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Determinantes da taxa de juros Luiz Carlos Bresser-Pereira, Nelson Marconi e José Luís Oreiro Capítulo 9 de Structuralist Development Macroeconomics, Londres: Routledge, a ser publicado. No capítulo 8 vimos que a taxa de crescimento de equilíbrio de uma economia de renda média depende da interação entre a “restrição de capacidade” – a qual depende da taxa de investimento e da produtividade do capital. A taxa de investimento depende das oportunidades de investimentos lucrativos (que depende principalmente da taxa de câmbio flutuar em torno do equilíbrio industrial) e do custo do capital ou taxa de juros, o qual permanece indeterminado até o presente momento. Neste capítulo apresentaremos a determinação do custo do capital, relacionando-o com a taxa de juros de longo prazo dos títulos públicos. Como será argumentado na sequencia, a taxa de juros de longo prazo, dentro de certos limites, é determinada pelas convenções prevalecentes no mercado financeiro. Nos países em desenvolvimento, inclusive os de renda média, essas convenções tendem a estabelecer um valor excessivamente alto para a taxa de juros, devido à pressão de policymakers ortodoxos que defendem taxas de juros médias elevadas com base que interessam aos capitalistas rentistas e os financistas que administram sua riqueza, usando para isso uma série de justificativas, em especial, a necessidade de se combater a inflação, e a conveniência de se evitar a “repressão financeira” – o que limita as oportunidades de investimentos lucrativos e contribui para a tendência cíclica a apreciação da taxa real de câmbio, a qual será discutida nos Capítulos 13 e 14.

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Determinantes da taxa de juros

Luiz Carlos Bresser-Pereira, Nelson Marconi e José Luís Oreiro

Capítulo 9 de Structuralist Development Macroeconomics, Londres: Routledge, a ser publicado.

No capítulo 8 vimos que a taxa de crescimento de equilíbrio de uma economia

de renda média depende da interação entre a “restrição de capacidade” – a qual

depende da taxa de investimento e da produtividade do capital. A taxa de

investimento depende das oportunidades de investimentos lucrativos (que

depende principalmente da taxa de câmbio flutuar em torno do equilíbrio

industrial) e do custo do capital ou taxa de juros, o qual permanece

indeterminado até o presente momento. Neste capítulo apresentaremos a

determinação do custo do capital, relacionando-o com a taxa de juros de longo

prazo dos títulos públicos. Como será argumentado na sequencia, a taxa de

juros de longo prazo, dentro de certos limites, é determinada pelas convenções

prevalecentes no mercado financeiro. Nos países em desenvolvimento,

inclusive os de renda média, essas convenções tendem a estabelecer um valor

excessivamente alto para a taxa de juros, devido à pressão de policymakers

ortodoxos que defendem taxas de juros médias elevadas com base que

interessam aos capitalistas rentistas e os financistas que administram sua

riqueza, usando para isso uma série de justificativas, em especial, a necessidade

de se combater a inflação, e a conveniência de se evitar a “repressão

financeira” – o que limita as oportunidades de investimentos lucrativos e

contribui para a tendência cíclica a apreciação da taxa real de câmbio, a qual

será discutida nos Capítulos 13 e 14.

A  taxa  de  juros  como  um  fenômeno  monetário  

A taxa de juros é definida como o inverso da relação existente entre uma soma

em dinheiro e o que se pode obter ao se desistir, por um período determinado

de tempo, do poder de comando proporcionado por essa soma monetária em

troca de um crédito (Keynes, 1936: 174). Definida dessa forma, a taxa de juros

é um fenômeno essencialmente monetário, estando relacionado com a

preferência pela liquidez do público, ou seja, com a proporção na qual este

deseja manter o poder de comando (renda e riqueza) sobre consumo futuro na

forma líquida imediata (moeda e substitutos próximos da mesma). Daqui se

segue que a taxa de juros nada mais é do que a recompensa que os indivíduos

exigem pela renúncia a liquidez. Quanto maior for a preferência pela liquidez

do público, maior será a taxa de juros.

Deve-se ressaltar que a taxa de juros não deve ser vista como a recompensa

pela poupança ou abstinência de consumo presente. Isso porque o poder de

comando sobre o consumo futuro pode ser igualmente mantido na forma de

moeda que não rende juros, ou seja, da moeda entesourada. Dessa forma, um

aumento da propensão a poupar não irá reduzir a taxa de juros, mas provocará

uma redução da demanda agregada e, dessa forma, do nível de emprego e de

atividade econômica.

A preferência pela liquidez, por seu turno, se origina da incerteza quanto ao

futuro da taxa de juros. Numa economia onde não existisse incerteza, ou seja,

onde os agentes econômicos pudessem prever a evolução futura da taxa de

juros, não haveria nenhuma razão pela qual os mesmos desejassem manter sua

riqueza (ou, ao menos, uma parte dela) na forma líquida imediata. Isso porque

os preços de mercado dos títulos com diferentes prazos de maturidade já

incorporam todas as mudanças previsíveis da taxa de juros futura, de tal

maneira que a “realização antecipada” de um ativo, ou seja, a venda do mesmo

antes do seu prazo de maturidade, jamais irá resultar em perda de capital para

os possuidores desses títulos. Nessas circunstâncias a moeda seria dominada

em termos de taxa de retorno pelos títulos, ou seja, em nenhuma circunstância a

moeda seria capaz de proporcionar um retorno superior ao dos títulos.

A existência de incerteza quanto à evolução futura da taxa de juros faz com

que existam circunstâncias nas quais a possibilidade de perda de capital

resultante da realização antecipada de um ativo torne a moeda um ativo mais

rentável do que os títulos. Mais precisamente, a moeda poderá proporcionar um

rendimento superior aos títulos se houver um aumento imprevisto da taxa de

juros no futuro. Nesse contexto, os possuidores de títulos sofrerão uma perda

de capital caso sejam obrigados a se desfazer dos mesmos antes do término do

prazo de maturidade.

