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Exmos. Srs. Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça NUIPC 122/13.8TELSB-AK.L1-A Rui Manuel de Freitas Rangel, Juiz Desembargador, visado no incidente de recusa deduzido pelo Ministério Público, vem dar cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 45º do CPP, pronunciando-se sobre o requerido, o que faz da forma seguinte: 1. Nenhum Juiz “gosta” que lhe sejam distribuídos processos com o impacto (público) como o presente. 2. O mesmo sucede com o signatário. O único interesse, de natureza estrita e exclusivamente profissional, que o signatário tem relativamente aos processos que lhe são distribuídos como relator é, como sempre foi, o de desempenhar da melhor forma que sabe a arte de julgar, sempre com a colaboração e participação dos seus Colegas com quem forma cada um dos Colectivos em que participa. 3. Sempre que o signatário considerou que dúvidas pudessem existir sobre a sua intervenção em qualquer processo, suscitou a respectiva recusa. 4. No caso vertente, inexiste, em absoluto, qualquer fundamento (dos alegados pelo Ministério Público) para que o signatário se possa sentir impedido de julgar, 5.

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Exmos. Srs. Conselheiros do

Supremo Tribunal de Justiça

NUIPC 122/13.8TELSB-AK.L1-A

Rui Manuel de Freitas Rangel, Juiz Desembargador, visado no incidente de

recusa deduzido pelo Ministério Público, vem dar cumprimento ao disposto no nº 3

do artigo 45º do CPP, pronunciando-se sobre o requerido, o que faz da forma

seguinte:

1.

Nenhum Juiz “gosta” que lhe sejam distribuídos processos com o impacto (público)

como o presente.

2.

O mesmo sucede com o signatário. O único interesse, de natureza estrita e

exclusivamente profissional, que o signatário tem relativamente aos processos que

lhe são distribuídos como relator é, como sempre foi, o de desempenhar da melhor

forma que sabe a arte de julgar, sempre com a colaboração e participação dos seus

Colegas com quem forma cada um dos Colectivos em que participa.

3.

Sempre que o signatário considerou que dúvidas pudessem existir sobre a sua

intervenção em qualquer processo, suscitou a respectiva recusa.

4.

No caso vertente, inexiste, em absoluto, qualquer fundamento (dos alegados pelo

Ministério Público) para que o signatário se possa sentir impedido de julgar,

5.

considerando o visado que a pretensão formulada pelo Ministério Público não possui

qualquer espécie de fundamento, quer legal, quer moral.

6.

Aliás, o Ministério Público deduz o incidente de recusa – após, nos autos principais

e, dando cumprimento ao disposto no nº 1 do artigo 416º do CPP, a mesma

subscritora do pedido de recusa se ter limitado a apor o seu visto – com pretenso

fundamento em factos que não têm o menor relevo para a boa decisão da causa e

que, de forma alguma, podem ser considerados como justificação para o alegado

impedimento.

7.

Ao que acresce que os pretensos fundamentos apresentados pelo Ministério Público

– que, aliás, à revelia do que deveria ser a sua conduta, que deveria ser pautada

pela prudência e pela urbanidade – se destinam mais a denegrir o bom-nome do

signatário1 do que, verdadeiramente, a justificar a recusa.

8.

Com efeito, é, para o signatário, evidente que o que verdadeiramente fundamenta o

incidente de recusa (ou pelo menos a decisão de o deduzir – aliás, aparentemente

por impulso dos media, já que, inicialmente nada foi suscitado pela Srª Procuradora-

Geral Adjunta) é o facto de o Ministério Público (assim como alguns órgãos de

comunicação social) não ter “perdoado” ao signatário o facto de ter tido intervenção,

no 2º semestre do ano 2015, como relator, em recurso interposto, no mesmo

processo, NUIPC 122.13.8TELSB, recurso, esse, que, acolhendo, em parte, a

1 Na verdade, é absolutamente inaceitável, e assaz censurável, a “NOTA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL”, publicada e

difundida pela Procuradoria-Geral da República, na qual, extravasando, de forma manifesta, a mera informação e as próprias competências, colocando-se na posição de decisora, invocou, de forma conclusiva, o pretenso fundamento nos seguintes termos: “Fê-lo por considerar existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado judicial.”

pretensão do recorrente, teve por resultado a revogação, parcial, do despacho

recorrido.

