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1 Direitos Humanos para a juventude: o olhar trabalhista sobre cidadania e maioridade penal Wendel Pinheiro 1 O enfoque do trabalhismo para os direitos sociais de crianças 2 , adolescentes e jovens sempre foi uma tônica que perpassou desde a Era Vargas, passando por governos liderados pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) no período pré-1964 e, principalmente, nas ações promovidas pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), em seus documentos, ações governamentais e princípios doutrinários. Para isto, é preciso analisar não apenas a realidade social histórica no país, mas abordar as ações do trabalhismo neste sentido. Quais as medidas efetivas que os governos trabalhistas, em maior ou menor grau, atuaram para defender tais princípios. Mais ainda: quais os princípios ideológicos pelas quais o trabalhismo passaria a defender os direitos infanto-juvenis, no prisma da justiça social e da dignidade da pessoa humana. Sem o olhar na História do Brasil Republicano, torna-se bastante temerário pontuar sobre as posições do trabalhismo ao longo deste processo histórico, sob a pena de reduzir o tema da cidadania (inserindo também a agenda da maioridade penal) a um mero olhar normativo do Direito, sem levar em consideração as questões históricas, sociológicas, econômicas e políticas envolvidas sobre o tema. 1) O tratamento dos jovens na Primeira República e a Era Vargas É preciso delinear que o tema sobre os Direitos Humanos não era sequer concebido no período compreendido pela Primeira República. É preciso afirmar que a Constituição de 1891, logo após o Golpe da República, mal faria menção aos direitos da juventude, diante do caráter patriarcal ainda existente no Brasil reproduzindo a lógica da Constituição de 1824 3 . No máximo, a Constituição de 1891 tratou algo implícito no Art. 78 4 que, bem ou mal, atingiria os jovens e crianças residentes no país. A maioridade penal, presente no Código Penal de 1890 5 com o Decreto n° 847 de 11 de outubro de 1890 , estaria abordada em seu Art. 27, §§ 1º e 2º, destacando-se, em especial, a não consideração a crime para menores de 9 anos de idade. Em outras palavras, dos 9 anos em diante, a possibilidade de condenação a um crime se tornava efetivo. Ou, também, para as crianças e adolescentes que, entre os 9 e 14 anos, praticassem o crime sem qualquer entendimento. Em outras palavras, se a criança de 9 anos passava a ter a condição potencial de criminoso, a efetividade da maioridade penal aos 15 anos se tornava óbvia. Repito: 15 anos! A inexistência de legislações que aprofundassem o tema permitia a possibilidade de violação à dignidade da criança e do adolescente, coonestada pelo Código Penal de 1890. Igualmente, com o advento do movimento operário, quaisquer reivindicações no campo dos Direitos Sociais eram vistos como crime. O Estado da Primeira 1 Historiador e Membro do Diretório Nacional do PDT. Integra a seção estadual fluminense e a metropolitana carioca da Fundação Leonel Brizola/Alberto Pasqualini. 2 Como Leonel Brizola diria em uma de suas máximas, “direitos iguais para todos: privilégios só para as crianças.” 3 Principalmente a prevista no Art. 179, XXXII da Constituição de 1824 que versa, a saber: A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. (...) A Instrução primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.Conferir em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm , acessado no dia 04 de abril de 2015, às 18:22h. 4 Ela menciona, a saber: “A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna. 5 Mais detalhes, conferir em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086- publicacaooriginal-1-pe.html , acessado no dia 04 de abril de 2015, às 18:30h.

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Direitos Humanos para a juventude: o olhar trabalhista sobre cidadania e maioridade penal

Wendel Pinheiro1 O enfoque do trabalhismo para os direitos sociais de crianças2, adolescentes e jovens sempre foi uma tônica que perpassou desde a Era Vargas, passando por governos liderados pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) no período pré-1964 e, principalmente, nas ações promovidas pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), em seus documentos, ações governamentais e princípios doutrinários. Para isto, é preciso analisar não apenas a realidade social histórica no país, mas abordar as ações do trabalhismo neste sentido. Quais as medidas efetivas que os governos trabalhistas, em maior ou menor grau, atuaram para defender tais princípios. Mais ainda: quais os princípios ideológicos pelas quais o trabalhismo passaria a defender os direitos infanto-juvenis, no prisma da justiça social e da dignidade da pessoa humana. Sem o olhar na História do Brasil Republicano, torna-se bastante temerário pontuar sobre as posições do trabalhismo ao longo deste processo histórico, sob a pena de reduzir o tema da cidadania (inserindo também a agenda da maioridade penal) a um mero olhar normativo do Direito, sem levar em consideração as questões históricas, sociológicas, econômicas e políticas envolvidas sobre o tema.

1) O tratamento dos jovens na Primeira República e a Era Vargas É preciso delinear que o tema sobre os Direitos Humanos não era sequer concebido no período compreendido pela Primeira República. É preciso afirmar que a Constituição de 1891, logo após o Golpe da República, mal faria menção aos direitos da juventude, diante do caráter patriarcal ainda existente no Brasil – reproduzindo a lógica da Constituição de 18243. No máximo, a Constituição de 1891 tratou algo implícito no Art. 784 que, bem ou mal, atingiria os jovens e crianças residentes no país. A maioridade penal, presente no Código Penal de 18905 – com o Decreto n° 847 de 11 de outubro de 1890 –, estaria abordada em seu Art. 27, §§ 1º e 2º, destacando-se, em especial, a não consideração a crime para menores de 9 anos de idade. Em outras palavras, dos 9 anos em diante, a possibilidade de condenação a um crime se tornava efetivo. Ou, também, para as crianças e adolescentes que, entre os 9 e 14 anos, praticassem o crime sem qualquer entendimento. Em outras palavras, se a criança de 9 anos passava a ter a condição potencial de criminoso, a efetividade da maioridade penal aos 15 anos se tornava óbvia. Repito: 15 anos! A inexistência de legislações que aprofundassem o tema permitia a possibilidade de violação à dignidade da criança e do adolescente, coonestada pelo Código Penal de 1890. Igualmente, com o advento do movimento operário, quaisquer reivindicações no campo dos Direitos Sociais eram vistos como crime. O Estado da Primeira

1 Historiador e Membro do Diretório Nacional do PDT. Integra a seção estadual fluminense e a metropolitana carioca da Fundação Leonel Brizola/Alberto Pasqualini. 2 Como Leonel Brizola diria em uma de suas máximas, “direitos iguais para todos: privilégios só para as crianças.” 3 Principalmente a prevista no Art. 179, XXXII da Constituição de 1824 que versa, a saber: “A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. (...) A Instrução primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.” Conferir em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm, acessado no dia 04 de abril de 2015, às 18:22h. 4 Ela menciona, a saber: “A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e

direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna.” 5 Mais detalhes, conferir em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html, acessado no dia 04 de abril de 2015, às 18:30h.

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República, de viés elitista e policial, reprimia as manifestações, consideradas como “casos de polícia” – atingindo não apenas os operários adultos, como também os jovens. Isto chegaria ao ápice com movimentos reivindicatórios como as Greves Gerais entre 1917 e 1918, ocorridas no Rio de Janeiro, em São Paulo6, Porto Alegre, Pelotas7 e Salvador8. A criminalização dos jovens operários, sem dúvida, era um fato corriqueiro e não havia medidas de reeducação às crianças e adolescentes – salvo a partir de 1923, com o surgimento do primeiro juizado de menores no país e da América Latina. De quebra, haveria o surgimento do Código de Menores9 no fim da Primeira República, em 12 de outubro de 1927, essencialmente destinado para os menores abandonados e delinquentes, isto é, jovens em situação de extrema vulnerabilidade social. Vale atentar que, neste período, a idade mínima permitida para trabalhar era de 12 anos, de acordo com o Art. 4° do Decreto n° 1313 de 17 de janeiro de 189110. Com o advento da Revolução de 1930 e a posse de Getúlio Vargas, uma das ações imediatas de seu governo residiu na priorização dos Direitos Sociais como a marca de sua gestão. Inicialmente, a Consolidação das Leis Penais11 de 1932, alterava o sentido da inimputabilidade do jovem até 14 anos. A partir desta nova legislação, ela se dava não mais pelo viés do discernimento, mas pelo critério de fundo biológico, condicionando a punição ao adolescente ao estar ou não em estágio de loucura, reproduzindo o Art. 68 do Código Penal de 1890. Este código seria mantido até a criação do Código Penal12 em 07 de dezembro de 1940, cuja maioridade penal estaria situada a partir dos 18 anos, de acordo com o Art. 27 do mesmo Código13. Como o conceito de juventude na Era Vargas não existia nos moldes da concepção sobre a mesma faixa etária a partir da década de 1980 no Brasil, a visão de inserção do adolescente e/ou do jovem na vida social e política do país se dava a partir de sua condição enquanto ser social, integrado no mundo do trabalho. A concepção do trabalho como elemento de dignificação do indivíduo e de pertencimento do mesmo ao desenvolvimento do país estaria como uma das principais vertentes ideológicas do varguismo ao longo de seu primeiro governo14, entre 1930 e 1945.

