CPEM09 MONO CMG SANTOS JORGE - Escola de Guerra Naval · 2.1 As Relações Internacionais e o...
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ESCOLA DE GUERRA NAVAL
CMG SANTOS JORGE ESPERANÇA JUNIOR
DISSUASÃO E POLÍTICA EXTERNA: A RELAÇÃO DO PODER MILITAR E A
DIPLOMACIA NO BRASIL
Diplomacia e Defesa, temas indissociáveis.
Rio de Janeiro
2009
CMG SANTOS JORGE ESPERANÇA JUNIOR
DISSUASÃO E POLÍTICA EXTERNA: A RELAÇÃO DO PODER MILITAR E A
DIPLOMACIA NO BRASIL
Diplomacia e Defesa, temas indissociáveis.
Rio de Janeiro
Escola de Guerra Naval
2009
Monografia apresentada à Escola de Guerra Naval como requisito parcial para a conclusão do Curso de Política e Estratégia Marítimas. Orientador: CMG (RM1) Márcio Andrade de Nogueira
RESUMO
A cultura de Defesa no Brasil encontra-se adormecida nos diversos segmentos da nossa sociedade e, principalmente, na estrutura de poder do Estado. A história do país não contribui muito para essa cultura, pois o último conflito armado de que o país participou, envolvendo o território nacional, foi no século XIX. O Brasil não possui contenciosos territoriais e vive em paz e cooperação com seus vizinhos, mantendo relações amistosas no mundo. Entretanto, no corrente século poderão ocorrer disputas por áreas marítimas, pelo domínio aeroespacial, por fontes de água doce e de energia, essas cada vez mais escassas. Tais disputas poderão acarretar um quadro de conflitos e de crises e o Estado brasileiro precisa estar preparado para garantir seus interesses legítimos, bem como sua soberania. Apesar dos vínculos institucionais existentes entre diplomatas e militares, a Política Externa e a Política de Defesa têm sido conduzidas separadamente o que, em uma abordagem de Relações Internacionais, demonstra uma falta de sintonia com o jogo do poder no Sistema Internacional. Desta forma, este trabalho tem como objetivos identificar os óbices a uma maior interação e articulação no nível político entre o Ministério da Defesa e o Ministério das Relações Exteriores; ressaltar a importância da dissuasão e do papel da instrumentalidade do poder militar nas ações diplomáticas; e, finalmente, propor medidas para uma maior interação e articulação entre os Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores na condução da política externa. Palavras chaves: Diplomacia, Defesa, Dissuasão, Poder Militar, Política Externa e Política de Defesa.
ABSTRACT
The culture of Defense in Brazil is forgotten in all spectrums of our society and also in the country’s structure of power. Country’s history itself doesn’t contribute much to this situation once the last armed conflict in its own territory occurred in nineteenth century. Brazil has no territorial contends and lives in peace and cooperation with its neighbors, keeping friendly relations in the world. However, during this century some controversy regarding maritime areas, aerospace domination, sources of fresh water and energy witch are becoming increasingly scarce, may occur. Such controversies may generate a scenario of conflict and crisis and the Brazilian State must be prepared to ensure its own interests and sovereignty. Despite the institutional ties between diplomats and military, the Foreign Policy and Defense Policy have been conducted separately what under an International Relations approach shows a lack of harmony with the game of power in the International System. Therefore, this work aims the identification of obstacles to a greater interaction and coordination in a political level between the Ministério da Defesa and the Ministério das Relações Exteriores; to emphasize the importance of deterrence and the role of military power in the instrumentality of diplomatic actions; and, finally, to suggest measures to a greater interaction and coordination in a political level between the Ministério da Defesa and the Ministério das Relações Exteriores.
Key words: Diplomacy, Defense, Deterrence, Military Power, Foreign Policy and Defense Policy.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 5 2 CONCEITUAÇÕES BÁSICAS E CONSIDERAÇÕES INICIAIS.......................... 7 2.1 Relações Internacionais e Sistema Internacional............................................................ 7 2.2 Paradigmas Interpretativos das Relações Internacionais................................................ 10 2.3 Política Externa, Política de Defesa, Segurança e Defesa.............................................. 13 2.4 Poder e Poder Militar....................................................................................................... 21 2.5 Dissuasão........................................................................................................................ 23 2.6 Diplomacia...................................................................................................................... 28 3 OS MILITARES E OS DIPLOMATAS..................................................................... 32 3.1 As Relações Civis - Militares e o Poder.......................................................................... 32 3.2 A Dialética dos Militares e dos Diplomatas................................................................... 38 3.3 Articulação e Integração entre o MD e o MRE........................................................... 41 4 PROPOSTAS PARA UMA MAIOR INTERAÇÃO E ARTICULAÇÃO ENTRE O MRE E O MD NA CONDUÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA.................................
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5 CONCLUSÃO................................................................................................................ 52 REFERÊNCIAS............................................................................................................ 57 APÊNDICE A................................................................................................................ 61
1 INTRODUÇÃO
Hoje em dia, o Brasil não tem contenciosos territoriais e vive em paz e
cooperação com todos os seus vizinhos. O nosso país é defensor da paz e de soluções
pacíficas para as crises e conflitos, e tem mantido relações amistosas com os Estados no
mundo afora.
Sabemos que a paz universal é extremamente difícil de ser alcançada,
principalmente quando somos instigados ou forçados a refletirmos sobre o Sistema
Internacional e os interesses dos Estados. Aliam-se a isto os discursos realizados pelos países
desenvolvidos quanto ao desarmamento e à manutenção da paz mundial, deixando clara a
intenção desses países em garantir os respectivos status quo e de dificultar os demais países
em alcançar um poder dissuasório, demonstrando que um mundo de paz e cooperação é, na
prática, uma utopia.
A percepção de ameaças está adormecida para a maioria dos brasileiros devido ao
longo período sem que o país participe de conflitos que afetem o nosso território. Porém,
imaginar que um país com o potencial do Brasil não venha a ter disputas ou antagonismos ao
buscar alcançar seus interesses, além da evidente cobiça internacional de seus recursos
naturais, é, sem dúvida, ser imprudente.
Os discursos ideológicos sobre a paz, a integração e cooperação mútuas
continuam ocorrendo com grande intensidade, mas o que vemos na prática são as contínuos
conflitos mundiais, fruto dos interesses nacionais dos países desenvovidos e da manutenção
do equilibrio do poder, por meio da agressão militar e forte pressão política e econômica
Alsina Junior faz um comentário significativo e preocupante sobre a nossa política
Externa:
Em última análise, a política externa brasileira não considerava (e ainda não considera) a política de defesa como um instrumento significativo para a consecução dos interesses nacionais no plano externo - o que restringiria a margem de manobra do país unicamente ao leito diplomático. Esse fato seria responsável por certa alienação conceitual entre a política externa e as questões de defesa. (ALSINA JUNIOR, 2006, P.114)
A inserção político-estratégica do Brasil no cenário internacional e a dinâmica das
relações internacionais determinam uma maior integração e articulação entre os militares e os
diplomatas na condução da Política de Defesa como ramificação da Política Externa, de modo
a agregar elementos e ações que contribuam para alcançar, preservar e defender nossos
interesses, adequando-se ao jogo do poder no Sistema Internacional.
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A constatação da falta de integração das atividades do Ministério das Relações
Exteriores (MRE) e do Ministério da Defesa (MD), no que tange à condução da Política de
Defesa como ramificação da Política Externa, necessita ser estudada a fim de que sejam feitas
formulações de propostas de ação para uma maior integração das atividades do MRE e do
MD na condução da Política de Defesa como ramificação da Política Externa.
Isto posto, este trabalho visa a verificar os óbices à maior integração e a
articulação das atividades diplomáticas e militares na condução da Política de defesa como
ramificação da Política Externa e sugerir possíveis soluções.
O procedimento metodológico adotado na elaboração deste trabalho consistiu em:
a) Pesquisa bibliográfica e documental, por meio de técnicas indiretas -
levantamento e seleção bibliográfica e documental, com buscas a bibliotecas, livrarias e
consultas à Internet;
b) Leitura analítica do material com fichamento do que for de interesse e
interpretação dos dados relevantes;
c) Pesquisa descritiva por meio de questionários enviados a militares, diplomatas
e professores universitários; e
d) Análise dos dados levantados e interpretação dos resultados.
Assim sendo, no Capítulo 2 deste trabalho pretende-se chamar a atenção de
conceitos básicos nas relações internacionais e realizar considerações a respeito de suas
importâncias e consequências para um país na condução da Política Externa.
No Capítulo 3 é ressaltada a relação dos civis-militares e o poder e suas
evoluções, a dialética dos militares e civis e suas consequências e os óbices a maior interação
e articulação entre os Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores.
No Capítulo 4 são sugeridas propostas para uma maior interação e articulação
entre os Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores na condução da política externa.
Por fim, no Capítulo 5 é efetuada uma conclusão, visando a englobar e sintetizar
os assuntos abordados no presente trabalho, e exprimir a minha opinião sobre o assunto.
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2 CONCEITUAÇÕES BÁSICAS E CONSIDERAÇÕES INICIAIS
2.1 As Relações Internacionais e o Sistema Internacional
O estudo e a pesquisa das Relações Internacionais, sob o enfoque científico e do
conhecimento no ambiente acadêmico são relativamente novos, tendo sido incentivados e
impulsionados a partir do término da Primeira Guerra Mundial. A partir de então, e
principalmente após a Segunda Guerra, os Estados envidaram esforços para que as relações
internacionais tomassem um rumo no sentido de se tornar um campo de estudo específico e
autônomo, deixando de ser prerrogativa apenas dos diplomatas, historiadores e profissionais/
especialistas em Direito Internacional. Não podemos deixar de ressaltar que a histórica Paz de
Westfália (1648) é reconhecida pelos especialistas e estudiosos como o início dos estudos e
pesquisas relativos às Relações Internacionais. Naquela época, se deu o início do conceito
Estado-nação e o reconhecimento pela Comunidade Internacional da soberania desses
Estados, ou seja, soberania absoluta dos Estados nacionais.
Relações Internacionais é a disciplina que se ocupa do conjunto de
relacionamento e de interações, conflituosas e cooperativas, que os agentes sociais realizam
através das fronteiras dos Estados. A disciplina de Relações Internacionais procura dar conta
desses fenômenos em todas as suas dimensões: econômica, política, jurídica, social,
ideológica e cultural (GONÇALVES e SILVA, 2005, p. 231-241). Segundo Williams
Gonçalves, as Relações Internacionais apresentam-se bastante complexas e não podem se
subordinar às balizas e normas preconizadas pelas disciplinas de Economia Internacional,
Direito Internacional, História Diplomática, Política Internacional e outras. Apesar de cada
uma dessas disciplinas tornarem presentes os aspectos de grande valor e interesses mundiais,
apenas uma combinação articulada e integrada de todas pode abranger a extensão e a
densidade das Relações Internacionais, evidenciando a inevitável ótica de sua
multidisciplinaridade. Comentou, ainda, que a produção acadêmica do mundo anglossaxão do
estudo e análise das Relações Internacionais é extremamente superior a dos demais países do
mundo, motivado pelas as razões de ordem econômica, acadêmica, cultural e de poder
(GONÇALVES, 2009)
As instituições norte-americanas e inglesas sempre atentaram para o fato da
necessidade e a importância de se aportarem recursos significativos ao estudo, pesquisa,
análise e ensino da disciplina de Relações Internacionais. A primeira cátedra universitária foi
criada em 1919, na Universidade de Gales. Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados
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Unidos direcionaram enormes quantias financeiras para área de pesquisa, análise e estudo das
relações internacionais, motivando a formação de uma importante e significativa massa crítica
nos diversos Centros de Estudos Acadêmicos do país.
Nos Estados Unidos, a ciência das relações internacionais nasceu e se
desenvolveu a partir dos estudos oriundos da disciplina de Ciência Política e foram levadas a
efeito para resolução de problemas definidos e precisos. Já na Inglaterra, se originaram da
cooperação acadêmica entre diferentes segmentos universitários e do meio diplomático.
A respeito da história das Relações Internacionais, Cervo explica:
Apenas nos Estados Unidos, a história das Relações Internacionais esteve estreitamente ligada à evolução das teorias das Relações Internacionais desde o pós-guerra. Porque se inspirou em seus paradigmas, tornou-se introspectiva, visto que à ciência política coube dar inteligibilidade e justificar a política exterior dos Estados Unidos na segunda metade do século XX. Na Europa, pelo contrário, desde os anos de 1930, acompanhando o ritmo de renovação das ciências históricas, a história das Relações Internacionais definiu seu perfil próprio, em termos de objeto, método, volume de conhecimento e construção teórica. (CERVO, 1994, p.12)
Nesse contexto, não podemos nos esquecer das tácitas razões de poder econômico
e militar que estão relacionadas diretamente e indiretamente ao entendimento amplo das
relações internacionais. Não é mera coincidência que as Relações Internacionais tenham sido
desenvolvidas como estudo e destacada análise em países desenvolvidos como, por exemplo,
a Inglaterra e os Estados Unidos. Assim, o estudo das Relações Internacionais configurou-se
como uma tarefa obrigatória ao entendimento das mudanças e entendimentos do mundo e,
naturalmente, indispensável no efeito da manutenção ou ascensão do poder.
A superioridade anglo-saxã nas Relações Internacionais é reconhecida
mundialmente, sendo originada de realizações no meio acadêmico e político, por meio de
trabalhos e análises de qualidade e com credibilidade no efeito da assunção e manutenção
plena do poder. Todavia, os estudos, cursos, pesquisas e programas de Relações
Internacionais nos países da América Latina são recentes, porém se encontram em processo
de expansão. Atualmente no Brasil, destaca-se a participação de professores universitários,
militares e diplomatas em cursos de pós-graduação, seminários e mesas-redondas atinentes às
relações internacionais, além da implementação de programas de governo, como é o caso do
Pró-Defesa. O nosso país não tem tradição e experiência no campo de estudo teórico e de
pesquisa das Relações Internacionais. Segundo Oliveira:
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O ensino das Relações Internacionais, além de seu conteúdo histórico, político e social etc..., do interesse do país e da região, não pode se afastar do núcleo duro da disciplina e de seus aspectos teóricos centrais, respaldados por competente massa crítica e base empírica, com prévia e adequada técnica metodológica. Em suma, difundido nas décadas de sessenta e setenta, o movimento de estudos da disciplina conseguiu sensibilizar então centros e instituições, cuja preocupação fixou-se em problemas latinos concretos das Relações Internacionais: o desenvolvimento e o subdesenvolvimento, a dominação dos países desenvolvidos e a dependência dos países em desenvolvimento. Naturalmente, constituem indagações contrárias àquelas do modelo de poder e da força apresentado pelas Relações Internacionais desenvolvidas hegemonicamente pela grande potência americana. (OLIVEIRA, 2007, p. 50)
Os Estados desenvolvidos e possuidores de massa crítica experiente em relações
internacionais, como, por exemplo, os Estados Unidos, têm a possibilidade de indicar o que é
relevante e importante no cenário internacional e se antecipar em ações preventivas e
proativas. Desta forma, podem direcionar a pesquisa e a análise, tornando-se indispensáveis e
importantes os seus resultados para a compreensão das grandes mudanças no Sistema
Internacional e a consequente redefinição da pauta da agenda da política internacional.
Raymond Aron (1979, p.121) define o Sistema Internacional como: “o conjunto
constituído pelas unidades políticas que mantêm relações regulares entre si e que são
suscetíveis de entrar numa guerra geral”. Sendo assim, esse sistema é formado por Estados
soberanos integrados pelas relações de independência. Como outra definição de Sistema
Internacional, podemos citar:
Sistema Internacional é, para as Relações Internacionais, o ambiente constituído pelos Estados e as diversas instituições internacionais, como a ONU ou a OCDE em interação no mundo. O termo tem uso arraigado nos estudos das Relações Internacionais, tendo significação geralmente ampla. Traz em seu bojo a ideia de uma hierarquização entre os Estados, sendo esta baseada nas capacidades políticas, militares e econômicas. Às vezes é referido simplesmente como “sistema de Estados” ou “Governo do Mundo”1.
O Sistema Internacional de Estados é caracterizado pela ausência de uma
autoridade central capaz de impor e fazer regras e leis internacionais de caráter global. Essa
situação de anarquia faz com que os Estados tenham de depender prioritariamente de si
mesmos para a promoção de sua segurança nacional e, assim, prevenir ou rechaçar ameaças
externas (GONÇALVES e SILVA, 2005, p. 49)
______________ 1SISTEMA INTERNACIONAL. In: ENCICLOPÉDIA Livre Wikipédia. Disponível em: http://pt.wikpedia.org/wiki/Sistema_International. Acesso em: 20 jun. 2009
10
Com o término da Guerra Fria, o mundo sofreu grande alteração (fim do
bipolarismo), tornando-se a base e a referência para a política e a ordem no mundo.
Esse acontecimento consolidou a hegemonia do capitalismo norte-americano e
posicionou os Estados Unidos como a única superpotência. A transição pela qual passamos
resultou, na teoria e na prática, em uma superpotência com liderança política e econômica,
além da uma supremacia militar incontestável e, acima de tudo, muito respeitada. A partir de
então, antigos confrontos ideológicos deram espaço e importância primordial à área
econômica, importando em mudança nas discussões e análises das questões internacionais.
Cabe salientar que, além do aspecto econômico supracitado, novas áreas como
direito humanos, meio ambiente, narcotráfico, crimes transnacionais e conflitos étnicos e
religiosos passaram a ocupar lugar de relevo nessa nova agenda internacional.
É importante destacar que a interdependência dos Estados e a consequente perda
aparente de força do Estado-nação, proporciou o espaço e a possibilidade de destaque e
relevância a organismos como, por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU), a
União Europeia (UE), a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a Organização
Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Assim sendo, o Sistema Internacional, após o fim da Guerra Fria, passa a ter uma
imensa atividade, interação e agilidade nas relações entre os Estados, fruto, principalmente,
do fenômeno da globalização e do avanço tecnológico. Todavia, o caráter anárquico do
Sistema Internacional e suas características inerentes aos conflitos de interesses não foram
alterados.
Pode-se concluir que são imprescindíveis o estudo, a análise e a compreensão das
relações internacionais pelos Estados, bem como o aporte de recursos visando a atender essa
imprescindibilidade e, consequentemente, propiciar uma crescente massa crítica altamente
especializada, atualizada e experiente em diversos setores do Estado e, evidentemente,
indispensável no efeito de se manter ou pretender ascender o poder.
2.2 Paradigmas Interpretativos das Relações Internacionais
A procura e a pesquisa contínua do conceito teórico perfeito para entendimento da
essência e da importância das Relações Internacionais entre os Estados soberanos e seus
interesses, tem ocasionado grande disputa e discussão intelectual e, consequentemente,
originado inúmeras propostas e sugestões para dar uma solução de continuidade. Para delinear
esse campo complexo, os estudiosos e os especialistas vêm utilizando o conceito de
11
paradigma, como modos de interpretá-lo. Isto posto, Willliams Gonçalves resume:
Tantas são as propostas teóricas que vêm sendo apresentadas, que se torna até difícil classificá-las. A maneira que aqueles dedicados ao estudo da evolução teórica da disciplina, encontraram para mapear esse campo teórico, foi utilizar o conceito de paradigma. [...] Apesar das dúvidas a respeito da adequação do conceito à realidade teórica das Relações Internacionais, uma vez que foi elaborado em função de outra realidade científica, seu uso, segundo alguns autores, estaria plenamente justificado face à incomensurabilidade de cada uma das diferentes correntes teóricas. Isto é, se cada corrente teórica delimita o objeto “relações internacionais” de maneira a valorizar certos componentes, os quais, por seu turno, são desvalorizados por outra corrente, que dá prioridade a outros componentes, as análises resultantes do uso dessas teorias serão diferentes uma das outras e, enfim, não haverá como compará-las em sua validade, tendo em vista o fato de os focos da análise não terem sido os mesmos. Para simplificar: diferentes teorias produzem diferentes análises e, como não existe linguagem neutra para julgar a superioridade de uma teoria sobre a outra, a escolha da melhor só pode ser determinada pelo livre arbítrio do analista. (GONÇALVES, 2009, p. 14-15)
Colocada essa questão, neste trabalho foram escolhidos para apreciação os
seguintes paradigmas interpretativos das Relações Internacionais: modelo idealista, modelo
realista, modelo dependente e modelo interdependente, fundamentados segundo a obra de
Oliveira (2007). A escolha desses modelos deveu-se ao fato de considerá-los amplos,
apresentarem quadros teóricos gerais e demonstrarem uma melhor percepção da dinâmica da
ordem mundial e do Sistema Internacional.
