Estudos Sobre Eklesia

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“Ekklesia“Ekklesia””Steve AtkersonSteve Atkerson

01 - RESTAURANDO A IGREJA01 - RESTAURANDO A IGREJA

Steve Atkerson

Através de toda a História, Deus tem levantado homens para chamar a Igreja à obediência, à ação ou para prestar contas. Muitas vezes esses homens se encontraram frente a duas opções:

Permanecer no sistema vigente e tentar restaurar a Igreja, atuando do lado de dentro delas (como os Puritanos) ou,

Retirar-se delas e seguir ao Senhor em obediência (como os Separatistas).

Muitos homens corretos escolheram tanto um quanto o outro caminho.

Durante o século 16, havia duas Reformas simultâneas. A mais famosa, a Protestante, foi encabeçada por homens  como Martinho Lutero e João Calvino (embora Lutero tenha começado como puritano, foi depois obrigado a tornar-se separatista, quando a Igreja Católica o excomungou). Esses reformadores protestantes ajudaram a restaurar a teologia (ortodoxia) da Igreja, com ensinamentos

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bíblicos como a salvação gratuita, por meio da fé. Devemos imensamente a esses homens.

Porém, os reformadores não restauraram por completo a prática da Igreja (ortopráxis). Como Constantino (um imperador romano “cristão” do quarto século) transformou os templos pagãos em catedrais cristãs, os protestantes em grande parte somente transformaram as catedrais católicas em catedrais protestantes.

Menos famosa era a chamada Reforma Radical. Esses reformadores também desejaram ver a Igreja de Deus restaurada como era em suas origens neo-testamentárias, não somente na teologia, mas também em sua prática.

Foram chamados “radicais” pelos seus perseguidores. “Radicais” no sentido de serem “extremos” ou mesmo desequilibrados. Tristemente, seus perseguidores eram católicos e protestantes (isso fez com que os perseguidores mesmos fossem um tanto infames, baseando-nos em João 13:34-35). Porém, poderíamos considerar equilibrados alguns dos servos do Senhor? Era equilibrado Jeremias que andava continuamente gemendo (se lamentando)? Que falar de Ezequiel, que se deitou do lado esquerdo por mais de um ano e depois se voltou e se deitou do lado esquerdo por quarenta dias? E de Isaias, que andou nu por três anos? A você, parecem esses homens equilibrados? No que tange a obedecer às Escrituras, ser “radical” é o que o Senhor espera de nós!

Como o sistema estabelecido judeu não crente perseguia a Igreja primitiva, como os católicos perseguiam aos protestantes, como ambos (católicos e protestantes) perseguiam aos anabatistas e como os anglicanos perseguiam aos batistas, também você pode esperar um certo grau de oposição quando escolhe defender à verdade. Alegre-se porque uma grande recompensa o espera no céu (Mateus 5:12).

A viagem pela frente pode ser difícil. Desilusão, solidão, desânimo e decepção potencialmente o aguardam. Em tais ocasiões, volte seus olhos para o Senhor para que Ele possa operar com Seu grande poder através de sua

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debilidade. Além do mais, a Igreja pertence a Ele e, em razão disso, qualquer problema é Dele. Jesus não se preocupa por nada!

Para termos alguma esperança verdadeira de êxito na obra de Igrejas domiciliares, existem pelo menos duas coisas necessárias: Primeiro, deve haver um amor absoluto, decidido, resoluto e inquebrantável para com o Senhor Jesus Cristo. Esse amor se expressará por uma obediência absoluta, decidida, resoluta e inquebrantável a todos Seus mandamentos. Assim, a Palavra de Deus deve ser alçada como a autoridade sem erro que preside a tudo que se diz, se pensa ou se faz. Segundo, o grupo mais desenvolvido tem que possuir um amor imperecível pelos irmãos. A menos que exista um compromisso total com o Senhor e com Seu povo, uma Igreja domiciliar enfrentará problemas sérios (João 14:15, 21:24 e 15:9-17).

Devemos amar a Jesus o suficiente para levar-mos a Igreja a cumprir tudo o que Jesus ordenou. Também devemos amar aos irmãos o suficiente para relevar suas faltas, deficiências e imprudências. Sim, as pessoas têm problemas! Ninguém é perfeito. Por esse motivo, os restauradores devem ser pacientes, resignados e compreensivos com os demais nas assembléias.

Como se vê, “extremo” não é a única definição de “radical”. Radical vem do latim radix e simplesmente significa raiz. Os reformadores radicais desejavam voltar no tempo bem antes de Constantino, até chegar às raízes da Igreja do Novo Testamento. Juntemo-nos a eles e ajudemos a completar tudo que era bom em ambas as Reformas. Depois que os judeus estiveram no cativeiro da Babilônia por setenta nos, Deus providencialmente levantou um governante pagão que se inclinou a outorgar a liberdade aos judeus, para que eles retornassem à Terra Prometida. Ainda assim, a poucos deles convinha regressar à sua terra - a Babilônia era mais confortável e Jerusalém estava muito destruída. Somente uma minoria, dirigida por Neemias, Esdras e Zorobabel se aventurou a reconstruir o que se havia perdido. Você enfrenta hoje uma decisão similar. Seja qual for a sua, a de ser um

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puritano ou um separatista, você ajudará a reedificar a Igreja ou ficará descansando na Babilônia?

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02 - QUEM SOMOS E NO QUE CREMOS02 - QUEM SOMOS E NO QUE CREMOS

Otto Amaral

Nós, que fazemos este site, assim como os membros da Fundação para Restauração do Novo Testamento (New Testament Restoration Foundation, NTRF, com sede na Geórgia, EUA), com quem mantemos uma frutífera comunhão, somos partes de um crescente corpo de servos do Senhor que percebeu a importância de seguir os padrões da Igreja do Novo Testamento. Temos em nossos corações a crença de que a Bíblia é nossa autoridade final, não apenas em matéria de fé, mas também em matéria de práticas. Nós vemos importância e influência teológicas nas distintas tradições da Igreja apostólica.

O uso da expressão “restauração” não reflete a crença, de nossa parte, de que a Igreja verdadeira tenha, de qualquer modo, deixado de existir depois do tempo dos apóstolos. Deus tem guiado e preservado Seus eleitos através dos anos. Nós nos sentimos profundamente devedores àqueles que nos precederam e de boa vontade permaneceram fiéis. A idéia de “restauração” nasceu do nosso desejo de ver as práticas do Novo Testamento (ortopraxis) restauradas na Igreja de hoje, assim como a teologia do Novo Testamento (ortodoxia) foi restaurada durante a Reforma.

Nós buscamos ajudar aos outros a recuperar a intimidade, a simplicidade, a responsabilidade e o dinamismo da Igreja do primeiro século. Nossa meta é oferecer gratuitamente ou a preço de custo, recursos e treinamento sobre como a Igreja primitiva se reunia coletivamente, em comunidade. Embora não visemos qualquer tipo de remuneração ou lucro, agradecemos a generosidade dos que se mostrarem inclinados a ajudar no atendimento às nossas despesas. Isso, sem nenhuma pressão ou idéia de cobrança.

Todos nós acreditamos nas Doutrinas da Graça contida na Teologia do Novo Testamento (New Covenant Theology) e concordamos com a Declaração de Chicago

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quanto à Inerrância da Bíblia. Os pontos essenciais da fé que praticamos são idênticos àqueles encontrados nas declarações de fé de qualquer instituição evangélica bem fundamentada. Nossa principal declaração de fé é a Primeira Confissão Batista de Londres, de 1644 (First London Baptist Confession of 1644), disponível na NTRF, provisoriamente apenas em inglês.

Veja, a seguir, algumas das práticas apostólicas que gostaríamos de ver restauradas:

Igrejas que se reúnem em residências:

Esta é a forma de se reunir da Igreja do Novo Testamento. Deus escolheu as “coisas fracas” como meio de atingir Seus propósitos (1Coríntios 1:27-29) e não equipara tamanho a competência.

A Igreja deve ser operada como uma família, não como uma empresa.

As instruções deixadas pelos apóstolos sobre como deveriam ser as Igrejas, foram dadas tendo em mente Igrejas domiciliares. Essa é a razão pela qual as instruções funcionam bem em Igrejas domiciliares e não tão bem em grandes Igrejas.

Reuniões domiciliares fomentam comunidade, intimidade e responsabilidade entre os membros do corpo de Cristo, a Igreja.

Sem demasiadas despesas (como as de construção e equipamento de um edifício), as finanças são dirigidas para as pessoas necessitadas e para o custeio de missionários.

A Igreja e a unidade familiar devem ser integradas, não segregadas.

Igrejas que sejam informais e interativas:

Todos os irmãos devem participar do culto, para edificação do corpo como uma só peça (1Coríntios 14). Participação aberta deve ser a regra, não a exceção.

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A única declaração peremptória sobre o culto das Igrejas do primeiro século é encontrada em 1Coríntios 14. Ela determina que “todos” (14:26) têm algo com que contribuir e o resultado é a edificação do corpo. Sermões de 45 minutos feitos por um só homem, enquanto os outros permanecem em silencio eram inexistentes nos cultos das Igrejas do Novo Testamento.

O objetivo das reuniões no Novo Testamento é a mútua edificação e não louvor de produção espetacular (embora o louvor seja um meio através do qual a Igreja pode ser edificada).

A Ceia do Senhor celebrada biblicamente:

A ceia do Senhor foi o motivo principal para as reuniões da Igreja no Novo Testamento (Atos 20:7, 1Coríntios 11:18-20, 11:33).

A Ceia do Senhor consistia numa refeição completa, não num pedaço de biscoito salgado e um copinho de suco de uva (1Coríntios 11:21, Atos 2:46 e Judas 12).

Durante a refeição deve haver um pedaço de pão e um único copo (1Coríntios 10:16-17). Essa particularidade, Paulo nos instrui, gera unidade no corpo.

A atmosfera da Ceia do Senhor é alegria, contentamento (Atos 2:46) e não reflexão solene, pois o foco do acontecimento é a prazerosa antevisão da volta do Jesus e não a indignidade dos participantes.

Direção da Igreja por Consenso do Corpo

A direção da Igreja deve ser feita por consenso de todos os membros. Isso não é o mesmo que o domínio da maioria, mas o domínio da integralidade!

As Igrejas devem ser orientadas pelos anciãos ao invés de governadas pelos anciãos.

A autoridade deve estar com a integralidade dos membros da Igreja e não com seus anciãos.

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Os títulos “anciãos”, “bispos” e “pastores” são usados no Novo Testamento indiferentemente e se referem ao mesmo tipo de pessoa. Anciãos (ou pastores) da Igreja devem ser seus caseiros (ou serviçais). Idealmente, devem ser treinados por outros líderes da própria Igreja e não por professores de seminário (2Timóteo 2:2).

Anciãos (ou pastores) da Igreja precisam apresentar primeiramente qualificações morais e não títulos acadêmicos (1Timóteo 3, Tito 1).

Anciãos (ou pastores) da Igreja devem prioritariamente proteger o rebanho e não apresentarem sermões de 45 minutos. Sua função é de apoio de retaguarda.

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03 - A CEIA DO SENHOR:03 - A CEIA DO SENHOR:BANQUETE OU MIGALHAS?BANQUETE OU MIGALHAS?

Steve Atkerson

A comida é, como se costuma dizer, “o que tiver”. Todos trazem alguma coisa para dividir com alguém. Quando o tempo está bom, todo o alimento é colocado numa mesa dobrável no abrigo dos carros. Uma pequena mesa quadrada em cada ponta, contém os refrigerantes, copos, garfos, guardanapos, etc. Uma grande vasilha plástica, no chão ao lado das mesinhas, tem uma boa quantidade de cubos de gelo. As crianças correm em volta de tudo isso com tanta alegria que é preciso que seus pais as interrompam e as segurem para que comam alguma coisa. Depois de uma oração de agradecimento, as pessoas se alinham em fila, conversando e sorrindo, para servirem seus pratos. Em meio a todo o alimento, fica um simples filão de pão, ao lado de uma grande jarra plástica contendo suco de uvas. Cada crente participa do pão e do suco, enquanto na fila. As crianças menores são encorajadas a ocupar um dos não muitos lugares à mesa. Elas são, como sempre, bagunceiras. As cadeiras dos adultos (normalmente não há o suficiente para todos) são agrupadas em círculos, ocupadas principalmente pelas mulheres, que comem enquanto conversam sobre aulas em casa, treinamento infantil, costura, algum evento social futuro, a nova Igreja que estamos para iniciar, etc. Muitos dos homens comem de pé, equilibrando seus pratos sobre os copos, reunidos em pequenos grupos, resolvendo os problemas do mundo ou ponderando sobre algum contraditório tópico de teologia. A atmosfera não é a de um banquete de casamento. A ocasião é de um especial tempo de congraçamento, encorajamento, edificação, amizade, carinho, apoio, conhecimento mútuo, orações solidárias, exortação e amadurecimento. Qual é a razão desse evento? No caso de você ainda não o ter reconhecido, esta é a Ceia do Senhor, no estilo do Novo Testamento!

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Por estranho que possa parecer às Igrejas nossas contemporâneas, as Igrejas do primeiro século se alegravam na Ceia do Senhor, de forma a fazer dela uma antevisão do futuro banquete das bodas do Cordeiro. Não foi somente após o fim da era do Novo Testamento, que os pais das Igrejas alteraram a Ceia do Senhor, de sua forma original, para um serviço memorial, isto é, comemorativo. Nós advogamos a volta à forma original instituída por Cristo e Seus apóstolos.

Sua Forma e Objetivo: uma Festa e o Futuro

Verdadeiramente, a primeira Ceia do Senhor é também chamada de a Última Ceia por haver sido a última refeição da qual Jesus Cristo compartilhou com seus discípulos, antes de Sua crucificação. A ocasião foi a Páscoa. Naquele banquete de Páscoa, Jesus e Seus discípulos se reclinaram numa mesa muito farta (Êxodo 12, Deuteronômio 16). A tradição judaica nos diz que esses banquetes duravam normalmente várias horas!  Durante a refeição, “enquanto comiam” (Mateus 26:26), Jesus tomou uma fatia de pão e a comparou com seu corpo. Ele tomou também um copo e fez com que todos tomassem dele. Em seguida, “depois de cear” (Lucas 22:20), Jesus pegou novamente o copo e o comparou com seu sangue, que seria brevemente derramado. Assim, o pão e o vinho da Ceia do Senhor foram introduzidos no contexto da ceia completa, a Páscoa. Teriam os Doze talvez deduzido que a então recém-instituída Ceia do Senhor não se destinava a ser uma ceia real? Ou teriam assumido naturalmente que ela era um banquete, assim como o da Páscoa?

“A Páscoa celebrava dois eventos: a libertação do cativeiro no Egito e a antecipação da vinda do Messias” (Reinecker, Linguistic Key to Greek NT, p.207). Logo após essa Última Ceia, Jesus se tornaria o último carneiro sacrificial da Páscoa, sofrendo na cruz para libertar Seu povo de seus pecados. Jesus entusiasticamente desejara comer a Páscoa com seus discípulos, dizendo que “nunca mais a comerei, até que ela se cumpra no reino de Deus” (Lucas 26:16). Note que

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Jesus olhou para o futuro, para um tempo no qual Ele poderia “comer” a Páscoa “novamente” no reino de Deus. O “cumprimento” (Lucas 22:16) disso evidentemente foi depois escrito por João em Apocalipse 19:7-9. Ali, um anjo declara: ”Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro”. A Última Ceia e as Ceias do Senhor das primitivas Igrejas eram voltadas para seu cumprimento na ceia do casamento do Cordeiro. (E que melhor forma de representar um banquete, do que com um banquete?).

Seu futuro banquete de núpcias esteve muito na mente de nosso Senhor naquela noite. Ele mencionou isso no início da ceia de Páscoa (Lucas 22:16). Ele o mencionou novamente quando oferecendo o copo e dizendo: “não mais beberei do fruto da videira, até que venha o reino de Deus” (Lucas 22:18). Depois da ceia, ainda uma vez mais, Ele se referiu ao assunto: “Assim como meu Pai me confiou um reino, eu vo-lo confio, para que comais e bebais à minha mesa no meu reino...” (Lucas 22: 29-30).

Enquanto os gentios do século 21 associam o céu com nuvens e harpas, os judeus do primeiro século imaginavam o céu como um tempo de banquete à mesa do Messias. A idéia de comer e beber à mesa do Messias foi uma imagem comum no pensamento judeu do primeiro século. A respeito, um líder judeu disse certa vez a Jesus: “Abençoado é o homem que comerá o banquete no reino de Deus” (Lucas 14:15). Em Mateus 8:11 Jesus mesmo disse que “muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus”.

O ato de comer que é associado com a volta do reino de Cristo é visto também na oração modelo de Mateus 6:9-11. Referindo-se ao Reino, Jesus nos disse para orar assim: “venha o teu reino”. A sentença imediatamente seguinte é “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje”. Interessante é que a frase grega empregada em 6:11 é de difícil tradução. Literalmente, ela significa algo como “o pão nosso pertencente ao dia seguinte dá-nos hoje”. Ligando 6:11 com 6:10, Jesus

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bem poderia estar nos ensinando a pedir que o pão do banquete Messiânico (o reino que estamos pedindo que venha) nos seja dado hoje!

O mais extensivo tratamento sobre a Ceia do Senhor está nos capítulos 10 e 11 de 1Coríntios. As profundas divisões dos crentes de Corinto resultaram em que seus encontros para a Ceia do Senhor faziam mais mal do que bem. (11:17-18). Eles estavam participando da Ceia de uma maneira “indigna” (11:17). Evidentemente os ricos, não desejando comer com os de classe social mais baixa, iam para o encontro mais cedo e permaneciam por tanto tempo que alguns chegavam a se embriagar. Piorando as coisas, quando os trabalhadores chegavam, retardados por razões de seus serviços, o alimento havia se acabado e eles iam embora com fome (11:21-22). Alguns dos de Corinto falharam ao deixarem de reconhecer que a Ceia era sagrada e que era uma refeição também de compromisso, de pacto (11:23-32). Os abusos foram de tal monta que eles deixaram de realizar a Ceia do Senhor (11:20) e instituíram sua “própria” ceia (11:21). Então, Paulo perguntou: “Não tendes, porventura, casas onde comer e beber?”. Se o objetivo fosse que alguém meramente comesse sua ceia, um jantar privado em casa poderia ser realizado. O pecado do egoísmo havia traiçoeiramente roubado a própria essência do que era a Ceia do Senhor.

Pela natureza do abuso cometido, é evidente que a Igreja de Corinto regularmente partilhava da Ceia do Senhor como uma verdadeira e completa refeição. Em contraste, ninguém hoje vai a uma Ceia do Senhor esperando ter sua fome física satisfeita, nem seria possível se embriagar, ao tomar um minúsculo copo de vinho (e, menos ainda, de suco de uva). Entretanto, a inspirada solução para o abuso dos coríntios contra a Ceia do Senhor não foi a de que a Igreja deixasse de tomá-la como uma refeição verdadeira. Ao contrário, Paulo escreveu: “... quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros”. Apenas os esfomeados, os indisciplinados e os egoístas que não podiam esperar pelos outros eram instruídos a “comer em casa” (1Coríntios 11:34).

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Paulo escreveu à Igreja de Corinto cerca de 20 anos depois de Jesus haver participado de sua Última Ceia. Justamente por ter sido a Última Ceia uma refeição verdadeira, é que os coríntios entenderam que a Ceia do Senhor deveria ser também uma ceia verdadeira.

Especificamente, a palavra grega para “ceia” (1Coríntios 11:20) é deipnon - (deipnon), que representa “jantar, refeição principal da noite, banquete”. Ela jamais se refere a algo menos do que uma refeição completa, nunca se refere a algo como um antepasto, um lanche ou um “couvert”. Por que razão os autores do Novo Testamento usariam deipnom para se referirem à “Ceia” do Senhor, se ele não fosse realmente uma verdadeira ceia? A Ceia do Senhor originalmente continha muitas reminiscências. Como uma refeição completa, ela prefigurava o banquete do reino vindouro, a ceia das bodas do Cordeiro.

A opinião dos estudiosos apresenta claramente a conclusão de que a Ceia do Senhor foi originalmente comida como uma refeição completa. Donald Guthrie, no livro The Lion Handbook of the Bible, afirma que “nos primeiros tempos a Ceia do Senhor acontecia durante uma refeição comunal. O que sobrava era levado, pois era dividido igualmente entre todos”. O Dr. John Drane, em The New Lion Encyclopedia, comenta que “Jesus instituiu essa refeição comum no tempo da Páscoa, como a última ceia compartilhada com seus discípulos antes de sua morte”... a Ceia do Senhor volta-se para trás, para a morte de Jesus, mas volta-se também para frente, para o tempo de Sua volta! Durante o período do Novo Testamento a Ceia do Senhor foi uma refeição verdadeira, compartilhada nos lares dos cristãos. As deformações na realização da Ceia começaram a ocorrer somente depois que ela começou a ser realizada em prédios especiais, depois que as orações e louvores originados das sinagogas e de outras origens foram enxertadas no cristianismo nascente, para a criação de uma grande cerimônia. J. G. Simpson, numa citação sobre a eucaristia, no livro The Dictionary of the Bible (O Dicionário da Bíblia), observa que “o nome Ceia do

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Senhor, não obstante derivado de 1Coríntios 11:20, não é aqui aplicado ao sacramento em si mesmo, mas ao Banquete de Amor ou Ágape, uma refeição comemorativa da Última Ceia e ainda não separada da Eucaristia, quando Paulo escreveu”. Canmon Leon Morris, em seu Commentary on the 1Corinthians for the Tyndale New Testament Commentaries (Comentário a 1Coríntios para os Comentários do Novo Testamento Tyndale) insiste que 1Coríntios 11 ”revela que, naquela fonte, a Sagrada Comunhão não era simplesmente uma comemoração, como hoje entre nós, mas uma refeição real. Além do mais, é bem claro que era uma refeição para a qual cada um dos participantes trazia comida”. Howard Marshal, em Christian Beliefs (Crenças Cristãs) ressalta que a Ceia do Senhor “foi observada por Seus discípulos, primeiramente como parte de uma refeição comunal, domingo após domingo”.

SUAS FUNÇÕES:

A – Relembrar a Jesus

O ato de partilhar o pão e o vinho tinha importantes funções. Uma delas era relembrar a Jesus Sua promessa de retorno. “Relembrar” a Deus de Suas promessas é um conceito inteiramente bíblico. Na aliança que Deus fez com Noé, Ele prometeu não mais destruir a Terra por inundação, deixando como fiança disso o arco-íris. Esse símbolo existe certamente para relembrar ao Senhor da promessa, tanto que Ele declarou, em Gênesis 9:16: “quando o arco-íris aparecer nas nuvens, eu o verei e relembrarei do eterno pacto entre Deus e todas as criaturas viventes, de todos os gêneros, na Terra”.  Mias tarde, em uma história de redenção, como parte de seu pacto com Abraão, Deus prometeu dar aos israelitas livramento de seu cativeiro no Egito. Ao mesmo tempo, “Deus, ouvindo seus gemidos, lembrou-se de seu pacto com Abraão, Isaque e Jacó. E viu Deus os filhos de Israel e atentou para a sua condição” (Êxodo 2:24-25). Durante o cativeiro babilônico,

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Ezequiel se lembra de que Deus prometeu a Jerusalém: “Eu me lembrarei da aliança que fiz contigo” (Ezequiel 16:60).

A Ceia do Senhor é o símbolo da Nova Aliança. Quando Jesus pegou o copo, disse: “... isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” (Mateus, 26:28). E, como qualquer símbolo, ele serve como lembrete. Assim, Jesus disse que devemos partilhar o pão “... em memória de mim” (Lucas 22:19). A palavra grega para “memória” é anamnesis - (anamnhsiv) e significa “lembrete”. Traduzido literalmente, Jesus disse: “faça isso em memória a mim, ou para meu lembrete”.  A questão que se nos apresenta agora é se esse lembrete é principalmente para Jesus ou para nós. A frase “de mim” ou “meu” é traduzida de uma só palavra grega, emos, que gramaticalmente denota posse (isto é, o lembrete pertence a Jesus). Então, a Igreja partilhará o pão na Ceia do Senhor especificamente para relembrar Jesus de Sua promessa de retornar e comer a Ceia novamente, em pessoa (Lucas 22:16, 18). Compreendida dessa forma, a frase foi originalmente criada para ser como que uma oração pedindo a Jesus que retorne (“... venha o teu reino”, Mateus 6:10). Assim como o arco-íris relembra Deus de seu acordo com Noé, assim como os gemidos relembram Deus de seu concerto com Abraão, também o partilhar do pão na Ceia do Senhor foi criado para relembrar Jesus de Sua promessa de retornar. Colin Brown cita J. Jeremias com o entendimento de que Jesus usou anamnesis - (anamnhsiv) no sentido de um lembrete para Deus, ”A Ceia do Senhor deveria então ser uma oração interpretada, representada” (NIDNTT, III, pág. 244).

Paulo, em 1Coríntios 11:26 confirma essa idéia, ao declarar que a Igreja, ao comer a Ceia do Senhor, realmente “proclama a morte do Senhor, até que ele venha”. Para quem ela proclama Sua morte, e porque? Provavelmente, essa proclamação seria para o Senhor mesmo, como um lembrete para Ele retornar. É importante sabermos que a palavra grega para “até que” é aschri hou. Quando usada no subjuntivo, ela

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gramaticalmente pode denotar uma meta, um objetivo (Reinecker, Linguistic Key to the Greek NT., pág. 34). De acordo com o uso em nossa língua, eu posso usar um guarda-chuva “até que” pare de chover, meramente denotando um espaço de tempo. (Usar o guarda-chuva nada tem a ver com a interrupção da chuva). Porém, não foi assim que “até que” foi usado 1Coríntios 11:26.  Paulo instruiu a Igreja a partilhar o pão e o vinho como um meio de proclamar a morte do Senhor (como um lembrete) “até que” (o objetivo a ser alcançado) Ele seja convencido a voltar! Assim, ao proclamar Sua morte através do pão e do vinho, a Ceia lança a vista ao futuro e antecipa Seu retorno.

A idéia de tentar persuadir ao Senhor a retornar não é diferente do apelo dos santos mártires de Apocalipse 6, que clamaram: “Até quando, ó Soberano, santo e verdadeiro, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (Apocalipse 6:10). O que tinha Pedro em mente, quando escreveu que seus leitores deveriam olhar para frente, para o dia de Deus e “esperar avidamente” sua volta? (2Pedro 3:12). Se fosse inútil tentar persuadir Jesus a voltar, então porque Ele instruiu Seus discípulos a orar “Venha o teu reino, seja feita a tua vontade...?” (Mateus 6:10).

B – Gerar Unidade

Toda essa ênfase na Ceia do Senhor como uma refeição real e completa não representa que desejemos afastar o pão e o vinho, como representativos do corpo e do sangue do Senhor. Ao contrário, eles continuam uma parte importante da Ceia. Mas, assim como o modelo da Ceia do Senhor é importante (uma refeição de amizade que prefigura a ceia das bodas do Cordeiro), também o modelo do pão e do vinho são importantes. Paulo fez menção a “o” cálice de bênçãos e a “o” pão (1Coríntios 10:16-17). O significado de usarmos um copo e um pão na Ceia é que “O pão que partimos, não é porventura a comunhão do corpo de Cristo? Pois nós, embora muitos, somos um só pão, um só corpo;

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porque todos participamos de um mesmo pão” (1Coríntios 10:16-17). O pão único, não apenas ilustra nossa unidade em Cristo, mas de acordo com o verso 17 da passagem acima, inclusive gera unidade. Atente cuidadosamente para as palavras do inspirado texto: o pão é a comunhão do corpo de Cristo – conseqüentemente, nós somos um só corpo, “porque” todos partilhamos de um só pão (1Coríntios 10:17). Compartilhar de um monte de migalhas de biscoito salgado e de uma boa quantidade de copinhos de vinho nos traz a imagem de divisão e individualidade. Enfim, isso afasta completamente a idéia de união. E, o que é pior, isso impediria o Senhor de usar o pão único para criar a unidade no corpo de crentes.

C – Comunhão

Falando à Igreja de Laodicéia, Nosso Senhor ofereceu-se para voltar e “comer” (deipneo, em grego) com todos os que ouvissem sua voz e abrissem sua porta, numa cena de confraternização e comunhão (Apocalipse 3:30). A idéia de que confraternização e aceitação são representadas por comer em comum é derivada, não só da cultura judaica dos tempos de Jesus, mas também das antigas Escrituras.  Êxodo 18:12 revela que Jetro, Moisés, Aarão e todos os anciãos de Israel foram “comer o pão” na “presença de Deus”. Mais um divino banquete ocorreu no concerto do Monte Sinai, quando Moises, Aarão, Nadab, Abiu e os setenta anciãos de Israel foram ao Monte Sinai, onde “eles viram a Deus e comeram e beberam” (Êxodo 24:9-11). É muito significativo que “Deus, porém não estendeu a sua mão contra eles” (Êxodo 24:11). Eles foram aceitos por Deus, como evidenciado pela refeição sagrada que eles comeram na Sua presença.

A comunhão através do comer em conjunto tem seqüência no livro de Atos, onde aprendemos que a Igreja primitiva se devotava ao “congraçamento no partir do pão” (2:42). Nas versões da Bíblia em português, essa passagem (2:42) está assim: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações”. Nas versões

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em inglês, na parte sublinhada acima, não há a separação da vírgula nem o “no” depois dela. Assim, traduzida literalmente, ela ficaria assim: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão partir do pão e nas orações”. Essa segunda forma é mais correta, pois em grego as palavras “comunhão” e “partir do pão” são ligadas entre si, denotando atividades simultâneas. Eles tinham comunhão uns com os outros, quando partiam o pão em comum. Lucas nos informa que essa refeição era realizada com “alegria e singeleza de coração” (Atos 2:46). Assim, soa convidativo, não é? Muitos comentários associam, no livro de Atos, a frase “partindo o pão” com a Ceia do Senhor. Por isso é que Lucas, que escreveu Atos, registrou no seu evangelho que Jesus tomou o pão “e o partiu” na última ceia (Lucas 22:19). Se essa conclusão é correta, então a Igreja primitiva festejava a Ceia do Senhor como um momento de comunhão e alegria, exatamente como fazemos hoje numa festa de casamento.

Sua freqüência: semanal

Nós vimos então a forma original da Ceia do Senhor (uma refeição completa, com um copo de vinho e um pão) e a perspectiva (olhando para o futuro). Um aspecto final e importante precisa ser considerado: sua freqüência. Quando a Igreja do Novo Testamento compartilhava da Ceia? Os católicos romanos estão certos nesse aspecto. Os antigos cristãos comiam a Ceia do Senhor semanalmente, sendo esta a principal razão deles se reunirem todos os domingos.

A primeira evidência é gramatical. A expressão “Dia do Senhor”, em grego, é kuriakon hemeran, que literalmente significa “o dia pertencente ao Senhor” (Apocalipse 1:10). As palavras “pertencente ao Senhor” vêm de kuriakos, que ocorre só no Novo Testamento nesta citada passagem de Apocalipse e em A 1Coríntios 11:20, onde Paulo a emprega para se referir à Ceia do Senhor ou à “Ceia pertencente ao Senhor” (kuriakon deipnon). A conexão entre esses dois usos não pode ser esquecida - se o propósito da reunião de domingo é o de celebrar a Ceia do Senhor, somente faz sentido que essa

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ceia pertencente ao Senhor seja comida no dia também pertencente ao Senhor, o domingo. A revelação dada a João (Apocalipse 1:10) evidentemente ocorreu no primeiro dia da semana, no dia em que Jesus ressuscitou dos mortos e no dia em que a Igreja primitiva se reunia para comer a Ceia pertencente ao Senhor. Esse dia especial, a ressurreição e a ceia são partes que constituem uma mesma perspectiva!

A segunda evidência é que a única razão apresentada no Novo Testamento, para a reunião semanal da Igreja, é a de comerem juntos a Ceia do Senhor.  Em Atos 20:7, sabemos por Lucas que “no primeiro dia da semana, tendo-nos reunido a fim de partir o pão...”. A palavra grega para “a fim de” é um infinitivo que denota um propósito ou objetivo. O encontro era um banquete! Outra passagem do Novo Testamento em que o propósito para uma reunião da Igreja é declarado é 1Coríntios 11:17-22.  As reuniões (11:17) eram realizadas mais para o mal do que para o bem, porque quando os crentes se “reuniam na Igreja” (11:18) eles tinham divisões tão profundas que levavam a que “quando vos reunis no mesmo lugar, não é a Ceia do Senhor que comeis” (11:20). Isso deixa claro que a razão principal para os cultos (ou encontros) era comer a Ceia do Senhor. Lamentavelmente, os abusos na Ceia foram de tal monta que ela deixou de ser a Ceia do Senhor, não obstante eles continuarem a ser reunir todas as semanas para celebrá-la. A terceira e última referência à razão para uma assembléia é encontrada em 1Coríntios 11:33: “quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros”. Como dito antes, isso demonstra que o motivo para estar juntos era “comer”. Como se pode comprovar, além da razão que encontramos, não há nenhuma outra nas Escrituras, para as reuniões semanais regulares da Igreja.

A comunhão e o encorajamento que cada membro experimenta nesses encontros é tremendo! É o equivalente cristão ao bar da vizinhança. É a verdadeira feliz refeição ou a “happy hour”. É o momento que Deus usa para gerar unidade no corpo da Igreja. Esse aspecto das assembléias não pode ser acelerado ou substituído. Certamente é proveitoso que existam momentos, de que fala 1Coríntios 14, de interativa

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explanação da Palavra, louvor, canto, testemunhos e orações – mas que não sejam em prejuízo da Ceia do Senhor semanal!

Considerações Práticas

Praticar hoje a Ceia do Senhor como uma refeição verdadeira é oferecer à Igreja uma grande benção. Vejamos algumas considerações práticas sobre o que fazer para organizar uma.

Atitude – Certifique-se de que a Igreja entenda que a Ceia do Senhor é o principal propósito da reunião semanal. Ela não é um opcional ou secundário tipo de “louvor”. Mesmo que uma Igreja realize apenas a Ceia do Senhor certa semana, ela preencheu o principal objetivo para a existência daquela reunião.

Alimentos - Até onde possível, faça com que todos assumam o propósito de se contentarem com o que houver sido trazido. Isso faz da administração dos alimentos uma tarefa bem mais simples. Creia na soberania de Deus! Em dez anos que fazemos isso em nossa Igreja, houve apenas um domingo em que todos trouxeram apenas sobremesas. Ainda assim, resolvemos o “problema”, simplesmente encomendando pizzas pelo telefone! Superplanejar a refeição pode tirar um bocado do prazer e gerar muito trabalho. A única coisa que é planejada é quem vai fornecer o pão e o fruto da vinha. Normalmente, a família em cuja casa está sendo realizada a reunião oferece isso para a Igreja.

Ofertas – Desde que a celebração da ceia é um padrão do Novo Testamento e algo importante para a vida de uma Igreja funcionando adequadamente, o dinheiro gasto por uma família em alimentos para oferecer aos demais é considerado uma oferta legítima. Ao invés de simplesmente colocar uma oferta no local de coleta cada semana, vá até o supermercado e compre o melhor que você puder e ofereça tudo na Ceia como uma oferta de sacrifício!

Limpeza - Para facilitar a limpeza, você pode considerar o uso de pratos de plástico e guardanapos de

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papel. Na nossa Igreja usamos garfos e copos plásticos, que não precisam ser lavados, mas é porque algumas pessoas descuidadamente lançam fora seus garfos junto com os restos de comida. Então, é preferível que joguem fora garfos plásticos do que garfos metálicos. Para evitar sujeira com os derramamentos de comida, a família que hospeda a reunião fornece, para os pratos, apoios de vime ou plástico, que podem ser reutilizados e não precisam ser lavados sempre.

Logística – No tempo do calor, é mais apropriado comer ao ar livre, à sombra de um abrigo para carros ou uma coberta no quintal. Comida e bebida derramadas são inevitáveis e limpar tudo é muito mais fácil quando fora da casa. Uma grande mesa dobrável pode ser colocada onde necessário e guardada depois da reunião. No tempo frio, quando comemos dentro de casa, pense em cobrir os móveis estofados com um plástico e tecido. Desde que as crianças costumam mesmo fazer sua bagunça, reserve um lugar só para elas à mesa e insista em que elas o utilizem!

O pão e o fruto da vinha - Alguns acham que comer o pão e tomar do copo antes da refeição torna esse ato muito separado do restante da atividade. Seria como se a Ceia do Senhor fosse o pão e o vinho (ou suco de uva) e o restante fosse apenas uma refeição comum. Para adiantar-se a essa falsa dicotomia, tente colocar o copo e o pão na mesa com os outros alimentos da Ceia do Senhor. Os dois elementos podem ser mencionados e introduzidos na oração de abertura do culto e novamente referidos na oração de agradecimento, antes de começarem a comer. Assim, os presentes podem se servir deles ao passarem na fila para se servirem. A forma de como fazer isso é de livre escolha de cada Igreja.

O pão deve ser sem fermento e a bebida deve ser vinho? Os judeus comem pão asmo na ceia da Páscoa para simbolizar a rapidez com que Deus os tirou do Egito. Certamente Jesus usou pão sem fermento na sua última Ceia. Entretanto, nada é dito no Novo Testamento quanto ao uso de pão asmo na Ceia do Senhor das Igrejas gentílicas. Embora às vezes, no Novo Testamento, o fermento seja associado ao pecado (1Coríntios 5:6-8), ele também é empregado para

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representar o reino de Deus (Mateus 13:33)! Como vemos, isso é uma questão de livre escolha. Com relação ao vinho, é claro em 1Coríntios 11 que o vinho foi usado na Ceia do Senhor (alguns ficaram bêbados). Entretanto, nenhuma razão clara é oferecida nas Escrituras para que se faça assim (porém, considere Gênesis 27:28, Isaias 25:6-9 e Romanos 14:21). Como no caso do pão, esta também deve ser uma livre escolha dos participantes do ato.

Não convertidos – Podem os não convertidos serem admitidos a participar da Ceia do Senhor? A Ceia, como ato sagrado, como refeição pactual, tem significado apenas para os crentes. Para os incrédulos, ela é meramente uma refeição. Está claro em 1Coríntios 14:23-25 que não crentes ocasionalmente participam dos cultos. Eles ficam com fome da mesma forma que os crentes – então, convide-os também para comer. Ame-os, como fez Jesus! O risco de tomar a Ceia do Senhor de uma maneira incorreta aplica-se apenas aos crentes (1Coríntios 11:27-32).

A respeito do copo e do pão, se uma criança não crente deseja tomar do suco de uva, por gostar dessa bebida, tudo bem. Porém, se os pais propositadamente oferecem o suco à criança não convertida, como um ato religioso, então essa será uma violação dos princípios da Santa Ceia. Isso seria um erro idêntico ao do batismo infantil.

Pastor ordenado - Algumas Igrejas tradicionais entendem que apenas um pastor ordenado pode oficiar à mesa do Senhor. Isso é evidentemente uma distorção vinda do catolicismo romano. O Novo Testamento não faz essa exigência.

Conclusão

Agora que a forma da Ceia do Senhor no Novo Testamento é conhecida, a questão seguinte com que se deparam os crentes de hoje diz respeito às intenções do Senhor para com as Igrejas posteriores ao primeiro século. Desejou o Senhor que Seu povo celebrasse a Ceia da mesma forma com que era tomada no tempo dos apóstolos? Ou seria

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esse assunto indiferente para Ele? Teríamos a liberdade de nos desviar da forma original da Ceia, que era uma real e completa refeição? Qual a razão de alguém querer se apartar da maneira usada por Cristo e Seus apóstolos de tomarem a Ceia? Os apóstolos ficavam muito satisfeitos quando as Igrejas mantinham as tradições (1Coríntios 11:2) e inclusive ordenavam que eles assim o fizessem (2Timóteo 2:15).

Para resumir tudo o que afirmamos, a Ceia do Senhor é o principal propósito para que a Igreja se reúna em todos os Dias do Senhor. Comer a refeição completa da Ceia tipifica a ceia do Cordeiro e é sua antevisão. Ela é para ser compartilhada como um banquete, numa atmosfera feliz e alegre e não num espírito sombrio e fúnebre. O principal benefício da Ceia como um banquete é a comunhão e a amizade que cada membro experimenta. Nesse contexto de refeição verdadeira, deve existir um copo e um pão do qual todos participarão. Isso é o simbolismo do corpo e do sangue de Jesus e serve para relembrá-lo de Sua promessa de retornar. O pão único é usado não só para simbolizar a unidade do corpo dos crentes, mas também em razão de Deus continuar a usá-lo para gerar unidade nesse mesmo corpo.

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04 - A TRADIÇÃO APOSTÓLICA:04 - A TRADIÇÃO APOSTÓLICA:ESTÁ OBSOLETA?ESTÁ OBSOLETA?

Steve Atkerson

Imagine que uma Igreja cristã recém inaugurada em Alexandria, no Egito, no primeiro século da nossa era, escrevesse uma carta aos apóstolos em Jerusalém. Pense que essa Igreja é formada por convertidos judeus que ouviram a mensagem do evangelho em uma visita a Jerusalém e depois voltaram para Alexandria. Agora que voltaram para casa, eles não sabem ao certo o que fazer em seguida. Então, nessa carta aos apóstolos eles colocam uma série de questões sobre a vida da Igreja:

“Prezados Apóstolos...

Por que é que nos reunimos como povo de Deus? O que faremos nesses encontros? Quando deveremos nos reunir? No sábado? É importante o local onde nos reunimos? Devemos construir um templo como em Jerusalém?

Ou, pelo menos, o prédio de uma sinagoga? Qual o tipo de governo da Igreja que devemos ter? Como devem ser os líderes que procuraremos para a

Igreja? Precisamos mesmo de líderes? Qual é a finalidade da Ceia do Senhor? Com que freqüência devemos comê-la? Anualmente,

como a Páscoa? Como devemos comê-la (qual a forma de realizá-la)?

Como você supõe que os apóstolos, os Doze, responderiam a carta deles? Teriam eles respondido que a Igreja estaria livre para fazer o que quisesse? Que cada Igreja deveria apenas orar e seguir a orientação do Espírito Santo? Que cada congregação deveria ser única e diferente, livre de

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influências externas? Que a Igreja poderia ser como um camaleão, mudando segundo as peculiaridades de sua cultura? Ou os apóstolos teriam respondido com instruções específicas, teriam informado a maneira particular de fazer as coisas, com um programa definido e com orientações inequívocas?

Um problema enfrentado pelos crentes por de mais de 2.000 anos, diz respeito exatamente sobre o que deve ser feito acerca dos padrões de práticas da Igreja. Devemos seguir esses padrões do Novo Testamento? As práticas da Igreja primitiva são meramente opcionais ou são imperativas para nós? Seriam as tradições dos apóstolos apenas histórias interessantes sobre as práticas da Igreja ou seriam elas algum tipo de norma?

Nosso problema é complexo, pois o Novo Testamento fala muito pouco, no sentido de determinação direta, sobre assuntos da Igreja. Hoje em dia é usual ignorar os padrões do Novo Testamento, como sendo eles opcionais. Dois homens versados na Bíblia, professores em Massachusetts, Fee e Stuart, no livro “How To Read The Bible For All Its Worth”, declaram: “Nossa pressuposição, assim como de vários outros, é que, a menos que a as Escrituras explicitamente nos digam que devemos fazer determinada coisa, o que está meramente narrado ou descrito nunca deve ser aceito como norma” (pág. 97, primeira edição). Ninguém, por exemplo, pode pretender seguir o exemplo de Jefté em Juízes 11:29 (final). A questão para nós é se as Escrituras “explicitamente nos dizem” (ou não) o que “devemos” seguir dos padrões descritos no Novo Testamento.

Suponhamos que aceitemos a noção de que os padrões do Novo Testamento não são normativos. Onde isso poderia nos levar?

Primeiro poderíamos construir uma enorme e opulenta catedral.

Poderíamos nos reunir às terças-feiras ao invés de aos domingos, o Dia do Senhor.

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Poderíamos nos reunir mensalmente e não semanalmente.

Poderíamos optar por não termos líderes nenhum (sem pastores, sem anciãos nem diáconos), desde que em nenhum lugar nas Escrituras está explicitamente determinado que devemos tê-los.

Poderíamos não ter nenhuma forma de comando da Igreja, qualquer que fosse, mas poderíamos adotar a forma de governo da anarquia (cada homem poderia fazer só o que julgasse correto, segundo sua visão, em cumprimento a Juízes 21:25).

A Ceia do Senhor poderia ser celebrada a cada dez anos, mais ou menos (nós não queremos que ela se torne muito comum e perca seu significado).

Desde que o Novo Testamento não proíbe especificamente, nós poderíamos inflar nosso quadro de membros batizando crianças e mortos (1Coríntios 15:29).

Finalmente, novos convertidos poderiam ser organizados em classes abertas de estudos bíblicos, não em Igrejas oficiais (o Novo Testamento jamais determinou que devêssemos formar Igrejas).

Obviamente, essa hipotética “Igreja” seria bem absurda. Porém ela, tecnicamente, não violaria nenhuma determinação taxativa das Escrituras. O que teríamos perdido seria a adesão a apenas uma parte dos padrões do NT referentes às práticas da Igreja. Muitas Igrejas seguem parcialmente os padrões neotestamentários, porém não todos. A pergunta é: “Porque não?”. Não é muito conclusivo discutirmos isso, neste estudo. Nós defendemos que os apóstolos tinham uma maneira definida e muito particular de organizar as Igrejas e que eles tinham a intenção de que todas as Igrejas seguissem esses mesmos padrões, inclusive hoje.Manter a Tradição Apostólica é Lógico

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1Coríntios 4:14-17 revela que Paulo planejava enviar Timóteo a Corinto. Ele desejava que Timóteo lembrasse aos coríntios seu modo de vida, para que eles o pudessem imitar. (Nesse contexto, imitar a fidelidade de Paulo ao serviço do Senhor e sua humildade). Então ele escreve: “Rogo-vos, portanto, que sejais meus imitadores. Por isso mesmo vos enviei Timóteo, que é meu filho amado, e fiel no Senhor; o qual vos lembrará os meus caminhos em Cristo, como por toda parte eu ensino em cada Igreja”.

Note a uniformidade de prática que está explícita em 1Coríntios 4:17 (final). O modo de vida em Cristo, de Paulo, estava concordante (“como por toda parte eu ensino”) com o que ele ensinava em “cada Igreja”. Havia integridade. É um axioma da Engenharia, que a forma segue a função. O modo de vida de Paulo (a forma) estava de acordo com o que ele dizia (função) em todo lugar, em todas as Igrejas. Existia uma uniformidade de prática que nasceu dos ensinamentos de Paulo. Sua crença determinou seu comportamento. Sua doutrina determinou seu trabalho. Similarmente, a crença dos apóstolos sobre a função da Igreja afetava de modo natural a maneira como eles a organizavam (a forma das Igrejas). Então, manter a tradição apostólica é lógico!

Se alguém entendeu os propósitos da Igreja, foram os apóstolos! Eles foram pessoalmente selecionados e pessoalmente treinados por Jesus, por um período de três anos. Além do mais, nosso Senhor despendeu quarenta dias com eles, após sua ressurreição. Finalmente, Jesus enviou o Espírito Santo para ensinar exclusivamente a eles coisas que Ele mesmo jamais ensinara (João 14-26). Assim, tudo o que Jesus ensinou aos apóstolos sobre a Igreja redundou na maneira que eles usaram para estabelecê-las e organizá-las.

Em Tito 1:5, numa passagem que trata especificamente das práticas da Igreja, Paulo escreveu a Tito: “A razão pela qual deixei você em Creta foi que você poderia consertar o que ficou inacabado...” É evidente em Tito 1:5 que os apóstolos tinham uma maneira definida de como eles queriam que as coisas fossem feitas. E essa maneira não era deixar que cada Igreja descobrisse sua própria forma de fazer

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as coisas. Havia obviamente uma certa forma de ordem, padrão ou tradição, que era seguida na organização das Igrejas. Assim, em 1Coríntios 11:34, Paulo escreveu: “E as demais coisas eu vos ordenarei quando for”.

O primeiro teólogo da Igreja Batista do Sul que realmente escreveu algo foi J. L. Dagg. Membro fundador da Primeira Igreja Batista de Atlanta e professor de teologia da Universidade Mercer, em Macon, Geórgia, Dagg escreveu em 1858 que os apóstolos “nos disseram, pelos exemplos, como organizar e dirigir Igrejas. Nós não temos o direito de rejeitar suas instruções e ardilosamente insistir que nada, senão determinações diretas poderão nos ordenar algo. Ao invés de escolher andar de um modo concebido por nós mesmos, deveríamos ter prazer em caminhar nos passos daqueles homens santos dos quais recebemos a palavra de vida... o respeito pelo Espírito pelo qual eles foram dirigidos deveria induzir-nos a preferir suas formas de organização e governo àquelas que nossa inferior sabedoria poderiam sugerir” (Manual of Church Order, pág. 84-86).

Manter a Tradição Apostólica é Louvável

Em 1Coríntios 10:31 e 11:1 Paulo roga aos coríntios a “seguir” seu exemplo: “Façam o que façam, seja comer, beber ou qualquer outra coisas, façam isso para a glória do Senhor. Não seja causa para que alguém tropece, seja judeu, grego ou a Igreja de Deus. Eu mesmo me esforço por agradar a todos, de todas as formas. Isso, por não estar procurando meu próprio bem, mas o benefício de todos, para que possam ser salvos”.

O contexto seguinte diz respeito ao benefício de outros e como agradá-los, como forma usada por Deus para conduzi-los à salvação. A palavra “seguir” (1Coríntios 11:1) vem do termo em grego mimatai - (mimhthv), da qual deriva a nossa expressão “mímica”. Essa sugestão de imitar a Paulo, não sendo pedra de tropeço evidentemente nos traz à mente uma situação nova que os coríntios estavam vivendo, na qual

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estavam se saindo muito bem: cobrir a cabeça com o véu. Assim, ele começa 11:2 com “Eu os louvo porque se lembram de mim em tudo, retendo firmemente as tradições, como as entreguei a vocês”.

A palavra grega para “ensino” é didaskalia (origem de “didática”), mas não foi essa a expressão usada aqui. Ao invés, paradosis (“tradição”) foi empregada. Assim, a versão NASV da Bíblia (uma das traduções em inglês) traz “tradições” aqui, ao contrário de “ensinos” da versão NIV (outra versão em inglês).

(Nota do tradutor: quanto a essa passagem (1Coríntios 11:2), das várias versões existentes em português no Brasil, a João Ferreira de Almeida Revista e Corrigida usa a expressão “preceitos”, enquanto que a Revista e Atualizada traz “tradições”).

Tradição é algo “que as pessoas fazem automaticamente”, segundo BAGD, pág. 615. O Dicionário Webster diz que ela é um padrão herdado de pensamento ou ação. Uma definição popular poderia ser essa: ”coisas que as pessoas fazem de uma forma regular, costumeira”. A mesma palavra grega (na forma verbal) é usada em 1Coríntios 11:23 (“vos entreguei”), referindo-se à Santa Ceia. A principal característica de “tradição” é que ela é transmitida de geração em geração.

A seguir, consideremos a palavra “tudo” (1Coríntios 11:2). Essa palavra significa “tudo que existe” ou, pelos menos, “tudo o que respeita à matéria enfocada” (Dicionário Webster). Quando Paulo escreveu “tudo” (1Coríntios 11:2), o que tinha ele em mente? Como poderia “tudo” aplicar-se à ordem na Igreja? O emprego da expressão “tudo” sugere que a aplicação pretendida por Paulo era maior do que a exortação vista em 1Coríntios 10:31 e 11:1 (evangelismo). Ele está agora a ponto de mudar para novo assunto: a cobertura para a cabeça, ou véu.

O que as palavras “assim como” (11:2) indicam acerca da intensidade de suas obediências às “tradições” de Paulo? Eles foram fiéis a cada vírgula – foi como que um efeito fotocópia! Paulo os louvou por manter as tradições “assim

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como“ (kathos) ele as passara para eles. Os apóstolos evidentemente planejaram que as Igrejas imitassem as tradições (padrões herdados) que eles haviam estabelecido. O assunto particular tratado em 1Coríntios 11 é o respeitante à cobertura das cabeças. Porém, a palavra “tradições” (11:2) está no plural. Paulo aparentemente tinha em mente mais de uma tradição, aquela acerca da cobertura da cabeça (Fee, pág. 500). Devemos nós manter observância a essa tradição apenas ou seguir a todos os padrões para organização da Igreja que podem ser observados nas páginas do Novo Testamento?

A legislação mosaica era paradigmática por natureza. Era jurisprudencial. Apenas um caso exemplar legal era registrado por Moisés. Esperava-se que o crente aplicasse esse exemplo modelo em outras áreas da vida não especificamente mencionadas. Por exemplo, as esquinas, ou cantos, dos campos plantados não deveriam ser colhidos, para os pobres terem o que colher e comer. Nada foi dito sobre os pomares de oliveiras. Isso queria dizer que os proprietários de outros pomares deveriam alimentar aos pobres, mas os donos de olivares não, que eles poderiam colher até a última azeitona? Certamente não. Cada agricultor, independente da cultura que praticasse, deveria deixar porção similar de sua colheita para atender às necessidades dos pobres. Similarmente, nós afirmamos que a adesão às tradições apostólicas é paradigmática por natureza. Se percebemos que os apóstolos se compraziam quando as Igrejas seguiam tradições específicas (como a respeitante à cobertura da cabeça), então esperamos que se aplique esse exemplo aos outros padrões que vimos modelados pelos apóstolos no estabelecimento das Igrejas.

Um paradoxo interessante pode ser observado sobre tradição. A mesma palavra (paradosis) empregada por Paulo em 1Coríntios 11:2 foi também usada por Jesus em Mateus 15:1-3. Jesus disse aos fariseus: “porque transgredis o mandamento de Deus por causa da vossa tradição?”. Surpreendentemente, enquanto que Jesus amaldiçoou a tradição dos fariseus, Paulo abençoou aos coríntios por

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seguirem a tradição de um apóstolo. A tradição judaica quebrou a ordem de Deus. A tradição apostólica é consistente com as determinações de Jesus. Manter a tradição dos apóstolos é, portanto merecedor de louvores, como visto pelos elogios de Paulo aos coríntios. Precisamos ser muito cuidadosos para não desenvolvermos nossas próprias tradições eclesiásticas, que podem vir a, realmente, inibir nossa capacidade de obedecer aos comandos de Nosso Senhor.

Manter a Tradição Apostólica é ser Universal

É interessante atentarmos para a forma usada por Paulo para aquietar àqueles inclinados a ser contenciosos sobre a organização cristã. Para fazer isso, ele fez um apelo à prática universal de todas as outras Igrejas: “Mas, se alguém quiser ser contencioso, nós não temos tal costume, nem tampouco as Igrejas de Deus” (1Coríntios 11:16). Essa declaração pretendia impressionar as pessoas contenciosas, de forma a colocar um ponto final na questão. Está além do objetivo deste estudo analisar especificamente o uso do véu. O que ressalta é que Paulo esperava que todas as Igrejas fizessem a mesma coisa. O simples fato de constatar que uma era “diferente” foi razão suficiente para calar a oposição. Obviamente a ênfase anterior fora dada a certas práticas que se supunha fossem iguais em todos os lugares ou que deveriam ser as mesmas em todo lugar. Assim, 1Coríntios 11:16 mais detalhadamente aponta a uniformidade de “prática” nas Igrejas do Novo Testamento.

Em 1Coríntios 14:33-34 (uma passagem sobre as reuniões da Igreja), algo mais foi dito para valer para “todas” as congregações (plural): “Como em todas as Igrejas dos santos, as mulheres estejam caladas nas Igrejas”. Sem discutirmos a correta aplicação deste verso, perceba que Paulo apela novamente ao padrão universal, de todas as Igrejas, como base para a uniformidade. Assim, 1Coríntios 14:33-34 indica uma uniformidade de prática nas Igrejas do Novo Testamento.

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Note ainda que Paulo censurou aos Coríntios em 1Coríntios 14:36: ”Porventura foi de vós que partiu a palavra de Deus? Ou veio ela somente para vós?”. A resposta óbvia para as duas questões é “não”. A censura de Paulo nessa passagem detalha a uniformidade de prática entre as Igrejas do Novo Testamento. A admoestação surge em razão de estarem sendo feitas coisas de forma diferente daquela empregada por todas as outras Igrejas. Evidentemente, era esperado que todas as Igrejas seguissem o mesmo padrão em seus cultos. Essas duas indagações foram feitas para trazer os coríntios de volta à linha correta. Manter a tradição apostólica (os padrões do Novo Testamento) era ser universal no primeiro século e, nós afirmamos, também o é hoje!

O missionário mártir Jim Elliot escreveu: “O cerne da questão está em se Deus revelou ou não um padrão universal para a Igreja no Novo Testamento. Se Ele não o fez, então algo deve ser feito até que funcione. Porém, estou convencido de que algo tão caro ao coração de Cristo como a Sua noiva, jamais seria deixado de lado sem instruções explícitas sobre sua conduta comunitária. Estou ainda mais convencido que o século 20 de forma alguma imitou os padrões Dele em seus métodos de congregar a comunidade como Igreja... é meu compromisso, se Deus tem padrões para a Igreja, encontrá-los e estabelecê-los, seja a que custo for” (Shadow of The Almighty: Life and Testimony of Jim Elliot).

Manter a Tradição Apostólica traz a Presença Pacífica de Deus

O ponto principal de Filipenses 4:4-7 é que devemos nos regozijar no Senhor, para termos a paz do Senhor, independente das circunstâncias: “Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, regozijai-vos. Seja a vossa moderação conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor. Não andeis ansiosos por coisa alguma; antes em tudo sejam os vossos pedidos conhecidos diante de Deus pela oração e súplica com ações de graças; e a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus”.

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“Adeus” é uma forma abreviada de “Deus esteja com você”. No parágrafo seguinte de sua carta (Filipenses 4:8-9), a Igreja em Filipos recebe o segredo de como ter o Deus da Paz sempre em seu meio. Por extensão, isso pode ser verdadeiro para nossas Igrejas também: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai. O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai; e o Deus de paz será convosco”.

Filipenses 4:8 é um verso popular e muito memorizado, por obvias razões. Assim, quanto mais o 4:8 é enfatizado, mais o 4:9 parece negligenciado. No 4:9 os filipenses são instruídos a colocar em prática “tudo” o que aprenderam, receberam ou ouviram de Paulo ou nele viram. Poderia esse “tudo” não incluir também o modo de Paulo organizar Igrejas, como vemos no Novo Testamento? Negligenciar as tradições apostólicas é desprezar as bênçãos de Deus!

Watchman Nee, no livro The Church and The Work: Retinking The Work, escreveu: “Atos é o ‘Gênesis’ da história da Igreja e a Igreja no tempo de Paulo é o ‘Gênesis’ do trabalho do Espírito... e nós precisamos retornar ‘ao início’. Apenas o que Deus estabeleceu no princípio para nosso exemplo é a eterna vontade Dele. É o padrão divino e o nosso modelo e paradigma para todos os tempos... Deus revelou Sua vontade não apenas dando ordens, mas fazendo certas coisas em Sua Igreja de forma que, no futuro, outros pudessem olhar para o modelo e conhecer Sua vontade” (páginas 8 e 9).

Manter a Tradição Apostólica é Ordenado

Em 2Tessalonicenses 2:15, a Igreja de Tessalônica foi instruída: “Assim, pois, irmãos, estai firmes e conservai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa”. “Tradições” vem da mesma palavra grega,

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paradosis, usada anteriormente em 1Coríntios 11:2. Os tessalonicenses foram especificamente orientados a seguir, a guardar, as tradições dos apóstolos, tivessem sido elas recebidas oralmente ou por escrito. Os apóstolos não estão mais aqui para nos dizer pessoalmente, de viva voz, o que fazer. Todavia, nós temos cartas que registram suas tradições (o Novo Testamento).

Todo o contexto de 2Tessalonicenses 2 se refere a eventos do fim dos tempos e não especificamente às práticas da Igreja. A palavra “tradições” (2:15) está no plural, pois o autor tinha mais em mente do que meramente a tradição da Segunda Vinda. Não poderiam elas também se aplicar, em princípio, às tradições respeitantes à ordem nas Igrejas, como padronizado no Novo Testamento?

Interessantemente, no lugar de “tradições”, a NIV (uma das versões da bíblia em inglês) apresenta “ensinos”. Isso talvez ocorra porque “tradição” (em grego, paradosis, a palavra em 12), engloba o significado de “ensinos” (didaskalia) e o contexto imediato atingia as tradições orais dos apóstolos sobre o fim dos tempos (2Ts 2:1-15). Todavia, as versões KJV, ASV, RSV e NASV (todas versões em inglês) traduzem a palavra enfocada como “tradições”, que é também uma tradução válida de paradosis.

Muitos crentes sentem que, enquanto que a tradição apostólica é interessante, segui-la não é obrigatório. Porém, o que 2Tessalonicensses 2:15 indica sobre isso? A adesão à tradição é determinada ou apenas sugerida? Ela é claramente determinada. Isso não é apenas ensinamento apostólico, ao qual devemos aderir, mas também tradição apostólica (como revelado exclusivamente nas páginas das Escrituras). Devemos acompanhar os apóstolos, não apenas na teologia, mas também nas suas práticas.

Atitude similar está em 2Tessalonicensses 3:6-7“... que vos aparteis de todo irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebestes, porque vós mesmos sabeis como deveis imitar-nos...” O contexto específico aqui se refere a trabalho recompensador versus estar ocioso. No contexto, essa tradição refere-se a praticar

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mais que apenas uma doutrina. Os apóstolos, de um modo geral, desejavam que as Igrejas seguissem, que mantivessem suas tradições. Devemos nós limitar essas tradições bíblicas que seguimos apenas à escatologia e aos hábitos de trabalho?

Roger Williams, fundador do estado norte-americano de Rhode Island e da Primeira Igreja Batista nas Américas (nos anos 1600), é outro exemplo de cristão que acreditava que as Igrejas deveriam seguir o mais perfeitamente possível as formas e determinações neotestamentárias (Liberty of Conscience, pág. 106). Essa crença levou Williams a demitir-se do pastorado profissional para fundar Rhode Island, de acordo com o padrão do NT respeitante à separação entre a Igreja e o estado.

Coerência

Como podemos chegar a conclusões acerca do interesse de Deus em que nossas Igrejas adotem os padrões do NT acerca das práticas? É evidente que o que era normativo para as Igrejas do Novo Testamento deve ser normativo para as Igrejas de hoje. Eu creio que foram precisamente esses padrões de práticas nas Igrejas que deram àquelas do primeiro século aquele dinamismo que foi esquecido por tanto tempo!

Se a Bíblia diretamente determina algo, então nós obviamente temos que obedecer a esse comando. E, de uma forma muito significante, a Bíblia determina obediência às tradições dos apóstolos. Se, contudo, a Bíblia silencia acerca de algo (isto é, não existe nenhuma determinação nem padrão a seguir), então nós temos a liberdade de fazer o que desejarmos (seguindo o discernimento do Espírito Santo). Então, a questão real não é: “Temos que fazer as coisas da forma que eram feitas no NT?” A questão verdadeira é: “Porque deveríamos fazer as coisas de outra maneira?”.

O mundo romano antigo foi-se para sempre. Há uma grande diferença entre manter as tradições apostólicas versus impensadamente copiar tudo o que vemos no NT (calçar

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sandálias, escrever em pergaminhos, ler sob a luz de lamparinas, vestir togas, etc.) A chave é centrarmos a atenção nas práticas da Igreja daquela época. Certamente devemos também evitar transformar em padrão coisas que não o eram, naqueles tempos. Por exemplo, o “comunismo” cristão de Atos 6 foi um acontecimento localizado no tempo e atingiu a apenas uma Igreja. É uma opção para os crentes de qualquer época, mas não é uma determinação nem um padrão do NT. O mesmo pode ser dito do voto de Paulo, em Atos, de não cortar os cabelos.

Quais são algumas das tradições que devem ainda ser propostas às Igrejas de hoje?

A Ceia do Senhor como uma refeição verdadeira. A Ceia do Senhor servida semanalmente. A Ceia do Senhor comida como a razão principal para

a reunião semanal. Cultos interativos, participativos e abertos. Edificação mútua, encorajamento e comunhão como o

objetivo dos cultos. Governo da Igreja por consenso (orientadas pelos

anciãos, mais do que dirigidas por eles). Líderes treinados localmente. Pastoreamento por anciãos, que seja masculino, não

hierárquico, desenvolvido localmente e que seja eminentemente para servir.

Igrejas domiciliares (pequenas congregações). Cultos regulares no Dia do Senhor (domingo). O batismo apenas de crentes. Separação entre Igreja e estado. A Igreja como um corpo regenerado. Presença das crianças nos cultos, Uma Igreja comunitária (comunhão diária). Reprodução e apoio a novas Igrejas através do

ministério de obreiros itinerantes (apóstolos e evangelistas).

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O que discutimos aqui é a necessidade de um pouco de coerência. Muitas Igrejas já seguem alguns desses padrões, mas não todos. A questão é: “Porque não?” Essa coerência é especialmente importante desde que os apóstolos esperavam que todas as Igrejas seguissem suas tradições “assim como” eles a entregaram. Claro que Jesus deve ser o centro da Igreja ou nada disso vai funcionar jamais. Seria dar murro em ponta de faca! Como Ele disse: “Fora de mim, vocês nada podem”.

Existem exceções aceitáveis quanto a seguir os padrões do NT? Beresford Job, ancião de uma Igreja de Londres (e membro ativo da NTRF - New Testament Restoration Foundation) comenta: “Precisamos estar certos de não permitirmos que desvios biblicamente permitidos das normas bíblicas, devido a circunstâncias atenuantes, acabem se tornando realmente o padrão”. Deixe-me ilustrar isso com o batismo. O batismo bíblico, assim como a tradição apostólica sobre a forma de funcionamento da Igreja, é determinação do Senhor. Ainda que a forma atual não esteja ordenada pelo Senhor em lugar algum, nós sabemos isso através da forma pela qual a Igreja primitiva o fazia (tradição apostólica novamente): após a conversão, sem tempo de espera e na água. (A imersão eu assumo como correta, pela tradução da palavra grega baptizo - mergulhar, submergir). Precisamos, agora com justa razão, estar preocupados com a noção de liberdade que temos de modificar esse ato, como: quem seria realmente batizado, as formas do batismo ou o momento adequado. Isso, por estarmos dolorosamente cientes de que cada um desses detalhes tem sido impiedosamente atacado pelos crentes por muito tempo. Assim, nossa posição deve ser tal que, para estar ela baseada na Palavra de Deus, a pessoa deve ser batizada após sua profissão de fé em Jesus, tão logo quanto possível e por imersão total na água. Mas, deixe-nos agora considerar o cenário de um quadriplégico acamado, sendo levado ao Senhor. O batismo, como biblicamente ordenado e exemplificado no NT, está obviamente fora de questão nessas circunstâncias. Porém, está claro também que outro modo mais apropriado de batizar a alguém tão

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especial quanto o quadriplégico não só estaria correto como seria aceitável por nós. Numa circunstância como essa, poderíamos tecnicamente nos afastar dos ensinos das Escrituras e permanecermos totalmente submetidos à intenção e ao espírito desta. Mas, aqui está o foco do assunto: nada do que eu acabei de afirmar pode ser aplicado à conversão de uma pessoa fisicamente perfeita; o modo normal teria que ser utilizado, de maneira a termos as coisas da maneira que Deus deseja. E tão pouco pode alguém pretender o batismo de qualquer pessoa que não tenha aceitado a Jesus pela fé, porque isso contrariaria a própria natureza do batismo, ainda que sua forma externa estivesse em concordância com as Escrituras”.

O defensor do avivamento das Igrejas Darryl Erkel aponta para o “perigo de fazer dos padrões específicos do NT uma forma de legalismo pelo qual passemos a menosprezar a outros ou a nos distanciar de nossos irmãos em razão deles não fazerem as coisas da maneira que nós pensamos que elas devam ser feitas. Precisamos ser sempre cuidadosos para não dar a impressão aos outros de suas Igrejas são falsas ou que Deus não pode usá-las em razão de não seguirem os padrões apostólicos tão fielmente como nós. Isso não seria mais do que puro orgulho! Por outro lado, devemos estar alerta para oportunidades de, respeitosamente e com tato, demonstrar que existe uma maneira melhor – que é mais favorável ao crescimento espiritual do povo de Deus – de alcançar os propósitos da Igreja do NT, que é seguindo o modelo das Igrejas do Novo Testamento!”.

Existem certas bases verdadeiras, nas quais as Igrejas convergem, independentes de serem Metodista, Presbiteriana, Batista, Pentecostal, Anglicana ou qualquer outra. Essas bases incluem: fazer discípulos (Mt 28:18-20), instruir e treinar os santos (Ef 4:11-16), encorajar a supremacia do amor através do exercício dos dons espirituais (1Co 1:11-14) e celebrar a Ceia do Senhor.

Nosso argumento é que os apóstolos conheciam o melhor contexto no qual atingir esses objetivos e propósitos,

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tomados como padrão similarmente por nós, nas Igrejas que eles estabeleceram.

Lembra-se da citação anterior dos professores Fee e Stuart de que algo que seja meramente narrado ou descrito não deve jamais ser usado de uma maneira normativa? Na segunda edição de seu livro, eles mudaram ligeiramente sua declaração. Agora, ela está assim: “a menos que as Escrituras explicitamente digam que devemos fazer algo, o que é simplesmente narrado ou descrito não deve ser usado de uma maneira normativa – a menos que possa ser demonstrado, em outros níveis, que o autor teve a intenção de que assim fosse” (pág. 106, segunda edição). Tentamos demonstrar que os apóstolos de fato planejaram que as Igrejas seguissem os padrões que eles deixaram para a ordem de todas elas.

Resumo

Deus comanda tanto por modelos (tradição) quanto pela percepção (ensinamentos).

Os padrões do NT são para uso da Igreja em todas as épocas e lugares.

A tradição apostólica é igual em autoridade aos ensinamentos apostólicos.

O essencial (o mínimo irredutível) de uma Igreja do Novo Testamento é: compromisso com a tradição apostólica, celebração da Ceia do Senhor como uma refeição completa, cultos interativos, governo da Igreja por consenso (orientação pelos anciãos, não comando por eles), localização das Igrejas em domicílios e Igrejas de dimensões condizentes com essa última característica.

Sem Jesus Cristo como centro de tudo, os padrões se tornam legalismo e morte, uma forma vazia, uma casca oca. Precisamos da adequada garrafa para o vinho, porém mais importante é o vinho. Ambos têm sua importância. Apenas um sem o outro seria problemático.

Seguir padrões do NT não significa apenas tentar recriar cegamente a cultura de Roma antiga (como vestir togas, escrever em pergaminhos, iluminar com lamparinas,

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etc.) O assunto aqui é práticas das Igrejas. Devem existir razões óbvias por trás das práticas seguidas.