6 Não colocarei as referências sobre a Greve Geral de 1917 em São Paulo e a Insurreição de 1918 no Rio de Janeiro, diante da farta produção acadêmica sobre o assunto e o debate historiográfico sobre o tema. 7 Conferir o artigo de BARTZ, Frederico Duarte. Solidariedades impressas (1917-1920): o jornalismo operário como forma de ligação entre o movimento operário gaúcho e os trabalhadores organizados do centro do país no período das grandes greves, em http://eeh2008.anpuh-rs.org.br/resources/content/anais/1212413760_ARQUIVO_textoanpuhrs.pdf, acessado no dia 04 de abril de 2015, às 19:29h. Ver também o trabalho de QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. Estratégias e identidades: relações entre governo estadual, patrões e trabalhadores nas grandes greves da Primeira República em Porto Alegre (1917-1919). Tese (Doutorado em História). Porto Alegre: UFRGS, 2012. 8 Principalmente no inédito trabalho acadêmico de CASTELUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Salvador dos operários: Uma história da Greve Geral de 1919 na Bahia. Dissertação (Mestrado em História). Salvador: UFBA, dez 2001. 9 No caso, o Decreto 17.943-A, em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm, acessado no dia

04 de abril de 2015, às 20:45h. 10 Conferir o Decreto 1313 em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1313-17-janeiro-1891-498588-publicacaooriginal-1-pe.html, acessado no dia 06 de abril de 2015, às 00:16h. 11Com o Decreto 22.213 de 14 de dezembro de 1932, da autoria do Desembargador Vicente Piragibe. Conferir mais detalhes em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D22213.htm, acessado no dia 05 de abril de 2015, às 03:32h. 12 No caso, o Decreto-Lei 2848/1940, de autoria intelectual de Francisco Campos. 13 Inicialmente, isto constava no Art. 23 do Código Penal. Porém, com as alterações nos artigos iniciais através da Lei 7209 de 11 de julho de 1984, a inimputabilidade passaria a estar no Art. 27. 14 Entre as obras que abordam o papel central dos trabalhadores no discurso e na prática governamental de Getúlio Vargas, conferir as obras de FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil, o imaginário popular. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1997 e de GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005.

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Portanto, a promoção do bem-estar dos trabalhadores estava acoplada ao projeto de Estado-Nação e a inserção dos adolescentes e jovens a esta concepção se passava diretamente no mundo do trabalho – iniciado a partir de decretos ao longo do governo varguista até a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)15, em 1º de maio de 1943 que, dentre outras medidas, normatizava o trabalho dos menores de 18 anos, proibindo o trabalho a partir de menos de 14 anos de idade no Art. 40316, além de inserir regras para o trabalho de menores entre os Arts. 402 e 432 como, por exemplo, a conclusão mínima deste menor no Ensino Primário e a aptidão física e mental para o exercício do trabalho, além de perda diária da parte do salário por justificação não condizente diante da ausência nos cursos de aprendizagem e até a dispensa do menor na condição de aprendiz em caso de contínua reincidência nas faltas ou do não aproveitamento razoável no curso. Seja como for, ainda que não houvesse regras específicas no âmbito dos direitos da criança e do adolescente, não apenas o Código Penal de 1940 como principalmente a CLT e iniciativas afins no campo do apoio dos marginalizados17 resguardou não apenas os maiores de 18 anos, como também os menores a partir da ótica do trabalho como o elemento legitimador deste jovem ou do adolescente na participação do crescimento brasileiro. Isto passaria a se tornar o modus operandi para a inserção deste jovem na “vida adulta” através do trabalho como passaporte para o exercício de sua cidadania, em toda a plenitude.

2) A maioridade penal do jovem entre a experiência democrática, a era ditatorial e a redemocratização: os dilemas e desafios

Com o advento do período democrático após o Estado Novo, uma nova Constituição em 1946 versava sobre os direitos e garantias individuais e políticas. Os novos tempos pediam uma maior abertura. Os horrores da II Guerra Mundial com o genocídio de mais de 5 milhões de judeus pelo governo nazista de Adolf Hitler colocaram na pauta

15 Conferir o Decreto-Lei 5452 de 1° de maio de 1943 em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm, acessado no dia 05 de abril de 2015, às 04:05h. Sobre a criação da CLT, vale à pena ler atentamente a obra inédita de BIAVASCHI, Magda Barros. O direito do trabalho no Brasil – 1930/1942: a construção do sujeito de direitos trabalhistas. Tese (Doutorado em Economia). Campinas: UNICAMP, 2005. 16 Com exceção, no parágrafo único do mesmo artigo, aos menores de 14 anos que pertenciam os alunos ou internados em instituições que viessem a ministrar exclusivamente o ensino profissional e as que tivessem um caráter de cunho beneficente ou que fossem diretamente fiscalizadas pelo Poder Público. Isto passou a ser alterado no Regime Autoritário Pós-1964, com a criação do Decreto-Lei n° 229 de 28 de fevereiro de 1967, caindo a proibição de trabalho para a idade inferior a 12 anos e delimitando o trabalho dos adolescentes de 12 a 14 anos a partir de dois requisitos: 1) A garantia mínima de frequência à escola para assegurar a formação deste adolescente no Ensino Primário e 2) Trabalhos ou serviços leves que não comprometessem o seu desenvolvimento e à sua saúde. Isto apenas foi abolido através da Lei 10097/2000 que regulamentaria a lei do aprendiz, passando a proibir o trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz aos 14 anos. A regulamentação da contratação de aprendizes estaria no Decreto n° 5598 de 1° de dezembro de 2005, compreendendo a faixa etária entre 14 e 24 anos, conforme o descrito em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5598.htm, acessado no dia 05 de abril de 2015, às 04:25h. Este decreto suprimiu o Decreto n° 31.546 de 06 de outubro de 1952 que limitava a faixa etária do aprendiz entre 14 e 18 anos, presente em cursos como o SENAI, SENAC ou cursos afins em lugares onde não existissem sequer um destes órgãos, de acordo com a disposição dos seus artigos em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D31546.htm, acessado no dia 05 de abril de 2015, às 04:29h. A complementação da função de aprendizes também está no Art. 18 da Lei 11.180 de 23 de setembro de 2005, alterando pontos da CLT, em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11180.htm, acessado no dia 05 de abril de 2015, às 04:44h. 17 Como, por exemplo, a criação de órgãos de cunho assistencial como a Legião Brasileira de Assistência (LBA), a Casa do Pequeno Trabalhador, a Casa do Pequeno Jornaleiro, a Casa do Pequeno Lavrador e o Serviço de Assistência ao Menor (SAM). Este último, criado em 05 de novembro de 1941 através do Decreto-Lei n° 3799, era subordinado ao Ministério da Justiça e visava apoiar os jovens de menores pobres, no campo ou na cidade, qualificando-os e capacitando-os profissionalmente, além de atuar em relação aos infratores com o viés correcional através dos internatos, via casas de correção e reformatórios. Conferir maiores detalhes em http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=87272, acessado no dia 06 de abril de 2015, às 00:41h.

