Heinz G. Konsalik - A Maldição Das Pedras Verdes

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    A Maldio das pedras VerdesHeinz G. Konsalik. (Traduo de MARIA NOVOA

    Crculo de LeitoresTitulo original: der fluch der grfnenCopyright - 1979 by Heinz G. KonsalikNmero de edio: 5229Depsito legal nmero 164 009/01ISBN 972-42-2498-8

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    Comeou com uma carta.Trazia carimbo de Bogot, Colmbia, viera por via area,

    demorara seis dias a chegar (embora nenhum avio precise de seis

    dias para voar da Colmbia at Hamburgo) e o que saltava mais vista era o colorido do selo, que mostrava uma paisagem tropicalcom rvores gigantescas, papagaios de todas as cores e umemaranhado de lianas.

    O Dr. Peter Mohr examinou a parte da frente do sobrescrito,o selo e o carimbo e s ento o virou. O remetente era um enigma:Laboratrios Farmacuticos H. Strothfeld, Bogot. Quando o Dr.Mohr entrara no refeitrio da clnica, a empregada acenara-lhe delonge com a carta e correra para ele:

    - Senhor doutor! Senhor doutor! para si! Uma carta daAmrica do Sul. Posso ficar com o selo para o meu irmo maisnovo, que colecciona selos com figuras?

    - Claro, Anni. At lhe dou o sobrescrito todo.J tinha seis horas de operaes atrs de si. Uma perfurao

    do estmago, uma vescula com nada menos do que trinta e duaspedras amarelo-esverdeadas e, por fim, um encurtamento dointestino, que no passava de uma cirurgia de desopresso. Odoente tinha sessenta e quatro anos e o corpo to cheio demetstases que o tratamento por radiaes j nada adiantava. Masa operao ainda lhe dera mais um ou dois anos de vida.

    Esgotado, o Dr. Mohr deixou-se cair na cadeira revestida deplstico e bebeu dois goles do ch com rum que Anni lhe ps frente sem lhe perguntar nada. Nos dias de operao repetia-sesempre o rito do ch, acompanhado por um pedao de bolo ou, pelomenos, um pastel com recheio de queijo derretido.

    "Laboratrios Farmacuticos Dr. H. Strothfeld", pensou o Dr.Mohr, enquanto abria o sobrescrito com uma faca. "No conheo."Os prospectos publicitrios ou iam para os serviosadministrativos do hospital ou para os endereos privados dosmdicos. O que o deixava mais perplexo era o nome dodestinatrio: "Dr. Pit Mohr (no Otelo)." Depois, o endereo dohospital e, no canto superior esquerdo, escrito mo a vermelhoem letra de imprensa: "Pessoal."

    Pit Mohr (no Otelo) era um diminutivo que s um pequenocrculo conhecia. Quando andava na Universidade de Heidelberg,todos se tinham acostumado a dizer: "L vem o Otelo." No era spor causa do seu nome, Mohr, que lhe chamavam assim; nesse tempo,usava o cabelo muito preto curtinho e encaracolado como um negro.

    As raparigas andavam como loucas atrs dele e era a inveja doscolegas. Bons tempos de estudante! Havia quanto tempo? J seisanos! E agora, decorridos seis anos, algum voltava a escreverPit Mohr (no Otelo) da Amrica do Sul!

    A carta tinha duas folhas. O Dr. Mohr comeou a ler aassinatura: Teu amigo Ewald.

    Ewald? Quem seria Ewald? Rapidamente, recapitulou os amigosdoutros tempos. Depois do exame final tinham-se todos espalhadopelo mundo e s poucos haviam mantido contacto uns com os outros.E no havia nenhum Ewald entre eles.

    Mas a primeira frase da carta esclareceu logo o enigma.Ewald escrevia:

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    "Deves estar admirado por voltar a ouvir falar do EwaldFachtmann, meu velho, lembras-te? Fui de Farmcia para a vossacharlatanice e deste-me logo uma ensinadela. Bebemos como doidos

    durante trs semestres, at eu ter ido para Friburgo. No foifcil encontrar-te, mas consegui, como vs. Estou agora aqui emBogot a dirigir a sucursal alem dos Laboratrios FarmacuticosII. Strothfeld, com a misso de divulgar na Colmbia osantibiticos e a plula anticoncepcional. No fcil, p!Primeiro, a Igreja contra e, depois, experimenta dizer a umndio chibcha da cordilheira que as plulas brancasproporcionaram uma licena de porte de arma aqui ao pap. Como que se interpreta isto? Vida em perigo!

    Bom, tens alguma ligao slida ao hospital? Com contrato demuitos anos e isso? Seno, Otelo, anda para c! Sei que s umaventureiro e que o mundo inteiro mais o teu local de trabalhodo que uma estreita mesa de operaes de uma sala coberta deazulejos, a cheirar a sangue. E mulheres bonitas h em todo olado, sobretudo aqui! Ardentes e de ancas estreitas, pernascompridas e seios redondos! Que queres mais? Mas o essencial que precisamos urgentemente de bons mdicos. A assistncia mdicaentre os ndios e os mineiros miservel. No se pode confiarnela. E eis-me chegado ao assunto principal: pesquisadores.

    Topei com uma coisa verdadeiramente incrvel! Contrabando deesmeraldas! Explorao mineira ilegal nas montanhas. Anualmente,setecentos e cinquenta mil milhes de marcos em esmeraldas"negras" saem de Bogot a caminho de Hong Kong, dos EUA, do Japoe da Suia. Quase todos os penduricalhos que vs ao peito,pescoo, orelhas e mos das mulheres, so roubados! Nove em cada

    dez pedras chegam ao reino da abundncia por canais pouco claros.E vm de um mundo mais parecido com um inferno! Quando vires ascidades mineiras de Muzo, Chivor e Cozques, para j no falar dohorror de Penasblancas, ento ters dado com a ltima grandeaventura do homem. E aqui, precisamente aqui, precisamos demdicos!

    No te sentes entusiasmado? Pensa bem, p. Para um homemcomo o "Otelo", seria um dever. Na linha da frente da condiohumana, onde humanidade uma palavra desconhecida. Aqui, ummdico cem vezes mais precioso do que um missionrio, que mesmoassim no h. Telefona-me. Teu amigo, Ewald."

    O Dr. Mohr leu a carta duas vezes, meteu-a na bata, acenou aAnni, deu-lhe o sobrescrito para o irmo mais novo e comeu

    pensativamente o pastel com queijo derretido.Bogot. A cordilheira. Mdico na selva, no fim do mundo. Ali

    na clnica de Hamburgo tinha um lugar seguro e razoavelmente bempago. Mas o Dr. Harrenbroich insinuara que em breve ia havermudanas. O mdico nmero dois da hierarquia ia ser professor emMarburgo. E dizia-se por todo o lado que o Dr. Peter Mohr seriapromovido. Nesse caso, a situao melhoraria: pareceres que davamdinheiro, doentes particulares, operaes que ento chefiaria,dividindo a remunerao com Harrenbroich (que tinha um enormeesprito de camaradagem, sem a mania das grandezas que vulgarnos superiores hierrquicos). Havia um ano que Mohr trabalhava nasua especializao sobre operaes a tumores com raios laser.

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    Tinha sua frente um futuro muito promissor. Alm disso, haviaGabrielle, uma jovem mdica francesa que fazia clnica geral emEppendorf. Uma mulher maravilhosa, de cabelo ruivo com ondas que

    lhe chegavam s ancas. Dizia-se na clnica que precisamentequarenta e oito mdicos andavam com febre desde que Gabrielleaparecera. At o chefe de ginecologia, o professor Neubruch,cara doente. No entanto, s um conseguira ainda acompanharGabrielle pera e lev-la depois ao Atlantic Bar: o Dr. PeterMohr, com os seus caracis negros como azeviche. Depois doterceiro encontro, Pierre (como Gabrielle lhe chamava desdeento) conhecera "todos os traos anatmicos da mdica maisbonita que alguma vez trabalhou na Clnica de Hamburgo...", comodissera o professor Neubruch, num ataque lrico.

    Bogot! Minas de esmeraldas. O ltimo "oeste selvagem" danossa terra. O mundo dos aventureiros. O eldorado dosfora-da-lei. Se para esta gente existia um santo, era um mdico.Santo Deus, que aventura!

    noite (em Bogot devia ser manh cedo), Peter Mohrtelefonou a Ewald Fachtmann.

    - Eu sabia! - berrou Fachtmann para o aparelho, a milharesde quilmetros de distncia. - Pit, eu sabia! C vai um abrao empensamento! Ests a ouvir o rdio? Desporto matinal. Tambm hc! Dobraaaaar joelhos... inspiraaaar profundamente... esticardepressa! Saltar! Soltar o ar... No dar traques, por favor! Esteexerccio estimula o intestino. - Riu com gosto. Tambm PeterMohr sorriu em Hamburgo, que a noite cobria. Vivia fora dacidade, numa casa de campo perto do Elba, onde no haviailuminao pblica. O caminho que levava casa era propriedade

    privada.- No mudaste nada, Ewald - disse. - Sempre a dizer o queno deves...

    - Foi por isso que me mandaram para Bogot! No a jogar aoberlinde que se vem c parar. Espera! - Fachtmann desligou ordio e regressou ao telefone. - Antes de desfiares o teu rosriode desvantagens, Pit, que j conheo de antemo, deixa-medizer-te que a Colmbia o pas onde o dinheiro cresce da terra.S preciso encontrar o lugar certo. Mas tens de renunciar achamar vida existncia que levas aqui! claro que se podetrabalhar tranquilamente, normalmente, como eu. Nesse aspecto, aColmbia no diferente dos outros pases em nada. O homemvulgar vive do seu salrio, na certeza de acabar numa cova de

    dois metros por um. De resto, os caixes so mais bonitos do quena Alemanha, todos enfeitados com entalhes. E por dois pesospodes contratar carpideiras que gritam por ti durante trs dias! o que queres?

    - Em breve serei o nmero dois. Cirurgio-chefe da clnica.- Era o que eu supunha! Pit... precisamos de ti aqui.- Eu sou cirurgio, Ewald, e no um Albert Schweitzer da

    selva.- precisamente de cirurgies que necessitamos! Qualquer

    enfermeiro pode distribuir comprimidos, mas operar j outrahistria! preciso saber para se extrair balas de todas aspartes do corpo possveis e imaginrias.

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    - Balas?- Na regio mineira, h mais balas de chumbo do que

    feijes-brancos na sopa! Mas existem tambm esmeraldas, por causa

    das quais famlias inteiras se exterminam mutuamente! Pit, no sepode contar tudo por telefone nem descrever por carta... seriamumas centenas de pginas. Vem ver com os teus olhos! Tens de ver!Dizem que no h no mundo nada parecido com o que se passa nacordilheira, em Muzo! E verdade! No presente! fenomenalexistir uma coisa assim no sculo vinte! No podes tirar frias,p? Uma licena sem vencimento de... digamos, dois anos?

    - Impossvel! Nessa altura j o lugar de mdico-chefe estarocupado. Alm disso, h uma Gabrielle...

    - Aqui h mil Gabrielles solta, muito mais bonitasdo que a tua.

    - Isso que no h. A Gabrielle a prpria perfeiofeminina.

    - Aqui existem madonas de tal forma impias que at ficas comos joelhos transformados em geleia. Pensa bem, Pit. No por causadas mulheres, mas por esta gente, os abandonados da sorte, queprecisam tanto dum mdico como de comida e gua. S tm duasesperanas, sobre as quais edificam a sua vida: a descoberta demuitas esmeraldas... a sobrevivncia. Telefona-me outra vezquando tiveres pensado bem no assunto. Adeus, Otelo!