Dado que a taxa de juros está relacionada com o prazo pelo qual o indivíduo

está disposto a abrir mão do poder de comando sobre consumo futuro, segue-se

que podemos definir um complexo de taxa de juros, ou seja, uma relação entre

o prazo de maturidade dos diferentes títulos e a taxa de juros a ele associada.

Essa relação é denominada de estrutura a termo da taxa de juros. Como a

incerteza a respeito da evolução futura da taxa de juros é tanto maior quanto

maior for o prazo de maturidade dos títulos, segue-se que os indivíduos irão

exigir, via de regra, uma recompensa maior pela renúncia a liquidez para

prazos mais longos do que para prazos mais curtos. Isso significa que os títulos

de longo prazo devem pagar um prêmio de liquidez sobre os títulos de curto-

prazo, em função da maior incerteza a que estão sujeitos. Essa relação pode ser

visualizada por intermédio da Figura 9.1 abaixo.

Figura 9.1

Com base na Figura 9.1, podemos constatar que a preferência pela liquidez

estabelece que os títulos de prazo mais longo devem proporcionar aos seus

possuidores uma taxa de juros mais alta do que os títulos de prazo mais curto.

Em outras palavras, os títulos de longo prazo devem pagar um prêmio de

liquidez sobre os títulos de curto-prazo, em função da maior incerteza a que os

primeiros estão sujeitos. Essa relação, contudo, nada nos diz a respeito dos

determinantes do complexo de taxa de juros. Tudo o que podemos inferir a

partir da Figura 8.1 é que a taxa de juros é uma função crescente do prazo de

vencimento dos títulos. Para analisar os determinantes do complexo de taxa de

juros, devemos, primeiramente, analisar a determinação da taxa de juros dos

títulos de curto-prazo, a qual é a base da estrutura a termo da taxa de juros,

razão pela qual a taxa de juros de curto-prazo pode também ser denominada de

taxa de juros básica.

Prazo de vencimento

Taxa de juros

A  determinação  da  taxa  básica  de  juros  

A taxa básica de juros é a taxa prevalecente no mercado interbancário, ou seja,

o mercado onde os bancos comerciais emprestam dinheiro uns aos outros de

maneira a atenderem as suas necessidades de liquidez. O Banco Central atua

como emprestador de última instância nesse mercado, provendo liquidez ao

sistema bancário no caso em que a demanda de liquidez por parte do mesmo

seja superior ao montante de reservas a disposição do sistema bancário como

um todo. A taxa de juros básica é, portanto, a taxa de juros na qual os bancos

comerciais podem tomar emprestado ou emprestar recursos entre si ou com o

Banco Central.

Os empréstimos realizados no mercado interbancário tem como garantia títulos

públicos de curto-prazo de maturidade. O valor da garantia depende, contudo,

do preço desses títulos e, portanto, da taxa de juros de curto-prazo. Sendo

assim, o Banco Central pode influenciar a taxa de juros de curto-prazo por

intermédio de operações de compra e venda de títulos públicos, as quais são

denominadas de operações de mercado aberto. Essas operações tem como

contrapartida contábil, a criação (no caso da compra de títulos públicos) ou

destruição (no caso da venda de títulos públicos) de base monetária.

Se o Banco Central deseja reduzir a taxa de juros de curto-prazo, então ele

deverá convencer os bancos a trocar uma parte dos títulos que possuem em

carteira pela moeda adicional que está sendo criada pela operação de mercado

aberto. Isso só será possível se os bancos acreditarem que poderão ter um

ganho de capital com essa operação. Para tanto, os bancos (ou pelo menos uma

parte deles) devem acreditar que a taxa de juros irá subir no futuro de tal forma

que a manutenção de títulos públicos em carteira levará a uma perda de capital

no curto-prazo. Isso irá acontecer se a taxa de juros oferecida pelo Banco

Central na operação de compra de títulos públicos for menor do que a taxa de

juros que os bancos acreditam que irá prevalecer no futuro próximo. Nesse

caso, os bancos irão apostar na elevação da taxa de juros e, portanto, na queda

futura dos preços dos títulos, aceitando assim vender uma parte (ou a

totalidade) dos títulos públicos que possuem em carteira para o Banco Central,

especulando assim com a possibilidade de recompra-los mais tarde a um preço

mais baixo. Se o desejo do Banco Central for o de elevar a taxa de juros, então

ele deverá convencer os bancos comerciais de que a taxa de juros irá se reduzir

no futuro com respeito ao nível prevalecente hoje. Nesse caso, os bancos irão

apostar numa elevação futura dos preços dos títulos, aceitando assim reduzir a

sua liquidez e aumentando a posição comprada em títulos públicos.

Para que o Banco Central seja capaz de fixar a taxa de juros de curto-prazo no

patamar que considerar desejável do ponto de vista da obtenção dos objetivos

da política monetária, é necessário que exista divergência de opinião entre os

bancos a respeito da evolução futura da taxa de juros. Se todos os bancos

apostarem no aumento futuro da taxa de juros (queda futura dos preços dos

títulos), então só haverá vendedores no mercado de títulos de curto-prazo, e o

preço dos títulos irá pra zero. Analogamente, se todos os bancos apostarem na

redução futura da taxa de juros (aumento do preço dos títulos), então só haverá

compradores no mercado de títulos, e será taxa de juros de curto-prazo a tender

a zero. Sendo assim, a operação normal da política monetária exige a existência

de um continuum de expectativas a respeito da evolução futura da taxa de juros

de curto-prazoi. Nesse contexto, à medida que o Banco Central reduz a taxa de

juros – e, por consequência, aumenta a base monetária – então alguns dos

bancos que antes apostavam na redução futura da taxa de juros (ou seja, na

elevação futura dos preços dos títulos) mudam sua posição, passando a apostar

na elevação futura da referida taxa. Em outras palavras, a redução gradual da

taxa de juros faz com que alguns dos bancos que antes eram “altistas” tornem-

se “baixistas”ii.