Desta forma, a seguir será instruída uma síntese desses modelos, segundo a ótica
da autora supracitada e da Escola Superior de Guerra (ESG) relativa à essa matéria2, visando a
demonstrar uma visão teórica de conhecimentos quanto à evolução dinâmica das Relações
Internacionais e seus valores interpretativos.
O modelo idealista, originado entre as duas guerras mundiais, foi marcado pelo
apoio do presidente dos Estados Unidos e da Liga das Nações, possuindo as seguintes
características:
� Centrado nos valores da paz, proscrevendo a questão da guerra, da política e
do poder do Estado;
� Paz por meio da lei, o estado da paz é entendido como dever; e
� Necessidade de evitar o conflito de forma objetiva e o advento da justiça na
______________ 2 Palestra proferida pelo representante oficial da ESG, o Coronel do Exército Brasileiro Nelsimar Moura Vandelli, por ocasião da IX Conferência de Diretores de Colégio de Defesa Ibero-Americanos, ocorrida em 2008, na Escola Superior de Guerra, cujo tema foi: “Diplomacia e Defesa: visão de cada país”.
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relação democrática entre os Estados.
O modelo realista foi consignado a partir da Segunda Guerra, como reação ao
modelo idealista, com as seguintes características:
� Origens nos pensamentos de Nicolau Maquiavel, em especial na sua obra O
Príncipe, e, de Thomas Hobbes, O Leviatã;
� Consolida-se na afirmação do Estado como forma de organização política;
� O poder dos Estados e da força militar centrada neste poder e da realidade
dos conflitos – uso da força;
� Hans J. Morquenthau (pai fundador do realismo) consolidou esse modelo
como essência da chave da política; e
� Política interna e política internacional são consideradas áreas distintas.
O modelo da Dependência apresenta as seguintes características:
� Centra suas atenções nas relações econômicas internacionais;
� Análise das Relações Internacionais voltadas para a área econômica;
� Corrente de pensamento da escola de Fernando Henrique Cardoso, Enzo
Falleto e outros;
� Marxismo e Estruturalismo como suporte ideológico; e
� Atores múltiplos no Sistema Internacional: Estados, Organizações Não-
Governamentais (ONGs), Empresas Transnacionais, Movimentos de
Libertação Nacional (MLN) entre outros.
O modelo da Interdependência, paradigma do trasnacionalismo, multicentrismo
ou pluralismo, alicerçado conforme abaixo discriminado:
� Surgimento, no final dos anos 60, juntamente com o modelo da
dependência;
� Analisa a importância da dimensão econômica mundial, a tecnologia das
comunicações de massa, o poder das empresas transnacionais etc., afastando
a asserção realista de que as Relações Internacionais são, por natureza,
conflituosas;
� Obrigou à abertura estatal, enfraquecendo o significado de fronteira,
nacionalidade e soberania; e
� A idéia de Aldeia Global embasada no desenvolvimento dos meios de
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transporte e de comunicação de massa.
Com base nas aulas e palestras ministradas para o Curso de Política e Estratégia
Marítimas, pode-se afirmar que o modelo da Interdependência tem sido o mais empregado,
tendo como fator de preponderância e estímulo o desenvolvimento tecnológico. Esse
desenvolvimento propicia um impulso à globalização e permite uma enorme interação dos
diversos povos e nações. O modelo da Interdependência recebe críticas de especialistas e
estudiosos, haja vista que esse modelo contribui para a perda de parcela do poder do Estado.
Assim, o processo de evolução natural das relações internacionais poderá suscitar novos
paradigmas ou a identificação de que um dos existentes venha reassumir a supremacia no
Sistema Internacional.
Os discursos ideológicos sobre a paz, a integração e a cooperação mútua
continuam ocorrendo com grande intesidade, todavia o que vemos na prática é que o modelo
realista sempre tende a prevalecer para defender os interesses nacionais e para a manutenção
do equilíbrio do poder, valendo-se da agressão militar, forte pressão política e sanções e
coerção econômica, haja vista, por exemplo, as decisões impostas e ações intervencionistas
concretizadas, por exemplo, nos conflitos em Kosovo, Ossétia do Sul, Iraque e outros, onde se
observou que a política internacional e os interesses dos países hegemônicos prevaleceram
sobre o preconizado na Carta das Nações Unidas3 e nas regras e normas do Direito
Internacional no que tange aos aspectos da legalidade e legitimidade. E desta forma,
respeitando as opiniões e ideias de todos os participantes “poderosos” das alianças,
resguardados seus interesses e valores, e, principalmente, mantendo o status quo dos países
desenvolvidos, em especial os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações
Unidas (CSNU).
2.3 Política Externa, Política de Defesa, Segurança e Defesa
Hoje em dia, o Brasil não tem litígios territoriais e convive em paz e cooperação
com seus vizinhos fronteiriços e demais países do Sistema Internacional. As relações
amistosas com os Estados estrangeiros são mantidas de acordo com o preconizado pela
política externa e o país vem atuando sob a égide dos Organismos Internacionais, não
______________ 3 Cf. Carta das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/>. Acesso em: 30 abr. 2009
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possuindo qualquer tipo ou ação específica de expansão.
Sabemos que a inspiração de Imanuel Kant referente à “paz perpétua”; traduzindo
para os dias atuais como a existência de regimes democráticos e pacíficos, é extremamente
difícil de ser alcançada e, por que não utópica, principalmente quando somos instigados ou
forçados a refletir sobre a realidade do Sistema Internacional no qual estão inseridos os
interesses dos Estados, o processo de equilíbrio do poder, as causas dos históricos e atuais
conflitos armados, dos embates econômicos e os interesses nacionais vitais. Alia-se a isto o
contexto da Doutrina Pacifista, no que diz respeito ao desarmamento, à cooperação e à paz, na
qual deixa clara a intenção dos países desenvolvidos em garantir apenas os respectivos status
quo, demonstrando que um mundo de paz, amor e cooperação é, na prática, uma grande
utopia. A conjuntura atual aponta para a possibilidade de pressões e agressões de Estados
desenvolvidos sobre os demais Estados do mundo, ou entre os próprios, traduzidos tanto pelo
incremento dos gastos em armamentos como pela tendência à confrontação de poder, além
das fortes e importantes componentes econômicas e ambientais e a perspectiva de escassez de
água e de fontes de energias no mundo.
A Política Externa, ou política exterior, em sentido estrito, é a atividade por
intermédio da qual os Estados se relacionam entre si. Confunde-se, portanto, com o conceito
de diplomacia. Em sentido amplo, representa o canal por meio do qual as políticas e
estratégias internacionais de um Estado são formuladas, executadas e avaliadas. Nesse
sentido, a política externa é a estratégia da diplomacia (GONÇALVES e SILVA, 2005, p.
186).
A Política Externa do Brasil, segundo a nossa Carta Magna, é de competência
exclusiva do Poder Executivo federal, sendo o Ministério das Relações Exteriores (MRE) o
órgão responsável em prestar assessoria ao Presidente da República em assuntos
internacionais e exercer as tarefas clássicas da diplomacia: representar, informar e negociar.
Já o Ministério da Defesa (MD) é o órgão que exerce a direção das Forças Armadas e sua
principal tarefa é o estabelecimento de políticas públicas atinentes à área de Defesa e
Segurança do nosso país.
A Política Externa é fundamentada no artigo 4º da Constituição Federal do Brasil
do ano de 1988, e determina que nas relações do Brasil com outros países e organismos
multilaterais, os princípios da não-intervenção, da autodeterminação dos povos, da
cooperação internacional e da solução pacífica de conflitos devem ser perseguidos e
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respeitados4.
Segundo Souto Maior (2003), a Política Externa de qualquer país é regulada pela
sua inserção e posição que ocupa ou pretende ocupar no Sistema Internacional e pelos
recursos que detém com a finalidade de empreender a defesa e a garantia dos interesses
nacionais, da soberania e de sua integridade territorial.
Quanto ao estilo da nossa Política Externa no século XX, Lafer (2004, p. 70)
comenta: “É por esse motivo que o alcance de Haia, em matéria de conduta diplomática,
transcende a dicotomia idealismo / realismo e se insere no âmbito do estilo de ação grociana5
que, a meu ver, inspira a política externa brasileira no século XX”.
Explica Alsina Junior (2006) que na conjuntura atual do Sistema Internacional
não se pode pensar em política externa sem considerar a interface existente entre as Políticas
de Defesa e Externa, tendo em vista que a guerra permanece latente nos relacionamentos e
interações dos Estados soberanos.
A percepção de ameaças externas está adormecida e insensível para a maioria dos
segmentos da sociedade brasileira, possivelmente devido ao longo período sem a nossa
participação em conflitos armados que afetassem diretamente o nosso território e a nossa
soberania. Porém, imaginar que um país com o potencial do Brasil não venha a ter disputas e
conflitos ao buscar alcançar seus interesses nacionais e a garantia da soberania, é, sem dúvida,
ser ingênuo, imprudente e estar desconectado da evolução do mundo e de seus respectivos
históricos de conflito e de equilíbrio de poder. Nesse contexto, não podemos nos esquecer
que somos um país possuidor de imensas riquezas naturais e da maior reserva de água doce do
mundo, sendo alvo permanente de grande cobiça dos países desenvolvidos.
Assim sendo, é imperioso para um país tão aquinhoado de riquezas, como é o
nosso caso, se preocupar com a sua segurança e defesa, visando a alcançar, preservar e
defender os seus interesses legítimos e, logicamente, adequar-se ao jogo das Relações
Internacionais.
A história brasileira não tem contribuído para o estabelecimento e a consolidação
de uma cultura e mentalidade de defesa na estrutura de poder e de tomada de decisão do
Brasil. O último conflito externo armado que o país participou como ator principal foi no
______________ 4 Cf. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 5 Hugo Grotius foi um jurista renomado do início do século XVI e do final do séculoXVII, cuja teoria e pensamento contribuíram para as bases do Direito Internacional, tendo como linha mestra a resolução pacífica dos conflitos entre os Estados. É considerado por muitos historiadores e especialistas o pai do Direito Internacional. Disponível em: http://pt.wikpedia.org/wiki/Hugo_Grotius. Acesso em: 21 jun. 2009
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século XIX, contra o Paraguai de Solano Lopes. No século passado, a nossa participação foi
como coadjuvantes durante as duas guerras mundiais e, depois disso, apenas em operações de
paz e de pacificação, sob a égide da ONU, com destaque, atualmente, para a nossa presença
no Haiti. Todavia, a promulgação da Política de Defesa Nacional (PDN), em 1996, e sua
atualização em 2005, e da Estratégia Nacional de Defesa (END) fez reavivar na memória dos
nossos governantes os temas Segurança e Defesa, temas tão importante na vida de um Estado
soberano.
A Política de Defesa Nacional voltada, preponderantemente, para ameaças
externas, é o documento condicionante de mais alto nível do planejamento de defesa e tem
por finalidade estabelecer objetivos e diretrizes para o preparo e o emprego da capacitação
nacional, com o envolvimento dos setores militar e civil, em todas as esferas do Poder
Nacional. O Ministério da Defesa coordena as ações necessárias à Defesa Nacional6.
Assim sendo, devemos nos preocupar e pensar a respeito das definições
devidamente consignadas na PDN, em âmbito nacional, bem como manter viva na mente de
todos os brasileiros essas importantes definições:
I – Segurança é a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais; e II - Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas. (BRASIL, 2005)
Cabe salientar e refletirmos a respeito da definição de Buzan, Waever e Wilde
sobre Segurança, mais concentradas na política do poder:
Segurança é o movimento que conduz a política além das regras do jogo estabelecidas e enquadra o problema como uma forma especial de política ou acima da política. A securitização pode assim ser vista como uma versão mais extrema da politização. Na teoria, qualquer problema público pode ser localizado no espectro que vai do não-politizado (significando que o Estado não lida com o problema e este não é de nenhuma outra forma transformado em questão de debate público e decisão) ao politizado (significando que o problema é parte das políticas públicas, requerendo decisão governamental e alocação de recursos ou, mais raramente, alguma outra forma de governança comunal) e ao securitizado (significando que o problema é apresentado como uma ameaça existencial, requerendo medidas emergenciais e
______________ 6 Cf. Política de Defesa Nacional, 2005.
17
justificando ações fora do limite normais do procedimento político (Buzan, Waever e Wilde, 1998, p. 22-23).
No corrente século, poderão ocorrer disputas por áreas marítimas, pelo domínio
aeroespacial, por fontes de energia e de água doce, essas cada vez mais escassas, e por áreas
de plantação de alimentos, sendo o Brasil um alvo em potencial de cobiça, como já citado
anteriormente. Assim, essas situações poderão levar a efeito um quadro de conflitos regionais
e mundiais entre os países desenvolvidos, países periféricos e os blocos econômicos e,
certamente, nosso país estará envolvido nesse quadro beligerante e precisamos estar atentos e
preparados.
Conforme explicitada em aulas ministradas para o CPEM, os conflitos armados e
as crises de relevância no mundo, ocorridos nos últimos anos, indicam que os conflitos de
interesse, de toda ordem, entre os Estados, tendem a sinalizar para o aumento da presença da
força militar de países desenvolvidos em regiões estratégicas do mundo. Assim sendo,
destaca-se a importância de uma Política de Defesa Nacional unificada e coesa, com a
participação dos militares e civis em todos os componentes do Poder Nacional7, além da
consolidação de uma indústria de defesa genuína, moderna e atuante, inserida no nosso
parque industrial, e da revigoração e da modernização das Forças Armadas como forma de
fortalecer diretamente e indiretamente nossas ações diplomáticas.
Tem sido rotina para o governo brasileiro, nos últimos, a alocação insuficiente e
descontinuada de recursos orçamentários para a manutenção e, principalmente, para a
modernização das Forças Armadas, bem como não subsidiar e incentivar a nossa indústria de
defesa8. A alegação é de que a prioridade está centrada nas questões sociais que geram
conflitos e aumentam a criminalidade e a pobreza no país. Os esforços do governo brasileiro
no sentido de estabilizar e fortalecer a economia em detrimento de outras áreas é justificavel
em face de as nossas ações governamentais, principalmente nos últimos anos, estarem
voltadas para o bem-estar do povo. Porém, não se pode deixar as Forças Armadas em situação
incompatível com a estatura do nosso país, tornando-o vulnerável a possíveis ameaças.
Por oportuno, considero importante mencionar o contido no artigo do site
Democracia e Política para que possamos ter uma noção de como o Brasil gasta e investe em
um tema cada vez mais importante, e até de certo, modo imprescindível para a garantia da
______________ 7 A Escola Superior de Guerra define o Poder Nacional como o conjunto integrado dos meios de toda ordem de que dispõe a nação, acionados pela vontade nacional, para conquistar e manter, interna e externamente, os Objetivos Nacionais.
8 Palestra proferida pelo Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto, ao CPEM.
18
nossa integridade territorial e, sobretudo, da nossa soberania:
O Brasil ocupa o 12º lugar, com gastos de US$ 15,3 bilhões ou 1% do total mundial. Todavia, esses dados do instituto sueco sobre o Brasil estão muito inflados e distorcidos por conta das nossas peculiaridades. O país está, na realidade, em muito pior situação de capacidade de defesa. São considerados pelo Sipri “gastos com armamento” as nossas despesas bilionárias com fins civis, como, por exemplo, a proteção ao voo, o controle do tráfego aéreo e a infraestrutura aeroportuária civil, encargos esses da Aeronáutica e do Ministério da Defesa. Além disso, também estão incluídas no montante de gastos “com armamento” as despesas com soldos, aposentadorias e pensões, que consomem a maior parte do orçamento militar brasileiro. Essa situação, completamente dissonante em relação ao tamanho do PIB e do patrimônio a defender, coloca o Brasil em situação vulnerável e submissa às grandes potências militares9.
Contudo, nas questões relativas à nossa segurança e defesa, existe a necessidade
preeminente em se estabelecer prioridades, metas e ações estratégicas de curto, médio e longo
prazos, pois a nossa posição atual no concerto das nações não garante uma segurança e defesa
efetiva no jogo de poder do Sistema Internacional, haja vista que em conflitos os prováveis
adversários não são obrigados a obedecer nossas leis e normas e, até mesmo, as do Direito
Internacional quando estão em jogo os interesses vitais, além do fato de que não se fazem e
equipam as Forças Armadas e incrementam a indústria de defesa nacional de uma hora para
outra. A prontidão das Forças Armadas depende de um planejamento contínuo, cíclico e
flexível que garanta seu pleno emprego estratégico e operacional sem solução de continuidade
de seus planos estratégicos, mantendo-as modernizadas, equipadas, balanceadas, adestradas e
motivadas para o desempenho de sua missão principal e, assim, estando compatível com a
estatura de um país que pretende ser uma potência mundial.
Isto posto, Alsina Junior faz o seguinte comentário:
É necessário fomentar a criação de uma cultura estratégica nos setores organizados da sociedade de modo que os termos em que se processa a problemática de defesa passem a ser intelegíveis para um número maior de cidadãos: conceitos mínimos precisam ser compreendidos para que se torrne possível debater o tema a partir de critérios aceitáveis de racionalidade. A criação da mencionada “cultura”, contudo, não surgirá do vácuo. Ela pode surgir por força de processos de securitização de ameaças externas ou de iniciativas deliberadas de educação capitaneada por instituições governamentais e acdêmicas. (ALSINA JUNIOR, 2006, p. 141)
______________ 9 GASTOS militares no Brasil e no mundo. Democracia e Política. 2008. Disponível em:
<http://democraciapolitica.blogspot/2008/06/gastos-militares-no-brasil-e-no-mundo.html>. Acesso em: 20 jul. 2009.
19
Portanto, levar a efeito o uso, ou não, da instrumentabilidade militar na condução
da Política Externa do país e a implemetação de uma maior integração entre o MRE e o MD
nesse tipo de assunto, nos leva a refletir sobre a renomada frase de Clausewitz: “A guerra é
uma simples continuação da política por outros meios”(CLAUSEWITZ, 1996, p. 27).
Tomando por base a condução da Política Externa Brasileira no governo de
Fernando Henrique Cardoso (FHC) e na atual gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula),
pode-se considerar que o governo Lula optou por dar continuidade à política econômica do
governo anterior, realizando ajustes macroeconômicos e controlando de maneira austera o
Superávit Primário e os baixos índices de inflação, e, assim, mantendo o país em uma situação
bastante equilibrada no cenário internacional, haja vista que a atual crise financeira no mundo
pouco nos afetou. Na área econômica, a política de ambos os presidentes se preocupou com a
inserção do Brasil no mercado internacional, de forma fortalecida e com credibilidade,
cumprindo as regras impostas pelos países desenvolvidos e as recomendações do Consenso de
Washington10, visando a atender à globalização e atentando para as suas consequências
positivas e negativas e, logicamente, ao crescimento rápido e contínuo da economia do país.
Assumiram uma posição aparentemente independente perante os países poderosos e
desenvolvidos, realizando negócios com diversos países e estreitando laços de amizades e
diplomáticos11.
O estabelecimento de uma política desenvolvimentista pragmática com uma
participação ativa no mercado internacional e nos foros internacionais, a estabilidade
econômica, a articulação de peso entre as políticas externa e econômica e as ações de Estado
com base nos princípios básicos do multilateralismo e da solução pacífica de controvérsias
para os conflitos e crises, foram a marca registrada dos dois governos. Pode-se dizer, ainda,
que foram obtidos avanços na área social, principalmente no governo Lula, porém muito
aquém do desejável e ideal.
