Cultura, Consumo e Branding: Um estudo Teórico · 1 CULTURA, CONSUMO E BRANDING: UM ESTUDO...
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CULTURA, CONSUMO E BRANDING: UM ESTUDO TEÓRICO
Kássia Danielle de Almeida Soares1
Resumo: Hoje em dia as marcas não representam apenas serviços ou produtos, elas têm
objetivos mais complexos e ambiciosos. O Branding alterou o conceito de marca, alargando
seu o significado para os consumidores. Nessa expansão, percebeu-se que a cultura e as
significações dos bens de consumo podem impactar significantemente nas estratégias de
branding das empresas. Este trabalho visa estudar a significação dos bens de consumo e suas
possíveis relações com a cultura, bem como as implicações dessa relação nas estratégias de
branding. Para tanto, realizou-se uma revisão de literatura com autores contemporâneos que
abordam o tema cultura de consumo, significado cultural dos bens de consumo e branding.
Essa pesquisa se justifica, pois, apesar do crescente número de publicações que reconhecem a
importância de como se ocorre a relação entre cultura, consumo e branding existem poucos
estudos brasileiros (e em língua portuguesa) que tratam das novas perspectivas trazidas por
essa relação.
Palavras-chave: Consumo, Cultura, Bens de consumo, Marcas, Branding.
1 INTRODUÇÃO
A relação que existe entre produto, marca e consumidor suscita indagações. Isso
porque muitos dos problemas que afligem as empresas, publicitários e profissionais de
marketing estão relacionados com a questão da atitude do consumidor diante produtos e
marcas e como o conceito de marca se desenvolve na mente do consumidor. Já em 1959,
Sidney Levy em seu artigo Symbols for Sale afirmava que as escolhas de compra dos
consumidores levavam em conta não só aspectos funcionais ou atributos dos produtos.
O atual contexto de mercados hipercompetitivos é um desafio para as marcas, que
precisam se reinventar constantemente e buscar novas formas de se conectar com os
consumidores. E nessa tentativa, as empresas começam a olhar para campos de estudo não
1 Acadêmica do Curso de Especialização em Gestão em Marketing da Universidade do Sul de Santa Catarina.
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antes considerados. Como Schroeder (2009) indica “Estudos recentes têm solicitado uma
reconsideração importante e esclarecedora de como a marca ‘funciona’, e deslocou a atenção
de empresas e marcas em direção a serviços e resposta do consumidor para entender a criação
do valor da marca.”. O branding está se abrindo para incluir outras dimensões em seu escopo,
na tentativa de descobrir outras formas de estabelecer relações com consumidores e
sociedade, e de “promover uma contextualização que funcione como contraponto ao ponto de
vista administrativo e de processamento de informações. ” (SCHROEDER, 2009, tradução
nossa).
Partindo desse princípio, fica claro que a questão da significação do produto pelo
consumidor e suas relações com a cultura têm implicação direta em o que as empresas
vendem e como elas vendem. Entender como ocorrem as relações entre consumidores,
produtos e marcas dentro de um contexto cultural e histórico serve como complemento ao
entendimento da marca enquanto significado e nos permite ter uma visão mais completa de
seu valor.
Apesar do crescente número de trabalhos que reconhecem a importância de como se
dá a relação entre cultura, consumo e branding existem poucos estudos brasileiros (e em
língua portuguesa) que tratam das novas perspectivas trazidas por essa relação. O presente
trabalho propõe reunir conceitos e ideias a respeito de como se estabelecem as relações entre a
cultura, o comportamento do consumidor e a produção de bens de consumo e como esses
aspectos se conectam às estratégias de branding das empresas.
Na primeira parte entenderemos o consumo sob a perspectiva das ciências sociais e do
marketing e conheceremos suas origens históricas. Na segunda parte, procuraremos
compreender as propriedades culturais assumidas pelos bens de consumo. Na terceira parte,
veremos como se deu a evolução do conceito de marca e as estratégias contemporâneas sobre
o tema. Na quarta parte são abordados os procedimentos metodológicos e a quinta parte traz
os resultados obtidos.
2. CONSUMO
As teorias do consumo podem ser estudadas através de diversas vertentes, economia,
sociologia, ecologia, antropologia e marketing. Para esse trabalho, estudarei o assunto sob a
vertente das Ciências Sociais e do Marketing. A primeira, com intuito de compreender as
bases históricas e conceituais sobre o tema, estudando o consumo através de uma perspectiva
de processo social. A segunda tem relação direta com o objetivo desse trabalho, e será
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estudada com base nas mais recentes publicações sobre o assunto, através de uma perspectiva
da sua relação com o mercado.
2.1 Perspectiva sociológica do consumo
Para a sociologia, “Consumo é um processo social profundamente elusivo e ambíguo.
Elusivo, porque embora seja um pré-requisito para a reprodução física e social de qualquer
sociedade, só se toma conhecimento de sua existência, quando é classificado pelos padrões
ocidentais como supérfluo, ostentatório ou conspícuo. ” (BARBOSA, CAMPBELL, 2006).
Já ambiguidade vem da sua própria etimologia, a palavra consumo deriva do latim,
consumere, que significa usar tudo, esgotar, destruir e do termo inglês, consummation, que
significa somar adicionar. “Etimologicamente o sentido negativo de consumo predomina
sobre o positivo, o que pode explicar em parte a maneira pela qual, historicamente, o tema é
tratado tanto por intelectuais e acadêmicos, quanto pelo senso comum. ” (BARBOSA,
CAMPBELL, 2006).
Empiricamente, toda sociedade consome, todos fazem uso do que tem à sua volta, e
através desse uso, se reproduz física e socialmente. Objetos, bens e serviços hoje têm duas
formas de serem visualizados: uma utilitária, uma significativa. A utilitária tem uma relação
mais explícita com nossa realidade, pois supre nossas necessidades físicas de várias maneiras.
A significativa tem uma relação mais implícita, mediando nossas relações sociais. “Antes, a
fruição e significação dos bens eram visualizadas como coisas distintas, hoje estão todas
agrupadas sob o nome de consumo. ” (BARBOSA, CAMPBELL, 2006).
Isso indica a mudança que ocorreu nas últimas décadas dentro dos estudos das ciências
sociais, que passaram a incluir no tema a questão da reprodução social e da construção da
identidade. No momento em que se uniram os conceitos de fruição e significação em um
único tema, passou-se a incluir em um maior número de esferas da vida das pessoas. “As
ciências sociais demoraram a perceber essa relação e, demoraram mais ainda para avaliar sua
significação. Em geral falharam ao perceber que o consumo é um fenômeno totalmente
cultural” (MCCRACKEN, 2003). Esse entendimento de consumo como fenômeno cultural
vem da compreensão de que bens de consumo, criados pelo sistema de produção, são
carregados de significados culturais, que esses mesmos bens, são comprados por pessoas, os
consumidores, que os utilizam com propósitos culturais, para expressar, através deles,
princípios e ideias, sustentar estilos de vida e construir noções de si mesmo.
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De acordo com Barbosa e Campbell (2006), o estudo do consumo pela sociologia
sempre estudou as relações de consumo através de uma visão produtivista, isto é, se
pressupunha que a compreensão das relações necessárias à produção de riquezas levaria a
compreensão da moderna sociedade capitalista e isso, explicaria a escassez de estudos sobre o
assunto. Miller 2001 (apud BARBOSA, CAMPBELL, 2006), afirma que “essa negligência
esconde, na verdade, uma espécie de “pacto” assumido pelos cientistas sociais no decorrer do
século XX no sentido de não comprometerem “a grande narrativa” que confere procedência
moral e ideológica à Revolução Industrial e à produção (trabalho), garantindo assim a
hegemonia política da economia. Dessa forma, mediante estratégias retóricas, o consumo foi
excluído das problemáticas obrigatórias das ciências sociais, por sua desqualificação moral e
ideológica. ”
Entretanto, essa visão produtivista está sob crítica histórica e social desde a década de
1980. “Ela hoje é confrontada pela releitura de dados que sinalizam para a existência de uma
revolução comercial e do consumo anterior à Revolução Industrial. ” (BARBOSA,
CAMPBELL, 2006).
