Coutinho e Silva - O Nascimento Da Estatistica

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. / . / . , º - 191 O nascimento da Estatística e sua relação com o surgimento da Teoria de Probabilidade * ** Resumo O objetivo deste estudo histórico foi compreender e relacionar o surgimento da Estatística e da Teoria de Probabilidade. O início da Estatística (como é entendida hoje) deu-se com a Aritmética Política (século XVII), o surgimento da Teoria de Probabilida de aconteceu com Cardano (século XVI), e o p rimeiro registro da união destas duas áreas aconteceu com De Moivre (século XVIII). Foi a partir do século XVII que os matemáticos perceberam que muitos conceitos de probabilidade não poderiam ser separados da estatística, e esta relação tornou-se indissociável, contribuindo para o desenvolvimento de estudos em diversas áreas do conhecimento. Palavras-chave história daEestatística, história da Teoria de Probabilidade, Matemática. Title The Birth of Statistics and its Relationship with the Rise of the Probability Theory Abstract This historical study aims at understanding and relating the birth of Statistics and the Probability Theory. The beginnings of Statistics (as we understand it today) happened with Political Arithmetic (17 th century); the rise of the Probability Theory began with Cardano (16 th century). From the 17 th century on mathematicians realized that many probability concepts could not be dissociated from Statistics, and this relationship became inseparable, and also contributed for the development of studies in several fields of knowledge. Keywords history of Statistics, history of the probability theory, Mathematics. Data de recebimento: 22/12/2003. Data de aceitação: 30/01/2004. * Professora de Estatística na USJT e doutoranda em Educação Matemática na PUC-SP. E-mail: [email protected]. ** Professora do Dep. de Matemática da PUC-SP. Doutora em Educação Matemática pela Universidade de Joseph Fourier, Grenoble, França. E-mail: [email protected]. . A Estatística é definida por Costa Neto (1977) como a ciência que se preocupa com a organização, des- crição, análise e interpretação de dados experimen- tais e por este motivo tem aplicação em quase todas as atividades humanas. Integrada no campo das ciências exatas, a Esta- tística geralmente faz parte dos departamentos de Matemática das universidades e tem uma estreita relação com esta disciplina. Segundo Nelder (1986), seria impossível o desenvolvimento da parte teórica da estatística sem o corpo de teoria e notação matemática. Mas essa relação entre a Estatística e a Mate- mática não apresenta consenso na literatura. Há quem considere a Estatística como um ramo da Matemática. Outros consideram-na uma ciência independente, mas que usa a Matemática como ferramenta. Essa discussão pode ser observada no trabalho de Senn (1998). Para compreender um pouco dessa discussão atual, o objetivo deste trabalho é resgatar na histó- ria o surgimento da Estatística e da Teoria de Probabilidade, tentando relacioná-los e situá-los no desenvolvimento da própria Matemática. . A palavra “estatística” tem proveniência no latim statisticum, que significa relativo ao Estado (D ROESBEKE & TASSI, 1990; DUTARTE & PIEDNOIR, 2001; J OZEAU, 2001). Porém não existe, na literatura, um consenso sobre quem ou qual civilização utilizou primeiramente o termo “estatística” tal como o usamos nos dias atuais, ou seja, para designar uma

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Texto descritivo sobre o histórico da estatística. Descriptive text concerning about the historic of stats.

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    O nascimento da Estatstica e sua relao com osurgimento da Teoria de Probabilidade

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    Resumo ! O objetivo deste estudo histrico foi compreender e relacionar o surgimento da Estatstica e daTeoria de Probabilidade. O incio da Estatstica (como entendida hoje) deu-se com a Aritmtica Poltica(sculo XVII), o surgimento da Teoria de Probabilidade aconteceu com Cardano (sculo XVI), e o primeiroregistro da unio destas duas reas aconteceu com De Moivre (sculo XVIII). Foi a partir do sculo XVIIque os matemticos perceberam que muitos conceitos de probabilidade no poderiam ser separados daestatstica, e esta relao tornou-se indissocivel, contribuindo para o desenvolvimento de estudos emdiversas reas do conhecimento.Palavras-chave ! histria daEestatstica, histria da Teoria de Probabilidade, Matemtica.

    Title ! The Birth of Statistics and its Relationship with the Rise of the Probability TheoryAbstract ! This historical study aims at understanding and relating the birth of Statistics and theProbability Theory. The beginnings o f Statist ics (as we understand it today) happened with PoliticalArithmetic (17th century); the rise of the Probability Theory began with Cardano (16th century). From the17th century on mathematicians realized that many probability concepts could not be dissociated fromStatistics, and this relationship became inseparable, and also contributed for the development of studiesin several fields of knowledge.Keywords ! history of Statistics, history of the probability theory, Mathematics.

