COMPROMISSO FEDERATIVO, AUTONOMIA DOS ESTADOS … · estaduais em relação à autonomia de cada...

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MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA COMPROMISSO FEDERATIVO, AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS E A MORATÓRIA MINEIRA Florianópolis-SC, fevereiro de 2001

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MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA

COMPROMISSO FEDERATIVO, AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS E A

MORATRIA MINEIRA

Florianpolis-SC, fevereiro de 2001

MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA

COMPROMISSO FEDERATIVO, AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS E A

MORATRIA MINEIRA

Dissertao apresentada banca

examinadora do Curso de Ps-graduao

em Direito da Universidade Federal de

Santa Catarina, como requisito

obteno do ttulo de Mestre em Direito

Florianpolis-SC, fevereiro de 2001

A Dissertao COMPROMISSO FEDERATIVO, AUTONOMIA

DOS ESTADOS-MEMBROS E A MORATRIA MINEIRA, elaborada por Maria

Aparecida de Oliveira e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi julgada

adequada para obteno do ttulo de Mestre em Direito.

Florianpolis, 09 de abril de 2001

Banca Examinadora:

Prof. DrZ/Ubald^Cesaf Balthazar

Presidente f Oa a-

Prof. Dr. Orides Mezzaroba

Prof. Dr. Christian Guy Caubet Coordenador do Curso de Ps-graduao em Direito

Os juristas, porm, no devem visar

aplausos demaggicos, de que no

precisam. Devem, ao contrrio, afirmar,

corajosamente, os verdadeiros princpios

cientficos e filosficos do Direito,

proclam-los alto e bom som, faz-los

vingar e sobreviver dentro do tumulto

legislativo das fases de transformao

ditadas pelas contingncias sociais, deles

extraindo as regras diseiplinadoras das

novas necessidades, sem sacrifcio da

liberdade, da dignidade, da

personalidade do ser humano.

Vicente Ro

O Direito e a vida dos direitos.

Agradecimentos:

A Deus, por iluminar os caminhos por

mim escolhidos.

Universidade Estadual de Montes

Claros (UNIMONTES), pelo

reconhecimento da importncia da

titulao acadmica de seus professores.

Aos Professores do Curso de Ps-

graduao em Direito da Universidade

Federal de Santa Catarina (UFSC), pelo

desprendimento da contribuio.

Ao Professor Dr.Ubaldo Cesar

Balthazar, orientador dessa dissertao.

Coordenao de Ps-graduao

interinstitucional da UNIMONTES e ao

Prof. Jos Antnio Batista de Castro,

pelo incentivo e apoio.

A direo ideolgica deste trabalho no

compromete a banca ou o orientador.

RESUMO

O presente trabalho examina a Moratria decretada pelo Govemo do

Estado de Minas, em janeiro de 1999, com base no compromisso federativo expresso na

Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 e atravs de uma anlise da

autonomia dos Estados-membros brasileiros, bem como da repartio de competncias,

considerados elementos essenciais do federalismo.

A pesquisa realiza uma reflexo sobre a autonomia dos Estados-

membros, atravs de uma leitura dos aspectos jurdicos da Moratria mineira, partindo do

estudo de alguns aspectos da evoluo histrica e constitucional do Estado Federal brasileiro e

do federalismo. Aborda a questo da autonomia dos Estados-membros em vista da adoo de

normas cogentes pela Unio, com base em breve comentrio sobre a Lei Complementar n. 87,

de 13 de setembro de 1996, chamada Lei Kandir e na Lei Complementar n. 101, de 4 de

maio 2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal. Analisa o tema com nfase na

repartio de competncias, na repartio de competncias tributrias, consideradas condies

para o exerccio da autonomia, luz do que dispe a Constituio da Repblica Federativa do

Brasil de 1988.

Considera a possvel legalidade do ato de decretao da Moratria,

pelo Govemo do Estado de Minas Gerais, e a necessidade de redefinio do Compromisso

Federativo brasileiro.

ABSTRACT

The present work investigates the Moratorium determined by the

Government of the State of Minas Gerais in January of 1999, with base in the expressed

federal commitment in the Constitution of the Federal Republic of Brazil 1988, and through

an analysis of the autonomy of the Brazilian States-members, as well as of the partition of

competences, considered essential elements of the federalism.

The research reflects upon the autonomy of the States-members,

through a study on the juridical aspects of Minas Gerais' Moratorium, beginning the study

from some aspects of the historical and constitutional evolution, of the Brazilian Federal

State, and about the federalism. It studies the subjection of the autonomy of the States-

members in view of the adoption of cogentes norms by the Union based in a brief soon

comment on the Complementary Law n. 87, of September 13, 1996, called "Lei Kandir" and

in the Complementary Law n. 101, of 4 of May 2000, denominated "Law of Fiscal

Responsibility". It analyses the theme with emphasis in the partition of competences, in the

partition of tax competences, considered conditions for the exercise of the autonomy, to the

light of what disposes the Constitution of the Federal Republic of Brazil 1988.

It considers the possible legality of the action of announcement of the

Moratorium, by the Government of the State of Minas Gerais, and the need of redefinition of

the Brazilian Federal Commitment.

SUMRIO

INTRODUO......................................................................................................................11

I - FEDERALISMO E PACTO FEDERATIVO NO BRASIL 15

1.1 -O E stado ........................................................................................................................... 15

1 .2- Aspectos da evoluo histrica do Estado Brasileiro..................................................... 28

1.3 - O Pacto Federativo Brasileiro..........................................................................................36

II - A REPARTIO DE COMPETNCIAS E A ADOO DE REGRAS

COGENTES PELA UNIO.......................................................................................... 45

2.1 - Repartio de competncias............................. ............................................................... 45

2.2 - Autonomia dos Estados....................................................................................................60

2.3 - Imposio de normas cogentes pela Unio...................................................................... 64

III A MORATRIA DE MINAS GERAIS 71

3 .1 - Aspectos da Moratria.....................................................................................................71

3.2 - A opo de decretao da moratria pelo Governo de Minas Gerais............................ 78

3.3 - A Moratria e a Consolidao do Compromisso Federativo Brasileiro........................91

CONSIDERAES FINAIS 100

ANEXOS...............................................

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

11

INTRODUO

Esta dissertao visa examinar a Moratria mineira sob o aspecto

jurdico, com enfoque na autonomia dos Estados-membros brasileiros, mediante anlise do

conceito de Estado, do federalismo e do compromisso federativo na Constituio da

Repblica federativa do Brasil de 1988, tambm chamada de Constituio Federal.

O cenrio poltico brasileiro atual demonstra uma certa disputa de

poderes entre o Govemo Central e os Governos dos Estados-membros, o que inspira este

estudo

A questo extrapola os aspectos polticos da organizao do Estado

previstos na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, para aprofundar uma

nova discusso do exerccio do poder que determina, implcita e explicitamente, imposies

do Governo Central aos Estados-membros, sem auscultar os seus desejos e as suas

manifestaes.

A matria tratada no presente trabalho tem sido objeto de

pronunciamento por parte do mundo poltico e jurdico. Assim, levar-se- em conta que o

Compromisso Federativo apresentado como deciso que obriga as pessoas jurdicas de

Direito Pblico Interno, Unio, Estados-membros, Distrito Federal e Municpios a acat-lo.

No tocante moratria decretada pelo Estado de Minas Gerais, pode-

se dizer tema novo, em que se verifica uma inquietao por parte dos governos federal e

12

estaduais em relao autonomia de cada um. Deve-se considerar que tanto o Compromisso

Federativo brasileiro quanto o sistema tributrio esto diretamente ligados a esta questo.

O presente trabalho tem como objetivo geral verificar a autonomia dos

Estados-membros, atravs de um estudo em torno do federalismo, do Compromisso

Federativo da Repblica Federativa do Brasil, bem como de um estudo sobre a Moratria

decretada pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em janeiro de 1999.

As metas especficas so. a verificao dos aspectos da evoluo

constitucional do Estado Federal brasileiro; o conceito e as caractersticas do federalismo e do

compromisso federativo; a sujeio da autonomia dos Estados-membros brasileiros, em vista

da adoo de regras cogentes pela Unio, e, finalmente estudar a Moratria mineira.

Para a produo do trabalho utilizou-se a tcnica de pesquisa

bibliogrfica e documental de obras e acontecimentos relativos ao tema, com o respectivo

fichamento das obras escolhidas, sendo utilizada a tcnica monogrfica e o mtodo de

procedimento monogrfico ou estudo de caso.

A dissertao est ordenada em quatro captulos, contendo nos trs

primeiros captulos a pesquisa do tema abordado, e no ltimo as reflexes e contribuio da

autora, seguindo-se as consideraes finais

O primeiro captulo compe-se d trs itens. No primeiro deles

apresentado o conceito de Estado, segundo alguns contratualistas, cuja abordagem se

justifica por sua afinidade com o presente trabalho, seguidos de alguns autores da atualidade.

Essa primeira abordagem permite um estudo em tomo dos aspectos da evoluo histrica,

constitucional do Estado brasileiro, seguido de uma anlise do compromisso federativo,

presente na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988.

Nesse primeiro captulo faz-se necessrio a apresentao de vrias

citaes, com o intuito de manuteno da fidelidade aos conceitos que ali so tratados,

13

considerados essenciais compreenso do trabalho como um todo.

O segundo captulo tambm est divido em trs itens, procedendo-se

uma abordagem sobre a repartio de competncias, delimitadas pela Constituio da

Repblica Federativa do Brasil de 1988, onde comentada, inclusive, a repartio de

competncias tributrias de cada ente poltico da Federao, seguida de um estudo sobre a

autonomia dos Estados-membros, bem como sobre a imposio de regras cogentes pela

Unio, onde se faz uma anlise em tomo da Lei Complementar n. 87, de 13 de setembro de

1996, chamada Lei Kandir e da Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, denominada

Lei de Responsabilidade Fiscal.

