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INFLUÊNCIA DA FORMA DE APLICAÇÃO E DA REOLOGIA DA ARGAMASSA NAS PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS REVESTIMENTOS Heloísa Cristina Fernandes(1), Eliane Betânia Carvalho Costa(1) Amilton Braio Ara(2), Fábio Luiz Campora(3), Vanderley Moacyr John(1) (1) Escola Politécnica da USP [email protected]) (2) Escola de Engenharia Mauá (3) Associação Brasileira de Argamassas Industrializadas RESUMO A execução de revestimentos de argamassa aplicada por projeção mecânica a ar comprimido tem se tornado uma técnica corrente entre as construtoras de São Paulo. Especulações como o aumento da aderência e do módulo de elasticidade dos revestimentos decorrentes da introdução dessa técnica se tornaram constantes. O objetivo deste trabalho é estudar a influência da forma de aplicação (manual e projeção a ar comprimido) nas propriedades mecânicas dos revestimentos de argamassa. Para tanto, foram elaboradas três composições de argamassa mista com aditivo incorporador de ar e foram moldadas placas de revestimento e corpos- de-prova para a realização de ensaios mecânicos. Os resultados mostram que o comportamento mecânico dos revestimentos produzidos não depende isoladamente da forma de aplicação, mas da sua combinação com o comportamento reológico da argamassa. Palavras-chave: aplicação, argamassa, projeção a ar comprimido, resistência de aderência, módulo de elasticidade dinâmico.

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INFLUÊNCIA DA FORMA DE APLICAÇÃO E DA REOLOGIA DA ARGAMASSA NAS PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS

REVESTIMENTOS

Heloísa Cristina Fernandes(1), Eliane Betânia Carvalho Costa(1)

Amilton Braio Ara(2), Fábio Luiz Campora(3), Vanderley Moacyr John(1)

(1) Escola Politécnica da USP [email protected])

(2) Escola de Engenharia Mauá

(3) Associação Brasileira de Argamassas Industrializadas

RESUMO

A execução de revestimentos de argamassa aplicada por projeção mecânica

a ar comprimido tem se tornado uma técnica corrente entre as construtoras de São

Paulo. Especulações como o aumento da aderência e do módulo de elasticidade dos

revestimentos decorrentes da introdução dessa técnica se tornaram constantes. O

objetivo deste trabalho é estudar a influência da forma de aplicação (manual e

projeção a ar comprimido) nas propriedades mecânicas dos revestimentos de

argamassa. Para tanto, foram elaboradas três composições de argamassa mista

com aditivo incorporador de ar e foram moldadas placas de revestimento e corpos-

de-prova para a realização de ensaios mecânicos. Os resultados mostram que o

comportamento mecânico dos revestimentos produzidos não depende isoladamente

da forma de aplicação, mas da sua combinação com o comportamento reológico da

argamassa.

Palavras-chave: aplicação, argamassa, projeção a ar comprimido, resistência de

aderência, módulo de elasticidade dinâmico.

2

ABSTRACT

INFLUENCE OF THE FORM OF APPLICATION IN THE MECHANICAL PROPERTIES OF MORTAR RENDERINGS

The execution of coverings with mechanical applied mortar by compressed air

projection has become a current technique among the builders of São Paulo.

Speculations such as the increase in bond strength and in elasticity modulus of the

current coverings by the introduction of that technique have become constant. This

work aims to study the influence in the application way (manual and compressed air

projection) in the mechanical properties of the mortar coverings. For this, three

compositions of mixed mortar with air entraining admixture were elaborated and

covering plates and mortar specimens have been molded for the accomplishment of

mechanical tests. The results show that the mechanical behavior of the produced

coverings does not isolatedly depend on the application way, but on its combination

with the mortar rheological behavior.

Keywords: mortar launching, compressed air projection, bond strength, elasticity modulus.