Seguir padrões do NT não significa também que cada Igreja deve ser exatamente igual às outras, como que feitas numa forma. Certamente deve haver similaridades no básico (veja sumário anterior), mas existe também liberdade dentro das fronteiras do modelo.

Igrejas domiciliares bíblicas não são orientadas por programas nem edificadas por planejamento, como muitas Igrejas modernas o são. Por isso, muitos equivocadamente concluem que somos contrários à organização. Fé em nosso Senhor e na Sua Palavra necessariamente resultam em uma Igreja domiciliar bíblica que segue o padrão completo de Deus. Nós não somos institucionais, mas somos organizados. Seguir as tradições legadas pelos apóstolos quer dizer que as Igrejas domiciliares devem ter líderes definidos, cultos regulares e ordeiros, disciplina ativa e refeições semanais como Ceias do Senhor.

Muitas Igrejas hoje estão firmemente ancoradas em tradições desenvolvidas após o encerramento da era apostólica (freqüentemente essas tradições datam do século dezenove). Ainda que vejam com simpatia as tradições apostólicas, a preferência é dada às tradições desenvolvidas mais recentemente. Nesses casos, não somos culpados de anular a inspirada tradição apostólica, para servir nossa própria tradição (Mateus 15)? Judas 3 declara que a fé “uma vez por todas foi entregue aos santos”. Que autorização temos para mexer com ela?

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05 - CULTOS INTERATIVOS05 - CULTOS INTERATIVOS

Steve Atkerson

Cultos interativos, também chamados participativos ou abertos, são apoiados pelas Escrituras, pela lógica e pelos eruditos historiadores. 

1Coríntios 14:26 - “Que fazer, pois, irmãos? Quando vos congregais, um tem salmo, outro tem doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para a edificação da Igreja”.

O primeiro hino começa pontualmente às 10:30 horas da manhã (como é o costume nos Estados Unidos, onde vive o autor). Antes disso, as pessoas estavam conversando, arrumando comida nas mesas, cuidando das crianças, apanhando uma xícara de café na cozinha, abraçando umas às outras, etc. O primeiro cântico é o empurrão para que todos se reúnam na sala de estar, para que a parte mais formal da reunião informal possa começar. Normalmente, estão presentes cerca de dez famílias e dois solteiros. Contando-se as crianças, são perto de cinqüenta pessoas. Sempre alguns chegam atrasados. Geralmente existem cadeiras para todos os adultos e as crianças sentam-se no chão, próximas de seus pais. Crianças pequenas colorem gravuras ou se distraem com seus brinquedos durante toda a reunião. A roupa de todos é casual, confortável e informal.

Os músicos (dois banjos tenor, uma guitarra e um bandolim) não tentam ser líderes do louvor.  O objetivo deles é simplesmente facilitar e acompanhar o canto do grupo. Mais ou menos hinos são cantados, como solicitados. Às vezes, entre um cântico e outro, alguém faz espontaneamente uma oração ou conduz uma prece mais longa e comunicativa. Não existe boletim ou programa dos serviços, mas apesar disso, tudo é feito de uma maneira apropriada e ordeira.  Deve falar apenas uma pessoa por vez. A “primeira diretiva” é que tudo o que for dito ou feito deve ser planejado para ter o efeito de edificar, encorajar e estreitar os laços da Igreja inteira.

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Às vezes, vários irmãos ensinam. Em algumas semanas ninguém traz uma palavra de instrução. Com certeza aqueles que vão trazer algum ensinamento se preparam antes da reunião, mas raramente alguém é oficialmente escalado para o fazer. Entremeados aos hinos e ensinamentos, testemunhos são compartilhados sobre a provisão divina, lições aprendidas, orações atendidas, acontecimentos encorajadores, etc. Não é raro que um obreiro visitante deseje discorrer sobre seu ministério e sobre o mover de Deus em outros lugares.

Não se trata de um espetáculo ou demonstração. Não existe moderador nem apresentador. A não ser que exista um problema a resolver, um visitante nem sequer saberá quem é o líder. Às vezes há períodos de silêncio. Não há um prazo determinado para o fim da reunião. Normalmente ela dura uma hora e meia a duas horas. Pode acontecer que todos tenham dito o que queriam ou cantado o que tinham vontade, que as crianças chegaram ao limite da paciência ou que a fome tenha se revelado mais forte – motivos como esses são o que determinam o término dessa parte do encontro. Eles geralmente terminam com uma oração. Em seguida, as pessoas permanecem e confraternizam o quanto desejam. Normalmente, a reunião se transforma na refeição comum, dependendo do que foi feito primeiro nesta semana, se a reunião ou o almoço.

A reunião (ou culto, se preferir) descrita acima não é ficção. Esses encontros acontecem todos os domingos ao redor do mundo e, muito provavelmente não apenas na Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia! Essas reuniões são modeladas segundo as que estão descritas no Novo Testamento. Os crentes e outros religiosos do Ocidente acostumaram-se de tal forma a participar de cultos em santuários especialmente construídos, com vitrais, torres, órgãos de tubos, bancos de madeira, púlpitos, coros, boletins e ministros de louvor que acabaram assumindo que esses detalhes são biblicamente exigidos. A realidade é profundamente diferente do que tipicamente acontece hoje.

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Argumentos bíblicos para cultos Interativos:

O ponto chave do assunto está na questão que Paulo propôs aos crentes de Corinto: “Que fazer, pois, irmãos? Quando vos congregais, um tem salmo, outro tem doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para a edificação da Igreja” (1Coríntios 14:26). Se a Bíblia tivesse declarado que “apenas um tem salmo, doutrina, revelação, língua e interpretação...”, ao contrário do que deixa claro, o versículo descreveria bem mais apropriadamente um culto moderno. Entretanto, fica claro no texto que os cultos não eram um evento para ser assistido passivamente. Existia interação, espontaneidade e participação. Na realidade, não havia audiência, pois cada um dos irmãos era potencialmente um membro da equipe apresentadora.

A natureza espontânea e interativa das reuniões é também evidente nos regulamentos que dizem respeito àqueles que falam em línguas: “Se alguém falar em língua, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e cada um por sua vez, e haja um que interprete. Mas, se não houver intérprete, esteja calado na Igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus” (1Coríntios 14:27-28). Foram esses irmãos que falam em línguas escalados antecipadamente para falar? Certamente que não, dado o caráter sobrenatural desse dom. Que a reunião é interativa é evidente pelo fato de que até três pessoas podem falar em línguas na mesma reunião e pela necessidade de haver um intérprete presente.

Outras indicações da natureza participativa dos cultos são vistas nas diretrizes p/ os profetas (1Coríntios 14:29-32). Primeiro, somos informados de que “dois ou três profetas devem falar e os outros devem considerar cuidadosamente o que é dito” (14:29). A espontaneidade da reunião continua clara em 14:30-31: “Mas se a outro, que estiver sentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro. Porque todos podereis profetizar, cada um por sua vez; para que todos aprendam e todos sejam consolados”. Sem dúvida, cada um dos profetas vem para a Igreja “vazio”, nada planejando dizer,

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mas depois recebe a revelação, estando sentado e ouvindo aos outros.

Uma das mais controvertidas passagens do Novo Testamento está em 1Coríntios 14:33-35, a respeito do silêncio da mulher nas reuniões (1). Seja o que for que as mulheres supostamente não deveriam falar, nada haveria a escrever a respeito, se as reuniões não fossem participativas. Isso fica mais óbvio em 14:35, onde vemos que as pessoas faziam perguntas aos oradores durante as reuniões da Igreja: “E, se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos...”. Ainda que Paulo quisesse dizer que as mulheres não deveriam formular as questões, os homens ainda ficariam livres para o fazer. O ponto a ser evidenciado é que as reuniões da Igreja não são comunicação de uma só mão de direção. Deve haver diálogo, interação e uma permanente troca de contribuições entre o orador e a Igreja.

Quase todas as epístolas do Novo Testamento são “documentos ocasionais”, dado o fato de que foram escritas em resposta a algum problema local. Fica evidente em 1Coríntios que alguém pretendeu conduzir as reuniões de forma diferente do que o definido nessa passagem. Fica também claro que alguns aspectos das reuniões da Igreja de Corinto estavam sendo incorretamente observados, como demonstram essas duas questões: “Porventura foi de vós que partiu a palavra de Deus? Ou veio ela somente para vós?” (1Coríntios 14:36). A Palavra de Deus, realmente, não se originou dos coríntios, nem foram eles os únicos para os quais ela foi revelada. Essas questões então foram dirigidas a eles para convencê-los de que não tinham o direito nem autorização para conduzir suas reuniões de nenhuma outra forma, além daquela descrita em 1Coríntios 14. A inspirada correção foi para que houvesse, por parte da Igreja, um ajuste, uma disciplinada interação; não se tratou de uma proibição, como se vê nos versos 39 e 40: “Portanto, irmãos, procurai com zelo o profetizar, e não proibais o falar em línguas. Mas faça-se tudo decentemente e com ordem”. Verdadeiramente, o imperativo de que se mantenham os cultos em sua forma espontânea e interativa é declarado em

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1Coríntios 14:37: “Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor”. Assim, 1Coríntios 14 não é somente descritivo dos cultos da Igreja primitiva, mas é realmente normativo quanto à forma que o Senhor deseja que impere nos cultos de toda a Igreja.

Não é surpreendente que os cultos da Igreja primitiva fossem interativos. Os primeiros crentes na maioria das áreas do Império Romano tinham raízes judaicas. Eles estavam acostumados ao estilo típico das sinagogas, que é aberto à participação dos presentes aos cultos. Um exame de Atos 13:14-15, 14:1, 17:1-2, 17:10, 18:4 e 19:8 revelará que os apóstolos jamais teriam evangelizado como o fizeram, a não ser através do uso da liberdade de falar nos cultos, oferecida pelas sinagogas. Os apóstolos foram sempre autorizados a falar, nesses cultos abertos. Na realidade, nas reuniões dessas sinagogas do primeiro século, nada havia de semelhante aos cultos típicos das Igrejas cristãs ocidentais de hoje. Nos nossos dias, Paulo e seus companheiros teriam que descobrir outra maneira de atingir aos judeus com o Evangelho.

Existem ainda outras evidências sobre o assunto: em Atos 20:7, descobrimos que Paulo “se manteve falando (pregando) até a meia-noite”. A palavra grega usada para “falando” é dialegomai - (dialegomai), que significa realmente “considerar e discutir, argumentar”. Nossa expressão “diálogo” deriva da palavra dialegomai - (dialegomai). Mais adiante, o autor da carta aos Hebreus (em 10:25) advertiu aos seus leitores que ”não deixemos de congregar-nos, como é hábito de alguns; antes admoestando-nos uns aos outros...”. O aspecto de “uns aos outros” dessa instrução se adapta muito mais a um evento interativo.

O argumento maior sobre o tema é oferecido em 1Coríntios 14, onde se referindo a qualquer coisa dita ou cantada nas reuniões da Igreja, diz que “faça-se tudo para edificação”. A palavra grega usada é oikodome, que traduzido

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é “construindo” ou “edificando”. O autor de um dos melhores dicionários específicos, Thayer, afirma que essa palavra denota ação de alguém que promove o crescimento de outro no Cristianismo. Assim, tudo feito nas reuniões da Igreja, deve ser para ajudar a congregação. Tudo precisa ser planejado para encorajar, fazer crescer, fortalecer ou edificar aos outros crentes presentes. Paulo incentivou a profecia mais do que o falar em línguas em público, porque todos os que profetizam nos cultos falam aos homens para seu fortalecimento, encorajamento e conforto” (1Coríntios 14:3), com o resultado de que a Igreja é “edificada” (14:5). Os irmãos de Corinto foram instruídos a que “procurai abundar neles (os dons espirituais) para a edificação da Igreja” (14:12). Essa ênfase em edificação é também vista em Hebreus 10:24-25, onde crentes são convidados a se reunirem no sentido de estimular, amar, fazer o que é correto e a “encorajar” uns aos outros.

Uma observação final precisa ser feita, a respeito dessas intocadas reuniões: seu propósito. Nas atuais assembléias, as pessoas são inspiradas a louvar pela imponente arquitetura, grandes corais, retumbantes órgãos de tubos e emocionantes orações. Por isso, o encontro é também geralmente chamado de “serviço de louvor” ou “culto de louvor”. Essa designação sugere que a razão principal para o encontro é a de louvar a Deus. Ainda que estranhamente, o Novo Testamento jamais se refira a uma reunião da Igreja como um “culto de louvor”. Paulo, em Romanos 12:1-1, fez menção a um “culto espiritual de louvor” (NASV, uma das traduções da bíblia em inglês), mas ele se referia a uma vida de santidade, não a uma assembléia de santos.

Muitas coisas podem contribuir para o fortalecimento da Igreja, incluindo o louvor em grupo. Louvor, entretanto, não é a única atividade que pode edificar. O problema reside parcialmente em designarmos a reunião de “culto de louvor”. Primeiramente, cultos devem ser interativos, não um “serviço”. (Nota do tradutor: a idéia que o autor quer passar aqui é a de que “serviço” é algo que é feito por alguma pessoa – ou mais de uma – para outras pessoas, que o recebem passivamente, não sendo uma atividade exercida por todos e para todos,

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logo interativa). Segundo,a designação está sugerindo que o louvor será a única atividade importante que ocorrerá. Outras formas de edificação parecem estar fora de cogitação. As pessoas são induzidas a esperar emoções e sentimentos como os que são associados à arquitetura de catedrais, velas, santuários silenciosos, vitrais, musica inspiradora de reverência e a apresentação de um programa que é em essência um espetáculo. Com essas expectativas não bíblicas, um verdadeiro (e bíblico) culto como o de 1Coríntios 14 será visto como estranho, desconfortável ou desconcertante.

Jesus disse à mulher no poço que “a hora vem, em que nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai” (João 4:21-24). Dizendo isso, deixou Ele claro que o louvor do novo concerto nada tem a ver com qualquer lugar em particular ou com qualquer tempo. Ele transcende o domingo à noite e não pode ser localizado em qualquer “santuário”. Existem duas palavras principais em grego, no Novo Testamento, para “louvor”. A primeira é proskuneo e se refere a uma atitude de reverente adoração a Deus. Ela é humildade perante o Pai. Ela é reverência, reconhecimento, respeito e admiração. Essa atitude de devoção íntima aparece na prática, com a segunda palavra para louvor, latreia, que se refere a uma vida de obediência e serviço. Louvor, então, é tanto atitude  quanto  ação.  Como Francis Scott Key escreveu num hino, “Ainda mesmo que as palavras jamais possam dimensionar, deixe minha vida mostrar para sempre louvor a Ti”.  Então, assim como nossa participação no culto semanal é positivamente um ato de louvor, também o é o ato de irmos para o trabalho todo dia, educar nosso filho, amar nossa família, etc. Sob o Novo Concerto, tudo na vida é sagrado.

A reunião de domingo é para benefício das pessoas presentes. Não é Deus que precisa ser revigorado, pois Ele não é fraco. Deus não precisa ser encorajado, pois Ele não fica cansado nem desanimado. O povo de Jesus (nós) é desprovido de muitas coisas, mas Jesus não! A finalidade dos cultos é capacitar o povo de Deus a sair e louvar a Deus mais uma semana (Hebreus 10:24-25). É para motivar aos eleitos

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ao louvor mais profundo e à obediência. É para recarregar suas baterias espirituais.

Argumentos lógicos para cultos Interativos:

É fato histórico que a Igreja cristã primitiva se reunia nas casas de seus membros. Nenhum edifício especial para Igreja foi construído durante a era do Novo Testamento ou nos duzentos anos seguintes. Isso necessariamente quer dizer que as reuniões não eram grandes. Esse cenário concorre contra a possibilidade dessas reuniões originais haverem consistido de eloqüentes sermões “entregues” a multidões de silenciosos ouvintes.

Depois do Cristianismo haver se tornado a religião oficial do Império Romano, templos pagãos foram transformados, por decretos governamentais, em prédios de Igrejas. Os crentes foram arrebanhados dos cultos domésticos para as enormes basílicas. Essas enormes reuniões não propiciavam mais a participação de todos, transformando-se naturalmente em um espetáculo ou “serviço”. Todos os ensinamentos interativos tornaram-se monólogos, assim como as pregações e orações. Perguntas da “audiência” não foram mais permitidas. A espontaneidade estava perdida. O aspecto do “próximo” na assembléia tornou-se impraticável. A informalidade deu lugar ao formalismo.  Os dirigentes das Igrejas começaram a vestir roupas especiais. Auxiliares do louvor foram introduzidos: incenso, imagens, gestos com as mãos, etc. Hoje, inclusive as músicas são selecionadas antecipadamente pelos músicos qualificados. Em resumo, o estilo do Novo Testamento foi substituído por um formato elaborado pelo homem.

O importante é: qual o tipo de culto que melhor atende às necessidades do povo de Deus? Com certeza muitos benefícios advém da proclamação semanal da Palavra de Deus, pelos líderes de Igrejas que são conhecidos por “pregadores”. Também são benéficos os inspirados cânticos

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dos grandes hinos da fé. Não obstante, acreditamos que exista mais em um culto do que meramente “assistir” a um “serviço religioso”. Permitir que os irmãos que o desejem participem verbalmente da reunião admite também uma profunda intervenção do Espírito Santo, com o início da atuação dos vários dons e seus ministérios. A não permissão ao funcionamento destes, causa na Igreja desde apatia até atrofia. Deus pode escolher muitos irmãos, independentes uns dos outros, para trazer um ensinamento. O aprendizado é mais efetivo com a formulação de questões ao apresentador do assunto.  Resultados adicionais e ilustrações podem ser acrescentados pelos ouvintes. Falsas doutrinas podem ser julgadas e expostas publicamente, no mesmo ato da apresentação. Crentes recém-convertidos aprendem a pensar biblicamente com a mente de Cristo, à medida que assistem crentes mais maduros debatendo e interagindo uns com os outros. Os índices de maturidade disparam. Todos os irmãos passam a “ser donos” das reuniões, assumindo responsabilidade pelo que acontece e se tornando ativamente envolvidos.

Testemunho de estudiosos sobre cultos Interativos:

O fato de que as reuniões das Igrejas do Novo Testamento eram inteiramente abertas e participativas, sem uma liderança única e exclusiva, é corroborado pelas pesquisas. Por exemplo, o Dr. Henry R. Sefton, no livro A Lion Handbook – The History of Christianity (“Manual Lion – A História do Cristianismo”), declara: “Louvor na Igreja doméstica era uma coisa íntima, na qual todos os presentes tomavam parte ativamente... isso mudou, tornando-se, de uma ação coletiva de toda a Igreja em um ‘serviço’ apresentado pelos clérigos, ao qual os leigos assistem” (pág. 51).

O Dr. John Drane, em Introducing the New Testament (“Introduzindo o novo Testamento”), escreveu que, “nos tempos antigos... o louvor deles era espontâneo”. Isso parece ter sido considerado ideal, pois Paulo deixa isso claro, ao

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descrever como uma reunião deveria ser realizada, para espelhar a participação do Espírito Santo através de muitos, senão de todos os presentes. O fato é que todos tinham liberdade na participação nesses cultos. Na verdade, quanto alguém era inspirado pelo Espírito, isso era a perfeita expressão da liberdade em Cristo.

Considerações práticas:

Um aspecto dos cultos do Novo Testamento que ainda nos é familiar são os cânticos. A Igreja de Éfeso foi instruída a permanecer “falando entre vós em salmos, hinos, e cânticos espirituais, cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração” (Efésios 5:19). Similarmente, os colossenses foram exortados a deixar que “a palavra de Cristo habite em vós ricamente, em toda a sabedoria; ensinai-vos e admoestai-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais, louvando a Deus com gratidão em vossos corações” (Colossenses 3:16). Talvez não seja tão familiar aos crentes de nossos dias o “uns aos outros” de ambas as passagens citadas. De acordo com 1Coríntios 14:26, “cada um” dos irmãos teria a oportunidade de oferecer um hino à congregação. Nenhuma referência é feita no Novo Testamento a um ministro de música ou a um líder de louvor que dominasse ou controlasse os cânticos. É uma benção possuirmos músicos qualificados na congregação, que possam auxiliar a Igreja no louvar e no cantar. No entanto, para ser fiel às determinações do Novo Testamento, essa pessoa precisa ter o cuidado de não estabelecer um monólogo nem se comportar como um astro (ou estrela) num palco.  Aos irmãos na Igreja deve  ser dada a liberdade e a responsabilidade de escolherem todos os hinos a serem cantados, em todas as ocasiões.

Tratando desse assunto e fazendo um jogo de palavras, algumas pessoas se posicionam contrárias ao uso de instrumentos nos cultos. A palavra grega para “hino” (1Coríntios 14:26) é psalmos, que fundamentalmente quer dizer “canções acompanhadas por instrumentos de cordas”.

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Desde que instrumentos não são proibidos e desde que não existem orientações específicas para seu não uso, sentimos que esse assunto é de livre decisão de cada um.

Outro aspecto das reuniões da Igreja primitiva que continua até hoje são as pregações da palavra de Deus. Nosso Senhor instruiu aos apóstolos que batizassem todas as nações, “ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado” (Mateus 28:20). Da mesma forma, aprendemos em Atos 2:42 que os irmãos da Igreja de Jerusalém “perseveravam na doutrina (aprendiam) dos apóstolos”. Depois, “ensinar” (que hoje traduzimos também por “pregar”) é relacionado como um dom espiritual, em Romanos 12:7 e 1Coríntios 1:28. Vemos também que um dos requisitos para um ancião (ou pastor) era que ele fosse “apto para ensinar” (1Timóteo 3:2). Anciãos que trabalhassem dedicadamente “ensinando” (1Timóteo 5:17-18) eram merecedores de “honra dobrada” (naquele contexto, refere-se a recompensa financeira). Apesar disso, em 1Coríntios 14, ensinar foi colocado no mesmo nível de importância de outras atividades. Ao pregador não era dada a proeminência que hoje percebemos em nossos cultos. A “qualquer um” dos “irmãos” era dada a oportunidade de contribuir com uma “palavra de instrução” (14:26). O que isso exige de nós hoje é que, ao lado de darmos a importância devida ao ministério de ensino, deixarmos aberta a participação nele, a todos os irmãos que desejem ensinar. Praticamente, isso nos leva à sugestão de que cada ensinamento deve ser breve o bastante de forma a permitir “oportunidade” para quantos queiram dar sua colaboração.

Vemos com surpresa que pastores não são mencionados em 1Coríntios 14. Isso provavelmente se deva a que os pastores não monopolizavam as reuniões com seus sermões. Isso não quer dizer que os anciãos não devem pregar, mas está claro em 1Coríntios 14 que aqueles que não são anciãos também devem ter espaço para se expressarem. Assim sendo, o autor de Hebreus declara que “a essas alturas, vocês já deveriam ser mestres” (Tradução NIV

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americana) Hebreus 5:12. Que ele não deveria ter os professores em mente é evidente pela sua saudação (“Saudai a todos vossos mestres...” 13:24), que demonstra que ele nem esperava que os mestres lessem a carta! Ainda que essa oportunidade de pregar exista para todos, não é obrigatório que todos preguem. Os anciãos devem alertar a Igreja de que “Não sejais muitos de vós mestres, sabendo que receberemos um juízo mais severo” (Tiago 3:1). O alerta de Tiago faz sentido no contexto das reuniões interativas que caracterizavam a Igreja primitiva.

Essa liberdade para todos os irmãos pregarem é precisamente o motivo principal da necessidade dos anciãos. Se um irmão oferece um exemplo ou ensinamento errado, é dever dos anciãos apontar o engano. O missionário Timóteo, quando temporariamente colaborando em Éfeso, teve que “advertir a alguns que não ensinassem doutrina diversa” (1Timóteo 1:3). Uma dos requisitos para um ancião é que ele precisa “reter firme a palavra fiel, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para exortar na sã doutrina como para convencer aos que nos contradizem” (Tito 1:9). Tito disse ainda: “Fala estas coisas, exorta e repreende com toda autoridade. Ninguém te despreze” (Tito 2:15). Essas diretrizes são especialmente aplicáveis a reuniões de Igrejas que sejam participativas.

Ninguém deve argumentar que alguns irmãos são mais qualificados para ensinar, para pregar, do que outros. Um homem idoso, crente fiel, capacitado para ensinar, que ama ao Senhor, que estuda a Palavra e que serve aos outros com sua vida, certamente tem profundas lições e exemplos a compartilhar com a Igreja.  Na presença desse homem o resto de nós deve estar “pronto para ouvir e tardio para falar” (Tiago 1:19). Espaços especiais devem ser dedicados para que esse homem exponha a Palavra de Deus. Porém, essas reuniões são o que Watchman Nee chamou de “reuniões de obreiros” ou “reuniões apostólicas”, não cultos de 1Coríntios 14. O caso é que há tempo e lugar para ambos.

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As Igrejas carismáticas estão familiarizadas com revelações, línguas e interpretações. Essas Igrejas precisam estar certas de que as orientações de 1Coríntios 14:26-32 estão sendo seguidas corretamente. Línguas sem interpretação não devem ser permitidas. Isso deve servir de carapuça para os que falam em línguas. Apenas uma pessoa por vez deve falar. Profecias precisam ser avaliadas e qualquer um que deseje profetizar necessita antes pensar que suas palavras serão cuidadosamente pesadas.  Sem dúvida, muito do que passa por profecias e línguas é fraude. Conviver com elas pode ser desorientador e frustrante, pois pessoas super emotivas e sugestionáveis podem imaginar que têm esses dons, sem os possuir. Talvez fosse por isso que os crentes da Tessalônica foram instruídos a que “não desprezeis as profecias, mas ponde tudo à prova. Retende o que é bom e abstende-vos de toda espécie de mal” (ITessalonicenses 5:20-22). Além disso, em meio a essas declarações sobrenaturais, é preciso que haja ordem: “pois os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas; porque Deus não é Deus de confusão, mas sim de paz” (1Coríntios 14:32). Os anciãos desempenham uma missão chave, a de cuidar para que todos os presentes à reunião façam tudo “decentemente e com ordem” (1Coríntios 14:40).

Algumas Igrejas acreditam que os dons carismáticos cessaram no primeiro século ou que não existe hoje ninguém com os dons. Ainda assim, o princípio da interação nos cultos permanece. Os irmãos devem, ainda assim, ter a liberdade de oferecerem ensinamentos (pregando), solicitar ou apresentar hinos, testemunhar, orar, fazer perguntas aos oradores, etc. Apesar de nossas suspeitas teológicas, é preciso atender ao que as Escrituras claramente instruem: “não proibais o falar em línguas” (14:39). Talvez as línguas hajam cessado, talvez não. Estaremos nós tão certos de nossa teologia que desejemos contradizer uma determinação bíblica?

Mais uma consideração prática a favor dos cultos participativos diz respeito à idéia de um moderador ou

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apresentador.  Note que isso não é mencionado em 1Coríntios 14. Na medida em que vai amadurecendo a experiência de uma Igreja em reuniões interativas, a necessidade de alguém para moderar os cultos vai diminuindo. O ideal é que um visitante, numa Igreja funcionando apropriadamente, sequer saiba quem são seus líderes, a não ser que haja algum problema que precise de solução.

Um alerta foi emitido pelo inspirado escritor em 1Coríntios 14:38. Depois de declarar que esses ordeiros e participativos cultos são “mandamento do Senhor” (14:37), ele acautela a todos que, se o desrespeitarem, serão “ignorados”. Apesar de que não seja claro o que representa ser “ignorado”, trata-se certamente de algum tipo de punição. Um preço há de ser pago pelo desrespeito ao “mandamento do Senhor” sobre as reuniões das Igrejas.

O autor deste livro tem muitos anos de experiência prática em cultos participativos.  Observamos que existem alguns problemas típicos que já podem ser esperados. Assim, nós os detalhamos abaixo, na esperança de que eles possam ser prevenidos.

Batata de Banco

Muitos freqüentadores de Igreja, após anos de freqüência aos serviços, estão condicionados a se sentarem silenciosamente, como que assistindo à televisão. Esses demandam tempo e incentivo para superar isso.  Uma participação mais profunda será meio desajeitada de início. É possível que um incentivo e encorajamento contínuos sejam necessários durante a semana, até que a pessoa “rompa a barreira do som”. Há um testemunho que o Senhor deseja que você partilhe? Existe algum cântico que pode edificar a Igreja? Há alguma passagem ou assunto bíblico a serem ensinados? Se uma corrente for estendida através de um rio, coisas serão seguras por ela, à medida que os dias passem, coisas essas que iriam embora flutuando, sem a corrente

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ali. Da mesma forma, pensar durante toda a semana sobre que colaboração levar ao culto de domingo ajuda muito. Se ninguém levar comida para a ceia, nada haverá para comer. Igualmente, se ninguém for à reunião preparado para colaborar, não haverá muito que usufruir dela! Homens, será que suas esposas acabarão gastando mais tempo preparando a comida, do que vocês pensando no que vão dizer no culto?

Comentários não edificantes

Às vezes, as pessoas, depois de começarem a falar, vão ficando mais casuais. A conversa rola solta. Apenas por ser a reunião “aberta”, isso não quer dizer que as pessoas podem dizer o que querem. Os líderes precisam relembrar a Igreja que tudo a ser dito na reunião deve ser orientado para a edificação do corpo e para o encorajamento de todos. Como Pedro disse, “se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus” (1Pedro 4:11). Reuniões de Igreja não se destinam a ser sessões de terapia para doentes, com tudo centralizado em uma pessoa e suas necessidades. Ainda que algumas pessoas careçam de aconselhamento, isso é geralmente feito em outra hora que não o culto coletivo (o mesmo que em 1Coríntios 14:4).

Soma de ignorâncias

Isso é o oposto a ensinar algo. É uma espécie de anti-ensino. Ao invés de estudar antes um assunto para oferecer um ensinamento, alguns chegam ao culto totalmente despreparados e simplesmente atiram uma questão à Igreja reunida, esperando uma resposta. Desencoraje as pessoas a endereçarem perguntas desse tipo à Igreja. Elas só edificam a pessoa que perguntou e não são elaboradas para edificar a Igreja. Elas são muito orientadas “para mim”, são feitas apenas para atender a uma necessidade pessoal. Se ninguém houver antes estudado o assunto, a tentação será a de

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responder à questão assim mesmo e, então, teremos uma “soma de ignorância”.  Não há substituto para o sistemático, cuidadoso e profundo estudo das Escrituras, antes dos cultos – e também não há desculpas para não fazê-lo!

Reuniões extras

Usualmente convocadas pelo boletim da Igreja, para tratar de ensino, música, etc., adiantadamente. Evite sufocar o Espírito! Está claro em 1Coríntios 14 que os cultos das Igrejas do Novo Testamento são geralmente espontâneos.

Visitantes perturbadores

Visitantes desinformados podem facilmente levar reuniões a eventos não edificantes. Egocêntricos tentarão se impor. Pessoas mentalmente instáveis poderão falar muito alto, para o desgosto da assembléia. Críticos talvez ataquem o que a Igreja faz ou no que acredita. Os líderes, nesses casos, são necessários para restaurar a ordem com prudência e paciência. Os visitantes precisam ser instruídos antecipadamente das divinas orientações encontradas em 1Coríntios 14. Uma pitada de prevenção vale mais do que um quilo de cura! É mais apropriado que se convide ao crítico para que deixe para colocar suas opiniões depois, quando a reunião tiver terminado, durante a confraternização da ceia ou em um estudo a ser feito a respeito, em outro dia.

Controle do número de participantes

Reuniões com muitas pessoas ou com muito poucas criam seus próprios obstáculos para os cultos participativos. Com pouca gente pode ser monótono e aborrecido. Muitos presentes podem intimidar aos mais tímidos e atrapalhar a participação mais aberta.

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Líderes de Louvor

Músicos são para facilitar o cântico da congregação e não para controlá-lo! Afaste-se do líder de louvor que tente dirigir a reunião e transformá-la em espetáculo.

Pontualidade

Igrejas baseadas em relacionamentos são notoriamente ruins quanto a começarem atrasadas. Se for anunciado que uma reunião começará em determinada hora, a liderança precisa cuidar para que ela realmente se inicie pontualmente. É uma questão de cortesia e respeito para o valor do tempo das outras pessoas. Chegar na hora também demonstra respeito. Chegar sempre atrasado às reuniões demonstra uma agressão passiva. E, antes de tudo, é uma atitude rude e uma prova de desconsideração.

Apresentadores

Alguns líderes tentam apresentar os cultos, como se faz nos programas de entrevistas da televisão. Talvez isso seja necessário na infância de uma Igreja, mas depois não será mais requerido. Depois, nada existe contra o silêncio ocasional. Confie no Espírito Santo para dirigir a assembléia. Idealmente, um visitante a uma Igreja do modelo de 1Coríntios 14 não deve ser capaz de reconhecer quem são os anciãos da Igreja, a não ser que surja algum problema a ser resolvido. A não participação ativa no culto deve ser reconhecida como um problema e os anciãos talvez precisem atuar para encorajar a quem seja preciso.

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Crianças

A Igrejas do Novo Testamento entendem como necessária a presença das crianças às reuniões com seus pais. Paulo teve a intenção de que cada uma de suas cartas fosse lidas por todas as Igrejas (Colossenses 4:16). Baseando-nos em Efésios 6:1-3, vemos que as crianças estavam presentes às reuniões das Igrejas do Novo Testamento e não colocadas em locais separados. De outra forma, não poderiam ter ouvido as instruções de Paulo endereçadas a elas, quando a carta foi lida. Consulte também, a esse respeito, Mateus 19:13-15, Lucas 2:41-50 e Atos 21:5.

Falsas expectativas

As pessoas geralmente vêm para os cultos de 1Coríntios 14 com noções preconcebidas sobre como deve ser a reunião. Por exemplo, alguns esperam um transformador culto de louvor; outros, desejam apenas cantar os grandes hinos da fé ou associar cânticos de enaltecimento ao Senhor com uma comovente adoração. Existem também os que desejam ver dramáticas curas, uma poderosa leitura da Bíblia ou uma emocional apresentação dos evangelhos. O não atendimento a essas expectativas resultará sempre em desapontamento e frustração. Os líderes da Igreja precisam estar atentos quanto a isso e devem adotar medidas que auxiliem as pessoas a descobrirem as expectativas bíblicas para os cultos. Em resumo, a terem os mesmo objetivos que o Senhor tem a esse respeito.

Objeções

Alguns apresentam vigorosas objeções a esse tipo de culto. Com boas razões eles têm medo que o caos e a anarquia possam dominar o encontro. Porém, é preciso que nos lembremos que, embora haja ordem num cemitério, ali não existe vida! É preferível que exista vida,

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ainda que corramos o risco de alguma desorganização. Manter a ordem é a função dos anciãos. Os líderes da Igreja são também responsáveis pelo treinamento dos santos, para que eles estejam preparados para contribuírem significativamente para os cultos e para julgarem por si mesmos os erros que porventura ocorram. Além disso, o Espírito Santo deve ser livre para atuar na vida da Igreja. Se as Escrituras revelam verdadeiramente a vontade de Deus para que os cultos sejam participativos, então o Senhor deseja também vê-los sendo realizados com sucesso completo.

Francamente, alguns pastores se opõem às orientações de 1Coríntios 14 precisamente porque atendê-las resultaria num enfraquecimento do prestígio do pastor. É triste, mas uma pequena percentagem de pastores tropeça em seus egos ou têm necessidade de auto-afirmação, satisfeita apenas quando se sentem os “astros” de uma apresentação. Este é um ponto cego que precisa ser vencido e do qual eles devem se arrepender. Exagero nas determinações de 1Coríntios 14 pode ocorrer se os crentes se deixarem intoxicar por sua recém encontrada liberdade, que pode levá-los na direção da anarquia ou do gnosticismo. Eles se tornam cautelosos em excesso com as “agendas”. Para eles, qualquer um que demonstre inclinação para liderar ou qualificações é alguém autoritário ou do mal. Ainda que seja óbvio que Paulo tinha uma “agenda” para as Igrejas às quais ministrava. Equilíbrio é a chave para essa situação. Nós precisamos estar de acordo com a agenda de Deus quanto a ajudar Suas Igrejas a andarem conforme Seus mandamentos!

Não são poucas as pessoas que leram 1Coríntios 14 e julgaram suas Igrejas totalmente enquadradas nessa passagem, por estarem suas congregações participando através de leituras responsivas, pondo-se de joelhos, compartilhando o pão e o vinho da Ceia do Senhor, cantando hinos, entregando os dízimos e ofertas etc. Parte do problema é que tudo isso foi planejado apenas por alguns, a estrutura é a mesma todas as semanas, e o programa completo dos cultos vem sempre já impresso no boletim. Há uma

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participação, embora muito limitada, da audiência, mas não há real liberdade. Tem algum irmão liberdade de escolher um hino? De pregar? De levantar a mão e fazer uma pergunta? Há espontaneidade neles?

CONCLUSÃO: AFIRMAÇÕES E NEGAÇÕES

Que conclusões podem ser tiradas sobre de que forma Deus deseja que os cultos semanais sejam conduzidos?

Nós afirmamos que:

As reuniões devem ser participativas e espontâneas. Tudo o que for dito ou feito deve ser orientado para

fortalecer (edificar) a Igreja como um todo. Apenas uma pessoa por vez deve falar à congregação. Tudo deve ser feito de forma correta e ordeira. Uma das atribuições de um ancião nesses cultos é

mantê-los “nos trilhos” e mantê-los fieis á diretiva principal, afim de que tudo deva ser feito para edificação.

Esse tipo de reunião interativa não é opcional, nem uma história interessante, menos ainda uma informação pitoresca. Esses cultos são “mandamentos do Senhor” (1Coríntios 14:37).

Nós negamos que:

“Serviços (cultos) de Louvor” foram gerados pelas Igrejas do Novo Testamento.

Assembléias numerosas como cultos semanais são padrão do Novo Testamento.

Reuniões da Igreja precisam ser dirigidas do púlpito por um líder de culto (ou pastor).

Boletins são necessários ou pelo menos um pouco benéficos para as reuniões da Igreja.

Apenas uma pessoa pode pregar nas reuniões. Pregadores devem ser escalados com antecedência.

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Rituais e cerimônias são parte dos cultos das Igrejas do Novo Testamento.

Apoios especiais são importantes para o culto, como incenso, roupas especiais, imagens, estátuas, vitrais ou edifícios decorados no estilo catedral.

Apresentações no estilo de espetáculos podem substituir aquelas prescritas no Novo Testamento.

Uma carta a prováveis visitantes:

Estamos honrados que você tenha demonstrado interesse em participar de um de nossos cultos. Nós fazemos um esforço deliberado para conseguir acompanhar as tradições dos apóstolos originais nas práticas de nossa Igreja. Então, embora de certa maneira sejamos “tradicionais”, o que fazemos é não convencional pelos padrões atuais. De qualquer forma, o que se segue dará a você uma boa idéia do que encontrará. Esperamos que você se sinta à vontade e estimulado quando se reunir conosco.

Nossa Igreja original cresceu e dividiu-se em duas. Apesar de interdependentes, cada uma é autônoma. Uma se reúne pela manhã e a outra à tarde, ambas em NE Oz, próximo à Estrada Yellow Brick. Para obter o endereço e orientações, por favor, chame:

Igreja da Manhã: John & Violet Calvin 770-493-1234Charles & Daisy Spurgeon 770-938-1234

Igreja da Tarde: Jonathan & Marigold Edwards 770-908-1234George & Rose Whitifield 770-455-1234

Seguindo o padrão do Novo Testamento, cada Igreja se reúne regularmente no primeiro dia de cada semana. Este é conhecido nas Escrituras como o Dia do Senhor, o dia em que Jesus venceu a morte e ressuscitou da sepultura. Nós não vemos isso como alguma espécie de sábado. Cada dia é sagrado sob o Novo Testamento (Hebreus 4, Colossenses 2:16-17, Gálatas 4:8-11).

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As portas da casa na qual se dará o culto se abrem às 10:00h (na Igreja da manhã) ou 16:00h (na Igreja da tarde) e os cânticos começam pontualmente meia hora depois. Assim, você pode ver que há um espaço de 30 minutos para todos chegarem, tomarem assento, conversarem, tomarem café, etc. Por favor, tente estacionar do mesmo lado da rua no qual a casa do culto estiver localizada. Isso diminuirá a probabilidade de que nossos carros estrangulem o tráfego da rua.

Nossa forma de vestir é casual e confortável. Ninguém usa gravata. As senhoras vestem algo como vestidos confortáveis, calças ou simples shorts. As crianças usualmente acabam indo brincar no quintal depois do culto e, portanto vestem-se com roupas de brincar e sapatos. Não é raro as crianças se sujarem.

A reunião em si mesma é espontânea e interativa (nada de boletim!), por causa de 1Coríntios 14:25, Nada é planejado, exceto o horário de início do primeiro cântico (10:30h ou 16:30h). Às vezes, cantamos muito, às vezes bem menos. Em um domingo três irmãos podem pregar, enquanto em outras semana ninguém prega. Às vezes, oramos por longo tempo, outras vezes muito pouco. Todos os irmãos podem participar verbalmente, mas tudo o que for dito deverá ser para edificação de toda a Igreja (14:26). Apenas a uma pessoa por vez é permitido que se dirija à Igreja e tudo é feito adequadamente e com ordem. Todos os ensinamentos e profecias são passíveis de exame e julgamento pelo público. Não existe um moderador nem introdutor. De fato, a menos que exista algum problema a resolver, você nem saberá quem são nossos líderes (nós temos dois anciãos)!

Pessoas indagativas quererão saber que a maioria de nós adota as doutrinas  da graça, teologia do novo concerto (www.Ids.org), infalibilidade da Bíblia e a declaração de Denver sobre a condição do homem e da mulher (www.bmw.org). Você pode acessar mais informações sobre Igrejas domiciliares em www.ntrf.org (N. do T. – Esses sites são em inglês, à exceção do www.ntrf.org, que tem uma seção em português).

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As crianças permanecem conosco no culto, ainda que as bem pequeninas sejam barulhentas. Nesses casos, seus pais as levarão para fora, até que se acalmem.  Se você tem crianças, é ideal que você traga algumas coisas que as mantenham ocupadas, como lápis e desenhos para colorir ou brinquedos que não façam ruídos. As crianças usualmente se sentam no chão perto de seus pais. Acreditamos que seja tarefa dos pais (e não da Igreja) ensinar seus filhos sobre Jesus. Assim, propositalmente não temos escola dominical nem classes separadas para as crianças.

As mulheres não falam ou oram publicamente nos cultos de 1Coríntios 14 (sim, nós sabemos que isso é difícil de aceitar, mas veja 1Coríntios 14:33-35 e verá de onde isso provém). Em contraste, as irmãs falam o quanto desejam durante a comunhão da Ceia do Senhor!

A Ceia do Senhor é uma parte integrante do nosso encontro e começa perto do meio-dia. Realmente, ela é a razão principal para que nos encontremos cada semana. Nós a comemos como uma refeição completa, como determina 1Coríntios 11:17-34. Ela é “o que tiver”, com cada um trazendo alguma coisa para repartir com os outros. Cremos que ela deva ser uma refeição verdadeira, para tipificar o banquete das bodas do Cordeiro. É um momento de grande congraçamento e estímulo e muito mais parecido com uma festa de casamento do que com um funeral. No meio de todas as comidas, você perceberá um copo (atualmente, uma jarra plástica) e um pão, representando o sangue de nosso Senhor. Nós acreditamos que isso foi originalmente criado para relembrar Jesus de Sua promessa de retornar e participar da ceia novamente com Seu povo. Sinta-se à vontade para participar do pão e do fruto da vinha quando você passar por eles na fila, servindo-se dos alimentos. Não há uma hora determinada para o fim do culto. Cada um se retira depois de haver almoçado e usufruído do congraçamento que deseje.

Resumindo, cremos que os padrões para a vida da Igreja evidenciados no Novo Testamento não são meramente descritivos, mas são determinações (2Timóteo 2:15, 1Coríntios 11:2) Assim, acreditamos em Igrejas baseadas em

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domicílios e em congraçamentos reduzidos, servidos por anciãos - ao invés de cultos dirigidos pela Igreja, acreditamos no ministério de obreiros itinerantes, cultos interativos e que a Ceia do Senhor e o banquete do amor (Ágape) são eventos semanais sinônimos.  Talvez auxilie ler 1Coríntios 11:17-34 e 1Coríntios 14:26-40 antes de vir.

Para nós, a verdadeira vida da “Igreja” ocorre cada dia, quando vemos um ao outro, durante a semana, a semana toda. Para facilitar isso, damos uma elevada prioridade a viver tão próximos uns dos outros, quanto possível. O grupo principal vive na mesma vizinhança. Assim, as atividades do Dia do Senhor descritas acima são apenas o “chantilly da torta”. Avaliar-nos baseados somente no que se pode observar num culto dominical será uma análise incompleta!

Nossas Igrejas são comprometidas a cultuar e viver tão simplesmente quanto possível, de acordo com o que se pode ler e entender sobre o que o seja o padrão da Igreja do Novo Testamento. Sabemos que o panorama que oferecemos você ainda não é completo. Nós somos um trabalho em desenvolvimento! Tentamos tomar um assunto de cada vez e chegar a um consenso bíblico, antes de nos mover para outro assunto. Todos são importantes e idealmente ninguém é “atropelado” ou desprezado. Isso quer dizer que às vezes nos movemos lentamente, mas com um elevado grau de paz e unidade. Por isso é que temos sido abençoados e somos agradecidos. Até o Dia do Senhor!

A maneira de cultuar no Novo Testamento

Que fazer, pois, irmãos? Quando vos congregais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação.

Se alguém falar em língua, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e cada um por sua vez, e haja um que interprete. Mas, se não houver intérprete, esteja calado na Igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus.

E falem os profetas, dois ou três, e os outros julguem.

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Mas se a outro, que estiver sentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro.

Porque todos podereis profetizar, cada um por sua vez, para que todos aprendam e todos sejam consolados, pois os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas.  Porque Deus não é Deus de confusão, mas sim de paz.

Como em todas as Igrejas dos santos, as mulheres estejam caladas nas Igrejas, porque lhes não é permitido falar; mas estejam submissas como também ordena a lei.

E, se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos; porque é indecoroso para a mulher o falar na Igreja. Porventura foi de vós que partiu a palavra de Deus? Ou veio ela somente para vós?

Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor. Mas, se alguém ignora isto, ele é ignorado.

Portanto, irmãos, procurai com zelo o profetizar e não proibais o falar em línguas. Mas faça-se tudo decentemente e com ordem (1Coríntios).

A maneira do Culto Atual

Que fazer, pois, irmãos? Quando vos congregais, o pastor tem doutrina e o ministro de música tem salmos. Faça-se tudo para a cerimônia.

Se alguém mais que o pastor tem doutrina, não o deixe falar – deixe que ele permaneça na sua paz. Deixe que ele se sente no banco, olhando para a nuca de quem está sentado na sua frente.

Deixe que as pessoas mantenham silencio na Igreja, pois não lhes é permitido falar, mas permanecerem sob submissão, como manda a tradição da Igreja. Isso, porque o pastor tem formação num seminário e o irmão leigo não ostenta tão elevada formação.

Se um homem deseja permanecer como membro da Igreja, deixe que ele saiba que o que eu escrevo para vocês são as ordens do escritório central da denominação. Mas, se

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algum homem ignorar isso, ele será prontamente escoltado para fora da porta pelos diáconos.

De toda maneira, irmãos, não cobice o falar na Igreja. Deixe que todas as coisas sejam feitas decentemente e em ordem, tal como está escrito no boletim da Igreja.

Trecho da Apologia de Tertuliano

(Tertuliano viveu por volta do ano 200 da nossa era) “Nós somos uma sociedade com sentimentos

religiosos comuns, unidade de disciplina e comuns laços de esperança. Reunimo-nos em assembléias e congregações para nos aproximarmos de Deus em oração, unificando nossas forças para envolvê-Lo... Reunimo-nos para ler as divinas Escrituras... Nossos dirigentes são anciãos de caráter comprovado...

Se aqui existe um tesouro de alguma forma, ele não foi construído com dinheiro pago por taxas de iniciação, como se religião fosse uma questão de contrato.  Todo o homem, uma vez ao mês, traz alguma modesta contribuição - ou quando ele o deseja, se deseja e apenas se ele o deseja. Ninguém é obrigado a nada, as ofertas são voluntárias... para alimentar aos pobres, para enterrá-los e para meninos e meninas que perderam seus pertences e seus pais e foram escravizados...

Nós, que somos unidos pela mente e pela alma, não hesitamos em repartir nossas propriedades. Tudo é comum entre nós – exceto nossas esposas. Neste ponto, nossa parceria acaba...

Nossas refeições demonstram sua concepção já em seu nome – eles são chamadas pelo nome grego para amor... Nós não tomamos nosso lugar à mesa sem ter antes orado ao Senhor. Comemos apenas até termos a fome saciada. Depois da água para as mãos, vêm as luzes – então, cada um, de acordo com o que aprendeu das Escrituras ou de seu próprio coração, é chamado, antes do descanso, para cantar ao Senhor. Dessa maneira, orações encerram o banquete...”

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06 - LOUVE SEMPRE, MAS PROCURE06 - LOUVE SEMPRE, MAS PROCUREPRINCIPALMENTE EDIFICARPRINCIPALMENTE EDIFICAR

Steve Atkerson

“Culto de louvor” é uma designação que empregamos bastante para nos referir às reuniões da Igreja. Porém, é o louvor a razão principal para que os cristãos se reúnam?

É muito comum às pessoas se referirem às reuniões da Igreja como “cultos de louvor”. Artigos aparecem regularmente nas publicações evangélicas sugerindo como chegar a um verdadeiro louvor na Igreja. Alguns encaram o tempo do culto de domingo com o temor e tremor experimentados por Israel no Monte Sinai. Outros entendem o culto de louvor como um tempo de celebração e alegria. Qual dessas visões é validada pelas Escrituras? Qual delas deve ser empregada numa reunião de Igreja? E “culto de louvor”, o que vem a ser?

Todas as palavras para designar “louvor”, em hebraico ou grego, refletem uma de duas idéias. O conceito de louvor mais comumente encontrado hoje deriva da palavra proskuneo. Pros significa “para com” e “kuneo” quer dizer “beijar”. De acordo com o dicionário BAGD, essa palavra designa “o costume de alguém se prostrar perante outra pessoa e beijar seus pés, a bainha de sua capa, o solo, etc. Os persas faziam isso na presença de seu rei endeusado e os gregos ante uma divindade”. Desse modo, a palavra significa “(prostrar-se e) louvar, prestar obediência a outrem, prostrar-se frente a alguém, reverenciar, acolher respeitosamente”. Como se pode ver, proskuneo é uma atitude de humildade, reverência, apreciação, temor, adoração e maravilha. A ênfase é para o amor e a devoção.

O segundo conceito de “louvor” é representado pela palavra latreia, a qual essencialmente significa “serviço” ou “trabalho”. Essa palavra originalmente se referia ao trabalho dos escravos ou servos contratados. Em contraste com proskuneo, latreia é uma palavra de ação.

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Assim, biblicamente, adorar a Deus é “trabalhar” para Ele em atitude de “adoração reverente”. Além disso, Jesus disse à mulher samaritana “crê-me, a hora vem, em que nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (João 4:21-24). Louvor nada tem a ver com localização geográfica ou tempo – é para ser feito em qualquer lugar onde os crentes se encontrem e em todos os tempos. Então porque nós principalmente associamos louvor com edifícios de Igrejas, nas noites de domingo?

Surpreendentemente, o Novo Testamento jamais se refere às reuniões da Igreja como “cultos de louvor”. Romanos 12:1 menciona um “culto racional”, mas se refere a oferecer nossos corpos a Deus como um sacrifício vivo - nada tem a ver com culto de Igreja! Certamente nada há de errado com louvar o Senhor durante as reuniões da Igreja (1Coríntios 14:22-25, Efésios 5:19, Colossenses 3:16). Porém, esse deve ser o principal objetivo do culto?

Muitos cristãos recorrem ao Antigo Testamento para justificar a apresentação de louvor como a razão principal das reuniões da Igreja. Sob o Pacto Mosaico, o povo de Deus deveria, por lei divina, fazer várias peregrinações anuais ao único local do templo (a “casa” de Jeová) e fazer oferta de presentes e sacrifícios. Seu louvor consistia de sábados, dias festivos e práticas prescritas pelos mediadores levitas – isso tudo era agendado, localizado e ritualizado. Em contraste, o Novo Concerto introduziu uma radicalmente diferente forma de louvor. A “nova” forma tornou o Pacto Mosaico (e seu louvor) “velho”, obsoleto e pronto a desaparecer (Hebreus 8:13).

A primeira carta aos Coríntios, 14:26, apresenta claramente o pré-requisito para uma reunião da Igreja: “Quando vos congregais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação”. (Tradutor: as versões da Bíblia em inglês traduzem a última frase acrescentando-lhe as palavras “da Igreja” ao final. Assim, ela fica dessa forma: “Faça-se tudo para edificação da Igreja”).

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“Edificação” vem da palavra grega oikodome e significa “edificar, construir”. Certamente, quando louvamos a Deus em conjunto, somos também fortalecidos. Entretanto, o foco principal do culto é o fortalecimento da Igreja. Não é o Senhor que se encontra necessitado de fortalecimento, mas o Seu povo. Nesse sentido, o culto semanal é para benefício das pessoas presentes. As reuniões da Igreja são destinadas a edificar aos crentes e, em resumo, elas devem ser centradas no homem, assim como centradas em Deus.

Observe como o conceito de fortalecimento é apoiado por Hebreus 10:24-25: “Consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras, não abandonando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia”. Outra vez, a razão para estar na “nossa congregação” (reunidos) é encorajar uns aos outros (“admoestando-nos uns aos outros”). Isso, para que nos encorajemos reciprocamente no amor e nas boas ações. Nesse aspecto, as reuniões da Igreja são destinadas a equipar o crente para que se vá e louve durante toda a semana. Como escreveu Scott Key, “desde que palavras não podem demonstrar, deixe minha vida espelhar o brotar do louvor a Ti”.

As reuniões da Igreja (ou cultos), revelados no Novo Testamento são interativas, informais e pequenas. Simplicidade era a regra das reuniões das Igrejas domiciliares. Em algum lugar do percurso (cerca da época do Édito de Milão, do Imperador Constantino) saímos dos lares e nos mudamos para os vetustos e majestosos “santuários” (os quais formalmente pertenciam às religiões pagãs). Nós trocamos interação e incentivo mútuo por monólogo. A intimidade foi perdida quando as massas passaram a se encontrar nos enormes salões de conferência chamados catedrais. A informalidade deu lugar à liturgia, pompa e cerimônia. Os cultos se transformaram em espetáculos, com a congregação assistindo às performances da elite espiritual. Nessa atmosfera, atender a 1Coríntios 14:26 se tornou cada

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vez mais difícil. Dentre o que ainda podia ser atendido, estava Efésios 5:19 e Colossenses 3:16, de modo que o “louvor” tornou-se o foco principal desses espetáculos de performance.

No outro extremo, assim como as assembléias da Igreja não são fundamentalmente “cultos de louvor”, também não devem ser grupos de terapia para os doentes. Não se supõe que um culto seja uma sessão de aconselhamento focalizada nas necessidades de uma pessoa. Por exemplo, centralizar o culto principalmente em curas é violar a “primeira diretiva” de 1Coríntios 14:26. “Tudo” deve ser feito para o fortalecimento de toda a “Igreja”. Sim, toda a Igreja pode ser edificada através do milagre da cura, mas como o louvor, isso não deve ser um canal enfatizado em excesso, através do qual todo o fortalecimento seja canalizado. Isso seria como tocar um violão de uma corda só!

Em resumo, todas as coisas que ocorrem num culto devem ser “para edificação” (1Coríntios 14:26). Desde que rotulamos as assembléias da Igreja de “cultos de louvor”, as pessoas tacitamente assumem que o louvor é a razão principal do culto. Se ocorre edificação, ela é incidental ou, na melhor das hipóteses, casual. É um axioma que as instituições se desviam dos propósitos originais que motivaram suas existências. Seria esse o caso dos cultos das nossas Igrejas?

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07 - O GOVERNO POR CONSENSO07 - O GOVERNO POR CONSENSO

Steve Atkerson

“Então estamos combinados, por nove a um: vamos dizer que todos os votos anteriores foram unânimes!”

Por que Jesus escolheu a palavra “Igreja” para descrever Seus seguidores (Mateus 16:16-18)? “Igreja” é a tradução portuguesa da palavra original grega ekklesia. Fora do Novo Testamento (NT) ekklesia era uma palavra secular que carregava forte conotação política. Existiam outras palavras gregas com conotação religiosa ou não políticas (como synagogue) que Jesus poderia ter usado, mas significativamente, ele não o fez!

A Igreja Moderna

De acordo com o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a palavra “Igreja” é usada hoje no nosso idioma para designar “templo cristão” (ou edifício para cultos cristãos), autoridade eclesiástica (o clero ou administração das Igrejas), a comunidade dos cristãos (o corpo de crentes), o conjunto de fiéis ligados pela mesma fé e sujeitos aos mesmos chefes espirituais (uma congregação ou denominação). Ainda que “Igreja” seja usada para significar ekklesia (como diz o próprio dicionário citado), na realidade Igreja é a tradução de um adjetivo grego completamente diferente, kuriakos, que significa “do Senhor” ou “pertencente ao Senhor”, que provavelmente é uma forma abreviada de uma frase tal como kuriakos doma ou kuriakos oikos (“a casa do Senhor”). Assim, kuriakos, usada como Igreja, pode se referir àqueles que pertencem ao Senhor (Seu povo) ou à casa do Senhor (o edifício de uma Igreja). O substantivo grego que mais se aproxima do significado do conceito de “Igreja” em português é synagogue (“sinagoga”). Ambas as palavras podem se referir tanto ao povo de Deus quanto ao edifício especial no qual se reúnem. O problema com isso

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tudo é que, todas as vezes que deparamos com “Igreja” no NT, ela traduz a palavra grega ekklesia. Diferentemente das palavras synagogueou kuriakos, a expressão grega ekklesia jamais se refere ao edifício ou lugar de culto, mas apenas a uma reunião, uma assembléia ou um encontro!

A Igreja Original

Fora do NT, ekklesia foi usada quase que sem exceção para se referir a uma assembléia política que era periodicamente convocada para tomar decisões. De acordo com o dicionário Thayer’s (em inglês), ela era uma “reunião do povo convocado para um lugar público de conselho, para deliberações”. O dicionário BAGD define ekklesia como uma “assembléia regularmente convocada do corpo político”. No dicionário de Colin Brown New International Dictionary of New Testament Theology, ekklesia, nos tempos do Novo Testamento, era “claramente caracterizada como um fenômeno político, repetido de acordo com certas regras e com certas estruturas. Era a assembléia dos cidadãos, funcionalmente embasada na constituição da democracia, uma assembléia na qual as decisões fundamentais, políticas e judiciais, eram tomadas... a palavra ekklesia, através das áreas gregas e de influência helênica, sempre conservou essa referência às assembléias do povo”. Nas ekklesias, todo cidadão do sexo masculino tinha “o direito de falar e de propor matérias para discussão” (percebe-se que às mulheres não era permitido falar nas ekklesias gregas).

Por que Jesus escolheu (em Mateus 16:13-20 e 18:15-20) uma palavra tão politicamente “carregada” como ekklesia – (ekklhsia) (ou invés de algo como synagogue) para descrever Seu povo e suas reuniões? Evidentemente por Jesus ter em mente que as reuniões dos cristãos fossem idênticas às assembléias dos legisladores gregos, no aspecto de que aos crentes cabe decidir as coisas e no aspecto de que os cidadãos do Reino podem falar e propor assuntos para discussão. Se

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Jesus meramente desejasse descrever um encontro, ele poderia ter usado synagogue, thiasos ou eranos. Significativamente, porém, Ele escolheu ekklesia – (ekklhsia). O povo de Deus, quando se reúne, tem um mandato de “tomadores de decisão”. Uma “Igreja” é fundamentalmente uma assembléia (ou reunião) de cidadãos do Reino, aos quais é autorizado (e esperado) que tomem decisões, emitam julgamentos e considerem assuntos. Ainda que essas tomadas de decisão não tenham que necessariamente ocorrer em todas as reuniões (pode não existir assuntos pendentes), entende-se que a Igreja tem autoridade e obrigação de resolver se algo é bastante importante para demandar decisão coletiva. Qualquer Igreja cujas reuniões se concentrem apenas em louvores musicais e em pregações, excluindo um apego corporativo à solução de problemas e à análise dos assuntos de sua alçada, pode estar falhando no preenchimento de seus propósitos como ekklesia.

Que Jesus esperava decisões tomadas pela ekklesia é visto em Mateus 16:13-20. Depois de prometer construir Sua ekklesia na rocha da revelada confissão de Pedro, Jesus imediatamente falou das chaves do reino dos céus e de ligar e desligar.  Chaves representam a capacidade de abrir ou fechar algo. “Reino” é um termo político e ligar e desligar envolve a autoridade de tomar decisões. Em Mateus 18:15-20, a ekklesia (18:17) é forçada a emitir um veredicto a respeito de um alegado pecado de um irmão e, mais uma vez, a decisão é conferida à Igreja. Em Atos 1:15-26, Pedro encarregou a Igreja de Jerusalém como única responsável por encontrar um substituto para Judas. Em Atos 6:1-6, os apóstolos se voltaram para o corpo da Igreja para encontrarem quem deveria administrar o sistema de assistência social da Igreja. Atos 14:23 narra que certas Igrejas elegiam seus próprios anciãos. Em Atos 15:1-4, a Igreja de Antioquia decidiu enviar Paulo, Barnabé e outros irmãos a Jerusalém para arbitramento e então ali toda a Igreja se envolveu na resolução do conflito (15:4, 15:12 e 15:22). Por fim, Paulo continua essa idéia em 1Coríntios 14:29-30,

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onde fica claro que as tomadas de decisão deveriam ser realizadas por revelação profética, quando “toda a ekklesia se reunir no mesmo lugar” (14:23).

Como forma de compensação, é importante notarmos que a Igreja, na sua tarefa de decidir, é mais judicial do que legislativa. Esse é um ponto no qual a ekklesia do povo de Deus é diferente da ekklesia das cidades gregas. Nossa tarefa não é criar leis – apenas Deus pode corretamente fazê-lo! Ao contrário, nossa missão é aplicar e fazer respeitar a lei de Jesus Cristo da forma correta como está no Novo Concerto. Assim sendo, os membros da Igreja devem ser como cidadãos que se reúnem para deliberar e decidir coisas ou para fazer julgamentos (quando necessário). Essa forma de governo funciona toleravelmente bem quando aplicada numa Igreja (doméstica) pequena, onde as pessoas se amem o bastante para trabalharem através de quaisquer desentendimentos. É virtualmente impossível operacionalizar esse modelo numa grande (institucional) Igreja.

Sombras do Hábito

A palavra ekklesia – (ekklhsia) (“Igreja”) é usada de seis diferentes formas pelos escritores do Novo Testamento. Uma é encontrada em Atos 19:23-41 (especialmente 19:25 (final), 19:32, 19:39 e 19:41). Essas ocorrências de ekklesia (“assembléia” convocada, “assembléia legal” e “assembléia”) referiam-se a um encontro de artesãos (19:24) os quais foram “convocados” por Demétrius para o teatro da cidade (19:31) para decidir o que fazer sobre Paulo (19:25-27 e 38), embora, pela confusão havida, a maioria nem soubesse por que havia sido convocada (19:32).  Este é um exemplo de ekklesia usada para se referir à convocação regularmente efetuada de um segmento político da sociedade (no caso, artesãos em prata e aqueles com os quais mantinham negócios). Eles foram convocados (como numa espécie de sindicato) para decidir quanto aos danos causados à imagem da categoria e aos negócios perdidos (Atos 19:27). A situação degenerou e

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eles exorbitaram de sua jurisdição ao desejarem se entender com Paulo. Então, o escrivão da cidade sugeriu que o assunto deveria ser levado à ekklesia “legal” (Atos 19:37-39) (ao invés de à ekklesia da categoria profissional).

Outro uso é visto em Atos 7:38 e Hebreus 2:12, onde ekklesia é usada para designar a reunião dos israelitas no deserto, no Monte Sinai, onde eles receberam as leis de Deus através de Moisés (Atos 7:38 e Êxodo 24:3-7). Além disso, ekklesia foi usada para designar reuniões dos israelitas no templo, durante os tempos de Davi (Hebreus 2:12 e Salmos 22:22). 

Um terceiro uso é encontrado em Mateus 18:17, 1Coríntios 11:17-18, 14:4-5, 14:18-19, 14:23, 14:28 e 14:34-35. Nesses versos, ekklesia refere-se a assembléias cristãs regularmente agendadas e convocadas em tempo hábil. Em Mateus 18:17 eles se encontram para emitir uma decisão sobre pecado. 1Coríntios 11 diz respeito a uma reunião da ekklesia para comer a Ceia do Senhor e em 1Coríntios 14 ela é um encontro para discussão aberta (com a edificação como principal objetivo).

A quarta maneira pela qual ela é empregada está em Atos 8:1, Romanos 16:1, 1Timóteo 1:1 e Apocalipse 2:1, 2:8, 2:12 e 2:18. Aqui, ekklesia aparentemente é usada para designar não um encontro mesmo, mas a totalidade dos cristãos vivendo em um lugar. Os autores do Novo Testamento escreveram a uma “Igreja” (singular) em Jerusalém, uma em Roma, uma em Tessalônica, uma em Éfeso, uma em Esmirna, uma em Pérgamo, etc.

Entretanto, a “Igreja” em alguma cidade talvez nunca tenha reunido toda em um único lugar. A palavra “Igreja” foi usada para a totalidade dos crentes de uma cidade, mas não necessariamente para algum imenso aglomerado de fiéis de uma grande cidade. Assim, há apenas uma Igreja em Atlanta hoje (apenas uma totalidade de cristãos em Atlanta). Não obstante, a Igreja em Atlanta talvez jamais seja capaz de abrigar uma reunião plenária (a não se que voltasse aos anos 1840, quando era bem menor). A Igreja única de Atlanta é composta de centenas de Igrejas menores que se encontram

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separadamente. (Uma cidade que deu conta de conduzir uma reunião plenária [de cidade grande] foi Jerusalém) (Atos 15:12-22).

O uso número cinco ocorre em Romanos 16:5, 1Coríntios 16:19, Colossenses 4:15 e Filemom 2. Como evidenciado nesses textos, ekklesia pode se referir a assembléias regularmente convocadas em casa de membros. Essas Igrejas domésticas, quando consideradas como um todo, constituem a Igreja da cidade onde estão localizadas, embora elas possam jamais ter se reunido todas no mesmo lugar.

Finalmente, em Mateus 16:18, Atos 9:31, Efésios 1:22, 3:10, 3:20-21, 5:23, 5:25-27, 5:29, 5:32, Colossenses 1:18 e 1:24, ekklesia se refere à totalidade dos cristãos em todos os lugares e através de todos os tempos (a Igreja universal). Uma reunião dessa Igreja universal não ocorrerá antes da segunda vinda de Jesus.

Aplicação

Assim, a palavra ekklesia é usada de seis diferentes maneiras no Novo Testamento. O emprego mais fundamental é aquele que se refere a um grupo de pessoas reunidas com o propósito de tomar decisões. O significado mais real de ekklesia não é o da reunião do povo de Deus, mas do que ocorre quando ele se reúne. Nós somos autorizados pelo Senhor a tomar decisões quanto à correta aplicação das Escrituras. Deus espera que nós façamos respeitar a lei de Cristo (dentro da família de Deus) e que resolvamos os assuntos quando eles surgirem. Isso é uma parte do que ocorre em nossas reuniões, que são abertas e participativas. Problemas não podem ser escondidos em baixo do tapete. Problemas de conduta correta têm que ser resolvidos. Claro, espera-se que não existam assuntos como esses na pauta todas as semanas, mas o povo de Deus precisa manter na mente sua obrigação de funcionar como uma ekklesia quando necessário.

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Esse entendimento do completo significado de ekklesia tem uma conexão direta com o governo da Igreja. Em sua organização humana, a Igreja não deve ser uma pirâmide com o poder concentrado no topo, em um ou em poucos homens. As decisões não devem ser tomadas atrás de portas fechadas e depois divulgadas para que a Igreja as siga. A Igreja assemelha-se mais a um senado ou congresso, no aspecto de que a assembléia como um todo deve deliberar e decidir assuntos. Os líderes da Igreja devem facilitar esse processo e servir à Igreja providenciando o necessário ensinamento e a orientação, mas eles não são os senhores da Igreja!

Consenso ou Governo da Maioria?

A palavra “consenso” significa “concordância geral, tendência representativa ou opinião”. Ela é relacionada às palavras “consentir” e “consensual”. Governo da maioria pode representar uma ditadura de 51% e geralmente tende a influir contra a unidade. Consenso trabalha pela unidade. Tomados como princípio, o que os textos seguintes sugerem sobre governo da maioria (democracia) versus consenso na tomada de decisões?

“Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união” (Salmos 133:1) 

“Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que sejais concordes no falar, e que não haja dissensões entre vós; antes sejais unidos no mesmo pensamento e no mesmo parecer” (1Coríntios 1:10).

“Assim, pois... sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo o próprio Cristo Jesus a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício bem ajustado cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus no Espírito” (Efésios 2:19-22).

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“Procurando diligentemente guardar a unidade do Espírito no vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, por todos e em todos” (Efésios 4:3-6).

“Portanto, se há alguma exortação em Cristo, se alguma consolação de amor, se alguma comunhão do Espírito, se alguns entranháveis afetos e compaixões, completai o meu gozo, para que tenhais o mesmo modo de pensar, tendo o mesmo amor, o mesmo ânimo, pensando a mesma coisa” (Filipenses 2:1-2).

“Revestí-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de coração compassivo, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade, suportando-vos e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como o Senhor vos perdoou, assim fazei vós também. E, sobre tudo isto, revestí-vos do amor, que é o vínculo da perfeição. E a paz de Cristo, para a qual também fostes chamados em um corpo, domine em vossos corações; e sede agradecidos” (Colossenses 3:12-15).

Provisão de Deus

A fim de que o governo por consenso não pareça muito utópico, considere o que o Senhor forneceu ao Seu povo para ajudá-lo a alcançar a unidade. Primeiro, é importante relembrarmos que o processo através do qual a Igreja caminha para encontrar o consenso é habitualmente tão importante quanto o consenso que ela finalmente encontra.  Isso toma tempo, compromisso, edificação mútua e uma enorme quantidade de amor fraternal. Ele verdadeiramente pode funcionar numa Igreja pequena, de dimensões de Igreja doméstica. Cada um de nós precisa amar aos outros o bastante para que nos amoldemos a cada um deles! Outra palavra para consenso, pode ser unidade, harmonia ou

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acordo mútuo. Nós realmente confiamos no Espírito Santo para operar em nossas vidas e Igrejas?

Além disso, nosso Senhor pessoalmente orou pela Sua Igreja “... para que eles sejam um, assim como nós... e rogo... que todos sejam um, assim como tu, ó Pai, és em mim, e eu em ti... para que eles sejam perfeitos em unidade, a fim de que o mundo conheça que tu me enviaste, e que os amaste a eles, assim como me amaste a mim” (João 17:11 e 17:20-23). Desde que Jesus orou assim por nós, a unidade é certamente acessível.

