Comunicação em Qualidade Total

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COMUNICAÇÃO EM QUALIDADE T OTAL Durval Muniz de Castro Campinas, novembro, 95 Resumo Administração como comunicação humana, modelo geral do processo de comunicação, conceito de signo, sintaxe, semântica e pragmática, o outro como referência para a identidade das pessoas e grupos sociais, a empresa tradicional referenciada ao patrão, a qualidade total como referência ao cliente, o sistema de comunicação da qualidade total, trazendo o cliente para dentro da empresa.

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Administração como processo comunicativo, modelo geral do processo de comunicação, conceito de signo, sintaxe, semântica e pragmática, o outro como referência para a identidade das pessoas e grupos sociais, o chefe como referência da empresa tradicional referenciada, o cliente como referência da qualidade total, sistema de comunicação da qualidade total, trazendo o cliente para dentro da organização.

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COMUNICAÇÃO EM QUALIDADE TOTAL

Durval Muniz de Castro

Campinas, novembro, 95

Resumo

Administração como comunicação humana, modelo geral do processo de comunicação,

conceito de signo, sintaxe, semântica e pragmática, o outro como referência para a

identidade das pessoas e grupos sociais, a empresa tradicional referenciada ao patrão, a

qualidade total como referência ao cliente, o sistema de comunicação da qualidade total,

trazendo o cliente para dentro da empresa.

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Índice

Introdução ................................................................................................................ 3

Administração como processo de comunicação .................................................. 4

A atividade dos gerentes.................................................................................................................. 4

A rede de compromissos ................................................................................................................. 4

Organizações burocráticas .............................................................................................................. 5

O processo da comunicação ................................................................................... 5

A mente como processo social ........................................................................................................ 6

O outro como espelho: identidade ................................................................................................... 6

O quarto fechado ............................................................................................................................. 7

Modelo básico de Shannon.............................................................................................................. 8

A faculdade de representar: o signo ................................................................................................ 8

Semiótica ......................................................................................................................................... 9

Modelo generalizado da comunicação humana ............................................................................. 10

Comunicação em malha fechada ................................................................................................... 11

Linguagem e ação ......................................................................................................................... 12

Estrutura da ação .................................................................................................................... 13

Diálogo: a cooperação entre os interlocutores ............................................................................... 15

Contexto......................................................................................................................................... 16

Funções da comunicação na administração........................................................ 17

Comunicação através do espaço ................................................................................................... 17

Comunicação através do tempo .................................................................................................... 18

Funções sintáticas ......................................................................................................................... 18

Funções semânticas ...................................................................................................................... 19

Funções pragmáticas ..................................................................................................................... 19

Tipologia dos gerentes ................................................................................................................... 20

Gerente sintático: o boneco ..................................................................................................... 20

Gerente semântico: o intelectual ............................................................................................. 20

Gerente pragmático: o homem de ação .................................................................................. 20

O gerente completo ................................................................................................................. 20

Criação do contexto para a ação cooperativa ................................................................................ 20

O sistema de comunicação da gestão da qualidade total ................................... 22

Conceito da qualidade ................................................................................................................... 22

Qualidade como comunicação entre o fornecedor e o cliente ....................................................... 23

A interpretação das relações de negócio ....................................................................................... 25

O patrão como outro ...................................................................................................................... 27

O cliente como outro ...................................................................................................................... 29

Sistema de comunicação da qualidade total .................................................................................. 30

Interpretação: o diagrama sistemático ..................................................................................... 32

Relacionamento: o diagrama da matriz ................................................................................... 33

Estrutura da gestão da qualidade total .................................................................................... 34

Conclusão: Administração como diálogo ............................................................ 38

Referências Bibliográficas .................................................................................... 39

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 3

Introdução O objetivo do presente trabalho é caracterizar a atividade administrativa como processo de

comunicação humana para, a partir daí, mostrar o estilo de comunicação que caracteriza o

movimento da gestão da qualidade total.

O processo de comunicação na empresa tornou-se mais importante do que nunca devido à

necessidade de inovar. Ora, a inovação depende fundamentalmente do conhecimento, e

não só do conhecimento tecnológico, dos especialistas, mas do conhecimento operacional,

sobre o negócio como um todo. Esse conhecimento está localizado nos níveis inferiores,

operacionais da empresa, e não nos escritórios da alta gerência e nos laboratórios de

pesquisa e desenvolvimento. Para aproveitar esse conhecimento precisamos melhorar a

comunicação dentro da empresa.

Atualmente dispomos de um formidável recurso de comunicação que é encarado com certo

deslumbramento, que possui um grande potencial, mas que vem sendo usado muito aquém

de suas verdadeiras possibilidades: os computadores. Se conseguirmos entender a real

dimensão das necessidades de comunicação das organizações, seremos capazes de

aproveitar melhor os sistemas existentes e de conceber muitas novas aplicações que

proporcionarão grandes benefícios às empresas e à sociedade em geral.

A gestão da qualidade total é caracterizada por um estilo de comunicação específico, que

difere daquele adotado pelas empresas tradicionais. Esse estilo de comunicação constitui

uma resposta às necessidades de flexibilidade, competitividade, aprendizagem e inovação

que estão sendo exigidas das empresas nos tempos atuais. Podemos sintetizar as principais

conclusões do trabalho nos seguintes pontos:

1) A comunicação é um fenômeno social;

2) A comunicação é a espinha dorsal da empresa;

3) É preciso administrar pelo diálogo, isto é, buscar a diversidade no conhecimento e a

unidade na ação;

4) No novo modelo da empresa, a referência que define a identidade do grupo é a

imagem do cliente e não a do patrão;

5) Gerenciar a qualidade quer dizer: encarar o negócio como processo de comunicação

com o cliente;

6) A implementação da GQT exige dois aspectos fundamentais:

A alta administração deve tomar iniciativa para que o poder seja exercido de

forma transparente,

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 4

É preciso implementar um sistema de comunicação humana que traga o

cliente (como uma imagem viva) para dentro da empresa.

Administração como processo de comunicação

Administrar, de modo geral, consiste em conseguir que as coisas sejam feitas através das

pessoas. O papel dos administradores consiste em conseguir que os propósitos das

empresas sejam atingidos. Henri Fayol dizia que administrar é prever, organizar, comandar,

coordenar e controlar. Um aspecto fundamental da administração consiste em que ela não

faz as pessoas trabalharem sob coação e sim através de um acordo voluntário. Sob este

aspecto, a administração representa um grande progresso social, uma vez que, na

sociedade moderna, as pessoas, em princípio, são livres para escolher a profissão e o

emprego que mais lhes convêm.

A atividade dos gerentes

O instrumento através do qual os administradores agem é a linguagem, a comunicação. O

que caracteriza o trabalho dos administradores não é guardar a chave do cofre onde fica o

dinheiro da empresa nem apertar os botões que põem as máquinas em funcionamento, nem

aplicar punições com açoites aos funcionários displicentes. Os administradores agem

através da comunicação: eles dão ordens, negociam contratos, assinam comunicados,

conversam, fazem reuniões. Todas as ações iniciadas pelos administradores dependem de

outras pessoas para serem implementadas. Para colocá-las em execução, os

administradores usam recursos de comunicação. Um administrador eficaz precisa ser

necessariamente um comunicador eficaz, para que as pessoas efetivamente façam o que

ele determina. O modelo da administração como rede de comunicação que atua sobre um

sistema social foi desenvolvido por Chester Barnard, um executivo da AT&T que dedicou a

etapa final de sua vida à reflexão e ao ensino sobre a teoria da administração (Barnard,

1971).

A rede de compromissos

O que é uma empresa? A empresa não é um prédio, uma vez que a empresa pode mudar

de lugar e continuar sendo a mesma, nem um produto, pois os produtos podem ter vida

muito curta, nem um grupo de pessoas, pois as pessoas apenas mantêm relacionamentos

com as empresas, por mais que eles sejam duradouros. A empresa pode ser entendida

como uma instituição jurídica, mas as empresas fantasma são instituições jurídicas e não

devem ser entendidas como empresas de verdade.

O que caracteriza uma empresa é um conjunto de compromissos, que permitem a

realização de um negócio. A realização do negócio exige a cooperação de vários agentes:

alguns deles dispõem de dinheiro, outros de capacidade de trabalho, outros de bens. Para

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 5

que o negócio possa efetivar-se é preciso que exista um mercado, isto é agentes que têm

necessidades e estão dispostos a pagar por algum produto ou serviço que os ajude a

satisfazer essas necessidades. O papel dos administradores é juntar esses agentes, de

modo que seja vantajosos para todos. Para isso, os administradores estabelecem

compromissos com os vários agentes e depois controlam a execução desses

compromissos. Podemos pensar em uma empresa como uma rede de compromissos que

viabilizam a execução de um negócio, de modo que seja mutuamente vantajosos para todos

os agentes. Quando os compromissos deixam de ser compensadores, a empresa não tem

condições de continuar existindo.

Organizações burocráticas

O exercício da atividade administrativa envolve alguma forma de poder, uma vez que os

administradores precisam dar ordens e serem obedecidos. Quais são os princípios através

dos quais as ordens são obedecidas pelas pessoas? Segundo o sociólogo Max Weber,

existem três princípios que podem fundamentar uma autoridade legítima: o carisma, a

tradição e a racionalidade. O carisma baseia-se num dom especial que o emissor da ordem

possua, como é o caso de um grande guerreiro, de um sábio ou de um santo. A tradição

baseia-se no fato de que as ordens e as pessoas que as emitem seguem um padrão

tradicionalmente estabelecido e respeitado no grupo social. A racionalidade consiste em que

as ordens obedecem padrões estabelecidos, em termos das finalidades, das maneiras como

são dadas, da competência reconhecida por critérios objetivos das pessoas que exercem a

autoridade.

A racionalidade é o princípio da autoridade das organizações burocráticas. As empresas

modernas são, de modo geral organizações burocráticas, uma vez que nelas a autoridade

baseia-se na racionalidade. Para qua uma organização moderna possa funcionar bem, ela

precisa de pessoal com competência reconhecida, de objetivos claros, de padrões de

desempenho bem definidos. Essas são características de um organização burocrática.