INTRODUÇÃO

A execução de revestimentos de argamassa é realizada pelo lançamento da

mesma contra sua base de aplicação, seja por lançamento manual ou projeção

mecânica. Durante a aplicação, a argamassa recebe certa quantidade de energia

cinética que é dissipada ao atingir a base. Esta energia de impacto (ANTUNES,

2005)(1) é dissipada na deformação plástica (espalhamento) da argamassa sobre a

base e na eliminação do ar preso entre as camadas, denominados como defeitos de

interface, garantindo o que se chama extensão de aderência (CARASEK, 1996)(2).

Para a aplicação manual, o aumento da energia de lançamento combinado

com o comportamento reológico das argamassas aumenta a resistência de

aderência do revestimento, conforme mostrou Antunes (2005)(1) em seu trabalho.

Sabe-se também que revestimentos de argamassa produzidos por projeção a ar

comprimido apresentam resistência de aderência superior e permeabilidade inferior

3

ao produzido por aplicação manual para uma mesma composição de argamassa

(DUAILIBE et al., 2005)(3).

Acreditava-se que o aumento da aderência proporcionado pela aplicação da

argamassa por projeção a ar comprimido estava relacionado à energia imposta pelo

equipamento, que se especulava ser maior do que a empregada no lançamento

manual. No entanto, Fernandes (2007)(4) mediu a energia imposta pelos

equipamentos de projeção a ar comprimido e concluiu que, em média, os valores

são inferiores aos obtidos no lançamento manual de argamassas. Esse fato gera

uma especulação de que o aumento da aderência está relacionado ao tamanho das

partículas lançadas na formação do spray por introdução do ar comprimido e no

melhor acomodamento das mesmas, gerando menor quantidade de defeitos na

interface revestimento-base quando comparada à aplicação manual.

O objetivo desse trabalho é verificar a influência da forma de aplicação

(lançamento manual e projeção a ar comprimido) nas propriedades mecânicas do

revestimento de argamassa, mantendo-se constante a energia específica de

lançamento, que é a energia cinética (J) por quantidade de massa (kg) com que a

argamassa é lançada durante a execução do revestimento, nas duas formas

diferentes de aplicação.

METODOLOGIA EXPERIMENTAL

Este estudo consiste em verificar (a) o nível de compactação, estimado a partir

da perda do ar incorporado na argamassa, (b) a resistência à tração na flexão, (c) a

resistência à compressão, (d) a resistência de aderência à tração do revestimento, e

(e) o módulo de elasticidade dinâmico de três composições de argamassa aplicadas

ora por lançamento manual ora por projeção a ar comprimido.

Equipamentos

A aplicação por lançamento manual das argamassas foi simulada pelo

equipamento lançador de queda desenvolvido por Antunes (2005)(1). Neste

equipamento, a base permanece na posição horizontal, enquanto o compartimento

de onde a argamassa será lançada é posicionado a uma altura que garanta o

controle da energia de lançamento durante todo o preenchimento da base.

4

A aplicação por projeção a ar comprimido foi realizada com um projetor

composto por corpo plástico e gatilho de alavanca, com capacidade de 3,8 l (Figura

1), conectado a um compressor de ar com capacidade de vazão de 51 m³/h

(25 cfm), cujas pressões mínima e máxima tiveram seus valores regulados em 0,98

e 1,19 N/mm² (140 e 170 psi) respectivamente.

(a)

(b)

Figura 1 – (a) Projetor de argamassa a ar comprimido e (b) geometria do equipamento.

As argamassas ensaiadas foram preparadas em um misturador mecânico de

eixo horizontal com 5 HP de potência.

Materiais

Foram produzidas 3 argamassas diferentes, modificadas a partir de uma

argamassa referência composta por cimento, cal e areia 1:1:6 (em volume), com

traço em massa igual a 5:3,3:41,8 kg, pela adição de aditivo incorporador de ar nas

proporções de 0%, 0,015% e 0,030% em relação à massa total de argamassa

anidra. Os teores de aditivo foram determinados em experimento exploratório

realizado em misturador de bancada. Neste experimento, foram misturados 2 kg de

argamassa e a dosagem do aditivo foi feita até que os valores de teor de ar

incorporado ficassem em torno de 20% a 25%.