Nesse ponto, os estudos de Grant McCracken sobre o assunto e, em especial, seus
estudos e reflexões acerca do consumo nos séculos XVII, XVIII e XIX, baseado nos trabalhos
de três pioneiros no estudo das origens do fenômeno, pode ser muito útil para entendermos o
contexto histórico de “nascimento” do consumo e seus reflexos no mundo contemporâneo.
2.2 Bases históricas do Consumo
De acordo com McCracken (2003), “Nos últimos vinte e cinco anos do século XVI,
ocorreu um espetacular boom de consumo. Os homens nobres da Inglaterra elizabetana
começaram a gastar com um novo entusiasmo e em uma nova escala. ” Esse surto de consumo
se deu principalmente por questões políticas: “confrontada por extraordinárias dificuldades
dentro e fora do reino, Elizabeth explorou o poder hegemônico e expressivo das coisas (…)
Os objetos, especialmente dentro de uma corte fortemente cerimonial, podem se prestar a
comunicar a legitimidade do monarca para governar. ” MCCRACKEN, 2003. A intenção da
rainha era avançar no projeto de centralizar o poder e subjugar súditos excessivamente
poderosos. Para isso, usou o simbolismo da corte monárquica, do vestuário e da hospitalidade
para persuadir e instruir politicamente a nobreza. Instaurando novos processos cerimoniais,
forçou nobres a gastarem extravagantemente em seu lugar, o que tornou o custo da
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participação da nobreza na corte arruinadora, fazendo os nobres dependerem cada mais da
generosidade da rainha.
A estratégia da rainha teve outro efeito que impactou ainda mais no consumo: a
competição social se apoderou da nobreza elizabetana. Quando se deslocava para a corte, o
nobre se tornava mais um na disputa pela proeminência, e como se via atacado em sua honra e
status, era levado a um excesso esbanjador de consumo.
A família do século XVI se organizava em torno da manutenção ou aumento do status
adquirido e, isso incluía o que se consumia e como se consumia. Era dada preferência a
objetos que pudessem passar de geração para geração, que pudessem adquirir o aspecto de
pátina e se tornassem mais valiosos a medida que o tempo passava. Objetos novos eram
considerados comuns. As compras eram “corporativas”, isto é, pensadas para incluir todos os
membros da família, os vivos faziam compras que pudessem enaltecer a imagem dos mortos e
criar bases para aumentar o status dos que ainda viriam a nascer. Porém, as disputas sociais
trazidas pelas novas regras da corte trouxeram efeitos diretos na família: “Os bens que agora
eram comprados em função das demandas imediatas e assumiam qualidades bastante
diferentes. Não eram mais construídos com a mesma preocupação com a longevidade. Não
eram mais valiosos somente se antigos. Certos bens se tornaram valiosos não por sua pátina,
mas por serem novos. ” (MCCRACKEN, 2003)
Chegando ao século XVIII a Inglaterra presenciou o nascimento da revolução
industrial, que expandiu dramaticamente o mundo dos bens de consumo, não só em termos de
quantidade, mas também, em variedade. A transição dos métodos artesanais para a produção
por máquina possibilitou a criação de novos produtos e novos processos de produção de bens.
Economicamente, permitiu a população experimentar um crescimento sustentado, e
possibilitou, a uma parcela da população, ampla capacidade de gastar e uma propensão ao
consumo sem precedentes. Porém, a propensão a consumir, não se deu, apenas, por essa nova
capacidade de compra da sociedade, mas principalmente, pela competição social e pelo
empenho da sociedade inglesa em obter mobilidade social vertical. “Os bens haviam
subitamente se convertido em provas no jogo de status e estavam sendo consumidos com
entusiasmo”. (MCCRACKEN, 2003).
Como vimos, a visão dos bens como prova de status havia surgido no século XVII,
agora estava consolidada. As novidades no século XVIII estão na escala, volume e variedade
em que são disponibilizados produtos e na participação de classes subordinadas na dinâmica
de consumo. O ato de comprar se tornou mais frequente e diversificado. Comprar (e com
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frequência) agora era algo permitido não apenas aos nobres, mas a pessoas de outros grupos
sociais.
Além dessa capacidade de compra, outros fatores foram fundamentais para se entender
o consumo no século XVIII e seus reflexos nos dias de hoje. O primeiro foi o estímulo à
demanda, criado principalmente por produtores que estavam insatisfeitos com os atacadistas,
que dominavam o processo de venda dos produtos, pois estes “não prestavam a devida
atenção aos novos produtos, eram contrários à inovação dos mesmos, e não coletavam
informações para a inteligência de mercado, de maneira a permitir que os produtores
atendessem ao aumento das necessidades de consumo. O resultado foi que os produtores
começaram a tomar a frente nos esforços de distribuição de seus próprios produtos, análise de
mercado, portanto, da criação, distribuição, promoção e preço." (FULLERTON, 1998,
tradução nossa).
O segundo, os novos tipos de significados atribuídos aos bens. Estes começaram a ser
portadores dos papéis sociais, funcionando como expressão e guia da identidade social, e a se
tornar objetos de moda, sendo mais apreciados por suas dimensões estéticas e menos por suas
dimensões práticas. Esses fenômenos se deram inicialmente com o vestuário, e posteriormente
com outros tipos de bens, em um evidente desenvolvimento e sofisticação dos mecanismos de
incentivo e manipulação de demanda e do uso bem-feito do conceito de obsolescência.
No século XIX o consumo já estava se instalado na vida social como característica
permanente. “Não houve, portanto, nenhum boom de consumo (...) porque havia agora uma
relação dinâmica, contínua e permanente entre as mudanças do consumo e as sociais, as quais,
juntas, conduziram a perpetua transformação do Ocidente. ” (MCCRACKEN, 2003).
Abordando o trabalho de Rosalind Williams em Dream Wolrds: mass consumption in
nineteeth century France, MacCracken chama atenção para uma mudança importante, que
surgiu na França, mas influenciou todo o consumo moderno: a produção de bens saiu do
mundo privado e transferiu-se para o mundo público. Isso se refletiu na abertura de
restaurantes, alfaiatarias e na oferta pública de serviços das mais variadas naturezas, que antes
eram apenas destinados aos nobres.
Outro fenômeno observado foi o surgimento da loja de departamentos, que usavam o
design sem precedentes de seus interiores para criar um ambiente propício à atividade de
consumir. Os consumidores eram encorajados a passear por elas à vontade, sem qualquer
contrapartida ou necessidade de compra imediata, a intenção era despertar o desejo
livremente. O mundo dos sonhos dos bens de consumo criado pela loja de departamentos
levou a uma mudança no comportamento do consumidor em relação ao preço dos produtos,
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tornado o consumidor muito mais passivo, já que essas lojas possuíam preços fixos, não
aceitando processos de barganha. Também foi mérito das lojas de departamento a introdução
do crédito na compra de bens, tornando o que antes era inacessível, um sonho possível.