Atualmente, é comum pensar na burocracia como um defeito, uma doença, uma

característica negativa das organizações. Isso acontece por causa das doenças às quais

estão sujeitas as organizações burocráticas, principalmente por causa da obediência estrita

a regras, esquecendo-se dos propósitos originais que levaram a sua elaboração.

O processo da comunicação Comunicar consiste em agir sobre o comportamento de outras pessoas, através da

linguagem. A linguagem usada pode ser a verbal, falada ou escrita, ou uma linguagem de

gestos que expressem sentimentos, como a mímica, ou uma linguagem de sinais, como os

de trânsito. O efeito da comunicação sobre o comportamento pode ser imediato, quando

damos alarme de incêndio, ou levar muito tempo, quando deixamos uma mensagem escrita

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 6

para ser aberta e lida muitos anos depois. O efeito pode corresponder a nossas expectativas

ou contrariá-las completamente.

Uma comunicação é eficaz quando surte o efeito esperado. A atividade administrativa

depende da comunicação eficaz. Sem ela, as organizações ficam sem controle, perdidas.

Vamos estudar os elementos do processo de comunicação humana e identificar as

condições que eles devem observar para obter uma comunicação eficaz.

A mente como processo social

Segundo o filósofo e psicólogo George Herbert Mead (Mead, 1967) a mente humana é um

processo que emerge da interação social. A representação mental tem origem no gesto, isto

é, no elemento de comportamento que dá início a uma ação social. Por exemplo, quando

um cão rosna para outro (gesto), isso leva o segundo cão a rosnar e colocar-se em guarda

(resposta), resultando finalmente numa briga entre os dois (ato social). O gesto significativo

consiste num gesto acompanhado de uma representação mental, que antecipa a resposta

do outro e o ato social resultante. Mead atribui importância especial aos gestos significativos

vocais, uma vez que geralmente ouvimos nossa própria voz, ao passo que dificilmente

somos capazes de ver nossos gestos. O gesto significativo, com seus três elementos, seria

a origem das representações simbólicas e da linguagem, baseadas no signo, que é

caracterizado por uma tríade, como veremos mais adiante.

O outro como espelho: identidade

A identidade das pessoas consiste no que elas sabem a respeito de si mesmas. Esse

conhecimento não é adquirido diretamente, uma vez que as pessoas não têm a

possibilidade de observarem a si mesmas a partir de um ponto externo. Acontece que,

quando as pessoas aprendem a antecipar a reação que os outros terão a seus gestos, elas

fazem isso colocando-se no lugar do outro. A observação das respostas do outro, sua

antecipação imaginária antes da efetivação do gesto, a reconstituição do ato social a partir

da perspectiva do outro e a identificação com ele constituem os recursos a partir dos quais a

identidade pessoal é construída.

A identidade é construída a partir de elementos invariantes no comportamento dos outros. A

identidade pessoal corresponde portanto a uma imagem de um outro generalizado. A

identidade, que Mead chama de “self” ou si-mesmo, é definida em relação a um outro, que

representa um ponto de observação privilegiado.

A identidade e o outro generalizado exercem funções de controle sobre o comportamento

das pessoas. Elas determinam o que se espera que as pessoas façam. Uma pessoa que

possui a identidade de um líder sente-se na obrigação de tomar atitudes de líder. Quem

possui uma identidade de medroso tem a tendência de assumir uma atitude receosa diante

de quaisquer ocorrências novas.

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 7

Os grupos sociais, assim como as pessoas, possuem identidades que são referidas a outros

generalizados compartilhados pelos integrantes do grupo. Todos os grupos possuem uma

orientação comum, que é encarnada na imagem de uma pessoa, que pode ser real ou

imaginária, presente ou ausente à convivência dos membros, mas que constitui uma

referência compartilhada para o comportamento no grupo. Assim, por exemplo, a referência

dos cristãos é a imagem de Cristo, a referência da comunidade científica é a imagem do

cientista ideal. Eventualmente, pessoas de carne e osso podem assumir aspectos

significativos dessa imagem e adquirir assim grande influência pessoal (carismática), como

acontece com os homens considerados santos, como Francisco de Assis ou com grandes

cientistas, como Galileu ou Einstein.

O outro em relação ao qual a identidade de um grupo é definida constitui portanto um

determinante do comportamento do gruo. Isso não quer dizer que o grupo vai sempre

comportar-se conforme seria de esperar de acordo com sua identidade, mas que existe uma

tendência forte nesse sentido. Mead assinala um outro aspecto da identidade pessoal,

denominado Eu (“I”), que é capaz de romper o determinismo do si-mesmo, fazendo algo

diferente do que se esperava da pessoa.

O quarto fechado

Podemos fazer uma analogia entre a mente e o interior de um quarto. A casa na qual o

quarto fica é o corpo. Dentro do quarto está preso um homenzinho, que representa a

consciência. O quarto tem uma pequena janela através da qual pode-se ver alguma coisa do

exterior: a experiência. O homem faz com suas mãos desenhos e modelos para representar

aquilo que ele percebe através da janelinha: as representações mentais. Os modelos são

úteis porque permitem ao homem saber mais sobre o mundo exterior à casa: é como se ele

ampliasse o estreito campo de visão que a janelinha lhe oferece. Os modelos são tão

interessantes, que às vezes o homenzinho acha mais interessante observar os modelos e

brincar com eles do que olhar a janela: é a doença dos teóricos. Às vezes, o quartinho fica

tão atulhado com os modelos que o homenzinho não consegue mais encontrar a janela. Às

vezes o homenzinho se entusiasma com um modelo e só pensa nele, só trabalha nele,

esquecendo a janela e os outros modelos. Às vezes, o modelo fica tão grande que ocupa o

quarto inteiro. É a neurose.

São as representações mentais que determinam os comportamentos intencionais das

pessoas. Os comportamentos independentes das representações mentais são meras

reações e não ações intencionais. O objetivo da comunicação consiste em levar as pessoas

a modificarem suas representações e, conseqüentemente, seus comportamentos.

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Modelo básico de Shannon

O modelo matemático do processo de comunicação foi desenvolvido por Shannon, com o

objetivo de quantificar a informação e determinar a capacidade dos canais telefônicos. Seu

modelo básico, representado na Figura 1, inclui uma fonte de informação (por exemplo, uma

pessoa que fala), um transmissor (a cápsula do telefone, que gera um sinal elétrico a partir

da voz), um canal através do qual o sinal é transmitido e no qual sofre a ação do ruído (o

cabo telefônico), um receptor, que transforma o sinal recebido através do canal em

informação utilizável pelo receptor (o alto falante, que transforma o sinal elétrico em som) e

um receptor que recebe e utiliza a informação (a pessoa que ouve).

O modelo de comunicação de Shannon é muito útil para entender o funcionamento de um

canal de comunicação telefônica, mas precisa ser complementado para poder ser aplicado

ao processo de comunicação humana. Os aspectos necessários para isso são a maneira

como nossa mente é capaz de representar objetos através de símbolos, os vários passos

pelos quais uma mensagem precisa passar antes de provocar uma mudança no

comportamento do interlocutor e o caráter de malha fechada da comunicação. Com esses

três aspectos, podemos estender o modelo de Shannon ao processo de comunicação

humana em geral, entendendo o que pode ser feito para torná-lo mais efetivo.

Fonte de ruído

DestinoReceptorTransmissorFonte de

informação

Mensagem

emitida

Mensagem

recebida

Sinal

transmitido

Sinal

recebido

FIGURA A - MODELO GERAL DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO (SHANNON E WEAVER, 1969)

A faculdade de representar: o signo

A comunicação baseia-se na codificação e decodificação de informações, isto é, na

associação de significados a mensagens. Este processo é o objeto pela semiótica, a ciência

dos signos, estudada pelo filósofo norte-americano Charles S. Peirce. Segundo ele:

“Um signo é uma relação triádica SR , que se estabelece entre um interpretante I, um

objeto O e um meio M: S = SR(M, O, I).” (Maser, 1975).

I

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 9

FIGURA B - DIAGRAMA DE REPRESENTAÇÃO DO SIGNO SEGUNDO OGDEN E RICHARDS

A relação consiste em que, para o interpretante, o meio representa o objeto, isto é, toma o

lugar dele. Quando eu digo a palavra “gato”, a palavra é o meio, o objeto é o animal e a

língua portuguesa, que é usada pelo ouvinte para interpretar a palavra, é o interpretante. O

signo pode ser representado através do diagrama proposto por Ogden e Richards (1972),

que consta da Figura 2. Note-se que, na figura, a ligação entre o meio e o objeto é feita por

uma linha pontilhada, indicando que a relação entre esses dois elementos não é direta, e

sim mediada pelo interpretante.

Semiótica

A semiótica é a ciência que estuda os signos. Morris (1946) dividiu a semiótica em três

áreas: a sintaxe, a semântica e a pragmática.

Sintaxe

A sintaxe estuda os modos pelos quais os signos podem ser combinados, através de seus

meios, para formar outros signos válidos (por exemplo, como as palavras podem ser

combinadas para formar sentenças. Através da sintaxe podemos determinar se um

determinado meio (por exemplo, uma série de palavras grafadas no papel) constitui um

signo válido (um período em português).

Semântica

A semântica estuda as relações entre os signos e os objetos aos quais eles remetem. O

que os signos evocam não são os objetos exteriores e sim representações mentais desses

objetos, armazenadas na memória e formadas a partir de experiências. Isso quer dizer que

uma mesma palavra pode ter interpretações completamente diferentes para pessoas

diferentes. Por exemplo, besta pode ser uma arma, um animal, uma qualificação ofensiva

para uma pessoa ou uma marca de veículo.

Pragmática

A pragmática estuda a origem, o emprego e os efeitos dos signos. O processo de

comunicação é começado por algum motivo, isto é, existe uma motivação implícita na

M

S

O

Exemplo: a palavra

“gato” da língua

portuguesa

A língua

portuguesa

O som da

palavra “gato” O animal gato

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 10

mensagem. Caso essa motivação não seja reconhecida, as pessoas sequer reconhecem

que trata-se de uma mensagem. A comunicação cria uma situação social, isto é, quando ela

é reconhecida como uma comunicação, ela cria a necessidade de alguma resposta, que

pode ser uma nova comunicação, como a resposta a uma pergunta, um ato como oferecer

um copo de água, ou simplesmente o reconhecimento de que a informação foi recebida

(“entendi”).