9.

Tal decisão proferida pela 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi tomada

por unanimidade, cabendo ao signatário, meramente, a função de relator.

10.

De tal acórdão, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional,

tendo este Tribunal confirmado integralmente a decisão recorrida.

11.

Alega o Ministério Público no ponto 6 do seu requerimento de recusa – aliás em

manifesto “venire contra factum proprio” (cfr., nomeadamente, as inúmeras “notas

para a comunicação social” emanadas pelo próprio Ministério Público) – que o

inquérito em causa, “tem sido objecto de ampla repercursão social e de debate

público, designadamente nos meios de comunicação social”.

12.

Na verdade, como foi público e notório, logo após a distribuição do recurso supra

referido, alguns órgãos de comunicação social (com destaque para o “Correio da

Manhã”), não só noticiaram, como procuraram pressionar o ora visado a pedir

escusa (procurando, de forma efectiva, condicionar o sentido da sua decisão) – os

documentos correspondentes às folhas 13 a 15 do presente Apenso (“Notícias ao

Minuto” de 02-09-2015) e 17 a 19 verso, destes mesmos autos (Observador de

15/09/2015), sobretudo o primeiro, demonstram, à saciedade, a referida pressão

externa no sentido de “forçar” o signatário a pedir escusa.

13.

O signatário, agora visado pelo incidente de recursa, entendeu, então, que não

existiam – como não existem actualmente – quaisquer motivos que justificassem, ou

justifiquem, tal iniciativa.

14.

O próprio Ministério Público, naquele recurso, que correu termos em Setembro de

2015, não deduziu qualquer incidente de recusa contra o signatário.

15.

No entanto, os factos que o Ministério Público agora alega sob os artigos 8, 9,

10, 11 e 12 do seu “pedido de recusa” já eram do seu conhecimento à data da

distribuição do recurso supra referido, sendo certo que, então, não deduziu

qualquer incidente de recusa (certamente por considerar inexistir fundamento

para tanto, nomeadamente no que se refere à agora alegada pretensa

imparcialidade do visado).

16.

Então, como agora, o signatário estava, como está, em condições de exercer a sua

função, cumprindo as suas obrigações profissionais dentro dos princípios que

norteiam a liberdade de decisão.

17.

Todavia, não pode deixar de manifestar que, a partir do momento em que participou

na produção daquela decisão colectiva (de Setembro de 2015), o signatário “viu a

sua vida transformada num verdadeiro inferno”.

18.

A partir dessa data, foram então lançados, pela comunicação social, pelo Ministério

Público e até por magistrados judiciais, ataques de toda a ordem para liquidar a sua

vida pessoal e profissional.

19.

Se o não aniquilaram fisicamente, têm vindo a procurar fazê-lo pela via do

“assassínio de carácter”, dirigindo sucessivos ataques, de forma assaz grave e séria;

à sua idoneidade, honestidade, reputação e credibilidade pública, enquanto

magistrado judicial e enquanto cidadão.

20.

