ELEMENTOS DE MATEMÁTICA BÁSICA -...

18
ELEMENTOS DE MATEMÁTICA BÁSICA SIMON G. CHIOSSI Date: draft version 6.2.

Transcript of ELEMENTOS DE MATEMÁTICA BÁSICA -...

E L E M E N T O S D E

M A T E M Á T I C A B Á S I C A

SIMON G. CHIOSSI

Date: draft version 6.2.

CONTEÚDO

1. NÚMEROS COMPLEXOS 31.1. ASPECTOS GEOMÉTRICOS 61.2. FATORAÇÃO POLINOMIAL 91.3. NÚMEROS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES 15

EMB

1. NÚMEROS COMPLEXOS

Os números complexos começaram a serem utilizados formalmente nas fórmulas de re-solução de equações cúbicas e quárticas no século XVI. Por isso eles foram consideradosmais ‘complicados’ que números reais, e passaram ao menos 200 anos antes que os mate-máticos entendessem que, na verdade, eles são mais simples que R, e permitem abordagensmais uniformes a muitos problemas, como as soluções de equações (numéricas, diferen-ciais) ou o comportamento de funções e séries. O próprio termo ‘real’ foi introduzidoexatamente para distinguir R dos números imaginários.Por exemplo, o polinômio x3 −15x −4 tem um zero real, a saber x = 4. A fórmula (??)patenteia que esta raiz é gerada através dos números complexos:

x = (2+p−121

)1/3 + (2−p−121

)1/3 = (2+11i )1/3 + (2−11i )1/3 = (2+ i )+ (2− i ) = 4.Então os números complexos são presentes, conquanto não manifestamente, em situações‘reais’ também.1

Definição. Um número complexo z é um par de números reais (a,b) ∈ R2. Os números

a =: Re(z),b =: Im(z) chamam-se parte real e parte imaginária de z.

FIGURA 1. O plano de Argand-Gauß.

Costuma-se escrever z na forma a +bi , e o conjunto dos números complexos é indicado

por

C= {z = a +bi | a,b ∈R}

.

Assim, dois números complexos z1 = a +bi , z2 = c +di são iguais se tiverem as mesmaspartes reais a = c e imaginárias b = d .

1 A este respeito, Hadamard disse que “O caminho mais breve e melhor entre duas verdades no domínio

real muitas vezes passa pelo domínio imaginário.”

3

EMB

Definição. A soma e o produto dos números z1 = a +bi , z2 = c +di ∈C são

z1 + z2 := (a +b)+ (c +d)i

z1 · z2 := (ac −bd)+ (ad + cb)i .

Por conseguinte, para todo b ∈R∗ tem-se (bi )2 =−b2 < 0.

Exemplo. (2+ i )+ (2i −7) =−5+3i , (2+ i )(2i −7) =−16−3i .

Proposição. (C,+, ·) é um corpo.

Demonstração. A prova, deixada como exercício, consiste em verificar que

• +, · são comutativas e associativas, · é distributivo com respeito a +;

• 0 := 0+0i é o zero, 1 := 1+0i é a unidade;

• todo z = a +bi tem oposto −z :=−a + (−b)i ;

• todo z = a +bi ∈C\ {0} tem inverso z−1 = apa2 +b2

− bpa2 +b2

i .

Observação. Na prática pode-se manipular z = a+bi como fosse um polinômio na variá-

vel i , lembrando a regra

i 2 =−1,

como em (2+ i )(2i − 7) = 4i + 2i 2 − 14− 7i = −16− 3i . A razão é que R[x] é um anel

local com ideal maximal I gerado pelo polinômio irredutível x2+1, e o corpo quociente é

naturalmente isomorfo a CR[x]

/I

∼=−→ C

[1] 7−→ 1[x] 7−→ i

.

1.1. Observação. C não é um corpo ordenado. Ainda pior, C não possui ordenações com-

patíveis com a ordem de R. De fato, como i 2 e i 4 são inversos aditivos um do outro, se

um deles fosse declarado positivo (um elemento em C+) o outro deveria necessariamente

pertencer a C−, em contradição com o fato que o quadrado de um número imaginário é ne-

gativo EE Mais simplesmente, se houvesse i > 0 então 3i < 5i =⇒ 3i 2 < 5i 2 =⇒−3 <−5

EE (analogamente caso i < 0).