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política mundial uma agenda inédita: a dos Direitos Humanos18. A partir deste tema, uma série de ações veio a ser impressa no sentido de salvaguardar o indivíduo como, por exemplo, a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 10 de dezembro de 1948, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU)19 e elas se estenderiam no decorrer dos anos, através do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos existentes em 1966 – além, é claro, de outras considerações posteriores sobre os Direitos Humanos20. No Brasil dos pós-1945, os Direitos Humanos estiveram associados diretamente ao aumento das demandas dos direitos sociais. O crescimento do Brasil e o olhar no país do futuro passavam diretamente pela construção de uma agenda nacional-reformista que pautava as mudanças profundas na estrutura social, econômica e política do país, sob a forte participação dos trabalhadores. Uma parcela dos jovens estava envolvida no movimento estudantil nas entidades discentes secundaristas e universitárias; outra parcela representativa atuava no movimento sindical, reivindicando por mais direitos e por uma participação maior nos rumos do Brasil. Entretanto, após o Golpe Civil-Militar de 196421, os jovens oposicionistas ao regime autoritário vigente passavam a se tornar um objeto privilegiado para os atos de viés repressivo, considerados como “subversivos” na Doutrina de Segurança Nacional22. Os constantes atos institucionais e complementares, adicionados com outras medidas jurídicas como a Lei Suplicy de Lacerda23, tentavam cercear não só os direitos políticos, como até os individuais daqueles que fossem considerados como os “inimigos” do regime. Em outra frente, a repressão frente aos jovens marginalizados ocorria extralegalmente, ainda que houvesse políticas de governo que tentassem subsidiar o controle aos menores (infratores ou não). Uma das ações consistiu na criação, em 1° de dezembro de 1964, na formação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), com a Lei 4513/6424. Já a outra, no início da redemocratização, esteve na criação do Código de Menores em 10 de outubro de 1979, com a Lei 6697/79, regulamentando para menores de 18 anos e entre 18 e 21 anos nos casos expressos em lei25. Este Código de Menores em 1979, na prática, revisava vários pontos do Código de Menores de 1923, adequando-o à realidade vigente, sem que houvesse a alteração no que tange à repressão e os atos

18 Embora existissem documentos importantes que versassem sobre os Direitos Humanos, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França (1789) e a Carta de Direitos nos EUA (1791), o assunto não tinha o mesmo significado e abrangência como foi tido no pós-1945. O viés universal dos Direitos Humanos se associa diretamente aos traumas provocados pela II Guerra Mundial. 19 A Declaração se encontra em http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf, acessado no dia 5 de abril de 2015, às 13:11h. No que tange aos Direitos Humanos atingirem direta ou implicitamente as crianças e os adolescentes, conferir os Arts. I, II, item 1, VII, XXV, XXVI, e XXIX. No que tange ao Art. XVI, item 3, um detalhe: o Estado tem a obrigação de cuidar e proteger a família, assegurando todos os seus direitos sociais. 20 Principalmente aos Direitos Humanos (no olhar da liberdade, da igualdade e da fraternidade) colocados por Karel Vasak, olhados com a perspectiva linear de gerações. Sobre a explicação e o debate sobre as gerações históricas no âmbito dos Direitos Humanos, conferir o trabalho de MARQUES, Luis Eduardo Rodrigues. Gerações de direitos: fragmentos de uma construção dos Direitos Humanos. Dissertação (Mestrado em Direito). Piracicaba: UNIMEP, 2007. Conferir também BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. pp. 562-575. 21

Sobre o debate historiográfico sobre o Golpe Civil-Militar de 1964, destacar a abordagem feita pelo historiador FICO, Carlos. Além do golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Record, 2004; ___________. Versões controversas sobre 1964 e a ditadura militar. São Paulo: Revista Brasileira de História, Vol. 24, n° 47, 2004, pp. 29-60. 22 Os conceitos formulados pela Doutrina de Segurança Nacional estavam presentes no Decreto-Lei n° 314 de 13 de março de 1967 e complementados com o Decreto-Lei n° 898, de 29 de setembro de 1969, logo após a elaboração do AI-5. 23 A Lei 4464/64 que tentava colocar a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as demais entidades filiadas como ilegais. 24

Mais detalhes sobre a lei em questão, vide em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4513-1-dezembro-1964-377645-publicacaooriginal-1-pl.html, acessado no dia 06 de abril de 2015, às 00:57h. 25 Vide em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6697.htm, acessado no dia 6 de abril de 2015, às 01:06h.

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arbitrários diante dos menores; além, é claro, de pontos associados ao caráter meramente assistencialista. A ênfase na autoridade judiciária no decorrer do Código de Menores de 1979 se assemelha, em muitos momentos, ao de 1923. Ainda assim, mesmo em meio a estas medidas, uma série de apontamentos, considerações e estudos na academia, a partir da década de 1970 no campo das Ciências Sociais e do Serviço Social, passava a questionar as situações vivenciadas por menores, entre os marginalizados pela violência e os abandonados. A vulnerabilidade da população infanto-juvenil permitiu o ineditismo na produção acadêmica, a partir da segunda metade da década de 1970 em diante, no olhar diferenciado sobre o tema. A Constituição de 1988, considerada como a “Constituição Cidadã”, avançou sobre esta pauta, após os debates travados na Assembleia Nacional Constituinte e com a participação de diversos grupamentos organizados da sociedade civil, no que tange ao apoio para as crianças e os adolescentes. O esforço concentrado dos movimentos sociais e as pressões sobre os parlamentares resultaram na criação do Art. 227 da Constituição, promovendo a plena proteção à população infanto-juvenil como portadora de direitos – em especial, baseados na Doutrina de Proteção Integral, contrapondo-se diretamente à corriqueira Doutrina Jurídica da Situação Irregular26. Sem dúvida, uma conquista histórica e um marco na concepção de que as crianças e os adolescentes possuem cidadania para exercer os seus direitos, em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O resultado que coroou as demandas sociais aos menores residiu na formação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 13 de julho de 1990, com a Lei 8069/90, com a expressão dos direitos dos menores, inclusive até na menção no viés punitivo para os atos infracionais cometidos ao extremo, visando promover medidas sócio-educativas no escopo de seus artigos, parágrafos e incisos.

3) Os dados atuais: a redução da maioridade penal é a solução para o povo brasileiro?

Passado o período da Nova República e mesmo com os avanços sociais da Era Lula/Dilma como o contraponto às medidas neoliberais na Era FHC, o aumento nos índices de violência tem promovido uma série de debates – por vezes provocados pelos setores conservadores situados na “bancada da bala”27 e estendido aos setores da sociedade civil. Debates que resultaram na votação pelo referendo do desarmamento em 2005 e que se estendem até à aplicação rigorosa das leis penais ou, na “ineficácia” dele, pela revisão do Código Penal, no sentido, segundo os seus defensores, de atualizá-las, com o olhar segregacionista para o preso e sem levar em conta pontos como o expresso no Art. 41 da Lei de Execução Penal28. No entanto, no campo à esquerda, os temas como o respeito aos Direitos Humanos e a falência do sistema prisional brasileiro, favorecendo a proliferação, a coesão e o fortalecimento das facções criminosas, são pautas colocadas para contra-argumentar diante das justificativas no campo conservador ou mesmo autoritário. Os avanços sociais produzidos efetivamente a partir de meados da década de 2000 em diante, ainda que tenham avançado com os índices sociais e econômicos, não dão conta das graves distorções sociais que desembocam para o campo da criminalidade. Por sua vez, o anacronismo do sistema penitenciário brasileiro não dá conta das

26 Uma explicação rápida sobre as doutrinas e os respectivos contextos histórico-políticos em que eles se desenvolveram está no artigo de CUSTÓDIO, André Viana. Teoria da proteção integral: pressuposto para compreensão do direito da criança e do adolescente, em https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/viewFile/657/454, acessado no dia 6 de abril de 2015, às 01:24h. 27 Nome dado para a bancada da segurança pública no Congresso Nacional. 28

Ou a Lei 7210/84, presente em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm, acessado no dia 6 de abril de 2015, às 13:08h. O Art.41 da Lei de Execução Penal trata sobre os direitos do preso, mesmo em meio à privação de sua liberdade, como alimentação suficiente e vestuário, atribuição de trabalho e remuneração, previdência, tempo para o trabalho, lazer e recreação, exercício de atividades profissionais compatíveis com a pena; assistência médica, jurídica e religiosa e outros pontos no campo dos Direitos Humanos.