Ataques, esses, que são parcialmente elencados e reflectidos no pedido de recusa

agora em apreço, nomeadamente:

a. O CSM instaurou contra o signatário (só após a decisão daquele recurso e

não logo após a emissão do mencionado programa televisivo) um

processo disciplinar, imputando-lhe violação do dever de reserva;

b. No processo dos denominados “vistos gold” foram extraídas certidões para

procedimento disciplinar contra o signatário – que vieram a ser objecto de

arquivamento – e o Ministério Público (aliás com o beneplácito do Sr. Juiz de

Instrução Criminal – como decorre cristalinamente, nomeadamente, de um

dos interrogatórios ao arguido António Figueiredo) ensaiou uma linha

investigatória no sentido do (absolutamente infundado) envolvimento do

signatário;

c. Idêntica “linha” (pretensamente) investigatória foi seguida no processo

conhecido por “Rota do Atlântico”, do qual terão sido extraídas certidões (pela

iniciativa dos mesmos intervenientes) para inquérito contra o signatário.

21.

Dos factos supra expostos foi, sempre e com grande acuidade, dada ampla

divulgação através dos media.

22.

Facto a que não é estranha a prática actual da Procuradoria-Geral da República de

emitir, consecutivamente, “Notas para a imprensa”, alimentando, assim, os tão

apreciados julgamentos populares (tornados possíveis após a revisão legal operada

no Código Penal em 2000).

23.

A interligação (há quem lhe chame promiscuidade) vai ao ponto de o Ministério

Público referir, no ponto 25. do seu petitório, que “a comunicação social informou

(…) a abertura de investigação (...)”2, o que não deixa de ser evidenciador do

papel da comunicação social em toda esta “reacção” à prolação de uma decisão

judicial contra (ou melhor, in casu parcialmente contra) as promoções do M.P.

24.

No pedido de recusa em apreço, o Ministério Público juntou o que denominou de

“documentos”, em número de 5.

25.

Todavia, no texto que redigiu, não mencionou em nenhum momento e relativamente

a qualquer facto qualquer documento a ter em consideração, com excepção do que

alega no artº 13, referindo-se à informação colhida junto do CSM, presumindo o

visado que se trata do doc. 4. – podendo o signatário esclarecer que o STJ proferiu

decisão (ainda não transitada em julgado) confirmando a decisão do CSM.

26.

No que concerne ao Doc. 1 junto com o pedido de recusa (que o Ministério Público

declara composto por cinco artigos de imprensa), no que respeita ao artigo

constante de fls. 8 a 12, e ao teor das segundas partes dos artigos 17 e 26 do

2 Investigação que o signatário (embora já tendo lido o “Correio da Manhã”) não conhece.

requerimento em apreciação, esclarece o signatário que, ao invés do “manhoso”

título do “Jornal i”, não dirigiu críticas sobre a confiabilidade dos juízes, nem

evidenciou qualquer sentimento de perseguição.

27.

Sobre o artigo em causa, nomeadamente no que se refere à alegada afirmação

(falsamente atribuída ao signatário) “os juízes são a classe menos confiável em

Portugal”, o Ministério Público – que se apresenta tão atento à comunicação social –

ter-se-á “esquecido” de referir que tais pretensas declarações (ou melhor, tal

imputação) foram objecto de esclarecimento prestado e publicado logo no dia

seguinte no mesmo jornal, também na primeira página, conforme resulta do

documento que se junta sob a designação de Doc. nº 1, e cujo teor aqui se dá por

integralmente reproduzido, e cuja cópia o signatário enviou, então, oportunamente,

ao Conselho Superior da Magistratura.

28.

Com efeito, conforme esclarecimento prestado, e publicado pelo mesmo jornal, a

referência do signatário reportava-se aos índices de credibilidade, a estudos

científicos realizados3 (“Os juízes estavam lá em cima em termos de credibilidade e,

se se consultar os índices, hoje são a classe menos confiável”), não

consubstanciando aquela afirmação qualquer tipo de qualificação por parte do

signatário.

29.

3 “Barómetro de opinião” elaborado por diversos órgãos de comunicação social, designadamente pelo “Expresso”, e incluindo a Marktest, como é do conhecimento geral

É pois, absolutamente falso que o signatário tivesse “dirigido” ou “voltado a dirigir”

críticas sobre a confiabilidade dos juízes, a propósito de qualquer decisão, tendo-se

limitado a invocar o que consta dos estudos (“barómetros”) de opinião pública.