2.3 O consumo do ponto de vista do Marketing
Dentro da área de Marketing, o consumo sempre foi estudado a partir da perspectiva
do comportamento do consumidor, dentro de uma visão econômica e cognitiva. Econômica,
por considerar a relação do consumidor com os bens, prevalentemente, monetária. Cognitiva,
na intenção de entender as necessidades do consumidor, tentando descobrir as motivações dos
indivíduos no momento de gastar seus recursos. Essa perspectiva mais tradicional do estudo
consumidor tenta, ainda, classificá-lo por classe social, faixa etária e localização, enumerando
as influências a que são passíveis, na tentativa de construir modelos comportamentais que
sejam capazes de prever como as pessoas consomem.
Porém os últimos 25 anos viu surgir uma visão alternativa a essa corrente de pesquisa
no campo do comportamento do consumidor. Batizado por Eric Arnould e Craig Thompson
(2005) com o nome de Consumer Culture Theory (CCT), não é uma teoria unificada, mas
uma família de perspectivas teóricas que abordam as relações dinâmicas entre consumo,
mercado e significados culturais, representada por uma pluralidade de abordagens teóricas
que partilham entre si o estudo da complexidade cultural. “A Teoria da Cultura do
Consumidor explora a forma como os consumidores ativamente retrabalham e transformam
significados simbólicos codificados em anúncios, marcas, ambientes de varejo, ou bens
materiais para manifestar as suas circunstâncias pessoais e sociais específicas e promover sua
identidade e estilo de vida. ” (ARNOULD e THOMPSON, 2005, tradução nossa).
A tradição da pesquisa no CCT é interdisciplinar, e tendo um avançado conhecimento
sobre cultura e consumo, conseguiu gerar achados teóricos que são relevantes para as ciências
sociais, as políticas públicas e os setores gerenciais. Devido a isso, a CCT tornou-se
rapidamente uma categoria de pesquisa reconhecida institucionalmente, e representa um dos
três pilares da pesquisa do consumidor, juntamente ao processamento de informação/BDT
(Behavioral Decision Theory) e a modelagem econométrica.
No intuito de deixar mais claro o entendimento da teoria, Arnoud e Thompson (2007)
apresentaram um framework (figura 1), que pautam os estudos da área. Ainda, de acordo com
os autores, o framework da CCT deve ser usado apenas como dispositivo de orientação. Cada
uma das quatro categorias destaca uma motivação teórica recorrente que atravessa o contexto
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e as questões particulares da pesquisa, criando semelhanças conceituais entre os diferentes
estudos. Os quatro domínios de interesse teórico são, por concepção, amplos e podem ser
aplicados de uma forma muito flexível, sendo capazes de abranger uma ampla gama de
questões teóricas.
Figura 1: Framework sintético da CCT. Fonte: Arnould e Thompson (2007). Adaptado por Gaião, Souza e Leão
(2012).
Seguindo o framework, a categoria “Projetos de Identidade do Consumidor”, estuda
dos modos com os quais os consumidores trabalham os materiais gerados pelo mercado.
Estudiosos dessa categoria veem o mercado como fonte de recursos míticos e simbólicos com
os quais os consumidores constroem suas narrativas de identidade. A categoria “Redes Sócio-
históricas do Consumo”, aborda o estudo das estruturas sociais que influenciam o consumo de
forma sistemática e como as escolhas dos consumidores são moldadas por hierarquia, classe
social, gênero, etnia, família e outros grupos formais.
A categoria de “Cultura de Mercado” aborda as características mais marcantes da
relação entre mercado e cultura. Indo de encontro ao tradicional ponto de vista de pessoas
como portadoras de cultura, essa categoria assume os consumidores como produtores de
cultura. E por fim a categoria “Ideologias de Mercado Massivamente Mediadas e Estratégias
Interpretativas dos Consumidores” vê os consumidores como agentes interpretativos das
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mensagens do mercado, elaborando respostas críticas às mensagens e criando formas de
resistência às influências da mídia e marketing. No nível macro, analisa a influência da
economia e da globalização cultural sobre a identidade dos consumidores dentro de contextos
sociais específicos. No nível meso, como sistemas de produção sistematicamente predispõem
consumidores na direção de certos tipos de projetos de identidade e como o mercado
transforma ideias culturais em realidade material para servir a fins comerciais e canalizar
experiências dos consumidores em determinadas trajetórias.
3. O CARÁTER SIMBÓLICO DOS BENS
3.1 Bens de consumo e significados culturais
Os significados dos bens de consumo não são inerentes a eles mesmos, são gerados
pelos discursos que permeiam esses bens e estão relacionados às necessidades simbólicas dos
indivíduos e à categorização e classificação (ou princípios, de acordo com McCracken, 2003)
dos fenômenos do mundo que cerca esses indivíduos. As necessidades simbólicas podem ser
tanto pessoais quanto coletivas. São pessoais quando dizem respeito ao que os consumidores
pensam de si mesmos e à construção da sua autoimagem. Nesse caso, os objetos funcionam
como símbolos que representam seu dono e retratam a personalidade ou estilo de vida do
usuário. As necessidades simbólicas são coletivas quando servem como mediadoras das
relações sociais e podem refletir a inclusão ou exclusão do usuário a grupos sociais
específicos.
Já a categorização representa as distinções com que a cultura divide e organiza o
mundo dos fenômenos, definindo-os e determinando suas regras para cada contexto social
específico. A classificação (ou princípios) diz respeito às propriedades inerentes das
categorias, as ideias com as quais as categorias são construídas e ordenadas, permitindo aos
fenômenos culturais serem classificados e relacionarem-se entre si. “Esses princípios, como as
categorias, são substanciados pela cultura material em geral e pelos bens de consumo em
particular. Vale observar que as categorias e os princípios culturais pressupõem-se
mutuamente, e sua expressão nos bens é necessariamente simultânea” (MCCRACKEN,
2003).
De acordo com McCraken, cada cultura possui configurações particulares: língua,
comportamento, critério de nomeação de pessoas, objetos e fenômenos, etc. E através dessas
configurações constroem o mapa cultural do mundo e da realidade que os cerca. Esse mapa é
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formado pelas categorias e princípios culturais, que não tem presença material no mundo, mas
são a base em que a ação humana ocorre, a matriz conceitual do mundo culturalmente
constituído, sendo, portanto invisíveis.
Para que essa matriz conceitual se torne visível é necessário haver uma materialização,
que ocorre através da ação humana, os bens são um de seus codificadores. “Os bens permitem
que os indivíduos discriminem visualmente entre categorias culturalmente especificadas,
codificando essas categorias sob a forma de um conjunto de distinções materiais. As
categorias de pessoas divididas em parcelas de idade, sexo, classe e ocupação podem ser
representadas num conjunto de distinções materiais por meio de bens.” (MCCRACKEN,
2003).
Continuando, o autor afirma ainda que, essas categorias e princípios, em relação
específica à América do Norte (mas que talvez hoje possa se aplicar a todo mundo ocidental),
goza de alto grau de indeterminação. Ele destaca que as categorias e princípios de pessoas,
por exemplo, “são marcados por uma persistente e notável falta de clareza, assim como
também são as de idade.”. Além dessa característica as categorias e princípios também tem
uma qualidade “eletiva”, isto é, a participação em uma categoria, que na maioria das culturas,
é algo rigidamente especificado, na Americana é muito mais ligada à escolha do indivíduo,
permitindo que este escolha a categoria que ocupa num dado momento e defina os princípios
dessa categoria. Uma terceira característica, que está muito ligada à primeira, diz respeito a
mudanças constantes e aceleradas, que, ou são provocadas pelos próprios indivíduos, ou são
provocadas pelo marketing. “Os grupos sociais podem procurar alterar sua posição no
esquema categórico, enquanto os marqueteiros podem procurar estabelecer ou encorajar uma
nova categoria cultural de pessoa (por exemplo, adolescentes yuppies) para criar um novo
segmento de mercado. (MCCRACKEN, 2007).