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questões exigidas pelo Brasil – principalmente para promover a ressocialização ou a reeducação social e reinserção do preso29 ao seio da sociedade civil. A violação grave dos Direitos Humanos nos presídios brasileiros reproduz a violência e ainda a agrava. E o Poder Público não é capaz de promover ações efetivas de longo prazo, visando transformar este quadro caótico vigente. A defasagem e a desvalorização salarial de profissionais de segurança para dar conta de todo o aparato existente na Segurança Pública são elementos que volta e meia são negligenciados e que são reiterados nos dados fornecidos – incluindo os mais recentes, como os Anuários Brasileiros de Segurança Pública de 201230 e de 201331. Nos dados mais recentes, presentes no estudo de 2013, a população carcerária no Brasil é de 574.027 presos32. Do atual contingente, é preciso citar que o número de vagas disponíveis no sistema prisional brasileiro é de 317.733, havendo até então um déficit de 256.294 vagas. Em outras palavras, o déficit corresponde ao quantitativo de 80,66% do atual sistema prisional. Seria necessário praticamente dobrar tal sistema para atender toda a população carcerária do país. É preciso ressaltar que o crescimento da população carcerária entre 1990 e 2013 correspondeu ao total de 508%. Porém, com a fomentação de medidas no âmbito da justiça social na Era Lula/Dilma, entre 2003 e 2013, o aumento no índice na mesma população carcerária foi de 83%33. Os presos em atividades educacionais constituem-se em 58.750 (10,92%). Ainda com os dados de 2013, enquanto existem 12,19% de alfabetizados (65.567 presos), 43,97% possuem o Ensino Fundamental (236.519 presos), contra 5,1% de analfabetos (27.468 presos)34. A soma deste contingente representa a cifra de 72,18% – isto é,

29 Conferir na íntegra o instigante artigo para abordagem e reflexão, feita por FIGUEIREDO NETO, Manoel Valente (org). A ressocialização do preso na realidade brasileira: perspectiva para as políticas públicas, em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6301, acessado no dia 6 de abril de 2015, às 13:13h. 30 Conferir mais dados, observações e detalhes sobre o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2012 em http://www.observatoriodeseguranca.org/files/Anu%C3%A1rio%20do%20F%C3%B3rum%20Brasileiro%20de%20Seguran%C3%A7a%20P%C3%BAblica%20-%202012.pdf, acessado no dia 06 de abril de 2015, às 12:37h. Ou também o artigo de SANTOS, Maria Alice Miranda dos & RODRIGUES, Gustavo Bernardes. A ressocialização do preso no Brasil e as suas consequências para a sociedade. E-civitas Revista Científica do Departamento de Ciências Jurídicas, Políticas e Gerenciais do UNI-BH Belo Horizonte, vol. III, n. 1, jul-2010, pp. 01-46. 31 Ver em http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2013-corrigido.pdf, acessado no dia 6 de abril de 2015, às 12:39h. 32 Os dados pormenorizados sobre o sistema prisional brasileiro estão contidos em http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/ce/arquivos/seminario-educacao-no-sistema-prisional, acessado no dia 04 de abril de 2015, às 20:09h. Provavelmente, ele atualiza os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cuja última versão é de 2012 e aborda com minuciosidade os dados comparativos entre 2010 e 2011. Já o Instituto Avante Brasil trata sobre o perfil dos presos no Brasil em 2012, cujo contingente era de 548.003 presos – correspondendo à ordem de 287 presos para cada 100 mil habitantes. Ver em http://institutoavantebrasil.com.br/perfil-dos-presos-no-brasil-em-2012/, acessado no dia 05 de abril de 2015, às 06:12h. 33 Principalmente na compilação detalhada de dados sobre a população carcerária, contidos em https://s3-sa-east-1.amazonaws.com/staticsp.atualidadesdodireito.com.br/iab/files/2014/01/LEVANTAMENTO-SISTEMA-PENITENCIA%CC%81RIO-2012.pdf, acessado no dia 5 de abril de 2015, às 06:20h. 34No mesmo Instituto Avante Brasil, ao tratar sobre os dados de 2012, afirmou que 94,5% dos presos são do sexo masculino, contra apenas 5,5% do feminino. Os que possuíam Ensino Fundamental Incompleto eram 50,5% dos presos, contra apenas 13,6% que concluíram o Fundamental. Somados os incompletos e completos neste ensino, o percentual chega a 64,1% – ou seja, quase 2/3 de todos os presos. Os analfabetos apenados constituem-se em 6,1%, inferior a taxa nacional de analfabetismo em 2012 de 8,7%, de acordo com o PNAD (conforme http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/09/indice-de-analfabetismo-para-de-cair-e-fica-em-87-diz-pnad.html, acessado no dia 05 de abril de 2015, às 06:26h). O índice de jovens entre 18 e 24 anos está em 29,8%, enquanto que os de 25 a 29 anos atinge o patamar de 25,3%. Em outras palavras, a junção destes jovens alcança mais da metade de todos os presos, com 55,1%. O percentual de pardos presos é de 43,7%, contra 17% de negros e 35,7% de brancos – onde há, principalmente, a diferença étnico-racial comparada com a estimativa do PNAD em 2012, segundo http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/09/populacao-parda-aumenta-e-branca-cai-no-pais-segundo-pnad.html, acessada no dia 05 de abril de 2015, às 06:33h. Ainda assim, a tese corrente de que o perfil dos presos no Brasil é geralmente jovem, com baixa escolaridade e de cor parda faz sentido. Um detalhe: o percentual de negros nas prisões, se comparado com a população brasileira no PNAD, ultrapassa o dobro do percentual de negros que compõem a

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quase ¾ dos apenados possuem nenhum ou baixo índice de escolaridade. Em 2012, apenas 9% de toda a população carcerária praticou alguma atividade educacional. Destes que estudavam, 61% faziam o Ensino Fundamental35. Contando hipoteticamente que, de acordo com o UNICEF, apenas 1% dos que cometem homicídios no Brasil é jovem abaixo dos 18 anos36. Vale atentar que, dentre os que praticam homicídios, eles se constituem em apenas 8,4% de todos os atos infracionais cometidos por menores de 18 anos37. Somando-se a estes dados, os menores de 16 e de 17 anos são 16.014 pessoas no universo de 20.532 internados, representando o contingente de 3% no total da população carcerária no Brasil. É preciso também atentar para os gastos para a manutenção do preso. Enquanto que, nos dados de agosto de 2014, os presos nas penitenciárias estaduais custam ao Poder Público em torno de praticamente 2,5 salários-mínimos por mês, os que foram presos nas penitenciárias federais tinham o custo equivalente ao dobro: 5 salários-mínimos mensais. Juntos, os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná possuem o contingente de 60% de todos os presos no Brasil38. A partir destes dados, podemos pontuar que, contabilizando em média o custo dos presos a partir da média dos que cumprem penas em presídios estaduais39 e caso haja a redução da maioridade penal, os gastos mensais com os 16.014 presos entre 16 e 17 anos chegam ao patamar de R$ 28,8 milhões40. Por ano, este valor alcança a marca de R$ 345,9 milhões41. Se compararmos os gastos anuais dos presos entre 16 e 17 anos com o valor anual de um estudante de ensino público, vale atentar que o gasto com este corresponde a 3 salários-mínimos, conforme o custo aluno do Fundeb42. Contando que uma escola pública tenha, no mínimo, uma turma de 30 alunos para cada série do Ensino Fundamental, teríamos um contingente total de 270 estudantes em cada escola. Os gastos anuais por cada escola43 chegariam ao patamar de R$ 617 mil44. Com os gastos anuais que houver com a redução da população do país. Sobre os dados do Instituto Avante Brasil, ver novamente em http://institutoavantebrasil.com.br/perfil-dos-presos-no-brasil-em-2012/, acessado no dia 05 de abril de 2015, às 06:36h. 35 As mulheres presas são as que mais estudam, com o índice de 13% entre elas, contra os 8% de homens presos. Conferir em https://s3-sa-east-1.amazonaws.com/staticsp.atualidadesdodireito.com.br/iab/files/2014/01/LEVANTAMENTO-SISTEMA-PENITENCIA%CC%81RIO-2012.pdf, acessado no dia 05 de abril de 2015, às 06:46h. 36 Ver mais detalhes em http://oglobo.globo.com/brasil/unicef-estima-em-1-os-homicidios-cometidos-por-menores-no-brasil-15761228, acessado no dia 05 de abril de 2015, às 06:14h. 37 Dos 1852 casos de homicídios praticados pelos menores de 18 anos em 2011, 217 são de Pernambuco, 186 de Minas Gerais, 158 de São Paulo, 140 do Ceará, 128 da Bahia, 115 do Rio Grande do Sul e... 53 do Rio de Janeiro – inferior ao quantitativo de crimes de homicídio existentes no ES, DF, PA e GO. Conferir no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2013, p. 86, em http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2013-corrigido.pdf, acessado no dia 06 de abril de 2015, às 13:03h. 38 Observar os dados em http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2014-08-01/preso-federal-custa-5-salarios-ao-mes-dobro-do-que-se-gasta-com-preso-estadual.html, acessado no dia 05 de abril de 2015, às 07:05h. No que tange aos gastos com presídios privados, um preso custa, em média 4 salários-mínimos (de acordo com o valor do SM em 2013), como em http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/01/17/com-custo-mensal-de-r-2700-por-detento-primeiro-presidio-privado-do-pais-e-inaugurado-em-minas-gerais.htm, acessado no dia 5 de abril de 2015, às 07:09h. 39

