável a causa de aumento de pena.

Competência: de acordo com a súmula 151 do STJ, o crime de contrabando ou descaminho deve ser julgado pela Justiça Federal da localidade onde foram apreendidas as mercadorias. 64

Esgotamento da instância administrativa: o crime de descaminho é uma espécie de crime contra a ordem tributária, semelhante àqueles previstos na Lei 8.137, de 1998. Por isso, aplica-se a mesma regra relativa aos crimes previstos nesta lei, ou seja, a existência de justa causa para a ação penal depende da conclusão do processo administrativo perante a Receita Federal. 65

64 CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. APREENSÃO DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS COM NOTA FISCAL INIDÔNEA. SUPOSTA OCORRÊNCIA DO CRIME DE DESCAMINHO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO LOCAL DA APREENSÃO DAS MERCADORIAS. SÚMULA Nº 151/STJ.1. Verificando-se que a apreensão das mercadorias, que deu ensejo à instauração do inquérito policial para apurar a suposta prática do crime de descaminho, ocorreu no Aeroporto Internacional do Recife/PE, a competência será do Juízo Federal da 13ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, a teor do que dispõe o Enunciado nº 151/STJ.2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 13ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, o suscitado.(STJ, CC 113907 / SP, julgado em 28/09/2011)65 HABEAS CORPUS. DESCAMINHO (ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL). NECESSIDADE DE EXAURIMENTO DA ESFERA ADMINISTRATIVA PARA O INÍCIO DA PERSECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA ACERCA DA INSTAURAÇÃO E

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Tipos penais específicos: o crime de contrabando é um tipo penal fundamental, no sentido de que diversos outros crimes, previstos em leis especiais e no próprio CP, têm como elementar a importação ou exportação proibida de mercadoria. É o caso dos crimes de: escrito ou objeto obsceno (CP, art. 234); falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (CP, art. 273, § 1º) 66; moeda falsa (CP, art. 289, § 1º); e falsificação de papeis públicos (CP, art. 293, § 1º, II).

Na legislação especial, destacam-se os crimes de: tráfico de drogas com causa de aumento de pena em razão da transnacionalidade (Lei 11.343, de 2006, art. 40, I); tráfico internacional de armas (Lei 10.826, de 2003, art. 18) – se o armamento for privativo das Forças Armadas, incide o tipo penal previsto nos arts. 12 e 14 da Lei 7.170, de 1984; a exportação de bens sensíveis (“bens de uso duplo e os bens de uso na área nuclear, química e biológica”) e serviços diretamente vinculados a um bem (“operações de fornecimento de informação específica ou tecnologia necessária ao desenvolvimento, à produção ou à utilização do referido bem, inclusive sob a forma de fornecimento de dados técnicos ou de assistência técnica”) constitui o tipo penal previsto no art. 7º da Lei 9.112, de 10 de outubro de 1995; diversos crimes previstos na lei que regula a propriedade industrial (Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, arts. 184, 188, 190 e 192).

3.9 Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência (art. 335)

CONCLUSÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL ANTES DO OFERECIMENTO DE DENÚNCIA CONTRA O PACIENTE E DEMAIS CORRÉUS. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.1. Tal como nos crimes contra a ordem tributária, o início da persecução penal no delito de descaminho pressupõe o esgotamento da via administrativa, com a constituição definitiva do crédito tributário. Doutrina. Precedentes.2. Não há na documentação que instrui o mandamus, qualquer notícia acerca da existência ou mesmo da conclusão de procedimento administrativo para apurar a suposta ilusão do pagamento de tributos incidentes sobre operações de importação por parte do paciente, circunstância que impede o trancamento do feito por falta de condição objetiva de procedibilidade.(...)4. Ordem denegada.(STJ, HC 201164 / PR, julgado em 08/11/2011)66 PENAL. IMPORTAÇÃO ILEGAL DE MEDICAMENTOS. ART. 273, § 1º-B, INCISOS I, V E VI, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE APLICOU AO RÉU A PENA PREVISTA NO CRIME DE CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. CORTE REGIONAL QUE IMPÔS A REPRIMENDA DO TRÁFICO DE ENTORPECENTES. IMPOSSIBILIDADE.1. Não é dado ao juiz, em razão do princípio da proporcionalidade, aplicar ao réu condenado a determinado tipo penal sanção diversa daquela legalmente prevista (preceito secundário da norma).2. In casu, a aplicação, pelo Juiz sentenciante, da reprimenda prevista para o delito de contrabando (art. 334, caput, do CP) ao réu condenado pelo crime tipificado art. 273, § 1º-B, incs. I, V e VI, do CP) foi incorreta, do mesmo modo a aplicação da pena do tráfico de drogas realizado pelo Tribunal a quo.(...)5. Recurso especial do Parquet a que se nega provimento e o da Defesa provido para restabelecer a sentença condenatória.(STJ, REsp 1050890 / PR, julgado em 13/12/2011)

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O art. 335 do CP foi tacitamente revogado pela Lei 8.666, de 1993 (Lei de Licitações), que passou a tratar do assunto em diversos artigos:

Art. 90.  Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. 67

(...)

Art. 93.  Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

(...)

Art. 96.  Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:

I - elevando arbitrariamente os preços; 68

II - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;

III - entregando uma mercadoria por outra;

IV - alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;

V - tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato:

Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

(...)

Art. 98.  Obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento de registro do inscrito:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

67 “No caso dos autos, a peça inaugural explicita que o paciente, previamente consorciado com os demais corréus, na qualidade de representante legal de uma das empresas que emprestariam sua participação para dar a aparência de licitude à licitação supostamente fraudada, teria praticado os crimes previstos nos artigos 288 e 312 do Código Penal, e 90 da Lei 8.666/1993, razão pela qual não há que se falar em defeito na inicial acusatória pela falta de individualização da conduta do acusado.”(STJ, HC 71362 / MA, julgado em 13/12/2011)68 “Explicite-se: resta suficientemente delineado na exordial acusatória o vínculo subjetivo do Denunciado e o fato a ele atribuído como crime, porque, de acordo com as investigações, na condição de gerente de empresa que participava do esquema apontado na peça, acordou com as demais empresas participantes das licitações para que elevassem o preço de suas propostas.”(STJ, HC 71362 / MA, julgado em 22/11/2011)

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3.10 Inutilização de edital ou de sinal (art. 336)

Conduta – o art. 336 do CP descreve duas condutas:

a) rasgar ou, de qualquer forma, inutilizar ou conspurcar edital afixado por ordem de funcionário público;

b) violar ou inutilizar selo ou sinal empregado, por determinação legal ou por ordem de funcionário público, para identificar ou cerrar qualquer objeto.

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é entidade pública que emitiu o edital, selo ou sinal.

Objetos materiais e jurídicos: o objeto material pode ser edital (documento que dá publicidade a ato judicial ou administrativo) e selo ou sinal (marcas colocadas em documentos para autenticá-los ou validá-los). O objeto jurídico, no primeiro tipo penal, é a publicidade dos atos administrativos; e, no segundo tipo é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: não requer sujeito ativo específico;b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente em efetivo

para a entidade pública; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo de efeitos permanentes, consumando-se em momento determinado;e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos típicos indicam ação; excepcionalmente pode ser

comissivo por omissão;

g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) infração penal de menor potencial ofensivo, com pena de detenção, de um mês a

um ano, ou multa.69

Tipo assemelhado – se o crime for militar, incide o CPM:

Art. 338. Rasgar, ou de qualquer forma inutilizar ou conspurcar edital afixado por ordem da autoridade militar; violar ou inutilizar selo ou sinal empregado, por determinação legal ou ordem de autoridade militar, para identificar ou cerrar qualquer objeto:

Pena - detenção, até um ano.

69 PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 70 DA LEI Nº 4.117/62 E ART. 336 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO.I - Se desde a data dos fatos até hoje transcorreram mais de dois anos sem que fosse recebida a peça acusatória, há que se reconhecer a extinção da punibilidade pelo advento da prescrição da pretensão punitiva, com fundamento nos arts. 107, IV e 109, V, ambos do CP, tendo em vista que a pena máxima in abstracto para o crime de inutilização de edital ou sinal é de um ano de detenção.(...)Ordem parcialmente concedida.(STJ, HC 74259 / CE, julgado em 16/08/2007)

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3.11 Subtração ou inutilização de livro ou documento (art. 337)

Conduta: o crime do art. 337 consiste em subtrair (retirar da posse de quem de direito) ou inutilizar (retirar seu valor) total ou parcialmente, livro oficial, processo ou documento confiado à custódia de funcionário, em razão de ofício, ou de particular em serviço público. 70

É preciso diferenciá-lo de outros crimes também previstos no CP, pois:

a) se houver supressão, destruição ou ocultação de documento em benefício próprio ou de outrem ou em prejuízo alheio, incide o tipo penal do art. 305 (supressão de documento);

b) se o sujeito ativo é funcionário público, incide o art. 314 (extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento);

c) se o sujeito ativo é advogado ou procurador, incide o art. 356 (sonegação de papel ou objeto de valor probatório).

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime, desde que brasileiro. O sujeito passivo é o Estado.