    O Dr. Mohr andou sete dias a remoer a tentao de Bogot.Tentou esquec-la, passando todos os minutos livres comGabrielle. No sbado e no domingo, estando de folga, ficoupraticamente quarenta e oito horas na cama, levando Gabrielle acomentar, cheia de olheiras:

    - Mon cher, s um fenmeno do ponto de vista mdico. De ondete vir tanta produo de hormonas? Tens alguma fbrica no corpo?Todavia, nem a mais doce distraco o ajudou. A maldita voz

    de Mefistfeles de Ewald Fachtmann no o largava. Um exrcito deindividuos fora-de-lei, sem nenhum mdico. Gente margem dasociedade, inteiramente esquecida. No entanto, gente por cujasmos passavam milhes. Esmeraldas, as preciosas pedras de sedutorbrilho verde.

    Sis verdes, incrustados em ouro ou platina.Na segunda-feira, o Dr. Mohr foi ver esmeraldas a um dos

    maiores joalheiros. A melhor qualidade. Um quilate. Por montar. Opreo quase o fez cair.

    A cor mais pura que h. Um verde como um lago profundo de

    montanha. Uma preciosidade. Vinte e dois mil marcos por quilate.Na tera-feira, depois de sete horas de operaes, o Dr.

    Mohr teve uma longa conversa com o seu superior, enquanto fumavamum cigarro e bebiam um caf forte e bem preto, como o professorHarrenbroich gostava em dias assim. Enquanto mdico,desaconselhava vivamente aos seus doentes tais excitantescardacos.

    - H quanto tempo nos conhecemos, Peter? - perguntouHarrenbroich. - Quatro anos, no ? Isso d-me o direito de lhedizer que est doido varrido! Colmbia? ndios... Pippa?

    - ndios chibchas, senhor professor...- Tanto faz. E mineiros! O que me contou parece-se mais com

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    Hollywood! J no existem coisas dessas!- Em Muzo existem, s que no se sabe! Dos cumes da

    cordilheira no transvasa nada para o mundo exterior. No fazemos

    ideia do que se passa nos vales montanhosos, nas minasabandonadas, na floresta virgem e nos caminhos da selva. E, noentanto, estamos a falar de milhares de pessoas que valem menosdum dedal cheio de p de esmeraldas. A grande corrida ao ouro dosculo dezanove na Califrnia e no Alasca ainda uma realidadena Colmbia. E ningum sabe! No sculo dos computadores e daastronutica, da descida na Lua e das transmisses por satlite,ainda h pessoas que esgaravatam a terra de mos nuas, procurade pequenas pedras verdes. Uma pergunta, senhor professor: a suaesposa tem jias com esmeraldas?

    - Tem. - Harrenbroich aspirou o fumo do cigarro. - Brincos, um anel, um colar e uma gargantilha...

    - Provavelmente, todas roubadas na Colmbia...- No se faa engraado, Peter!- Claro que compradas honestamente ao ourives, que no faz a

    mnima ideia da maneira como as pedras chegam ao mercado. E omercado recebe-as dos exportadores, que raramente se conhecem. Sos testas-de-ferro. - Peter Mohr esmagou o cigarro no cinzeiroe bebeu o resto do caf diabolicamente forte. - Andei ainformar-me. Telefonei trs vezes ao meu amigo Ewald. Depois doterceiro telefonema, fiquei convencido: tenho de ir para Bogot!

    - O raio do seu sangue de aventureiro!- Talvez, senhor professor.- Sempre esperei que casasse com a Gabrielle e viesse a

    ser um grande cirurgio. Tem tudo ao seu alcance: a chefia, o

    lugar de professor catedrtico... Peter! Acha que vale osacrifcio?- No sei. Daqui a dois anos estou de volta.- Na qualidade de cadver mumificado ao sol.- Tambm posso ser mortalmente atropelado ao atravessar a

    rua. E a probabilidade maior aqui do que na Colmbia. Senhorprofessor, vou ser mdico dos abandonados da sorte. uma posioprivilegiada. Alm disso... estou entusiasmado!

    - isso mesmo, Peter. Os seus bichinhos-carpinteiros! Jque os conselhos no servem para nada, ento, por mim, voe lpara o inferno, se o que quer! Mas olhe que no possoguardar-lhe o segundo lugar durante dois anos.

    - Eu sei, senhor professor. - Mohr fez um sorriso

    encantador, que costumava derreter as enfermeiras e as mdicasumas a seguir s outras. - Talvez nessa altura o primeiro lugaresteja livre?

    Harrenbroich desatou a rir gargalhada. raro encontrar-seum professor catedrtico com sentido de humor...

    primeira vista, Bogot era uma desiluso.Quando o avio descreveu um grande arco sobre a cidade antes

    de aterrar no Aeroporto El Dorado, Peter Mohr pde confirmar oque alguns guias tursticos tinham escrito sobre a Colmbia: amoderna Bogot j no era nenhum sonho tropical sul-americano, esim uma cidade de beto com dezenas de milhar de janelas.Arranha-cus ao estilo americano, uma city com ruas de diverses

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    e de lojas como a Broadway, mas em ponto pequeno, um bairro dasgrandes firmas, escritrios e bancos. "Vivem aqui dois milhes esetecentas mil pessoas", pensou o Dr. Mohr. "Mais do dobro da

    populao de Hamburgo. E, no entanto, excepo dosarranha-cus, esta cidade um amontoado horrvel de casasmiserveis." Havia pouca coisa que valesse a pena ver: a famosacatedral de estilo espanhol antigo, o observatrio astronmicocom a sua brilhante cpula prateada, o complexo da novauniversidade com o parque e os repuxos, o sumptuoso Parlamento emestilo colonial, os jardins da Academia Militar, construda aojeito de todas as casernas.

    O avio passava agora muito baixo sobre a cidade, o quepermitiu a Mohr ver onde habitava a maioria dos cidados deBogot. Os mais pobres de entre os pobres alojavam-se nos morros,casebre sobre casebre, ligados por escadas, muitos andares porcima uns dos outros, com pequenas varandas e patamares. Umformigueiro de pessoas. Trmitas com corpo humano. Um milho demarginais, com quem ningum se preocupava. Ningum conhecia o seunmero exacto. Era um ir e vir, um morrer e nascer. Quem chegavados campos para a cidade, desaparecendo nos morros, subtraa-se atodo e qualquer reconhecimento e, portanto, no podia serregistado.

    Ewald Fachtmann esperava Peter Mohr saida do controlo depassaportes. Abraando o colega, apertou-o contra si e exclamou:

    - Bem-vindo Colmbia, p! Porreiro, vamos beber um copo!- No mudaste nada. - Mohr examinou o velho amigo dos tempos

    de Heidelberg. - Ests mais gordo, mas tudo. s casado?- Com esta oferta de mulheres com to boa vontade?! Por

    favor! Vais ver: olhas uma vez em volta e tens logo dezpenduradas nas calas! Isto fervilha de gente pobre dasmontanhas, que fareja imediatamente uma moeda de vinte pesosenquanto desabotoa a blusa. E se tem bom material l dentro! Asmulheres de Bogot so clebres pela sua beleza! - Examinando oDr. Mohr e acenando vrias vezes com a cabea, prosseguiu: -Ests com um ar mais srio. Um mdico estabelecido! Mas tens osmesmos caracis de sempre, que vo fazer-te cair nas boas graasdas meninas. Tens o aspecto de quem vai para uma regiosubdesenvolvida. Ha! Ha!

    Saram do aeroporto de brao dado. O carregador, um mestio,arrastava a mala de Mohr atrs deles. O carro de Fachtmann, umBuick branco, estava estacionado frente do aeroporto.

    - O ar leve - comentou Mohr. Fachtmann assentiu.- Bogot fica dois mil seiscentos e quarenta metros acima do

    nvel do mar. O clima sempre montanhoso mas, passado algumtempo, j nem se d por isso. E nunca faz aqui o calor sufocanteda cidade porturia de Barranquilla, por exemplo, onde nalgunsmeses tens de te habituar a temperaturas da ordem dos trinta equatro graus centgrados. Nem as noites trazem nenhum alivio,pois nesta altura a temperatura baixa o mximo at aos vinte equatro graus. Estamos bem melhor aqui. Como s novato, aoprincpio ainda podes ficar sem flego, sobretudo se fizeresalgum esforo excessivo, por exemplo na cama.

    - No sabes falar doutra coisa? - perguntou o Dr. Mohr.

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    - Meu querido Pit, para ns, europeus, h trs coisas naColmbia que preenchem os nossos dias: o dinheiro, a bebida e asmulheres. Vale para todos, at os santos, um dos quais acaba de

    aterrar; o doutor Peter Mohr. Com ele, assim: ajudar, deixar-seintrujar por bondade e generosidade e depois beber de mgoa. dizl, no funcionas assim?

    Atravessaram a cidade em ebulio, passaram por subrbiosconstrudos ainda segundo o antigo estilo espanhol, viram ascoloridas casas tpicas, entre as quais se erguiam casebres detbuas e chapa de alumnio ondulada, com telhados feitos de pedrae bides de gasolina, e chegaram cidade nova, orgulho daColmbia. Avenidas largas, parques, monumentos a herisnacionais, bancos instalados em palacetes, sedes de empresas comnomes internacionais.

    - Agora presta ateno! - disse Fachtmann. - Vamos passarpela Emerald Street. Bastante devagar, porque com este trnsitono possvel ir mais depressa. Olha bem em volta. - Virou paraa dita rua, que mal se distinguia das outras do quarteiro.Lojas, varandas de ferro forjado ou madeiras trabalhadas, taipaisde guas-furtadas, casas comerciais com toldos, aqui e ali umacasa novinha em folha, com letreiros de empresas feitos de latodum brilho ofuscante. Uma grande multido acotovelava-se nopasseio, junto do qual se via uma enorme fila de automveisestacionados, a maioria dos quais de marcas americanas oujaponesas.

    - O que que a Emerald Street tem de especial? - perguntouMohr. - No vejo nada de estranho.

    - Umas quantas figuras esfarrapadas e imundas?

    - Sim.- Uns quantos homens parados porta das casas?- O que que tem?!- Observa melhor esses bandidos! Todos tm casacos dobrados

    debaixo do brao. Com pistolas l dentro, aposto! A EmeraldStreet o centro do comrcio ilegal de esmeraldas. Esses tiposandrajosos e desidratados vm das montanhas. Andam com umafortuna atada nos lenos de bolso. Pedrinhas verdes e brilhantes.E os que andam por a ao p das portas so os receptadores, quetentam apanh-los para lhes comprar as pedras, cumprindo asordens dos chefes, que nunca vemos e cujos nomes desconhecemoscompletamente. Se resolveres vir fazer turismo para aqui noite,tens todas as hipteses de acabar no dia seguinte amortalhado na

    capela de algum hospital, por entre velas grossas. Aqui, todas asnoites h tiroteio! E no te serve de nada teres uma braadeirada Cruz Vermelha e um letreiro na barriga a dizer "Mdico".

    Deixando a Emerald Street, viraram na direco dauniversidade, onde ficava o bairro novo, cheio de jardinstropicais, no qual Ewald Fachtmann alugara uma vivenda branca.Tinha trs empregados permanentes; um criado de dentro, umcozinheiro e um jardineiro. A empresa pagava tudo.

    - O meu pessoal todo de bandidos despedidos - riu. - Noolhes para mim com esse ar de espanto: so os mais fiis! Sou oseu novo hoss, por quem at se deixam esquartejar. amentalidade gregria: o chefe tem sempre razo. E uma coisa de

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    que no podes esquecer-te, Otelo: tens de ser sempre o chefe! mais pequena fraqueza... mais vale rezar-te um pai-nosso! -Fachtmann parou em frente de um bar de estilo colonial e travou a

    fundo, levantando um redemoinho de p. Dois empregadosprecipitaram-se para fora do restaurante. - Vs, conhecem-me spelos traves. Esto dispostos a fazer seja o que for.

    - E achas bem? - inquiriu o Dr. Mohr.- Isso mesmo pergunta duma pessoa a quem impingem todos os

    dias uma data de chaves democrticos e socialistas! - Fachtmannsaiu do carro. Os dois empregados fizeram uma vnia, como numteatro barato. - Otelo, anda! Vamos beber um copo ao nossoreencontro! O Roberto tem o melhor vinho destes lados e umasobrinha em cujo peito at podes partir nozes! Seis anos... temosde festejar! So s uns metros at casa. E o polcia responsvelno v nada. Dou-lhe todas as plulas anticoncepcionais que memandam. O rapaz comeou com elas um negcio muito prspero.