No terceiro captulo, igualmente composto de trs itens, primeiramente

feita uma abordagem sobre o termo moratria, que admite sentidos diferentes, ou seja, pode

ser unilateral ou bilateral, explicitando que para o presente trabalho ser adotado o conceito de

moratria unilateral, ou poltica (aquela decretada unilateralmente, sem o consentimento do

credor) Em seguida apresentado um estudo sobre os aspectos da Moratria decretada pelo

Estado de Minas Gerais, os motivos que levaram o Govemo de Minas tomada de tal

deciso, tomando-se por base os aspectos jurdicos e constitucionais do denominado Contrato

de Confisso, Promessa de Assuno, Consolidao e Refinanciamento de Dvidas, Contrato

n. 004/98/STN/COAFI, firmado pelo Governo de Minas Gerais com a Unio e, finalmente, no

terceiro item apresentada uma anlise sobre a Moratria mineira e a consolidao do

compromisso federativo brasileiro.

Para o desenvolvimento desse terceiro captulo foi montado um roteiro

de entrevista, conforme anexo do presente trabalho, tendo sido entrevistada a Exma. Sra.

Procuradora Geral do Estado de Minas Gerais, Dra. Misabel Abreu Machado Derzi, alm de

vrios contatos com a Procuradoria Geral do Estado de Minas Gerais.

Considerando que a anlise foi feita com base no que dispe a

14

Constituio Federal de 1988, bem como sua aplicao no contrato firmado entre a Unio e o

Estado de Minas Gerais, no foi necessrio nenhum tipo de pesquisa junto a Unio.

No final do captulo feita uma reflexo, sobre a Moratria decretada

pelo Governo de Minas Gerais, considerando toda a matria estudada, analisada e abordada

pela autora, em todo o trabalho, consignando sua contribuio efetiva.

Finalmente, como fecho do trabalho, so lanadas as consideraes

finais.

15

CAPTULO I

FEDERALISMO E PACTO FEDERATIVO NO BRASIL

1.1. O Estado

Para uma abordagem terica das diversas formas de se entender o

Estado, faz-se necessrio o estudo do pensamento de autores considerados clssicos, pela

permanncia de suas idias to presentes e marcantes nos dias atuais, como no passado

distante, quando foram concebidas, dos quais destacam-se Nicolau Maquiavel, Jean Bodin,

Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jaques Rousseau.

O surgimento da idia de Estado se deu com Maquiavel, justificando-

se, portanto, a abordagem do pensamento do autor na introduo do tema.

Maquiavel, o cidado sem fortuna, o intelectual de virt7, autor que

deu origem expresso maquiavlico, no sentido de perfdia e astcia, considerado o

primeiro a refletir sobre o Estado, sendo tambm o primeiro a utilizar o termo Estado,

quando em sua obra O prncipe afirma: Todos os Estados, todos os domnios que existiram

ou existem e possuem imprio sobre os homens, foram ou so repblicas ou principados

1 SADEK, Maria Tereza e outros. Nicolau Maquiavel: O cidado sem fortuna, o intelectual de virt. In: Os clssicos da poltica. Organizado por Francisco C. Weffort, p. 11.

2 MAQUIAVEL, Nicolau. O prncipe. Traduo de Brasil Bandecchi, p. 31.

16

Maquiavel trata o Estado como um fim em si mesmo, um valor

absoluto, cuja finalidade concentra-se na prpria continuao e prosperidade, mas nos

Discursos e no na obra O Prncipe que o autor consagra, de forma mais clara, tal idia:

Quando necessrio deliberar sobre uma deciso da qual depende a salvao do Estado, no se deve deixar de agir por consideraes de justia ou injustia, humanidade ou crueldade, devendo-se apenas visar glria ou salvao do Estado e manuteno da sua liberdade, rejeitando- se tudo mais.3

Nota-se que para Maquiavel o Estado no tem nenhuma identificao

com o povo ou com a sociedade, sendo a dominao sobre os homens sua principal

caracterstica.

Como afirma Luciano Gruppi: Maquiavel, ao refletir sobre a

realidade de sua poca, elaborou no uma teoria do Estado moderno, mas sim uma teoria de

como se formam os Estados, de como na verdade se constitui o Estado moderno.4

E continua:

O Estado, para Maquiavel, no tem mais a funo de assegurar a felicidade e a virtude, segundo afirmava Aristteles. Tambm no mais - como para os pensadores da Idade Mdia - uma preparao dos homens ao Reino de Deus. Para Maquiavel o Estado passa a ter suas prprias caractersticas, faz poltica, segue sua tcnica e suas prprias leis.5

Jean Bodin, numa reflexo sobre o Estado moderno, em 1576,

considera o Estado como um governo embasado nas leis da natureza e considera a soberania a

base da estrutura do Estado.

Para Bodin, a pedra angular da estrutura do Estado a soberania que

segundo ele, tambm a nica ligao que transforma num s corpo perfeito as famlias, os

3 MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira dcada de Tito Lvio, p. 419.

4 GRUPPI, Luciano. Tudo comeou com Maquiavel. As concepes de Estado em Marx, Engels, Lnin e Gramisci. Traduo de Dario Canali. p. 10

5 Ibidem, mesma pgina.

17

indivduos, os grupos separados, e considera o Estado como coeso dos elementos da

sociedade, poder absoluto.6

Thomas Hobbes, considerando que o homem, antes da formao do

Estado, vivia em guerra e disputa, destacou que o poder estatal resultante do acordo de

vontades de homens que, cansados de viver em estado de guerra e selvageria, denominado

estado de natureza, decidiram unir foras e constituir um poder capaz de garantir melhores

condies de sobrevivncia para toda a coletividade, em que cada indivduo se submete aos

ditames desse poder superior que o Estado. Assim foi criado o Estado - organizao poltica

- que concentra poder e fora, e submete todas as vontades dos indivduos a um novo modelo

de sociedade regida por leis, que visam garantir a convivncia harmnica entre todos os

indivduos.

Para Hobbes, Estado sinnimo de poder absoluto e deve ser

absoluto: O maior dos poderes humanos aquele que composto pelos poderes de vrios

homens, unidos por consentimento numa s pessoa, natural ou civil, que tem o uso de todos

os seus poderes na dependncia de sua vontade: o caso do poder de um Estado.

Outra afirmao de Hobbes que onde no h Estado nada pode ser

injusto e no h propriedade:

Portanto, para que as palavras justo e injusto possam ter lugar, necessria alguma espcie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento de seus pactos, mediante o terror de algum castigo que seja superior ao benefcio que esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de fortalecer aquela propriedade que os homens adquirem por contrato mtuo, como recompensa do direito universal a que

6 GRUPPI, Luciano. Tudo comeou com Maquiavel. As concepes de Estado em Marx, Engels, Lnin e Gramisci. Traduo de Dario Canali, p. 12.

A utilizao apenas da fonte secundria se justifica na impossibilidade de acesso obra de Jean Bodim, cujo pensamento sobre o conceito de Estado no poderia ficar de fora do presente trabalho, principalmente por ser um contratualista.

7 MALMESBURY, Thomas Hobbes de. Leviat ou matria, forma e poder de um Estado eclesistico e civil. Os pensadores v. I. Traduo de Joo Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, p. 53.

18

renunciaram. E no pode haver tal poder antes de erigir-se um Estado. (...) De modo que a natureza da justia consiste no cumprimento dos pactos vlidos, mas a validade dos pactos s comea com a instituio de um poder civil suficiente para obrigar os homens a cumpri-los, e tambm s a que comea a haver propriedade.8

Contudo, na segunda parte de sua obra, que Hobbes aborda sua

definio de Estado:

A nica maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defend-los das invases dos estrangeiros e das injrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurana suficiente para que, mediante seu prprio labor e graas aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, conferir toda sua fora e poder a um homem, ou a uma assemblia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma s vontade. (...) Feito isto, multido assim unida numa s pessoa se chama Estado, em latim civitas. esta a gerao daquele grande Leviat, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa.9

Sobre o pensamento de Hobbes, Luciano Gruppi afirma que os

pactos, sem espadas, no passam de palavras sem fora; por isso o pacto social, a fim de

permitir aos homens a vida em sociedade e a superao de seus egosmos, deve produzir um

Estado absoluto, durssimo em seu poder.10

John Locke considera o estado de natureza como regime de total

liberdade e igualdade: O estado de natureza tem uma lei de natureza para govern-lo, que a

todos obriga; e a razo, que essa lei, ensina a todos os homens que to-s a consultem, sendo

todos iguais e independentes, que nenhum deles deve prejudicar a outrem na vida, na sade,

na liberdade ou nas posses.11

John Locke afirma que o contrato que deu origem do Estado nasceu da

8 MALMESBURY, Thomas Hobbes de. Leviat ou matria, forma e poder de um Estado eclesistico e civil. Os pensadores v. I. Traduo de Joo Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, p. 86.

9 Ibidem, p. 105-106.

10 GRUPPI, Luciano, Tudo comeou com Maquiavel. As concepes de Estado em Marx, Engels, Lnin e Gramisci. Traduo de Dario Canali p. 13.

11 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Traduo de E. Jacy Monteiro p. 218.

19

necessidade de garantia do exerccio e segurana da propriedade

Para John Locke, Estado a organizao poltica a qual os indivduos

ficam subordinados, mas a legitimidade do Estado est na vontade desses mesmos indivduos,

que podem modificar ou revogar o pacto feito O Estado, para John Locke, regula os atos dos

homens, impe regras de conduta, assegura o exerccio e a segurana da propriedade, o bem

pblico e deve, tambm, se defender dos inimigos externos.

Contudo, como qualquer sociedade poltica no pode existir nem subsistir sem ter em si o poder de preservar a propriedade e, para isso, castigar as ofensas de todos os membros dessa sociedade, haver sociedade poltica somente quando cada um dos membros renunciar ao prprio poder natural, passando-o s mos da comunidade em todos os casos que no lhe impeam de recorrer proteo das leis por ela estabelecidas.

Bobbio afirma que Para Locke, o fim do governo civil a garantia da

propriedade que um direito individual, cuja formao precede ao nascimento do Estado.13

Segundo Luciano Gruppi, Locke afirma que os homens se juntam em

sociedades polticas e submetem-se a um governo com a finalidade principal de conservarem

suas propriedades. O estado natural isto , a falta de um Estado, no garante a propriedade. E

necessrio constituir um Estado que garanta o exerccio da propriedade, a segurana da

propriedade.14

Gruppi afirma ainda:

Visando isso, estabelece-se entre os homens um contrato que origina tanto a sociedade, como tambm o Estado (para Locke, as duas coisas vo juntas). Fica evidente a base burguesa dessa concepo. J estamos numa sociedade em que nasceu o mercado, onde a relao entre os homens se d entre os indivduos que estabelecem entre si contratos de compra e venda, de transferncia de propriedades, etc. Esta realidade individualista da sociedade burguesa, alicerada nas relaes mercantis e de contrato, expressa-se na ideologia poltica, na concepo do Estado.15

12 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Traduo de E. Jacy Monteiro, p. 249.