Objetos materiais e jurídicos: o objeto jurídico é a fé pública, uma vez que a inutilização ou subtração de qualquer espécie de documento oficial prejudica a prova dos fatos nele constantes. O objeto material do crime é qualquer documento cuja guarda: funcionário público detém em razão do exercício de sua função pública; particular detém em razão de serviço público exercido (ex.: perito, que guarda os autos do processo enquanto realiza sua avaliação técnica). As referências a livro oficial ou processo (na verdade, autos do processo) são meramente exemplificativas, uma vez que eles constituem espécies de documentos públicos.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: não requer sujeito ativo específico;b) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);c) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente em efetivo

prejuízo para a entidade pública; d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;e) instantâneo: consumando-se no momento em que é o documento público é

inutilizado ou subtraído;

70 PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE SUBTRAÇÃO DE LIVRO OU DOCUMENTO. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.1. Não há falar em crime impossível quando o meio utilizado para a prática do delito não se mostra absolutamente ineficaz.2. Eventual descuido de servidores de cartório na identificação da fraude documental é suficiente para a consumação do delito previsto no art. 337 do CP.3. Recurso especial conhecido e provido para restabelecer a sentençacondenatória.(STJ, REsp 799141 / DF, julgado em 10/09/2009)

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f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por omissão;

g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de grande potencial ofensivo, com pena de reclusão, de dois a cinco anos;i) subsidiário: somente se aplica o art. 337 do CP não constituir elemento de crime

mais grave, como a supressão de documento, prevista no art. 305 do CP.

Tipo assemelhado – se o crime for militar, incide o CPM: “Art. 337. Subtrair ou inutilizar, total ou parcialmente, livro oficial, processo ou qualquer documento, desde que o fato atente contra a administração ou o serviço militar: Pena - reclusão, de dois a cinco anos, se o fato não constitui crime mais grave”.

3.12 Sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A)

Conduta: trata-se de mais um crime tributário inserido pela Lei 9.983, de 2000, no Código Penal. Consiste em suprimir (deixar de pagar por completo) ou reduzir (pagar a menos) contribuição previdenciária (espécie de tributo destinado ao custeio da Previdência Social) e qualquer acessório (como multa, juros moratórios e correção monetária).

Para melhor defini-lo, é preciso estabelecer sua distinção quanto ao crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no art. 168-A e também incluído pela Lei 9.983, de 2000. Neste tipo penal, a conduta consiste em deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, ou seja, as contribuições previdenciárias foram descontadas dos empregados, mas não remetidas à previdência social. Diversamente, no crime do art. 337-A, as contribuições nem chegam a ser descontadas dos empregados. Em comum, os dois tipos compartilham seu caráter material, ou seja, somente se consumam com o efetivo pagamento a menor das contribuições previdenciárias. 71

Não basta, porém, que haja a supressão ou redução do pagamento de contribuição previdenciária ou de qualquer de seus acessórios, pois somente há adequação típica se esse resultado for obtido por meio das seguintes condutas:

a) omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;

b) deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;

c) omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias.

71 “O Supremo Tribunal Federal, por decisão plenária, assentou que, os crimes de sonegação e apropriação indébita previdenciária também são crimes materiais, exigindo para sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico, consistente em dano para a Previdência.”(STJ, HC 153729 / PA, julgado em 15/12/2011)

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Princípio da insignificância: considerando que a sonegação de contribuição previdenciária é uma espécie de crime tributário, aplica-se a ela o critério de aplicação do princípio da insignificância para esses crimes, ou seja, é considerada irrelevante penal a conduta que envolver débitos inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme dispõe o art. 20 da Lei 10.522, de 19 de julho de 2002 (que estabeleceu o referido limite para as execuções fiscais da Fazenda Pública). 72

Sujeitos passivos e ativos: os sujeitos ativos do crime são os sócios, administradores ou gerentes de empresas que tenham por função o recolhimento de contribuições previdenciárias dos empregados. O sujeito passivo é o Instituto Nacional de Seguridade Social, autarquia que tem a competência para receber as contribuições previdenciárias.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário neste tipo penal (a contribuição previdenciária tem caráter escriturário, não físico). O objeto jurídico é o patrimônio da previdência social.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: não requer sujeito ativo específico;b) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (patrimônio

público);c) material: sua consumação exige resultado naturalístico, consistente na redução

ou supressão do pagamento da contribuição previdenciária; d) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;e) instantâneo, consumando-se no momento em que são realizadas qualquer uma

das condutas previstas nos incisos do caput;f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;g) omissivo: “omitir” e “deixar de” indicam omissão; excepcionalmente pode ser

comissivo por omissão;

j) unissubsistente, por seu caráter omissivo;k) crime de grande potencial ofensivo, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 5

(cinco) anos, e multa.

Extinção da punibilidade – são previstas duas possibilidades de extinção da punibilidade:

I) Se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei

72 PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CONTRARIEDADE AOS ARTS. 168-A, § 3º, II, E 337-A, § 2º, II, AMBOS DO CP. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. RESP REPETITIVO Nº 1.112.748/TO. DÉBITO NÃO SUPERIOR A R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO. LEI 11.457/07. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. A Lei 11.457/07 considerou como dívida ativa da União também os débitos decorrentes das contribuições previdenciárias, dando-lhes tratamento semelhante ao que é dado aos créditos tributários. Assim, não há porque fazer distinção, na seara penal, entre os crimes de descaminho e de apropriação indébita previdenciária, razão pela qual deve se estender a aplicação do princípio da insignificância a este último delito, quando o valor do débito não for superior R$ 10.000,00 (dez mil reais).2. Agravo regimental a que se nega provimento.(STJ, AgRg no REsp 1171559 / RS, julgado em 20/09/2011)

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ou regulamento, antes do início da ação fiscal (CP, art. 337-A, § 1°): não há necessidade de pagamento do tributo, basta que, antes do início do processo administrativo por sonegação fiscal, a pessoa declare e confesse todas os valores devidos, prestando as pertinentes informações ao INSS.

II) Quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento (Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, art. 83, § 4°): neste caso, não há prazo definido – a extinção de punibilidade pode dar-se a qualquer tempo, mesmo depois de instaurado o processo penal. A condição para isso é o pagamento integral do débito tributário.

Suspensão da pretensão punitiva: de acordo com o art. 83, § 1°, da Lei 9.430, de 1996, a pretensão punitiva do crime de sonegação de contribuição previdenciária é suspensa durante o período em que a pessoa física ou jurídica relacionada com o agente do crime estiver incluída em parcelamento. A condição para isso é que o pedido de parcelamento tenha sido feito antes do recebimento da denúncia criminal. Durante o período de suspensão da pretensão punitiva, não é contado o prazo da prescrição criminal.

Perdão judicial ou diminuição da pena: o juiz pode deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes desde que o valor das contribuições devidas seja menor que o mínimo estabelecido pela previdência social para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

Causa especial de diminuição de pena: § 3° do art. 337-A prevê que a pena de reclusão pode ser reduzida de um terço até a metade ou mesmo substituída pela de multa se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$ 1.510,00. O § 4°, por sua vez, determina que esse valor será reajustado de acordo com os mesmos índices e nas mesmas datas dos reajustes dos benefícios da previdência social. Atualmente, esse valor é de R$ 3.457,37 (Portaria Interministerial MPS/MF Nº 2, de 6 de janeiro de 2012, art. 8º, VII).

Necessidade de exaurimento da instância administrativa: a sonegação de contribuição previdenciária, como qualquer outro crime fiscal, exige a satisfação de um requisito específico para que se dê início ao processo penal: é a decisão condenatória definitiva na instância administrativa. A inscrição do débito na dívida ativa é, portanto, condição objetiva de procedibilidade e, portanto, de punibilidade. 73

73 HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ARTIGO 1º DA LEI 8.137/1990), SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (ARTIGO 337-A DO CÓDIGO PENAL) E FALSIDADE DOCUMENTAL (ARTIGO 297, § 4º, DO ESTATUTO REPRESSIVO). AUSÊNCIA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. PENDÊNCIA DE PROCESSOS EM QUE SE QUESTIONA A EXIGIBILIDADE DE CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS AO INSS. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL. CONCESSÃO DA ORDEM.1. Consoante o disposto na Súmula Vinculante 24, “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.2. Segundo entendimento adotado por esta Corte Superior de Justiça, o crime de sonegação de contribuição previdenciária, por se tratar de delito de caráter material, também só se configura após aconstituição definitiva, no âmbito administrativo, das exações que são objeto das condutas (Precedentes).3. Estando em curso processos administrativos nos quais se questiona a exigibilidade das contribuições devidas ao INSS, não há justa causa para a persecução criminal.4. No que diz respeito à suposta falsificação de documento público, prevista no artigo 297, § 4º, do Código Penal, também atribuída ao paciente, há que se reconhecer a sua absorção pelos crimes contra a ordem tributária e de sonegação de contribuição previdenciária, uma vez que o falso em tese praticado

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Remessa da representação da autoridade administrativa para o Ministério Público: os agentes públicos têm o dever de comunicar a suspeita de ocorrência de qualquer ilícito à autoridade competente. Sendo crime a irregularidade verificada, o dever consiste em comunicar o MP, titular da ação penal. Essa comunicação deve ser feita no momento em que o agente tiver ciência da provável ocorrência de crime, mesmo que ainda não tenha se iniciado o processo administrativo relativo ao fato.

No caso de crimes tributários, como a sonegação de contribuição previdenciária, a comunicação ao MP (representação penal) somente deve ser feita após o esgotamento da instância administrativa, ou seja, depois do trânsito em julgado do processo no órgão fazendário. Nesse sentido, o art. 83, caput, da Lei 9.430, de 1996, com a redação dada pela Lei 12.350, de 20 de dezembro de 2010, determina:

A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

4. Dos crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B a 337-D)

4.1 Introdução

A Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997, e promulgada no território nacional pelo Decreto n° 3.678, de 30 de novembro de 2000, determinou que:

I) Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento de que, segundo suas leis, é delito criminal qualquer pessoa intencionalmente oferecer, prometer ou dar qualquer vantagem pecuniária indevida ou de outra natureza, seja diretamente ou por intermediários, a um funcionário público estrangeiro, para esse funcionário ou para terceiros, causando a ação ou a omissão do funcionário no desempenho de suas funções oficiais, com a finalidade de realizar ou dificultar transações ou obter outra vantagem ilícita na condução de negócios internacionais.

II) Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento de que a cumplicidade, inclusive por incitamento, auxílio ou encorajamento, ou a autorização de ato de corrupção de um funcionário público estrangeiro é um delito criminal. A tentativa e conspiração para subornar um funcionário público estrangeiro serão delitos criminais na mesma medida em que o são a tentativa e conspiração para corrupção de funcionário público daquela Parte.

teve por única finalidade, a princípio, a prática dos mencionados ilícitos fiscais. Doutrina. Precedentes.5. Ordem concedida para trancar os inquéritos policiais instaurados contra o paciente.(STJ, HC 114051 / SP, julgado em 17/03/2011)

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Para dar efetividade, em território nacional, à mencionada convenção, a Lei 10.467, de 11 de junho de 2002, incluiu o Capítulo II-A no título relativo aos crimes contra a Administração Pública, com a seguinte rubrica: “Dos crimes praticados por particular contra a Administração Pública estrangeira”. Além disso, a lei ainda inclui esse gênero de crimes entre aqueles considerados antecedentes à lavagem de dinheiro (Lei 9.613, de 3 de março de 1998, art. 1º, VIII).

O capítulo tem apenas dois crimes: corrupção ativa em transação comercial internacional (art. 337-B) e tráfico de influência em transação comercial internacional (art. 337-C). Esses crimes têm os seguintes pontos em comum:

a) o sujeito ativo é sempre o particular – o funcionário público estrangeiro envolvido no crime deve ser punido de acordo com as leis de seu país;

b) a pessoa jurídica pode ser responsabilizada criminalmente pelos atos de seus agentes que praticarem um dos crimes previstos (determinação do art. 2 da convenção);

c) as condutas devem estar relacionadas a transação comercial internacional, ou seja, a qualquer acordo relativo a venda de bens e serviços entre empresas que se encontram em países diversos;

d) apesar de constar entre os crimes contra a administração pública, o bem jurídico protegido é, na verdade, a regularidade das transações comerciais internacionais (ordem econômica internacional) – ademais, o ordenamento jurídico brasileiro não tem a função de proteger bens jurídicos pertencentes a outras nações.

4.2 Corrupção ativa em transação comercial internacional (art. 337-B)

Conduta típica: prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional. O crime é bastante semelhante à corrupção passiva (art. 317), diferenciando-se em razão dos elementos descritos no item 4.1 e também por:

a) prever a conduta “dar”, abrindo a possibilidade de o crime ser não apenas formal (condutas “prometer” e “oferecer”), mas também material; e

b) prever que vantagem indevida pode ser dada a terceira pessoa, que pode influir para que o funcionário público pratique, omita ou retarde ato de ofício.

São modalidades desse crime:

a) simples, com pena de reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa (caput); eb) com aumento de 1/3 da aumento de pena “se, em razão da vantagem ou

promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional” (parágrafo único). Essa causa de aumento de pena é semelhante àquela prevista no para o crime de corrupção ativa, diferenciando-se apenas pela referência a funcionário público estrangeiro.

Page 70: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é a entidade pública a qual pertence o funcionário público estrangeiro, e, secundariamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada na transação comercial internacional.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, uma vez que a vantagem indevida geralmente não se concretiza em um objeto físico. O objeto jurídico é a regularidade das transações comerciais internacionais.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: não requer sujeito ativo com qualificação específica;b) formal, nas modalidades “prometer” e “oferecer”; material, na modalidade

“dar”;c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a vantagem indevida é

prometida, ofertada ou dada;e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;

g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

4.3 Tráfico de influência em transação comercial internacional (art. 337-C)

Conduta típica: solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação comercial internacional. O crime é bastante semelhante ao tráfico de influência (art. 332), diferenciando-se em razão dos elementos descritos no item 4.1 e também por prever que a solicitação, exigência, cobrança ou obtenção de vantagem indevida, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ou seja, o crime tem duas formas de execução: de maneira direta, pelo próprio agente, e de maneira indireta, por intermédio de interposta pessoa.

São modalidades desse crime:

a) simples, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa (caput); eb) com aumento de 1/2 da pena “se o agente alega ou insinua que a vantagem é

também destinada a funcionário estrangeiro” (parágrafo único).

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime, inclusive o funcionário público. O sujeito passivo é a entidade pública a qual pertence o funcionário público estrangeiro, e, secundariamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada na transação comercial internacional.

Page 71: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material necessário, uma vez que a vantagem indevida geralmente não se concretiza em um objeto físico. O objeto jurídico é a regularidade das transações comerciais internacionais.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: não requer sujeito ativo específico;b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico; material, na

modalidade “obter”, em que há o recebimento da vantagem indevida;c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que é feita a solicitação, exigência,

cobrança ou obtenção de vantagem indevida; e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;

g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de grande potencial ofensivo.

4.4 Funcionário público estrangeiro (art. 337-D)

A Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, que deu origem ao Capítulo II-A do Título XI, estabeleceu o seguinte conceito de funcionário público estrangeiro: “qualquer pessoa responsável por cargo legislativo, administrativo ou jurídico de um país estrangeiro, seja ela nomeada ou eleita; qualquer pessoa que exerça função pública para um país estrangeiro, inclusive para representação ou empresa pública; e qualquer funcionário ou representante de organização pública internacional”.

O CP, de modo similar ao realizado na definição de funcionário público (art. 327), descreve funcionário público estrangeiro em:

a) um conceito básico: quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro; e

b) um conceito equiparado: quem exerce cargo, emprego ou função em empresas controladas, diretamente ou indiretamente, pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais.

Portanto, é funcionário público estrangeiro quem exerce, forma temporária ou permanente, com ou sem remuneração, cargo emprego ou função pública em:

a) qualquer espécie de entidade estatal, seja o próprio Estado, seus entes federativos (caso assuma a forma de federação) – União, estados, municípios e Distrito Federal, ou suas entidades administrativas (pessoas jurídicas que exercem uma parcela do poder estatal);

b) representações diplomáticas de país estrangeiro (embaixadas e consulados);c) empresas estatais, controladas, direta ou indiretamente, por Estado estrangeiro; ed) organizações públicas internacionais: associações de Estados com o objetivo de

realizar interesses comuns.

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Finalmente, ressalte-se que o conceito de funcionário público estrangeiro (art. 337-D) é mais restrito que o de funcionário público, pois não inclui “quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública” (art. 327, § 1°).

5. Crimes contra a administração da justiça (arts. 338 a 359)

5.1 Introdução

“Justiça” é um termo com diversos significados – refere principalmente à virtude de dar a cada um o que é seu; à jurisdição, ou seja, ao poder de aplicar a norma jurídica ao caso concreto de forma definitiva; e ao Poder Judiciário, órgão estatal encarregado de julgar as controvérsias de acordo com as normas jurídicas. O termo “administrar” tem um significado menos equívoco, sendo utilizado geralmente no sentido de gerir, exercer, governar.

“Administração da Justiça” constitui, portanto, o conjunto das atividades estatais relacionadas à aplicação do Direito ao caso concreto. Apesar de essa atividade caber precipuamente ao Poder Judiciário, ela também é exercida pelos outros poderes estatais. O grande exemplo desse exercício é encontrado no processo administrativo (regulado, a nível federal, pela Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999) que, no âmbito dos órgãos administrativos, decide questões diversas (como licitações e contratos) com base na aplicação das normas jurídicas pertinentes.

Nesse sentido, o Capítulo III do Título XI da Parte Especial do Código Penal, que trata dos “Crimes contra a Administração da Justiça”, tipifica condutas que prejudicam a aplicação da lei ao caso concreto, seja antes da decisão (como no crime de falso testemunho – arts. 342 e 343), seja depois (como no crime de motim – art. 355). Esses crimes podem afetar decisões em processos administrativos (reingresso de estrangeiro expulso – art. 338), judiciais (violência ou fraude em arrematação judicial – art. 358), em ambos (denunciação caluniosa – art. 339) ou mesmo em juízo arbitral (falso testemunho – art. 342).

Grosso modo, os crimes contra a administração da justiça pode ser classificados em duas grandes categorias: crimes relacionados primordialmente a inquérito policial, processo penal ou execução penal; e crimes relacionados a processos administrativos, judiciais e arbitrais em geral.

Nesse sentido, são crimes que afetam primordialmente a justiça penal:

a) comunicação falsa de crime ou contravenção (art. 340);b) autoacusação falsa (art. 341);c) favorecimento pessoal (art. 348);d) favorecimento real (art. 349);e) ingresso de celular em estabelecimento penal (art. 349-A, incluído pela Lei

12.012, de 2009);f) exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350);g) fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança (art. 351);h) evasão mediante violência contra a pessoa (art. 352);

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i) arrebatamento de preso (art. 353);j) motim de presos (art. 354).