30.

O Ministério Público pretende fundamentar o seu pedido de recusa, “em primeiro

lugar” na participação do signatário num debate promovido pela TVI no dia 10 de

Junho de 2015, como resulta dos artigos 8 a 12 do requerimento em apreciação.

31.

Ora, tais factos – seja qual for o relevo que se lhes pretenda atribuir – são pré-

existentes, relativamente ao momento temporal em que o signatário participou como

relator na elaboração do acórdão de Setembro de 2015 (que é o verdadeiro, mas

subliminarmente presente, fundamento do pedido de recusa).

32.

O Ministério Público, então pleno conhecedor de tais factos, não suscitou

qualquer incidente de recusa, donde deverá concluir-se que não os considerou (e

bem) relevantes para efeitos de por em causa a independência ou a imparcialidade

do juiz.

33.

Como documento nº 2 o Ministério Público juntou uma “pen drive” com a gravação

do programa da TVI, o qual, repete-se, não tem qualquer relevo para o pedido de

recusa (caso contrário já o teria sido relativamente ao recurso decidido pela 9ª

Secção em Setembro de 2015).

34.

Corresponde à verdade que o CSM entendeu instaurar e condenar o signatário pela

alegada violação de dever de reserva (condenação ainda não transitada em

julgado).

35.

Porém, contrariamente ao alegado pelo Ministério Público, o signatário naquele

programa não manifestou qualquer “pré-juízo” sobre os “decisores em sede de

primeira instância” (que, in casu, é um único: o Sr. Dr. Carlos Alexandre4).

36.

Pré-juízo que, pode e deve afirmar com veemência, não tem!

37.

Ao que acresce que, lendo agora o Acórdão junto pelo Ministério Público como

Documento nº 3, pode concluir-se que o que esteve em debate no mencionado

programa televisivo não tem correspondência directa com qualquer das questões

suscitadas, conhecidas e decididas naquele aresto.

38.

Refere o M.P., no ponto 15. do seu pedido de recusa, que são “tais factos” – as

declarações no mencionado debate televisivo, portanto – que “não podem deixar

de constituir motivo sério e grave de desconfiança quanto à imparcialidade do

Senhor juiz desembargador Rui Rangel” (de notar a propositada escrita em

minúsculas do título “juiz desembargador”, conduta que manifesta total falta de

urbanidade por parte do Ministério Público.

39.

4 O qual, aliás, já produziu declarações públicas, em entrevistas a órgãos de comunicação social (e não em debate televisivo, vivo e em directo), nas quais fez referências directas a processos judiciais que tem em mãos, sem que seja conhecida qualquer reacção do M.P., sendo que o CSM as reputou de “infelizes”.

Se são “tais factos” os que fundamentam o pedido, não se compreende porque

razão o M.P. não tomou semelhante iniciativa aquando da distribuição do recurso

supra referido, julgado em Setembro de 2015 (mais de 3 meses após a transmissão

do aludido programa de TV).

40.

Ao que acresce que o Ministério Público pretende obnubilar o facto de que as

decisões tomadas no Tribunal da Relação, por regra, são colectivas, são discutidas,

ponderadas e votadas por um colectivo de Juízes.

41.

Em caso de empate, o Presidente da Secção pode “desempatar”.

42.

Mas também não é menos certo que a posição do relator, desacompanhada de pelo

menos mais um dos Desembargadores do Colectivo, não tem qualquer relevo para a

decisão.

43.

A técnica utilizada pelo M.P., de repetir inúmeras vezes um facto inexistente, não

tem a virtualidade de o tornar existente. Portanto, o signatário reafirma que não

prestou declarações públicas (nem felizes, nem infelizes) sobre o processo em

apreço, como se pode concluir através do simples, desinteressado e objectivo

visionamento do programa em causa.

44.

