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Exmos. Srs. Conselheiros do
Supremo Tribunal de Justiça
NUIPC 122/13.8TELSB-AK.L1-A
Rui Manuel de Freitas Rangel, Juiz Desembargador, visado no incidente de
recusa deduzido pelo Ministério Público, vem dar cumprimento ao disposto no nº 3
do artigo 45º do CPP, pronunciando-se sobre o requerido, o que faz da forma
seguinte:
1.
Nenhum Juiz “gosta” que lhe sejam distribuídos processos com o impacto (público)
como o presente.
2.
O mesmo sucede com o signatário. O único interesse, de natureza estrita e
exclusivamente profissional, que o signatário tem relativamente aos processos que
lhe são distribuídos como relator é, como sempre foi, o de desempenhar da melhor
forma que sabe a arte de julgar, sempre com a colaboração e participação dos seus
Colegas com quem forma cada um dos Colectivos em que participa.
3.
Sempre que o signatário considerou que dúvidas pudessem existir sobre a sua
intervenção em qualquer processo, suscitou a respectiva recusa.
4.
No caso vertente, inexiste, em absoluto, qualquer fundamento (dos alegados pelo
Ministério Público) para que o signatário se possa sentir impedido de julgar,
5.
considerando o visado que a pretensão formulada pelo Ministério Público não possui
qualquer espécie de fundamento, quer legal, quer moral.
6.
Aliás, o Ministério Público deduz o incidente de recusa – após, nos autos principais
e, dando cumprimento ao disposto no nº 1 do artigo 416º do CPP, a mesma
subscritora do pedido de recusa se ter limitado a apor o seu visto – com pretenso
fundamento em factos que não têm o menor relevo para a boa decisão da causa e
que, de forma alguma, podem ser considerados como justificação para o alegado
impedimento.
7.
Ao que acresce que os pretensos fundamentos apresentados pelo Ministério Público
– que, aliás, à revelia do que deveria ser a sua conduta, que deveria ser pautada
pela prudência e pela urbanidade – se destinam mais a denegrir o bom-nome do
signatário1 do que, verdadeiramente, a justificar a recusa.
8.
Com efeito, é, para o signatário, evidente que o que verdadeiramente fundamenta o
incidente de recusa (ou pelo menos a decisão de o deduzir – aliás, aparentemente
por impulso dos media, já que, inicialmente nada foi suscitado pela Srª Procuradora-
Geral Adjunta) é o facto de o Ministério Público (assim como alguns órgãos de
comunicação social) não ter “perdoado” ao signatário o facto de ter tido intervenção,
no 2º semestre do ano 2015, como relator, em recurso interposto, no mesmo
processo, NUIPC 122.13.8TELSB, recurso, esse, que, acolhendo, em parte, a
1 Na verdade, é absolutamente inaceitável, e assaz censurável, a “NOTA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL”, publicada e
difundida pela Procuradoria-Geral da República, na qual, extravasando, de forma manifesta, a mera informação e as próprias competências, colocando-se na posição de decisora, invocou, de forma conclusiva, o pretenso fundamento nos seguintes termos: “Fê-lo por considerar existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado judicial.”
pretensão do recorrente, teve por resultado a revogação, parcial, do despacho
recorrido.
9.
Tal decisão proferida pela 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi tomada
por unanimidade, cabendo ao signatário, meramente, a função de relator.
10.
De tal acórdão, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional,
tendo este Tribunal confirmado integralmente a decisão recorrida.
11.
Alega o Ministério Público no ponto 6 do seu requerimento de recusa – aliás em
manifesto “venire contra factum proprio” (cfr., nomeadamente, as inúmeras “notas
para a comunicação social” emanadas pelo próprio Ministério Público) – que o
inquérito em causa, “tem sido objecto de ampla repercursão social e de debate
público, designadamente nos meios de comunicação social”.
12.
Na verdade, como foi público e notório, logo após a distribuição do recurso supra
referido, alguns órgãos de comunicação social (com destaque para o “Correio da
Manhã”), não só noticiaram, como procuraram pressionar o ora visado a pedir
escusa (procurando, de forma efectiva, condicionar o sentido da sua decisão) – os
documentos correspondentes às folhas 13 a 15 do presente Apenso (“Notícias ao
Minuto” de 02-09-2015) e 17 a 19 verso, destes mesmos autos (Observador de
15/09/2015), sobretudo o primeiro, demonstram, à saciedade, a referida pressão
externa no sentido de “forçar” o signatário a pedir escusa.