Por sua vez, são crimes que afetam os processos em geral:

a) reingresso de estrangeiro expulso (art. 338);b) denunciação caluniosa (art. 339) – trata-se do crime mais grave deste capítulo,

com pena de reclusão de dois a oito anos;c) falso testemunho ou falsa perícia (art. 342), com redação dada pela Lei n°

10.268, de 2001;d) corrupção ativa de testemunha, perito, tradutor, contador e intérprete (art. 343),

com redação dada pela Lei n° 10.268, de 2001;e) coação no curso do processo (art. 344);f) exercício arbitrário das próprias razões (art. 345);g) subtração ou dano de coisa própria em poder de terceiro (art. 346);h) fraude processual (art. 347);i) patrocínio infiel (art. 355);j) sonegação de papel ou objeto de valor probatório (art. 356);k) exploração de prestígio (art. 357);l) violência ou fraude em arrematação judicial (art. 358); em) desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito (art. 359).

5.2 Reingresso de estrangeiro expulso (art. 338)

A situação jurídica do estrangeiro no Brasil é regulada pela Lei n° 6.815, de 1980, e pelo Decreto n° 86.715, de 1981. Em ambos, são descritas situações nas quais o estrangeiro deve, necessariamente, sair do território brasileiro:

a) deportação, com fundamento em entrada ou estada irregular em território brasileiro;

b) expulsão, se ocorrer alguma das hipóteses previstas no art. 65 da lei, principalmente se o estrangeiro “tentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais” (caput);

c) extradição, para julgamento do estrangeiro por crime cometido em outro país.

A expulsão é ato discricionário do Presidente da República, ao qual cabe decidir com exclusividade, por meio de decreto, sobre sua conveniência e oportunidade (art. 66 da lei). Ao contrário das duas outras formas de saída obrigatória (deportação e extradição), a expulsão impede que o estrangeiro retorne ao território nacional (art. 7°, III), exceto se, anteriormente, o Presidente revogar a expulsão. Porém, de acordo com a Súmula n° 1 do STF, “É vedada a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna”. A expulsão de estrangeiro condenado por tráfico ilícito de drogas é regulada pelo Decreto n° 98.961, de 15 de janeiro de 1990.

Page 74: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

Conduta típica: o crime do art. 338 consiste no reingresso (retorno) do estrangeiro expulso ao território nacional. 74

Sujeitos passivos e ativos: o sujeito ativo do crime somente pode ser o estrangeiro anteriormente expulso. O sujeito passivo é o Estado.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material neste crime, pois a simples locomoção do agente não implica a afetação de nenhum objeto físico. O objeto jurídico é a administração da justiça.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de mão-própria: somente pode ser seu autor o estrangeiro anteriormente expulso;b) de mera conduta: o tipo penal não prevê resultado naturalístico; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que o estrangeiro expulso

reingressa no país;e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes (o brasileiro

somente pode ser partícipe do crime);f) comissivo: “reingressar” indica ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;

g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, com pena de reclusão, de um a quatro anos,

sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena.

5.3 Denunciação caluniosa (art. 339)

Conduta típica – a denunciação caluniosa consiste em uma conduta que atinge um resultado determinado, respectivamente:

a) imputar a alguém crime de que o sabe inocente, ou seja, declarar que determinada pessoa cometeu um crime quando se sabe, com absoluta certeza, de sua inocência;

b) dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém: a imputação falsa teve como consequência a instauração de processo administrativo (investigação policial ou administrativa ou inquérito civil) ou judicial (de qualquer espécie, notadamente ação de improbidade administrativa).

74 HABEAS CORPUS. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO. MEDIDA JÁ EFETIVADA. PRETENSÃO DE RETORNO AO BRASIL. CRIME DE REINGRESSO DE ESTRANGEIRO EXPULSO. ALEGAÇÕES RELATIVAS À EXISTÊNCIA DE PROLE BRASILEIRA. QUESTÃO RELACIONADA À CONVENIÊNCIA DO ATO EXPULSÓRIO, QUE, NA HIPÓTESE, SE ENCONTRA PERFEITO E ACABADO. IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DO MÉRITO DESSE ATO COMO CONDIÇÃO À TIPIFICAÇÃO DO DELITO DE REINGRESSO DE ESTRANGEIRO EXPULSO. HABEAS CORPUS DENEGADO.(STJ, HC 218279 / DF, julgado em 09/11/2011)

Page 75: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

É relevante diferenciar a denunciação caluniosa do crime de calúnia (art. 138). Este se consuma com o simples conhecimento por terceiros da imputação falsa de fato definido como crime: trata-se de crime de mera conduta cujo objeto jurídico é a honra. Já a denunciação caluniosa requer a imputação falsa de crime seja dirigida a autoridade competente para a instauração de processo administrativo ou judicial; mais ainda: requer a efetiva instauração desse processo. Trata-se, portanto, de um crime material cujo objeto jurídico é a administração da justiça. Além disso, a ação penal no crime de calúnia é privada enquanto que no de denunciação caluniosa, é pública incondicionada. Todas essas diferenças tornam inviável o reconhecimento de concurso entre esses crimes. 75

São modalidades desse crime:

a) simples, com pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa (caput); eb) com aumento de 1/6 da pena “se o agente se serve de anonimato ou de nome

suposto”, ou seja, o denunciador ou não se identifica ou utiliza nome falso (§ 1°);c) com diminuição da pena pela metade “se a imputação é de prática de contravenção”

(§ 2°).

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. Caso o crime seja de ação penal privada ou pública condicionada à representação, somente podem ser sujeitos ativos os titulares dos direitos de queixa e de representação. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela falsa denúncia.

Objetos materiais e jurídicos: o objeto constitui-se dos autos do processo administrativo ou judicial instaurado em razão da falsa denúncia. O objeto jurídico é a administração da justiça. 76

Este crime recebe a seguinte classificação:

75 “2. Se o agente imputa a prática de crime que sabe falsa, pratica, em tese, a figura típica contida no art. 138 do CPB (calúnia), cujo início da apuração é deixado a cargo do ofendido (princípio da oportunidade), tratando-se de ação penal privada. Por outro lado, o oferecimento de notícia-crime, sabendo falsa a acusação, constitui, em tese, o delito tipificado no art. 339 do CPB (denunciação caluniosa), de ação penal pública incondicionada. São diversos os bens jurídicos protegidos pelas normas em exame: o primeiro, a honra individual; o segundo, a administração da Justiça.3. Não se trata, no caso em exame, de observância ou não da teoria monista ou unitária, relativamente ao concurso de agentes, tal como adotada em nosso sistema normativo penal e processual penal. Está-sediante de duas condutas distintas: uma, a alegação de prática de crime, sabendo falsa a imputação; outra, o oferecimento de notícia-crime, quando sabe o agente serem falsas as acusações.4. É o próprio CPB quem impõe a separação em tipos diversos das condutas praticadas, exigindo, para o delito de denunciação caluniosa, um elemento objetivo a mais, qual seja, não basta a simples ofensa irrogada, deve haver o ensejo à abertura de investigação policial ou processo judicial ou administrativo.”(STJ, HC 195955 / RS, julgado em 24/05/2011)76 “Habeas Corpus. Denunciação caluniosa. Apresentação de representação tida como caluniosa na Procuradoria da República no Município de Uruguaiana – RS. Ausência de prejuízo à Administração da Justiça Militar. Competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. Ordem concedida. O bem jurídico tutelado pelo tipo penal da denunciação caluniosa é a Administração da Justiça que foi indevidamente acionada e atingida por eventuais falsas imputações que originaram a instauração de investigação, inquérito ou processo judicial. No caso, tendo a conduta delitiva dado origem a procedimento administrativo no âmbito do Ministério Público Federal e a inquérito policial federal, imperioso é o reconhecimento da competência da Justiça Federal, cujo regular funcionamento foi afetado, para processar e julgar a pertinente ação penal. Ordem concedida.”(STF, HC 101013 / RS, julgado em 07/06/2011)

Page 76: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

a) comum: pode ser realizado por qualquer pessoa; próprio: excepcionalmente, nos casos de ação penal privada ou pública condicionada;

b) material: sua consumação exige resultado naturalístico, consistente na efetiva instauração de processo judicial ou administrativo;

c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que o processo é instaurado;e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: “dar causa” indica ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;

g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de grande potencial ofensivo.

Impossibilidade de trancamento da ação penal por meio de habeas corpus: o encerramento do processo penal por crime de denunciação caluniosa não pode dar-se mediante habeas corpus, uma vez que é necessária dilação probatória para, entre outras circunstâncias, verificar a presença de dolo na conduta do agente (conhecimento da inocência do denunciado). 77

Tipos assemelhados:

I) A Lei n° 8.429, de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa), prevê o seguinte tipo penal – “Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente. Pena: detenção de seis a dez meses e multa”. Esse crime difere da denunciação caluniosa em três aspectos:

a) a conduta restringe-se a representação por ato de improbidade administrativa, ou seja, a comunicação à autoridade administrativa ou ao Ministério Público a respeito de fato tipificado como improbidade administrativa (Lei n° 8.429, de 1992, arts. 9° a 11);

b) o crime é formal, ou seja, para a sua consumação não há necessidade de instauração de processo administrativo ou judicial; e

c) trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, julgado, portanto, no Juizado Especial Criminal.

II) Código Penal Militar: “Art. 343. Dar causa à instauração de inquérito policial ou processo judicial militar contra alguém, imputando-lhe crime sujeito à jurisdição militar, de que o sabe inocente: Pena - reclusão, de dois a oito anos. Parágrafo único. A pena é agravada, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto”.