3.2 A mobilidade dos significados culturais dos bens de consumo
De acordo com MacCraken (2003), os significados dos bens de consumo não são
estáticos, eles seguem uma lógica de transferência. “Uma das maiores limitações das
presentes abordagens ao estudo do significado cultural dos bens de consumo é que elas
falham em observar que esse significado está constantemente em trânsito”. Eles saem do
mundo culturalmente construído e passam aos bens de consumo, através da publicidade e do
sistema de moda, posteriormente passam dos bens aos consumidores individuais através de
rituais de posse, troca, arrumação e despojamento. A dinâmica do movimento dos significados
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pode ser visualizada pelo modelo proposto pelo autor (figura 2) que descreve a estrutura e o
movimento dos significados dos bens de consumo.
O entendimento da localização e do movimento dos bens de consumo permite com
que consigamos perceber de maneira mais completa as propriedades dinâmicas e estruturais
do consumo contemporâneo.
Figura 2 – Modelo da Estrutura e do Movimento do Significado dos Bens de Consumo. McCracken (2003, pg. 100)
O primeiro passo para entender como se dá o movimento do significado dos bens de
consumo é saber suas possíveis localizações. O significado se origina, sempre, no mundo
culturalmente construído, que é “o mundo da experiência cotidiana através do qual o mundo
dos fenômenos se apresenta aos sentidos dos indivíduos, totalmente moldado e constituído
pelas crenças e pressupostos de sua cultura.” (MCCRACKEN, 2003). Esse mundo
culturalmente constituído é o mundo onde as pessoas vivem seu dia a dia, cujas regras e
conceitos são determinados pela cultura. A cultura na qual o indivíduo está inserido,
determina como esse sujeito vê, constrói e molda o mundo, através dos significados.
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A segunda possível localização dos significados são os próprios bens de consumo.
Eles são os instrumentos pelos quais os significados são expressos de maneira mais evidente,
sendo a materialização das categorias e princípios da cultura. Alguns significados culturais
são de mais fácil materialização e percepção que outros, mas todo objeto possui um
significado atribuído, mesmo que este não seja percebido facilmente. “O fato que os bens
possuem significado cultural é às vezes evidente e às vezes oculto para os consumidores.
Estes podem perceber e manipular conscientemente significados culturais como o status de
um item de consumo. Mas, com igual frequência, os consumidores individuais só reconhecem
o significado cultural embutido nos bens de consumo sob circunstâncias excepcionais. ”
(MCCRACKEN, 2007).
A terceira localização dos significados é o consumidor individual. O consumidor usa
os bens para se autodefinir e construir partes de si mesmo e do mundo que o cerca. “O sistema
de consumo supre os indivíduos com os materiais culturais necessários à realização de suas
variadas e mutantes ideias do que é ser um homem ou uma mulher, uma pessoa de meia-idade
ou um idoso, um pai, um cidadão ou um profissional. ” (MCCRACKEN, 2003). Os
indivíduos ocidentais gozam de uma ampla gama de opções quanto ao significado que podem
extrair dos bens, o que nem sempre é tarefa fácil ou bem-sucedida. As patologias do consumo,
como querer se apropriar de significados (bens) aos quais não estão habilitados ou construir
suas vidas apenas em termos de significado de bens são exemplos de como o processo de
transferência de significados pode dar errado. “Em circunstâncias normais, contudo, o
indivíduo usa os bens de maneira livre de problemas para constituir partes cruciais de si
mesmo e do mundo. A lógica, os imperativos e os detalhes desse processo de construção de si
e do mundo por meio dos bens são enormemente carentes de atenção e só agora atraem
estudos rigorosos. ” (MCCRACKEN, 2003).
O segundo passo para se entender como ocorre o movimento do significado dos bens
de consumo é conhecer os instrumentos de transferência. Os dois primeiros instrumentos,
aqueles que movem o significado do mundo para os bens são a publicidade e o sistema de
moda.
A publicidade atua como instrumento que busca fundir o bem de consumo a um
significado constituído no mundo cultural, isso dentro de um anúncio específico. A tentativa é
de estabelecer uma equivalência simbólica e atribuir ao objeto propriedades do mundo
cultural. “Os mecanismos de um processo de tal maneira complicado merecem exposição
mais detalhada. O diretor de criação preocupa-se em efetivar a conjunção bem-sucedida de
dois elementos. Um destes é especificado pelo cliente. Na maior parte dos casos, é dado ao
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diretor um bem de consumo, cujas propriedades físicas e aspecto externo são fixos e não
sujeito a manipulação. ” (MCCRACKEN, 2003).
Geralmente o cliente é guiado por pesquisas de marketing ou recomendações de
profissionais para especificar as propriedades que guiarão os esforços do diretor para fazer
com que o mundo cultural e o bem compartilhem uma harmonia. O ato final de transferência
acontece pelo consumidor/espectador. “O diretor pode apenas fazer o mundo e o bem de
consumo conjugarem-se, sugerindo sua similaridade essencial. Cabe ao espectador/leitor
perceber essa similaridade e efetuar a transferência de propriedades significativas. ”
(MCCRACKEN, 2003).
O segundo instrumento é o Sistema de Moda, menos observado e estudado, porém
mais complexo que a propaganda. O sistema de moda possui fontes e agentes diversificados
para transferir significado. Podemos encarar como fontes, os líderes de opinião e os grupos
sociais inovadores. Como agentes, os projetistas de produtos e os jornalistas de moda e
observadores sociais.
Os líderes de opinião são indivíduos que devido ao seu nascimento, beleza,
celebridade ou façanha ocupam posição de destaque perante outros indivíduos, sendo
classicamente, as elites convencionais, isto é, as classes mais altas do estrato social. Esse
grupo ajuda a moldar e refinar significados culturais existentes, encorajando a reforma de
categorias e princípios.
Os grupos sociais inovadores são geralmente aqueles que vivem à margem da
sociedade, como hippies, punks ou gays. Esses grupos inventam significados radicais e
inovadores, mas trabalham geralmente através de desvios das convenções culturais. “Cada um
desses grupos gera novo significado cultural, mesmo que somente através do processo
negativo de violar categorias culturais de idade e status (hippies e punks) ou de gênero (gays).
Suas redefinições destas categorias culturais e de uma série de princípios cultuais que os
acompanham são incorporadas pelo mainstream cultural. ” (MCCRACKEN, 2003).
Os projetistas de produto (ou designers), coletam o significado cultural e o transfere
para os bens, realizando um trabalho seminal no processo de transferência de significado. Isso
porque eles não trabalham apenas as propriedades simbólicas dos bens, eles interferem em
suas propriedades físicas. O designer precisa trabalhar o bem de modo que suas qualidades
sejam autoevidentes para o espectador/dono. E tanto o designer quanto o espectador/dono
precisam ter a mesma fonte de informação, sendo que este, precisa conhecer em primeira mão
o novo significado, de modo que possa identificar culturalmente as propriedades do novo
objeto e completar o processo de transferência de significado.
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Os jornalistas de moda e os observadores sociais compõem o segundo grupo de
agentes dentro do sistema de moda. O trabalho deles é observar e determinar, o que, dentro do
turbilhão de novidades, é moda e o que é efêmero, o que deve ser encorajado e o que deve ser
desencorajado, prestando-se como salvaguardas e fazendo críticas às inovações culturais,
sociais e estéticas assim que aparecem.