Outra provisão que Deus fez para nós reside na Ceia do Senhor. De acordo com 1Coríntios 10:17, “Pois nós, embora muitos, somos um só pão, um só corpo; porque todos participamos de um mesmo pão”. Evidentemente, o adequado compartilhar do mesmo pão durante a Ceia do Senhor não apenas ilustra a unidade, como também a cria!

Finalmente, como mencionado antes, Cristo deu vários ministérios e dons de liderança para a Igreja (como apóstolos, profetas, evangelistas e mestres), “até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Efésios 14:11-13). Líderes são necessários para auxiliar a Igreja a alcançar o consenso.

Agradecimentos especiais a Tim Wilson, de Gig Harbor, Oregon, quem primeiramente me introduziu à verdade da Igreja como um corpo de tomada de decisões.

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08 - UMA IGREJA08 - UMA IGREJAINTEGRALMENTE BÍBLICAINTEGRALMENTE BÍBLICA

Beresford Job

Requisitos mínimos para que uma Igreja seja bíblica:

Demonstramos sempre que as práticas legadas pelos apóstolos tinham força de determinações bíblicas. Isso é verdade, por exemplo, no que se refere às pessoas trabalharem e não ficarem ociosas e à maneira de funcionamento das Igrejas (como e o que que os irmãos devem fazer quando reunidos). Do Novo Testamento como um todo, podemos descortinar juntos um claro panorama de como eram realmente essas Igrejas apostolicamente dirigidas. Podemos, assim, definir o seguinte:

Os crentes se reuniam como Igreja no primeiro dia da semana (É relevante que se note que esta é a única prática apostólica com a qual os dirigentes da Igreja primitiva não desorganizaram nem modificaram. E a razão clara para tal é que isso, de nenhuma forma, toca na real natureza do que é a Igreja e, portanto, não afeta os ensinamentos errados e mudanças nas práticas da Igreja que eles introduziram uma ou outra vez. Eles conseqüentemente deixaram isso intocado e permaneceu como os apóstolos originalmente estabeleceram).

Quando as Igrejas se reúnem, e isso é feito, em residências. Quando elas se reuniam nos lares, o louvor comum e a participação coletiva eram completamente abertos e espontâneos (1Coríntios 14:26 descreve o procedimento como “o que cada um tem”), sem que ninguém esteja liderando do púlpito. Os cristãos primitivos não praticavam nada, que sequer se aproximasse de um culto atual.

Como parte desses procedimentos, eles comiam a Ceia do Senhor como uma refeição completa, certamente como a principal do dia, comumente se referindo a ela como banquete.

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Eles entendiam que cada Igreja seria uma extensão da unidade familiar (a idéia de Igrejas como instituições ou organizações provavelmente era totalmente alheia a eles) e praticavam uma liderança não hierárquica, plural e masculina, através de anciãos que emergiam da própria Igreja. Esses líderes locais (anciãos, pastores e bispos são sinônimos, no Novo Testamento) tentavam liderar o mais consensualmente possível e estava claro que suas funções eram meramente funcionais e de nenhuma maneira posicionais.

Vimos que a Bíblia claramente revela sobre como os apóstolos (que receberam pessoalmente de Jesus as revelações e ensinamentos) agiam para estabelecerem as normas de funcionamento e operação das Igrejas. Mas, a questão que se nos apresenta é: “Quanto da ‘receita’, poderia ser modificado, sem que a Igreja deixasse de ser bíblica, quanto à sua natureza e funcionamento?. (Eu me expresso dessa forma pelo fato de que natureza e funcionamento são totalmente relacionados, sendo as duas faces de uma mesma moeda. Como em tudo mais na vida, a forma segue a função – aqui, também isso ocorre. Pais e filhos, por exemplo, interagem de forma diferente daquela usada entre colegas de trabalho e é a diferença em natureza que faz a diferença em função tão importante. Uma família onde pais e filhos se relacionem mais como colegas de trabalho do que como parentes do mesmo sangue será um exemplo, não de uma família normal, mas de uma família disfuncional [cujas funções se manifestam de maneiras anômalas]. Da mesma forma, Igrejas que funcionam como instituições ou organizações, muito mais do que como extensões da família de Deus, são exemplos de Igrejas disfuncionais e, biblicamente falando, não são normais)”.

Vamos então procurar responder à indagação acima e descobrir quais as partes do modelo apostólico que não são essenciais (se existirem) para a manutenção da natureza e da função da Igreja bíblica. Começaremos com o assunto referente ao dia no qual a Igreja deve se reunir.

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Já que natureza e função são na verdade relacionadas, isso é inteiramente neutro e os pais da Igreja primitiva então entenderam isso, de maneira a não verem necessidade de fazer modificações. Eles viram que se pode alterar o funcionamento e a natureza das Igrejas sem interferência do dia em que ela se reúne e, a esse respeito, deixar as coisas como no status quo apostólico. E, contrariamente, uma Igreja bíblica pode mudar o dia em que se reúnem e continuar a praticar e funcionar da mesma maneira em todos os outros aspectos.

Eu desejaria ser o primeiro a dizer que ser (natureza) e fazer (função) uma Igreja bíblica é mais importante do que o dia no qual se reúne. Eu preferiria ser parte de uma Igreja que fosse bíblica em prática e função e que se reunisse, digamos, às terças ou quintas feiras, do que pertencer uma Igreja que se reunisse aos domingos mas que não fosse bíblica de acordo com nossa definição anterior. Mas, aqui está minha questão: Quando os pioneiros da Igreja pessoalmente escolheram não mudar o dia das reuniões dos crentes, em que bases e por quais possíveis razões o fizeram?

Contudo, eu afirmo novamente que aceito sem reserva alguma, que reuniões da Igreja em outro dia da semana que não o domingo possam ser inteiramente bíblicas.  Ainda mais, se um dia se tornasse ilegal reunir-se aos domingos, mas não às quintas-feiras, então eu iria, sob as circunstâncias extremas, sentir-me inteiramente feliz em fazer as necessárias mudanças. Mas, fora essas circunstâncias atenuantes (e eu vou retornar a essa hipótese depois), por que mudar o dia no qual a Igreja primitiva, sob a orientação e os cuidados dos apóstolos, se reunia? 

Deixe-me também responder agora a uma colocação legítima feita no Novo Testamento, a de que os judeus começavam um novo dia ao entardecer e de que isso significa que o primeiro dia da semana para eles começava ao pôr-do-sol do sábado. Assim, se alguma Igreja se reúne nas tardes dos sábados, especificamente por essa razão, então eu aceitaria isso como uma coisa biblicamente correta.

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Entretanto, precisamos também dizer que isso pareceria ilógico em países onde o dia é reconhecido como começando pela manhã. Para a maioria de nós, o primeiro dia da semana é o período de tempo que vai desde que levantamos no domingo pela manhã, até irmos para a cama outra vez, assim eu manteria que as reuniões das Igrejas aos domingos mantém-se como a norma bíblica, até onde vemos. Mas, voltemos à questão das reuniões em residências.

Ninguém, com um mínimo de conhecimento bíblico, poderá negar que as Igrejas cristãs primitivas se reuniam em domicílios, nem a natureza e a forma dessas reuniões. Isso prova que nunca houve necessidade de que fosse diferente. Por definição, pode-se supor que os membros de cada Igreja fossem em pequeno número, assim como as reuniões fossem interativas, sem ninguém na direção e com boa comida. Isso seria perfeito para o ambiente domiciliar. Depois de tudo, que melhor lugar poderia haver? E, mais uma vez, vimos que forma acompanha a função, como sempre ocorre no Novo Testamento. (Atribuímos aos “pais da Igreja primitiva” a eventual mudança dos cultos, das residências para edifícios especialmente santificados. É interessante também que se note que essa foi a última modificação que eles fizeram no projeto apostólico. Na realidade, de tudo o que foi originalmente estabelecido pelos apóstolos, as reuniões em domicílios foram as que sobreviveram por mais tempo à reinvenção da Igreja cristã por eles promovida).

Agora, vamos considerar a situação de vinte esquimós em uma pequena vila próxima ao Pólo Norte, que acabam de se tornar cristãos e desejam formar uma Igreja. Mas, a maior moradia de que dispõem, acomoda no máximo oito pessoas. Então, se eles por isso decidem alugar um iglu maior com o propósito específico de usá-lo para suas reuniões como Igreja, assumimos que eles ainda obedecem ao que a Bíblia requer e não mudam a natureza que deva ter suas reuniões. Assim, eu não vejo problema algum. Na verdade, eu preferiria ser parte de uma Igreja que se reunisse fora das casas (assumindo que todas as outras práticas bíblicas estivessem corretas), a pertencer a uma Igreja que se

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reunisse em domicílios, mas que fosse anti-bíblica nos demais aspectos. Se for mesmo necessário, você pode manter a natureza e as práticas de uma Igreja ainda que se reúnam em algum lugar distinto de uma casa.  De fato, a Igreja da qual faço parte, às vezes aluga um salão para nossa reunião, quando desejamos o tempero especial dos cânticos. Fazemos isso por amor aos nossos vizinhos, que se queixam do barulho que fazemos nessas ocasiões especiais. Porém, nos sentamos em círculo, como fazemos quando em casa e tudo o que fazemos nesse salão é inteiramente aberto à participação espontânea de cada um e jamais temos alguém liderando as atividades. Depois dessas atividades, retornamos a uma de nossas casas para o banquete do amor. Desejo, porém, evidenciar o que disse sobre ter que realmente usar outro lugar que não uma casa para as reuniões, pois não devemos permitir desvios dos padrões bíblicos, o que seria permissível apenas dentro de circunstâncias atenuantes, o que não as transformaria em normas. Deixe-me ilustrar o que digo, usando o exemplo que a Bíblia dá sobre o batismo.

O batismo bíblico, assim como a tradição apostólica de funcionamento de uma Igreja, é mandamento do Senhor. Embora sua forma real não esteja em nenhuma página das Escrituras, nós conhecemos a maneira como a Igreja primitiva fazia as coisas (tradição apostólica de novo): de que deveria ser feito imediatamente após a conversão, sem nenhum período de espera e em água. (E a inferência de por imersão, pelo simples fato de que a palavra batismo, em português, deriva da palavra grega baptizo, o que quer dizer, literalmente, afundar, imergir ou submergir). Muitos de nós estaríamos grandemente preocupados frente a qualquer idéia de que somos livres para introduzir modificações, seja com respeito a quem deva ser batizado, ao modo do batismo ou ao tempo certo para ele – e ficamos dolorosamente conscientes de como a Igreja tem massacrado cada uma dessas formas.  Assim, nossa posição é a de que cada pessoa deva ser batizada imediatamente após sua profissão de fé em Jesus e sendo submergida em água por completo.

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Falemos agora de alguém que chegue ao Senhor, mas que está prostrado em uma cama, por enfermidade. O batismo, como biblicamente determinado e exemplificado no Novo Testamento, está claramente fora de questão no que respeita àquela pessoa. Então, nos competiria encontrar algum modo apropriado de resolver o problema? A resposta é sim! Em tais circunstâncias, estaríamos tecnicamente em desacordo com os ensinamentos das Escrituras com referência ao modo do batismo, ainda que em completa harmonia com sua intenção e espírito.

Mas, este é o ponto vital: nada do que acabo de afirmar poderia ser aplicado à conversão de uma pessoa fisicamente capaz, situação na qual o modo normal deveria ser usado, para que as coisas fossem feitas como o Senhor as quer. Também ninguém poderia argumentar em defesa do batismo de alguém que não houvesse se achegado a Jesus pela fé, pois isso feriria frontalmente a verdadeira natureza do batismo, ainda que sua aparência estivesse de acordo com as Escrituras.

É isso o que quero dizer quando afirmo que não devemos transformar em norma os desvios biblicamente permitidos devido a circunstâncias atenuantes. Se a Igreja da qual faço parte aqui na Inglaterra tivesse acesso a casas maiores, como outras Igrejas têm, como nos Estados Unidos, nem em um milhão de anos poderíamos pensar em usar um salão como local para parte de nossa reunião.  Retornemos por um instante aos nossos hipotéticos irmãos do Pólo Norte: se eles descobrissem que têm um iglu capaz de acolher a um número de pessoas igual ao de uma reunião de Igreja, então que necessidade teriam de alugar um iglu maior para tal finalidade? Fica então nítido que a verdade é que qualquer processo de negociar algum desses fatores, que juntos formam parte de uma Igreja bíblica, usualmente leva à implantação de alternativas espúrias a outras três áreas:

1. Louvor aberto e participativo, sem ninguém dirigindo; 2. Ceia do Senhor como uma refeição completa e 3. Liderança local não hierárquica, plural e masculina

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Gostaria de deixar bem claro que, com as três características acima, estamos tratando dos requisitos básicos, não negociáveis e irredutíveis, que produzem o que se chama uma Igreja bíblica. Quero também afirmar que isso não quer dizer que tudo estará em seus exatos lugares, desde que se diga “faça-se”. É preciso, primeiro, haver instrução, desenvolvimento e crescimento espiritual. Estas sim, são as coisas as quais a Igreja deve ter como seu alvo, seu norte, mesmo que ainda não tenha chegado a esse ponto. Claro que a Ceia do Senhor como refeição completa deve ser implantada desde o início, pois não haveria nenhuma razão aparente para ser diferente, ainda que a liderança normativamente se levante depois.  Pode ocorrer também que alguém precise liderar inicialmente as reuniões semanais até que outros aprendam a fazer suas partes. Mas o que se deve evidenciar é em que direção a Igreja está sendo orientada, no que tange a como ela funciona e como as coisas são feitas.

O cerne dessa questão é que tudo ou todos que tocam nessas três coisas, de fato abalam a própria natureza do que seja a Igreja. Mude-se alguma dessas coisas e teremos Igrejas funcionando de maneira que não só é diferente do preconizado pelo Novo Testamento, mas chega mesmo a ser um organismo alienado e virtualmente o oposto ao que deveria ser. Voltando ao exemplo do batismo, dizemos que temos aqui o equivalente a batizar um ateu. A natureza mesma da coisa é transformada e a intenção do Senhor é invalidada, cancelada – de fato, ela virtualmente desaparece. E tudo se reduz ao seguinte: por que alguém que entende essas três últimas partes do plano quereria brincar com as duas primeiras, a menos que se tratasse das circunstâncias mais atenuantes que efetivamente o forçara. Ainda estou para ouvir uma maneira melhor de expressar isso, do que a usada pelo meu amigo Steve Atkerson: “a questão não é tanto por que devemos fazer as coisas da mesma maneira como o fizeram os apóstolos, mas por que quereríamos fazer algo diferente?”

Eu creio que isso diz tudo!

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09 - ATENDENDO ÀS NECESSIDADES09 - ATENDENDO ÀS NECESSIDADESDAS CRIANÇAS NAS IGREJASDAS CRIANÇAS NAS IGREJASDOMICILIARESDOMICILIARES

Como a Igreja primitiva ensinava suas crianças? Havia escola dominical, classe para jovens ou berçário?

Dan Trotter

Antes do início dos painéis de debates em uma conferência na Virgínia (Estados Unidos), sobre Igrejas domiciliares, eu sussurrei a um amigo que apostava que a primeira questão seria: “Como lidar com as crianças?”. E acertei. Esta é, na minha opinião, a pergunta mais freqüente, feita por aqueles que ponderam sobre as Igrejas nos lares. Essa é uma grande pedra de tropeço, mas não precisa ser. Esse artigo examinará três coisas: primeiro, as diferentes filosofias ou conceitos que as Igrejas institucionais e as Igrejas domiciliares têm sobre as crianças e a Igreja; segundo, assuntos de ordem prática que se sobressaem e, terceiro, as vantagens das Igrejas domiciliares para as crianças.

Em um artigo que escrevi certa vez, eu coloquei a questão: “O que você faz para as crianças?” Tenho vergonha de dizer que o primeiro rascunho do artigo dizia “O que você faz com as crianças?” Eu havia subconscientemente sucumbido à filosofia ou conceito da maioria das Igrejas institucionais: crianças são um problema, pois interferem com o “serviço” divino, no qual profissionais importantes, bem pagos, trajando batinas ou ternos e gravatas fazem profundas pregações, para os sérios, silenciosos e santos irmãos, imovelmente sentados nos bancos.  Então, a questão é a seguinte: “O que fazermos com as crianças enquanto estamos participando de coisas importantes durante o ’serviço?’”.

Nem Jesus nem os apóstolos jamais se preocuparam sobre o que fazer com as crianças. Jesus jamais disse: “As crianças pequenas devem ser colocadas nos superlotados

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berçários”. Você é capaz de imaginar os pequenos isolados numa “classe de crianças” durante o Sermão do Monte?

As escrituras não dizem muito, a respeito de como tratar as crianças durante as reuniões.  Mas eu não consigo imaginar que os crentes não levassem seus filhos às reuniões. Penso que não foi escrito muito sobre isso, pelo fato que os crentes daquele tempo não consideravam o assunto merecedor de muita atenção. As Igrejas eram nos lares; as famílias viviam em lares e as crianças se reuniam com a Igreja no lar.

Embora as Escrituras não digam nada especificamente concernente às crianças nas assembléias, existem nelas referências rápidas ao assunto. Por exemplo, é bem explícito que as crianças estavam presentes na refeição dos cinco mil e na dos quatro mil (Mateus 14:21 e 15:38). Numa viagem missionária, “todos os discípulos e suas esposas e crianças” acompanharam os apóstolos, “com suas mulheres e filhos, até fora da cidade” (Atos 21:5). Finalmente, quando a carta de Paulo foi lida pelos efésios, ele se dirigiu diretamente às crianças: “filhos sede obedientes aos vossos pais, no Senhor“ (Efésios 6:1-2). Como poderiam as crianças ouvir essa exortação, se não estivessem na reunião da Igreja?

Apesar do relativo silêncio das Escrituras sobre crianças na Igreja, posso garantir uma coisa: no início, não havia nenhuma escolinha dominical nem igrejinha ou classe para crianças! Se as escolas dominicais fossem auxiliar importante na vida das Igrejas, porque a Bíblia silencia sobre isso? O projeto para a Igreja, contido na Bíblia, é completo em todos os detalhes. Existe algum cristão que queira negar que a Bíblia é um perfeito mapa a ser seguido? Interessante... Não há sequer uma vírgula sobre as escolas dominicais no mapa de Deus!

As escolas dominicais não foram originadas para ensinamento de histórias da Bíblia ou de moralidade cristã, mas nasceram na Inglaterra do século dezenove para dar às crianças pobres empregadas nos moinhos e nas minas a oportunidade de aprenderem a ler e a escrever. Quem tinha a responsabilidade principal de ensinar as crianças, antes do

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aparecimento das escolas dominicais? A família. Eu penso que é uma posição de muitas Igrejas domiciliares que ainda seja da família a responsabilidade de instruir e de propiciar o crescimento espiritual das crianças cristãs. Talvez seja essa a razão pela qual a maioria das Igrejas domiciliares (a exemplo das Igrejas bíblicas do NT) não têm escola dominical. E essa é realmente uma barreira para os crentes que tencionam deixar uma Igreja institucional por uma domiciliar. É espantoso como muitos cristãos se preocupam com o bem estar de suas crianças, a ponto desses pais se auto-envenenarem até a morte na corrupta religiosidade de algumas Igrejas institucionais, apenas porque elas têm um bom programa para os jovens. Estou convencido de que muitas Igrejas institucionais fazem e capitalizam isso através desses programas de “ministérios jovens”, com o fito de manter seus “pagadores de dízimos” (é claro, eu imagino que também existem outros motivos, estes sinceros, envolvidos).

Embora seja tarefa da família fazer a criança crescer no Senhor, isso não quer dizer que as Igrejas domiciliares não estejam interessadas no bem estar dos pequeninos. Ao contrário. Se as crianças virem a Igreja de seus pais como desinteressante e aborrecida, eles pensarão que Jesus é da mesma forma. Então, precisamos discutir maneiras práticas da Igreja domiciliar fazer as crianças entenderem que a Igreja pertence tanto a elas quanto aos seus pais.

Analisando as formas práticas de integrar as crianças à vida das Igrejas domiciliares, precisamos entender de início que, se os pais trazem consigo a mentalidade tradicional das Igrejas institucionais para a Igreja domiciliar, nada vai funcionar para as crianças. A Igreja institucional tem a mentalidade da segregação juvenil: empurram os jovens para a escola dominical, para que tudo fique “Sagrado” e “Quieto”. Isso, claro, é anti-bíblico. Quão quietas você imagina que as crianças estavam durante o Sermão do Monte? A Igreja institucional é liturgicamente rígida em sua “ordem de serviço”, e as crianças, não programadas e imprevisíveis como são, jamais se adaptam a essa rigidez. Então, a primeira coisa a fazer na Igreja em casa é relaxar – nós teremos mesmo

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mais barulho e interrupções na Igreja domiciliar. Pessoas com filhos precisam deixar de se sentir culpadas sobre isso e pessoas sem filhos necessitam exercitar mais tolerância do que aquela que tinham na Igreja institucional.

A segunda coisa prática a ser feita é desenvolver relações íntimas entre os adultos e entre os adultos e as crianças. É possível fazer isso na Igreja domiciliar de uma forma que, na Igreja institucional, é impossível. Com relacionamento íntimo, quando o pequeno João estiver para jogar no vaso sanitário sua torta de cereja, um adulto que não seja seu pai pode firmemente determinar que ele mude sua intenção, sem temer que isso acarrete um distanciamento por parte de João ou de sua mãe.

A terceira atitude prática a ser tomada é descobrir maneiras criativas e exeqüíveis de envolver as crianças na reunião junto com os adultos. De onde veio a idéia de que a reunião (ou a Igreja) pertence exclusivamente aos adultos? Eu conheço uma Igreja domiciliar onde as crianças em geral são musicalmente muito bem dotadas. Os jovens tocam violões, violinos e flautas e são livres para escolher e executar hinos e coros. Outras Igrejas domiciliares incentivam as crianças a compartilhar testemunhos, a recitar partes da Bíblia decoradas ou a anotarem os pedidos de oração. Durante uma reunião, minha Igreja domiciliar permitiu aos jovens dirigirem o culto no que tange às Escrituras e à música. A reunião foi inteiramente diferente – ela nos ofereceu variedade e ajudou os jovens a se unirem mais. Durante outra assembléia em minha Igreja domiciliar uma irmã conduziu uma “escola dominical” para as crianças com a presença dos adultos. Os adultos foram forçados a se adaptarem ao ponto de vista das crianças (algo que os adultos deveriam fazer periodicamente) e os jovens foram capazes de se divertirem com seus pais, enquanto aprendiam as lições espirituais que estavam sendo ensinadas.

A quarta coisa prática que desejo sugerir é não ser intransigente com a “teologia da Igreja domiciliar”. É verdade que não acreditamos em escolas dominicais, mas o mundo não irá se acabar se alguém tiver algo especial

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para as crianças ou se as levarem para outro cômodo da casa de vez em quando. Não acreditamos também em pacificar as crianças com entretenimento que as mantenha longe dos nossos olhos, mas nada há de errado que lhes mostremos, às vezes, um vídeo (mesmo que o vídeo seja do coelho Pernalonga e não um vídeo espiritual).

Uma quinta sugestão prática que uma Igreja domiciliar apresentou é que cada reunião domiciliar tenha as regras da casa hospedeira anunciadas, para que as crianças ou seus pais não causem nenhum dano inadvertidamente (por exemplo, “não coma na sala de estar”).

A sexta sugestão prática é tolerar pequenos bagunceiros o mais que você puder, mas se eles se tornarem muito barulhentos, faça com que os pais saibam que eles devem ser afastados da reunião, até que se acalmem. Se os pais não fizerem isso, devem ser avisados dessa necessidade. Mas, lembre-se, os relacionamentos são importantes. Precisamos estar constantemente nos colocando na pele dos outros irmãos e irmãs – e nossas crianças são, no corpo de Cristo, como nossos irmãos e irmãs também. Precisamos conservá-los em amor. Um ótimo livro para ajudar aos pais cujos filhos estejam fora de controle é To Train Up a Child (disponível só em inglês), de Michael e Debi Pearl. Pedidos para o site www.nogreaterjoy.org).

Minha sétima e última sugestão prática é jamais deixar que a reunião se torne monótona – nem para as crianças nem para os adultos. Se o culto está muito morto ou longo demais para os adultos, imagine como deve estar para as crianças! A duração de sua atenção é provavelmente de cerca de meia hora. Nós devemos sempre estar nos colocando no lugar de nossos irmãos e irmãs, não nos esquecendo de que nossos filhos são como nossos irmãos e nossas irmãs, no corpo de Cristo. Vamos conservá-los em amor!

Terminamos essas reflexões sobre as crianças e as Igrejas domiciliares apresentando as manifestas vantagens dessas Igrejas para os pequenos. Não devemos ver nas crianças obstáculos para as pessoas freqüentarem as Igrejas

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domiciliares. Precisamos, isso assim, enxergar as vantagens desse modelo de Igreja para os jovens e evidenciar isso para as pessoas interessadas na conversão à Igreja domiciliar.

Uma das grandes vantagens das Igrejas domiciliares para as crianças é presenciar a relação de apoio e de amor entre seus pais e os outros irmãos. Elas verão seus pais abrirem o coração para Deus de uma maneira efetiva, pessoal, não religiosa e transparente.

Outra enorme vantagem é que as crianças não são relegadas a uma posição de segunda classe na Igreja, nem são segregadas nem postas em berçários, escolas dominicais nem em igrejinhas para jovens.

Um dos maiores benefícios, no meu ponto de vista, é a relação íntima que se desenvolve entre os adultos e os filhos de outros irmãos. Em minha Igreja, eu oro constantemente pelo envolvimento das crianças. Existem apenas seis casais na Igreja e somente quatorze crianças. É muito fácil sabermos como vai a vida de cada delas e mais fácil ainda orarmos por elas diária e individualmente, pelo nome. Eu indago a você se isso acontece com freqüência nas mega-Igrejas.

Conclusão

Para finalizar meu artigo sobre as crianças, transcrevo uma brilhante obra de Doug Phillips, do Vision Forum, sobre o Programa Jovem de sua Igreja. Ainda que ele esteja tratando de uma Igreja que, claramente, não é de um tamanho que caiba numa sala de estar, suas considerações são muito relevantes:

“Eu tenho o privilégio de ser membro de uma pequena Igreja, de total integração familiar. Quando indagado sobre nossos vários programas, eu explico que nós somos abençoados por mais de trinta organizações às quais nossos membros pertencem – elas são chamadas famílias. Depois esclareço que temos mais de sessenta ministros da juventude – estes, são chamados pais. De fato, nós temos uma escala completa de atividades obrigatórias para cada dia da semana – a isso, chamamos louvor familiar.

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Seja através da pregação da palavra ou do pastoreio informal da congregação, a liderança da Igreja aspira a equipar dúzias e dúzias de jovens pastores para ministrarem com sucesso acerca das diversas necessidades dos indivíduos e dos grupos de cada um dos ministérios da Igreja. Por não querermos deixar ninguém para trás, instruímos esses grupos da Igreja a atingir aos jovens, aos idosos, aos fracos na fé, aos solteiros, aos divorciados, aos abandonados – a todos, enfim, de maneira a termos uma abrangente cobertura de cada grupo de interesse representado em nossas assembléias. Como resultado, essas organizações patrocinam eventos que incluem hospitalidade e evangelismo, classes de escolas domiciliares (*) (usualmente reunidas no escritório da casa), missões estrangeiras (ao México) e literalmente centenas de outras atividades planejadas para atender às necessidades dos membros. 

(*) Nota do tradutor: as classes referidas aqui são as do curso básico, que, nos Estados Unidos, a família pode ministrar em casa às suas crianças e que tem validade como curso oficial.

O interessante nisso tudo é que nosso orçamento para atingir esses objetivos é $ 0,00. Bem, isso não é exatamente verdade – nós gastamos algum dinheiro com fotocópias, fitas e várias outros itens para treinamento, que entregamos aos nossos encarregados dos jovens.

Como um exemplo para a congregação, os anciãos são solicitados a serem também diretores dos jovens. Na realidade, se os anciãos não gerenciam bem seus programas de jovens, eles têm que deixar a posição de anciãos.

Com tanta responsabilidade em suas mãos, nossos diretores de jovens precisam realmente trabalhar em conjunto. (Eu fui um deles, por isso falo com experiência pessoal). Eles têm que estudar a Palavra de Deus como nunca estudaram antes, se quiserem liderar adequadamente seu grupo. Eles precisam ser criativos na solução dos vários problemas dos diversos grupos de interesse. Eles precisam aprender a ser pacientes. Eles precisam aprender a amar. Eles precisam inclusive redefinir as prioridades de suas vidas.

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A última parte é crucial. Apenas através da re-priorização de suas vidas e da adequada organização de suas estruturas, suas administrações de jovens terão sucesso. Eles, os anciãos, sabem disso. Eles sabem que há um preço a pagar. Mas muitos deles estão dispostos a pagar esse preço, por haverem decidido que a mais importante atividade que eles podem exercitar nessa vida é ser um pastor de jovens e fazer funcionar uma organização muito especial chamada família cristã.

Aqui está o que buscávamos: quanto mais nos comprometemos a fielmente pastorear nossas mini-congregações, mais vemos as maravilhas do plano de Deus em equipar a Igreja e em transformar toda a cultura por meio dessas esquecidas, distorcidas e, muitas vezes difamadas organizações chamadas lares cristãos”.

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10 - IGREJAS DOMICILIARES10 - IGREJAS DOMICILIARES

Steve Atkerson e Beresford Job

PARTE 1 - STEVE ATKERSON (1)

Que a Igreja cristã originalmente realizava suas reuniões principalmente em residências é do conhecimento comum e ponto pacífico (Atos 16:40, 20:20, Romanos 16:3-5, 1Coríntios 16:19, Filemom 1:2 e Tiago 2:2). Porém, menos conhecido é o fato de que a Igreja primitiva continuou essa prática por centenas de anos, bem depois de serem completados os escritos do Novo Testamento. C. F. Snyder observou que “a Igreja do Novo Testamento começou como uma pequena Igreja domiciliar (Colossenses 4:15) e assim continuou até a metade ou o fim do terceiro século. Não existem evidências de grandes lugares de reunião, antes do ano 300 da nossa era (Graydon Snyder, Church Life Before Constantine, Mercer University Press, 1991, pág. 166). Pelo tempo que os Estados Unidos existem como nação, a prática universal da Igreja foi a de reunir-se em residências. Citando novamente Snyder:” não existe evidência literária nem indícios arqueológicos de que alguma residência tenha se convertido num edifício de Igreja, nem de que alguma Igreja tenha sido construída antes de Constantino “(pág. 67). Porque as Igrejas domiciliares foram o padrão por tanto tempo?

Perseguição?

A explicação mais comum para a existência das primitivas Igrejas domiciliares foi a pressão da perseguição, similar à situação hoje existente na China. Porém, é possível que tenha havido outras razões, igualmente influentes, para a existência de congregações em residências? Suponha que não houvesse perseguição no primeiro século. Podemos assumir então que edifícios de Igrejas poderiam ter sido construídos e que as congregações

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poderiam ter se mudado para prédios enormes, limitados apenas pelas dimensões do maior edifício encontrado na localidade?

É freqüentemente ignorado que os seguidores de Jesus muitas vezes se encontravam em residências, enquanto simultaneamente iam “caindo na graça de todo o povo” (Atos 2:47). A perseguição nunca foi um fator influente. Baseados em 1Coríntios 14:23 (“Se, pois, toda a Igreja se reunir num mesmo lugar e... entrarem indoutos e incrédulos...”), entendemos que era possível que não crentes também freqüentassem as reuniões da Igreja e que, então, elas não eram sempre secretas para os de fora. Simplesmente não é verdade que os antigos crentes foram perseguidos sempre e em todos os lugares. Perseguições antes de cerca do ano 250 foram esporádicas e sempre mais o resultado da hostilidade de grupos do que de decretos oficiais de alguma autoridade do Império Romano. Surpreendentemente, os oficiais romanos freqüentemente apresentavam atitudes ligeiramente favoráveis aos cristãos, protegendo-os de perseguições ilegais movidas por judeus incrédulos (Atos 16:35, 17:6-9, 18:12-16, 19:37-38, 23:29, 25:18-20, 25:24-27, 26:31-32). Antes de 250, o cristianismo era ilegal, mas geralmente tolerado. É fato relevante que as perseguições sistemáticas não ocorreram antes do ano de 250, com o Imperador Décio, seguido por Gallus (251-253), depois Valeriano (257-259) e finalmente Diocleciano (303-311) (Williston Walker, A History of The Christian Church, Charles Scribners Sons: New York, 1970, pág. 43). Alguém, em algum lugar, poderia haver construído um edifício especial para alguma Igreja nos 200 anos anteriores a Decius, mas significativamente, nenhuma foi construída. (Inclusive na China de hoje crentes não trabalham para construírem edifícios para Igrejas). Isso sugere que deve existir um propósito teológico por trás das reuniões domiciliares.

Quando a perseguição irrompeu, reuniões domiciliares não impediram Saulo de conhecer exatamente aonde ir para prender os cristãos (Atos 8:3). A Igreja em Roma posteriormente respondeu às perseguições promovendo

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reuniões em catacumbas no subsolo, que ofereciam mais proteção. Nem a perseguição, entretanto, levou necessariamente a uma mais acentuada e intencional preferência por menores congregações, do tipo domiciliar. O fato objetivo é que tudo no Novo Testamento foi escrito para Igrejas do tamanho de Igrejas domiciliares e o ideal de vida da Igreja é mais bem expressado em congregações menores, num cenário familiar.

Pobreza?

Poderia a pobreza ser um fator decisivo na explicação da total ausência de edifícios de Igrejas durante os tempos do Novo Testamento e nos séculos seguintes? Muitos dos primeiros convertidos ao cristianismo vieram do judaísmo. A construção de sinagogas era comum através do mundo mediterrâneo. Presumivelmente esse mesmo povo tinha os meios de construir edifícios de Igrejas. A maioria dos convertidos nos anos seguintes era de pagãos, que antes construíam enormes edifícios para suas Igrejas. Não teriam os gentios convertidos ao cristianismo capacidade de custear a construção de prédios para suas reuniões?

Que alguns ricos estavam entre os eleitos de Deus, fica claro pela advertência de Timóteo: “Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a sua esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que nos concede abundantemente todas as coisas para delas gozarmos; que pratiquem o bem, que se enriqueçam de boas obras, que sejam liberais e generosos” (1Timóteo 6:17-18). Também Tiago alertou sobre o favoritismo demonstrado para com aqueles que freqüentavam a Igreja usando colares de ouro e vestindo roupas finas (Tiago 2:1-4), confirmando que essas pessoas tinham envolvimento com a Igreja.

Evidência mais específica da presença de crentes mais abastados nas Igrejas, podemos ver na censura de Paulo aos ricos de Corinto pelo desrespeito aos pobres, recusando-se a tomar a Ceia do Senhor junto com eles: “... Ou desprezais a Igreja de Deus, e envergonhais os que nada

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têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto não vos louvo”. (1Coríntios 11:22). A pobreza, apenas, claramente não foi um dos fatores decisivos na ausência de edifícios de Igrejas durante esses primeiros séculos.

Progressão?

Alguns pensam que Deus teve a intenção de que a prática de reuniões em residências fosse uma legítima fase do desenvolvimento da Igreja, um passo inicial, porém transitório, na direção da sua maturidade. Assim sendo, Igrejas domiciliares seriam características das Igrejas na sua infância, mas não em sua maturidade. Essas pessoas argumentam que seria correto e natural que, para a Igreja crescer além dessas práticas iniciais, poderia haver o desenvolvimento de caminhos que seriam diferentes, porém incorporando as práticas dos apóstolos, como registradas nas Escrituras. Então, a construção de catedrais, a criação de grandes conjuntos de louvor, o surgimento de apenas um bispo presidindo um conjunto de Igrejas, o desenvolvimento do moderno sistema hierárquico de presbitério e até a eventual fusão da Igreja com o estado, depois de Constantino, são vistos como bons e positivos desenvolvimentos.

Porém, os apóstolos parecem ter tido a intenção de que as Igrejas deveriam aderir aos padrões que eles originalmente estabeleceram. Por exemplo, os coríntios foram elogiados por manterem as tradições apostólicas nas práticas da Igreja (1Coríntios 11:2). Muitos dos apelos para a manutenção de várias práticas das Igrejas, foram feitos com base nas práticas universais de todas as outras Igrejas (1Coríntios 11:16 e 14:33-34). Os tessalonicenses foram diretamente intimados a guardarem as tradições dos apóstolos (2Tessalonicenses 2:15). Os apóstolos foram escolhidos cuidadosamente e pessoalmente treinados pelo Senhor. Se alguém, em algum tempo, entendeu bem os propósitos da Igreja, foram esses homens. As práticas que eles estabeleceram para as atividades conjuntas da Igreja certamente o foram para manter o entendimento que eles

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tinham acerca do propósito dessa mesma Igreja. Aqueles que são liderados pelo Espírito deveriam, por respeito a Ele, preferirem Seus modelos de organização e não qualquer outra alternativa que seus próprios pensamentos criativos poderiam sugerir.

Devemos atentar também para a total ausência de qualquer instrução no Novo Testamento sobre a construção de edifícios especiais para Igrejas. Isso contrasta com a legislação mosaica do Velho Testamento, que continha instruções e projetos muito específicos respeitantes ao tabernáculo. Quando os escritores do Novo Testamento se dedicam a esse assunto, eles declararam que os próprios crentes eram o Templo do Espírito Santo, as pedras vivas que, juntadas, formariam o templo espiritual, com Jesus Cristo como a principal pedra de esquina (1Pedro 2:4-5, Efésios 2:19-22, 1Coríntios 3:16 e 6:19). Então, podemos concluir que a construção de edifícios para Igrejas é uma questão indiferente para o Senhor. E o que é pior, ela pode ser um retorno carnal às sombras da lei mosaica. A questão real não é onde a Igreja se reúne, mas onde e como ela pode fazer o que Deus requer dela. A razão maior da construção de edifícios para Igrejas é que eles podem abrigar mais pessoas dos que as que caberiam numa sala residencial. Entretanto, alguém pode perguntar-se como os motivos por trás da construção de um grande edifício para os cultos, desde que havendo muita audiência, pode servir para fazer fracassar o próprio objetivo para as reuniões da Igreja! Grandes multidões são excelentes para serviços de louvor, encontros evangelísticos ou para ouvir pregações, porém Igreja é para ser alguma coisa diferente dessas atividades. Veja abaixo:

Um padrão intencional?

Poderiam os apóstolos haver deixado um padrão intencional de Igrejas domiciliares? Quais os efeitos práticos que as reuniões domiciliares poderiam ter, na vida da Igreja? É um axioma de projeto que a forma segue a função. As crenças dos apóstolos, concernentes à função da Igreja,

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foram naturalmente expressadas na forma que a Igreja assumiu no primeiro século. Algumas das práticas das primitivas Igrejas (domiciliares) devem ser consideradas:

O pilar mais significativo das Igrejas domiciliares reside na sua teologia de comunidade. A Igreja foi retratada pelos autores apostólicos através de termos que descrevem uma família. Os crentes são filhos de Deus (1João 3:1), que nasceram em Sua família (João 1:12-13). O povo de Deus é, então, visto como parte de Sua família (Efésios 2:19 e Gálatas 6:10). Eles são chamados irmãos e irmãs (Filemom 1:2 e Romanos 16:1). Conseqüentemente, Cristãos devem se relacionar como membros de uma família (1Timóteo 5:1-2 e Romanos 16:13). Desse ponto teológico, de que esses filhos de Deus são uma família, originam-se muitas questões de práticas da Igreja. A questão que surge é: qual cenário mais facilita nosso funcionamento como família de Deus?

Muitos estudiosos estão convictos de que a Ceia do Senhor foi originalmente celebrada semanalmente, como uma refeição completa, de comunhão (um Banquete Ágape). Cada Igreja local deve ser como uma família (1Timóteo 5:1-2) e uma das coisas mais comuns que as famílias fazem, é comer em grupo, isto é, juntos. As reuniões da Igreja primitiva, organizadas ao redor da mesa do Senhor, eram tempos de formidável camaradagem, intensa comunhão e mútuo encorajamento (Lucas 22:16-19, 29-30, Atos 2:42, 20:7 e 1Coríntios 11:17-34). Ao contrário de uma atmosfera de funeral, a Ceia do Senhor era uma antecipação da Ceia das Bodas do Cordeiro (Apocalipse 19:6-9). Quanto maior se torna uma determinada congregação, menos estilo familiar ela passa a ter. Também a Ceia do Senhor, como uma refeição completa, se torna mais impessoal e até mesmo impraticável. Então, nos séculos seguintes, quando a Igreja abandonou as reuniões domiciliares, a Ceia do Senhor foi eventualmente despida de tudo, à exceção da ingestão simbólica de um pequeno pedaço de pão e de um copinho de vinho.

As reuniões da Igreja primitiva eram nitidamente interativas (1Coríntios 14, Hebreus 10:24-25, Efésios 19-20,

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Colossenses 3:16). Qualquer irmão podia participar verbalmente. O pré-requisito para qualquer coisa a ser dita era que fosse edificante, destinada ao fortalecimento da Igreja. Ainda que falar em público fosse amedrontador para muitas pessoas, reuniões participativas eram (e são) mais adequadas a assembléias de grupos de tamanho tal que caibam numa residência, compostas de pessoas que se conhecem intimamente e que são verdadeiros amigos. Reuniões participativas são impraticáveis para grupos de grande número de pessoas. À medida que a sala de visitas foi substituída pelo santuário, os cultos interativos foram também substituídos pelos serviços religiosos.

As Escrituras estão repletas de comandos “um ao outro”. A Igreja deve cultivar a responsabilidade, o espírito de comunidade e a prática da disciplina (Mateus 18:15-20). Esses ideais são mais facilmente exercidos nas congregações menores, onde as pessoas se conhecem e se amam. A Igreja deve favorecer os relacionamentos. Um grande auditório, composto de pessoas que, em muitos casos, são completamente estranhas entre si, jamais atingirá esses objetivos com facilidade. O cristianismo nominal surge quando começa a ser facilmente perdido na multidão. Igrejas que se reúnem em residências melhor implementam a simplicidade, a vitalidade, a intimidade e a pureza que Deus deseja para a Sua Igreja.

Na Igreja do Novo Testamento podemos claramente identificar líderes (anciãos, pastores, supervisores), porém esses líderes dirigem mais pelo exemplo e pela persuasão do que pelo comando. O consenso de toda a congregação, obtido sob a liderança dos anciãos, era primordial na tomada de decisões (Mateus 18:15-20), Lucas 22:24-27, João 17:11, 20-23, 1Coríntios 1:10, 10:17, Efésios 2:19-20, 4:13-17, Filipenses 2:1-2, 1Pedro 5:1-3). Alcançar consenso é possível numa Igreja onde todos se conheçam, se amem, se apóiem, sejam pacientes uns com os outros e estejam comprometidos entre si. Por outro lado, quanto maior a congregação, maior também a impossibilidade da manutenção de relacionamentos e de canais de comunicação. Numa grande congregação, o

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pastor necessariamente atua mais como o presidente de uma empresa.

A Igreja do primeiro século virou o mundo de pernas para o ar (Atos 17:6) e o fez usando o modelo do Novo Testamento de Igreja, a Igreja domiciliar. As Igrejas domiciliares têm baixo custo, são geralmente dirigidas por leigos, podem se reproduzir facilmente e têm elevado potencial de crescimento, através do evangelismo. Precisamos pensar no pequeno, más de uma forma realmente grande! Deus jamais equiparou dimensão com habilidade. Paulo relembra que “... Deus escolheu as coisas loucas do mundo para confundir aos sábios; e Deus escolheu as coisas fracas do mundo para confundir as fortes; e Deus escolheu as coisas ignóbeis do mundo, e as desprezadas, e as que não são, para reduzir a nada as que são; para que nenhum mortal se glorie na presença de Deus” (1Coríntios 1:27-29).

O Novo Testamento conduz ao sustento generoso de missionários, evangelistas, anciãos qualificados e dos pobres (1Coríntios 9, 1Timóteo 5:17-18, 3 João 1:5-8). Qual grupo de crentes poderia ser mais capaz de inaugurar Igrejas e dar assistência aos pobres - mil crentes organizados numa só Igreja tradicional, que se reúne em seu próprio santuário, com escola dominical e ginásio esportivo para a família ou mil crentes reunidos em muitas Igrejas domiciliares, agindo cooperativamente? Pesquisas em congregações cristãs nos Estados Unidos revelam que 80% dos recursos são dirigidos aos edifícios, equipes administrativas e programas internos, enquanto que apenas 20% vão para necessidades externas, incluindo evangelismo. Numa rede de Igrejas domiciliares, essas porcentagens são facilmente invertidas. Livres das despesas de construção de grandes edifícios e de seus resultantes custos de manutenção e administração, as Igrejas poderão investir grandes somas para custear obreiros e os necessitados.

Desde que se reunindo exclusivamente em residências, a típica congregação dos tempos apostólicos era pequena. Nenhum número específico é jamais citado nas Escrituras, mas não havia certamente mais pessoas

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do que poderia conter confortavelmente uma sala de visitas. O padrão era de pequenas, ao invés de grandes Igrejas. Robert Banks, em Paul’s Idea of Community: The Early House Churches in Their Historical Setting, declara que durante o primeiro século, “a sala de visitas numa residência de tamanho médio poderia acomodar cerca de trinta pessoas confortavelmente – talvez mais a metade disso em uma emergência... Assim, não é provável que uma reunião de ‘toda a Igreja’ pudesse ultrapassar quarenta ou cinqüenta pessoas e poderia haver Igrejas inclusive bem menores... Em nenhuma ocasião podemos pensar nessas reuniões como particularmente grandes... Até os encontros de ‘toda a Igreja’ eram pequenos o bastante para que um relativo e íntimo relacionamento se desenvolvesse entre os membros” (Grands Rapids: Eerdmas, 1988, págs. 41-42).

Conclusão da primeira parte

Não estamos argumentando favoravelmente a que as Igrejas se reúnam em domicílios apenas por argumentar. Estamos sugerindo que a Igreja apostólica não construiu edifícios para os cultos, devido em grande parte, ao fato de que eles não eram necessários. Deus projetou a Igreja típica para ter a dimensão de uma congregação domiciliar. As cartas que foram escritas para as várias Igrejas do Novo Testamento foram de fato escritas para Igrejas domiciliares. E, por isso, as instruções nelas contidas foram geradas para funcionar em congregações menores – elas jamais foram destinadas a ter eficácia em grandes grupos. Conseqüentemente, elas não funcionam em tais congregações. Tentar aplicar as práticas do Novo Testamento a grandes Igrejas contemporâneas é tão antinatural quanto colocar vinho novo em odres velhos (Mateus 9:17).

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PARTE 2 - BERESFORD JOB (2)

Por que continuamos a insistir que as Igrejas devem se reunir na casa das pessoas? Por que não em outro lugar qualquer? Muitas Igrejas que realizam seus encontros dentro dos princípios que nos legaram os apóstolos, reúnem-se em bibliotecas cristãs e em cafés que têm uma área reservada, da mesma forma como o fariam na casa de alguém. O que há de errado nisso? Bem, suponhamos que em algumas partes do mundo, esquimós podem se encontrar em iglus e índios americanos em tendas. E também, é claro, num lindo dia ensolarado (e nós eventualmente os temos aqui na Inglaterra também) que objeção se poderia levantar contra uma reunião no jardim ou num campo próximo? Sobre o que está acima, não tenho qualquer objeção, porém isso nos faz voltar ao ponto essencial - que o padrão das reuniões das Igrejas do Novo Testamento seja de pequeno número de pessoas, pois esses grupos, conseqüentemente, são perfeitamente adequados a que tudo aconteça nos moldes do padrão da Igreja primitiva. O que mais, afinal de contas, precisa uma Igreja biblicamente embasada, para seus cultos, além das residências daqueles que são parte dela? Quando essas pessoas vão a cultos em bibliotecas cristãs, em reservados de cafés ou em qualquer outro prédio público, isso é realmente um grande problema que, eventual (e esperançosamente), enfrentaremos, mas que nos parece completamente inconsistente.

Bem, é verdade que uma Igreja pode se reunir em um edifício público de algum tipo e ainda permanecer pequena o bastante para funcionar como as Escrituras ensinam. Se esse edifício pode ser arranjado como uma sala de estar e transformado em algo “como uma casa”, então está tudo correto. Na verdade, assumindo que exista uma cozinha no local, então não haveria problema acerca do compartilhamento do banquete de amor. Porém, há um problema (e bem grande) a ser encarado: a primeira geração dessa Igreja bíblica poderia muito bem se reunir dessa forma sem nenhum obstáculo – mas, qual seria a situação quando o

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crescimento ocorresse e fosse necessário o desmembramento de irmãos para a fundação de nova congregação? (Estou assumindo que, biblicamente embasada, essa Igreja imaginária poderia crescer numericamente, como o Senhor possibilita, e não apenas permanecer com as mesmas pessoas toda a vida). Então, você vê o problema? Essa Igreja não poderia simplesmente permanecer crescendo (baseada no fato de que o prédio poderia acomodar a muitas pessoas, em virtude das reuniões serem num edifício público) porque ela acabaria não tendo função, nos moldes que o Novo Testamento preconiza. Pelos moldes neotestamentários, outras Igrejas precisariam ser criadas. E, aqui está o centro do problema: aonde iriam essas Igrejas se reunir?

Poderia acontecer de haver uma abundante oferta de cafés com reservados e serviços de cozinha anexos e então seríamos levados a presumir que essas novas Igrejas poderiam alugá-los. Mas, penso que uma importante questão ainda permanece: Por que simplesmente não se reunirem em casas dos novos crentes? O que quero dizer é: qual é o problema em fazer isso? Isso é, no final das contas, o que cada Igreja do Novo Testamento fez. (Cada vez que, no Novo Testamento, é mencionada a localização de uma Igreja, ela é, sempre, a casa de alguém). Então, por que seríamos diferentes? Por que uma Igreja, que seja biblicamente embasada em todos os outros aspectos, tendo a noção de que devemos continuar a fazer as coisas como foram feitas no passado, romperia com esse padrão?

Seria possível (embora certamente não seja) que esteja por trás disso o sentimento de que abrir nossos lares aos outros seja um tanto inconveniente? Os apóstolos de Jesus disseram aos crentes para abrirem suas casas uns aos outros e para realizarem os cultos em seus lares. Afinal de contas, quem seria eu se minha vida doméstica não estivesse completamente aberta para aqueles com os quais eu mantenho laços de amizade? Poderia alguma pessoa me conhecer realmente, em

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profundidade, sem que pudesse ver regularmente a vida que levo em minha casa e a minha vida familiar e sem que compartilhasse dela? Vamos realmente acreditar que as reuniões domiciliares são um aspecto incidental do projeto para a vida da Igreja que encontramos nas Escrituras, ou que isso é tão importante quanto outros aspectos, como as reuniões abertas e participativas, a prática da Ceia do Senhor como uma refeição completa e a prática da liderança bíblica e do governo consensual da Igreja? Afirmo a você que o ônus da prova encontra-se muito mais com quem parece pensar que isso não tem importância!

Entretanto, deixe-me dizer também que onde as residências são tão pequenas que não acomodam mais do que dois ou três visitantes ao mesmo tempo (Tóquio, talvez?), então por todos os meios devemos achar a solução adequada. A ironia é que no próprio país onde essa tendência é preponderante, os Estados Unidos, as casas são bem grandes.

(Pelo menos o são, pelos padrões daqui da Inglaterra [país do autor deste artigo] onde, por exemplo, na nossa Igreja, nós nos esprememos nas nossas residências, embora isso represente que, nessas ocasiões, em muitas das casas – na minha inclusive – não se possa ver sequer de que cor é o tapete).

Se você está em uma Igreja bíblica que se reúne no reservado de algum café, esteja certo de que isso é melhor do que estar em uma Igreja anti-bíblica que se reúne no domicílio de alguém. Entretanto, aceite o fato de que essa Igreja poderá crescer (e, como já demonstrei, você poderia certamente desejar que esse fosse o caso) e se tornar numericamente grande para se manter como uma Igreja bíblica. Então, quão ridícula seria a tentativa de encontrar mais um, mais outro e ainda outro reservado de café para alugar, ao invés de realizar os cultos nas casas das pessoas que deles participam. Da mesma forma, quão ridícula seria a reunião de uma nova Igreja em uma residência, enquanto a Igreja original

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continuasse a se reunir em um reservado de café, livraria, edifício público ou algo parecido.

De qualquer ângulo que se analise o problema, parece ilógico não fazer simplesmente as coisas da forma que as Igrejas do Novo Testamento faziam, sob a direção dos apóstolos. Uma Igreja pode, na verdade, reunir-se num edifício público e ainda assim permanecer verdadeiramente bíblica em todos os outros aspectos até onde a prática é influente.

A questão ainda permanece: quando é inteiramente viável o reunir-se em residências e considerando que isso era a prática universal nas Igrejas do Novo Testamento, como ensinado e orientado pelos apóstolos de Jesus, então porque alguma Igreja bíblica decidiria não fazer as coisas da mesma forma?

PARTE 3 - STEVE ATKERSON

Como pode uma Igreja manter uma família e seu lar como sua anfitriã?

Algumas pessoas realmente têm o dom da hospitalidade e não se incomodam de acomodar os participantes dos cultos toda semana, porém admitimos que isso pode ser penoso. Existirá um problema se um dos cônjuges não concordar com o outro. Tipicamente, o cônjuge fora de sintonia (usualmente o marido), é insensível aos sacrifícios do outro (no mais das vezes a esposa) para hospedar a Igreja toda semana. Como solução, os membros da Igreja podem ajudar na limpeza e arrumação, antes e depois do culto. Talvez a melhor alternativa seja o rodízio semanal do local do culto, dentre aqueles que podem partilhar seus lares como local de reunião. É bom que todos aprendam a ser hospitaleiros! Além do mais, cada domicílio pode ter suas próprias regras, como: por favor, tire os sapatos quando entrar em casa; não deixe as crianças pularem sobre os sofás; não comam na sala de estar, etc.

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E se as casas forem pequenas demais para reuniões?

Este pode ser um problema real. Claro, na China as casas são pequenas, mas ainda assim os chineses se reúnem nelas! Uma alternativa é ampliar a sala onde as reuniões serão realizadas; outra solução pode ser a derrubada de alguma parede, fazendo de dois ambientes um só, mais amplo; o uso da garagem também pode ser considerado. Se tudo isso falhar, o aluguel de um apartamento tipo “quitinete” ou solução similar pode funcionar, desde que o objetivo não seja acomodar mais pessoas do que as que caberiam numa residência de tamanho médio.

Como podemos evitar que os vizinhos reclamem dos carros?

(Nota do tradutor: nos Estados Unidos, país do autor deste artigo, as normas e os costumes quanto ao estacionamento de veículos em bairros residenciais são diferentes dos encontrados no Brasil). Fazer um rodízio semanal dos cultos entre várias residências, estacionar apenas em um dos lados da rua, usar o mais possível o espaço das entradas e garagem do domicílio onde se realiza o culto, deixar os carros no estacionamento de alguma escola ou prédio comercial próximo, etc. Lembre-se também que a idéia é criar uma nova Igreja depois que a original começa a ficar superlotada.

Quais os tipos de danos materiais que hospedar uma Igreja pode causar?

Refrigerante derramado, comida caída no sofá, riscos de lápis no chão e na toalha de mesa, pegadas de barro no piso, etc. Durante um culto, uma adolescente atravessou uma porta de vidro fechada. Esteja mentalmente (e com a caixa de primeiro socorros) preparado para acidentes.

Como manejar uma situação de alguma criança problema visitante?

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Os padrões de comportamento social aceitável de alguns casais são muito diferentes dos padrões de outros. Poderá chocar e admirar a você até onde pode ir a indiferença de certos pais quanto ao comportamento destrutivo de seus filhos. Nesses casos, você deve, calma, polida, mas firmemente, pedir a eles que controlem seus filhos. (E espere que eles se ofendam, não importa o tato que você tenha empregado ao abordá-los!) Sem dúvida, eles não têm as idéias adequadas sobre como controlar seus filhos - então, esteja preparado para ajudá-los na educação das crianças. Tenha um bom suprimento de livros sobre o assunto, que possa doar a esses pais.

Cultos domiciliares não são fáceis, mas são o caminho determinado pelo Novo Testamento.

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11 - A IGREJA DA CIDADE11 - A IGREJA DA CIDADE

Steve Atkerson

A palavra Igreja (ekklesia) é empregada de várias maneiras no Novo Testamento. A maioria dos usos se insere em duas categorias: uma, é a que os teólogos chamaram de Igreja católica (universal); a outra, é a Igreja local. A Igreja universal é constituída por todos os crentes, de todos os tempos, de todo o mundo. A Igreja local é formada pelos crentes vivos de um local específico. Alguns ensinam que a expressão mais adequada para designar a Igreja local é algo como Igreja da cidade. O que vem a ser Igreja da cidade? Para responder a isso, precisamos primeiro entender a Igreja universal (ou católica).

I - UMA IGREJA CATÓLICA

1. A Igreja universal é uma realidade bíblica. Existem referências e determinações nas Escrituras que não se referem a nenhuma Igreja local em particular, mas ao número total dos integrantes do povo de Deus, de todos os tempos, em todos os lugares (no céu ou ainda na Terra). E todos pertencem a Jesus. Por exemplo, Ele disse em Mateus 16:18: “Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. É notório que muitas Igrejas locais deixaram de existir. Essa promessa de perpetuidade da Igreja não foi feita para nenhuma Igreja local específica, mas à Igreja como um todo.A realidade da Igreja universal é também refletida em Romanos 12:5: “Somos um só corpo em Cristo”. Além do mais, Efésios 1:22 diz que Deus, o Pai,  “para ser cabeça sobre todas as coisas O deu (deu a Cristo) à Igreja”. Colossenses 1:18 reforça essa idéia, ao declarar que “Ele é a cabeça do corpo, da Igreja”. Cristo é a cabeça e a Igreja universal é Seu corpo.

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Então, não há mais do que uma Igreja universal, um corpo em Cristo. (Em razão dos abusos passados do conceito de Igreja universal, alguns preferem se referir a esses exemplos como usos genéricos da palavra Igreja).

2. A Igreja universal consiste na totalidade de todos os crentes. Estes são aqueles cujos nomes estão escritos no Livro da Vida do Cordeiro (Hebreus 12:22-23). A morte separa os santos de baixo dos santos de cima mas, ainda assim, nós somos um grupo, uma Igreja.

3. A Igreja universal jamais realizou sequer uma reunião plenária. Muitos de seus membros passaram para a glória, alguns nem nasceram ainda e aqueles que vivem hoje na Terra estão dispersos pelos quatro ventos. Essa assembléia ocorrerá em algum ponto do futuro, depois do tempo como o conhecemos, haver cessado. Essa reunião, embora mencionada em vários hinos, por todas as informações que temos, não ocorrerá neste mundo.

4. A Igreja universal não tem organização externa à Terra. Não existe evidência bíblica de que os seguidores de Cristo, após a dispersão da Igreja original de Jerusalém, alguma vez atuaram juntos como uma sociedade externamente organizada. Então, no sentido de ter organização terrena, humana, ela é invisível. A Igreja universal pode ser comparada aos nomes listados num catálogo telefônico. Eles têm uma coisa em comum: telefones. Eles são os “Quem é Quem” no mundo da discagem, embora essas pessoas listadas não atuem conjuntamente de nenhuma maneira organizada. Assim é com a Igreja universal na Terra. Cada crente está relacionado no Livro da Vida do Cordeiro, cada um deles tem a Cristo, embora não sejam organizados conjuntamente de nenhuma maneira terrena.  

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5. O aglutinante da Igreja universal é o cimento de seu amor interno. Esse amor sobrenatural tem expressão prática: Paulo carregou o fardo pelas necessidades da Igreja local de Jerusalém e tirou uma oferta através de todo o mundo romano para  assisti-la. Se uma parte do corpo sofre, todo o corpo sofre. Nós sentimos os desumanos maus tratos aos nossos irmãos e irmãs chineses porque eles estão na mesma família que nós – estamos na mesma Igreja. Romanos 12:5 nos relembra que “Somos um só corpo em Cristo, e individualmente membros uns dos outros”. A primeira carta aos Coríntios revela que cada um é parte do corpo de Cristo e que “Se um membro padece, todos os membros padecem com ele” (12:26-27).

6. A Igreja universal tem reconhecíveis ministros sobrenaturalmente dotados. Efésios 4:11-12 diz que Cristo “deu uns como apóstolos, outros como profetas, outros como evangelistas e outros como pastores e mestres, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo”. Essas pessoas com dons podem certamente ser encontradas como membros das Igrejas locais organizadas, mas seus dons são do Espírito Santo e seus chamados frequentemente são para a Igreja universal, não necessariamente para apenas uma Igreja local. Esses homens ministram localmente, porém quase sempre têm responsabilidade global. Os exemplos incluem Paulo, Barnabé e Apolo. Como disse John Wesley: “Eu olho para o mundo todo como minha paróquia” (1). Esses ministros pensam globalmente e atuam localmente!Em suma, a Igreja universal é o único grupo dos que são salvos por Cristo. Ela é o coletivo de todos os redimidos, a perfeita moradia da fé. A Igreja universal é composta pelos cidadãos da Nova Jerusalém. A existência da Igreja universal é expressa verdadeiramente no Credo de Nicena: “Creio na Igreja, una, santa, católica (universal) e apostólica”.

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II – MUITAS IGREJAS LOCAIS

Ainda que ensinando claramente que existe apenas uma Igreja universal, o Novo Testamento também se refere a múltiplas Igrejas em várias regiões (Gálatas 1:2 e Apocalipse 1:4) ou a Igrejas distintas em diferentes cidades (Atos 13:1 e 1Tessalonicenses 1:1). Se existem grupos de crentes se reunindo em dois diferentes locais, a Bíblia se refere a eles como duas Igrejas separadas. Isso nos leva a outro uso da palavra Igreja, a Igreja local. Ela é um subconjunto da Igreja universal.

Jesus disse que, se algum irmão é pego em pecado e se recusa a se arrepender, um dos passos do processo de restauração é “dizê-lo à Igreja” (Mateus 18:17). Aqui, era à Igreja local que Jesus se referia. É a Igreja local que tem autoridade para expulsar membros pecadores, conduzir as assembléias regulares, ter anciãos reconhecidos e ser organizada. Nada disso é verdade com relação à Igreja universal.

Donald Guthrie escreveu que “a idéia inicial de Igreja era a de uma comunidade de crentes se reunindo juntos em um local determinado... a idéia de comunidade no Novo Testamento não pode ser enfatizada em demasia” (2). De acordo com o Novo Dicionário Bíblico, “uma Igreja era uma reunião ou assembléia... Igreja não era sinônimo de ‘povo de Deus’, mas uma atividade do ‘povo de Deus’” (3). Similarmente, alguém uma vez disse, como brincadeira, que pássaros voam, peixes nadam e Igrejas se reúnem. A idéia é: “se não se reúne, não é uma Igreja local”!

Mas, qual é a mais correta expressão da Igreja local? É a Igreja domiciliar ou a Igreja da cidade?

1) A Igreja local da Cidade toda

Algumas pessoas sustentam que a expressão correta da Igreja local é a Igreja da cidade, organizada, constituída de várias Igrejas domiciliares unidas e que se reúnem em conjunto, corporativamente. Os defensores da Igreja da

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cidade argumentam que, por direito, existe apenas uma Igreja organizada, por cidade. Além disso, defendem que essa única Igreja da cidade deve manter reuniões regulares para que todos dessa localidade as freqüentem. Finalmente, algumas auto-designadas “Igrejas” domiciliares são mais como grupos de louvor ou células semi-autônomas, todas submissas à Igreja mãe (Igreja da cidade), Na prática, isso não é diferente de uma grande Igreja Batista que tenha seus membros divididos em classes de escola dominical. No esquema ideal da Igreja da cidade, nenhum subgrupo, de qualquer cidade, deve ser autônomo - nenhuma Igreja domiciliar, nenhuma Igreja Batista ou Presbiteriana ou assembléia pentecostal. Todas devem estar supostamente unificadas sob o  grande e organizado guarda-chuva da Igreja da cidade. As reuniões da Igreja da cidade são apresentadas como sendo a oportunidade e o local para os cultos interativos de 1Coríntios 14 – e não as Igrejas domiciliares. As reuniões da Igreja da cidade são o local adequado para a celebração da Ceia do Senhor. Apenas a Igreja da cidade deve ter a autoridade para disciplinar a um irmão ou irmã. Se a teoria da Igreja da cidade, organizada, for correta, ela deixará a “Igreja” domiciliar absolutamente sem determinação escriturística sobre o que ela deveria fazer quando reunida ou mesmo para que ela deveria existir.

No que alguns baseiam suas crenças na Igreja da cidade, organizada? Uma base para o modelo da Igreja da cidade são aquelas situações no Novo Testamento nas quais apenas uma Igreja é mencionada em uma dada cidade. Por exemplo, Apocalipse 1:4 se refere a “Igrejas” (no plural) na província da Ásia e depois passa a mencionar, no singular, a cada Igreja em sete das cidades daquela província (2:1, 2:8, 2:12, 2:18, etc.). Adicionando combustível à questão da Igreja de toda a cidade, existe o fato de que o Novo Testamento nunca se refere especificamente a “Igrejas” (no plural) dentro da mesma cidade. A situação de Corinto pode ser apresentada como o principal exemplo de modelo de Igreja da cidade.

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O Caso de Corinto:

a. Saudação. A saudação encontrada em 1Coríntios 1:2 menciona “a Igreja de Deus que está em Corinto”. Essa saudação sugere que havia apenas uma Igreja em Corinto, não várias Igrejas. A teoria da Igreja da cidade sustenta que havia apenas uma Igreja em cada cidade e que esta era uma entidade organizada com seu próprio governo, sua liderança e suas reuniões.

b. A disciplina da Igreja. Em 1Coríntios 5:4-5, Paulo está às voltas com o irmão imoral que precisa de disciplina. Ele escreveu: “Em nome de nosso Senhor Jesus, congregados vós e o meu espírito, pelo poder de nosso Senhor Jesus, seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus”. Paulo escreve claramente como se houvesse uma assembléia de toda a Igreja em Corinto, com todos os crentes juntos no mesmo lugar.

c. A Ceia do Senhor. A primeira carta aos Coríntios, no capítulo 11, do verso 20 em diante, revela que havia abusos durante a Ceia do Senhor em Corinto. Os ricos declaradamente preferiam não comer com os pobres, escolhendo chegar mais cedo ao local da reunião. Quando os pobres finalmente chegavam, talvez depois do trabalho, os ricos já haviam almoçado e nenhum alimento havia sobrado. Esse abuso não poderia não ter ocorrido  se todos, ricos e pobres, não freqüentassem a mesma Igreja, reunindo-se no mesmo local. Em Corinto, eles claramente não se reuniam em locais diferentes, para a Ceia do Senhor. Os ricos evitavam os pobres comendo em tempo diferente deles, não em local diferente.

d. A reunião interativa. Da realização de reuniões interativas deduzem-se reuniões de Igrejas da cidade. Por exemplo, 1Coríntios 14:23 determina que: “Se, pois, toda a Igreja se reunir num mesmo lugar e todos falarem em línguas e entrarem indoutos ou incrédulos, não dirão porventura que estais loucos”?

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e. Anciãos da cidade. Defensores da Igreja da cidade sentem que essa Igreja, como um todo, deve ter anciãos, não necessariamente cada Igreja domiciliar. Aliás, como pode a típica Igreja domiciliar, realisticamente, produzir múltiplos anciãos? Indo além do exemplo dos coríntios, os defensores da Igreja da cidade podem citar Tito 1:5: “Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa ordem o que ainda não o está, e que em cada cidade estabelecesses anciãos, como já te mandei”. Eles vêem nisso a sugestão para um presbitério de anciãos de Igreja da cidade e não de anciãos de Igrejas domiciliares. Alguns se referem também à instituição de um bispo dirigente e de pais apostólicos para orientar a Igreja da cidade.

2) A Igreja doméstica local

Outros argumentam que a Igreja domiciliar organizada é a expressão correta da Igreja doméstica bíblica e não a Igreja de toda a cidade. Temos, de um lado, a Igreja universal e, de outro lado, a Igreja domiciliar local. Temos, em suma, a macro Igreja e a micro Igreja, mas não temos a Igreja metropolitana.

Como podem os vários escritos sobre a Igreja domiciliar ser conciliados para defender os textos sobre as Igrejas domiciliares? Possivelmente, quaisquer ocorrências da palavra Igreja, fora as referências à Igreja universal, dizem respeito a um grupo de crentes que realmente fizeram todo o possível para se reunirem em conjunto em um lugar para assembléias regulares da Igreja. Certamente no início das atividades numa nova cidade poderia haver apenas um lugar de reuniões, porém, quando o número de crentes crescesse, haveria mais locais de reunião e consequentemente, o número de Igrejas nessa cidade aumentaria. Não era intenção de que houvesse apenas um local de reunião por cidade, eternamente.

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Em outras palavras, se os escritores do Novo Testamento escreveram sobre a Igreja (no singular) numa cidade em particular, isso foi simplesmente em razão de haver apenas um local de assembléia, numa dada cidade, ao tempo da ocorrência descrita. De acordo com Mark Galli, o editor da revista História Cristã, “no ano 100 da Era Cristão, os cristãos eram cerca de 7.000, apenas 0,0034% do Império Romano” (4). Não é surpresa que houvesse apenas uma congregação por cidade, naqueles dias. Ainda que tardiamente, era de se esperar que cada Igreja original, eventualmente, se multiplicasse em Igrejas organizadas nessas cidades, ao invés de permanecer apenas como uma Igreja domiciliar.

Qual era o tamanho da Igreja de Corinto? Independente de seu tamanho, é evidente que todos seus membros podiam se reunir ao mesmo tempo em um local, para participarem de um culto interativo, da Ceia do Senhor em conjunto e, corporativamente, praticarem a disciplina da Igreja. Todavia, ainda era apenas uma Igreja domiciliar. Em sua carta aos romanos, escrita de Corinto, Paulo escreveu: “Saúda-vos Gaio, HOSPEDEIRO MEU E DE TODA A IGREJA” (Romanos 16:23). Aparentemente, havia lá uma grande Igreja domiciliar. Contudo, a casa de Gaio era capaz de hospedar a Igreja inteira de Corinto.

Qual é a evidência de que Igreja domiciliar é a expressão correta da Igreja local? É  fato que, apenas talvez à exceção da reunião ocorrida no pórtico de Salomão, o Novo Testamento claramente evidencia que todas as vezes que a Igreja se reunia regularmente, isso ocorria numa residência particular. Quando olhamos para a história da Igreja, vemos que os primitivos cristãos continuaram a se reunir em domicílios pelos 200 anos seguintes à ascensão do Senhor. Onde se reuniu a suposta Igreja da cidade se, por séculos, o local para as assembléias da Igreja foi a sala de alguém?