Desse razoado se segue que a fixação da taxa de juros por parte da autoridade

monetária requer a existência de uma função de demanda especulativa de

moeda (ou títulos) tal que à medida que a taxa de juros de curto-prazo se

reduza, ocorra um aumento gradual na quantidade de moeda (ou uma redução

na quantidade de títulos) que o sistema bancário como um todo deseja reter.

Essa função pode ser visualizada por intermédio da Figura 9.2 abaixo.

Figura 9.2

Se a função de demanda especulativa de moeda tiver o formato apresentado na

Figura 8.2 acima, então o Banco Central poderá fixar a taxa de juros de curto-

prazo em qualquer nível que achar conveniente, bastando para isso administrar

a demanda especulativa de moeda, transformando “altistas” em “baixistas”

quando deseja reduzir a taxa de juros, e “baixistas” em “altistas”, quando

deseja fazer o contrário. Daqui se segue, portanto, que, nas condições supostas,

a taxa de juros de curto-prazo é um fenômeno que está sob o completo controle

da autoridade monetária.

O nível da taxa básica de juros vai depender dos objetivos da política monetária

e da forma pela qual a manipulação dessa taxa permite a obtenção dos

objetivos em consideração. Sem perda de generalidade, iremos supor que a taxa

de juros de curto-prazo é exogenamente determinada com base nos objetivos da

política monetária. A determinação da taxa de juros de curto-prazo pode então

ser visualizada por intermédio da Figura 9.3 abaixoiii.

i

M

Figura 9.3

A  estrutura  a  termo  das  taxas  de  jurosiv  

Vimos na seção anterior como se dá o processo de fixação da taxa de juros básica de

uma economia capitalista. Iremos agora estender nossa análise para a determinação do

complexo de taxas de juros, ou seja, as taxas de juros de dívidas de diferentes prazos

de maturidade. A taxa básica de juros, controlada pelo Banco Central, refere-se aos

empréstimos no mercado interbancário, os quais possuem, em geral, prazo de

maturidade de um dia. A partir dessa taxa se determinam as demais taxas de juros

com base na assim chamada “teoria das expectativas da estrutura a termo”.

Consideremos inicialmente uma economia que possui apenas dois tipos de títulos, um

título de um ano de prazo de maturidade e outro título de dois anos de prazo de

maturidade. O primeiro título promete um pagamento de $100 daqui a um ano. O

segundo título, por sua vez, promete um pagamento de $100 daqui a dois anos. Para

manter o exemplo o mais simples possível, vamos desconsiderar o risco de default, ou

seja, iremos supor que não existe risco de inadimplência por parte do emissor do

título, de tal forma que ambos os títulos irão pagar o valor prometido no seu prazo de

vencimento.

Como os preços de ambos os títulos são determinados?

i

M* M

 

Seja o preço corrente do título de prazo de maturidade de um ano e o preço

corrente do título de prazo de maturidade de 2 anos. Considere ainda que a taxa de

juros nominal para aplicações de um ano (por hipótese, a mais curta aplicação

disponível nessa economia) seja igual a e que a taxa de juros de curto-prazo

esperada para daqui a um ano seja igual a .

O preço corrente do título de prazo de maturidade de um ano nada mais é do que o

valor presente de $100, descontado pela taxa de juros de um ano, ou seja:

(9.1)

Suponha agora que o investidor deseja comprar um título de dois anos de prazo

de maturidade, com o objetivo de vendê-lo ao final do primeiro ano. Seja

o preço esperado de venda do título de dois anos de prazo de maturidade, ao

final do primeiro ano. A taxa esperada de retorno para o investidor dessa

aplicação será 𝑃!,𝑡!!𝑒

𝑃!,𝑡. Supondo que o investidor é risco-neutro, segue-se

que, em equilíbrio, a taxa esperada de retorno de uma aplicação de um ano num

título de prazo de maturidade de dois anos deve ser exatamente igual a taxa de

retorno de uma aplicação de igual prazo de maturidade num título de um ano.

Temos, então, que:

1+ 𝑖𝑡 = 𝑃!,𝑡!!𝑒

𝑃!,𝑡 (9.2)

O preço de um título de um ano de prazo de maturidade daqui a um ano, por

sua vez, será determinado com base na taxa de juros de curto-prazo que se

espera para daqui a um ano, ou seja:

𝑃!,𝑡!!𝑒 = !""!!𝑖!,𝑡!!

𝑒 (9.3)

Substituindo (9.3) em (9.2) temos após os algebrismos necessários que:

𝑃!,𝑡 =!""

!!𝑖𝑡 !!𝑖!,𝑡!!𝑒 (9.4)

A expressão (9.4) mostra, portanto, que o preço de um título de dois anos de

prazo de maturidade é o valor presente descontado de $ 100 por um prazo de

dois anos, com base na taxa de juros de curto prazo corrente e no valor

esperada dessa taxa em um ano.

O próximo passo é definir o conceito de rendimento na maturidade. Define-

se o rendimento na maturidade de um título de n anos como a taxa de juros

constante que equaliza o preço corrente do título com o valor presente dos

pagamentos futuros prometidos pelo mesmo. No exemplo que estamos

considerando o rendimento na maturidade de um título de dois anos é dado por:

𝑃!,𝑡 =!""