A busca pela integração da América do Sul, no período de ambos os presidentes,
foi e tem sido perseguida como uma política de Estado de longo prazo. Nesse contexto, a
nossa economia se estabilizou e adquiriu credibilidade, alcançando uma abertura e uma
inserção significativa no mercado internacional, possibilitando a realização de negociações
benevolentes e favoráveis aos nossos vizinhos, especialmente com os componentes do
______________ 10 Conjunto de recomendações elaboradas por funcionários do governo dos Estados Unidos, integrantes de organismos financeiros internacionais – FMI, BID e Banco Mundial – e economistas da América Latina para melhorar o desempenho das economias latino-americanas (GONÇALVES; SILVA, 2005. p. 27-28).
11 Parágrafo baseado nos estudos, aulas e palestras ministrados para o CPEM.
20
Mercosul, como foi o caso recente da negociação com o Paraguai sobre a Hidrelétrica de
Itaipu. Esses acontecimentos e outros similares com os países da América do Sul visaram,
segundo professores do CPEM, à manutenção de uma liderança regional, sem o contorno e
aspecto “imperialista e hegemônico” do Brasil e, sobretudo, a estabilidade política do
continente e o apoio aos seus governantes.
Ressalta-se a utilização e a exploração da Diplomacia presidencial, pelos
presidentes FHC e Lula, estabelecendo pontos positivos e negativos nas nossas relações
internacionais e, principalmente, projetando o nosso país e a nossa política no cenário
internacional. Além disso, outros aspectos e fatos pertinentes merecem ser destacados, como,
por exemplo: a nossa constante pretensão em ocupar um assento permanente no CSNU
(obtendo apoios significativos de países, como a França), a disposição em ser um mediador
em potencial de conflitos recentes e antigos (como o caso entre Israel e os Palestinos), a luta
incessante contra o protecionismo dos países desenvolvidos junto à OMC e contra a pobreza
no mundo.
Souto Maior (2003, p. 8) faz o seguinte comentário a respeito da política externa do
presidente Lula:
[...] o Brasil tornou-se muito mais complexo e o mundo no qual ele pretende afirmar sua “presença soberana” encontra-se, desde o fim do bipolarismo, numa fase de indefinição, em que coexistem as veleidades unilateralistas de um e as esperanças multilateralistas de muitos. E o governo Lula propõe-se contribuir, na medida de suas possibilidades, para o fim de tal indefinição e a construção de uma ordem mundial mais justa e democrática, fundada no multilateralismo e no Direito Internacional.
Com efeito, a imensa articulação entre a política externa e a econômica levou o
país a um lugar de destaque e relevância no cenário internacional, além do fato de ter sido
obtida a credibilidade necessária perante a comunidade internacional para a aplicação de
grandes fluxos de investimentos externos no país. Os objetivos e a condução da política
econômica influenciaram sobremaneira as demais áreas, por meio da contenção dos gastos e
de investimentos públicos. Destaca-se, conforme mencionado pelos comandantes de força em
suas palestras para o Curso de Política e Estratégia Marítima, que o tema Defesa foi relegado
ao segundo plano de prioridades e metas governamentais ao longo dos últimos anos, tendo em
vista que o foco principal foi a consolidação da estabilidade financeira, o crescimento
econômico e o bem-estar social do país. Nesse sentido, a diplomacia brasileira tem levado a
efeito como tema principal a questão do desenvolvimento do país, por ocasião da condução da
nossa política externa nos foros internacionais.
21
Alsina Junior argumenta:
Ao enumerarmos suas características centrais (da Política Externa), pretende-se explicitar os condicionamentos gerais incidentes sobre a articulação com a política de defesa. Embora não se pretenda estabelecer nexos de casualidade entre os planos doméstico e internacional, supõe-se que o plano externo possui incidência sobre a formulação das políticas estudadas. A compreensão da forma pela qual o País busca se relacionar com o mundo, portanto, constituí elemento essencial para que se possa contextualizar a política de defesa. (ALSINA JUNIOR, 2006, p. 77)
Em face ao exposto, pode-se dizer que a Política Externa e a Política de Defesa
são faces da mesma moedas e devem estar em consonância com os nossos interesses e
objetivos. Deve-se ter sempre mente que a diplomacia é o canal principal e legítimo de
comunicação entre os Estados soberanos, devendo ser ágil, equilibrada, sagaz, estar em plena
sintonia com os assuntos inerentes à defesa, possuir uma visão prospectiva privilegiada e,
principalmente, ser inteligente em benefício do país. Uma política de defesa articulada de
maneira racional e consoante com a nossa inserção político-estratégia no cenário internacional
contribuirá para que as ações clássicas da diplomacia alcancem os objetivos delineados pela
Política Externa Brasileira.
Em suma, a Diplomacia e a Defesa devem atuar de forma coordenada, integrada e
equilibrada, visando ao fortalecimento das ações em prol dos interesses nacionais e da
estratégia política do país.
2.4 Poder e Poder Militar
Força, segundo o Dicionário Aurélio significa: “agente físico capaz de alterar o
estado de repouso ou de movimento uniforme de um corpo material; qualidade do que é forte;
robustez; vigor físico; energia vital; violência; compulsão ou coerção exercida sobre ou contra
(alguém ou algo); impulso; incitamento”.
Já a definição de poder, segundo Wikipedia Português - A enciclopédia livre: “Poder
(do latim potere) é, literalmente, o direito de deliberar, agir e mandar e também, dependendo do
contexto, a faculdade de exercer a autoridade, a soberania, ou o império de dada circunstância ou
a posse do domínio, da influência ou da força”. Um ponto importante que se deve observar e
atentar é a essência e a natureza do conceito de poder. Ele está relacionado e atrelado
diretamente com a governança de um Estado soberano e, desta forma, consignado como parte
indissociável desse Estado e de sua capacidade legítima de autoridade. Assim, atuação de
imposições de nossas vontades se dá pela aplicação direta e efetiva de poder, desenvolvendo
22
condições favoráveis e positivas aos nossos interesses.
No que diz respeito ao poder, Aron comenta:
No sentido mais geral, o poder ou potência é a capacidade de fazer, produzir ou destruir. [...] O fato de que os homens essencialmente aplicam seu poder sobre outros homens dá ao conceito, na política, seu significado autêntico. O poder de um indivíduo é a capacidade de fazer mas, antes de tudo, é a capacidade de influir sobre a conduta ou os sentimentos dos outros indivíduos. No campo das Relações Internacionais, poder é a capacidade que tem uma unidade política de impor sua vontade às demais. Em outras palavras, o poder político não é um valor absoluto, mas uma relação entre os homens. (ARON, 1979, p. 79)
Kissinger (1999) nos ensina, e nos leva a refletir, que o poder de um Estado
soberano é constituído e alicerçado pela economia, demonstração de força e credibilidade de
um país e a ação efetiva e sagaz de sua diplomacia. Desta forma, o poder de um Estado pode
levar a fazer com que um outro realize sua vontade que, de outra maneira, não teria sido
realizado, a não ser pelo uso efetivo da força ou sua intenção em utilizá-la.
A definição de Poder, segundo Joseph Nye (2002b), significa a capacidade de
obter os resultados desejados e, caso necessário, mudar o comportamento dos outros para
obtê-los. Esta capacidade frequentemente vem associada à disponibilidade de certos recursos
como população, território, recursos naturais, vigor econômico, força militar e estabilidade
política. Ressalta que o poder significa, seguindo esta linha de raciocínio, estar com as “cartas
altas do jogo de pôquer internacional”. É fundamental, ainda, transformar esses recursos
potenciais de poder em poder concreto, por meio de uma política bem formulada e de líderes
capazes, para poder empregá-los nesse “jogo internacional”.
A classificação do poder proposta por esse autor, Soft e Hard Power, é a distinção
da influência do poder perante os demais países. O Soft Power leva os outros países a admirar
seus valores, imitando-lhe o exemplo e aspirando ascender ao seu nível de prosperidade e de
liberdade. O Soft Power emana, em grande parte, dos valores que se expressam na cultura, na
política interna e no comportamento internacional do País. O Hard Power apóia-se tanto em
induções como em ameaças, a fim de levar os demais a mudarem de posição, com o emprego
do poder militar e econômico.
De acordo com Nye, o Soft e Hard Power estão relacionados e se reforçam
mutuamente. A diferença entre esses poderes está no grau, tanto da natureza do
comportamento como da tangibilidade de recursos. Ressalta, ainda, que ambos são aspectos
da capacidade de atingir objetivos próprios, modificando o comportamento alheio, e que o
23
Soft Power não deve ser considerado como mero reflexo do bruto.
A Expressão Militar do Poder Nacional tem no emprego da força ou na
possibilidade de usá-la, a característica mais marcante. Manifesta-se, seja por efeito de
desestimular possíveis ameaças, seja pela atuação violenta do Poder Nacional para neutralizá-
las. Expressão Militar do Poder Nacional é a manifestação de natureza preponderantemente
militar do Poder Nacional, que contribui para alcançar e manter os Objetivos Nacionais12.
A capacidade de influência do poder militar nas relações internacionais continua
sendo muito relevante na condução e execução da política externa dos Estados, em prol de
seus interesses, mesmo na ausência ou na possibilidade distante de ameaças e de conflitos
armados. Assim, os nossos governantes devem contemplar políticas públicas para capacitar o
país nesse quesito, posicionando-o de maneira fortalecida e respeitada nesse Sistema
Internacional de caráter anárquico.
O entendimento da relevância e importância do acima exposto, no mundo político
do Estado, de suas Instituições e de sua sociedade (mentalidade), além do fato da perfeita
integração entre o corpo diplomático e os militares, torna-se um item importante e obrigatório
a ser debatido na agenda governamental, principalmente em um país com nosso potencial e
com uma inserção e participação cada vez mais destacada no cenário internacional e, em
especial, que aspira um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas
(CSNU).
2.5 Dissuasão
Dissuasão e dissuadir, segundo o Dicionário Aurélio, significam respectivamente:
“Ato ou efeito de dissuadir; Ação organizada por uma potência política para desencorajar a
ação de outras” e “Fazer mudar de opinião, tirar de um propósito; despersuadir,
desaconselhar; Mudar de opinião, parecer ou propósito; despersuadir-se”.
A dissuasão está sempre presente na nossa vida e é muito antiga a sua utilização
na história da humanidade. A dissuasão tem como finalidade evitar que se inicie uma ação
hostil ou um conflito armado entre Estados, indicando com credibilidade, que o custo de uma
ação hostil e um conflito armado superaria o ganho oriundo daquela ação deflagrada
inicialmente. Segundo Aron:
______________ 12 BRASIL. Ministério da Defesa. Escola Superior de Guerra. Manual Básico – elementos fundamentais. 2v. Rio de Janeiro, 2009. p. 69.
24
Um Estado neutro depende, por definição, da dissuasão: não pretende impor aos demais sua própria vontade, a não ser se para convencê-los a não interferir com a sua independência. A potência de dissuasão se situa entre a potência defensiva e a ofensiva, no sentido que demos aos dois conceitos: não é estritamente defensiva porque, para dissuadir, um Estado pode interferir em zona geograficamente afastada do seu território; não é ofensiva porque procura prevenir, não provocar a ação de outros Estados. (ARON, 1979, p. 391)
Sobre esse assunto, Nogueira faz o seguinte comentário:
Violência possui três níveis: persuasão, dissuasão e coerção. No caso de emprego da persuasão e da dissuasão, o que se busca é aplicar a violência fora da guerra, enquanto na coerção os meios de toda ordem são empregados para subjugar o oponente em um conflito armado. [...]. O espectro da violência – composto pelos três níveis crescentes de pressão que um ator pode realizar sobre seu oponente – resulta da composição de dois elementos que por ela respondem: forças e meios. No menor nível, quando o Estado emprega suas forças, busca persuadir seus pares no sistema internacional, respeitando-os como iguais, independentemente das possíveis diferenças de potência entre eles. No caso em que seus pleitos não sejam atendidos, um Estado de maior potência pode buscar impor (ou negar) que uma ação de outro Estado venha a se realizar. Para isso, conta com suas forças e seus meios para dissuadir o autor da ação. Finalmente, não tendo sido atendido em suas reivindicações em função da falha na dissuasão, emprega os meios necessários, e impõe sua vontade pela coerção. Existe ainda um quarto nível, denominado força bruta, superior à coerção, mas com poucas possibilidades de emprego em um ambiente de legalidade e legitimidade. Desta forma, deixará de ser considerado, apesar de ter sido empregado em tempos recentes por sérvios na Guerra da Iugoslávia (NOGUEIRA, 2009, p. 2-3).
Como já foi mencionada, a previsão de escassez de recursos naturais no mundo
poderá causar guerras ou intervenções em países periféricos. Esses atos podem ser apoiados
pela opinião pública, se forem sustentados por uma propaganda de que são necessários para o
bem da humanidade. As regiões com grandes riquezas naturais, áreas disponíveis para
plantações, abundância de água doce e diversidades biológicas, como é o caso do nosso país,
são amplamente cobiçadas pelos países desenvolvidos e poderosos. E nesse sentido, ressalta-
se a importância da estratégia da dissuasão como uma das componentes de base para o
pensamento estratégico brasileiro.
No contexto acima mencionado, vale registrar parte de uma entrevista do
embaixador da França no Brasil, Sr. Antoine Pouillieute, publicado no jornal O Globo do dia
12 de abril de 2009:
A França estima, ao contrário de muitos países, que a Amazônia não é um
25
assunto mundial, mas que a Amazônia é brasileira e que a Amazônia da Guiana é francesa. E talvez seja porque somos vizinhos na Amazônia que estamos mais próximos que outros países com relação com o tema.13
O uso da força pelos Estados tem sido praticado e tem sido restringido, na medida
do possível, pelas normas do Direito Internacional, por intermédio de acordos, tratados e
convenções, dentre os quais a mais importante é a Carta das Nações Unidas. Assim, segundo
essa Carta, o uso legal da força é admitido em situações como a retaliação, a autodefesa, a
autopreservação ou guerra contra os Estados que hajam cometido atos ilegais e com o aval do
Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (CSNU). Entretanto, deve-se ter
sempre em mente que o mundo é realista quando estão envolvidos a defesa dos interesses
vitais e a manutenção do equilibrio do poder.
Isto posto, o Estado brasileiro tem a responsabilidade e o dever de proteger e
preservar nossa soberania, a integridade das riquezas e os interesses nacionais. E para a
consecução dessa tarefa, o principal instrumento são as nossas Forças Armadas, que hoje em
dia não se apresentam em condições de efetuar essa proteção e preservação de maneira
aceitável e adequada, devido ao seu sucateamento e obsolescência. Isso se deve às limitações
orçamentárias impostas nos últimos anos e à falta de cultura de defesa reinante em nosso país
e, o que é pior, pela maior parte dos políticos e membros decisórios do aparelho estatal. Nesse
contexto, aparece uma luz no fim do túnel com a promulgação da Estratégia Nacional de
Defesa (END), inserindo e reacendendo o conceito de Defesa na agenda nacional e passando a
ser um importante instrumento para que o país volte a pensar em defesa de modo mais sério e
prudente e, assim, recupere o poder de dissuasão.
Com relação à inserção da Defesa na agenda nacional, cabe registrar a seguinte
parte do discurso do Ministro da Defesa, Nelson Jobim, por ocasião da apresentação da END:
[...] A segurança no sentido dissuasório e reconheça a função fundamental no Estado democrático das Forças Armadas para possibilitar o crescimento autóctone de uma terra que é o Brasil. Além da formação de uma política de defesa que proporcione essa segurança ao país, a formulação também de uma política militar que defina a organização, a preparação e a atualização das Forças Armadas. Isso tem quer ser obra do poder político democrático, se foi feito pelos militares é porque nós não fizemos no momento oportuno e nos furtamos a fazê-lo idiossincraticamente vinculados a um imaginário que nos excluía dessa possibilidade. Além do mais senhor presidente, há que se pensar claramente para se assegurar a aplicação dessas políticas, tanto da política de defesa, quanto da política militar. Isso está no nosso projeto, no
______________ 13 Cf. ALENCASTRO, Catarina; OLIVEIRA, Eliane. A Amazônia não é um assunto mundial. O Globo, Rio de Janeiro, 12/6/2009. Caderno O País, p. 10.
26
nosso plano, todo um conjunto de marcos legislativos a serem elaborados após a aprovação feita por vossa excelência e pelo Conselho de Defesa Nacional disso tudo. [..] a atuação é função do governo civil, que se não assumir esta tarefa, evidentemente que os militares o farão. [...] As circunstâncias que nos trouxeram ao Ministério da Defesa são sabidas de todos, mas havia, vossa excelência, uma preocupação, que era exatamente o fortalecimento do Ministério da Defesa e o plano estratégico assim prevê, ou seja, dar condições ao Ministério da Defesa, dar capacidade de gestão da política militar e da política de defesa, seja em tarefas orçamentárias, seja em armamento e material, seja na definição das missões militares e seja na política de pessoal. E, pasmem os senhores, os militares querem isso, porque se desgastaram muito na disputa desses espaços que os civis não ocuparam.14
Torna-se necessário que os nossos governantes e políticos reflitam sobre o artigo
do portal da Internet Dw-World.de Deutsche Welle e se unam e se coordenem para pôr em
prática, de imediato, uma política de Estado em que se contemple a defesa do país como um
tema de bem público a ser discutido por toda a sociedade:
Nunca se gastou tanto em armamentos no mundo como em 2008. Segundo um estudo divulgado nesta segunda-feira (08/06) pelo Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz, de Estocolmo, o comércio de armas aumentou 4% em nível mundial no ano passado.Os Estados Unidos foram o país que mais gastou em armas, equipamentos bélicos e outros bens militares: 607 bilhões de dólares. Em segundo lugar aparece a China, com um orçamento militar de 85 bilhões de dólares. Seguem-se França, Reino Unido, Rússia e Alemanha. Ainda segundo o estudo, desde 1999 os gastos militares globais aumentaram 45%, elevando-se para 1,46 trilhão de dólares.15
Alsina Junior chama a atenção para um ponto negativo da nossa mídia no que
tange à Segurança e a Defesa de nosso país e que, certamente, tem influenciado sobremaneira
todos os segmentos da sociedade brasileira:
A mídia não se pronuncia sobre projeto de forças brasileiro e o nível desejável de prontidão operacional das Forças Armadas. Praticamente não há discussão pública sobre esses temas no Brasil. No entanto, com freqüência, programas de aquisição de sistemas de armas são avaliados a partir de uma perspectiva economista, que se ocupa exclusivamente de ressaltar o valor da transação. Não raro, esse valor é cotejado com a resultante do investimento caso fosse aplicado na área social. Decorre desse nível de superficialidade no tratamento do tema a inferência difusa de que o aumento do poder combatente e da operacionalidade das Forças Armadas não constitui
______________ 14 Discurso do ministro da Defesa, Nelson Jobim, em 22/12/2008, por ocasião da apresentação da Estratégia Nacional de Defesa. Disponível em: http://www.inforel.org/servlet/ListaNoticia?acao=C¬iciaID=3061&ano=2008. Acesso em: 25 jun. 2009.
15 Gastos militares aumentaram 45% no mundo desde 1999. World.de deutsche. Disponível em: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,4312224,00.html. Acesso em: 15 jul. 2009.
27
objetivos socialmente válidos. (ALSINA JUNIOR, 2008, p.70)
Assim sendo, faz-se mister a constituição de um poderio militar racional, estável,
balanceado e crível, como fator primordial para se produzir uma dissuasão eficaz e eficiente,
estando integrado às ações diplomáticas para respaldá-las.