    Dali a pouco, sentaram-se no ptio interior, um jardim depalmeiras, em cadeiras de verga fundas, confortveis ealmofadadas, bebendo vinho fresco, comendo uma tortilha comtomates e azeitonas e admirando a senhorita Pepita, a sobrinhados seios de ferro. Envergando um vestido folclrico espanholmuito decotado, que deixava adivinhar tudo, lanou ao Dr. Mohr umolhar ardente, serviu o vinho, palrou um pouco e foi-se embora asaracotear.

    - J est! - observou Fachtmann com um ar de especialista. -Otelo, tambm te sais muito bem! Mas voltemos a Emerald Street.Vai ser ela o teu destino. Como j te expliquei por telefone, umavez que no vais para Penasblancas, a povoao mais brutal mas

    mais rica em esmeraldas, na qualidade de usurrio profissional...o que quer dizer que provavelmente ters de passar por barragenspoliciais, controlos militares e tropas de proteco dosprospectores... e sim para ajudar oficialmente a gente aliesquecida, como mdico muito desejado, precisas de intercesso deDon Alfonso Camargo.

    -Quem ?- Deus em pessoa. O grande boss desconhecido, por cuja

    secretria passam aproximadamente dois teros de todas asesmeraldas roubadas, contrabandeadas e prospectadas ilegalmente.Se Don Alfonso disser si, passas a andar com uma aurola desanto, mas se disser no, O melhor reservares logo um lugar nocemitrio. O grande desconhecido manda em tudo.

    - E tu conhece-lo?- No pessoalmente! Quem que j viu Don Alfonso em carne e

    osso? Desconfio que nem a famlia sabe que ele Don Alfonso, ede certeza que as amantes o tratam por tesorito e nunca Alfonso. verdade, como que vai o teu espanhol? Dantes falavas bastantebem. O que quer dizer tesorito?

    - Tesourinho.- Bravo! - Fachtmann bateu palmas. - Depois de amanh, vais

    falar com o Alfonso na Emerald Street. O facto de ele te deixarentrar no escritrio uma distino to grande como se teespetasse uma medalha no peito. Queres saber de onde conheo DonAlfonso? Tem relaes comerciais com os nossos laboratrios.

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    Compra anualmente cerca de trs milhes de medicamentos,desinfectantes e material de primeiros socorros. Sobretudoantibiticos. Na regio mineira, o clima ... Eh p! E higiene

    palavra que deve pertencer linguagem lunar. Quando insinuei aoAlfonso que havia um mdico alemo, um idealista idiota, dispostoa ir viver entre os prospectores em determinadas condies,mostrou-se muito interessado.

    - O que so determinadas condies? - perguntouprudentemente o Dr. Mohr. A Colmbia comeava a mostrar-se talcomo tinha esperado. A aventura comeava logo no bar de Roberto.

    - Alm do salrio de mdico, uma parte das esmeraldas queencontrares. Propus cinquenta, cinquenta!

    - Ewald, eu sou mdico e no prospector de esmeraldas.- Vai ser uma consequncia natural. Mas intil discutir o

    assunto agora. Vais rastejar automaticamente pelas galerias eficar fascinado com as pedras verdes. Quanto a mim, rendi-me aelas. Don Alfonso concordou com cinquenta, cinquenta.

    - E tambm me paga um ordenado de mdico?- S como mecenas! Quem te emprega o Ministrio da Sade.

    Mas o salrio pago pelo Estado to miservel que at hojenenhum mdico foi para a cordilheira. coisa que s osidealistas alemes ou suos fazem. Don Alfonso acrescenta-lheclandestinamente umas centenas de pesos... os cinquenta porcento em direitos de prospeco! Podes vir a ser milionrio, Pit!Sabes como que se chamam os prospectores?- Gunqueros.

    - Cada vez melhor, p.- Nos ltimos dias, li tudo o que se sabe sobre as minas

    colombianas. E pouco, mas li que esto fechadas desde milnovecentos e setenta e quatro e que so guardadas por trsbatalhes.

    - Eu escrevi-te a dizer isso, Otelo!- Mas eu no acreditei que fosse possvel que no nosso

    sculo se andasse a pesquisar pedras preciosas de revlver namo.

    - Isso ainda o menos. - Fachtmann acabou de beber o vinho.- Em Penasblancas, h gente que parece gente mas que temmentalidade de predador. O local de trabalho ideal para ti.

    - E o que ganhas tu com isto, Ewald? - Era a pergunta pelaqual ambos esperavam desde o princpio. Fachtmann riu, um tantoincomodado.

    - Quando fores milionrio, espero que alguns trocados caiamno meu porta-moedas, agora completamente vazio. Sei que muitoreles: tu chafurdas no trabalho e eu estendo a mo. Mas admiteque te proporcionei uma oportunidade de viveres uma grandeaventura. Quanto a mim, e no tenho vergonha de o dizer, soumuito cobarde para este tipo de trabalho! uma coisa para homenscomo tu. Alm disso, s mdico, e isso l assim uma espcie decolete prova de bala.

    O edificio de escritrios de Don Alfonso Camargo era umprdio novo na Emerald Street, revestido a mrmore, com arcondicionado e um porteiro entrada mais parecido com um guarda

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    prisional. Estava sentado numa cabina blindada e com vidros prova de bala, rodeado de alavancas e botes com luzinhasvermelhas ou verdes, provavelmente capazes de desencadear uma

    guerra electrnica em caso de necessidade.frente de umabarreira, encontrava-se um microfone. Cada visitante tinha de se

    identificar e dizer o que queria ao microfone, pois no seentrava na cabina do porteiro.

    Fachtmann deixara o Dr. Mohr entrada do edificio,desejando-lhe que "partisse uma perna e o pescoo". Tinhamcombinado encontrar-se depois num caf da Rambla.

    O porteiro examinou o Dr. Mohr dos ps cabea. Depois,ouviu-se uma voz saida dum altifalante do tecto:

    - Americano, sir?- No! - disse Mohr para o microfone.- Ingls? Francs?- Tambm no. Alemo!- Obrigado. - O porteiro estudou uma lista que tinha

    frente. At ali falara ingls, mas mudou para espanhol. - odoutor Peter Mohr, de Hamburgo?

    - Sou.- V pela porta de vidro at ao elevador nmero trs e suba

    ao nono andar. Espere a pela Senhorita Teresa.- Vou tentar lembrar-me de tudo - disse Mohr um tanto

    sarcasticamente. - No passo pelos raios X?- O senhor no, Don Pedro."Ah, pois", pensou Mohr. "Agora chamo-me Pedro, e no Peter.

    Don Pedro." A porta de vidro rangeu baixinho quando a empurrou;depois, entrou no ascensor nmero trs, premiu o boto com o

    algarismo 9 e comeou a subir suavemente. Quando a porta voltou aabrir-se, esperava-o uma senhorita bonita, de olhos negros, quelhe sorriu angelicamente. "Precisamente como em todas as grandesempresas", pensou Mohr. "A secretria espera da visita dochefe. Nada aqui faz suspeitar que o sangue lava alguns milhesde marcos em esmeraldas."

    A Senhorita Teresa conduziu o Dr. Mohr a uma diviso commveis antigos de estilo espanhol, poltronas altas e um quadroenorme na parede, representando a conquista da Colmbia pelosEspanhis. Cavaleiros de armadura lanavam-se sobre os selvagens.Numa colina, um bispo erguia a cruz sobre o morticnio. Acivilizao chegava Amrica do Sul... O Dr. Mohr sentou-se,sentindo uma grande repulsa. A Senhorita Teresa deixara-o

    sozinho.De repente, estremeceu. Da parede surgiu uma voz sonora,

    praticamente sem distores. Ntida, agradvel, de bartono.- Saudaes, doutor Mohr! - cumprimentou a voz. - Percebe

    bem espanhol ou prefere que fale em alemo?- Pode ser em espanhol, que ser provavelmente a

    minha lngua nos prximos tempos. - Permaneceu sentado, sem sedar ao trabalho de tentar descobrir o altifalante. - Obrigadopelas boas-vindas, Don Alfonso.

    - O doutor Fachtmann no me fez grandes promessas. Masparece que o senhor um homem a quem se pode confiar uma vida emPenasblancas.

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    "Aha!", pensou o Dr. Mohr. "Tambm h por aqui cmarasescondidas. Ele est a observar-me. O Ewald no mentiu nemexagerou: ningum conhece Alfonso Camargo, mas ele conhece toda a

    gente, no fundo servindo-se dum truque bem conhecido."- Bem, ainda no decidi - respondeu o Dr. Mohr. - Em resumo:no me interessam os pesos. Perteno a uma famlia de posses.Tambm no me interessam os cinquenta por cento dos lucros daprospeco, porque so demasiadamente irreais. Quero ir para asminas como mdico, no gunquero! E na qualidade de mdico queponho condies antes de partir.

    - Estou a ouvir - retorquiu a voz de Don Alfonso. - Emprincpio, sou sempre contra os estranhos que metem o nariz ondeno so chamados. J temos problemas que cheguem nas minas, e umestrangeiro representa sempre um inimigo! O senhor quer prcondies... eu tambm! Pretendo que, sobretudo em Penasblancas,as coisas tomem outro rumo entre os pesquisadores, e o senhorparece-me ser o homem certo para isso. Os gunqueros no tm muitacabea. Creio que percebe o que quero dizer. So como selvagens,mas se os organizarmos bem, podem render muito mais! Daqui, impossvel fazer seja o que for. Sete... digamos... inspectoresque mandei para Muzo foram simplesmente abatidos a tiro. Mas osenhor, como mdico, no tardar a ter poder sobre essa gente, oque lhe permitir introduzir algumas reformas.

    - Por outras palavras: devo ser mdico e seu lugar-tenenteem Penasblancas. Ou seja, seu pau-mandado, dependente da suavontade e do que lhe der na gana.

    - Don Pedro, noto uma certa ironia na sua voz. As suascondies?

    - Toda a liberdade para exercer a minha profisso de mdico.Todos os medicamentos de que precisar.- O seu amigo Don Ewald fornece-lhos...- Instalaes prprias para operaes. A construo de um

    hospital que possibilite tratamentos no local. Toda a protecopossvel.

    - O novo Albert Schweitzer da cordilheira! Mais algumacoisa, Don Pedro?

    - No! o suficiente para poder cumprir o meu dever.- O seu dever. - A voz de Don Alfonso tornou-se mais sria.

    - No se mostre to valente nem defenda tanto o espritoreformista alemo! Cumpra o seu dever, mas oua a minha sugesto:arranje uma tropa de elite de gunqueros que proteja bem as minas.

    E no faa um ar de desdm quando vir esmeraldas. Vai ver quemuda quando tiver pela primeira vez mil marcos em pedrinhasverdes na mo. Sei que vamos entender-nos. Compre todo oequipamento de que precisar. O pagamento por minha conta.Mantenha-se em contacto comigo em Penasblancas atravs do meucapataz, Christus Revaila. Don Pedro, devamos ser verdadeirosscios. Permita-se caminhos mais sinuosos e no arranje nenhumacruz para a sua campa.

    - Sou apenas mdico, Don Alfonso!- Apenas mdico! - Camargo riu com gosto. - Quantas camas

    tinha em Hamburgo?- Em Cirurgia Um, trezentas e quarenta.

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    - Acertou no algarismo trs. Esperam-no nas montanhas trintamil abandonados da lei! O senhor ser o nico mdico de trintamil pessoas!

    O Dr. Mohr fez que sim com a cabea, mas sentiu um arrepiode frio nas costas. Existe um limite a partir do qual at a maioraventura uma verdadeira loucura.

    E o limite era aquele.