!!𝑖!,𝑡! (9.5)

A partir as expressões (9.4) e (9.5) podemos obter a relação entre a taxa de

juros de dois anos e a taxa de juros de um ano. Com efeito, igualando as duas

expressões obtemos:

1+ 𝑖!,𝑡 = 1+ 𝑖!,𝑡 1+ 𝑖!,𝑡!!𝑒 (9.6)

O rendimento na maturidade de um título de dois anos é igual a raiz

quadrada do produto entre taxa de juros corrente de um título de um ano de

prazo de maturidade e a taxa de juros esperada desse mesmo título daqui a um

ano.

Sem perda de generalidade, a expressão (9.6) pode ser aproximada

(Blanchard, 1999, p.170) por:

𝑖!,𝑡 =!!

𝑖!,𝑡 + 𝑖!,𝑡!!𝑒 (9.7)

Em palavras: a taxa de juros de dois anos é (aproximadamente) a média

aritmética entre o valor corrente da taxa de juros de um ano e o valor esperado

para o próximo ano dessa mesma taxa.

Na derivação das expressões (9.6) e (9.7) consideramos que o investidor é

risco neutro. Contudo essa não é uma hipótese razoável. Com efeito, a compra

de um título de dois anos de prazo de maturidade traz um risco de perda de

capital para o investidor caso ocorra uma elevação não esperada da taxa de

juros ao final do primeiro ano. Nesse caso, a realização prematura desse título

irá proporcionar uma taxa de retorno menor do que a taxa inicialmente

esperada pelo investidor, qual seja 𝑃!,𝑡!!𝑒

𝑃!,𝑡 . Isso porque o preço de venda do

título de dois anos daqui a um ano será menor do que o preço esperado pelo

investidor, caso a taxa de juros ao final de um ano seja maior do que a

inicialmente esperada por ele. Dessa forma, uma elevação não prevista da taxa

de juros entre t e t+1 irá reduzir o retorno da aplicação por um ano num título

de dois anos de prazo de maturidade relativamente à aplicação pelo mesmo

prazo num título de um ano.

Com base nesse razoado podemos concluir, tal como fizemos na primeira

seção, que aplicações por prazo mais longo são mais arriscadas para o

investidor do que aplicações por prazo mais curto. Sendo assim, em equilíbrio,

o título de dois anos de prazo de maturidade deverá proporcionar ao seu

possuidor um rendimento na maturidade maior do que o valor presente dos

pagamentos prometidos pelo mesmo. Em outras palavras, o título mais longo

deve pagar um prêmio de liquidez com respeito ao título curto, em função do

risco de perda de capital envolvido na realização “prematura” do mesmo. Isso

posto, a taxa de juros do título de dois anos será dada por:

𝑖!,𝑡 =!!

𝑖!,𝑡 + 𝑖!,𝑡!!𝑒 + 𝜌 (9.8)

Onde: 𝜌 é o prêmio de liquidez dos títulos de dois anos de prazo de

maturidade.

Para o caso de um título de prazo de maturidade de n anos, o rendimento na

maturidade será dado por:

𝑖𝑛,𝑡 =!𝑛

𝑖!,𝑡 + 𝑖!,𝑡!!𝑒 +⋯+ 𝑖!,𝑡!𝑛𝑒 + 𝜌

(9.9)

A expressão (9.9) apresenta a determinação da estrutura a termo da taxa de

juros. Com efeito, a taxa de juros de longo prazo, ou seja, o rendimento na

maturidade de um título de n anos, é (aproximadamente) igual a média

aritmética entre o valor corrente da taxa de juros de curto-prazo (rendimento do

título de 1 ano) e os valores esperados para a taxa de juros de curto prazo até o

vencimento do título em consideração, acrescida do prêmio de liquidez dos

títulos de longo prazo.

Como foi visto na seção anterior, o Banco Central controla com facilidade o

valor corrente da taxa de juros de curto-prazo. Mas a taxa de juros de longo

prazo não depende apenas do valor corrente dessa taxa, como também das

expectativas que o mercado financeiro formula a respeito dos valores futuros

da taxa em consideração. Daqui se segue que o Banco Central só conseguirá

reduzir a taxa de juros de longo prazo se for capaz de administrar as

expectativas dos agentes do mercado financeiro no sentido de levá-los a

acreditar que a redução da taxa de juros de curto-prazo é de caráter

permanente. Em outras palavras, para que a redução da taxa de juros de curto-

prazo seja seguida por uma redução da taxa de juros de longo prazo é

necessário que as expectativas a respeito do valor futuro da taxa de juros de

curto-prazo também sejam reduzidas. Do contrário, o efeito sobre a taxa de

juros de longo prazo será mínimo e a política monetária se mostrará ineficaz,

haja vista que a taxa de juros relevante para as decisões de investimento é a

taxa longa, não a curta.

Convenções  e  a  taxa  de  juros  de  longo  prazo  

Vimos  na  seção  anterior  que  a  taxa  de   juros  de   longo  prazo,  ao  contrário  

da  taxa  curta,  não  está  sob  controle  direto  da  autoridade  monetária.  Mais  

especificamente,   a   taxa   longa  depende  das  expectativas  prevalecentes  no  

mercado   financeiro   a   respeito  do  valor   futuro  da   taxa  de   juros  de   curto-­‐

prazo.   Isso   significa   dizer   que   a   taxa   longa   depende   das   expectativas   a  

respeito   do   comportamento   futuro   da   política   monetária.   Como   essas  

expectativas  são  formadas?    

Para   a   teoria   neoclássica   as   expectativas   a   respeito   do   comportamento  

futuro  da  política  monetária   são   formuladas  a  partir  do   conceito  de   taxa  

natural  de  juros,  ou  seja,  o  valor  da  taxa  real  de  juros  para  a  qual  a  inflação  

é  mantida  constante  ao  longo  do  tempo,  o  que  requer  a  igualdade  entre  a  

demanda  agregada  e  o   assim   chamado   “produto  potencial”   da   economia.  