77 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. FALTA DE JUSTA CAUSA. MERA ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. NECESSIDADE DE EXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.1. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório,que há imputação de fato penalmente atípico, a inexistência de qualquer elemento indiciário demonstrativo de autoria do delito ou, ainda, a extinção da punibilidade.2. Acolher tese defensiva de falta de justa causa para a ação penal que apura o crime de denunciação caluniosa por falta de dolo, tendo em vista que o acusado não sabia da inocência da vítima, demandaminucioso exame do conjunto fático e probatório, que deve ser feito pelo Juízo ordinário, durante a instrução criminal. Precedentes.3. Recurso desprovido.(STJ, RHC 26168 / MG, julgado em 08/11/2011)

Page 77: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

5.4 Comunicação falsa de crime ou de contravenção (art. 340)

Conduta típica: provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado. O crime do art. 340 assemelha-se ao do artigo anterior, uma vez que em ambos há comunicação falsa relacionada a crime ou contravenção. Há, porém, duas notas distintivas:

a) a comunicação falsa diz respeito a um crime ou contravenção que não aconteceu, enquanto que a denunciação caluniosa pode referir-se a crime ou contravenção verdadeiramente acontecidos – o que importa no último caso é que o ilícito penal seja falsamente imputado alguém; e

b) enquanto que na denunciação caluniosa é preciso que o resultado consista em um processo, judicial ou administrativo, na comunicação falsa o resultado por ser qualquer ação de autoridade (como uma mera diligência policial).

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido. O objeto jurídico é a administração da justiça.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: pode ser realizado por qualquer pessoa; b) material: sua consumação exige resultado naturalístico, consistente em qualquer

ação de autoridade; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a autoridade, que recebeu a

falsa informação, age em razão dela;78

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: “provocar” indica ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;

g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) infração penal de menor potencial ofensivo, com pena de detenção, de um a seis

meses, ou multa.

Tipos assemelhados: se a imputação dirigir-se a pessoa determinada, incide o art. 339 do CP. Se o objetivo for fraudar seguro, incide o art. 171, § 2°, V, do CP. Em leis especiais, também são previstos os seguintes tipos:

78 PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. COMUNICAÇÃO FALSA DE CRIME. LOCAL DA CONSUMAÇÃO. COMPETÊNCIA DO LOCAL ONDE INICIADAS AS INVESTIGAÇÕES SOBRE O FATO INVERÍDICO.1. Sendo indicadas e determinadas as pessoas contra as quais são imputadas a falsa prática de ilícito penal, tem-se configurado, em tese, o crime de denunciação caluniosa e o de comunicação falsa de crime ou contravenção.(...)3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Vicente/SP, suscitante.(STJ, CC 32496 / SP, julgado em 14/02/2005)

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I) Código Penal Militar: “Art. 344. Provocar a ação da autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime sujeito à jurisdição militar, que sabe não se ter verificado: Pena - detenção, até seis meses”.

II) Lei de Contravenções Penais: se a falsa comunicação não se referir a crime ou contravenção, pode incidir o art. 41 – “Provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto: Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa”.

5.5 Autoacusação falsa (art. 341)

Confissão é a admissão voluntária da prática de um crime. Trata-se de um meio de prova que chegou a ser considerada como a rainha das provas (regina probatorum), uma vez que não se concebia que alguém reconhecesse voluntariamente um crime que não praticou, uma vez que essa conduta acarreta consequências gravíssimas para a pessoa que a realiza. Atualmente, porém, admite-se que alguém pode realizar uma confissão falsa, por diversos motivos, desde distúrbios psicológicos até a necessidade de proteger o verdadeiro autor do crime.

Conduta típica: acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem. Neste caso, o agente declara-se, perante qualquer autoridade (polícia, Ministério Público, juiz, etc.), autor de crime que não aconteceu ou, mesmo tendo acontecido, não foi cometido por ele. 79

Assemelha-se à denunciação caluniosa pelo fato de que em ambos os casos, imputa-se falsamente um crime a alguém. Há, porém, algumas diferenças marcantes:

a) a denunciação é dirigida contra terceiro, enquanto que a autoacusação é dirigida ao próprio agente;

b) a denunciação dá origem a processo administrativo ou judicial, enquanto que a autoacusação não requer nenhum ato posterior da autoridade.

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre o documento no qual a autoridade consigna a autoacusação falsa. O objeto jurídico é a administração da justiça.

79 HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. CRIMES DE FALSO TESTEMUNHO E AUTOACUSAÇÃO FALSA. PERTINÊNCIA DA IRRESIGNAÇÃO. 1. Ilegitimidade do Ministério Público não configurada, porque, a seu requerimento, instaurado o inquérito considerado indevido. 2. "Para o reconhecimento do crime capitulado no art. 342 do CP Brasileiro, mister se faz que as declarações hipoteticamente falsas tenham relevância jurídica para o desenlace do processo em que deduzidas. 3. Aquela que, em sede de depoimento em inquérito policial, nada afirma contra si em relação à prática de algum delito, não incide na conduta prevista no art. 341 do CP Brasileiro. 4. Jurisprudência no sentido de conceder a ordem impetrada" (do opinativo Ministerial). 5. Ordem concedida.(TRF1, HC 200201000315300, julgado em 19/11/2002)

Page 79: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) comum: pode ser realizado por qualquer pessoa; b) de mera conduta: não há previsão típica de nenhum resultado naturalístico; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que o agente realiza a falsa

confissão;e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: “acusar-se” indica ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão;

g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) infração penal de menor potencial ofensivo, com pena de detenção, de três

meses a dois anos, ou multa.

Tipo assemelhado: “Acusar-se, perante a autoridade, de crime sujeito à jurisdição militar, inexistente ou praticado por outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano” (Código Penal Militar, art. 345).

5.6 Falso testemunho ou falsa perícia (art. 342)

O Título VII do Código de Processo Penal (arts. 155 a 250) prevê diversos meios de prova, ou seja, formas de se demonstrar, em juízo, a existência de um fato e a pessoa responsável pelo seu cometimento. Os mais importantes meios de prova são as declarações prestadas por determinadas pessoas, que têm conhecimento a respeito do fato analisado no processo. São elas: os réus (ou acusados), os ofendidos, as testemunhas, os peritos, os intérpretes, os contadores, os tradutores e os intérpretes.

O réu recebe tratamento privilegiado no inquérito e no processo penal: além do consagrado direito ao silêncio (CF, art. 5°, LXIII), a jurisprudência ainda tem admitido que não há obrigação de dizer a verdade, existindo um verdadeiro “direito de mentir”. 80 O ofendido, por sua vez, é obrigado a se pronunciar, mas não presta o compromisso de dizer a verdade, também sendo permitido a ele declarar-se falsamente a respeito a respeito do crime de que foi vítima.

Os outros sujeitos processuais (testemunhas, peritos, intérpretes, tradutores e contadores) recebem tratamento mais rigoroso, uma vez que são obrigados a se pronunciar a respeito dos assuntos dois quais têm conhecimento e, mais ainda, são obrigadas a dizer a verdade. Porém, não se exige a prestação do compromisso de dizer a verdade às seguintes categorias de testemunhas (CPP, art. 208):

a) doentes e deficientes mentais e menores de 14 anos;b) pessoas que podem recusar-se a depor, exceto se seu testemunho for essencial à

elucidação do caso: o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o

80 "A autodefesa consubstancia, antes de mais nada, direito natural. O fato de o acusado não admitir a culpa, ou mesmo atribuí-la a terceiro, não prejudica a substituição da pena privativa do exercício da liberdade pela restritiva de direitos, descabendo falar de 'personalidade distorcida'. " (HC 80.616, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18-9-2001, Primeira Turma, DJ de 12-3-2004.)

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cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado.

O Código de Processo Civil tem dispositivo semelhante em seu art. 405, que determina: “Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas” (caput) e “Sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso (art. 415) e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer” (§ 4°).

Conduta típica: o art. 342 enumera três condutas – fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade – realizadas por determinados sujeitos – testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete – que têm a obrigação de prestar declaração verdadeira em determinados processos – processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral – a respeito de assuntos dos quais têm conhecimento.

São modalidades desse crime:

a) simples, com pena de reclusão, de um a três anos, e multa (caput); eb) com aumento de 1/6 a 1/3 da aumento de pena (§ 3°) se o crime é:

I) praticado mediante suborno;II) cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em:

1. processo penal; ou 2. em processo civil em que for parte entidade da administração pública

direta ou indireta.

Sujeitos passivos e ativos: pode ser sujeito ativo do crime: testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete. Não são consideradas testemunhas, mas meros informantes, aquelas pessoas das quais não se exige o compromisso de dizer a verdade. 81 O sujeito passivo é o Estado; eventualmente, a pessoa prejudicada pela falsidade.

Objetos materiais e jurídicos: o objeto material é o termo onde são registradas as declarações falsas. O objeto jurídico é a administração da justiça.