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    Ewald Fachtmann esperava impacientemente pelo Dr. Mohr na

    sua casa branca, de estilo colonial. Peter faltara ao encontro nocaf da Rambla. Fachtmann esperara mais de uma hora. Depois,inquieto, percorrera de carro a Emerald Street de um lado para ooutro e at estacionara discretamente em frente do edificio deescritrios de Don Alfonso, observando a entrada... mas o Dr.Mohr no aparecera.

    Fachtmann ficara preocupado, fora para casa e comeara abeber dois gigantescos usques. Havia duas possibilidades: sePeter procedera insensatamente e fora liquidado a sangue-friopelos guarda-costas de Camargo, nunca mais ningum voltaria av-lo. Nem valia a pena alertar a Policia ou a Embaixada alem.Alfonso Camargo tinha tanto nome entre o Governo e a Polcia,ministros e generais, que quem tentasse denunci-lo sconseguiria cair no ridculo. Algum que mesmo assim insistisse econtinuasse a afirmar que Don Alfonso era o maior bandido daColmbia e um dos mais perigosos gangsters, com um exrcito deassassinos altamente treinados, podia contar com a expulso oucom tantas dificuldades e entraves que acabaria por deixar o pasde motu proprio.

    A segunda possibilidade para a falta de pontualidade dePeter era a conversa ter-se tornado to interessanteque o precioso tempo de Don Alfonso deixara, de repente, de serimportante. No entanto, esta hiptese parecia altamenteimprovvel. Quem conhecia Camargo, sabia que este tomava as suasdecises com rapidez e preciso, sem discusses e sem perder

    tempo com contra-argumentaes.Ewald Fachtmann serviu-se generosamente de outro usque efoi instalar-se no terrao apoiado em pilares de madeiraentalhada, contemplando tristemente o jardim cuidado esentindo-se perfeitamente impotente. No faria qualquer sentidotelefonar a Don Alfonso. No passaria do porteiro ou, na melhordas hipteses, da Senhorita Teresa. Mas nunca alm.

    Decorridas trs horas, durante as quais Fachtmann percorreutrinta infernos cheios de autocensuras, ouviu chiar os traves deum txi. O moo de recados da casa abriu a porta e o Dr. Mohrgalgou alegremente os trs degraus at entrada.

    - Nunca mais! - exclamou Fachtmann em voz alta, pegando nagarrafa de usque. - Nunca mais quero nada contigo! Ia morrendo!

    - Agitou a garrafa. - E o quarto...- A quarta garrafa? - Arrebatando-a da mo de Fachtmann, o

    Dr. Mohr apontou o gargalo directamente boca e bebeu um longotrago. - Ewald! O fgado! O fgadozinho! - Pousando a garrafanuma mesinha: - Pareces muito perturbado, p. O que tens?

    - Meu Deus, ainda perguntas? - Fachtmann avanou para oterrao e atirou-se para uma grande cadeira de verga. - No spor Bogot ficar quase dois mil e setecentos metros acima donvel do mar e o ar ser rarefeito e o sangue ferver... a maispequena agitao leva ao ataque cardaco. Otelo, estive muitoperto. Trs horas com Don Alfonso! Nunca sequer um ministro oconseguiu.

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    - Mas preciso dar tempo a um simples mdico.- Estou sem fala! Viste o Camargo?- No. S o ouvi. Uma voz simptica de bartono.

    - Que pode dizer: liquidar!... e logo acontece umfogo-de-artificio. A vida humana no tem muita importncia paraesse bartono to simptico.

    - Mas a nossa conversa no teve a ver com liquidar, e sim ocontrrio.

    - Otelo, deixa-te de charadas!- Don Alfonso quer salvar vidas.Fachtmann inclinou-se para a frente e alisou o cabelo.- Diz l isso outra vez... parece que fiquei surdo.- Sabias que nas regies mineiras, apesar dos trs batalhes

    militares e da Polcia, vegetam mais de trinta mil gunqueros?- Sabia... - Fachtmann ergueu um olhar inocente para o cu

    azul-plido.- No queria assustar-te antes de tempo.- Patife!- Dos trinta mil, vinte e nove mil novecentos e noventa e

    nove e meio so potenciais assassinos...- Quem o meio?- Um homem s com um brao e um olho...- O Camargo quer construir um hospital - disse o Dr. Mohr em

    resposta a este chiste sanguinrio.Fachtmann fitou-o de olhos esbugalhados.- Tu falaste mesmo com Don Alfonso? Tens a certeza?- um gajo esperto. E raciocina assim: quanto mais

    gunqueros forem dizimados pela febre, doena e desavenas mtuas,

    menos esmeraldas sero encontradas. O potencial de prospectoresilegais tem de ser constantemente alimentado. Mas sabe-se l comque tipo de gente? Os que j l esto so conhecidos. Portanto,no interesse do fluxo constante de esmeraldas para os cofres doCamargo, convm no s manter a fora de trabalho dos gunqueros,como tambm estimul-la, promov-la e at proteg-la fisicamente.

    - Foi ele que te disse isso?- E parece-me evidente.- O doutor Peter Mohr, o Albert Schweitzer de Penasblancas.- Don Alfonso tambm disse precisamente isso. Quer fundar um

    hospital para tratar pelo menos os casos mais complicados.- Que devem ser ferimentos de balas. Ou membros

    despedaados. Os machados so muito procurados para ajudar s

    discusses. E no te esqueas das facas! H l verdadeirosartistas, capazes de lanar uma faca duma grande distnciadireitinha s costas ou ao corao.

    - Mas tambm existem infeces e doenas horrveis.Acidentes com esmagamentos... e sfilis!

    - Tambm. H muito a fazer.- Acredito, meu idiota incurvel! - Embora estivesse a falar

    alemo, Fachtmann esperou que o criado acabasse de servir osbolos e o ch, refrescos e um grande cesto com frutos exticos esasse. Um nico mdico para trinta mil pessoas!

    - Quem que me atraiu para a Colmbia com um monte decartas muito dramticas? Quem que escreveu: "Precisamos de ti.

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    Uma parte da humanidade apodrece aqui sem qualquer ajuda!Espera-te uma misso de mdico como nunca ters outra igual"?Quem que disse isto?! E agora sou um idiota?!

    Fachtmann assentiu vrias vezes, bebeu um gole de ch emastigou o seu bolinho de manteiga como se fosse borracha.- De repente, a nossa prpria coragem pode fazer-nos medo,

    Otelo! verdade que te enchi de entusiasmoe que a Colmbia um pas onde se pode viver... caso setenha dinheiro e se viva em Bogot. No interior, no entanto,ainda vigora a lei dos bandidos. O assalto nas ruas quase um delito de cavalheiros. Mas quem anda nas estradas temsempre uma metralhadora pronta a disparar ao lado do volante. Htroos que at os camionistas experientes s percorrem emcaravana. Alm disso, nunca acreditei que os pesquisadores deesmeraldas representassem para ti mais do que uma simplesaventura.

    - O hospital de Penasblancas interessa-me - disse o Dr. Mohrpensativamente.

    - Peter! - Fachtmann fitou Mohr com um olhar pasmado. -Aceitaste a proposta de Don Alfonso?

    - Com determinadas condies.- Tu puseste condies? Ao Camargo?! - Fachtmann ergueu o

    olhar para o tecto e esticou os braos: - No! O cu no est acair! Deve ser verdade.

    - Vou ter tudo aquilo de que precisar - continuou o Dr.Mohr. - Mas s o posso determinar no local. E quero faz-lo sementraves. Por isso, vou comear por ir a Penasblancas no comomdico mas na qualidade de novo gunquero. Quero situar-me. Talvez

    construa o hospital em Muzo ou Chivor, quem sabe? Em todo o caso,onde fique mais central e seja mais necessrio.- Em Penasblancas, portanto. Digo-te isto pensando nos

    tiroteios de ambos os lados... E Hamburgo? S tiraste trs mesesde licena sem vencimento.

    - Vou escrever ao professor Harrenbroich, expondo-lhe asituao.

    - E a Gabrielle?- Vou pedir-lhe desculpa...- O honesto de Penasblancas! Otelo, tenho de beber mais um

    copo.- A partir de agora, chamo-me Pedro Morero.- Como?

    - Pedro Morero.- Doutor no?- No na primeira viagem s minas.- Nem penses! - Fachtmann deu um salto. - Peter, no vou

    permitir! verdade que fui eu que te atrapara c mas, por trs da aventura, estava o pensamento de queirias at aos gunqueros na condio de mdico. No te esqueas doque te disse: no existe para ti melhor proteco do queanunciares aos quatro ventos que s mdico! como um colete prova de bala!

    - Est bem, mas comeo pela aventura e, mais tarde,transformo-me em mdico.

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    - J no ters tempo para isso. Alis, nem sequer vais paraPenasblancas. - Fachtmann engoliu o seu usque. A mo tremia-lhe.- Porque que o Camargo no construiu j um hospital, se quer

    apaparicar tanto os pesquisadores?- Porque no arranjou mdicos. - Bebendo um gole de chquente, que sabia a flores exticas e tinha um travo de jasmim: -Tinham medo.

    Uma semana mais tarde, o Dr. Mohr, agora Pedro Morero,iniciou a sua viagem em direco cordilheira. Sozinho. EwaldFachtmann, que passara trs dias a remoer se devia acompanhar oamigo, acabou por capitular.

    - a minha cobardia - anunciou em voz sria. - J te disse,Otelo. Falar muito no o mesmo que ter muita coragem. Almdisso, tenho o meu trabalho nos Laboratrios Farmacuticos H.Strothfeld. Estou satisfeito por ter conseguido este lugar dedirector, onde sou o meu prprio patro.

    O Dr. Mohr comprara nos armazns militares colombianos umvelho jipe americano, que mandara pintar. Escolhera uma corcastanha de terra. Saindo de Bogot, parou ao lado de uma encostacoberta de vegetao e afastou-se um pouco. Dez passos frente,o jipe j no era reconhecvel, pois que se misturava com apaisagem. Fachtmann, que o acompanhara, abanou a cabea.

    - No penses que os mineiros so cretinos - observou. -Reconhecem uma cobra mesmo quando ela est quieta e parece mesmouma liana. Alm disso, se apareces de jipe, levantas logosuspeitas. Um verdadeiro gunquero anda de bicicleta, a p, nomelhor dos casos de mula, e na primeira estao, quando l chega,

    toma a camioneta. Mas nem a est seguro. So tantos, tantos, quenem podem mexer-se. chegada a Bogot, j aconteceu algum cairde repente quando a multido se dispersou... mortinho da silva.Uma punhalada nas costas, acima da primeira vrtebra. Morte certae instantnea. Evidentemente que o homem no tinha o leno atadocom as esmeraldas, produto de talvez meio ano de trabalhosforados.

    No entanto, Mohr no se deixou convencer a no seguir dejipe e tratou de reunir o equipamento que levaria consigo: umatenda, um fogo a gs com a respectiva botija, um par de botas dereserva, dois grandes chapus de palha, algumas camisas, umagrande mala de metal, que encheu com medicamentos, ligaduras eampolas de primeira necessidade, e um estojo de cirurgia como os

    que havia nas ambulncias alems. As contas, mandou-as a DonAlfonso.

    Um dia antes da partida, um taxista levou um embrulho a casade Fachtmann, dizendo que um desconhecido o encarregara de oentregar naquele endereo. A viagem estava paga. Bem paga. Otaxista sorriu de satisfao e foi-se embora. Fachtmanntransportou o embrulho para dentro de casa como se fosse umabomba.

    - Para ti, Otelo. - Pousando o embrulho na borda da piscina:- Podemos atir-lo gua ou arremess-lo para o jardim, ao arlivre...

    O Dr. Mohr saiu da piscina e sentou-se ao lado do embrulho.

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    dilaceraram-nos por completo.- Meu Deus, o que pode uma pessoa contra isto? - comentou o

    Dr. Mohr em voz rouca. - Onde e como pode um mdico ajudar?

    Mas agora j estava. Chegara o dia X, como se diria emtermos militares.

    O Dr. Mohr sentou-se no jipe, com a pasta mortal ao lado. Nomanpulo da porta, encontrava-se uma espingarda automtica,pronta a disparar. Tinha volta das ancas um cinto de courodecorado com pregos de metal cowboy de Ilollywood, de ondependiam uma faca de dois gumes e um coldre aberto com umrevlver.