13.
O signatário, agora visado pelo incidente de recursa, entendeu, então, que não
existiam – como não existem actualmente – quaisquer motivos que justificassem, ou
justifiquem, tal iniciativa.
14.
O próprio Ministério Público, naquele recurso, que correu termos em Setembro de
2015, não deduziu qualquer incidente de recusa contra o signatário.
15.
No entanto, os factos que o Ministério Público agora alega sob os artigos 8, 9,
10, 11 e 12 do seu “pedido de recusa” já eram do seu conhecimento à data da
distribuição do recurso supra referido, sendo certo que, então, não deduziu
qualquer incidente de recusa (certamente por considerar inexistir fundamento
para tanto, nomeadamente no que se refere à agora alegada pretensa
imparcialidade do visado).
16.
Então, como agora, o signatário estava, como está, em condições de exercer a sua
função, cumprindo as suas obrigações profissionais dentro dos princípios que
norteiam a liberdade de decisão.
17.
Todavia, não pode deixar de manifestar que, a partir do momento em que participou
na produção daquela decisão colectiva (de Setembro de 2015), o signatário “viu a
sua vida transformada num verdadeiro inferno”.
18.
A partir dessa data, foram então lançados, pela comunicação social, pelo Ministério
Público e até por magistrados judiciais, ataques de toda a ordem para liquidar a sua
vida pessoal e profissional.
19.
Se o não aniquilaram fisicamente, têm vindo a procurar fazê-lo pela via do
“assassínio de carácter”, dirigindo sucessivos ataques, de forma assaz grave e séria;
à sua idoneidade, honestidade, reputação e credibilidade pública, enquanto
magistrado judicial e enquanto cidadão.
20.
Ataques, esses, que são parcialmente elencados e reflectidos no pedido de recusa
agora em apreço, nomeadamente:
a. O CSM instaurou contra o signatário (só após a decisão daquele recurso e
não logo após a emissão do mencionado programa televisivo) um
processo disciplinar, imputando-lhe violação do dever de reserva;
b. No processo dos denominados “vistos gold” foram extraídas certidões para
procedimento disciplinar contra o signatário – que vieram a ser objecto de
arquivamento – e o Ministério Público (aliás com o beneplácito do Sr. Juiz de
Instrução Criminal – como decorre cristalinamente, nomeadamente, de um
dos interrogatórios ao arguido António Figueiredo) ensaiou uma linha
investigatória no sentido do (absolutamente infundado) envolvimento do
signatário;
c. Idêntica “linha” (pretensamente) investigatória foi seguida no processo
conhecido por “Rota do Atlântico”, do qual terão sido extraídas certidões (pela
iniciativa dos mesmos intervenientes) para inquérito contra o signatário.
21.
Dos factos supra expostos foi, sempre e com grande acuidade, dada ampla
divulgação através dos media.
22.
Facto a que não é estranha a prática actual da Procuradoria-Geral da República de
emitir, consecutivamente, “Notas para a imprensa”, alimentando, assim, os tão
apreciados julgamentos populares (tornados possíveis após a revisão legal operada
no Código Penal em 2000).
23.
A interligação (há quem lhe chame promiscuidade) vai ao ponto de o Ministério
Público referir, no ponto 25. do seu petitório, que “a comunicação social informou
(…) a abertura de investigação (...)”2, o que não deixa de ser evidenciador do
papel da comunicação social em toda esta “reacção” à prolação de uma decisão
judicial contra (ou melhor, in casu parcialmente contra) as promoções do M.P.
24.
No pedido de recusa em apreço, o Ministério Público juntou o que denominou de
“documentos”, em número de 5.
25.
Todavia, no texto que redigiu, não mencionou em nenhum momento e relativamente
a qualquer facto qualquer documento a ter em consideração, com excepção do que
alega no artº 13, referindo-se à informação colhida junto do CSM, presumindo o
visado que se trata do doc. 4. – podendo o signatário esclarecer que o STJ proferiu
decisão (ainda não transitada em julgado) confirmando a decisão do CSM.
26.