Ou seja, os 2,5 salários-mínimos em 2014 correspondiam a aproximadamente R$ 1,8 mil. 40 Mais especificamente, a multiplicação de R$ 1,8 mil por 16.014 presos, chegando ao valor total de R$ 28.825.200,00. 41 Ou, mais especificadamente, R$ 345.902.400,00, ao multiplicar o valor total mensal dos presos entre 16 e 17 anos por 12 meses. 42 Em 2014, o valor era de R$ 2.285,57 por aluno no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), em http://www.cnte.org.br/index.php/comunicacao/noticias/12990-mec-projeta-custo-aluno-do-fundeb-para-2014-em-r-2-285-57.html, acessado no dia 5 de abril de 2015, às 07:29h. 43

No caso, a multiplicação do gasto anual por aluno pelo número total de alunos em uma escola. 44 Neste caso, R$ 617.103,90 para manter minimamente cada escola.

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maioridade penal para 16 anos, o mesmo recurso asseguraria a criação de 560 escolas45, atendendo o número significativo de 151.342 estudantes46 atendidos no Ensino Fundamental. Em outras palavras, proporcionalmente 1 preso com a idade entre 16 e 17 anos de idade equivale ao quantitativo de 9,45 estudantes. Seja como for, estes dados não podem ser ignorados, face ao atual cenário social vigente no país e os entornos de um debate ideológico em que os grupamentos conservadores, frente a tais dados, tentam contra-argumentar ideologicamente, ao afirmar que o debate sobre a segurança pública e a maioridade penal não pode se resumir ao olhar “ideológico”. Assim, desqualificando os seus opositores, os grupamentos com a tonalidade ideológica de viés autoritário e/ou conservador tentam imprimir a sua agenda ideológica neste campo para granjear um apoio significativo da opinião pública e da sociedade, com o apoio inclusive de programas de cunho sensacionalista para imprimir um clima exacerbado de insegurança e barbárie, justificando, assim, as suas asserções ideológicas e a defesa aberta ou implícita do Estado Policial47.

4) O Trabalhismo e os Direitos Humanos: o olhar salvacionista aos menores e jovens do Brasil, na condição de atores sociais e políticos

O olhar trabalhista em prol da juventude sempre se destacou, no pré-1964, em integrá-los a um projeto de nação, através da inserção no mundo do trabalho, como portadores de direitos e como atores sociais e políticos, capazes de construírem uma agenda nacional e democrático-popular. Desde a Era Vargas e passando pelo segundo governo Vargas, além do governo Jango e nas ações governamentais estaduais e parlamentares, o trabalhismo, através do PTB, preconizava a prevalência do trabalho sobre o capital, promovendo ações democratizantes e a garantia dos direitos sociais. Os menores eram protegidos por medidas educativas e preparados para a sua inclusão no mundo do trabalho. Passado o golpe de 1° de abril de 1964 e a perseguição sistemática aos opositores do regime ditatorial – em especial, com a criminalização da juventude que se opunha às medidas reacionárias do regime, o mesmo instrumentalizou e institucionalizou a tortura como medida repressora do Estado, ferindo gravemente os Direitos Humanos. Por sua vez, os grupos de extermínio48, no intuito de promover o “combate” à criminalidade, agiam sistematicamente na prática genocida contra os jovens marginalizados (como, por exemplo, os meninos de rua) e envolvidos com as práticas de violência. Afinal, em um regime autoritário, tais práticas eram vistas com “naturalidade”, sendo elas a essência informal da prática de “justiça”, antecipando-se ao Estado. As medidas como a Lei de Segurança Nacional e o AI-5 apenas legitimariam a prática informal dos grupos de extermínio.

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A divisão pelo valor total de investimento anual aos presos entre 16 e 17 anos pelo valor mínimo anual de cada escola equivale à criação de 560,52 escolas. 46 No caso, a divisão do valor total de investimento anual aos presos entre 16 e 17 anos pelo custo anual por aluno no FUNDEB, resultando na cifra de 151.341,85 alunos. 47 Sobre uma rápida abordagem sobre o conceito, conferir em http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_policial, acessado no dia 6 de abril de 2015, às 13:31h. No que concerne à existência e à institucionalização da corrupção no Estado Policial em pleno Estado Democrático de Direito, conferir o artigo de BUSATO, Roberto. Corrupção e Estado Policial, em http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1205506344174218181901.pdf, acessado no dia 6 de abril de 2015, às 13:36h. 48

Conferir os estudos de MATTOS, Vanessa de. Esquadrões da morte: a maquiagem vermelha, em http://www.nucleasuerj.com.br/home/phocadownloadpap/9d.pdf, acessado no dia 7 de abril de 2015, às 11:13h e também em MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos & a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia). Rio de Janeiro: IUPERJ, 1999 e ALVES, José Cláudio Souza. Dos Barões ao Extermínio: Uma História da Violência na Baixada Fluminense. Duque de Caxias: APPH-CLIO, 2003.

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Com a redemocratização e o advento do trabalhismo, com a tentativa de retomada da sigla do PTB e as premissas presentes na Carta de Lisboa49, em junho de 1979, a presença explícita dos Direitos Humanos se tornava clara, na releitura do trabalhismo e com a perspectiva do mesmo ser um instrumento para a construção de um socialismo democrático. A presença do enfoque trabalhista na defesa dos jovens e das crianças – com o pioneirismo na condição de primeiro partido político a abraçar isto como agenda ideológica e programática – estava nas linhas a seguir da Carta. No combate à marginalidade social, os seus signatários afirmavam, como o primeiro compromisso da legenda trabalhista

salvar os milhões de crianças abandonadas e famintas, que estão sendo condenadas à delinquência; bem como o meio milhão de jovens que, anualmente, alcançam os dezoito anos de idade analfabetos e descrentes de sua Pátria50.

A mesma Carta de Lisboa, nos seus últimos parágrafos, trazia uma nitidez ideológica muito clara sobre o papel dos trabalhistas e o apoio incondicional aos marginalizados, na sociedade dividida por classes. O nacionalismo evocado pelos trabalhistas tinha um claro conteúdo de classe e de fundo notoriamente democrático-popular para colocar em marcha a sua agenda trabalhista, privilegiando o tema dos Direitos Humanos, defendido também pelos partidos europeus de orientação trabalhista, socialdemocrata e socialista que integravam a Internacional Socialista. Na tentativa de resgatar a áurea do PTB, mas com a leitura da conjuntura política e os devidos acréscimos na agenda nacional-reformista, os trabalhistas afirmavam que

A proposta do novo Partido Trabalhista a ser discutida pelo nosso povo e formulada em território brasileiro, despida de soluções importadas, tem que levar em conta a necessidade de criar um partido que expresse os anseios e seja dirigido pelas classes populares. A nova proposta começa com a repulsa àqueles que veem no ressurgimento do PTB uma sigla de fácil curso eleitoral. A nossa proposta tem um sentido claro de opção pelos oprimidos e marginalizados. Neste particular e dentro de um horizonte que não é absolutamente cristão, mas marcado por um capitalismo impiedoso, impõe-se a nossa defesa constante dos pobres contra os ricos, ao lado dos oprimidos contra os poderosos. Na luta a favor da justiça contra a opressão se insere a questão da atual ideologia de segurança nacional, que tem servido para justificar as violações dos direitos humanos. Tal doutrina gerou no País a mais completa insegurança para os cidadãos comuns, ensejando a expansão da brutalidade, da denúncia e da tortura, tanto contra os presos políticos, como contra as lideranças sindicais e sobretudo, com incidência cruel sobre as camadas mais pobres da população. Porque damos importância central ao nosso povo como sujeito e criador do seu próprio futuro, sublinhamos o caráter coletivo, comunitário e não individualista da visão Trabalhista51.

49

Sobre o conteúdo da Carta de Lisboa, acessar em http://www.pdt-rj.org.br/paginaindividual.asp?id=9, acessado no dia 6 de abril de 2015, às 13:52h. 50

Idem. 51 Ibidem.