G. F. Snyder, em A Vida da Igreja Antes de Constantino, escreveu que “a Igreja do Novo Testamento começou como um pequeno grupo de uma Igreja domiciliar... e assim permaneceu até a metade ou o fim do terceiro século.

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Não existem evidências de grandes locais de reunião antes do ano 300” (5). As antigas Igrejas domiciliares cresceram e, ao invés de procurarem locais mais amplos para suas reuniões, elas criaram novas Igrejas na mesma cidade. Esse fato parece ser estranho à teoria das Igrejas da cidade como entidades organizadas. Essas Igrejas domiciliares referidas no Novo Testamento aparecem como genuínas e verdadeiras Igrejas e não meramente grupos em células nem simples grupos domiciliares de comunhão.

Aqueles que defendem a Igreja da cidade sustentam que essas Igrejas idealmente deveriam se dividir por causa das distâncias, definidas pelos limites geográficos da cidade. Os que sustentam que as Igrejas domiciliares são o modelo correto para a Igreja local reconhecem a divisão geográfica como verdadeira, em princípio, mas vêem os limites da cidade como os limites errados.  Eles advogam um diferente fator de separação: as fronteiras de uma toca, do espaço do piso da sala, da geografia no senso de metro quadrado ao invés de quilômetro quadrado. Se todos os crentes não podem mais se reunir numa mesma casa, então é hora de começar uma nova Igreja. O tamanho médio da sala é o limite. Como são essas referências a Igrejas domiciliares relacionadas às  ocasionais determinações bíblicas sobre a Igreja (no singular) na cidade? É realmente  possível que a Bíblia fale de “Igreja” numa determinada cidade por haver apenas uma assembléia nessa cidade, nessa época? Se havia várias congregações, não seriam mais apropriadas as referências às Igrejas dessa cidade, do que à Igreja dessa cidade? Considere o caso de Roma.

O Caso de Roma:

Muitas das epístolas do Novo Testamento não contêm saudação “à Igreja” em certa cidade. Ao saudar aos crentes em Roma, por exemplo, Paulo escreveu “a todos os que estais em Roma, amados de Deus, chamados para serdes santos” (Romanos 1:7).  Ele não saudou à “Igreja” em Roma. De fato, o Novo Testamento

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jamais se refere à “Igreja” em Roma. Poderia isso ocorrer por haver mais de uma congregação em Roma?

Áquila e Priscila (ou Prisca) era um casal de judeus vivendo em Roma. Paulo não havia estado em Roma quando escreveu essa carta aos irmãos daquela cidade, mas ele conhecia o casal desde quando este vivia em Corinto e em Éfeso. Então, Paulo os saúda quando escreve aos santos de Roma. Ele escreve: “Saudai a Prisca e a Áquila, meus cooperadores em Cristo Jesus... saudai também à Igreja que está na casa deles”. (Romanos 16:3 e 5). Qual é a diferença entre “todos os... chamados para ser santos”, de Romanos 1:7 e “a Igreja que está na casa deles”, de Romanos 16:3 e 5? A Igreja que se reunia na casa de Priscila e Áquila foi especialmente particularizada na saudação, por ser uma Igreja separada, um subgrupo de “todos os santos em Roma”. Paulo não precisaria especificar a qual Igreja ele estava saudando, a menos que houvesse mais de uma Igreja em Roma. “Saudai também a Igreja que está na casa deles” é o oposto às Igrejas nas casas de outras pessoas em Roma.

Evidentemente havia um considerável  número de crentes em Roma, muito mais do que em Corinto e eles se reuniam em mais de um local no Dia do Senhor. Por exemplo, em Romanos 16:14 há uma saudação “a Asíncrito, a Flegonte, a Hermes, a Pátrobas, a Hermes e aos irmãos que estão com eles”. Quem eram os irmãos que estavam “com eles”? Certamente o restante de uma Igreja que se reunia com eles.

Considerando também Romanos 16:15, vemos ali uma saudação “a Filólogo, a Júlia, a Nereu e sua irmã, a Olimpas e a todos os santos que com eles estão”. Quem eram esses santos? Tudo sugere que eram parte de ainda outra Igreja em Roma, distinta daquela que se reunia com Asíncrito e outros e da que havia na casa de Priscila e Áquila.

Pode-se corretamente imaginar que havia, no mínimo, três diferentes locais de reunião em Roma, constituindo três

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Igrejas separadas. Certamente Paulo saudou, tratando pelos nomes, somente àqueles que ele já conhecia. É possível que existissem muitas outras Igrejas funcionando em Roma, com as quais Paulo não tivesse mantido relação pessoal mais estreita, quando escreveu a carta mencionada.

O exemplo de Jerusalém: Metropolitana (Macro) ou Micro

Apliquemos agora tudo isso à Igreja de Jerusalém. A Igreja de Jerusalém é um dos poucos exemplos no qual a  Bíblia se refere a apenas uma Igreja numa cidade (Atos 8:1). Provavelmente isso se deve a que, ali,  todos os crentes se reuniam em apenas um lugar. A Igreja em Jerusalém, certamente, era uma entidade organizada singular. Por exemplo, Atos 2:1 registra que “estavam todos reunidos num mesmo lugar”.

Diferente de Corinto, a Igreja de Jerusalém não era uma Igreja domiciliar mesmo, apesar de comerem juntos em várias residências (Atos 2:46). No Pentecoste, cerca de três mil pessoas juntaram-se aos originais cento e vinte crentes (Atos 1:15). Então, Atos 4:4 nos conta que “muitos, porém, dos que ouviram a palavra, creram, e se elevou o número dos homens a quase cinco mil”. Além do mais, Lucas nos informa que “divulgava-se a palavra de Deus, de sorte que se multiplicava muito o número dos discípulos em Jerusalém e muitos sacerdotes obedeciam à fé“ (Atos 6:7). A Igreja de Jerusalém era uma grande Igreja, mesmo pelos padrões de hoje. Ela era uma mega Igreja!

Onde essas pessoas se reuniam juntas? Atos 5:12 nos dá a resposta: “e” estavam todos de comum acordo no pórtico de Salomão”. O pórtico de Salomão era uma enorme área de reunião, tendo um teto suportado por colunas a intervalos regulares, com as laterais abertas. Isso acontecia antes da perseguição que depois veio sobre a Igreja de Jerusalém e prejudicou essas reuniões amplas.

Devemos seguir o exemplo hoje em nossas Igrejas? (Se sim,  isso poderia se comparar ao conceito de Igreja domiciliar). A resposta é sim e não. Sob circunstâncias

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idênticas, sim. Porém, aquelas circunstâncias eram únicas e não típicas de nossos dias. Prática, normal e efetivamente, não vivemos circunstâncias idênticas! Muito frequentemente, a Igreja moderna tem deixado essa exceção se tornar a regra. Essa situação de Jerusalém foi particular, por várias razões:

Primeiro, a Igreja de Jerusalém foi a primeira e estava em sua infância. Ela estava no estágio de incubação. Como o estudioso Harvey Bluedorn apontou, “havia muita coisa a desenvolver. Aquele era um projeto de construção inteiramente novo e precisamos ter cuidado para não confundirmos os andaimes e o material de construção com o edifício em si” (6).

Segundo, a Igreja de Jerusalém era composta apenas de judeus convertidos há pouco tempo. Dessa forma, eles mantinham um profundo apego às coisas do Velho Pacto,  incluindo o louvor no templo. Citando Bluedorn novamente, vemos que “a Igreja de Jerusalém era composta apenas de judeus circuncidados que haviam vivido toda a vida sob a Lei e em torno do templo. Eles eram culturalmente comprometidos a um estilo de vida sob uma lei administrativa que, jurisdicionalmente abrangia toda a existência. Eles precisavam começar a efetuar a transição da imatura cultura da conformação externa do Velho Pacto e, ao mesmo tempo, assumir a madura cultura da transformação interna do Novo Pacto. Eles eram, em muitos dos casos, sacerdotes convertidos, ainda ciumentamente apegados à Lei, por isso fracos de consciência e, em razão disso, fracos na maturidade do evangelho. Muitas das acomodações culturais feitas em Jerusalém, nem sequer devemos considerar hoje”.

Terceiro, a Igreja de Jerusalém foi repentinamente confrontada com um imenso número de novos convertidos. Milhares deles. Muitos dos convertidos eram peregrinos religiosos, visitantes temporários, que haviam viajado àquela cidade para observar a Páscoa e o Pentecoste. Josefo registrou que a população da cidade podia aumentar em várias vezes seu tamanho normal, em épocas especiais. Lucas disse sobre isso que: “habitavam então em Jerusalém judeus, homens piedosos, de todas as

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nações que há debaixo do céu... partos, medos, elamitas e os que habitam a Mesopotâmia, a Judéia e a Capadócia, o Ponto e a Ásia, a Frígia e a Panfília, o Egito e as partes da Líbia próximas a Cirene, e forasteiros romanos, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes” (Atos 25-11).  Eventualmente, esses novos convertidos precisavam retornar aos seus lares. Nesse ínterim, entretanto, esse grande número de pessoas tinha que ser discipulado, instruído e firmado na fé. Como poderia alguém trabalhar com três mil judeus de várias nações, subitamente convertidos em Jerusalém  (Atos 2:5-11, 41) e, não muito tempo depois, com muitos milhares de crentes locais? (Atos 4:4). Existiam apenas doze apóstolos treinados e disponíveis!

No sentido de treinar rapidamente esses muitos convertidos, a Igreja tinha que realizar grandes reuniões. Assim, “perseveravam na doutrina dos apóstolos” (Atos 2:42) e se reuniam diariamente no templo (Atos 2:46). Esse era o tempo das voluntárias práticas comunais da propriedade (Atos 4:32-35), uma resposta única às específicas necessidades do treinamento, naquela ocasião. Esse comportamento não foi reproduzido em outras Igrejas que surgiram depois. O padrão é as micro Igrejas (e não mega Igrejas) e a propriedade privada (e não a posse coletiva da propriedade).

Imagine só: milhares de novos crentes sem literalmente nenhum lugar para serem treinados, exceto exatamente em Jerusalém. O tempo disponível para esse treinamento se escoando rápido. Eventualmente, eles teriam que voltar para suas cidades. Situações extraordinárias exigiam ações também extraordinárias: reuniões de massa e práticas comunais quanto à propriedade. Se todos os mórmons, em Salt Lake City (sede da Igreja deles, nos Estados Unidos) subitamente se convertessem e adotassem a verdadeira e salvadora fé no Senhor Jesus, essa também seria uma situação única a exigir uma resposta extraordinária de parte da Igreja verdadeira.

Essas grandes assembléias no pórtico do templo não duraram muito, pois, não só os peregrinos eventualmente voltaram para suas terras, como também

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os residentes na cidade foram obrigados a abandonar aquele local de reunião. Lucas registra que “levantou-se grande perseguição contra a Igreja que estava em Jerusalém e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e da Samária” (Atos 8:1).

Anos depois, o que restara da Igreja de Jerusalém ainda realizou outra reunião plenária. Em Atos 15 está registrada a realização do Concilio de Jerusalém: “Então toda a multidão se calou e escutava a Barnabé e a Paulo, que contavam quantos sinais e prodígios Deus havia feito por meio deles entre os gentios” (Atos 15:12). Lucas registrou que “Então pareceu bem aos apóstolos e aos anciãos com toda a Igreja escolher...” (Atos 15:22). Essa era uma Igreja grandemente diminuída, não os milhares de pessoas de antes.

(Como uma nota paralela, quero dizer que o Concílio de Jerusalém foi também um razoavelmente único evento no qual a própria natureza da mensagem do evangelho esta sendo decidida. O assunto era: “É a fé em Jesus suficiente ou as pessoas precisam também ser circuncidadas”? Os apóstolos originais estavam ainda em Jerusalém e eles eram o padrão, a norma para a doutrina. Esse falso evangelho da circuncisão precisava ser condenado e o verdadeiro devia ser definido e defendido. Os doze eram os homens que deveriam fazer isso.  Eles haviam sido selecionados e treinados por Jesus para representá-Lo na Terra, de uma maneira tão especial como ninguém jamais havia sido qualificado antes. Não era o caso de a Igreja de Jerusalém ter autoridade sobre as outras Igrejas. Na verdade, dos apóstolos em conjunção com a Igreja de Jerusalém, emergiu uma carta com muita autoridade, condenando a exigência da circuncisão).

A Igreja da Judéia, da Galiléia e da Samaria:

O padrão bíblico normal é referir-se a Igrejas (no plural) numa região (Atos 15:41, 1Coríntios 16:1, 2Coríntios 8:1, Gálatas 1:2). Porém, em Atos 9:31 da versão Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida, lemos que “... as

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Igrejas em toda a Judéia e Galiléia e Samaria tinham paz...”, enquanto que na versão Revista e Atualizada no Brasil, do mesmo tradutor, está escrito que “A Igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria...” Qual é a leitura correta, Igreja ou Igrejas? 

Textos gregos subentendidos explicam a diferença. Se “Igreja”, no singular, é a leitura correta, então esta pode ser a única referência em toda a Bíblia à Igreja regional. Ainda mais: se esta for a interpretação certa, ela possivelmente foi usada especificamente com referência à dispersa Igreja oriunda de Jerusalém.  A Igreja de Jerusalém foi única em todo o mundo. Essa Igreja original foi tão intensamente perseguida que “todos, exceto os apóstolos, foram dispersos” (Atos 8:1). Para onde foi a Igreja? Para a Judéia e a Samaria (Atos 8:1). Então, “a Igreja” da Judéia, Galiléia e Samaria (9:31) provavelmente  se refere à Igreja dispersa de Jerusalém. Evidência  posterior à menção de 9:31, referente à Igreja dispersa de Jerusalém, é encontrada em Gálatas 1:22. Escrita anos depois da Igreja de Jerusalém haver sido dispersa, Gálatas 1:22 retorna ao uso normal da expressão e refere-se a “Igrejas” (no plural) da Judéia. Isso sugere que Igrejas locais e mais novas surgiram na Judéia durante os anos seguintes à dispersão. Os refugiados de Jerusalém iniciaram novas Igrejas nas áreas para as quais fugiram.

É também possível que Lucas se refira a todos os crentes nessas regiões, abstratamente. De forma similar, podemos dizer hoje que “a Igreja da China é perseguida”. Não existe na China uma Igreja organizada, da qual todos os crentes façam parte – essa afirmação é uma realidade abstrata. Ambas as Igrejas – da China e da Judéia – são frações abstratas de uma Igreja universal. A Bíblia não se refere a uma Igreja regional organizada, muito menos a uma Igreja universal organizada. Existem exemplos de Igrejas (no plural) locais organizadas numa região (como em Gálatas 1:2), porém não há notícia de alguma Igreja regional organizada. Não existe base bíblica para termos uma Igreja cuja organização terrestre ou cuja autoridade se estendam além de sua congregação local. Não existe base bíblica para

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uma Igreja global (como a Igreja Católica Romana declara haver). Não existe também base para uma Igreja organizada regional (como a Igreja da Escócia, a Igreja da Inglaterra ou a Igreja Russa Ortodoxa).

Dessa forma, a diferença nos manuscritos gregos referentes a Atos 9:31 poderá permitir que se considere uma alternativa para uma visão da Igreja da cidade, qual seja a de uma Igreja abstrata em cada cidade, composta de várias Igrejas domiciliares locais organizadas. Admitindo-se que cada Igreja domiciliar seja a correta expressão da Igreja local, os crentes poderiam ainda se ver como parte de uma Igreja maior em sua cidade. A Igreja da cidade poderia existir em suas mentes, como uma abstrata realidade, porém sem uma intencional organização terrena e sem autoridade. Nossa atitude poderia ser a de que existiria uma Igreja por cidade e que fôssemos parte dela. Isso, ainda que a unidade de organização correta seja a Igreja domiciliar e não a Igreja da cidade.

Em suma, a Igreja universal é uma realidade abstrata. A Igreja regional idem, assim como a Igreja da cidade. Nenhuma das três tem um projeto bíblico de organização, de cultos ou de autoridade. Aplicar, na prática, a crença numa Igreja da cidade abstrata representa cooperar com outras Igrejas verdadeiras em co-participações, como benemerência, oração ou evangelização - assim como Paulo recolheu as ofertas da Igreja universal para ajudar à Igreja de Jerusalém. Uma Igreja da cidade abstrata significa estarmos unidos pelos laços do amor a todos os outros crentes da nossa cidade. Igreja da cidade abstrata quer dizer aceitar a todos os crentes de sua cidade, independente deles serem batistas, metodistas, presbiterianos ou pertencerem a quaisquer outras denominações. Isso também permite aos anciãos de cada cidade cooperar numa gama extensa de ministérios.

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Considerações sobre “as Igrejas da Cidade”

1). Como poderia a Igreja de uma grande cidade realizar uma sessão plenária? Existem mais pessoas só em Londres do que em muitos países europeus. Existem crentes em Londres desde o tempo dos romanos e o número de cristãos agora é enorme. Até Watchman Nee, ávido pregador da Igreja da cidade, admite que cidades como Londres precise ser fragmentada em unidades assim como burgos ou como Igrejas por código postal. Se a Igreja da cidade fosse a norma das Escrituras, que autoridade teríamos para adulterar isso e fragmentar Londres em pequenas unidades?

2). Já se passaram mais de dois mil anos desde que o Novo Testamento foi escrito. Muitas das antigas Igrejas deixaram de ser Igrejas e se tornaram sinagogas de Satanás (Mesa de Demônios – 1Co 10:21). Outras Igrejas estão repletas de membros não convertidos, chamados de irmãos e que vivem em aberto e explícito pecado e que, ainda assim, são mantidos na comunhão com os santos. Algumas congregações têm pastores homossexuais. Outras, têm anciãos que negam a Trindade, o nascimento virginal ou o sacrifício propiciatório de Cristo na cruz. Devemos nos unir a esses autodenominados irmãos, num esforço para termos uma Igreja da cidade? Não há dúvida de que os defensores da Igreja da cidade dirão que apenas crentes verdadeiros deverão estar envolvidos nesse tipo de Igreja. Porém, quem aplicará essa determinação? O potencial para discussões, ressentimentos  e divisões é bem grande. Um grupo de crentes em Atlanta (cidade do autor, no Estado da Geórgia, EUA) que sustenta a idéia de Igreja da cidade construiu um grande edifício com um letreiro enorme que apregoa que “A Igreja de Atlanta se Reúne Aqui”. Quão arrogante e sectário deve parecer esse letreiro aos milhares de outros crentes da cidade que não se reúnem ali para o culto nos domingos!

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Ironicamente, os defensores da Igreja da cidade enfrentam o mesmo tipo de problemas que enfrentaram os Reformadores: separar os crentes verdadeiros dos descrentes, em Igrejas patrocinadas pelo estado. Eles surgiram como a Ecclesiola in Ecclesia, a pequena Igreja do trigo dentro da grande Igreja do joio. A história demonstra que tais tentativas de reformas “para dentro” raramente têm sucesso (8).

3). Numa simples e grande Igreja de cidade, como pode o povo de Deus ser protegido contra super-stars, lobos em pele de cordeiros ou falsas doutrinas? Embora Igrejas de quaisquer tamanhos possam enfrentar esses problemas, no cenário das Igrejas da cidade provavelmente o fim seria o surgimento de problemas similares aos que ocorreram na Igreja Católica Romana. Quando o telhado é danificado, toda a estrutura abaixo também se arruína. Com as descentralizadas Igrejas domiciliares, quando uma vai mal, as outras estão mais isoladas do erro.

4). Há, ainda, alguns que abusam da idéia da Igreja da cidade para mudarem de Igreja domiciliar para Igreja domiciliar, domingo a domingo, como ciganos espirituais, sem se ligar a nenhuma delas. Considerando-se como membros da Igreja em geral, eles não têm que se defrontar com as realidades do cotidiano “uns aos outros”, com o mesmo grupo de crentes todas as semanas. Outros, criativamente, se voltaram para o conceito de Igreja da cidade como uma escusa para fazer o que querem. Para esses, Igreja da cidade é, essencialmente, Igreja sem definição.

5). Os cultos devem ser centrados na Ceia do Senhor com uma refeição completa, seguida da reunião interativa. Uma das coisas que as famílias fazem é comer em conjunto. A Igreja deve ser como uma família e todos devem fazer a refeição juntos. Isso é muito melhor realizado num cenário do estilo domiciliar, com um número pequeno de pessoas, apenas quantos você possa realmente conhecer e com os

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quais possa efetivamente manter comunhão. Se muitas pessoas estiverem presentes, a intimidade é perdida.

Quando ainda no seminário, eu fiz parte de uma equipe de tempo parcial de uma Igreja de mais de catorze mil membros. Nós tínhamos ceias às quartas-feiras no prédio da Igreja, usando fileiras e fileiras de mesas. Apesar do fato de que eu era da equipe, eu não conhecia noventa por cento do pessoal ali presente! A ceia de comunhão era muito mais como ir a um restaurante. Ela era profundamente impessoal e institucional. Como pode a celebração da Ceia do Senhor de uma Igreja da cidade ser diferente?

6). Outro ingrediente do culto do Dia do Senhor é a reunião participativa (1Coríntios 14), que se supõe não deva ser um “show de um homem só” ou algo como um “serviço” a cargo de apenas alguns. Assembléias pequenas são mais adequadas ao estilo de preleção. Se, em verdade, a cada irmão for permitido falar nas reuniões (1Coríntios 14:23), necessariamente teríamos que ter um grupo menor, ao invés de um maior. Se todas as semanas você vai ao culto desejando compartilhar alguma coisa que crê que o Senhor quer que seja repartido com a Igreja e, semana após semana, você volta para casa sem se manifestar, por haver muitas pessoas a testemunhar, sua assembléia deve estar ficando muito grande. Como pode uma Igreja da cidade, na realidade, manter cultos de 1Coríntios 14, com centenas ou  talvez milhares de pessoas presentes?

7). Tiago 5:16 nos instrui: “Confessai, portanto, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros...”. Gálatas 6:1-2 determina que “se um homem chegar a ser surpreendido em algum delito, vós que sois espirituais, corrigi o tal com espírito de mansidão; e olha por ti mesmo, para que também tu não sejas tentado. Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo”. Havia intimidade na Igreja primitiva e eles mantinham responsabilidades uns para com os outros através desse relacionamento. Numa Igreja enorme,

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você pode facilmente ficar perdido na multidão. Se você não estiver lá, ninguém vai dar pela sua falta. Sua contribuição à Igreja será como um litro a mais de água fluindo sob a ponte de Londres. Se você estiver em pecado, poderá facilmente continuar assim, pois ninguém saberá o que se passa na sua vida – a Igreja é acentuadamente impessoal. Jesus nos ensinou claramente que devemos ser companhia de pessoas que pratiquem santidade e obediência. O processo que Jesus ressaltou para tratarmos com o desobediente está em Mateus 18. Esse processo funciona bem num grupo pequeno, no qual todos se conheçam bem (como as Igrejas domiciliares), mas é altamente impraticável quando uma Igreja local aumenta de tamanho (como as Igrejas da cidade).

8). O Novo Testamento está repleto de determinações “uns aos outros”, todas elas pressupondo relações íntimas: “sejam devotados  uns aos outros, amem uns aos outros, dêem preferência uns aos outros em honra, tenham o mesmo pensamento uns para com os outros, amem uns aos outros, aceitem uns aos outros, aconselhem uns aos outros, cuidem uns dos outros, sirvam uns aos outros, suportem as cargas uns dos outros, suportem uns aos outros em amor, submetam-se uns aos outros em reverência a Cristo, confortem uns aos outros, sejam gentis uns com os outros, encorajem uns aos outros diariamente, estimulem uns aos outros a amar e a praticar boas obras” (Romanos 12:10, 12:16, 13:8, 15:7 e 15:14, 1Coríntios 12:15, Gálatas 5:13, Efésios 4:2, 4:32 e 5:21, 1Timóteo 4:18, Hebreus 3:13 e 10:24). O melhor local para isso é a Igreja domiciliar, não a Igreja da cidade.

9). Se os apóstolos claramente ensinaram ou padronizaram algo, não devemos contestar o que devemos fazer a respeito. Se os apóstolos não foram definitivos sobre algo, então aquilo é livre. O perigo da Igreja da cidade reside em tornar obrigatória uma estrutura artificial sobre a qual nada se conhece no Novo Testamento.

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Sumário

A Igreja da cidade é, mais do que tudo, um aspecto abstrato da Igreja universal. A expressão apropriada da Igreja organizada local é Igreja domiciliar e não Igreja da cidade. Igreja da cidade é mais uma atitude do que uma entidade. A crença filosófica na Igreja da cidade poderá resultar numa atitude de cooperação com outras Igrejas na evangelização, benemerência, orações, louvor e treinamento, no amor por todos os crentes e no interesse nos irmãos fora de nossa própria comunhão. O pensamento da Igreja da cidade nos ajuda a afastar divisões e a gerar unidade com outros crentes de nossa cidade.

Os que inicialmente adotaram as idéias deste livro irão naturalmente focalizar seu tempo e atenção em iniciar e manter sua primeira Igreja domiciliar, ainda que nossas intenções não devam cessar depois que essa Igreja inicial seja estabelecida com sucesso. Uma Igreja domiciliar isolada, sozinha, pode se tornar estagnada no crescimento, monástica e anêmica. A verdade da existência da Igreja universal significa que necessitamos realmente pensar globalmente e agir localmente. Correspondentemente, a aceitação filosófica da Igreja da cidade determina que também devamos pensar em termos de metrópole, mas atuar localmente. A teoria da Igreja da cidade, em termos finais, sugere que não nos devemos contentar com uma Igreja domiciliar, mas centralizar nossas vistas numa cidade repleta de Igrejas domiciliares, autônomas e cooperativas entre si.

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12 - A LIDERANÇA NAS IGREJAS12 - A LIDERANÇA NAS IGREJASDO NOVO TESTAMENTODO NOVO TESTAMENTO

Steve Atkerson

“Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, não por força, mas espontaneamente segundo a vontade de Deus...” (1Pedro 5:2).

Algumas Igrejas são dirigidas por apenas um homem (pastor, papa ou arcebispo). Talvez essas Igrejas possam ser classificadas como “ditaduras” benignas. Outras Igrejas são controladas pela autoridade final do voto congregacional. Essas podem ser referidas como “democracias”. Finalmente, muitas Igrejas operam sob a orientação de vários anciãos (presbitério). Dizemos que o ideal é o governo exercido pelo consenso de toda a Igreja. Se esse realmente é o caso, então porque os anciãos são necessários na Igreja?

As vantagens de se ter anciãos

Durante a batalha de Midway (na Segunda Guerra Mundial), um solitário esquadrão americano de bombardeiros descobriu e atacou a frota japonesa.  Tragicamente, o esquadrão ficou separado de sua escolta de aviões de caça. O ataque demonstrou ser suicida. Todos os tripulantes dos aviões foram mortos. Os anciãos são para as Igrejas o que os aviões de escolta eram para os bombardeiros: proteção. Eles também oferecem direção, ensinamentos e auxílio para que a Igreja atinja o consenso e cresça até a maturidade.

Quanto aos falsos mestres, os anciãos podem refutar àqueles que se opõem à sã doutrina (Tito 1:9). Eles podem, finalmente, efetuar o processo de avaliação que está em Mateus 18:15-35 (disciplina cristã). Os anciãos não podem agir “como dominadores sobre os que vos foram confiados”, mas devem ser “exemplo para o rebanho” (I Pedro 5:3). A existência de vários anciãos (todos com a mesma

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autoridade) também ajuda a prevenir o surgimento de algum moderno Diótrefes (3João 9-10). Ainda assim, apesar dos melhores esforços de qualquer Igreja, precisamos ter em conta que “dentre vós mesmos se levantarão homens, falando coisas perversas para atrair os discípulos após si. Portanto vigiai...” (Atos 20:30-31).

Que os líderes devem exercer a função de servir na Igreja, fica muito claro em textos como Atos 20:25-31, Tito 1:9, Efésios 4:11-13, 1Timóteo 1:3, 3:4-5, 5:17 e 6:20, 2Timóteo 1:13-14, 2:2, 2:15, 3:16-17 e 4:2-4, Tito 1:9, 1:13 e 2:15 e Hebreus 13:17.

Líderes são para guardar e proteger contra falsos mestres, treinar outros líderes na tradição apostólica, orientar pelo exemplo, zelar pela verdade, afastar os lobos, ajudar na obtenção de consenso, etc. Em resumo, líderes são homens com maturidade de caráter que supervisionam, ensinam, protegem, equipam e estimulam a Igreja. Agora e sempre precisamos convocar a Igreja a se “submeter” (Hebreus 13:17) à sua liderança.

Apesar de haverem sido tecnicamente apóstolos ou obreiros, Timóteo e Tito trabalharam claramente como anciãos, até que houvesse a escolha dos anciãos locais. Assim, era de se esperar que os anciãos escolhidos fizessem as coisas da mesma forma que os obreiros apostólicos as faziam, no âmbito local (1Timóteo 1:3, 4:11, 5:17, 6:17, Tito 1:12-13, 2:15, 3:10). Disso fica claro que é próprio dos anciãos o exercício da liderança, da reprovação com autoridade, do falar, do ensinar e do guiar. Os anciãos devem “governar bem” e “supervisionar” as Igrejas, tomando a iniciativa da guarda do rebanho. Como crentes maduros, o entendimento deles quanto ao que é correto ou errado, com relação a doutrinas ou comportamentos será, muito provavelmente, correto.  Eles, natural e freqüentemente, devem ser os primeiros a detectar e a resolver problemas. Não obstante, se aqueles a quem eles disciplinam se recusarem a ouvi-los, o único recurso dos anciãos é levar o assunto a toda a Igreja de acordo com o processo de Mateus

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18. A autoridade, em última instância, ainda permanece com a Igreja como um todo.

Há um delicado equilíbrio a ser alcançado entre as atribuições da liderança dos anciãos e as responsabilidades típicas da Igreja como um todo. Enfatizando muito a primeira, é fácil a criação de mais um papa! Aprofundando-se demais na segunda, teremos um barco sem leme. Em resumo, ambas as responsabilidades, a dos líderes anciãos e a da Igreja como um todo, são válidas. Isso precisa ser enfatizado, pois, por um lado, temos os anciãos guiando e ensinando pelo exemplo, moderando o toma-lá-dá-cá das discussões da assembléia, embora sem o direito final a veto em qualquer procedimento; por outro lado, temos o rebanho, que pode fazer o que desejar, mas seus membros são exortados a seguir seus anciãos e a permitir que sejam persuadidos pelos argumentos deles. As palavras dos anciãos têm peso somente até o limite que as pessoas lhes impõem. Anciãos merecem respeito pela posição na qual Deus os colocou. Esse conceito é igual àquele vigente nas cidades israelitas durante o tempo do Velho Testamento. Eles não tinham nenhuma autoridade ou poder reais, mas gozavam de um elevado grau de respeito. Não dar ouvidos à sabedoria de um ancião era equivalente a chamar a si mesmo de idiota e rebelde.

Consenso orientado pelos anciãos

Todos concordam que Jesus é o cabeça da Igreja (Colossenses 1:15-20). Então a Igreja, em verdade, é uma ditadura (ou teocracia) comandada por Cristo através de Sua palavra escrita e pela influência do Espírito Santo (João 14:25-27, 16:12-15, Atos 2:42, Efésios 2:19-22 e 1Timóteo 3:14-15). Quando seguimos o organograma de cima para baixo, para onde vai a linha de autoridade?

Falando aos “anciãos” da Igreja de Éfeso (Atos 20:17), Paulo disse: “Cuidai, pois de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a Igreja de Deus, que ele adquiriu com seu

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próprio sangue” (Atos 20:28). A presença dos termos “bispos” e “apascentardes” (atividade típica dos pastores) certamente sugere uma posição de supervisão dos anciãos. Escrevendo a Timóteo sobre as qualificações para um ancião, Paulo perguntou: “Pois, se alguém não sabe governar a sua própria casa, como cuidará da Igreja de Deus?” (1Timóteo 3:5). Isso implica novamente em responsabilidade de mando para os anciãos. Paulo disse também aos anciãos: “apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, não por força, mas espontaneamente segundo a vontade de Deus” (1Pedro 3:5). Mais uma vez, os anciãos são colocados numa posição de liderança. 1Timóteo 5:17 refere-se a “anciãos que governam bem”. 1Timóteo 5:12 diz: “rogamo-vos, irmãos, que reconheçais os que trabalham entre vós, presidem sobre vós no Senhor e vos admoestam”. Hebreus 13:7 determina: “lembrai-vos dos vossos guias”. Em seguida, Hebreus 13:17 instrui: “Obedecei aos vossos guias, sendo-lhes submissos, porque velam por vossas almas como quem há de prestar contas delas”. Tudo isso indica que devem existir líderes humanos na Igreja. Esses líderes são, na maioria dos casos, referidos como “anciãos” ou “supervisores”.

(A respeito das diferenças entre ancião, bispo e pastor, um exame de Atos 20:17, 28:30, Tito 1:5-7 e 1Pedro 5:1-3 demonstrará que essas palavras são sinônimas. Todas as três se referem ao mesmo trabalho. Qualquer distinção moderna entre elas é puramente artificial e sem nenhuma base bíblica).

As referências anteriores a comando pelos anciãos podem, se tomadas isoladamente, conduzir a uma visão deformada de como esse tipo de direção deve operar. Existem mais coisas a considerar. Imagine os passos da disciplina da Igreja em Mateus 18:15-17 relacionados a um processo de tomada de decisões da Igreja (veja também 1Coríntios 5:1-5 e Gálatas 6:1). Perceba que toda a congregação parece estar envolvida na decisão de exercer disciplina. Note também que os líderes não são especialmente indicados para analisar os casos antes deles atingirem a

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reunião plenária nem a executarem a disciplina. A decisão é coletiva.

Esse processo coletivo é também abordado em Atos 1:15-26. O apóstolo Pedro colocou a tarefa de procurar um substituto para Judas sobre a Igreja como um todo. Em Atos 6:1-6, os apóstolos se voltaram para “todos os discípulos” (6:2) e deixaram que eles escolhessem os administradores do sistema de assistência social da Igreja. Ambos os exemplos apontam para o envolvimento de toda a congregação nos processos referidos.

Paulo escreveu a “todos” (1:7) os santos em Roma e não fez menção especial aos anciãos. A cartas aos Coríntios são endereçadas a toda a “Igreja” (1Coríntios 1:2 e 2Coríntios 1:1). Novamente, não há ênfase na liderança. A saudação em Gálatas 1:2 focaliza as “Igrejas” na Galácia. A mensagem não foi endereçada través dos líderes. Os “santos em Éfeso” (1:1) são os destinatários da carta.  Em Filipenses 1:1 é dado igual tratamento aos santos, aos bispos e diáconos. Em Colossenses 1:2 a saudação foi ”aos santos e fiéis irmãos em Cristo”. Tudo isso demonstra que os anciãos eram também ovelhas. Os anciãos eram uma subdivisão da Igreja como um todo. Nunca houve a distinção entre clero e leigos.

Essa ausência de ênfase nas lideranças é vista também em 1Timóteo 1:1, 2Timóteo 1:1, Tiago 1:1, 1Pedro 1:1, 2Pedro 1:1, João 2:1 e 2:7 e Judas 1:1. De fato, o livro de Hebreus foi escrito para um subgrupo de crentes e não foi antes do último capítulo, que o autor pede que eles “saúdem a todos os seus líderes” (13:24). Ele nem saudou aos líderes diretamente!

Em Hebreus 13:17, os crentes são encorajados a “obedecer” aos líderes da Igreja. Interessante é que, nesse caso, a palavra “obedecer” não é a palavra usual para esse significado hupakouo - (upakouw). Ao invés, é usado peitho - (peiyw), que significa literalmente “persuadir” ou “convencer”.

Assim, Hebreus 13:17 pode ser interpretado como “deixem-se ser persuadidos por”. Esse mesmo verso

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também instrui os crentes a se “submeterem” à autoridade dos líderes de suas Igrejas. Para esse “submeter-se”, a palavra grega normal hupotasso - (upotassw), não foi usada. Diferentemente, foi escolhida pelo autor, uma outra palavra grega hupeiko - (upeikw) cujo significado é “ceder depois de uma luta”. Ela era usada entre combatentes. O significado de hupeiko (upeikw) é visto na carta que o general sulista norte americano Robert E. Lee endereçou às suas tropas, referente à rendição das mesmas em Appomadox, no fim da Guerra Civil Americana: “Depois de quatro anos de árduos serviços, marcados pela coragem jamais igualada e firmeza, o Exército da Virgínia do Norte foi compelido a ceder a números e recursos esmagadores”.

Assim, o rebanho de Deus deve estar aberto a ser “convencido por” peitho - (peiyw) seus pastores. No transcurso desse debate e ensinos, o rebanho deve ser “convencido por” peitho - (peiyw) seus líderes. Obediência irrestrita e irracional não é o relacionamento entre pastores e a Igreja, demonstrado no NT. Logicamente, haverá oportunidades em que alguém do rebanho não poderá ser completamente persuadido de algo e um impasse se criará. Quando for necessário interromper esse impasse, a congregação deve “ceder” hupeiko - (upeikw) à sabedoria de seus líderes.

Muito mais pode ser extraído da forma pela qual os autores do Novo Testamento fazem apelos diretamente para as Igrejas como um todo. Essa forma se origina, em grande extensão, da capacidade de influenciar ao rebanho. Os apóstolos não bradavam ordens nem simplesmente emitiam normas (como os comandantes militares o fazem). Ao contrário, eles tratavam aos outros crentes como iguais e se identificavam com eles em tudo. Sem dúvida os líderes de Igrejas locais lideram de maneira idêntica. Sua maior autoridade reside na habilidade de convencer. O respeito que lhes é conferido é honestamente conseguido. Eles são o oposto da

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autoridade militar, onde os soldados respeitam a patente e não o homem.

Hebreus 13:7 reflete o fato de que o “estilo” de liderança empregado pelos líderes de Igrejas é primariamente o de orientar pelo exemplo: “Lembrai-vos dos vossos guias... e, atentando para o êxito da sua carreira, imitai-lhes a fé”. Igualmente 1Tessalonicenses 5:13, revela que os líderes devem ser respeitados, não pela autoridade imaginariamente devida ao seu posto, mas por causa do valor de suas obras: “... que os tenhais em grande estima e amor, por causa da suas obras”. Jesus disse: “Sabeis que os governadores dos gentios os dominam, e os seus grandes exercem autoridades sobre eles. Não será assim entre vós; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso servo” (Mateus 20:25-28).

Como anteriormente citado, a palavra “Igreja” no NT é usada para se referir à Igreja universal, Igrejas de cidades ou Igrejas domiciliares. Uma Igreja organizada nunca abrange mais do que uma simples cidade e nenhuma tem jurisdição ou autoridade sobre nenhuma outra Igreja (embora, naturalmente, deva haver cooperação e assistência entre elas). O ideal é que cada Igreja seja orientada por mais de um líder.  Cada um dos líderes deve ter autoridade igual à dos outros (não existe o caso do pastor “sênior”). A autoridade principal deles é baseada em sua habilidade de persuadir com a verdade. Eles devem liderar pelo exemplo. Assim, a administração da Igreja é um processo dinâmico de interação, persuasão e correta afinação entre os pastores e as ovelhas.

A Indicação dos Anciãos

Como devem os anciãos ser indicados? Paulo ensinou que todos os potenciais dirigentes deveriam ser aptos a atender a uma extensa lista de requisitos (1Timóteo 3:1-7, Tito 1:5-9). O desejo de um homem de ser um ancião de sua Igreja e a capacitação para isso, certamente é obra do

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Espírito Santo (Atos 20:28). Desde que os pré-requisitos sejam atendidos, o candidato a ancião é então indicado. Em Atos 14:23 Paulo e Barnabé aparentemente fizeram a indicação e Tito foi deixado por Paulo em Creta para indicar os anciãos (Tito 1:5). Como Nee observou, “eles meramente estabeleceram como anciãos aqueles a quem o Espírito Santo já havia feito dirigentes da Igreja” (The Normal Christian Church Life, 41). Depois que os apóstolos (missionários, criadores de Igrejas) apontaram os anciãos e se foram, há um virtual silêncio sobre como os anciãos seguintes foram ou deveriam ser escolhidos. Trabalhando com o princípio de Atos 1:15-26 e 6:16, podemos ser levados a concluir que os anciãos posteriores foram escolhidos por toda a congregação (seguindo os requisitos apresentados em 1Timóteo 3:1-7), sob a direção dos anciãos existentes e sob a supervisão de alguns apóstolos que houvessem adquirido o direito de serem ouvidos por aquela congregação local.

O Presbitério

O que se imagina como adequado: ter um ancião por Igreja, vários anciãos por Igreja ou várias Igrejas por ancião? Em Atos 14:23 Paulo e Barnabé “indicaram anciãos em cada Igreja”. A evidência bíblica parece apoiar pluralidade de anciãos em cada Igreja. Sob a perspectiva existe, tecnicamente, apenas um a Igreja por cidade! Por exemplo, Atos 8:1 menciona “a Igreja de Jerusalém”, Paulo escreveu para “a Igreja de Deus em Corinto” (1Coríntios 1:2) e à “Igreja dos Tessalonicenses” (1Tessalonicenses 1:1). Jesus disse a João para escrever para “a” Igreja de Deus em Corinto (1Coríntios 1:2) e para “a” Igreja em Éfeso, “a” Igreja em Esmirna, “a” Igreja em Pérgamo, etc. (Apocalipse 2:1, 2:8, 2:12, 2:18, 3:1, 3:7 e 3:14). Assim, biblicamente falando, só há uma Igreja em Atlanta, uma em Londres, uma em Moscou, etc.

No livro The Normal Christian Church Life, Watchman Nee observou que “no mundo de Deus nós não vemos

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nenhuma Igreja que se estenda além da área de uma cidade” (48). Quando se refere a grandes áreas geográficas, a Bíblia usa a palavra “Igrejas” (no plural). Por exemplo, “E passou pela Síria e Sílica, fortalecendo as Igrejas” (Atos 15:41), “as Igrejas nas províncias da Ásia” (1Coríntios 16:19), “as Igrejas da Macedônia” (! Coríntios 8:1), “as Igrejas da Galácia” (Gálatas 1:1), “as Igrejas da Judéia” (Gálatas 1:22), etc. Assim, não existe no Novo Testamento algo como Igreja nacional ou Igreja regional. A única razão para divisão das Igrejas é a localização geográfica. É claro, referências são feitas à Igreja universal (Efésios 1:22-23, 3:10, 3:21, 5:23-32 e Colossenses 1:18), à qual todos os crentes, de todas as épocas, pertencem. Porém a Igreja universal é invisível e espiritual, sem nenhuma organização terrena. Um exame do Novo Testamento revelará que, embora todas as Igrejas estejam sob o comando de Jesus Cristo, não existe nenhuma organização eclesiástica que as une. Apesar de cooperarem umas com as outras voluntariamente, cada Igreja é autônoma. Existem laços íntimos muito fortes e uma profunda singularidade espiritual sobre a vida no Senhor. Apesar de independentes de governo externo, elas são interdependentes quanto à responsabilidade para com as outras (veja os capítulos 8 e 9 de 1Coríntios).

Dessa forma, como uma subdivisão da Igreja da cidade, existem inúmeras Igrejas que se reúnem em diversos lares, em cada cidade (Romanos 16:5, 1Coríntios 16:19, Filemom 2, Colossenses 4:15). O relacionamento entre as várias Igrejas domiciliares é similar àquele existente entre as Igrejas de cidades: todas têm a Cristo como cabeça, mas não existe nenhuma organização eclesiástica unindo-as. Todas devem cooperar com as outras em interdependência, ainda que cada uma continue autônoma.

Então, o conjunto dos anciãos liderava a Igreja tamanho cidade como um todo, ou apenas Igrejas domiciliares, individualmente? Que esses anciãos trabalhavam em conjunto fica claro em Filipenses 1:1, 1Timóteo 4:14 e Tito 1:5, mas seria um engano concluir que

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eles coletivamente estavam colocados “sobre” múltiplas Igrejas, como um presbitério dirigente.

Desde que a autoridade de todo e qualquer ancião reside somente na sua habilidade de persuadir com a verdade e desde que, de nenhuma forma, essa autoridade é recebida por suas obras pessoais, não existe maneira de um presbitério de anciãos poder ministrar “sobre” um grupo de Igrejas, em qualquer hipótese. Idealmente, cada Igreja dever ter seus próprios anciãos. Numa situação de transição, quando uma Igreja domiciliar ainda não tenha ninguém qualificado para ser um ancião, a liderança temporária poderia ser exercida por um apostolo respeitável, um ancião de uma Igreja próxima ou um pastor-mestre itinerante. O padrão do NT é que cada Igreja seja dirigida por um corpo de irmãos, alguns dos quais anciãos, dependentes uns dos outros, respondendo uns aos outros e vivendo um ministério coletivo.

Conclusão

Harvey Bluedorn escreveu um excelente sumário sob o ministério dos anciãos, intitulado “Declaração Acerca da Liderança e da Autoridade dos Anciãos Sobre a Assembléia”:

O Padrão do Novo Testamento – Assim como os modelos das coisas mostraram a Moisés como estabelecer os padrões para o tabernáculo (Êxodo 25:9, 25:40, 26:30, 39:42-43, Atos 7:44 e Hebreus 8:5); assim como os modelos das coisas mostraram a Davi como estabelecer os padrões para o templo (1Crônicas 28:11, 28:13 e 28:19), da mesma forma os modelos das coisas mostradas no Novo Testamento estabeleceram os padrões para a assembléia, o templo de Deus (1Coríntios 3:9, 3:16, 3:17, 6:19-20, Efésios 2:21-22, 4:13-16, 1Timóteo 3:15, 1Pedro 2:5, 2:9, Apocalipse 1:6, 3:12, 5:10, 20:6).

1. Servos Líderes – Líderes são funcionalmente necessários para a assembléia. O Senhor Jesus levantou-os do meio dos membros do corpo e os

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equipou para preencher qualificações estabelecidas. Eles inevitavelmente se sobressairão do rebanho e serão notados pela assembléia e esta deve formalmente reconhecer a chamada do Senhor naqueles sobre os quais Ele colocou os dons e a qualificação para servir como guias, mestres e exemplos para o corpo todo. Esses servos são chamados anciãos, bispos, pastores ou mestres (Tito 1:5 e Efésios 4:11).

2. Vários Anciãos - Vários anciãos naturalmente emergem do rebanho (Atos 14:23), embora numa assembléia recém inaugurada talvez seja necessário algum tempo para que o Senhor equipe completamente e qualifique esses líderes (Lucas 12:42, 1Coríntios 4:2, 1Timóteo 3:6, 3:10, 5:22, Tito 1:5 e Hebreus 5:12-13). Dentre os anciãos deve existir algum que se empenhe no falar e ensinar (Efésios 4:11, ITessalonicenses 5:12-13 e 1Timóteo 5:17).

3. Decisões por Unanimidade – As decisões são tomadas pela concordância total da assembléia, representada por todos seus homens, sob a coordenação e conselho de seus servidores, os anciãos. Presumivelmente, os homens podem, por deliberação unânime, delegar certos tipos de decisões para alguém, incluindo os anciãos, mas precisam manter o direito de decidir por si mesmos, o de determinar a política para essas decisões e devem requisitar, de quem recebeu delegação para decidir, um completo relatório e prestação de contas à assembléia.

4. Anciãos são Servos, não Senhores – As palavras de Cristo determinam, pelo Seu Espírito no meio ao Seu Povo, através dos corações regenerados e das mentes renovadas dos membros da assembléia, como Ele leva Seu rebanho a um acordo unânime ou consenso.

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Os anciãos lideram pela autoridade moral de servos que oferecem a palavra e o exemplo e merecem respeito pelo que dão, não pelo que pedem. Um ancião não age como autoridade independente. Sua tarefa é a de assessorar e supervisionar, nunca a de exercer autoridade senhorial nem a de comandar singularmente. Eles são instrumentos, através de suas lideranças, ensinamentos e exemplos, para levar a assembléia ao consenso. Porém, toda autoridade repousa somente em Cristo. Todos os membros, incluindo os anciãos, se submetem ao Senhor e submetem-se uns aos outros no Senhor. Inclui-se, nesse caso, a submissão dos membros anciãos a todos os outros membros, incluídos os demais anciãos. Em outras palavras, não há cadeia de comando, como: Deus, depois Cristo, depois anciãos e depois membros. Existe apenas uma rede de submissão, na qual os anciãos carregam o maior fardo de submissão e responsabilidade, por serem servos de toda a assembléia. Apenas os que se humilham ao nível de servos diante do Senhor e de Sua assembléia serão elevados a esse nível de responsabilidade. Percebe-se então, que aqueles que exaltam a si mesmos a uma posição de autoridade sobre os outros, inevitavelmente se desqualificam para qualquer posição de serviço.

5. Os Santos são Reis e Sacerdotes – É uma severa violação da consciência adulta tratar aos santos como crianças sob o comando de anciãos. O principal efeito desse tratamento é que eles permanecerão crianças no entendimento ou se tornarão rebeldes.  Anciãos exercitam autoridade adequada, como pais em suas próprias casas, mas a função deles na assembléia não é a de pais e senhores sobre crianças, mas como irmãos na fé e como humildes servos de todos.

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6. A Assembléia Deliberativa – A assembléia reunida é um corpo deliberativo. Os homens adultos, em assembléia, são estimulados a interagir de forma ordeira, com leitura, exortação e ensinamentos, independente da forma que a interação assuma: leitura informativa, cuidadosa consideração e discussão de proposições das Escrituras, debate lógico das diferentes facetas de uma questão ou abordagem de assuntos de ordem prática. Essa não é uma reunião do tipo ”será como o Espírito mandar” nem uma “reunião em família”, para ouvir as opiniões dos cabeças do lar, como também não é um “encontro de louvor” de animado entretenimento. Trata-se da aplicação de um genuíno processo de ensinamento discipular, que edifica e conduz toda a assembléia à maturidade em Cristo, através da interação do homem na assembléia.

7. Responsabilidade Congregacional Independente – Cada congregação constitui sua própria comunhão e é independentemente responsável perante o Senhor, porém toda verdadeira congregação existe sob o mesmo reino espiritual e depende do mesmo Senhor. Elas cooperam entre si sempre que as circunstâncias requerem e permitem, seja no nível pessoal ou no congregacional. Não deve haver ciúme, que não é de Deus, entre irmãos nem entre assembléias.

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13 - AS FAMÍLIAS NA IGREJA13 - AS FAMÍLIAS NA IGREJA

Tim Melvin

Malaquias 4:4-6 antecipa o plano familiar de Deus para Israel (e para a Igreja depois). Ele mostra o que Deus esperava das famílias israelitas: corações convertidos uns aos outros. Essa conversão de corações em assuntos familiares estabelece um paralelo com a transformação de corações do Novo Pacto descrito em Jeremias 31:31-34, onde Deus afirma que poria Sua lei em nossos corações. Quatrocentos anos depois, o anjo que apareceu a Zacarias anunciando o nascimento de João Batista, citou Malaquias 4 para explicar o propósito e o ministério de João. Em Lucas 1:13-17, o anjo descreve João como aquele que “converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor seu Deus” e que “converterá os corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à prudência dos justos, a fim de preparar para o Senhor um povo apercebido”. O estilo e a conciliação do anjo nessas duas descrições faz delas paradigmas. Ele estruturou tudo em torno do final do verso 17, de forma que os fatos sobre o ministério de João fossem óbvios. João, como o precursor, pregou a mensagem de voltar-se ao Senhor, o que traria, como conseqüência, a restauração dos corações dos pais aos corações dos filhos.

Uma das boas obras que acompanharia a salvação seria a mudança das atitudes e das ações das famílias. O pai praticaria uma liderança familiar santificada e a mãe seria a apoiadora submissa de seu marido no esforço de obedecer ao Senhor. Os filhos obedeceriam ao seu pai e à sua mãe. Na família, todos se amariam, seriam gentis uns com os outros e seriam os melhores amigos entre si. Em resumo, a família seria o modelo da soberania de Deus e do cristianismo sobre a terra.

As crianças não seriam deixadas de fora nessa equação. Nós não apenas “faríamos o melhor possível e esperaríamos que elas fossem boas”. Veja Lucas 1:17 novamente. O anjo citou apenas parte de Malaquias 4:6. Ele

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substituiu “os rebeldes à prudência dos justos” por “o coração dos filhos a seus pais”. O anjo então nos disse a que se referia com “o coração dos filhos a seus pais”. O reconciliar dos corações dos filhos (como expressado em Malaquias) quer dizer que eles devem obedecer aos seus pais (como está em Lucas). Quando a salvação genuína alcança aos pais, os filhos eventualmente se transformam de desobedientes em justos. Essa mudança, entretanto, não ocorre sem grande empenho dos pais. Eles devem se esforçar para que haja temor de Deus em seus filhos. Parte dessa reconciliação implica no esforço no sentido de que ocorra o afastamento dos caminhos que o mundo usa para arrebanhar e educar as crianças. Pais que se preocupam com o temor de Deus na vida de seus filhos serão recompensados com os corações de seus filhos convertidos aos seus, em obediência.

Liderança na Igreja

Tudo isso tem grande impacto na liderança da Igreja. É preciso que, tanto o ancião quanto o diácono, “governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com todo o respeito” (1Timóteo 3:4-5 e 3:12) e que tenham “filhos crentes que não sejam acusados de dissolução, nem sejam desobedientes” (Tito 1:6). Tanto o casamento quanto os filhos são requisitos para ser ancião. Porém, esses requisitos não são necessários para os apóstolos viajantes – Paulo e Timóteo não eram casados e não eram chamados anciãos. O apóstolo Pedro, por outro lado, era casado e chama a si mesmo de ancião, em 1Pedro 5:1-3. O ancião deve ter filhos cujos corações sejam convertidos aos seus pais. O ancião que esteja muito ocupado com seus assuntos ou assuntos da Igreja (seja tão “bom” quanto possa ser) falha ao entender a absoluta prioridade em educar seus filhos de uma maneira a agradar a Deus. Há evidências de que alguém não converteu seu próprio coração a Deus, se também não converter seu coração ao de seus filhos

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(Lucas 1:13-17). Quem mais vê a outrem vinte e quatro horas por dia, nos piores e nos melhores momentos? Se alguém não é capaz de viver o cristianismo diante de seus filhos, então como pode pretender transmiti-lo aos outros?

Evangelização

Você deve estar pensando que, com toda a ênfase dada aos filhos, eles devem ser os objetos dos esforços evangelísticos da Igreja. Porém, quem foi o alvo dos esforços evangelísticos dos apóstolos? O livro de Atos nos mostra que eles evangelizavam os cabeças das famílias, não os filhos. Cornélio, Lídia e o carcereiro de Filipos se converteram a Cristo através dos esforços dos apóstolos. Admiravelmente, toda a casa de cada um deles seguiu o mesmo caminho. Seria esse um fenômeno cultural daquele século? Não creio. Se dirigirmos nossos esforços evangelísticos para os pais (ou para as mães solteiras), nós iremos, pelo exemplo do Novo Testamento, atingir aos filhos. O homem cujos corações se voltarem verdadeiramente ao Senhor, se voltará também aos dos seus filhos e muito provavelmente estes também virão a Cristo.

Disciplina na Igreja

Assuntos familiares relacionam-se diretamente à disciplina da Igreja. O homem que segue a Deus disciplinará seus filhos (Efésios 6:4). Ele os manterá responsáveis por suas ações e os ensinará a obedecê-lo e à sua esposa. (veja Provérbios 1:8, 2:1, 3:1, 4:1, 5:1 etc.).

As Igrejas modernas não disciplinam os membros desobedientes por haverem esquecido as razões e os métodos bíblicos para disciplinar seus próprios filhos.  Assim como criamos gerações de filhos sem disciplina bíblica, criamos também gerações de filhos, que esperam que ninguém lhes peça contas de suas ações, sobretudo em uma Igreja que só requer seu dinheiro e algumas horas de seu

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tempo por semana. Filhos que foram criados, esperando que aqueles a quem reconhecem como autoridade, lhes ministre a disciplina necessária, não fugirão da Igreja se esta buscar lhe disciplinar para seu bem. De fato, filhos que cresceram na disciplina e na instrução do Senhor necessitarão de muito pouca disciplina da Igreja, quando adultos. Ficaremos maravilhados com as transformações de nossas Igrejas (e de nossa sociedade), em apenas uma geração, se disciplinarmos nossos filhos a responderem à disciplina determinada por Deus e a não rejeitarem a disciplina de seus pais (Provérbios 3:11-12 e Hebreus 12:5-6) e, subsequentemente, a disciplina da Igreja.

Reuniões da Igreja

Estou convencido de que os filhos de todas as idades devem estar com seus pais nas reuniões das Igrejas domiciliares. Se tomarmos Efésios 6:4 como referência, é ao pai que cabe treinar seus filhos, não outro professor adulto. O pai que ensina as coisas do Senhor seis dias por semana aos seus filhos não precisará que ninguém mais o faça aos domingos. O pai que também disciplina seus filhos tê-los-á sob controle. Esse controle permitirá que os filhos fiquem com os pais nas reuniões da Igreja domiciliar. Lembre-se que não estamos treinando nossos filhos para permanecerem crianças, mas para serem adultos. Eles precisam ver como os adultos se reúnem como Igreja e aprender como participar também. Na nossa Igreja, as famílias sentam-se juntas. Quando necessário, os pais corrigem seus filhos durante as reuniões ou os removem para repreensão. Isso ocorre em muitas oportunidades! Porém, isso é parte do amadurecimento, seja como família ou como Igreja. Isso é algo que ensinamos e esperamos de nossos pais e de seus filhos. As crianças podem fazer muito mais do que às vezes lhes pedimos. Se precisarem de um soninho, dormem no colo do papai ou da mamãe, numa cadeira ou em uma de nossas camas. Usualmente, elas se distraem com brinquedos que

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não fazem barulho, lêem ou pintam (às vezes no papel e, muitas vezes, no piso também!). É exatamente como acontece em família.

A maneira de Deus comunicar a verdade à geração seguinte não se modificou. Deus deseja que a verdade seja ensinada e que as crianças a aprendam num ambiente familiar. A Igreja ou a sociedade não têm essa responsabilidade direta. São os pais e as mães que a têm! O quanto antes aprendermos essa lição no corpo de Cristo, mais cedo poremos de lado as formas mundanas de ensino e entretenimento das crianças e mais prontamente teremos gerações de homens e mulheres tementes a Deus, que possam transformar o mundo uma vez mais.

Ministério cristão

O conceito que Paulo tinha do ministério derivava em parte da vida familiar. Paulo pintou uma família de servos de Deus, ao ilustrar seu próprio ministério apostólico aos tessalonicenses, na primeira carta a eles, 2:5-12. Usou como exemplos uma mãe que amamenta, e o pai. Sendo um apóstolo, Paulo poderia ter sido pago por seu trabalho, entre eles, de pregar o evangelho e de discípulá-los, ensinando-os. Porém, ele trabalhou arduamente dia e noite, para que não pensassem que ele era ganancioso. Uma mãe que cuida de seu filho, amamentando-o diuturnamente, forneceu o perfeito exemplo para o serviço de Paulo. Seus laços emocionais com o filho a impulsionavam no ministério de amor e devoção. Ela alimenta seu filho em contraste com o papel principal do homem. A mulher deve ser, no lar, a que nutre.  A ênfase que ela coloca nos relacionamentos foi o ímpeto maior do ministério de Paulo. Seu terno cuidado e disposição para sacrificar tempo e energia pelo bem-estar deles, imitava o mãe temente a Deus que cuida de seus filhos.

Por outro lado, Paulo também parecia o bom pai muito preocupado com a retidão de seus filhos e, aparentemente, com sua reputação. Paulo escreveu que o pai, dirigindo o desenvolvimento moral dos filhos, provou ser o perfeito

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exemplo para o apóstolo exortar, encorajar e pedir aos novos convertidos de Tessalônica que andassem nos caminhos do Senhor. Isso nos remete novamente à responsabilidade dos pais para com seus filhos: ensiná-los com retidão e treiná-los para terem esse padrão. Entretanto, o pai que ama aos seus filhos e deseja ter as bênçãos de Deus sobre eles, não implanta o legalismo sobre sua casa. Isso conduz à rebelião. Os cristãos não adquirem, nem mantém, o direito de estar perante Deus pelas coisas que fazem. Isso significa que através do relacionamento que temos com nossos filhos, nós, os pais, devemos, o mais que possamos, ensiná-los a trilhar o caminho da obediência a Deus. Paulo se aproveitou da observação de homens tementes a Deus que se preocupavam com a conduta de seus filhos.

Se um pai passivo educar seus filhos, eles serão passivos e propensos a serem dominados pelas mulheres. As filhas terão a tendência de dominar em todas as áreas da família, da Igreja e da sociedade. A mãe que não expressa sua emoção produzirá filhos que não poderão se relacionar com as pessoas. Tudo isso pode ser prevenido por pais e mães preocupados com o bem-estar de seus filhos, ensinando a eles os papéis do homem e da mulher na família, na Igreja e na sociedade. Tenho a impressão que Paulo tomou as características predominantes de seu pai e de sua mãe e as aplicou em seu ministério: os laços emocionais, que levam a mãe a se sacrificar e o desejo de ter filhos dignos de carregar o nome de família, como causa de maior envolvimento do pai. Nós devemos fazer o mesmo.

Conclusão

Uma Igreja é uma família.  Paulo a denomina “casa de Deus”, chama a salvação de “adoção de filhos”, nos descreve como “herdeiros”, diz a Timóteo que “trate ao ancião como a um pai”, chama aos cristãos de “irmãos e irmãs” e, para dirigir-se ao nosso Pai celestial, usa a expressão empregada pelas crianças para pai: abba. Todas essas descrições

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apontam para os relacionamentos que temos com Deus e uns com os outros.

Família são pessoas relacionando-se. Se um leitor do Novo Testamento busca relacionamentos, se verá sufocado pelas relações na Igreja, boas e más. A boa Igreja alimenta e constrói essas relações e não as substitui por uma interminável lista de atividades. As pessoas desejam relacionamentos sadios mais do que qualquer outra coisa. Não obstante, os membros das Igrejas domiciliares precisam estar preparados para se aproximarem uns dos outros - e se aproximarem muito! Imagine essa situação como a dos porcos-espinhos que, para se agasalharem no inverno, se encostam bem uns aos outros. Quanto mais pertos, mais sentem os espinhos. Quando se afastam, ficam enregelados. Então, é melhor suportar os espinhos!

O modelo de Igreja domiciliar lembra uma família por se reunir onde as pessoas vivem. As famílias que hospedam uma Igreja domiciliar e os membros que participam das reuniões terminam por criar laços que transformam a todos em uma um unidade. A atmosfera é real, não surreal. A conversação não compete com a abertura pelo órgão, as relações não competem com as roupas ou os carros, nem a verdade compete com a hipocrisia.

A Igreja que se reúne em uma casa também contribui com a espiritualidade familiar e melhor capacita o pai, como cabeça da família, a buscar o bem-estar da família. Uma Igreja domiciliar permite que, no tempo livre, se ensine a uma família o que representa ser um cristão no reino de Cristo e de Deus. De fato, não só permite que isso ocorra, mas coloca sobre o pai essa responsabilidade, pelo fato de que não existe ninguém mais designado para fazê-lo.  Não se pode delegar esse trabalho a um professor de escola bíblica dominical, a um líder de estudo bíblico, a um líder de jovens ou a um ministro – pelo simples fato de que nenhum deles existe em uma Igreja domiciliar. O ensino semanal não substitui o ensino paterno, apenas o complementa.

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14 - PREGANDO E ENSINANDO14 - PREGANDO E ENSINANDO

Beresford Job e Jon Zens

PRIMEIRA PARTE - POR BERESFORD JOB (1)

Por 1.900 anos a Igreja cristã tem se baseado principalmente em ensinos e práticas de outras fontes que não a Palavra de Deus. Isso nos tem legado coisas que precisam ser urgentemente corrigidas, no que concerne às práticas da Igreja. Parte desse legado é o fato de nos havermos afastado drasticamente da forma com que eram ministrados o ensino bíblico e as instruções coletivas na Igreja primitiva. O mais sério desvio é o que diz respeito à prática virtualmente universal da pregação, realizada por uma só pessoa, nas reuniões da Igreja no Dia do Senhor.

No Novo Testamento, entretanto, vemos coisa diferente. O que encontramos são Igrejas se reunindo aos domingos em domicílios, com uma dupla característica: primeira, esses cultos eram inteiramente abertos, participativos e espontâneos, do qual todos compartilhavam e no qual todos adoravam juntos. Por definição, essas reuniões não tinham um líder à frente; segunda, eles comiam a Ceia do Senhor juntos, como a principal refeição do dia. Então, com essa estrutura – que era a que os apóstolos usaram para estabelecer universalmente as Igrejas – temos, como conseqüência, que certas coisas não aconteceriam. Como, por exemplo, a constatação de que, numa estrutura como a descrita, não existia a mínima necessidade de edifícios sagrados ou religiosos. Por isso, não é surpresa o fato de que, no Novo Testamento, só encontrarmos Igrejas reunindo-se em domicílios. Outra coisa que não encontramos no Novo Testamento são cultos dominicais com dirigentes à frente, com as pessoas sentadas em fila, no estilo dos auditórios de hoje e com participação apenas em alguns cânticos e, talvez, no pequeno espaço de uma oração livre ou algo assim. Você não encontrará também no Novo Testamento qualquer coisa

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que se assemelhe, ainda que ligeiramente, a um sermão. E está claro que isso se devia ao fato de que tais práticas se contrapõem frontalmente à essência mesma de uma reunião dominical da Igreja. Os apóstolos estabeleceram Igrejas que, quando se reuniam no Dia do Senhor, seguiam estritamente essa regra: “cada um tem...” e “todos profetizarão, um após o outro”. (1Coríntios, 14:26 e 31). Eles estabeleceram Igrejas de tal maneira que houvesse encorajamento para que todos os reunidos participassem, criando-se em conseqüência um ambiente onde o Senhor estivesse livre para mover seu Espírito Santo pelos membros de Seu corpo. Qualquer idéia sobre reuniões da Igreja girando em torno do ministério individual de quem quer que fosse, ia completamente contra as Escrituras e as contradizia flagrantemente. Isso tudo não significa, entretanto, que não exista lugar para um tipo de ensino do povo de Deus, no qual uma pessoa predomine ao ensinar. O Senhor certamente provê as Igrejas de pessoas que são dotadas especificamente para isso. O Novo Testamento deixa claro que ensinar é um chamado e um dom do Espírito Santo. De fato, na Igreja da qual faço parte, nos reunimos todas as terças-feiras à noite para estudos bíblicos e nos esforçamos bastante para aprofundar nosso entendimento da Palavra de Deus. Porém, no Novo Testamento a reunião das Igrejas aos domingos era a oportunidade na qual esses dons eram exercitados de maneira particular. Nesses casos, a ênfase era sempre para a participação de todos, para que muitas pessoas compartilhassem algo, incluindo um pequeno ensino, em lugar de apenas uma pessoa predominando ou liderando de alguma maneira.

Enfim, isso nos ajuda a não enfatizar a idéia de liderança, nem a nossa desprezível inclinação para transformar em grandes homens àqueles melhores dotados de habilidade de ensinar ou de falar em público. Isso também ajuda a nos mantermos afastados de qualquer divisão clero/laicato e do sistema totalmente anti-bíblico de postos e cargos, dos líderes e liderados, que cria a hierarquia. E hierarquia é algo que a Igreja jamais deveria ter tido, já que a

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única ordem de subordinação, relacionada à vida da Igreja que encontramos no Novo Testamento, é aquela que coloca Jesus sobre todos os demais. Inclusive os anciãos – que é a liderança que toda Igreja bíblica deve ter, como um conjunto de homens co-iguais, levantados dentre aqueles aos quais servem – estão estritamente na categoria de “todos os demais”.

Além disso, essa maneira bíblica de fazer as coisas que estamos enfocando, cria um ambiente no qual as pessoas se sentem livres para questionar tudo o que é ensinado, com o propósito de testar e entender melhor o ensino que recebem. Acontece também que os que ensinam são defrontados com a responsabilidade de ministrar de tal forma que convençam aos que os ouvem, de que tudo que dizem é realmente bíblico. Isso ajuda a minimizar o perigo de que aqueles que são ensinados aceitem as coisas passivamente, apenas por serem provenientes dos líderes ou pela idéia tola de que é “política aceita pela Igreja” ou algo similar. A forma bíblica de ensinar cria também situações nas quais as pessoas questionam ativamente e entendem o que ouvem, em vez de aceitarem tudo como fato, e passivamente aquiescerem, como se estivessem de acordo. Em resumo, isso cria o tipo de crente que muitos líderes, de muitas Igrejas, mais temem: pessoas com as Bíblias abertas e de mentes livres, que não aceitam o que lhes é oferecido meramente pela autoridade de pretensos líderes, mas que os questionam e desafiam até serem persuadidos de que algo é ou não bíblico. Finalmente, libera as idéias e o entendimento de todos na Igreja e gera uma atmosfera de atitudes humildes, além da predisposição de todos aprenderem de todos. Também fica patente o fato, vitalmente importante, de que o Senhor habita em todo o Seu povo e, por isso, pode falar através de qualquer deles na Igreja e não apenas de uma elite de alguns escolhidos e dotados de fina oratória.

Precisamos tratar agora daquilo que, na mente de algumas pessoas talvez surja como uma objeção real e bíblica

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ao que estou escrevendo. Voltemos ao livro de Atos e vejamos um domingo em particular que Paulo passou com a Igreja em Troas: “No primeiro dia da semana, reunidos os discípulos para partir o pão, Paulo os ensinava, pois pretendia deixá-los no dia seguinte. Por isso, estendeu seu discurso até a meia-noite” (Atos 20:7).

Temos aqui os crentes em Troas reunidos para a principal reunião da semana e percebemos certas coisas (diga-se que nenhum estudioso da Bíblia faria objeção a qualquer das observações que irei fazer, pois são simplesmente matéria de fato textual): que a Igreja se reuniu no primeiro dia da semana, o domingo; que se reuniram todos na casa de alguém; que o texto grego nos diz que o propósito principal da reunião foi para partir o pão e que “partir o pão” se refere a uma refeição completa, provavelmente a Ceia do Senhor.

Agora, a coisa que quero enfocar aqui é que Paulo “falou às pessoas” e “continuou a falar até a meia-noite”. Isto certamente nos induz a pensar que, se Paulo estava discursando, os outros estavam simplesmente ouvindo. Se isso fosse verdade, então não havia muita participação espontânea, sem liderança, o que se poderia esperar, se tudo o que escrevi até aqui tem realmente sentido. Porém, há algo pior ainda, porque em certas traduções da Bíblia esse verso diz que “Paulo pregou para eles... e continuou seu discurso até meia-noite”. (N. do T. – Essa referência é a traduções da Bíblia em inglês, língua do autor). Isso não só soa como um sermão dominical, mas como o verdadeiro pai e a verdadeira mãe dos sermões feitos aos domingos, anteriores ou posteriores ao fato. Se esse versículo é para ser entendido assim, então Paulo não só pregou à Igreja, mas continuou até a meia-noite. Então, o que posso dizer quanto a isso, à luz deste artigo? Bem, é muito simples, pois temos aqui um exemplo de má tradução. O original grego não diz o que os tradutores quiseram fazer-nos crer. Lucas não empregou nenhuma das palavras gregas com o significado de “pregar” mas, ao contrário, Paulo descreve o que esteve fazendo até

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meia-noite com a palavra dialegomai - (dialegomai). E essa palavra, como qualquer estudioso de grego pode confirmar, significa conversar, discutir, arrazoar ou disputar com alguém. Ela denota uma discussão entre diferentes partes e é a palavra grega da qual derivou a expressão diálogo, da língua portuguesa.