No que concerne ao Doc. 1 junto com o pedido de recusa (que o Ministério Público
declara composto por cinco artigos de imprensa), no que respeita ao artigo
constante de fls. 8 a 12, e ao teor das segundas partes dos artigos 17 e 26 do
2 Investigação que o signatário (embora já tendo lido o “Correio da Manhã”) não conhece.
requerimento em apreciação, esclarece o signatário que, ao invés do “manhoso”
título do “Jornal i”, não dirigiu críticas sobre a confiabilidade dos juízes, nem
evidenciou qualquer sentimento de perseguição.
27.
Sobre o artigo em causa, nomeadamente no que se refere à alegada afirmação
(falsamente atribuída ao signatário) “os juízes são a classe menos confiável em
Portugal”, o Ministério Público – que se apresenta tão atento à comunicação social –
ter-se-á “esquecido” de referir que tais pretensas declarações (ou melhor, tal
imputação) foram objecto de esclarecimento prestado e publicado logo no dia
seguinte no mesmo jornal, também na primeira página, conforme resulta do
documento que se junta sob a designação de Doc. nº 1, e cujo teor aqui se dá por
integralmente reproduzido, e cuja cópia o signatário enviou, então, oportunamente,
ao Conselho Superior da Magistratura.
28.
Com efeito, conforme esclarecimento prestado, e publicado pelo mesmo jornal, a
referência do signatário reportava-se aos índices de credibilidade, a estudos
científicos realizados3 (“Os juízes estavam lá em cima em termos de credibilidade e,
se se consultar os índices, hoje são a classe menos confiável”), não
consubstanciando aquela afirmação qualquer tipo de qualificação por parte do
signatário.
29.
3 “Barómetro de opinião” elaborado por diversos órgãos de comunicação social, designadamente pelo “Expresso”, e incluindo a Marktest, como é do conhecimento geral
É pois, absolutamente falso que o signatário tivesse “dirigido” ou “voltado a dirigir”
críticas sobre a confiabilidade dos juízes, a propósito de qualquer decisão, tendo-se
limitado a invocar o que consta dos estudos (“barómetros”) de opinião pública.
30.
O Ministério Público pretende fundamentar o seu pedido de recusa, “em primeiro
lugar” na participação do signatário num debate promovido pela TVI no dia 10 de
Junho de 2015, como resulta dos artigos 8 a 12 do requerimento em apreciação.
31.
Ora, tais factos – seja qual for o relevo que se lhes pretenda atribuir – são pré-
existentes, relativamente ao momento temporal em que o signatário participou como
relator na elaboração do acórdão de Setembro de 2015 (que é o verdadeiro, mas
subliminarmente presente, fundamento do pedido de recusa).
32.
O Ministério Público, então pleno conhecedor de tais factos, não suscitou
qualquer incidente de recusa, donde deverá concluir-se que não os considerou (e
bem) relevantes para efeitos de por em causa a independência ou a imparcialidade
do juiz.
33.
Como documento nº 2 o Ministério Público juntou uma “pen drive” com a gravação
do programa da TVI, o qual, repete-se, não tem qualquer relevo para o pedido de
recusa (caso contrário já o teria sido relativamente ao recurso decidido pela 9ª
Secção em Setembro de 2015).
34.
Corresponde à verdade que o CSM entendeu instaurar e condenar o signatário pela
alegada violação de dever de reserva (condenação ainda não transitada em
julgado).
35.
Porém, contrariamente ao alegado pelo Ministério Público, o signatário naquele
programa não manifestou qualquer “pré-juízo” sobre os “decisores em sede de
primeira instância” (que, in casu, é um único: o Sr. Dr. Carlos Alexandre4).
36.
Pré-juízo que, pode e deve afirmar com veemência, não tem!
37.
Ao que acresce que, lendo agora o Acórdão junto pelo Ministério Público como
Documento nº 3, pode concluir-se que o que esteve em debate no mencionado
programa televisivo não tem correspondência directa com qualquer das questões
suscitadas, conhecidas e decididas naquele aresto.
38.
Refere o M.P., no ponto 15. do seu pedido de recusa, que são “tais factos” – as
declarações no mencionado debate televisivo, portanto – que “não podem deixar
de constituir motivo sério e grave de desconfiança quanto à imparcialidade do
Senhor juiz desembargador Rui Rangel” (de notar a propositada escrita em
minúsculas do título “juiz desembargador”, conduta que manifesta total falta de
urbanidade por parte do Ministério Público.