Pelo axioma de Zermelo ?? porém, existem (boas!) ordenações em C, por exemplo a ordem

lexicográfica do produto cartesiano R×R:

a +bi É a′+ i b′ ⇐⇒ a < a′ ou (a = a′ e b É b′).O ponto é que, sendo R ordenado, a ordem lexicográfica implica ni = n(0+ i ) < (1+0i ) =1, ∀n, o que tornaria C∼=R2 um grupo não arquimediano.

4

EMB

Definição. O conjugado de z = a +bi é o número complexo z := a −bi

Re(z) = Re(z) Im(z) =− Im(z).

O módulo de z = a +bi é o número real não negativo

ρ := |z| :=√

zz =√

a2 +b2 Ê 0.

1.2. Exercícios. Provar que

i) |z| = |z|, Re z = (z + z)/2, Im z = (z − z)/2i

ii) z1 + z2 = z1 + z2, z1 · z2 = z1 · z2, (z) = z

(i.é, a conjugação é um homomorfismo involutivo)

iii) |z1 + z2| É |z1|+ |z2| (desigualdade triangular)

iv) |z1 · z2| = |z1| · |z2|v) se z 6= 0 então z−1 = z

|z|2 , z−1 = (z)−1

Se identificarmos a +0i ∈ C com a ∈ R podemos pensar nos reais como um subconjunto

dos complexos: R⊂ C. Por isso, a +0i ∈ C é chamado de número real, e bi = 0+bi ∈ C é

dito número imaginário. Assim

N⊂Z⊂Q⊂R⊂C.

Observação. O leitor curioso não será desapontado em descobrir que esta sequência não

para aqui; ao contrário, ela continua com demais conjuntos numéricos (os quatérnios H e

os octônios O . . . ). A teoria álgebro-geométrica dessas álgebras com divisão é extrema-

mente rica: explica por exemplo por que nenhum produto cartesiano Rn é um corpo, apesar

dos casos n = 1,2, ou que as esferas S1,S3 e S7 são especiais entre as outras dimensões

(Z geometria spin, topologia algébrica). A construção delas baseia-se na mesma ideia da

‘duplicação’ que gera C = R⊕R partindo de R: a receita geral, chamada de processo de

Cayley-Dickson, produz uma sequência crescente (An) de R-álgebras de dimensão real

2n , onde An+1 = An ⊕ An . De fato

A0 =R, A1 =C, A2 =H, A3 =O, . . .

O preço a ser pago a cada passo é a perda de uma propriedade algébrica: C não é mais or-

denada,H não é nem ordenada nem comutativa,O não é ordenada, comutativa, associativa.

(O passo sucessivo O⊕O não é uma álgebra com divisão normada: entramos no mundo

das álgebras de Jordan. . . ). O contexto enquadrando tudo isso é a teoria das Z álgebras de

Clifford, e o teorema fundacional chamado periodicidade de Bott.

Os quatérnios H fornecem o contexto perfeito para compreendermos as rotações no espaço

R3, e assim são de grande aplicabilidade à computer graphics (video games), a navegação

5

EMB

e a engenharia aeroespacial (simuladores de vôo). Veja-se [?] para o emprego deles no

estudo das superfícies.

Exercícios.

i) Calcular módulo e conjugado para 2−5i , 3−2i , 4−3i , 1+ i , 1−3i , −3−3i .

ii) Transformar para a forma ‘cartesiana’ a +bi os números:

(2+3i )3(2+2i )−1,1+ i

i− i

i −1,

4+3i

1+ ip

3.

iii) Encontrar a,b tais que (a2−1)+(b2−3)(a−1)i seja um número complexo não-real.

iv) Sejam z, w números complexos. Mostrar que zw = 0 ⇐⇒ z = 0 ∨ w = 0. Isso

prova que C é um domínio de integridade.

1.1. ASPECTOS GEOMÉTRICOS.

Agora nós nos concentraremos em um ponto de vista mais geométrico para examinar as

demais propriedades dos números complexos.

Considere-se o plano cartesiano Oxy, identificado com R2 = {(a,b) | a,b ∈R}

. A função

C −→ R2

a +bi 7→ (a,b)

é uma bijeção (exercício), e permite de identificar números z = a +bi ∈ C com pontos do

plano de coordenadas (a,b). (Ver o exemplo ??).

Então o eixo x = Re z é chamado eixo real, o eixo y = Im z eixo imaginário. Por exemplo,

z = a − i b é o refletido de z = a +bi com respeito ao eixo real.

Aqui z é identificado com o vetor ~z aplicado à origem, e o módulo |z| =p

a2 +b2 é o

comprimento |~z|, isso é a distância entre 0 e z.