Pregar é um monólogo e, em certos cenários da vida da Igreja, poderia ser correto. Estudos bíblicos do meio da semana, por exemplo, poderiam ser ministrados por uma pessoa, num monólogo, seguidos de perguntas. Mas, no Novo Testamento, quando o povo do Senhor se reunia aos domingos como Igreja, era um diálogo que ocorria e era precisamente o que Paulo fazia, no caso que analisamos. Certamente ele estava ensinando à Igreja e todos queriam aprender tudo o que pudessem dele, porém no formato de uma discussão e não no de algum tipo de monólogo. A reunião era participativa e interativa e, portanto, transcorria de acordo com a maneira com que foram estabelecidas as primeiras reuniões de Igreja aos domingos. Resumindo, Paulo estava simplesmente conversando com eles. Foi um diálogo e, tanto ele quanto a Igreja, estavam raciocinando juntos. Era recíproco, comunicação mútua, pergunta e reposta, ponto e contraponto, objeção e explanação! Paulo não estava situado em nenhuma plataforma elevada com todos os demais sentados silenciosamente, ouvindo o que ele falava – diferentemente, ele estava sentado no sofá da sala, conversando com eles. Realmente, como já disse antes, existe um tempo para algo mais formal, no estilo palestra ou conferência, mas mesmo nesses casos, quem está ensinando tem que saber que deve estar aberto a perguntas sobre o tema que estiver abordando. Não quero dizer com isso que as perguntas devam ocorrer durante a explanação. Deve-se aguardar o fim dela, para então serem formuladas fluentemente as perguntas. E que fique também bastante claro que, seja lá quem for que esteja ensinando é simplesmente um dos irmãos e não alguém especial ou espiritualmente elevado, apenas

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por ser de alguma maneira mais bem dotado. Nos estudos bíblicos das terças-feiras à noite, na nossa Igreja, eu faço parte das sessões de discussões e de ensinos do tipo interativo e usamos o estilo de palestras (ou conferências) apenas como um dos vários recursos dentre aqueles dos quais nos valemos.

Permita-me terminar, deixando claro que estamos distantes de minimizar o ensino bíblico na vida das Igrejas cristãs. Longe disso! Em primeiro lugar, nenhum de nós estaríamos falando dessas coisas, se não tivéssemos tido um sólido ensino bíblico e se não tivéssemos interessados tanto em receber ensinamentos quanto em transmiti-los a outros. Estamos apenas dizendo que precisamos começar a fazer as coisas certas e biblicamente corretas. E, para isso, devemos voltar a estar alinhados com o que a Palavra de Deus ensina, em vez de permanecer apegados a tradições antigas, porém inteiramente anti-bíblicas.

As Igrejas precisam de ensino contínuo e consistente, não há dúvida, mas elas precisam de outras coisas também – e fazer certas coisas bíblicas, a expensas de outras coisas igualmente bíblicas, é um grande erro.  Os apóstolos esperavam que, quando os crentes se reunissem nas respectivas Igrejas no dia do Senhor, ocorresse que “Quando vos congregais, cada um de vós tem...” (1Coríntios 14:26). Assim é que deve ser! Nem mais nem menos!

Você entendeu? Ótimo. É bastante simples, não é? Depois de tudo, de quem acreditamos vir as melhores instruções: de Jesus e de seus discípulos ou de alguém mais?

SEGUNDA PARTE - POR JON ZENS (2)

Nos últimos meses várias pessoas têm me feito perguntas sobre o lugar apropriado dos “estudos bíblicos” na assembléia. Para os que pertencem a Igrejas tradicionais, a citação acima (1Cor 14:26) cumpre-se com a ida cada domingo ao templo, para ouvir um “sermão”.

Aqueles que se sentem impelidos a levar a cabo a ekklesia em ambientes mais informais, usualmente têm

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perguntas sobre como o “ensino” se encaixa no novo esquema de coisas.

Muitos irmãos, reagindo à anterior centralização do púlpito, ficam desconfiados ao serem “ensinados” por alguém ou temem que uma pessoa chegue a dominar o ensino. Alguns sentem que as reuniões devem ser centralizadas nos problemas de relacionamento, em lugar de serem estudos bíblicos. Outros entendem que deve haver ensino todas as semanas ou os santos secarão. O que podemos aprender do Novo Testamento, que nos ajude a colocar essas preocupações numa perspectiva apropriada?

Depois que 3.000 pessoas creram e foram batizadas, elas “perseveravam na doutrina dos apóstolos (didache - didach) e na comunhão (koinonia - koinwnia), no partir do pão e nas orações (proseuche - proseuch)” (Atos 2:42). Vemos aqui quatro características principais que marcaram a vida em comum dos crentes. Os apóstolos se envolveram imediatamente no ensino do rebanho. Isso deixa claro que o ensino é muito importante para a ekklesia. Porém, o ensino ocorria em ambiente de koinonia, com todos comendo e orando juntos.

Entre os muitos dons que Cristo deu ao Seu povo, a alguns Ele deu o de mestre (Efésios, 4:11). Tiago diz que “meus irmãos, não sejais muitos de vós mestres, sabendo que receberemos um juízo mais severo” (Tiago 3:1). Paulo diz que cada pessoa deve exercer com liberdade o dom com que o Senhor o distinguiu “se é ministério, seja em ministrar” (Romanos 12:6-7). E, em 1Coríntios 12:28-29, Paulo, ao perguntar “sois todos mestres?”, enfatiza o fato de que Cristo nunca pretendeu que todos tivessem o mesmo dom. Por outro lado, o escritor de Hebreus repreende a todos os irmãos por sua falta de crescimento, ao dizer que eles, já devendo ser mestres, depois de tanto tempo, ainda tinham necessidade de que lhes fossem novamente ensinados os rudimentos da Palavra de Deus (conf. Hebreus 5:12). Bem, embora tenhamos claro que apenas alguns são dotados como mestres, todos os do povo de Deus devem ser “mestres” no

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sentido mais amplo de contribuir para a geral edificação do corpo, de acordo com seus dons. Obviamente, os dons variarão grandemente em cada grupo de crentes mas, se o Senhor os reuniu, podemos estar certos de que “... Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis” (1Coríntios 12:18). Algumas assembléias terão vários irmãos com dom de ensino, algumas apenas um e outras talvez sintam que não dispõem de nenhum. A coisa principal a ser levada em conta é que todos os crentes têm o Espírito Santo (a “unção”) e são capazes, em algum nível, de compartilhar Cristo, de demonstrar discernimento, de cuidar uns dos outros e de entender as Escrituras. Quando se reúnem todos em Seu nome, têm toda a razão de esperar a presença de Cristo (Mateus 18:20). Em uma reunião de crentes, cada pessoa tem a responsabilidade de assegurar-se de que não está dominando e, como conseqüência, reprimindo aos demais. Se acontecer de haver um só mestre, deve-se cuidar para que seu dom não acabe gerando dominação. Se aparentemente não houver nenhum mestre no grupo, então o corpo deve trabalhar arduamente e confiar no Senhor para a edificação, mediante a participação múltipla. Estamos acostumados à idéia de que um professor deve ter uma formação em Escola Bíblica ou seminário. Este não é um pensamento bíblico. Não devemos sucumbir ante o culto ao especialista, mas também precisamos cuidar de não emudecermos algum dom dos crentes. Em Atos 20:7, somos especificamente informados de que o propósito das reuniões dos santos era o de “partir o pão” e não ouvir ensinamentos. Ainda assim, no curso desta reunião em particular – que seria a última de Paulo na cidade - o apóstolo “dialogou” com os crentes por longo tempo. O que Paulo tinha a dizer era o “filé” da reunião, mas o que houve não foi um monólogo. Foi um discurso com interação. Isso mostra que, embora a razão de ser do encontro fosse a refeição (a Ceia do Senhor), ainda fora possível que o ensino tivesse lugar.

Evidentemente os coríntios sentiram que todos deveriam falar em línguas. Eles estavam concentrados em

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certas manifestações visíveis do Espírito. Nos capítulos 12 e 14 de 1Coríntios, Paulo corrige isso. No capítulo 14, ele deseja que a espontaneidade e a multiplicidade continuem, mas, no geral, ele deseja que a profecia seja central e que tudo seja feito para edificação. Profecias dadas por “todos” resulta em edificação, encorajamento, conforto e instrução (1Coríntios 14:3,31). No versículo 26, Paulo; menciona algumas das muitas contribuições que os santos podem dar à assembléia e uma delas é ”ensinar”. Assim, como não devemos proibir as línguas (se houver interpretação), também não devemos proibir o ensino!

Algo que poderia ajudar as assembléias em todos esses assuntos envolvendo “ensino” é que elas aprendessem a estudar a Bíblia juntas, com uma visão voltada a discernir a Palavra do Senhor e a agir segundo ela. Desde que estamos cercados por tanto falso ensino, é vital para as ekklesias pesquisar as Escrituras para que se veja o que é verdadeiro. Por exemplo, em uma variedade de temas, como oração, anjos, vida do corpo, humildade e amor, é certamente possível a um grupo de crentes simplesmente copiar de uma concordância ou artigo em um computador uma seleção de versículos para estudo e oração. Nas Igrejas primitivas as cartas apostólicas eram lidas para a assembléia. Isso é o que as assembléias devem fazer de uma forma regular. Deve-se enfatizar que todo manejo da Palavra de Deus pela Igreja não deve ser encarado como um exercício acadêmico e intelectual. Nossa meta deve ser a exaltação de Jesus Cristo juntos e a obediência ao que revela Sua Palavra.

As congregações terão suas fortalezas e debilidades. Algumas estarão bem enraizadas em sólido ensino, porém fracas em oração. Outras se sobressairão por cuidados mútuos, mas serão fracas em algumas verdades dos Evangelhos. A tendência geral que tenho visto é que as Igrejas tendem a ter muita doutrina, com muito pouca vida em comum ou a estarem centradas em experiências subjetivas com pouco ensino de qualidade.

Qual o motivo de separarmos o que Deus uniu? Deveríamos nos esforçar por cuidarmos praticamente uns

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dos outros, como Paulo exortou, desejando reter o ensino saudável. Para isso, os irmãos devem avaliar permanentemente suas vidas em comum, à luz do texto de Atos 2:42 e abertamente discutirem as áreas nas quais precisam crescer.

Tiago 1:19 nos exorta a sermos “rápidos no ouvir, mas tardos para falar”. Em qualquer grupo de santos existirão aqueles que tendem a falar muito, os que são reticentes e outros que ficarão no meio-termo. Os que estão sempre prontos a falar precisam ser cautelosos e se certificarem de não sufocarem a iniciativa dos outros. Eles precisam ter cuidado de não dominar ou intimidar através de um tom dogmático, que acaba com qualquer discussão. Aqueles que são hesitantes ao falar precisam de uma atmosfera de aceitação e amor na qual se sintam encorajados a compartilhar o que o Senhor lhes oferece. Se nossas reuniões forem realmente abertas, então precisamos estar sensíveis para a direção indicada pelo Espírito. Precisamos estar dispostos a colocar as necessidades dos outros acima das nossas próprias. Por exemplo, se um grupo tem novos convertidos, pessoas vindas de alguma seita ou alguém que acaba de sofrer algum trauma que lhe modificou a vida, necessitarão que nos concentremos em suas necessidades em particular.

Um grande problema para nós é a não predisposição de ouvir atentamente os problemas de outros do grupo. Se realmente nos amamos, precisamos desejar participar realmente dos problemas que existem no coração dos outros. Talvez possamos pensar que sua pergunta ou preocupação estão deslocadas, são irrelevantes ou não é um problema para nós, mas se valorizamos aquelas pessoas, iremos considerar seriamente cada uma de suas palavras. Dessa forma, se você está tendo pensamentos do tipo “este lugar está se tornando num árido seminário”, “não posso tolerar os princípios teológicos que estão sendo oferecidos”, “tudo o que falamos é sobre as experiências das pessoas, nada sobre a Palavra”, “nós estudamos muito a Bíblia, mas não oramos o bastante”, “todas as semanas fazemos quase a mesma

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coisa”, “cada vez que termina a reunião me sinto deprimido, em vez de animado” ou “sinto que há um desequilíbrio doutrinário”, então você precisa falar com os irmãos e irmãs. O problema pode ser seu e de suas percepções equivocadas, mas quando as pessoas têm perguntas desse tipo, elas precisam ser adequadamente discutidas. Esse é o motivo pelo qual parece ser sábio para uma assembléia discutir periodicamente como vai sua vida em comum, para que os desequilíbrios sejam cortados pela raiz.

A química de cada assembléia é única. O Espírito tomará das coisas de Cristo e as aplicará às nossas circunstâncias.  O que funciona em um grupo talvez não faça sentido em outro. Porém, nada funcionará, a menos que os irmãos estejam comprometidos em perseguir o Evangelho juntos, em humildade e amando uns aos outros. Os componentes básicos da vida da Igreja são dados no Novo Testamento e as probabilidades são altas, de que cada assembléia tenha debilidades com as quais não tenha trabalhado e que exijam transformação e arrependimento (veja o ótimo exemplo das sete ekklesias que Cristo avaliou). Além do valor de estarmos juntos, precisamos da mistura apropriada de ensino, cantos, refeições, louvores, orações, afeto e muitos outros atributos que nos ajudem a ser saudáveis. A maioria de nossas preocupações sobre como o ensinar se expressa em uma  assembléia, estariam provavelmente resolvidas se acontecessem mais discussões francas, com a participação de todos e se todos ouvíssemos mais uns aos outros.

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15 - A AUTORIDADE DO PASTOR15 - A AUTORIDADE DO PASTOR

Hal Miller

Autoridade parece ser o assunto do momento para os cristãos. Pessoas escrevem livros após livros e fazem sermões após sermões sobre quem tem autoridade sobre quem e porque. Professores devem ensinar com autoridade, maridos reivindicam autoridade sobre suas esposas, “pastores” precisam de autoridade sobre suas “ovelhas”. Não podemos falar sobre Igrejas sem nos concentrarmos no seu governo. Parece que somos incapazes de pensar no casamento sem perguntar quem tem autoridade nele. Nem mesmo atentamos para a Bíblia, sem que antes primeiramente tenhamos ouvido as últimas sobre sua autoridade. Isso parece um sério problema.

Talvez o problema seja maior nos Estados Unidos, pois usualmente nos imaginamos como não sujeitos a qualquer autoridade (N. do T. – O autor deste artigo é norte-americano). Pensamos em nós mesmos como “livres”, capazes de fazer o que quisermos, ainda que nossas vidas estejam repletas de pessoas e estruturas que exigem nossa obediência. O policial na esquina e o pessoal do Imposto de Renda têm autoridade. Autoridade não é apenas a possibilidade de obrigar as pessoas a agirem de determinada forma. Isso se chama “poder”. Poder é compartilhado pelos policiais e pelos ladrões, embora só os policiais tenham “autoridade” – a capacidade moralmente legítima de obrigar aos outros. Na verdade, esta é a nossa noção comum de autoridade: a capacidade de obrigar aos outros, respaldado (se necessário) pela força. Porém, essa noção não funciona quando transferida para contextos cristãos. Jesus e seus discípulos tinham uma visão muito diferente de autoridade.

O inquietante ensinamento de Jesus com respeito à autoridade entre Seus seguidores contrasta com a experiência deles em quaisquer outras sociedades. Ele

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lhes disse: os reis dos gentios se apossam das nações e aqueles que sobre elas têm autoridade são chamados “benfeitores”. Eles exercitam seu poder e tentam (com mais ou menos sucesso) fazer o povo pensar que isso é para seu próprio bem. Mas, na Igreja não deve ser assim. Nela, pelo contrário, aquele que lidera deve ser um servidor e aquele que é o maior deve ser como o mais jovem (Lucas 22:24-27). Antes que passe o impacto disso, você deve parar para refletir que o mais jovem e o servidor são precisamente aqueles sem autoridade no senso mundano normal. Não obstante, assim é a liderança entre o povo de Jesus.

Desafortunadamente, quase sempre nos esquivamos da força deste perturbador ensino transformando-a em retórica piedosa. Fazemos o estilo de “servos”, mas atuamos como reis das nações exercendo autoridade. Porém, mesmo os reis das nações tratam de fazer com que sua autoridade seja aceitável, legitimando-a com uma retórica piedosa – por isso, se auto-intitulam “benfeitores”. Então, de que forma somos diferentes? Se desejarmos viver como seguidores de Jesus, devemos considerar seriamente Seu critério, de que líderes são como crianças e servos são sem autoridade.

O aspecto mais óbvio do que o Novo Testamento tem a dizer sobre liderança e autoridade é a falta de ênfase que nele se percebe, sobre o assunto. Por exemplo, de todas as principais cartas de Paulo, só em Filipenses 1:1 se faz uma menção passageiras aos líderes. No geral, ele ignora o assunto, como o fazem outros autores bíblicos. Os primeiros seguidores de Jesus permaneceram em silêncio a respeito de liderança e autoridade. Esse silêncio é bastante significativo.

O Novo Testamento usa duas palavras que correspondem a diferentes aspectos do que queremos dizer com “autoridade”. A primeira, dunamis - (dunamiv), é usualmente (e corretamente) traduzida por “poder”. Esta palavra é menos importante para nós, pois embora “poder” possa ser associado a alguns tipos de autoridade, também pode existir sem autoridade. Alguém

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que porte uma arma tem poder sobre os demais, porém isso não lhe confere necessariamente autoridade.

Ainda assim, valeria a pena ver quem tem dunamis (poder) no Novo Testamento. Se recorrer a uma concordância bíblica, você encontrará que possuem poder: Deus, Jesus, o Espírito, assim como os anjos, demônios e “principados e potestades”. Estranhamente, seres humanos não têm poder em si mesmos, sendo energizados apenas por esses outros poderes. O ministério do evangelho, os milagres dos apóstolos e a vida dos crentes são todos condicionados ao “poder de Deus”. Surpreendentemente, o Novo Testamento raramente (se tanto) reconhece seres humanos com “poder” em si mesmos – o poder sempre chega às pessoas de alguma outra fonte.

As coisas se tornam mais interessantes quando nos voltamos para outra relevante palavra grega: exousia – (exousia). Esta palavra é usualmente traduzida como “poder” ou “autoridade” e é o mais próximo equivalente que temos à nossa palavra “autoridade”. O novo Testamento enumera como quem tem exousia - (exousia) essencialmente aqueles que têm dunamis - (dunamiv): Deus, Jesus, o Espírito Santo, anjos e demônios. Porém, agora a lista se estende àqueles humanos que não somente são energizados por autoridade do alto, mas que também têm autoridade em si mesmos.

Vemos então que reis têm autoridade para governar (Romanos 13:1-2) e os discípulos de Jesus têm autoridade sobre as doenças e espíritos (Mateus 10:1). Os crentes têm autoridade sobre várias facetas de suas vidas: suas posses (Atos 5:4), o comer, o beber e o casarem-se (1Coríntios 11:10). O que é surpreendente, entretanto, é que o Novo Testamento não diz uma palavra sobre um crente tendo autoridade sobre outro crente. Temos plena autoridade sobre coisas e até sobre os espíritos, mas nunca sobre outros cristãos!

Considerando toda a ênfase que demos à discussão acerca de quem tem autoridade na Igreja, isso

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deve ser surpreendente. Reis têm autoridade sobre seus súditos; Paulo tinha autoridade outorgada pelo sumo sacerdote para perseguir aos cristãos (Atos 9:14 e 26:10-12). Porém, na Igreja, não se fala de nenhum crente que tenha exousia – (exousia), sobre outro, independente de sua posição ou prestígio. O Novo Testamento nada fala sobre um crente ter autoridade sobre outro crente. Temos autoridade plena sobre coisas, até sobre espíritos, mas jamais sobre outros cristãos, com exceção das passagens em 2Coríntios 10:8 e 13:10, onde Paulo nos fala sobre ter “autoridade” para edificar, não para destruir. Isso faz parecer que, pelo menos ele, tinha exousia – (exousia), sobre outros crentes. É verdade que alguém tem que superinterpretar os textos, para transformá-los em uma verdadeira exceção, já que em ambos os casos não se fala de autoridade “sobre” alguém, mas autoridade “por” um propósito.

Ainda que aceitando que esta superinterpretação seja plausível, a exceção dificilmente seria verdadeira, quando levamos em conta duas coisas: primeira, Paulo, nessa parte de sua carta, está falando “como louco”, como ele mesmo admite. Ele evita reclamar autoridade sobre outros, quando fala “sobriamente” e é improvável que se sentisse satisfeito conosco usando seu “louco” discurso como base única para reclamar que os líderes da Igreja tenham autoridade espiritual sobre outros crentes; segunda, o contexto da carta é caracterizado pela persuasão. O profundo significado disso ficará claro no devido tempo.

Paulo usa de muita conversa, tratando de persuadir aos coríntios a que o escutem. Se ele “tinha autoridade” sobre eles, no conceito que temos dela, então qual a razão para a preocupação? Por que simplesmente não dar as ordens e pronto? A resposta, como veremos, reside na natureza peculiar da relação entre os líderes e os outros crentes.

Porém, antes de tratarmos disso, devemos evidenciar que Paulo carecia de autoridade, no sentido com que o mundo a usa normalmente (poder moralmente legítimo), inclusive aqui onde supostamente ele mesmo o afirma. Isso

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nos deve prevenir bastante no sentido de não basearmos a autoridade dos líderes meramente nas duas frases em 2Co.

Agora, analisemos as coisas de outro ângulo. Em vez de perguntar quem tem autoridade no Novo Testamento, devemos fazer a pergunta oposta: “A quem deve alguém obedecer?”. A resposta também é interessante: se fizermos uso de hupakouo - (upakouw), que é o equivalente grego a “obedecer”, você verá que devemos obedecer a Deus, ao Evangelho (Romanos 10:16) e ao ensino dos apóstolos (Filipenses 2:12 e 2Tessalonicenses 3:14). Crianças devem obedecer aos seus pais e trabalhadores aos seus patrões (Efésios 6:1-5). Porém, devem os crentes obedecer aos líderes das Igrejas? Se assim o é, os escritores do Novo Testamento diligentemente evitaram dizê-lo. 

Mas, o que dizer de Hebreus 13:17, que prescreve “obedeçam aos seus guias?”. Este texto é interessante, pois ele pode oferecer-nos uma visão do lado positivo do entendimento a respeito da liderança no Novo Testamento. Até agora, coloquei ênfase no negativo – que as lideranças não têm autoridade no nosso sentido usual e que os crentes não são chamados a obedecê-las. Porém, apesar de tudo isso, o Novo Testamento mostra que existem líderes nas Igrejas locais, que são reconhecidos como tal e que suas existências e ministérios são importantes p/ a saúde do corpo.

Qual é o lado positivo desse entendimento de liderança? Em Hebreus 13:17 há uma pista. Se você examinar o verbo traduzido por “obedecei” no texto citado, descobrirá que ele é uma forma da palavra peitho - (peiyw), que significa “persuadir”. Na forma usada aqui, ele significa algo como “deixe-se persuadir por” ou “tenha confiança em”. Isso nos é de valia. Os crentes devem deixar-se persuadir por seus líderes. E o resto da Igreja deve ser “parcial” a favor, ao ouvir o que ele tem a dizer. Devemos permitir-nos ser persuadidos por nossos líderes, não os obedecendo cegamente, porém argumentando com eles e estando abertos para o que

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estejam dizendo. (Agora fica claro, por que era tão importante que as declarações de Paulo em 2Coríntios estivessem em um contexto de persuasão. Ele estava tentando persuadir aos outros a se deixarem persuadir por ele).

O outro verbo usado em Hebreus 13:17 reforça essa conclusão. Quando o texto destinava-se a exortar as pessoas a que se “submetessem” aos líderes, não era empregada a palavra grega p/ “submeter”.  A palavra usada é hupotassomai - (upotassw), que designa algo como alguém se introduzir em uma organização sob o mando de outra pessoa. Assim, algumas vezes somos instruídos a nos submeter aos governos (Romanos 13:1, Tito 3:1), aos papéis sociais aos quais estamos obrigados (Colossenses 3:18 e 1Pedro 2:18) e às “instituições humanas” de nossa sociedade (1Pe 2:13).

A palavra aqui, porém, é diferente. Ela é hupeiko - (upeikw), e ocorre somente aqui, no Novo Testamento. Ela denota não uma estrutura à qual alguém se submete, mas a uma batalha depois da qual alguém se rende. A imagem é de uma séria discussão, um intercâmbio, depois do qual uma das partes se entrega. Isso encaixa perfeitamente com a noção de que devemos nos deixar persuadir pelos líderes da Igreja, em lugar de simplesmente nos submetermos a eles como poderíamos fazer ante os poderes existentes e as estruturas da vida.

Tudo isso faz sentido, no critério de anciãos ou supervisores nas epístolas pastorais. Nesses escritos, caráter – e não carisma ou capacidade administrativa – é a coisa mais importante sobre os líderes. Eles devem ser “respeitáveis”. Se supusermos que eles devem ser persuasivos, então faz sentido que devam ser altamente respeitáveis, pois esse é o tipo de pessoa cujas palavras nos inclinamos a considerar muito seriamente. O tipo de respeitabilidade definido aqui acrescenta credibilidade à palavra dos líderes e, portanto, nos dá a confiança de nos abrirmos para sermos persuadidos por eles.

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Porém, há mais. A capacidade de persuasão desses líderes depende da verdade. Provavelmente, se os líderes erram em seus julgamentos, mas estão seriamente empenhados em servir, não ficarão felizes se alguém os acompanhar no erro. Um líder que tenha carisma, para fazer as pessoas acreditarem em algo que não e verdadeiro, e o faz, é verdadeiramente demoníaco. Ser persuadido de uma mentira é a pior forma de escravidão. Os líderes da Igreja estão atados à verdade e a defendem acima de tudo, no seu serviço aos outros.

Essa necessidade de servir à verdade é a razão pela qual o Novo Testamento enfatiza a obediência ao evangelho ou ao ensino dos apóstolos, em lugar do ensino dos líderes. A confiança gerada pelo serviço é perigosa se não estiver coordenada com uma cotidiana obediência às verdades do evangelho. Se o busca da verdade não for a base da liderança do corpo, a verdade que se pode criar pelo serviço é outra, uma forma mais sutil de poder – o poder ao qual chamamos manipulação.

A persuasão pressupõe diálogo – e o diálogo requer a participação ativa de todo o corpo. Nosso entendimento comum de autoridade isola os líderes e os coloca acima dos que estão sob sua autoridade. A liderança de serviço genuíno, no entanto, tem suas bases no diálogo que o acompanha. Os líderes da Igreja não precisam da retórica piedosa dos reis nem da força que existe por trás dela. Ao contrário, por serem persuasivos, eles podem confiar no diálogo como o campo e o canal de seu serviço.

Assim, a genuína liderança da Igreja é baseada no serviço, na verdade e na confiança e não na autoridade. Líderes da Igreja são chamados pela verdade que emana de suas vidas, dignas de serem imitadas e respeitadas, verdadeiras vidas de serviço. Esse tipo de vida gera a confiança dos demais. Assim, os líderes, como os demais membros do corpo, estão sempre em comum sujeição à verdade que está em Cristo.

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16 - 16 - MINISTÉRIOS DE TEMPO INTEGRALMINISTÉRIOS DE TEMPO INTEGRAL

Steve Atkerson

São famosas as palavras de Jesus que dizem “mais bem-aventurado é dar do que receber“. Porém, nem tão familiar é o contexto no qual essa verdade foi registrada. Essas palavras de Jesus não são encontradas em nenhum dos quatro evangelhos. Elas são mencionadas pelo apóstolo Paulo quando discursando numa conferência de pastores (Atos 20:32-35). É espantoso, mas Paulo estava instruindo aos pastores a estarem na posição de doar prata, ouro e roupas à Igreja, ao invés de receber dela!

Atos 20

À luz do que Jesus disse, devem os pastores ganharem o sustento da Igreja? Em Atos 20, Paulo deu aos anciãos efésios instruções específicas sobre suas tarefas como líderes. Sobre as finanças, Paulo declarou que não cobiçou a prata ou o ouro de ninguém e que ele, de fato, pagou suas despesas “trabalhando arduamente” (20:34-35) com suas mãos. Seguindo o exemplo de Paulo, os anciãos deveriam ganhar seu sustento de um emprego secular, sendo aptos a ajudar aos necessitados e vivendo realmente as palavras de Jesus que dizem que é mais abençoado dar do que receber. Assim, Atos 20:32-35 deixa claro que os anciãos devem estar geralmente em posição de dar à Igreja e não de receber dela.

1Coríntios 9

Então, como interpretar 1Coríntios 9:14 onde está estabelecido àqueles que proclamam o evangelho “que vivam do evangelho”? Podemos observar em 1Coríntios 9 que, pelo menos, três grupos de pessoas retiravam seu sustento do evangelho durante os tempos do Novo Testamento: Os

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apóstolos (9:1-6), os irmãos do Senhor (9:5) e os evangelistas (9:14). De acordo com Paulo, vários fatores se combinam para justificar essa verdade:

Uma “visão humana” (soldado, trabalhador nos parreirais, pastor de ovelhas)

A “Lei de Moisés” (sacerdotes do templo) Princípios espiritual-lógicos (semente espiritual /

colheita material), 9:11. As palavras de Jesus, 9:14.

De uma “humana visão” meramente (9:8), Paulo perguntou: “Quem jamais vai à guerra à sua própria custa? Quem planta a vinha e não come do seu fruto? Ou quem apascenta um rebanho e não se alimenta do leite do rebanho“? A resposta é óbvia. Todos retiram seu sustento do seu trabalho, assim como deve ocorrer com os apóstolos, evangelistas e missionários.

Então, da “Lei” (9:8) Paulo conclui a mesma verdade: “Não atarás a boca do boi, quando pisa o trigo“ (9:9). Aplicado aos apóstolos, Paulo perguntou: “Acaso é com bois que Deus se preocupa? Ou é, seguramente, por nós que ele o diz”? (9:9-10). Se os bois podem comer do trabalho que executam, os apóstolos também podem! Em 9:13, Paulo apoiou-se no exemplo dos sacerdotes do Velho Testamento, perguntando: “Não sabeis vós que os que prestam serviços sagrados do próprio templo se alimentam? E quem serve ao altar, do altar tira o seu sustento?” (9:13). Paulo também evidenciou um importante princípio espiritual de semeadura e colheita: “Se nós vos semeamos as coisas espirituais, será muito recolher de vós bens materiais?” (9:11). Paulo concluiu que esse “direito” poderia ser, no seu caso, em “maior medida” (9:12).

O argumento final de Paulo encontra-se nas palavras de Nosso Senhor que “ordenou também... aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho”

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(9:14).  Se isso é válido para os evangelistas, é válido também para os apóstolos.

A passagem 1Coríntios 9 trata especificamente dos direitos de um apóstolo, alguém comissionado por Jesus ou pela Igreja, para viajar evangelizando e estabelecendo Igrejas (a palavra missionário não é encontrada nas Escrituras; esses irmãos eram chamados evangelistas). Como fica claro no texto, todas essas pessoas tinham o “direito” (9:12) ao sustento financeiro. Seria errado aplicar essa passagem aos anciãos? Desde que Paulo abriu mão de seu “direito“ (9:12) apostólico de “se servir“ (retirar seu sustento) do evangelho (9:15 e 18), o exemplo que ele deu aos anciãos efésios parece ser obrigatório (veja também 1Tessalonicenses 2:9 e 2Tessalonicenses 3:7-9).

Inesperadamente, depois de escrever persuasivamente sobre os direitos de um apóstolo em 1Coríntios 9, Paulo então acrescenta: ”Mas eu de nenhuma destas coisas tenho usado. Nem escrevo isto para que assim se faça comigo; porque melhor me fora morrer, do que alguém fazer vã esta minha glória” (1Coríntios 9:15). Se Paulo não escreveu isso com a intenção de obter apoio material dos coríntios (9:15), então qual a razão de tê-lo feito? Em resumo, 1Coríntios 9 é uma observação “entre parêntesis”. Paulo começa o tópico principal em 1Coríntios 8 e se refere à não existência de impedimento para outros (alimentos sacrificados aos ídolos, 8:9). Paulo abriu mão de seu direito de salário integral (1Coríntios 9), ilustrado pela declarada intenção de “não criar qualquer obstáculo ao evangelho” (9:12-15). Então, em 1Coríntios 10, Paulo continuou com seu tópico principal, concluindo com ”Portanto, quer comais quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus. Não vos torneis causa de tropeço nem a judeus, nem a gregos, nem a Igreja de Deus” (1Coríntios 10:31-31). Assim, o objetivo de Paulo ao escrever 1Coríntios 9 não foi limitar ou ampliar as categorias dos que teriam direito ao sustento por parte da Igreja. O que ele fez foi meramente uma ilustração. Dessa forma, fica revelada a abordagem bastante liberal de Paulo quanto ao sustento dos trabalhadores na obra de Deus:

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“Acaso, é com bois que Deus se preocupa”? e “Se nós vos semeamos as coisas espirituais, será muito recolhermos de vós as materiais“?

É verdade que 1Coríntios 9 trata especificamente dos direitos dos apóstolos, não dos anciãos. Porém, baseados nos princípios expressos em 1Coríntios 9, poderia um ancião estar cometendo pecado ao receber seu sustento da Igreja? É claro que não! Apoiados apenas em Atos 20, poderíamos concluir que os pastores (anciãos) não receberiam salário integral pelos seus ministérios. Entretanto, Atos 20 não é a única passagem tratando desse assunto. Também a citada 1Coríntios 9 o faz, assim como 1Timóteo 5 (abaixo).

1 Timóteo 5

Timóteo, companheiro de viagem e amado apóstolo de Paulo (1Timóteo 1:1 e 2:6) temporariamente habitando em Éfeso, fora ali deixado por Paulo para combater doutrinas estranhas surgidas na Igreja (1Timóteo 1:3). Concernente aos mesmos anciãos efésios, como em Atos 20, Paulo escreveu que os anciãos que haviam feito um bom serviço dirigindo os interesses da Igreja e que haviam trabalhado arduamente “pregando e ensinando” eram merecedores de “dobrados honorários” (1Timóteo 5:17) (Nota do tradutor: algumas versões em português usam a expressão duplicada honra, como a Edição Revista e Corrigida, da SBB). Então, usando exatamente os mesmo argumentos de 1Coríntios 9:9, 1Timóteo 5:18 afirma: “Porque diz a Escritura: ‘Não atarás a boca ao boi quando debulha. E: digno é o trabalhador do seu salário’”. Esse paralelo não pode ser minimizado. As implicações são claras.

Mas, a palavra honra (ou, em algumas traduções, honorários) significaria pagamento, salário? Não. A palavra grega time - (timh), representa “respeito”. Existe uma expressão grega para pagamento, é mistos - (misyov) e, significativamente, ela é usada em 1Timóteo 5:18 (sobre empregados), mas não em 1Timóteo 5:17 (sobre anciãos).

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Time - (timh) pode, em certos contextos, significar preço. Mas, desde que preço é a importância requerida por uma coisa que é vendida por outrem, não faz sentido nesta passagem (estariam os anciãos à venda?). Essa mesma palavra time - (timh) é empregada na seqüência imediata em 1Timóteo 6:1: “Todos os servos que estão debaixo do jugo considerem seus senhores dignos de toda honra”. Deveriam os escravos pagar aos seus mestres? Uma aplicação prática dessa honra é que uma acusação levantada contra um ancião não deve ser considerada a não ser que seja comprovada por mais de um a testemunha (1Timóteo 5:19). Essa passagem segue logicamente 5:17-18 se honra referir-se a respeito (uma acusação envolve desonra), mas não se aplica adequadamente se honra disser respeito a pagamento. Um bom verso paralelo é 1Tessalonicenses 5:121-13, no qual a Igreja em Tessalônica foi exortada: “Ora, rogamo-vos, irmãos, que reconheçais os que trabalham entre vós, presidem sobre vós no Senhor e vos admoestam; e que os tenhais em grande estima e amor, por causa da sua obras”.

Entretanto, a palavra grega time (timh) é também usada anteriormente na passagem sobre os anciãos. Em 1Timóteo 5:3, honra deve ser dada às viúvas que realmente estejam necessitando de apoio para seu sustento. Essa ocorrência da palavra time - (misyov) obviamente visa garantir às viúvas mais do que respeito! Doar às viúvas alimentos, ajudá-las no serviço de casa e do quintal, visitá-las, oferecer-lhes abrigo se necessário e, claro, também assistência financeira, essa é a idéia! Esse conceito de honra, referente a apoio material, foi o claramente pretendido por Jesus, em Marcos 7:10. A Lei de Moisés exigia: “Honra ao teu pai e à tua mãe”. Desgostoso com os líderes religiosos judeus, disse Jesus: “Mas vós dizeis: Se um homem disser a seu pai ou a sua mãe: Aquilo que poderias aproveitar de mim é Corbã, isto é, oferta ao Senhor, não mais lhe permitis fazer coisa alguma por seu pai ou por sua mãe, invalidando assim a palavra de Deus pela vossa tradição que vós transmitistes” (Marcos 7:11-13). Assim, fica claro que é possível que, honrar

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a um ancião, possa incluir oferecer a ele um presente de amor, uma oferta.

Então, porque Paulo usou time (timh) (honra), ao invés de (ordenado) mistos - (misyov) em 1Timóteo 5:17? Provavelmente porque o relacionamento dos anciãos com a Igreja não é empregatício. Então não se espera que eles estipulem um ordenado pelos seus serviços.  Jonathan Campbell sabiamente declarou: “Existe diferença entre ser pago para fazer um serviço e ser liberado para executar uma tarefa”. Referente à oferta voluntária (honorarium), versus o pagamento de salário, Dan Trotter alertou: “As viúvas de 1Timóteo 5:3-16 não estavam recebendo um salário, elas recebiam caridade. A citação ‘o trabalhador é digno de seu salário’, em Lucas 10, não se referia obviamente a discípulos recebendo salário ou ordenado, mas hospitalidade (comer e beber, etc.) A palavra salário na referencia à citação do Velho Testamento (1Timóteo 5:18) é obviamente metafórica (assim como o boi sem focinheira comendo grama é metafórico). Se levarmos mais longe essa metáfora, acabaremos tendo obreiros cristãos comendo grama! Em outro exemplo do uso metafórico da palavra salário, Paulo escreveu aos coríntios que ele havia roubado outras Igrejas, ao não aceitar salário deles. Vines declara que a palavra em 2Coríntios 11:8 é claramente metafórica. Eu penso que não é da conta de ninguém, se algum obreiro cristão, (seja apóstolo, profeta, ancião, mestre ou o que seja), receba ofertas voluntárias de alguém, por qualquer razão. Porém, no instante em que um salário ou ordenado é pago, o princípio da doação voluntária por qualquer serviço prestado ao corpo é violado. Violado também é o princípio do cristianismo sem um clero, assim como é violado o princípio do ministério de todos os crentes, etc. Não vou continuar arrazoando nessa direção, pois ela nos conduzirá a resultados desagradáveis. O principal mau cheiro na Igreja institucional é o dinheiro, pura e simplesmente. Isso é

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uma abominação, uma desgraça não só para Deus, mas também para toda a raça humana. E, uma vez que abramos a porta para o clero mercenário, estamos acabados. Em conclusão, se Paulo tivesse querido dizer duplo salário, em Timóteo 5:17, porque ele não disse duplo mistos - (misyov) ou duplo opsonion, duas palavras significando ordenado e transmitido claramente o que queria dizer? E, se ele tivesse querido dizer salário, porque a Igreja primitiva não teria seguido seu exemplo?”.

O pastor Beresford Jobs, de Londres, comenta: “Penso que é improvável que exista necessidade real de que alguém seja um obreiro de tempo integral, a menos que ele tenha um ministério maior do que a Igreja domiciliar da qual ele é parte. É significativo que quando Paulo fez essa declaração, ao escrever a Timóteo, ele assumiu que os anciãos que pudessem precisar de algum tipo de ajuda, seriam precisamente aqueles engajados em pregar e ensinar. Isso poderia nos levar a crer que ele estaria se dirigindo a pessoas que estivessem com os evangelistas e pastores-mestres que, com os apóstolos e profetas, compreenderia os quatro ministérios trans-locais de Efésios 4:11. Eu, portanto, concluo que existem homens que são chamados a dividir-se entre várias Igrejas e que, por isso, não tenham tempo para ter um trabalho secular. Assumindo que eles não sejam milionários ou tenham uma empresa que os sustente, sem que sua atenção a ela seja necessária, eles têm que ser financiados por alguma outra fonte.

Não obstante, a aparente contradição que existe nas Escrituras é que os trabalhadores merecem seu salário (eles têm contas para pagar e famílias para sustentar), enquanto que os ministros, normalmente, são livres desses encargos - e nós não encontramos nada no Novo Testamento sobre posições assalariadas. Certamente, a idéia de Igrejas empregando alguém é completamente estranha aos ensinamentos do Novo Testamento. Deixe-me dizer-lhe que o que temos aqui é que, se alguém se sente chamado a um

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ministério que o impede de ganhar seu sustento de outro emprego, então ele tem que confiar que o Senhor atenda às suas necessidades. Elas serão providas, é lógico, através das ofertas voluntárias do povo do Senhor. Porém nada deve ser feito por alguém que exerça o trabalho de tempo integral à espera de salário regular, pois isso iria transgredir os ensinamentos das Escrituras, que diz que todos os ministérios são livres de preço, isto é, são grátis.

Eu mesmo tenho um ministério de tempo integral há 25 anos e não recebo nada por ele, não promovo coletas, jamais pedi que se tirassem ofertas em meu nome, nunca mencionei despesas feitas nem jamais enviei cartas ou tornei conhecidas minhas necessidades de quaisquer formas. Eu financio minhas despesas do meu bolso e respondo aos outros que eu creio que o Senhor provê minhas necessidades, sejam as decorrentes de dirigir meu carro em uma visita local para pregar e ensinar ou da compra de passagens aéreas para mim, minha esposa e minha filha, para voar sobre os Estados Unidos, atendendo a vários compromissos da obra, como convidado. E faço tudo isso sabendo que, se eu trabalho sem salário, então o Senhor proverá os recursos para mim e minha família em resposta às orações. Eu chamo a isso ‘viver pela fé corretamente‘, que é o oposto de ‘viver pela fé fazendo insinuações e sugestões sobre finanças, enviando cartas de pedidos e tirando ofertas.’

1 Pedro 5

O que quis dizer Pedro em 1Pedro 5:2, quando exortou os anciãos a pastorear o rebanho de Deus voluntariamente e não por sórdida ganância? Sórdida ganância vem de uma única palavra grega, aischrokerdos - (aiscrokerdwv). Aischros significa vergonha ou desgraça e kerdos significa ganho, lucro ou vantagem. Um termo correlato, aischrokerdos é empregado em Tito 1:7 onde anciãos são instruídos a não serem “cobiçosos de torpe ganância”. A primeira carta a Timóteo, 3:3, faz um paralelo a isso, requerendo que os

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anciãos sejam livres do amor ao dinheiro. Então, aischrokerdes é virtualmente um sinônimo de ganancioso por dinheiro. Uma idéia levantada por R. C. H. Lenski é a de que os anciãos, tendo usualmente duas atividades, estavam sendo advertidos por Pedro para que não usassem sua posição na Igreja para beneficiar seus negócios seculares (1).

Quantos homens de negócios se juntam às Igrejas mais em evidência, principalmente para crescerem social e empresarialmente? A admoestação de Pedro também sugere que o ganho de dinheiro poderia ocasionalmente acompanhar o exercício do ministério de ancião, mas que não seria uma boa razão escolher esse ministério pelo dinheiro! Outra perspectiva para as palavras de Pedro é vê-las como uma advertência para os anciãos que estejam tencionando renunciar a um potencialmente lucrativo negócio e oferecer seu tempo para servir como um ancião na Igreja.

Síntese

Primeiro, Jesus determinou que aqueles que pregam o evangelho (evangelistas) devem ser sustentados pelo evangelho. Paulo, em uma ilustração, aplicou esse mesmo princípio aos apóstolos (1Coríntios 9).  Finalmente, isso foi aplicado a anciãos qualificados (1Timóteo 5), usando os mesmos argumentos encontrados em 1Coríntios 9. Atos 20 é dirigido a todos os anciãos. Como os anciãos geralmente têm duas atividades, então estariam em situação de ajudar financeiramente a Igreja, ao invés de receber dela. A exceção a essa generalização é 1Timóteo 5, que se refere àqueles anciãos que, não apenas “governam bem” (5:17), mas também que “labutam na pregação e no ensino“. Apesar de que todos os anciãos são dignos de honra (1Timóteo 5:12-13), alguns anciãos são dignos de duplicadas honras. Essa honra dupla mais provavelmente é uma referência à ajuda financeira fornecida pela Igreja. Independente de como um ancião ganha sua vida (de fonte secular ou sagrada), ele deve ofertar generosamente aos necessitados. A junção de Atos 20 com 1Timóteo 5 poderia sugerir que inclusive aqueles anciãos

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merecedores de dupla honra (apoio financeiro), deveriam estar dispostos e capacitados a exercer algum trabalho secular se as condições locais requererem (isto é, em períodos de crises econômicas, Igrejas muito pequenas, etc.).

Advertências

1. Sugerindo que as Igrejas devem sustentar os anciãos merecedores de dobradas honras, mas não quer dizer que esses anciãos tenham postos superiores aos outros anciãos. Um ancião pode ser mais bem dotado do que outro ou mais influente, mas não existe no Novo Testamento qualquer coisa como um ancião-chefe nem uma hierarquia de anciãos.

2. Se um ancião recebe apoio financeiro, poderá estudar mais a Palavra, e possivelmente terá muito mais a ensinar a outros irmãos que não se sintam tão livres para ensinar. Isso poderia silenciar o sacerdócio dos crentes, violando 1Co 14:16. Assembléias não devem ser centradas no pastor. Por outro lado, ao contrário, anciãos com conhecimentos profundos poderiam atuar em estudos bíblicos do meio da semana.

3. O pastor-mestre citado em Efésios 4 não é de qualquer modo superior sobre qualquer Igreja da cidade, más, ele é servo de todas as Igrejas locais.

4. Apesar da evidência de que anciãos qualificados possam ganhar a vida de seus ministérios, não existe distinção entre clero e laicato. A autoridade geralmente reside na Igreja como um todo, não com seus líderes.

Os líderes devem ser humildes servos, não senhores. Rusty Entrekin adverte: “Ainda que saibamos que pastores-mestres devam ser servos e não pertencentes a uma ordem clerical especial, aqueles que não são pastores-mestres têm a tendência de se considerar nessa categoria, especialmente pelo pensamento vigente na moderna Igreja institucional sobre as pastores profissionais. Mesmo que o pastor-mestre não pense dessa forma sobre si mesmo inicialmente, se não

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se mantiver alerta, ele poderá muito facilmente, talvez sem notar e de forma imperceptível, começar a adotar esse modo de raciocinar. Se os devotos, sinceros e vibrantes crentes das Igrejas do fim do primeiro século e início do segundo, sentiram-se vítimas desse pensamento, imagine como somos encorajados a adotá-lo hoje, com a pressão da visão convencional, séculos de tradições e espiritualidade morna! Precisamos ser muito cuidadosos não só contra o roubo do direito ao sacerdócio dado por Deus, mas também para exortar aos outros a não abrirem mão de seus direitos.”

Conclusão

O que pode ser concluído sobre a idéia do trabalho de tempo integral nas Igrejas?

1. Não existe um padrão histórico no Novo Testamento sobre o assunto, seja contra ou a favor. O NT silencia sobre isso.

2. Existe uma determinação geral em Atos 20 para que os anciãos sigam o exemplo de Paulo, de suprir às suas necessidades e a estar em posição de ofertar às Igrejas, ao invés de receber delas.

3. Todos os anciãos são merecedores de honras (estima), 1Tessalonicenses 5.

4. Anciãos qualificados, que dirigem e ensinam bem, são merecedores de honras dobradas (apoio financeiro voluntário), 1Timóteo 5.

5. Anciãos não devem ser motivados pelo desejo de “sórdida ganância” em seus ministérios (isto é, não serem ministros pelo dinheiro nem usarem o trabalho na Igreja para auferir lucros entre clientes de negócios seculares), 1Pedro 5.

6. Devemos oferecer suporte financeiro para os que são evangelistas, apóstolos, pastores-mestres e anciãos, como em 1Coríntios 9. É padrão do Novo Testamento a manutenção de pessoas, não de propriedades.  Doe

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seu dinheiro para aqueles que valorizam o que Deus mostra como importante.

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17 - MINISTÉRIOS FAMILIARES:17 - MINISTÉRIOS FAMILIARES:CHAVE PARA IGREJAS SADIASCHAVE PARA IGREJAS SADIAS

Jonathan Lindvall

Na cultura moderna, vamos nos habituando, cada vez mais, a avaliar virtualmente tudo de uma perspectiva individualista. Encontramos nossa identidade na nossa própria individualidade, por nossas realizações, posição, posses, etc. Também cresce aceleradamente a dificuldade que temos, com relação à noção de que somos parte de algo maior do que nós mesmos.

Contudo, a Bíblia apresenta um paradigma muito diferente. Pessoas devem encontrar suas identidades em pertencer a um todo maior: uma linhagem, uma família ou, mais importante, “o Corpo de Cristo”. Muitos de nós nos esforçamos para aprender esse conceito de comunidade. Por exemplo, muitos ocidentais não têm mais do que um conhecimento teórico da alegação de Jesus (em Mateus 19:6 e Marcos 10:8) de que marido e mulher “não são mais dois, mas uma só carne” ou a afirmação de Paulo  (em Romanos 12:5) de que “nós, embora muitos, somos um só corpo em Cristo, e individualmente membros uns dos outros”.

Eu tenho sempre abraçado essas verdades academicamente. Porém, experimentalmente, eu não consigo alcançar como minha esposa e eu somos um, além do mais rudimentar senso de intimidade física. Similarmente, a maior parte da minha experiência reflete a constatação de que Igreja é um conglomerado de indivíduos exercendo a mesma função.

Assim como o Senhor tem orientado muitos a ver o padrão apostólico de reuniões em domicílios, eu suspeito que, como eu, muitos carregam consigo suas bagagens de experiências e conceitos passados. Mas,  o Senhor está aparentemente restaurando o entendimento e as experiências do conjunto do corpo de Cristo dentre as muitas Igrejas domiciliares hoje. O Senhor está nos

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movendo a passar de uma postura apenas de confirmação teológica da verdade da unidade, para a realidade de sermos experimentalmente amalgamados juntos, em um todo que é maior do que suas partes.

Um dos caminhos que Ele está usando é a restauração dos fundamentos da unidade e da identidade da família. Eu levanto a hipótese de que uma das razões para o movimento de educação escolar em casa (Nota do tradutor: veja Nota 1 no final do artigo), existe para preparar as famílias para funcionarem unidas na Igreja. Historicamente, à medida que o  individualismo gradualmente moldou as percepções nas sociedades ocidentais, a Igreja, num crescente foi perdendo sua consciência do “Poder Espiritual dos Ministérios Familiares” (título de uma palestra da qual esse artigo derivou).

Quando Deus introduziu na Igreja do século dezenove a visão das missões estrangeiras, uma insidiosa e destrutiva semente começou a germinar e florir. As famílias dos missionários tinham consciência sobre a educação de seus filhos. Como a educação institucional tornou-se a norma assumida, isso criou um perceptível conflito para muitos missionários e as agências que os haviam enviado. Gradualmente, uma infra-estrutura educacional de internatos missionários foi desenvolvida para atender à aparente necessidade. No século vinte, era típico para os pais missionários viverem separados de seus filhos por longos períodos, prática essa frequentemente começando na mais tenra idade das crianças. À medida que os internatos para filhos de missionários se tornaram mais comuns, um trágico fenômeno se tornou cada vez mais aceito.

Os filhos de missionários tornaram-se virtualmente órfãos de pais que davam o melhor de si como ministradores de amor a terceiros. Muitos dos filhos e filhas desses missionários em terras distantes se tornaram amargos, face os sacrifícios feitos por seus pais. Triste é que, hoje, muitos dos egressos desses orfanatos nada querem com o Senhor e censuram a Igreja de separá-los de seus pais durante um

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período no qual, por desígnio de Deus, estes deveriam ser seus principais ministros, ainda que não os únicos.

Existem hoje agências missionárias que requerem de seus candidatos o compromisso de matricularem seus filhos em internatos. Isso não é exigido para o benefício das crianças,  mas é abertamente intentado para deixar os pais (o pai a mãe), individualmente, com menos motivos de distração no campo. Casais missionários são então muito mais vistos como associados no ministério, do que como uma unidade familiar. A agência espera colher o benefício da utilização de dois trabalhadores individuais, ao invés de vê-los como um casal.

Isso não só tem um efeito devastador nas crianças, mas também na própria noção de família. Em verdade, isso acelera a disseminação de pressuposições individualistas, minando o que é, ironicamente, mais culturalmente bíblico: as tradições e os costumes existentes nos grupos sendo evangelizados. O resultado deplorável é que nas novas Igrejas prevalece um modelo de vida familiar doentio e antinatural. Os integrantes desses grupos jamais recebem um exemplo de família integral e saudável, da vida dos que os disciplinam. (Durante meu ministério na Ásia, temo ter visto, entre as Igrejas indianas e chinesas, o prevalecente fruto de ignorar, desculpar ou até elogiar a infidelidade na vida familiar).

Esse triste estado de coisas, todavia,  não ocorre unicamente nas missões estrangeiras. Durante as últimas gerações, a Igreja do Ocidente tem visto crescer o número de trabalhadores da Igreja que se concentraram exclusivamente nos seus ministérios, negligenciando suas famílias. Ainda que esse fenômeno não seja novo, ele está se arraigando aceleradamente no cristianismo institucional. As conseqüências destrutivas disso incluem o solapamento da base das famílias piedosas dentre o povo de Deus.

Antes de prosseguir, deixe-me esclarecer minha exortação, reconhecendo que o oposto é também uma armadilha. Assim como é possível para um homem cair na idolatria de seu próprio ministério, é também possível que

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outro idolatre a família ou a idéia de família. Devemos sempre amar a Jesus acima de qualquer coisa, seja nosso ministério ou a família pela qual Ele nos responsabilizou. Jesus nos alertou contra o colocarmos nossa família antes Dele (Mateus 10:34-37, 12:47-50, 19:29, Marcos 10:29-30 e Lucas 9:59-62 e 14:20-26). Essas passagens são cada vez mais usadas para racionalizar um anti-bíblico abandono das responsabilidades familiares. Sem negligenciar os cuidados contra o ato de idolatrar a família, vamos considerar o que mais a palavra de Deus diz sobre a prioridade do ministério da família e como isso influi nos nossos outros ministérios.

Deus ama “a família”

Deus criou as famílias e expressa Suas emoções sobre elas. Numa claríssima expressão de Seu coração, Deus expressa seus sentimentos sobre a família em Malaquias 2:16: “Pois eu detesto o divórcio, diz o Senhor Deus de Israel”. Eu acredito que Deus ama o princípio de família. Ele escolheu as relações familiares como a metáfora dominante para o relacionamento dos cristãos do Novo Testamento para com Ele e com cada um dos outros irmãos. Os cristãos se tornaram os filhos de Deus (João 1:12, Romanos 8:16 e 1João 3:2) e parte de sua família (Efésios 2:19). Além de outras coisas, Jesus veio revelar Deus como Pai (Lucas 11:2 e João 1:18 e 16:25). O Espírito Santo revelou, além de muito mais, Deus como nosso Abba (Paizinho, tratamento íntimo para Pai, conforme Romanos 8:14 e Gálatas 4:6). Uma das identificações mais frequentemente empregadas para os cristãos, no Novo Testamento, é a palavra irmãos (Mateus 23:8, Atos 6:3, 1Pedro 1:22, 1João 3:14 e 3:16). Uma das mais belas figuras das relações entre Cristo e a Igreja é o relacionamento de um noivo com sua noiva (Mateus 9:15, João 3:29, 2Coríntios 11:2, Apocalipse 19:7-9, 21:2, 21:9 e 22:17). Enquanto que essas metáforas não foram muito usadas no Velho Testamento, elas se expandiram largamente no Novo Testamento.  O Senhor pretende que mantenhamos sadio o relacionamento de nossas famílias, para que estas

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ofereçam as imagens práticas e reais, para Seu uso ao revelar as realidades espirituais. Se a imagem é negligenciada, perdemos parte das intenções de Deus para suas revelações.

De fato, Paulo disse que cada família é designada para ser um reflexo do patriarcado do Pai Celestial. Em Efésios 3:14-15, Ele escreveu: “Por esta razão dobro os meus joelhos perante o Pai (em grego, pater), do qual toda família (em grego patria) nos céus e na terra toma o nome”. Por Seu desígnio, as famílias devem ser lideradas pelos pais e aparentemente definidas pela jurisdição patriarcal da paternidade.

Longe de abolir ou minimizar a família, o Novo Testamento reforça e explana o que foi apresentado sobre a família no Velho Testamento. Uma das passagens do Velho Testamento mais citadas no Novo é a determinação para  que cada um “Honre seu pai e sua mãe” (Êxodo 20:12, Levítico 19:3, Deuteronômio 5:16, Mateus 15:3-9 e 19:16-19, Marcos 7:6-13 e 10:17-19, Lucas 18:18-20 e 6:2). Em suas cartas, os apóstolos investiram muito do seu tempo ensinando sobre práticas familiares (1Coríntios 7, Efésios 5:22 e 6:4, Colossenses 3:18-21, 1Timóteo 3:2, 3:4-5, 3:11-12, 5:4, 5:8-10, 5:8-14 e 5:8-16, Tito 1:6 e 2:3-5, 1Pedro 3:1-7 e Hebreus 12:5-11).

Hospitalidade familiar

Uma das práticas-chave encorajadas no Novo Testamento é hospitalidade (Romanos 12:13, 1Timóteo 3:2, Tito 1:8 e 1Pedro 4:9). Isso pode despertar nossa suspeição de que há um problema subjacente, desde que, na Igreja moderna,  essa é uma das mais flagrantemente negligenciadas características. Hospitalidade é praticada no âmbito familiar. Porém, se nossas famílias são atomizadas em fragmentos individuais, cada um com sua vida independente, então há muito pouco contexto potencial para sermos hospitaleiros.

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É muito elucidativo que uma das mais importantes características que Deus instituiu para avaliar as qualificações de potenciais líderes na Igreja é que eles sejam hospitaleiros (1Timóteo 3:2 e Tito 1:8). Quando eu era jovem, servi como pastor da juventude e pastor associado em duas diferentes Igrejas (por um ano em cada uma). Durante esse tempo,  eu nunca entrei na casa do pastor principal. Em um  dos casos, eu jamais sequer soube onde o pastor morava! Eu absolutamente não culpava esses sinceros homens de Deus, que se supõe sejam “exemplos para o rebanho” (1Pedro 5:3), por esse chocante desrespeito às Escrituras. Eu estava também bastante corrompido e imaginava que o território neutro do edifício da Igreja era o lugar mais apropriado para a comunhão, mas que a hospitalidade era muito simpática, mas não era essencial. Assim, existem santos aos quais ministrei que poderão facilmente me cobrar pela mesma falha.

A família do Ancião

As mínimas qualificações explícitas para liderança no corpo de Cristo incluem outras coisas em matéria de família. Um ancião/bispo (que é o mesmo que pastor, na Igreja do Novo Testamento - veja poimaino - (poimhn), presbuteros - (presbuterov) e episkopos - (episkopov) em Atos 2:17 e 2:28, Tito 1:5 e 1:7 e 1Pedro 5:1-2) deveria ser “marido de uma só mulher” (1Timóteo 3:2 e Tito 1:6). Existe hoje alguma controvérsia sobre a aplicação disso. Alguns aplicam essa passagem simplesmente à poligamia; outros, sustentam que ela impede homens divorciados e casados de novo de serem publicamente reconhecidos como exemplares e, outros ainda, entendem que um ancião deve ser o “tipo de homem de uma só mulher”.

Eu suspeito que a exigência de ser “marido de uma só mulher” não só quer dizer que um homem com mais de uma esposa está desqualificado, mas que o homem com menos de uma esposa também não é qualificado para ser reconhecido como um modelo para a Igreja.

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Enquanto que o homem solteiro certamente tem a vantagem de ter menos distrações e responsabilidades (e assim, mais liberdade), essa mesma menor responsabilidade é também um empecilho quando ele se propõe a liderar na Igreja. É mais provável que um homem solteiro fosse um neófito, um noviço (ou pelo menos fosse aceito como um), porém Paulo pediu a Timóteo  (1Timóteo 3:6) para escolher como anciãos àqueles de “não fossem neófitos”. Depois, ele deixou claro que a reputação, assim como a prática e a maturidade de um homem eram importantes (1Timóteo 3:7: “Também é necessário que tenha bom testemunho dos que estão de fora”).

Algum tempo depois de me casar com minha esposa Connie, comecei a constatar quão despreparado para o casamento eu estivera. Eu simplesmente não estava suficientemente maduro para o casamento. Ainda considerando o assunto, concluí que eu provavelmente jamais estaria maduro o bastante para o casamento, enquanto fosse solteiro. Porém, me pareceu que, com apenas alguns meses de casado, eu já havia descoberto ótimos caminhos que me forçaram a amadurecer. Duvido muito que eu houvesse crescido nessas áreas, como homem solteiro. O casamento me transformou de maneira que, de outra forma, eu jamais o teria conseguido. Verdadeiramente,  “não é bom que o homem esteja só” (Gênesis 2:18). Existirão raras exceções, porém um homem que seja solteiro  (ou pelo menos que nunca foi casado), provavelmente não estará numa posição de completo e equilibrado modelo para o corpo de Cristo, como alguém que houvesse demonstrado capacidade para “administrar bem sua casa”.

De fato, eu entendo que um homem que jamais experimentou a paternidade será similarmente prejudicado. Paulo disse a Tito  (1:6) para reconhecer apenas os anciãos que fossem “marido de uma só mulher, tendo filhos crentes”. Assim como eu não estivera preparado para o casamento até que me casasse, eu também não estava preparado para a paternidade até que Connie e eu fôssemos abençoados com nosso primeiro filho.

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Ser pai levou-me por certos caminhos, nos quais eu jamais haveria amadurecido, se não tivesse tido filhos. À medida que o Senhor continuou a nos abençoar com mais filhos, e estes iam avançando na infância e na juventude, eu ia me tornando mais preparado para a liderança como ancião.

Outros pais que ensinavam a seus filhos as matérias escolares em casa (N. do T. - Veja nota a esse respeito no fim do artigo) e eu, na nossa congregação, levantamos a hipótese de que a razão de Deus, para nos orientar a ensinar nossos filhos em casa, não foi exclusivamente (talvez principalmente) para o benefício deles. Deus nos chamou para ensinar nossos próprios filhos também pela maturidade que isso nos proporcionaria como pais. Qualquer professor sabe que o mestre aprende mais do que os estudantes, no processo do ensino.

Na verdade, eu suspeito que uma das principais razões de Deus para fazer crescer o movimento de ensino formal nos domicílios nesta geração, é a de preparar anciãos qualificados, que aprenderam como disciplinar a outros, como resultado do disciplinar seus próprios filhos e filhas.

É triste, como já afirmei antes, que os filhos daqueles que são devotados ao ministério, na Igreja contemporânea, frequentemente tenham a pior reputação. Sou abençoado por ser um FA, ou filho de ancião. Porém, quando criança eu aprendi que o acrônimo FA muitas vezes é uma  designação depreciativa na Igreja de nossos dias. Ainda que isso nem sempre seja merecido (muito adoram encontrar falta nos líderes, para desculpar seus próprios erros), é frequentemente verdade que os filhos daqueles que estão no ministério público não são exemplos para o resto do corpo de Cristo.

Penso que todos já vimos homens que parecem ter um chamado verdadeiro de Deus para o ministério público, que são só focados nesse ministério, a ponto de negligenciarem suas próprias famílias. Paulo inclui, como qualificação para a liderança nas Igrejas locais, que os filhos dos anciãos precisam ser bem treinados. Ele define “os que governem bem a sua própria casa” (1Timóteo 3:4), como “tendo seus filhos em sujeição, com todo o respeito”. Então ele oferece a

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razão para essa exigência: “pois, se alguém não sabe governar a sua própria casa, como cuidará da Igreja de Deus?”.

Em suas instruções a Tito, (1:6) ele é mais explícito ao especificar as expectativas dos frutos da paternidade de um ancião. Este deve ter “filhos crentes que não sejam acusados de dissolução, nem sejam desobedientes”. Os filhos dos anciãos devem, não apenas estar submissos aos pais, mas a fidelidade deles precisa ser evidente, de forma a que não possam ser sequer acusados de excessos ou desobediências. Obviamente, os filhos de anciãos serão tão egoístas e inclinados a pecar, como todas as outras pessoas. Contudo, apenas os homens que tenham demonstrado sua capacidade para cumprir o determinado em Provérbios 22:6 (“Instrui o menino no caminho em que deve andar”), podem ser publicamente reconhecidos como modelos para a Igreja. A palavra traduzida como fiel referindo-se aos filhos (pistis – (pistiv), em grego) é, em outros lugares, traduzida como acreditando ou fé. (Por exemplo, Jesus usou essa palavra como contraste à dúvida de Tomé em João 20:27. Veja também Atos 10:45, 16:1, 2Coríntios 6:15, 1Timóteo 4:3, 4:10, 4:12, 5:16 e 6:2).  Não é certamente fora de propósito afirmar que apenas os homens que  treinaram filhos crentes poderiam ser considerados para ser anciãos. Alguém poderia apontar os exemplos de Jesus e de Paulo como homens solteiros e sem filhos. Essas exceções poderiam com certeza nos motivar a sermos cautelosos em aplicar as normas escriturísticas muito rigidamente. Além disso, devemos evitar o uso de exceções para invalidar normas claramente explícitas nas Escrituras. Ainda que existam boas razões para concluir que Paulo era solteiro, alguns estudiosos acreditam que ele fosse casado. Ainda que ele fosse eunuco, seus escritos, inspirados pelo Espírito Santo, especificam que os anciãos  (não necessariamente apóstolos itinerantes) sejam “maridos de uma só mulher e tenham filhos fiéis”.

Alguns podem persistir em apontar os outros apóstolos que aparentemente deixaram suas famílias para seguir a

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Jesus. Porém, eu penso que vemos esse assunto através de um filtro moderno e enviesado, que distorce nossa percepção para nosso próprio e individualista paradigma. Até a narrativa (em Marcos 1:20) de como Tiago e João, “deixando seu pai Zebedeu no barco com os empregados, o seguiram”, não representava desrespeito ao pai dos escolhidos, à luz da extensa reprovação de Jesus (7:1-13) aos fariseus adultos por estarem “invalidando assim a palavra de Deus pela vossa tradição”, quando eles justificaram a falha em honrar aos seus pais e suas mães. Se bem que usar o silêncio como argumento seja suspeito, é bem provável que Tiago e João tivessem as bênçãos de Zebedeu. Isso é particularmente possível, pelo fato de a mãe deles também era uma das mulheres que viajavam com Jesus (Mateus 20:20 e 27:56).

Mas, quem eram essas “muitas mulheres que tinham seguido Jesus desde a Galiléia” (Mateus 27:55-56, Marcos 15:40-41, Lucas 8:1-3, 23:49, 23:55 e 24:10)? Algumas delas tiveram seus nomes gravados, como  “Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu”, mas aparentemente existiam muitas outras. É até bastante surpreendente que não houvesse insinuações dos fariseus acusando Jesus e os apóstolos de impropriedade, em razão das muitas mulheres que os acompanhavam. Uma possível explicação é a de que várias dessas mulheres fossem as esposas dos apóstolos.

Novamente, alguém pode argumentar que esse é o argumento do silêncio. Também, assumir que os apóstolos deixaram suas esposas e filhos para seguir a Jesus é, da mesma forma, apenas baseada em inferências. Alguns podem argumentar que, quando Jesus elogiou todo aquele “que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos” por Sua obra e pelo Evangelho (Marcos 10:29), ele transformou isso em norma. Porém, se isso fosse assim, estaria em conflito com os ensinamentos Dele mesmo e dos apóstolos.  Claramente, outra passagem determina que esposa e filhos devam ser “aborrecidos” (Lucas 14:26), em comparação à nossa devoção a Jesus. Todavia, em outro

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lugar, os maridos são incitados a amar suas esposas (Efésios 5:25 e Colossenses 3:19).Os Apóstolos eram casados?

Sabemos que Pedro era casado porque os evangelhos sinóticos dizem que Jesus curou a mãe de sua esposa (Mateus 8:14, Marcos 1:30 e Lucas 4:38). Não é espantoso que, além dessa simples referência, a esposa de Pedro não seja mencionada em nenhum outro lugar dos Evangelhos? Porém, o silêncio dos Evangelhos sobre essa mulher não deve ser tomado como ausência de atividade ou de devoção por parte dela. Sabemos que a esposa de Pedro mais tarde viajou com ele no exercício de seu ministério (1Coríntios 9:5).

Na verdade, percebemos que outros apóstolos e irmãos do Senhor também  viajavam com suas esposa. Quantos dos outros apóstolos tinham esposa? Paulo pode ter usado uma hipérbole aqui, mas parece que ele estava deduzindo que ele e, possivelmente, Barnabé (1Coríntios 9:16) eram os únicos apóstolos que não seguiam essa prática.

Não sabemos quando esses apóstolos se casaram. É possível que isso tenha ocorrido depois de seus três anos e meio com Jesus, mas não necessariamente, em razão de suas esposas não serem mencionados nos relatos. Podemos apenas chegar a essa conclusão quando lemos as narrativas filtrando-as através de modernos paradigmas. Hoje parece ser altamente inapropriado negligenciar a menção às esposas dos apóstolos. Mas, se não fosse por essa única menção indireta no comentário de Paulo, não teríamos referência explícita às esposas dos apóstolos. Se essa declaração não tivesse ocorrido, muitos poderiam assumir, dado o silêncio das Escrituras, que eles não eram casados. Isso parece ser um paradigma relativamente recente.