    - Um revlver melhor do que uma pistola - dissera onegociante de armas. - As pistolas tm normalmente atravancos,mas os revlveres esto sempre prontos!

    At isto Don Alfonso conseguira atravs da sua rede deconhecimentos: o Dr. Mohr podia comprar armas legalmente. Umoficial da Polcia levara-lhe voluntariamente uma licena deporte de armas a casa de Fachtmann, e o Hospital Estatal deBogot fornecera-lhe uma bandeira da Cruz Vermelha, que estenderapor cima do radiador do jipe. Mas s at chegar estrada porMuzo. A partir da, tencionava enrolar a bandeira e seguir viagemna cordilheira como Pedro Morero.

    A despedida do amigo Ewald foi breve. Apertaram as mos,Mohr ps o motor a trabalhar e Fachtmann ainda correu uns metrosao seu lado, enquanto o jipe ainda s rolava.

    - No me rogues pragas! - exclamou, dando uma palmada nascostas de Mohr. - E quando puderes, d notcias. No h nenhuma

    estao de correio em Penasblancas. Quem havia de mandar postaisde l? Alm disso, SO quase todos analfabetos. Otelo, se viresalguma moa bonita em Penasblancas, no te esqueas de levarsempre o revlver engatilhado para a cama! E ainda uma...

    Mohr acelerou e o motor do velho jipe cortou as frasesseguintes. Fachtmann ainda continuou a falar e parou sozinho naestrada, observando o veculo que seguia aos solavancos.Precisava de falar, descomprimir, soltar a opresso que sentia nopeito.

    - V se voltas, Otelo - disse por fim. O jipe dobrou aesquina e desapareceu. - Volta com os dois braos e as duaspernas.

    A estrada para Muzo, a "Cidade das Esmeraldas", bastanterazovel e muito segura ainda ao longo duns quilmetros depois dasada de Bogot. Autocarros ligam a capital com os subrbios, nosquais habitam sobretudo os trabalhadores das indstriaspetrolferas. Desde que se descobriram grandes jazidas depetrleo na Colmbia, levando riqueza lendria duma minoria dapopulao, alguns bairros degradados foram demolidos esubstituidos por habitaes econmicas, construdos segundo omodelo americano. Colmeias gigantescas, nas quais as pessoasvivem como insectos sobredimensionados, suspirando pelos seuscasebres de pedra e barro, com telhados de lata feitos de barrisvelhos de gasolina, onde tinham as suas galinhas, cabras, coelhos

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    e ratazanas. que as ratazanas tambm podem comer-se. Os peritosem alimentao da ONU afirmam que a carne das ratazanas tem omesmo valor alimentar da carne de vaca, mas menor teor em

    gordura. Muito boa para um nvel de colesterol razovel.Recomendam tambm a carne de macaco e de cobra, que dizem sercomestvel e saudvel. Uma proclamao aos esfomeados do TerceiroMundo. Uma contribuio do mundo civilizado, atravs da ONU.

    No stio onde a estrada para Muzo acaba e segue por umatpica pista sul-americana, atravessando florestas e montes, nolocal onde deixa de haver paragens de camionetas desde que Muzo uma cidade morta, habitada apenas por aventureiros, militares epolcia, com salas de jogo e bordis, centro de transbordo docomrcio ilegal das pedrinhas verdes, no ponto, portanto, ondecomea o "caminho sangrento para os sis verdes", encontrava-seum homem na berma da estrada, o qual levantou o polegar boamaneira internacional logo que o jipe do Dr. Mohr apareceu nadistncia.

    Mohr j tirara a bandeira da Cruz Vermelha. Examinandopensativamente a figura que pedia boleia na estrada, puxou maispara a barriga o coldre aberto do revlver, pronto a empunhar, etravou. O homem tinha um aspecto descuidado. A barba pretatapava-lhe o rosto. O corpo magro, mas no franzino, antesrazoavelmente musculoso, adivinhava-se-lhe por baixo de um fatode linho velhssimo, manchado e muito remendado, que j forabranco mas que agora era cinzento. Tinha um leno atado aopescoo e a cabea tapada pelo tpico chapu de abas, de palha,tambm ele rasgado em vrios stios. Um saco verde de marinheiroe uma antiga sacola militar de lona a tiracolo eram a nica

    bagagem da aventureira apario.O homem avanou para o jipe, encostou-se ao radiador eobservou Mohr com um sorriso aberto.

    - Porque que parou? - perguntou.- Porque no? Estava a pedir boleia.- J h trs horas. At agora, ningum parou. Houve mesmo um

    condutor que disparou ao passar por mim. Assim mesmo. Mas dificil fazer pontaria a alta velocidade. - Lanando um olhar cintura de Mohr e rindo ainda mais, acrescentou: - Pronto adisparar tambm, no? Tem a um bom brinquedo. Novinho emfolha!... D-me boleia?

    - Para onde? - perguntou o Dr. Mohr com um ar reservado.- Para onde vai?

    O homem deu a volta ao jipe, sentou-se no banco dopassageiro e bateu com a mo na espingarda automtica.

    - Boa arma! - comentou. - Mas fraca quando h humidade. Temde estar sempre seca. Mas para onde quer ir h muita gua.Riachos de montanha, florestas das chuvas, cavernas alagadas...

    - Para onde que eu quero ir? - inquiriu Mohrlaconicamente.

    - Para onde queremos todos, camarada. - O homem estendeu amo. No tinha as mos sujas e calejadas, mas antes bem tratadase macias, o que era surpreendente. - Chamo-me Cristobal Montero.

    -Pedro Morero.- Que coincidncia! - riu o barbudo. - Morero... Montero!

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    Devamos dar-nos bem! Creio que no vai para Muzo, e sim paraPenasblancas. D-me boleia?

    - Se j est sentado ao meu lado...

    - Mas pode correr-me a tiro! E eu no lhe respondo, vistoque no estou armado.- E quer ir para Penasblancas? Anda por a ao sabor da

    aventura?- No propriamente!... Sou padre.- Bravo! - Rindo alto, o Dr. Mohr apertou com fora a mo

    estendida e sentiu-se tentado a revelar a sua identidade. Masafastou a ideia no ltimo momento. "No, continua a ser o quequeres ser: Pedro Morero, um caador de fortunas, um aventureiro,um futuro gunquero. Ningum v em ti um alemo. O teu espanhol bom. Mergulha de cabea no mundo desconhecido, na ltima grandeaventura desta terra." - Um padre!

    - Da ordem da "Coroa de Espinhos Verdejante".- Bem vai precisar deles, Don Montero. Quer ser um mrtir,

    padre? - Apontando para o saco de marinheiro que ficara na bermada estrada: - Saia do carro e faa como o seu saco: fique emterra!

    - E a si? - O padre Cristobal recostou-se no assento de aodo jipe. - Que devo aconselhar-lhe? O regresso cama duma lindasenhorita?

    - Ui! Isso so modos de um padre falar?!- Tambm conhecemos o mundo. - O padre fitou Mohr com um ar

    srio: - Voc no pesquisador de esmeraldas...- Meu Deus, mas como que isso se v?!- Ainda traz muita civilizao colada ao corpo! Mas isso

    passa depressa! O que o leva a Penasblancas?- Esmeraldas! Admito que sou um principiante, mas tenhomuitas hipteses nas minas abandonadas.

    - Isso o que dizem todos. Em pouco tempo, no passam deratazanas.

    - Eu sou gelogo. Tenho um alvo.- Os outros tambm. Para onde apontam revlveres, armas,

    facas e machados.- E o senhor, padreco esperto? - inquiriu Mohr de um modo

    quase grosseiro. - Quando erguer a cruz pela primeira vez, serpara os outros como um sinal: Fogo! Eles executam-no logo, padre.

    - um engano! H crimes todos os dias nos desfiladeiros dasmontanhas, florestas, torrentes e cavernas, estradas e bares. E

    ento acontece um milagre: aparece algum que pousa um crucifixono peito dos mortos e lhes ergue uma cruz em cima das campas.Pode ser uma cruz torta de madeira podre, mas uma cruz! - Opadre Cristobal levantou-se, foi buscar o saco de lona, atirou-opara cima do estojo mdico de alumnio de Mohr e voltou asentar-se. - Toca a andar, Pedro Morero! Estou contente por tersido voc a parar. Desconfio que precisa de mim!

    - H muito que me afastei da igreja, padre! - resmungouMohr. - Deixei de acreditar nos sermes.

    - E com razo, Pedro. dificil pregar na qualidade desaciado entre os saciados. Mas para onde vamos agora h homenscom fome, tanto fisica como espiritual, e, embora nunca o digam,

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    Deus est perto deles.- No homicdio...- Seja! Acreditam em Deus, porque a sua vida breve e corre

    perigo diariamente.Mohr assentiu. "Ele tem razo", pensou. " por isso quetambm vou para l. Um padre e um mdico tm muito em comum.Quase toda a gente precisa dum ou doutro pelo menos uma vez navida... mas so poucos os que agradecem."

    - Estou convencido - disse, pondo-se a caminho. - Almdisso, sempre melhor quatro olhos observando a estrada. Sabeatirar?

    - Treinei-me com cartas de jogar.- Cartas de jogar?- Lanando uma para o ar e disparando. Se o orificio ficar

    no meio da carta, porque se sabe atirar.- Extraordinrio! Estou a ficar com uma ideia completamente

    diferente da Igreja.- Pare!Mohr travou tanto a fundo que a cabea lhe voou para a

    frente.-O que foi, padre?- Nada. - Cristobal Montero estendeu novamente a mo a Mohr.

    - Vamos tratar-nos por tu. Chama-me s Cris.- Pedro ou Pete...- Pete. - O padre Cristobal tirou a espingarda automtica do

    manpulo e apertou-a entre as pernas. - Em frente, Pete!Parece-me que hoje j no vamos chegar a Penasblancas. Nogostaria de viajar sozinho de noite, nem mesmo com a ajuda de

    Deus.- Eu viajo.- De noite, na montanha?- Se tens medo, Cris, reza ao teu chefe.- Que no colabora com loucuras! Nem vale a pena!- Ento, agarra-te espingarda. Cris, meu padreco, acho

    mesmo que vamos dar-nos muito bem um com o outro.Passada uma hora, houve nova paragem. Atrs deles apareceu

    um veculo, que se aproximou muito depressa. Era um grandetodo-o-terreno, que cruzava a Estrada da Morte a toda avelocidade. Mohr ainda no percebera porque lhe chamavam assim.At ao momento, tinham estado praticamente sozinhos, exceptuandoquatro homens montados em mulas, que mal os viram saltaram para a

    floresta, procurando refgio.- Esto muito nervosos - dissera o padre Cristobal. - Quatro

    pesquisadores de esmeraldas. Devem pensar que somos compradores asoldo do big hoss, querendo apoderar-nos dos seus achados. quetambm se pode ir "s compras" assim. Que importa de onde vm asesmeraldas? O seu verde puro no deixa adivinhar o vermelho dosangue.

    O rpido todo-o-terreno ultrapassou o jipe onde seguiam osdois homens e travou sua frente, obrigando-os a parar. O Dr.Mohr carregou no travo e, ao mesmo tempo, sacou do revlver. Opadre Cristobal j engatilhara a espingarda automtica. Doishomens fardados saltaram da grande viatura. Um oficial do

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    Exrcito e um da Polcia, os quais se aproximaram com as pistolasautomticas apontadas.

    - Nada de armas! - berrou o oficial do Exrcito. - Mos

    na nuca! C para fora! Mas depressa!O padre Cristobal afastou a arma, saiu do jipe e ergueu amo direita.

    - Deus te abenoe, meu filho! - disse em voz alta. - Se quiseres, posso dar-te um santinho...

    - Um maluco! - gritou um oficial para o outro. - E tu a?Larga o volante!Saindo do jipe, o Dr. Mohr aproximou-se lentamente.