Interpretação vetorial: a soma de números complexos z+w é a mesma que a adição~z+ ~wde vetores aplicados na origem, cf. fig. 2.

1.3. Definição. Diz-se argumento (principal) de z 6= 0 o único numero real θ0 =: arg(z) ∈[0,2π) solução de

cosθ0 = Re z

|z| , senθ0 = Im z

|z| ,

i.é o ângulo entre o eixo real e o vetor~z. O número z = 0 não tem argumento.

A existência do argumento é provada invertendo a função exponencial de variável com-

plexa

z 7→ ez :=∞∑

n=0

zn

n!.

6

EMB

FIGURA 2. Adição (vetorial) de números complexos

De fato, dados c, s ∈R satisfazendo c2 + s2 = 1, temos θ0 = log(c + si ) ∈ [0,2π). (Z análise

complexa)

Isso permite definir as funções trigonométri-

cas reais

cos x = Re(ei x), sen x = Im(ei x).

Pegando x =π se obtem a afamada fórmulade Euler eiπ+1 = 0.

Usando (??) então, todo z ∈ C \ {0} possui uma representação em forma polar (ou expo-nencial)

z = ρ(cosθ+ i senθ) = ρeiθ.

como ilustrado na fig. ??, p. ??.

Por exemplo, z = ρ(cosθ− i senθ) = ρ(cos(−θ)+ i sen(−θ)) = ρe−iθ.

De fato todo número de módulo ρ = 1 fica no círculo unitário:∣∣∣eiθ∣∣∣=√

cos2θ+ sen2θ = 1.

A correspondência ?? se lê

(1.1) 0 6= z = ρeiθ ←→ (ρ = |z|,θ0 = arg(z)).

Veja-se também ??.

Exemplos.

i)3

2− 3

p2

2i = 3

(1

2− i

p2

2

)= 3

(cos

π

3− i sen

π

3

)= 3eiπ/3;

7

EMB

ii) i = cosπ

2+ i sen

π

2= eiπ/2;

iii) para todo k ∈Z, i k =

1 se k ≡4 0

i se k ≡4 1

−1 se k ≡4 2

−i se k ≡4 3

. Então i 235 = i 58·4+3 = i 3 =−i .

A forma exponencial fornece uma regra mnemónica muito fácil para lembrarmos o pro-

duto de números complexos: dados z1 = ρ1eiθ1 , z2 = ρ2eiθ2 ,

(1.2) z1z2 = ρ1eiθ1ρ2eiθ2 = ρ1ρ2ei (θ1+θ2).

ou seja |z1z2| = |z1| |z2| = ρ1ρ2, arg(z1z2) = arg(z1)+arg(z2).

Como consequência obtêm-se as fórmulas de adição (??). Além disso, este é o jeito melhor

para dividir números complexos:z

w= ρ1eiθ1

ρ2eiθ2= ρ1

ρ2ei (θ1−θ2).

1.4. Corolário (de Moivre). Se z = ρ(cosθ+i senθ) então zn = ρn(cosnθ+i sennθ) para

todo n ∈Z.

Demonstração. Exercício. �

Exemplo. Achamos3(p

32 + 1

2 i)2

i 17(p

22 +

p2

2 i)2 .

Para começar escrevamosp

3

2+ 1

2i e

p2

2+p

2

2i na forma exponencial:∣∣∣∣∣

p3

2+ 1

2i

∣∣∣∣∣= 1 arg

(p3

2+ 1

2i

)= π

6=⇒

p3

2+ 1

2i = eπi /6,∣∣∣∣∣

p2

2+p

2

2i

∣∣∣∣∣= 1 arg

(p2

2+p

2

2i

)= π

4=⇒

p2

2+p

2

2i = eπi /4.

Em seguida i 17 = i 4·4+1 = (i 4)4i = i . Então

3(p

32 + 1

2 i)2

i 17(p

22 +

p2

2 i)2 = 3(eπi /6)2

i · (eπi /4)2= 3eπi /3

i · i= 3eπi /3−πi = 3e−2πi /3.

Notar: conquanto o resultado seja igual a −3eπi /3, é preferível não utilizar a forma ex-

ponencial com módulo negativo, pois o coeficiente ρ tem o sentido geométrico de uma

distância Ê 0.

Observação. Geometricamente, então, os números complexos descrevem roto-translações

bidimensionais (no plano). Multiplicar z por w = r eiφ significa dilatar/encolher |z| de um

fator r , e girar (no sentido anti-horário) de φ partindo de arg(z).