A pragmática possui três dimensões:

Indicação, isto é, a maneira como a linguagem é usada para referir-se ao mundo, à

situação de enunciação, à pessoa que fala e seu interlocutor;

Ação, isto é, a maneira como a comunicação cria a necessidade de uma ação, de uma

resposta, que pode ser a esperada pelo locutor ou não;

Diálogo, isto é, a maneira como os interlocutores respondem às mensagens,

complementando-as de modo que seu sentido possa ser interpretado.

Modelo generalizado da comunicação humana

O processo de comunicação entre duas pessoas pode ser esquematizado de forma

simplificada, segundo Thayer (1973), conforme a Figura 3. O processo envolve a relação

entre duas pessoas A e B e um objeto O, do qual elas falam. Cada pessoa examina suas

representações do objeto O, de si mesma e do interlocutor. As mensagens que elas trocam

através do meio M são interpretadas, fazendo que cada um dos participantes atualize suas

representações mentais de si mesmo, do interlocutor e do objeto.

FIGURA 3 - PROCESSO DE COMUNICAÇÃO ENTRE DUAS PESSOAS A E B

Ambiente E

Sistema de interação ou meio M

Objeto O Pessoa A

AA BA

OA

Pessoa B

AB BB

OB Mensagens

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 11

FIGURA 4 - PROCESSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

O modelo de comunicação de Shannon pode ser generalizado considerando que a

comunicação ocorre em três etapas, conforme ilustrado na Figura 4. Numa primeira etapa, a

intenção de comunicar é convertida em uma mensagem, é codificada. Na segunda etapa, a

mensagem é transmitida ao interlocutor. Na terceira etapa, a mensagem é interpretada e

produz efeitos sobre o comportamento do interlocutor. O modelo de Shannon pode ser

associado a cada uma das etapas individualmente e cada uma das etapas pode ser vista

como envolvendo aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos. Isso quer dizer que os

processo sintáticos, semânticos e pragmáticos estão sujeitos a ruído.

Comunicação em malha fechada

O processo de comunicação é tão complexo e envolve tantos parâmetros que a

comunicação seria completamente impossível, isto é, jamais produziria o efeito desejado, se

não fosse um processo de malha fechada, isto é, um processo com controles que permitem

observar o desenvolvimento de suas várias etapas e corrigir sua realização.

Por exemplo, digamos que eu encontre uma amiga na lanchonete e deseje convidá-la para

ir a um jogo de basquete. A intenção de ir ao jogo na companhia dela é a mensagem que eu

desejo passar para ela. Para fazer isso, preciso transformar minha intenção em palavras,

como: “Você quer ir ao jogo de basquete comigo?” Acontece que, como sou meio

atrapalhado, acabo dizendo “domingo”, em vez de “comigo” (ruído de codificação). A

lanchonete fica numa avenida movimentada e está cheia de gente falando e ela não ouve a

palavra “basquete” (ruído de transmissão). Minha amiga acabou de ver um cartaz

anunciando um bingo e estava justamente pensando em como achava desagradável esse

tipo de jogo. Ela entende minha frase como “Você quer ao jogo de bingo” (ruído de

decodificação) e responde polidamente que não está interessada, ao mesmo tempo que diz

com seus botões: “Porque ele não me convida para a final do campeonato de basquete em

vez desse bingo idiota!”

Destino Receptor Transmissor Agente Codificação Canal Decodificação

Ruído de codificação

Ruído de transmissão

Ruído de decodificação

DESTINATÁRIO EMISSOR AMBIENTE

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 12

FIGURA 5 - PROCESSO CÍCLICO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL

O modelo seqüencial do processo de comunicação não corresponde à realidade, uma vez

que ele simplifica muito as interações que ocorrem quando duas pessoas interagem. Se as

coisas fossem exatamente como o modelo seqüencial supõe, os desentendimentos, como

os do exemplo acima, seriam muito mais comuns do que costumam ser na realidade.

Acontece que, ao interagir com outras pessoas, estamos continuamente pegando

informação de volta, isto é, realimentando o processo, o que nos permite fazer correções.

Quando digo uma palavra errada para minha amiga, ouço essa palavra e repito a frase

certa, quando percebo que o ambiente está barulhento, procuro falar mais alto, quando o

comportamento do destinatário não é o que eu esperava, tento obter informação adicional

para conferir se fui entendido corretamente. O processo de comunicação pode ser modelado

de forma mais precisa através de uma série de ciclos de realimentação, conforme a Figura

5. Deve-se notar que as realimentações são também processos de comunicação e sua

representação não foi detalhada para simplificar o desenho.

Linguagem e ação

Podemos distinguir entre dois tipos de discurso: o constatativo e o performativo. O discurso

constatativo afirma alguma coisa a respeito do mundo. A ciência, os noticiários dos jornais,

os relatos biográficos são exemplos de enunciados constatativos. Aos enunciados

constatativos pode-se aplicar o critério de verdade, isto é verificar qual a relação entre os

enunciados e os estados de coisas no mundo. Aos enunciados performativos não se aplica

o critério de verdade. Quando dizemos: “Por favor, abra a janela”, esse enunciado não é

verdadeiro nem falso. Esse enunciado só pode ser estudado enquanto parte de uma ação,

de um processo social. O que podemos determinar a respeito dele é:

Destino Receptor Transmissor Fonte Codificação Canal Decodificação

Ruído de codificação

Ruído de transmissão

Ruído de

decodificação

Percepção semântica

Percepção do meio

Percepção do comportamento

DESTINATÁRIO EMISSOR AMBIENTE

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 13

Adequação ao estado de coisas onde ocorre a enunciação, por exemplo, se existe

uma janela por perto, se a janela está fechada e se o interlocutor tem condições de

abrir a janela;

Efeito da enunciação, isto é, se o interlocutor efetivamente abriu a janela ou não.

O filósofo John Austin constatou que na verdade todos os enunciados, mesmo os científicos,

possuem um caráter performativo. Se aceitarmos essa posição, deveremos admitir que a

validade dos enunciados científicos não decorre de uma relação direta entre o enunciado e

determinados estados de coisas do mundo. A validade dos enunciados científicos seria

mediada pela condição social, pela estrutura da comunidade científica, pelos valores e

hábitos das pessoas. Esta posição, que choca diversos estudiosos da filosofia da ciência, é

defendida, por exemplo, por Thomas Kuhn, em seu estudo, hoje clássico, “A Estrutura das

Revoluções Científicas”.

Os critérios de sucesso dos enunciados performativos, segundo Austin, são:

Existência de um procedimento convencional, reconhecido pelos participantes da

ação;

As pessoas que participam do ato devem ser aquelas prescritas pelo procedimento;

O procedimento precisa ser executado por todos os participantes, corretamente e

integralmente;

Quando o procedimento supõe que os participantes tenham determinados

pensamentos, sentimentos e intenções, é necessário que esses participantes

efetivamente experimentem esses pensamentos, sentimentos e intenções;

Quando o procedimento supõe que as pessoas apresentem posteriormente

determinados comportamentos, é necessário que isso efetivamente se verifique.

Estrutura da ação

Para estudarmos o comportamento das pessoas e das organizações, é importante termos

um entendimento do que constitui a ação humana, individual e coletiva. Entendemos por

ação a aplicação de capacidades do organismo a determinadas resistências do ambiente,

de acordo com uma intenção, determinada por um conjunto de valores e por uma

representação do mundo.

O comportamento humano não pode ser entendido apenas em termos físicos. Os mesmos

gestos de uma pessoa podem fazer parte de comportamentos completamente diferentes,

quando ocorrem em uma luta, em um espetáculo teatral ou em uma seqüência de exercícios

rotineiros. da mesma forma, não podemos entender o comportamento apenas a partir do

lado mental. A vida mental das pessoas é acessível apenas a elas mesmas e precisamos

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 14

sempre entende-la a partir de sua manifestação no ambiente físico. O conceito de ação

mostra-se importante por referir-se à relação entre físico e mental.

Searle (1984) estabeleceu oito princípios básicos em relação à estrutura da ação.

1. As ações consistem de dois componentes, o mental e o físico.

2. O componente mental é uma intenção. A intencionalidade é relacionada a alguma

coisa e faz distinção entre sucesso e fracasso.

3. O tipo de causalidade essencial à estrutura da ação é o intencional.

4. Devemos distinguir entre ações premeditadas, planejadas previamente, e ações

espontâneas, que são tomadas sem reflexão anterior.

5. As intenções prévias geralmente resultam do raciocínio prático. O raciocínio prático

visa escolher entre desejos antagônicos.

6. A explicação de uma ação deve basear-se no mesmo conteúdo que estava na

cabeça da pessoa, quando ela realizou a ação.

7. As intenções constituem redes. Uma intenção só pode funcionar e ser entendida

como parte de uma rede de intenções.

8. A rede de intencionalidades só funciona sobre um fundo de capacidades humanas

que, em si mesmas, não são estados mentais.

FIGURA 6 - ESQUEMA DA AÇÃO

Podemos tentar uma síntese da idéia de ação em um diagrama, conforme a Figura 6. Um

organismo é sempre definido em relação com um ambiente, com o qual ele interage,

Intenção

Mental Físico

Sistema

Organismo-ambiente

Manipulação

Raciocínio Valores

Sentimentos Representações Ambiente

Resistência

Organismo

Capacidade

Ação

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 15

formando o sistema organismo-ambiente. No caso do ser humano, podemos observar esse

sistema sob os aspectos físico e mental. Sob o aspecto físico, podemos definir uma fronteira

que separa o organismo do ambiente. O ambiente é associado então a resistências e o

organismo dispõe de habilidades ou capacidades que se contrapõem às resistências do

ambiente. Juntos, resistências e habilidades caracterizam a manipulação do ambiente pelo

organismo. Sob o aspecto psicológico, observamos que a mente apresenta representações

e sentimentos relacionados aos estados do sistema. Das representações emerge o

raciocínio, enquanto dos sentimentos emergem os valores. Da relação entre valores e

raciocínio emerge a intenção e a associação entre intenção e manipulação caracteriza a

ação do organismo.