Os próximos instrumentos são aqueles que movem o significado do bem para o
consumidor, MacCracken identifica esses instrumentos como rituais. “O ritual é uma espécie
de ação social dedicada à manipulação do significado cultural para fins de comunicação e
categorização coletiva e individual. ” (MCCRACKEN, 2007). As pessoas usam rituais para
mover o significado cultural de bens ou se mover de categoria cultural, abrindo mão de um
conjunto de propriedades culturais e assumindo outras, como por exemplo, nos ritos de
passagem ou iniciação. No caso do movimento dos significados dos bens para as pessoas, são
identificados quatro rituais: troca, posse arrumação e despojamento.
O ritual de troca geralmente ocorre em ocasiões como natal e aniversários e o
movimento dos bens é considerado a partir de suas propriedades significativas.
“Frequentemente o doador-do-presente escolhe um presente porque este possui propriedades
significativas que ele ou ela deseja ver transferidas ao receptor-do-presente. ”
(MCCRACKEN, 2003). A troca de presentes também é um potente meio de influência
interpessoal, sugerindo ao receptor propriedades simbólicas e de significado, anunciando
como o doador ver ou gostaria de ver o receptor e como o receptor pode se redefinir a partir
das sugestões do doador. A embalagem, bem como o local escolhido para a troca tem também
importância para as propriedades significativa dos bens trocados.
O ritual de posse permite que o usuário extraia do bem as qualidades que lhe foram
conferidas pelo marketing, é a tentativa do consumidor personalizar o bem e justificá-lo como
seu. Isso geralmente se dá através de exibições (como na inauguração de um novo lar), de
fotografias, da limpeza ou até mesmo da reflexão e discussão sobre um bem. “Esse processo é
mais perceptível quando deixa de acontecer. Por exemplo, um consumidor pode às vezes
afirmar que uma posse – um carro, uma casa, uma peça de vestuário – “ nunca pareceu ser
minha de verdade”. Há certos bens que o consumidor nunca reclama com sucesso porque
nunca reclama com sucesso suas propriedades simbólicas. ” (MCCRACKEN, 2007). Se a
transferência de significado ocorrer com sucesso, o consumidor pode utilizar o bem como
marcador de tempo, espaço e ocasião, utilizando-se de sua capacidade de discriminar
categorias culturais. É o ritual de posse que finalizar o segundo estágio da trajetória da
movimentação do significado cultural, tirando o significado do bem e o trazendo às pessoas.
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O ritual de arrumação ou cuidados pessoais ajuda o consumidor a extrair o significado
do bem através de um processo em que o consumidor decide a melhor maneira de utilizar
aquele bem para que suas características identificadas como desejáveis possam ser
explicitadas. O uso de um certo corte de cabelo ou roupa para parecer “desarrumado”, é um
exemplo de ritual de arrumação que tem como intuito parecer despojado. Esse ritual também é
usado para renovar certas propriedades significativas que são perecíveis. “O objetivo desse
ritual é proceder às dores características necessárias para assegurar que aquelas propriedades
especiais e perecíveis que residem em certas roupas, em certos penteados, em certos looks,
serão, por assim dizer “insinuadas” para fora dos bens que lhe serve de suporte e, ainda que
breve e precariamente, postas para viver no consumidor individual. ”. (MCCRACKEN,
2003).
O ritual de despojamento é aquele pelo qual o bem é esvaziado de significado antes de
(1) ser adquirido por um novo dono (quando o indivíduo compra um bem que antes pertenceu
a outrem) ou (2) antes de ser repassado ao novo dono (quando o indivíduo está prestes a
dispensar um bem). No primeiro caso, o ritual permite que o novo dono evite o contato com
as propriedades significativas do dono anterior e possa reivindicar o objeto como seu. No
segundo caso, será feita uma tentativa de apagar o significado investido no bem. “Ambos os
rituais sugerem preocupação que o significado dos bens possa ser transferido, obscurecido,
confundido ou mesmo perdido quando os bens mudarem de mãos. (MCCRACKEN, 2003
apud DOUGLAS, 1966).
3.3 Bens de consumo: agentes de mudança e continuidade
Os bens possuem muitas utilizações. McCraken destaca, especialmente, seu poder
como instrumentos de manipulação de significado, sua capacidade de promover mudança e
sua instrumentalização como registro de continuidade. “Os bens constituem uma oportunidade
para uma comunidade expressar e contemplar o significado cultural em uma mídia outra que
não a linguagem, e para fazer isso de uma maneira que positivamente corrobora tanto para
reforma quanto para preservação deste significado.” (MCCRACKEN, 2003).
Eles são usados como instrumentos de mudança quando são utilizados de forma
criativa e experimental, por exemplo quando ajudam a comunidade ou grupo a criar uma nova
definição de si ou revisar sua categoria cultural. “Os bens contribuem para este processo de
invenção porque carregam um registro de categorias e de princípios culturais. A primeira
atitude do grupo que intenciona inovar é dispensar os bens de consumo que carregam sua
16
definição convencional. A segunda é adotar os bens de outros grupos, para assim
experimentar e talvez se apossar das propriedades significativas que neles residem.”
(MCCRACKEN, 2003).
Outra maneira de serem utilizados como instrumentos de mudança é quando
funcionam como meios de descoberta e reflexão. Nesse caso seu uso está ligado à
oportunidade de “discurso” que oferecem.
Os bens também podem ser agentes de continuidade, isso porque são um registro
público e concreto das categorias e princípios da cultura. Quando se observa cultura através
dos bens, ela é mais estável, consistente e onipresente, pois os objetos conferem realidade às
crenças culturais, fazendo visíveis suas opiniões, atitudes e ideias. Geralmente essa
capacidade de se fazer visível está oculta da percepção consciente do receptor. “Quando a
cultura transparece nos objetos, busca se fazer aparentar inevitável, surgindo como os únicos
termos nos quais qualquer um pode constituir seu mundo. A cultura usa os objetos para
convencer.” (MCCRACKEN, 2003). Essa capacidade de convencimento vem da sua natureza
simbólica, que agrega significados não necessariamente diretos, e da sua capacidade de “falar
em voz baixa”, isto é, de se comunicar sem usar palavras.
Eles também são agentes de continuidade quando servem de código-objeto, isto é, um
objeto que tem a capacidade de se expandir para abarcar novas categorias culturais. Quando
novas categorias culturais surgem ou quando ocorrem mudanças nas categorias culturais em
vez de se criarem novos objetos para essas categorias, bens que funcionam como código-
objeto se expandem para incluí-las, funcionando como controladores de inovação e agentes de
continuidade.
4. BRANDING
4.1 A evolução do conceito de marca
O hábito de assinar um trabalho ou adicionar ao produto um símbolo que o
diferenciasse dos demais não é algo novo. Durante séculos, marcas visuais foram utilizadas
para identificação. No início, geralmente se usavam símbolos para identificar famílias,
comunidades ou grupos que desempenhavam funções específicas. Posteriormente, com o
desenvolvimento do comércio, passaram a identificar produtores e seus produtos. “Na idade
média, as marcas proprietárias eram obrigatórias e possibilitavam que as guildas controlassem
17
o comércio. No século XVIII praticamente todo comerciante ou negociante tinha um selo ou
marca registrada. ”. (MEGGS, 2009).
O conceito de marca na atualidade engloba outros elementos além do símbolo, de
acordo com a Associação Americana de Marcas (AMA), considera-se marca “um nome,
símbolo, desenho ou uma combinação desses elementos que deve identificar os bens ou
serviços de um fornecedor ou grupo de fornecedores e diferenciá-los dos da concorrência. ”
(KELLER, MACHADO, 2006).
