EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA PROCURADORA … · na Câmara dos Deputados – Anexo IV –...

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1 EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA PROCURADORA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. MD. DEBORA DUPRAT CARLOS ALBERTO ROLIM ZARATTINI, brasileiro, economista, no exercício do mandato de Deputado Federal pelo PT/SP e atualmente Líder da Bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara Federal, com endereço na Câmara dos Deputados – Anexo IV – gabinete nº 808, GLEISI HELENA HOFFMANN, brasileira, no exercício de mandato Senadora pelo PT, com endereço no Senado Federal – Ala Senador Teotônio Vilela – gabinete nº 04, BENEDITA SOUZA DA SILVA SAMPAIO, brasileira, no exercício do mandato de Deputada Federal pelo PT/RJ, com endereço na Câmara dos Deputados, Anexo IV – Gabinete 330 – Brasília – DF, MARIA DO ROSÁRIO NUNES, brasileira, no exercício do mandato de Deputada Federal pelo PT/RS, com endereço na Câmara dos Deputados, Anexo IV – Gabinete 312 – Brasília – DF, PAULO FERNANDO DOS SANTOS, brasileiro, no exercício do Mandato de Deputado Federal pelo PT/AL, com endereço na Câmara dos Deputados, Anexo III – Gabinete 366 – Brasília – DF, VICENTINHO PAULO DA SILVA, brasileiro, no exercício do mandato de Deputado Federal pelo PT/SP, com endereço na Câmara dos Deputados, Anexo IV – Gabinete 740 – Brasília (DF), WADIH NEMER DAMOUS FILHO, brasileiro, advogado, Deputado Federal pelo PT/RJ, com endereço na Câmara dos Deputados – Anexo IV – Gabinete 413

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EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA PROCURADORA FEDERAL DOS

DIREITOS DO CIDADÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

MD. DEBORA DUPRAT

CARLOS ALBERTO ROLIM ZARATTINI, brasileiro, economista, no

exercício do mandato de Deputado Federal pelo PT/SP e atualmente Líder

da Bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara Federal, com endereço

na Câmara dos Deputados – Anexo IV – gabinete nº 808, GLEISI HELENA

HOFFMANN, brasileira, no exercício de mandato Senadora pelo PT, com

endereço no Senado Federal – Ala Senador Teotônio Vilela – gabinete nº 04,

BENEDITA SOUZA DA SILVA SAMPAIO, brasileira, no exercício do mandato de

Deputada Federal pelo PT/RJ, com endereço na Câmara dos Deputados,

Anexo IV – Gabinete 330 – Brasília – DF, MARIA DO ROSÁRIO NUNES,

brasileira, no exercício do mandato de Deputada Federal pelo PT/RS, com

endereço na Câmara dos Deputados, Anexo IV – Gabinete 312 – Brasília –

DF, PAULO FERNANDO DOS SANTOS, brasileiro, no exercício do Mandato de

Deputado Federal pelo PT/AL, com endereço na Câmara dos Deputados,

Anexo III – Gabinete 366 – Brasília – DF, VICENTINHO PAULO DA SILVA,

brasileiro, no exercício do mandato de Deputado Federal pelo PT/SP, com

endereço na Câmara dos Deputados, Anexo IV – Gabinete 740 – Brasília (DF),

WADIH NEMER DAMOUS FILHO, brasileiro, advogado, Deputado Federal pelo

PT/RJ, com endereço na Câmara dos Deputados – Anexo IV – Gabinete 413

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– 70160-900 – Brasília-DF, JANDIRA FEGHALI, brasileira, Deputada Federal