    Data de recebimento: 22/12/2003.Data de aceitao: 30/01/2004.* Professora de Estatstica na USJT e doutoranda em EducaoMatemtica na PUC-SP.E-mail: p [email protected].** Professora do Dep. de Matemtica da PUC-SP. Doutora emEducao Mat emt ica p ela Universidade de Jose ph Four ier,Grenoble, Frana.E-mail: [email protected] r.

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    A Estatstica definida por Costa Neto (1977) comoa cincia que se preocupa com a organizao, des-crio, anlise e interpretao de dados experimen-tais e por este motivo tem aplicao em quase todasas atividades humanas.

    Integrada no campo das cincias exatas, a Esta-tstica geralmente faz parte dos departamentos deMatemtica das universidades e tem uma estreitarelao com esta disciplina. Segundo Nelder(1986), seria impossvel o desenvolvimento daparte terica da estatstica sem o corpo de teoriae notao matemtica.

    Mas essa relao entre a Estatstica e a Mate-mtica no apresenta consenso na literatura. Hquem considere a Estatstica como um ramo daMatemtica. Outros consideram-na uma cinciaindependente, mas que usa a Matemtica comoferramenta. Essa discusso pode ser observada notrabalho de Senn (1998).

    Para compreender um pouco dessa discussoatual, o objetivo deste trabalho resgatar na hist-ria o surgimento da Estatstica e da Teoria deProbabilidade, tentando relacion-los e situ-losno desenvolvimento da prpria Matemtica.

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    A palavra estatst ica tem provenincia no latimstatisticum, que significa relativo ao Estado(DROESBEKE & TASSI, 1990; DUTARTE & PIEDNOIR, 2001;JOZEAU, 2001). Porm no existe, na literatura, umconsenso sobre quem ou qual civilizao utilizouprimeiramente o termo estatstica tal como ousamos nos dias atuais, ou seja, para designar uma

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    rea do saber ou um conjunto de medidas-resumode um conjunto de dados.

    Kendall (1978) argumenta que o primeiro usoda palavra estatstica deu-se num trabalho dohistoriador italiano Girolamo Ghilini, em 1589,que versava sobre uma descrio polt ica. Poroutro lado, Porter (1986) afirma que a palavraestatstica foi primeiramente usada como umsubstantivo por Gottfried Achenwall em 1749.

    Dada a controvrsia sobre o surgimento dotermo estatstica, o que se pode afirmar quea utilizao de idias de carter estatstico teveseu incio na Antiguidade, com a necessidade de osEstados conhecerem os dados de sua populao,territrio e outros atributos do poder.

    Embora Kendall (1978) argumente que os tra-balhos realizados at o sculo XVII apenas tinhamcomo objetivo a obteno de uma descrio pol-tica dos estados e que o aparecimento de infor-mao numrica dava-se por acidente ou porconvenincia, interessante conhecer um poucodesta histria.

    O primeiro registro de recenseamento refere-se civilizao da Sumria (de 5000 a 2000 a.C.),para o qual foram elaboradas em tbuas de argilalistas dos homens e seus bens. Segundo Droesbekee Tassi (1990), o poder egpcio, representado pelofara Amasis II (por volta de 2700 a 2500 a.C.),institucionalizou os recenseamentos com objetivotributrio, e neles todo indivduo era obrigado adeclarar sua fonte e atividade de renda, sob penade morte a quem no o fizesse.

    Na China, muitos recenseamentos foram reali-zados. Segundo Ferreira et al. (2002), o primeirorecenseamento foi feito em 2238 a.C., pelo impe-rador Yu (ou Yao), com o objetivo de conhecercom exatido o nmero de habitantes para dividiro territrio, cobrar impostos e recrutar homenspara o servio militar.

    Na ndia Antiga foi feito um tratado de recen-seamento denominado Tratado de Arthasstra,ou seja, tratado de cincia (sstra) e do progresso(artha). Foi redigido por Kautilya, ministro dorei Candragupta (313-289 a.C.), cujo objetivoera aumentar incessantemente o seu reino. Tudoo que for feito ter de ser conhecido: do efetivo dapopulao at o nmero de elefantes, passando

    pelas matrias-primas, os produtos fabricados,os preos e os salrios (FERREIRA et al , 2002, p. 11).