Silva16 comenta que: “Pelo tamanho da nossa costa, eu diria que seria necessário
pelo menos seis [submarinos] nucleares. Defesa é uma coisa que é preciso ter para não usar” 17. Indiscutivelmente, o submarino nuclear é uma arma de grande poder de dissuasão e a
parceria estratégica do Brasil com a França na área de defesa, em especial quanto à
construção naval do casco do submarino de propulsão nuclear, muito contribuirá para o
aumento da capacidade da nossa estratégia de dissuasão. Pode-se concluir que emprego
político do poder militar de um Estado se concretiza em sua capacidade dissuasória, ou seja,
na sua demonstração de capacidade em responder, com a devida credibilidade, a ataques
armados e a toda ordem de pressão beligerante. Todavia, o nosso país não dispõe dessa tão
almejada e necessária capacidade.
Com relação à atuação dos BRICS18, e suas perspectivas de participação e
interferências no Sistema Internacional, torna-se importante chamar a atenção e destacar o
contido no artigo Folha Online - BBC Brasil:
Se no lado econômico os BRICs - Brasil, Rússia, Índia e China - têm semelhanças e potenciais de crescimento comparáveis, quando o assunto é defesa o Brasil tem “outra realidade”. A avaliação de militares e especialistas ouvidos pela BBC Brasil é que os investimentos militares estão abaixo do necessário para um país com o tamanho e com as pretensões do Brasil. “Não precisamos nos tornar uma potência militar, capazes de conquistas. É apenas uma questão de termos forças compatíveis com a ambição estratégica do país”, diz o general Augusto Heleno Ribeiro, que chefiou as tropas brasileiras em missão no Haiti. Os historiadores costumam classificar o Brasil como um país de caráter pacifista, ou seja, que evita
______________ 16 O almirante reformado Othon Luiz Pinheiro da Silva é engenheiro nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e, atualmente, é diretor-presidente da Eletronuclear. Foi gerente do Programa de Desenvolvimento das Ultracentrífugas Brasileiras para Enriquecimento de Urânio e do Programa de Desenvolvimento da Propulsão Nuclear da Marinha do Brasil.
17 BRASIL precisa de pelo menos seis submarinos nucleares, diz presidente da Eletronuclear. In: AMBIENTE BRASIL. 2008. Disponível em: <http://noticias.ambientebrasil.com.br/noticia/?id=40960>. Acesso em: 10 jun. 2009.
18 Brasil, Rússia, Índia e China têm sido apontados, nos últimos cinco anos, como os prováveis candidatos a crescer de forma vigorosa, juntando-se ao clube dos países desenvolvidos nas próximas décadas. O termo BRIC, criado em 2001 pelo analista de mercado Jim O’Neill, do banco Goldman Sachs, procura sintetizar essa expectativa criada em torno desses países. Serão, nos próximos anos, os tijolos (“bricks”, em inglês) sobre os quais os mercados de investimento irão apoiar suas estratégias de expansão. A este grupo, podemos acrescentar a África do Sul, formando a expressão final “BRICS”. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/fiquepordentro/temasanteriores/bric/apres.html>. Acesso em: 18 jul. 2009.
28
utilizar recursos militares em situações de conflito com outros países. O Brasil, por exemplo, está vetado pela constituição de produzir armas nucleares. Já os outros três emergentes do grupo têm esse tipo de arma. “Não temos a necessidade, felizmente, de ter o aparato que esses países possuem. Mas ainda assim estamos longe do ideal”, diz o general Heleno. O pesquisador Thomas Costa, da National Defense University, em Washington, diz que o país não precisa necessariamente abrir mão da característica pacifista, mas que essa cultura precisará ser “repensada”, se o país quiser atingir certos objetivos. “O fato de um país ter uma força bem estrutura não significa que terá de usá-la. Mas a partir do momento em que o Brasil demonstra interesse em participar de questões relativas à segurança mundial, terá de estar preparado para o custo”, diz Costa19.
2.6 DIPLOMACIA
A diplomacia, segundo Bath (1989, p. 14) é: “o meio pelo qual os governos
buscam atingir seus objetivos e obter apoio a seus princípios. É o processo político mediante
o qual as posições de política externa de um governo são inicialmente sustentadas e logo
orientadas para o objetivo de influenciar as posições políticas e a conduta de outros
governos”.
O Itamaraty, ou o MRE, tem como função principal assessorar o presidente da
República no que diz respeito à formulação e à execução da política externa brasileira, bem
como assegurar a manutenção das relações do país com Estados estrangeiros e Organizações
Internacionais. As ações do Itamaraty são pautadas pelos princípios básicos de solução
pacífica de controvérsias, pela não-intervenção e pela participação ativa em foros
multilaterais, como ONU, OEA e OMC (GONÇALVES e SILVA, 2005, p. 118). Assim
sendo, o MRE possui as importantes tarefas de defender e negociar, em foros internacionais,
os nossos interesses e representar o país por meio de embaixadas.
O Ministro das Relações Internacionais, Embaixador Celso Amorim, em seu
discurso de abertura da II Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional,
fez a seguinte menção às ações da diplomacia brasileira:
Rui Barbosa foi um pioneiro da diplomacia multilateral20 no Brasil. Contemporâneo do Barão de Rio Branco, o patrono da nossa diplomacia, Rui
______________ 19 PEIXOTO, Fabrícia. Gastos militares do Brasil estão muito abaixo dos demais BRICS. Folha Online – BBC Brasil, Brasília, 3 abr. 2009. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/flha/bbc/ult272u545217.shml>. Acesso em: 10 jun. 2009.
20 Diplomacia multilateral refere-se a relações diplomáticas entre Estados nacionais caracterizadas pela rejeição de práticas unilaterais como padrão de conduta para relações internacionais. Representa, ainda, a oposição a arranjos temporários sob a forma de alianças, inerentemente instáveis, já que tendem a refletir interesses nacionais e suas respectivas conjunturas político-econômicas em detrimento da vontade coletiva internacional (GONÇALVES e SILVA, 2005, p. 139-140).
29
inaugurou uma linha de atuação que perdura até hoje: a defesa pelo Brasil da igualdade entre os Estados e da democratização das relações internacionais. [...] A integração sul-americana é e continuará uma prioridade do Governo brasileiro. O aprofundamento do Mercosul e a consolidação da União Sul-americana de Nações são parte desse processo. Uma política pró-integração corresponde ao interesse nacional de longo prazo. [...] O Brasil é defensor intransigente de soluções pacíficas e da via multilateral para resolver os conflitos. Não há modo mais efetivo de aproximar Estados, manter a paz, proteger os direitos humanos, promover o desenvolvimento sustentável e construir soluções negociadas para problemas comuns, como bem disse o Presidente Lula na abertura da 61ª Assembléia Geral das Nações Unidas, em 2006. [...] O Brasil participa tradicionalmente de operações de paz , uma das atividades mais visíveis e importantes das Nações Unidas. [...] Historicamente, a diplomacia brasileira tem feito da questão do desenvolvimento um tema central da nossa política mutilateral.[...] Como assinalei no início, Rui inaugurou uma tradição que ainda inspira a diplomacia brasileira no plano multilateral21.
Barbosa22 faz um comentário sobre atuação da diplomacia do Brasil, dando um
tom de que o Brasil é um país facilitador:
O governo brasileiro, no processo de aprendizado para avançar no caminho para se tornar uma potência política regional e uma potência econômica global, começa a dar sinais de que, pelo menos em alguns setores, está atento à defesa de nossos interesses. Recentemente, pela primeira vez o governo indicou que para tanto poderá adotar uma atitude mais firme. Essa política, contudo, não foi aceita sem contestação. Houve posições divergentes no âmbito do governo. O Itamaraty, mais leniente, mostrando sua face "paz e amor", por meio da diplomacia da generosidade, sobretudo em relação a nossos vizinhos sul-americanos, dissociou-se da ação mais forte de outros Ministérios.23
Como é de amplo conhecimento dos militares e diplomatas, o Barão do Rio
Branco, patrono da diplomacia brasileira, era partidário de soluções pacíficas para os
conflitos, da defesa da paz e dos princípios da não-intervenção. Todavia, durante as
resoluções das questões limítrofes com os nossos vizinhos, em que foram fixadas as nossas
fronteiras de maneira pacífica, Rio Branco levou em consideração o emprego político do
poder militar para influenciar os países. Cabe relembrar que naquela época, o Brasil possuía
uma das maiores esquadras do mundo e o Barão soube muito bem aproveitar esse poder como
forma dissuasória.
______________ 21 Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional 2, 2007, Brasília. O Brasil no mundo que vem aí. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. 507 p.
22 Embaixador Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp e foi embaixador em Washington e Londres durante o governo de Fernando Hernrique Cardoso.
23 BARBOSA, Rubens. Contradição interna. O Globo, Rio de janeiro, 27 jul. 2009. Disponível: http://oglobo.globo.com/opinião/mat/2009/07/27/contradicao-interna-756998519.asp. Acesso em 31 jul. 2009.
30
Por oportuno, cabe destacar o seguinte comentário de Alsina Junior:
Devido a uma série de fatores condicionantes, a Política Externa Brasileira foi, ao longo de quase todo o século XX, conduzida de maneira independente da existência de meios de força capazes de respaldá-la em última instância. [..] (ALSINA JUNIOR, 2003, p. 1).
Essa constatação vinda de um diplomata de carreira e estudioso no assunto em
pauta nos leva a um cenário de grande preocupação, tendo em vista que o emprego político do
poder militar é um poderoso e substancioso instrumento à disposição de um Estado para a
consecução de seus objetivos nacionais e a preservação e a garantia de seus interesses.
Justifica-se, assim, que se façam investimentos racionais para torná-lo adequado, balanceado
e crível, de modo a fazer frente aos possíveis conflitos, bem como influenciar os demais
Estados por ocasião de crises e embates de toda ordem.
O posicionamento do Brasil no cenário internacional, como líder regional e
potência econômica global, e a dinâmica das relações internacionais, determinam a existência
de uma maior integração e articulação entre os militares e os diplomatas na condução e
execução da Política de Defesa como ramificação Política Externa, de modo a agregar
elementos e ações para o atingimento dos objetivos nacionais e a defesa de nossos interesses,
adequando-se, assim, ao jogo do poder no Sistema Internacional. De acordo com Henry
Kissinger (apud Menezes, 1997, p. 138), o apoio militar em grau mínimo é imprescindível na
condução e na execução da Política Externa de um país, haja vista que caso contrário torna-se
um simples exercício de retórica.
A respeito desse tema, Alsina Junior explica o seguinte:
[...] Quanto à Política de Defesa, assume-se como pressuposto que esta deva estar centrada nas ameaças provenientes do Sistema Internacional e inserida no escopo mais amplo da Política Externa - tendo em mente que a Diplomacia e as Forças Armadas representam os vetores clássicos das relações exteriores do Estado - nação moderno. (ALSINA JUNIOR, 2006, p. 33)
Sendo assim, essa posição reforça a necessidade premente do reordenamento de
prioridades e metas governamentais, inseridas e focadas obrigatoriamente em uma política de
Estado, para que haja sempre uma intensa e profícua integração e articulação entre os
militares e os diplomatas, bem como com os políticos, em assuntos atinentes à condução da
Política de Defesa como ramificação Política Externa, e com as Forças Armadas fortes para
respaldar as ações diplomáticas, especialmente, se levarmos em conta os possíveis cenários
3 OS MILITARES E OS DIPLOMATAS
3.1 As Relações Civis - Militares e o Poder
Os militares vêm tendo, desde a proclamação da República, uma participação
relevante e ativa na história da política brasileira e têm sido considerados por estudiosos e
analistas, ao longo desse tempo, como uma força tutelar ou uma força moderadora ou, ainda,
como um instrumento dos poderes constituídos do Estado.
Segundo Menezes (1997, p. 65-66) o caráter nacional é marcado pelas seguintes
características: individualismo, adaptabilidade, improvisação, vocação pacífica, cordialidade,
emotividade e criatividade. Menciona, ainda, que outras características podem ser destacadas
para melhor compreensão do brasileiro, como: conformismo, misticismo, personalismo,
fatalismo, espírito de conciliação, ufanismo e inconstância. E, desta forma, esse conjunto de
características constituem a base do modo de pensar, sentir e agir da ação política do povo
brasileiro.
Com base nos estudos realizados, pretende-se apresentar a evolução, a partir de
1964, da relação civil-militar e o poder. O movimento revolucionário ocorrido no país em
1964 é histórico e influencia as relações dos civis com os militares até os dias atuais. Naquela
época, apesar do regime autoritário, um importante grau de institucionalização se manteve no
país, como por exemplo, a manutenção de eleições regulares e o exercício das atividades
legislativas por parte do Congresso Nacional. Em síntese, esse regime conferia uma
preocupação com a democracia.
O período dos governos militares caracterizou-se por certo grau de militarização
da vida política do país e o papel dos militares passou a se enlear com o do próprio Estado. O
autoritarismo e a austeridade marcaram o período desses governos, apesar dos discursos
democráticos.
Quanto aos governos subsequentes a Castello Branco, Lafer comenta:
Entretanto, nos governos subsequentes as “forças profundas” do nacionalismo de fins, como componente forte das linhas de continuidade da identidade internacional do Brasil, afloraram com a evolução da conjuntura interna e externa. [...] Os argumentos e as proposições diplomáticas da
33
política externa independente e do pragmatismo responsável[24] são afins, em função de uma percepção assemelhada de identidade internacional do Brasil e do papel do “nacionalismo de fins”. (LAFER, 2004, p. 99-101).
O governo do presidente Figueiredo corresponde ao término dos governos
militares. Nesse período houve fortes pressões da sociedade e a exigência do retorno ao
estado de direito, a uma anistia política, à justiça social e a convocação de uma Assembléia
Constituinte. O governo do presidente Figueiredo foi marcado por uma grande recessão
econômica e a continuidade da abertura política. O melhor momento político vivenciado por
ele foi a aprovação da lei da anistia, em 1979.
O resultado final do projeto e processo de distensão pode ser resumido da seguinte
maneira:
Durante a presidência do general Geisel, o processo político foi dominado pelo governo e restrito, de fato, às forças conservadoras e à oposição parlamentar – aglutinadas, respectivamente, na ARENA[25] e no MDB[26] - conforme previa o projeto de ‘distensão’. Durante a presidência Geisel, a existência de um apoio político significativo ao regime, a fragilidade da oposição frente aos recursos coercitivos do governo e a virtude dos dirigentes autoritários permitiram que estes últimos fossem muito bem-sucedidos na implantação e no controle de seu projeto de democratização outorgada. Geisel legou a seu sucessor, por ele escolhido, general João Figueiredo, a tarefa de aprofundar a liberalização do regime e, como parte de sua estratégia de transição, passar o poder ao término de seu mandato, em 1985, a um político civil proveniente do partido do regime. [...] Assim, apesar do governo Figueiredo ter perdido o controle do processo político nos últimos anos de seu governo, o resultado final da fase de liberalização política foi muito próximo daquilo que havia sido projetado pelos mentores da transição “lenta, gradual e segura”. (ARTURI, 2001, p. 11-31.)
Em 1985, assume o presidente José Sarney e o país passa a reencontrar a
democracia, tendo como tarefa básica a sua consolidação, a institucionalização do estado de
direito e a eleição da Assembléia Constituinte soberana para elaborar uma nova Constituição
Federal. É oportuno relembrar que a falta de apoio da sociedade ao presidente fortaleceu o
estabelecimento do que viria a ficar conhecido como tutela militar. ______________ 24 Pragmatismo responsável foi o nome que o governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979) atribuiu à sua política externa. Sob o comando do Ministro das Relações Exteriores, Azeredo da Silveira, esse governo operou surpreendente mudança de orientação na política internacional do Brasil: promoveu a ruptura com a política das fronteiras ideológicas praticadas pelos governos militares anteriores, pela qual a luta contra o comunismo consistia na principal referência política de ação externa, e recuperou a ênfase na autonomia das decisões que haviam guiado a política externa independente. O pragmatismo responsável e ecumênico foi levado à pratica, porém, num mundo algo diferente daquele do período da PEI. (GONÇALVES e SILVA, 2005, p. 198).
25 Aliança Renovadora Nacional. 26 Movimento Democrático Brasileiro.
34
No período do presidente Fernando Collor de Mello foi observada uma direção
personalística, que inclusive procurou valer-se do apoio militar na crise do impeachment, não
obtendo êxito, tendo em vista que os ministros militares mantiveram uma posição firme e
institucional, sem emitir pronunciamentos ou ameaças de golpe.
O presidente Itamar Franco assume a presidência, iniciando sua gestão com staff
substancialmente militarizado. É importante salientar que os presidentes Collor de Mello e
Itamar Franco preservaram os objetivos principais da Política Externa Brasileira, promovendo
o desenvolvimento econômico e a autodeterminação política perante o Sistema Internacional.
Na conjuntura nacional da época, as Forças Armadas viviam um momento
indesivo, necessitando de uma reflexão sobre a definição do seu papel a partir de então. Além
disso, crescia a pressão da sociedade para uma maior participação dessas forças na área de
segurança pública.
O período de governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) originou
alterações de expressão no padrão de relações entre militares e civis, até então inexistentes no
país. No início do seu governo, observou-se certa crise de identidade nos militares brasileiros,
ou seja, havia uma indefinição de como deveria estar estruturada a Instituição Militar. Além
disto, dominava uma grande indefinição dos governos pós-autoritários a respeito das questões
de projeção e de defesa em nosso país.
Durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique, começou a surgir
uma nova missão militar de ordem interna, como as ações de combate ao narcotráfico e
contrabando de armas, executadas nos morros do Rio de Janeiro. Essa nova tarefa iniciou o
fim da crise de identidade e marcou uma nova influência dos quartéis no cenário nacional.
Cabe ressaltar a decisão tomada no âmbito militar, ao final de 1995, com a
publicação da Lei nº 9.140, conhecida como a Lei dos Desaparecidos. O texto continha que:
São reconhecidas como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas relacionadas no Anexo I dessa Lei, por terem participado, ou terem sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e que, por esse motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se desde então desaparecidas, sem que delas haja notícias27.
Por meio dessa lei, 136 desaparecidos políticos foram considerados como mortos
e, a partir de então, uma Comissão Especial foi designada para analisar outras inúmeras
______________ 27 Cf. Art. 1º da Lei nº 9.140/95.
35
mortes, provocando uma grande insatisfação na caserna, principalmente nos círculos dos
oficiais que vivenciaram o período do regime autoritário e, assim, ficando mais uma vez
evidenciado o ressentimento dos civis, fruto do autoritarismo e da austeridade que marcaram
aquele regime.
As situações similares de demonstração de ressentimentos continuaram a ocorrer,
basta relembrarmos as inúmeras notícias veiculadas na mídia, e, certamente, não haverá uma
solução de continuidade desse sentimento, até que as gerações de civis e militares que
viveram o período não existam mais. Entretanto, pode-se dizer que esse ressentimento e as
desconfianças mútuas estão se desvanecendo aos poucos, com os esforços dos governos.
A criação da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDEN), em
1996, foi uma iniciativa importante na área governamental. A Casa Militar passou a exercer a
Secretaria-Executiva dessa câmara, sendo seu primeiro Chefe - o General Alberto Cardoso -
responsável pelo gerenciamento de crises e assessoramento militar ao presidente da
República.
A despeito de qualquer política de ressentimento que ainda pudesse existir, as
Forças Armadas tiveram seus caminhos abertos com a publicação da Política de Defesa
Nacional (PDN), em 1996. Esse documento político de alto nível assinalou um marco na
relação civil-militar, pois definiu diretrizes claras e públicas para a Instituição Militar.
A PDN orientou os caminhos para a criação do Ministério da Defesa (MD).
Assim, durante a reunião do Grupo do Rio, em 1997, FHC promoveu o anúncio da criação do
MD. Essa criação estava consoante com a estrutura de defesa em todo mundo, sendo
considerada por alguns especialistas como uma atitude política para tentar auxiliar a
candidatura do Brasil a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações
Unidas (CSNU). No campo interno, a decorrente extinção dos quatro ministérios militares
ajudaria a submeter os militares ao controle do poder civil.
Em nove de junho de 1999 foi sancionada a Lei complementar, aprovada pelo
Congresso Nacional, dispondo sobre a criação do MD e transformando os ministérios
militares em Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e por meio de Medida
Provisória, extinto o EMFA. Como ministro de Estado da Defesa foi nomeado um civil e
assim, sucessivamente, até os dias de hoje.