pelo PCdoB/RJ, com endereço na Câmara dos Deputados - Gabinete nº 622

- Anexo IV e HUMBERTO SÉRGIO COSTA LIMA, brasileiro, casado, Senador da

República pelo PT/PE, com endereço funcional na Esplanada dos Ministérios,

Praça dos Três Poderes, Senado Federal, Anexo II, Bloco A, Ala Teotônio

Vilela, Gabinete 25, CEP 70.165-900 - Brasília – DF, vêm respeitosamente,

perante Vossa Excelência, apresentar, nos termos do art. 5º, caput, incisos

XLI, XLII, “a”, da Constituição Federal, art. 5º da Lei Complementar n.º

75/1993 e dispositivos da Lei nº 7.716, de 1989, a seguinte, PAULO ROBERTO

GALVÃO DA ROCHA, brasileiro, no exercício do mandato Senador pelo PT,

com endereço – Ala Senador Teotônio Vilela – Gabinete 08. ERIKA JUCÁ

KOKAY, brasileira, no exercício do mandato de deputada federal pelo PT, no

endereço – anexo IV – Gabinete 203

REPRESENTAÇÃO

Em face do Senhor Deputado Federal pelo PSC/RJ JAIR MESSIAS

BOLSONARO, brasileiro, casado, Militar, com endereço na Câmara dos

Deputados – Anexo III – Gab. 482 – Brasília (DF), pelos fatos e fundamentos

a seguir expostos.

I – Dos fatos.

Com efeito, em palestra realizada no Clube Hebraica no Rio de

Janeiro, no dia 03.04.17, o parlamentar ora Representado, reverberando

mais um discurso de ódio e de intolerância que tem marcado sua atuação

no Parlamento e fora dele, notadamente contra os direitos humanos e as

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minorias, assacou diversas ofensas contra as comunidades indígenas e

quilombolas, violando o disposto nos incisos XLI e XLII da Constituição

Federal e dando azo, conforme se verá em seguida, à prática de condutas

tipificadas como crime na Lei nº 7.716, de 1989, além violar direitos

fundamentais inscritos em Tratados e Convenções Internacionais já

incorporados ao ordenamento jurídico nacional.

Nessa toada, destaca-se, desde logo, alguns excertos da fala

externada pelo Parlamentar Representado no evento acima destacado:

[...]

Pode ter certeza que se eu chegar lá não vai ter dinheiro

para ONG. Se depender de mim, todo cidadão vai ter

uma arma de fogo dentro de casa. Não vai ter um

centímetro demarcado para reserva indígena ou para

quilombola.

...

Onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza

embaixo dela. Temos que mudar isso daí.

Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá

pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem

para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por

ano é gastado com eles. [...]

Veja Senhora Procuradora que de forma livre, consciente e

deliberada, sem qualquer indução ou provocação prévia, que se existente

seria despicienda para a configuração dos delitos ao final perpetrados, o

Representado se voltou, com elevado dolo e desprezo, contra todas as

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populações indígenas e as comunidades descendentes de quilombos, além

de se posicionar contra o reconhecimento de direitos fundamentais inatos

desses segmentos da sociedade brasileira, acertadamente positivados no

texto constitucional, o que afasta, de modo peremptório, a incidência do

crime de mera Injúria Racial, direcionando, sua conduta, como dito, para a

prática do delito de Racismo.

As condutas do Representado vieram à baila eivadas de elevada

reprovação social, na medida em que deliberadamente, procurou

desumanizar toda uma população representativa da sociedade brasileira,

tratando-os como se fosse animais, quando os equipara a gados (arroba) ou

mesmo como se configurassem seres humanos descartáveis ou incompletos

(...não servem nem para procriar...), o que denota o elevado desprezo com

que se pautou o Representado nas referências aos indígenas e quilombolas,

percorrendo, desta feita, todos os elementos objetivos e subjetivos

configuradores do delito tipificado no artigo 20 da Lei acima destacada, que

define e repudia, à luz do texto constitucional e dos tratados internacionais,

os crimes de Preconceito de raça e cor.

Não se trata de apenas mais um discurso racista, recheado de

intolerância e ódio dentre tantos já proferidos pelo Representado na Tribuna

da Câmara dos Deputados e em outros fóruns, mas de ações e condutas,

deliberadamente realizadas, sempre com elevado dolo e insensibilidade

social, visando claramente alcançar a figura típica do delito de racismo, o que

demanda, consequentemente, a adoção, pelo Estado brasileiro, de medidas

e providências que permitam, por intermédio da persecução penal, civil e/ou

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administrativa, a oferta de uma resposta estatal que possa estancar, na justa

medida, práticas deletérias da espécie.

