LAUDO SOCIAL

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Instruções sociais de processos, sentenças e decisões Eunice Teresinha Fávero Doutora em Serviço Social e professora da UNICSUL/São Paulo.

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  • Instrues sociais de processos, sentenas e decises

    Eunice Teresinha Fvero

    Doutora em Servio Social e professora da UNICSUL/So Paulo.

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    Instrues sociais de processos, sentenas e decises

    Introduo

    Instrues sociais de processos, sentenas e decises so aqui pensadas

    enquanto instrues da rea de Servio Social em processos judiciais processos

    nos quais decises e sentenas, na maioria das vezes, determinam mudanas de

    histrias de vida. Esse o foco do contedo aqui apresentado. Conhecer essa

    temtica implica estabelecer um dilogo com o referencial terico-metodolgico e

    tico do Servio Social. Qual o conhecimento pertinente a essa rea de trabalho e

    os fundamentos ticos que o direcionam? Como esse conhecimento e essa postura

    tica tm-se colocado na interveno cotidiana no mbito das aes judiciais? Qual

    a dinmica de uma ao processual e com que base de conhecimentos o

    magistrado toma uma deciso e profere uma sentena na Justia da Infncia e

    Juventude, Justia da Famlia, Justia Criminal enquanto reas nas quais mais

    comumente a atuao do assistente social solicitada? Em sntese, quais so as

    instrues da rea do Servio Social que fundamentam a ao e a deciso

    processuais?

    A realidade socioeconmica e cultural dos sujeitos que se tornam

    personagens ou partes das aes processuais a base sobre a qual a instruo

    social se apresenta. Assim, desvelar a realidade social em suas conexes e

    determinaes mais amplas e em suas expresses particularizadas no dia a dia de

    crianas, adolescentes, adultos, mes, pais, famlias envolvidos nessas aes,

    interpret-la com o apoio de conhecimentos cientficos pertinentes rea e tomar

    uma posio do ponto vista do Servio Social portanto, de um ponto de vista

    fundamentado terica e eticamente apresenta-se como contedo central da

    instruo. Isso significa considerar que a instruo social se d com base na

    construo do conhecimento da situao que se apresenta como objeto de uma

    ao judicial, articulada ao conhecimento acumulado pela cincia, que vai balizar e

    referendar uma ao e uma anlise competente do ponto de vista profissional.

  • 3

    Nesse processo de trabalho, o estudo social e/ou sua traduo, em alguns espaos

    do campo sociojurdico, como percia social tornam-se procedimento essencial.

    1 Instruo processual e instruo social particularidades do tema

    A instruo social faz parte da instruo processual, ou seja, conhecimentos

    da rea de Servio Social, registrados em um informe, um relatrio, um laudo ou

    um parecer, servem de referncia ou prova documental que vai contribuir para

    formar o processo, para informar a ao sobre a qual o magistrado decide.

    Segundo Ferreira (1986), instruo traduz-se por transmisso de

    conhecimentos, informao ou explicao que se d com vistas em uma finalidade.

    No mbito jurdico, sua definio relaciona-se a pr (um processo, uma causa etc.)

    em estado de ser julgado ou anexar a (uma petio apresentada em juzo)

    documentos comprobatrios das alegaes nela feitas.

    O processo refere-se ao conjunto de peas que documentam o exerccio da

    atividade jurisdicional em um caso concreto, isto , o conjunto dos documentos,

    denominados usualmente de provas, que constituem os autos processuais. Essas

    provas so obtidas de diversas maneiras e geralmente so constitudas por

    documentos que as pessoas envolvidas juntam ao processo (prova documental),

    diretamente ou por meio de advogado a depender da instncia onde tramita a

    ao; testemunhos recolhidos, via de regra, por determinao judicial, podendo

    acontecer em audincia ou em outros locais, se necessrio (prova testemunhal), ou

    por meio de percia (prova pericial), que produzida por profissional detentor de

    conhecimentos especializados de uma determinada rea do saber, os quais

    possibilitam elementos de informao e de explicao da situao, de maneira a

    subsidiar o magistrado na tomada de uma deciso e/ou no proferimento de uma

    sentena. Essas possibilidades de provas e seus trmites so previstos no Cdigo

    de Processo Civil1.