O teor de água das argamassas foi determinado levando-se em consideração a

consistência adequada para aplicação pelo projetor a ar comprimido, visto que a

argamassa não poderia escorrer da base depois de aplicada, uma vez que para

esse tipo de aplicação as placas foram moldadas na posição vertical.

5

Tabela 1 – Argamassas estudadas.

Nomenclatura da composição

Teor de aditivo incorporador de ar (%) Teor de água (%)

Argamassa 0 0 16

Argamassa 15 0,015 10

Argamassa 30 0,030 9

Arranjo experimental

A composição do arranjo experimental está apresentada em detalhes na

Tabela 2. Foram moldados 3 corpos-de-prova prismáticos (4x4x16 cm) e 4 placas de

revestimento sobre substrato padrão para cada combinação argamassa-forma de

aplicação, totalizando 24 placas. Os corpos-de-prova prismáticos foram moldados

com o material deixado em excesso durante a moldagem das placas, com o objetivo

de simular as solicitações sofridas pelo revestimento. Além disso, foram moldados

outros 3 corpos-de-prova prismáticos de cada argamassa recém misturada,

totalizando 27 corpos-de-prova prismáticos.

Tabela 2 – Arranjo experimental.

Tipo de aplicação do revestimento Teor de aditivo

incorporador de ar (%)

Argamassa recém misturada Lançamento manual

(lançador de queda) Projeção a ar comprimido

0 0_Mist 0_Manual 0_Projetada

0,015 15_Mist 15_Manual 15_Projetada

0,030 30_Mist 30_Manual 30_Projetada

Procedimento experimental Preparo da argamassa

Para o preparo da mistura fresca, a argamassa anidra foi despejada no

misturador mecânico de eixo horizontal úmido, que foi então ligado simultaneamente

ao início da colocação da água, acrescentada em fluxo constante por

aproximadamente 15 s. O equipamento foi mantido em funcionamento durante

6

180 s, com uma parada na metade do tempo para re-incorporação do material

anidro ou mal misturado das laterais e do fundo do misturador.

Estimativa da energia de lançamento

Para que as argamassas em estudo fossem lançadas contra a base de

aplicação com a mesma energia nos dois tipos de lançamento, tornou-se necessário

estimar a energia específica de lançamento, empregada pelo projetor a ar

comprimido operando à pressão1 de 0,70 N/mm², de cada argamassa. Para tanto,

foi utilizado o método desenvolvido por Fernandes (2007)(4), que pondera a

velocidade de lançamento das partículas a partir da distribuição de massa em

função da distância.

A energia específica de lançamento ( ), considerada como a quantidade

de energia cinética por unidade de massa (J/kg), é dada então pela equação

específicaE

(A).

2

2vEespecífica = (A)

O experimento realizado consiste em conectar o projetor ao compressor de ar

regulado à pressão de operação requerida através de um mangote flexível,

preenchê-lo com a argamassa e posicioná-lo sobre um apoio a aproximadamente

1,0 m de altura com relação ao solo, sem qualquer anteparo vertical. Ao acionar o

gatilho para liberação do ar comprimido, a argamassa se espalha sobre o chão

previamente forrado com faixas de papel Kraft cobrindo uma área de 2,0 m x 4,0 m,

conforme mostra a Figura 2.

Figura 2 – Experimento para estimativa da energia específica de lançamento empregada pelo projetor a ar comprimido.

1 Valor recomendado pelo fabricante do equipamento de projeção.

7

Após o esvaziamento do projetor, as faixas de papel preenchidas com

argamassa são recolhidas e pesadas. Para o cálculo da distribuição de massa pela

distância, desconta-se a massa dos papéis determinada antes do lançamento da

argamassa.

Uma vez que o experimento não apresenta grande variação, já que foi tomado

o cuidado de realizá-lo em ambiente sem incidência de ventos que interferem na

distribuição das partículas projetadas, a medição da distribuição de massa foi

realizada duas vezes para cada argamassa e os resultados apresentados na Figura

3 correspondem à média das duas medições.

0

5

10

15

20

25

30

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5Distância média de queda (m)

% M

assa

dis

tribu

ída

4

01530

Figura 3 – Distribuição de massa das argamassas em função distância.