    Esses autores tambm relatam que, em Roma,os recenseamentos foram realizados de 750 a.C.at 476 d.C., e neles os cidados romanos eramobrigados a declarar suas fortunas, seus nomes,os de seus pais, a idade, o nome de suas esposasassim como o de seus filhos, a tribo em que resi-diam e o nmero de escravos, sob pena de ficaremsem seus bens ou seus direitos de cidado (id.,ibid., p. 12).

    A partir do sculo XIII a Estatstica comea acaminhar para os moldes da cincia que conhece-mos hoje. Na Frana, por volta de 1300, as fam-lias e/ou lares foram utilizados como elementoessencial para estimar a sua populao.

    Depois desse sculo, segundo Jozeau (2001),existiam trs correntes estatsticas separadasgeograficamente: a Estatstica Descritiva alem,a Aritmtica Poltica inglesa e os jogos e probabi-lidades, na Frana.

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    Segundo Jozeau (2001), Hermann Conring (1606-81) criou o termo Stati para definir a EstatsticaDescritiva alem, cujo objetivo era descrever adiversidade territorial nacional.

    Uma das inovaes dos estudos realizados poressa escola foi a publicao de tabelas cruzadas(hoje conhecidas como tabelas de contingnciaou tabelas de dupla entrada) para apresentar osdados dos recenseamentos realizados no territ-rio alemo.

    Nessas tabelas eram listados os nomes das fa-mlias e o respectivo nmero de homens, o nme-ro de mulheres, o nmero de filhos e empre-gadosda famlia1.

    Segundo Ferreira et al. (2002), essa escolapreocupava-se em descrever os estados polticos,e, portanto, as informaes numricas que apa-reciam nos registros ocorriam somente por aca-so ou por convenincia.

    O trabalho com esse tipo de informaoaparece com a escola de Aritmtica Poltica, naInglaterra. Segundo Jozeau (2001), essa escoladifundiu-se por toda a Europa.

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    A Aritmtica Poltica, segundo Droesbeke e Tassi(1990), preocupava-se com a quantificao e apesquisa de constantes de comportamento, per-mitindo estimaes e previses tais como o n-mero de filhos por mulher, o tempo entre doisnascimentos de uma mesma mulher, o nmerode habitantes por famlia, a proporo de faleci-mentos etc.

    Perero (1994) explica que a Estatstica deu umgrande salto qualitativo por volta do sculo XVII.Por um lado, a utilizao de dados estatst icoscomea em instituies financeiras e companhiasde seguro. Por outro lado, nasce na Inglaterra oconceito de Aritmtica Poltica e comea-se amatematizar outras disciplinas, que eram, atento, puramente descritivas, como a demografia,a economia e as cincias sociais.

    Os fundadores da Aritmtica Poltica foramJohn Graunt (1620-74) e William Petty (1623-87),mas o termo Aritmtica Poltica foi dado porPetty e definido por Charles Davenant (1656-1714) como a arte de raciocinar com nmerossobre os problemas do governo (JOZEAU, 2001).

    John Graunt utilizou os dados publicados nosboletins sobre mortalidade, que foram realiza-dos aps 1519 em Londres, para estabelecer e ve-rificar certas questes controversas como ascausas de mortalidade, o tamanho exato da po-pulao de Londres, a relao entre o nmero dehomens e de mulheres. Segundo Ferreira et al.(2002), Graunt fez uma anlise exaustiva donmero de pessoas que morriam de vrias doen-as e estimou o nmero de nascimentos de homense de mulheres, mostrando, por exemplo, quenasciam mais homens que mulheres e que, a cada100 pessoas nascidas, 36 morriam aos 6 anos eque 7 sobreviviam at os 70 anos. SegundoLightner (1991), Graunt foi a primeira pessoa alidar com inferncia estatstica na anlise de dadosde massa.

    Graunt publicou sua obra Natural and politicalobservation made upon the bills of mortality em1662, e isso chamou a ateno do rei da Inglaterra(Carlos II), que props a Graunt ser scio fun-dador da Royal Society.

    Willian Petty, que tambm era membro daRoyal Society, trabalhou durante trs anos comJohn Graunt. Ele estimou a populao de Londresda seguinte maneira: o nmero de residncias era105.000 e, considerando que a mdia de mem-bros da famlia era de seis pessoas e que 10% dasresidncias abrigavam duas famlias, ele concluiuque havia 695.000 habitantes em Londres(DROESBEKE & TASSI, 1990, p. 42).