13 BOBBIO, Noiberto. Estado governo sociedade. Para uma teoria geral da poltica. Traduo de Marco Aurlio Nogueira, p. 64.

14 GRUPPI, Luciano. Tudo comeou com Maquiavel. As concepes de Estado em Marx, Engels, Lnin e Gramisci. Traduo de Dario Canali, p. 14.

15 Ibidem, mesma pgina.

20

Para Rousseau, os homens, aps o estado primitivo, estado de

natureza, que difere um pouco daquele abordado por Hobbes, vez que neste possuam o livre

arbtrio, vivendo conforme suas necessidades inatas, passam a viver em competio. O

desequilbrio causado pela destruio do estado de natureza leva os homens a unir foras,

tendo como instrumento de preservao a fora e a liberdade de cada um.

Buscou-se, ento, uma forma de associao para defender com toda

fora comum tanto a pessoa quanto seus bens, sem que perdessem a obedincia a si mesmos e

conservando a liberdade. Trata-se, segundo Rousseau, de um contrato tcito, o contrato social.

Tal associao, segundo Rousseau, produziu um corpo moral e

coletivo traduzida numa unidade. Nasce uma pessoa pblica, formada pela unio de todas as

outras, que na Antiguidade recebeu o nome de cidade, hoje denominado Repblica

chamada por seus membros de Estado quando passivo, soberano quando ativo, e quando

1comparado a seus semelhantes recebe o nome de potncia.

Quanto queles que se associaram para formar o Estado, recebem o

nome de Povo e so chamados em particular de cidados, enquanto partcipes da

17autoridade soberana, ou ainda de sditos quando submetidos s leis do Estado.

Para Rousseau, O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o

primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto meu e encontrou pessoas1 o

suficientemente simples para acredit-lo.

Segundo Gruppi, tambm para Rousseau existe uma condio natural

dos homens, mas uma condio de felicidade, de virtude e de liberdade, que destruda e

16 NASCIMENTO, Milton Meira. Rousseau: Da servido liberdade. Textos de Rousseau: Do pacto social. In: Os clssicos da poltica. Organizado por Francisco C.Weffort, p. 210-220.

17 Ibidem, p. 220,

18 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Os pensadores v. II. Traduo de Lourdes Santos Machado, p. 63.

21

apagada pela civilizao. a concepo oposta quela de Hobbes.19

Gruppi afirma ainda que:

Para Rousseau, os homens no podem renunciar a esses bens essenciais de sua condio natural: a liberdade e a igualdade. Eles devem constituir-se em sociedade. Tambm para Rousseau a sociedade nasce de um contrato, ele apresenta a mesma mentalidade comercial e o mesmo individualismo burgus. O indivduo preexistente e funda a sociedade atravs de um acordo, de um contrato.

Verifica-se que apesar das transformaes sociais, econmicas e

polticas ocorridas ao longo do tempo, os conceitos apresentados, pertencentes aos autores

clssicos chamados contratualistas por partirem do princpio que o Estado nasceu de um

pacto social ou de um contrato, e cuja abordagem se justifica por sua relao com o tema do

presente trabalho, retratam a realidade atual. Vale dizer que as razes das idias atualmente

adotadas pela sociedade moderna esto nos pensamentos dos autores aqui abordados, como

Jean Bodin, Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jaques Rousseau.

Uma interessante abordagem sobre os conceitos tratados at aqui

feita por Norberto Bobbio, ao afirmar que:

Certo, com o autor do Prncipe o termo Estado vai pouco a pouco substituindo, embora atravs de um longo percurso, os termos tradicionais com que fora designada at ento a mxima organizao de um grupo de indivduos sobre um territrio em virtude de um poder de comando: civitas, que traduzia o grego plis, e res pblica com o qual os escritores romanos designavam o conjunto das instituies polticas de Roma, justamente da civitas. O longo percurso demonstrado pelo fato de que ainda no final do Quinhentos Jean Bodim intitularia seu tratado poltico de Da Repblica [1576], dedicado a todas as formas de Estado e no s s repblicas em sentido restrito; no Seiscentos Hobbes usar predominantemente os termos civitas nas obras latinas e commonwealth nas obras inglesas, com todas as acepes em que hoje se usa Estado. (...) Da a fortuna do termo "Estado, que atravs de modificaes ainda no bem esclarecidas passou de um significado genrico de situao para um significado especfico de condio de posse permanente e exclusiva de um territrio e de comando sobre os seus respectivos habitantes, como aparece no prprio trecho de Maquiavel,

19 GRUPPI, Luciano. Tudo comeou com Maquiavel. As concepes de Estado em Marx, Engels, Lnin e Gramisci. Traduo de Dario Canali, p. 18.

20 Ibidem, mesma pgina.

22

no qual o termo Estado, apenas introduzido, imediatamente assimilado ao termo domnio.21

Deve-se considerar o pensamento de alguns autores da atualidade,

alm de Bobbio, como Dalmo de Abreu Dallari e Canotilho, que vm confirmar a

permanncia da idia de Estado apresentada pelos contratualistas

Atualmente, pode-se observar o conceito de Estado, segundo Dalmo

de Abreu Dallari, que o considera como uma ordem jurdica soberana com um fim geral a ser

atingido, cujo objetivo principal o bem comum, para o que se faz necessrio uma

delimitao espacial, o territrio, onde est o povo. Ainda segundo Dallari, Estado uma

ordem jurdica soberana, que tem por fim o bem comum de um povo situado em

determinado territrio.

Tambm merece destaque o pensamento de Canotilho:

O Estado , assim, uma forma histrica de organizao jurdica do poder dotada de qualidades que a distinguem de outros poderes e organizaes de poder. Quais so essas qualidades? Em primeiro lugar, a qualidade de poder soberano. A soberania, em termos gerais e no sentido moderno, traduz-se num poder supremo no plano interno e num poder independente no plano internacional. Se articularmos a dimenso constitucional interna com a dimenso internacional do Estado poderemos recortar os elementos constitutivos deste: (1) poder poltico de comando, (2) que tem como destinatrios os cidados nacionais (povo = sujeitos do soberano e destinatrios da soberania); (3) reunidos num determinado territrio23

Observa-se que Canotilho aborda os elementos com base na doutrina

de direito internacional, e demonstra a igualdade soberana dos Estados, bem como a

inexistncia de poder superior acima deles.

Assim, apesar das muitas divergncias em relao ao conceito de

Estado, certo que o poder soberano est nas mos do Estado. Ento o Estado poder.

21 BOBBIO, Norberto. Estado governo sociedade. Para uma teoria geral da poltica. Traduo de Marco Aurlio Nogueira, p. 66-67.

22 DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do Estado, p. 56.

23 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional, p. 86.

23

Manifesta e expressa concretamente o poder e age em nome dos cidados.

E, no exerccio desse poder, faculta-lhe estruturar-se como lhe

aprouver. Na evoluo do conceito de Estado, o Direito Pblico consagra as formas de

Estado Simples ou Unitrio e Estado Composto ou federado.

chamado de Estado Simples ou Unitrio aquele que no dividido

internamente em Estados-membros, onde existem os trs poderes centralizados (legislativo,

executivo e judicirio) com sede na capital. Existe apenas um governo estatal que dirige toda

a vida administrativa e poltica. Assim, o Estado unitrio caracterizado por um grau menor

de descentralizao e autonomia das unidades poltico-admimstrativas

Segundo Darcy Azambuja Os Estados simples so divididos em

partes, que se denominam municpios, comunas, departamentos, provncias etc., nas quais h

geralmente uma autoridade executiva eleita pelos habitantes dessas regies e tambm

conselhos, cmaras etc., que so pequenos poderes legislativos com a funo de elaborar

certas leis de aplicao local.24

Para Artur Machado Pauprio, Consideram-se Estados unitrios os

que se subordinam a uma s esfera de Direito Pblico.25

Entende-se que no Estado Unitrio existe apenas um foco do poder

poltico.

No Estado Unitrio descentralizado verifica-se uma certa

descentralizao poltica, no qual o suporte das autoridades locais ou regionais delegado

pelo poder central atravs de legislao ordinria, ou seja, no reside em si mesmo. Nesse

caso, o poder central transfere parte de sua competncia para aquelas autoridades regionais, o

que pode, a qualquer tempo, ser revogado pelo poder central que reassume as funes

24 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, p. 364.

25 PAUPRIO, Artur Machado. Teoria geral do Estado, p. 201.

24

anteriormente distribudas. Esta caracterstica justifica a denominao Estado Unitrio

descentralizado.

E justamente a descentralizao do poder poltico existente apenas no

Estado Unitrio descentralizado, que o distingue do Estado unitrio, no qual o foco poltico

um s, como afirma Celso Ribeiro Bastos: Estado Unitrio aquele em que a Constituio

prev um nico ncleo galvanizador do poder poltico, e a descentralizao que nele ocorre

meramente administrativa. Estado Unitrio descentralizado o mesmo Estado Unitrio,

26quando nele se verifica, alm da descentralizao administrativa, a poltica.

No perodo da Monarquia o Brasil apresentava a forma de Estado

unitrio, considerando que havia um s governo autnomo, com centralizao poltica e

administrativa mitigada. Tem-se, hoje, a Frana, Itlia e Portugal, como exemplos de Estados

tidos como unitrios.

Quanto aos Estados compostos diz-se da unio de dois ou mais

Estados. Como assinala Darcy Azambuja:

A unio de dois ou mais Estados tem causas e objetivos muito diversos. Podem ser transitrias e superficiais, simples aliana ou relaes de dependncia e proteo, que no atingem a estrutura interna d Estado, sua fisionomia jurdica; tais so geralmente as de Direito internacional. Motivadas quase sempre pelo interesse de defesa ou de agresso, duram enquanto subsistem esses interesses e se desfazem, sem que antes ou depois a Constituio do Estado tenha sofrido uma influncia necessria dessa unio.Outras unies tm carter mais jurdico, influem diretamente na estrutura do Estado, se bem que em graus variveis. E podem revestir uma forma definitiva, indissolvel, dando ao conjunto dos Estados que a constituem uma aparncia de Estado simples. Entre aquelas est a unio pessoal, como a mais transitria, a que quase no atinge a estrutura dos Estados- membros; no extremo da escala est a Federao, a mais ntima e perfeita das unies.27

Tem-se, assim, a unio pessoal que ocorre apenas nas monarquias em

caso de sucesso hereditria, casamento entre membros de dinastias ou ainda em caso de um

26 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 97.