A partir dos valores de velocidade e energia encontrados para a projeção a ar

comprimido, é possível calcular a altura de queda que deve ser empregada no

lançador de argamassa para simular a mesma energia na aplicação manual do

revestimento.

Sabe-se que a energia mecânica de um sistema permanece constante no

tempo (Equação (B)) e que a mesma é dada pela soma da energia cinética e da

energia potencial a cada instante (Equação (C)).

finalinicial MM EE =

(B)

finalfinalinicialinicial PotCinPotCin EEEE +=+ (C)

Como a argamassa parte do repouso antes de ser lançada através do

equipamento de queda, a energia cinética inicial é igual à zero ( 0=inicialCinE ).

8

Considerando que ao atingir a base a energia potencial final da argamassa seja zero

( ), tem-se que: 0=finalPotE

finalinicial CinPot EE =

(D)

Sabendo-se que:

mghE

inicialPot = (E)

e

2

2mvEfinalCin =

(F)

tem-se que:

2

2mvmgh =

(G)

Conhecendo a velocidade de lançamento estimada pelo experimento descrito

anteriormente e considerando a aceleração da gravidade igual a 9,81 m/s², pode-

se determinar a altura de queda de cada argamassa estudada pela Equação

g

(H):

gvh2

2

=

(H)

Os resultados de velocidade de lançamento e de altura de queda das

argamassas encontram-se na Tabela 3.

Tabela 3 – Velocidade de lançamento e altura de queda das argamassas.

Argamassa Velocidade de lançamento ponderada (m/s)

Altura de queda das argamassas (m)

0 3,99 0,81

15 4,43 1,0

30 4,05 0,84

Moldagem das placas de revestimento e dos corpos-de-prova

Os revestimentos de argamassa foram aplicados sobre placas de substrato

padrão (cor vermelha), previamente limpas com uma escova para retirada de poeira

9

e sujidades. Os corpos-de-prova prismáticos foram moldados em fôrmas metálicas,

em duas camadas, sobre as quais foram aplicados 20 golpes, e rasados na

superfície com espátula.

Lançamento manual – lançador de queda

A moldagem das placas de revestimento com o lançador de queda foi realizada

preenchendo o compartimento com argamassa e abrindo-o para que a massa caísse

sobre a placa de substrato, envolta por um gabarito que garantia a espessura

desejada de revestimento (2 cm).

Como cada argamassa foi lançada de uma altura diferente, optou-se por deixar

o suporte do compartimento de queda da argamassa fixo a uma altura de

aproximadamente 1,5 m para facilitar seu preenchimento e elevar a placa de

substrato padrão a uma altura que garantisse a distância de queda apresentada

anteriormente na Tabela 3 (Figura 4).

Figura 4 – Moldagem das placas de revestimento com o lançador de queda desenvolvido por Antunes (2005)(1).

Compartimento para lançamento da argamassa

Deixou-se sempre um excesso de argamassa em cada moldagem para garantir

o corte e melhor acabamento superficial das placas de revestimento sem

necessidade de re-preenchimento, evitando assim a imposição de esforços de

compressão sobre a camada já aplicada. O excesso de argamassa foi retirado com

o auxílio de uma régua de alumínio, posicionado paralelamente à menor dimensão

10

da placa, em movimentos de vai-e-vem. O acabamento final foi realizado da mesma

maneira.

Projeção a ar comprimido

A moldagem das placas de revestimento produzidas por projeção a ar

comprimido foi realizada na posição vertical. Um painel de madeira revestida com

filme plástico foi fixado a uma parede e as placas de substrato padrão foram

colocadas em seu interior (Figura 5 a). A largura da madeira garantia o gabarito da

espessura do revestimento (2 cm) e facilitava o corte e o acabamento da argamassa

fresca, servindo como guia.

(a) (b)

Figura 5 – Aplicação por projeção a ar comprimido: (a) painel de aplicação das argamassas e (b) moldagem das placas de revestimento.

Durante a aplicação das argamassas o projetor foi mantido a uma distância de

aproximadamente 15 cm das placas de substrato padrão (Figura 5 b) e tomou-se o

cuidado de manter a ortogonalidade do equipamento durante o lançamento.