39.
4 O qual, aliás, já produziu declarações públicas, em entrevistas a órgãos de comunicação social (e não em debate televisivo, vivo e em directo), nas quais fez referências directas a processos judiciais que tem em mãos, sem que seja conhecida qualquer reacção do M.P., sendo que o CSM as reputou de “infelizes”.
Se são “tais factos” os que fundamentam o pedido, não se compreende porque
razão o M.P. não tomou semelhante iniciativa aquando da distribuição do recurso
supra referido, julgado em Setembro de 2015 (mais de 3 meses após a transmissão
do aludido programa de TV).
40.
Ao que acresce que o Ministério Público pretende obnubilar o facto de que as
decisões tomadas no Tribunal da Relação, por regra, são colectivas, são discutidas,
ponderadas e votadas por um colectivo de Juízes.
41.
Em caso de empate, o Presidente da Secção pode “desempatar”.
42.
Mas também não é menos certo que a posição do relator, desacompanhada de pelo
menos mais um dos Desembargadores do Colectivo, não tem qualquer relevo para a
decisão.
43.
A técnica utilizada pelo M.P., de repetir inúmeras vezes um facto inexistente, não
tem a virtualidade de o tornar existente. Portanto, o signatário reafirma que não
prestou declarações públicas (nem felizes, nem infelizes) sobre o processo em
apreço, como se pode concluir através do simples, desinteressado e objectivo
visionamento do programa em causa.
44.
Ao invés do que o Ministério Público pretende fazer crer, o que fundamenta o seu
pedido de recusa é o seu desagrado pelo facto de o signatário ter sido relator de
uma decisão judicial que revogou parcialmente uma pretensão/interpretação jurídica
pela qual pugnava no processo (e que tinha merecido o acolhimento por parte do Sr.
Juiz de Instrução Criminal).
45.
Sendo certo que, por razões que se não descortinam, o Ministério Público “fulanizou”
aquela decisão no signatário, quando a mesma foi tomada, por unanimidade, por um
colectivo de Juízes.
46.
Esta iniciativa infundada, e quase mesquinha, do Ministério Público, (e até inusitada
por parte do MP), constitui até uma ofensa ao trabalho, à idoneidade e integridade
não só do signatário, mas de todos os restantes Magistrados que participaram
naquela decisão colegial (tomada por unanimidade).
47.
Acrescenta (ou melhor, inventa) o Ministério Público, “Em segundo lugar”, como
fundamento da sua peregrina pretensão, que “existia um conhecimento pessoal
entre o Sr. Juiz Desembargador e a pessoa do arguido José Sócrates, em
termos tais que, ainda em Setembro de 2014, justificava a marcação de um
almoço entre os dois”.
48.
Sustenta (aliás, inventa), ainda, o Ministério Público ainda a este propósito, “não
estar em causa um mero conhecimento pessoal, determinado pelo exercício de
funções públicas quando necessariamente se cruzam, mas sim um
relacionamento pessoa, que abrangia familiares dos intervenientes”.
49.
E como pretensa “prova” de tal pretenso “facto” o Ministério Público juntou o
documento 5, que identifica como cópia de informação relativa a controlo de
intercepções (que o signatário, como é óbvio, desconhece).
50.
Trata-se da utilização pelo Ministério Público, absolutamente abusiva e ilícita, em
sede do presente incidente, de um meio de obtenção de prova em processo penal,
facto que deveria determinar o desentranhamento imediato do citado documento 5 e
a sua destruição.
51.
Sem conceder, mais se alega que tal documento não só não possuiu – aliás,
confessadamente – relevância para a matéria então em investigação, como também
não a possui no seio do presente incidente de recusa.
52.