27 AZAMBUJA, Darey. Teoria geral do Estado, p. 366.

25

monarca ocupar o trono de dois ou mais Estados usando da violncia. A Unio pessoal tem

como caractersticas ser temporria, dependendo sua durao das leis de sucesso do Estado;

e o respeito independncia de cada Estado que mantm sua organizao jurdica e poltica,

bem como na vida internacional sua individualidade, sendo o soberano o nico elo de unio.

Tal unio desapareceu por contrariar os sentimentos de patriotismo do povo.

Quanto unio real, pode-se dizer que tambm s possvel entre

Estados monrquicos. Difere da unio pessoal por ser de carter permanente, considerando

que as leis sucessrias so unificadas. Esta forma de Estado somente possvel em

circunstncias transitrias.

Outra forma de Estado composto a unio incorporada, que se d com

a fuso de dois ou mais Estados independentes. Segundo Darcy Azambuja, A Gr-Bretanha

uma monarquia formada pela incorporao dos antigos reinos da Inglaterra, Esccia e

Irlanda 28

Tem-se, ainda, a Confederao e a Federao, e por ser esta a forma

de Estado adotada no Brasil, ser mais profundamente analisada no presente trabalho motivo

pelo qual far-se- uma exposio preliminar de alguns conceitos e formas sob os quais se

apresentam, essenciais para seu desenvolvimento.

O termo federao origina-se do vocbulo latino foedus-eris, que

traduz a idia de pacto, aliana, unio. Assim, etimologicamente, federao e

confederao tm a mesma origem. Apesar de no serem sistemas equivalentes, exprimem o

mesmo sentido.

No entanto, confederao caracteriza-se pela individualidade dos

Estados soberanos que se unem, mediante contrato, apenas para gerenciar interesses comuns,

sendo ressaltada a pluralidade, enquanto federao supe um pacto associativo constitucional,

28 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, p. 369.

26

sendo suprimida a soberania das unidades polticas integrantes do Estado Federal, originando

uma entidade jurdico poltica superior. Ressa3ta-se, aqui, a unidd.

Sobre a distino que se faz entre federao e federalismo, tem-se a

opinio de Jos Alfredo de Oliveira Baracho, que aborda com clareza esta questo ao afirmar:

Tem-se distinguido federalismo e federao, apesar de certa parte da doutriria entender que essa distino constitui dois aspectos diferentes do mesmo fenmeno. O termo federalismo, em uma primeira perspectiva, vincula-se s idias, valores e concepes do mundo, que exprime filosofia compreensiva da adversidade na unidade. A federao entendida como forma de aplicao concreta do federalismo, objetivando incorporar as unidades autnomas ao exerccio de um governo central, sob bases constitucionais rigorosas. Vincula-se tambm, o federalismo ao pluralismo, bem como idia de descentralizao.29

A Histria revela que a distribuio do poder central existente nas

comunidades politicamente organizadas determina a forma de Estado, sendo uma das

caractersticas do federalismo a descentralizao ou a existncia de vrios centros decisrios.

Assim, o federalismo um sistema de organizao do Estado, onde

co-existem duas esferas de poder, quais sejam: a soberania da Unio e a autonomia dos

Estados-membros (unidades federadas).

ndio Jorge Zavarizi afirma que Federao pressupe a reunio de

vrios Estados, sob a gide da Unio, no soberanos, apenas autnomos, cada qual com suasI A

caractersticas peculiares (...).

Embora no haja uma definio universal para o federalismo,

considerando a diversidade das propostas federativas, segundo Jos Alfredo de Oliveira

Baracho, O federalismo assenta-se, originariamente, sobre a repartio dualista de

29 BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. A federao e a reviso constitucional. As novas tcnicas dos equilbrios constitucionais e as relaes financeiras. A clusula federativa e a proteo da forma de Estado na Constituio de 1988. Revista Forense, v. 331. Publicao trimestral, jul/agos/set, 1995, p. 122.

30 ZAVARIZI, ndio Jorge. Florianpolis, 1986. Dissertao (Mestrado em Direito) - Centro de Cincias Jurdicas, Universidade Federal de Santa Catarina, p. 76.

27

competncia e poder.31

Para Paulo Bonavides, Do ponto de vista interno, o federalismo no

apenas tcnica que contrai o poder central a fronteiras intransponveis e invulnerveis, ante as

quais esbarra a autoridade do Estado federal.32

Considera-se ento, que a essncia do federalismo o respeito

recproco s esferas de cada competncia tanto da Unio, quanto dos Estados-membros. E

observa-se que a Unio tem seus poderes limitados, enunciados, para garantir que no haja

um engrandecimento exagerado do Estado central.

Seguindo o mesmo raciocnio, o Estado federal aquele que detm a

soberania e tem o poder emanado dos Estados-membros, ligados numa unidade estatal.

Observa-se, no Estado Federal, uma convivncia pacfica entre os

entes polticos autnomos e o poder central, onde a unidade de personalidade da Nao, de

nacionalidade e de territrio assegurada pelo Estado Uno, pessoa jurdica de direito

internacional. No plano interno, a coexistncia dos diversos ordenamentos jurdicos estaduais,

com um ordenamento jurdico vlido nacionalmente, tambm garantida pelo elemento

unitrio. Assim, na integrao e no equilbrio dos fatores apresentados com a garantia de

autonomia dos entes polticos, que reside o ncleo do federalismo

Considerando o Estado Federal como uma unio de direito

constitucional Paulo Bonavides afirma:

No Estado federal deparam-se vrios Estados que se associam com vistas a uma integrao harmnica de seus destinos. No possuem esses Estados soberania externas e do ponto de vista da soberania interna se acham em parte sujeitos a um poder nico, que o poder federal, e em parte conservam sua independncia, movendo-se livremente na esfera da competncia constitucional que lhes for atribuda para efeito de auto- worgamzaao

31 BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. A federao e a reviso constitucional. As novas tcnicas dos equilbrios constitucionais e as relaes financeiras. A clusula federativa e a proteo da forma de Estado na Constituio de 1988. Revista Forense, v. 331. Publicao trimestral, jul/ago/set, 1995, p. 121.

32 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado, p. 83.

33 BONAVIDES, Paulo. Cincia poltica, p. 181.

28

Mais adiante Paulo Bonavides lembra que essa capacidade de auto-

organizao faz com que os Estados-membros possam atuando a fora de toda a submisso a

um poder superior e podendo no quadro das relaes federativas exigir do Estado Federal o

cumprimento de determinadas obrigaes, se convertem em organizaes polticas

incontestavelmente portadoras de carter estatal.34

A Federao pactuada por meio da Constituio como uma

associao de Estados, permitindo a conjugao das vantagens da autonomia poltica com

aquelas defluentes da existncia de um poder central.

Logo, a Constituio a base do Estado Federal, por ser tambm a

sede das normas centrais que definem o modelo federalista adotado.

O aperfeioamento do sistema federativo encontra-se ligado reforma

tributria, execuo das normas financeiras e tributrias, ou seja, s relaes financeiras.

Assim, tem-se que a autonomia financeira garante a autonomia poltica dos Estados-membros.

1.2. Aspectos da evoluo histrica do Estado Brasileiro

E irrelevante saber se a descoberta do Brasil foi proposital ou

acidental, o que importa que sua histria tem incio em 1500, com a chegada da expedio

dirigida por Pedro Alvares Cabral em Porto Seguro, hoje Santa Cruz de Cabrlia, na Bahia.

Cristvo Jaques e Martim Afonso de Souza idealizaram uma

administrao descentralizada, mas s em 1534 foi colocado em prtica, por Dom Joo III, o

34 BONAVIDES, Paulo. Cincia poltica, p. 181.

29

sistema das capitanias hereditrias. As terras do Brasil foram divididas em lotes de 50

(cinqenta) lguas, sendo que alguns situados mais ao sul eram menores por estar a linha

demarcatria mais prxima ao litoral. Cada lote foi doado a um Capito-mor (donatrio), que

passou a ser responsvel por todos os negcios da capitania e detinha grande poder, apesar de

parte das arrecadaes pertencerem ao poder real. Registra-se, nesse perodo, a primeira

forma administrativa eminentemente descentralizada.35

A experincia poltica descentralizada durou at 1548, quando o Rei

Dom Joo III criou o governo geral, atendendo a um pedido de socorro dos prprios

donatrios, com o qual se deu a centralizao.

O Rei nomeou Tom de Souza o primeiro governador do Brasil,

quando foi fundada a cidade de Salvador, sede do governo e capital da colnia, na primeira

capitania real, a Bahia.

No final do sculo XVI Portugal perde a independncia, quando vence

a disputa pelo trono o Rei Felipe II. Inicia-se o chamado perodo Filipino, marcado

principalmente pela ocupao do Maranho, pela Frana e, sobretudo, pelas guerras com os

holandeses, a Guerra do Acar. Os holandeses fincam razes no Nordeste por alguns anos,

perodo que vai de 1624 a 1654, at serem expulsos em 26 de janeiro de 1654.

Em 1661 a Holanda assina tratado de paz, reconhecendo que perdera e

passa a cobrar pela restituio de armas, liberdade religiosa e favores a seu comrcio, a

elevada indenizao de 04 milhes de cruzados, paga em prestaes de 250 mil cruzados, dos

quais o Brasil participava com 120 mil cruzados.36

Posteriormente, com uma certa autonomia conferida Colnia em

relao a Metrpole, quando D. Joo VI veio para o Brasil, que passou a ser sede do Governo,

35IGLSIAS, Francisco. Trajetria poltica do Brasil: 1500-1822, p. 24.

36 Ibidem, p. 44.

30

nota-se um avano para a independncia, mas apesar da descentralizao administrativa,

pode-se observar a centralizao poltica durante o perodo em que o Brasil esteve sob o

domnio de Portugal.