Não percebeu ainda o Representado que o País evoluiu, a

sociedade acordou e não aceita, não compactua e não silenciará jamais

diante de condutas desse jaez. Foi o que se viu há pouco tempo, quando a

população brasileira e suas instituições responderam indignados, mas

sempre dentro das balizas legais, aos ataques racistas perpetrados contra

uma apresentadora de TV e, também, em face de duas conhecidas atriz e

cantora brasileira, demonstrando que esse tipo de crime, que essas ações e

condutas ofensivas, agora praticada com exacerbada gravidade pelo

Parlamentar, devem ser repudiadas, na medida em que não terão qualquer

acolhida numa Nação cuja pluralidade étnica a construiu.

Causa espanto, por outro lado, que as ofensas tenham sido

proferidas e que o crime tenha sido praticado, quiçá sob aplausos dos

presentes, num espaço representativo de uma comunidade que também

historicamente sofreu as agruras do preconceito e da intolerância.

Há que se afirmar, ainda, que as ações do Representado não

ofenderam ou atingiram apenas as populações indígenas e as comunidades

quilombolas, na medida em que se voltaram contra a própria legalidade da

estrutura democrática representada pelo Estado Brasileiro, no que viola

também, diversos princípios que informam o Estado de direito, permitindo,

desta feita, a apuração dos fatos à luz da lei de improbidade administrativa.

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De mais a mais, entendem as Representantes e os

Representantes, que as ofensas perpetradas visavam macular de modo

indelével e coletivo a própria dignidade das populações indígenas e das

comunidades quilombolas, o que permite a busca de uma reparação moral

coletiva por intermédio desse Ministério Público Federal.

Não se pode perder de vista que as populações indígenas e as

comunidades descendentes de quilombos são destinatárias, na ordem

constitucional interna e internacional de total proteção, que assegurem seus

modos de vida, seus costumes, cultura, tradições etc, de maneira que ações

como as que foram adotadas pelo Representado não encontram qualquer

guarida legal ou constitucional e devem ser rechaçadas por toda a sociedade

brasileira e suas instituições. É o que se espera desse Ministério Público

Federal.

Por derradeiro, é importante destacar que o Representado é

reincidente nas violações de direitos humanos e em ataques da espécie, de

modo que sua conduta social e os caminhos tortuosos por ele trilhado

agravam as ofensas aqui delineadas e certamente deverão ser consideradas

na persecução penal.

II – Do Direito. Da Configuração dos ilícitos praticados pelo Representado.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos XIL e XLII

estatui:

“Art. 5º (...)

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos

direitos e liberdades fundamentais.

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XLII - a prática de racismo constitui crime inafiançável e

imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da

lei.”

Por sua vez, atendendo ao ditame constitucional, a Lei nº 7.716,

de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de

raça e cor, estatui em seu artigo 20 o seguinte:

“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a

discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,

religião ou procedência nacional.

Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e

multa.

No mesmo diapasão, a Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010,

que institui o Estatuto da Igualdade Racial assevera:

“Art. 1º (...)

Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto,

considera-se:

I – discriminação racial ou étnico-racial: toda

distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada

em raça, cor, descendência ou origem nacional ou

étnica que tenha por objeto anular ou restringir o

reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de

condições, de direitos humanos e liberdades

fundamentais nos campos político, econômico, social,

cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou

privada;

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(...)

CAPÍTULO IV

DO ACESSO À TERRA E À MORADIA ADEQUADA

Seção I

Do Acesso à Terra

Art. 27. O poder público elaborará e implementará políticas públicas capazes de promover o acesso da população negra à terra e às atividades produtivas no campo.

Art. 28. Para incentivar o desenvolvimento das atividades produtivas da população negra no campo, o poder público promoverá ações para viabilizar e ampliar o seu acesso ao financiamento agrícola.