    1 Conferir, a respeito, Dal Pizzol (2005, p. 21-23), quanto aos aspectos legais e doutrinrios do estudo social e percia social no mbito do Judicirio.

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    A deciso em relao a uma situao processual e/ou sentena, que de

    competncia do magistrado, relaciona-se ao julgamento e ao veredicto, como

    usualmente se diz no meio jurdico.

    O ato de julgar, de decidir, no mbito jurisdicional, deve basear-se em

    fundamentao (dada pelas provas) que possibilite a aplicao da justia. As

    esferas judiciais que mais comumente recorrem aos conhecimentos acumulados

    pelo Servio Social so a Infncia e Juventude, a Famlia e a Criminal. Embora os

    julgamentos, decises e sentenas devam manter relao com uma base legal que

    propicie a aplicao da justia, a ao profissional especializada em uma rea do

    conhecimento e a ao judicial deparam-se com particularidades, nem sempre

    possveis de serem enquadradas nos limites da positividade da legislao, em

    virtude da complexidade da realidade social. Considerar que a realidade contempla

    vrias e amplas possibilidades de explicao dentre as quais aquelas

    relacionadas aos direitos fundamentais e sociais atitude necessria a uma

    instruo processual.

    A construo do conhecimento na rea do Servio Social acerca de uma

    situao processual acontece geralmente por meio do estudo social. No meio

    Judicirio, o estudo social, com a finalidade de oferecer elementos para a deciso

    judicial, pode ser denominado percia social, isto , o juiz solicita e nomeia um

    perito, que um profissional com conhecimento especializado na rea nesse

    caso, graduado em Servio Social para a realizao da percia social, de maneira a

    contribuir como suporte deciso que ir tomar. O profissional poder registrar

    esse conhecimento por meio de alguns documentos, entre eles, a informao

    tcnica, o relatrio, o laudo e o parecer, documentao essa objeto de

    detalhamento mais frente.

  • 5

    2 Realidade social fundamentos para a instruo social

    Para essa reflexo, fundamental ter clareza de qual o objeto de

    conhecimento do Servio Social em uma determinada demanda que chega para o

    assistente social trata-se de um objeto delimitado por ele, ainda que relacionado

    s peculiaridades socioinstitucionais, tal como as demais especificidades e

    particularidades do trabalho profissional.

    delimitao do objeto vinculam-se as etapas relacionadas aos objetivos e

    finalidades do conhecimento que se busca, ou seja, por qu e para qu esse

    conhecimento necessrio. Tais objetivos e finalidades devem observar o ponto de

    vista profissional, relacionados ao projeto tico-poltico e terico-metodolgico da

    profisso.

    Em conjunto com esses componentes da ao, define-se a metodologia

    operativa: como conhecer, como agir, como informar, como documentar, para o

    que solicitado o domnio dos instrumentais tcnico-operativos. Essa

    operacionalizao se articula com o instrumento essencial da ao, que o

    domnio do conhecimento terico e tico que direciona a profisso.

    imprescindvel considerar que o caso em estudo no um caso, ou seja,

    ele tem sua condio singular, todavia a sua construo social, histrica, cultural.

    As influncias familiares, os condicionantes culturais, as determinaes sociais

    relacionadas ao mundo do trabalho, s polticas sociais, ao territrio onde vive,

    particularizam-se em sua histria e explicam sua condio presente.

    Quando se fala em aspectos sociais de uma instruo processual, fala-se do

    conhecimento relacionado rea de Servio Social acerca de uma situao

    concreta, envolvendo um indivduo social, uma famlia, um grupo, uma

    O que particulariza a instruo em Servio Social em cada situao ou ao processual?

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    organizao. Os fundamentos da rea de Servio Social que podem dar suporte

    deciso judicial esto postos na realidade social. Esto nos acontecimentos e nas

    relaes sociais, econmicas, polticas, familiares, culturais, construdas

    historicamente pelo movimento das foras sociais que provocam avanos ou

    recuos no caminho emancipatrio da humanidade.