8

EMB

Exemplo: a multiplicação de z = ρ(cosθ+ i senθ) = ρeiθ por i corresponde à rotação ao

redor da origem de π/2:

i z = ρei (θ+π/2) = ρ(cos(θ+π/2)+ i sen(θ+π/2)) = ρ(−senθ+ i cosθ).

Assim, o vetor−→i z é perpendicular a ~z. Duas rotações consecutivas agem como uma ro-

tação de π, isso é uma reflexão com respeito à origem: i 2z = −z. Em outras palavras, a

multiplicação por i é a estrutura complexa padrão de C, ver (??).

Exercícios. Sejam z1, z2, z3, z4 ∈C tais que z3, z4 6= z1, z2. Provar que

i) cos(−i x) = cosh x, i sen(−i x) = sinh x, tanh x = i tan(−i x) para todo x ∈R.

ii) arg

(z3 − z1

z3 − z2

)= arg

(z4 − z1

z4 − z2

)=⇒ z1, z2, z3, z4 ficam no mesmo círculo ou na mesma

reta. O quocientez3 − z1

z3 − z2

/z4 − z1

z4 − z2é um invariante, dito razão cruzada dos pontos

zi na Z geometria projetiva.

1.2. FATORAÇÃO POLINOMIAL.

Da definição do produto sabemos que a potência n-ésima do número z = ρeiθ é igual a

zn = ρnei nθ, ver corolário 1.4. Entretanto em R as raízes n-ésimas originam de funções

(então são únicas), em C a situação é completamente diferente, pois as raízes complexas

não definem funções. Elas são interpretadas como ‘funções multivaloradas’ (funções em

Z superfícies de Riemann). A existência das raízes complexas é garantida por um dos

pilares da matemática:

1.5. Teorema (fundamental da álgebra). Todo polinômio complexo não constante possui

uma raiz em C.

Isso vale em particular para polinômios reais R[x] ⊂C[x]. Mais sinteticamente, diz-se que

o corpo C é algebricamente fechado. Para mostrar a força dessa condição, lembramos que

- nenhum corpo finito Zp = {f1, . . . , fp

}é algebricamente fechado, pois

∏pi=1(x −

fi )+1 não tem raízes nele;

- Q não é algebricamente fechado: x3 −4 ∈Q[x] não tem raízes racionais (historica-

mente esta questão foi a razão para definir os reais);

- tampouco R é algebricamente fechado, pois x2 +1 = 0 não tem soluções reais.

O livro [?] fornece uma visão geral sobre o assunto.

Explicitamente, o teorema fundamental da álgebra garante que a equação algébrica

9

EMB

p(z) =αn zn +αn−1zn−1 + . . .+α1z +α0 = 0

(αi ∈C, i = 0, . . . ,n) sempre possui uma solução complexa w0. Assim p(z) = (z−w0)p ′(z)

fatora em um produto de um termo linear e um polinômio de grau n−1. Como p ′(z) ∈C[z],

ele também tem uma raiz e fatora. Iterando o argumento por indução sobre o grau, após n

iterações obtemos a fatoração completa de p(z). Isso é, todo p ∈ C[z] de grau n pode ser

decomposto em um produto de n fatores lineares (com multiplicidade):

p(z) =αn (z −w0)r0 (z −w1)r1 · · · (z −wk )rk

com∑k

j=0r j = n.

Exemplos.

i) z4 −2 = (z2 −p2)(z2 +p

2) = (z − 4p

2)(z + 4p

2)(z − i 4p

2)(z + i 4p

2),

ii) −2z9 +32z6 −128z3 =−2z3(z −2)2(z − (−1+ i

p3)

)2 (z − (−1− i

p3)

)2.

Corolário. Todo número complexo a 6= 0 tem exatamente n raízes n-ésimas complexas

distintas.

Demonstração. Seja a = ρeiθ, e define-se θk := θ+2kπ

ncom k inteiro.

FIGURA 3. Raízes n-ésimas de z ∈C.

Os n números fornecidos pela fórmula de de Moivre

wk = npρeiθk = n

pρ (cosθk + i senθk ) , k = 0,1, . . . ,n −1,

resolvem zn = a pelo corolário 1.4. Eles são distintos pois 1−n < k− j < n−1 =⇒∣∣∣∣k − j

n

∣∣∣∣<1 =⇒ ∣∣θk −θ j

∣∣= ∣∣∣∣2π

n(k − j )

∣∣∣∣< 2π=⇒ θk 6= θ j .