Art. 29. Serão assegurados à população negra a assistência técnica rural, a simplificação do acesso ao crédito agrícola e o fortalecimento da infraestrutura de logística para a comercialização da produção.

Art. 30. O poder público promoverá a educação e a orientação profissional agrícola para os trabalhadores negros e as comunidades negras rurais.

Art. 31. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

Art. 32. O Poder Executivo federal elaborará e desenvolverá políticas públicas especiais voltadas para o desenvolvimento sustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos, respeitando as tradições de proteção ambiental das comunidades.

Art. 33. Para fins de política agrícola, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos

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competentes tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura.

Art. 34. Os remanescentes das comunidades dos quilombos se beneficiarão de todas as iniciativas previstas nesta e em outras leis para a promoção da igualdade étnica.

Todo esse rol de medidas de combate ao racismo e à

intolerância e de proteção desses segmentos da sociedade brasileira, foram

violados pelas ações e condutas do Representado.

Ainda nessa toada, a Lei 8.429, de 1992 (Improbidade

Administrativa prescreve):

“Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam

Contra os Princípios da Administração Pública

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que

atenta contra os princípios da administração pública

qualquer ação ou omissão que viole os deveres de

honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às

instituições, e notadamente:

I - Praticar ato visando fim proibido em lei ou

regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de

competência; ”

Como se verifica, a prática da discriminação racial em quaisquer

de suas modalidades é expressamente vedada pela Carta da República e pela

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legislação infraconstitucional. Os motivos de tais ações estão associados a

uma concepção arcaica de que o valor e as qualidades de uma pessoa podem

ser mensurados pela cor de sua pele, o que evidentemente não encontra e

não deve encontrar qualquer conforto no atual desenvolvimento da

sociedade mundial e dos Estados democráticos.

A Conferência Mundial sobre direitos humanos, ao delinear a

Declaração e Programa de Ação de Viena, em 1993, deixou expresso em seu

artigo 15 o seguinte, verbis:

“15. O respeito aos direitos humanos e liberdades

fundamentais, sem distinções de qualquer espécie, é

uma norma fundamental do direito internacional na

área dos direitos humanos. A eliminação rápida e

abrangente de todas as formas de racismo e

discriminação racial, de xenofobia e de intolerância

associadas a esses comportamentos deve ser uma

tarefa prioritária para a comunidade internacional. Os

Governos devem tomar medidas eficazes para preveni-

las e combate-las.”

Não é por outro motivo que o texto constitucional de 1988 tem

o racismo como crime inafiançável e imprescritível (artigo 5º, XLII, CF).

Como demonstrado ao norte, as condutas do Representado

amoldam-se perfeitamente no tipo penal delineado no artigo 20 da Lei

7.716/89, configurando-se, desta feita, a prática do crime de racismo.

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A propósito, Guilherme de Souza Nucci define esse delito como

“o pensamento voltado à existência de divisão dentre seres humanos,

constituindo alguns seres superiores, por qualquer pretensa virtude ou

qualidade, aleatoriamente eleita, a outros, cultivando-se um objetivo

segregacionista, apartando-se a sociedade em camadas e extratos,

merecedores de vivência distinta”. (Leis Penais e Processuais Penais

comentadas, SP:RT, 2006, p. 221).

Assim, presentes todos os elementos objetivos e subjetivos

para a configuração do delito, entendem as Parlamentares e os

Parlamentares que subscrevem a presente Representação que o

Procuradoria Federal dos direitos do Cidadão deve acompanhar de forma

mais amiúde os graves fatos ocorridos e buscar, junto ao Procurador-Geral

da República, na esfera penal, a responsabilização do autor das ofensas,

além de atuar pessoalmente nos demais campos civis e administrativos com

vistas à total responsabilização do mencionado Parlamentar.

Cobra relevo destacar ainda, que os tratados internacionais de

direitos humanos estão a reforçar o valor jurídico dos direitos constitucionais

garantidos, de forma que eventual violação do direito importará não apenas

em responsabilização nacional, mas também em responsabilização

internacional.