Ao invés do que o Ministério Público pretende fazer crer, o que fundamenta o seu

pedido de recusa é o seu desagrado pelo facto de o signatário ter sido relator de

uma decisão judicial que revogou parcialmente uma pretensão/interpretação jurídica

pela qual pugnava no processo (e que tinha merecido o acolhimento por parte do Sr.

Juiz de Instrução Criminal).

45.

Sendo certo que, por razões que se não descortinam, o Ministério Público “fulanizou”

aquela decisão no signatário, quando a mesma foi tomada, por unanimidade, por um

colectivo de Juízes.

46.

Esta iniciativa infundada, e quase mesquinha, do Ministério Público, (e até inusitada

por parte do MP), constitui até uma ofensa ao trabalho, à idoneidade e integridade

não só do signatário, mas de todos os restantes Magistrados que participaram

naquela decisão colegial (tomada por unanimidade).

47.

Acrescenta (ou melhor, inventa) o Ministério Público, “Em segundo lugar”, como

fundamento da sua peregrina pretensão, que “existia um conhecimento pessoal

entre o Sr. Juiz Desembargador e a pessoa do arguido José Sócrates, em

termos tais que, ainda em Setembro de 2014, justificava a marcação de um

almoço entre os dois”.

48.

Sustenta (aliás, inventa), ainda, o Ministério Público ainda a este propósito, “não

estar em causa um mero conhecimento pessoal, determinado pelo exercício de

funções públicas quando necessariamente se cruzam, mas sim um

relacionamento pessoa, que abrangia familiares dos intervenientes”.

49.

E como pretensa “prova” de tal pretenso “facto” o Ministério Público juntou o

documento 5, que identifica como cópia de informação relativa a controlo de

intercepções (que o signatário, como é óbvio, desconhece).

50.

Trata-se da utilização pelo Ministério Público, absolutamente abusiva e ilícita, em

sede do presente incidente, de um meio de obtenção de prova em processo penal,

facto que deveria determinar o desentranhamento imediato do citado documento 5 e

a sua destruição.

51.

Sem conceder, mais se alega que tal documento não só não possuiu – aliás,

confessadamente – relevância para a matéria então em investigação, como também

não a possui no seio do presente incidente de recusa.

52.

A este respeito, esclarece o signatário que manteve com aquele arguido, José

Sócrates Pinto de Sousa5, os seguintes contactos:

a) na sequência do falecimento, prematuro e decorrente de doença prolongada,

do Dr. Emídio Rangel – conhecida personalidade pública –, irmão do

signatário, ocorrido em 13 de Agosto de 2014, aquele arguido, José Sócrates,

foi uma das muitas centenas de pessoas, (familiares, amigos ou simples

conhecidos e cidadãos anónimos), que se deslocaram à Basílica da Estrela,

onde decorria o velório, tendo então conversado com o signatário, pela

primeira vez, tendo a conversa (que, repete-se, foi a primeira entre os dois)

5 O qual à data das alegadas intercepções era “apenas” ex-Primeiro-Ministro de Portugal e relativamente ao qual inexistiam notícias públicas sobre o seu envolvimento na prática de condutas alegadamente susceptíveis de consubstanciar a prática de crime (sem que com esta afirmação se pretenda violar a presunção de inocência de que todos os arguidos beneficiam).

por único tema a apresentação de condolências por parte daquele ex-

governante à família enlutada, na pessoa do signatário;

No decorrer dessa breve conversa, o Eng. José Sócrates, sempre no âmbito

do supra descrito circunstancialismo de apresentação de pêsames,

manifestou acto de contrição referindo que, ele próprio, em vida do falecido,

não teria estado à altura do merecimento da amizade que o Dr. Emídio

Rangel lhe tinha dedicado; e, na sequência daquelas palavras de

circunstância, manifestou o desejo de realizar um almoço com o signatário e

com o jornalista David Borges, de evocação e “homenagem” ao Dr. Emídio

Rangel; ficaram, vagamente, de falar posteriormente.