Mas, e a respeito de filhos? É provável que os casamentos dos apóstolos tenham sido abençoados com os frutos do ventre materno. Ainda que seus filhos não sejam mencionados (embora suas esposas o sejam), seria apenas através de recursos modernos de referência que poderíamos usar o silêncio para concluir que esses filhos existiram ou

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viajaram com seus pais. Na cultura dos hebreus era esperado que os homens tivessem esposa e filhos, com raras exceções. Evidências de outras esposas e filhos de apóstolos vieram até nós de outra fonte surpreendente: antes de trair Jesus, Judas Iscariotes foi escolhido como um dos doze apóstolos (Lucas 6:13-16 e 22:3) - e ele era casado e tinha filhos. Após a morte de Judas, Pedro disse aos outros discípulos (Atos 1:16) que havia uma “escritura que o Espírito Santo predisse pela boca de Davi, acerca de Judas”. Ele então citou parte de Salmos 109:8, que diz: “Sejam poucos os seus dias, e outro tome o seu ofício!”. Note que esse Salmo continua falando da mesma pessoa (Salmos 109:9-10): “Fiquem órfãos os seus filhos e viúva a sua mulher! Andem errantes os seus filhos e mendiguem; esmolem longe das suas habitações assoladas”. A passagem continua se referindo sobre seus filhos sem pai e sua posteridade. Pedro afirmou que essa passagem era uma profecia das Escrituras a respeito de Judas. Assim, comprova-se que Judas tinha esposa e filhos.

Ainda que essas indicações não sejam conclusivas, levanto a hipótese de que foi em razão do silêncio das Escrituras a respeito das famílias dos apóstolos que, nós modernos, assumimos que eles seguiam a Jesus individualmente. Isso será mais historicamente válido, dentro do contexto cultural, se assumirmos que os homens deveriam ser casados e ter filhos. Desse modo, estou persuadido de que devemos nos valer do relativo silêncio a respeito das famílias dos apóstolos como evidência de sua existência e de que todas essas famílias seguiam a Jesus.

Ministérios familiares no Novo Testamento

Além de que a maioria dos apóstolos deve ter tido família, o Novo Testamento se refere, mais especificamente, a muitos ministérios familiares. Áquila e Priscila formavam um casal devotado ao trabalho do Senhor. O silêncio das Escrituras, sobre se eles tiveram ou não filhos, como parte de seu ministério familiar, não pode ser tomado como evidência contra a probabilidade maior de que

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eles os tiveram. Historicamente, não seria usual para um casal não ter filhos e, ao contrário, seria usual que eles se mantivessem não nomeados ou mencionados.

A referência (Atos 18:2) de Paulo encontrando Áquila em Corinto, poderia indicar que ele estava familiarizado com aquela família e que estava procurando por ela. Sem nenhuma delonga, ele foi admitido na família e, aparentemente, também como sócio do negócio familiar que eles tinham, de fabricar tendas (Atos 18:3). Paulo permaneceu em Corinto por um ano e meio. Quando ele se foi para Éfeso, Priscila e Áquila o acompanharam. Se eles tinham filhos, como eu suspeito que tivessem, eles indubitavelmente se mudaram junto com os pais. Paulo esteve em Éfeso por pouco tempo, tencionando retornar depois, porém a família de Áquila ali permaneceu (Atos 18:18-19), possivelmente preparando a volta do apóstolo àquela cidade (verso 21).

Durante a ausência de Paulo, um homem chamado Apolo começou a pregar o Evangelho na sinagoga de Éfeso, porém seu entendimento era falho. Assim, Áquila e Priscila “levaram-no consigo” (Atos18:26, provavelmente para a casa deles)  “e lhe expuseram com mais precisão o caminho de Deus”. Paulo depois determinou (1Timóteo 2:12) que “não permito que a mulher ensine, nem tenha domínio sobre o homem, mas que esteja em silêncio”. Como pode isso ser conciliado com a narrativa de que Priscila, com Áquila, “expuseram (a Apolo) com mais precisão o caminho de Deus”?

Uma solução para essa aparente contradição pode ser encontrada na distinção entre “explanar” e “ensinar”. Pode ser também que a admoestação de Paulo para que as mulheres mantivessem silêncio nas assembléias da Igreja  (1Coríntios 14:34-35) fosse limitada aos momentos em que “toda a Igreja se reunisse num mesmo lugar” (14:23). É também provável (ou, pelo menos, possível) que a advertência de Paulo contra as mulheres ensinar aos homens estivesse no mesmo contexto. Desse modo, seria perfeitamente aceitável que a mulher exercitasse dons espirituais em oportunidades mais privadas ou em qualquer outra oportunidade, além da

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assembléia de toda a Igreja reunida como corpo. Assim, como uma significativa (e mencionada com proeminência) parte do ministério familiar de Áquila, Priscila encontrou a apropriada expressão do seu dom de ensino, em  conversas privadas e mesmo em ajudar a corrigir meigamente o entendimento insuficiente de Apolo sobre os Evangelhos.

Descobrimos que quando Apolo depois viajou para Corinto, havia um corpo de irmãos em Éfeso (Atos 18:27) que, coletivamente, “o animaram e escreveram aos discípulos (em Corinto) que o recebessem”. Isso demonstra que o ministério familiar de Áquila estava produzindo frutos. Nós sabemos com certeza que Paulo, quando escreveu sua primeira carta aos coríntios (presumivelmente de Éfeso), enviou recomendações de Áquila e Priscila (1Coríntios 16:19), assim como da “Igreja que está em sua casa”. O ministério familiar deles estava obviamente produzindo crescentes frutos.

Podemos apenas conjeturar sobre como evoluiu o ministério familiar de Áquila, porém algum tempo depois, quando Paulo escreveu sua epístola aos santos de Roma, ele disse especificamente: “Saudai a Priscila e a Áquila, meus cooperadores em Cristo Jesus” (Romanos 16:3). Aparentemente, a família deles agora estava em Roma e o Senhor abençoava o ministério que desenvolviam. Depois de elogiá-los, Paulo complementa: “Saudai também a Igreja que está na casa deles” (16:5). Como em Corinto e em Éfeso, o ministério familiar de Áquila e Priscila também atuava efetivamente em Roma, em prol do Reino de Deus.

Outro ministério familiar interessante nas Escrituras é o de Felipe, o evangelista. Ele foi um dos “sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria” (Atos 6:3) escolhidos para supervisionar a distribuição de alimentos para as viúvas de Jerusalém. Ele foi depois usado poderosamente para levar o evangelho à Samária e o eunuco etíope ao Senhor. O silêncio das Escrituras sobre Felipe haver tido ou não uma esposa não pode ser aceito como conclusão de que ele era

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solteiro. Não era raro a esposa de um homem não ser posta em evidência. No caso de Felipe, alem disso, concluímos que ele era casado, em razão de suas “quatro filhas virgens que profetizavam”, mencionadas em Atos 21:9.

Esse ministério familiar hospedou a Paulo e seus companheiros (incluindo Lucas). Algumas pessoas assumem que, pelo fato das filhas de Felipe profetizar, o uso por elas desse dom era argumento contra as repetidas conclamações de Paulo (1Coríntios 14:34-35, no 37, ele especificamente coloca isso entre os “mandamentos do Senhor”) a que as “mulheres estejam caladas nas Igrejas”. Entretanto, nada existe no texto que nos indique que as jovens profetizassem nas reuniões da Igreja. Similarmente, quando outro profeta, Ágabo profetizou que Paulo seria preso em Jerusalém (Atos 21:11), não há razão alguma para entendermos que essa profecia foi feita numa reunião da Igreja, ao invés de num contexto familiar, estando Felipe reunido apenas com seus hóspedes, em sua casa. O ministério familiar de Felipe foi um ministério onde orações, exortações e profecias eram provavelmente comuns, ocorrências cotidianas envolvendo homens e mulheres.

Ainda outro ministério familiar mencionado no Novo Testamento foi o de Onesíforo. Paulo escreveu (2Timóteo 1:16-17) sobre ele: “O Senhor conceda misericórdia à família de Onesíforo, porque muitas vezes ele me recreou, e não se envergonhou das minhas cadeias; antes quando veio a Roma, diligentemente me procurou e me achou”. Esse irmão (e talvez sua família) viajou a Roma com o objetivo, ao menos em parte, de encontrar Paulo e ministrar sobre suas necessidades. Não se sabe se a família de Onesíforo estava com ele ou não. Mas, de toda forma, Paulo abençoou a toda a família. Por quê?

Paulo continuou (2Timóteo 1:18): “E quantos serviços prestou em Éfeso melhor o sabes tu”. Aqui está um irmão que, viajando ou em casa, tem a reputação de servir as necessidades dos santos. Dada a referência à sua família, não é difícil imaginar que seus outros membros ministraram junto com o cabeça da casa em muitas oportunidades

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práticas. Esse foi mais um dos ministérios que Deus usou em conjunto. Antes de encerrar essa segunda carta a Timóteo, ele menciona Onesíforo mais uma vez, em 4:19: “Saúda a Priscila e a Áquila e à casa de Onesíforo”. Percebe-se claramente que essa família toda tinha um lugar especial no coração de Paulo.

Gostaria de considerar, finalmente, o ministério familiar de Estéfanas. Paulo batizou essa família em Corinto (1Coríntios 1:16). Eles foram os primeiros convertidos (primeiros frutos) na província romana de Acaia e eles os elogiou (1Coríntios 16:15) como uma família “que se tem dedicado ao ministério dos santos”.  Paulo determinou algo a respeito dessa família, que não encontrei em nenhum outro lugar do Novo Testamento: ele orientou, em 1Coríntios 16:16, a que os santos coríntios se submetessem, como Igreja, à família de Estéfanas. Ao contrário de outras passagens, onde os tradutores usaram a expressão submeter no contexto de relacionamentos na Igreja, aqui a palavra grega empregada foi hupotasso - (upotassw), um termo militar designativo de subordinação e obediência.

Aplicação

É nitidamente mais efetivo demonstrar algo a alguém, do que simplesmente falar a respeito. O modelo bíblico para os líderes no corpo de Cristo é de que eles sejam exemplos para o rebanho e não senhores sobre ele (1Pedro 5:3). Uma das principais áreas nas quais os anciãos devem ser exemplos é a administração de suas famílias. Para o exemplo funcionar, aqueles que recebem a ministração devem poder perceber claramente as famílias dos líderes anciãos em operação.

Eu desafio o corpo de Cristo a pedir revelações ao Senhor, a respeito do que Ele tem em Seu coração para as famílias e para identificar a escravidão que nosso individualismo cultural nos impôs. Eu encorajo aos obreiros

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cristãos a fazerem de suas famílias seu primeiro ministério – de seus próprios filhos, seus discípulos principais. Assim, quando ministrarem aos outros, que o façam da melhor forma possível, na presença de suas famílias.

Por muitos anos o Senhor tem me orientado a não viajar sozinho. Ocasionalmente, outro irmão viaja e ministra comigo. Mas, usualmente, eu levo minha esposa ou um dos meus filhos. Quando a oportunidade de ministrar é perto o bastante para ir de carro, eu sempre levo toda minha família comigo. (Enquanto eu escrevo este artigo, toda minha família – minha esposa e seis filhos – estão juntos numa jornada missionária de três meses à Índia). Eu percebi o sutil, porém definitivo impacto de ter pelo menos uma parte da minha família comigo em situações de trabalho ministerial.  Isso proporciona às minhas palavras mais credibilidade, quando as pessoas vêem o fruto do meu estilo de vida, anteriormente modelado.

Meu desejo é que minha família possa ser, como a de Estéfanas, um prazer para o Senhor, como um exemplar e poderoso ministério familiar.

Nota:

Nos Estados Unidos existe um sistema de ensino denominado “home school” (escola em casa), que consiste em que os próprios pais ou outros familiares ministrem as matérias do currículo escolar oficial às suas crianças, em casa, sem que estas freqüentem a escola. O membro da família que se oferece como professor se obriga a assistir palestras e a assumir o compromisso de manter os dias e horários das aulas, que são ministradas em um ambiente (mesmo que apenas um cantinho) exclusivo para a tarefa. Materiais didáticos são oferecidos pelo governo, mas seu uso fica a critério da família. Com  isso, os pais visam principalmente afastar seus filhos do ambiente das escolas, nem sempre adequados (mesmo lá!). Outro objetivo visado é a ministração, pelas famílias, de versões diferentes das oficiais, acerca de pontos controversos do currículo, como o

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respeitante à criação (versus evolução) do universo e do homem. A tolerância (ou  omissão), de parte das escolas, sobre o problema do comportamento sexual dos jovens e do uso de drogas, são exemplos de posições indesejáveis das quais os pais que escolhem a “home school” conseguem afastar seus filhos. Que magnífica demonstração de valorização dos filhos e das famílias é dada por esses pais! Em sua maioria são evangélicos que, efetivamente, se preocupam com a postura de seus familiares como cidadãos do Reino e deste mundo e, especialmente, atender aos requisitos que Deus propõe a todos os que pretendem exercer algum tipo de ministério - como os demonstrados neste artigo!

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18 - EXITEM APÓSTOLOS18 - EXITEM APÓSTOLOSNA IGREJA DE HOJE?NA IGREJA DE HOJE?

Steve Atkerson

Muitos evangélicos rejeitam sinceramente a idéia de que possam existir apóstolos na Igreja de hoje. Isso, em razão de “os Doze” terem sido escolhidos pessoalmente por Jesus para representá-Lo e por terem sido instruídos também por Ele diretamente. Certa vez, Jesus disse aos Doze: “Quem vos recebe, a mim me recebe; e quem me recebe a mim, recebe aquele que me enviou” (Mateus 10:40). Durante a última ceia, Jesus prometeu aos Doze que o Espírito Santo “vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto eu vos tenho dito” (João 14:26). Depois da ascensão de Jesus, os primeiros cristãos se devotaram, não ao que Jesus havia dito, mas à “doutrina dos apóstolos” (Atos 2:42). Isso aconteceu porque os ensinamentos dos apóstolos eram idênticos aos ensinos de Jesus.

Quando Paulo visitou os irmãos na Galácia, eles o receberam “como a um anjo de Deus, mesmo como a Cristo Jesus” (Gálatas 4:14). Certamente os apóstolos tinham consciência de que sua única autoridade era como representantes de Jesus. Escrevendo aos Coríntios, Paulo disse: “Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” (1Coríntios 14:37). Falando diretamente aos Doze, Jesus garantiu: “se guardaram a minha palavra, guardarão também a vossa” (João 15:20). Não admira que poucos sejam audaciosos o bastante para reivindicar o manto do apostolado moderno!

Porém, novos dados vêm à luz quando examinamos as informações sobre os apóstolos no Novo Testamento. Paulo escreveu que o Senhor ressurreto apareceu “aos Doze” e depois a todos os “apóstolos” (1Coríntios 15:3-8). Serão “todos os apóstolos” diferentes dos “Doze”? Mateus 10:2-4 fornece uma relação nominal dos “doze apóstolos” e também

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1Timóteo 1:1 e 2:6 se refere a Paulo, Silas, Timóteo como “apóstolos”.  Romanos 16:7 se refere a mais dois apóstolos, Andrônico e Júnias. Em Atos 14:14, Lucas se refere a Barnabé como um “apóstolo”. Finalmente, Tiago (o irmão do Senhor) parece haver sido juntado ao grupo dos apóstolos em Gálatas 1:18-19 e 2:9. Em que sentido eram “apóstolos” essas outras pessoas?

Nas Escrituras havia essencialmente dois tipos de apóstolos. Antes de tudo, haviam aqueles apóstolos que viram fisicamente o Senhor Jesus e que foram pessoalmente escolhidos por Ele para representá-Lo. Eles foram treinados pessoalmente por Jesus para o trabalho (veja 1Coríntios 15:8-9 e Gálatas 1:11 e 2:10). Esse grupo se constituiu dos pesos-pesados espirituais. Eles eram as normas para a doutrina e a prática na Igreja primitiva. Foram eles os autores ou os que aprovaram todos os livros que hoje compõem o cânon das Escrituras do Novo Testamento. Enquanto que os apóstolos desse primeiro tipo foram preparados e enviados por Jesus, os do segundo tipo foram preparados e enviados pela Igreja e eram dotados de muito menos autoridade (Atos 13:1-3, 2Coríntios 8:23 e Filipenses 2:25). Não havendo sido treinados por Jesus, o segundo tipo de apóstolos meramente estudou e repetiu o que o primeiro grupo deles ensinou (1Coríntios 4:16, 1Timóteo 3:14-15, 2Timóteo 2:2 e Tito 1:5).

A palavra “apóstolo” na sua Bíblia é uma tradução da expressão grega apóstolos – (apostolov). A tradução correta deveria ser algo como “enviado, embaixador ou mensageiro,” (Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Brown, vol. 1, pág. 126). O verbo apostello traz a noção de  “enviar com um propósito particular”. Assim, apóstolo pode significar “alguém comissionado” ou “mensageiro credenciado” (Novo Dicionário Bíblico, Davis, 57-60). Jerônimo, ao traduzir o Novo Testamento do grego para o latim, colocou “apóstolos” como a raiz latina do que seria mais corretamente traduzido para o nosso atual “missionário”. Você

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percebeu que a palavra “missionário” não é encontrada na Bíblia em inglês? (Nota da tradutor: o autor faz referência à língua de seu país, os Estados Unidos. Ocorre que também nas traduções em português a palavra não aparece uma vez sequer). Ainda assim, virtualmente todos os evangélicos acreditam em “missionários”. Isso acontece por ser “missionário” o equivalente dinâmico de apóstolo. A justificativa para a existência de missionários contemporâneos reside nos padrões do Novo Testamento e nos ensinamentos sobre a existência dos apóstolos.

Então, enquanto que o primeiro tipo de apóstolo não mais existe, os modernos missionários certamente representam o segundo tipo deles. Isto é, os atuais missionários são enviados pelas Igrejas para evangelizar e para iniciar Igrejas. Os plantadores de Igrejas são verdadeiros apóstolos do segundo tipo descrito acima e são tão necessários hoje o quanto o foram no primeiro século.

Admitindo-se que de fato houvesse um padrão do NT para justificar a existência de plantadores de Igrejas hoje, como poderiam os modernos apóstolos realizar seus ministérios? Baseados em Atos 1:4, 8:12 e 15:1-2, (Gálatas 1:11, 1:18, 2:1 e 2:9) e Atos 21:17:18, parece que a maioria dos Doze trabalhou fora de Jerusalém pelo menos dezessete anos (esta era sua base de operações). Quando lá, os apóstolos devotavam seu tempo evangelizando os perdidos e ensinando os salvos. Eles ocasionalmente faziam curtas viagens missionárias enquanto baseados fora de Jerusalém (Atos 8:14 e 8:25). Durante o tempo em que Paulo esteve ali, entretanto, parece que ele se retirou, conforme Atos 21:17-18. Apenas Tiago ainda estava naquela cidade. De toda forma, analisando-se bem o Novo Testamento, torna-se óbvio que um constante movimento caracterizava a maioria dos outros apóstolos. Eles viajaram, pregaram o Evangelho e organizaram Igrejas. Raramente esses apóstolos viajantes se fixaram permanentemente em uma localidade. Isso é muito diferente do que ocorre hoje nas missões!

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Ocasionais paradas eram feitas em localidades estratégicas, mas o circuito sempre continuava. Por exemplo, Paulo permaneceu um ano e meio em Roma (28:31). Ele se esforçou para resistir à tentação de ali ficar mais tempo. Similarmente, Paulo disse ao apóstolo Timóteo para “que ficasse em Éfeso, para advertires a alguns que não ensinassem doutrina diversa” (1Timóteo 1:3). Porém, depois que o trabalho terminou, Paulo escreveu a Timóteo: “Apressa-te a vir antes do inverno” (2Timóteo 4:21). Apesar do que comumente se supõe, Timóteo foi um apóstolo e não um pastor em Éfeso. Outro exemplo é Tito, deixado em Creta para “que pusesses em boa ordem o que ainda não o está”  e para “que em cada cidade estabelecesses anciãos” (Tito 1:5). Depois que isso aconteceu, Tito foi juntar-se a Paulo em Nicópolis (Tito 3:12).

Quais objetivos tiveram os primeiros apóstolos, como motivação para suas viagens? Um deles foi a evangelização. Discorrendo sobre as  características dos apóstolos, Paulo referiu-se a eles como “os que anunciam o evangelho” (1Coríntios 9:14). Similarmente, Timóteo foi retratado como “fazendo a obra de um evangelista” (2Timóteo 4:5). Mesmo uma leitura superficial de Atos mostrará essa como uma importante função dos apóstolos.

Outro objetivo desses enviados das Igrejas foi a organização e o fortalecimento dos novos convertidos. Essa era parcialmente a razão da permanência dos apóstolos de um ou dois anos em apenas uma localidade.  Efésios 4:11-13 nos diz que Deus colocou os apóstolos “para preparar o Seu povo para exercer o trabalho de servir”. Paulo planejou uma visita a Éfeso, mas, pensando que poderia demorar mais do que o previsto, deixou instruções aos irmãos para que “saibas como se deve proceder na casa de Deus” (1Timóteo 3:15). O trabalho de Timóteo era “confiar” a verdade a “homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros” (2Timóteo 2:2).

A maior diferença entre um ancião e um apóstolo é que a esfera dos serviços do primeiro é permanentemente concentrada em uma Igreja local, enquanto que o campo

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do apóstolo é universal e temporário. Desde que um apóstolo haja treinado e empossado os anciãos, ele se retira para outra localidade. Depois disso, são os anciãos que ensinam a Igreja e treinam outros futuros anciãos, com ajuda ocasional dos apóstolos, de passagem.

Sob a orientação do Espírito Santo, nenhuma palavra registrada nas Escrituras é acidental ou sem importância. Todos os escritos são para seu proveito. Assim como ignorar padrões do Novo Testamento sobre eclesiologia gera riscos para nós, assim também desatender às práticas apostólicas do Novo Testamento é imprudente. A existência dos obreiros itinerantes da Igreja é um padrão do Novo Testamento. Virtualmente cada Igreja mencionada no Novo Testamento teve seu início propiciado por equipes apostólicas e continuaram seus relacionamentos com elas por muitos e muitos anos. Nosso sangue circula por todo o corpo, fornecendo o oxigênio e eliminando as impurezas. Os trabalhadores itinerantes da Igreja são para ela o que o sangue é para o corpo. Seus ministérios são partes importantes do projeto de Deus para Igrejas mais sadias e crescentes. O padrão do Novo Testamento é a existência de Igrejas que enviem missionários que iniciem novas Igrejas em áreas não atingidas pelo Evangelho. Nós ainda precisamos do ministério desses homens hoje. Esses modernos “apóstolos” podem inclusive ajudar Igrejas existentes a consolidar-se na sã doutrina e na prática correta. Eles servem como professores de seminário sobre rodas, treinando e equipando líderes de Igreja em suas próprias localidades 1Timóteo 1:3, 3:14-15, 4:1-6 e 4:13, 2Timóteo 1:13, 2:1-2, 2:14 e 4:1-5 e Tito 1:5 e 2:1-15).

Os apóstolos do nosso tempo devem ser servos da Igreja, não senhores sobre elas. Embora eles venham naturalmente a ter a influente autoridade de um ancião sobre as Igrejas que iniciam, o moderno apóstolo não tem nenhum “posto” maior do que qualquer ancião. Os apóstolos modernos não são como os Doze. Eles precisam  recordar de que a fé “de uma vez para sempre foi entregue aos santos” (Judas 3). Nenhum ensino “novo” é necessário; nenhuma teologia

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essencial foi antes retida da Igreja. Assim, o ensino do iniciador de Igrejas deve ser em harmonia com as revelações anteriores dos Doze. Não duvide de que ocasionalmente surgirão falsos apóstolos e, por causa disso, precisamos ser como os Efésios que puseram “à prova os que se dizem apóstolos e não o são, e os achaste mentirosos” (Apocalipse 2:2).

Não é provável que possamos encontrar de novo apóstolos no sentido dos “Doze”. Entretanto, a Igreja sempre teve e continuará a ter apóstolos no sentido de Barnabé, Timóteo, Tito e Epafrodito, isto é, plantadores de Igrejas enviados para evangelizar, iniciar Igrejas, treinar e empossar líderes e depois se mudarem para outras localidades.

Equipes apostólicas foram fundamentais na divulgação e na maturidade da Igreja primitiva. A existência deles e seus ministérios são padrões do Novo Testamento. Eles evangelizaram, fizeram discípulos, ensinaram, organizaram e deram posse a anciãos. Podemos iniciar uma Igreja sem a presença de um apóstolo? Sim. Pode uma Igreja existente funcionar sem o impulso inicial de um apóstolo? Sim. Pode uma Igreja eleger seus próprios anciãos? Sim. Porém, tudo isso é muito mais fácil se os obreiros apostólicos estiverem disponíveis.

SUMÁRIO

Do que a Igreja não precisa é:

Auto-proclamados apóstolos que tentam ser senhores (governar) a Igreja local. Apóstolos devem ser servos da Igreja (Colossenses 1:25 e 2Coríntios 13:4). É tarefa dos apóstolos fortalecerem a liderança local, não a suplantar.

De fato, os apóstolos devem ser responsáveis pela liderança da Igreja local.

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Apóstolos que dominem as reuniões da Igreja local e procurem transformá-las em um espetáculo de um só homem. Apóstolos devem ser como treinadores, não como jogadores. A Igreja “pertence” aos irmãos, não aos apóstolos.

Parasitas da Igreja. Apóstolos têm direito a apoio financeiro, mas devem ser capazes e desejarem trabalhar secularmente, se for necessário.

Apóstolos que mascateiam a Palavra de Deus, cobrando pelas aulas nas classes bíblicas.

A Igreja precisa que você:

Ore para que Deus levante, em nosso tempo, apóstolos modernos que desejem iniciar Igrejas domiciliares bíblicas (Mateus 9:37-38). (Pergunte a Deus e a outros crentes se, talvez, você deva fazer parte de um ministério apostólico. Você talvez receba a resposta à sua própria oração!).

Ore pelos que já estão fazendo trabalho evangelístico (Efésios 6:19-20 e Colossenses 4:2-4).

Faça doações financeiras para ajudar aos apóstolos de tempo integral (e evangelistas) (1Coríntios 9:14).

Esteja aberto ao ministério e ao incentivo dos apóstolos. A influência dos mencionados trabalhadores itinerantes podem impedir a Igreja de tornar-se estagnada ou de contentar-se com a alegre comunhão dos crentes da mesma opinião. Grupos isolados podem facilmente se esquecer do desejo de Deus de que evangelizemos e busquemos aos perdidos.

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19 - MULHERES COMO19 - MULHERES COMOPROFETAS E MESTRASPROFETAS E MESTRAS

Steve Atkerson

A sabedoria de Salomão é literalmente proverbial. Quando escrevendo conselhos para seu filho, Salomão apresentou a sabedoria na figura de uma mulher chamando os jovens à parte, para aprenderem com ela (Provérbios 1-9). Salomão sabia que os rapazes eram cativados pelas mulheres, como prova a mitologia antiga, que falava de marinheiros sendo atraídos pelas sereias. Conseqüentemente, Salomão apresentou as verdades do Senhor com uma embalagem atraente. A mulher Sabedoria, criada por Salomão apresentava-se em absoluto contraste com a mulher Insensata, que seduzia os jovens para que pecassem. Assim, vemos que a mulher pode exercer grande influência no homem, tanto para o bem quanto para o mal.

Tragicamente, a sabedoria de Salomão falhou quando ele decidiu tomar mulheres estrangeiras como esposas, pois estas adoravam falsos deuses. O resultado foi que essas esposas “lhe perverteram o coração para seguir outros deuses” (1Reis 11:4), apesar do fato de que o Senhor já havia aparecido a Salomão duas vezes (1Reis 11:9)! A situação de Salomão ilustra bem a afirmativa de um velho conselheiro matrimonial que dizia que, enquanto o marido pode ser a cabeça da mulher, a esposa é como o pescoço, virando a cabeça para a direção que ela desejar!

Considerando a grande influencia que o sexo feminino exerce no homem, que papel a mulher deveria desempenhar no processo formal de educação? Como no caso da mulher Sabedoria, de Salomão, será apropriado (e desejável) que ela ensine aos homens? Deverá ela ensinar outras mulheres? Deverá ela ensinar a seus próprios filhos? Em nossos dias de correção política, igualdade de direitos, liberação feminina e feminismo, é até de surpreender que questões como essas sejam ainda suscitadas.  Entretanto, essas considerações

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precisam ser feitas, pois essa matéria é assunto que interessa ao Senhor, ainda que isso não seja o que a Igreja tem historicamente mantido e nem o que a sociedade contemporânea demanda.

Mulheres Como Mestras de seus Próprios Filhos

Salomão aconselhou: “não abandone os ensinamentos de sua mãe”.  Quanto você aprendeu sobre a vida, com sua mãe? Indiscutivelmente, algumas das maiores lições de vida nos foram ensinadas ainda em tenra idade por nossas mães. Isso é verdade. Isso faz sentido. Isso é óbvio. Isso é como as coisas têm que ser. E agora, em tempos mais recentes, um grande número de crentes também oferece o ensino formal aos seus filhos em casa (*). Ler, escrever e aritmética estão sendo ensinados no lar e, usualmente, pela mãe das crianças, enquanto o pai está fora trabalhando.

(*) Nota do tradutor: A referencia aqui é ao sistema usado nos Estados Unidos, no qual os pais podem ensinar as matérias do curso básico aos seus filhos em casa, sem que eles precisem freqüentar qualquer outro tipo de escola. Esse ensino, que tem seu curriculum, seus regulamentos e exigências, é plenamente reconhecido pelas autoridades educacionais e é bastante difundido no país.

A influência de uma mulher em seus filhos é profunda. Escrevendo ao colega obreiro apostólico Timóteo, Paulo refletiu sobre a fé do companheiro dizendo: “trazendo à memória a fé não fingida que há em ti, a qual habitou primeiro em tua avó Loide, e em tua mãe Eunice” (2Timóteo 1:5). Sem dúvida, essas duas mulheres desempenharam um papel muito importante em levar Timóteo a Jesus. Em 2Timóteo 3:15, Paulo observa que: “desde a infância sabes as sagradas letras”. A Bíblia não elucida essa questão, mas quem teria ensinado a Timóteo as Escrituras, a não ser sua mãe e sua avó (especialmente sabendo-se que seu pai não era crente)?

Quem pode determinar o valor de uma mulher como mestra e educadora de seus próprios filhos? O valor de seu

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ministério à sua família é incalculável. A sociedade não pode pagar, empregados para fazerem, por dinheiro, o que as mães fazem por amor. As mulheres são claramente qualificadas para ensinar a seus próprios filhos. (Deuteronômio 4:9-10, 6:4-9, 11:18-19). Dito isso, é preciso que se note que o Novo Testamento coloca a principal responsabilidade da educação espiritual das crianças diretamente sobre seus pais: “E vós, pais, não provoqueis à ira vossos filhos, mas criai-os na disciplina e admoestação do Senhor” (Efésios 6:4).

Para os pais que estão lendo isto, eu pergunto: Você está pessoalmente ensinando seus filhos nos caminhos do Senhor? Você ensina a Bíblia aos seus filhos? O que é mais importante para você, assistir televisão ou instruir essa preciosas vidas que Deus colocou sob sua responsabilidade? O crédito por Timóteo haver crescido até se tornar um obreiro apostólico é de Eunice. Mas onde estava seu marido? Talvez tenha morrido cedo ou tenha sido um pagão desinteressado das coisas do Senhor. Pai, qual é a sua desculpa? Você morreu cedo para as responsabilidades como pai? Você está espiritualmente queimado? Faça o propósito perante Deus de, pela Sua graça, ser um pai para seus filhos como o de Timóteo evidentemente nunca foi! Não delegue essa responsabilidade para sua esposa. Essa missão não é dela!

Mulheres como Mestras de Outras Mulheres

Depois que uma mulher tem seus filhos criados, ela passa ter tempo disponível para outras atividades. Essa mulher já tem um vasto cabedal de experiências, conhecimentos e sabedoria. Uma das opções dentre os ministérios oferecidos pelo Senhor para essa mulher é trabalhar com as mulheres mais jovens. Ela deve “ensinar o que é bom”, ensinar às jovens “a amarem aos seus maridos e filhos, a serem moderadas, castas, operosas donas de casa, bondosas, submissas a seus maridos” (Tito 2:4).

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A palavra grega para “ensinar” em Tito 2:4 é sophronizo - (swfronizw) e quer dizer “relembrar alguém de sua responsabilidade, admoestar”. Essa palavra é formada por duas outras: sozo, que representa “seguro, bem, preservado, restaurado” e phren, que indica “pensamento, mente”. Assim, a tradução mais apropriada seria “restaurar uma pessoa às suas responsabilidades, controlar, disciplinar”. Alguém poderá dizer que as senhoras devem auxiliar as mais jovens a “pensarem corretamente”. Porém a atração pelo trabalho fora de casa seduz muitas mulheres a entrarem no mercado de trabalho, deixando as crianças aos cuidados das creches. Em contraste, Paulo aconselhou às viúvas jovens que ”se casem, tenham filhos, dirijam as suas casas...” (1Timóteo 5:14). Parte do “pensarem corretamente” é a correta compreensão da importância dos trabalhos do lar e da criação das crianças. (Na outra face dessa equação, podemos notar que, no Novo Testamento, existem mulheres de negócios, como Lídia).

Então, mulheres cristãs maduras devem ser encorajadas a ensinar as jovens mulheres cristãs. Os principais assuntos poderiam ser categorizados em: maternidade, arranjo do lar e economia doméstica. O resultado desse treinamento será uma futura colheita de mulheres que incorporarão as qualificações para viúvas aprovadas: “que tenha sido mulher de um só marido, aprovada com testemunho de boas obras, se criou filhos, se exercitou hospitalidade, se lavou os pés aos santos, se socorreu os atribulados, se praticou toda sorte de boas obras” (1Timóteo 5:9-10).

É interessante que nada é definido em Tito 2 sobre a mulher madura ensinar qualquer coisa sobre teologia propriamente dita nem sobre as Escrituras. Certamente as Escrituras foram mencionadas como a base do treinamento específico. Entretanto, esse uso da Bíblia não é o mesmo que realmente ministrar ensinamentos, apresentar uma aula sobre teologia sistemática ou dirigir um estudo bíblico. A diferença é fundamental. O objetivo

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da mulher com maturidade é ensinar a Bíblia ou treinar e orientar o “como fazer”, para que as jovens fossem boas esposas e mães, usando a Bíblia como trampolim.

Os nomes de muitas pessoas reconhecidas como mestres na Igreja primitiva estão anotados: Apolo, Barnabé, Simão, Lucio, Paulo, etc. Interessante é que não existe no Novo Testamento um único exemplo de uma mulher ungida que seja claramente reconhecida como uma “mestra” das Escrituras (no mais formal sentido da palavra). Esse argumento do silêncio não é, por si só, justificativa para impedir a mulher de ser algo como pastora (ou anciã). Entretanto, é de admirar que nenhuma mulher jamais tenha sido mencionada como exercendo as atribuições de mestra.

Mulheres como Mestras na Igreja

Por que é então que não há exemplos de mulheres mestras de ensinamentos da Bíblia no NT? Para começar, é preciso que se note que também não são muitos os “irmãos” que se pode presumir sejam mestres (Tiago 3:1). Com respeito a mulheres em particular, tal ministério parece especificamente negado a elas em 1Timóteo 2:11-15, como citado abaixo:

“A mulher aprenda em silêncio com toda a submissão, pois não permito que a mulher ensine, nem tenha domínio (autoridade) sobre o homem, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão; salvar-se-á, todavia, dando à luz filhos, se permanecer com sobriedade na fé, no amor e na santificação”.

O que queria o apóstolo Paulo dizer? Que a mulher não deveria ensinar a Bíblia para os homens? Que as mulheres não deveriam ensinar a Bíblia a ninguém? Como fica o fator “autoridade” na equação?

1) A mulher deve “aprender em silêncio” (2:11)Essa determinação de que a mulher deveria “aprender em

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silêncio” (2:11) é apoiada em 2:12, com “esteja em silêncio”. A palavra grega usada aqui para “silêncio” é hesuchia - (hsucia) (cuja raiz quer dizer “tranqüilo”), não quer dizer “muda”. Por exemplo, hesuchia é usada em 1Timóteo 2:2 (que fala de uma “vida tranqüila”), para se referir uma existência livre de perseguições e guerras. Ela é usada em 2Tessalonicenses 3:12 (“trabalhando tranqüilamente”) para descrever o oposto de ter uma vida atribulada. Então, parece que as senhoras cristãs devem estar quietas, calmas, não polemizando, no contexto do ensinamento (sendo ensinadas). Fazer oposição ou debater com um mestre não é um ministério para o qual as mulheres tenham sido chamadas.

2) Devem aprender “com toda a submissão” (2:11)Qual é a diferença entre submissão e “toda a submissão”? A palavra “toda” ajuda a enfatizar o grau de cumprimento da determinação. Em grego, a palavra é pas, “todo”. No contexto do aprendizado, as mulheres devem estar em “toda” submissão. A palavra “submissão” aqui é hupotage, traduzida em outros locais por “obediência” (1Coríntios 9:13). Ela é também usada para exprimir a obediência dos filhos aos pais (1Timóteo 3:4). Na família de Deus, as mulheres devem ser conhecidas por serem quietas, gentis e de comportamento submisso quando aprendendo sobre as Escrituras.

3) “Eu não permito” (2:12) – “Permito” (epitrepo) é a mesma palavra grega usada em 1Coríntios 14:34, onde é determinado que às mulheres não é “permitido” falar nas reuniões da Igreja (1Timóteo 2:12). Quando Paulo escreveu “eu não permito” (1Timóteo 2:12), ele usou o presente do indicativo, que tem a característica de ser determinante, taxativo. Fritz Rienecker, na obra Linguistic Key to the Greek New Testament, falando sobre a tradução dessa passagem para o inglês, diz que ela traduz uma ação permanente e intensa, como “eu nunca permito”. Isso fica mais óbvio em 1Timóteo 2:13-14, onde Paulo apela para a ordem de criação de Gênesis 1 (“primeiro foi formado Adão, depois Eva”), assim

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como a particularidade da queda (“Adão não foi enganado, mas Eva sim”) para apoiar a proibição. Usando a ordem da criação e da queda para o assunto em particular, fica muito bem definido que essa verdade é atemporal, isto é, é válida através dos tempos e também que independe da cultura na qual esteja sendo considerada.

4) Mulheres não devem “ensinar” (2:12)A palavra grega para “ensinar” é o verbo normalmente usado para o ato de instruir, didasko - (didaskw) (de onde derivou “didática”). Ela foi usada para designar o ensino de Jesus nas sinagogas e nas cortes dos templos (Mateus 4:23 e 26:55), na determinação de Jesus para ensinarmos a todas as nações (Mateus 28:20), para os ensinos dos apóstolos após o Pentecostes (Atos 4:2), para os ensinos de Paulo e Barnabé em Antioquia (Atos 11:26) e para os ensinos de alguém sobrenaturalmente dotado para ser mestre (Romanos 12:7). Para outros exemplos, veja a obra (disponível apenas em inglês) de Paul R. McReynolds, Word Study Greek-English New Testament, Wheaton: Tyndale House, 1998, pág. 1133. A forma gramatical didaskalos é empregada para designar a ação de alguém reconhecido como “mestre” (como Jesus em Mateus 8:19). É este ministério particular que parece haver sido negado às mulheres.

A forma grega de “ensinar” traz a conotação de que a ação é praticada por alguém que realmente é “mestre”. Existem, para exemplificar o caso que analisamos, duas formas gramaticais gregas que denotam idéias diferentes. O estudioso Wuest ressalta, da gramática grega de Dana e Mantey (pág. 199): “Uma das formas denota o que é eventual ou particular, enquanto que outra designa uma condição ou processo. Assim, a palavra pisteausai refere-se ao exercício da fé (crer) em dada ocasião, enquanto pisteuein designa o crente; douleusia significa prestar um serviço, ao passo que douleuein significa ser um escravo; hamartein é cometer um pecado, mas hamartanein é ser um pecador”.  Então,

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como a palavra usada no texto que analisamos pertence à segunda categoria dos exemplos acima, ela significa, traduzida, “ser um mestre” (Kenneth Wuest, The Pastoral Epistles in The Greek New Testament, Grand Rapids: Eerdmans, 1958, pág. 48). O que é proibido em 1Timóteo 2:12 é que a mulher assuma o papel de mestre na Igreja ou para a Igreja.

Note também o paralelo entre 2:11 e 2:12: que a mulher “aprenda em silencio“ (2:11), correspondendo a que não lhe é permitido “ensinar” (2:12). Então, ao invés de ensinar, a mulher deve aprender. As duas atividades são opostas por natureza. Seria como que, se uma mulher ensinasse a Bíblia, estivesse violando as próprias Escrituras que procurasse ensinar.

O que está colocado acima não quer dizer que o homem nada tenha a aprender com a mulher. Os fatos que uma mulher pode trazer uma palavra de profecia para o homem, que Priscila possa explicar coisas para Apolo ou que o homem possa aprender das palavras de uma canção cantada por uma mulher, ilustram vividamente essa afirmativa. O caso aqui é o de uma mulher assumir a posição de ministrar instruções doutrinais ou ensinar a Palavra, no sentido encontrado em Mateus 28:19-20, Atos 2:42 e Romanos 12:7. É importante evidenciarmos que Paulo não teve em mira a escola secular, onde uma mulher poderia ensinar a uma classe cheia de homens. Ao contrário, o que é proibido é uma mulher ser uma mestra das verdades divinas para a Igreja.

5) Não devem ter autoridade sobre o homem (2:12)Observe que o requisito para que as mulheres estejam em “toda a submissão” (2:11) corresponde exatamente ao mandamento de que ela “não tenha domínio sobre o homem”. Ao invés de exercer autoridade sobre o homem, as irmãs devem ficar em um espírito de calma e tranqüila submissão.

Muitos tentaram redefinir a palavra “autoridade” apresentado-a com a conotação que tinha muitos séculos antes do Novo Testamento ser escrito. Isso é uma falácia ilógica, um estudo errado da palavra. As palavras mudam de

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significado através do tempo e a única informação relevante é a que diz respeito ao uso da palavra ao tempo em que foi escrito o NT. Paulo provavelmente não tinha conhecimento de como uma palavra em particular havia sido usada por Homero ou Sócrates, centenas de anos antes dele haver nascido!

“Autoridade” é, ao mesmo tempo, uma tradução e uma transliteração de authenteo - (auyentew), uma palavra encontrada nessa forma gramatical apenas nessa passagem, no Novo Testamento. Originalmente (muito antes dos tempos do NT) ela se referia a “alguém que, com suas próprias mãos, mata a outrem ou a si mesmo”. Depois, ela evoluiu para significar “alguém que faz as coisas, o autor” (essa palavra, autor, deriva de authenteo, assim como autocrata, aquele que age por sua própria autoridade). Então, finalmente, como usada ao tempo do Novo Testamento, ela representava “governar, exercer autoridade” (Thayer). O vocabulário de BAGD define o significado de authenteo - (auyentew) no primeiro século como “ter autoridade”. Então, “ter autoridade” sobre um homem significaria o direito de dominar ou governar esse homem. Segundo os conceitos de Dana e Mantey (já descritos) sobre a significação gramatical das formas apresentadas, “ter autoridade” poderia oferecer a idéia de que a mulher não deve “ser uma autoridade” sobre o homem.

Qual é a relação em 1Timóteo 2:12 entre “ensinar” e “autoridade”? Existem pelo menos duas maneiras de vermos isso:

a) Ensino com Autoridade. A habilidade de ensinar foi realmente reconhecida na Igreja primitiva como um dom divinamente ofertado (Romanos 12:7 e 1Coríntios 12:27-31). Certas pessoas são reconhecidas pela Igreja especificamente como mestres (Efésios 4:11). Presume-se que para fazer sermões para a Igreja é preciso que alguém tenha a autoridade (ou o direito) de fazê-lo e que isso é exercer um tipo de autoridade sobre todos os presentes. Para serem corretos, todos os ensinamentos e profecias devem ser julgados pela Igreja como um corpo. Contudo, o simples direito de oferecer um ensinamento é uma forma de

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autoridade. Vemos um paralelo com isso em 1Coríntios 14:34, onde o silêncio (isto é, não falar) é apresentado mo uma forma de submissão: “as mulheres estejam caladas nas Igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam submissas como também ordena a lei”.

b) Nem ensinar, nem autoridade – Um exame do real significado das palavras gregas em 1Timóteo 2:12 apresenta algumas interessantes observações. Lemos ali: “Pois não permito que a mulher ensine, nem tenha domínio sobre o homem, mas que esteja em silêncio”. Perceba que as palavras “ensinar” e “domínio” (autoridade) estão opostas a “eu não permito”. Isso pode significar que existem duas coisas distintas e separadas que às mulheres não é permitido fazer. Primeiro, elas não podem ensinar. Segundo, não podem ter autoridade sobre o homem. Essa é uma situação bem clara: a palavra grega para “ou” é odia, que significa realmente “nenhum”.

Independente de qual dos cenários é o correto, a frase “sobre o homem” (2:12) justifica outras explanações. Desde que na Igreja nenhum homem tem autoridade hierárquica sobre outro (veja Lucas 22:24-27) o que Paulo quereria dizer aqui sobre autoridade? Primeiro, o simples fato de que qualquer ensino é um ato autoritário “sobre” outras pessoas presentes. Segundo, note que não existe nenhuma preposição grega para “sobre” no texto original. Essa palavra é acrescentada pelos tradutores, baseados no final da palavra “homem” (andros). Embora “sobre” seja uma opção gramatical legítima, podemos oferecer uma preposição diferente: a palavra “de”. Considerando o que a Bíblia diz em outros lugares sobre os líderes de Igrejas não terem autoridade terrena “sobre” outro homem (Lucas 22:24-27), esse verso seria mais bem traduzido como “autoridade de homem”. Então, as mulheres não devem ter autoridade “de homem”.

Nota do tradutor: Das versões brasileiras mais tradicionais, a Edição Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida (1987), traz no, verso 12, “... nem use de autoridade sobre o marido...”, enquanto que a versão Revista e

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Atualizada (1993) diz “... nem exerça autoridade de homem...“, que é a forma indicada acima como mais correta.

O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (brasileiro) define “autoridade” como: “o direito ou poder de se fazer obedecer, de dar ordens, de tomar decisões...” Nesse contexto, é claro que os homens têm autoridade para ser mestres no corpo de Cristo.  Os homens têm também autoridade para debater com os outros homens até que, juntos, cheguem ao consenso como Igreja (ekklesia). Terceiro, eles têm autoridade para ser as cabeças de suas famílias. Quarto, têm autoridade para ser anciãos na Igreja (se preencherem os requisitos). Quinto, os homens têm autoridade de dirigir a oração pública conjunta (1Timóteo 2:8). Sexto, os homens têm autoridade para discursar para a Igreja reunida (1Coríntios 14:34-35).

No reino de Deus, o único homem ao qual uma mulher tem que se submeter é o seu próprio marido. Mulheres em geral não têm que se submeter aos homens em geral. No entanto, mulheres não têm autoridade de assumir, na Igreja, tarefas reservadas aos homens: mestre, ancião, juiz de profecias, etc.

6) Que a mulher “esteja em silêncio” (2:12)Como já foi demonstrado, a mesma palavra grega (hesuchia) está por trás de “silêncio”, tanto no verso 11 quanto no 12 (algumas traduções trazem “silenciosas” no verso 11). Ainda que essa palavra possa significar muda, ela primordialmente significa “ajustada” (no sentido de tranqüila, calma), não contenciosa e não agitada. As mulheres devem se manter silenciosas em respeito ao ensinamento e à autoridade do homem (essas coisas estão no âmbito das tarefas dos homens). As mulheres não têm “autoridade” outorgada por Deus para assumir responsabilidades atribuídas aos homens, especialmente de ensinar, liderar e tomar decisões. Nessas áreas, elas devem se manter quietas. Suas informações, seus pensamentos, seus sentimentos e suas idéias devem ser expressas através de seus maridos, não diretamente à Igreja. Passar por cima seus maridos nesses assuntos é

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envergonhá-lo: “E, se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos; porque é indecoroso para a mulher o falar na Igreja” (1Coríntios 14:35).

Marido, vocês considera sua esposa? Você leva realmente em consideração suas idéias e seus sentimentos? Você pede a opinião dela sobre assuntos da Igreja? Estão suas preocupações refletidas nas deliberações que você toma quando reunido com os outros homens da congregação? Nosso irmão Paulo nos lembrou que “Todavia, no Senhor, nem a mulher é independente do homem, nem o homem é independente da mulher, pois, assim como a mulher veio do homem, assim também o homem nasce da mulher, mas tudo vem de Deus” (1Coríntios 11:11-12). Paulo ainda advertiu aos maridos que considerassem como estavam vivendo com suas esposas, tratando-as com respeito, como companheiras e co-herdeiras do gracioso dom da vida, “para que não sejam impedidas as vossas orações” (1Pedro 3:7). Suas orações a Deus parecem estar ricocheteando no teto e caindo de volta sobre você? Talvez haja uma boa razão para isso! Os maridos devem representar suas esposas nos assuntos da Igreja, assim como os senadores na capital do país representam seus estados.

Assim, ainda que homens e mulheres sejam iguais em Cristo (Gálatas 3:28), eles têm esferas de atuação diferentes de ministério. Submissão não quer absolutamente dizer inferioridade. Cristo pessoalmente exemplificou isso em sua existência terrena (Ele se submeteu à sua mãe e ao seu pai terrenos, conforme se vê em Lucas 2:51). Em Sua existência divina, Ele fez o mesmo (ainda que igual ao Pai, Cristo se submeteu a Ele) (Filipenses, 2:5-11).

7) “Adão foi criado primeiro” ( 2:13) – O fato de que Adão foi criado primeiro indica liderança, prioridade e ordem na relação entre homens e mulheres. Deus poderia ter criado Adão e Eva simultaneamente, mas não o fez. A ordem na criação é a base da instrução do Novo Testamento para que as mulheres não tivessem a autoridade do homem. Deus estabeleceu fronteiras às quais não devemos nos aventurar a

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ultrapassar. Para uma mulher ensinar na Igreja ou assumir autoridade de homem é como desertar do papel preparado para ela por Deus.

8) “Adão não foi o iludido” (2:14) – Sobre a transgressão, a “iludida” foi Eva, não Adão. Ele pecou conscientemente. Os fatos são simplesmente narrados como ocorreram: a mulher assumiu a liderança, o homem se submeteu e o desastre foi o resultado. Deus criou cada gênero com diferentes esferas de ministério e confundir os dois conduz inevitavelmente a algum problema.

O engano de Eva (2:14) é a segunda razão pela qual as mulheres não podem ensinar na Igreja nem ter autoridade de homem. Talvez pelo seu instinto maternal, Eva foi mais confiante, menos cautelosa. Em contraste, Adão pecou sabendo perfeitamente que o que estava para fazer estava errado. Embora ambos tenham pecado ao comer o fruto, cada um tinha uma perspectiva diferente quanto à mesma tentação. Então, homens e mulheres foram criados para ser diferentes não apenas fisicamente, mas também nos papéis que assumem na sociedade, na família e na Igreja.

Uma explanação alternativa é a diz que Paulo está, na passagem analisada, meramente estabelecendo as conseqüências judiciais colocadas sobre a humanidade em razão das ações de Eva. Assim como o homem foi sentenciado a “em fadiga comer todos os dias da vida“ por causa do pecado de Adão (Gênesis 3:17), também a mulher, por seu engano, deve ser impedida de ensinar e de assumir a autoridade do homem.

É muito usual hoje o desprezo a 1Timóteo 2:11-12 (nem ensinamento nem autoridade) como algo relevante apenas nos dias de Paulo (pelo fato de que as mulheres do primeiro século tinham escassa educação ou porque mulheres pagãs eram sacerdotisas, etc.), mas o fato de que os versos 2:13-14 invocam a ordem e os eventos da criação, demonstram que isso é uma verdade atemporal e que transcende a todas as culturas. Tudo que foi aplicável à Igreja em Éfeso por causa de Adão e Eva é também verdade

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universal hoje. Desde que os homens e mulheres são descendentes de Adão e Eva, as mulheres devem aprender quietas, não ensinar na Igreja e não assumir autoridade de homem.

9) As mulheres serão salvas “dando a luz” (2:15)Desde que o perdão dos pecados acontece apenas pela graça, através da fé no Senhor Jesus, isso não quer dizer que esse perdão venha pela maternidade! Tomada em seu contexto imediato, isso se refere simplesmente à esfera na qual a maioria das mulheres encontrará seu maior potencial de ministério: o lar. Afinal, uma mulher deu à luz o Messias! Porém, mais especificamente, as mulheres cristãs serão “salvas” (2:15) de violar a ordem na criação (2:23) concentrando-se em ser boas mães (Tito 2:3-5). Havendo determinado quais os ministérios inapropriados para as mulheres cristãs (ensinar na Igreja e tomar a autoridade de homem, 2:12), Paulo termina enfocando o ministério que é apropriado (cuidar do lar, 2:15). Assim como Paulo recomendou aos filipenses que “efetuassem a vossa salvação” (Filipenses 2:12), aqui ele direciona as mulheres para a área específica na qual devem efetuar (ou trabalhar para) sua salvação: o ambiente do lar.

Uma exceção ao ministério do gênero “maternidade” está em 1Coríntios 7, onde o celibato é exaltado sobre o casamento. A razão oferecida é que “A mulher não casada e a virgem cuidam das coisas do Senhor para serem santas, tanto no corpo como no espírito; a casada, porém, cuida das coisas do mundo, em como há de agradar ao marido” (1Coríntios 7:34). O que exatamente essas abençoadas mulheres fazem no serviço do Senhor? Ana usava seu tempo em louvor, jejuando e orando (Lucas 2:36-37). Muitas mulheres tinham liberdade para viajar com Jesus e os apóstolos, ajudando-os com seus próprios recursos financeiros (Lucas 8:1-3). Maria e Marta tiveram oportunidade de oferecer hospitalidade a Jesus em várias ocasiões. Outras mulheres participaram das reuniões de oração (Atos 1:14).  Em tempos de perseguições, as sentenças de prisão resultavam em

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muito menos angústias se não houvesse crianças com as quais se preocupar (Atos 8:3 e 9:2). Lídia foi capaz de gerir seu próprio negócio e hospedar obreiros apostólicos (Atos 16:14). Febe estava disponível para viajar e dar assistência a Paulo além de muito outros (Romanos 16:1-2), Muitas mulheres, entretanto, não tem o dom do celibato e encontram sua principal forma de servir ao Senhor estando no lar.

É muito importante que se evidencie que as razões por trás da não permissão para que as mulheres ensinem na Igreja nem que assumam autoridade de homem nada tem a ver com a inteligência, espiritualidade ou capacidade de pregar delas. O intelecto da mulher é igual ao do homem. As Escrituras estão repletas de exemplos de mulheres sábias, boas mulheres (muitas das quais casadas com maus maridos). Como no caso de Pilatos (Mateus 27:19), muitos maridos se dariam melhor aceitando os sábios conselhos de suas esposas! Homens e mulheres são iguais em Cristo (Gálatas 3:28), mas isso não elimina as diferenças dos gêneros criadas por Deus. Cada um tem designadas distintas tarefas para cumprimento na família e na Igreja. “Assim como a mulher tem sua área de responsabilidades divinamente apontada, nas quais os homens se intrometerão penas se foram tolos, o homem também tem seu campo de atuação, no qual é insensatez para uma mulher se arriscar” (RCH Lensli, Commentary on The New Testament, vol. 9, pág. 567, Augusburg Publishing House, Minneapolis, 1961).

Profetisas

Desde o Antigo até o Novo Testamento, aprouve ao Senhor usar mulheres para enviar profecias para homens e mulheres. Exemplos de profetisas incluem Miriam, Débora, Hulda, Ana e as quatro filhas de Felipe. O profeta do AT, Joel visualizou os tempos do NT, quando Deus derramaria Seu Espírito, com o resultado de que “seus filhos e filhas profetizarão” (Joel 2:28). Pedro declarou que a profecia de

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Joel se cumprira no Pentecostes, quando o prometido Espírito Santo desceu sobre os crentes reunidos. (Atos 2:14-21).

Como se pode perceber, porém, existem algumas diferenças entre homens e mulheres, quanto ao uso desse dom.  Enquanto que os profetas eram mais públicos em seus ministérios, as profetisas, em contraste, eram bem mais particulares (pelo menos nos exemplos históricos dados nas Escrituras). Por exemplo, Débora foi a Barak com uma profecia pessoal, Não sabemos quem mais a ouviu, mas a profecia era especificamente para Barak. Hulda transmitiu a mensagem de Deus para o rei, do isolamento de seu próprio lar. Ana aproximou-se dos pais de Jesus no meio da confusão do templo e depois falou sobre o menino Jesus para quem quisesse ouvir. Em contraste, a canção profética de Miriam de Êxodo 15:20-21 foi pública e espetacular, mas foi à “todas as mulheres” que ela se dirigiu e não aos homens.

Todas as divergências na abordagem dos usos das profecias entre homens e mulheres são devidas às diferenças colocadas por Deus quanto às funções ministeriais adequadas aos homens e às mulheres. Aparentemente existem diferentes tipos de profecia:

1) Profecias de encorajamento – Das profecias de encorajamento, um bom exemplo esta em Atos 15:32, onde Judas e Silas, “eles mesmos sendo profetas, muito disseram para encorajar e unir os irmãos”. Essa categoria de profecias é para “edificação,  exortação e consolação” (1Coríntios 14:3). O resultado é que “todos podem ser instruídos e estimulados” (14:32).

Este primeiro tipo de profecia é apropriado para que profetisas se engajem nele?  A canção de Miriam de Êxodo 15 poderia ser um exemplo de uma profetisa transmitindo sua profecia do tipo encorajamento, mas ainda assim seu ministério foi apenas para outras mulheres. Talvez seja melhor assumirmos que as profetisas atuavam exatamente da mesma forma que os profetas. É interessante, entretanto, que nenhuma profetisa escreveu qualquer dos

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livros proféticos do Antigo Testamento. É também interessante notar que a maioria dos profetas verbais era homens. Mais especificamente, nas passagens do NT que parecem tratar de profecias para o público (1Coríntios 14:29-38), é determinado que, nas reuniões da Igreja, às mulheres “não é permitido falar”. Poderia isso se referir a algum tipo de limitação às mulheres quanto a profetizar?  (há um artigo da NTRF sobre o assunto, ainda apenas em inglês, On The Lord’s Command That Women Remain Silent).

2) Profecia de discernimento. – Quando Jesus falou à mulher no poço sobre seus vários maridos, ela retrucou: “Senhor, vejo que és profeta” (João 4:19). Ao deduzir isso sobre Jesus, ela traduzia um entendimento comum no primeiro século sobre o dom de profecia: ela era a recepção de conhecimento sobrenatural sobre fatos correntes ou as particularidades da vida de outras pessoas. Esse conhecimento sobre a profecia é evidente também na pergunta feita pelo soldado a Jesus, depois de vendá-Lo e de O esbofetear: “Profetiza-nos, ó Cristo, quem foi que te bateu?” (Mateus 26:68). Paulo escreveu sobre esse aspecto da profecia funcionando em uma reunião da Igreja do primeiro século, com o resultado de que um incrédulo teria “os segredos de seu coração”  revelados (1Coríntios 14:25). Um exemplo do Antigo Testamento é o conhecimento do profeta Natan do pecado secreto do Rei Davi com Bate-Seba (2Samuel 12). Esse segundo tipo de profecia demanda urgência em sua entrega ao destinatário.

3) Profecia de predição – A mais popular forma de profecia, por natureza, é a de predição. Todos pensamos imediatamente nos muitos profetas do AT que predisseram a pendente invasão de Judá pela Babilônia, o nascimento do Messias ou a vinda do Novo Concerto. Um exemplo do NT é a predição de Ágabo sobre a fome (Atos 11:28) ou o alerta de Jesus sobre a destruição do templo ocorrida no ano 70 da Era Cristã (Mateus 24).

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São os segundo e terceiro tipos de profecia (de discernimento e de predição) apropriados para profetisas? – É obviamente adequado que Débora tenha ido a Barak com a profecia sobre seu futuro como líder militar, que Hulda tenha dado ao rei uma palavra sobre seu futuro como monarca e Ana tenha falado a todos que a podiam ouvir sobre Jesus (Lucas 2:39)! O derramamento do Espírito no Pentecostes sobre homens e mulheres demonstra que é apropriado que a mulher exerça esse dom. Em todos esses casos, os homens que ouviram as palavras de profecia trazidas pelas profetisas obtiveram novas informações (palavras de Deus) que anteriormente não tinham. Nesse sentido, eles aprenderam algo. Isso faria da profetisa uma mestra para aquele homem? Não, da mesma forma que o carteiro, quando entrega um telegrama, também não se transforma em mestre por isso.

Quando uma mulher do Novo Testamento profetizava, para um homem ou para outra mulher, devia ter a cabeça coberta, como símbolo de sua concordância com o desejo de Deus de que a ordem da criação fosse mantida (1Coríntios 11). Paulo desejou que tanto homens quanto mulheres atentassem para que “a cabeça de cada homem é Cristo, a cabeça da mulher é o homem e a cabeça de Cristo é Deus (1Coríntios 11:3). A mulher deve ter o símbolo da autoridade na sua cabeça, porque “o homem não proveio da mulher, mas a mulher do homem, nem foi o homem criado por causa da mulher, mas a mulher por causa do homem” (1Co 11:8-10).

A profecia de Joel (Joel 2) sugere que a ocorrência de profecias era largamente difundida nos tempos do NT. Ainda assim, isso não autorizou o relaxamento das normas sobre o que era atividade ministerial apropriada para homens e para mulheres. Cada gênero tem tarefas complementares a atender, tarefas essas determinadas por desígnio divino na Criação (Gênesis 1 – veja também o artigo da NTRF, ainda só em inglês, Sisters in Service). A esse respeito, RCH Lenski cita Loy: “É certamente gratuito assumirmos que o silêncio da mulher nas assembléias da Igreja (porque elas não devem usurpar a autoridade do homem) é inconsistente com os dons

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proféticos a elas concedidos. O Senhor que os concedeu também oferece amplas oportunidades para que eles sejam usados sem a transgressão de Suas ordens. Não é necessário que elas apareçam nas assembléias da Igreja. Elas podem fazer seu trabalho privadamente, para o que estão mais bem capacitadas. Não é preciso que elas, sem modéstia, se apresentem em público ante o olhar pasmado dos homens, na tentativa de obter autoridade sobre eles, tentando ser suas mestras, quando há muito trabalho a ser feito entre seu próprio sexo e entre as crianças. É irracional e ímpio o pensamento de que uma mulher está errada quando fica limitada à sua própria esfera como mulher, assim como a idéia de que existe injustiça quando sua reivindicação para agir como homem e fazer o trabalho dele na Igreja não é admitida. Existe muito espaço para o exercício de seus dons no lugar que Deus determinou para ela” (pág. 571). 

Diz 1Coríntios 14:29-33 que os espíritos dos profetas estavam sujeitos a eles e que, se um deles recebesse uma revelação e estivesse em pé para falar, deveria se calar se outra pessoa recebesse outra revelação. Isso significa que, no terreno das profecias, Deus pode dar a uma pessoa uma revelação que não deve ser divulgada naquela oportunidade. O mesmo pode ser verdade para as mulheres com o dom de profecia. Existem horas e lugares onde seus dons não devem ser empregados, Por exemplo, Paulo e seus companheiros estavam em Cesaréia com Felipe, que tinha quatro filhas solteiras profetisas. Mas, apesar disso, Deus preferiu mandar Ágabo vir da Judéia até Cesaréia para profetizar para Paulo acerca de sua futura prisão.

As mulheres foram claramente dotadas por Deus com o dom de profecia (1Coríntios 11). Algumas mulheres profetizaram para homens. Desde que “aprender” é um resultado da profecia (1Coríntios 14:31), como pode a proibição de Paulo de que as mulheres ensinem ser realmente observada? A palavra grega para ”aprender” é mantano - (manyanw) (como em 1Coríntios 14:35 e

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1Timóteo 2:11), que não é a mesma para ”ser instruído”. Somente porque profecia resulta em “aprender” não faz do profeta um instrutor. Alguém pode aprender das palavras de uma oração ou de uma canção, mas isso não faz da pessoa que ora em voz alta ou da que canta um mestre. Tratando erroneamente como sendo sinônimos os dons de ensinar e o de profetizar, alguns citam 1Coríntios 11 (junto com Lucas 2:36 e Atos 21:9) para lançar por terra a categórica proibição de 1Timóteo 2:12. O problema com essa posição é que ensinar e profetizar estão relacionados em Romanos 12:6-7 como dois dons distintos e separados. Assim, em 1Coríntios 12:28-30, Paulo pergunta: “São todos apóstolos? São todos profetas? São todos mestres?”

Qual é a diferença entre ensino e profecia? Wayne Gruden, no livro Gift of Prophecy in the New Testament and Today, diz na pagina 135:

1. Embora ambos sejam verbalmente expressados e resultem em ‘aprender’ (1Coríntios 14), profecia é o resultado de uma revelação pessoal (individual) do Espírito Santo, enquanto que ensino é baseado na Palavra de Deus escrita.

2. Enquanto que a profecia é espontânea e não programada, o ensino geralmente vem de horas de pesquisas e estudos. Ensino envolve intelecto, treino, aptidão e planejamento. Profecia, ao contrário, vem do Espírito, não do intelecto.

3. Profecia e ensino são sempre tratados como dois separados e distintos dons espirituais no NT.

4. Ensinos não são julgados por um conjunto de profecias, mas todas as profecias devem ser julgadas pelas Escrituras e pelo corpo de mestres apostólicos. O ensino regular baseado na Palavra de Deus tem muito mais autoridade do que uma ocasional profecia baseada numa impressão pessoal, que um profeta pensa ter recebido de Deus.

5. Ensino é associado com liderança. Ensinar para a Igreja é assumir uma forma de ‘autoridade’ (1Timóteo

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2:12). Um dos requisitos para todos os anciãos é que eles sejam ‘capazes de ensinar’ (1Timóteo 3:2), não de profetizar. Efésios 4:11 refere-se a um tipo de ministros que servem a Igreja como ‘pastores e mestres’, não como ‘pastores e profetas’ ”.

O QUE AS MENTES INQUISITIVAS QUEREM SABER

Se Paulo já havia proibido as mulheres de ensinar em todas as Igrejas, não seria supérflua a recomendação para seu jovem assistente encontrada em 1Timóteo 2:12? O pensamento por trás dessa questão é que, desde que Paulo havia trabalhado com Timóteo por vários anos e se a proibição do ensino pelas mulheres era uma prática regular, então Paulo não teria necessidade de, de repente, escrever isso na carta a Timóteo. Da mesma forma, igual questão poderia ser apresentada sobre as qualificações para anciãos e diáconos de 1Timóteo 3. Porque esses requisitos não haviam sido ainda apresentados, especialmente sendo Timóteo um plantador de Igrejas? Paulo instruiu a Timóteo na oração em 1Timóteo 2. Não teria ele abordado essas coisas nos três anos de associação com Timóteo?

Certamente Timóteo estava ciente das tradições apostólicas vigentes nas Igrejas. Porém, a liberdade do evangelho trouxera à tona novas questões. Mulheres na função de mestras certamente se tornara uma delas. Então, Paulo reforçara por escrito o que Timóteo já sabia na prática. A proibição de 1Timóteo 2:12 não era muito diferente da de 1Coríntios 14, na qual a Igreja de Corinto fora relembrada de que “conservem-se as mulheres caladas nas Igrejas” (14:34). O texto deixa claro que não era para elas começarem a ficar caladas, pois usualmente já faziam dessa forma.

E se as mulheres ensinam aos homens na Igreja com o consentimento dos anciãos? É bom vivermos em harmonia com os desejos dos líderes da Igreja. Entretanto, o caso aqui não é de aprovação pelos anciãos, mas de desaprovação por Deus. Não existem indicações nos textos sagrados de que a obtenção de aprovação pelos anciãos seja

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uma razão aceitável para desobediência à proibição das Escrituras.

Mas, e se uma mulher ensinar a Bíblia de uma forma não autoritária? Poderia ser argumentado que, nesse caso, a “mestra” não seria uma mestra realmente. Como poderia alguém rotular a outrem de mestre, se não ocorrer ensinamento? Essa pessoa poderia ser mais uma moderadora, introdutora ou facilitadora. Apenas isso, entretanto, já seria inapropriado para uma mulher cristã. Como poderia ela moderar num meio em que houvesse ignorância e, ao mesmo tempo, “aprender em silêncio”? Como poderia ela liderar e estar em “total submissão”? Estaria ela realmente “calada” (1Timóteo 2:12) nesses casos? Por outro lado, se uma mulher deseja compartilhar um testemunho de alguma coisa que Deus fez ou lhe transmitiu ou algo que ela meditou nas Escrituras, isso é perfeitamente aceitável, desde que não seja feito como ensinamento.

Como poderemos saber se isso tudo não é apenas cultural? O único propósito de Paulo ao escrever a Timóteo foi o de que ele, “... No caso de eu tardar, saibas como se deve proceder na casa de Deus, a qual é a Igreja do Deus vivo, coluna e esteio da verdade” (1Timóteo 3:15). Lembremo-nos também de seu apelo à Criação, sugerindo uma aplicação que transcende ao tempo e à cultura. A determinação de Paulo de que as mulheres não devem ensinar na Igreja é, de certa forma, cultural: mas, a isso chamamos cultura cristã!

E se algum problema local levou Paulo a essa proibição e esse problema já não mais existe? Ele pode até ter escrito em resposta a algum problema local que já não existe. Não obstante, há uma enorme e universal situação que ainda persiste: somos todos descendentes de Adão e Eva. O contexto da argumentação de Paulo para a proibição de as mulheres ensinarem na Igreja ou de assumirem autoridade de homem é claramente a apoiada em razões intencionalmente voltadas para seu cumprimento por todas as Igrejas em todos os tempos. Porque então Paulo citaria a prioridade de Adão na criação (2:13)? Ao citar a Criação como a base para as proibições, ao invés de algum problema cultural local, Paulo

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deixa claro que, ainda que alguma situação momentânea possa ter exigido a carta, essa situação não foi a justificativa para a proibição. Essas proibições são aplicáveis enquanto o raciocínio de 2:13 (Adão e Eva) permanecer verdadeiro.

Não poderia a morte de Cristo haver-nos redimido da maldição (Gênesis 3) e anulado seus efeitos? Uma parte da maldição em Gênesis 3 é que o homem deve “prevalecer” sobre a mulher. Ao invés de serem amorosas e servidoras, as mulheres do mundo tendem a ser egoístas e grosseiras ditadoras. Esse tipo de autoridade é uma perversão do plano original de Deus. Entretanto, a liderança e a prioridade de Adão precedem à queda. Elas são independentes da queda. Como foi antes evidenciado, Deus poderia facilmente haver criado Adão e Eva simultaneamente, mas não o fez. Isso demonstra que é “o homem a cabeça da mulher... porque o homem não proveio da mulher, mas a mulher do homem e nem foi o homem criado por causa da mulher, mas sim, a mulher por causa do homem” (1Coríntios 11:3-9). Essa posição inerente de submissão, de acordo com 1Timóteo 2:11-15, é violada quando uma mulher ensina as Escrituras ou exercita a autoridade de homem.

O efeito contrário ao da queda resulta em homens cristãos amando suas esposas e sendo servos-líderes (Efésios 5). O aspecto de “consenso mútuo” do casamento, descrito em 1Coríntios 7:5, ressalta a terna e amorosa liderança que os homens devem exercer. Esse efeito resulta também em esposas crentes contentes com sua submissão, não desejando exercer domínio sobre seus maridos (Gênesis 3:16 e 4:7).