Diálogo: a cooperação entre os interlocutores

A comunicação depende da cooperação entre os interlocutores. Quando uma pessoa diz:

“Você pode dizer-me as horas?” o interlocutor não responde diretamente a pergunta,

dizendo “Posso”. Ele entende que a pessoa quer saber que horas são e dá a resposta: “São

onze horas”.

Quando uma pessoa fala, o interlocutor adiciona informações que ele conhece e que

contribuem para que a mensagem seja interpretada. Quando alguém diz “Ele chega

amanhã”, a interpretação dessa frase exige que o interlocutor complete o significado,

atribuindo uma referência a ele e ao lugar onde ele vai chegar. Dependendo do contexto, o

ele pode ser um empresário que está viajando a um país distante para fechar um negócio

com uma empresa, um familiar que retorna de uma viagem a passeio, ou então um

companheiro de trabalho que está voltando das férias.

Quando uma pessoa responde a uma comunicação, ela está participando de um ato

cooperativo. O diálogo consiste na construção de um significado através da colaboração dos

participantes. Essa situação se contrapõe ao monólogo, no qual uma pessoa possui um

significado que deseja transmitir aos demais. No diálogo os interlocutores constróem uma

significação que não era disponível previamente a nenhum dos interlocutores. Para que isso

aconteça, é necessário que as pessoas atendam a determinadas condições.

Grice (1975) enunciou a seguinte condição geral para a cooperação entre os interlocutores:

“Que a sua contribuição para a conversa, no momento em que intervém, esteja em

conformidade com o fim ou a direção aceite da troca verbal para a qual participa.”

Este princípio geral pode ser desdobrado em nove regras, listadas na Tabela 1.

Page 16: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 16

TABELA 1 - REGRAS PARA A COOPERAÇÃO NO DIÁLOGO

Regras sobre Enunciados

Quantidade de informação trocada

1. Ser tão informativo quanto necessário ao contexto da conversa.

2. Não ser mais informativo do que é necessário.

Qualidade da informação

trocada 3. Não dizer aquilo que se pensa ser falso.

4. Não dizer aquilo que se tem razões para pensar ser falso.

Relação entre as informações trocadas

5. Ser relevante.

Modo de desenrolar a conversa

6. Evitar expressar-se de maneira confusa.

7. Evitar ambigüidade.

8. Ser breve

9. Ser ordenado.

Contexto

Sempre que ouvimos alguém falando ou lemos um texto, a interpretação da comunicação

depende de uma série de conhecimentos ou premissas que adicionamos ao interpretar. O

contexto é constituído pelo conjunto de informações em relação às quais é atribuído um

significado à mensagem, isto é , que permite transformar os dados em informação. Segundo

Sperber e Wilson (1989), o contexto é o “conjunto das premissas utilizadas para a

interpretação de um enunciado, excetuando a premissa de base segundo a qual o

enunciado em questão foi produzido”.

Segundo Parret (1988), existem cinco tipos de contexto:

1. Co-texto: conjunto de textos que servem de quadro ao enunciado a ser interpretado;

2. Existencial ou referencial: o mundo ao qual os enunciados se referem;

3. Situacional: fatores sociais que determinam o quadro de sentido dos enunciados;

4. Acional: conjunto de ações realizadas pelos interlocutores ao falarem;

5. Psicológico: conjunto de intenções, crenças e desejos que se traduzem nos

enunciados.

Page 17: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 17

Tradicionalmente, considerava-se que o contexto era um dado, uma estrutura fixa que

determinava o sentido do discurso. Atualmente, considera-se que o contexto é um processo

dinâmico. A comunicação pode ser entendida como a ação do discurso sobre o contexto.

Funções da comunicação na administração

A comunicação constitui o instrumento de trabalho dos gerentes. Para conseguir que a

empresa funcione, eles precisam usar adequadamente a comunicação, de modo a

conseguir que as pessoas se disponham a cooperar e proporcionar as informações e

estímulos necessários para que essa cooperação conduza aos resultados desejados.

Gerentes são na verdade comunicadores. Apesar disso, sua habilidade é bem diferente

daquela dos comunicadores de massa. Os comunicadores de massa são capazes de atingir

grandes números de pessoas e de causar um impacto forte num tempo relativamente curto

que dura a mensagem. O efeito produzido pela comunicação de massa varia bastante de

uma pessoa para outra. Algumas pessoas gostam da mensagem e outras odeiam, a

mensagem pode ser entendida de formas diferentes e causar efeitos diferentes. Já no caso

do gerente, a comunicação é dirigida e especializada, visando a execução de uma certa

tarefa por um grupo bem definido de pessoas. O efeito da comunicação precisa ser

rigorosamente controlado, de outra forma o gerente faz mais mal do que bem. O processo

de comunicação é de malha fechada: o gerente monitora os resultados e toma medidas

corretivas para que o resultado final visado seja atingido. A comunicação é de duração

longa, podendo chegar a vários anos, por exemplo, no caso de um projeto de longa

duração, envolvendo formação de pessoal, pesquisa e desenvolvimento, criação de novos

produtos e negócios, etc.

Para controlar o funcionamento de uma empresa, a administração precisa fazer uso de

todas as dimensões da comunicação, a saber: espacial, temporal, sintática, semântica e

pragmática. A seguir explicitamos o conceito e a contribuição de cada uma dessas

dimensões.

Comunicação através do espaço

A comunicação através do espaço é o que geralmente temos em mente quando pensamos

nos meios de comunicação. Quando uma pessoa fala, o som de sua voz propaga-se através

do ar e chega aos ouvidos do interlocutor. Eis o paradigma da comunicação através do

espaço. Quando a distância é muito grande pode-se usar um megafone, quando é maior

ainda, um transmissor de rádio. Antigamente, para fazer as mensagens cruzarem grandes

distâncias, usava-se o correio. A televisão leva a imagem e o som a muitas pessoas, em

diferentes lugares: é a difusão em larga escala. Os meios de comunicação de massa

permitem que uma mesma mensagem seja multiplicada, sendo recebida por muitas

Page 18: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 18

pessoas, em lugares dispersos por uma ampla região geográfica. A copa mundial de futebol

é vista por muitos milhões de pessoas, em toda a superfície do planeta.

Comunicação através do tempo

Quando anotamos um compromisso em nossa agenda para nos lembrarmos dele no

momento apropriado, estamos praticando a comunicação no tempo. A comunicação no

tempo coloca a informação em um local apropriado, onde ela fica guardada para ser

interpretada e usada no momento em que for necessária. Quando escrevemos um livro,

estamos comunicando no espaço e também no tempo. Graças a isso podemos conhecer o

pensamento de sábios do passado, como Platão, Newton ou Marx.

Quando queremos que uma informação seja usada sistematicamente ao longo do tempo,

costumamos colocá-la por escrito. Por exemplo, as leis dos estados, as circulares, os

procedimentos operacionais das empresas, as instruções de uso nas embalagens dos

produtos.

Funções sintáticas

As funções sintáticas da comunicação dizem respeito à formatação das mensagens

consideradas válidas no sistema. Por exemplo, as regras que permitem combinar palavras,

formando frases que fazem sentido. As formas de comandos que uma linguagem de

programação de computador aceita como válidas constituem uma sintaxe. Os formatos de

dados que um sistema de reservas de vôos aceita como informações sobre o passageiro

constituem regras sintáticas. Os formatos de dados que, anotados sobre um formulário,

constituem um relatório de inspeção de um produto, constituem funções sintáticas. As

regras da lógica quanto a modos válidas de combinar proposições constituem regras

sintáticas. A racionalidade consiste no uso de regras sintáticas para aferir a validade de

conjuntos de proposições. A administração racional consiste em considerar legítimas as

determinações que possuem validade sintática, dentro do sistema de racionalidade da

empresa, que inclui premissas básicas sobre o negócio, tecnologias e informações sobre o

estado do ambiente externo.

No processo de comunicação toda a mensagem é sempre submetida a uma verificação

sintática antes de ser reconhecida como uma mensagem e, conseqüentemente, produzir

seu efeito. No caso da administração, uma ordem emitida por um gerente constitui uma

mensagem, cuja validade é avaliada antes que ela seja obedecida. Numa organização

burocrática, essa avaliação é feita através de uma série de regras associadas à

racionalidade da ordem. Em primeiro lugar, deve-se verificar se emissor possui a autoridade

para emitir ordens, em seguida se a ordem segue os padrões formais necessários, como ser

dirigida à pessoa apropriada, conter as informações previstas no procedimento para seu

Page 19: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 19

cumprimento, e assim por diante. Caso a mensagem seja reconhecida como válida, ela

passa a ser interpretada, isto é, entra em ação o processo semântico.

Funções semânticas

Os dispositivos modernos de comunicação põem em contato pessoas distantes e com isso

aumentam o risco de incompreensões de ordem semântica. Na administração, a

decodificação semântica errada das mensagens é desastrosa. Somente depois que a

mensagem foi decodificada semanticamente é que ela pode surtir efeitos, isto é, passar ao

processo pragmático.

Funções pragmáticas

As funções pragmáticas (estudadas por Rodrigues, 1995) dizem respeito à maneira como a

linguagem é usada na comunicação, isto é, no processo social. A comunicação ocorre em

meio a relações sociais e tem efeito sobre essas relações. Um mesmo objeto ao qual a

comunicação se refira pode ser associado a experiências completamente diferentes para

pessoas diversas, mesmo que semanticamente o objeto seja o mesmo. Por exemplo, um

parafuso pode ser visto de maneira diferente pela pessoa que fabrica parafusos, pela

pessoa que monta o parafuso em uma bicicleta e pelo ciclista que usa a bicicleta. O

fabricante dá prioridade ao processo de fabricação do parafuso, o montador a o processo de

montagem e o ciclista só toma conhecimento do parafuso quando alguma coisa quebra.

Assim, o efeito de uma comunicação dependerá sempre da experiência das pessoas.

Um segundo aspecto a ser considerado é que a comunicação ocorre num contexto de ação.