Como o polinômio tem grau n, os wk são as raízes n-ésimas de a. �

10

EMB

Observe-se que w0 tem argumento θ0 = θ

n. As raízes wk ficam no círculo de raio n

pρ e são

equidistantes sob simetria radial, porque construídas adicionando cada vez o ângulo2π

n.

Exemplos.

i) O quocientezn+1 −1

z −1= zn + zn−1 + . . .+ z2 + z +1 é chamado de polinômio ciclo-

tómico pois seus zeros são as raízes n-ésimas de 1 (diferentes de 1).

ii) Achamosp−1. Embora já saibamos que i 2 = (−i )2 =−1, podemos contudo escre-

ver −1 = cosπ+ i senπ, cujas raízes quadradas são

w0 = cos π2 + i sen π

2 = i

w1 = cos π+2π2 + i sen π+2π

2 =−i

iii) Calculamos 3p3i . Como |3i | = 3, arg(3i ) =π/2, as raízes são

w0 = 3p3(cos π

6 + i sen π6

)= 3p3(p

32 + i 1

2

)w1 = 3p

3(cos 5π

6 + i sen 5π6

)= 3p3(−

p3

2 + i 12

)=−w0

w2 = 3p3(cos 3π

2 + i sen 3π2

)=− 3p3i

iv) Esboçamos os valores de 6p

1 no plano complexo, sem calcular nada explicita-

mente:

FIGURA 4. As seis raízes sextas de z = 1.

Sabendo que 16 = 1, a primeira raiz é 1, de módulo 1 e argumento θ0 = 0. As demais

ficam no mesmo círculo, equidistantes de 2π/6 =π/3, então:

w0 = ei 0 = 1 w1 = eiπ/3 w2 = e2iπ/3

w3 = eiπ =−1 w4 = e−2iπ/3 = w2 w5 = e−iπ/3 = w1

11

EMB

confira-se fig. 4. Como 6p

1 = 3√

2p

1, a própria figura contém também as raízes

quadradas w0, w3 de 1, e suas raízes cúbicas w0, w2, w4:

1 = w 20 = w 2

3 , 1 = w 30 = w 3

2 = w 34 , −1 = w 3

3 = w 31 = w 3

5 .

Assim, o hexágono é determinado pelos triângulos equiláteros com vértices em 1

e −1.

v) Fatoramos o polinômio z2 +2z +3. A fórmula (??) nos diz que a equação corres-

pondente tem soluções z = −2±p4−122 =−1± i

p2, então

z2 +2z +3 =(z +1+ i

p2)(

z +1− ip

2)

.

Isso pode ser visto mais simplesmente ‘completando o quadrado’

z2 +2z +3 = z2 +2z +1+2 = (z +1)2 +(p

2)2

.

De fato quando ∆= b2 −4ac < 0, então az2 +bz + c = a

((z + b

2a

)2

− ∆

4a2

).

vi) Explicar por que (e como exatamente) as raízes np

z de um número complexo z

são determinadas pelo módulop

zz e pelas raízes np

1 = cos2kπ

n+ i sen

2kπ

n, k =

0, . . . ,n −1 do número 1.

1.6. Corolário. Os zeros não reais de um polinômio p(z) ∈ R[z] com coeficientes reais

ocorrem em pares conjugados, e com a mesma multiplicidade:

p(a) = 0 ⇐⇒ p(a) = 0, ∀a ∈C.

Demonstração. Suponha-se que p(z) = ∑ni=0αi zi ∈ R[z] tenha raiz a. Pelo exercício 1.2

ii), p(a) = p(a) = 0 = 0. �

1.7. Corolário. Se a ∈C\R e deg p > 1, então

p(a) = 0 ⇐⇒ p(z) = (z2 −2Re(a)z +|a|2)q(z).

Demonstração. É só notar que z2 −2Re(a)z +|a|2 = (z −a)(z −a). �

1.8. Corolário. Todo polinômio em R[x] de grau ímpar sempre tem uma raiz real (então é

redutível).

Demonstração. Exercício. �

Corolário (Gauß). Os únicos polinômios p(x) ∈ R[x] irredutíveis são de grau 1, ou 2 se

tiverem discriminante ∆ negativo.