    - Como possvel que nos estraguem um dia to calmo? -perguntou. - Pensei que estava aqui nesta estrada em liberdade?!

    - Mais um maluco! - berrou o oficial. - Nomes!- Padre Cristobal Montero. Gelogo Pedro Morero.- A caminho de Penasblancas. Com uma autorizao do Ministrio doInterior.

    - Merda! - exclamou o oficial, baixando o cano da arma. -Chamo-me Luis Gomez. Sou major do Exrcito. Vou comandar oSegundo Batalho de Muzo.

    - Felipe Salto! - O outro oficial, com uniforme da Polcia,fez uma vnia. - Tenente. Destacado para novo chefe da Polcia dePenasblancas.

    - Mas que ilustre reunio! - riu o padre Cristobal.- Meus senhores, devamos ir j para a berma da estrada rezaruma aco de graas. Trs de vs correm o risco de em breve jazersem vida. Chefe da Policia de Penasblancas... Tenente, sabe bem oque isso significa?

    - Sei! - assentiu Felipe Salto, um homem baixo e musculosoque, apesar de ter algum sangue ndio, era um orgulhosodescendente dos seus conquistadores espanhis. - Ordem!

    - Amen! - O padre Cristobal benzeu-se. - Como seguimosviagem agora?

    - Juntos! - sugeriu o major Gomez, grande e forte como umtouro andaluz.

    -Ento... para Penasblancas?-Sim! Em frente!- Devem ter-nos dado com fora na cabea - comentou o Dr.

    Mohr. - Vocs com as vossas transferncias e ns com a nossapresena voluntria. Acho que somos malucos por seguirmos assimde um modo to oficial.

    - Sugiro que passemos a chamar-nos "Os Quatro Idiotas"! -exclamou o padre Cristobal. - Afinal de contas, Deus est com ospobres de esprito...

    - O que Deus me fez! Um padre na minha rea!O major Gomez bateu as palmas:- Para os carros! Vou comunicar ao meu batalho que passo a

    noite em Penasblancas e s chego amanh a Muzo.- Entretanto, os seus homens preparam-se para as exquias! -

    observou Cristobal. - Quem vai frente?- Vocs! - O tenente da Policia Salto fez um grande sorriso.

    - Deus vai sempre primeiro.

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    Entraram em Penasblancas por volta da meia-noite.O primeiro milagre realizara-se: ningum importunara os dois

    carros durante a viagem. Ningum disparara contra os ocupantes.

    Nenhuma barreira os fizera parar. Uma calma estranha pairavasobre as montanhas, plancies e desfiladeiros cobertos defloresta virgem. Nem sequer se ouvia a multiplicidade de barulhosnocturnos da vida selvagem. Com os motores quase ribombando nosilncio, os dois veculos aproximaram-se da cidade, seguindo aossolavancos pela estrada esburacada.

    Comparados com os de Penasblancas, os bairros degradados doRio ou de Hong Kong so um amontoado de palcios reais. Claro queexistem casas em Penasblancas. Baixas, como no tempo dos colonosamericanos; cabanasde madeira parecidas com as dos antigos pesquisadores de ouro deSacramento, na Califrnia, ou de Klondike, no Alasca. Nas ruas deterra batida, via-se o armazm, a esquadra da Policia, umasquantas lojas, oficinas, cabanas e um edificio maior, cujoletreiro iluminado quase gritava na noite: "Bar and Dancing".

    Enfim, luz!Quando as minas paralisaram, a electricidade foi cortada em

    Penasblancas. Em Muzo ainda havia luz, tal como em Chivor,Cozques e onde houvesse militares estacionados. No entanto, osgeradores de Penasblancas tinham sido desligados, at ao dia emque misteriosamente voltou a haver corrente, se bem que s no"interior da cidade". Alguns electricistas tinham reparado ainstalao, pondo os geradores novamente a funcionar a gasolina,e Christus Revaila, o grande hoss do lugar, que andava sempre deguarda-costas e considerava Penasblancas propriedade sua, fizera

    anunciar que quem quisesse luz tinha de largar uns tantos pesos.Portanto, sabia-se a quem se devia tal beneficio: ao grande DonAlfonso...

    A anarquia reinara durante meio ano. As pessoas tentavampuxar corrente s escondidas para os seus casebres na montanha,cabanas na selva e habitaes de terra dos mais pobres entre ospobres gunqueros. Mas Christus Revaila em breve acabara com, nasua opinio, tais indelicadezas. Nove gatunos de electricidadetinham sido abatidos e, maravilha das maravilhas!, os outroshaviam desistido rapidamente da sua corrente clandestina. Assim,algumas ruas de Penasblancas tinham luz, uma luz brilhante,enquanto ao seu lado a noite comeava a adensar-se. Gradualmente,tambm a luz crepuscular das velas e das lamparinas de petrleo

    se foi extinguindo, dando lugar a uma escurido impenetrvel.Aqui, vivia-se do nascer ao pr do Sol. S nas montanhas em siardiam ainda as fogueiras, como nos tempos primitivos, dandocalor, luz e proteco. Viviam a milhares de pessoas, emcasebres com telhado de folhas e cavernas, nas salincias dosplanaltos, como ninhos de pssaros. Famlias com nove, dezfilhos, galinhas, porcos, cabras, mulas; trmitas humanas,rastejando nas pregas da montanha, dia e noite martelando eescavando, desgastando-se nos penhascos: Esmeraldas! Esmeraldas!

    O sonho da riqueza. Em Penasblancas j estavam preparadospara a sua chegada. O sistema de comunicaes funcionavaimpecavelmente. Vigias invisveis por quem os quatro tinham

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    passado sem darem por nada, haviam avisado:- Aproximam-se desconhecidos. Militares. S dois carros.

    Fazemo-los ir pelos ares?

    Christus Revaila impedira as habituais boas-vindas,testemunhadas por vrias cruzes na berma da estrada:- Deixar passar! - berrara para o aparelho de rdio.

    - Calminha a! So gajos importantes.Os "Quatro Idiotas" pararam onde lhes competia: em frente da

    esquadra. Os quatro policias, rfos at ao momento, assomaram porta e puseram-se em sentido. Era a primeira vez em sete semanasque voltavam a vestir a farda. Havia precisamente sete semanasque uma enigmtica facada nas costas pusera o seu superior forade servio. De resto, a estrada estava vazia. S se ouvia amsica alta do Dancing Bar. Rock americano.

    O Dr. Mohr olhou em volta. "Isto no verdade!", pensou."Devo estar num filme de Hollywood! Uma cidade decadente,fogueiras e luzes bruxuleantes nas montanhas em volta, umbarraco onde se dana, quatro polcias solitrios, contemplandotristemente o seu novo chefe. Fantasmagrico! Uma passagemdisfarada para o inferno."

    - Uma cidadezinha pacifica - observou em voz alta. Os quatropolcias estremeceram, como se uma metralhadora tivesse comeadoa disparar. O tenente Salto suspirou, entrou na sua nova esquadrae voltou a sair rapidamente. O major, comandante do 2.o Batalho,ao qual j tinham dito adeus depois de ele comunicar que iapassar a noite em Penasblancas, permaneceu sentado notodo-o-terreno. O padre Cristobal olhava de soslaio para o bar,onde suspeitava ter grandes hipteses de aco missionria.

    - O que se passa? - perguntou o Dr. Mohr.O tenente Salto apontou para trs.- Porque que est uma mulher na cela? - berrou. - Ser que

    a polcia daqui tem um bordel prprio? A rapariga est a chorar.O Dr. Mohr passou pelos quatro polcias e entrou na

    esquadra. Atrs da grande sala, havia uma porta aberta, por ondese entrevia uma fileira de celas. Duas estavam vazias e, naterceira, encontrava-se uma rapariga que choravadesesperadamente, com o rosto pequeno encostado s grades. Quandoviu o Dr. Mohr, levantou a cabea e respirou profundamente.

    O Dr. Mohr estacou. "Uma madona", pensou. "Sei que umdisparate... mas uma madona a chorar." Velasquez pintara umamadona assim: um rosto doce e pequeno, rodeado de cabelos negros;

    um rosto dominado pelos olhos e a boca. Um rosto cuja luz vem dointerior e que brilha at no sofrimento.

    - No chore - disse o Dr. Mohr, aproximando-se das grades deferro. - Deixe-me ajud-la, para no precisar de chorar mais.

    A rapariga assentiu e fitou-o incredulamente. Era a primeiravez na vida que algum a tratava por "voc"; era a primeira vezque ningum lhe dizia: "Ora, sua rameira!" ou "Maldita filha dame!"

    Pela primeira vez, um homem era delicado com ela sem lhedeitar imediatamente a mo blusa.

    - Chamo-me Margarita - disse, reprimindo um novo soluo. -No fiz nada! S queria visitar a minha irm!

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    - Eu ajudo-a - replicou o Dr. Mohr num tom de vozmarcadamente mais reservado. - Confie em mim. Vou tir-la daqui.

    A rapariga fitou-o de olhos esbugalhados. O Dr. Mohr

    lanou-lhe mais um olhar de encorajamento, virou-se e saiu da aladas celas.Em frente da porta da esquadra, o tenente Felipe Salto

    continuava a gritar. Os polcias ouviam com um olhar resignado etriste. " novato aqui", pensavam. "Ainda est cheio de idealismoe de vontade de mudar, organizar. Isso passa com a rapidez de umtraque, camarada. sempre o mesmo com os que chegam aqui aPenasblancas querendo demonstrar o poder da lei. No fim, s hdois resultados possveis: ou ele se adapta rpida ecuidadosamente, e ento a vida at pode ser razoavelmente boamesmo neste inferno, ou resolve teimar e acaba como o seuantecessor. Quem lhe atirou a faca, nunca ser descoberto.Camarada, berra mais um pouco, que te faz bem. Amanh, quando oSol brilhar, comear um novo dia, tambm para ti. SePenasblancas parece to pacfica, to modorrenta, to cordial, porque o Christus Revaila deu a ordem: "Deixem vir os quatro eno lhes faam nada". Deixem-nos em paz. Ningum vai impedir-nosde pesquisar esmeraldas"."

    O padre Cristobal, que avanara uns passos pela estrada,observando o Dancing Bar mais de perto, voltou atrs einclinou-se para o todo-o-terreno. O major Luis Gomez continuavasentado, com a espingarda automtica entre as pernas.

    - O que me diz? - inquiriu Cristobal Montero. - Umacidadezinha com habitantes pacficos, a dormir. Uns quantos doum passinho de dana e embriagam-se. Pelo barulho, parece que

    tambm esto l algumas senhoras muito divertidas.- Esto a enganar-nos bem - resmungou Gomez. - Acreditamesmo nesta calma, padre? Se nos tivessem recebido comhostilidade... bom, diria que era normal. Mas esta tranquilidade? perfeitamente perversa! Olhe sua volta... veja as luzes e asfogueiras nas montanhas! H milhares de pessoas sentadas nospenedos! Regimentos inteiros esperando por ns os quatro!

    O Dr. Mohr saiu da esquadra e dirigiu-se a Felipe Salto.- Est l dentro uma rapariga a chorar! - exclamou. Os

    quatro policias baixaram a cabea.- Eu sei! - berrou o tenente Salto.- Prenderam-na sem qualquer razo.- Aqui ningum inocente! Oh, Me do Cu, nunca fale de

    inocncia em Penasblancas. Eu sei que a rapariga bonita, Pedro!Bastou-me um olhar. por isso que estou a interrogar os meusquatro rapazes!

    - Ela s queria visitar a irm.- Acredita nisso?!- Acredito.- S porque est a choramingar e se sente tocado pelos seus

    olhos de carneiro mal morto?! Meu querido amigo, aqui s hvigaristas! Do primeiro vagido ao ltimo suspiro. Inclusivamentena Polcia! - Voltando a virar-se para os quatro polcias,berrou: - Quem que trouxe a pequena para a cama? Respondam!

    - Anda - disse o padre Cristobal, puxando o Dr. Mohr.

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    - Onde?- Ali ao bar. A msica entusiasma-me.- E as vozes das mulheres.