b) Após o falecimento daquele seu irmão, o signatário e o seu filho, por sugestão

deste último, decidiram ir passar uns dias a Nova Iorque, para recuperarem o

seu estado anímico e emocional que tinha ficado deveras abalado;

À chegada a Nova York, ainda no aeroporto de Newark, o signatário cruzou-

se, por mero acaso, com o Engº José Sócrates na zona de controlo de

passaportes, tendo-se ambos cumprimentado, trocado palavras de

circunstância e renovado a intenção de realizar o projectado (mas nunca

agendado) almoço (com o jornalista David Borges, grande amigo e colega do

irmão do signatário na “fundação” da TSF);

c) No sentido de concretizar esse almoço – porque o mesmo se destinava a

prestar “homenagem” ao seu irmão por parte de um ex-Primeiro Ministro –,

posteriormente à aludida viagem, o signatário tentou chegar à fala com

aquele, agora arguido nos autos principais, o que fez através da sua

Secretária,todavia, sem êxito.

53.

Portanto, por junto, o signatário encontrou-se duas vezes com o arguido em apreço:

uma vez no velório do seu irmão e outra vez, fortuitamente, num aeroporto.

54.

Fora dessas duas circunstâncias, o signatário nunca mais falou com aquele arguido,

nunca o teve no seu círculo de amigos, nem nunca, sequer, tomou um café com ele.

55.

Aliás, no âmbito das iniciativas realizadas através da associação “Juízes pela

Cidadania”, o signatário, ora visado pela recusa (que era Presidente daquela

Associação) criticou publicamente, amiúde, muitas das políticas de Justiça dos

governos presididos por José Sócrates.

56.

Jamais existiu, pois, qualquer conhecimento de natureza pessoal entre o signatário e

aquele arguido, susceptível de poder afectar, de forma séria e grave ou de qualquer

outra forma, a imparcialidade do magistrado visado.

57.

A este propósito o Ministério Público não pode deixar de merecer um juízo de

censura comportamental porquanto:

sabe que utiliza ilicitamente um meio de obtenção de prova;

sabe que mesmo que pudesse basear-se naquele documento nº 5, o mesmo

não constitui prova idónea, nem séria, nem honesta para tecer as conclusões

contidas nos artigos 19, 21 e 22.

sabe que não existe qualquer fundamento sério, neste domínio, para a sua

pretensão;

sabe que está a invocar factos ocorridos em meados de 2014, numa altura

em que ninguém (pelo menos fora da investigação) sonhava com qualquer

investigação criminal incidente sobre a pessoa daquele ex-Primeiro Ministro.

sabe que os actos por si, Ministério Público, praticados chegam primeiro à

comunicação social do que ao conhecimento das partes (e, no caso do

presente pedido de recusa, até antes de chegar ao Tribunal)6.

58.

Concluindo, este “segundo” argumentário é igualmente inconsistente e

improcedente.

59.

Finalmente, remetido ao “terceiro lugar”, o Ministério Publico ressuscitou dois

fantasmas de antanho, num esforço derradeiro de fundamentar o que não possui

fundamento ou seja a sua pretensão de recusa.

60.

No chamado processo “Vistos Gold”, em interrogatório conduzido pelo Senhor Juiz

de Instrução e da Senhora Procuradora, Susana Figueiredo (após a decisão relatada

pelo signatário em Setembro de 2015), aconteceu algo de insólito mas levado a

efeito com a exclusiva intenção de atingir o signatário:

a. Em tal interrogatório (a que o signatário teve acesso, após pedido formulado

nesse sentido), do arguido António Figueiredo (que, à data, era o único,

naquele processo, que estava privado da liberdade e que havia requerido a

alteração do seu estatuto pessoal), o Senhor Juiz de Instrução despendeu

cerca de vinte minutos a tentar que aquele arguido verbalizasse o nome do

signatário, como sendo o “outro concorrente” que “ia ganhar milhões com

as alterações legislativas que iriam ocorrer em Angola”.