Mesmo esse conceito ainda é restrito e não abarca todas as dimensões e significados
que podem ser evocados pela palavra marca. Um estudo realizado por De Chernatony e Riley
(1998) identifica doze possíveis formas de entendimento do conceito de marca, cada uma com
suas características e atributos. Nesse estudo, realizado por levantamento bibliográfico, foram
analisadas mais de 100 revistas (acadêmicas e comerciais) e recolhidas as opiniões dos 20
maiores consultores em marcas na tentativa de se construir uma teoria sobre o tema.
No estudo realizado pelos autores, marca pode ser: um instrumento legal, um logotipo,
uma empresa, um significado, um redutor de risco, um sistema de identidade, uma imagem na
mente do consumidor, um sistema de valor, uma personalidade, um relacionamento, um valor
acrescentado, uma entidade em evolução.
Os autores usaram esses 12 conceitos identificados e tentaram organizá-los através de
semelhanças e diferenças, para construir uma definição de marca que conseguisse absorver
todas essas dimensões. Adicional a isso, confrontaram esses conceitos com os elaborados por
especialistas da área e propuseram a seguinte definição: “Marca é um construto
multidimensional em que gerentes aumentam produtos ou serviços com valores facilitando o
processo pelo qual o consumidor reconhece e apreciar esses valores”. (DE CHERNATONY E
RILEY, adaptado, 1998, tradução nossa).
Nessa premissa, o conceito de marca evoluiu progressivamente para uma visão em que
a marca exprime a estratégia em torno de um produto. “Uma marca é, portanto, um produto,
mas um produto que acrescenta outras dimensões que o diferenciam de algum modo de outros
produtos desenvolvidos para satisfazer a mesma necessidade. ” (KELLER, MACHADO,
2006).
Com esse conceito multidimensional de marca e seu status elevado ao de estratégia, o
estudo sobre marcas, antes integrada à variável produto na lógica dos 4 P's do mix de
marketing passou a ter uma literatura própria e autônoma, que tenta entender todas as suas
dimensões.
18
4.2 Branding: Gestão da Marca
A marca é, reconhecidamente, um dos ativos mais valiosos de uma empresa.
Administradores, profissionais e gerentes de marketing investem longo tempo e grandes
quantidades de recursos para criar e manter uma marca forte. Esse capítulo reunirá os
conceitos e princípios que regem as principais estratégias de branding da atualidade.
4.2.1 Branding de Mentalidade Participativa
De acordo com Holt (2005) “Desde a década de 1970 os administradores confiam
inteiramente num modelo cognitivo de branding”. Esse modelo, chamado pelo autor de
branding de mentalidade participativa se pauta na ideia de que a marca deve ocupar uma
posição destacada na mente do consumidor, para conseguir isso, ela deve realçar um benefício
a ser associado. Autores como Aarker, Kotler, Zaltman e Keller fundamentam seus estudos
nessa teoria.
Dentro do modelo de branding de mentalidade participativa “branding significa dotar
produtos e serviços de brand equity.” (KELLER, MACHADO, 2006). Brand Equity tem
diversas definições, mas todas se organizam em torno da ideia de valor da marca e atributos
tangíveis e intangíveis que circundam as mesmas.
Um dos modelos mais populares de branding equity é o de Keller, chamado de
Costumer-Based Branding Equity ou CBBE. “O CBBE aborda o brand equity sob a
perspectiva do consumidor, seja ele um indivíduo ou uma organização. ” (KELLER,
MACHADO, 2006). Nesse modelo, é importante que as empresas entendam as necessidades
dos clientes para que possam oferecer produtos e serviços de maneira adequada. A força da
marca está no que fica na mente dos consumidores e os gestores de marketing têm que
assegurar que os clientes tenham experiências positivas com produtos, serviços e programas
de marketing.
De acordo com Keller, 2006 “Para que as estratégias de branding sejam bem-
sucedidas e para que seja criado brand equity, os consumidores precisam ser convencidos de
que há diferenças significativas entre marcas na categoria do produto ou serviço. A chave do
branding é que os consumidores não pensem que todas as marcas na categoria são iguais. ”
Keller relaciona quatro etapas sequenciais que, se concluídas com êxito, podem
garantir a construção de uma marca forte:
19
1. Assegurar a identificação da marca junto aos clientes e uma associação de marca com
uma categoria específica de produto/serviço ou com a necessidade do cliente.
2. Estabelecer firmemente o significado da marca na mente dos clientes, ligando um
conjunto de associações de marca tangíveis e intangíveis com determinadas propriedades.
3. Estimular as respostas adequadas de clientes/consumidores a essa identificação e
significação da marca.
4. Converter a resposta de marca em um relacionamento de fidelidade intenso entre os
clientes e a marca.
Essas quatro etapas concluídas irão garantir o estabelecimento dos seis pilares de
construção da marca: proeminência da marca, desempenho da marca, imagens associadas à
marca, julgamentos sobre a marca, sentimentos sobre a marca e ressonância da marca.
Quando a ressonância é atingida (a ressonância é caracterizada por um intenso vínculo
psicológico dos clientes com a marca), a marca e o consumidor estão em total harmonia e
partilham uma relação de fidelidade. “Assim a premissa básica do CBBE é que a verdadeira
medida da força de uma marca depende de como os consumidores pensam, sentem e agem
relação a essa marca. ” (KELLER, MACHADO, 2006).
4.2.2 Branding de Emocional
Outro modelo que Holt destaca é o Branding Emocional, que inundou o mercado de
livros a alguns anos. “O branding emocional é menos um modelo novo que uma extensão da
mentalidade participativa. Nele os pressupostos da mentalidade participativa – segundo as
quais a marca consiste numa série de abstrações, que devem ser consistentemente mantidas
em todas as atividades referentes à marca ao longo do tempo – ainda vigoram. ” HOLT, 2005.
As emoções acrescentam riqueza e profundidade a experiência de uso da marca. O
consumidor, mais do que adquirir produtos, quer ter experiências e compartilhar valores.
O sentimento dos clientes pela marca é mais importante do que o conhecimento deles
sobre a empresa. Gobé (2009) apud Braz (2014) identifica os 10 mandamentos para criar
marcas emocionais.
1. de Consumidores para Pessoas: os clientes não devem ser vistos como alvos a serem
atacados, mas como pessoas com as quais deve-se construir um relacionamento.
2. de Produtos para Experiências: Produtos atendem necessidades, mas proporcionar
experiências satisfaz desejos.
20
3. de Honestidade para Confiança: Honestidade é obrigação. As marcas devem buscar
confiança, para gerar envolvimento e intimidade.
4. de Qualidade para Preferência: Não basta ter qualidade reconhecida. É preciso buscar a
preferência do público.
5. de Notoriedade para Aspirações: Ser conhecido é diferente de ser amado. Para ser amada,
a marca precisa refletir as aspirações de seus clientes.
6. de Identidade para Personalidade: As marcas para se diferenciarem, além de ter uma
identidade clara, precisam ter uma proposta, caráter e carisma.
7. de Funcionalidade para Sentimento: Mais do que funcionais, os produtos devem
proporcionar experiências através do design.
8. de Onipresença para Presença Emocional: Alta visibilidade não é mais suficiente, as
marcas devem buscar contatos emocionais com as pessoas.
9. de Comunicação para Diálogo: Mais do que discursar através da comunicação tradicional,
as marcas precisam estar presentes na vida dos seus clientes.
10. de Atendimento para Relacionamento: Atender bem é só uma tarefa de venda.
Estabelecer relacionamentos é reconhecer a importância do cliente.
4.2.3 Branding Viral
O terceiro modelo de branding apontado por Holt é o Branding Viral, conhecido
também como grass roots ou buzz. “Como o nome indica, o branding viral concentra-se nos
meandros da influência pública: de que modo agentes não profissionais induzem
consumidores a valorizar a marca. ” (HOLT, 2005).