Ora, os tratados internacionais de direitos humanos, nesse caso,

reforçam a Carta de direitos prevista constitucionalmente, inovando-a,

integrando-a e complementando-a com a inclusão de novos direitos. Um

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exemplo é a proibição de qualquer propaganda em favor da guerra e proibição

de qualquer apologia ao ódio nacional (como ocorre na postura do

Representado), racial ou religioso, que constitua incitamento à discriminação,

à hostilidade ou à violência, em conformidade com o art. 20 do Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos e art. 13 (5) da Convenção

Americana.

Enfim, é desimportante para a democracia brasileira e para o

desenvolvimento de nossa sociedade cor dos cidadãos. A norma de direito

fundamental que consagra a proteção à dignidade humana requer a

consideração do ser humano como um fim em si mesmo, ao invés de meio

para a realização de fins e de valores que lhe são externos e impostos por

terceiros.

III – Inexistência, na espécie, da Imunidade Parlamentar.

Não há que se falar, por outro lado, que o Representado está

respaldado pela imunidade material. O Supremo Tribunal Federal já decidiu

em mais de uma oportunidade que tais prerrogativas não se estendem a

palavras, nem a manifestações do congressista, que se revelem estranhas ao

exercício, por ele, do mandato legislativo. Nesse sentido, o trecho do voto

abaixo:

"Garantia constitucional da imunidade

parlamentar em sentido material (CF, art. 53, caput) -

que representa um instrumento vital destinado a

viabilizar o exercício independente do mandato

representativo - somente protege o membro do

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Congresso Nacional, qualquer que seja o âmbito

espacial (locus) em que este exerça a liberdade de

opinião (ainda que fora do recinto da própria Casa

legislativa), nas hipóteses específicas em que as suas

manifestações guardem conexão com o desempenho

da função legislativa (prática in officio) ou tenham sido

proferidas em razão dela (prática propter officium), eis

que a superveniente promulgação da EC 35/2001 não

ampliou, em sede penal, a abrangência tutelar da

cláusula da inviolabilidade. - A prerrogativa indisponível

da imunidade material - que constitui garantia inerente

ao desempenho da função parlamentar (não

traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio de

ordem pessoal) - não se estende a palavras, nem a

manifestações do congressista, que se revelem estranhas

ao exercício, por ele, do mandato legislativo. A cláusula

constitucional da inviolabilidade (CF, art. 53, caput),

para legitimamente proteger o Parlamentar, supõe a

existência do necessário nexo de implicação recíproca

entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado,

e a prática inerente ao ofício congressional, de

outro."(Inq-QO 1024 / PR - PARANÁ QUESTÃO DE

ORDEM NO INQUÉRITO Relator(a): Min. CELSO DE

MELLO Julgamento: 21/11/2002 Órgão Julgador:

Tribunal Pleno Publicação: DJ 04-03-2005) (g.n).

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Em outras palavras, a imunidade parlamentar não é absoluta. É

o que vem afirmando, em precedentes, o Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: QUEIXA-CRIME. CRIMES DE DIFAMAÇÃO E

INJÚRIA. ALEGAÇÕES PRELIMINARES DE IMUNIDADE

PARLAMENTAR E “LEGÍTIMO EXERCÍCIO DA CRÍTICA

POLÍTICA”: INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES.

PRELIMINARES REJEITADAS. ABSOLVIÇÃO QUANTO AO

CRIME DE DIFAMAÇÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENÇÃO

PUNITIVA ESTATAL DO CRIME DE INJÚRIA. AÇÃO PENAL

JULGADA IMPROCEDENTE. 1. A preliminar de imunidade

parlamentar analisada quando do recebimento da

denúncia: descabimento de reexame de matéria

decidida pelo Supremo Tribunal. 2. Ofensas proferidas

que exorbitam os limites da crítica política: publicações

contra a honra divulgadas na imprensa podem constituir

abuso do direito à manifestação de pensamento, passível

de exame pelo Poder Judiciário nas esferas cível e penal.

3. Preliminares rejeitadas. 4. A difamação, como ocorre

na calúnia, consiste em imputar a alguém fato

determinado e concreto ofensivo a sua reputação.