Como pode 1Timóteo 2:11-12 ser uma verdade universal, à luz da natureza cultural do parágrafo precedente (2:9-10), o qual determina que “as mulheres se ataviem com traje decoroso, com modéstia e sobriedade, não com tranças, ou com ouro, ou pérolas, ou vestidos custosos, mas (como convém a mulheres que fazem profissão de servir a Deus) com boas obras”? Todas as cartas do NT são documentos “ocasionais”, escritos em resposta a alguma situação específica do primeiro século

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(usualmente um problema). Apenas o contexto no qual as instruções estão inseridas podem nos dizer quais delas deveria ser temporárias e limitadas (como em 2Timóteo 4:13: “traga a capa que deixei com Carpo”), ou aplicadas a todas as Igrejas em todos os tempos. Evidentemente, uma maneira de as mulheres não crentes do mundo romano expressarem riqueza e se apresentarem “na moda” era através de elaboradas tranças nos cabelos, entremeadas com ouro e jóias caras e de vestidos ostensivos. Em contraste, Paulo orientou as mulheres cristãs a se concentrarem no que é realmente adorno: boas obras, como se espera das mulheres que professam servir a Deus. Portanto, ainda que o aspecto possa ser de algum modo “cultural”, o princípio por trás disso permanece verdadeiro. Mulheres crentes ainda devem se concentrar em se vestir modestamente e a enfatizar a beleza íntima sobre a o adorno exterior. Não há conflito nenhum aqui!

Priscila não ensinou as Escrituras a Apolo (Atos 18:24-26)? Sem dúvida, Apolo aprendeu de Priscila. Lucas nos informa que Apolo já era “poderoso nas Escrituras” (18:24), e “ensinava com precisão a respeito de Jesus” (18:25). Apolo tinha, não obstante, uma lacuna em seu conhecimento sobre o batismo. Desse modo, Áquila e sua esposa Priscila (e não apenas Priscila), “tomaram-no consigo” (chamaram-no em particular) e, “com mais exatidão, lhe expuseram o caminho de Deus” (18:26). Foi uma discussão privada (“tomaram-no consigo”) e, em nenhum lugar, Lucas declara que Priscila fez a maior parte da explanação.

Muitos sentem que, desde que o nome de Priscila é citado antes do de Áquila, ela deve ter sido a principal oradora do encontro. Porém, uma razão válida para que seu nome tenha sido apresentado antes é oferecida por Wayne Meeks no livro The First Urban Christians, pág. 21: era comum que o nome de uma mulher precedesse ao de um homem, desde que ela fosse, antes do casamento, de um nível social mais elevado do que o do marido. Um exemplo é o caso de uma mulher nascida livre e casada com um homem liberto (um ex-escravo, embora agora livre). Mas, isso não quer dizer muito. Na minha Igreja eu, sem ter um motivo especial, muitas vezes

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me refiro a um casal como “João e Maria” e a outro como “Susana e Roberto”, sem nenhum juízo de valor com respeito a qualquer um dos dois.

A palavra grega usada para “expuseram”, em Atos 18:26, deriva de ektithemi - (ektiyhmi), que é diferente de didasko - (didaskw) (ensinar), como em Atos 11:26. Note-se que ektithemi - (ektiyhmi) é usada em Atos 11:4 (Pedro explanando aos seus críticos sobre o batismo de Cornélio). Por exemplo, você ensina ao seu patrão quando chega atrasado ao trabalho, ou se explica para ele? Enquanto automaticamente que isso serve para ilustrar que nada há de errado em um homem aprender de uma mulher, não é, entretanto, o exemplo de uma mulher que tivesse sido reconhecida pela Igreja como mestra.

Em Apocalipse 2:20-25, é dito que a autoproclamada profetisa Jezabel ludibriava a muitos com seus “ensinamentos”. Isso não quereria dizer que na Igreja primitiva era permitido que a mulher ensinasse? Primeiro, que uma pessoa seja profeta não quer dizer que ela seja, automaticamente, também mestra. Jezabel foi uma profetisa, não uma mestra. Segundo, a Igreja que tolerasse a alguém, homem ou mulher, que defendesse a imoralidade sexual (como Jezabel fazia) teria provavelmente poucos escrúpulos quanto a violar ordens de Deus respeitantes aos ministérios apropriados para homens e para mulheres (como às mulheres não ser permitido ensinar na Igreja).

Estudos sobre a realidade do evangelho na China parecem demonstrar que, não fosse pelas mulheres como mestras e como dirigentes eclesiásticas, as Igrejas de lá poderiam estar em sérias dificuldades. Como podem os ministérios dessas mulheres estar errados? Nós devemos julgar nossa experiência pela Escrituras e não as Escrituras pela nossa experiência. Martinho Lutero disse que, se a Bíblia declarasse que comer esterco fosse bom para ele, ele comeria, certo de que seria realmente bom. Ao contrário, se a Bíblia diz que determinada atividade é errada ou contra a vontade de Deus, então, independente das circunstâncias,

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isso não é o melhor de Deus para qualquer situação. Paralelamente à parcela de bom que exista na situação, ela pode ainda causar danos.  Um automóvel com as rodas desalinhadas ainda transporta seus ocupantes, porém à custa da destruição de seus pneus.

Como tudo isso se aplica às Igrejas bíblicas domiciliares? Obviamente, mulheres não devem assumir tarefas de instrutoras de doutrinas nem devem exercer trabalhos que as coloquem em posições de autoridade reservadas aos homens (isto é, posição de ancião, de juiz de profecias, de debater com os mestres e de tomar decisões por consenso). Por outro lado, o fato de que as mulheres não podem ser mestras não quer dizer que os homens nada têm a aprender com elas. As muitas profecias dadas por Deus às mulheres ilustram isso (Atos 2:17 e 1Coríntios 11:3-16). Certa vez minha esposa compartilhou comigo seus pontos de vista sobre uma passagem das Escrituras (visão essa que eu jamais tivera), que me ajudaram sobremaneira no entendimento do texto. Embora as pessoas “aprendam” com as profecias (1Coríntios 14:31), “profetas” não são fundamentalmente “mestres” (1Coríntios 12:28-29). Embora cantar seja uma forma de ensinar (Colossenses 3:16), se aprendemos com a letra da música, o cantor (ou cantora) nem por isso será realmente um mestre ou uma mestra. Um compartilhar informal de pontos de vista ou de diferentes pensamentos não coloca a ninguém no papel oficial de mestre! Conquanto não seja permitido à mulher ensinar ou exercer autoridade de homem, precisamos ter cuidado em não limitar outros ministérios que são completamente abertos a elas. A Igreja seria mutilada sem a participação delas!

Conclusão

Desejo que tudo o que foi escrito (em amor) seja recebido como verdade. Embora eu valorize nossos irmãos e irmãs em Cristo que sustentam pontos de vista diferentes dos que apresentamos, é inquietante vermos as Escrituras serem tão facilmente esquecidas como irrelevantes para nossos

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tempos. Em nosso zelo por afastar as danosas tradições humanas que surgiram por milênios, devemos ser cautelosos para não eliminarmos junto os ensinamentos e práticas que estão firmemente enraizadas na Palavra de Deus.

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20 - O MINISTÉRIO DE OFERTAR20 - O MINISTÉRIO DE OFERTAR

Steve Atkerson

Qual dos dois grupos de crentes abaixo está mais bem capacitado a financiar missionários e a assistir aos pobres?

a. Centenas de crentes organizados numa única Igreja que se reúnem no seu próprio santuário, com um complexo de escola dominical, centro familiar (com ginásio de esportes, parque infantil e academia de ginástica), ou

b. Centenas de crentes distribuídos entre dezenas de Igrejas domiciliares com a maioria dos líderes não remunerados.

Uma pesquisa feita entre congregações evangélicas dos Estados Unidos revelou que 82% dos fundos das Igrejas vão para edifícios, pessoal e programas internos - apenas 18% são aplicados em trabalhos de evangelização e missões. Nas Igrejas domiciliares bíblicas, essas porcentagens podem ser facilmente invertidas!

Não existindo um complexo de edifícios para manter, frequentemente sem um pastor de tempo integral e sem que ofertas sejam tiradas toda semana, uma das perguntas feitas com mais freqüência por crentes que chegam às Igrejas domiciliares é: “O que nós fazemos com nossos dízimos e ofertas?” A resposta é: “O que fazemos é, ao mesmo tempo, divertido e benemérito”. Primeiro, Deus ama a quem dá com alegria (2Coríntios 9:6-7) e, ofertar à maneira do Novo Testamento pode ser bem divertido! Depois, é benemérito no sentido de que os recursos doados serão aplicados onde são mais necessários: sustentando obreiros de tempo integral e assistindo aos necessitados.

Desde que a Igreja domiciliar da qual participo raramente tira uma oferta, como ofertamos? Como líder, eu encorajo cada família a separar uma porcentagem de cada

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salário ou renda para o nosso fundo de recursos. Semana após semana os recursos se acumulam, até que alguma necessidade na congregação apareça. Ofertar, em nossa Igreja, é geralmente um ato diretamente entre o doador e o necessitado, sem intermediário, embora ocasionalmente ofertas sejam tiradas. Dessa forma, fazemos doações para missionários, orfanatos, a Igreja perseguida, anciãos locais e os necessitados. Nós, propositalmente, não temos conta especial em banco nem propriedades da Igreja.

Coleta de ofertas

Alguns casos, no Novo Testamento, autorizam a realização de uma coleta de toda a Igreja. Um deles, é para o atendimento a crentes carentes (Atos 11:27-30 e 24-17, Romanos 15-25-28, 1Coríntios 16:1-4 e 2Coríntios 8:1-15 e 9:12). Outro caso é o sustento dos apóstolos (hoje, mais apropriadamente chamados de missionários) em seu trabalho (Atos 15:3, Romanos 15:23, 1Coríntios 9:1-14, 16:5-6 e 10-11, 2Coríntios 1:16, Filipenses 4:14-18, Tito 3:13-14 e 3João 5-8).

Fosse onde fosse (incluindo outros países), que crentes estivessem sofrendo devido à fome, perseguição ou outros problemas, as outras Igrejas eram chamadas a oferecer ajuda financeira. Ressalte-se que essas coletas não eram contínuas – elas cessavam quando as necessidades eram atendidas (Atos 11:27-30 e 12:25 e 1Coríntios 16:1-4). Assim, fica claro que devemos apoiar financeiramente nossos irmãos da perseguida Igreja chinesa. Doações aos pobres locais eram feitas diretamente e em segredo. (Mateus 6:1-4 e 6:19-21 e Efésios 4:28). Uma lista das viúvas que se qualificavam para ajuda era também mantida pela Igreja (1Timóteo 5:3, 5:9 e 5:16).

Era também responsabilidade da Igreja o sustento dos apóstolos (os plantadores de Igrejas). A palavra grega para enviar (propempo) é, no Novo Testamento, associada a ajudar a alguém em sua jornada, com alimentos ou dinheiro, propiciar companheiro para a viagem, meios de transporte, etc. Os apóstolos deveriam ser enviados ao campo de

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trabalho com subsistência material garantida (Atos 15:3, Romanos 15:24, 1Coríntios 16:6 e 16:11, 2Coríntios 1:16, Tito 3:13 e 3 João 5-8). O mesmo caso se aplica à palavra hospedar (Filipenses 2:29 e 3 João 10). Hospedar a um missionário (ou apóstolo) consistia em prover temporariamente alojamento a ele, assim como atender às suas necessidades físicas. Aos plantadores de Igreja do Novo Testamento eram ofertadas elevadas somas para levarem aos seus destinos de trabalho. Uma vez ali, eles deveriam evangelizar a área, estabelecer Igrejas, treiná-las nos conhecimentos básicos e, então, se retirarem. Durante as viagens  eles deveriam ser acolhidos pelas Igrejas e depois enviados novamente aos seus destinos seguintes.

A primeira carta aos Coríntios estabelece que os apóstolos/missionários tinham o direito de ganharem suas vidas do evangelho. Paulo foi versátil o bastante para ser capaz de suprir suas próprias necessidades quando os fundos da Igreja estivessem muito baixos. Outros, na Igreja primitiva, que recebiam donativos eram os evangelistas de tempo integral e os anciãos qualificados.

É muito perturbador o contraste existente entre os objetivos da aplicação do dinheiro da Igreja no Novo Testamento e aqueles vistos hoje. O jornal The Commercial Appeal da cidade de Memphis, publicou, em meados de 1980, que a Igreja Batista local tinha um complexo de edifícios de 30.658 metros quadrados de espaço interno, 1.400 vagas de estacionamento, 221 salas de aula e um auditório para 2.700 pessoas! Sua despesa média mensal era de 25.000 dólares! Seu órgão de tubos estava avaliado em 800.000 dólares! O que teriam Paulo e os outros apóstolos realizado com essas ferramentas ministeriais? Não existem justificativas no NT para despesas como essas. Ao contrário, o padrão do NT é de que se deve dar às pessoas, não acumular propriedades.

Entregar o Dízimo

“A Bíblia ensina assim, eu creio assim, então, entreguemos nosso dízimo”. Essas são as palavras cantadas

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todas as semanas pela congregação de uma grande Igreja que eu freqüentei. Alguns pastores/professores declaram enfaticamente que não entregar o dízimo de Deus é roubá-Lo (Malaquias 3:8-10)! Em uma mega-Igreja, os membros devem recitar o “Credo do Dízimo”, repetindo: “O dízimo é do Senhor. Em verdade nós o aprendemos. Pela fé nos o cremos. Com alegria nós o ofertamos. Dízimo!”

É lógico - a Bíblia ensina a entrega do dízimo. A mesma lei mosaica que requer a entrega do dízimo também ensina ao povo de Deus a não comer camarões e ostras. A questão real é saber qual dessas leis do Antigo Testamento está ainda vigente sob o Novo Testamento. É a lei de Moisés idêntica à lei de Cristo?

Por contraste, vemos que o dízimo do Antigo Testamento era compulsório, não voluntário. Seu propósito era financiar a teocracia governamental. Era como nosso Imposto de Renda. Ele era parte do sistema levítico com seus sacerdotes e templos (2Crônicas 24:6 e 24:9). Diferentemente de Israel, a Igreja hoje não está numa teocracia, mas sob um governo humano e secular. Distinta de Israel, a Igreja não tem uma classe especial de sacerdotes, mas todos na Igreja são sacerdotes. Diferente do Pacto Mosaico, o Novo Testamento não tem templos elaborados a construir e manter. Contrariamente, a Igreja se reúne nas casas de seus membros e os próprios crentes (pessoal e coletivamente) são o templo do Senhor (pedras vivas num templo espiritual). Assim como não existe mais o templo, não mais a classe especial de sacerdotes, não mais teocracia, não mais Terra Santa, não mais dieta restritiva (ostras e camarões), também não há mais dízimo. O dízimo jamais foi requerido no Novo Testamento. Houve uma modificação na lei (Hebreus 7:12), a antiga regulamentação foi desprezada (Hebreus 7:18) e o Novo Testamento tornou o Antigo obsoleto (Hebreus 8:13).

Alguns irmãos sentem-se compelidos a entregar o dízimo, ainda que essa prática realmente proceda do Antigo Testamento. Por exemplo, Abraão entregou o dízimo a Melquisedeque, vários séculos antes da instituição do Antigo Concerto. Aparentemente, o dízimo é uma prática que

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transcende a qualquer pacto. Esse argumento realmente parece plausível. Entretanto, uma vez que se tenha consciência de que esse é um evento isolado (e não contínuo) na vida de Abraão (o mesmo pode ser dito para o dízimo de Jacó) e que Abraão também ofereceu sacrifícios e circuncidou os homens de sua casa (ambas as práticas religiosas consideradas obsoletas por todos os cristãos), a força desse argumento diminui. No final, alguém pode até acabar concluindo que devemos entregar o dízimo apenas uma vez na vida!

A consciência de algumas pessoas é balizada pela declaração de Jesus de que “dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e tendes omitido o que há de mais importante na lei... estas coisas, porém, devíeis fazer, sem omitir aquelas” (Mateus 23:23). A chave para aplicação correta dessa afirmação está  na palavra lei (Mateus 23:23). Jesus estava falando para os professores da lei e os fariseus – homens que viveram antes do início do Novo Concerto. A lei era aquela do Concerto Mosaico, não o Novo Pacto. Dos israelitas do tempo de Jesus ainda era requerida a entrega do dízimo (e, por extensão, o fazer sacrifícios de animais). Nós, do Novo Testamento, não estamos sob esses requisitos, pois o primeiro pacto com sua lei já passaram. Viva a lei de Cristo!

É claro, não há nada de errado em entregar o dízimo, se for isso o que Deus tenha posto no seu coração. Como foi ressaltado antes, Abraão e Jacó entregaram o dízimo voluntariamente antes da lei ser dada. Eles são exemplos a seguir! O segredo está em que nossas doações devem ser de acordo com o propusemos ofertar, em nossos corações. Apenas não se sinta obrigado a entregar o dízimo.

Semeadura e Colheita

Sem dúvida, o Novo Testamento exalta a virtude da generosidade. Em Mateus 6:19-21, Jesus nos ensina a guardar tesouros no céu. Em Mateus 19:21, Jesus disse ao jovem rico que doando aos pobres ele poderia juntar tesouros

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no céu. Paulo, em sua primeira carta a Timóteo, em 6:18-19, exorta a que todos “sejam liberais e generosos, entesourando para si mesmos um bom fundamento para o futuro...” Devemos partilhar com os outros, “porque com tais sacrifícios Deus se agrada” (Hebreus 13:16).

Porém, quanto devemos ofertar? A resposta depende de quanto queremos colher depois, de quanto desejamos ser abençoados e de quanto pretendemos ter entesourado no céu. As Escrituras nos relembram que “... Aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e aquele que semeia em abundância, em abundância também ceifará. Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, nem por constrangimento; porque Deus ama ao que dá com alegria”. De acordo com o Novo Concerto, cada homem deve ofertar “segundo propôs no seu coração”. É isso, simplesmente, o que deve ser feito! A entrega do dízimo, como requerida por Moisés, não é uma prática do Novo Pacto. Note que o texto declara que nossas ofertas não devem ser feitas “com tristeza, nem por constrangimento” (2Coríntios 9:7). Se algum professor disser que devemos entregar o dízimo ou então estaremos roubando de Deus, não seria isso colocar-nos contra a parede, visando induzir-nos “por constrangimento”?

Oferte o que você tenha proposto no coração. Considere, porém, que talvez não seja o melhor uso para sua oferta o emprego em edifícios para santuários, pagamento de faxineiros, jardinagem, cadeiras tipo trono para os pastores ou órgãos de tubos de oitocentos mil dólares. Deus pretendeu que atendêssemos principalmente aos necessitados e que sustentássemos obreiros da Igreja (missionários, plantadores de Igrejas, evangelistas, anciãos qualificados, etc.).

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21 - EVANGELIZAÇÃO21 - EVANGELIZAÇÃO

Brian Anderson

Todos nós consideramos as últimas palavras de uma pessoa como muito importantes. Familiares se aglomeram à cabeceira de moribundos para captar suas últimas palavras e relembrá-las depois por anos e anos. Bem, eu afirmo que as palavras derradeiras de Jesus, antes de Ele ascender ao céu, são de fundamental importância.

Ele nos brinda com elas nos quatro evangelhos e no livro de Atos:

Mateus 28:18-20 “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos”.

Marcos 16:15-16 “Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado”.

Lucas 24:46-49 “Assim está escrito que o Cristo padecesse, e ao terceiro dia ressurgisse dentre os mortos; e que em seu nome se pregasse o arrependimento para remissão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois testemunhas destas coisas. E eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai; ficai, porém, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder”.

João 20:21 “Paz seja convosco; assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós”.

Atos 1:8 “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samária, e até os confins da terra”.

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Perceba que, em todos os casos, Jesus enfatiza a responsabilidade dos apóstolos na extensão de Seu reino. Eles deveriam fazer discípulos de todas as nações, pregar o evangelho a toda criatura, proclamar o arrependimento dos pecados a todas as nações, serem enviados por Jesus Cristo, assim como Ele foi enviado pelo Pai e testemunharem até os confins da terra. Jesus deu a mesma mensagem básica de cinco diferentes maneiras, de forma a que os apóstolos pudessem não ter dúvidas sobre qual seria seu trabalho depois que Ele se fosse. Ele deixou essas palavras badalando em seus ouvidos. Foi uma coisa que Ele desejou deixar impressa indelevelmente em suas mentes. Era como se Ele estivesse dizendo: “Se vocês esquecerem tudo o que eu lhes disse, vocês não podem se esquecer disso“. Esses textos formam a ordem de batalha da Igreja até a volta de Cristo.

Aqueles de nós que se reúnem em Igrejas domiciliares precisam assumir responsabilidade com essas palavras finais de Jesus Cristo. Teoricamente, deveríamos ter vantagem sobre os que se reúnem em lugares mais tradicionais. Desde que, normalmente, não usamos nosso dinheiro para pagar um pastor ou a hipoteca de um edifício, deveríamos ter todos os recursos financeiros necessários para custear o trabalho de evangelização em nossa cidade. Além disso, o modelo de Igreja domiciliar é muito mais fácil de reproduzir do que a Igreja tradicional. Para criar uma nova Igreja domiciliar não precisamos contratar uma pessoa formada num seminário nem edificar um prédio completo, com cruz, janelas com vitrais, púlpito, bancos e órgão. Tudo o que realmente precisamos para uma nova Igreja domiciliar é um punhado de pessoas que amem a Jesus Cristo e desejem segui-Lo juntos. Por outro lado, a própria dinâmica de uma Igreja domiciliar pode trabalhar contra a determinação de Jesus Cristo de alcançar a outros com Seu evangelho.

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Frequentemente, quando alguém chega a uma Igreja domiciliar, usufrui intensamente a rica e íntima comunhão com os outros crentes. Isso tende a levá-los a negligenciar outros importantes assuntos, como evangelização, discipulado e criação de novas Igrejas. Porém, não devemos deixar que isso aconteça conosco. Nossas Igrejas precisam manter, não só uma dinâmica de crescimento interno, mas também de crescimento externo. Elas devem manter também uma dinâmica missionária efetivamente atuante.

Comumente a Igreja assume uma mentalidade de fortaleza. Vemos o poder de Satanás e de seus demônios e desejamos proteger-nos dele e da poluição do pecado. Então, recuamos e nos enclausuramos no medo. Contudo, ao invés de nos achar na defensiva, deveríamos nos colocar na ofensiva! Jesus disse que e as portas do inferno não prevalecerão contra Sua Igreja (Mateus 16:18). Nessa passagem, a Igreja está na ofensiva e o inferno está na defensiva! Eu entendo que Jesus dizia que, se a Igreja, corajosa e agressivamente, invadir o reino de Satanás com o evangelho de Jesus Cristo, o demônio não terá capacidade para se opor com sucesso ou sequer revidar com violência. Nós prevaleceremos. Nós temos o poder e a autoridade para invadir o reino das trevas com a verdade do evangelho e o inferno não pode nos deter. Deixe essa verdade, saída dos lábios de Cristo, encorajar e incentivar você a novas empreitadas evangelísticas!

Se isso tudo é verdade, como poderá nossa Igreja se engajar na tarefa de alcançar aos perdidos e criar novas Igrejas? Vamos ver como e onde a Igreja primitiva evangelizava, para obter algumas orientações que nos sirvam para a mesma missão.

Onde a Igreja primitiva evangelizava?

Frequentemente, as Igrejas hoje procuram evangelizar convidando não cristãos para seus cultos. Uma abordagem popular é montar o serviço dominical da Igreja dirigido aos

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não cristãos, oferecendo música, drama e mensagens práticas dirigidas aos não convertidos em áreas como finanças, estresse, trabalho e família. Elas têm a esperança de que os não crentes sejam atraídos a Cristo através desses meios. Após serem convertidos, eles são encorajados a freqüentar estudos bíblicos durante a semana, para que possam crescer na fé. Entretanto, o Novo Testamento preconiza exatamente o contrário. Ao invés de convidar os perdidos para os cultos, no mais das vezes a evangelização no Novo Testamento ocorria durante a semana, quando os crentes tinham contato com os não crentes ou através da pregação da Palavra, pelos trabalhadores apostólicos, em lugares públicos. Os cultos eram destinados à edificação dos crentes e não à conversão dos descrentes (1Coríntios 14:3, 5, 12,17 e 26). É claro, em certas ocasiões também os não crentes assistiam aos cultos (1Coríntios 14:24-25). Contudo, os cultos não devem ser estruturados para eles, mas sim para o fortalecimento da Igreja. Aparentemente, o modelo bíblico é o de fazer a proclamação de Cristo aos outros, à medida que o Senhor nos proporciona oportunidades de testemunhar. Então, quando alguém professa sua fé em Cristo, é feito convite a ele para que comece a se reunir com os outros crentes nos cultos participativos.

Como a Igreja primitiva evangelizava?

A Igreja primitiva levava a sério a palavra de Jesus e procurava obedecê-la. Ela o fazia de duas diferentes maneiras: falando-se de apóstolos (criadores de novas congregações) e evangelistas, estes procuravam atingir aos perdidos através de pregações públicas, enquanto que os outros membros da Igreja procuravam alcançar aos não salvos por meio da interação diária com as pessoas que conheciam.

Trabalhadores apostólicos proclamavam Jesus Cristo em sinagogas, praças de mercados e margens dos rios (Atos 13:5, 17:17, 16:13). O restante da Igreja, por seu

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lado, testemunhava através de seu contato diário e regular com os não crentes. Por esse motivo, Paulo lhes escreveu: “Andai em sabedoria para com os que estão de fora, usando bem cada oportunidade. A vossa palavra seja sempre com graça, temperada com sal, para saberdes como deveis responder a cada um” (Colossenses, 4:5-6). Pedro exortou do mesmo modo: “... antes santificai em vossos corações a Cristo como Senhor; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a todo aquele que vos pedir a razão da esperança que há em vós” (1 Pedro 3:15).  Os membros da Igreja primitiva deveriam responder aos de fora e estar sempre prontos a defender suas crenças a todos que perguntassem. Essas passagens parecem indicar que os cristãos primitivos usualmente testemunhavam sobre o poder transformador do evangelho que eles já conheciam (modelo e exemplo de estilo de vida), enquanto que os apóstolos (os criadores de novas congregações) empregavam uma abordagem mais agressiva ao proclamar a Jesus Cristo àqueles que ainda não o conheciam.

Quais implicações disso sobre como nossas Igrejas domiciliares poderiam atingir aos perdidos? Isso significa que aqueles que, em nossas Igrejas, Deus dotou e chamou para trabalhar na evangelização (evangelistas e criadores de novas Igrejas) deverão procurar lugares para apresentar o evangelho de Jesus Cristo àqueles que não o conhecem. Talvez eles se engajem em pregações ao ar livre, evangelismo de rua, de porta-a-porta ou distribuição de folhetos. Poderão surgir oportunidades de falar em muitos eventos e para muitas pessoas. Eu, por ser um bom tocador de banjo, tenho tido muitas oportunidades de pregar o evangelho para grandes audiências seculares, em concertos e festivais.

Por outro lado, outros membros da congregação devem ficar orando e atentos a oportunidades de falar sobre Cristo com as pessoas com as quais interagem, como colegas de classe, vizinhos, colegas de trabalho,

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parentes, clientes e outros. Precisamos ainda, procurar freqüentar meios onde possamos interagir com não cristãos. Podemos nos associar a programas ou entidades cívicas ou de vizinhança, para nos encontrar com outras pessoas. Podemos abrir nossos lares nos feriados e convidar nossos vizinhos. Podemos convidar não crentes para almoçar ou jantar em nossa casa. Podemos iniciar um grupo de estudo bíblico investigativo para todos nossos amigos não salvos e que sejam abertos a aprender o que a Bíblia tem a ensinar. Podemos perguntar aos nossos amigos não crentes quais os motivos, em suas vidas, pelos quais podemos orar. Fiquei surpreso ao ver quantos de nossos vizinhos estão realmente solitários e esperando uma amizade verdadeira. Quando Deus oferece a oportunidade de nos tornar amigos de um não salvo, precisamos apenas ser nós mesmos e deixar nossa luz brilhar. São muitas as oportunidades de amar as pessoas e de fazer uma diferença em suas vidas, que poderá ser eterna.

Por outro lado, nossas Igrejas podem orar e ofertar generosamente para aqueles a quem Deus capacitou para evangelizar e criar novas congregações. O apóstolo Paulo frequentemente pedia às congregações locais que orassem por ele e por seu trabalho evangelístico e de criação de novas Igrejas (Efésios 6:19-20 e Colossenses 4:3-4). No texto citado, Paulo insiste com os irmãos a orarem por ele, para que Deus lhe infundisse intrepidez para proclamar o mistério do evangelho e para que Ele abrisse uma porta para o mundo, pela qual pudesse falar de Cristo. Além disso, Paulo insistentemente recomendou às Igrejas a que ofertassem de suas finanças para sustentar seu trabalho evangelístico (Filipenses 4:14-19 e 2Coríntios 8:1-5). Vamos orar e ofertar para aqueles que Deus, hoje, levantou como evangelistas e criadores de novas Igrejas.

Dentre as pessoas às quais a Igreja testemunhou, haverá algumas a quem Deus preparou para receber a Cristo e serem salvas. Bem, as pessoas que levaram

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essas almas a Cristo, se possível, devem começar a discipulá-las, investindo nelas seu tempo, encorajando-as, respondendo às suas perguntas sobre como viver para Deus e testemunhando sobre como servir a Cristo. À medida que Deus for salvando as pessoas, elas devem ser acrescentadas às Igrejas existentes ou a novas Igrejas, a serem criadas. Desde que as Igrejas domiciliares têm limitação de tamanho (elas devem caber numa residência), você provavelmente começará a experimentar dificuldades de reunir todos juntos quando o número de pessoas se aproximar de 35 ou 40.  A essa altura, você já deve estar planejando uma nova congregação! Isso pode ser feito dividindo a Igreja existente em duas ou juntando os novos crentes e inaugurando uma nova Igreja, deixando a Igreja inicial intacta. Eu, pessoalmente, prefiro o segundo modelo. Quando as pessoas começam a formar uma estreita comunhão numa Igreja, uma divisão pode ser traumática. Talvez seja bem menos danoso tomarmos alguns novos membros e um irmão com o dom de criação de novas Igrejas e ajudá-los a começar reuniões em um novo local. O irmão mais qualificado pode começar a ensinar a esses novos crentes como fazer funcionar uma Igreja domiciliar e como alcançar um saudável círculo social com o evangelho de Cristo. Com o tempo, Deus levantará dentre esses novos convertidos irmãos maduros que servirão como anciãos para pastorear o rebanho. Assim, o criador de novas Igrejas estará liberado para se devotar á criação de uma nova Igreja e o processo recomeçará sempre.

Meu Deus, dinamize aqueles de nós envolvidos com as Igrejas domiciliares para que trabalhem para atender à Grande Comissão, para que Jesus possa ser glorificado e Seu reino se estenda por todo o mundo!

Alguns crentes são sobrenaturalmente dotados em evangelização ou em criação de novas Igrejas. A existência e o ministério deles é um padrão do Novo Testamento, especialmente em áreas pioneiras. Entretanto, isso não quer dizer que cada nova Igreja deva

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ser iniciada por um deles, para ser uma Igreja do Novo Testamento. Ainda que seu ministério seja uma grande ajuda na criação de uma nova Igreja, não é absolutamente necessário, particularmente em áreas onde o evangelho já tenha sido pregado e a Igreja firmemente estabelecida. - O editor (do livro Ekklesia, em inglês, do qual este artigo é parte).

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22 - DISCIPLINA NA IGREJA22 - DISCIPLINA NA IGREJA

Mike Indest

A motivação da disciplina

Uma das muitas características do nosso Salvador é o Seu desejo de que todos os Seus filhos andem na verdade. Seu amor por nós é demonstrado de várias maneiras: Ele deu Sua vida por nós, Ele nos salvou, Ele nos transformou, Ele nos deu poderes, Ele vive em nós, Ele nos guia, nos ensina e, também, nos disciplina. Tudo é motivado por Seu amor a Seus filhos. Considere a declaração de Apocalipse 3:19: “Eu repreendo e castigo a todos quantos amo: sê pois zeloso, e arrepende-te”. 

Essa disciplina, fruto do amor é o desejo do Pai de que Seus filhos conheçam a verdade e que andem nela. Esse amor é o reconhecimento de que Deus conhece o melhor, e o deseja para seus filhos. É o reconhecimento de que nós enxergamos através uma lente opaca e que tomamos decisões egoístas, que acarretam muitas vezes terríveis conseqüências para nossas vidas. Desde que o Pai enviou o Filho para nos dar vida (e vida em abundância), nós precisamos de correções, de direção e de disciplina, as quais Ele amorosamente provê. 

O amor do Pai expresso em disciplina é explicado em Hebreus 12:4-11:

“Ainda não resististes até o sangue, combatendo contra o pecado; e já vos esquecestes da exortação que vos admoesta como a filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, nem te desanimes quando por ele és repreendido; pois o Senhor corrige ao que ama, e açoita a todo o que recebe por filho. É para disciplina que sofreis; Deus vos trata como a filhos; pois qual é o filho a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos se têm tornado participantes, sois então bastardos, e não filhos. Além disto, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e

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os olhávamos com respeito; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, e viveremos? Pois aqueles por pouco tempo nos corrigiam como bem lhes parecia, mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade. Na verdade, nenhuma correção parece no momento ser motivo de gozo, porém de tristeza; mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos que por ele têm sido exercitados”.

A obra de Baker, Evangelical Dictionary of Biblical Theology (Dicionário Evangélico de Teologia Bíblica) esclarece que “a noção de disciplina de Deus e, eventualmente, o conceito da comunidade e de seus líderes aplicando a disciplina de Deus, derivam da noção de disciplina doméstica” (Deut. 21:18-21, Provérbios 22:15 e 23:13). Deus é retratado como um pai que guia a seus filhos... A noção de disciplina como castigo familiar permanece no Novo Testamento (Efésios 6:4, 2Timóteo 2:25, Hebreus 12:5-11)”.

Disciplina pessoal e particular

De que maneira o Pai nos disciplina? Sua disciplina assume uma grande variedade de formas e métodos, mas usualmente inclui uma combinação, entre Sua Palavra e Seu Espírito Santo. De uma forma muito particular e pessoal, através da Palavra e da convicção do Espírito de Deus, Ele amorosamente aponta nossos erros e nos leva à verdade. À medida que nos arrependemos, Ele vai transformando nossas mentes e corações e nos capacitando para superarmos aquelas áreas nas quais fomos derrotados no passado. Como a Palavra nos disciplina? A segunda carta a Timóteo 3:16-17 declara: “Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir e para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra”. Quando lemos e estudamos a Palavra de Deus, e somos conscientes de Seus mandamentos, nos é dada a oportunidade de arrependimento e de fazermos as coisas à maneira Dele. Provérbios 6:23 determina: “Porque o mandamento é uma lâmpada, e a

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instrução uma luz; e as repreensões da disciplina são os caminhos da vida”. Muitas das disciplinas de Deus ocorrem durante atos devocionais quando estudamos a Palavra ou oramos. Particular e pessoalmente, o Pai nos mostra Seus caminhos e nos dá os instrumentos para que os trilhemos!

A Palavra trabalha em conjunto com o Espírito Santo para nos convencer da correção dos caminhos do Senhor. Por exemplo, Jesus prometeu em Atos 1:8 que “... recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samária, e até os confins da terra”. Quando somos salvos, o Espírito Santo passa a viver em nós: “Ou não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que habita em vós, o qual possuís da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (1Coríntios 6:19). Nós temos a responsabilidade de proteger o que o Senhor nos deu através do Espírito. A segunda epístola a Timóteo 1:14 determina: “Guarda o bom depósito com o auxílio do Espírito Santo, que habita em nós”. Uma das ferramentas que temos para nos ajudar a guardar o que o Senhor nos deu é o espírito de disciplina. Por exemplo, Paulo nos relembra que “... Deus não nos deu o espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação” (ou auto-disciplina, em algumas versões) (2Timóteo 1:7).

Toda disciplina é árdua e difícil: “Na verdade, nenhuma correção parece no momento ser motivo de gozo, porém de tristeza; mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos que por ela têm sido exercitados” (Hebreus 12:11). Em contraste, de acordo com Provérbios 12:1, “O que ama a correção ama o conhecimento; mas o que aborrece a repreensão é insensato”.  Nossa escolha é clara: nós podemos aceitar a disciplina do Senhor e gozar a paz da justiça ou podemos agir tolamente e rejeitar a Sua disciplina.

A disciplina pública da Igreja

O que acontece quando um irmão ou irmã recusa a convicção do Espírito e o claro ensino da Palavra ou quando escolhe abraçar e praticar um comportamento claramente

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proibido por ela? Nós somos membros de um corpo, ensina 1Coríntios 12. Não só aprendemos como o corpo funciona e as suas características, mas aprendemos também que quando um membro do corpo adoece por causa do pecado, ele afeta todo o restante do corpo. O verso 26 declara: “De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele”. Quando nosso irmão peca e não se arrepende, ele afeta todo o corpo e todo o corpo sofre por isso. Lembre-se, “... vós sois corpo de Cristo, e individualmente seus membros” (12:27). Consequentemente, nós temos a responsabilidade familiar de ajudar nosso irmão pecador. Motivado por amor a ele, somos impelidos a procurá-lo e procurar a causa do pecado, de forma a restaurar esse irmão e a proteger a família que se reúne localmente, da qual somos membros.

Ainda que existam muitas passagens que tratem desse assunto, as duas principais são Mateus 18 e Gálatas 6. Como nos referiremos bastante a elas, vamos vê-las agora:

“Ora, se teu irmão pecar, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, terás ganhado teu irmão; mas se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda palavra seja confirmada. Se recusar ouvi-los, dize-o à Igreja; e, se também recusar ouvir a Igreja, considera-o como gentio e publicano. Em verdade vos digo: Tudo quanto ligardes na terra será ligado no céu; e tudo quanto desligardes na terra será desligado no céu.  Ainda vos digo mais: Se dois de vós na terra concordarem acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus.  Pois onde se acham dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mateus 18:15-20).

“Irmãos, se um homem chegar a ser surpreendido em algum delito, vós que sois espirituais corrigi o tal com espírito de mansidão; e olha por ti mesmo, para que também tu não sejas tentado. Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo” (Gálatas 6:1-2).

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O Primeiro Passo

Desvendar o pecado é tarefa sempre do Senhor. Jamais existirá uma comissão sentada a uma mesa ou um grupo de supervisores que seja responsável por investigar o pecado na vida de alguém. À medida que andamos com Cristo, enquanto crescemos em intimidade e comunhão com Ele, nos tornamos naturalmente mais cientes do que ocorre na vida dos outros irmãos. Quando estamos andando com Cristo e descobrimos alguém infringindo algum mandamento ou se vemos algum irmão pecando, nós somos chamados a agir em benefício desse irmão. É importante que se evidencie que todos nós, não apenas os anciãos ou líderes, somos convocados para esse ministério do corpo. Se for você a perceber um irmão em transgressão, você é o responsável por ir até o irmão e indicar-lhe o caminho certo. Não vá aos anciãos; vá ao irmão ofensor. A única qualificação exigida da pessoa que irá admoestar é que ela seja um irmão espiritual, habitado pelo Espírito do Deus Vivo.

Se o Senhor o escolheu para essa tarefa, o primeiro passo é orar e verificar sua motivação. Você está motivado pelo amor ao seu irmão? A operação está ocorrendo num espírito de cortesia e mansidão? O intuito é o de restaurar o irmão? Você tomou precauções para o caso de estar sendo tentado de alguma maneira? Obviamente, há muito que orar sobre o assunto e muito a considerar antes de dar o primeiro passo, que é falar particularmente ao irmão pecador.

Depois de você haver se preparado através de oração e auto-exame, o próximo passo é ir ao irmão em pecado e “mostrar a ele sua falta, em particular” (o sublinhado é meu). Estou convencido de que esse método é o da escolha do Senhor. Ele emerge do fato de que a disciplina é, no mais das vezes, pessoal e particular e estabelece o vínculo entre a disciplina pessoal e a pública. Jesus foi específico ao usar as palavras ”em particular”. Que maravilhoso é que o Senhor cuida para que não fiquemos embaraçados e deliberadamente

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nos protege da advertência pública! Que ótima oportunidade para um rápido e particular arrependimento! Quando bem sucedido, esse primeiro passo de disciplina leva o pecador ao arrependimento, edifica o corpo e usualmente estreita os laços entre o irmão que ofereceu e o que recebeu a advertência.

É preciso dar tempo para que o Espírito Santo convença. A reação inicial de muitas pessoas não é a igual à sua última reação. Dê ao irmão algum tempo para que ele, em oração, considere aquilo que você lhe apontou. Não estipule um tempo para o trabalho do Espírito Santo, mas continue à disposição daquele irmão para oração ou aconselhamento. Não espere uma resposta inicial e imediata de arrependimento. É um privilégio observar o Espírito Santo trabalhando na vida de um irmão. Uma boa norma é beneficiar o irmão com o tempo que você gostaria que outros lhe dessem, em idêntica circunstância.

Se o irmão ouvi-lo, você venceu. O assunto está terminado e nada mais é preciso fazer. Cuidadosa atenção deve ser dispensada aos frutos do arrependimento, para que haja a certeza de que o irmão é sincero e que ele está dando os passos biblicamente corretos para se manter longe da tentação. Oração permanente e aconselhamento podem ser necessários até que ambos os irmãos estejam convictos de que a vitória foi alcançada.

O Segundo Passo

O que fazermos se o irmão se recusa a ouvir e a se arrepender? Jesus disse: “mas se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda palavra seja confirmada”.  Muita coisa foi escrita sobre o segundo passo da disciplina pública da Igreja. Alguns sugerem que as duas ou três testemunhas devem ter testemunhado o deslize que é o centro do problema. Outros acreditam que as duas ou três testemunhas são para presenciar o encontro entre o irmão que vai aconselhar e

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aquele que cometeu o pecado, a fim de observar as atitudes e respostas dos dois principais envolvidos no processo. Esse passo efetivamente leva o caso da esfera privada para a pública. Isso representa uma escalada dramática no processo e existe inclusive como forma de oferecer pressão pública para que o irmão abandone o pecado e se arrependa.

Com duas ou três testemunhas, devemos ir ao irmão em pecado. Quem deve ser essas testemunhas? Não acredito que elas devam ter sido as testemunhas do ato do pecado, mas que devem ser testemunhas do encontro dos dois irmãos envolvidos. As testemunhas devem também ser irmãos espirituais e bem aprofundados no conhecimento da Palavra e ter um sólido testemunho de vida isenta de pecados. Elas devem também ter um bom relacionamento com ambos os irmãos envolvidos no processo. É função delas, também, além de observarem o processo, aconselharem a ambas as partes. Como esses casos às vezes se tornam emocionais e ardentes, as testemunhas podem também atuar como orientadores, para que haja certeza de que o espírito de cordialidade é o que impera na missão. Enquanto o irmão admoestador estiver agindo junto ao irmão em pecado, as testemunhas devem ajudar a manter o alvo da restauração em mente e a orientar as conversações na direção correta.

A pessoa confrontada pode tentar mudar o foco da conversação, atacando as pessoas que a estão confrontando, oferecendo desculpas pelo comportamento repetitivo ou negação sincera das acusações. As testemunhas são para ajudar ambas as partes a permanecerem calmas e a manter as conversas focadas na restauração. Elas devem também assegurar que o amor ao irmão é a motivação principal, que isso está sendo claramente comunicado como a principal razão da confrontação e que o processo caminha para uma decisão final e adequada.

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O Terceiro Passo

Se, depois de ter sido confrontado privadamente e por duas ou três testemunhas, não houver frutos de arrependimento, o irmão conselheiro e as testemunhas deverão reportar tudo à Igreja. Entenda-se que essa Igreja é a assembléia local, o grupo no qual os envolvidos exercem a comunhão. O comunicado deve incluir a natureza do pecado, os passos dados na tentativa de solução do caso e os resultados dos esforços feitos. O primeiro encontro deve ser apenas entre os homens, no qual estes decidirão o que fazer e o que deve ser dito às suas esposas e filhos. Desde que a reunião inclui a descrição do pecado envolvido, deve ser considerada a maturidade dos crentes presentes e, principalmente, de crianças. Lembre-se de que as Escrituras, em Gálatas, ensinam que aquele que admoesta seja espiritual (maduro) e que tenha o espírito de bondade e de mansidão. O alvo da restauração deve ser o mais ampla e claramente divulgado, face à grande probabilidade de que pensamentos e ações errados cresçam com o número de irmãos e irmãs envolvidos. Um grande cuidado deve ser tomado para que se evitem comentários tendenciosos, mexericos ou exageros sobre o assunto. A meta é a recuperação, não a crucificação do irmão. Todos os membros do corpo local estão agora envolvidos no caso, ajudando o irmão.

Só existem dois grupos de pessoas no mundo: o dos que são salvos e estão na Igreja e daqueles que estão fora da Igreja. Jesus, quando falava aos discípulos nos tempos de Mateus 18 e a Igreja ainda não existia, dizia que o irmão que não se arrependia de qualquer pecado devia ser entendido como gentio. Jesus falava para uma audiência judaica que o irmão em pecado devia ser tratado como não fazendo parte da família do concerto, um forasteiro, apartado da graça de Deus. Um dos melhores exemplos disso é encontrado na primeira carta aos Coríntios, onde Paulo diz a eles que afastem da comunhão o irmão que

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cometera um pecado sexual com sua madrasta, mas na segunda carta o apóstolo recomenda que ele seja aceito novamente na comunhão da Igreja. Como nos passos anteriores, o objetivo deste último também é também levar ao arrependimento e à restauração.

Sumário

O bom pastor vai à busca da ovelha perdida. A maravilha do Evangelho é que, para o irmão pecador que não consegue encontrar sozinho o caminho do arrependimento, existe a alternativa de uma comunhão amorosa, para ajudá-lo a voltar ao usufruto pleno do convívio santo da assembléia. As instruções abaixo, segundo as Escrituras, são no sentido de estabelecer os passos para a restauração:

A motivação para qualquer disciplina é o amor do Pai. A maioria das disciplinas são privadas e pessoais. A maioria das disciplinas são antecedidas e

acompanhadas de estudos e orações na Palavra e do trabalho ativo do Espírito Santo na vida do irmão.

A prática do pecado é um assunto familiar e algumas vezes precisa ser tratado por outros membros da família, que é a Igreja, em consideração aos irmãos e à própria Igreja.

Deus mesmo é quem desvenda e apresenta todas as coisas à luz.

Todos os membros espiritualmente maduros são chamados para esse ministério do corpo.

É imprescindível que, antes de confrontar um irmão em pecado, haja muita oração e auto-exame.

Seja cuidadoso na proteção ao irmão em pecado, tratando com ele particularmente,

Se esse irmão rejeitar o conselho, volte a ele com duas ou três testemunhas.

“Se recusar ouvi-los, dize-o à Igreja”. “Se também recusar ouvir a Igreja, considera-o como

gentio e publicano”

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23 - AS TRADIÇÕES NA IGREJA23 - AS TRADIÇÕES NA IGREJA

Beresford Job

É espantoso constatarmos, embora seja um fato patente, que o conflito de Jesus com Israel e, em particular com os líderes religiosos israelitas, não era sobre a lei mosaica.  Jesus cumpriu o Antigo Concerto rigorosamente e, afora a tentativa de embaraçá-lo com o episódio da mulher pega em adultério, todos os que contenderam com Ele o fizeram por outras razões. O que os enraivecia tanto não era que Ele transgredisse o que estabeleciam as Escrituras do Antigo Testamento (o que Ele obviamente não fez), mas que Ele desafiasse e se colocasse contra o que eles chamavam de “a tradição dos anciãos”.

Lemos no Evangelho de Marcos que “foram ter com Jesus os fariseus e alguns dos escribas vindos de Jerusalém e repararam que alguns dos seus discípulos comiam pão com as mãos impuras, isto é, por lavar”. (Nenhum fariseu ou qualquer outro judeu  comia sem cumprir o ritual de lavar as mãos, observando a tradição dos anciãos. Da mesma forma, nada comiam, que tivesse vindo do mercado, sem antes lavar. Havia ainda muitas outras tradições, respeitantes à lavagem de copos, potes e vasilhas de bronze). Assim, os fariseus e escribas perguntaram a Jesus: “Por que não andam os teus discípulos conforme a tradição dos anciãos, mas comem o pão com as mãos por lavar?” (Marcos 7:1-5). O que acontecia, na realidade? A resposta é que, embora na teoria Israel considerasse as escrituras do Antigo Testamento sua autoridade final em matéria de fé e de prática, a realidade era um pouco diferente. Os judeus realmente prestavam maior obediência ao sistema de ensinos e práticas conhecidos como “Tradição dos Anciãos” ou “Lei Oral”.

O judaísmo farisaico ensinava que, quando Moisés esteve no Monte Sinai, Deus lhe deu não apenas um, mas dois conjuntos de leis. A lei escrita, ou Lei Mosaica, foi registrada nas páginas do Antigo Testamento. Porém, uma

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segunda (e secreta) lei lhe foi transmitida oralmente e assim deveria ser repassada às gerações futuras. Alegadamente, essa lei secreta só se tornou pública nos anos precedentes à vinda de Jesus. Quando o inevitável conflito entre essas duas leis e o que elas ensinavam se apresentou, Israel eventualmente teve que decidir qual delas seria sua autoridade final. Pode ser que, afinal, alguém possa dizer que tem duas leis como sua autoridade final (no caso, o Antigo Testamento e a Lei Oral) mas, na realidade, terá apenas uma delas nessa posição, e será a ela oferecida obediência, quando emergirem as contradições entre as duas. É incrível, mas Israel optou pela Lei Oral e relegou à segundo plano a Lei Mosaica e, desse modo, também as escrituras do Antigo Testamento. Aliás, os fariseus ensinavam descaradamente que era mais merecedor de punição quem agia contra a tradição dos anciãos do que contra as escrituras do Antigo Testamento.

Precisamos entender que, no tempo de Jesus, a nação de Israel vivia sob a autoridade de um sistema de ensinos e práticas que, em muitos e importantes aspectos, eram radicalmente contrários a ensinos e práticas estabelecidos no Antigo Testamento. Argumentavam, justificando esse procedimento, que haviam sido orientados nesse sentido por Deus, pois supostamente Ele mesmo havia dado a Lei Oral a Moisés. O sistema de ensinos e praticas meramente humanos, criados pelo homem, havia então usurpado e substituído a verdade revelada da palavra escrita de Deus. A justificativa era a de que, embora contradizendo as Escrituras do Antigo Testamento, aqueles ensinos e tradições, não obstante, haviam sido recebidas diretamente do Senhor em pessoa.

Porém, se nos perguntarmos o que o Deus de Israel ensinou acerca da (supostamente) inspirada Lei Oral, tudo o que temos a fazer é observar as respostas de Jesus a esse respeito: “Respondeu-lhes: Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios; o seu coração, porém, está longe de mim; mas em

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vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Vós deixais o mandamento de Deus, e vos apegais à tradição dos homens” (Marcos 7:6-8).

Hipocrisia! Esse foi o claro e firme veredicto do Senhor sobre as tradições que foram a causa de Seu povo haver se voltado contra as tradições inspiradas e reveladas na Palavra de Deus. Apegar-se às práticas meramente humanas, quaisquer que sejam elas e opor-se às práticas bíblicas é, de acordo com o Senhor Jesus, “abandonar os mandamentos de Deus”.

Penso que você concorda que este é um assunto sério e até posso imaginar o tipo de reação dos leitores: ”Amém, irmão! O que Israel fez foi terrível!”. “Imagine só – Israel indo contra a Lei Mosaica em favor dos ensinamentos e práticas criados pelo homem e das tradições meramente humanas! Não espanta que Deus os tenha julgado!”. “Como? Abandonar os mandamentos de Deus por tradições humanas? Isso é inimaginável!”. Pois é, eu tenho a dizer que, por virtualmente dois milênios, nós cristãos temos feito exatamente a mesma coisa!

É difícil aceitar essas palavras. Porém, sem dúvida,  isso é verdadeiramente um fato: quando se trata de nossa experiência de vida como Igreja (me refiro às nossas tradições) ou de práticas estabelecidas, que a maioria dos cristãos segue e implementa de maneira inquestionável, virtualmente tudo é baseado num sistema de práticas que, como as tradições dos anciãos de Israel, nada têm  a ver com a Palavra de Deus. Longe de ser o que vemos nas páginas do Novo Testamento, isso se originou e foi implementado por homens que surgiram em cena depois dos apóstolos de Jesus haverem morrido e, por conseguinte, depois de completados os escritos desse mesmo Novo Testamento.

É muito importante que entendamos que essas tradições não apenas são diferentes do que vemos nas Escrituras, no sentido de simples variações, mas são o oposto do que encontramos no Novo Testamento. Distante de representarem simples desenvolvimentos

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com os quais as práticas bíblicas são aplicadas em circunstâncias e condições ligeiramente diferentes; ao contrário, elas são práticas que, não apenas não são encontradas em nenhum lugar do Novo Testamento, mas estão em completo desacordo com o que nele se ensina e vai contra ele em virtualmente todos os aspectos possíveis. Essas práticas direcionam aos que a elas aderem, a irem completa e diretamente contra o que revela a Palavra de Deus e a acolherem as próprias coisas que Jesus aberta e insistentemente condenou.

Agora, vou fazer algumas observações que nenhum comentarista, estudioso ou historiador bíblico, que valha o sal que comeu, poderia contestar. O que vou afirmar diz respeito às maneiras através das quais as Igrejas nos  tempos do Novo Testamento foram estabelecidas e organizadas, de acordo com as tradições legadas pelos apóstolos de Jesus e que são  reveladas em seus escritos – o próprio Novo Testamento. Vou simplesmente descrever, da forma que está revelado nas páginas das Escrituras, o que ocorria quando um grupo de crentes se reunia como Igreja. E, mais uma vez, desejo enfatizar este ponto: revelado de uma maneira tão clara que, como já afirmei, nenhuma pessoa versada na Bíblia poderá contradizer.

Voltemos ao passado, à metade do primeiro século e vislumbremos como era a Igreja nos tempos do Novo Testamento. A primeira coisa a dizer é que, quando algum  crente se dirigia a alguma reunião da Igreja a que pertencia, tinha que ir, infalivelmente, à casa de alguém. Os números deveriam então ser pequenos e esse crente deveria ser parte de um grupo reduzido e íntimo de pessoas que o conheciam muito bem, e às quais ele também conhecia profundamente. A melhor maneira de resumir uma definição disso seria: uma família ampliada. O espírito das reuniões seria, sob todos os aspectos, o de intimidade informal. Quando esse crente se reunia com seus irmãos e irmãs, duas coisas poderiam acontecer:

Primeiro, embora isso não implique em nenhuma ordem cronológica, havia um tempo de compartilhar, durante

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o qual todos eram livres para participar da forma que sentiam que o Senhor os estava dirigindo. Podia ir de um canto de louvor a uma oração de intercessão; de oferecer um ensinamento, a trazer uma profecia; de partilhar uma palavra de conhecimento ou de sabedoria – todos eram livres para participar. Ninguém dirigia os trabalhos. Além do mais, se estavam todos numa sala, com todos sentados frente a frente, ao redor do aposento, ao contrário de estar em fileiras simplesmente olhando, por trás, a nuca de alguém, não havia mesmo uma “frente” da qual se pudesse dirigir a reunião. Tudo tinha uma natureza livre, espontânea, não estruturada e dirigida pelo Espírito Santo. A atmosfera era de louvor, reverência e alegria informal.

Segundo, todos os presentes deveriam tomar uma refeição juntos. De fato, deveriam fazer a principal refeição do dia juntos. Parte dessa refeição deveria ser um pão e um copo de vinho que todos partilhavam em comum, com isso relembrando à Igreja reunida que Jesus era o convidado de honra e que, embora fosse apenas uma refeição comum compartilhada, esse era um alimento muito especial: a Ceia do Senhor. Essa Ceia do Concerto, de crentes individuais reunidos como Igreja, deveria marcar a todos como uma família de Deus ampliada, em qualquer aérea que ela esteja localizada.

Existe algo mais que também devemos observar: qualquer tipo de liderança existente não era ostensiva, ficando longe do primeiro plano e ocupando sempre o fundo do cenário. Além do mais, liderança deveria ser sempre funcional e, de nenhuma maneira, ser entendida como sendo posicional, com títulos e coisas assim. Além disso, ela era sempre plural. Qualquer idéia de apenas um homem estar na direção de uma Igreja seria completamente estranha aos que congregavam. Os líderes deveriam ser todos originados nas Igrejas nas quais congregavam. Elas eram líderes “feitos em casa”, irmãos locais, que todos conheciam extremamente bem. Como designação (embora não como títulos oficiais), esses homens foram chamados às vezes de anciãos, às vezes de supervisores ou ainda de bispos (dependendo de

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qual tradução da Bíblia você estiver lendo) ou pastores (novamente, dependendo da tradução), todos sinônimos para designar a mesma pessoa. Aqueles com outros ministérios (apóstolos, profetas, mestres, etc.) poderiam, às vezes, emprestar sua colaboração, como convidados, porém eles eventualmente iriam para outras localidades desenvolver o mesmo trabalho. A única liderança permanente na Igreja eram esses irmãos anciãos desenvolvidos na própria Igreja. Eles asseguravam que o formato das assembléias seria de participação aberta, espontânea e livre. Eles garantiam também que a direção das assembléias, partida de um púlpito ou algo parecido, era a última coisa que eles desejariam, pela simples razão de que haviam aprendido com os apóstolos de que esta não era a vontade de Deus.

Assim eram as reuniões, de acordo com os ensinos e as tradições dos apóstolos, reveladas nas páginas do Novo Testamento. Agora, por favor, sublinhe em vermelho, o que já escrevi antes: nenhum comentarista, estudioso ou historiador da Bíblia, que valha o sal que comeu, poderá questionar essa descrição de forma significativa. Eu simplesmente evidenciei coisas que, simplesmente como fatos, podem ser vistas no Novo Testamento. As Escrituras revelam apenas uma forma recomendada, através da qual os crentes foram ensinados a se reunirem como Igreja e fazer as coisas necessárias a isso. E hoje, como fazemos as coisas quando nos reunimos como Igreja? (De fato, como os cristãos têm feito isso através de toda a história da Igreja?). Como evidenciei anteriormente, nós não só apenas fazemos as coisas diferentes, más nós fazemos as coisas exatamente ao contrário do que é preconizado nas Escrituras!

Para começar, nós nos reunimos em grandes números em edifícios públicos. Deixe-me perguntar: isso é simplesmente uma variação de reunir-se em pequenos números, em residências privadas? Não, isso é exatamente o contrário!

Segundo, nós realizamos cultos dirigidos do púlpito (usualmente) por profissionais assalariados, positivamente

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assegurando que todos não têm a liberdade de compartilhar o que o Espírito proporciona a cada um. Diga-me, isso é meramente uma variante de uma reunião aberta, inteiramente participativa, sem direção do púlpito e com liberdade para todos participarem? Não, é exatamente o oposto!

Terceiro, (e nós sabemos que nas Igrejas do Novo Testamento nada existe que se pareça, ainda que vagamente, com os cultos de hoje - ou “serviços religiosos”), nós fazemos, a períodos que variam de acordo com as preferências de cada denominação, um ritual de distribuição de um pedacinho de pão e uma minúscula porção de suco de uva, como sendo a Ceia do Senhor. Novamente pergunto: seria isso uma variação da refeição completa e coletiva, complementada pelo pão e o vinho, como a Ceia do Senhor descrita no Novo Testamento? Não, isso é uma coisa totalmente diferente, mais uma vez! Isso é completamente alheio ao que os apóstolos ensinaram, que era o compartilhamento de uma refeição completa, a verdadeira Ceia do Senhor! (A palavra grega empregada nas Escrituras, para designá-la, deipnon (deipnon), designa a refeição principal do dia, tomada na parte da manhã – o almoço).

Por último, além do exposto, existem outras coisas que eu poderia ter incluído (mas que o espaço não o permite), sobre como conduzir a liderança. O que, em nossas Igrejas, poderia ser oposto, nessa área, ao que é correto aos olhos do Senhor? Bem, nós produzimos uma liderança hierárquica e posicional, que usualmente trazemos de fora, na forma de um indivíduo com um título oficial de algum tipo. Realmente, o que temos feito é variar em torno do mesmo tema de ter um homem como cabeça, o qual geralmente é um profissional pago, vindo de fora. Compare isso com a liderança não posicional e plural dos irmãos crescidos na Igreja, não profissionais assalariados e pergunto de novo: seria isso apenas uma variação de algum tipo? Seria somente jogar com os extremos e mover ligeiramente as coisas? Não, é completamente o oposto do que a Igreja fazia e que nada

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mais era do que o que foi ensinado pelos apóstolos de Jesus. De onde eles tiraram as idéias ensinadas? Do Senhor mesmo!

Precisamos estar conscientes de qual Igreja estamos falando aqui. Sejam católicos ou presbiterianos, anglicanos ou batistas, pentecostais ou metodistas, episcopais ou evangélicos livres, quando eles vão às práticas da Igreja, todos eles estão similarmente baseados nas mesmas tradições e ensinamentos humanos, que surgiram após o fechamento do cânon das Escrituras. Tradições e ensinamentos esses que levam a práticas contrárias à revelada Palavra de Deus. Todas as Igrejas mencionadas têm bases em edifícios, com serviços religiosos e com o ritual de pão e suco de uvas, e praticam lideranças que se afastam radicalmente do que vemos revelado nas escrituras. Em outras palavras, embora sejam diferentes umas das outras em matéria de detalhes são, contudo, exatamente iguais no que tange às práticas da Igreja, na oposição aos padrões das Escrituras do Novo Testamento.

Alguns dos pais das Igrejas primitivas (como a história denominou aos homens que lideraram as Igrejas cristãs nos anos seguintes à morte dos apóstolos) fizeram muito bem e foram grandemente usados por Deus. Porém, nas coisas que analisamos, eles erraram grandemente. Eu, junto com muitos outros, estamos agora pedindo que rejeitemos e renunciemos às falsas praticas que eles introduziram (ainda que não às coisas boas que eles fizeram e ensinaram) e que também rejeitemos a herança da vida e experiência da Igreja completamente anti-bíblica que, como conseqüência, nos legaram. Como deixei claro antes, ninguém que conheça os assuntos bíblicos poderia contradizer a minha descrição da vida e das práticas da Igreja do Novo Testamento, em contraste com as formas como alguns dos pais da Igreja modificaram as coisas. Entretanto, como já defendi antes (e é aqui que o debate se aprofunda), é que eles erraram ao nos ensinar o que pensavam sobre vida e prática da Igreja e nós, da mesma forma, também erramos através dos séculos, por haver concordado com eles, esse tempo todo.

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Israel desobedeceu ao Antigo Testamento em vários pontos, em razão de sua amada, ainda que totalmente errada e anti-bíblica, tradição dos anciãos. A Igreja cristã fez exatamente o mesmo, só que com a tradição de alguns dos pais da Igreja primitiva. Na Inglaterra (pátria do autor deste artigo) chamamos a isso dubiedade...  e é tempo de começarmos a fazer as coisas certas. Com quem iremos ficar? As tradições dos homens ou as tradições divinas? Deixo o assunto com você, querido leitor, decidir por si mesmo!

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24 - A ORDEM DIVINA24 - A ORDEM DIVINA

Mike Indest e Steve Atkerson

PARTE 1 - MIKE INDEST

Um panorama da ordem divina na Igreja

Todos nós odiamos confusão. Pergunte a qualquer pai se ele concorda com desordem ou se ele promove o caos em seu lar. Pergunte a um bibliotecário se a melhor maneira de gerenciar uma biblioteca é simplesmente atirar todos os livros num depósito e depois procurar em toda a pilha cada vez que precisar encontrar um livro. Como seriam nossos cultos se todos falassem ao mesmo tempo e se houvessem três aulas acontecendo simultaneamente? Como ficariam nossas estradas sem sinais de trânsito, placas e sem normas estabelecendo que todos devessem dirigir do lado direito da pista e que devessem respeitar os limites de velocidade e coisas assim? O mundo em que vivemos não funcionaria sem ordem.

Porém, qual ordem... dos homens ou de Deus?

Esta é questão que enfrentamos em cada decisão que tomamos, assim que permitimos que o Espírito Santo cresça em nós. Todos conhecemos o que as Escrituras ensinam sobre negarmo-nos e colocarmos o próximo sempre acima de nós mesmos. Relembramos com alegria que fomos criados à imagem do Filho de Deus, Jesus Cristo. Contudo, ainda tentamos reger nossas vidas de acordo com a sabedoria humana vigente.

T. Austin-Sparks esclarecidamente observou: ”A todos os que têm um razoável conhecimento da Bíblia é evidente que todas as Escrituras estabelecem os quatro pontos seguintes ׃

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1. Deus é um Deus de ordem;2. Satã é o príncipe de um mundo sob julgamento divino

e a natureza desse julgamento é confusão;3. Cristo, em pessoa e ações, é a encarnação da ordem

divina;4. A Igreja é o vaso eleito no qual, e através do qual,

essa ordem divina se manifesta e será administrada até o fim dos tempos”.

Existe um padrão definido de ordem divina em tudo o que Deus faz. Começando pelo passado remoto, podemos discernir a ordem na Trindade. Quando o Senhor criou o mundo e Suas instituições, podemos observar essa ordem divina sendo repetida na família, no governo e na Igreja.

Por exemplo, o Espírito Santo declara que ,Quero“ ׃ entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo homem; o homem, o cabeça da mulher e Deus o cabeça de Cristo.“ (1Coríntios 11:3) e que ”Deus não é de confusão e sim de paz. Como em todas as Igrejas dos santos...” (1Coríntios 14:33).

A trindade

Consideremos a Trindade e, em particular, a relação entre o Pai e o Filho. O pai e o Filho são iguais em atributos e em essência. Uma rápida vista aos nomes de Cristo (Deus, Filho de Deus, Senhor, Rei dos Reis e Senhor dos Senhores), aos Seus atributos (onipotente, onisciente, onipresente, imutável, vida e verdade) e às suas ações (criar, sustentar, perdoar pecados, vencer a morte, julgar, enviar o Espírito Santo) – tudo nos convence que Jesus é Deus. Temos ainda as declarações pessoais de Jesus em João 10:30, 14:9, 17:21 e Mateus 28:19, a nos convencerem também da divindade do Nosso Salvador. Porém, é possível ser igual e ao mesmo tempo submisso? O que quer dizer 1Coríntios 11:3 quando declara que ”Deus é o cabeça de Cristo”? Aqui está a ordem divina em sua mais pura forma e prática. Ainda que inteiramente Deus, Jesus, ”... subsistindo em forma de Deus,

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não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Filipenses 2:6-8).

Atente para a confissão de Cristo explanando sua submissão ao Seu Pai:

João 6:38 – ”Porque eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade Daquele que me enviou”.

João 4:34 - ”Porque a minha comida consiste em fazer a vontade Daquele que me enviou e realizar a Sua obra”.

João 5:30 – ”Eu nada posso fazer de mim mesmo; na forma por que ouço, julgo. O meu juízo é justo porque não procuro a minha própria vontade, e sim a Daquele que me enviou”.

Mateus 6:10 – ”Venha o Teu reino, faça-se a Tua vontade, assim na terra como no céu.”

Mateus 26:39 – ”Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como Tu queres.”

Igual, porém submisso! Assim é que a ordem divina funciona na Trindade. Esta é a ordem divina que vemos impressa em toda a criação. A família, o governo e a Igreja, todos têm instruções explícitas sobre suas funções e práticas. Todas essas instruções estão fundamentadas na já demonstrada ordem que existe nas ações da Trindade. Elas não são ordens arbitrárias de um Deus caprichoso nem são limitadas pela cultura ou pelos tempos. Deus criou a família, o governo e a Igreja para serem parecidos e para funcionarem como a Trindade e para se alegrarem com as bênçãos da ordem divina em tudo que fizermos.

A família

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Na ordem da criação, o seguinte é a família. Não existe nenhuma outra instituição na Terra que se pareça mais com a Trindade, em suas ordem e função. Não se engane – todas as comparações entre o pacto de casamento e o pacto divino de salvação encontradas em Efésios e Colossenses são repercussões de Seu amor e de Seu desejo de repartir esse amor conosco. Porém, devemos estruturar nossos casamentos de acordo com os planos Dele, não os nossos. Da mesma forma que a Trindade opera segundo a ordem divina, o Senhor espera que vivamos nossos casamentos da mesma forma.

Um marido e uma esposa são iguais em atributos e em essência. Gálatas 3:28 revela que ”Dessarte, não pode haver judeu nem grego, nem escravo nem liberto, nem homem nem mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. Como o Pai e o Filho, marido e mulher são iguais em atributos e em essência. Mas, para que a família funcione de acordo com a Bíblia, Deus, clara e inequivocamente, instituiu um plano divino. O marido é indiscutivelmente o cabeça da esposa: ”Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo homem, e o homem, o cabeça da mulher,...” (1Coríntios 11:3). Como o cabeça, a ele é determinado que ame sua esposa exatamente com Cristo amou a Igreja ao ponto de se dar por ela. Ele deve amá-la como ama ao seu próprio corpo, deve mantê-la e cuidar dela. A esposa deve submeter-se ao seu esposo em tudo (exatamente como na Trindade: igual, porém submissa). E as crianças, devem obedecer. Colocado de forma simples, o plano divino para a família é: maridos amam, esposas se submetem e crianças obedecem.

Perceba o quanto se assemelha à ordem existente entre o Pai e o Filho. Desde que somos predestinados a sermos conformados à imagem do Filho, perceba como a ordem divina trabalha no nosso benefício e quanto os planos divinos são melhores do que os planos dos homens. Olhe à sua volta e veja o caos e a confusão existente nas famílias

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que escolhem adotar como norma a visão dos homens e não a de Deus. Muitas das pessoas que adotam esse procedimento argumentam, sob uma ótica cultural, que essas diretivas estão ultrapassadas ou que sua validade abrangia apenas a época em que foram escritas e que agora vivemos em um tempo e numa cultura mais esclarecidos. Quanta superficialidade! O plano de Deus para a família nada mais é do que o mesmo plano do qual Ele e Seu Filho desfrutaram por toda a eternidade – e ele funciona!

Perceba a ordenação na ordem divina. O Filho se submete ao Pai. Os homens se submetem ao Filho. As esposas se submetem aos maridos. Os filhos se submetem aos pais. Nada por compulsão, mas por vontade própria; é humildade e com a alegria com que andamos nos planos que Deus fez para nós.

O Governo

O seguinte, na ordem da criação, com relação ao tempo, é o governo. As principais passagens bíblicas instituindo a ordem divina no governo são: Romanos 13:1, Tito: 3:1 e 1Pedro 2:13-14. Nelas, três princípios podem ser observados:

Princípio 1 - ”... porque não há autoridade que não proceda de Deus e as autoridades que existem foram por Ele instituídas” (Romanos 13:1).