Este crime recebe a seguinte classificação:81 HABEAS CORPUS. FALSO TESTEMUNHO (ARTIGO 342 DO CÓDIGO PENAL). PACIENTE QUE TERIA PRESTADO FALSAS DECLARAÇÕES EM AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MOVIDA POR SEU IRMÃO. PESSOA IMPEDIDA DE DEPOR COMO TESTEMUNHA (ARTIGOS 228 DO CÓDIGO CIVIL E 405, INCISO II E § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). OITIVA COMO MERA INFORMANTE. IMPOSSIBILIDADE DE FIGURAR COMO SUJEITO ATIVO DO DELITO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. CONCESSÃO DA ORDEM.(...)7. O crime disposto no artigo 342 do Código Penal é de mão própria, só podendo ser cometido por quem possui a qualidade legal de testemunha, a qual não pode ser estendida a simples declarantes ou informantes, cujos depoimentos, que são excepcionais, apenas colhidos quando indispensáveis, devem ser apreciados pelo Juízo conforme o valor que possam merecer.8. Desse modo, sendo incontroverso que a paciente foi ouvida como informante, justamente pelo fato de ser irmã do autor da ação de indenização na qual o falso testemunho teria sido prestado, não pode ser ela sujeito ativo do citado ilícito.9. Ordem concedida para cassar o acórdão impugnado, restabelecendo-se a sentença por meio da qual a paciente foi absolvida sumariamente do crime de falso testemunho.(STJ, HC 192659 / ES, julgado em 06/12/2011)

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a) de mão própria: somente pode ser seu autor testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete;

b) formal: sua consumação não requer a ocorrência de resultado naturalístico; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que o agente faz afirmação falsa,

nega ou cala a verdade; 82

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: nas modalidades negar a verdade e fazer declaração falsa –

excepcionalmente pode ser comissivo por omissão; omissivo, na modalidade “calar a verdade”;

g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo.

Retratação: o crime deixa de ser punível caso o agente se retrate ou declare a verdade antes da sentença, de primeira instância, no processo em que ocorreu o ilícito. Trata-se de causa de extinção da punibilidade, como previsto no art. 107, VI, do CP.

Competência: a competência para julgar o crime do art. 342 pertence ao órgão do Poder Judiciário responsável pelo processo onde o falso testemunho aconteceu. Caso o testemunho tenha sido realizado por meio de carta precatória, a competência pertence ao juízo deprecante, ou seja, aquele no qual tramita o processo. 83

Tipos assemelhados:

I) “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, tradutor ou intérprete, em inquérito policial, processo administrativo ou judicial, militar:

82 FALSO TESTEMUNHO. CONSUMAÇÃO NO MOMENTO EM QUE FEITA A AFIRMAÇÃO FALSA. DESNECESSIDADE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA DO PROCESSO EM QUE FEITO O FALSO TESTEMUNHO. EIVA NÃO CONFIGURADA.1. É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que o crime de falso testemunho é de natureza formal, consumando-se no momento da afirmação falsa a respeito de fato juridicamente relevante, aperfeiçoando-se quando encerrado o depoimento, podendo, inclusive, a testemunha ser autuada em flagrante delito.2. Não há exigir sentença condenatória do processo para a configuração do crime do art. 342 do CP, não havendo, por isso mesmo, impedimento ao oferecimento da denúncia antes mesmo da prolatação do édito repressor nos autos em que feita a afirmação falsa, restando apenas condicionada a sua conclusão diante da possibilidade de retratação, nos termos do art. 342, § 2º, do CP.(STJ, HC 208576 / SP, julgado em 04/10/2011)83 CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. FALSO TESTEMUNHO. DEPOIMENTO REALIZADO PERANTE O JUIZ ESTADUAL POR CARTA PRECATÓRIA EXPEDIDA PELA JUSTIÇA FEDERAL. TESTEMUNHO CUJOS EFEITOS IMPORTAM AO JULGAMENTO DA CAUSA PRINCIPAL. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4.ª REGIÃO.I. Hipótese na qual foi oferecida denúncia pela prática de falso testemunho prestado perante a Justiça Estadual, em cumprimento à carta precatória expedida pela Justiça Federal. Condenado o réu pela Justiça Federal, o Tribunal Regional Federal anulou a sentença, em grau de recurso, entendendo ser competência da Justiça Estadual para o processamento do feito. Remetidos os autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, foi suscitado o conflito.II. Não obstante o delito de falso testemunho consume-se com o encerramento do depoimento prestado, quando se faz afirmação falsa, nega ou cala a verdade, tem-se que, no caso dos autos, depoimento destinava-se à produzir prova em processo no qual se apura a prática de crime perante o Juízo Federal, produzindo, as declarações falsas, efeitos no julgamento da causa principal. De se considerar, ainda, que o depoimento foi prestado a autoridade com competência delegada pelo Juízo Federal.III. Conflito conhecido para, reconhecendo a competência da Justiça Federal, determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional Federal da Quarta Região, o suscitado, para julgar o mérito do recurso de apelação ali interposto.(STJ, CC 115314 / RS, julgado em 09/11/2011)

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Pena - reclusão, de dois a seis anos. 1º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado mediante suborno. 2º O fato deixa de ser punível, se, antes da sentença o agente se retrata ou declara a verdade.” (Código Penal Militar, art. 346).

II) “Constitui crime: (...)fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor ou intérprete, perante a Comissão Parlamentar de Inquérito: Pena - A do art. 342 do Código Penal.” (Lei 1.579, de 1952, art. 4°, II).

III) “Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembleia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa” (Lei 11.101, de 2005, art. 171).

IV) “Constitui crime: (...) Fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor ou intérprete perante o C.D.D.P.H. [Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana] ou Comissão de Inquérito por ele instituída. Pena - a do art. 342 do Código Penal.” (Lei 4.319, de 1964, art. 8°, II).

V) “Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas: (...)fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída: Pena: reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão” (Lei 6.815, de 1980, art. 125, XIII).

5.7 Corrupção ativa de testemunha, perito, tradutor, contador e intérprete (art. 343)

Conduta típica:

São modalidades desse crime:

c) simples, com pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa (caput); ed) com aumento de 1/3 da aumento de pena “se o fato é cometido por funcionário

público” (§ 3°);

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);

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b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no prejuízo para o Estado ou para terceiros; 84

c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.8 Coação no curso do processo (art. 344)

Conduta típica: 85

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

84 PENAL. RECURSO ESPECIAL. PROMETER VANTAGEM À TESTEMUNHA. ART. 343 DO CP. CRIME FORMAL. RÉU EM PROCESSO DISTINTO. VÍTIMAS. TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO. POSSIBILIDADE. ARTS. 202 E 203 DO CPP. JUSTA CAUSA. IN DUBIO PRO SOCIETATE. RECURSO PROVIDO.1. O crime do art. 343 do CP é formal e não exige, para a sua consumação, a prática do ato pelo subornado ou sequer a sua aceitação.2. A vítima de um crime pode atuar como testemunha de outro processo, atendendo, no caso, as formalidades do art. 203 do CPP. Aplicação do art. 202 do CPP.3. O princípio in dubio pro societate impõe o recebimento da denúncia quando presente a justa causa apta a dar seguimento a persecutio criminis.4. Recurso provido para receber a denúncia.(STJ, REsp 769281 / AC, julgado em 16/06/2009)85 HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (ART. 344 DO CÓDIGO PENAL). ALEGAÇÃO DE QUE NÃO RESTOU CONFIGURADO O DELITO, POIS NÃO HAVIA, NO MOMENTO DA CONDUTA PROCEDIMENTO INSTAURADO. AMEAÇAS DIRIGIDAS À VÍTIMA E TESTEMUNHAS OCORRIDAS LOGO APÓS A PRISÃO EM FLAGRANTE E ANTES DA LAVRATURA DO AUTO. INÍCIO DA ATUAÇÃO ESTATAL COM A CUSTÓDIA DO ACUSADO. TIPICIDADE DEMONSTRADA. DIFERENÇA ENTRE ATO ADMINISTRATIVO E A SUA FORMALIZAÇÃO. ORDEM DENEGADA.1. Se, após efetuada a prisão em flagrante pelo crime de furto, o Paciente desfere ameaças direcionadas às vítimas e às testemunhas com o objetivo de influenciar o resultado de eventual investigação criminal, resta caracterizado o tipo previsto no art. 344 do Código Penal.2. A lavratura do auto de prisão em flagrante é mera formalização do ato inicial do procedimento investigatório que já ocorreu concretamente no mundo dos fatos, com a efetiva custódia do Acusadopela Autoridade Policial, em virtude do cometimento do crime de furto.3. Ordem denegada.(STJ, HC 152526 / MG, julgado em 06/12/2011)

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i) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);j) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; 86

k) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;l) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

m) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;n) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;o) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;p) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.9 Exercício arbitrário das próprias razões (art. 345)

Conduta típica:

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;

86 HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO PELO CRIME DE COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CRIME FORMAL. CONSUMAÇÃO NO MOMENTO EM QUE A AMEAÇA FOI PROFERIDA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DAS ALEGAÇÕES DE ATIPICIDADE DA CONDUTA NA VIA DO HABEAS CORPUS. QUESTÕES CONTROVERTIDAS. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. ORDEM DENEGADA. I – A denúncia narra fato típico imputado ao paciente, bem assim os indícios de materialidade e autoria, com destaque para o fato de a filha do casal ter confirmado que a mãe ficou muito assustada depois do telefonema recebido, requisitos suficientes para o processamento da ação penal. II – Trata-se delito formal, não se exigindo, para a sua consumação, a produção de resultado, consumando-se no momento em que a ameaça foi proferida. Sendo assim, é irrelevante que a comunicação à autoridade competente tenha se dado quando já encerrada a ação penal pelo delito de homicídio tentado, pois a coação foi perpetrada quando aquele feito ainda tramitava. III – O trancamento da ação penal, em habeas corpus, constitui medida excepcional que só deve ser aplicada nos casos de manifesta atipicidade da conduta, de presença de causa de extinção da punibilidade do paciente ou de ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, o que não ocorre na situação sob exame. IV – A análise da conduta do acusado constitui matéria probatória que deve ser apreciada pelo juiz natural da causa no curso da ação penal, não se afigurando razoável, nesse momento processual, afastar de plano a responsabilidade do paciente V – Ordem denegada.(STF, HC 109056 / SP, julgado em 04/10/2011)

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d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada (conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