    - Tambm.- Um sermo logo na primeira noite? Que bonito! - Abanando acabea, disse: - Estou muito mais interessado no destino destaMargarita.

    - Vai ser posta em liberdade! - gritou o tenente Salto. -Claro que vai sair! - Arrancara aos seus quatro policias pelomenos uma parte da verdade. - Dizem-me que o Christus Revailaordenou que no se andasse na rua. Como a rapariga apareceu e noqueriam arranjar sarilhos com ele, prenderam-na. Padre, este casodevia ser-lhe entregue. Trata-se dum grande bandido, que se chamaChristus. Que o Cu me perdoe! No nenhuma blasfmia, elechama-se mesmo assim.

    - Vou preocupar-me com essas miudezas a seu tempo. - O padreCristobal indicou o Dancing Bar. - Onde vamos ficar?

    - Por agora, comigo - disse o tenente Salto. - O major Gomezparte amanh para Muzo. Depois veremos. A instalao mais simplesser a do padre: o cu inteiro a sua tenda!

    - Vamos. - Cristobal Montero abotoou o casaco de linhoremendado e andrajoso e comeou a andar na direco do bar. O Dr.Mohr hesitou e, depois, seguiu-o em grandes passadas, apanhando-o porta do que parecia ser a casa maior e mais alta dePenasblancas. Tinha uma fachada de madeira branca envernizada eentalhada, trs andares e um estilo de construo espanholantigo. Adornavam-na algumas pequenas varandas.

    Em frente do bar, atrs de uma persiana, um homem agachado

    na escurido transmitiu por microfone:- Dois deles esto a ir para o bar. O que fao?Christus Revaila, o receptor da mensagem, fitou a parede com

    um ar espantado.- Esto doidos? - observou em voz rouca. - J para a

    Mercedes?- Um com barba e outro forte, de caracis pretos.- ele.- Quem?- Aquele a quem os cabelos no deviam ser mais

    encaracolados! - bufou Revaila. - Vou telefonar Mercedes.- Tarde de mais. Esto a entrar!Christus Revaila atirou com o transmissor, saltou da

    poltrona, prendeu um revlver no cs das calas e apressou-se asair de casa. A distncia at ao bar no era muita, mas temia noter tempo de impedir o que estava a preparar-se.

    O padre Cristobal e o Dr. Mohr empurraram a porta, entrarame foram atingidos pela msica em altos berros. Altifalantesribombavam em todos os cantos. Atrs da porta, uma espcie deporteiro com ar de touro, ombros largos e nariz esmurrado,encarou-os com perplexidade. No sabia o que havia de fazer. Umavisita dos novos ao bar logo ao principio no estava no programaque Christus Revaila divulgara. Quem havia de esperar uma coisaassim?

    - Ah! - exclamou o porteiro, s aranhas. - Ento c esto...

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    - Deus te abenoe, meu filho! - respondeu o padre Cristobal,traando uma cruz sobre o peito do homem, estupefacto. - Sabescantar?

    - Sei... - gaguejou o porteiro.- Bem?- No... no muito mal...- Foi o que pensei. Tens uma voz agradvel! A partir de

    domingo, passas a ser o chantre da igreja.- Nossa Senhora... - balbuciou o porteiro. O padre Cristobal

    assentiu com um ar amvel.- Ela h-de ajudar-te, irmo. Tens razo.Passando o homem sem fala, penetraram no bar. Era uma sala

    enorme, com vrias mesas redondas e simples cadeiras muitoremendadas, o que mostrava que ali se discutia com a ajuda domobilirio. Algumas mesas tinham at toalhas. Atrs do enormebalco, ajustado a uma parede, em lugar dos armrios com garrafasou copos via-se apenas uma parede colorida, pintada com motivosndios. A sala era iluminada por projectores montados no tecto. Oque saltava mais vista era o balco em si, revestido de placasde ao igualmente pintadas. Os rebites, nitidamente visveis,representavam at um elemento artstico no conjunto.

    - Um blindado! - comentou o padre Cristobal pensativamente.- Aquilo no um balco, Pedro, um blindado! Quem se abrigaratrs dele, s consegue ser tirado dali fora de granadas. -Aproximando-se duma das mesas tapadas por uma alegre toalha,sorriu para os homens que l estavam sentados e, sem dizerpalavra, puxou a cobertura, pondo vista dois orificios notampo, que certamente no tinham sido feitos por uma questo de

    ventilao.- Isto fantasmagrico! - exclamou baixinho o Dr. Mohr. -Parece que o tempo andou para trs. Estaremos no Oeste selvagem?!

    - Claro que sim!- Com todos os ingredientes...- Mas modificados!- E muito perigoso.- Veremos. - O padre Cristobal dirigiu-se ao balco.

    Obedecendo s ordens de Christus Revaila, ningum lhe travou opasso. Os pares danavam na pista de madeira com grandesconvulses e contraces. As pessoas sentadas s mesasobservavam-nos ou conversavam. Dois ou trs homens bebiamencostados ao balco, batendo nas placas blindadas com as pontas

    das botas, ao ritmo da msica. Eram figuras arrojadas emusculosas, de pele rija e olhos muito grandes e brilhantes, queo trabalho nas galerias das minas esgotara.

    "Sumo de peiote", pensou o Dr. Mohr. "Ou mastigam folhas decoca. Ou ento, tuberculose e avitaminose. Olhos de criana emcabeas grisalhas."

    Foram travados a um metro do balco. Ningum os agarrou, osimpediu de continuarem, os chamou ou se lhes meteu no caminho:no, foram eles que estacaram. Uma apario vinda de ladoimpossibilitou-os de continuarem a avanar. Duma pequena portajunto ao balco, saiu uma mulher bastante corpulenta. Tinha ocabelo preto apanhado para cima e um rosto que fora sem dvida

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    muito fascinante, mas agora um tanto inchado e largo, de ondesobressaam os olhos, quais dois carves em brasa. Envergava umablusa de seda amarela sobre os imponentes seios, uma saia de

    algodo s flores que lhe chegava aos tornozelos e botas altasque se viam nitidamente quando andava. O que a distinguiaespecialmente das outras mulheres era que volta da cinturatrazia um cinto largo de couro, no qual reluziam dois revlveresnos seus coldres abertos. A mulher tinha um passo seguro emasculino, e quase no precisou de abrir caminho entre a multidode fregueses. Formou-se uma ala que voltou a fechar-se atrsdela.

    - Ah! - exclamou o Dr. Mohr em voz baixa. - A grande dame doestabelecimento. A mezinha do bordel. Cristobal, de que cantovai sair agora o John Wayne?! Isto hollywoodesco!

    - Isto Penasblancas, Pedro. Onde h pessoas, as coisasrepetem-se. As condies de vida so limitadas. No reparamosnisso porque nos consideramos perfeitos! - Enfiando as mos nosbolsos do casaco de linho, observou benevolamente a imponentefigura, transportando os revlveres.

    - Muito prazer! - saudou a montanha feminina, parando suafrente. - Chamo-me Mercedes Ordaz.

    O padre Cristobal meteu a mo direita no bolso de dentro,tirou dele um pequeno santinho colorido e, para grande espanto doDr. Mohr, estendeu-o a Mercedes Ordaz.

    - Nossa Senhora te abenoe - disse. - A santa missa noprximo domingo s onze da manh.

    "Mercedes, a Grande", como lhe chamavam em Penasblancas,pegou no santinho, contemplou-o e enfiou-o na parte da frente da

    blusa, entre os dois imponentes seios. Cristobal assentiu,satisfeito.- Santo Antnio. Vai sentir-se bem. O seu amor eram os

    animais.- No tenho piolhos nem pulgas - retorquiu Mercedes

    calmamente. Tinha a voz agradvel e profunda, com aquele timbreaveludado prprio dos quartos com camas cheias de almofadas. Oseu espanhol era puro, sem sombra de dialectos: um castelhanoperfeito. - Tem a inteno de abrir uma loja de santinhos aqui emPenasblancas, senhor?

    - Sou padre, senhora.- Era o que eu queria dizer.- Como se chama o seu porteiro?

    - O Miguel?- Vai ser cantor, em lugar do rgo que ainda no temos.-O idiota!- Deus protege os pobres de esprito. Mas tem uma boa voz. E

    a senhora tambm.- O que bebem? - perguntou Mercedes Ordaz, a

    quem o rumo da conversa no estava a agradar. Observouo Dr. Mohr com um ar inquiridor, critico. Depois, primeirosorriram-lhe os olhos e, a seguir, os lbios cheios. O primeiroteste fora um sucesso. - o gelogo de Bogot?! - Havia na suavoz um certo tom de ironia.

    "Ela sabe muito bem quem eu sou", pensou o Dr. Mohr. "Jogar

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    s escondidas com ela seria uma farsa."- Sim, venho de Bogot. - Virando-se para o padre

    Cristobal: - Tenho de confessar uma mentira, Cris. No sou

    gelogo, e sim mdico.- Ah! Ele acreditou?! - exclamou Mercedes.- No. - Cristobal Montero abriu o rosto num sorriso. A

    barba dividiu-se-lhe e retorceu-se um pouco. - Mas no devemosestragar s pessoas, mesmo quando so amigas, a alegria dumpequeno segredo, com o qual brincam como crianas com os seusbrinquedos.

    - Obrigado, Cris. Um pecado mortal a menos.- No assim to grave mentir a um padre.- O que bebem? - perguntou novamente Mercedes Ordaz. Os

    altifalantes ribombavam, pares danavam e s mesas discutia-se ebebia-se. Tudo parecia um tanto forado, um cenrio de marionetasmovidas por uma grande mo invisvel. Menos Mercedes, a Grande, aquem seria absurdo dar ordens. O prprio Christus Revailaprovara-o na pele quando, depois de um desaguisado com Mercedespor causa duma compra de esmeraldas, ficara uns dias de cama.Fora s um tiro de raspo na coxa, um arranhozinho de nada, mas,depois do disparo, Mercedes dissera, cheia de orgulho esobranceria: "Da prxima vez so dez centmetros direita, nomeio dos badalos dos sinos..." Coisas assim tm de ser levadas asrio. No so palavras vs!

    - O que tambm bebe, senhora! - retorquiu o Dr. Mohr. -Acompanho-a!

    - E o netinho de Deus?- A dobrar! A minha barba tambm bebe!

    Mercedes Ordaz mirou o padre Cristobal com um ar espantado,deu a volta ao balco blindado e baixou-se. A garrafa que retirouera, aparentemente, reservada aos clientes especiais, pois oshomens sentados perto do Dr. Mohr e do padre Cristoballanaram-lhes um olhar cheio de simpatia. Parecia uma despedidamuda.

    Mercedes, a Grande, encheu trs copos, pegou no dela eesvaziou-o de um s trago.

    - No tem veneno - observou em voz quente e inalterada.O Dr. Mohr e o padre Montero imitaram-na. At

    quele momento, no sabiam que o fogo pode ser lquidoe despejado em copos. Um ferro em brasa percorreu-lhes o esfagoe cauterizou-lhes o estmago, a ficando a

    arder.O Dr. Mohr lanou a Mercedes um olhar estupefacto.

    O padre Cristobal levou as mos barba.- Senhor, os tormentos so aos milhares - disse em voz

    rouca. - E h mais desconhecidos para vir.- Querem ver os quartos, senhores? - perguntou Mercedes,

    muito sria.- Quartos? - O Dr. Mohr ainda tinha a mo volta do copo,

    que estava gelado, embora, na verdade, devesse achar-sederretido. - Como?

    - Mandei preparar dois quartos. - Enchendo novamente oscopos: - Os oficiais ficam na esquadra da Policia, claro, mas

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    reservei os meus melhores quartos para os dois.- muito simptico da sua parte, mas ns queremos ficar

    juntos - retorquiu o padre Cristobal, bebendo o fogo lquido e

    deixando de compreender os mrtires que haviam sido queimados semum nico queixume.- Medo? - Mercedes, a Grande, fez um sorriso maternal. - Na

    minha casa e minha mesa no h nenhum Judas, padre. -Esvaziando o copo, deu a volta ao balco e esperou que o Dr. Mohrtragasse a infernal bebida de olhos fechados. - Vou lev-los aosquartos.