Uma mensagem é sempre uma forma de ação: ela ordena, proíbe, permite, declara. A

declaração é uma forma de ação, pois ela estabelece condições para futuras ações de uma

pessoa em relação ao objeto do discurso. Quando informo uma pessoa de que uma

máquina está quebrada, estou na realidade pedindo a essa pessoa que ela mude sua ação

em decorrência disso, por exemplo, deixando de programar trabalhos para a máquina.

Quando dizemos: “você precisa saber disto”, isso não quer dizer que a informação precisa

apenas ser armazenada na memória, e sim que consideramos a informação importante para

a determinação de futuras ações de nosso interlocutor.

Quando uma pessoa recebe e interpreta uma mensagem, ela geralmente completa a

mensagem antes de interpretá-la e de tomar ação em função dela. Por exemplo, o anúncio

de um novo programa de desenvolvimento organizacional pode provocar efeitos

completamente diferentes em diferentes grupos de uma empresa. Quando um gerente

anuncia um programa de qualidade, os funcionários automaticamente completam o

discurso, com elementos de sua própria experiência: “eles estão mesmo fazendo força para

acertar” ou “daqui a um ano ninguém vai sequer lembrar disso” ou “mais conversa para

enganar os trouxas”.

Page 20: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 20

O bom funcionamento de uma empresa depende de que os colaboradores adicionem ao

discurso dos gerentes os elementos de seu conhecimento próprio que não são conhecidos

pelos gerentes mas são necessários para a correta realização da ação. Quando um gerente

emite uma mensagem ele precisa deixar as aberturas necessárias para que isso ocorra. A

observação das aberturas no processo de comunicação é necessária para estabelecer a

relação de respeito mútuo que precisa existir na empresa.

Tipologia dos gerentes

Quando encaramos a atividade administrativa como um processo de comunicação,

podemos distinguir habilidades gerenciais correspondentes às funções comunicativas

básicas. Identificamos então três estilos extremos de gerenciamento.

Gerente sintático: o boneco

O gerente sintático é aquele que conhece todas as regras de comportamento e as segue

criteriosamente. É cuidadoso e ponderado, mas não tem simpatia pelas pessoas e não

consegue transmitir entusiasmo para elas.

Gerente semântico: o intelectual

O gerente semântico entende de tudo e é capaz de falar com grande entusiasmo sobre os

mais variados assuntos. É um grande conselheiro, mas não consegue resolver seus

próprios problemas. Suas atitudes são muito mais tímidas do que seu discurso, causando

decepção nas pessoas que convivem com ele por um tempo mais longo.

Gerente pragmático: o homem de ação

O gerente pragmático é um homem de ação. Ele mantém as pessoas e as coisas em

movimento, não gosta de esperar nem de perder tempo. Consegue realizar as metas que se

propõe mas geralmente só é capaz de ver as grandes oportunidades ou grandes perigos

que apareçam pelo caminho quando já é muito tarde, isto é, quando não dá mais para

aproveitar as oportunidades ou para evitar os perigos.

O gerente completo

O gerente completo é o que possui as três habilidades: sintáticas, semânticas e

pragmáticas. Ele segue as regras na medida do necessário e sabe quando elas precisam

ser mudadas. Tem conhecimentos e é capaz de transmitir entusiasmo com seu discurso,

mas não se perde em divagações. Sabe dirigir-se às metas mas tem ponderação para

avaliá-las e mudá-las quando é conveniente.

Criação do contexto para a ação cooperativa

Vimos que administrar consiste em conseguir que os objetivos das organizações sejam

atingidos, através da comunicação. Para que isso aconteça, é preciso criar um contexto do

qual participam os colaboradores da empresa, que leve à interpretação adequada dos

Page 21: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 21

dados, isto é, das mensagens e dos fatos relacionados à operação do negócio. Por

exemplo, quando é feito um pedido de um produto, o contexto deve levar à interpretação de

que esse produto precisa ser fabricado em determinado prazo, com determinado custo e

características técnicas, o que exige determinadas providências específicas por parte de

vários responsáveis. Se a empresa é um sistema aberto dotado de um propósito, então esse

propósito é determinado pelo contexto no qual os dados recebidos pelos colaboradores do

ambiente externo e dos outros colaboradores são interpretados.

A rede de compromissos entre os agentes da empresa, os conhecimentos sobre o negócio,

a cultura organizacional, constituem o contexto no qual os dados sobre o trabalho da

empresa são interpretados. Cabe à administração o papel de cuidar desse contexto,

tomando as providências necessárias para que ele não se deteriore com o tempo e sim

evolua em resposta às mudanças tecnológicas, sociais, econômicas e políticas, de modo

que as ações resultantes da interpretação das entradas leve à realização do propósito do

negócio.

Page 22: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 22

O sistema de comunicação da gestão da qualidade total A gestão da qualidade total é um sistema de administração que procura renovar as relações

sociais na empresa com base na orientação para o cliente. Isso depende essencialmente de

dois elementos:

Tomar o cliente como outro em relação ao qual a identidade do grupo é definida;

Implementar um sistema completo de comunicação administrativa que traga o cliente

para dentro da empresa.

Ditas assim, simplesmente, essas ações parecem muito fáceis. Acontece que sua efetivação

enfrenta dificuldades, em decorrência de hábitos arraigados nas relações sociais e em

decorrência da própria complexidade envolvida nas tecnologias e produtos modernos. Deve-

se ressaltar porém que os instrumentos da gestão da qualidade total são instrumentos para

lidar com a complexidade do conhecimento, e que é mais fácil lidar com a complexidade e o

dinamismo do mundo moderno com eles do que sem eles.

Conceito da qualidade

Existem várias definições de qualidade, entre as quais podemos destacar a da Organização

Internacional de Normalização:

“Qualidade: A totalidade das características de uma entidade que determinam sua

capacidade de satisfazer necessidades explícitas ou implícitas.”

Podemos identificar alguns aspectos básicos do conceito da qualidade aplicado à gestão de

organizações:

1. A qualidade é definida a partir de um conjunto de atributos de um produto;

2. O produto em questão pode incluir uma combinação de equipamentos, serviços,

informações e materiais processados;

3. A qualidade é constituída pela relação entre os atributos e uma expectativa ou

condição desejada,

4. A relação entre os atributos e a expectativa pode ser positiva (por exemplo,

satisfação ou surpresa agradável) ou negativa (por exemplo, insatisfação ou

rejeição);

5. Essa expectativa tem valor, isto é, a propriedade de tornar o produto desejável a um

cliente, fazendo que ele atribua valor econômico ao uso, posse ou desfrute do

produto;

Page 23: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 23

6. A expectativa em questão pode consistir em: um ideal de perfeição, um padrão de

desempenho, um consumidor satisfeito, um custo industrial minimizado, um

sentimento estético, o cumprimento de leis ou normas, uma imagem de competência,

confiabilidade, respeitabilidade, segurança, honestidade, etc.;

7. A relação entre os atributos do produto e a expectativa do cliente depende da ação

de um fornecedor;

8. A relação econômica entre o cliente e o fornecedor depende da qualidade do

produto.

Sintetizando, qualidade é a relação satisfatória entre os atributos de um produto e a

expectativa em relação ao mesmo produto. A qualidade, por sua vez, determina o valor do

produto no contexto da relação entre cliente e fornecedor. Podemos sintetizar a essência do

conceito da qualidade no diagrama da Figura 7, na qual a relação atributos-expectativa é

representada pelas linhas verticais e a relação fornecedor-cliente é representada pelas

linhas horizontais.

FIGURA 7 - CONCEITO DA QUALIDADE

Qualidade como comunicação entre o fornecedor e o cliente

A melhoria da qualidade resulta da comunicação eficaz entre fornecedor e cliente, na qual o

produto do fornecedor e a retribuição por parte do cliente fazem as vezes de mensagens. O

fornecedor produz e oferece seus produtos e o cliente compra, usa compara, avalia,

reclama, etc. Para o cliente, o produto possui um significado, isto é, o cliente interpreta o

produto ao vê-lo no catálogo, ao encontrá-lo na loja, ao usá-lo; relaciona-o a seus desejos e

necessidades, pensa e decide como agir em relação a ele. Da mesma forma o fornecedor

Fornecedor Cliente

Expectativa sobre produto

Atributos do produto

Qualidade

Page 24: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 24

atribui significado à retribuição do cliente, procura entender o que está por trás dela,

derivando daí conhecimento sobre o cliente e suas expectativas.

Imaginemos uma situação onde a qualidade não constitui uma preocupação de clientes nem

de fornecedores, por exemplo, um mercado em que a demanda é muito maior que a oferta

ou no qual os produtos oferecidos no mercado possuem atributos uniformes. Nessa

situação, os fornecedores limitam-se a produzir da maneira tradicional, enquanto os clientes

ficam satisfeitos quando encontram o produto para comprar, sem prestar muita atenção a

seus atributos. A satisfação proporcionada pelo produto é uniforme, indiferente, não existe

discriminação quanto à qualidade.

A discriminação dos produtos de acordo com sua qualidade começa quando surgem

alternativas, como acontece nos mercados competitivos, onde há diferenciação dos

produtos. O cliente pode escolher entre tipos, marcas e procedências alternativas, que lhe

proporcionam diferentes níveis de satisfação. Os produtos que melhor atendem às

expectativas dos clientes vão conquistar maior parcela do mercado, enquanto os demais

tenderão a desaparecer. Os fornecedores, por sua vez, vão procurar entender porque os

clientes preferem determinadas marcas, visando melhorar seus próprios produtos. O

processo de melhoria da qualidade consiste portanto em intensificar ativamente as relações

que determinam a qualidade, ilustradas pelas setas pontilhadas na Figura 8.

O cliente cria expectativas implícitas e explícitas sobre o produto, a partir de desejos,

necessidades e hábitos, discriminando níveis de satisfação, relacionando-os a

atributos do produto que passam a ser desejados em si e explicitando parcialmente

suas expectativas, em alguns casos sob a forma de contratos e especificações.

As expectativas sobre o produto são reconhecidas pelo fornecedor, que procura

entendê-las melhor e relacioná-las a seu produto.

O fornecedor aperfeiçoa os atributos de seu produto, agindo sobre o processo de

produção.