6 O “Jornal i” deu a notícia da apresentação do pedido de recusa, no dia anterior àquele em que o mesmo deu entrada em juízo.

b. Ouvido aquele interrogatório é manifesto que é sugerido ao interrogado que o

mesmo indicasse o nome do signatário como sendo o tal “outro concorrente”,

indo ao ponto de deixar crer àquele arguido que a sua liberdade estaria

dependente de tal “confissão”, tendo aquele, já exausto com tanta insistência

(e ansioso por deixar a situação de privação da liberdade), dirigindo-se ao Sr.

JIC, afirmado o seguinte: “oh senhor doutor eu não sei o que quer que lhe

diga”.

61.

O que qualquer jurista médio (o bonus pater familiae neste caso terá de ser jurista)

pode retirar daquele interrogatório é que estaria a ser “oferecida” a alteração da

medida de coacção de prisão preventiva, pela incriminação de uma pessoa, cujo

apelido (que não é exclusivo do signatário) era “Rangel”.

62.

Tudo isto porque, numa escuta telefónica ao arguido António Figueiredo,

interceptada algures em 2014, no contexto de uma visita a Angola com a então

Ministra da Justiça, terá dito ao Sr. Juiz Desembargador Dr. Antero Luís: “Está cá

um tal Rangel”.

63.

E como se não tivesse sido alcançada tal “delação” (que seria premiada), viria a ser

extraída certidão, pelo MP, e remetida para o CSM (e já arquivado, como referido no

artº 24º do petitório em apreço) para apurar a pretensa responsabilidade disciplinar

do signatário, por ter ido a Angola para dar formação aos juízes do Tribunal

Constitucional daquele País. O que fez, devida e previamente, autorizado pelo

Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.

64.

Ora, tal como supra se referiu, aquela certidão extraída e remetida pelo M.P. ao

CSM, para eventuais fins disciplinares, decorrida de uma escuta realizada em 2014,

e que esteve a “marinar” (perdoe-se-nos o plebeísmo) sem qualquer relevância

durante cerca de ano e meio, e que só ganhou “importância” depois da prolação

do Acordão da Relação, de Setembro de 2015, de que o signatário foi Relator

constituiu, como é evidente, um acto de “revanche”, tendo os processos sido

arquivados, como se esperava, pois nenhum ilícito disciplinar havia sido praticado.

65.

Finalmente, regressamos ao início da peça processual a que vimos respondendo, ao

trecho em que a Magistrada que subscreve o pedido, alega que “Não pretende o

Ministério Público colocar em causa a dignidade pessoal e profissional do

Senhor Desembargador (…)”

66.

Para além de se nos suscitar, de imediato, o conhecido brocardo latino “falsa

demonstratio non nocet”, dir-se-á que ainda bem que o MP “não pretende”

semelhante desidério. É que lida a peça que apresentou aparenta mesmo que foi

esse o seu objectivo.

67.

Todavia, ainda que não o tenha pretendido (é o que diz), a verdade é que o

conseguiu!

68.

Com efeito, se a intenção era apenas suscitar a recusa do juiz (por já ter relatado

uma decisão anterior no mesmo processo) sempre seria manifestamente

desnecessário lançar mão de pretensos factos, inventados (como o conhecimento

entre o signatário e o arguido nos autos principais), já arquivados (como o processo

decorrente da ida a Angola), inexistentes (como o alegado no artº 25º) ou já julgados

(embora não transitados) (como o decorrente do programa na TVI em Junho de

2015).

69.

Todos, mas todos, aqueles argumentos consubstanciam reacções, aliás de índole

vingativa, posteriores à publicação do acórdão relatado pelo signatário, de Setembro

de 2015.

70.

Não fora aquela decisão (tomada por unanimidade do Colectivo, repete-se) e a

conduta do signatário nunca teria merecido – como, justamente, não merece –

qualquer censura.