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Com a perda da sigla e a fundação do PDT em 26 de maio de 1980, os princípios contidos na Carta de Lisboa não apenas seriam mantidos como aprofundados pelo Manifesto do PDT e pelo Programa do PDT, elaborados ainda em 1980. O enfoque no trabalhismo como a perspectiva para o socialismo e a defesa dos Direitos Humanos para os grupamentos marginalizados e excluídos se tornava o mote central de todos os trabalhistas, em meio ao processo de redemocratização em marcha. Logo, a democracia, para os trabalhistas, se tornava o meio para a efetivação da justiça social e no combate à marginalidade, com medidas afins que promovessem a dignificação dos indivíduos, na construção de uma sociedade fraterna e igual, na formação de um Brasil soberano e independente. Para isto, o Manifesto do PDT52 colocou, categoricamente, as linhas na defesa dos Direitos Humanos como um dos elementos centrais para o projeto defendido pelos trabalhistas. A ótica do trabalho como o elemento ímpar no âmbito dos Direitos Humanos é mantido, prosseguindo o mesmo olhar do trabalhismo pré-1964. No item IV – O trabalhismo e os valores humanos, o Manifesto declara que

O Partido Democrático Trabalhista considera e defende os valores humanos a partir do trabalho como uma das verdadeiras dimensões de justiça no conjunto das relações sociais. Para a democracia trabalhista está sempre em primeiro lugar a pessoa humana, sua condição de ser social e ser que trabalha, sujeito de sua ação e consciente de sua liberdade, mas, comprometido, solidariamente, com os demais na sociedade. O indivíduo e a família estão como núcleo natural e básico de toda a vida social, inerente à própria natureza humana, e onde o trabalho emerge igualmente como atividade solidária53.

O Manifesto do PDT não se resumiu a este ponto doutrinário, como estendeu o olhar no campo dos Direitos Humanos. Para os trabalhistas, o olhar aprofundado sobre este tema estaria descrito, sem meias palavras, no item VI, sub-ítem 6 e 8, não dando margem a quaisquer perspectivas de fundo discriminatório ou segregacionista. O conteúdo democrático inserido na agenda dos Direitos Humanos é diretamente acoplado à agenda ideológica nacionalista de esquerda defendida pelos trabalhistas, sob a ótica do socialismo democrático. Segundo as afirmações descritas no mesmo Manifesto, o PDT defende

O direito de abominar e combater toda a doutrina e práticas que discriminem brasileiros e demais habitantes do País, por suas ideias, crenças, sexo, idade, raça, aspecto físico, nacionalidade, classe social ou muito especialmente, por sua condição de pobreza; ou ainda, que conduzam ao desrespeito de sua dignidade ou que suprimam ou restrinjam seus direitos humanos e sociais. O direito de estabelecer - frente a esse escândalo social inconcebível, atentado crucial ao futuro da Nação, que é a existência no País de menores carentes, em estado de miséria, degradação ou de completo abandono - como a mais urgente prioridade nacional, independentemente de toda outra consideração, a de garantir a todas as crianças, aos adolescentes e jovens do País, particularmente as de origem

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Conferir em detalhes todo o conteúdo completo do Manifesto do PDT com os seus princípios programáticos, presente em http://www.pdtmg.org.br/home/index.php?option=com_content&view=article&id=16:manifesto-do-pdt-&catid=3:documentos-historicos&Itemid=12, acessado no dia 06 de abril de 2015, às 14:07h. 53 Idem.

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mais humilde, desde o ventre materno, alimentação, escolarização, desenvolvimento humano e educação54.

Se no Manifesto do PDT, os princípios no âmbito dos Direitos Humanos já eram claros e já incluía, como um dos seus documentos inspiradores, a Declaração dos Direitos Humanos, no Programa do PDT55, a abordagem se torna bastante clara, a partir dos itens já elencados. O primeiro compromisso prioritário existente no programa refere-se às crianças e jovens do país56. E no Plano Social, o mesmo programa do PDT elenca, nos pontos 4.7 e 4.8, as medidas pelas quais o trabalhismo apoiaria a agenda dos Direitos Humanos57, impedindo, assim, o olhar segregacionista para justificar medidas repressivas, incluindo a própria redução da maioridade penal – algo impraticável para o olhar ideológico trabalhista. Ainda assim, mesmo com os princípios elencados nos documentos oficiais do PDT, a agremiação trabalhista venceu as eleições estaduais em 1982 e Leonel Brizola se tornou Governador do Rio de Janeiro. A resistência dos setores de direita à política de Direitos Humanos promovida pelo PDT fez com que Brizola, ao longo dos seus “Tijolaços”58, viesse a defender de forma contundente esta política como o meio para combater o discurso de fundo reacionário, que era contrário às medidas que viessem a proteger os jovens e menores marginalizados. A própria oposição aos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) promovida pela direita e pelos setores refratários à esquerda apontava o grau visionário da política trabalhista, levada a cabo já na primeira década de 1980. O título oportuno do artigo de Brizola chamado “Doença social” aprofundou o tema sobre a criminalidade promovida por jovens e menores infratores, já em 17 de agosto de 1984. Para o prócer trabalhista, a violência e a criminalidade, enquanto problemas de ordem social, são possíveis de ser resolvidas. Segundo Leonel Brizola,

Trata-se de uma verdadeira doença social. Estamos sofrendo seus trágicos efeitos. Não podemos fechar os olhos para suas causas. Tanto isto é verdade, que o mal vem se agravando nestes últimos anos, porque apenas se vem tratando de seus efeitos. Um certo nível tolerável de violência e criminalidade existe até mesmo nas comunidades mais evoluídas do mundo. Mas aqui, como em outras nações com as nossas características, não é isto o que ocorre. Chegamos a níveis de calamidade. A nossa situação pode ser comparável a de uma pessoa que vem tratando suas dores de cabeça apenas com analgésicos e foi aumentando a dose sem cuidar das origens de seus males. Seria uma insensatez deixar de reconhecer a necessidade de medidas enérgicas, preventivas e repressivas, mais ação e mais

54

Ibidem. 55 Vide em http://www.pdt.org.br/index.php/pdt/programa, acesso no dia 06 de abril de 2015, às 14:30h. 56 “O primeiro compromisso é com as crianças e jovens de nosso país. Assistir desde o ventre materno, alimentar, escolarizar, acolher e educar todas as crianças no nosso país, com igualdade de oportunidade para todos, é a prioridade máxima do Trabalhismo Democrático. Salvar nossas crianças e adolescentes é uma causa de salvação nacional.” 57 Os princípios da política de Direitos Humanos, preconizada pelos trabalhistas no Programa do PDT, estão nos itens 4.7 e 4.8 que afirmam nas linhas a seguir: 4.7 Uma política de prevenção do crime, de caráter social, que ataque as causas reais da criminalidade provocada pelo desemprego e pela miséria. Humanização do sistema penal e carcerário que tenha como objetivo a reabilitação social dos penitenciários. Controle público dos órgãos policiais para impedir os abusos de autoridade, a corrupção e a violência. 4.8 Defesa da criança contra os maus-tratos e a violência de toda ordem. 58 Agradeço em público ao Ápio Gomes pelo apoio nos Tijolaços, além das conversas pessoais com Osvaldo Maneschy sobre a análise da conjuntura política nacional e fluminense na década de 1980.

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policiamento ostensivo, melhor técnica e eficiência – mais remédios para aliviar os efeitos. Mas chegamos a um ponto em que não podemos deixar que passe um minuto mais sem atentar, decididamente, para as causas de uma situação que adquire, cada dia mais, as características de uma verdadeira tragédia. Se tão somente a presença ostensiva da autoridade policial, a repressão, as batidas indiscriminadas, com todas as suas consequências de abusos e humilhações, representassem a solução, a erradicação da violência e da criminalidade, então o problema já estaria resolvido. Foi o que tivemos aqui durante quase 20 anos: prevaleceu essa mentalidade, inclusive sob o comando direto de oficiais superiores das Forças Armadas. E não faltaram demonstrações de força e espetacularidades, amplamente divulgadas59.