Demonstração. Todo p com deg p = 2h + 1, h > 0, é redutível pelo corolário 1.8. Caso

p tenha grau 2k > 2, suas raízes complexas surgem conjugadas em pares a, a, então p é

redutível como em 1.7, pois x2 −2Re(a)x +|a|2 ∈R[x]. �

12

EMB

Exemplo. Fatoramos o polinômio p(x) = x4 +1 ∈ R[x]. A decomposição não é evidente,

pois p não tem raízes reais (p(x) > 0 para todo x). Assim, vamos fatorá-lo em C, achando

suas raízes complexas:4p−1 = wk = ei

(π4 +k π

2

)k = 0,1,2,3

onde w2 = w1, w3 = w0. Então

x4 +1 = (x −w0)(x −w3)(x −w1)(x −w2) [polinômios complexos]

= (x −w0)(x −w0)(x −w1)(x −w1)

= (x2 −2Re(w0)x +|w0|2

)(x2 −2Re(w1)x +|w1|2

)= (x2 −p

2x +1)(x2 +p2x +1). [polinômios reais]

A alternativa, menos agradável, é impor p(x) = (x2+ax+b)(x2+a′x+b′) e achar a,b, a′,b′ ∈R (como p é mônico podemos nos limitar a 4 parâmetros). Note-se que por razões de grau

a única decomposição admissível é ‘2+2’, ambos irredutíveis. Assim

(x2 +ax +b)(x2 +a′x +b′) = x4 + (a +a′)x3 + (b +b′+2aa′)x2 + (ab′+a′b)x +bb′

implica a′+a = 0

b +b′+aa′ = 0

ab′+a′b = 0

bb′ = 1

=⇒

a′ =−a

b +b′ = a2

a(b′−b) = 0

bb′ = 1

Como a = 0 não pode ser solução, obtemos 2b = 2b′ = a2 > 0,b2 = 1, isso é b = 1 = b′, a =p2 =−a′.

Exercícios. Resolver

z2 +3i z +4 = 0, z2 +2z + i = 0, z|z|−2z −1 = 0, |z|2z2 = 1,

z4 = |z|2 +2, z + i z2 =−2i , z3z +3z2 −4 = 0, z2 + zz = 1+2i .

Observação. Toda prova do teorema fundamental da álgebra baseia-se em argumentos

demais avançados para serem apresentados aqui. Conhecendo o cálculo infinitesimal po-

demos fornecer duas explicações rápidas do porquê sempre existem raízes em C.

A) Consideramos um polinômio mônico p(x) ∈R[x] (sem perda de generalidade). Se deg p

for ímpar, o corolário 1.8 nos diz que há um zero.

Caso deg p seja par, no entanto, lim|x|→∞

f (x) = +∞. Assim se não tiver nenhuma raiz, o

mínimo de p, digamos no ponto crítico r , satisfaz p(r ) > 0. Agora tomemos p(z) ∈ C[z]

e consideramos a função |p| : C = R2 → R. Esta é diferenciável em z se e somente se

p(z) 6= 0. Por um lado, |p| deve ter mínimo. Por outro lado todo ponto crítico de |p| é uma

sela. Então um ponto de mínimo tem que ser um ponto onde p não é diferenciável.

13

EMB

Por exemplo: p(x) = x2 + 1 ∈ R[x] tem um ponto crítico x = 0; este é um mínimo pois

p ′′(0) > 0, e neste ponto f (0) = 1 > 0.

Porém para p(z) = z2 +1 ∈ C[z] temos |p|(x, y) = √((x2 − y2)+1)2 +4x2 y2. O ponto 0 é

crítico e p(0) = 1, mas é uma sela, pois p(ε) > 1 > p(iε) para todo ε ∈R.

B) A segunda explicação, que imita a ideia original do Gauß, é a seguinte. Apresentamos

o argumento para o grau 2 pois sua generalização é imediata. Escrevemos z2 +pz +q = 0

em coordenadas polares, obtendo a interseção das superfícies{u(ρ,φ) := ρ2 cos2φ+pρ cosφ+q = 0

v(ρ,φ) := ρ2 sen2φ+pρ senφ+q = 0

Fixando ρÀ 0 (fora de uma circunferência grande o bastante), as funções ρ−2u,ρ−2v se

comportam como cos2φ, sen2φ, isso é tomam valores positivos e negativos alternados. As

curvas u = 0 = v são assintóticas às retas cos2φ = 0 = sen2φ e devem existir interseções

comuns.

Para grau maior, aumenta o número das assíntotas, pois cosnφ= 0 = sennφ representam

dois sistemas de n retas pela origem ‘alternadas’.

Eventualmente estamos prontos para provar a decomposição em frações parciais (??). A

prova é dividida em duas partes para simplificar a leitura.