O governo Lula deu continuidade à política do governo anterior, levando a efeito
a política desenvolvimentista pragmática, a busca permanente de integração da América do
Sul e, principalmente, manteve o país em uma situação equilibrada no Sistema Internacional,
com uma economia estável, sólida e crível. Todavia, observou-se que no campo da política
36
externa tem feito o uso da diplomacia presidencial, projetando o país no cenário internacional
e estreitando laços de amizade com vários países.
Nesse governo percebe-se que as Forças Armadas têm tido uma autonomia
política bastante reduzida, por não controlar boa parte da burocracia estatal e não exercer o
poder político direto. Logo após a sua posse, o que se verificou foi uma democracia brasileira
consolidada e com todos os atores, militares e civis, respeitando as regras do jogo burocrático.
A atualização da PDN em 2005, segundo consta com a participação de diplomatas, e,
principalmente, a promulgação da END, com a participação de toda estrutura de poder e
tomada de decisão do país, possibilitaram a inserção da Defesa na agenda nacional e colocou
esse tema tão importante nos patamares decisórios do governo e dos políticos28. Esse último
documento colaborou ainda mais para uma efetiva subordinação dos militares ao poder
político, propiciando uma discussão sobre Defesa, apesar de ser ainda incipiente, não só nos
patamares decisórios do governo e dos políticos, bem como na maioria dos segmentos da
sociedade brasileira.
A questão das relações civil-militares no Brasil se refere mais ao poder relativo
entre o estamento militar como um todo e os diversos grupos de civis que compõem a
sociedade e que almejam ascender ao poder (MENEZES, 1997, p. 65).
Do período abordado até os dias atuais, pode-se verificar que o tema principal na
agenda nacional esteve sempre voltado para o desenvolvimento econômico do Brasil e,
mesmo durante o período dos governos militares, a Defesa não teve ênfase, não sendo
amplamente explorada e aproveitada, apesar de algumas aquisições de meios por
oportunidades, construção nacional e de pequenos investimentos, devido à segurança coletiva,
alicerçada pelos EUA, e à falta de ameaças concretas ao nosso território e à nossa soberania.
Oliveiros Ferreira, em sua palestra na Universidade Federal de São Paulo (USP)
faz o seguinte comentário atinente aos orçamentos militares na época dos governos militares:
Quando se fizer sine ira et studio a história da relação entre as presidências militares e as Forças Armadas, ver-se-á que foi a partir de 1964 que seus orçamentos foram congelados ou aumentados apenas para conter a inflação, e se descuidou exceto, talvez, no que se refere à Força Aérea em alguns momentos típicos de sua missão estratégica e de sua função numa sociedade que já apresentava alguns sinais de anomia. (FERREIRA, 2008, p. 6) .
Aliam-se a esses fatos que o termo Segurança Nacional esteve, e até certo modo
está, associado ao passado do regime militar e da Lei de Segurança Nacional, apesar da ______________ 28 Palestra proferida pelo Ministro da Defesa, Nelson Jobim, ao CPEM, em 2009.
37
redefinição do conceito de Segurança Nacional preconizado na PDN 2005 e das linhas de
ação, diretrizes e prioridades estratégicas definidas na END.
O discurso do Ministro da Defesa, Nelson Jobim, por ocasião da apresentação da
END, faz menção à mentalidade de Defesa embutida na sociedade brasileira fruto do regime
militar:
[...] Senhor presidente, no diálogo que tivemos com os comandantes militares e com o Estado-Maior das Forças havia uma clara, uma nitidez absoluta sobre essa circunstância. Mas havia uma afirmação real, senhor presidente, nós, os civis, não queríamos nada com a Defesa. Havia no nosso imaginário uma confusão entre defesa e regime autoritário, entre defesa, e claramente senhor presidente, uma concepção vinculada à repressão política [...].29
Nesse contexto, é oportuno citar o artigo publicado, em abril de 2009, na Folha
Online - BBC:
Além da questão orçamentária, os especialistas apontam ainda outro fator que pode atrapalhar o desenvolvimento militar brasileiro: a memória da ditadura. “Em diversos setores da sociedade, sobretudo nas camadas decisórias, existe uma forte rejeição aos militares”, diz o historiador Carlos Fico, da UFRJ. Segundo ele, essa rejeição “não permite nem que o assunto da defesa seja debatido”. Na avaliação do professor, os militares, por sua vez, “são prisioneiros de velhos hábitos corporativistas”, o que também prejudica o debate.30
Por fim, considerando todos os fatos supracitados e suas respectivas evoluções,
pode-se dizer que a relação civil-militar obteve uma melhora significativa para o bem do país,
principalmente se forem considerados os discursos dos tomadores de decisão no país. Porém,
não se pode deixar de destacar que as desconfianças e os preconceitos mútuos ainda estão
latentes na mente da maior parte sociedade brasileira, em especial nas classes mais
esclarecidas. Trata-se de uma relação difícil e estará sempre sujeita a qualquer tipo de
influência conjuntural e da natureza implícita do ser humano quanto à vontade de ascender ao
poder e as vaidades. Provavelmente, esses óbices serão vencidos com uma visão política das
______________ 29 Discurso do ministro da Defesa, Nelson Jobim, em 22/12/2008, por ocasião da apresentação da Estratégia Nacional de Defesa. Disponível em:
http://www.inforel.info/servlet/ListaNoticia?acao=C¬iciaID=3061&ano=2008. Acesso em: 25 jun. 2009. 30 PEIXOTO, Fabrícia. Gastos militares do Brasil estão muito abaixo dos demais BRICS. Folha Online – BBC Brasil, Brasília, 3 abr. 2009. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/flha/bbc/ult272u545217.shml. Acesso em: 10 jun. 2009.
38
elites, em um médio prazo, e da sociedade, em longo prazo, quanto ao futuro promissor do
Brasil e de sua vocação para se tornar potência global econômica e militar. Especial atenção
se deve ter no tocante à formulação de políticas públicas com relação às responsabilidades do
Estado inerentes a Segurança e Defesa nacional. Logicamente, é necessário educar a
sociedade na valorização desses temas como um Bem Público, não deixando somente para os
militares essa responsabilidade.
Em suma, é imprescindível proporcionar uma visão civil e militar sobre
Segurança e Defesa e a construção de uma mentalidade nacional voltada para esses temas.
3.2 A Dialética dos Militares e dos Diplomatas
A ideologia militar no Brasil enfatiza a importância do poder nas relações
humanas, acredita no princípio da autoridade para o sucesso de qualquer relação. E como não
existe autoridade sem poder, o poder é um pressuposto indispensável à ordenação das relações
humanas (MENEZES, 1997, p. 68).
O perfil, a ótica e a mentalidade do militar no Brasil possuem características
próprias e distintas e são originadas e forjadas nas academias e escolas militares e têm sido
mantidas de geração em geração ao longo da história brasileira. Elas são centradas em um
raciocínio lógico e cartesiano, no amor à pátria e focadas para a defesa do Brasil e no
cumprimento de suas atribuições estabelecidas na Constituição Federal. E assim, tornam-se
mais atentos, preocupados e estudiosos com os temas sobre segurança e defesa, se
comparados com os membros do governo e do Congresso e de toda sociedade, em especial no
tocante às possíveis e eminentes ameaças externas. Certamente, não existem hipóteses de a
nossa soberania ser contestada ou ameaçada ou violada no pensamento dos militares
brasileiros. Em termos de paradigmas interpretativos das relações internacionais, o modelo
realista, sem dúvida, é o predominante na mente do estamento militar.
A ação da política externa levada a efeito pelo corpo diplomático do Itamaraty,
desde dos tempos do Barão de Rio Branco, sempre prestigiou e focou as normas e as regras
basilares do Direito Internacional para a resolução dos conflitos, defendendo a solução
pacífica de controvérsias e utilizando o multilateralismo, bem como rejeitando todo e
qualquer tipo de interferência com a autodeterminação dos Estados soberanos, estando
permeada e alinhada a uma leitura grociana da realidade internacional.
Lafer faz as seguintes considerações sobre a diplomacia brasileira:
39
Por esta razão, Rio Branco é, no meu entender, o inspirador do estilo de comportamento diplomático que caracteriza o Brasil, à luz de suas circunstâncias e de sua história. Este estilo configura-se por um a moderação construtiva, que, segundo Gelson Fonseca Jr., se expressa na capacidade de “desdramatizar a agenda da política externa, ou seja, de reduzir os conflitos, crises e dificuldades ao leito diplomático”. Esta moderação construtiva está permeada por uma leitura grociana da realidade internacional, nela podendo identificar-se um ingrediente positivo de sociabilidade que permite lidar, mediante a Diplomacia e o Direito, com conflito e a cooperação e, desta maneira, reduzir o ímpeto da “política do poder”. Pauta-se com bom senso pelo “realismo” na avaliação dos condicionantes do poder na vida internacional. E a partir da informação haurida nos fatos do poder, mas sem imobilismo paralisantes nem impulsos maquiavélico-hobbesianos, busca construir novas soluções diplomáticas e/ou jurídicas no encaminhamento dos temas relacionados à inserção internacional do Brasil. (LAFER, 2004, p. 47)
Alsina Junior faz um comentário sobre a atuação do nosso corpo diplomático:
Estruturada conceitualmente a partir da apropriação seletiva do legado de Rio Branco, a diplomacia brasileira não encara o poder militar como ferramenta essencial de projeção dos interesses nacionais. Isso se deve a variadas razões, sendo a mais saliente delas o fato de que, ao longo do século XX, o Itamaraty jamais pôde contar com um aparato militar que lhe permitisse maior latitude de atuação. Ademais, a retórica relacionada com a identidade internacional brasileira como a de uma potência pacífica limita a utilização clausewitziana da força armada. Logo, o plano declaratório da política externa não é conducente o incentivo ao aumento do poder combatente das Forças Armadas. (ALSINA JUNIOR, 2008, p. 70)
Além dos fatos anteriormente supracitados por Alsina Junior, pode-se considerar
que a nossa diplomacia não considerou a ação ou uma intenção de beligerante como um
instrumento preponderante sobre os demais países, possivelmente em virtude dos custos
políticos envolvidos, especialmente no tocante ao nosso continente, onde a procura pela
integração e o fortalecimento do Mercosul são permanentes. Na verdade, pode-se afirmar que
a diplomacia brasileira, constantemente, valeu-se de ações e mecanismos que não
demonstrassem a intenção ou a real necessidade de fazer uso das suas Forças Armadas,
inferindo-se que o conhecimento prévio do sucateamento e obsolescência das Forças Armadas
contribuiu para essa atitude.
O foco da defesa nacional não se alterou dos governos recentes até os dias atuais,
permanecendo organizada para atender às necessidades imediatas e para hipóteses específicas,
ressaltando a preocupação preeminente com uma possível intervenção na Floresta Amazônica
e nas nossas Águas Jurisdicionais Brasileiras no Atlântico Sul, batizada pela Marinha do
Brasil como Amazônia Azul.
40
Nesse sentido, torna-se pertinente mencionar parte da entrevista coletiva,
recentemente concedida pelo presidente Lula, após um Seminário Empresarial Brasil-Chile,
atinente à utilização de bases colombianas por militares e civis americanos (Acordo militar) e
à reativação da Quarta Frota americana:
A mim não agrada uma base americana na Colômbia, mas como eu não gostaria que Uribe desse palpite nas coisas que faço no Brasil, prefiro não dar palpite sobre as coisas de Uribe. Vamos conversar pessoalmente porque nós temos liberdade e confiança para ter um diálogo livre e aberto [...] Mandamos uma carta dizendo que nós não víamos com bons olhos a idéia da Quarta Frota porque me parece que a linha territorial dela é quase que em cima do nosso pré-sal31.
A falta de um diálogo aberto e transparente entre os civis e os militares ao longo
desses anos, fruto, em parte, de ressentimentos e desconfianças passadas, produziu um
afastamento nas comunicações relativas a segurança e defesa, e entre os militares e
diplomatas não muito foi diferente. Os militares permaneceram nas suas organizações
militares preservando seus propósitos, princípios, valores e ética, repassando-os as gerações
seguintes e criando barreiras contra a influência a determinados segmentos da sociedade, em
especial ao mundo político. Os civis evitavam e se afastaram das discussões, análises e
estudos de temas segurança e defesa, estabelecendo uma boa relação de convivência e,
segundo a conveniência, requerendo, tempestivamente, o apoio militar para levar a efeito os
respectivos interesses e projetos políticos / pessoais.
Assim sendo, torna-se essencial que os pensamentos dos militares e dos
diplomatas, atinentes a Defesa e ao emprego político do poder militar, sejam convergentes,
sinérgicos e discutidos de forma coordenada, levando-se em conta das especificidades de suas
respectivas formações acadêmicas e experiências profissionais, de forma que os diplomatas
possam firmar uma posição coerente com nossos interesses e possibilidades, durante as ações
clássicas da diplomacia, especialmente nas situações de crise e conflitos, além, é claro, de
serem respaldadas pela estrutura de poder e de tomada de decisão do País.
______________ 31 FIGUEIREDO, Janaína et al. Crítica tripla a bases dos EUA na Colômbia. O Globo, Rio de Janeiro, 31 jul.
2009. Seção O Mundo, p. 39.
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3.3 A Articulação e Integração entre o MD e o MRE
A influência e a participação do estamento militar na vida política nacional são
evidentes e históricas e guardam, ainda, certo ressentimento e desconfianças mútuas, fruto das
ações internas e de repressões do regime autoritário dos governos militares. Todavia, nos dias
atuais, a consolidação da democracia, os diálogos abertos e transparentes entre os militares e
civis, a alta credibilidade dos militares perante a sociedade civil, a emissão de documentos
importantes no que tange ao tema Defesa, como, por exemplo, a PDN e a END, e a criação do
Ministério da Defesa, equilibraram de forma acentuada e positiva as relações entre os civis e
os militares. Cabe, nesse contexto, salientar que os presidentes em exercício, após o término
dos governos militares, se preocuparam em atenuar e resolver os conflitos de longa duração e
institucionalizar gradualmente as relações entre as partes. E desta forma, fica estabelecido o
tipo de influência e de participação que os militares deveriam exercer no país democratizado,
coadunando-se com o desenho do cenário internacional, e, sendo assim, se constituindo em
um instrumento de poder atuando em consonância com suas prerrogativas constitucionais
atinentes à manutenção da ordem interna e da ação de defesa externa, além de suas
importantes atribuições subsidiárias.
O relacionamento entre os militares e diplomatas pode-se dizer que foi e é
excelente e cordial entre seus pares congêneres e as respectivas instituições, apesar das
especificidades de pensamentos e dos respectivos ethos e culturas. Todavia, existem correntes
de pensamento que assinalam o ciclo dos governos militares (regime autoritário supracitado)
o responsável por certo afastamento e uma degradação na interação e articulação entre os
Ministérios, principalmente no tocante às percepções, focos e discussões quanto à Defesa,
fundamentadas nos fatos e argumentos relatados, até o presente momento, neste trabalho. Do
comentário de Alsina Junior (2006) de que a diplomacia não pôde contar, durante a maior
parte do século XX e no início deste século, com aparato militar capaz de respaldá-la em suas
tarefas clássicas, infere-se que tal situação pode ter influenciado negativamente a esfera de
articulação e interação dos dois Ministérios. E desta forma, levando o MRE a conduzir a
política externa autônoma e sem levar em consideração um dos elementos tradicionais de
mensuração do poder: as Forças Armadas.
Outro fato pertinente a ser considerado é que os Ministérios da Defesa e das
Relações Exteriores possuem uma carga burocrática pesada, morosa e conservadora, fruto da
cultura e dos pensamentos de seus componentes. O MRE é uma instituição muito antiga e
detentora de uma política e estratégia próprias e peculiares, com bases organizacionais
42
perfeitamente embasadas, sólidas e concretas, possuindo um comprovado reconhecimento
nacional e internacional. Já o MD é uma instituição relativamente nova (apesar do peso
histórico e cultural de suas forças singulares) inserida no concerto dos Ministérios e em um
meio político desinteressado pela Defesa e viciado na política do clientelismo e na corrupção.
Cabe ressaltar que o MD vem convivendo com conflitos, embates e tabus inerentes às
relações e ressentimentos passados entre civis e militares, além da falta de uma integração
plena de pensamentos e ações entre as forças singulares. Nessa ótica, esse Ministério
encontra-se envidando esforços, de toda ordem, para desenvolver e consolidar uma política e
estratégia próprias e peculiares relativas à missão principal das FFAA e seu contexto político,
tendo seu peso de reconhecimento internacional vinculado às ações e intercâmbios das forças
singulares no passado.
A existência de articulação e integração desses Ministérios ocorre formalmente
por meio de reuniões periódicas de trabalho para conhecimento de assuntos afins, e de
maneira informal e não institucionalizadas, como, por exemplo, em palestras e conclaves
proferidos em ambas as Casas, no dia a dia das embaixadas por intermédio dos adidos das
forças/defesa com o respectivo corpo diplomático residente e em telefonemas/E-mail de
serviço entre os pares congêneres, não sendo identificada, a priori, uma articulação por meio
de presença permanente de diplomatas e militares em reuniões afins relativas à Política de
Defesa como ramificação Política Externa e suas implicações e emprego político do poder
militar como instrumento de persuasão e dissuasão.
Foram enviadas algumas perguntas a diplomatas, militares e professores
universitários para melhor abarcar e sedimentar a visão da realidade da integração e
articulação existentes, atualmente, entre os Ministérios em questão, considerando as
respectivas formações acadêmicas e experiências adquiridas em cargos e funções. Nesse
sentido, a professora da Universidade Federal do Estado do Rio de janeiro (UFRJ), Sabrina
Medeiros, doutora em Ciência Política, fez o seguinte comentário sobre o afastamento
existente entre os dois Ministérios:
Razões de ordem histórica poderiam explicar o afastamento notável entre os grupos que compõem dois Ministérios distintos. O MRE conduziu a política externa de forma relativamente autônoma, inclusive, durante o regime militar. Para a interação, o principal óbice à interação reside no nível decisório, em que, em última instância, a decisão está por conta do MRE. A integração entre os militares e os diplomatas, neste caso, fará da participação no processo decisório um canal possível de conflito de interesses, ainda que a decisão final esteja por conta da Presidência e do MRE. (APÊNDICE A).
43
Sabrina Medeiros faz, ainda, um comentário sobre a interação e articulação,
atualmente existentes, entre os diplomatas e militares conduzindo a Política de Defesa como
ramificação da Política Externa:
Interação reduzida. A despeito do que ocorre em outros países em que o processo decisório passa por agências de inteligência, secretarias de Estado e Ministérios de relações exteriores e defesa, o processo brasileiro ainda é muito centralizado e desalocado da opinião pública, fundamentalmente, quanto às plataformas políticas apresentadas no pleito eleitoral. (APÊNDICE A).
Na ótica do Almirante Guilherme Abreu de Matos, ex-membro do Corpo
Permanente da ESG e, atualmente, Superintendente de Ensino da Escola Naval, os óbices para
a interação e a articulação são:
A partir de minhas observações em vários eventos acadêmicos relacionados às relações internacionais de que participei, julgo que o problema é basicamente cultural. Não é amplamente desenvolvida a consciência de que é necessário haver equilíbrio em todos os campos de poder e a temática militar tende a ser tratada como desimportante. Por outro lado, é relevante destacar que os militares também têm muito que aprender neste campo. Afinal, o militar pratica o relacionamento com estrangeiros desde os bancos escolares, tem que ter sensibilidade para este tipo de interação, bem como saber que são importantes atores na Diplomacia Paralela (APÊNDICE A).
O Ministro José Antonio Macedo Soares, do Gabinete de Segurança Institucional
(GSI), considera muito boa a articulação e a integração dos militares com os diplomatas,
sendo a implementação de uma melhora na maneira de se comunicar o principal fator para
otimizá-las. Comentou, ainda, não ver a política externa sendo conduzida sem levar em conta
a componente militar e que a percepção de poder no Itamaraty é permanente, inclusive na sua
vertente militar32.