Fazendo a relação das barbaridades cometidas pelo regime ditatorial no âmbito da Segurança Pública e de constante desrespeito aos Direitos Humanos, Leonel Brizola continuou a abordar, em seu artigo, os fatores capitais para a proliferação da criminalidade. Longe do descontrole da urbanização dos grandes centros urbanos, o que para a direita significava um campo aberto para o advento do crescimento da criminalidade, Brizola demonstrou que o regime autoritário, mesmo no decorrer de duas décadas à frente do país, não planejou o crescimento nestes mesmos centros urbanos, promovendo assim a degradação social. Como solução, Leonel Brizola apontava para estas questões a máxima, ainda neste artigo, que

Afirmar que esse contexto de miséria e marginalização de milhões de pessoas, que se amontoam nas favelas e na periferia, não tem nada a ver com a incidência crescente de criminalidade no Rio de Janeiro é proceder como o avestruz ao esconder a sua cabeça. De onde vêm os novos contingentes de crianças, de adolescentes e jovens que a cada dia se tornam infratores? Estou persuadido de que neste período complexo que atravessamos, ao sair de uma época de obscurantismo, o mais importante e urgente que temos a fazer – quanto às causas da criminalidade – é assistir e escolarizar as nossas crianças e adolescentes. Mais que uma prioridade, é uma emergência. Precisamos salvar as nossas crianças dos descaminhos, dos desvios de conduta. Não basta a escolarização de duas ou três horas. É indispensável que permaneçam na escola – estudando, comendo, ocupando-se durante todo o dia. É necessário, evidentemente, cuidar de todos os demais problemas. Mas esta é a prioridade das prioridades60.

Neste ínterim, Leonel Brizola decorria – entre suas declarações nos jornais, entrevistas61 e artigos no Tijolaço, além de políticas públicas de Estado – a promover ações efetivas na promoção dos Direitos Humanos, dedicando-

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BRIZOLA, Leonel. Doença Social. Tijolaço, 17 de agosto de 1984. 60 Idem. 61 Como, por exemplo, a que Brizola faria, sendo entrevistado por Jô Soares em https://www.youtube.com/watch?v=Bk0S_Q-EiG0&feature=youtu.be, acessado no dia 06 de abril de 2015, às 15:08h.

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se, em especial à causa do menor na condição de portador de direitos sociais enquanto cidadão. Mesmo após a disputa nas eleições presidenciais de 1989 e, depois, a sua vitória em 1990 para o governo estadual fluminense, Leonel Brizola ressaltou os princípios contidos no Manifesto do PDT, na íntegra, através do artigo do Tijolaço de 27 de maio de 199062 chamado “Os direitos do povo brasileiro”. Mais ainda: no mesmo artigo, Brizola iniciou, de forma contundente, a importância destes princípios à luz da existência de um partido político, com as suas funções bem delineadas. E o PDT fazia jus à condição de ser uma agremiação partidária com princípios e valores. Para o prócer trabalhista,

Um partido político, para merecer este nome, deve guardar fidelidade a um conjunto de ideias e princípios, sem os quais passaria a ser apenas um aglomerado de interesses e ambições eleitorais. Nosso partido ao longo dos anos vem mantendo esta coerência. É por isto que as elites econômicas e políticas que controlam este País – e que são as grandes responsáveis por esta situação a que o Brasil chegou – não nos podem compreender e, muito menos, nos tolerar. Dizem que não temos propostas ou ideias, simplesmente porque não adotamos a suas; estas sim, fracassadas e obsoletas. Criticam-nos quando não coonestamos suas farsas e manipulações, porque sabem que – haja o que houver, custe o que custar – jamais faltaremos ao nosso dever de coerência e lealdade para com a população63.

Para Leonel Brizola, não bastava o PDT defender as suas agendas. Era preciso levar à frente como compromisso para o povo brasileiro. E os menores tinham prioridades com Leonel Brizola, a partir de medidas baseadas na educação, esporte, cultura e lazer presentes nos CIEPs na condição de políticas públicas de cunho permanente e de prevenção à violência. Mesmo em meio às chacinas cometidas no país, como a da Candelária, em 23 de julho de 1993, elas teriam uma reflexão do líder trabalhista. Mesmo com a campanha midiática promovida pelas Organizações Globo na desconstrução da imagem política e pessoal de Leonel Brizola, o mesmo não recuou. A partir do Tijolaço como metralhadora giratória para atacar os seus adversários e veicular suas posições à população, Brizola mais uma vez pontuou a política de Direitos Humanos em prol dos menores e respondendo as questões sobre a banalização midiática da violência cometida por menores e contra os menores, presentes desde o início da década de 1980, com o programa O povo na TV64. Em seu artigo “A cultura da violência”, feito em 25 de julho de 199365, Brizola aprofundou sobre o papel da mídia no que tange à violência juvenil, principalmente a exercida pela Rede Globo. Para o prócer trabalhista,

Não há poder mais avassalador que o de um monopólio de televisão. É o caso, entre nós, dos efeitos danosos e corrosivos que o monopólio da Rede Globo vem exercendo sobre a Nação. Observem como o surgimento dessa onda crescente de violência e criminalidade coincide com o advento da televisão como veículo de comunicação de massa; noutras palavras, com o desenvolvimento da Globo. Antes de 64, não havia nada disso que hoje representa um estado permanente de apreensão e

62 10 anos após a fundação do PDT, em 26 de maio de 1980. 63

BRIZOLA, Leonel. Os direitos do povo brasileiro. Tijolaço, 27 de maio de 1990. 64 Programa de cunho sensacionalista e de viés polêmico, promovido pelo SBT (antiga TVS). Mais detalhes, conferir em http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Povo_na_TV, acessado no dia 6 de abril de 2015, às 15:34h. 65 Uma resposta rápida de Brizola, dois dias após a Chacina da Candelária.

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medo do povo brasileiro. Medo e pavor do assaltante; medo e pavor da própria polícia. Analisem a pregação permanente, subliminar ou direta, da Globo – tevê, rádio e jornal. Não é a expressão sofisticada de uma espécie de cultura da violência, que vem impregnando a tudo e a todos? Chegou a tal ponto essa influência deformante, que os comandos da polícia precisam advertir com frequência aos seus subordinados contra a tentação vendida pela mídia global, incorporada por parte da população, de fazer justiça com as próprias mãos. E os maus policiais, criminosos que se abrigam por detrás de uma farda ou de um distintivo, sob os estímulos e os aplausos da máquina Globo, afrontam, sem vacilar, a política de defesa da lei e dos direitos humanos que meu Governo vem, dia a dia, para implantar. Quando um programa de educação integral como os Cieps – que visa a retirar as crianças das ruas, e prepará-las para uma vida digna, como ocorre nos países civilizados – é combatido ferozmente como o faz o Sr. Roberto Marinho, não é outra coisa senão a prova de que aquilo que desejam é a continuidade do atraso. Querem um povo submetido, mão de obra farta e barata para lhes servir. Desenvolvimento sustentado, para eles, não é a melhoria geral e justa dos padrões de vida e de educação do povo, mas apenas mais riqueza e privilégios para si próprios, num ambiente de segurança. E segurança, para eles, significa repressão, polícia super-armada e agressiva contra os pobres, desempregados e despossuídos, que são considerados vadios ou marginais. Esses massacres são as consequências inevitáveis da pregação da Globo que, dia após dia, minuto a minuto, ensina, incita e insufla a violência e a brutalidade66.