1.9. Proposição. Sejam a(x)/b(x) ∈R(x) uma função racional com a(x),b(x) coprimos, e

α uma raiz de b(x) de multiplicidade m. Então existem uma única constante A ∈R e uma

única função racional a′(x)/b′(x) ∈R(x), com a′(x),b′(x) coprimos, tais que degb′ < degb

ea(x)

b(x)= A

(x −α)m+ a′(x)

b′(x).

14

EMB

Demonstração. Pela hipótese b(x) = (x −α)mb1(x) com b1(α) 6= 0. Assima(x)

b(x)− A

(x −α)m= a(x)− Ab1(x)

(x −α)mb1(x),

e deg(a−Ab1) < degb. Pretendemos encontrar A de modo que o membro à direita tenha as

propriedades requeridas para a′(x)/b′(x). Como a e b1 não tem raízes comuns, as raízes de

b1 não podem ser às de a − Ab1. A única raiz comum possível é o número α determinado

por a(α)− Ab1(α) = 0. Com esta escolha

a(x)− Ab1(x)

(x −α)mb1(x)= a′(x)

b′(x),

onde deg a′ < degb′ < degb. Aliás, há b′(x) = (x −α)nb1(x) para um n < m, e a tese está

demonstrada. �

1.10. Proposição. Sejam a(x)/b(x) ∈R(x) uma função racional com a(x),b(x) coprimos,

e α+ iβ ∉ R uma raiz de b(x) de multiplicidade m. Então existem, únicas, constantes

B ,C ∈ R e uma função racional a′(x)/b′(x) ∈ R(x), com a′(x),b′(x) coprimos, tais que

degb′ É degb −2 ea(x)

b(x)= B x +C(

(x −α)2 +β2)m + a′(x)

b′(x).

Demonstração. Sabemos que b(x) = ((x −α)2 +β2

)mb1(x), com b1(α±iβ) 6= 0 pelo coro-

lário 1.7. Agora procuramos B ,C de modo quea(x)

b(x)− B x +C(

(x −α)2 +β2)m = a(x)− (B x +C )b1(x)(

(x −α)2 +β2)m b1(x)

satisfaça as hipóteses. Para fazer isso impomos que a(x)−(B x+C )b1(x) tenha raízes α±iβ:

a(α± iβ)− (B(α± iβ)+C

)b1(α± iβ) = 0,

o que implica, por subtração, 2i Bβ= a(α+ iβ)

b1(α+ iβ)− a(α− iβ)

b1(α− iβ). Como o membro direito é

imaginário, e β 6= 0, isso fornece um único valor B ∈R. Fazendo a soma das relações acima,

dá um único C . Agora é fácil verificar que esses números verificam o enunciado. �

1.3. NÚMEROS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES.

Definição. A um número complexo dá-se o nome de número algébrico se for raiz de um

polinômio com coeficientes em Q (ou, equivalentemente, em Z).

São algébricos todos os números obtidos usando uma forma finita de adições, multiplica-

ções e raízes n-ésimas, e portanto os números algébricos formam um corpo Q, o fecho

algébrico de Q. Isso não significa que todo número algébrico possa ser representado deste

15

EMB

modo: os zeros de x5−x+1, contudo algébricos, não se escrevem por operações aritméticas

e extraindo raízes. (Z teoria de Galois).

Para cada número algébrico a existe um único polinômio mônico ma(x) ∈ Q[x] de grau

mínimo n entre os polinômio com raiz a, dito polinômio mínimo de a. Neste caso a é

dito algébrico de grau n.

Exemplos.

• deg a = 1 ⇐⇒ a ∈Q, porque todo número racional a = p

qtem polinômio mínimo

x −p/q .

• deg a = 2 ⇐⇒ a = q1 + q2p

n com q1, q2 ∈ Q e n > 1 sem quadrados (irracional

quadrático).

• os irracionais qp

r com r ∈R+, q ∈Z (soluções de xq − r = 0).

• os números da forma cosθ, senθ quando θ ∈QπDemonstração. Se θ = mπ/n com m,n ∈Z então z = cosθ+ i senθ satisfaz z2n −1 = 0. (De fato, sabemos que um real diferente de 0,±1 é desta forma se e somente

se é a parte real de uma raiz da unidade.) �

Por exemplo:

cos(3π/7) é solução de 8x3 −4x2 −4x +1 = 0;

2cos(π/5) = φ é a razão áurea (??), solução de φ2 −φ−1 = 0. Ver [?] pela

relação entre π e φ.