O produto satisfaz as expectativas do cliente, proporcionando ao fornecedor a

continuidade da participação no mercado, ou então as excede, levando ao aumento

da participação e motivando o cliente a elevar ainda mais suas expectativas.

Page 25: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 25

FIGURA 8 - MELHORIA DA QUALIDADE COMO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO ENTRE

FORNECEDOR E CLIENTE

A interpretação das relações de negócio

O negócio estabelece uma relação entre o cliente e o fornecedor, a qual é mediada por um

produto. Essa relação pode ser interpretada como um processo de comunicação, no qual o

produto é encarado como uma mensagem que o fornecedor manda ao cliente. As relações

de negócio são interpretadas de dois pontos de vista: o do fornecedor e o do cliente.

FIGURA 9 - MODELO DO CLIENTE

O cliente percebe os atributos do produto no contexto de sua utilização. Esses atributos são

interpretados à luz de suas expectativas em relação ao produto, que constituem a motivação

que o levou a comprar o produto. A percepção dos atributos do produto, em relação com as

expectativas, produzem uma intenção de resposta, que pode ser um desejo de continuar

usando o produto ou arrependimento por tê-lo escolhido. Algumas dessas intenções

reforçam a continuidade da relação de negócio, enquanto outras levam à ruptura dessa

Fornecedor Cliente

Resposta

Expectativas

Produto

Atributos

Qualidade

Modelo do

cliente

Intenção de

resposta

Atributos do

produto

Expectativas

do cliente

Desenvolvimento Reconhecimento

Aperfeiçoamento Satisfação

Page 26: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 26

relação. Dizemos então que o modelo cognitivo do cliente pode ser representado pela tríade

da Figura 9.

Da mesma forma que o cliente interpreta os atributos do produto, o fornecedor percebe a

resposta do cliente, no contexto da operação do negócio. O contexto no qual a resposta do

cliente é interpretada é constituído pelas diretrizes do negócio. As respostas em

consonância com as diretrizes do negócio indicam que uma qualidade adequada foi atingida

e estabilizam a estrutura da organização. Respostas incompatíveis com as diretrizes do

negócio indicam problemas com a qualidade do produto, implicando na necessidade de

mudanças. O modelo cognitivo do fornecedor é representado na Figura 10.

FIGURA 10 - MODELO DO FORNECEDOR

A relação de negócio é representada como um ciclo fechado, isto é, com realimentação,

conforme a Figura 11. O cliente interpreta os atributos do produto e produz uma resposta.

Por sua vez, o fornecedor interpreta a resposta e atua sobre os atributos do produto.

Quando o ciclo se estabiliza, isso indica uma relação de negócio satisfatória para ambas as

partes, isto é, uma qualidade adequada.

Cada um dos agentes no processo de interação possui sua própria representação do todo,

isto é, o cliente tem uma representação do modelo do fornecedor e o fornecedor tem uma

representação do modelo do cliente. Essa situação corresponde ao processo de

comunicação que foi ilustrado anteriormente na Figura 3.

A qualidade, assim como o processo de comunicação, depende de uma malha fechada.

Para que haja comunicação é necessário que o emissor seja captado pelo receptor e a

única maneira do emissor certificar-se disso é observando cautelosamente o receptor. Da

mesma forma, só existe qualidade quando o cliente responde da maneira desejada pelo

fornecedor. A única maneira do fornecedor certificar-se de que isso acontece é observando

a resposta do cliente e interpretando-a adequadamente.

Modelo do

fornecedor

Qualidade do

produto

Resposta

percebida

Diretrizes do

negócio

Page 27: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 27

FIGURA 11 - MODELO DO NEGÓCIO

O fornecedor procura conhecer as expectativas do cliente, visando prever seu

comportamento, inclusive em relação a novos produtos. Em alguns casos, o cliente tem

interesse em atuar sobre a imagem que o fornecedor tem dele. Por exemplo, as grandes

empresas industriais informam os fornecedores de suas expectativas e de seus padrões de

resposta, visando adquirir mais controle sobre seu desempenho.

Da mesma forma, o cliente forma uma imagem do fornecedor, representando sua percepção

das diretrizes do negócio. De acordo com essa imagem, ele pode ver a relação de negócio

como estável ou como motivo de preocupações. As empresas geralmente procuram criar

uma imagem favorável junto a seus clientes, lançando mão, por exemplo, de propaganda

institucional. Procura-se muitas vezes criar uma expectativa favorável em relação à marca,

mesmo antes que o cliente tenha oportunidade de experimentar o produto em si.

O patrão como outro

Numa empresa tradicional, a figura de referência para o comportamento dos funcionários é

o patrão ou seu representante: o chefe, o líder, o diretor, o alto executivo. Diz-se que o olho

de dono é que faz um negócio prosperar. O patrão detém o poder de admitir as pessoas ao

relacionamento com a empresa, de recompensá-las, puni-las e, quando conveniente, exclui-

las. O patrão faz isso para consolidar seu poder, sua fortuna, sua reputação, seu valor de

mercado.

Modelo do

fornecedor

Qualidade

do produto

Resposta percebida

Diretrizes do

negócio

Modelo

do cliente

Intenção de

resposta

Atributos

do produto

Expectativa

s do cliente

Resposta Produto

Page 28: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 28

Os empregados imaginam que estão trabalhando sob o olhar do dono e, de acordo com seu

humor, podem fazer algo para agradá-lo ou cometer transgressões deliberadamente, para

vingarem-se de alguma injustiça, real ou imaginária. Isto quer dizer que o outro em relação

ao qual a identidade social da empresa é definida é o patrão.

O patrão não precisa dos frutos do trabalho, ele os usa para trocar por aquilo que lhe

interessa, tornando-se mais rico e poderoso nesse processo. Espera-se que ele tenha

interesse em levar o negócio ao sucesso uma vez que suas metas pessoais dependem

disso. O mau patrão consegue seu sucesso pessoal às custas do insucesso da empresa,

através de atos desonestos, desvios, falências fraudulentas, etc.

Para conseguir seus objetivos, os altos executivos procuram tirar o máximo de desempenho

das equipes ao menor custo possível, o que pode gerar sentimentos de injustiça e

exploração, que ficam geralmente reprimidos sob um verniz de submissão e admiração mas

às vezes explodem em comportamentos destrutivos.

Na empresa tradicional, o outro tomado como referência é o patrão. Quando as pessoas

fazem alguma coisa, elas imaginam o que o patrão pensaria ao vê-las, preocupando-se em

agir de forma que agrade a ele ou, pelo menos, evite sua ira. Algumas vezes, elas procuram

deliberadamente fazer algo que seja desagradável ao patrão, para vingar-se dele, por

sentirem-se injustiçadas , desprezadas ou exploradas. O patrão não deseja o fruto do

trabalho para si. Ele só quer o fruto do trabalho para vendê-lo e tirar proveito disso, tonando-

se mais rico e mais poderoso. Para o patrão, a qualidade do produto tem uma importância

limitada, desde que ele consiga vender o produto com defeito e não seja atingido pelas

reclamações do cliente. Essa imagem é inerentemente injusta, levando a uma relação

desigual, tensa, sujeita a desconfianças de parte a parte.

O propósito ético do trabalho em uma relação patrão empregado é limitada à obtenção de

um salário que permita ao trabalhador viver da melhor maneira possível. A relação é

automaticamente definida como perde-ganha, isto é, o trabalhador deve procurar defender-

se e o patrão vai procurar extrair dele o máximo que puder.

A relação patrão empregado como dominante em uma empresa representa uma condição

muito pouco favorável a um envolvimento mais profundo e criativo do trabalhador com seu

trabalho, não permite que ele desfrute a alegria de trabalhar e de fazer uma tarefa bem feita.

Não se pode esperar que as pessoas tenham a coragem e a perseverança para inovar,

transformando-se em empreendedoras, nessas condições. Os aspectos que prevalecem

nesse relacionamento são os de troca, interesses comerciais, contratuais, visando

maximizar o ganho pessoal. A responsabilidade é limitada ao mínimo necessário para não

incorrer em sanções legais ou contratuais.

Page 29: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 29

O cliente como outro

A GQT consiste em colocar o cliente no lugar tradicionalmente ocupado pelo patrão, como

referência para o comportamento da empresa. Isso corresponde ao que, na psicologia

analítica de Jung, foi chamado individuação. O gerente desempenha o papel do ego da

empresa. Para que a individuação ocorra, é preciso que ele se disponha a servir e não ser

servido, a agir em nome e no interesse de um valor mais alto que seu sucesso e status

pessoal. Isso não é uma mudança fácil.

Para que uma empresa possa trilhar o caminho da GQT é essencial que inicialmente o

patrão, o detentor de poder, esteja disposto a ceder seu lugar, a colocar-se a serviço, a

deixar de ser o centro de atenções, a deixar de ser visto como o responsável pelo sucesso

da empresa. Ele precisa abandonar o controle do tipo egocêntrico pelo serviço ao propósito

do negócio, que é atender a um cliente.

A implantação da gestão da qualidade total na empresa consiste em dois passos

fundamentais, cuja execução é mais difícil do que parece. Na verdade, esses passos devem

ser dados a cada dia, eles precisam ser confirmados a cada momento, a cada decisão

importante.

O primeiro passo para a implantação da gestão da qualidade total é criar nas pessoas a

representação do cliente como um outro significativo, isto é, o outro em relação ao qual a

identidade do grupo é definida. As pessoas definem sua identidade sempre em relação ao

outro, o outro é como um espelho, através do qual conhecemos nosso rosto. Na gestão da

qualidade total, as pessoas trabalham para o cliente e não para o patrão.

O segundo passo para a implantação da gestão da qualidade total é criar um sistema de

comunicação gerencial que coloque o cliente, por assim dizer, dentro da empresa e ao lado

de cada colaborador. A atividade de gerenciar a qualidade pode ser vista como um diálogo

entre a empresa e o cliente. O desafio da gestão da qualidade total consiste em tornar o

cliente uma figura presente dentro da empresa. Os instrumentos da qualidade total permitem

a implementação de um sistema de comunicação que traz o cliente para dentro da empresa.