Aaker (2007) acredita que a propaganda difundida na mídia tradicional cria uma
barreira entre o consumidor e a marca, pois as agências geralmente criam as marcas para
serem intocáveis e imaculadas. Com o advento da internet e as mídias digitais, inicialmente,
não foi criado nada de novo, as estratégias criadas para as plataformas da web eram meras
cópias das estratégias usadas nos meios tradicionais.
Porém, as empresas e as agências logo perceberam que o caminho mais eficiente não
era esse. “Em contraste com o modelo tradicional de propaganda, a Web diz respeito a
experiências. No ambiente da Web, o papel do público é ativo; a atitude de “inclinar-se” em
vez de “reclinar-se” muda tudo...O público geralmente tem uma meta funcional - buscar
informações, entretenimento ou transações - e desconsidera e trata como incômoda qualquer
coisa que se interponha (inclusive sites lentos e navegação ruim e não intuitiva). Quando a
21
construção dessa mentalidade, as experiências criadas podem ser mais poderosas do que a
propaganda veiculada pelo rádio e pela televisão no contexto de um programa geral de
construção de marcas”. (AAKER, 2007).
O branding viral e as estratégias de marketing que giram em torno dele, trabalha a
ideia de que os consumidores são os construtores das marcas e difusores das informações
sobre ela, e fazem esse trabalho de forma persuasiva e com menos despesas que estratégias
tradicionais.
O buzz marketing usa a estratégia de direcionar sua mensagem a certos grupos, como
especialistas de determinado segmento, blogueiros especializados ou famosos. Eles serão os
responsáveis por divulgar a marca e seu utilizam da sua reputação para passar confiança ao
consumidor.
Já o marketing viral faz a disseminação de forma mais aleatória, sem se preocupar em
direcionar a mensagem a um público específico, a ideia é passar a mensagem da marca para o
maior número de pessoas. De acordo com Rocha (2013), as estratégias virais de marketing
possuem algumas características:
Target Natural: as pessoas repassam conteúdos que acham relevantes que creem, irão
interessar o destinatário.
Apoio implícito: quem repassa conteúdo, implicitamente o apoia, e o fato da mensagem vir
de outro consumidor e não da empresa, valoriza seu conteúdo e seu impacto.
Expansão Exponencial: a difusão viral é ajudada distribuição veloz permitida por e-mail e
redes sociais, tudo isso associado a um custo quase nulo.
A dificuldade dessa estratégia está em prever a viralidade da ação ou conteúdo, bem
como a falta de controle da empresa sobre como e quando a mensagem é repassada. As
empresas devem sempre estar atentas ao fato de que assim como conteúdo positivo pode ser
repassado, quando fatos ou notícias negativas sobre a marca ocorre, eles geralmente são
retransmitidos na mesma velocidade.
4.2.4 Branding Cultural
O Branding Cultural é um modelo defendido por Douglas Holt e consiste em uma
nova abordagem no estudo das estratégias para desenvolvimento de marcas, desconstruindo as
teorias convencionais de branding e olhando a relação do consumidor com as marcas por
outras vertentes. “Os modelos de branding convencional têm uma visão instrumental das
comunicações de branding. Eles presumem que o objetivo da publicidade é influenciar a
22
percepção dos consumidores a respeito da marca. (...). Que a marca consiste num conjunto de
associações abstratas. Consequentemente os administradores vivem obcecados com os
conceitos atribuíveis às marcas. ” (HOLT, 2005). O branding cultural inverte essa abordagem,
nesse modelo o consumidor não é influenciado pela publicidade, mas se deixam envolver por
histórias que lhe são contadas. “O produto é, apenas, o conduto pelo qual eles (consumidores)
podem fruir as histórias transmitidas pela marca”. (HOLT, 2005). No branding cultural o
valor da marca reside nos elementos de sua expressão cultural, no seu papel como agente
histórico da sociedade.
O suporte principal da teoria do Branding Cultural é o ícone cultural. “As pessoas se
identificam fortemente com os ícones culturais e não raro adotam esses símbolos em seu
cotidiano. Os ícones servem como pontos cardeais para embasamento de uma sociedade –
âncoras de significado continuamente citadas no entretenimento, jornalismo, na política e na
propaganda. ” (HOLT, 2005). O ícone cultural, que pode ser uma pessoa ou um objeto, é,
antes de tudo, um símbolo e reúne um conjunto de ideias em torno de si. Diferentemente de
um conteúdo fabricado, o ícone cultural representa uma história em particular, de grande
carga simbólica, que os consumidores adotam para satisfazer suas necessidades de identidade.
Assim como objetos e pessoas, a marca também pode ser um ícone. Uma marca-ícone
surge quando consegue encarnar uma ideia ou um estilo de vida, criando uma história em
torno de si, que os consumidores usam para construir suas identidades. “Os modelos de
branding convencionais ignoram como as marcas secundam as identidades dos consumidores.
Em geral, os administradores contemplam o valor da identidade superficialmente, como
badging, ou seja, acham que consumidores usam marcas como símbolo de status para atrair
admiração do grupo. ” HOLT, 2005.
Para explicar como as marcas-ícones evoluem e são preservadas, Holt desenvolveu
uma pesquisa com seis marcas-ícones americanas e descobriu que elas possuem um conjunto
de princípios tácitos, bem diferentes dos princípios que orientam as estratégias convencionais
de branding. São eles:
Marcas-ícones respondem a contradições agudas da sociedade – elas percebem as
ansiedades e desejos coletivos e miram seus esforços de marketing em direção a eles,
oferecendo uma “opção de solução” com seu produto.
Marcas-ícones geram mitos de identidade que respondem a esses desejos e
ansiedade – elas usam conteúdos imaginários para suavizar tensões do mundo real,
geram ficções que respondem a ansiedades culturais distantes, de modo a aplacar a
ansiedade do público.
23
Os mitos de identidade estão na marca, que os consumidores vivenciam e
compartilham por meio da ação ritual – Quando consumidores compram e/ou
utilizam um produto da marca-ícone estão vivenciando parte do mito. A marca se
torna a materialização do mito.
Esses mitos de identidade estabelecem-se em mundos populistas – As pessoas do
mundo populista agem de acordo com seus desejos e não por serem pagas ou
cobiçarem status e poder. Marcas-ícones usam os mundos populistas como fontes
materiais de autenticidade de seus mitos.
As marcas-ícones atuam como ativistas culturais de vanguarda – elas estimulam
as pessoas a pensarem diferentemente a respeito de si mesmas. Elas não só evocam
uma personalidade como fazem as pessoas reconsiderarem as ideias sobre si.
As marcas-ícones dependem antes de atos de ruptura que de comunicações
consistentes – elas tendem a se concentrar em fazer poucas ações de comunicação,
mas estas tendem a ser extraordinárias. Usam uma comunicação inicial para introduzir
sua história e fazem ações que complementam ideias prévias lançadas pela marca.
As marcas-ícones gozam de um efeito de aura cultural – quando a marca consegue
gerar um mito poderoso, as características desse mito refletem sobre outros aspectos
da marca.
De acordo com Holt, modelos convencionais de branding não conseguem desenvolver
marcas-ícones. “O branding de mentalidade participativa pode ser uma abordagem eficiente
para marcas de utilidade e baixo envolvimento (...)”. De acordo com o autor, quando se reduz
a marca a uma série de conceitos abstratos fica fácil racionalizar a tarefa de branding, pois o
gestor poderá tomar decisões rápidas em todas as atividades estratégicas baseando-se apenas
nesses conceitos. A marca é simplificada a tal ponto que o administrador geralmente
considera irrelevante elementos cruciais que as tornam valiosas para os consumidores.