Em  outras  palavras,   a   taxa  natural  de   juros  é  o  valor  assumido  pela   taxa  

real  de   juros  quando  a  economia  opera  com  uma  taxa  de  desemprego  tal  

que   os   trabalhadores   estão   satisfeitos   com   o   salário   real   que   estão  

recebendo.  A   taxa  natural   de   juros   é   tida   como   independente  da  política  

monetária,   sendo   determinada   pela   produtividade   do   capital,   pelas  

preferências  intertemporais  das  famílias  e  pela  política  fiscal.  Dessa  forma,  

mantidas  constantes  todas  essas  variáveis,  a  taxa  natural  de  juros  também  

se  mantem   constante,   podendo   assim   atuar   como   um  benchmark   para   a  

formação   de   expectativas   a   respeito   da   evolução   futura   da   política  

monetária.  Mais  especificamente,  se  o  valor  corrente  da  taxa  real  de  juros  

for  menor   do   que   o   valor   da   taxa   natural,   então   os   agentes   econômicos  

poderão  antecipar  uma  elevação  da   taxa  de   juros  à  médio  e   longo  prazo.  

Analogamente,  se  o  valor  corrente  da  taxa  real  de  juros  for  maior  do  que  o  

valor   da   taxa   natural,   então   os   agentes   deverão   esperar   por   uma  

flexibilização  da  política  monetária,  a  qual  levará  a  uma  redução  futura  na  

taxa  de  juros  de  curto-­‐prazo.    

Do  ponto  de  vista  da  macroeconomia  estruturalista  do  desenvolvimento,  o  

conceito  de  taxa  natural  de  juros  é  um  non-­‐sense  por  se  basear  na  ideia  de  

que   existe   um   produto   potencial   que   é   independente   da   demanda  

agregada.  Conforme  argumentamos  no   capítulo  3,   as   condições  de  oferta  

da  economia  não  são  o  fator  que  limitam  a  expansão  do  nível  de  atividade  

econômica   no   longo   prazo,   haja   vista   que   tanto   a   disponibilidade   dos  

fatores  de  produção  como  o  ritmo  de  progresso  tecnológico  são  sensíveis  

às  variações  da  demanda  agregada.    

As  expectativas  a  respeito  do  comportamento  futuro  da  política  monetária  

dependem  daquilo  que  Keynes  chamou  de  “taxa  de  juros  segura”,  ou  seja,  o  

valor  da  taxa  de   juros  que  o  público  acredita  que  irá  prevalecer  no  longo  

prazo.  A  taxa  de  juros  segura  nada  mais  é  do  que  uma  convenção  social,  ou  

seja,  uma  crença  compartilhada  entre  os  agentes  econômicos  a  respeito  do  

valor   em   torno   do   qual   a   taxa   de   juros   flutua   ao   longo   do   tempo.   Em  

consequência,   países   com   condições   macroeconômicas   semelhantes  

podem  apresentar  taxas  de  juros  seguras  diferentes.    

Consideremos   que   a   taxa   de   juros   segura   numa   determinada   economia  

seja   dada   por   .   Suponhamos,   agora,   que   o   Banco   Central   inicie   um  

processo  de  flexibilização  da  política  monetária,  reduzindo  a  taxa  de  juros  

de  curto-­‐prazo  a  um  patamar   inferior  a   .  Como  a   taxa  de   juros  de   longo  

prazo  é  (aproximadamente)  igual  à  média  aritmética  entre  a  taxa  de  juros  

de  curto-­‐prazo  e  os  valores  esperados  para  essa  taxa  no  futuro,  acrescida  

do  prêmio  de   liquidez  dos  títulos   longos  sobre  os  títulos  curtos,  segue-­‐se  

que   se   a   redução   do   valor   corrente   da   taxa   de   juros   de   curto-­‐prazo   não  

levar   a   uma   redução   da   taxa   de   juros   segura,   ou   a   uma   diminuição   da  

preferência  pela  liquidez  dos  agentes  econômicos,  então  as  expectativas  a  

respeito   do   valor   futuro   da   taxa   de   juros   de   curto-­‐prazo   serão  

imediatamente  reajustadas  para  cima,  fazendo  com  que  a  taxa  de  juros  de  

longo  prazo  não  se  altere.    Nesse  caso,  a  política  monetária  será  ineficaz.    

A  esse  respeito,  Keynes  afirmava  na  sua  Teoria  Geral  que:    

A autoridade monetária controla, com facilidade, a taxa de juros a curto prazo, não só pelo fato de não ser difícil criar a convicção de que sua política não mudará sensivelmente em um futuro muito próximo, como também em virtude de a possível perda ser pequena, quando comparada com o rendimento corrente (a não ser que este chegue a ponto de ser quase nulo). Mas a taxa a longo prazo pode mostrar-se mais recalcitrante no momento em que caia a um nível que, com base na experiência passada e nas expectativas correntes da política monetária futura, a opinião abalizada considera “inseguro” (Keynes, 1936, p.203).