Assim como na moldagem com o lançador de queda, deixou-se um excesso de

argamassa ao final da aplicação (Figura 6 a), que foi retirado com a ajuda de uma

linha de náilon para evitar a imposição de esforços de compressão ou cisalhamento

na camada aplicada sobre o substrato. O acabamento final foi realizado com régua

de alumínio e a aparência das placas após regularização da superfície está ilustrada

na Figura 6 b.

11

(a) (b)

Figura 6 – Painéis de argamassa aplicada por ar comprimido: (a) logo após a aplicação e (b) após acabamento final.

Cura das placas de revestimento e dos corpos-de-prova de argamassa

As placas de revestimento produzidas com o lançador de queda foram

mantidas na posição horizontal até o dia seguinte ao de sua moldagem, sendo

embaladas em sacos plásticos vedados com fita adesiva no segundo dia e mantidas

na posição vertical em ambiente de laboratório durante 48 dias. As placas

produzidas por projeção a ar comprimido foram mantidas nos painéis de moldagem

(na posição vertical) durante um dia e foram embaladas em sacos plásticos vedados

com fita adesiva no segundo dia, sendo mantidas na posição vertical em ambiente

de laboratório durante 48 dias.

Os corpos-de-prova prismáticos foram mantidos nas fôrmas até o dia seguinte

à moldagem, embalados em sacos plásticos. A desmoldagem foi realizada no

segundo dia e os corpos-de-prova foram mantidos em sacos plásticos vedados

durante 50 dias em ambiente de laboratório.

Corte dos corpos-de-prova cilíndricos e colagem das pastilhas

O corte dos corpos-de-prova cilíndricos (φ = 5 cm) foi realizado com as placas

na posição horizontal, conforme a Figura 7. Para a realização do corte foi utilizada

uma extratora elétrica com sistema de fixação por meio de vácuo, com serra copo de

50 mm de diâmetro acoplada. Este equipamento foi utilizado para manter a

ortogonalidade e permitir maior controle durante a execução dos cortes. Além disto,

todo o procedimento foi realizado com auxílio de água.

12

Figura 7 – Corte dos corpos-de-prova cilíndricos.

Após a execução dos cortes, as pastilhas de alumínio foram coladas com

massa plástica sobre a superfície seca dos corpos-de-prova (Figura 8). As placas

foram colocadas em imersão 24 horas após a colagem das pastilhas, para garantir a

integridade da cola, e mantidas imersas em água durante pelo menos 24h até a

execução do ensaio de resistência de aderência à tração, totalizando 50 dias de

idade. Os ensaios foram realizados com um dinamômetro de tração com célula de

carga de 5 kN.

Figura 8 – Placa de revestimento com as pastilhas metálicas coladas para ensaio de resistência de aderência à tração.

RESULTADOS E DISCUSSÕES Compactação da argamassa

A determinação da densidade aparente no estado fresco (NBR 13278:2005) (5)

foi realizada em 3 momentos distintos: (1) após a mistura, (2) após o lançamento no

equipamento de queda e (3) após a projeção a ar comprimido. Para o cálculo do teor

de ar incorporado, segundo a mesma norma, a massa específica da argamassa no

13

estado anidro (em pó) foi determinada no picnômetro de hélio e seu valor é igual a

2648 kg/m³.

Para o cálculo da proporção volumétrica dos componentes das argamassas no

estado fresco, apresentada na Figura 9, foram determinadas: (1) a porcentagem de

material retido na peneira de malha 200, por peneiramento e lavagem, e (2) a massa

específica dos agregados por picnometria de gás hélio.

51

52

50

36

45

47

36

46

40

11

11

11

8

10

10

8

10

9

26

27

26

12

15

15

10

13

12

12

14

45

46

30

39

9

27

30

0_Mist

0_Manual

0_Projetada

15_Mist

15_Manual

15_Projetada

30_Mist

30_Manual

30_Projetada

% Agregados % Finos % Água % Ar

Figura 9 – Proporção volumétrica dos componentes das argamassas no estado fresco.