71.

A pretensão – pedido de recusa – do Ministério Público funda-se no facto que

não ter ficado agradado com o teor do acórdão relatado pelo signatário em

Setembro de 2015.

72.

E sendo, como é, esse o fundamento, não seria necessário ter lançado mão do

pedido de recusa nos termos em que o fez, bastando-lhe invocar o disposto no artº

40º, alínea c) ou no artº 43º, nº2 do C.P.P.

73.

Não o fez o Ministério Público, porque dessa forma não alcançaria o seu objectivo

instrumental, de procurar achincalhar e denegrir publicamente o signatário,

imputando-lhe parcialidade no julgamento.

74.

Ora, pese embora o signatário não ter interesse em que lhe seja distribuído este tipo

de processos – porquanto a comunicação social procura, incólume e impunemente,

condicionar a liberdade de julgamento do Tribunal – a verdade é que não pode, não

deve, eximir-se do mesmo.

75.

O signatário dá por reproduzido aqui tudo o que supra referiu, especialmente o que

consta dos artigos 18º a 22º e 60º a 64º.

76.

Do referido inferno em que procuram transformar a sua vida faz ainda parte a séria

suspeita de que o seu telefone tem vindo a estar sob escuta, que acredita de forma

ilegal.

77.

O signatário tem mantido, ao longo de mais de trinta anos uma conduta cívica, –

que, de resto é do conhecimento geral – de participação regular nos mais diversos

fóruns, designadamente, através de alguns órgãos de comunicação social – rádios,

jornais, televisões – aí debatendo e defendendo ideias, valores e princípios, na área

da justiça, num exercício continuo daquilo que considera serem os seus

direitos/deveres de cidadania com o objectivo de aproximar tais temas da

generalidade dos cidadãos, contribuindo para um esclarecimento de tais questões

junto dos mesmos.

78.

O signatário considera-se um homem de causas, que não vira a cara à luta,

costumando declarar que “aquilo que não nos mata torna-nos mais fortes”.

79.

Confessa, no entanto, que a campanha conducente ao descrito inferno que não

desistem de criar à sua volta, de difamação, de ameaça, de intimação e de coação,

contém em si a virtualidade de poder afectar, a sua liberdade de decisão.

80.

No entanto, V. Exas. concluirão sobre a verificação ou não daquela virtualidade de

afectação da liberdade de decisão.

81.

De qualquer modo, o signatário não pode ficar indiferente e repugna-o que o

Ministério Público procure “escolher” a composição do tribunal para julgar o(s)

recurso(s).

82.

As partes não têm o direito de escolher o Juiz. No nosso ordenamento jurídico (e

com a excepção, ipso facto, que se verificou durante o período em que existiu

apenas um magistrado no Tribunal Central de Instrução Criminal) vigora o princípio

do juiz natural!

83.

O signatário já teve participação, como relator, em julgamento anterior, de recurso

interlocutório interposto no processo de que incidente é Apenso.

84.

Nessa conformidade, poderá esse Supremo Tribunal de Justiça considerar o

signatário (bem assim como os demais Juízes Desembargadores que integraram o

colectivo que proferiu a supra referida decisão em Setembro de 2015) impedido de

intervir no julgamento, nos termos do disposto no artº 40º, alínea b) do CPP.

85.

Em qualquer caso, o signatário declara que não se sente limitado na sua acção

como julgador, inexistindo qualquer fundamento que possa sustentar risco de a sua

intervenção ser julgada suspeita e/ou que permita gerar desconfiança sobre a sua

imparcialidade.

Concluindo, no que se refere ao pedido de recusa apresentado

pelo Ministério Público, Vossas Excelências, ponderando tudo o

supra exposto e o superior interesse da realização da Justiça,

decidirão como for de Direito

______________________________________________

Rui Manuel de Freitas Rangel

Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa

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