Isso   não   quer   dizer,   obviamente,   que   o   Banco   Central   não   seja   capaz   de  

influenciar   a   taxa   de   juros   de   longo   prazo   por   intermédio   de   variações  

apropriadas  da  taxa  de  juros  de  curto-­‐prazo.  Ele  poderá  fazê-­‐lo  desde  que  

consiga  induzir  uma  mudança  nas  expectativas  que  os  agentes  econômicos  

formulam   a   respeito   da   taxa   segura   de   juros.   Em   outras   palavras,   uma  

redução   da   taxa   de   juros   de   longo   prazo   envolve   necessariamente   a  

mudança  da  convenção  prevalecente  no  mercado  financeiro  sobre  o  valor  

da  taxa  segura.  Se  o  Banco  Central  não  for  capaz  de  produzir  uma  mudança  

nas   convenções   prevalecentes   sobre   a   taxa   de   juros   segura,   então   a  

redução   da   taxa   de   juros   de   longo   prazo   resultante   da   redução   do   valor  

corrente   da   taxa   de   juros   de   curto-­‐prazo   irá   induzir   uma   expectativa   de  

elevação  da  taxa  longa  no  futuro  próximo.  Em  função  disso,  as  expectativas  

a   respeito   dos   valores   futuros   da   taxa   de   juros   serão   reajustadas   para  

cima,   produzindo   o   realinhamento   do   valor   corrente   da   taxa   longa   na  

direção  da  taxa  de  juros  segura.      

Daqui  se  segue,  portanto,  que  uma  condição  fundamental  para  que  o  Banco  

Central   seja   capaz   de   influenciar   a   taxa   de   juros   de   longo   prazo   é   que   a  

política   monetária   tenha   credibilidade   junto   aos   agentes   econômicos.  

Credibilidade   aqui   não   significa   o   compromisso   único   e   exclusivo   da  

autoridade  monetária  com  uma  taxa  de  inflação  baixa,  como  entendem  os  

economistas   neoclássicos;   mas   deriva   do   entendimento   por   parte   dos  

agentes   econômicos   de   que   a   política   monetária   é   compatível   com   o  

interesse   público,   sendo   conduzida   com   convicção   por   parte   de   uma  

autoridade   monetária,   que   não   corra   o   risco   de   ser   alterada   por   outras  

instâncias  governamentais  (Keynes,  1936,  pp.203-­‐04).  Sendo  assim,  “uma  

política  monetária   que   a   opinião   pública   considere   experimental   em   sua  

natureza  e   facilmente   sujeita   a  mudanças  pode   falhar  no   seu  objetivo  de  

reduzir  consideravelmente  a  taxa  de  juros  a  longo  prazo”  (Ibid,  p.203).      

Nesse  contexto,  as  convenções  prevalecentes  a  respeito  do  valor  da  taxa  de  

juros   segura   podem   ser   alteradas   se   o   público   perceber   que   a   política  

monetária   é   conduzida   de   maneira   lógica   e   firme   por   parte   do   Banco  

Central   (Ibid,   p.   204).   Via   de   regra,   isso   exige   mudanças   moderadas   e  

graduais  na  taxa  de  juros  de  curto-­‐prazo,  dando  tempo  para  que  o  público  

se  acostume  com  patamares  mais  baixos  de  taxas  de  juros.    Outra  condição  

necessária   para   isso   é   que   o   nível   de   taxa   de   juros   estabelecido   pela  

convenção   não   seja   visto   pelo   público   como   baseado   em   raízes   mais  

objetivas  do  que  a  própria  convenção  (Ibid,  p.204).    

Nesse   contexto,   a   existência   de   grandes   déficits   em   conta-­‐corrente   pode  

impedir  uma  queda  da  taxa  de  juros  de  longo  prazo,  na  medida  em  que  o  

público   considerar   que   o   valor   da   taxa   de   juros   estabelecido   pela  

convenção  é  necessário  para  atrair  o  fluxo  de  capitais  externos  requerido  

para   equilibrar   o   balanço   de   pagamentos.   Sendo   assim,   a   capacidade   da  

autoridade   monetária   em   influenciar   a   taxa   de   juros   de   longo   prazo   é  

consideravelmente   reduzida  pela   adoção  do  modelo  de   crescimento   com  

poupança  externa.    

Em  suma,  o  Banco  Central  poderá  influenciar  as  convenções  prevalecentes  

a   respeito   do   valor   seguro   da   taxa   de   juros   de   longo   prazo   se   (i)   a  

autoridade  monetária  tiver  autonomia  para  conduzir  a  política  monetária  

com  base   no   interesse   público;   (ii)   a   condução   da   política  monetária   for  

realizada  de  forma  lógica  e  firme  por  parte  do  Banco  Central  (o  que  requer  

que   o   público   seja   capaz   de   entender,   não   apenas   os   objetivos   da  

autoridade   monetária,   como   também   a   estratégia   adotada   pela   mesma  

para   alcançar   esses   objetivos)   ;   (iii)   as   mudanças   efetuadas   na   taxa   de  

juros   de   curto-­‐prazo   forem   moderadas   e   graduais   e   (iv)   não   existirem  

razões  objetivas  para  a  manutenção  da  taxa  de  juros  de  longo  prazo  num  

determinado  patamar  (o  que  exige,  por  exemplo,  um  relativo  equilíbrio  na  

conta  de  transações  correntes  do  balanço  de  pagamentos).  

Taxa  de  juros  de  longo  prazo  

O   conceito   relevante  de   custo  do   capital   para   a   avaliação   econômica  dos  

projetos   de   investimento   é   o   assim   chamado   custo  médio   ponderado   do  

capital  (weighted  average  cost  of  capital  –  WACC)  que  consiste  numa  média  

entre  o   custo  de  oportunidade  do   capital  próprio  e  o   custo  do   capital  de  

terceiros,   ponderados   pela   participação   de   cada   uma   dessas   fontes   de  

financiamento  no  passivo  total  das  empresas.      

 O  custo  de  oportunidade  do  capital  próprio,  por  sua  vez,  consiste  na  soma  

entre   a   taxa   de   retorno   dos   investimentos   livres   de   risco   e   o   prêmio   de  

risco  que  os  investidores  exigem  para  investir  na  empresa.  Via  de  regra,  a  

taxa  de  retorno  dos  investimentos  livre  de  risco  consiste  no  rendimento  na  

maturidade   dos   títulos   públicos   de   longo   prazo.   Dessa   forma,   a   taxa   de  

juros  de  longo  prazo  dos  títulos  do  governo  determina  a  taxa  de  retorno  do  

capital  próprio,  sendo,  portanto,  um  dos  determinantes  do  custo  do  capital.    