O Brigadeiro Delano Teixeira Menezes, membro do Corpo Permanente da ESG e
autor do livro O Militar e o Diplomata, exprime sua opinião a respeito da interação e
articulação, atualmente existentes, entre os diplomatas e militares conduzindo a Política de
Defesa como ramificação Política Externa:
Na verdade, não consigo perceber nenhuma interação/articulação. Entretanto, volto a contestar que a política de defesa não é e nem deve ser uma RAMIFICAÇÃO da Política Externa. São políticas independentes que
______________ 32 Entrevista realizada em abril /2009 com o diplomata de carreira, Ministro Macedo Soares.
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devem, sim, estar articuladas, mesmo que o poder militar não seja um instrumento da ação diplomática. Veja que para o diplomata o emprego do poder militar representa o seu insucesso. No inconsciente universalista e idealista do nosso diplomata é inconcebível que isso aconteça; ele sempre acredita no poder da negociação e prolongará ao máximo as negociações, sempre acreditando que o oponente aceitará o diálogo e não perceberá que essa procrastinação já faz parte da preparação de uma ação militar. Portanto, me parece que a interação/articulação desejada passa por uma cultura que precisa ser lentamente modificada (os processos de transformação cultural são lentos mesmo quando produzidos por uma revolução. São as mentes a serem conquistadas nas novas gerações, as antigas gerações ainda em atuação resistirão com denodo!). Como alento eu vejo a criação do Ministério da Defesa como o primeiro passo nesse sentido, criou-se a possibilidade de interpor um interlocutor civil entre o estamento militar e o diplomático. Neste instante, com esse novo Ministério, criou-se a possibilidade de o poder militar ser utilizado como instrumento político. Nós, militares, devemos ter a consciência de que somos os melhores e únicos operadores do poder militar, mas não os formuladores de sua política. Os fatores que intervêm na formulação de políticas vão muito mais além do planejamento do emprego militar e fogem da alçada militar. Portanto, devemos continuar sendo os melhores na ação militar, sem nos preocuparmos muito com a formulação da sua política porque ela aparecerá quando for preciso, ainda que não devamos nos furtar ao debate. (APÊNDICE A).
O Coronel da Força Aérea Brasileira, Luiz Fernando Fonseca Viana, Assessor do
Secretário de Política, Estratégica e Assuntos Internacionais (SPEAI) no MD, fez o seguinte
comentário sobre o relacionamento e o trabalho conjunto entre o MRE e MD:
Sou da opinião que o relacionamento MD e MRE é excelente. No que se refere aos temas da Defesa, o MRE não tem atuado isoladamente. Prova disto é a participação dos dois Ministérios em vários encontros multilaterais na área de defesa como a CMDA, o CDS e o GT de Paz e Segurança da Cúpula América do Sul-África. Até mesmo na revisão da PDN o MRE tem participado ativamente nas reuniões da SAE. Vários jogos de crises contam com a participação do MD e do GSI (que contém “diplomatas da reserva”). São exemplos os Jogos de Crise da ECEME e da EGN (CEMOS e CPEM) (APÊNDICE A).
O Embaixador Christiano Whitaker, do Corpo Permanente da Escola Superior de
Guerra (ESG), teceu alguns comentários atinentes aos óbices existentes entre os militares e os
diplomatas e a interação e articulação ora existentes:
Não posso precisar quando começaram as divergências – a meu ver não tão numerosas – entre os dois setores do Estado brasileiro. Mas, como disse acima, a diferença de culturas é, parece-me, fundamental para entender o distanciamento. Nós, diplomatas, tendemos a olhar a floresta, enquanto os senhores militares (a Marinha, menos) tendem a olhar as árvores. Nós somos, por assim dizer, “barrocos”, enquanto, também por assim dizer, os
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senhores são “pão-pão-queijo-queijo”. Mas há que notar que, quando a situação assim o exigiu, o Itamaraty apoiou-se fortemente nas FFAA: vide toda a atuação do Barão do Rio Branco. There is a long way to go, mas chegaremos lá. Noto um gradual aumento de consciência, por parte do MRE, quanto a assuntos de natureza militar – e o Secretário Alsina é apenas um exemplo do que digo. (APÊNDICE A)
Cabe, então nesse momento, registrar um comentário oportuno do Secretário
Alsina:
Apesar dos vínculos institucionais existentes entre os diplomatas e militares, a Políticas Externa e de Defesa tem sido tratadas por sucessivos governos como assuntos essencialmente estanques. [...] Diante dessa circunstância, cabe indagar sobre a conveniência de manter inalterada a situação descrita em um contexto internacional marcado pelo enfraquecimento do multilateralismo e pela intensificação de posturas hobbesianas. No caso brasileiro, é preciso realizar ainda reflexão sobre que papel atribuir às Forças Armadas e a Diplomacia no campo de defesa [...] (ALSINA JUNIOR, 2003, p.1)
O MD, estruturado com políticas próprias, atualizadas e sedimentadas e,
principalmente, tendo um civil na sua direção, certamente contribuirá para facilitar e otimizar,
em um prazo mediano, a comunicação entre os dois vetores clássicos da Política Externa do
país, e desta forma, convergindo-os para uma ação coordenada, integrada e articulada voltada
para os interesses nacionais, a integridade territorial e a garantia da nossa soberania. Alia-se a
esse fato que as diretrizes e as ações estratégicas estabelecidas na END contribuirão para
acelerará esse processo, logicamente contando com a participação efetiva, a iniciativa e a boa
vontade dos membros da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), na
Câmara dos Deputados, e da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado
(CRE) para influenciar e convencer os membros do Congresso Nacional nessa empreitada de
grande valor e, assim, consequentemente produzir um efeito multiplicador e tornar a
sociedade brasileira cúmplice desse processo.
Nesse sentido, vale mencionar parte do contido no artigo do jornal Valor
Econômico:
[...] Para o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), a Estratégia de Defesa Nacional é um marco que vai elevar o Brasil à condição de uma nação, competente e capaz de fazer o desenvolvimento nacional. Por outro lado, vai exigir uma série de iniciativas, tanto no campo legislativo, quanto de governo. O deputado cita como medidas fundamentais as desonerações para o material de defesa, maior agilidade dos processos de licitação para os bens de alta tecnologia e também os necessários avanços no processo de absorção
46
de tecnologia [...]33
Ainda nesse contexto, vale ressaltar que, no corrente ano, o Senador Eduardo
Azeredo (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional
(CRE) no Senado, proferiu uma palestra aos alunos do CPEM e expressou sua satisfação com
a promulgação da END, exaltando que esse documento é, sem qualquer sombra de dúvida, a
reestruturação mais ambiciosa da história da defesa brasileira e sua implementação deverá,
necessariamente, ser o resultado orquestrado entre várias instâncias do Poder Público
Brasileiro. Expressou, ainda, seu total apoio e que a questão orçamentária será um dos
principais gargalos a serem atacados.
Cabe menciomar, ainda, um pertinente e importante comentário de Embaixador
Rubens Barbosa publicado em um artigo do jornal O Estado de S. Paulo:
O Plano Estratégico de Defesa Nacional foi finalmente divulgado, depois de superadas importantes divisões internas, sobretudo com o Itamaraty, preocupado com a reação de nossos vizinhos quando fossem tornados públicos os objetivos da projeção externa do poder de nosso país. [...], o plano não só é oportuno, como, de certa forma, vem com algum atraso. [...].Vou-me concentrar nos principais aspectos relacionados com a política externa. Fica evidente que, a partir de agora, como se viu recentemente nos acordos assinados com a França durante a visita do presidente Sarkozy, o divórcio entre política externa e de defesa tem de ser superado. O Itamaraty não pode mais deixar de incluir as preocupações de defesa em seu discurso público e privado e, com isso, promover uma importante mudança cultural na Chancelaria34.
A participação das Forças Armadas Brasileiras em Operações de Paz da ONU é
antiga e tem tido um bom reconhecimento perante a comunidade internacional, especialmente
a participação atual no Haiti, cuja a liderança nos foi confiada. Sem dúvida, os trabalhos
realizados pelo MRE e MD são decisivos para o sucesso dessas operações, sendo constatada
uma significativa integração e articulação, contribuindo para o sucesso e o reconhecimento da
competência do país no trato e nas ações propriamente dita desse tipo de missão35. Além
disso, essas operações propiciam a projeção do nosso poder militar no Sistema Internacional,
ainda que seja incipiente se comparado com alguns dos principais países partícipes das
Operações de paz da ONU. ______________ 33 SILVEIRA, Virgínia. Desafios Estratégicos. Valor Econômico, Rio de Janeiro, 9 Abr. 2009. Disponível em: http://www2.atech.br/noticias.atech.Desafios%2Bestrat%25e9gicos. Acesso em: 30 abr. 2009.
34 BARBOSA, Rubens. Estratégia de defesa nacional e Itamaraty. O Estado de São Paulo, São Paulo, 13 Jan. 2009. . Disponível em: http://www.eagora.org.br/arquivo/estrategia-de-defesa-nacional-e-itamaraty/. Acesso em: 23 Jul. 2009.
35 Comentário do Assessor do SPEAI, Coronel Luiz Fernando Fonseca Viana.
47
O Ministro da Defesa, Nelson Jobim, em seu discurso, por ocasião da
apresentação da END, fez uma menção importante a respeito da integração e a necessidade do
comprometimento com a Defesa:
[...] há um outro ponto fundamental, que é a integração da política de defesa com a política global de governo. É absolutamente fundamental uma integração da política de defesa com a política de relações exteriores. Não há que se pensar em qualquer tipo de possibilidade, de atritos ou de pretensões conflitantes entre o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Defesa, um é complementar ao outro, somos todos, portanto, integrantes de uma política única, que é exatamente fazer a afirmação de um grande país. Tudo isso depende, senhor presidente, de algo também mais amplo, que é exatamente a participação do parlamento. O parlamento a que me refiro, senhor presidente, a Câmara não das disputas políticas internas e partidárias que eu as conheço muito bem, não das políticas internas de lideranças ou de presidências, não, mas disputas políticas de formulação de um Brasil grande e com honra, portanto, senhor presidente, é vital essa relação com o parlamento, com o parlamento em toda a sua extensão. E o reconhecimento também da autoridade constitucional absoluta do Supremo Tribunal Federal na interpretação das normas vis-à-vis a Constituição.[...] Há que ter a compreensão política dos estamentos completos que compõem a nação. [...]36
Tendo em vista os fatos e argumentos supracitados, podemos depreender que
existe integração e articulação entre o MD e o MRE, mas são precárias e insuficientes para a
condução de uma Política de Defesa como ramificação da Política Externa. Essa situação
precisa mudar rapidamente para uma situação ativa e substanciosa, abarcada com uma
assessoria de Inteligência Estratégica e uma política de Estado, coadunando-se com as
pretensões de posicionamento e a inserção do Brasil no jogo dinâmico das Relações
Internacionais e suas incertezas.
______________ 36 Discurso do ministro da Defesa, Nelson Jobim, em 22/12/2008, por ocasião da apresentação da Estratégia Nacional de Defesa. Disponível em:
http://www.inforel.org/servlet/ListaNoticia?acao=C¬iciaID=3061&ano=2008. Acesso em: 25 jun. 2009
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4 PROPOSTAS PARA UMA MAIOR INTERAÇÃO E ARTICULAÇÃO DO MRE
COM O MD NA CONDUÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA
Como observamos ao longo do presente trabalho, existe a necessidade de adoção
de medidas que proporcionem o aumento da integração e da articulação dos dois Ministérios e
propiciem a aproximação, o entendimento e o nivelamento de pensamentos e ações, entre os
mesmos, quanto à percepção do emprego político do poder militar para apoiar ou substituir
uma ação diplomática. Desta forma, possibilitando considerar a política de defesa como
instrumento significativo para a consecução dos nossos interesses e a garantia da nossa
soberania e, consequentemente, obter reflexos e resultados positivos na tomada de decisão
governamental durante os foros internacionais.
Foram enviadas algumas perguntas a diplomatas, militares e professores
universitários para que propusessem, de forma objetiva, medidas, ações e mecanismos
necessários para uma maior interação e articulação dos militares com os diplomatas na
condução da Política Externa. A Professora Universitária Doutora Sabrina Medeiros,
exprimiu a sua opinião para o aumento da integração e articulação entre MRE e o MD:
Postos militares no MRE e postos diplomáticos no MD podem ser um caminho plausível da interação. Além disso, a Secretaria de Assuntos Estratégicos, através de grupos de trabalho, poderia gerenciar e contingenciar esta integração na forma de análises prospectivas e de conjunturas. Os Jogos de Guerra poderiam, também, ser utilizados para tal finalidade. A política de defesa já compreende um setor da política externa, em nível institucional, no MRE. Assim, a proximidade entre as duas não pode, contudo, descaracterizá-las. As comissões parlamentares, os grupos de interesse e os ministérios a conduzi-las são diferenciais deste processo. Quanto tangíveis à defesa, os assuntos deveriam ser analisados multiinstitucionalmente. (APÊNDICE A)
O Brigadeiro Delano Teixeira Menezes fez o seguinte comentário:
Seria muito difícil e até desnecessária a participação de militares em todos os foros que a ação diplomática atua. Mas seria de grande importância a existência de um dispositivo de consulta permanente entre as duas instituições. Com o exemplo do que fez o Ministério da Defesa criando a assessoria permanente de assuntos internacionais como parte integrante da sua estrutura organizacional e solicitando ao MRE que destacasse um diplomata para trabalhar no MD, o Ministério de Relações Exteriores poderia fazer o mesmo criando uma assessoria permanente para assuntos militares. O incremento com eficiência da articulação entre política externa e
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de defesa, me parece que só seria efetiva se fosse mediada por um terceiro ator: ou a SAE com autoridade de uma secretaria de estado, ou que essa autoridade seja dada ao próprio MRE com um escritório militar de assessoramento e de ligação com o MD. (APÊNDICE A)
O Embaixador Christiano Whitaker apresentou seu ponto de vista de como
proporcionar o aumento da integração e articulação entre os ministérios:
Contatos, contatos e mais contatos. Interação, interação e mais interação. Nisso, os senhores estão anos-luz na nossa frente: sim, buscam contatos, enquanto que nós os mantemos num mínimo necessário. Temos que expandir. Acho essencial que haja um oficial-general da ativa nos quadros do MRE, assim como que haja um diplomata de alto grau hierárquico – Ministro de Segunda- ou de Primeira Classe nos quadros do MD, atuando como assessores. E mais: os assuntos militares, que deveriam ser matéria de todo um Departamento do MRE, estão sendo conduzidos (muito competentemente, aliás) por um único diplomata, o Embaixador Pinta Gama. (APÊNDICE A) .
Para o Coronel Luiz Fernando Fonseca Viana, assessor do SPEAI, aperfeiçoar o
que já vem sendo feito é a solução para proporcionar o aumento da integração e articulação
entre os ministérios da Defesa e das Relações Exteriores (APÊNDICE A).
Já o Almirante Guilherme Abreu de Matos expõe a sua opinião a respeito desse
assunto:
É necessário desenvolver-se, no Brasil, uma cultura compatível com uma potência de porte médio, consciente de seus deveres e responsabilidades; com capacidade de pensar estrategicamente e em longo prazo e de compreender as questões concernentes à Segurança e à Defesa. Esta é uma tarefa complexa e traz em seu cerne o amadurecimento das instituições, sendo que a articulação entre diplomatas e militares é fundamental neste processo. Para tal, é necessária a interação com a academia e, adicionalmente, a existência de um centro de estudos estratégicos destinado ao aperfeiçoamento das elites governamentais e privadas, configurando um instituto de alto nível de caráter multidisciplinar - em suma, orientado para moldar a massa crítica necessária para a formulação e implementação de políticas públicas e estratégias de longa maturação, adequadas, eficazes e eficientes. A Escola Superior de Guerra, revitalizada, pode configurar esse instituto de alto nível, com intensa e total participação do MRE. Faço uma analogia: os militares necessitam, a todo o tempo, desenvolver o senso de interdependência e de respeito mútuo e o aperfeiçoar o conhecimento recíproco, ou seja, da faculdade de reconhecer e compreender as capacidades, necessidades, sensibilidades e limitações de cada Força Singular. Os diplomatas em relação aos militares (e vice-versa), também necessitam desenvolver capacitações semelhantes. Os diplomatas precisam conhecer, por exemplo, os tempos necessários para o desenvolvimento de uma ação militar; e os militares necessitam capacitar-se a entender o impacto de suas ações no campo externo; bem como, o muito que realizam e podem realizar neste campo. No aparato estatal, o Ministério das Relações
50
Exteriores e o Ministério da Defesa são os únicos que reúnem corpos profissionais com características singulares, formados em poucas instituições de ensino específicas (capazes de trocar experiências entre si) e essencialmente voltados para os interesses nacionais - em suma, vocacionados à parceria. (APÊNDICE A)
É oportuno destacar que o Embaixador Marcus Vinícius Pinta da Gama comentou,
na palestra proferida aos alunos do CPEM, que se encontra em estudo no MRE a criação de
um departamento, ou algo parecido, para tratar assuntos de defesa, haja vista que esse assunto
é tratado de maneira pulverizada naquele Ministério e, desta forma, emprestando maior
relevância ao tema Defesa.
Poderíamos sugerir diversas propostas para o aumento da integração e articulação
entre os Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores. Todavia, considero que seja
importante, em primeiro lugar, sedimentar as ações dessa integração e articulação, ou melhor,
que ela seja construída e embasada em pensamentos convergentes e nivelados para o bem do
país e consoantes com a realidade do jogo das Relações Internacionais.
Desta forma, o secretário Alsina, diplomata experiente em assuntos de defesa,
lotado, atualmente no MD como assessor permanente de assuntos internacionais na Divisão
de Assuntos Internacionais, é um grande avanço nessa empreitada de aumento da integração e
articulação. Porém, considero que um diplomata possuidor de um maior grau hierárquico,
como, por exemplo, um Ministro de Segunda ou de Primeira Classe, emprestaria um maior
peso político e importância ao tema e, é claro, um maior suporte abarcado de experiências
profissionais adquiridas, principalmente, em missões no exterior e na participação em
reuniões internacionais. Assim, a sugestão do aumento desse grau hierárquico na assessoria
do MD e a criação no MRE de uma assessoria similar, chefiada, em sistema de rodízio anual,
por um oficial general de duas estrelas das FFAA, contribuiria sobremaneira para a
aproximação, o entendimento e o nivelamento de pensamentos e ações, entre as partes, quanto
à percepção do emprego político do poder militar para apoiar as tarefas clássicas da
diplomacia e outros assuntos afins.
Como segunda proposta, sugiro uma maior participação de diplomatas em cursos
na Escola Superior de Guerra (ESG), Escola de Guerra Naval (EGN), Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército (ECEME) e Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica
(ECEMAR), bem como uma participação efetiva de oficiais superiores das FFAA em cursos
de pós-graduação em Relações Internacionais, a cargo do Instituto Rio Branco e da Fundação
Alexandre Gusmão, e em cursos Universitários nos grandes centros culturais do Brasil.
51
Por fim, a sugestão da participação efetiva e coordenada dos diplomatas e
militares na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), na Câmara dos
Deputados, e na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado, para
influenciar e convencer os membros do Congresso Nacional quanto à importância da Defesa e
a produção de políticas públicas voltadas para o seu fortalecimento, além de produzir um
efeito multiplicador de discussão desse tema na sociedade brasileira.
5 CONCLUSÃO
O estudo e a pesquisa das Relações Internacionais são relativamente novos, tendo
sido impulsionados a partir do término da Primeira Guerra, com destaque nesse tema para a
Inglaterra e os Estados Unidos. Após a Segunda Guerra, os Estados Unidos direcionaram
enormes quantias financeiras à área de pesquisa e estudo das relações internacionais,
formando uma importante e significativa massa crítica. As instituições norte-americanas e
inglesas sempre aportaram recursos no estudo e pesquisa da disciplina de Relações
Internacionais, sendo a produção acadêmica superior a dos demais países mundo, motivado
pelas as razões de ordem econômica, acadêmica, cultural e, acima de tudo, de poder.