Ação penal:87

5.10 Subtração ou dano de coisa própria em poder de terceiro (art. 346)

Conduta típica: 88

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;

87 PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE EXTORSÃO QUALIFICADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. CRIME DE AÇÃO PENAL PRIVADA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. DECADÊNCIA DO DIREITO DE QUEIXA PELO OFENDIDO. ORDEM CONCEDIDA.1. O tipo penal inscrito no art. 158 do CP exige que a vantagem econômica obtida pelo agente seja considerada indevida.2. O crime de exercício arbitrário das próprias razões praticado sem violência somente se procede mediante queixa.3. O não exercício do direito de queixa no prazo de seis meses, a contar do conhecimento da autoria pelo ofendido, enseja a extinção da punibilidade.4. Ordem concedida para desclassificar a conduta atribuída aos pacientes para exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345 do Código Penal, anulando-se a Ação Penal nº 00803001579-9que teve trâmite na comarca de Barra do São Francisco/ES em razão da ilegitimidade ativa do Ministério Público e, consequentemente, declaro extinta a punibilidade dos pacientes pela decadência do direito de queixa pelo ofendido, nos termos do art. 103 c/c 107, inciso IV, do Código Penal.(STJ, HC 135398 / ES, julgado em 03/12/2009)88 “Não há que se falar em inconstitucionalidade da parte final do artigo 346 do Código Penal, por que não importa em prisão por dívida, sendo o objeto jurídico tutelado a boa administração da justiça, que possui dignidade penal.”(STJ, HC 128937 / SP, julgado em 02/06/2009)

Page 86: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada (conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.11 Fraude processual (art. 347)

Conduta típica: 89

São modalidades desse crime:

e) simples, com pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa (caput); ef) com aumento de 1/3 da aumento de pena “se o fato é cometido por funcionário

público” (§ 3°);

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

q) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);r) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; s) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;t) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

u) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;v) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;w) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;x) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

89 “Na hipótese, verifica-se a atipicidade da conduta atribuída ao recorrente, advogado acusado de subscrever petição após ter sido a mesma juntada aos autos sem a sua assinatura, não constituindo os fatos narrados o crime de fraude processual ante o não preenchimento das elementares do tipo.”(STJ, RHC 26426 / DF, julgado em 27/04/2010)

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5.12 Favorecimento pessoal (art. 348)

Conduta típica: 90

São modalidades desse crime:

a) simples, com pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa (caput); eb) privilegiada

Escusa absolutória:

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

c) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);d) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; e) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;f) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

g) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;h) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;i) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;

90 HABEAS CORPUS PREVENTIVO. PACIENTE CONDENADO A 24 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO, PELA PRÁTICA DE DOIS HOMICÍDIOS QUALIFICADOS (ART. 121, § 2o., IV, C/C ART. 69, DO CPB). NÃO OCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA, QUANDO DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE INCLUSÃO DE QUESITO RELATIVO À DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE FAVORECIMENTO PESSOAL (ART. 348 DO CPB). DESNECESSIDADE. CONSELHO DE SENTENÇA QUE RESPONDEU AFIRMATIVAMENTE À PERGUNTA RELATIVA À RELEVÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DO PACIENTE NA PRÁTICA DAS CONDUTAS CRIMINOSAS. PACIENTE QUE NÃO SÓ PROCUROU TOMAR CONHECIMENTO DA ROTINA DIÁRIA DAS VÍTIMAS, COMO AUXILIOU NA FUGA DE SEUS COMPARSAS, MANTENDO-SE TODO O TEMPO PRÓXIMO DA AÇÃO, DANDO COBERTURA. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.1. Os jurados manifestaram-se claramente quanto à efetiva participação do acusado na consumação dos dois homicídios, sendo, pois, desnecessário incluir quesito referente à desclassificação do tipo de homicídio para o de favorecimento pessoal, pois a resposta afirmativa quanto à participação no homicídio tornou prejudicada a tese preconizada pela defesa.2. O Conselho de Sentença decidiu que o paciente concorreu para a consumação dos homicídios qualificados perpetrados, porquanto não só procurou tomar conhecimento da rotina diária das vítimas, como auxiliou na fuga de seus comparsas, estando todo o tempo próximo de toda a ação, dando cobertura.3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.4. Ordem denegada.(STJ, HC 148382 / SC, julgado em 25/11/2010)

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j) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.13 Favorecimento real (art. 349)

Conduta típica: 91

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.14 Ingresso de celular em prisão (art. 349-A)

Conduta típica:

91 PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÂNSITO EM JULGADO. DESCLASSIFICAÇÃO. TESE JURÍDICA. POSSIBILIDADE. RECONHECIMENTO DE COAUTORIA APÓS A CONSUMAÇÃO DO CRIME. IMPOSSIBILIDADE. AJUSTE PRÉVIO. NÃO COMPROVAÇÃO. PACIENTE QUE PARTICIPA DO EXAURIMENTO DO CRIME. CRIME DE FAVORECIMENTO REAL. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA.1. É possível o conhecimento de habeas corpus após o trânsito em julgado em que se requer a desclassificação do delito se se tratar apenas de tese jurídica, analisável a partir do que restou consignado na sentença, sem a necessidade de extensão probatória.2. Não é admissível a coautoria após a consumação do crime, salvo se comprovada a existência de ajuste prévio.3. A pessoa que participa apenas no momento do exaurimento do crime, comete crime de favorecimento real, se sabe prestar auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime.4. Ordem concedida para operar a desclassificação do delito e declarar a consequente prescrição.(STJ, HC 39732 / RJ, julgado em 26/06/2007)

Page 89: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.15 Exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350)

Conduta típica:

Condutas equiparadas:

Lei de abuso de autoridade:92

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

92 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. ABUSO DE PODER. REVOGAÇÃO DO ART. 350 DO CÓDIGO PENAL PELA LEI N. 4.895/65. INOCORRÊNCIA. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. SOLUÇÃO. PRETENSÃO DE QUE O TERMO "DOCUMENTO" SE REFIRA A "QUALQUER ESCRITO OU PAPEL". IMPROCEDÊNCIA: CONCEITO ABRANGENTE. 1. a Lei n. 4.989/65 não revogou o artigo 350 do Código Penal. Há, na verdade, aparente conflito de normas, solucionado pela generalidade presente no artigo 350, parágrafo único, inciso IV do Código Penal, a abranger a conduta do paciente; conduta que não se enquadra em nenhum dos incisos dos artigos 3º e 4º da Lei n. 4.898/65. 2. O termo "documento" não se restringe "a qualquer escrito ou papel". O legislador do novo Código Civil, atento aos avanços atuais, conferiu-lhe maior amplitude, ao dispor, no art. 225 que "[a]s reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão". Ordem denegada.(STF, HC 39732 / RJ, julgado em 02/09/2008)

Page 90: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.16 Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança (art. 351)

Conduta típica:

São modalidades desse crime:

a) simples, com pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa (caput); eb) qualificada 93

c) privilegiada

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

d) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);e) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; f) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;

93 FUGA - FACILIDADE - CONCURSO DE PESSOAS. Tratando-se de crime em que verificado o concurso de agentes, visando a facilitar a fuga de preso, incide o disposto no § 1º do artigo 351 do Código Penal.(STF, HC 99003 / AL, julgado em 14/09/2010)

Page 91: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

g) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada (conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

h) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;i) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;j) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;k) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.17 Evasão mediante violência à pessoa (art. 352)

Conduta típica:

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

Consunção do crime de dano: 94

5.18 Arrebatamento de preso (art. 353)

94 PENAL. RECURSO ESPECIAL. DANO. FUGA DE PRESO.I - Na linha de precedentes desta Corte, não configura crime de dano se a ação do preso foi realizada exclusivamente para a consecução de fuga. A evasão por parte de preso só está prevista como crime na hipótese de violência contra a pessoa (art. 352, do CP).II - A evasão, com ou sem danos materiais, ganha relevância, basicamente, em sede de execução da pena.Recurso desprovido.(STJ, REsp 867353 / PR, julgado em 22/05/2007)

Page 92: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

Conduta típica:

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.19 Motim de presos (art. 354)

Conduta típica: 95

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);

95 HABEAS-CORPUS - INQUERITO POLICIAL - VIOLAÇÃO AO ART. 354/CP - INEXISTENCIA DE CONSTRANGIMENTO.- HAVENDO INDICIOS BASTANTES DE AUTORIA E RESPONSABILIDADE PELO MOTIM OCORRIDO NO ESTABELECIMENTO PENAL ONDE O PACIENTE CUMPRE PENA, CORROBORADO POR TESTEMUNHAS OCULARES, NÃO HA SE FALAR EM CONSTRANGIMENTO ILEGAL PELA INSTAURAÇÃO DE INQUERITO POLICIAL SOB O ARGUMENTO DE FALTA DE JUSTA CAUSA.- ORDEM DENEGADA.(STJ, HC 4826 / SP, julgado em 14/10/1996)

Page 93: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no prejuízo para o Estado ou para terceiros;

c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.20 Patrocínio infiel (art. 355)