Necessária a descrição do fato desonroso. Fatos

imputados ao querelado que não se subsumem ao tipo

penal de difamação; absolvição; configuração de injúria.

5. Crime de injúria: lapso temporal superior a dois anos

entre o recebimento da denúncia e a presente data:

prescrição da pretensão punitiva do Estado. 6. Ação

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penal julgada improcedente. (AP 474, Relator(a): Min.

CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em

12/09/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-026 DIVULG

06-02-2013 PUBLIC 07-02-2013)

"A garantia constitucional da imunidade parlamentar

em sentido material (CF, art. 53,caput) – destinada a

viabilizar a prática independente, pelo membro do

Congresso Nacional, do mandato legislativo de que é

titular – não se estende ao congressista, quando, na

condição de candidato a qualquer cargo eletivo, vem a

ofender, moralmente, a honra de terceira pessoa,

inclusive a de outros candidatos, em pronunciamento

motivado por finalidade exclusivamente eleitoral, que

não guarda qualquer conexão com o exercício das

funções congressuais." (Inq 1.400-QO, Rel. Min. Celso

de Mello, julgamento em 4-12-2002, Plenário, DJ de 10-

10-2003.) No mesmo sentido: Pet 4.444, Rel. Min. Celso

de Mello, decisão monocrática, julgamento em 21-10-

2008, DJE de 28-10-2008.

Configurados, nesse sentido, a responsabilidade penal,

administrativa e civil do Representado em função das condutas ilícitas por

ele perpetradas.

IV – Do Pedido.

Face ao exposto, requerem:

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a) Seja recebida a presente Representação e após a adoção das

medidas cabíveis, dê-se a devida ciência ao Senhor Procurador-Geral da

República para que este promova, observado a prerrogativa de foro que

detém o Parlamentar, as investigações penais pertinentes e, ao final, oferte

denúncia em face do Representado, pela prática do crime de racismo

tipificado no artigo 20 da Lei nº 7.716, de 1989;

b) Seja instaurado por essa Procuradoria Federal dos Direitos do

Cidadão, inquérito civil público com vistas a apuração de atos de

improbidade administrativa por violação aos princípios da Administração

Pública pelo Representado;

c) Seja avaliado a possibilidade de propositura, por esse Ministério

Público Federal, de Ação de Reparação Moral por danos coletivos, em face

da violação da dignidade dos membros de todas as populações indígenas e

comunidades quilombolas;

d) Requer-se, ainda, sejam requisitadas por esse Ministério Público,

as imagens do evento realizado na Hebraica Rio para o fim de juntada a esta

Representação, além de outras gravações da palestra proferida pelo

Representado, sobre os fatos acima descritos.

Na oportunidade, faz-se a juntada dos seguintes documentos,

disponíveis nos meios de comunicação:

a) Vídeo com trechos das ofensas perpetradas durante o evento;

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b) Matérias publicadas na Imprensa acerca do ocorrido.

Termos em que

Pede e Espera deferimento.

Brasília (DF), 06 de abril de 2017.

CARLOS ALBERTO ROLIM ZARATTINI

Deputado Federal pelo PT/SP

GLEISI HELENA HOFFMANN

Senadora da República pelo PT/PR

BENEDITA SOUZA DA SILVA SAMPAIO

Deputada Federal pelo PT/RJ

MARIA DO ROSÁRIO NUNES

Deputada Federal pelo PT/RS

PAULO FERNANDO DOS SANTOS

Deputado Federal pelo PT/AL

VICENTINHO PAULO DA SILVA

Deputado Federal pelo PT/SP

WADIH NEMER DOMOUS FILHO

Deputado Federal pelo PT/RJ

JANDIRA FEGHALI

Deputada Federal pelo PCdoB/RJ

HUMBERTO SÉRGIO COSTA LIMA

Senador da República pelo PT/PE

PAULO ROBERTO GALVÃO DA ROCHA

Senador da República pelo PT/PA

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ERIKA JUCÁ KOKAY

Deputada federal pelo PT/DF