A gestão da qualidade total baseia-se numa rede de comunicação que proporciona a todos

os colaboradores da organização informações significativas sobre o valor e significado de

seu trabalho, do ponto de vista do cliente. Com isso, as unidades funcionais passam a ser

negócios, e os papéis dos administradores de todos os níveis podem ser entendidos como

empreendimentos.

O patrão é uma figura muito presente dentro da empresa, enquanto o cliente geralmente é

uma figura mais distante. Para que o cliente tome seu lugar como a figura mais importante é

necessário que o antigo senhor ceda seu lugar. Se o patrão não aderir de início à idéia de

servir o cliente, se não fizer disso sua missão, a transformação não poderá ser feita.

Page 30: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 30

Enquanto o patrão reivindicar a si o poder e o papel central, ele impedirá que o cliente ocupe

essa posição. Na verdade cabe ao patrão colocar a figura do cliente no posto central. Como

aquele que detém o poder central da empresa, cabe a ele cuidar para que o cliente seja o

centro virtual da empresa.

O fruto do trabalho para o cliente é um fim em si. Ele deseja usar o fruto do trabalho para si,

para sua pessoa, sua família, seu negócio. O cliente não quer apenas trocar o produto para

obter vantagens. Para o cliente, a qualidade do produto faz muita diferença, uma vez que o

produto vai fazer parte de sua vida.

Na gestão da qualidade total, a figura de referência para o comportamento das pessoas é o

cliente. O cliente é alguém que precisa do produto para si, é alguém para que o produto

satisfaz uma necessidade. O cliente não precisa do produto por motivos interesseiros, para

ele o produto representa um valor em si. Entre o colaborador da empresa e o cliente é

possível uma relação de amor, uma relação de respeito e carinho. O produto vai fazer parte

da vida do cliente, de seu conforto, de seu prazer, de sua segurança, de sua saúde.

O cliente é visto como alguém que dá valor ao fruto do trabalho e precisa dele. A relação do

trabalhador com o cliente tem um caráter comunitário, de contribuir para a vida do outro, que

precisa de ajuda. O trabalho, em relação ao cliente, deve ser encarado como um serviço. A

idéia de servir ao próximo tem uma conotação ética completamente diferente daquela de

servir um patrão. O trabalhador sente-se valorizado e não explorado, pode ter uma relação

harmoniosa com a imagem do cliente, e não de conflito.

Sistema de comunicação da qualidade total

Um propósito fundamental dos instrumentos da qualidade total é trazer o cliente, por assim

dizer, para dentro do ambiente de trabalho. Na gestão da qualidade total, o cliente participa

do sistema de gerenciamento da empresa. O relacionamento entre fornecedor e cliente

precisa ser entendido como um diálogo e não como um monólogo, dominado por apenas

uma parte. Da mesma forma, todos os colaboradores da empresa precisam participar desse

diálogo, contribuindo com suas perspectivas individuais para o desempenho da empresa

como um todo.

A principal mensagem que o fornecedor envia ao cliente é o próprio produto. É claro que a

mensagem inclui os complementos necessários, físicos e simbólicos, do produto:

publicidade, promoção, distribuição, serviços, etc. O cliente interpreta essa mensagem como

um todo e reage a ela como um todo. Todos os colaboradores da empresa contribuem para

essa mensagem, e para isso são necessárias algumas condições:

que seu trabalho seja significativo em termos das necessidades e expectativas do

cliente

Page 31: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 31

que eles disponham de meios para exprimir sua visão pessoal da situação;

que eles disponham de informações sobre a resposta do cliente, recebidas

diretamente em interação com o cliente (no caso de uma pessoa da área de vendas

ou atendimento) ou de informação recebida indiretamente através do sistema (no

caso de um profissional da área de produção);

Por isso, uma das funções do sistema de comunicação administrativa dentro da gestão da

qualidade total consiste em transformar o cliente numa presença importante dentro da

empresa, mesmo que, fisicamente, ele esteja do outro lado do planeta.

A principal resposta que o cliente dá, no processo de comunicação com o fornecedor, é

comprar ou recusar o produto. Interpretar essa resposta geralmente é difícil. Os números de

vendas constituem uma informação muito condensada, que esconde aspectos importantes

do que o cliente deseja. Se o cliente sente-se enganado ou é forçado a comprar um

determinado produto por alguma circunstância, podemos estar certos de uma rejeição na

primeira oportunidade. Em contrapartida, às vezes o cliente deixa de comprar um produto

bastante satisfatório por causa de um pequeno detalhe, que o fornecedor poderia resolver

sem custo algum, se apenas soubesse dele. Cabe ao fornecedor buscar informações

adicionais, que permitam uma interpretação mais significativa da resposta do cliente.

Nas empresas tradicionais, as mensagens que vêm do cliente não são conhecidas pela

maior parte dos funcionários da empresa. Conseqüentemente, o cliente é visto como uma

figura distante. A figura de referência mais próxima, mais visível, mais poderosa, é o chefe

mesmo. A proposta de servir o cliente pode ser encarada como uma maneira de enganar,

de conseguir tirar mais das pessoas. Simplesmente enaltecer o cliente não é suficiente para

consolidar a gestão da qualidade total. A consolidação da gestão da qualidade total vem

com a implantação de um sistema de comunicação que, por assim dizer, traga o cliente para

dentro da empresa, para perto de cada colaborador.

O sistema de comunicações para a gestão da qualidade total é implementado através dos

instrumentos da qualidade total. Os instrumentos constituem uma linguagem através da qual

os colaboradores e gerentes podem se entender a respeito dos problemas do negócio. Com

isso fica superada uma grande dificuldade enfrentada pelos programas de gestão

participativa, que correm o risco de cair no paternalismo e de regredir ao autoritarismo

disfarçado: só é possível a participação se as pessoas tiverem uma linguagem em comum.

A rede de comunicações da gestão da qualidade total implementa a comunicação humana

em todos os seus aspectos: espaciais, temporais, sintáticos, semânticos e pragmáticos.

O sistema de comunicação da qualidade total baseia-se em uma linguagem que permite

falar sobre a ação empresarial, interpretando-a do próprio ponto de vista e relacionando

Page 32: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 32

esse ponto de vista ao discurso gerado a partir de outros outros pontos de vista. Cada ponto

de vista procura enriquecer o discurso e contribuir com seus conhecimentos e esforços para

a realização da ação. O processo geral para fazer isso consiste no desdobramento e no

cruzamento de informações. Os instrumentos formais para fazer isso são simples: o

diagrama sistemático e o diagrama de matriz.

O paradigma da produtividade do trabalho exige que todo o trabalho dos colaboradores da

empresa deve contribuir para adicionar valor ao produto. O novo paradigma da

produtividade do conhecimento exige que todo o conhecimento dos colaboradores da

empresa adicione valor ao negócio. O sistema de comunicação estabelecido pela gestão da

qualidade total visa transformar isso em realidade.

A seguir são examinados os meios usados para conseguir isso, a saber, os processos de

interpretar e relacionar implementados pelas ferramentas gerenciais da GQT (descritas

detalhadamente em Mizuno, 1988) e a maneira como esses processos são coordenados

nos instrumentos estruturais da gestão da qualidade total: o gerenciamento por diretrizes, o

gerenciamento interfuncional, o gerenciamento diário e o diagnóstico da diretoria (descritos

detalhadamente em Campos, 1992).

Interpretação: o diagrama sistemático

Quando recebemos uma informação, por exemplo, uma notícia, passamos a interpretá-la,

isto é a associar significados. Essa associação de significados não é desordenada mas

forma uma estrutura hierárquica. Uma maneira de interpretar uma informação

ordenadamente é o diagrama sistemático apresentado na Figura 9. A informação a ser

interpretada pode ser um objetivo a ser atingido (por exemplo, aumentar as vendas em 10%)

ou uma característica da qualidade de um produto (por exemplo, a cabina de um caminhão

deve ser confortável).

Page 33: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 33

FIGURA 9 - EXEMPLO DE DESDOBRAMENTO EM ÁRVORE DE UMA CARACTERÍSTICA DA

QUALIDADE, ATRAVÉS DE DIAGRAMA SISTEMÁTICO (AKAO, 1990)

A interpretação dos objetivos, diretrizes e especificações aplicáveis ao trabalho de um setor

da empresa permite que eles sejam relacionados aos conhecimentos e à visão de mundo

específica do setor. A interpretação não é feita por especialistas mas pelas próprias pessoas

responsáveis pela atividade.

É muito importante salientar que o objetivo de efetuar o desdobramento de metas, meios e

características de produtos não é a produção de um documento. O documento em si é de

pouco valor. O mais importante é que, no processo de elaborar o desdobramento as

pessoas aprendem, comunicam-se, motivam-se e comprometem-se para executarem o

trabalho.

Relacionamento: o diagrama da matriz

O segundo processo básico para ativar a comunicação é o relacionamento entre dois

diferentes sistemas conceituais. Por exemplo, a maneira como o cliente percebe e avalia um

produto consiste em um sistema conceitual (baseado na utilização), enquanto a maneira

como o engenheiro de projeto vê o mesmo produto é um outro sistema conceitual (baseado

na tecnologia). As metas estabelecidas pela diretoria da empresa constituem um sistema

conceitual baseado em estratégias de negócio, enquanto as ações tomadas pelos setores

para implementar essas metas devem ser entendidas dentro de outro sistema conceitual, de

ordem operacional. A maneira de representar o relacionamento entre diferentes sistemas

conceituais é o diagrama da matriz, exibido nas Figuras 10 e 11.

Sem vazamentos

boa visibilidade

Espaçosa

Silenciosa

Bom ar condicionado

Cabina confortável

Renovação de ar

Não muito

quente

Não muito frio

Page 34: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 34

FIGURA 10 - RELACIONAMENTO ENTRE A QUALIDADE DEMANDADA DE UM PRODUTO E SUAS

CARACTERÍSTICAS DA QUALIDADE

FIGURA 11 - MATRIZ DE RELAÇÕES METAS-MEIOS

Deve-se salientar aqui, da mesma forma que em relação à interpretação através do

diagrama sistemático, que a atividade feita em grupo de estabelecer os relacionamentos

entre os sistemas conceituais é mais importante do que o próprio documento que resulta da

atividade. O importante é o que fica nas pessoas. O documento é apenas um recurso para

ajudá-las a lembrar o que fizeram, para evocar as percepções, intenções e resoluções que

resultaram da identificação dos relacionamentos.