Podemos inferir que não é uma mera coincidência que as Relações Internacionais tenham sido
desenvolvidas como estudo e destacada análise em países desenvolvidos como a Inglaterra e
os Estados Unidos. Assim, o estudo das Relações Internacionais se configura como tarefa
obrigatória ao entendimento das mudanças, evoluções do mundo e, naturalmente,
indispensável no efeito da manutenção ou ascensão do poder.
O nosso país não possui tradição no campo de estudo teórico e de pesquisa das
Relações Internacionais, não possuindo um número de especialistas para o desenvolvimento
de uma massa crítica compatível com as nossas pretensões, sendo esse estudo e pesquisa
apenas difundidos a partir das décadas de sessenta e setenta, cuja preocupação fixou-se em
problemas latinos concretos das Relações Internacionais: o desenvolvimento e o
subdesenvolvimento, a dominação dos países desenvolvidos e a dependência dos países em
desenvolvimento, constituindo indagações contrárias àquelas do modelo de poder e da força.
O mundo sofreu grande alteração com o fim da Guerra Fria, firmando a
hegemonia do capitalismo norte-americano e posicionando os Estados Unidos como a única
superpotência. A transição pela qual passamos resultou, na teoria e prática, em uma
superpotência com recursos globais de liderança política e econômica, além é claro da sua
supremacia militar incontestável e muito respeitada. O Brasil se incluiu nesse contexto de
transformação e evolução mundial, coadunando-se com a ágil aceleração da globalização e a
adesão às regras e normas da Nova Ordem Internacional. Assim, pode ser considerado
imprescindível o estudo, pesquisa, análise e compreensão das Relações Internacionais, bem
como o aporte de recursos visando ao seu incremento e, consequentemente, propiciando uma
crescente massa crítica especializada.
Os discursos ideológicos sobre a paz, a integração e cooperação mútuas
continuam ocorrendo com grande intesidade, todavia o que vemos na prática é que o modelo
53
realista sempre tende a prevalecer para defender os interesses nacionais e para a manutenção
do equilíbrio do poder, valendo-se da agressão militar, forte pressão política e sanções e
coerção econômica, haja vista, por exemplo, as decisões impostas e ações intervencionistas
concretizadas, por exemplo, nos conflitos em Kosovo, Ossétia do Sul, Iraque e outros, onde se
observou que a política internacional e os interesses dos países hegemônicos prevaleceram
sobre o preconizado na Carta Magna das Nações Unidas e nas normas estabelecidas pela
comunidade internacional e nos princípios basilares do Direito Internacional, no que tange aos
aspectos da legalidade e legitimidade.
A Política Externa brasileira, nos últimos anos, priorizou a área econômica
visando ao desenvolvimento do país, havendo uma articulação de peso entre a política externa
e a econômica. Com efeito, essa articulação levou o país a um lugar de destaque e de
relevância no cenário internacional. Os objetivos e a condução da política econômica
influenciaram demasiadamente as demais áreas, por meio da contenção dos gastos e de
investimentos públicos. Assim, a área de defesa foi relegada ao segundo plano de prioridades
e metas governamentais, tendo em vista que o foco principal foi a consolidação da
estabilidade financeira e o crescimento econômico. Nesse sentido, a diplomacia brasileira tem
levado a efeito, como tema central, a questão do desenvolvimento na condução da nossa
política externa e a busca da integração da América do Sul.
A capacidade de influência do poder militar continua sendo muito relevante na
condução e execução da política externa dos Estados soberanos, mesmo na ausência ou
possibilidade distante de ameaças e de conflitos armados. Devemos ter em mente que o poder
se constitui numa base fundamental e poderosa da capacidade de influência direta ou indireta
dos Estados no ambiente anárquico do Sistema Internacional.
Assim sendo, se faz mister a constituição de um poderio militar racional, estável,
balanceado e com credibilidade, como fator primordial para se produzir uma dissuasão. O
emprego político do poder militar se concretiza na capacidade de dissuasão, ou seja, na
demonstração de capacidade de um Estado em responder de imediato a ataques de forma
eficiente e eficaz.
A constatação vinda de um diplomata de carreira e estudioso no tema Defesa,
Secretário Alsina, de que a Política Externa Brasileira foi, ao longo de quase todo o século
XX, conduzida de maneira independente da existência de meios de força capazes de respaldá-
la em última instância, e de que a Políticas Externa e de Defesa têm sido tratadas por
sucessivos governos como assuntos essencialmente estanques, nos leva a um cenário de
grande preocupação. O posicionamento atual do Brasil no cenário internacional, como líder
54
regional e potência global econômica, e a dinâmica do jogo das relações internacionais,
determinam uma maior integração e articulação entre os militares e os diplomatas na
condução e execução da Política de Defesa como ramificação Política Externa, de modo a
agregar elementos e ações, tanto no âmbito interno e externo do país, para o atingimento dos
objetivos nacionais e a defesa de nossos interesses.
Não podemos deixar de mencionar que a nossa história não tem contribuído e
oferecido estímulo para o estabelecimento de uma cultura de defesa na estrutura de poder e de
tomada de decisão do país, sendo rotina do Governo brasileiro a alocação insuficiente e
descontinuada de recursos orçamentários necessários às Forças Armadas para a sua
manutenção e modernização, alegando prioridade às questões sociais que afetam e geram
conflitos e pobreza. Apesar disso, é preeminentemente necessário o reordenamento de
prioridades e metas do governo, inserindo a Defesa, obrigatoriamente, em uma política de
Estado e um Bem Público.
Os militares vêm tendo, desde a proclamação da República, uma participação
ativa ao longo da história política brasileira e têm sido considerados, por estudiosos e
analistas, como uma força tutelar ou uma força moderadora ou, ainda, como um instrumento
dos poderes constituídos do Estado. O regime autoritário vivenciado pelo país no período dos
governos militares traz, até hoje em dia, ressentimentos e desconfianças mútuas entre civis e
militares. Todavia, cabe salientar que os presidentes dos governos, após regime militar, se
preocuparam em atenuar e resolver os conflitos de longa duração e institucionalizar
gradualmente as relações entre as partes. Podemos dizer, hoje em dia, que essa relação obteve
uma melhora significativa para o bem do país. Porém, trata-se de uma relação difícil e estará
sempre sujeita a toda ordem de influência conjuntural e vontade de poder.
A falta de diálogo aberto e transparente entre os setores civil e militar, em um
passado recente, produziu um afastamento nas comunicações relativas à segurança e defesa, e
entre os militares e diplomatas não foi muito diferente.
Assim sendo, torna-se racional e essencial que os pensamentos dos militares e
diplomatas, atinentes a Defesa e ao emprego político do poder militar, sejam convergentes,
sinérgicos e discutidos de forma coordenada, apesar das especificidades de suas respectivas
formações acadêmicas e experiências profissionais, valores, princípios e cultura, contribuindo
para que os diplomatas possam firmar uma posição coerente com nossos interesses e
possibilidades, especialmente nas situações de crise e conflitos.
Vários fatos e argumentos apresentaram evidência da existência, entre o MRE e o
MD, de uma integração e articulação precárias e insuficientes para a condução de uma
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Política de Defesa como ramificação da Política Externa. Essa situação precisa mudar para
uma situação ativa e substanciosa, abarcada com uma assessoria de Inteligência Estratégica e
uma política de Estado, coadunando-se com as nossas pretensões de posicionamento no
cenário internacional e a inserção do Brasil no jogo dinâmico das Relações Internacionais e
suas incertezas.
Poderíamos sugerir diversas propostas para o aumento da integração e da
articulação entre os Ministérios. Todavia, considero que seja importante, em primeiro lugar,
sedimentar as ações dessa integração e articulação, ou melhor, que ela seja construída e
embasada em pensamentos convergentes e nivelados para o bem do país e consoante com a
realidade do jogo das Relações Internacionais.
Desta forma, a proposta sugerida de implementação de um assessor militar (oficial
general de duas estrelas em sistema de rodízio entre as forças singulares) no MRE e um
assessor diplomata para assuntos internacionais (Ministro de Segunda ou de Primeira Classe)
no MD, ambos em sistema de rodízio anual, proporcionaria um grande avanço para um
aumento da integração e articulação e contribuiria para a aproximação, o entendimento e o
nivelamento de pensamentos e ações, entre as partes, quanto à percepção do emprego político
do poder militar.
As propostas sugeridas, de uma maior participação de diplomatas em cursos da
ESG, EGN, ECEME e ECEMAR, bem como uma participação de oficiais superiores das
FFAA em cursos de pós-graduação em Relações Internacionais, a cargo do Instituto Rio
Branco e da Fundação Alexandre Gusmão, e em cursos de Universitários nos grandes centros
culturais do Brasil, e da participação efetiva e coordenada dos diplomatas e militares na
CREDN e na CRE para influenciar e convencer os membros do Congresso Nacional quanto à
importância do tema Defesa e a produção de políticas voltadas para o seu fortalecimento,
também contribuiriam para o aumento da integração e articulação entre os Ministérios. Assim
sendo, essas propostas também contribuiriam para levar a efeito a condução da Política de
Defesa como ramificação da Política Externa, considerando, assim, um dos elementos
tradicionais de mensuração do poder as Forças Armadas.
Isto posto, depreendemos ser muito importante para um país a constituição de
uma massa crítica com conhecimentos e experiências em Relações Internacionais, em várias
áreas do aparato estatal, para o entendimento do mundo e suas mudanças e evoluções, visando
a possibilitar a antecipação e o preparo de medidas preventivas e proativas para a garantir os
interesses nacionais e preservar a nossa soberania.
Nesse contexto, não se pode deixar de registrar que um poderio militar racional,
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estável, balanceado e com credibilidade, torna-se um fator primordial e imprescindível para
uma estratégia de dissuasão eficaz e crível, especialmente quanto ao nosso país com a fama de
pacífico e cobiçado pelas suas riquezas.
Considero que uma perfeita integração e articulação entre os militares e os
diplomatas em prol dos interesses nacionais, da garantia da soberania e da integridade
territorial é uma condição sine qua non para a condução com sucesso de uma Política de
Defesa como ramificação da Política Externa, principalmente em momentos de crise e de
conflitos, e, assim, possibilitando uma inserção soberana no cenário internacional.
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APÊNDICE A
Questionários enviados a diplomatas, militares e professores universitários com a finalidade de se obter uma visão da realidade da integração e articulação atualmente existentes entre os Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores. Professora Sabrina Medeiros 1) Atualmente e na maior parte do século passado, segundo especialistas, a ação da diplomacia tem agido de maneira independente e aplicado normas de conduta à política externa sem levar em consideração um dos elementos tradicionais de mensuração do poder em âmbito internacional: Forças Armadas. Qual o motivo dessa conduta? Dê sua opinião a respeito. Resposta: XXX 2) Quais são os óbices para a interação e a integração de militares comdiplomatas na condução da Política de Defesa como ramificação Política Externa? Resposta: Razões de ordem histórica poderiam explicar o afastamento notável entre os grupos que compõem dois Ministérios distintos. O MRE conduziu a política externa de forma relativamente autônoma, inclusive durante o regime militar. Para a interação, o principal óbice à interação reside no nível decisório, em que, em última instância, a decisão está por conta do MRE. A integração de militares com diplomatas, neste caso, fará da participação no processo decisório um canal possível de conflito de interesses, ainda que a decisão final esteja por conta da Presidência e do MRE. 3) Qual o papel da instrumentalidade do poder militar por ocasião das ações diplomáticas na condução da Política Externa Brasileira? Resposta: Não é possível excluir a análise do processo estratégico e operacional envolvido em cada tema abordado quando o tema é eminentemente militar. As expectativas de operabilidade das FFAA podem reduzir ou aumentar as expectativas de ganho em um processo de negociação – se não os que envolvam guerra, os que envolvam missões de paz, ONU etc. 4) Que medidas, ações e mecanismos são necessários para melhor interação, integração e articulação de militares com diplomatas na condução da Política Externa? Resposta: Postos militares no MRE e postos diplomáticos no MD podem ser um caminho plausível da interação. Além disso, a Secretaria de Assuntos Estratégicos, através de grupos de trabalho, poderia gerenciar e contingenciar esta integração na forma de análises prospectivas e de conjunturas. Os Jogos de Guerra poderiam, também, ser utilizados para tal
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finalidade. 5) Como podemos aumentar o grau de articulação entre política externa e a política de defesa, tendo por base os possíveis cenários prospectivos desenhados para o Brasil em âmbito regional e mundial? Resposta: A política de defesa já compreende um setor da política externa, em nível institucional, no MRE. Assim, a proximidade entre as duas não pode, contudo, descaracterizá-las. As comissões parlamentares, os grupos de interesse e os Ministérios a conduzi-las são diferenciais deste processo. Quanto tangíveis à defesa, os assuntos deveriam ser analisados multiinstitucionalmente. 6) Qual a sua opinião a respeito da interação e integração, atualmente existentes, de diplomatas e militares conduzindo da Política de Defesa como ramificação Política Externa? Resposta: Interação reduzida. A despeito do que ocorre em outros países em que o processo decisório passa por agências de inteligência, secretarias de Estado e Ministérios de Relações Exteriores e Defesa, o processo brasileiro ainda é muito centralizado e desalocado da opinião pública, fundamentalmente quanto às plataformas políticas apresentadas no pleito eleitoral.
Brigadeiro Delano Teixeira Menezes 1) Atualmente e na maior parte do século passado, segundo especialistas, a ação da diplomacia tem agido de maneira independente e aplicado normas de conduta à política externa sem levar em consideração um dos elementos tradicionais de mensuração do poder em âmbito internacional: Forças Armadas. Qual o motivo dessa conduta? Dê sua opinião a respeito. Resposta: Trata-se de uma pergunta com muitos antecedentes históricos e culturais. Para respondê-la estou anexando parte do texto do meu livro O Militar e o Diplomata em que já na época em que o escrevi (1995) procurei resposta para essa mesma pergunta. 2) Quais são os óbices para a interação e a integração de militares com diplomatas na condução da Política de Defesa como ramificação Política Externa? Resposta: Eu não concordo muito com a expressão “ramificação”, passa uma idéia de subordinação. Talvez considerá-la (a Política de Defesa) como um dos “instrumentos” para a operacionalização da Política Externa. Mas aí fica a pergunta: qual é a Política Externa do país? Onde ela está escrita? Talvez a prévia definição dessa política (como o Brasil deve se inserir, e/ou como deseja aparecer na cena mundial) facilite a elaboração de cenários prospectivos que permitam dimensionar o poder militar e concatená-lo com a atuação diplomática. Agora, de imediato (enquanto não escrevem uma Política Externa Brasileira), seria a criação
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de uma assessoria militar no Itamaraty (o Brasil tem assessoria militar na delegação brasileira na ONU e em Genebra, mas não tem no Itamaraty!). Mas, para isso, há que ser vencida a renitente resistência da Chancelaria em ter militares imiscuídos em suas atividades por razões históricas, como você pode depreender no texto da resposta anterior. 3) Qual o papel da instrumentalidade do poder militar por ocasião das ações diplomáticas na condução da Política Externa Brasileira? Resposta: A capacidade militar só servirá de instrumento para a atuação diplomática se esta for proativa no cenário mundial, assumindo posições claras diante de situações e crises internacionais. Ela amplia a capacidade de o país dizer e sustentar um “não”. Entretanto, me parece que ainda somos um pouco frágeis economicamente (representamos apenas em torno de 2% do PIB mundial!), nesse caso um poder militar muito forte poderia gerar indesejados contenciosos na área econômica. 4) Que medidas, ações e mecanismos são necessários para uma maior interação, integração e articulação de militares com diplomatas na condução da Política Externa? Resposta: Seria muito difícil e até desnecessária a participação de militares em todos os foros que a ação diplomática atua. Mas seria de grande importância a existência de um dispositivo de consulta permanente entre as duas instituições. Com o exemplo do que fez o Ministério da Defesa, criando a assessoria permanente de assuntos internacionais como parte integrante da sua estrutura organizacional e solicitando ao MRE que destacasse um diplomata para trabalhar no MD, o Ministério de Relações Exteriores poderia fazer o mesmo criando uma assessoria permanente para assuntos militares. 5) Como podemos aumentar o grau de articulação entre política externa e a política de defesa, tendo por base os possíveis cenários prospectivos desenhados para o Brasil em âmbito regional e mundial? Resposta: O incremento com eficiência da articulação entre política externa e de defesa me parece que só seria efetiva se fosse mediada por um terceiro ator: ou a SAE com autoridade de uma secretaria de Estado, ou que essa autoridade seja dada ao próprio MRE com um escritório militar de assessoramento e de ligação com o MD. 6) O Senhor pode dar exemplos de relevância, em um passado recente e atualmente, quanto à participação de diplomatas e militares conduzindo a Política de Defesa como ramificação Política Externa? Resposta: XXX 7) O Senhor pode dar exemplos relevância, em um passado recente e atualmente, quanto à participação de diplomatas e militares trabalhando em conjunto em operações ou planejamento de operações militares ou em planejamento de reuniões intergovernamentais ou
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em reuniões interministeriais, ambas com fulcro na execução da política externa e interesses nacionais. Resposta: Não, eu não tenho conhecimento. Mas não me parece conveniente, nem adequada a participação de diplomatas em operações militares, e nem em seu planejamento. Parece-me que isso não acontece nem nas operações de paz da ONU. Nas operações militares o uso da força deve ter os seus limites estabelecidos pela política com antecedência, portanto a participação de diplomatas em ações militares só seria admissível como observador, mesmo assim fica a pergunta - para que? Uma vez que ele não pode e não deve interferir nas ações (estou falando em um conflito armado convencional, e não em operações de paz), qualquer outro tipo de participação seria extremamente perturbadora para a atuação do comandante militar. Por fim, me parece que o mais importante é que, desde o tempo de paz, os dois estamentos estejam em permanente contato para que cada um conheça as possibilidades e limitações do outro, mas com o cuidado de que nem as ações diplomáticas, nem as militares sejam conjuntas. O militar e o diplomata são faces diferentes da mesma moeda, que não conseguem aparecer juntas ainda que sejam moldadas no mesmo metal. 8) Qual a sua opinião a respeito da interação e integração, atualmente existentes, de diplomatas com militares conduzindo a Política de Defesa como ramificação Política Externa? Resposta: Na verdade não consigo perceber nenhuma interação/integração. Entretanto, volto a contestar que a política de defesa não é e nem deve ser uma RAMIFICAÇÃO da Política Externa. São políticas independentes que devem, sim, estar articuladas, mesmo que o poder militar não seja um instrumento da ação diplomática. Veja que para o diplomata o emprego do poder militar representa o seu insucesso. No inconsciente universalista e idealista do nosso diplomata é inconcebível que isso aconteça; ele sempre acredita no poder da negociação e prolongará ao máximo as negociações, sempre acreditando que o oponente aceitará o diálogo e não perceberá que essa procrastinação já faz parte da preparação de uma ação militar. Portanto, me parece que a interação/integração desejada passa por uma cultura que precisa ser lentamente modificada (os processos de transformação cultural são lentos, mesmo quando produzidos por uma revolução. São as mentes a serem conquistadas nas novas gerações, as antigas gerações ainda em atuação resistirão com denodo!). Como alento eu vejo a criação do Ministério da Defesa como o primeiro passo nesse sentido, criou-se a possibilidade de interpor um interlocutor civil entre o estamento militar e o diplomático. Neste instante, com esse novo Ministério, criou-se a possibilidade de o poder militar ser utilizado como instrumento político. Nós, militares, devemos ter a consciência de que somos os melhores e únicos operadores do poder militar, mas não os formuladores de sua política. Os fatores que intervêm na formulação de políticas vão muito mais além do planejamento do emprego militar e fogem da alçada militar. Portanto, devemos continuar sendo os melhores na ação militar e não nos preocuparmos muito com a formulação da sua política porque ela aparecerá quando for preciso, ainda que não devamos nos furtar ao debate.