Conduta típica: 96

Patrocínio simultâneo: 97

96 “2. In casu, o paciente foi denunciado pelos crimes de apropriação indébita qualificada em razão do ofício (CP, art. 168, § 1º, inc. III), difamação (CP, art. 139), patrocínio infiel (CP, art. 355) e exploração de prestígio (CP, art. 357), narrando a denúncia que o mesmo compareceu à Junta de Conciliação e Julgamento de Angra dos Reis, acompanhado do reclamante, e assinou um termo de acordo no qual restou consignado que dos R$ 250,00 destinados ao reclamante, R$ 50,00 caberiam ao paciente a título de honorários, sendo certo que quando do acerto, o recorrente apropriou-se de mais R$ 40,00, entregando ao reclamante a quantia de R$ 160,00, a pretexto de ulterior prática de corrupção ativa e passiva, crime do qual foi absolvido. 3. O habeas corpus pode ser conhecido mesmo após o cumprimento da pena: HC 87.132/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 31/10/07, por isso que na espécie, apesar de a pena ter sido extinta, pelo cumprimento, a condenação poderá implicar vedação de benefícios em eventual nova condenação. 4. O não repasse de determinado valor ao constituinte, antecedido de discussão a respeito do quantum devido a título de honorários advocatícios, constitui mero descumprimento de obrigação contratual, a evidenciar atipicidade e, por conseguinte, falta de justa causa para a ação penal. Precedente: HC 83.166/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 12/03/04.”(STF, RHC 104588 / RJ, julgado em 07/06/2011)97 HABEAS CORPUS. PATROCÍNIO SIMULTÂNEO E USO DE DOCUMENTO FALSO. NÃO OCORRÊNCIA DO DELITO DESCRITO NO ART. 355, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL. ATIPICIDADE. INEXISTÊNCIA DE DEFESA CONTEMPORÂNEA DE PARTES CONTRÁRIAS NA LIDE. FALSIFICAÇÃO DE PROCURAÇÃO QUE EVIDENCIA A AUSÊNCIA DO DEVER DE LEALDADE A UMA DAS PARTES. CONDUTA QUE CONFIGURA APENAS O CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL EM RELAÇÃO AO DELITO DE PATROCÍNIO SIMULTÂNEO. SUBSTITUIÇÃO DA SANÇÃO CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS, NO TOCANTE AO DELITO REMANESCENTE. ORDEM CONCEDIDA.1. Somente a conduta de quem efetivamente representa, como advogado ou procurador judicial, na mesma lide, partes contrárias, encontra adequação típica na figura descrita no art. 355, parágrafo único, do Código Penal.2. Na hipótese, a conduta do paciente, consistente na falsificação de procuração e ajuizamento de reclamação trabalhista em nome do reclamante que, portanto, não o contratou, não caracteriza o crime de patrocínio simultâneo. Inexiste a defesa contemporânea de interesses opostos se ausente qualquer relação de confiança entre o paciente e o reclamante. Caso houvesse um prévio ajuste que exigisse o dever de lealdade ao reclamante, não teria o paciente que falsificar uma procuração para se fazer passar, em juízo, por seu advogado. Dessa forma, o interesse visado pelo paciente era apenas o da reclamada, pois, em momento algum, representou o reclamante, o qual sequer lhe outorgou poderes para atuar em seu favor em juízo.3. Habeas Corpus concedido para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta, no tocante ao delito de patrocínio simultâneo, e determinar ao Juiz da Execução que substitua a reprimenda residual, pela prática

Page 94: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.21 Sonegação de papel ou documento de valor probatório (art. 356)

Conduta típica: 98

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;

do crime de uso de documento falso, por duas penas restritivas de direitos.(STJ, HC 187686 / PE, julgado em 04/10/2011)98 “A exordial acusatória trouxe elementos suficientes para a caracterização do delito de sonegação de papel ou objeto de valor probatório (art. 356 do CPB), porquanto a paciente, então advogada da empresa ré em ação ordinária de indenização, reteve os autos por mais de 60 dias, sem autorização para tanto, e, após determinada a busca e apreensão em sua residência, constatou-se a supressão de documentos, tudo a demonstrar estarem preenchidos os requisitos legais constantes do art. 41 do CPP.”(STJ, HC 85912 / RJ, julgado em 16/09/2008)

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d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada (conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.22 Exploração de prestígio (art. 357)

Conduta típica: 99

São modalidades desse crime:

a) simples, com pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa (caput); eb) com aumento de 1/3 da aumento de pena “se o fato é cometido por funcionário

público” (§ 3°);

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

y) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);z) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; aa) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;bb) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

cc) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;

99 “O crime de exploração de prestígio é, por assim dizer, uma ‘subespécie’ do crime previsto no art. 332 do Código Penal (tráfico de influência). É a exploração de prestígio, a venda de influência, a ser exercida especificamente sobre pessoas que possuem destacada importância no desfecho de processo judicial (Nelson Hungria in ‘Comentários ao Código Penal - Volume IX’, Ed. Forense, 2ª edição, 1959, página 529). Trata-se de crime formal que não exige para a sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico (Guilherme de Souza Nucci in ‘Código Penal Comentado’, Ed. RT, 9ª edição, 2009, página 1181). ‘O tipo penal do art. 357 do Código Penal não exige o prestígio direto, bastando para sua configuração que o pedido ou recebimento de dinheiro ou outra utilidade se dê a pretexto de influir, de qualquer modo, junto a autoridade ou a pessoa que vai atuar em processo cível ou criminal." (STF: RHC 75.128/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 16/05/1997).”(STJ, Denun na APn 549 / SP, julgado em 21/10/2009)

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dd) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;

ee) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;ff) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.23 Violência ou fraude em arrematação judicial (art. 358)

Conduta típica:

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

5.24 Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito (art. 359)

Conduta típica: 100

100 1. AÇÃO PENAL. Crime de desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito. Atipicidade. Caracterização. Suposta desobediência a decisão de natureza civil. Proibição de atuar em nome de sociedade. Delito preordenado a reprimir efeitos extrapenais. Inteligência do art. 359 do Código Penal. Precedente. O crime definido no art. 359 do Código Penal pressupõe decisão judiciária de natureza penal, e não, civil. 2. AÇÃO PENAL. Crime de desobediência. Atipicidade. Caracterização. Desatendimento a ordem judicial expedida com a cominação expressa de pena de multa. Proibição de atuar em nome de sociedade. Descumprimento do preceito. Irrelevância penal. Falta de justa causa. Trancamento da ação penal. HC concedido para esse fim. Inteligência do art. 330 do Código Penal. Precedentes. Não configura crime de desobediência o comportamento da pessoa que, suposto desatenda a ordem judicial que lhe é dirigida, se sujeita, com isso, ao pagamento de multa cominada com a finalidade de a compelir ao cumprimento do preceito.(STF, HC 88572 / RS, julgado em 08/08/2006)

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Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

6. Crimes contra as finanças públicas (arts. 359-A a 359-H)

6.1 Introdução

6.2. Contratação de operação de crédito (art. 359-A)

Conduta fundamental:

Condutas equiparadas:

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);

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b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no prejuízo para o Estado ou para terceiros;

c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

6.3 Inscrição de despesas não empenhadas em restos a pagar (art. 359-B)

Conduta:

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

6.4 Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura (art. 359-C)

Conduta:

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Page 99: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

6.5 Ordenação de despesa não autorizada (art. 359-D)

Conduta: 101

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);

101 PENAL E PROCESSO PENAL – PECULATO – CRIME DE RESPONSABILIDADE – LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ.1. Denúncia que indica o cometimento de peculato apropriação e peculato desvio, afastando-se o cometimento do peculato apropriação pela não indicação na peça oferecida pelo MPF do dolo específico.2. Comete o crime de peculato, na modalidade desvio (art. 312, caput, segunda parte do Código Penal), em continuidade delitiva (art. 71 Código Penal) o servidor público que se utiliza ilegalmente de passagens e diárias pagas pelos cofres públicos.3. Inexiste crime de responsabilidade se o acusado não mais exerce o cargo no qual cometeu o ilícito indicado, mesmo que permaneça no exercício de outra função pública (art. 42 Lei 1.079/50).4. Comete o crime de ordenação de despesa não autorizada (art.359-D do Código Penal), o funcionário público que gera despesas e ordena pagamentos sem a devida e prévia autorização legal.5. A multa por litigância de má-fé, prevista no art. 16 do Código de Processo Civil, não se aplica ao processo penal para não inibir a atuação do defensor (ressalva do ponto de vista da relatora).6. Denúncia recebida em parte.(STJ, APn 477 / PB, julgado em 04/03/2009)

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b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no prejuízo para o Estado ou para terceiros;

c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

6.6 Prestação de garantia graciosa (art. 359-E)

Conduta:

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

6.7 Não cancelamento de restos a pagar (art. 359-F)

Conduta:

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Page 101: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

6.8 Aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura  (art. 359-G)

Conduta:

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.

Page 102: CAPÍTULO XI - Crimes contra a Administração Pública

6.9 Oferta pública ou colocação de títulos no mercado (art. 359-H)

Conduta:

Sujeitos passivos e ativos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo é o Estado, e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela divulgação da informação sigilosa.

Objetos materiais e jurídicos: não há objeto material definido, podendo a conduta recair sobre qualquer meio de que se utilize a pessoa para divulgar a informação sigilosa. O objeto jurídico é a fé pública.

Este crime recebe a seguinte classificação:

a) de dano: consuma-se com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido (fé pública);b) formal: sua consumação não exige resultado naturalístico, consistente no

prejuízo para o Estado ou para terceiros; c) de forma livre: pode ser realizado por qualquer meio desejado pelo agente;d) instantâneo, consumando-se no momento em que a informação é divulgada

(conduta prevista no caput) ou no qual o acesso às informações é permitida ou facilitada;

e) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;f) comissivo: os verbos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por

omissão; pode ser omissivo na modalidade “facilitar”;g) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;h) crime de médio potencial ofensivo, na modalidade simples, e de grande

potencial ofensivo nas demais modalidades.