A este respeito, esclarece o signatário que manteve com aquele arguido, José
Sócrates Pinto de Sousa5, os seguintes contactos:
a) na sequência do falecimento, prematuro e decorrente de doença prolongada,
do Dr. Emídio Rangel – conhecida personalidade pública –, irmão do
signatário, ocorrido em 13 de Agosto de 2014, aquele arguido, José Sócrates,
foi uma das muitas centenas de pessoas, (familiares, amigos ou simples
conhecidos e cidadãos anónimos), que se deslocaram à Basílica da Estrela,
onde decorria o velório, tendo então conversado com o signatário, pela
primeira vez, tendo a conversa (que, repete-se, foi a primeira entre os dois)
5 O qual à data das alegadas intercepções era “apenas” ex-Primeiro-Ministro de Portugal e relativamente ao qual inexistiam notícias públicas sobre o seu envolvimento na prática de condutas alegadamente susceptíveis de consubstanciar a prática de crime (sem que com esta afirmação se pretenda violar a presunção de inocência de que todos os arguidos beneficiam).
por único tema a apresentação de condolências por parte daquele ex-
governante à família enlutada, na pessoa do signatário;
No decorrer dessa breve conversa, o Eng. José Sócrates, sempre no âmbito
do supra descrito circunstancialismo de apresentação de pêsames,
manifestou acto de contrição referindo que, ele próprio, em vida do falecido,
não teria estado à altura do merecimento da amizade que o Dr. Emídio
Rangel lhe tinha dedicado; e, na sequência daquelas palavras de
circunstância, manifestou o desejo de realizar um almoço com o signatário e
com o jornalista David Borges, de evocação e “homenagem” ao Dr. Emídio
Rangel; ficaram, vagamente, de falar posteriormente.
b) Após o falecimento daquele seu irmão, o signatário e o seu filho, por sugestão
deste último, decidiram ir passar uns dias a Nova Iorque, para recuperarem o
seu estado anímico e emocional que tinha ficado deveras abalado;
À chegada a Nova York, ainda no aeroporto de Newark, o signatário cruzou-
se, por mero acaso, com o Engº José Sócrates na zona de controlo de
passaportes, tendo-se ambos cumprimentado, trocado palavras de
circunstância e renovado a intenção de realizar o projectado (mas nunca
agendado) almoço (com o jornalista David Borges, grande amigo e colega do
irmão do signatário na “fundação” da TSF);
c) No sentido de concretizar esse almoço – porque o mesmo se destinava a
prestar “homenagem” ao seu irmão por parte de um ex-Primeiro Ministro –,
posteriormente à aludida viagem, o signatário tentou chegar à fala com
aquele, agora arguido nos autos principais, o que fez através da sua
Secretária,todavia, sem êxito.
53.
Portanto, por junto, o signatário encontrou-se duas vezes com o arguido em apreço:
uma vez no velório do seu irmão e outra vez, fortuitamente, num aeroporto.
54.
Fora dessas duas circunstâncias, o signatário nunca mais falou com aquele arguido,
nunca o teve no seu círculo de amigos, nem nunca, sequer, tomou um café com ele.
55.
Aliás, no âmbito das iniciativas realizadas através da associação “Juízes pela
Cidadania”, o signatário, ora visado pela recusa (que era Presidente daquela
Associação) criticou publicamente, amiúde, muitas das políticas de Justiça dos
governos presididos por José Sócrates.
56.
Jamais existiu, pois, qualquer conhecimento de natureza pessoal entre o signatário e
aquele arguido, susceptível de poder afectar, de forma séria e grave ou de qualquer
outra forma, a imparcialidade do magistrado visado.
57.
A este propósito o Ministério Público não pode deixar de merecer um juízo de
censura comportamental porquanto:
sabe que utiliza ilicitamente um meio de obtenção de prova;
sabe que mesmo que pudesse basear-se naquele documento nº 5, o mesmo
não constitui prova idónea, nem séria, nem honesta para tecer as conclusões
contidas nos artigos 19, 21 e 22.
sabe que não existe qualquer fundamento sério, neste domínio, para a sua
pretensão;
sabe que está a invocar factos ocorridos em meados de 2014, numa altura
em que ninguém (pelo menos fora da investigação) sonhava com qualquer
investigação criminal incidente sobre a pessoa daquele ex-Primeiro Ministro.
sabe que os actos por si, Ministério Público, praticados chegam primeiro à
comunicação social do que ao conhecimento das partes (e, no caso do
presente pedido de recusa, até antes de chegar ao Tribunal)6.
58.
Concluindo, este “segundo” argumentário é igualmente inconsistente e
improcedente.
59.
Finalmente, remetido ao “terceiro lugar”, o Ministério Publico ressuscitou dois
fantasmas de antanho, num esforço derradeiro de fundamentar o que não possui
fundamento ou seja a sua pretensão de recusa.