Aps luta entre brasileiros e as Cortes de Lisboa, num processo

liderado pelas provncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e So Paulo, e que contou com a

colaborao das demais, apesar da resistncia da Bahia, Piau, Maranho, Par e Cisplatina,

em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro proclama a independncia do Brasil.

Em 12 de outubro de 1822, Dom Pedro coroado Imperador

Constitucional e Defensor Perptuo do Brasil. Inicia-se a histria do Brasil como nao livre,

sob a forma de Monarquia, governo de um s, uma experincia importante e vlida que durou

s f - j 3767 anos.

To logo se emancipou, o Brasil cuidou de elaborar sua Carta. Aps a

primeira Constituio, depois de discutida e aprovada pela Assemblia e ter sido rejeitada por

D. Pedro I, foi apresentada nao a Carta de 25 de maro de 1824 como se verifica

Constituio outorgada, sem a participao do povo.

A chamada Constituio, unitria e centralizadora, considerava alm

dos trs poderes, o Poder Moderador que era exercido pelo Imperador. Teve longa vigncia

(67 anos) e sofreu uma nica reforma em 1834, quando algumas conquistas foram obtidas nos

cdigos e leis ordinrias.

A Constituio de 1824 tinha carter unitrio, eminentemente

centralizador, o que deu causa a muitas queixas, poca em que j se falava em federalismo.

Aps 1834, problemas locais passaram a receber solues locais com

a autonomia administrativa e competncia legislativa concedida s provncias por Ato

Adicional, votado em 12 de agosto de 1834, um texto de 25 artigos que criou as Assemblias

31IGLSIAS, Francisco. Trajetria poltica do Brasil: 1500-1822, p. 115.

31

Legislativas Provinciais, que substituram os Conselhos Gerais. As prerrogativas mais

importantes, contudo, continuaram com o poder central.

Em 12 de maio de 1840 foi feita a reforma do Ato Adicional. Com o

Decreto 207, de 19 de setembro de 1840, os vice-presidentes das provncias passaram a ser

nomeados pelo governo central e a Lei 234, de 23 de novembro de 1841, cria o chamado

Conselho d Estado o que refora a centralizao imposta pela Constituio.

O Brasil passou por um perodo de sedies populares, movimentos

reivindicatrios como a Balaiada, do Maranho em 1841, a Revoluo Farroupilha, de 1835, a

Praieira que durou de 1848 a 1850. Aps estas revoltas, experimentou-se um perodo de

relativa paz, quando se observa o incio de grandes realizaes econmicas como o impulso

industrializao.

Tavares Bastos, considerado o expoente da pregao

descentralizadora e apaixonado pelo Federalismo norte-americano edita o livro, A

Provncia, em 1861. O Federalismo ganha outros defensores como Joaquim Nabuco, antes

monarquista, Rui Barbosa e, alm dos positivistas, at o prprio governo pensa em adot-lo

no Brasil.

Com o trmino da escravido no Brasil, em 1888, e a perda do apoio

dos latifundirios, a Monarquia teve suas bases abaladas. Esta derrubada em 1889 e toda a

Amrica passa a ser Republicana.

Interessante observar o pensamento de Jos Murilo de Carvalho que

afirma: O povo assistiu bestializado proclamao da Repblica (...).Para ele, o povo

brasileiro, mais especificamente o povo do Rio de Janeiro, assistiu Proclamao da

Repblica sem compreender o que realmente acontecia, considerando que no houve nenhum

tipo de reao da populao, o que s aconteceu depois com passeatas, greves operrias e

32

quebra-quebras.38

Com a proclamao da Repblica o Estado Federal foi implantado,

sendo Rui Barbosa considerado o pai do federalismo no Brasil, ele que, ainda na Monarquia,

defendia o sistema federativo.

Em maio de 1888, em discurso proferido na Bahia, Rui referiu-se ao

Brasil como a federao dos estados unidos brasileiros.39

Em 1889 afirmou ter se afastado do Partido Liberal no como

republicano, mas como federalista. Na iminncia da Repblica, em junho de 1889, expressou

seu pensamento em defesa do sistema federativo, apontando em seguida os motivos e os

fundamentos polticos sobre os quais se institua a federao.

Proclamada a Repblica, o Governo Provisrio nomeou uma comisso

de juristas, denominada Comisso dos Cinco, para elaborao de um projeto de

Constituio que seria levado a debate.

Em 24 de maio de 1890, tal projeto, cujos artigos foram revistos pelos

Ministros e redigidos por Rui Barbosa, foi submetido apreciao do Governo.

O projeto definitivo foi adotado pelo Governo atravs do Decreto n

510, de 22 de junho de 1890, alterado pelo Decreto n. 914-A, de 23 de outubro de 1890, e

posteriormente submetido ao Congresso Constituinte.

Nota-se que Rui Barbosa, j naquela poca, possua uma viso clara

da estrutura e funcionamento da federao, vendo a Unio e os Estados-membros como foras

interdependentes, defendendo que a flexibilidade e capacidade de conciliar a soberania da

Unio e a autonomia dos Estados-membros assegurariam o equilbrio poltico, econmico e

social do Brasil.

38 CARVALHO, Jos Murilo de. Os bestializados - O Rio de Janeiro e a Repblica que no foi, p. 140.

39 BARBOSA, Rui. Trabalhos diversos. Obras Completas de Rui Barbosa, v. 15, t. 1, 1888, p. 140.

33

No Congresso Constituinte declarou: Eu era, senhores, federalista,

antes de ser republicano. No me fiz republicano, seno quando a evidncia irrefragvel dos

acontecimentos me convenceu de que a monarquia se incrustara irredutivelmente na

resistncia federao.40

Como afirma Josaphat Marinho: Rui Barbosa, sem ter sido

administrador pblico antes do Governo Provisrio, revelou excepcional poder criativo e de

execuo das medidas necessrias na transio do Imprio unitrio para a Repblica

federativa.41

Pode-se dizer que Rui Barbosa foi o construtor do federalismo no

Brasil, sendo o responsvel pela introduo das prticas e mecanismos indispensveis ao

funcionamento do sistema renovador, flexvel e conciliador da soberania da Unio e a

autonomia dos Estados-membros.

A Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de

fevereiro de 1891, traz no seu art. Io a idia de Rui Barbosa: A Nao Brasileira adota como

forma de governo, sob o regime representativo, a Repblica Federativa, proclamada a 15 de

novembro de 1889, e constitui-se, por unio perptua e indissolvel das suas antigas

provncias, em Estados Unidos do Brasil.42

Considerando a necessidade de periodizao da histria da Repblica,

diz-se que so duas as fases: Repblica Velha ou Primeira Repblica e a Nova Repblica.

Segundo Iglesias tem-se:

1) de 1889 a 1894, a Repblica dos Marechais; 2) de 1894 a 1930, da convencional retomada do poder pelas oligarquias ao incio de ruptura, de 1922 chamada Revoluo de 1930; 3) de 1930 a 1937, uma grande virada, com o governo Vargas, primeiro como ditadura, depois constitucional, com a pregao das ideologias de direita e esquerda;

40 BARBOSA, Rui. A Constituio de 1891. Obras Completas de Rui Barbosa, v. 17, t. 1, 1890, p. 148.

41 MARINHO, Josaphat. Rui Barbosa e a Federao. Revista de Informao Legislativa, n. 130. Braslia: Abril/junho-1996, p. 9.

42 BRASIL. Constituio (1891). Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil', promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Rio de Janeiro: Impr. Nacional, 1891.

34

4)de 1937 a 1945, o Estado Novo, com o corporativismo de Vargas; 5) de 1945 a 1964. O perodo pode ser subdivido: 1) de 1945 a 1954, com o interregno presidencial de 1946 a 1950, concludo com a volta de Vargas Presidncia, agora eleito; 2) de 1955 a 1964, com a chamada Era JK, de 1956 a 1961, completada com a instabilidade e a crise de 1961 a 1964, quando a chefia do Estado se conduz com insegurana e termina com o golpe militar de 1964, que depe o governo e instaura outra ordem, na alegada revoluo regeneradora dos militares 43

As antigas provncias passaram a Estados-membros. O Brasil passou

de Estado simples, unitrio, monrquico, que foi por mais de dois teros do sculo, para o

sistema composto considerado o mais descentralizado de todos, o Estado Federal, sob a forma

de presidencialismo.

Destaca-se que o Estado Federal implantado no Brasil com a

proclamao da Repblica teve sua estruturao baseada no modelo norte-americano, apesar

das diferenas que marcavam os dois pases. Tais diferenas haviam que ser preservadas na

adequao ao caso brasileiro, para que os Estados-membros fossem protegidos contra a

absoro central.

Na Constituio de 1891 o federalismo foi dualista, que atribui

competncias legislativas e tributrias Unio e foi, ainda, segregador, no contemplando

nenhuma forma de cooperao entre os Estados, o que refora as disparidades econmicas.44

Segundo Baracho, T)esde a Constituio de 1891, nossas sucessivas

Leis fundamentais tm sido marcadas pela Federao, mas o seu funcionamento est a

merecer sempre constantes reparos (...) 45

Ao discorrer sobre as perspectivas do Federalismo, Baracho afirma:

Entendido como processo de viabilizar a autonomia democrtica, constitucional, legislativa,

administrativa e judicial, atravs de maior participao das entidades componentes, na

43IGLSIAS, Francisco. Trajetria poltica do Brasil. 1500-1964, p. 193-194.

44 RANIERI, Nina. Sobre o federalismo e o Estado Federal. Revista dos Tribunais - Cadernos de Direito Constitucional e Cincia Poltica - Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. Ano 3. Outubro-Dezembro de 1994, p. 96.

45 B ARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria geral do federalismo, p. 187.

35

expresso da vontade nacional, o sistema federal tido como uma das mais fluidas formas de

Estado.46

Paulo Bonavides, em sua obra Cincia Poltica, enumera trs pocas

distintas que assinalam a organizao do Estado federal:

A primeira fase corresponde adoo do princpio das duas leis que

regem a federao, quais sejam, a autonomia e a participao, sendo a lei da autonomia a que

se mostrava dominadora, onde os Estados-membros eram entrincheirados numa posio de

fora, que imperava nos fatos e na doutrina.

A segunda fase se refere ao perodo em que o equilbrio entre a Unio

e Estados-membros, entre a doutrina federalista e as instituies criadas e praticadas em nome

dessa mesma doutrina, foram alcanados.