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Embaixador Chrsitiano Whitaker 1) Atualmente, e na maior parte do século passado, segundo especialistas, a ação da diplomacia tem agido de maneira independente e aplicado normas de conduta à política externa sem levar em consideração um dos elementos tradicionais de mensuração do poder em âmbito internacional: Forças Armadas. Qual o motivo dessa conduta? Dê sua opinião a respeito. Resposta: Parece-me que todos os desencontros entre o Itamaraty e as Forças Armadas provêm de certo grau de diferença de culturas, de abordagens. O senhor fala de atualmente e na maior parte do século passado. Parece-me um tanto genérico demais: o senhor poderia apontar episódios concretos? Eu, sim, posso fazê-lo: as abordagens distintas que as FFAA (sobretudo a Marinha) e o MRE tiveram, nos anos 50 a meados dos 70, sobre como tratar a África do Sul, aparteísta, e Portugal, colonialista: o MRE recomendava “hands off” (até certo ponto), enquanto as FFAA advogavam engajamento positivo. Tratavam-se de duas visões realistas distintas: o MRE, com uma abordagem mais prudente, de médio e longo prazos, e as FFAA buscando – sobretudo no contexto do confronto ideológico Leste-Oeste – aproximar-se daqueles dois países. O longo prazo comprovou que o MRE estava certo. 2) Quais são os óbices para a interação e a integração dos militares com os diplomatas na condução da Política de Defesa como ramificação da Política Externa? Resposta: Não posso precisar quando começaram as divergências – a meu ver não tão numerosas – entre os dois setores do Estado brasileiro. Mas, como disse acima, a diferença de culturas é, parece-me, fundamental para entender o distanciamento. Nós, diplomatas, tendemos a olhar a floresta, enquanto os senhores militares (a Marinha, menos) tendem a olhar as árvores. Nós somos, por assim dizer, “barrocos”, enquanto, também por assim dizer, os senhores são “pão-pão-queijo-queijo”. Mas há que notar que, quando a situação assim o exigiu, o Itamaraty se apoiou fortemente nas FFAA: vide toda a atuação do Barão do Rio Branco. 3) Qual o papel da instrumentalidade do poder militar por ocasião das ações diplomáticas na condução da Política Externa Brasileira? Resposta: Tudo gira, a meu ver, em torno de como se relacionar com outros países. Isso, claro está, dá-se “por las buenas o por las malas”, como dizem nossos hermanos. Os senhores são, afinal de contas, a “ultima ratio regis”, aquilo que tem de ser feito quando outros recursos se esgotam. O MRE não gosta do raciocínio de que o trabalho dos senhores começa quando o nosso não consegue resolver a questão; mas, acho, tal raciocínio é correto. 4) Que medidas, ações e mecanismos são necessários para uma maior interação, integração e articulação dos militares com diplomatas na condução da Política Externa? Resposta: Contatos, contatos e mais contatos. Interação, interação e mais interação. Nisso, os
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senhores estão anos-luz na nossa frente: sim, buscam contatos, enquanto nós os mantemos num mínimo necessário. Temos que expandir. Acho essencial que haja um oficial-general da ativa nos quadros do MRE, assim como que haja um diplomata de alto grau hierárquico – Ministro de Segunda – ou de Primeira Classe, nos quadros do MD, atuando como assessores. E mais: os assuntos militares, que deveriam ser matéria de todo um Departamento do MRE, estão sendo conduzidos (muito competentemente, aliás) por um único diplomata, o Embaixador Pinta Gama. 5) Como podemos aumentar o grau de articulação entre política externa e a política de defesa, tendo por base os possíveis cenários prospectivos desenhados para o Brasil em âmbito regional e mundial? Resposta: Creio que a pergunta já foi mais ou menos respondida no item anterior. 6) O Senhor pode dar exemplos de relevância, em um passado recente e atualmente, quanto à participação de diplomatas e militares conduzindo a Política de Defesa como ramificação da Política Externa? Resposta: Penso na Embaixada do Brasil em Abidjan, Costa do Marfim. A Embaixadora Auxiliadora Figueiredo, titular do posto, só tem elogios a fazer sobre o alto grau de relacionamento entre ela e os membros do destacamento militar lá destacado (desculpe a repetição) para proteção da Embaixada e de seus funcionários. Não só a proteção propiciada é excelente, como também as análises de situação e as informações propiciadas pelos oficiais e praças são de primeira ordem. Mais ou menos “encerrada” num círculo oficial, a Embaixadora Figueiredo sabe das coisas por intermédio de seus “olhos e ouvidos” militares, que têm muito mais capacidade de circulação e observação. Os Embaixadores que sabem dialogar com seus Adidos Militares são sempre melhor informados que aqueles que não sabem. E como posso eu deixar de mencionar a perfeita coordenação existente entre a Marinha do Brasil e o MRE, no que concerne à Namíbia? Está sendo um bonito trabalho, do qual me orgulho de ter participado. 7) O Senhor pode dar exemplos de relevância, em um passado recente e atualmente, quanto à participação de diplomatas e militares trabalhando em conjunto em operações ou planejamento de operações militares ou em planejamento de reuniões intergovernamentais ou em reuniões interministeriais, ambas com fulcro na execução da política externa e interesses nacionais. Resposta: As diversas Operações de Paz, nossas atuações – sempre a quatro mãos – em organismos Internacionais como a ICAO, a IMO etc. 8) Qual a sua opinião a respeito da interação e integração, atualmente existentes, dos diplomatas e militares conduzindo a Política de Defesa como ramificação da Política Externa? Resposta: “There is a long way to go”, mas chegaremos lá. Noto um gradual aumento de
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consciência, por parte do MRE, quanto a assuntos de natureza militar – e o Secretário Alsina é apenas um exemplo do que digo. Coronel Luiz Fernando Fonseca Viana 1) Atualmente e na maior parte do século passado, segundo especialistas, a ação da diplomacia tem agido de maneira independente e aplicado normas de conduta à política externa sem levar em consideração um dos elementos tradicionais de mensuração do poder em âmbito internacional: Forças Armadas. Qual o motivo dessa conduta? Dê sua opinião a respeito. Resposta: Sou da opinião de que o relacionamento MD e MRE é excelente. No que se refere aos temas da Defesa, o MRE não tem atuado isoladamente. Prova disto é a participação dos dois Ministérios em vários encontros multilaterais na área de defesa, como a CMDA, o CDS e o GT de Paz e Segurança da Cúpula América do Sul-África. Até mesmo na revisão da PDN o MRE tem participado ativamente nas reuniões da SAE. 2) Quais são os óbices para a interação e a integração dos militares com diplomatas na condução da Política de Defesa como ramificação da Política Externa? Resposta: Não vejo óbices. 3) Qual o papel da instrumentalidade do poder militar por ocasião das ações diplomáticas na condução da Política Externa Brasileira? Resposta: Acho que nós, militares, devemos conhecer melhor a Doutrina Militar de Defesa (DMD). Ver item 6.8 da DMD, ou melhor, toda a DMD. 4) Que medidas, ações e mecanismos são necessários para uma maior interação, integração e articulação dos militares com diplomatas na condução da Política Externa? Resposta: Aperfeiçoar o que já vem sendo feito. Ver resposta da pergunta de número 1. Acho que depende muito dos interlocutores. Os atuais são excelentes. 5) Como podemos aumentar o grau de articulação entre política externa e a política de defesa, tendo por base os possíveis cenários prospectivos desenhados para o Brasil em âmbito regional e mundial? Resposta: Aperfeiçoar o que já vem sendo feito. Ver resposta da pergunta de número 1. Acho que depende muito dos interlocutores. Os atuais são excelentes. 6) Quais seriam exemplos de relevância, em um passado recente e atualmente, quanto à participação de diplomatas e militares conduzindo a Política de Defesa como ramificação da Política Externa?
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Resposta: A criação do Conselho de Defesa Sul-Americano em tempo recorde. 7) Quais seriam exemplos de relevância, em um passado recente e atualmente, quanto à participação de diplomatas e militares trabalhando em conjunto em operações ou planejamento de operações militares, ou em planejamento de reuniões intergovernamentais, ou em reuniões interministeriais, ambas com fulcro na execução da política externa e interesses nacionais. Resposta: Vários jogos de crises contam com a participação do MD e do GSI (que contêm “diplomatas da reserva”). São exemplos os Jogos de Crise da ECEME e da EGN (CEMOS e CPEM). 8) Qual o parecer a respeito da interação e integração, atualmente existentes, dos diplomatas e militares conduzindo a Política de Defesa como ramificação da Política Externa? Resposta: Ver a resposta da pergunta de número 1. Almirante Guilherme Matos de Abreu
1) Atualmente e na maior parte do século passado, segundo especialistas, a ação da diplomacia tem agido de maneira independente e aplicado normas de conduta à política externa sem levar em consideração um dos elementos tradicionais de mensuração do poder em âmbito internacional: Forças Armadas. Qual o motivo dessa conduta? Dê sua opinião a respeito. Resposta: No que se refere ao Brasil, algumas concepções prevalecem em segmentos acadêmicos, com reflexos no meio diplomático, mesmo que não encontrem respaldo na literatura realista, a qual leva à necessidade de que se tenha uma capacidade balanceada em todos os campos de poder (o conceito esguiano de poder também está sujeito a rejeição). Em um “brain storm” poderia enumerar alguns motivos:
a) Rejeição à temática militar, em função de sentimentos em relação aos governos pós-1964, apresentam aversão a esta fase (os que rejeitam a temática, não sabem usar o poder militar – transmitem esta tendência para os mais jovens; felizmente, isto parece estar diminuindo).
Quem apresenta bons argumentos quanto à falta de conhecimento do tema no meio civil, em discursos e artigos, é o Ministro Nelson Jobim.
Acrescento que a academia (ou seja a escola) tem influência direta na moldagem das posturas adotadas pelas pessoas em suas carreiras profissionais – exemplo (por analogia): se a faculdade de Direito não apresentar (ou fazê-lo de forma negativa) o tema “justiça militar” para os seus alunos, os advogados e juízes dificilmente conseguirão posicionar-se apropriadamente sobre os crimes militares.
b) Temor de parecer forte, de modo a não agravar os sentimentos antibrasileiros presentes em nosso entorno, intimidando os nossos vizinhos (parece-me ocorrer uma
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generalização quanto a este sentimento37). Sugiro dar uma olhada no livro Geopolitics and Conflict in South America: Quarrels
Among Neighbours, de Jack Child, existente na biblioteca da EGN. Foi lançado nos anos oitenta, mas é bastante atual. O livro permite entender a razão da postura defensiva “de não querer parecer forte” adotada por nossa diplomacia, que, com o passar do tempo, aparenta ter evoluído para tomar o poder militar como desimportante (isto é minha opinião, não está escrito em lugar nenhum). O livro explica uma visão que ganhou vida ao longo da história (visão terrestre (e limitada) da guerra), de que a nossa dimensão territorial e os grandes vazios inibiam os inimigos de nos atacar (julgo que ganhou corpo porque o pacifismo é atraente, permitindo protelar soluções – faz lembrar uma frase de Churchill: “um pacifista é um sujeito que alimenta o jacaré na esperança de ser comido por último”.).
c) Convicção de que não é necessária a capacitação militar para projeção internacional do Brasil (algumas pessoas acham que se pode resolver tudo na base do “soft power”, esquecendo que a possibilidade de mostrar os músculos também contribui para moldar o “soft Power”). (Em alguns casos, os argumentos levam à sensação de que subestimam a capacidade de nosso país.);
d) Sentimento de que a diplomacia teria fracassado, caso fosse necessário empregar o poder militar (Isto já foi mencionado por diplomatas, referindo-se à frase de Rio Branco que aparece no quadro abaixo, o qual reproduz texto de minuta de artigo que ainda não publiquei. O conceito também foi radicalmente enfatizado por Clóvis Bevilacqua.). Na verdade, diplomacia e defesa são complementares, diuturnamente.
"A guerra começa quando fracassa a diplomacia", assinalou o jurista e acadêmico Clóvis Bevilacqua (1859-1944). O argumento, em sua interpretação mais comum, transmite a idéia de separação, ou seja, a necessidade do insucesso de um segmento para que o outro tenha utilidade, o que não é verdadeiro.
Mesmo os escritos do Barão do Rio Branco, podem conduzir a esta interpretação, uma vez que ele apontou que diplomatas e militares “são sócios que se prestam mútuo auxílio. Um expõe o direito e argumenta com ele em prol da comunidade, o outro bate-se para vingar o direito agredido, respondendo a violência com violência”.
Mas se formos olhar como atuava o Barão, veremos que ele balanceava o emprego dos poderes.
Cabe registrar que o tema sofreu evolução favorável nos últimos anos, quando a interação de militares e diplomatas, bem como a atuação da Diplomacia Paralela exercida pelo Ministério da Defesa passou a ser mais discutida e efetiva. 2) Quais são os óbices para a interação e a integração dos militares com diplomatas na condução da Política de Defesa como ramificação da Política Externa?
______________ 37 Passei a compreender mais este sentimento ao estudar a geopolítica latino-americana, ocasião em passei a ver com alguma restrição a forma como são/eram apresentados alguns conceitos esguianos. Em sociedades permeáveis como as atuais, discursos desenvolvimentistas, embora compatíveis com a realidade e dimensão de nosso país, assustam os vizinhos. Acho que os discursos poderiam ser mais suaves, mas ignorar a nossa grandeza é ingenuidade. Aqui, temos que imitar os norte-americanos: eles são grandes e se portam como tal.
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Resposta: A partir de minhas observações em vários eventos acadêmicos relacionados às relações internacionais de que participei, julgo que o problema é basicamente cultural. Não é amplamente desenvolvida a consciência de que é necessário haver equilíbrio em todos os campos de poder e a temática militar tende a ser tratada sem a devida importância. Por outro lado, é relevante destacar que os militares também têm muito que aprender neste campo. Afinal, o militar pratica o relacionamento com estrangeiros desde os bancos escolares, tem que ter sensibilidade para este tipo de interação, bem como saber que é importante ator na Diplomacia Paralela.
3) Qual o papel da instrumentalidade do poder militar por ocasião das ações diplomáticas na condução da Política Externa Brasileira? Resposta: Resumi este assunto na Conferência que apresentei no MRE, em 18 de junho de 2007, sintetizada no artigo que escrevi para Revista do Clube Naval (no 344, out/nov/dez 2007). Ambos os textos estão disponíveis.
4) Que medidas, ações e mecanismos são necessários para uma maior interação, integração e articulação dos militares com os diplomatas na condução da Política Externa? Resposta: Também toquei neste assunto na Conferência do MRE. Ali apontei que: “É necessário desenvolver-se, no Brasil, uma cultura compatível com uma potência de porte médio, consciente de seus deveres e responsabilidades; com capacidade de pensar estrategicamente e em longo prazo, e de compreender as questões concernentes à Segurança e à Defesa. Esta é uma tarefa complexa e traz em seu cerne o amadurecimento das instituições, sendo que a articulação entre diplomatas e militares é fundamental neste processo. Para tal, é necessária a interação com a academia e, adicionalmente, a existência de um centro de estudos estratégicos destinado ao aperfeiçoamento das elites, governamentais e privadas, configurando um instituto de alto nível de caráter multidisciplinar - em suma, orientado para moldar a massa crítica necessária para a formulação e implementação de políticas públicas e estratégias de longa maturação, adequadas, eficazes e eficientes. A Escola Superior de Guerra, revitalizada, pode configurar esse instituto de alto nível, com intensa e total participação do MRE.”38 Faço uma analogia: os militares necessitam, a todo tempo, desenvolver o senso de interdependência e de respeito mútuo e aperfeiçoar o conhecimento recíproco, ou seja, da faculdade de reconhecer e compreender as capacidades, necessidades, sensibilidades e limitações de cada Força Singular. Os diplomatas em relação aos militares (e vice-versa), também necessitam desenvolver
______________ 38 Os cenários em que se desenvolvem as grandes ações de governo são complexos. São múltiplos os fatores intervenientes, dificultando a ação dos condutores da política externa, no caso, quando envolvem o emprego das FA. Portanto, o que aponto não é novidade! Alguns países minimizaram este e outros problemas mediante a criação de escolas de alto nível ou centro de estudos estratégicos, de modo a integrar conhecimentos no âmbito governamental.
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capacitações semelhantes. Os diplomatas precisam conhecer, por exemplo, os tempos necessários para o desenvolvimento de uma ação militar; e os militares necessitam capacitar-se a entender o impacto de suas ações no campo externo, bem como, o muito que realizam e podem realizar neste campo.39 No aparato estatal, o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Defesa são os únicos que reúnem corpos profissionais com características singulares, formados em poucas instituições de ensino específicas (capazes de trocar experiências entre si) e essencialmente voltados para os interesses nacionais - em suma, vocacionados à parceria.
5) Como podemos aumentar o grau de articulação entre política externa e a política de defesa, tendo por base os possíveis cenários prospectivos desenhados para o Brasil em âmbito regional e mundial? Resposta: Respondido na questão 5.
6) O Senhor pode dar exemplos de relevância, em um passado recente e atualmente, quanto à participação de diplomatas e militares conduzindo a Política de Defesa como ramificação da Política Externa? Resposta: Um caso interessante e recente que poderia ser explorado seria a decisão de se participar da MINUSTAH. Quando escrevi pela necessidade de que os diplomatas precisam conhecer os tempos necessários para o desenvolvimento de uma ação militar, pensava na preparação para a ida ao Haiti. O Brasil decidiu ir e aceitou assumir o comando da Operação no final de fevereiro/primeiros dias de março de 2004. Já sabia que se teria que substituir tropas dos EUA e do Canadá e que o mandato começaria em 1º de junho. Ora, quando um país assume um compromisso desta natureza, tem que pesar todos os custos e dificuldades, inclusive relacionadas à política interna! Se todos os decisores envolvidos pudessem avaliar a complexidade de uma operação militar, teriam tido condições de adotar providências para facilitar o preparo da Força enquanto se processava a necessária autorização do Congresso. O resultado é que o GT que transportava o material que equiparia o contingente brasileiro chegou ao Haiti somente em meados de junho (sendo que o Brasil assumiria o comando em 1º de junho, como previsto). Para que esta avaliação por parte dos decisores fosse factível, seria necessário o conhecimento da complexidade que é o envio de uma força expedicionária ao exterior.
7) O Senhor pode dar exemplos de relevância, em um passado recente e atualmente, quanto à participação de diplomatas e militares trabalhando em conjunto em operações, ou
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39 Em meu entendimento, a atividade tem que ser vista em largo espectro (que é o que procurei demonstrar no artigo da Revista do Clube Naval). Exemplo: as atividades de apoio aos empreendimentos nacionais importantes, não muito atraentes ou valorizadas. Alguns desses empreendimentos-tipo somente são viáveis com a participação das Forças Armadas (FA) em função de seus recursos, aqui e em outros países: no passado, a delimitação das fronteiras; no presente, o Programa Antártico, o levantamento da Plataforma Continental (LEPLAC), que levou à proposta de expansão de nossas águas jurisdicionais.
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planejamento de operações militares, ou em planejamento de reuniões intergovernamentais, ou em reuniões interministeriais, ambas com fulcro na execução da política externa e interesses nacionais? Resposta: Só marginalmente atuei neste campo, pois o meu relacionamento é acadêmico. Esta pergunta seria mais bem respondida por alguém que tenha servido no EMA ou no MD.
8) Qual a sua opinião a respeito da interação e integração, atualmente existentes, dos diplomatas e militares conduzindo a Política de Defesa como ramificação da Política Externa? Resposta: Não tenho dúvidas de que o relacionamento formal é muito bom. Mas aqui não ocorre, por exemplo, o que se observa em outros países, em que há um relacionamento mais estreito – orgânico – onde militares são “lotados” ou destacados como assessores no “Departamento de Estado”. Sinal de que temos muito que evoluir! Um país como o Brasil, assim o exige.