    Essa tcnica utilizada por Petty foi denomina-da de extrapolao ou de multiplicao e teveum enorme sucesso. Jean Joseph dExpilly (1719-93) utilizou esta tcnica com um outro estimador,usando o fator 5 para residncias urbanas e 4,5para residncias rurais.

    Segundo Jozeau (2001), Graunt utilizou a mes-ma tcnica e inovou, extrapolando os dados deLondres (calculados por Petty) para a Inglaterra.

    Depois do trabalho de Graunt, o trabalho se-guinte de grande importncia foi o de EdmundHalley (1656-1742), que era matemtico deOxford, e em suas memrias de 1693 publicouDegrees of mortality of mankind, em que fez umestudo cuidadoso das anuidades (LIGHTNER, 1991).

    KENDALL (1978) argumenta que a AritmticaPoltica o verdadeiro antepassado da Estatsticacomo entendida hoje. Segundo Droesbeke e Tassi(1990), as tcnicas desenvolvidas na AritmticaPoltica passaram a ser utilizadas em detrimentodos recenseamentos e favoreceram o aparecimen-to de enquetes parciais, que tiveram como justifi-cativa o clculo de probabilidades.

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    A probabilidade comeou como cincia emprica.Vrios dos problemas propostos nessa rea dosaber foram pensados por matemticos, filso-fos, naturalistas, advogados, respondendo a umanecessidade social: o estudo de jogos de azar.

    Girolamo Cardano (Jrme Cardan) (1501-76), professor de matemtica e medicina, jogoudiariamente por mais de 40 anos. Desde cedo emsua vida, ele determinou que, se no jogasse apos-tando algum dinheiro, nenhuma compensaoseria obtida por um tempo perdido em jogos, no

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    qual poderia de outra maneira gast-lo mais intei-ramente na busca de aprendizagem (LIGHTNER, 1991).

    Como no queria gastar seu tempo em ati-vi-dades no promissoras, ele analisou seriamente asprobabilidades de tirar um s de um baralho decartas e de obter a soma 7 no lanamento dedois dados. Ento, ele relatou os resultados dessasinvestigaes, bem como suas experincias em ummanual de jogos chamado Liber de Ludo Aleae,publicado em 1539.

    Perero (1994) explica que Cardano conside-rado o pai da Teoria de Probabilidade, pois nessaobra analisou os jogos de azar de forma sistem-tica. Em um captulo intitulado On the cast ofone die, e le relatou: Eu posso tirar 1, 3 ou 5,bem como posso tirar 2, 4 e 6. As apostas sofeitas de acordo com esta igualdade, se o dado honesto e, em caso contrrio, elas so feitas muitomaiores ou menores em proporo para a sadada verdadeira igualdade (BURTON, 1985, citadoem LIGHTNER, 1991).

    Nesse relato, possvel notar a transio doempirismo para o conceito probabilstico teri-co de um dado honesto, que, segundo Lightner(1991), marca a fundao do campo da matem-tica que se denomina probabilidade, mas que,para aquela poca, poderia ser jogo demais paraos matemticos e matemtico demais para osjogadores.

    Embora exista esse trabalho de Cardano, paraalguns historiadores a Teoria de Probabilidadecomeou efetivamente com a correspondnciaentre Pascal e Fermat, do fato de que uma dascartas evoca efetivamente o termo Geometria doAcaso para referir-se ao clculo de probabilidades.

    Segundo Perero (1994), em 1650, Antoine deGombaud, o Chevalier de Mr, um experientejogador francs, tinha como problema entenderpor que 11 ocorria com mais freqncia do que12 no lanamento de 3 dados e solicitou a Pascalque o ajudasse a solucionar Pascal explicou queele estava errado. Em seguida, Mr solicitou aPascal resolver o problema dos pontos2.

    Buscando solucionar esse problema, Pascalcomunicou-o a Fermat, dando incio srie decartas que so reputadas como origem desta teoria.Nessas cartas, pode-se encontrar o problema cor-

    retamente resolvido por ambos, mas de manei-rasdiferentes. Nota-se que eles lidavam com os fun-damentos da teoria da probabilidade matemti-ca, um evento que Eves chama de um grandemomento em matemtica e que consideradopor alguns historiadores o incio da Teoria deProbabilidade (LIGHTNER, 1991).

    Em 1657, Christian Huygens (1629-95) escreveuo primeiro tratado formal de probabilidade, DeRatiociniis in Ludo Aleae, baseado nas correspon-dncias entre Fermat e Pascal.