Princípio 2 - ”Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores...” (Romanos 13:1).

Princípio 3 - ”De modo que aquele que se opõe às autoridades resiste à ordenação de Deus e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação” (Romanos 13:2).

Submeter-se a Deus exige fé; a esposa submeter-se ao esposo exige fé; submeter-se às autoridades governamentais exige fé. Muitas vezes esquecemos que essa história é a ”Sua história” e que o Senhor exercita Sua

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vontade todo o tempo. Pedro, em Pedro 2:13, exortou: “Sujeitai-vos a toda instituições humanas por causa do Senhor, quer seja rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por Ele, tanto para o castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem. Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos.”

No sentido do aumento da fé, devemos nos lembrar que o Senhor:

”Dissolve a autoridade dos reis e uma corda lhes cinge os lombos” (Jó 12:18).

”Deus é o juiz; a um abate, a outra exalta” (Salmos 75:7).

”É Ele quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis; Ele dá sabedoria aos sábios e entendimento aos inteligentes” (Daniel 2:21).

”... O Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens; e o dá a quem quer e até ao mais humilde dos homens constitui sobre eles” (Daniel 4:17 e 32).

Governos são ministros ou servidores de Deus. O Senhor estabeleceu autoridades governamentais para serem ministros da ira, para punirem os que cometem injustiças. Nossa submissão inclui a obediência às leis (Tito 3:1) e a manutenção dessas leis através do pagamento dos impostos (Romanos 13:7). É esse o mesmo padrão na Trindade e na família... É a ordem divina!

A Igreja

A Palavra está repleta de determinações referentes aos nossos ajuntamentos para louvar em conjunto. É dada ênfase à demonstração pública da ordem divina, ao nos juntarmos para celebrar a Ceia do Senhor, ao orarmos, ao exortarmos, ao cantarmos e ao nos alegrarmos na comunhão. Porém, o que as nossas assembléias refletem: a ordem divina ou o que o homem pode fazer de melhor?

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Quem é o cabeça da Igreja? Paulo escreveu: ”Ele é a cabeça do corpo, da Igreja. Ele é o primogênito de entre os mortos, para em todas as cousas ter primazia (1Colossenses 1:18)”; ”E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as cousas, o deu à Igreja.” (Efésios 1:22); ”Mas, seguindo a verdade, em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo...” (Efésios 4:15) e ”Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo homem, e o homem, o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo” (1Coríntios 11:3). Não um pastor ou ancião, não uma denominação nem um superintendente, não um bispo ou apóstolo, mas somente Cristo é o cabeça de Sua Igreja.

Da mesma forma com que Jesus submeteu-se ao Seu Pai, da mesma forma com que a esposa deve submeter-se ao esposo; da mesma forma com que devem os filhos se submeter aos seus pais; da mesma forma com que devemos nos submeter às autoridades governamentais, assim a Igreja deve submeter-se a Deus em todas as coisas. A expressão pública do nosso louvor deve ser um exemplo dessa submissão em tudo que fazemos.

Como os anciãos influem nessa equação? Supõe-se que eles sejam exemplos da ordem divina em ação. Atente para as qualificações e para as descrições de suas tarefas. A primeira carta a Timóteo, em 3:17 e Tito 1:7-9 descreve esses homens como sendo o cabeça de suas casas, que as mantinham em ordem (divina), cujas esposas e filhos atendiam a essa ordem. Pedro, em 1 Pedro 5:15 determina que esses anciãos devem liderar pelo exemplo, não por compulsão, demonstrando liderança pelo seu fiel exemplo de submissão, assim como o igualmente fiel exemplo de submissão de suas famílias. Eles não devem dominar, mas, seguindo o exemplo de Jesus, devem viver exemplares vidas de submissão.

Todas as determinações de 1Coríntios são no sentido de expressar a ordem divina publicamente. Não fique bêbado, não coma toda a comida antes dos outros chegarem, cubra a

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cabeça, mulheres estejam em silêncio, haja liderança masculina, as instruções referentes aos dons e, mais importante, as instruções concernentes à Ceia do Senhor, são todas determinações com o propósito de expressar a ordem divina. Como todas as determinações do Senhor, elas não estão sujeitas a considerações culturais nem temporais, mas são a permanente expressão de Sua própria submissão.

Igual, porém submisso

O Pai, o Filho e o Espírito Santo vivem em perfeita harmonia por todo o tempo. Nós fomos criados para comungarmos com o Pai. O pecado rompeu essa comunhão e, ao contrário de ser perfeito, nosso mundo foi cheio de caos e de morte. Em submissão ao Seu Pai, o Filho morreu para que pudéssemos voltar a ter comunhão com o Pai. Nós fomos predestinados a ser conformados à Sua imagem. Como resultado, o Pai criou a família para funcionar exatamente como a trindade. Um cabeça, o marido. Deus então criou as autoridades governamentais e nos chamou à submissão a elas. No Dia de Pentecostes, Sua Igreja nasceu. A Igreja deve funcionar como a família e como a trindade. Eis a ordem divina: na trindade, na família no governo e na Igreja.

PARTE 2 - STEVE ATKERSON

Um exemplo da ordem divina na Igreja

Corretamente aplicada, a passagem 1Coríntios 14:33-35 é um desafio, especialmente para os envolvidos com Igrejas domiciliares que mantém cultos interativos. O texto diz: ”... Como em todas as Igrejas dos santos, conservem-se as mulheres caladas nas Igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina” (1Coríntios 13:33-35).

Desde que esta passagem deve ser aplicada toda semana, isso é algo que precisa ser tratado com seriedade e honestidade. Antes de tentar explicar o que essa citação pode

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representar, algumas considerações gerais e preliminares sobre o texto precisam ser feitas.

Primeiro, a citação foi endereçada a todas as congregações, em todos os lugares. Especificamente com respeito ao silêncio das mulheres, Paulo faz um apelo em 1Coríntios 14:33 a uma condição que já era verdade em ”todas as Igrejas dos santos”. Isso sugere que, aquilo que Paulo desejava das mulheres, era uma prática universal. Além do mais, ele estabeleceu que as mulheres deveriam manter-se caladas nas ”Igrejas” (1Coríntios 14:34). Desde que a Bíblia geralmente fala filosoficamente como se houvesse apenas uma Igreja por cidade, o uso da palavra ”Igrejas” (no plural) demonstra que a referência se aplica a todas as cidades-Igreja existentes na época.

Segundo, essa passagem não é simplesmente uma opinião não inspirada de Paulo. Talvez se antecipando às oposições a essa instrução sobre o papel da mulher na fase interativa das assembléias da Igreja, Paulo definiu bem o alvo de sua determinação com o lembrete: ”Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo” (1Coríntios 14:37).  Então, ele adverte: ”E se alguém o ignorar, será ignorado” (1Coríntios 14:38). Então, represente o que representar essa passagem, ela não é meramente a opinião de Paulo. Ela é determinação do Senhor. Não podemos ignorá-la.

Terceiro, a palavra silêncio vem do grego sigao e significa a ausência de qualquer ruído, seja feito pela fala ou por qualquer outro meio. É muito significativo que a palavra sigao é usada em outros lugares, em Coríntios 14. Os que falam em línguas são instruídos a ficarem em silêncio (sigao, 14:28) se não houver intérprete presente e os profetas devem se calar (sigao, 14:30) se alguma revelação for recebida por alguma outra pessoa. Nenhuma instrução foi dada aos que falavam línguas ou aos que profetizavam sob certas circunstâncias. Então, seja qual for a aplicação correta para as mulheres, existem ocasiões quando uma irmã não deve se

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dirigir à Igreja reunida. O centro da determinação é que as mulheres mantenham silêncio (14:34) durante os cultos interativos.

Quarto, o contexto que permeia essa passagem se refere à fase interativa do culto semanal do Dia do Senhor (1Coríntios 14:40). A razão principal da reunião da Igreja se reunir semanalmente era promover sua edificação (1Coríntios 14:4-5, 12, 26 e Hebreus 10:24-25) O método básico para atingir essa edificação é através da comunhão na Ceia do Senhor como uma refeição completa (veja 1Coríntios 11). Como em qualquer grande jantar, existem momentos quando várias conversas acontecem simultaneamente e quando nenhuma pessoa é deixada isolada. Tanto homens quanto mulheres conversam livremente, relaxando-se e aproveitando a oportunidade ao mesmo tempo, ao redor da refeição comum. Na Igreja primitiva, quando o banquete de comunhão finalmente se aproximava do final, a segunda fase da reunião começava. Essa segunda etapa é descrita em 1Coríntios 14. Este é o tempo para ensinar, cantar, testemunhar, etc. A regra mais importante dessa parte era que apenas uma pessoa, de cada vez, deveria se dirigir à congregação. Todas as outras deveriam ouvir em silêncio. As pessoas deveriam falar ”sucessivamente” (14:27) e ”todos” poderiam usar da palavra (14:31). Então, seja o que for que essa passagem sobre o silêncio represente, ela se refere ao silêncio com respeito a uma pessoa falar publicamente à assembléia. Logicamente, ela pode então não se referir ao canto congregacional, às respostas coletivas ou conversas em voz baixa. Com certeza, também não se aplica ao congraçamento durante a Ceia do Senhor (1Coríntios 1:17-35).

Quinto, a exigência para que a mulher permaneça em silêncio quanto ao falar publicamente à assembléia reunida, não é uma questão de capacidade, unção nem de espiritualidade. Antes, é uma matéria de ordem divina, obediência e de colocar o próximo como mais importante, tudo para avanço do Reino. Por exemplo, um irmão que vai ao culto preparado para falar em línguas e deixa de usar seu dom pelo fato da inexistência de um intérprete presente. Um

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profeta pode ter uma palavra inflamada, se for genuinamente do Senhor, mas se outra revelação surgir por outra pessoa, o primeiro irmão deve interromper a explanação que fazia. Similarmente, as irmãs cristãs são chamadas a manter silêncio em certas e limitadas ocasiões.

Duas visões

Entre os autores deste livro (Nota do Tradutor: a referência é ao livro Ekklesia, do qual este artigo é parte) prevalecem duas diferentes visões sobre o exato significado das palavras dessa passagem. Uma, sustenta que as mulheres podem certamente se dirigir à assembléia, exceto para, verbalmente, julgar alguma profecia que tenha sido trazida. A outra visão entende que a Bíblia ensina que não existe qualquer oportunidade na qual as mulheres possam se dirigir à assembléia de 1Coríntios 14.

Embora a segunda visão seja a mais comumente sustentada, a primeira (que proíbe a manifestação feminina apenas quanto ao julgamento de profecias) vem se tornando bastante popular entre as Igrejas de hoje. No que os autores deste livro concordam é que Deus criou o homem e a mulher com divinas diferenças de projeto. Cada gênero foi especificamente capacitado para cada ministério e chamado do Senhor. Nós comungamos com a certeza de que Deus determinou papéis específicos tanto para os homens quanto para as mulheres.

A visão do silêncio nos julgamentos

Dentre aqueles que adotam a visão do silêncio feminino apenas nos julgamentos, a  determinação de 1Coríntios 14:33-35 (“conservem-se as mulheres caladas nas Igrejas”) aplica-se ao julgamento das várias profecias mencionadas em 14:29-33. Em 14:29, Paulo explicitou que dois ou três profetas podem falar. Em 14:30-33 ele regulamentou a profecia. Então, em 14:29, Paulo ordenou que

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as profecias fossem cuidadosamente julgadas.  Em seguida ele regulamentou o julgamento – em 14:30-35. Depois, apenas os que falavam em línguas deveriam se calar, em certas circunstâncias (14:28 – apenas com respeito ao falar em línguas quando não existir intérprete presente). Em seguida, em 14:30, a atenção é voltada para os profetas, apenas quando estes estiverem falando e outro profeta receber uma revelação. Assim, as mulheres devem manter silêncio sob certas circunstâncias (14:33-35, isto é, apenas no que tange ao julgamento de profecias). As mulheres, para julgar profecias na Igreja, precisam assumir uma postura autoritária e, portanto, devem violar a exigência de estar em submissão encontrada em outra parte das Escrituras (1Timóteo 2:11-13). Perceba como Paulo liga o silêncio das mulheres nesta passagem à submissão (1Coríntios 14:34), indicando que esse silêncio é uma questão de exercício de autoridade. Dessa forma, as mulheres não estão autorizadas a questionar, perguntar ou interrogar os profetas em sua ortodoxia. Para fazer isso, elas deveriam estar em posição de autoridade sobre os profetas. Em vez disso, elas devem fazer suas perguntas aos seus maridos em casa, depois do culto (14:35).

Além do mais, aqueles que sustentam a visão do silêncio feminino quanto aos julgamentos, concernente a 1Coríntios 11:2-15 (sobre a mulher profetizando), entendem que o descrito nessa passagem teria ocorrido num culto interativo da Igreja. Isso se deve ao fato de que as instruções que imediatamente se seguem a essa passagem, 11:17-34 (referente à Ceia do Senhor), diz respeito claramente a uma assembléia interativa da Igreja. Então, em 1Coríntios 11:2, os coríntios são elogiados pelo que fizeram de correto nos cultos, mas em 11:7 são repreendidos pelo que fizeram de errado em suas reuniões. A aparente contradição que se cria entre 1Coríntios 11:2-16 (mulheres orando e profetizando) e 1Coríntios 14:33-35 (mulheres em silêncio) é resolvida quando se entende que o silêncio em 1Coríntios 14:33-35 é condicional. As mulheres podem falar se suas declarações estiverem “em submissão” (14:34). Se,

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entretanto, suas declarações contiverem algum tipo de julgamento sobre as profecias apresentadas na reunião, então sob esta condição, a mulher deverá silenciar. Assim, as irmãs deveriam estar em silêncio apenas ocasionalmente, não sempre.

A visão do silêncio quanto ao falar em público

A visão que defende o silêncio feminino é apoiada pela aparentemente absoluta determinação contida em 1Coríntios 14:33-35. A determinação parece cristalina. E, como já colocamos antes, a palavra grega usada no texto (sigao) verdadeiramente significa mudo. Isso contrasta com outra palavra que Paulo poderia ter usado (hesuchia) que usualmente significa calado, no sentido de tranqüilo, calmo ou sentado, mas não necessariamente mudo (veja esse uso em 2Tessalonicenses 3:12 e em 1 Timóteo 2:2 e 2:11-12). Além disso, como que antecipando que alguém pudesse não entender o significado de “conservem-se as mulheres caladas nas Igrejas”, Paulo acrescentou o esclarecimento de que às mulheres ”não lhes é permitido falar” (14:34). Ele não limitou a determinação especificando que elas não poderiam falar em línguas, nem apresentar uma profecia, nem falar julgando uma profecia ou ainda ensinando algo. Nenhuma qualificação foi acrescentada. Evidentemente, as mulheres não devem falar qualquer coisa publicamente à assembléia reunida. De fato, elas não devem sequer fazer qualquer pergunta na Igreja (14:35), pois ”para a mulher é vergonhoso falar na Igreja”.

A autor Gordon Fee, na sua obra New International Commentary on the New Testament: The First Epistle to The Corinthians, observa que ”Apesar dos protestos contra, a ‘regra’ é expressa com absolutamente clareza. Tanto que ela é oferecida sem qualquer forma de qualificação. Dada a natureza não qualificada da própria proibição de que à ‘mulher’ não é permitido falar, é muito difícil interpretar isso como representando qualquer outra coisa que não todas as formas de falar em público. O sentido da sentença é o de uma

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absoluta proibição de falar nas assembléias” (Grands Rapids: Eerdmans Publishing, págs. 706-707).

De acordo com o The Expositor’s Bible Commentary, “... como em todas as Igrejas dos santos, conservem-se as mulheres caladas (14:33-36)... A determinação parece conclusiva: as mulheres não devem falar publicamente na Igreja” (Vol. 10, págs. 275-276). Além do mais, B. B. Warfield escreveu que “precisamente o que o apóstolo está fazendo é proibir que as mulheres falem na Igreja... seria impossível a ele falar mais direta ou enfaticamente do que o fez. Ele requer que as mulheres estejam em silêncio nas reuniões da Igreja; isso, porque ‘na Igreja’ quer dizer nas assembléias, pois não existiam prédios construídos para abrigar Igrejas“ (“Women Speacking in the Church“ 30 de outubro de 1919, págs. 8 e 9).

O teólogo da Igreja Southern Baptist, John Broadus, comentando 1Coríntios 14:33-34 e 1 Timóteo 2:11-15, declarou: “Então, agora nem é preciso insistir que essas duas passagens do apóstolo Paulo definitiva e fortemente proíbem que as mulheres possam falar em reuniões públicas mistas. Ninguém pode questionar que elas são a mais óbvia expressão das determinações dos apóstolos“ (Should Women Speak In Mixed Public Assemblies? Panfleto publicado por Baptist Book Concern, Louisville, 1880).

Um exame das normas culturais do primeiro século poderá sugerir também que Paulo realmente pretendeu que as mulheres estivessem em silêncio nas reuniões. Nas sinagogas judaicas às mulheres não era permitido falar publicamente. Plutarco, o grande historiador grego escreveu que a voz das mulheres modestas deveria ser sustentada pelo público e que elas provavelmente sentiam mais vergonha de se fazerem ouvir do que de ficarem nuas em público. (Reinecker, Linguistic Key, pág. 438).  Os comentários de Plutarco parecem refletir o sentimento comum greco-romano da época. Se Paulo pretendia que às mulheres fosse permitido falar em público, então porque teria escrito tão extensamente para convencer seus leitores sobre uma prática contra-cultural? Porém, essa resposta não pode ser encontrada no Novo Testamento. Em vez disso, existe a

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determinação do silêncio, uma orientação não baseada na cultura dos dias de Paulo, mas na prática universal de todas as Igrejas, inclusive sob as antigas Escrituras (“como também a lei o determina“, 14:34). Paulo ressalta a igualdade dos sexos em Gálatas 3:28 (em contraste com a cultura do primeiro século), mas ele ainda mantém a subordinação das esposas aos seus maridos (1Coríntios 11, 14:34, Efésios 5:22) e que a liderança na Igreja deve ser masculina (1Timóteo 2:11-13 1 Timóteo 3 e Tito 1).

Qual é o propósito da mulher ficar em silêncio durante os cultos interativos de 1Coríntios 14? De acordo com o texto, seu silêncio é uma forma de submissão: “... porque não lhes é permitido falar, mas estejam submissas como também a lei o determina“. As leis do Velho Testamento obviamente não tratam do silêncio da mulher nas assembléias das Igrejas, porém ensinam a submissão das mulheres aos seus maridos e desenham os modelos de liderança masculina tanto na sociedade quanto na religião. Numa situação na qual toda a Igreja esteja reunida em um local, para ser edificada através do ensino, oração, louvor, testemunhos, etc., os homens são chamados a serem principalmente os servos-líderes. As mulheres devem praticar um dinâmico silêncio que encoraje aos homens a falar e a praticar suas lideranças. 

A visão da proibição do falar em público harmoniza as determinações sobre as mulheres profetizarem, em 1Coríntios 11, com 1Coríntios 14, notando-se que em nenhum lugar o texto especificamente esclarece que as profecias de 1Coríntios 11 tinham como alvo as reuniões da Igreja. As orações e profecias de 1Coríntios 11 são então entendidas como tendo ocorrido em outra oportunidade que não uma assembléia da Igreja. A presença da palavra Igrejas (11:16) é tomada como não se referindo a uma assembléia de Igreja, porém à totalidade dos cristãos vivendo em várias localizações geográficas.

Mas, o que representa claramente a determinação de 1Coríntios 14:26, de que todos podem falar nas reuniões ou que todos podem profetizar? Em muitos contextos, a palavra “irmãos” se refere aos homens e às mulheres. Em outras

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ocasiões, a mesma palavra designa apenas aos homens crentes (como em 1Coríntios 7:29 e 9:5). Alguns argumentam que toda a carta aos Coríntios se refere tanto a homens quanto a mulheres. Nesse caso, isso seria verdade também em 1Coríntios 14? Navegando no capítulo 14, começando no capítulo 1, o fluxo poderia demonstrar que sim. Os leitores, em 1Coríntios 14, são chamados de “irmãos” (sem referência a sexos) ou “você” Entretanto, existe uma significativa e inesperada mudança de pessoa, de “você” para “elas”, no parágrafo concernente às mulheres (14:33-35). Deixando de escrever “mulheres... vocês”, o texto declara ”mulheres... elas”. Porque Paulo não escreveu diretamente às irmãs, se elas estivessem incluídas no termos “irmãos”?

Essa mudança de pessoa pode ser facilmente justificada se a palavra “irmãos” em 1Coríntios 14 realmente se referir aos homens. As mulheres seriam mencionadas na terceira pessoa, desde se estaria escrevendo sobre elas e não diretamente a elas. Então, quando é explicitado que todos, qualquer um ou cada um dos irmãos podem participar no culto interativo (14:26), é especificamente ao homem que a passagem se refere. A mulher (“ela”) não deve fazer comentários a ser ouvidos por toda a Igreja. Desde que Paulo não hesitou em dirigir-se diretamente às mulheres em outras de suas cartas (por exemplo, Evódia e Síntique em Filipenses 4:2), o fato de não o ter feito aqui, em 1Coríntios 14, faz o caso acima mais esclarecedor. Gordon Fee, ao comentar essa passagem, observa: “todas as orientações prévias dadas pelo apóstolo, inclusive o ‘um‘, o ‘outro’, o ‘aquele’ e o ‘ainda outro’ do verso 26 e o ‘todos’ do verso 31, são todas para serem entendidas como não incluindo as mulheres“ (pág.706).

Conclusão

O silêncio das mulheres é ao mesmo tempo uma lição e uma aplicação da ordem que deve existir no lar e na Igreja. Ele encoraja ao homem a tomar a liderança no culto, a assumir a responsabilidade pelo que acontecer, a participar verbalmente, a começar a articular seus pensamentos, a

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aprender a ser líder, etc. Uma esposa observou orgulhosamente que, quanto mais ela se mantém silenciosa nas reuniões interativas da Igreja, mais seu passivo esposo se expressa e toma a liderança (conforme 1 Pedro 3:1-2).

Muitas vezes, aqueles que explicam aquelas passagens das Escrituras que parecem limitar as tarefas das mulheres no ministério, falham ao ver o quadro completo da ordem da família de Deus, estabelecida na criação, que abrange tanto o Velho quanto o Novo Testamento. A Igreja é formada principalmente por famílias. Se a ordem da Igreja contradisser a ordem da família (Efésios 5:22-33) haverá desordem e caos. O Senhor criou e dotou homens e mulheres com papéis complementares no ministério. O verdadeiro entendimento da ordem de Deus na família e na Igreja nos leva a perceber que essas passagens são mais protetoras do que restritivas. Elas protegem a mulher da carga da liderança e de ter que atuar como homem. Elas também encorajam aos homens a ser servos-líderes. E, ainda, elas nos apresentam uma imagem de Cristo e sua Noiva, a Igreja, que é submissa a Cristo como sua cabeça.

Esta é uma matéria séria com conseqüências profundas, independente de como ela é aplicada. Todos precisamos fazer alguma coisa sobre essas passagens pelo menos semanalmente. Meu propósito ao escrever este artigo foi oferecer uma alternativa bíblica às interpretações mais comuns que prevalecem hoje e não atacar aos que pensam de forma diferente. Aos leitores que ainda não decidiram como aplicar 1Coríntios 14:33-35, tomo a liberdade de recomendar que não enterrem a cabeça na areia e finjam que a decisão não é necessária. Como Paulo advertiu: “E, se alguém o ignorar, será ignorado” (1Coríntios 14:38).

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25 - AS DORES DO CRESCIMENTO25 - AS DORES DO CRESCIMENTOESTÃO FICANDO GRANDE DEMAISESTÃO FICANDO GRANDE DEMAIS

Jonathan Lindvall e Steve Atkerson

PARTE UM - JONATHAN LINDWALL

Dentro do mais comum senso do termo, pelas Escrituras, a Igreja nunca poderá ser grande demais. Desde que o Senhor deixou Seu povo nesta terra, sempre foi Seu intento que Sua Igreja crescesse. E mesmo no sentido da verdadeira Igreja local (todos os realmente redimidos de uma localidade), sempre foi intenção de Deus que recebêssemos o crescimento como uma benção (pesquise na Bíblia a palavra “multiplicar” para uma idéia do que o Senhor tem no coração sobre crescimento numérico).

Porém, e quanto a determinada congregação de santos que se reúne regularmente? É possível a tal assembléia se tornar muito grande? No paradigma da Igreja atual, isso parece dificilmente concebível. Afinal de contas, a meta é o crescimento numérico, não é? O crescimento não é evidência de saúde espiritual, no cumprimento da grande comissão? Quanto maior uma Igreja for, mais efetiva ela é, correto? Quanto mais pessoas existirem na Igreja, mais variados e especializados seus programas serão, atendendo a necessidades específicas. Essas assunções podem ser comuns, mas elas realmente refletem a vontade de Deus para Sua casa?

O crescente número de cristãos envolvidos com Igrejas domiciliares demonstra o desejo de intimidade na comunhão com outros crentes, em torno do Senhor. Muitos experimentaram o crescimento das características impessoais das Igrejas organizadas em torno de programas, especialmente quando se tornam maiores (ou se esforçam por parecerem maiores do que são). Muitas sentem o desligamento ao serem desconectadas de suas origens, pela

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crescente e cada vez mais profissional produção, que muitas Igrejas procuram oferecer em seus serviços.

Quanto a mim e minha casa, nós encontramos sólidos argumentos nas Escrituras favorecendo os cultos exclusivamente em residências particulares.  A insistência de Paulo (1Coríntios 4:16-17, 11:1-2, 11:16, 14:33, Efésios 2:20, Filipenses 3:17, 2Tessalonicenses 2:15, 3:6-9, 1 Timóteo 1:16, 3:14-15, 2Timóteo 1:13) de que as Igrejas sigam os padrões apostólicos (e seu próprio exemplo) são argumentos persuasivos contra a noção de que o local onde as Igrejas se reúnem não é questão de determinação das Escrituras.

Reuniões em torno do Senhor de uma forma autêntica são excitantes, interessantes e gratificantes de tal forma que o crescimento numérico provavelmente se dará, com o passar do tempo, de acordo com o amadurecimento do corpo em sua proficiência em deixar o Espírito Santo dirigir suas festas e assembléias. Porém, o que devem fazer as Igrejas, quando crescem ao ponto de já não caber numa típica residência? De que tamanho é “muito grande”?

Jesus usou uma analogia (uma parábola - Mateus 9:17, Marcos 2:22 e Lucas 5:37-39), comparando a colocação de vinho em novos e em velhos odres, ao defender Seus discípulos da falta de jejum. É claro que o vinho é mais importante do que o odre, mas o odre errado pode ser prejudicial ao vinho. A função é mais importante do que a forma, porém a forma errada pode inibir a função pretendida.

É sempre um risco (e assim, questionável) especular sobre os propósitos de Deus pelos Seus atos. Todavia, Ele nos chama a aprender Seus caminhos (Salmos 25:4, 51:13; 95:10). Deixe-me cautelosamente propor a razão pela qual a Igreja do Novo Testamento é tão consistentemente retratada realizando suas reuniões em residências. Suspeito que a chave disso possa ser encontrada na descrição explícita de Paulo de uma reunião de Igreja, na qual tudo deve ser feito “decentemente e com ordem” (1Coríntios 14:40).

Através de 1Coríntios 14, Paulo compara práticas que são desordenadas e confusas com aquelas que são ordeiras e edificantes. Interessante é que a definição de Paulo do que

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seja “ordeiramente” é significativamente diferente do que muito de nós possa achar confortável, pelo menos numa reunião formal (o que pode ser a chave para entender o problema). Paulo acautela contra as práticas confusas como: falar em línguas que as pessoas não entendem, falar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, haver liderança feminina no culto e outras coisas centralizadas no benefício de apenas um ou poucos, ao invés de oferecer edificação a todo o grupo. Então, ele contrasta isso tudo com descrição de ordeiras e edificantes experiências corporativas.

Por exemplo, após pintar uma situação imprópria,  na qual “indoutos ou incrédulos” (presumivelmente crentes desinformados) entrassem quando “toda a Igreja se reunisse num mesmo lugar, e todos falassem em línguas” e concluíssem que “porventura... estivessem loucos?” (1Coríntios 14:23, parafraseado), Paulo então apresenta a alternativa correta. É muito interessante que se note que a melhor prática não é sentar-se passivamente e ouvir os entendidos expor as Escrituras. Ao contrário, Paulo diz que (1Coríntios 14:24-25) “se todos profetizarem, e algum incrédulo ou indouto entrar, por todos é convencido, por todos é julgado”. O resultado final é que”prostrando-se sobre o seu rosto (isso seria hoje considerado ordeiro?), adorará a Deus, declarando que Deus está verdadeiramente entre vós” (final do versículo 25).

O mais incrível é que essa profética participação de todos é o que Paulo quis dizer com “decentemente e com ordem”! Ele demonstra, no verso 26, que quando os irmãos se reúnem, cada um traz algo para ser feito para edificação. Essas coisas podem incluir um salmo, um ensino, línguas, uma revelação ou uma interpretação. Note que essa lista inclui coisas que podem ser planejadas antecipadamente, mas também coisas que não podem ser previamente preparadas.

Pouco depois ele diz (verso 30) que, se alguém estiver falando e “a outro, que estiver sentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro”, que deve acolher com simpatia a interrupção e deixar o segundo irmão falar. Ele continua com

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a fenomenal alegação (verso 31) de que “todos podereis profetizar, cada um por sua vez”. Isso parece contradizer sua diretiva, feita a dois versos atrás, de que “falem os profetas, dois ou três, e os outros julguem”. Se apenas dois ou três pudessem profetizar e ele dissesse que todos poderiam profetizar, isso talvez quisesse dizer que haveria apenas dois ou três irmãos presentes. Ainda que eu duvide de que essa seja a interpretação correta da passagem, ela certamente aponta para reuniões relativamente pequenas.

Na realidade, eu suspeito que a interpretação correta é a de que as profecias devem ser trazidas coloquialmente, entre dois ou três irmãos, com os ouvintes discernindo se eles estão ou não realmente ouvindo a voz do Pastor (João 10:3-5, 10:3-5 e 10:16 e 10:27). Isso soa como uma razoavelmente íntima conversação, com alguns participando e outros estando atentos à situação (inclinando seus corações), o que ocorre quando se ouve com os ouvidos e com os espíritos.

Mesmo na parte seguinte, onde Paulo se dirige às mulheres, pedindo seu dinâmico silêncio (oferecendo pressão não explícita para que os homens exercessem a liderança), há um visível senso de contexto interativo da reunião, quando ele determina (1Coríntios 14:35): “se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos”. Aparentemente, os homens deveriam estar livres para interagir durante as assembléias, colocando questões. É bem claro que as assembléias das Igrejas, planejadas e pregadas pelos apóstolos, eram interativas, participativas, pessoais, íntimas e espontaneamente dirigidas pelo Espírito Santo. Além dessas características, eram também ordeiras, no sentido de que cada pessoa deveria considerar o benefício do grupo ao invés de buscar simplesmente sua própria edificação. Uma congregação está muito grande se todos seus integrantes não puderem participar íntima e efetivamente.

Um fato interessante sobre as residências é que elas raramente são maiores do que o suficiente para facilitar a reunião de apenas algumas famílias. Penso que seremos sábios e estaremos cooperando com os desejos do Senhor,

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se projetarmos nossas casas para possibilitar, nelas, a reunião de grupos de santos. Porém, não seria possível que Deus tenha determinado que as Igrejas se reunissem em casas, de maneira que o número de pessoas se mantivesse relativamente pequeno? Se for assim, poderemos estar arruinando Seu intento, quando pretendemos realizar assembléias em locais mais amplos.

Se eu pudesse construir uma casa com uma sala que abrigasse uma reunião de 200 pessoas, isso seria uma ajuda para a Igreja ou seria contrário ao desígnio do Senhor de manter os grupos relativamente pequenos? Eu duvido que o Senhor tenha prazer em nos impor limites quantitativos. Todavia, parece-me que existe um princípio geral ao qual devemos obedecer, acerca das reuniões conjuntas das congregações.

Em 1993, pela quarta vez, nossa família começou a se reunir com algumas outras famílias, como Igreja. Com o passar dos anos, o tamanho do grupo cresceu, embora às vezes tenha diminuído. Num dado ponto, sentimos que havíamos atingido um tamanho que já seria muito grande para um domicílio. Eu sugeri que considerássemos a procura de algum local mais amplo para as reuniões, mas o Senhor usou vários outros irmãos para nos convencer a não tomar esse caminho. Aparentemente, o Senhor ofereceu-nos uma solução, fazendo com que o tamanho do grupo diminuísse: num relativamente curto espaço de tempo, várias famílias se mudaram para outras regiões, aliviando a pressão de termos que lidar com a questão do que fazer se a congregação ficar muito numerosa para caber numa casa.

Recentemente, o Senhor proporcionou novamente crescimento ao círculo de santos com os quais temos feito nossa caminhada. Existem hoje cinco famílias participantes vivendo em nossa comunidade de Springfield, Califórnia. Nossa proximidade geográfica permite a freqüência de contatos, encorajando-nos a caminhar juntos em relativa intimidade (embora reconheçamos o desejo do Senhor de trabalhar mais ainda em unir nossos corações ao redor Dele). Duas outras famílias estão em processo de mudança para

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Springfield. Outras duas famílias que moram a meia-hora de distância expressaram o desejo (e intenções reais) de se mudarem também. Mais duas famílias participantes vivem a essa mesma distância. Outras duas famílias, respectivamente a uma e a duas horas distantes, freqüentam os cultos já há vários anos. Finalmente, existem várias outras famílias que participam das reuniões semanais com freqüência relativa. Os que vivem mais longe são privados, pelas limitações geográficas,  da prática do que é recomendado em Hebreus 3:13: ‘‘exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje”.

Estamos claramente num ponto onde nem todos quantos querem se reunir conosco podem participar de um mesmo encontro num domicílio.  Se todas as famílias que reconhecemos como partes da congregação se reunirem numa mesma oportunidade, serão mais de noventa pessoas. E poderão ser ainda mais, se alguns dos visitantes mais freqüentes aparecerem.

Precisamos discernir a direção do Senhor a respeito do que devemos fazer sobre essa situação.  Podemos nós mesmos tentar planejar uma saída, mas a probabilidade de chegarmos a uma abordagem que não O satisfaça é muito elevada. Salomão alerta por duas vezes (em Provérbios 14:12 e 16:25): “Há um caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele conduz à morte”. Contudo, o Senhor fica aparentemente satisfeito de que nós ponderemos sobre Seus caminhos, revelados nas Escrituras, descobrindo o que Ele determina. Deixe-me considerar alguns possíveis enfoques que poderão ou não ser o que o Senhor orienta.

Se bem que eu duvido seriamente que o Senhor nos levasse a procurar um local maior para acomodar a todos, esta é uma possibilidade que outras pessoas entenderiam como de agrado Dele. Porém, é uma possibilidade bem duvidosa.

Poderíamos simplesmente não fazer nada. Isso poderia ser a vontade do Senhor, como em 2Crônicas 20:17: “ficai parados e vede o livramento que o Senhor vos concederá”. É também possível que o Senhor providenciasse

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uma solução sem pedir a nenhum de nós que modificássemos o que tivéssemos feito. Ou Ele poderia ainda mandar-nos aceitar a aglomeração com alegria. Muitos de nós ouvimos histórias de congregações em países do terceiro mundo, sobre reuniões de grande número de pessoas em espaços minúsculos. Porém, como as coisas estão agora, poucas famílias têm demonstrado a intenção de abrir suas casas para cultos, alegando que não haverá espaço para todos. Tenho comigo que o incentivo para esquivar-se da hospitalidade é algo que devemos pedir ao Senhor que elimine.

Outra possibilidade (ainda que remota) é que o Senhor poderia levar-nos a limitar o número de pessoas que seriam bem-vindas a se reunir conosco. Teríamos grupos fechados, sendo que, qualquer outro interessado em caminhar na mesma direção a que o Senhor nos orienta, teria que procurar outras pessoas para com elas se reunir. É tão duvidosa esta opção para mim, que eu desejo deixar aberta a porta para qualquer pessoa que o Senhor mandar.

Uma opção que foi bastante discutida no movimento das Igrejas domiciliares é a possibilidade óbvia da multiplicação, pela divisão em dois de um grupo maior. Isso poderia ser feito com base na localização geográfica das moradias dos irmãos ou baseada em qualquer outro método (número ou idade dos membros das famílias, interesses comuns, convicções, teologia, etc.). Entendo que distinguir uma Igreja de outra com base em qualquer outra coisa que não a geografia, é o tipo de facciosismo (ou sectarismo), criticado por Paulo nos primeiros capítulos da primeira carta aos Coríntios. Escolher ter comunhão apenas com pessoas que são idênticas a mim representa uma tácita aceitação de divisões no corpo. Se eu concluir que alguém é verdadeiramente um membro do corpo de Cristo, então devo ter satisfação na comunhão com essa pessoa.

Algumas famílias com as quais nos reunimos, que vivem um pouco mais longe do que o restante de nós, expressaram o temor de que nós pudéssemos dividir o grupo, transferindo-as para outro. É interessante que, se todas as

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famílias de fora de Springville se reunissem ao mesmo tempo, elas seriam exatamente o mesmo número daquelas que residem na cidade. Dividi-los dessa forma é certamente uma possibilidade que o Senhor tem. Entretanto, sinto que isso seria arbitrário e talvez muito mais fazer uma manipulação humana do que atender à direção do Espírito Santo.

Nas Escrituras, a localização geográfica de uma Igreja é a única base legítima para identificá-la dentre as demais. A Igreja em Antioquia era uma com a de Jerusalém, mas todos entendem que eram duas Igrejas distintas. Assim como só existe um corpo de Cristo, composto de todos os crentes, de todos os tempos, através do globo. Mas, existem diferentes Igrejas (no plural), baseadas em coordenadas geográficas (e não em lealdades humanas, práticas distintas ou posições teológicas particulares).  Embora possamos admitir que a Igreja moderna seja fragmentada, a solução é vê-la sob a perspectiva de Jesus. Existe então apenas uma Igreja em Springfield, Califórnia, e todos os cristãos desta cidade são parte desta Igreja, ainda que seja impossível que todos os cristãos de Springville se reúnam regularmente em um só lugar. Se não nos reunimos em apenas um lugar, por sermos muitos, como decidir onde nos reunirmos?

Outra possibilidade seria agendar reuniões em horários diferentes e deixarmos que as pessoas participantes dessas assembléias escolhessem o horário de suas preferências. Esta é uma saída fácil considerada por Igrejas institucionais que ultrapassam a capacidade de lotação de seus santuários. Poderíamos ter um culto mais cedo e outro mais tarde. As pessoas poderiam escolher de qual festa de amor desejassem participar. Poderiam, ainda, alternar a participação e, ocasionalmente, aproveitar ambas as festas. Talvez alguns dos irmãos que sentissem chamado especial para oferecer liderança à congregação pudessem levar isso ao ponto de participar de ambos os grupos.

Esses são tempos excitantes, no qual descobrimos o Senhor nos orientando por caminhos distintos das tradições que foram estabelecidas através dos séculos. Talvez, se nos humilharmos frente a Ele, descubramos que não podemos

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inventar coisas diferentes e que somos totalmente dependentes da liderança do Espírito Santo, para que sejamos verdadeiramente alegria para a Noiva do Cordeiro.

PARTE DOIS - STEVE ATKERSON

Quando os autores deste livro argumentam que o padrão do Novo Testamento é que cada Igreja local deve ser pequena, ao invés de ser grande, não queremos dizer, com isso, apenas três ou quatro pessoas. Referimo-nos a pequena, no sentido de dezenas de pessoas, versus centenas ou milhares delas. Haver muito poucas pessoas numa Igreja pode ser tão problemático quanto haver muitas.  Qual a evidência escriturística existente sobre o número de membros envolvidos nas Igrejas domiciliares do Novo Testamento?

Existia apenas uma Igreja domiciliar em Corinto. Em sua carta aos Romanos, escrita de Corinto, Paulo diz que “saúda-vos Gaio, hospedeiro meu e de toda a Igreja” (Romanos 16:23). Gaio hospedava a toda a Igreja de Corinto em sua casa. A mensagem contida em 1Coríntios 1:2 saúda “a Igreja de Deus em Corinto”, sugerindo que havia apenas uma Igreja naquela cidade, não várias Igrejas.

Em 1Corintios 11, verso 17 em diante, é revelado que havia abusos na Ceia do Senhor em Corinto. Existiam profundas divisões de classes e, em função disso, os ricos se recusavam a comer com os pobres, comparecendo ao local da assembléia bem cedo. Quando os pobres finalmente chegavam, provavelmente após o trabalho, os ricos haviam já almoçado e nenhum alimento restava. A natureza desse abuso demonstra que os ricos e os pobres estavam todos na mesma Igreja, reunindo-se no mesmo local. Não havia assembléias em diferentes locais em Corinto, para a Ceia do Senhor. Os ricos evitavam os pobres chegando em horários diferentes e não indo a locais diferentes.

Na primeira carta aos Coríntios, em 5:4-5, Paulo trata do irmão imoral que precisou de disciplina. Ele escreveu: “Quando vocês estão reunidos em nome do Senhor Jesus, quando estou com vocês em espírito e o poder de Nosso

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Senhor Jesus está presente, entreguem esse homem a Satanás” (versão em inglês NIV). Paulo claramente escreveu isso como se todos os crentes em Corinto estivessem juntos no mesmo lugar. 

O Senhor Jesus esboçou o processo de disciplina na Igreja em Mateus 18. Veja o número de pessoas potencialmente envolvidas: o pecador, o irmão ofendido e as duas ou três testemunhas. Isso soma quatro ou cinco pessoas. Depois disso, a Igreja inteira pode ser envolvida. Presumivelmente, o número de pessoas no resto da Igreja não será apenas mais uma (a quinta ou sexta); possivelmente haverá no mínimo o mesmo número de pessoas envolvidas no processo de disciplina (ao menos quatro). Isso quer dizer que Jesus anteviu uma Igreja típica contendo, no mínimo, 8 adultos. É provável que muitos mais houvesse na Igreja, além dos envolvidos nos passos iniciais do processo disciplinar. Na época em que Jesus ensinou isso, o sistema das sinagogas exigia que houvesse no mínimo dez homens numa localidade para que uma sinagoga fosse formada. Se esse princípio geral foi usado nas Igrejas, então dez homens com suas esposas preenchiam o número da uma vintena de membros. Acrescentem-se as crianças e teríamos uma casa cheia!

Ainda outro indicador de que em Corinto havia uma só Igreja (Romanos 16:23) e que o local de reunião era apenas um, encontramos em 1Coríntios 14:23: “Se, pois, toda a Igreja se reunir num mesmo lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou incrédulos, não dirão porventura que estais loucos?”.

Um exame dos vários dons apresentados na assembléia de Corinto sugere que havia cerca de vinte pessoas naquela Igreja. Três pessoas que falavam em línguas, um intérprete e três profetas são mencionados em 1Coríntios 14:27-32, totalizando sete pessoas. Acrescente mais uma pessoa com um hino a outra com uma palavra de instrução (14:26) e o total chega a nove. Considere as mulheres (que não falavam, 14:33-35) e o número de adultos chega aos dezoito. Cerca de doze diferentes dons espirituais são mencionados

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em1Coríntios 12:7-31, sendo que todos estavam operacionais em Corinto. Essa realmente era uma Igreja de dimensões adequadas! Qual era o tamanho da Igreja domiciliar em Corinto? Claramente não era o caso de “nós quatro e ninguém mais”. Havia dúzias de pessoas nessa Igreja domiciliar, não centenas, nem milhares delas e muito menos apenas uma ou duas famílias. Quando visualizamos a dimensão da típica Igreja domiciliar do Novo Testamento, podemos perceber uma residência lotada com dezenas de crentes. Então, por analogia, nas nossas Igrejas de hoje, precisamos pensar pequeno!

Muitas pessoas envolvidas com as Igrejas domiciliares poderão não se sentir satisfeitas em Igrejas convencionais, com centenas ou milhares de pessoas. Elas também poderão estar desconfortáveis em Igrejas domiciliares com muito poucas pessoas. A Igreja deve ser vibrante e crescer, atingindo novas pessoas com o evangelho. Nesse caso, uma norma prudente é ter a dúzia como unidade de contagem das pessoas.

Você deve estar indagando como uma residência pode acomodar tantas pessoas para o culto. É interessante que o Novo Testamento frequentemente indica que a Igreja se reunia na casa da mesma pessoa. Por exemplo, Paulo enviava saudações para a Igreja que se reunia na residência de Priscila e Áquila (Romanos 16:3-4), à Igreja que se reunia na casa de Ninfa (Colossenses 4:15) e à Igreja que se reunia no domicílio de Filemom (Filemom 1:2). Essas assembléias não faziam rodízio de casa em casa. Isso pode ter como razão o fato de esses crentes possuírem casas grandes o bastante para acomodar as reuniões de toda a Igreja. Se a norma for uma Igreja domiciliar ter cerca de uma vintena de pessoas e a casa de alguns dos membros for demasiado pequena para acomodar tanta gente, a Igreja não será capaz de realizar seus encontros nessa casa. A história da Igreja primitiva revela que a Igreja se reunia nas residências de seus membros de maiores posses,

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presumivelmente pelo fato de terem eles casas com capacidade de abrigar a um maior número de pessoas.

É razoável que se espere que um corpo de crentes, que anda com o Senhor e irradia luz numa comunidade em trevas, atraia novos membros. À medida que uma Igreja domiciliar cresce numericamente, espaço passa a valer ouro. Historicamente, os crentes resolveram esse problema (e esse é um dos grandes), construindo edifícios cada vez maiores para abrigar mais pessoas. Entretanto, o padrão do Novo Testamento não é a construção de prédios especiais para acomodar mais pessoas do que aquelas que cabem numa sala de visitas. Também não existe no Novo Testamento nenhum padrão para a divisão de uma Igreja domiciliar. O testemunho apostólico faz silêncio sobre como a Igreja primitiva abordava o crescimento do número de crentes. Desde que nenhum outro padrão do Novo Testamento fosse violado, isso era assunto da liberdade no Senhor.

Pessoas resistem à divisão (e é compreensível que assim seja), porque a perspectiva de perder relacionamentos é muito dolorosa. Outras justificam que a falta de líderes qualificados para os novos grupos pode resultar em desastre.

Outra preocupação é que num trabalho novo, pioneiro, aqueles que não sejam maduros podem abandonar a Igreja (a vida dos pioneiros pode ser dificultosa). Ainda outra razão para resistir à divisão é a preocupação de que a nova Igreja possa tomar decisões que sejam diferentes das antigas da Igreja original, o que poderia gerar conflitos.  Todos os temores acima são válidos.

Razões menos válidas para a divisão incluem: hospedar um número elevado de pessoas gera muito trabalho; haverá muitas crianças traquinas para cuidar; menor quantidade de diferenças teológicas torna a convivência mais fácil, sem necessidade de muitas discussões ou de maior tolerância. Os motivos são importantes: qual a razão para a divisão? Será por motivos egoístas ou para melhor servir ao corpo de Cristo?

Por outro lado, talvez seja oportuno considerar que, num trabalho novo, quando muitas pessoas freqüentam

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regularmente as reuniões de 1Coríntios 14,  fica difícil para todos os que desejam participar. Outro indicador de que é tempo de inaugurar uma nova Igreja é a constatação de que a casa onde acontecem as reuniões já não acomoda mais aos freqüentadores – não existe mais lugar para ninguém sentar. Também, um grupo maior sempre resulta em alguma perda de intimidade e consideração (um elo que apenas poucos amigos podem manter). Uma Igreja menor encoraja aos mais tímidos a se expressarem e a se tornarem servos-líderes (crescendo no aprendizado).

No final, isso se transforma numa questão de capacidade. Em uma Igreja que deseje ser usada por Deus e ser, cada vez mais, benção para outros, novas pessoas precisam ser, de alguma maneira, bem recebidas e acomodadas. Para começar, é preciso que haja espaço para que essas pessoas possam ser acomodadas na casa aonde o culto irá se realizar! A única solução bíblica de longo prazo para esse problema é o início de uma nova Igreja. Idealmente, a nova Igreja deverá ter líderes qualificados, manter estreito contato com a Igreja de origem, ter presentes professores qualificados, músicos, pessoas desejosas de hospedar a Igreja em suas casas, ser uma equilibrada mistura de pessoas jovens e mais idosas, etc. Mas, isso é o ideal. Nem tudo isso é necessário. A principal exigência é de que haja presentes algum tipo de liderança madura e supervisão, ambas através de um apóstolo ou da Igreja-mãe. (É preciso que se enfatize que ninguém deve ser pressionado, forçado ou ordenado a fazer alguma coisa sobre onde - em que lugar - deve participar da Igreja. O governo da Igreja deve ser por consenso, não por comando. Não deve haver pressão arbitrária nem impositiva sobre quem vai, aonde vai ou quando vai).

Nas Igrejas melhor estabelecidas é usual que existam aqueles que são verdadeiramente comprometidos, aqueles que se afastam da conveniência, mas não acreditam realmente em seguir os padrões do Novo Testamento, aqueles que vivem próximos e formam o cerne da comunidade, aqueles que viajam diariamente longas

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distâncias, aqueles que são celibatários (solteiros) e também aqueles que trabalham como orientadores (anciãos). Essa mistura deve ser levada em consideração pela liderança, quando do planejamento da criação de uma nova Igreja a partir de outra já existente. Em resumo, uma Igreja tem várias opções quando sua capacidade total de acomodação é alcançada:

Permanecer igual é cessar de crescer numericamente. Nesse cenário, recém-chegados eventualmente seriam vistos como problemas. Sentindo isso, visitantes poderiam não voltar outras vezes ou procurarem comunhão com quem os acolhesse com alegria. Certamente, esta não é a solução de Deus! Seu reino, como o fermento misturado na massa do pão, deve crescer e se espalhar. Trabalhemos para o Senhor e não contra Ele!

Construir prédios cada vez maiores para abrigar mais pessoas. Essa é a opção mais comumente escolhida, porém ela viola os padrões do Novo Testamento. O problema é que demasiadas pessoas presentes numa mesma Igreja começariam a descaracterizar o propósito mesmo de se reunirem numa assembléia de  Igreja. Tamanho não é necessariamente indicação de saúde, de força (gordura não é músculo). Grande número de presentes tornaria impossíveis as reuniões de 1Coríntios 14 (que foi como os cultos começaram). Com muitas pessoas presentes, a Ceia do Senhor como uma refeição completa ainda poderia ser realizada, mesmo que com dificuldade, mas seria quase impossível conversar com alguém durante o transcurso da refeição. A intimidade seria perdida e a consideração começaria a sofrer. Ir realmente a fundo nos vários assuntos que as pessoas apresentassem seria problemático. A Igreja passaria a ser mais como uma empresa do que como uma família.

Dividir a Igreja mais ou menos igualmente, dividindo forças e fraquezas da forma mais justa possível, da forma como as pessoas fossem sendo dirigidas pelo Espírito (e não por coerção).

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Enviar pequenas partes do grupo principal para criar novos trabalhos. Por exemplo, dois terços dos membros permaneceriam na Igreja principal, enquanto que um terço iria trabalhar fora dela. O grupo que formasse a nova Igreja teria a responsabilidade, dada por Deus, de realizar a tarefa – não haveria nenhuma queda de braço no processo.

No fim, alguém poderia perguntar: “O que pensa o Senhor disso tudo? Qual é o desejo do Senhor para Sua Igreja?”. Fiquemos sintonizados na freqüência do Senhor e vejamos o que Ele tem a dizer!

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26 - CONVENÇÕES DE IGREJAS,SÃO BÍBLICAS?

Tim Wilson

Não é preciso que alguém tenha lido muitos livros sobre o assunto para compreender que a criação e a implantação de uma convenção (ou concílio) de Igrejas é um assunto importante no chamado “movimento das Igrejas domiciliares”.

De fato, a maior parte das Igrejas domiciliares com tempo significativo de existência concorda que o elemento isolado mais vital para a manutenção delas é uma convenção corretamente desenvolvida. Lois Barrett, autora de um popular livro sobre essas Igrejas, declara que “uma coisa que todas as Igrejas domiciliares têm em comum é uma convenção” (Building The House Church, pág. 29). Suas justificativas para as convenções são baseadas em três argumentos.

Argumentos Favoráveis às Convenções de Igrejas

1. Nós entramos em relacionamentos regidos por convenções por comportamento padrão. Todos os grupos têm um senso de “agrupamento” que funciona em várias situações. Ainda que não escritas, essas orientações definem quem está no grupo, quais as exigências para entrada ou saída dele, como o grupo deve se relacionar e quais os comportamentos aceitáveis. O argumento é que, se essas referências existem de qualquer forma, é mais honesto e mais prático simplesmente esclarecer as expectativas em torno delas, discuti-las e então chegar a um consenso, com todos conhecendo as regras.Realmente é difícil negar a realidade desse argumento. A Igreja domiciliar à qual eu pertenço não possui um rol de membros nem é filiada a qualquer convenção. (Porém, eu figuro na nossa “lista telefônica” de uma

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página só). De toda forma, a Igreja às vezes parece empacada em certos assuntos sobre os quais existem fortes discordâncias. Uma convenção que estabelecesse claramente as áreas de tolerância e de intolerância certamente acalmaria alguns “eriçar de pêlos” que de  tempos em tempos são exibidos. O irmão “A” levanta um assunto que é considerado pelo irmão “B” como irrelevante. O irmão “A”, entretanto, acha que o caso é prioritário. O irmão “B” entende que não vale a pena tomar o tempo do grupo para a matéria e que ela não é edificante para todos. O irmão “A” justifica que o caso é edificante no sentido de que desafia algumas “vacas sagradas” do grupo. Essas situações podem ser tratadas tão logo se manifestem e resolvidas, se todos puderem perceber o que é esperado do grupo em tais casos.

2. As fronteiras da convenção são livres ao estabelecer expectativas e direções. Assim, argumenta Barrett, não existe o senso de estar sem rumo. Ela dá ainda a seguinte explanação para demonstrar o problema existente por não haver essas fronteiras: “O grupo inicial de pessoas que se reunia era diverso... não desejando ofender a ninguém, nunca se filiaram a nenhum concílio ou convenção... e as fronteiras não foram definidas. Em razão de não haver base para excluir ninguém, também não havia base para incluir a quem quer que fosse. O grupo se dissolveu depois de alguns anos, sem sequer haver se tornado uma Igreja”. Esse argumento é também muito convincente. Em contato com alguns grupos de Igrejas domiciliares, eu vi, muitas vezes, o problema da “exclusão”, quando ninguém se sente dentro - nem fora. Tenho também visto comportamentos que, em outros meios sociais seriam inaceitáveis, serem tolerados em Igrejas domiciliares sob o pretexto de “fazer como Jesus teria feito” ou outra frase idêntica. Uma fronteira bem

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definida e divulgada certamente ajuda o recém-chegado a conhecer quando ele ou ela está no grupo e ao veterano a atuar como um mediador, encorajando a que o intolerável se torne mais aceitável. É muito difícil imaginarmos uma assembléia de pessoas realizando algo, por alguma razão, sem nenhumas “regras básicas” pelas quais se conduzirem quando na reunião. É difícil também para qualquer comunidade de pessoas se reunirem em eventos participativos freqüentes, sem a existência de um acordo sobre como cada uma deve se comportar.

3. Convenção (ou pacto) é uma idéia básica da fé bíblica. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento expressam a relação da humanidade com Deus  em termos de pactos. Barrett mostra os três elementos essenciais de todas as convenções: 1)  A relação com Deus, 2) a submissão a outras pessoas da mesma convenção e 3) as relações com os que são estranhos à convenção. Trazendo esses argumentos ao nível da Igreja domiciliar, ela afirma que “essa forma de relacionamento é a típica de todas as convenções de Igrejas domiciliares”. E então conclui, perguntando: “É realmente necessário escrever todas essas coisas específicas? Sim. Nós não vivemos nossas vidas totalmente no plano abstrato, em elevadas afirmações sobre um  compromisso final. Nós vivemos como cristãos na labuta diária, que precisa de estruturas para organizá-la e para tratar com o concreto e com o específico”.

Argumentos Contra as Convenções de Igrejas

A declaração de Barrett de que “nós não vivemos nossas vidas totalmente no plano abstrato, em elevadas afirmações sobre um  compromisso final” teve um efeito chocante sobre mim. Isso parece dizer que a implicação oculta é que as injunções bíblicas não têm nenhum efeito

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prático na condição humana. Teriam as Escrituras se tornado, para nós, o “plano abstrato, em elevadas afirmações sobre um  compromisso final?” Se for assim, não me espanta que procuremos um pacto no nível humano, para substituir o que as Escrituras já não são mais aptas a fazer!

Os argumentos contra as convenções estabelecidas entre as Igrejas domiciliares começam com uma simples premissa – elas já estão em uma. É uma convenção coberta pelo sangue de nosso Salvador. Essa convenção não satisfaz a todos os três requisitos de uma convenção acima mencionados. Não se trata de inaugurar uma nova convenção, mas de dominar a realidade daquela na qual já estamos, o Novo Concerto (ou Testamento).

O Novo Concerto é um acordo entre o Redentor e os redimidos. Esse acordo inclui: 1) o tema fundamental do nosso relacionamento com Deus, 2) nossa vida com nossos companheiros redimidos e 3) nossa relação com os outros não pertencentes ao Concerto, os vizinhos, os inimigos ou o mundo todo.

As relações do povo do Antigo Testamento com o seu Pacto são de grande ajuda para entendermos o dinâmico relacionamento dos seres humanos em um concerto originado de Deus. Imagine as crianças de Israel criando, elas mesmas,  uma convenção humana de forma a melhorar sua obediência à convenção criada por Deus. Pense na resposta de Deus a isso! Precisaria ser uma resposta definitiva à convenção. Ela estaria, entretanto, além do entendimento de um credo humano. A base de toda relação numa convenção é a simples presença do Criador original nela própria. No Novo Testamento nós temos uma refeição – e não uma simples refeição! No evento ordinário de comer, nós encontramos o evento extraordinário do convênio. Nós nos tornamos participantes de algo que é muito maior do que nós – muito grande para ser posto numa garrafa, escrito num credo ou rubricado por um subgrupo.

Nós podemos, razoavelmente, esperar que o evento da refeição pactual exerça uma influência efetiva na Igreja? Claro que podemos! Enquanto que a descrição da Ceia do

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Senhor em 1Coríntios 11 é frequentemente usada como “padrão” para a Igreja, pode ser entendido que Paulo a estava usando para levar os geniosos coríntios à obediência. O problema não era que eles precisavam ser relembrados sobre como comer a refeição. O problema era que eles estavam tratando a refeição como um  ato sem propósito. Paulo os relembra então que a refeição era parte de um pacto (verso 23), era uma representação da pessoa e da obra de Cristo e era a proclamação de Sua morte (e, por conseguinte, de sua participação nela!) até que Ele volte (verso 26)! Evidenciar a força ética da refeição foi clara pretensão de Paulo, com os objetivos de: 1) parar a disputa, 2) acabar com as divisões e 3) avisar que, se a determinação fosse ignorada, isso resultaria em julgamento com conseqüências chegando até a morte física. Esse pacto de que Paulo falava era inteiramente prático, específico e concreto. Até hoje, esse pacto não mudou! Se houve alguma transformação, foi de nossa parte. A solução é sempre a mesma: arrependimento, confissão, perdão e uma vida na nova luz. A solução não é criar uma nova convenção, da qual derive nossa ética.

Considere Gideão, após sua magnífica vitória (Juízes 8:22-23). O povo pedia: “Domina sobre nós, assim tu, como teu filho, e o filho de teu filho; porquanto nos livraste da mão de Midiã”, Gideão, contudo, escolheu ficar “no plano abstrato, em elevadas afirmações sobre um  compromisso final”, pelo que respondeu: “Nem eu dominarei sobre vós, nem meu filho, mas o Senhor sobre vós dominará”.

Considere quando os anciãos se reuniram com Samuel dizendo: “Constitui-nos, pois, agora um rei para nos julgar, como o têm todas as nações” (1 Samuel 8:5) e “... Haverá sobre nós um rei, para que nós também sejamos como todas as outras nações, e para que o nosso rei nos julgue, e saia adiante de nós, e peleje as nossas batalhas” (1Samuel 8:20). Desta vez, foi Deus pessoalmente que escolheu estar “no plano abstrato, em elevadas afirmações sobre um  compromisso final”, pelo que disse a Samuel: “Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não é a ti

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que têm rejeitado, porém a mim, para que eu não reine sobre eles” (1 Samuel 8:7-8).

Em ambas as circunstâncias acima, as pessoas poderiam negar que, desejando um rei, estariam rejeitando o Rei dos Reis. Não há dúvida que elas poderiam argumentar que eram apenas pessoas comuns, “na labuta diária, que precisa de estruturas para organizá-la”, que precisam de um rei  “para tratar com o concreto e com o específico”, como as julgar e ir à sua frente nas batalhas. Eu poderia também assumir que, nos nossos dias, pessoas que defendem as convenções de Igrejas poderiam negar que estejam rejeitando o Autor da Convenção.  Não obstante, o efeito prático é o mesmo. Assim como o povo começava a absorver a lei a ética de um rei humano, nós podemos, criando uma convenção de Igrejas, ter nossas leis e nossa ética originadas de um pacto humano e não do Concerto de Cristo. Não há dúvida de que a reação a esta declaração será que, na maioria dos casos, estaríamos tratando de atividades de convenção muito simples. Não obstante, alguém que pense que isso está indo muito longe, teste seu argumento contra a declaração do Senhor sobre o desejo de Israel de ter um rei.

Porém, nós temos um Deus que está próximo. Um Deus muito zeloso disso: nós temos um tratado com um Grande Deus. Esse tratado, chamado de convenção (ou pacto) foi elaborado pelo Rei pessoalmente. E se esse Rei foi zeloso com seu povo e de sua fidelidade à Antiga Convenção (ou Antigo Pacto) que Ele mesmo apresentou, quão mais zeloso Ele seria se vemos que o  Novo Testamento, o qual foi originado do filão de Emanuel, é muito no “plano abstrato”. Quão terrível é um pensamento que conclua que o Novo Testamento não é convincente, não é prático, é abstrato “em elevadas afirmações sobre um  compromisso final” e que uma convenção menor, originada no sangue humano, é mesmo considerada necessária!

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Embora isso seja de pouca valia para equilibrar o argumento acima, é importante que se note que essa objeção ao processo de convenção da Igreja não é uma objeção ao processo de tomada de decisões na Igreja. Talvez a razão pela qual as Igrejas domiciliares escolheram entrar numa convenção seja uma distorção do entendimento do papel dinâmico que nosso Senhor deu à Igreja. Nosso Senhor chamou Sua Igreja para o papel de “ligar e desligar” em Seu Reino (Mateus 16:19 e 18:18).

No Antigo Testamento, juízes foram designados para tomar decisões judiciais. Decisões referentes a pecados, desacordos, casamentos, práticas e um elenco de outros assuntos que dizem respeito a todos os crentes de todas as idades. Cristo deu ao Seu povo o direito e a obrigação de fazer julgamentos. É nossa incumbência cumprir o papel de juízes dentro da Igreja (1Coríntios 6:1-7). Existem aqueles que precisam ser removidos do nosso meio (1Coríntios 5:1-8); existem outros que devem ser ignorados após duas ou três advertências (Romanos 16:17-19, 2Tessalonicenses 3:6 e 3:14-15 e Tito 3:10-11). Há ainda aqueles aos quais deve ser mostrado um mais excelente caminho. Existem também ações que tratam de necessidade momentânea ou da fome física em outra Igreja localizada em outro lugar (Atos 11:28-29). Em todas essas coisas, nós somos chamados a ser dinâmicos como cristãos. Se formos dinâmicos na área de tomar decisões (judicialmente) e nos mantivermos estáticos na área de entrar em convenções (legislativamente), nós responderemos ao pacto de nosso Senhor como Ele pretendeu que o fizéssemos.

A avaliação do problema, como feita por Barrett e outros, é válida. Meu argumento é apenas contra a solução sendo uma convenção de Igrejas. Nós pisamos em Solo Sagrado quando procuramos “executar um conjunto de orientações” e “estabelecer as expectativas e as direções do grupo”. Se nosso Rei já estabeleceu de fato nossa convenção, então já temos todas as coisas necessárias nas orientações existentes, para atuar conforme as expectativas e as diretivas Dele. Se essa idéia é muito elevada e irrealista para nós como

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cristãos, então o problema é a nossa falta de valorização para o que temos no nosso Novo Concerto. Vale a pena repetir que a solução para o problema que Barrett levanta com seus argumentos é: arrependimento, confissão, perdão e um viver na nova luz. A solução não é a edificação de um uma nova convenção da qual derive nossa ética.

Conclusão

A afirmação de que as Igrejas domiciliares devem concordar em juntar-se numa convenção, como fundamental para elas, é uma premissa falsa e mal orientada. Essa conclusão foi criada em oposição à maré do “movimento das Igrejas domiciliares”. Qualquer Igreja que esteja considerando uma convenção ou já faça parte de uma, deve refletir profundamente sobre isso. Uma convenção de Igrejas se tornará um padrão ético para seus participantes. Uma ética impropriamente escolhida é, realmente, ética ruim. Eu não tenho dúvida de que Igrejas que estejam em convenções provavelmente cresçam mais, pelo menos falando humanamente. Entretanto, é assustadora a possibilidade de que o vento do Espírito não permaneça muito tempo soprando no meio do povo que as compõem. Isso, talvez, por estarem inconscientes desse processo, devido ao fato de que, agora, a sensibilidades deles esteja voltada à  convenção de criação humana e não mais às orientações do Espírito, que imprime o concerto de Cristo no coração do homem.

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27 - NÓS E ELES: OLHANDO PARA27 - NÓS E ELES: OLHANDO PARAA IGREJA ORGANIZADAA IGREJA ORGANIZADA

Dan Beaty

Nos últimos sete anos, desde que minha esposa e eu somos partes de uma Igreja domiciliar, uma questão persiste: como vemos as Igrejas denominacionais e organizadas e as pessoas que as freqüentam? Tenho que admitir que meus sentimentos iniciais foram de desagrado e de aversão. Afinal de contas, não foram alguns erros, excessos, formas anti-bíblicas e práticas do sistema de Igrejas organizadas que nos levaram a descobrir a liberdade e a grande eficácia das Igrejas domiciliares?

Nossa experiência foi que, depois de havermos devotado cerca de duas décadas a serviço do sistema das Igrejas tradicionais, nós começamos a perceber suas falhas em muitos aspectos. Partindo daí, Deus começou a nos mostrar quantas das coisas que havíamos lido no livro de Atos, como sendo normal na vida da Igreja, simplesmente não são encontradas lá. Vimos também quão abertos eram os cultos no Novo Testamento, em comparação aos típicos cultos das Igrejas de hoje. Vimos ainda como os líderes deveriam servir, mais do que serem servidos e adulados. Além disso, comparamos o atual cuidado com os edifícios especiais, com a consideração dedicada aos prédios no 1º século, quando eles não mereciam nenhuma atenção.

É óbvio que uma Igreja, só pelo fato de ser domiciliar, não conserta tudo automaticamente. Eu vejo isso como um passo na direção correta, relativa à perfeita vontade de Deus para o Seu povo. Porém, se não formos cuidadosos, outro passo, esse perigoso, pode ser dado inadvertidamente na direção errada, levando-nos para longe do coração e da mente de Deus!

“Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei a vós, que também vós vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois

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meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (João 13:34-35).

Em nosso zelo por essa contínua reforma, devemos jamais esquecer essas palavras de nosso Senhor. Poderemos nos ver criticados por “não irmos à Igreja”, por não havermos reconhecido os líderes ou a sua “cobertura” ou simplesmente por sermos diferentes – fora da corrente. Mas, Sua palavra e Sua vontade são claras. O Amor deve ser preponderante. Devemos amar uns aos outros.

“Devemos orar pelos que nos criticam e resistir à tentação de retaliar”.

Podemos e desejamos “falar a verdade em amor”. Nós podemos nos firmar no Novo Concerto e na verdadeira experiência da Igreja. Podemos nos tornar Seus servos e demonstrar a vida da Igreja do Novo Testamento. Esse testemunho sozinho pode difundir luz sobre os erros da moderna cristandade. Mas, por outro lado, precisamos manter um firme espírito concernente a todo o povo de Deus e ao Seu trabalho em outros cenários.

Sim, estou escrevendo isso: Deus está trabalhando na Igreja institucional. Ele está salvando pessoas, ensinando-as, construindo Seu corpo através de Seus santos em congregações em todas as partes! Pessoas estão aprendendo sobre seus dons, sobre o caráter de Deus e sobre Sua Palavra. Todas essas coisas, porém, ocorrem em escala muito menor do que julgamos ideal!

Ao mesmo tempo, Satã poderá estar contente em manter a Igreja domiciliar atarefada com a descoberta de falhas. Não devemos ficar procurando, para serem expostos, os problemas da Igreja institucional. Venho observando, há muito tempo, que, quando o espírito crítico cresce, o crescimento cessa. A atenção deixa de ser voltada para Cristo e passa a ser com a nossa competição!

Uma coisa que vejo como extremamente adjutória é a posse de uma atitude voltada ao Reino de Deus. Observarmos a plenitude e extensão do reino de Cristo é uma coisa inspiradora e encorajadora! Participar de seu

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desenvolvimento é coisa ainda maior! Por fim, um elemento chave na oração que dirigimos ao Senhor Jesus, são os rogos para que Seu Reino venha e para que Sua vontade seja feita na terra, como é feita no céu!

Hoje, estamos procurando conhecer nossa parte no Plano de Jesus, para somar nossos esforços a ele. Devemos nos preocupar com os planos do Senhor para nós e deixar que Ele desenvolva Seus propósitos para outras pessoas e denominações.  Certamente não estamos, com isso, endossando coisas que, nós sabemos, desagradam ao Senhor. Nós falaremos contra isso, à medida que Ele nos der oportunidade. Mas, continuemos a procurar primeiro o reino de Deus e sua justiça!

Sejamos amorosos com os irmãos e com a edificação do corpo de Cristo, a Igreja. Estejamos sintonizados com o coração do Pai e vivamos de acordo com ele! Rejeitemos, a todo custo, o espírito que tenta semear discórdia entre irmãos e irmãs, inclusive quando ela esteja disfarçada como “revelação profética”!

Prestemos atenção à Sua voz nos dizendo para manter a unidade do Espírito como a amálgama da paz, pois “Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos” (Efésios 4:4-6).

O dia está chegando - e terá realmente chegado - quando a comunhão entre todos os Seus amados for tão rica, forte e gloriosa quanto antes. Nosso Senhor Jesus Cristo, o Cabeça de Sua gloriosa Igreja, está oferecendo isso. Essa é a comunhão que Ele obteve para nós, por Seu precioso sangue. Estaremos hoje nos opondo ao Seu trabalho ou estaremos voltados para Ele, desejando que Ele Se revele para sua Igreja (e através dela), nos tempos que se seguem? Que a 2ª hipótese seja a real, para todos nós!

Amém!

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