Em outras palavras, para Leonel Brizola, o combate à violência diante da delinquência juvenil se dava com o caráter preventivo, através da educação em tempo integral como elemento indissociável de libertação e de independência do povo brasileiro e de desenvolvimento do Brasil, à contramão do olhar ideológico da direita brasileira e das Organizações Globo. Assim, a direita brasileira, ao lado da Globo, promovia um desserviço não só ao país, mas à própria juventude, com práticas ideológicas que permitiam a proliferação da violência como parte integrante do ethos nacional, naturalizando a violência e a repressão como o modus operandi para resolver as graves distorções sociais. Não basta a prisão e a punição dos que ferem os Direitos Humanos. Para o trabalhismo, as questões referentes à marginalidade possuem conteúdo histórico e são diretamente associados às causas do subdesenvolvimento nacional. Neste sentido, duas semanas após a Chacina da Candelária e após o plebiscito sobre a continuidade ou não do Presidencialismo, ocorrido em 21 de abril de 1993, Leonel Brizola foi muito claro no que tange à solução da violência pela ótica trabalhista, tendo como o seu maior inimigo a mídia burguesa, representada nas Organizações Globo. No artigo “Uma mensagem ao povo brasileiro”, em 08 de agosto de 1993, Leonel Brizola tratava sobre o descrédito do povo à classe política logo após o Plebiscito67 e afirmava, em meio a 9 itens, que

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BRIZOLA, Leonel. A cultura da violência. Tijolaço, 25 de julho de 1993. 67 “Atitudes como essa tornam, com razão, o povo brasileiro descrente dos políticos. Na sua grande maioria, eles têm sido infiéis à população. O nosso Partido tem pagado um pesado tributo por se manter coerente e fiel aos interesses do País e de seu povo. Por isso, muitas vezes, deixam os quadros do PDT os fracos ou mesquinhos que colocam em primeiro lugar interesses pessoais, eleitorais ou o afago da mídia. Estamos abrindo o nosso Partido, em todo o Brasil, àqueles homens e

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4 – Não há saída para o Brasil senão colocar como a prioridade das prioridades a educação de nossas crianças. Hoje, frente a este quadro de miséria generalizada em nosso País, não é possível conceber uma escola digna, sem alimentação, assistência médica, dentária e, sobretudo, um ambiente que a criança ame. Escolarizar, para nós, significa assistir a criança desde o ventre da mãe, inclusive os jovens que desejem casar. Depois, assistir a criança até os seis anos, na idade pré-escolar, em especial com complementação alimentar e acompanhamento médico. O ensino fundamental precisa de uma escola moderna, de uma escola compatível com a nossa realidade, como os Cieps. Pode um governo conseguir isso? Sim, desde que se trate de um governo que defenda o povo brasileiro. Este é o nosso grande compromisso: escolarizar todas as crianças brasileiras. Com educação, praticamente desaparecem a violência e a criminalidade; desaparecem a miséria e o atraso. A educação é o caminho da salvação nacional. 5 – Um partido como o nosso não poderia deixar de enfrentar a questão da violência e da criminalidade, especialmente frente a esse massacre da Candelária. Encontrei, ao regressar do exílio, um quadro que, absolutamente, não existia até 64. É certo que as sementes da violência já existiam na injustiça, na pobreza, na desigualdade. Mas isto tomou proporções de um surto cada vez maior no período do autoritarismo, nos dias em que a força passou a valer mais que o direito e que a vida e a dignidade do ser humano deixaram de ser intocáveis. No meu primeiro governo, comecei a combater os grupos de extermínio e conseguimos prender alguns daqueles celerados. Em meu segundo período, porém, mesmo redobrando nossos esforços – já são mais de 200 os matadores presos –, percebi que havia algo mais poderoso, algo que construía uma verdadeira cultura da violência, que impregnou parte da população, e que é inoculada impiedosamente, todos os dias, em milhões de crianças e adolescentes indefesos. Refiro-me à influência deletéria de uma televisão massificada, sob o comando da Globo, que abre nos lares brasileiros, sem que se possa evitar, uma janela eletrônica de brutalidade, agressões e crime. Muito mais violento que a vida real são o pesadelo, o horror e a insânia que a Globo e as emissoras que a copiam, despejam, todo o tempo, sobre nossos filhos e netos. 6 – Para alertar a Nação contra este mal, exibimos um resumo da chocante pesquisa feita pela Secretaria de Justiça do Rio de Janeiro, que revelou terem sido exibidas na Globo, só em uma semana (16 a 22 de janeiro de 93), nada menos de 1377 cenas de crimes – dos quais 288 homicídios ou tentativas, 386 agressões e 56 sequestros –, e nada menos que a metade deles na programação infantil. Tal massacre eletrônico pode, por

mulheres que, na pureza e na honradez que só a gente simples pode ter, estejam dispostos a servir à população e buscar a construção de um novo País.” BRIZOLA, Leonel. Uma mensagem ao povo brasileiro. Tijolaço, 08 de agosto de 1993.

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acaso, ser algo inofensivo? Se a Globo exibe 60 mil crimes por ano, a quantos terá inspirado e incitado nas ruas deste País? 7 – A Globo, porém, tornou-se um poder inquestionável. Frente a ela, os homens públicos deste País fraquejam e vergam suas cabeças. A tal ponto tornou-se escandaloso o poder e a manipulação do monopólio de Roberto Marinho, que a tevê inglesa dedicou a esse tema um longo documentário68, do qual o programa do PDT exibiu pequenos trechos. A população, porém, vem tomando consciência do poder avassalador da Globo que põe e tira presidentes. Vai se consolidando a convicção generalizada de que este País será ingovernável enquanto o poder paralelo da Globo permanecer pairando como uma nuvem ameaçadora que sufoca os verdadeiros interesses e a própria consciência do povo brasileiro69.

Pelo sim, pelo não, foram recorrentes as menções, não apenas nos documentos do PDT como nas próprias falas de Leonel Brizola sobre o combate à criminalidade – em especial a de cunho infanto-juvenil – com medidas preventivas, através da democratização dos direitos sociais. Em nenhum momento há qualquer caráter repressivo e nem mesmo a apologia a qualquer medida contra os menores de 18 anos, baseado na redução da maioridade penal para resolver os índices de violência. Pelo contrário. Brizola, em meio às medidas governamentais, olhava a questão da segurança pública a partir do olhar de prevenção, sabedor da falência das estruturas de segurança pública. Para o trabalhismo, o combate à violência se confundia com o projeto de emancipação do povo brasileiro a partir da soberania nacional como o elemento capaz de promover justiça social e a transição para o socialismo, respeitando a cultura política do povo brasileiro. A educação, assim, tinha um elemento central e nevrálgico para a implantação de um projeto de médio em longo prazo, como um vetor essencial para a redução da violência e olhando a educação como fator de salvação nacional70. Não há, nas linhas históricas e programáticas do trabalhismo, desde a Revolução de 1930, qualquer escopo doutrinário que espose a solução da violência infanto-juvenil através da redução da maioridade penal. Com o breve olhar histórico, é incontestável afirmar que o trabalhismo, através do trabalho e da educação, via estes elementos como ações ressocializadoras. Elas permitiam fazer deste jovem ou adolescente um indivíduo portador de direitos sociais e políticos, na condição de agente social capaz de transformar, através destes dois vetores, não apenas a sua comunidade como o próprio país. A contramão disto, em “nome da ordem”, a direita brasileira

68 No caso, Leonel Brizola se refere ao documentário da Channel 4, proibido no Brasil em 1993, chamado Beyond Citizen Kane (Além do cidadão Kane), como está em https://www.youtube.com/watch?v=049U7TjOjSA, acessado no dia 06 de abril de 2015. 69 BRIZOLA, Leonel. Uma mensagem ao povo brasileiro. Tijolaço, 08 de agosto de 1993. 70

Como está no Estatuto do PDT, no Art. 1°, a saber: “O Partido Democrático Trabalhista - PDT - é uma organização política da Nação Brasileira para a defesa de seus interesses, de seu patrimônio, de sua identidade e de sua integridade, e tem como objetivos principais lutar, sob a inspiração do nacionalismo e do trabalhismo, pela soberania e pelo desenvolvimento do Brasil, pela dignificação do povo brasileiro e pelos direitos e conquistas do trabalho e do conhecimento, fontes originárias de todos os bens e riquezas, visando à construção de uma sociedade democrática e socialista. § 1° - O Partido, como instituição, e seus filiados individualmente atuarão por métodos democráticos e pacíficos, ainda que, quando necessário, com indignação, rigor e energia, essencialmente na linha dos seguintes compromissos básicos: - educação, causa de salvação nacional, prioridade das prioridades: alimentar, acolher e assistir a todas as crianças do País, desde o ventre materno; educá-las e escolarizá-las em tempo integral, sem qualquer tipo de discriminação; - lutar pela causa da mulher, do negro, do índio, dos jovens e dos idosos, sem qualquer forma de discriminação.

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lançaria mãos de medidas repressivas para assegurar a sua legitimidade ideológica, ainda que, para isso, viesse a tratar secundariamente ou residualmente as questões sociais. Trabalhista que apoia a redução da maioridade penal não conhece apenas a história do trabalhismo. Desconhece os princípios que o trabalhismo defende, ao longo de sua história. Mais ainda: referenda o discurso dos grupamentos historicamente adversários aos trabalhistas, que não possuem qualquer agenda comprometida para a juventude brasileira com pioneirismo. Pior: trabalhista que defende a redução da maioridade penal precisa de um belo de um CIEP para rever os seus conceitos e promover uma total autocrítica. Princípios são inegociáveis. Incedíveis!