O  segundo  elemento  do  custo  do  capital  é  o  custo  do  capital  de  terceiros.  O  

capital   de   terceiros   pode   ser   obtido   de   duas   formas:   por   intermédio   da  

venda  de  títulos  no  mercado  de  capitais  ou  por  intermédio  da  obtenção  de  

empréstimos   junto  ao  sistema  bancário.  A  escolha  entre  venda  de   títulos  

no  mercado  de   capitais  ou  empréstimos  bancários   como   fonte  do  capital  

de  terceiros  vai  depender  fundamentalmente  do  tipo  de  sistema  financeiro  

prevalecente   na   economia   em   consideração.   Com   base   na   tipologia  

desenvolvida   por   Zysman   (1983),   os   sistemas   financeiros   podem   ser   de  

dois  tipos,  a  saber:  baseados  no  mercado  de  capitais  ou  baseado  no  crédito.  

Nos  sistemas  financeiros  baseados  no  mercado  de  capitais,  prevalecentes,  

sobretudo,  nos  Estados  Unidos  e  no  Reino  Unido,  a  venda  de  ações  e  títulos  

no   mercado   de   capitais   é   a   principal   fonte   de   financiamento   disponível  

para   as   empresas.   Nesse   contexto,   a   fonte   mais   relevante   de   capital   de  

terceiros   será   a   venda   de   títulos.   Já   no   sistema   financeiro   baseado   no  

crédito,   prevalecentes   nos  países   da  Europa   continental   e   nos  países   em  

desenvolvimento,   o   sistema   financeiro   é   controlado   por   grandes   bancos  

(públicos  e/ou  privados)  de  tal  forma  que  os  empréstimos  bancários  são  a  

fonte  principal  do  capital  de  terceiros.    

Com   base   nesse   razoado,   o   custo   do   capital   é   determinado   com   base   na  

seguinte  expressão:  

𝑟 = 𝑖𝐿𝑃 + 𝛿 𝐾𝑃

𝐾+ 𝑖𝑡

𝐾𝑇

𝐾− 𝜋𝑒

(9.10)

Onde:    é  o  custo  médio  ponderado  do  capital,  𝑖𝐿𝑃é  a  taxa  de  juros  nominal  de  

longo   prazo,    é   o   prêmio   de   risco   específico   à   empresa,  i!  é   o   custo   do  

capital  de  terceiros,  π!  é  a  taxa  esperada  de  inflação,    é  o  capital  próprio  da  

empresa,   é  o  capital  de  terceiros,  K  é  o  capital  total  da  empresa.    

Custo  do  capital  

Um   dos   grandes   entraves   ao   desenvolvimento   econômico   dos   países   de  

renda  média  consiste  no  fato  de  que  o  custo  do  capital  nesses  países  tende  

a  ser  mais  elevado  do  que  nos  países  ricos.    Isso  não  tem  nada  a  haver  com  

uma   alegada   “escassez   de   capital”   nos   países   de   renda   média  

relativamente   aos   países   desenvolvidos,   a   qual   tornaria   o   capital  

relativamente  mais  caro  nos  primeiros  do  que  nos  últimos.  Com  efeito,  a  

taxa   de   juros   e,   por   conseguinte,   o   custo   do   capital,   é   um   fenômeno  

essencialmente   monetário,   estando   relacionado   com   as   convenções  

prevalecentes  no  mercado  financeiro.    

O  custo  do  capital  tende  a  ser  mais  elevado  nos  países  de  renda  média  do  

que   nos   países   desenvolvidos   por   outras   razões   que   não   a   “escassez  

relativa  de  capital”.  Em  primeiro  lugar,  a  taxa  de  juros  de  longo  prazo  dos  

títulos  públicos  tende  a  ser  mais  alta  no  primeiro  grupo  de  países  do  que  

no   segundo.   Isso   porque,   nos   países   de   renda   média,   os   mercados   de  

capitais   são,   em   geral,   poucos   desenvolvidos,   apresentando   um   volume  

reduzido   de   transações,   o   que   confere   baixa   liquidez   para   os   títulos   de  

prazo  mais   longov.  Dessa   forma,  os   investidores  passam  a  exigir  prêmios  

de  liquidez  mais  altos  para  títulos  longos,  o  que  resulta  numa  taxa  de  juros  

de  longo  prazo  relativamente  elevada.    Além  disso,  a  adesão  ao  modelo  de  

crescimento   com  poupança   externa,   ao   gerar   déficits   em   conta-­‐corrente,  

pode  criar  nos  agentes  econômicos  a  convicção  de  que  a  taxa  de  juros  de  

longo   prazo   precisa   ser   mantida   num   patamar   elevado   para   garantir   o  

equilíbrio  do  balanço  de  pagamentos.    

Em  segundo  lugar,  o  custo  do  capital  de  terceiros  tende  a  ser  mais  elevado  

nos  países  de  renda  média  do  que  nos  países  desenvolvidos.  Isso  porque,  

em   função   da   existência   de   fortes   economias   de   escala   e   de   escopo   na  

atividade  bancária,  o  custo  operacional  médio  da  intermediação  financeira  

é  decrescente  no  volume  de  ativos  controlado  pelo  banco.  Como  os  bancos  

dos  países  desenvolvidos  são,  em  geral,  maiores  (em  volume  de  ativos)  do  

que  os  bancos  dos  países  de  renda  média  segue-­‐se  que  o  custo  operacional  

médio  dos  últimos  será  maior  do  que  o  dos  primeiros,  fazendo  com  que  as  

taxas   de   juros   cobradas   pelos   empréstimos   realizados   pelos   bancos   dos  

países  de  renda  média  sejam  superiores  do  que  as  taxas  de  juros  cobradas  

pelos  bancos  dos  países  ricos.    