    Somente em 1713 tem-se notcia de outra pu-blicao fundamental para o desenvolvimentodessa teoria, quando Ars Conjectandi, de JakobBernoulli (1654-1705), foi publicado postuma-mente, e d incio ao enfoque freqentista do con-ceito de probabilidade.

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    Segundo Ferreira et al. (2002), a ligao das pro-babilidades com os conhecimentos estatsticosveio dar uma nova dimenso Estatstica, consi-derando-se o incio da inferncia estatstica.

    Lightner (1991) explica que, depois dos estu-dos pioneiros de Graunt e Halley, foi AbrahamDe Moivre (1667-1754) quem prosseguiu o tipode estudo que era feito na Aritmtica Poltica.

    De Moivre emigrou para a Inglaterra, ondeconheceu Newton e Halley, e publicou Doctrineof chances em 1718 sobre a Teoria do Acaso, emque expunha, entre outros assuntos, a probabili-dade de tirar bolas de cores diferentes de uma urna(FERREIRA et al., 2002).

    Esse trabalho de De Moivre teve um impor-tante papel no desenvolvimento da matemticaatuarial e sua relao com seguros de vida, e maistarde ele preparou um material no qual descre-veu a curva normal de probabilidade (LIGHTNER,1991, p. 627).

    Segundo Lightner (1991), a partir de De Moivre,probabilidade e estatstica entraram num perodode transio, em que os conceitos foram exami-nados, aplicados a velhos e novos problemas almdaqueles de jogos e tabelas de mortalidade, que

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    registraram o comeo da probabilidade e da esta-tstica, respectivamente.

    Jakob Bernoulli (1654-1705) desenvolveu o quehoje chamamos de distribuio de Bernoulli,que consiste em dizer que um experimento alea-trio tem duas possibilidades de resultado: suces-so e fracasso (configurao de urna de Bernoulli),que fora a base da distribuio binomial (FERREIRAet al., 2002). Outros membros da famliaBernoulli tambm se destacam nesta rea. Porexemplo, Daniel (1700-82) investigou o Para-doxo de Petersburg3, que consiste na soluo deum problema de jogo.

    Bernoulli tambm mostrou como o ClculoIntegral (que tinha surgido 60 anos antes) poderiaser aplicado probabilidade. Leonhard Euler(1707-83) sistematizou e organizou muitosproblemas probabilsticos, e Joseph Lagrange(1736-1813) tambm avanou na Teoria de Proba-bilidade aplicando o clculo diferencial.

    Pierre Simon Laplace (1749-1827) publicouem 1812 sua obra intitulada Teoria analtica dasprobabilidades, em que definiu, em um de seusprincpios, a probabilidade pela qual o nmerode vezes em que um determinado acontecimentopode ocorrer, dividido pelo nmero total doscasos, considerando-se a hiptese de eqipro-babilidade (FERREIRA et al., 2002).

    Segundo Lightner (1991), embora o interessede Laplace fosse o estudo da astronomia (elepublicou Celestial Mechanics em 1799), eletambm usou a Teoria de Probabilidade paraobter uma medida estatstica de confiabilidadede resultados numricos derivados de dados epara determinar a probabilidade de certo fen-meno astronmico ser devido a causas definidasem vez de ao puro acaso.

    Em 1812, Laplace publicou Thorie analytiquedes probabilits, em que organizou tudo o que eraconhecido sobre a teoria estatstica e probabils-tica em uma primeira tentativa de axiomatizao.Segundo Lightner (1991), Laplace freqente-mente considerado o pai da teoria moderna deprobabilidade porque ele entendeu, talvez melhorque todos de seu tempo, a significncia da proba-bilidade para o mundo. Usando a Teoria de Pro-babilidade, um nmero de matemticos derivou

    vrios tipos de distribuies matemticas que des-creveriam vrias populaes, incluindo a distri-buio de Bernoulli e de Poisson, o ajustamentoda distribuio normal descrita por Karl FriedrichGauss (1777-1855), que devotou especial ateno curva normal, sua equao e suas aplicaes(LIGHTNER, 1991, p. 629).

    O comeo da anlise estatstica de dados decenso foi feita em 1829 por Lambert AdolpheJacques Quetelet (1796-1874), na Blgica.

    Francis Galton (1822-1911) descobriu a lei daregresso e o coeficiente de correlao em 1877.Comeando em 1894, Karl Pearson (1857-1936)aplicou a probabilidade biologia e criou a reade estudo denominada Biometrics (LIGHTNER, 1991).