60.
No chamado processo “Vistos Gold”, em interrogatório conduzido pelo Senhor Juiz
de Instrução e da Senhora Procuradora, Susana Figueiredo (após a decisão relatada
pelo signatário em Setembro de 2015), aconteceu algo de insólito mas levado a
efeito com a exclusiva intenção de atingir o signatário:
a. Em tal interrogatório (a que o signatário teve acesso, após pedido formulado
nesse sentido), do arguido António Figueiredo (que, à data, era o único,
naquele processo, que estava privado da liberdade e que havia requerido a
alteração do seu estatuto pessoal), o Senhor Juiz de Instrução despendeu
cerca de vinte minutos a tentar que aquele arguido verbalizasse o nome do
signatário, como sendo o “outro concorrente” que “ia ganhar milhões com
as alterações legislativas que iriam ocorrer em Angola”.
6 O “Jornal i” deu a notícia da apresentação do pedido de recusa, no dia anterior àquele em que o mesmo deu entrada em juízo.
b. Ouvido aquele interrogatório é manifesto que é sugerido ao interrogado que o
mesmo indicasse o nome do signatário como sendo o tal “outro concorrente”,
indo ao ponto de deixar crer àquele arguido que a sua liberdade estaria
dependente de tal “confissão”, tendo aquele, já exausto com tanta insistência
(e ansioso por deixar a situação de privação da liberdade), dirigindo-se ao Sr.
JIC, afirmado o seguinte: “oh senhor doutor eu não sei o que quer que lhe
diga”.
61.
O que qualquer jurista médio (o bonus pater familiae neste caso terá de ser jurista)
pode retirar daquele interrogatório é que estaria a ser “oferecida” a alteração da
medida de coacção de prisão preventiva, pela incriminação de uma pessoa, cujo
apelido (que não é exclusivo do signatário) era “Rangel”.
62.
Tudo isto porque, numa escuta telefónica ao arguido António Figueiredo,
interceptada algures em 2014, no contexto de uma visita a Angola com a então
Ministra da Justiça, terá dito ao Sr. Juiz Desembargador Dr. Antero Luís: “Está cá
um tal Rangel”.
63.
E como se não tivesse sido alcançada tal “delação” (que seria premiada), viria a ser
extraída certidão, pelo MP, e remetida para o CSM (e já arquivado, como referido no
artº 24º do petitório em apreço) para apurar a pretensa responsabilidade disciplinar
do signatário, por ter ido a Angola para dar formação aos juízes do Tribunal
Constitucional daquele País. O que fez, devida e previamente, autorizado pelo
Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.
64.
Ora, tal como supra se referiu, aquela certidão extraída e remetida pelo M.P. ao
CSM, para eventuais fins disciplinares, decorrida de uma escuta realizada em 2014,
e que esteve a “marinar” (perdoe-se-nos o plebeísmo) sem qualquer relevância
durante cerca de ano e meio, e que só ganhou “importância” depois da prolação
do Acordão da Relação, de Setembro de 2015, de que o signatário foi Relator
constituiu, como é evidente, um acto de “revanche”, tendo os processos sido
arquivados, como se esperava, pois nenhum ilícito disciplinar havia sido praticado.
65.
Finalmente, regressamos ao início da peça processual a que vimos respondendo, ao
trecho em que a Magistrada que subscreve o pedido, alega que “Não pretende o
Ministério Público colocar em causa a dignidade pessoal e profissional do
Senhor Desembargador (…)”
66.
Para além de se nos suscitar, de imediato, o conhecido brocardo latino “falsa
demonstratio non nocet”, dir-se-á que ainda bem que o MP “não pretende”
semelhante desidério. É que lida a peça que apresentou aparenta mesmo que foi
esse o seu objectivo.
67.
Todavia, ainda que não o tenha pretendido (é o que diz), a verdade é que o
conseguiu!
68.
Com efeito, se a intenção era apenas suscitar a recusa do juiz (por já ter relatado
uma decisão anterior no mesmo processo) sempre seria manifestamente
desnecessário lançar mão de pretensos factos, inventados (como o conhecimento
entre o signatário e o arguido nos autos principais), já arquivados (como o processo
decorrente da ida a Angola), inexistentes (como o alegado no artº 25º) ou já julgados
(embora não transitados) (como o decorrente do programa na TVI em Junho de
2015).
69.
Todos, mas todos, aqueles argumentos consubstanciam reacções, aliás de índole
vingativa, posteriores à publicação do acórdão relatado pelo signatário, de Setembro
de 2015.
70.
Não fora aquela decisão (tomada por unanimidade do Colectivo, repete-se) e a
conduta do signatário nunca teria merecido – como, justamente, não merece –
qualquer censura.
71.
A pretensão – pedido de recusa – do Ministério Público funda-se no facto que
não ter ficado agradado com o teor do acórdão relatado pelo signatário em
Setembro de 2015.
72.
E sendo, como é, esse o fundamento, não seria necessário ter lançado mão do
pedido de recusa nos termos em que o fez, bastando-lhe invocar o disposto no artº
40º, alínea c) ou no artº 43º, nº2 do C.P.P.
73.
Não o fez o Ministério Público, porque dessa forma não alcançaria o seu objectivo
instrumental, de procurar achincalhar e denegrir publicamente o signatário,
imputando-lhe parcialidade no julgamento.
74.
Ora, pese embora o signatário não ter interesse em que lhe seja distribuído este tipo
de processos – porquanto a comunicação social procura, incólume e impunemente,
condicionar a liberdade de julgamento do Tribunal – a verdade é que não pode, não
deve, eximir-se do mesmo.
75.
O signatário dá por reproduzido aqui tudo o que supra referiu, especialmente o que
consta dos artigos 18º a 22º e 60º a 64º.
76.
Do referido inferno em que procuram transformar a sua vida faz ainda parte a séria
suspeita de que o seu telefone tem vindo a estar sob escuta, que acredita de forma
ilegal.
77.
O signatário tem mantido, ao longo de mais de trinta anos uma conduta cívica, –
que, de resto é do conhecimento geral – de participação regular nos mais diversos
fóruns, designadamente, através de alguns órgãos de comunicação social – rádios,
jornais, televisões – aí debatendo e defendendo ideias, valores e princípios, na área
da justiça, num exercício continuo daquilo que considera serem os seus
direitos/deveres de cidadania com o objectivo de aproximar tais temas da
generalidade dos cidadãos, contribuindo para um esclarecimento de tais questões
junto dos mesmos.
78.
O signatário considera-se um homem de causas, que não vira a cara à luta,
costumando declarar que “aquilo que não nos mata torna-nos mais fortes”.
79.
Confessa, no entanto, que a campanha conducente ao descrito inferno que não
desistem de criar à sua volta, de difamação, de ameaça, de intimação e de coação,
contém em si a virtualidade de poder afectar, a sua liberdade de decisão.
80.
No entanto, V. Exas. concluirão sobre a verificação ou não daquela virtualidade de
afectação da liberdade de decisão.
81.
De qualquer modo, o signatário não pode ficar indiferente e repugna-o que o
Ministério Público procure “escolher” a composição do tribunal para julgar o(s)
recurso(s).
82.
As partes não têm o direito de escolher o Juiz. No nosso ordenamento jurídico (e
com a excepção, ipso facto, que se verificou durante o período em que existiu
apenas um magistrado no Tribunal Central de Instrução Criminal) vigora o princípio
do juiz natural!
83.
O signatário já teve participação, como relator, em julgamento anterior, de recurso
interlocutório interposto no processo de que incidente é Apenso.
84.
Nessa conformidade, poderá esse Supremo Tribunal de Justiça considerar o
signatário (bem assim como os demais Juízes Desembargadores que integraram o
colectivo que proferiu a supra referida decisão em Setembro de 2015) impedido de
intervir no julgamento, nos termos do disposto no artº 40º, alínea b) do CPP.
85.
Em qualquer caso, o signatário declara que não se sente limitado na sua acção
como julgador, inexistindo qualquer fundamento que possa sustentar risco de a sua
intervenção ser julgada suspeita e/ou que permita gerar desconfiança sobre a sua
imparcialidade.
Concluindo, no que se refere ao pedido de recusa apresentado
pelo Ministério Público, Vossas Excelências, ponderando tudo o
supra exposto e o superior interesse da realização da Justiça,
decidirão como for de Direito
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Rui Manuel de Freitas Rangel
Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa
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