Quanto  maior   for   o   custo   do   capital,  menor   será   a   taxa   de   investimento  

para   uma   dada   configuração   de   variáveis   exógenas   (taxa   de   câmbio   de  

equilíbrio  industrial,    relação  produto-­‐capital,  grau  normal  de  utilização  da  

capacidade  produtiva  e  taxa  de  depreciação  do  estoque  de  capital).  Sendo  

assim,  tal  como  podemos  visualizar  na  Figura  9.4,  uma  elevação  do  custo  

do  capital   irá   resultar  numa  rotação  para  baixo  da  curva  que  relaciona  a  

taxa  garantida  de  crescimento  com  a  taxa  real  de  câmbio      

 

 

Figura 9.4

Efeitos de um aumento do custo do capital sobre a taxa garantida de

crescimento

 

 

 

 

 

 

 

 

Em  sintese  

Neste   capítulo   apresentamos   a   determinação   do   custo   do   capital,  

relacionando   o   mesmo   com   a   taxa   de   juros   de   longo   prazo   dos   títulos  

públicos.   Argumentamos   ao   longo   deste   capítulo   que   embora   o   Banco  

Central   tenha   total   liberdade  para  colocar  a   taxa  de   juros  de  curto-­‐prazo  

θ

g

 

 

no  patamar  que  achar  mais  conveniente,  o  mesmo  não  acontece  com  a  taxa  

de  juros  de  longo  prazo,  a  qual  depende,  em  larga  medida,  das  convenções  

prevalecentes  no  mercado  financeiro  a  respeito  do  valor  da  taxa  segura  de  

juros.   O   Banco   Central   poderá   influenciar   essas   convenções   se   (i)   a  

autoridade  monetária  tiver  autonomia  para  conduzir  a  política  monetária  

com  base   no   interesse   público;   (ii)   a   condução   da   política  monetária   for  

realizada  de  forma  lógica  e  firme  por  parte  do  Banco  Central  (o  que  requer  

que   o   público   seja   capaz   de   entender,   não   apenas   os   objetivos   da  

autoridade   monetária,   como   também   a   estratégia   adotada   pela   mesma  

para   alcançar   esses   objetivos)   ;   (iii)   as   mudanças   efetuadas   na   taxa   de  

juros   de   curto-­‐prazo   forem   moderadas   e   graduais   e   (iv)   não   existirem  

razões  objetivas  para  a  manutenção  da  taxa  de  juros  de  longo  prazo  num  

determinado  patamar  (o  que  exige,  por  exemplo,  um  relativo  equilíbrio  na  

conta  de  transações  correntes  do  balanço  de  pagamentos).      

Argumentamos   também  que  o   custo  do   capital   tende   a   ser  mais   elevado  

nos  países  de  renda  média  do  que  nos  países  desenvolvidos,  não  por  uma  

alegada  “escassez  de  capital”  nos  primeiros  relativamente  aos  últimos,  mas  

devido  a  menor  organização  e  desenvolvimento  dos  mercados  de  capitais  

nos  países  de  renda  média,  o  que  atua  no  sentido  de  aumentar  o  prêmio  de  

liquidez   exigido   pelos   investidores   para   a   compra   de   títulos   de   longo  

prazo.  Além  disso,  como  os  bancos  dos  países  de  renda  média  operam  com  

uma  escala  menor  do  que  os  bancos  dos  países  ricos,  o  custo  operacional  

médio  dos  primeiros  tende  a  ser  mais  elevado,  fazendo  com  que  o  custo  do  

capital   de   terceiros   seja  mais   alto   do   que   nos   países   ricos.   Por   fim,   não  

podemos  deixar  de  ressaltar  que  a  adesão  de  alguns  países  de  renda  média  

ao  modelo  de  crescimento  com  poupança  externa  também  atua  no  sentido  

de  aumentar  a   taxa  de   juros  que  é  percebida  pelo  público  como  “segura”  

no  longo  prazo.    

i No caso do mercado de títulos de curto-prazo é razoável supor a existência de divergência considerável de opinião a respeito da evolução futura da taxa de juros. Isso porque os demandantes desses títulos são, em geral, bancos/especuladores que estão mais interessados na obtenção de ganhos de capital de curto-prazo do que em rendimentos de longo prazo. O mesmo não ocorre, contudo, no mercado de títulos de longo prazo, os quais são demandados fundamentalmente por investidores institucionais (fundos de pensão, seguradoras, etc), que estão mais interessados no rendimento advindo da posse desses títulos, do que nos ganhos que podem ser obtidos com a compra e venda dos mesmos. Nesse mercado, podemos esperar uma convergência maior de opiniões, sendo inclusive possível a formação de uma convenção a respeito do valor futuro da taxa de juros de longo prazo. A esse respeito ver Chick (2010, cap.11) ii Deve-se ressaltar que os termos “altista” e “baixista” referem-se, respectivamente, a expectativa de elevação e redução dos preços dos títulos. iii Cabe ressaltar que ao supor a exogeneidade da taxa de juros de curto-prazo, estamos assumindo implicitamente que a oferta de moeda é endógena. iv Esta seção baseia-se largamente em Blanchard (199, cap. 9) v Indicadores sobre o nível de desenvolvimento financeiro de uma economia podem ser obtidos em Demirguç-Kunt, A; Ross, L. (1996). “Stock market development and financial intermediaries: stylized facts”. World Bank Economic Review, Vol. 19, N.2.