Observa-se que o teor de ar incorporado das argamassas com aditivo após a

mistura foi muito maior do que o esperado pela análise exploratória realizada em

laboratório, que era em torno de 20% a 25%. A provável causa desse aumento é a

energia de mistura imposta pelo misturador mecânico utilizado nas moldagens em

comparação com o misturador de bancada utilizado no estudo exploratório de

formulação das composições. A Tabela 4 apresenta a perda do ar incorporado nas

argamassas frescas logo após a aplicação.

Tabela 4 – Perda do ar incorporado nas argamassas após a aplicação.

Teor de ar após  Perda de ar (%) 

Aditivo (%)  Mistura Aplicação

Manual Projeção mecânica

Aplicação Manual

Projeção mecânica

0 12 9 14 25,0 -16,7*

0,015 45 30 27 33,3 40,0

0,03 46 30 39 34,8 15,2 *o sinal negativo indica que houve incorporação de ar.

14

Observa-se que, ao contrário do esperado, a aplicação por projeção mecânica

não produz maior perda de ar da argamassa fresca quando comparada à aplicação

manual para todas as argamassas, levando à especulação de que a reologia das

argamassas também influencia esse comportamento.

No estado endurecido, a redução da porosidade relativa das argamassas pode

ser estimada pelo quociente da diferença da densidade aparente dos corpos-de-

prova de argamassa moldados logo após a aplicação e logo após a mistura, pela

densidade aparente dos corpos-de-prova de argamassa moldados logo após a

mistura (Tabela 5).

Tabela 5 – Porosidade relativa das argamassas endurecidas.

Densidade aparente (kg/m³) após  Redução da porosidade relativa (%) 

Aditivo (%)  Mistura Aplicação

Manual Projeção mecânica Aplicação Manual Projeção mecânica

0 1906 1918 1978 0,6 3,8

0,015 1278 1673 1651 30,9 29,2

0,03 1261 1355 1636 7,5 29,7

A projeção a ar comprimido, de forma geral, reduz a porosidade relativa das

argamassas no estado endurecido. No entanto, o comportamento da argamassa

com 15% de aditivo incorporador de ar se manteve o mesmo para os dois tipos de

aplicação. Uma possível explicação seria o fato de essa argamassa se desagregar

mais facilmente durante a aplicação, uma vez que foi a composição que atingiu

maior energia de lançamento com o projetor a ar comprimido, conforme mostrado na

Tabela 3, fato este provavelmente devido à formação de partículas menores

lançadas mais distantes pelo spray gerado durante a projeção. Esse comportamento

reológico seria responsável por permitir que a argamassa fosse compactada da

mesma forma tanto na aplicação manual quanto na projeção a ar comprimido, o que

não aconteceu com as outras composições.

Resistência à tração na flexão e à compressão

Os ensaios de resistência à tração na flexão e à compressão foram realizados

de acordo com a norma NBR 13279:2005(6) em três corpos-de-prova prismáticos

para cada situação (argamassa recém misturada, após lançamento manual e após

projeção a ar comprimido) e os resultados estão apresentados na Figura 10.

15

(a)

R2 = 0,8308

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

0 500 1000 1500 2000 2500

Resistência à tração na flexão (MPa)

Densidade aparente (kg/m³)

0_tração

15_tração

30_tração

15_Mist

30_Projetada

(b)

R2 = 0,9241

0

1

2

3

4

5

6

7

0 500 1000 1500 2000 2500

Resistência à compressão (MPa)

Densidade aparente (kg/m³)

0_compressão

15_compressão

30_compressão

30_Projetada

15_Mist

Figura 10 – (a) Resistência à tração na flexão e (b) resistência à compressão.

As resistências à tração na flexão e à compressão das argamassas

apresentaram boa relação com a porosidade relativa das argamassas, diminuindo

com a redução da porosidade, conforme esperado. Sendo assim, a argamassa

30_Projetada apresentou resistência mecânica superior à da argamassa 30_Manual,

por ter menor porosidade. As argamassas 15_Manual e 15_Projetada, que sofreram

a mesma redução da porosidade nas duas aplicações, apresentaram valores muito

parecidos de resistência à tração na flexão e resistência à compressão, assim como

a argamassa 0 (sem aditivo). Isto sugere que a forma de aplicação não é

responsável pelo aumento da resistência mecânica das argamassas, mas sim a

combinação entre a forma de aplicação e o comportamento reológico das

argamassas.