• O número complexo a +bi é algébrico se e somente se a,b são algébricos.

Os números não algébricos ‘transcendem’ o alcance dos métodos algébricos, citando Euler

quem os batizou assim. Mais precisamente, consideramos polinômios q(x) ∈ Q[x] não

constantes:

1.11. Definição. O número r ∈ R é dito transcendente (sobre Q) se nenhum polinômio

q(x) ∈Q[x] não nulo tem raiz r .

Equivalentemente, o homomorfismo de avaliação

Q[x] −→ R

q(x) 7−→ q(r )

é injetivo.

Exemplos (de números transcendentes).

• π (provado pelo von Lindemann no 1882), e (provado pelo Hermite no 1873).

16

EMB

• ea é transcendente, para todo a 6= 0 algébrico (teorema de Lindemann–Weierstraß).

Em particular, sen a,cos a, tan a, logb transcendentes, para todo a 6= 0,b 6= 0,1

algébrico; por exemplo: e,ep

2, sen1, log2.

Também π é transcendente:

Demonstração. (por absurdo) π ∈Q=⇒ 2πi ∈Q então e2πi = 1 ∉Q. EE �

•∞∑

n=0β2n

com β algébrico, 0 < |β| < 1.

• ab é transcendente para a,b ∈ C com a algébrico 6= 0,1 e b algébrico irracional

(teorema de Gelfond–Schneider, solução do 7o problema de Hilbert [?]);

por exemplo: eπ = (−1)−i , i i = e−π/2,2p

2,p

2p

2 são transcendentes.

Excepção:(p

2p

2)p2

=(ep

2lnp

2)p2 = e

p2ln

(ep

2lnp

2)= e2ln

p2 = 2 é algébrico.

Corolário. Os números algébricos são enumeráveis, no entanto os números transcenden-

tes são mais que enumeráveis.

Demonstração. A equação algébrica geral de grau nn∑

i=0ai xi = 0, ai ∈Z,

depende de n+1 números inteiros. Então tem ℵ0 ·(n+1) =ℵ0 equações algébricas de grau

n. Cada uma dessas tem n soluções, e assim há ℵ0 ·n =ℵ0 números algébricos de grau n.

Em total, tem ℵ0 ·ℵ0 = números algébricos: card(Q) =ℵ0.

Portanto tem∣∣∣C\Q

∣∣∣= ∣∣C∣∣−ℵ0 =ℵ1 −ℵ0 =ℵ1 números não algébricos. �

FIGURA 5. Distribuição dos números algébricos (em cor) em C. A maior

parte do plano fica no escuro.

Usando este simples argumento de cardinalidade o Cantor (1874) mostrou que

Corolário. Existem números transcendentes: Q(C.

17

EMB

Historicamente porém, esse fato é posterior à descoberta feita pelo Liouville (1844) que∑∞j=110− j ! (dito constante de Liouville) é transcendente. Mais geralmente, todo número

de Liouville (de modo ingênuo, um número com aproximações racionais melhores de

qualquer número irracional algébrico Z aproximação diofantina) é transcendente.

Exemplos (problemas abertos Z teoria dos números transcendentes).

• não é conhecido se π±e,πe±1,ππ,ee,πe,πp

2,eπ2 são transcendentes (nem se são

irracionais!).

Porém, se a,b ∉Q então ao menos um entre a +b e ab é transcendente:

Demonstração. Como (x − a)(x − b) = x2 − (a + b)x + ab, se ambos a + b e ab

fossem algébricos, também as raízes a,b o seriam. EE �

Excepções: π+eπ,πeπ,eπp

n (para todo n ∈N) são transcendentes.

• se ζ é a zeta de Riemann (??), então é sabido que ζ(3) ∉Q; não se sabe se ζ(2k+1),

com k > 1, é irracional.

• os teoremas citados acima estão generalizados na conjetura de Schanuel: dados

z1, . . . , zn ∈ C linearmente independentes sobre Q, então o grau de transcendência

de Q(z1, . . . , zn ,ez1 , . . . ,ezn ) sobre Q é maior que ou igual a n.

Uma ótima apresentação encontra-se em [?].

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA APLICADA, INSTITUTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA, UNIVERSIDADE FEDERAL FLU-

MINENSE • CAMPUS DO GRAGOATÁ (BLOCO G), RUA PROFESSOR MARCOS WALDEMAR DE FREITAS REIS S/N, 24210-201

NITERÓI/RJ, BRAZIL

E-mail address: [email protected]

18