    Mas, durante o sculo XIX, descobriu-se queum grande nmero de fenmenos naturais nascincias biolgicas e na fsica seguia a distribuionormal dos erros aleatrios, e comea uma uniodessas duas correntes (BENNETT, 2003, p. 122).

    No entanto, apenas no final do sculo XIXque o desenvolvimento da matemtica permiteum avano efetivo na Teoria de Probabilidade.O trabalho de Borel e de Lebesgue permite aKolmogorov, em 1933, publicar uma obra conten-do a axiomatizao da Teoria de Probabilidade.

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    Pelos apontamentos histricos pode-se consi-derar que o incio da estatstica deu-se na Antigui-dade com os recenseamentos e somente naAritmtica Poltica teve um avano no tipo detrabalho que era realizado. Esse perodo acon-teceu do sculo VI antes de Cristo at o sculoXVII aps Cristo, o que soma 23 sculos.

    Quanto Teoria de Probabilidade, emboraexistam registros de jogos de azar na Antiguidade,o desenvolvimento das idias que formam a baseda Teoria de Probabilidade ocorreu com Cardano,no sculo XVI depois de Cristo (COUTINHO, 1994).

    Um ponto em comum no surgimento dasidias da estatstica e da probabilidade queambas surgiram a partir de problemas empricos,embora existam registros de mais matemticosenvolvidos com os problemas de jogos de azardo que com problemas de recenseamentos.

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    Mas os caminhos dessas duas reas permane-ceram separados at o surgimento da AritmticaPoltica (sculo XVII). Foi com a obra de De Moivreque se tem registro da unio dos trabalhos realiza-dos pela estatstica e pela probabilidade, o que dincio rea da Estatstica denominada Inferncia.

    Portanto, a partir do sculo XVII a relaoentre a Estatstica e a Probabilidade torna-seindissocivel, contribuindo para o desenvol-vimento de estudos em diversas reas do conheci-mento, como a biologia, a psicologia, entreoutras.

    Referncias bibliogrficas

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    Notas

    1 Um exemplo dessas tabelas pode ser visto em JOZEAU

    (2001, p. 57).2 Lightner (1991) explica o que era o problema dos pontos:

    suponha que um jogador, por exemplo, o Chevalier de Mr,e um de seus amigos estivessem num jogo de dados do

    sculo XVII. Cada jogador aposta 30 pistolas (antiga moedaespanhola) que seu nmero escolhido sair trs vezes num

    dado antes que o nmero do outro jogador saia trs vezes.Depois de o jogo ter comeado, o nmero de Mr, 5, tinha

    sado duas vezes enquanto o nmero de seu oponente, 3,tinha sado somente uma vez. Nesse momento, Mr recebe

    uma mensagem urgente e o jogo deve parar. Como osjogadores deveriam dividir as 60 pistolas na mesa? O amigo

    de Mr afirma que, considerando que a chance de ele obterduas jogadas sortudas metade da chance de Mr obter

    uma jogada sortuda, ele deveria receber 20 pistolas e Mrdeveria receber 40. De Mr argumenta que, na prxima

    jogada, o pior que poderia acontecer para ele seria perder suavantagem, ocorrendo um empate, e ento as pistolas seriam

    divididas igualmente. Entretanto, se sasse 5 na prximajogada, ele seria o vencedor e receberia as 60 pistolas. DeMr afirma que, mesmo antes da jogada, ele deve receber

    30 pistolas e mais 15 que a metade da certeza; portanto,ele deveria receber 45 e seu oponente 15. E ele estava certo.

    Pascal e Fermat decidiram esse resultado em suas famosascorrespondncias. Eles tambm consideraram outros

    problemas relacionados ao problema dos pontos, tal como adiviso do dinheiro apostado quando os dois jogadores so

    desigualmente habilidosos ou quando mais do que doisjogadores esto apostando.

    3 Um jogador lana uma moeda e um segundo jogadorconcorda em pagar uma quantidade em dinheiro se aparecer

    cara no 1 lanamento, o dobro do dinheiro se aparecer carano 2 lanamento, 4 vezes a quantia inicial se aparecer cara

    no 3 lanamento, 8 vezes se sair cara no 4 lanamento, eassim sucessivamente. O paradoxo nasceu sobre quanto

    deveria ser pago, antes do jogo, para ser honesto com ambosos jogadores? Uma grande diferena surgiu entre o senso

    comum e o raciocnio matemt ico (LIGHTNER , 1991 p. 628).