Igualmente, de acordo com Holt, o branding emocional também não consegue
construir marcas-ícones, isso porque elas se esforçam em imprimir personalidade a marca,
transferindo conteúdo emocional para a comunicação e enfatizando benefícios emocionais.
Mas as fortes ligações entre marcas-ícones e seus consumidores não se dão por esses fatores,
são consequências dos mitos de identidade que estas conseguem divulgar. “O mito de
identidade certo, bem realizado, oferece ao público poucas epifanias – instantes de
reconhecimento que aplicam imagens, sons e sentimentos a desejos que mal podem perceber.
” (HOLT, 2005).
24
Por fim, o autor afirma que branding viral não consegue construir marcas-ícones, pois
o seu modelo branding se fundamenta na ideia de que toda comunicação será boa enquanto
for repetida. Mas as pessoas recordam e usam simbolicamente essa comunicação em seu
cotidiano, portanto se não for bem apoiada por um mito de identidade, ela será apenas mais
uma no meio de milhões.
“Os modelos convencionais presumem que administrar uma marca seja a arte de
insistir na consistência em face às pressões organizacionais e competitivas que a arrastam para
diferentes direções. ” (HOLT, 2005). Diferentemente desse pensamento, Holt afirma que é
necessário que a marca reveja seu mito ou sua “suposta essência”, as mudanças da marca
devem ocorrer com a mudança da sociedade. A marca deve estar atenta ao que ocorre ao seu
redor e fazer alterações quando necessário para responder aos desafios e problemas de seu
tempo, só deste modo conseguirá manter seu status de ícone.
Consumidores procuram marcas que contribuam diretamente com seu projeto de
identidade através da criação de materiais culturais – e marcas-ícones podem fazer isso, pois
se sustentam na cultura e na história da comunidade onde estão e constroem sua identidade,
seu mitos e sua imagem baseada nessa cultura. As marcas devem se tornar uma expressão da
cultura, como afirma Holt, (2002), nada muito diferente de bandas de rock ou programas de
televisão. E elas terão confiança para servir como material cultural quando demonstrarem que
podem arcar com a responsabilidade de ser um “pilar da comunidade”. Quando conseguirem
isso, não serão vistas apenas como mediadoras culturais, elas se tornarão referência e terão a
capacidade de moldar rituais culturais, atividades econômicas e normas sociais. O estudo da
cultura, da sociologia, da antropologia, da história, serve para entender a marca e seu
funcionamento dentro da sociedade atual e como ela influencia esta sociedade e o mercado.
5. METODOLOGIA
Para a realização deste estudo exploratório foram realizadas pesquisas em obras de
diversos autores e especialistas nos temas, além de consultas a sites e pesquisas em artigos
científicos. Foi utilizada como método de coleta de dados a pesquisa bibliográfica, que
segundo Köche (1997) “é a que se desenvolve tentando explicar um problema, utilizando o
conhecimento disponível a partir das teorias publicadas em livros ou obras congêneres”.
A pretensão foi ampliar os conhecimentos sobre os temas em questão: marketing,
comportamento do consumidor, consumo, cultura e branding, para compreender o problema
de pesquisa em sua totalidade e contribuir para o melhor entendimento do tema estudado.
25
6. CONCLUSÃO
Este trabalho reuniu conceitos e ideias a respeito de como se estabelecem as relações
entre a cultura, o comportamento do consumidor e a produção de bens de consumo e como
esses aspectos se conectam às estratégias contemporâneas de branding.
Vimos que existe um entendimento contemporâneo nos estudos sobre consumo que o
assume, não como um fenômeno econômico, mas como um fenômeno cultural. Esse conceito
vem da compreensão de que bens de consumo são carregados de significados culturais que
são usados pelos consumidores para construir suas identidades e se expressarem. Essa nova
visão foi reforçada por revisões históricas do tema que apontam seu surgimento, como
fenômeno cultural, a séculos atrás, antes mesmo da revolução industrial, quando era usado
como instrumento de manipulação social e política.
Mesmo dentro da área de marketing, que sempre estudou o consumo do ponto de vista
produtivista, econômico e cognitivo, ocorreram mudanças significativas. O surgimento da
CCT (Consume Culture Theory) corrobora essa nova visão de consumo e estuda o assunto
através de uma visão interdisciplinar, juntando pesquisas sobre consumo, identidade,
mercado, cultura, significado simbólico dos bens e estratégias das empresas.
A partir dessa nova visão, estudiosos da gestão de marcas passaram a prestar atenção
em outras áreas, além da psicologia e economia, para entender que outros fatores
influenciavam a marca e a percepção do consumidor sobre ela. Dentre os estudos, destacamos
o de Douglas Holt e seu conceito de Branding Cultural.
O Branding Cultural trouxe uma nova perspectiva sobre o estudo e gestão das marcas,
ampliando a visão dos administradores para as oportunidades que surgem através das marcas,
quando seu conteúdo (história, atributos e características) é visto por uma perspectiva cultural
e sua administração é encarada como mais que mera execução tática e estratégica. Em seu
estudo, Holt defende que a marca se torne uma expressão da cultura, que elas devem ser
capazes de inspirar, provocar e estimular a imaginação dos consumidores, ajudando-os a
interpretar o mundo, ganhando assim, admiração e lucros.
Produtos e marcas são objetos de comunicação e seus significados para os
consumidores não são resultados de projetos ou planejamentos. Consumidores analisam seu
meio cultural e social e negociam o significado daquilo que lhes é oferecido. O valor da marca
ou produto vai depender do grau de consonância da comunicação daquela marca ou produto
com o background cultural e ideológico do consumidor.
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Um entendimento mais profundo de como o consumo funciona a partir de uma
abordagem cultural, suas características comunicativas, suas fronteiras de ação, suas
categorizações, classificações e movimentos podem formar um mapa que guiará os gestores
mais atentos por caminhos rápidos e seguros até os consumidores.
Quando se vê o consumo como um fenômeno cultural, se passa a vislumbrar outras
perspectivas de entendimento das relações entre as pessoas e os bens. O entendimento dos
bens como instrumento de construção de identidade e de relações sociais eleva a importância
do consumo e das marcas a outro nível, já que hoje as pessoas não consomem apenas
produtos, consomem marcas. E estas são valorizadas tanto pelo produto que representam
quanto pelos ideais e conceitos que encarnam.
Empresas e profissionais de marketing têm uma visão limitada do significado dos bens
e das marcas. Geralmente restringem a sua importância ao consumidor pelo status, quando na
verdade o status é uma parte minúscula do universo de significados que rondam os
consumidores. Gerir marcas de sucesso exige um conhecimento mais completo do seu
significado e entender esse significado é compreender como a cultura e a história interagem
com a marca, é provê-la de uma contextualização com os consumidores e a sociedade.
CULTURE, CONSUMPTION AND BRANDING – A THEORETICAL STUDY
ABSTRACT: Today brands don’t represent only services or products, they have more
complex and ambitious goals. Branding changed the concept of brand, extending its meaning
to consumers. In this expansion, it was realized that the culture and the meanings of consumer
goods may impact significantly on the branding strategies of companies. This work aims to
study the significance of consumer goods and their possible relationship with the culture as
well as the implications of this relationship in branding strategies. Therefore, we carried out a
literature review with contemporary authors that address consumer culture, cultural
significance of consumer goods and branding. This research is justified because despite the
growing number of publications that recognize the importance of how is the relationship
between culture, consumption and branding there are few Brazilian studies (and in
Portuguese) that address the new perspectives brought by this relationship.
Key-words: Consumption, Culture, Consumer Goods, Brands, Branding.
27
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