Resistência de aderência à tração

16

A resistência de aderência à tração das argamassas foi medida em 32 corpos-

de-prova por combinação argamassa-forma de aplicação, sendo 8 em cada placa de

revestimento moldada, e os resultados estão apresentados na Figura 11.

0,00

0,10

0,20

0,30

0,40

0,50R

esis

tênc

ia d

e ad

erên

cia

(MPa

) Dados Média

0 15 30Aplicação

Argamassa

Manual

0 15 30

Projeção

Figura 11 – Resistência de aderência à tração das argamassas estudadas.

A forma de ruptura predominante em cada combinação argamassa-forma de

aplicação está apresentada na Tabela 6.

Tabela 6 – Forma de ruptura predominante no ensaio de resistência de aderência à tração.

Ruptura predominante 

Aditivo (%)  Aplicação Manual Projeção mecânica

0 Argamassa / Substrato Argamassa / Substrato

0,015 Argamassa / Substrato Corpo de argamassa

0,03 Superfície Corpo de argamassa

Nota-se que a resistência de aderência à tração sofre grande influência da

forma de aplicação, exceto para a argamassa sem aditivo incorporador de ar

(Argamassa 0). Ao contrário do que era esperado, a dispersão dos resultados de

resistência de aderência à tração foi maior para a projeção a ar comprimido do que

para a aplicação manual. A provável causa desse comportamento pode ser atribuída

ao fato de na projeção a ar comprimido as partículas serem lançadas com

velocidades diferentes durante a formação do spray, o que não ocorre com a

utilização do equipamento lançador de queda que simula a aplicação manual, uma

17

vez que a velocidade de lançamento (altura de queda) nesse caso é mantida

constante durante a aplicação da argamassa.

A análise de variância da resistência de aderência à tração de cada argamassa

com relação ao tipo de aplicação (ANOVA com um fator ao nível de 5% de

significância), apresentada na Tabela 7, comprova que somente a Argamassa 0 não

sofre influência do tipo de aplicação (P>0,050).

Tabela 7 – Resultados da análise de variância.

Argamassa F P

0 0,11 0,745

15 76,22 0,000

30 71,43 0,000

Analisando somente a influência da forma de aplicação na resistência de

aderência das argamassas, observa-se que a aplicação por projeção a ar

comprimido leva a um aumento significativo desta propriedade quando comparada à

aplicação manual, já que o valor médio de resistência de aderência à tração

aumentou 58%, passando de 0,12 MPa na aplicação manual para 0,19 MPa na

projeção a ar comprimido, conforme ilustrado na Figura 12.

0,00

0,10

0,20

0,30

0,40

0,50

Res

istê

ncia

de

ader

ênci

a (M

Pa)

Dados Média

Manual Projeção

Figura 12 – Influência do tipo de aplicação na resistência de aderência.

A influência da forma de aplicação na resistência de aderência à tração

também é comprovada por uma análise de variância (ANOVA com dois fatores ao

18

nível de 5% de significância) apresentada na Tabela 8. Nota-se também a influência

da composição da argamassa e da interação dos fatores (forma de aplicação e

composição da argamassa) na resistência de aderência à tração. Portanto, todos os

efeitos foram significativos, uma vez que os níveis descritivos P apresentados são

inferiores a 0,001.

Tabela 8 – Resultados da análise de variância para a resistência de aderência.

Fator Graus de liberdade F P

Forma de aplicação 1 29,98 0,000

Composição da argamassa 2 139,15 0,000

Interação 2 15,81 0,000

Erro 186

Total 191

0,00

0,05

0,10

0,15

0,20

0,25

0,30

Res

istê

ncia

de

ader

ênci

a (M

Pa)

Manual

Projeção

0 15 30Argamassa

Figura 13 – Interação entre o tipo de aplicação e a composição da argamassa.