Na terceira e ltima fase, nomeada fase contempornea do

federalismo, deu-se a ruptura do equilbrio observado na segunda fase, com predomnio da

participao e declnio da autonomia.47

Mais adiante, Bonavides afirma:

No Brasil, a inflao galopante h sido causa atuante no processo de desagregao do velho federalismo. Os Estados com oramentos sujeitos a vertiginosos dfcits caam sob a interveno permanente das ajudas federais, que, politizadas, criavam dependncia e lhes arrebatavam, perdida j autonomia financeira e econmica, o que ainda restava efetivamente da antiga autonomia poltica. Demais, esta autonomia nunca desfrutou o prestgio de uma tradio histrica, nunca deitou razes nas origens da comunho nacional: o Imprio a reprimia, a Repblica, federativa, s veio a produzi-la artificialm ente.8

Em que pese a opinio de Bonavides, analisando a Constituio da

Repblica Federativa do Brasil de 1988, vigente, pode-se afirmar que esta consagra, pela

primeira vez, a supremacia da Nao sobre o Estado. Nota-se que a descentralizao fiscal,

46BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria geral do federalismo, p. 315 .

47 BONAVIDES, Paulo. Cincia poltica, p. 188-189.

48 Ibidem, p. 190.

36

administrativa e legislativa, nela prevista, intenta a criao de um novo pacto federativo, bem

como o fortalecimento da autonomia dos entes federados. Assim, traz uma caracterstica

inovadora quanto aos municpios que foram trazidos para a federao e tiveram suas

competncias aumentadas, conforme disposto nos arts. Io, 18 e 30.49

A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 em seu art.

Io, caput, traz uma clara definio de que o Brasil um Estado federal: A Repblica

federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito

Federal (...). Tem-se consagrados e definidos no mesmo dispositivo a Repblica como

forma de Governo e federao como forma de Estado.50

Alm disso, a Constituio discriminou competncias legislativas

exclusivas, comuns, concorrentes e residuais, conforme disposto em seus arts. 22, 23, 24, 25

Io e 30, acrescentou a transferncia de recursos da Unio para os Estados e Municpios e

previu a criao de regies pela Unio para efeitos administrativos, conforme art. 143, tudo

isso mantendo a essncia do federalismo.51

1.3. O Pacto Federativo brasileiro

Para que se tenha uma noo de pacto e, principalmente, de Pacto

Federativo, faz-se necessrio conhecer o seu verdadeiro sentido. Assim, considerando que

49 BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaborao de Antnio Luiz de Toledo Pinto e Mrcia Cristina Vaz dos Santos Windt. 18. ed. atual e ampl. So Paulo: Saraiva, 1998.

50 Ibidem.

51 Os aspectos da evoluo histrica do Estado brasileiro, apresentados neste item foram desenvolvidos a partir da leitura das obras: FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formao do patronato poltico brasileiro', HOLANDA, Srgio Buarque de. Razes do Brasil; COSTA, Emlia Viotti da. Da Monarquia Repblica: momentos decisivos', e principalmente da obra de IGLSIAS, Francisco. Trajetria poltica do Brasil 1500- 1964. Nestas obras podero ser encontrados maiores detalhes sobre o assunto aqui tratado, com exceo de alguns dados da atualidade quando foi utilizada a prpria experincia vivida pela autora.

37

pacto o mesmo que acordo, conveno entre Estados ou particulares, diz-se que pacto

federativo conveno, ajuste, contrato entre Estados, constituio poltica pela qual se

regem provncias ou Estados Federados.

Na terminologia jurdica, pacto o acordo, formalizado em

documento, entre duas partes. um verdadeiro ajuste de interesses, combinado no acordo de

vontades. No domnio da atividade poltica, a palavra pacto conserva o sentido de acordo e de

ajuste, celebrado para solenizar entre as partes as intenes dos pactuantes de celebrar um

compromisso voluntrio.52

Sobre pacto, Raul Machado Horta afirma que, Em antagonismo s

Cartas outorgadas, a Constituio pactuada inaugurou forma de organizao poltica, fundada

no acordo entre o soberano, que admitia limitaes ao seu poder, e os representantes reunidose->

nas assemblias polticas do Sculo XIX.

A Constituio da Repblica Federativa do Brasil traz em seu corpo

elementos constitutivos da forma federativa de Estado, que no podem ser eliminados atravs

de emenda constitucional, dispostos da seguinte maneira: 54

1)- Indissolubilidade do vnculo federativo entre Unio, Estados-

membros, Municpios e Distrito Federal - (art. Io);

Tm-se que a Constituio da Repblica Federativa do Brasil rgida

quanto a reformas, sendo o princpio federativo colocado fora do alcance dos constituintes

reformadores. Isto ocorre para que o legislador federal no altere o texto constitucional, de

modo a abolir a forma federativa, centralizando excessivamente poderes nas mos da prpria

Unio ou retirando a autonomia das entidades federativas.

52 HORTA, Raul Machado. Pacto Federativo e Constituies Federais. Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, n. 5, p. 63.

53 Ibidem, mesma pgina.

54 HORTA, Raul Machado. Tendncias atuais da Federao Brasileira. Revista dos Tribunais, n. 16. Julho-

setembro/1996, p. 9-10.

38

Um trao caracterstico da federao brasileira que os Municpios

desfrutam de uma mesma autonomia similar dos Estados-membros e do Distrito Federal,

tendo em vista seu campo de atuao ser delimitado, com leis prprias e autoridades, o que

lhes d a qualidade d autnomos por fora da prpria Constituio.

2)- Pluralidade dos entes constitutivos da Repblica Federativa:

Unio, Estados-membros, Distrito Federal e Municpios - (art. 18);

A Unio tem dupla posio: como pessoa jurdica de direito pblico

interno, agindo em nome prprio, manifestando-se por si mesma (ex.: em caso de

interveno), e como pessoa jurdica de direito pblico internacional, agindo em nome da

Federao (ex.: relaes internacionais). A sede da Unio o Distrito Federal e seu territrio

todo o territrio nacional, sendo seu poder executivo exercido pelo Presidente da Repblica.

Os Estados-membros da Federao brasileira so entidades dotadas de

personalidade jurdica de direito pblico interno e demonstram sua autonomia, principalmente

por serem dotados do chamado Poder Constituinte Decorrente, que lhes permite elaborar suas

Constituies prprias, Constituies estaduais, dentro do crculo de atribuies, limites e

competncias traadas pela Constituio Federal, tendo por base o caput do art. 25 da

Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Os Estados-membros possuem autonomia

poltica e administrativa, assunto que ser abordado mais detalhadamente no captulo

seguinte.

O Distrito Federal acumula as competncias legislativas que cabem

aos Estados e aos Municpios, tem competncia para elaborar sua lei orgnica, possuindo

autonomia poltica, capacidade de auto-organizao, exercida por seu rgo legislativo, a

Cmara Legislativa Distrital. No entanto, vedada sua diviso em municpios, sendo sua

administrao centralizada. Braslia, que o integra, a Capital Federal e a sede dos rgos de

cpula da Federao brasileira, bem como dos rgos de governo distrital.

39

Os Municpios tornaram-se efetivamente integrantes do Estado

Federal Brasileiro com a Constituio d 1988, que o reconhece em seus arts. 1 e 18. A

autonomia municipal reside, principalmente, em sua competncia para elaborao de sua lei

orgnica, atravs da qual o Municpio se auto-organiza, obedecendo aos princpios

estabelecidos no texto constitucional, bem como na Constituio do Estado em cujo territrio

se encontra.

Assim, tem-se hoje uma trplice repartio de competncias entre as

trs ordens distintas: a federal, a estadual e a municipal.

3)- Faculdade de incorporao, subdiviso, desmembramento,

anexao, formao de novos Estados-membros, e criao, incorporao, fuso e

desmembramento de Municpios, mediante plebiscito - (art. 18 3o, e 4o);

Para o exerccio dessa faculdade, faz-se necessrio a cumulatividade

de dois requisitos essenciais: lei complementar do Congresso Nacional e consulta da

populao diretamente interessada atravs de plebiscito.

4)- Vedaes constitucionais da Unio, dos Estados-membros, do

Distrito Federal e dos Municpios - (art. 19,1, II e III);

5)- Soberania da Unio e autonomia dos Estados-membros, Distrito

Federal e Municpios - (arts. 21, incisos I e II; 25, 29 e 32);

A Repblica Federativa do Brasil, como um todo, dotada de

soberania, exercida pela Unio em nome da Federao, bem como de personalidade jurdica

de Direito Pblico Internacional.

Os entes federados, Unio, Estados-membros, Municpios e Distrito

Federal so autnomos e tm sua autonomia revelada na descentralizao apresentada nos

planos administrativo, poltico e tributrio, considerando que so dotados de administrao

40

prpria, eleio de executivos e legislativos, e instituem e cobram tributos prprios.

6)- Repartio de competncias - (arts.21, 22, 23, 24, 30, 32,1);

Considerada pea fundamental na organizao do Estado Federal, a

repartio d competncias, traduz a razo de sua localizao direta como parte que no pode

ser eliminada do texto constitucional. de se considerar que a repartio de competncias,

tendo em vista a pluralidade dos ordenamentos do Estado Federal, responsvel pelo

equilbrio entre o ordenamento central e os ordenamentos parciais da federao. Este o

modelo comtemporneo da forma federal de Estado, o que parece ser tendncia dominante na

Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988.

7)- Interveno federal nos Estados e no Distrito federal - (art.34);

Trata-se de um mecanismo indispensvel manuteno e

funcionamento da forma federativa de Estado, que tem por objetivo a preservao do todo

federal. o afastamento das prerrogativas totais ou parciais da autonomia estadual, que sofre

uma ruptura temporria.

A interveno federal nos Estados efetivada mediante Decreto do

Presidente da Repblica, aps audincia do Conselho da Repblica, conforme disposto no art.

90, inciso I, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil De acordo com o art. 36 d

mesma Constituio, o Decreto presidencial dever especificar a amplitude, o prazo e as

condies da execuo, quando pode ser nomeado um interventor, se necessrio.

O Decreto presidencial que determina a interveno federal

submetido ao Congresso Nacional, para sua apreciao, (art. 49, IV - CF) e aprovao ou

rejeio no prazo de vinte e quatro horas. Estando o Presidente da Repblica sujeito a

responder por crime de responsabilidade (art. 85, II - CF), caso mantenha a interveno.