    No lado mais estreito do bar havia uma escada. Mercedes foi frente e abriu caminho, dando um pontap a um bbedo sentadonos degraus. Parou no patamar do primeiro andar.

    - Tenho vinte e dois quartos, dos quais ocupo trs. Restamdezanove. O senhor, Pedro Morero, fica no quarto doze. O padreinstala-se no nmero catorze. Fao votos para que a vizinhanano vos incomode muito.

    - Quem a vizinhana? - perguntou o padre Cristobal.- Umas jovens lindas de morrer. Trabalham aqui como criadas

    e pares de dana para os solteires.- uma maneira de pr as coisas, senhora - comentou o

    padre.- Pois, eu pratico o amor ao prximo!Os quartos eram grandes e estavam mobilados com

    simplicidade: um armrio, uma mesa, duas cadeiras, um lavatrio,um espelho e uma cama larga de madeira.

    O mais importante parecia ser a grande tranca da porta. Asjanelas, que davam para a rua, tinham slidas portadas de

    madeira.- No o Hilton! - observou Mercedes, a Grande.- Para Penasblancas, ! - O Dr. Mohr sentou-se na

    cama. - Qual o preo por noite?- Posso dar-me ao luxo de os considerar meus convidados. -

    Fechando a porta com o corpo, falou com armuito srio: - Presumo que sabem honrar a minha hospitalidade,senhores, e que vo deixar o meu negcio em paz.

    - Eu sou mdico, senhora. - O Dr. Mohr levantou-se,dirigiu-se janela e espreitou para a rua atravs de uma fendanas portadas. - Devo e vou fazer tudo aquilo a que a minhaprofisso me obriga.

    - As minhas raparigas so saudveis! Eu prpria as examino

    todas as semanas.- Bravo!- E tambm no precisam c de confessores! - Fitando o padre

    Cristobal: - Esto satisfeitas, ganham bem e vivem comigo delivre vontade. De livre vontade, padre!

    - Nunca contestei isso. A necessidade como um pntano. Asflores mais bonitas medram em solo podre.

    - No vo ficar muito tempo em Penasblancas.- Acha?- Tenho a certeza. Toda a gente precisa dum mdico e dum

    padre. Mas esta gente daqui no! O Deus e o remdio destaspessoas so as pedrinhas verdes. O seu mundo reduz-se ao buraco

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    que todos os dias escavam na montanha. O nico sentido da suavida so os cristais verdes. So minerais de berilo transformadosem sis verdes pelo crmio.

    - por isso que, o mais tardar na prxima semana, tambmvou para a montanha, senhora - disse o Dr. Mohr. Mercedes Ordazfitou-o pensativamente.

    - O Christus Revaila sabe disso?- No estou preocupado.- Sem o Revaila... e sem mim... est de pernas e braos

    atados, senhor mdico.- sempre til conhecerem-se as foras em jogo - replicou

    jovialmente o padre Cristobal. - Eu trato dos Christus... querdizer, do Christus Revaila. - J que est aqui, senhora, e que uma dama com quem se pode falar abertamente, diga-me: h algumaigreja em Penasblancas?

    - Houve, mas falta de padre, transformou-se emsupermercado.- Vou falar com o proprietrio.

    - Est a falar com o prprio.- Que bem! Para atalhar caminho, dona de mais alguma

    coisa?- Metade da cidade pertence-me - retorquiu Mercedes, a

    Grande, indulgentemente. - No vai arranjar aqui nenhuma casa nemnenhum quarto para fundar uma igreja!

    Tirando o colorido santinho de Santo Antnio do meio dosseios, rasgou-o em pedacinhos, que deixou cair.

    O padre Cristobal assentiu vrias vezes com a cabea.- Salvaste Santo Antnio da tentao, minha filha.

    Sem se dar ao trabalho de voltar a falar com o padreco,Mercedes Ordaz saiu do quarto e fechou a porta.- No vai ser fcil, Cris - observou o Dr. Mohr

    pensativamente. - Parece-me que o porteiro Miguel no vai cantarna tua igreja.

    - Quem o Christus Revaila?- O lugar-tenente do grande boss desconhecido, que conheo

    por Don Alfonso. Mas pode ter outro nome qualquer.- Portanto, a outra metade de Penasblancas.- A mais perigosa.- A srio? - O padre Cristobal dirigiu-se porta.

    O seu quarto, nmero catorze, ficava ao lado do do Dr. Mohr.Aquela mulher era mais do que uma antagonista. Era inteligente e

    insensvel duma ponta outra. - Sinto-me como So Bonifcioantes de destruir o carvalho das divindades germnicas.

    Bateram porta.O Dr. Mohr e o padre Cristobal entreolharam-se assombrados.

    No esperavam que em Penasblancas se batesse antes de entrar. Aforte fechadura mostrava que as regras de entrada eram outras.Como no houve resposta imediata, bateram outra vez.

    - Uma pessoa delicada - observou o padre Cristobal.- Entre! - gritou o Dr. Mohr.Desta vez, a porta escancarou-se e foi bater contra a

    parede, dando passagem a um homem, cujo aspecto faria qualquerpessoa sensata procurar abrigo. O cabelo grisalho era curto como

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    uma escova. A seguir, vinha um rosto onde se lia a certeza de queesta vida no vale absolutamente nada se no tivermos um Coltpara a defender a cada minuto. Portanto, esse Colt pendia vista

    de toda a gente, ao lado de uma faca comprida numa bainha decouro. Era o nico sinal guerreiro do homem. De resto, envergavaum fato normal, sapatos um tanto grosseiros e camisa e gravata debom corte espanhol. Provavelmente, era a nica gravata queexistia em Penasblancas. Uns olhos frios e verde-acinzentados,encimados por duas sobrancelhas hirsutas, examinaram o Dr. Mohr eo padre Cristobal.

    - Christus Revaila! - anunciou o musculoso homem. - O senhor o mdico... O senhor o padreco!

    - Oh, ele inteligente! - exclamou o padre Cristobal,entusiasmado. Os olhos de Revaila semicerraram-se imediatamente,como os dum animal irritado. - Alguma vez ajudou missa empequeno?

    - A Mercedes falou com os senhores. Era o que eu queriaevitar! At lhes deu quartos. Eu tambm no queria isso! Se dissemais alguma coisa, mentiu. Deviam ficar comigo...

    - Mas ser que consegue oferecer-me uma vizinhana to doce,Revaila? - perguntou sarcasticamente o Dr. Mohr. Revaila abanou acabea.

    - Se gosta tanto de... de... - Engolindo o palavro que iadizer, encostou-se porta. - Se quer saber, doutor, nasmontanhas no faltam raparigas que durmam consigo sem olhar shoras, em troca de uma lata de carne de porco. Para muitos pais,ser uma honra as suas filhinhas adoarem algumas horas da vidado mdico. A idade no interessa. H cachopas de doze anos que

    parecem ter vinte! - Rindo para Montero: - O senhor padrecontinua impassvel?!- Venho de uma regio onde a prostituio infantil era o po

    nosso de cada dia. Porque havia de ser diferente em Penasblancas?- Tm de vir comigo! - Revaila apontou com o polegar para

    trs, na direco da porta: - A Mamas Grandes est do outro lado, escuta...

    - Como que passou por ela? - inquiriu o Dr. Mohr.- Conhecemo-nos bem de mais. - Revaila conteve o riso. - L

    em baixo, no bar, esto sentados dez amigos meus. Ela contou-lhesquem ?

    - Em traos largos...- Existem dois meios de transporte perfeitamente seguros

    daqui a Bogot. Um sou eu, e o outro a "mam de Penasbancas".Houve um tempo... aqui h trs anos, pouco depois do encerramentodas minas do Estado... em que apareceram por aqui uns idiotas quepensavam que a Mercedes no passava duma mulher com um certopeso. Por isso, tentaram tirar-lhe o negcio da compra deesmeraldas. O que aconteceu? Nada que valha a pena contar. Quandoamanh forem passear na cidade, reparem no cemitrio. Logo entrada, h quatro campas com cruzes iguais. Em cada uma delas,diz assim: "Era muito estpido!" Mais nada! Mas, desde ento,toda a gente deixa a mam em paz.

    - Ento existe aqui um cemitrio? - perguntou o padreCristobal.

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    - E bem grande...- Claro! E cruzes nas campas?-Sim... - respondeu Revaila, um tanto tenso.

    - E reza-se nas campas?- No posso impedi-lo! - exclamou Christus.- Uma cidade bem comportada. - O padre Cristobal juntou as

    mos. - Meu filho, no domingo, s onze horas, h missa...- Merda!- Isso podes fazer antes ou depois.- Vamos embora! - ordenou Revaila.- Eu fico - afirmou Montero.- Num bordel?!- Deus est em toda a parte...- Ainda no decidimos - disse o Dr. Mohr. - A mam

    apanhou-nos de surpresa com os quartos, e voc agora queratirar-nos para outros. Antes de mais, temos de falar com osnossos companheiros de viagem.

    - Os oficiais j esto instalados. - Revaila endireitou ocasaco. - Por mim, senhor mdico, preferiria ficar onde asesperanas de vida so maiores.

    - Vou dizer isso aos outros.- Faa isso. - O rosto de Revaila abriu-se num sorriso,

    marcado por mil pequenas rugas. - bom terem todos a conscinciade que so nossos inimigos.

    -Ns sabemos.- Traga o seu carro, senhor. S tenho ordens para cuidar de

    si.- Don Alfonso manda-lhe cumprimentos.

    - Obrigado. - Acenando para o padre Cristobal: - Nem penseque vai dizer missa no domingo.- Mas no...- Proibo que a diga.- E s tu que te chamas Christus?- Tenho ganas de enforcar os meus velhos por causa disso! -

    disse Revaila rudemente, deixando o quarto.Mercedes, a Grande, no estava vista, mas escutara tudo.

    Portanto, sabia o que Revaila dissera.

    No edificio da Polcia, o tenente Salto e o major Gomezesperavam pelo Dr. Mohr e pelo padre Cristobal. Ambos os oficiaistinham as metralhadoras a tiracolo; os quatro policias,

    encostados parede e igualmente armados, ficaram visivelmentealiviados quando o mdico e o padre Montero apareceram.

    - Mesmo no ltimo minuto! - desabafou o major Gomez. -Estvamos prontos a ir tomar o bar de assalto. Meu Deus do Cu,mas o que andaram a fazer?! Como eu disse, logo que pensmos irao bar, os polcias ficaram da cor da cal.

    - Engolimos fogo duas vezes, conhecemos uma mulher enorme,ofereceram-nos cama em duas casas diferentes e temos a dizer-lhesque as vossas esperanas de vida no so famosas. - O Dr. Mohrolhou para o lado das celas, que estavam vazias. - Onde est aMargarita?

    - Livre. - O tenente Salto pousou a metralhadora.

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    - De facto, estava inocente.- Onde est agora?- Que sei eu? Com os pais...

    - Aqui na cidade?- No sei. Porqu?- Gostava de ter falado mais com ela - replicou o Dr. Mohr

    vagarosamente.-Ah!- Ah, nada! Como que ela se chama?- Como que ela se chama? - berrou Salto para os polcias,

    que abanaram a cabea e encolheram os ombros.-Margarita... atreveu-se um a dizer.- Mas ento no se fez nenhum registo? - Era a

    derradeira esperana do Dr. Mohr.- Para qu? Ela de facto s ia visitar a irm, e foi contra

    as ordens do Revaila. Ele h-de pagar-mas! Afinal, quem quemanda aqui?

    - Algum conhece a irm?- Quem conhece a irm? - gritou Salto.- Eu! - Um dos polcias avanou: - Chama-se Perdita...-Mais!-Nada.- Vai ser difcil! - suspirou o tenente Salto. - Em lugar do

    crebro, a minha gente tem bosta de burro na cabea! Doutor,parece-me que perdemos a sua Margarita. Se vive nas mont