É importante ressaltar que a resistência de aderência à tração da Argamassa

15 aumentou quando a aplicação passou de manual para projeção a ar comprimido

embora esta argamassa tenha apresentado a mesma redução na porosidade

relativa nas duas formas de aplicação (aproximadamente 30% com relação à

argamassa misturada). Sendo assim, a aderência não pode ser diretamente

relacionada à porosidade da argamassa. Acredita-se que a projeção a ar

comprimido leve à melhor acomodação das partículas de argamassa na base de

aplicação, diminuindo a taxa de defeitos e aumentando a resistência de aderência. É

necessário aprofundar essa investigação através da análise da interface argamassa-

19

substrato (taxa de defeitos) e do comportamento reológico das argamassas

estudadas.

Módulo de elasticidade dinâmico

O módulo de elasticidade dinâmico das argamassas foi medido de acordo com

a norma NBR 15630:2008(7) e os resultados estão exibidos na Figura 14.

R2 = 0,9984

0

4

8

12

16

20

0 500 1000 1500 2000 2500

Módulo de elasticidade dinâmico (GPa)

Densidade aparente (kg/m³)

0 15 30

30_Projetada

15_Mist

Figura 14 – Módulo de elasticidade dinâmico em função da densidade aparente.

Como o módulo de elasticidade dinâmico é diretamente proporcional à

densidade aparente da argamassa, as composições com menor porosidade

apresentam maiores valores de módulo. No entanto, como a redução da porosidade

não está diretamente relacionada ao tipo de aplicação, não se pode afirmar que a

aplicação da argamassa por projeção a ar comprimido leve ao aumento do módulo

de elasticidade do revestimento.

CONCLUSÕES

A aplicação da argamassa por projeção a ar comprimido não leva ao aumento

da compactação (perda do ar incorporado) de todas as composições com relação à

aplicação manual. Sendo assim, a compactação da argamassa não depende

somente do tipo de aplicação, mas também do comportamento reológico do

material.

O mesmo ocorre com a resistência mecânica das argamassas, que não

apresentou relação direta com o tipo de aplicação, mas sim com a porosidade das

composições, que depende da combinação entre a forma de aplicação e o

comportamento reológico da argamassa.

20

Já a resistência de aderência à tração sofreu grande influência da forma de

aplicação, com exceção da composição sem aditivo incorporador de ar, da

composição da argamassa e da interação entre os fatores (argamassa e forma de

aplicação). A Argamassa 15 apresentou ganho na resistência de aderência quando

aplicada por projeção a ar comprimido embora tenha obtido a mesma redução da

porosidade relativa nas duas aplicações. A investigação dos defeitos na interface

argamassa-substrato levaria a uma melhor compreensão do que foi observado.

Novamente a forma de aplicação não é um fator isolado no ganho de resistência de

aderência, devendo-se levar em consideração o comportamento reológico das

argamassas.

Assim como as outras propriedades, o módulo de elasticidade não depende

isoladamente da forma de aplicação, uma vez que nem sempre a projeção a ar

comprimido leva a uma maior compactação e conseqüente aumento do módulo de

elasticidade do revestimento produzido.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP)

pela utilização de seu espaço físico para a execução das moldagens e pela

realização de alguns ensaios, à Votomassa pelos materiais cedidos (cimento, areia e

aditivo incorporador de ar), à Minercal pela doação da cal, à Anvi pelo empréstimo

do equipamento de projeção a ar comprimido e ao CONSITRA (Consórcio Setorial

para Inovação Tecnológica em Revestimentos de Argamassa) pelo apoio a esta

pesquisa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, R. P. N. Influência da reologia e da energia de impacto na resistência de aderência de

revestimentos de argamassa. 2005, 163 p. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo.

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CARASEK, H. Aderência de argamassas à base de cimento Portland a substratos porosos – avaliação dos fatores intervenientes e contribuição ao estudo do mecanismo da ligação. 1996, 285 p. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo.

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FERNANDES, H. C. Estimativa da energia de lançamento das argamassas projetadas por spray a ar comprimido. 2007, 95 p. Dissertação (Mestrado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo.