Gaia passou do século XIX ao século XXI - DE

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Tiragem: 20102 País: Portugal Period.: Diária Âmbito: Economia, Negócios e. Pág: 52 Cores: Cor Área: 26,48 x 36,63 cm² Corte: 1 de 2 ID: 35007222 14-04-2011 DESTAQUE 1 VILA NOVA DE GAIA CIDADES DE FUTURO - SUSTENTABILIDADE Gaia passou do século XIX ao século XXI numa década Depois de um projecto em quatro frentes e a dez anos, a autarquia assume a sua sustentabilidade financeira. António Freitas de Sousa [email protected] Há uma década, o município de Gaia parecia ter estacionado no fi- nal do século XIX. Vinda de Luís Filipe Menezes, presidente da au- tarquia há 13 anos, a opinião po- deria parecer ferida de exagero, mas os números – por muito que soem paradoxais – corroboram a afirmação: 85% do território não contava com saneamento básico; os 15% remanescentes eram na sua maioria vertidos sem demora ou tratamento nas águas do Rio Douro; a mobilidade, nomeada- mente na principal avenida de Gaia, não passava de uma metá- fora; uma viagem entre os pontos mais afastados do concelho não durava menos de uma hora de- masiado bem medida; a zona ri- beirinha (contígua ao casco his- tórico) – era um amontoado de barracões a cair, onde os mais avisados recusavam entrar; a orla marítima era um caos urbanístico sem qualquer sentido estético ou civilizacional – factor que se es- tendia um pouco por toda a au- tarquia; e cultura, laser ou turis- mo de qualidade não faziam parte do léxico da cidade. Resultado: “As pessoas de Gaia, quando iam ao Porto, diziam que eram de outras freguesias; quando iam a Lisboa, diziam que eram do Porto”, afirmou Luís Filipe Mene- zes – no âmbito de um fórum so- bre ‘Cidades do Futuro’, ontem realizado em Gaia. Este panorama desolador – saído da iniciativa (ou da falta dela) do socialista Heitor Carvalheiras – tinha ao menos uma vantagem: como era preciso fazer tudo de novo, foi possível à equipa de Menezes fazer bem. Depois de uma fase de levanta- mento dos problemas, a autarquia engendrou um projecto – com um método, uma organização e o es- tabelecimento de objectivos in- tercalares – que pretendia, por um lado, devolver Gaia ao século XXI e, por outro, identificá-la como uma unidade diferenciada (mais que complementar) do Porto – como forma de se subtrair à tentação centrifugadora da maior cidade da região. O projecto propunha-se incidir sobre: infra-estruturas básicas; valorização por quatro parcelas (mar/rio-centro histórico/cida- de/interior); equilíbrio social; or- denamento urbano; captação de investimento; modernização tec- nológica; e convergência com a sustentabilidade. Paralelamente, a metodologia de financiamento as- sentava sobre algo que, há dez anos, soava a bizarria: parcerias entre a autarquia e os investidores privados que se mostrassem inte- ressados em contribuir para a va- lorização da região, numa dupla lógica de eficaz utilização dos fun- dos públicos, por um lado, e, por outro, de fazer os privados pagar aquilo de que iriam usufruir. Dez anos depois Dez anos volvidos, é difícil não admitir que Gaia passou directa- mente do século XIX para o século XXI: a zona do casco velho – onde o investimento mais recente, um teleférico, acaba de ser inaugura- do (a autarquia não gastou um tostão e ainda recebe uma renda anual pela utilização do espaço) – foi entregue ao turismo e à habita- ção de qualidade; a zona marítima segue (um pouco mais atrasada) o mesmo caminho; a mobilidade é real em todo o concelho; os dese- quilíbrios sociais foram esbatidos; e a cidade já consegue captar no- vos habitantes – que a preferem a qualquer outra alternativa. Em paralelo, Luís Filipe Mene- zes considera que Gaia é uma ci- dade que caminha a passos largos para a sustentabilidade; sob diver- sos pontos de vista – ambiental, energético – e desde logo sob aquele que sustenta e viabiliza os outros todos: o financeiro. Segun- do o autarca – que, por força da lei, abandonará funções no final do mandato – as áreas dos recursos humanos, água e saneamento, sa- lubridade espaços verdes, protec- ção civil e educação já são auto- suficientes. Este agregado repre- senta cerca de 75% dos custos da autarquia, o que dá boa nota da saúde financeira da câmara. Por outro lado, e ainda segundo Me- nezes – que recusa fechar parce- rias público/privadas – as despe- sas de capital estão na casa dos 40% do orçamento anual, vector que deverá resvalar para a média, considerada ideal, dos 20%. De fora ficam alguns factores inibidores: a burocracia do Estado – que está a retardar investimen- tos (suecos, espanhóis e portu- gueses) que somam cerca de mil milhões de euros e viabilizam dois mil novos postos de traba- lho; e a dificuldade em transfor- mar Porto e Gaia numa única ci- dade – mas isso talvez fique, mesmo que assunto esteja ainda parqueado na gaveta dos tabus, para quando Luís Filipe Menezes for presidente do Porto e o seu vice em Gaia, Marco António Costa, subir o degrau para liderar a margem esquerda do Douro. António Mexia, Presidente executivo da EDP “Metade do défice externo de Portugal vem da energia”, portanto “qualquer contributo para diminuir a escravatura do petróleo é bem vinda”. Luís Filipe Menezes, Presidente da Câmara de Gaia A autarquia está há pelo menos um ano à espera de um encontro com o ministro das Finanças para concluir um projecto de financiamento da protecção civil. A sustentabilidade O preço é determinante para haver bons comportamentos. Sónia Santos Pereira [email protected] Portugal é “muito bom nos dia- gnósticos” aos problemas, mas tem uma “ausência da noção de urgência, uma ausência de ca- pacidade de execução” e “a sus- tentabilidade está na noção de urgência”, realçou ontem Antó- nio Mexia, presidente executivo da EDP, no Fórum Vila Nova de Gaia Cidades do Futuro. Uma afirmação para justificar as difi- culdades que têm surgido e im- possibilitado a criação das auto- ridades metropolitanas de transportes, entidades que vi- sam melhorar as ligações entre as cidades e as empresas de transporte público numa óptica de sustentabilidade. António Mexia é de opinião que a sustentabilidade está as- sente nas questões ambientais, económicas e sociais e “só quem operar de uma forma equilibra- da nas três frentes é que pode ter sucesso”. Para o gestor, “Gaia é um símbolo de cidade que tem procurado desenvolver-se sob o conceito da sustentabilidade”. E num mundo em que as previ- O debate que se seguiu às intervenções de Luís Filipe Menezes e António Mexia foi moderado pelo director do Diário Económico, António Costa, e permitiu concluir sobre a qualidade do futuro de Gaia.

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Gaia passou do século XIX ao século XXI - Diário Económico

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Page 1: Gaia passou do século XIX ao século XXI - DE

Tiragem: 20102

País: Portugal

Period.: Diária

Âmbito: Economia, Negócios e.

Pág: 52

Cores: Cor

Área: 26,48 x 36,63 cm²

Corte: 1 de 2ID: 35007222 14-04-2011

DESTAQUE 1VILA NOVA DE GAIA CIDADES DE FUTURO - SUSTENTABILIDADE

Gaia passoudo século XIXao século XXInuma décadaDepois de um projecto em quatro frentes e a dez anos,a autarquia assume a sua sustentabilidade financeira.

António Freitas de [email protected]

Há uma década, o município deGaia parecia ter estacionadono fi-nal do século XIX. Vinda de LuísFilipe Menezes, presidente da au-tarquia há 13 anos, a opinião po-deria parecer ferida de exagero,mas os números – por muito quesoem paradoxais – corroboram aafirmação: 85% do território nãocontava com saneamento básico;os 15% remanescentes eram nasua maioria vertidos sem demoraou tratamento nas águas do RioDouro; a mobilidade, nomeada-mente na principal avenida deGaia, não passava de uma metá-fora; uma viagem entre os pontosmais afastados do concelho nãodurava menos de uma hora de-masiado bem medida; a zona ri-beirinha (contígua ao casco his-tórico) – era um amontoado debarracões a cair, onde os maisavisados recusavam entrar; a orlamarítima era umcaos urbanísticosem qualquer sentido estético oucivilizacional – factor que se es-tendia um pouco por toda a au-tarquia; e cultura, laser ou turis-mo de qualidade não faziampartedo léxicodacidade.

Resultado: “AspessoasdeGaia,quando iam ao Porto, diziam queeramdeoutras freguesias; quandoiam a Lisboa, diziam que eram doPorto”, afirmouLuís FilipeMene-zes – no âmbito de um fórum so-bre ‘Cidades do Futuro’, ontemrealizado emGaia. Este panoramadesolador– saídoda iniciativa (ouda falta dela) do socialista HeitorCarvalheiras – tinha ao menosuma vantagem: como era precisofazer tudo de novo, foi possível àequipa de Menezes fazer bem.Depois de uma fase de levanta-mentodosproblemas, a autarquiaengendrouumprojecto–comummétodo, uma organização e o es-tabelecimento de objectivos in-tercalares – que pretendia, porum lado, devolver Gaia ao séculoXXI e, por outro, identificá-lacomo uma unidade diferenciada(mais que complementar) doPorto – como formade se subtrairà tentação centrifugadora damaior cidadeda região.

Oprojectopropunha-se incidirsobre: infra-estruturas básicas;valorização por quatro parcelas(mar/rio-centro histórico/cida-de/interior); equilíbrio social; or-denamento urbano; captação deinvestimento; modernização tec-nológica; e convergência com asustentabilidade.Paralelamente, ametodologiadefinanciamentoas-sentava sobre algo que, há dezanos, soava a bizarria: parceriasentre a autarquia e os investidoresprivados que se mostrassem inte-ressados em contribuir para a va-lorização da região, numa duplalógicadeeficazutilizaçãodos fun-dos públicos, por um lado, e, poroutro, de fazer os privados pagaraquilodeque iriamusufruir.

Dez anos depoisDez anos volvidos, é difícil nãoadmitir que Gaia passou directa-mentedo séculoXIXpara o séculoXXI: a zona do casco velho – ondeo investimento mais recente, umteleférico, acaba de ser inaugura-do (a autarquia não gastou umtostão e ainda recebe uma rendaanual pela utilização do espaço) –foi entregueao turismoeàhabita-çãodequalidade; a zonamarítimasegue (um poucomais atrasada) omesmo caminho; a mobilidade éreal em todo o concelho; os dese-quilíbrios sociais foram esbatidos;e a cidade já consegue captar no-vos habitantes – que a preferem aqualqueroutraalternativa.

Em paralelo, Luís Filipe Mene-zes considera que Gaia é uma ci-dade que caminha a passos largosparaasustentabilidade; sobdiver-sos pontos de vista – ambiental,energético – e desde logo sobaquele que sustenta e viabiliza osoutros todos: o financeiro. Segun-dooautarca–que,por forçada lei,abandonará funções no final domandato – as áreas dos recursoshumanos, águae saneamento, sa-lubridade espaços verdes, protec-ção civil e educação já são auto-suficientes. Este agregado repre-senta cerca de 75% dos custos daautarquia, o que dá boa nota dasaúde financeira da câmara. Poroutro lado, e ainda segundo Me-nezes – que recusa fechar parce-rias público/privadas – as despe-sas de capital estão na casa dos40% do orçamento anual, vectorque deverá resvalar para a média,considerada ideal,dos20%.

De fora ficam alguns factoresinibidores: a burocracia do Estado– que está a retardar investimen-tos (suecos, espanhóis e portu-gueses) que somam cerca de milmilhões de euros e viabilizamdois mil novos postos de traba-lho; e a dificuldade em transfor-mar Porto e Gaia numa única ci-dade – mas isso talvez fique,mesmo que assunto esteja aindaparqueado na gaveta dos tabus,para quando Luís Filipe Menezesfor presidente do Porto e o seuvice em Gaia, Marco AntónioCosta, subir o degrau para lideraramargemesquerdadoDouro.■

António Mexia,Presidente executivo da EDP

“Metade do défice externode Portugal vem da energia”,portanto “qualquer contributopara diminuir a escravaturado petróleo é bem vinda”.

Luís Filipe Menezes,Presidente da Câmara de Gaia

A autarquia está há pelo menosum ano à espera de um encontrocom o ministro das Finançaspara concluir um projecto definanciamento da protecção civil.

A sustentabilidadeO preço é determinante parahaver bons comportamentos.

Sónia Santos [email protected]

Portugal é “muito bom nos dia-gnósticos” aos problemas, mastem uma “ausência da noção deurgência, uma ausência de ca-pacidade de execução” e “a sus-tentabilidade está na noção deurgência”, realçou ontemAntó-nio Mexia, presidente executivoda EDP, no Fórum Vila Nova deGaia Cidades do Futuro. Umaafirmação para justificar as difi-culdades que têm surgido e im-

possibilitado a criação das auto-ridades metropolitanas detransportes, entidades que vi-sam melhorar as ligações entreas cidades e as empresas detransporte público numa ópticade sustentabilidade.

António Mexia é de opiniãoque a sustentabilidade está as-sente nas questões ambientais,económicas e sociais e “só quemoperar de uma forma equilibra-da nas três frentes é que pode tersucesso”. Para o gestor, “Gaia éum símbolo de cidade que temprocurado desenvolver-se sob oconceito da sustentabilidade”. Enum mundo em que as previ-

O debate que se seguiu às intervenções de Luís FilipeMenezes e António Mexia foi moderado pelo directordo Diário Económico, António Costa, e permitiuconcluir sobre a qualidade do futuro de Gaia.

Page 2: Gaia passou do século XIX ao século XXI - DE

Tiragem: 20102

País: Portugal

Period.: Diária

Âmbito: Economia, Negócios e.

Pág: 53

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Área: 26,46 x 36,33 cm²

Corte: 2 de 2ID: 35007222 14-04-2011

PONTOS-CHAVE A autarquia paga os livrosescolares a todos os

alunos do primeiro ciclo: sãocerca de 520 mil euros por ano“e mais um ou outro buracona estrada”, afirma Menezes.

Nuno Cardoso, ex-presidente da Câmara

do Porto, está envolvido narealização do projecto ELENA,de modernização tecnológica.O BEI garante 70 milhões.

Para António Mexia,há uma “ausência

da noção de urgência, umaausência de capacidade deexecução” e “a sustentabilidadeestá na noção de urgência”.

Bruno Barbosa

precisa de incentivos e é urgentesões apontam para que em 2040existam cerca de 400 cidadescom mais de 10 milhões de ha-bitantes, colocam-se “enormesde desafios de gestão, de equilí-brio e de sustentabilidade paraque isto seja suportável, pois apalavra sustentável tem muitohaver com o ser suportável”,acrescentou.

Na sua qualidade de gestor deuma empresa de energia, Mexiarecordou que “metade do déficeexterno de Portugal vem daenergia”, portanto “qualquercontributo para diminuir a es-cravatura do petróleo é bemvinda”. E se na Europa, actual-

mente, apenas 20% da energiatem como fonte as renováveis(água, vento e sol), em 2050 es-tima-se que mais de 50% daenergia que se consumirá seráde fonte renovável.

Como recordou António Me-xia, o Empire State Building, emNova Iorque (Estados Unidos)está a levar a cabo um investi-mento de 250milhões de dólares(cerca de 173 milhões de euros)para poupar anualmente 3,5mi-lhões de euros. “A estratégia dasustentabilidade é hoje umacondição de sucesso” e vai aca-bar por fazer uma separação po-sitiva naqueles que sabem gerir.

António Mexia questionouainda por que é a Ponte 25 deAbril gratuita nos meses de Ve-rão. Para o gestor, a portagemdeveria custar o dobro nessa al-tura e dever-se-ia distinguir en-tre o viajante de praia e o auto-mobilista que vai trabalhar. Mas– enfatizou – “a portagem maisbarata deveria ser a da PonteVasco da Gama, que é mais caraque a 25 de Abril”, para quehouvesse outro fluxo de tráfegoautomóvel. Como frisou, “dis-cutimos muitas coisas e, por ve-zes, pára-se na portagem”. Nasua opinião, “para haver susten-tabilidade é preciso incentivos”.

E acrescentou: “Opreço é umsi-nal, absolutamente urgente,para que as pessoas tomem oscomportamentos mais correc-tos”. António Mexia adiantouainda que a sustentabilidade“exige recursos e pessoas – es-paços comuns, cooperantes, in-terligáveis e governáveis –, en-volvimento, confiança e clare-za”. Para o presidente da EDP, “ogrande inimigo dos ‘clusters’somos nós próprios, é a dificul-dade emnos associarmos”.

O gestor recordou ainda quea EDP foi considerada a empresanúmero umem sustentabilidadeno sector da energia. ■

Para António Mexia,a sustentabilidadeassenta nos vectoresambientais,económicos e sociais.“Só quem operarde uma formaequilibrada nas trêsfrentes é que podeter sucesso”, diz.