Durante o perodo de interveno federal no h qualquer

possibilidade de se efetuar mudanas na Constituio da Repblica Federativa do Brasil, e as

41

que estiverem em curso devero ser paralisadas, ficando todo seu texto intocvel

temporariamente.

8)- Interveno estadual nos Municpios e interveno federal nos

Municpios de Territrio Federal - (art. 35);

9)- Organizao bicameral do Poder Legislativo federal, Congresso

Nacional, assegurada a existncia da Cmara dos Deputados, rgo dos representantes do

povo e do Senado Federal, rgo dos representantes dos Estados-membros e do Distrito

Federal - (arts. 44-45 e 46);

Destaca-se que as demais entidades federativas, Estados-membros,

Municpios e Distrito Federal so unicamerais.

10)- Igualdade de representao dos Estados e do Distrito Federal no

Senado - (art, 46);

O senado Federal rgo de representao dos Estados-membros no

Congresso Nacional; por isso, o Distrito Federal, bem como cada Estado-membro elege, por

maioria simples, trs senadores para um mandato de oito anos

11)- Iniciativa das Assemblias Legislativas Estaduais, para proposta

de emenda constituio - (art. 60, III);

12)- Poder judicirio da Unio, com a incluso de um Supremo

Tribunal Federal com a funo de Guarda da Constituio e do Poder Judicirio nos

Estados - (arts. 92, I; 102 e 125);

Entende-se que a Constituio Federal confere ao Supremo Tribunal

Federal a condio de guardio da Constituio, especialmente para zelar pelo cumprimento

42

da repartio de competncias, por isso reserva-lhe poder para dar a palavra final sobre a

constitucionalidade das leis.

13)- Ministrio Pblico, como instituio essencial funo

jurisdicional do Estado, de rgo da ao de inconstitucionalidade e da representao, para

fins de interveno federal da Unio e de interveno estadual nos Municpios - (arts. 36, III

e, 139, IV);

14)- Poder e competncia tributria da Unio, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municpios, observada a particularizao dos impostos atribudos a cada pessoa

de direito pblico interno (arts. 145,1, II, III, 153, 154, 155 e, 156);

15)- Repartio de receitas tributrias, objetivando promover o

equilbrio scio-econmico entre Estados e entre Municpios - (arts. 157, 158, 159 e 161, II);

Todas estas quinze caractersticas enumeradas compreendem a

organizao e as competncias contidas na forma federativa de Estado, sendo proibida a

abolio de qualquer uma delas pelo poder de reforma da Constituio Federal. Tal

configurao somente poder ser alterada, pelo poder originrio, na elaborao de uma nova

Constituio Federal.

De acordo com o pensamento de Raul Machado Horta:

O Pacto Federativo na Constituio, como acordo e ajuste entre partes interessadas, explicitamente enunciado, ainda no se formulou com o rigor jurdico de documento formal dessa natureza. No caso brasileiro, como das Federaes, de modo geral, pode-se identificar nas respectivas Constituies o compromisso federativo, na edificao constitucional do Estado Federal.55

O Pacto Federativo no pode ser identificado nas palavras iniciais do

55 HORTA, Raul Machado. Pacto federativo e constituies federais. Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, n. 5, p. 72.

43

documento constitucional, o que se comprova com o disposto no prembulo da Constituio,

no qual se l:

Ns, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assemblia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrtico, destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem- estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluo pacfica das controvrsias, promulgamos, sob a proteo de Deus, a seguinte CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 56

No se identifica, a, nenhuma meno ao Pacto Federativo, o

compromisso federal realizado no funcionamento do Estado Federal pelos entes federados,

Unio, Estados-membros, Municpios e Distrito Federal, ou seja, o prembulo da Constituio

no se vincula ao Estado Federal, a no ser quando diz ser esta uma Repblica Federativa,

mas se vincula apenas ao Estado Democrtico, sendo neutro e indiferente forma federal de

Estado.

Ocorre que o prprio texto da Constituio, a sede de um

compromisso federativo, com as aspiraes da alma coletiva, que a Assemblia Constituinte

consagrou.57

Os elementos que integram e caracterizam o Compromisso

Federativo, conforme enumerados anteriormente, representam as decises constitucionais da

Federao brasileira.

Assim, tem-se que, apesar de no se identificar um pacto no

prembulo da Constituio, existe um compromisso federativo emanado da deciso soberana

do Poder Constituinte originrio, que o imprimiu como clusula ptrea sob o sinete da

56 BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaborao de Antnio Luiz de Toledo Pinto e Mrcia Cristina Vaz dos Santos Windt. 18. ed. atual e ampl. So Paulo: Saraiva, 1998.

51 HORTA, Raul Machado. Pacto federativo e constituies federais. Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, n. 5. p. 76.

44

Assemblia Constituinte.

Finalmente, destaca-se que a incluso dos Municpios na composio

da Repblica Federativa do Brasil, dentre outras questes como o alargamento da

competncia do Senado Federal, que representa os Estados-membros, constitui uma louvvel

renovao do compromisso federativo brasileiro.

Contudo, a parte mais importante do Sistema Federativo a

descentralizao poltica fixada na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988,

vale dizer, a distribuio constitucional de competncia, que ser tratada no captulo seguinte.

45

CAPTULO H

A REPARTIO DE COMPETNCIAS E A ADOO DE REGRAS COGENTES

PELA UNIO

2.1. Repartio de competncias

Os poderes do Estado esto expressos na sua Constituio, que

compatibiliza a sua repartio, de acordo com a forma de Estado definida pelo Constituinte

Originrio. Nos Estados Federados o poder partilhado entre o poder central, a Unio, o

poder regional, os Estados-membros e o poder local, o Municpio. Considera-se, ento, a

repartio de competncias a parte mais importante do sistema federativo, uma vez que esta

garante substncia descentralizao em unidades autnomas.

Nas palavras de Roque Antnio Carraza:

A delimitao das competncias da Unio, dos Estados, dos Municpios e do Distrito Federal reclamo impostergvel dos princpios federativo e da autonomia municipal e distrital, que nosso ordenamento jurdico consagrou. Para confirmar esta assero basta uma superficial anlise da Lei Maior, que confirmando o carter federal do Estado brasileiro e a posio de pujana que nele ocupam o Municpio e o Distrito Federal, elencou e distribuiu, cuidadosa e exaustivamente, as vrias competncias de cada uma das pessoas polticas.58

58 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributrio, p. 325-326.

46

So duas as principais tcnicas de repartio de competncias: a

primeira chamada repartio horizontal, na qual existem competncias reservadas ou

exclusivas da Unio ou dos Estados, s podendo dispor sobre determinada matria quem

recebeu competncia para ela. Com base nisto, o poder da Unio no pode invadir a esfera de

competncia dos Estados, sob pena de inconstitucionalidade Diz-se horizontal porque

separa competncias como se separasse setores no horizonte governamental. 59

A segunda tcnica a chamada repartio vertical, que distingue

nveis em relao a determinada matria, atribuindo Unio e aos Estados-membros a mesma

matria, porm em nveis diferentes que se superpem, como nos casos em que a Unio fixa

normas gerais ou determina as diretrizes e bases, ficando com os Estados a complementao

(competncia complementar).60

(...) modernamente, tem-se acrescentado a essa repartio horizontal um sistema de redistribuio anlogo diviso vertical. Ou seja, prev-se que do produto dos tributos uma parcela seja redistribuda a poder outro que no o que recebeu o poder de dispor sobre aquela matria tributvel. Isto diretamente, ou por meio de um sistema de fundos. Esta soluo, na prtica, atenua as desigualdades entre os Estados, mas frequentemente os sujeita a condicionamentos ou presses por parte da Unio.6

A Constituio da Repblica Federativa do Brasil institui uma

repartio de competncias estruturada num sistema complexo, que combina competncias

privativas com competncias concorrentes cumulativas e no cumulativas. Destina Unio e

aos Municpios competncias expressas e aos Estados-membros os poderes residuais, ou seja,

tudo que no tiver sido deferido Unio ou aos Estados-membros, alm daquelas expressas

no art. 18, 4o que, por sinal, so normas plenamente vinculadas, pois a sua implementao

59 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional, p. 43.

60 Ibidem, p. 44.

61 Ibidem, mesma pgina.

47

depende de Lei Complementar Federal, para a qual a prpria Constituio j regulamentara de

forma explcita a oportunidade, convenincia e modo. No caso, tal dispositivo mais

vinculante do que legislao concorrente, j que no se limita a estabelecer apenas normas

gerais.

Diz-se competncia exclusiva aquela conferida a um dos entes

polticos, Unio, Estados-membros, Distrito Federal ou Municpio, com exclusividade,

enquanto a competncia concorrente conferida a diversos entes federativos, em comum.

Esta s permite aos Estados-membros, ou Distrito Federal ou Municpio, uma legislao

complementar, que exercida de acordo com as normas federais, sendo que quando a Unio

exercer sua competncia na matria, o ato editado pelos demais membros da federao, sobre

a mesma matria, perde eficcia, o que determina que a lei federal prevalece sobre o Direito

estadual.

A competncia concorrente assim tratada por Manuel Gonalves

Ferreira Filho.

Saliente-se que, nesse campo de competncias concorrentes, a Constituio estabelece a repartio vertical, dando Unio o poder de fixar normas gerais, cabendo aos Estados a legislao complementar, sem excluir, todavia, a legislao supletiva. Esclarece o texto que a inexistncia de lei federal confere competncia plena aos Estados, e, quando de sua pervenincia, a lei estadual perder eficcia naquilo que lhe for contrrio (1o, 2o, 3 e 4 do art. 24) 62

A Unio tem competncias privativas ou exclusivas descritas na

Constituio da Repblica Federativa do Brasil, sendo que o art. 21 arrola as competncias

administrativas, o art. 22, as legislativas. O art. 23 relaciona as competncias comuns Unio,

aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios, sendo que no art. 24 esto descritas as

62 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional, p. 50.

48

competncias legislativas concorrentes Unio Estados e Distrito Federal.63

Quanto s competncias administrativas da Unio, enumeradas no art.

21 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil, pode-se dizer que so inerentes

soberania e, portanto, transcendem os interesses dos Estados-membros, Distrito Federal e

Municpios, ou so de interesse apenas da Unio.