Estrutura da gestão da qualidade total

A gestão da qualidade total implementa uma estrutura de conhecimento e de comunicação

através da qual todos os colaboradores têm a oportunidade de interpretar as ações e

informações sobre o ambiente da empresa, de acordo com sua esfera de ação específica.

O meio tem efeito forte

sobre o resultado

O meio tem algum

efeito sobre o resultado

O meio tem pouco efeito

sobre o resultado

Relação forte

Relação média

Relação fraca Desdobramento das características da

qualidade do produto

Desdobra-mento da qualidade

demandada

do produto

desdobra-mento dos

meios

desdobramento das metas

Page 35: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 35

Essa estrutura baseia-se nos processos de interpretar (desdobrar) e relacionar, expressos

através dos diagramas sistemático e de matriz.

A estrutura básica da gestão da qualidade total consiste em quatro subprocessos, cada um

deles constituindo por si uma malha fechada através da qual seus participantes comunicam-

se entre si. Os quatro subprocessos formam uma malha fechada maior, que cobre a

organização como um todo e dispõe de caminhos alternativos para assegurar a livre

circulação das informações. O diagrama geral do sistema é apresentado na Figura 12.

FIGURA 12 - ESTRUTURA DA GESTÃO DA QUALIDADE TOTAL

Não é nosso objetivo detalhar aqui os processos da gestão da qualidade total mas apenas

mostrar que eles implementam uma rede de comunicação. Os papéis dos subprocessos

consistem em criar os contextos nos quais a comunicação relativa ao negócio torna-se

significativa para todos os colaboradores da empresa. O significado dessa informação, na

gestão da qualidade total, deve obrigatoriamente incluir a resposta do cliente às alternativas

de ação disponíveis aos colaboradores. Isso é o que quer dizer trazer o cliente para dentro

da empresa. Mesmo no caso das funções relativamente afastadas do cliente externo, devem

ser buscadas relações entre o desempenho da função e a resposta do cliente. Nos casos

em que isso não é possível, ou quando isso é insuficiente, então deve-se recorrer ao cliente

interno, isto é, um outro colaborador que precisa do resultado da função.

O processo de gestão da qualidade total envolve quatro subprocessos, cada um dos quais

gera um contexto específico e relacionado aos demais, de modo a recobrir toda a

organização por uma rede de significados. As características específicas desses

subprocessos são caracterizadas a seguir.

GQT Gestão da Qualidade

Total

Gerencia-mento

diário

Gerencia-mento inter-

funcional

Gerencia-mento por

diretrizes

Diagnós- tico da

diretoria

Page 36: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 36

Gerenciamento por diretrizes

A função do gerenciamento por diretrizes é estabelecer e comunicar a orientação

estratégica da empresa como um todo. Gerenciar por diretrizes consiste em estabelecer

tanto os objetivos e metas a serem atingidos quanto os meios para atingi-los. As diretrizes

são estabelecidas em relação a informações sobre o ambiente mercadológico, tecnológico,

econômico e social, relacionadas ao propósito da empresa. O propósito da empresa deriva

da realização de um negócio, que deriva sua razão de ser da satisfação do cliente. Dessa

forma, todo o planejamento da empresa é ancorado às necessidades e respostas do cliente.

Além disso, o significado das diretrizes e não apenas seu enunciado são comunicados e

negociados conjuntamente com o corpo de colaboradores.

Peter Drucker ilustrou a necessidade de relacionar o trabalho ao propósito do negócio

através da famosa anedota dos três pedreiros. Um homem encontrou três operários

cortando pedra e perguntou a cada um deles o que estava fazendo. O primeiro respondeu:

“Estou cortando pedra”. O segundo disse: “Estou fazendo o melhor trabalho de corte de

pedra de todo o país”. Finalmente, o terceiro falou: “Estou construindo uma catedral”. O

terceiro operário é o verdadeiro gerente: o seu trabalho é orientado ao propósito do negócio

como um todo. O primeiro operário está simplesmente ganhando um salário para sobreviver.

O segundo operário é um problema para a empresa, uma vez que ele persegue um objetivo

não relacionado aos propósitos do negócio, e sim a uma perspectiva particular.

A especificação do propósito do negócio deve considerar os seguintes elementos:

Propósito é aquilo que caracteriza os objetivos considerados válidos para o negócio;

Objetivo é a situação à qual se deseja chegar;

Metas são passos intermediários necessários à consecução dos objetivos;

Meios são as ações através das quais pretende-se progredir em direção às metas.

O desdobramento de diretrizes deve relacionar esses elementos aos valores adotados pela

empresa e aos dados relativos ao ambiente.

Administração interfuncional

As empresas modernas são organizadas por função (isto é, marketing, recursos humanos,

engenharia, produção, finanças, etc) e por linha de negócio (isto é, vídeo, áudio, eletrônica

automotiva, ferramentas elétricas, etc.). O desempenho dos negócios depende da

integração entre os setores funcionais. Esse problema costuma ser atacado através da

organização matricial, cuja versão no âmbito da qualidade total é a administração

interfuncional.

Page 37: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 37

FIGURA 13 - SEQÜÊNCIA DE PLANEJAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO INTERFUNCIONAL

Na administração interfuncional, as diretrizes funcionais são relacionadas às diretrizes do

negócio, que por sua vez derivam da orientação em relação ao cliente. Dessa forma, os

conhecimentos e experiências das áreas funcionais não constituem uma excelência em si e

sim um meio de servir ao propósito global da empresa.

A administração interfuncional faz a ponte entre o gerenciamento por diretrizes e o

gerenciamento diário das unidades operacionais. Essas relações são ilustradas na Figura

13.

Gerenciamento diário

A função específica do gerenciamento diário é estabelecer o propósito das ações dos

colaboradores da empresa a nível operacional. Para isso é necessário que todas as

informações necessárias a cada posto de trabalho da empresa estejam disponíveis às

pessoas responsáveis por eles. Quando isso acontece, o desempenho da empresa torna-se

regular e previsível, dentro das tolerâncias naturais ao processo. Dizemos então que o

processo está sob controle.

O gerenciamento diário é aplicado a nível local, isto é, nas unidades operacionais da

empresa. Seu propósito é tornar o desempenho da empresa regular e previsível. O

gerenciamento diário segue portanto o modelo da organização burocrática, com definição de

procedimentos detalhados, padrões, fluxos de informações, etc. Deve-se destacar porém

que isso é feito observando duas vinculações da maior importância:

Plano de

longo prazo

Plano anual

Plano das atividades

inter-

funcionais

Plano das atividades funcionais

Plano Depto 1

Plano Depto 2

Plano Depto 3

Plano Depto 4

Correlação forte

Correlação fraca

Page 38: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 38

Primeiro, os procedimentos são estabelecidos sempre em relação a diretrizes globais

e não como princípios de excelência em si mesmos;

Segundo, os padrões e rotinas são estabelecidos com a participação dos envolvidos

em sua execução.

Desse modo as pessoas não apenas se comprometem com a implementação dos

procedimentos mas, sobretudo, são capazes de saber porque eles foram estabelecidos de

determinada forma e serão capazes de identificar quando precisarem ser mudados.

Diagnóstico da diretoria

O diagnóstico da diretoria é feito através de visita às unidades operacionais e em contato

direto com os colaboradores de diferentes níveis hierárquicos, compreendendo uma

preparação, a visita com coleta de informações e seguido de análise, avaliação e

acompanhamento posterior. Dessa forma, o diagnóstico da diretoria permite encurtar os

canais de comunicação através dos níveis hierárquicos, proporcionando caminhos

alternativos através do quais o fechamento dos ciclos de controle é assegurada. É

importante destacar que o sentido do diagnóstico da diretoria não é exercer um policiamento

sobre a fidelidade da média gerência e sim melhorar o desempenho da comunicação na

empresa como um todo.

Conclusão: Administração como diálogo A gestão da qualidade total constitui uma promessa de renovação das relações sociais. No

fim do século passado, temia-se que a humanidade enfrentaria a miséria devido ao

crescimento da população, acompanhado pelo esgotamento dos recursos naturais. De lá

para cá, a produtividade da indústria e da agricultura aumentou muito e o planejamento

familiar tornou-se uma realidade. Um dos mais importantes fatores de inovação que

permitiram a transformação da vida humana foi a empresa moderna, que talvez seja a mais

importante invenção de nosso século, culminando com as inovações introduzidas pelos

japoneses na administração, a partir da segunda metade do século, que deram origem à

gestão da qualidade total.

Dialogar é conversar. Num diálogo, os participantes têm oportunidade de exprimir suas

idéias e serem ouvidos com atenção e respeito. O diálogo permite que as diversidades

participem de uma mesma unidade. Sem diversidade, não existe aprendizagem, nem

adaptação, nem evolução, nem vida. A vida é o milagre da ordem na diversidade, que se

torna mais complexa ao longo da história, levando à emergência da consciência humana,

cuja imagem grandiosa foi descrita por Teillard de Chardin em “O Fenômeno Humano”.

A capacidade de aprender, de desenvolver novos padrões de interpretação e de ação,

depende da diversidade do conhecimento. Por isso, é importante que uma empresa tenha

Page 39: Comunicação em Qualidade Total

COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 39

entre seus colaboradores pessoas capazes de entender a realidade de maneiras diferentes.

A unidade que deve ser buscada é a da ação e não a do conhecimento. As pessoas

precisam ter respeito e conhecimento mútuos que lhes permitam concordar sobre linhas de

ação, sem que seja necessário concordarem exatamente em suas interpretações.

Os gerentes precisam aprender a aprender. Acontece que para aprender é preciso primeiro

desaprender. Para nos tornarmos aprendizes, precisamos desaprender, precisamos abrir

mão das manipulações que habitualmente fazemos para controlar a situação, precisamos

entrar numa relação diferente com as outras pessoas e com as próprias coisas. Precisamos

recuperar a capacidade, que as crianças naturalmente possuem, de nos surpreendermos

com as coisas, a admiração na qual Aristóteles identificou a origem da filosofia.

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COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 40

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