A competncia legislativa da Unio se restringe edio de normas

gerais, sendo atribuda aos Estados-membros a legislao supletiva.

A competncia concorrente pode ser clssica, tambm chamada de

competncia concorrente cumulativa, quando no so estabelecidos limites para seu exerccio,

ou vertical, no cumulativa ou limitada, na qual se observa a fixao de limites recprocos. A

Constituio da Repblica Federativa do Brasil prioriza as competncias concorrentes

limitadas, atribuindo a mais de um ente poltico da federao a competncia para legislar

sobre a mesma matria.

Na competncia concorrente no cumulativa ou limitada, ao ente

central reservada uma parcela de competncia para estabelecer as normas gerais, diretrizes e

bases e assim conferir matria um sentido uniforme, ao mesmo tempo em que aos entes

federados reservado um campo de competncia que objetiva complementar quela

legislao.

Observa-se que o art. 24, 1, da Constituio da Repblica

Federativa do Brasil, limita o poder legiferante da Unio s normas gerais, ao discriminar os

campos de competncia concorrente entre a Unio, Estados-membros e Distrito Federal.64

Essa modalidade favorece a produo homognea de regras no tocante

63 BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaborao de Antnio Luiz de Toledo Pinto e Mrcia Cristina Vaz dos Santos Windt. 18. ed. atual eampl. So Paulo: Saraiva, 1998.

64 Ibidem.

49

a assuntos de interesse nacional, sendo que a autonomia dos entes federados respeitada no

que pertine aos assuntos de interesse local, uma vez que estes detm competncia para legislar

sobre matrias especficas.

A competncia dos Estados-membros est descrita no art. 25 da

Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Contudo, h possibilidade do Estados-

membros legislarem, mediante autorizao por lei complementar, sobre questes especficas

das matrias relacionadas no art. 22.65

Os Estados-membros tm seus poderes limitados pelos princpios

constitucionais, sob pena de interveno federal, conforme o que dispe os arts. 25, caput, e

34, inciso VII, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil.

A competncia suplementar dos Estados-membros e do Distrito

Federal est prevista no 2o do art. 24 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil,

bem como, na ausncia de lei nacional, as respectivas competncias plenas, no atendimento s

suas peculiaridades, no 3o, assim, tambm dos Municpios, conforme art. 30 inciso II, do

mesmo instituto.

Quanto competncia remanescente dos Estados-membros, pode-se

dizer que tem uma abrangncia pequena, considerando que tanto os poderes da Unio quanto

dos Municpios so expressos, sendo pouco o que remanesce, a no ser no que se refere a seu

direito administrativo, onde se inclui o art. 24, VI e VII, da Constituio da Repblica

Federativa d Brasil, legislao sobre meio ambiente, a proteo do patrimnio histrico,

cultural paisagstico e controle da poluio, a responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao

consumidor, a bens e direitos de valor artstico, esttico, histrico, turstico e paisagstico.

Desse modo, tambm os Municpios tm competncia suplementar,

65 BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubrode 1988. obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaborao de Antnio Luiz de Toledo Pinto eMrcia Cristina Vaz dos Santos Windt. 18. ed. atual e ampl. So Paulo: Saraiva, 1998.

50

desde que a suplementao da legislao federal e estadual no exceda os limites dos

procedimentos locais, ou seja, tal suplementao vlida apenas para legislao sobre

assuntos de interesse local, conforme disposto no art. 30, incisos I e II da Constituio da

Repblica Federativa do Brasil.

Ocorre que o 4 do mesmo art. 24 deixa claro que a supervenincia

de normas gerais suspende a eficcia de lei local quando com ela incompatvel, o que

demonstra a prevalncia do interesse nacional, em caso de conflito entre legislaes.

Alm do citado art. 24, outros dispositivos da Constituio dispem

sobre a limitao da competncia da Unio edio de normas gerais ou diretrizes e bases: o

art. 22, que dispe sobre a competncia privativa da Unio, trata em seu inciso IX das

diretrizes da poltica nacional de transporte; no inciso XXI das normas gerais de organizao,

efetivos, material blico, garantias, convocao e mobilizao das polcias militares; no inciso

XXIV das diretrizes e bases da educao nacional, e ainda o inciso XXVII das normas gerais

de licitao e contratao, em todas as modalidades, para a administrao Pblica, direta e

indireta, includas as fundaes institudas e mantidas pelo Poder Pblico, nas diversas esferas

de governo e empresas sob seu controle.66

A competncia privativa da Unio para edio de normas gerais,

diretrizes e bases, observada no art. 22 da Constituio, rio admite concorrncia dos demais

entes polticos da federao. Nota-se, no entanto, que sobre a mesma matria, tanto o ente

central quanto os demais entes federados detm uma parcela de competncia, mas a

competncia decorrente, implcita no 2o do art. 24, ainda que no expressa, no pode ser

contestada.

Destaca-se, portanto, que a competncia concorrente limitada, que se

66 BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubrode 1988. obra coletiva de autoria da Editora. Saraiva com a colaborao de Antnio Luiz de Toledo Pinto eMrcia Cristina Vaz dos Santos Windt. 18. ed. atual e ampl. So Paulo: Saraiva, 1998.

51

instrumentaliza atravs das normas gerais, diretrizes e bases, exige legislao suplementar.

As competncias do Municpio esto enunciadas no art. 30 da

Constituio, que descreve em seu inciso I a competncia para legislar sobre assuntos de

interesse local. Este dispositivo, segundo Lcia Vale Figueiredo, toma a competncia

municipal tambm concorrente ou, em certas hipteses, especfica, se a matria for

exclusivamente de interesse local.67

Parte da repartio de competncias diz respeito competncia

tributria, ou seja, a aptido para criar tributos 68 Assim, est elencado na Constituio

Federal, arts. 145, 153, 154,155 e 156, um conjunto de regras com uma definio dos tributos

que cada ente federado pode instituir.

Nas palavras de Roque Antnio Carrazza. cada uma das pessoas

polticas no possui em nosso Pas, poder tributrio (manifestao do ius imperium do

Estado), mas competncia tributria (manifestao da autonomia da pessoa poltica e, assim,

sujeita ao ordenamento jurdico constitucional). 69

A existncia de impostos de competncia de cada ente poltico da

Federao, Unio, Estados-membros, Distrito Federal e Municpios que garante a autonomia

dos mesmos. Por isso, a repartio de competncia prevista pela Constituio da Repblica

Federativa do Brasil garante, tambm, a cada um dos entes polticos uma rea especfica de

tributao.

Trata-se de uma outorga constitucional decorrente da necessidade d

assegurar autonomia aos entes polticos, como razo da previso constitucional da atribuio

dos tributos de competncia da Unio, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos

67 FIGUEIREDO, Lcia Valle. Competncias administrativas dos Estados e Municpios - Licitaes. Revista Trimestral de Direito Pblico, 8/1994, p. 25.

68 AMARO, Luciano. Direito tributrio brasileiro, p. 91.

69 CARRAZZA, Roque Antnio. Curso de direito constitucional tributrio, p. 327.

52

Municpios.

Pode-se conceituar competncia tributria, segundo Roque Antnio

Carrazza, como sendo a possibilidade de criar, in abstracto, tributos, descrevendo,

legislativamente, suas hipteses de incidncia, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos,

70suas bases de clculo e suas alquotas.

Considera-se, tambm, que a competncia tributria caracterizada

pela privatividade (a Constituio da Repblica Federativa do Brasil aponta as competncias

tributrias privativas de cada ente poltico, determinando faixas tributrias privativas, para

todos eles); indelegabilidade (as competncias tributrias so indelegveis, vez que a pessoa

poltica que recebeu da Constituio a sua competncia, no pode renunciar, nem deleg-la a

terceiros.); incaducabilidade (o no exerccio, da competncia que atribuda aos entes

polticos, ainda que prolongado no tempo, no os impede de, querendo, criar, por meio de lei,

os tributos que lhe forem constitucionalmente deferidos ); inalterarabilidade (considera-se que

nem o Cdigo Tributrio Nacional, nem tampouco leis ordinrias, decretos, portarias, atos

administrativos etc. podem deslocar os limites traados para que as pessoas polticas

tributem); irrenunciabilidade (por se tratar de matria de Direito Pblico Constitucional,

indisponvel, no podendo os entes polticos da federao deleg-la, nem mesmo renunci-la,

quer no todo ou em parte); e facultatividade do exerccio (embora no possam, os entes

polticos, delegar ou renunciar s competncias que lhes so atribudas pela Constituio da

Repblica Federativa do Brasil, lhes facultado delas se utilizarem ou no, mas a no

utilizao desta competncia no autoriza outro ente poltico a faz-lo, o que configuraria

inconstitucionalidade).71

A competncia tributria classificada em privativa ou exclusiva,

70 CARRAZZA, Roque Antnio. Curso de direito constitucional tributrio, p. 329.

71 Ibidem, p. 339-431.

53

comum, concorrente, cumulativa, residual e extraordinria.

Diz-se competncia privativa ou exclusiva quela atribuda

privativamente a determinado ente poltico da federao, ou como define Luciano Amaro,

Designa-se privativa a competncia para criar impostos, atribuda com exclusividade a este

ou quele ente poltico. 72 Diz respeito aos tributos que podem ser institudos apenas pelo

ente de determinado nvel, federal, estadual ou municipal, conforme dispe a Constituio

Federal em seus arts. 153 (nvel federal), 155 (nvel estadual), 156 (nvel municipal), embora

deva-se considerar que apenas a Unio pode, em caso de guerra ou na iminncia desta,

instituir tributos compreendidos ou no em sua competncia, (conforme disposto no art. 154,

II, CF), o que vale dizer que as competncias ditas privativas dos Estados-membros e dos

Municpios na verdade, no so e, portanto, somente a Unio teria realmente competncia

privativa.

Paulo de Barros Carvalho defende que somente a Unio tem

competncia privativa, considerando, que assiste a ela, em caso de guerra, instituir tributos

ditos privativos dos Estados-membros e dos Municpios.

A Constituio da Repblica Federativa do Brasil define as reas de

competncia exclusiva de cada ente poltico da Federao. Assim, se um desses entes editar

lei instituindo tributo, que invada o campo reservado a outro, tal lei considerada

inconstitucional por ferir o disposto na Constituio Federal, quanto repartio de

competncias.

A competncia comum aquela que diz respeito aos tributos q