    Assim, ao acolher um indivduo ou uma famlia para uma entrevista que

    compe os procedimentos tcnicos para a construo do estudo social , o

    assistente social se depara com uma situao que lhe revelada, no primeiro

    momento, em sua expresso imediata. Ele vai saber, por exemplo, que aconteceu

    um ato de violncia (fsica, sexual, psicolgica etc.) de um adulto (pai, me ou

    outros) contra uma criana ou um adolescente ou um ato expresso como violncia

    de gnero; vai saber que uma me e/ou um pai abandonou uma criana ou, ento,

    vai se deparar com a entrega de uma criana para abrigamento ou para adoo,

    mediante alegao de impossibilidade material para cuidar dela ou tambm em

    razo da ausncia de afetividade e de desejo de cuidar dela; vai encontrar um

    indivduo ou um casal que pretende inscrever-se para adoo ou que j est

    cuidando de uma criana ou adolescente e pretende efetivar a adoo; vai se

    deparar com um adolescente que praticou um furto, um roubo, um homicdio; vai

    se defrontar com uma me cumprindo pena de privao de liberdade e que

    necessita entregar o filho recm-nascido para outra pessoa cuidar, haja vista a

    criana no poder permanecer em sua companhia no presdio (geralmente, alm

    de quatro meses).

    Tambm vai encontrar um adulto que praticou furto, sequestro, homicdio

    aqueles que participaram de crimes considerados leves e/ou primrios at aqueles

    envolvidos no crime organizado, com alto grau de violncia; vai se deparar com um

    idoso que depende de auxlio previdencirio para sobreviver ou que est em

    estado de abandono familiar; vai encontrar uma me e um pai ou outros familiares

    que disputam a guarda de uma criana ou adolescente (inclusive a disputa com

    base em argumentos relacionados proteo e a cuidados (in)adequados at

    aquela que se relaciona possibilidade de recebimento de benefcios de programa

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    de transferncia de renda ou auxlio previdencirio, cada qual com sua aparente

    dose de razo). Enfim, essas e tantas outras situaes expressas em um primeiro

    momento, em sua imediaticidade, requerem do assistente social a capacidade de

    conhec-las com profundidade, ou seja, a capacidade de recuperao de sua

    construo histrica em uma perspectiva crtica, a capacidade de identificao da

    complexidade da realidade socioeconmica-cultural na qual se inserem no

    presente, a fim de analis-las e interpret-las.

    Quando o Judicirio solicita ao assistente social um estudo a respeito de

    sujeitos envolvidos em situaes dessa natureza, est implcito o objetivo

    institucional de recolher elementos que possam contribuir para que o magistrado

    forme um juzo sobre o caso e tome uma deciso justa a respeito. Esses elementos

    esperados da rea de Servio Social se relacionam, portanto, a um saber

    acumulado pela cincia e que deve ser de domnio do assistente social. Um saber

    que remonta ao referencial terico que ilumina a ao, ao saber acumulado pela

    experincia em articulao com esse referencial, ao domnio do conhecimento legal

    e das particularidades institucionais necessrias ao encaminhamento da ao.

    Assim, ao se falar da realidade social na qual situaes ou acontecimentos

    como os que foram mencionados se expressam, torna-se necessrio conhecer os

    determinantes socioeconmicos-culturais que a compem e que

    necessariamente se colocam e se articulam em mbito mais amplo e na localidade

    onde os sujeitos vivem e interagem. Esses determinantes so, na maioria das

    situaes, constitutivos da questo social formulada pelas relaes estabelecidas

    por uma sociedade de classes, extremamente desigual.

    Na sociedade em que vivemos, o trabalho e os rendimentos por ele

    propiciados esto na base da garantia de relativa autonomia dos sujeitos, isto ,

    por meio da renda auferida pelo trabalho, os sujeitos e/ou a sua famlia deveriam

    Como se configura essa realidade social, se pensada em termos nacionais,

    em termos do territrio onde os sujeitos vivem, em termos de suas famlias?

  • 8

    ter a possibilidade de se manter com dignidade. Manter-se com dignidade significa

    alimentar-se, vestir-se, abrigar-se em habitao adequada, ter acesso ao lazer, ao

    transporte, sade, educao, previdncia2.

    Para dizer da situao de trabalho do(s) sujeito(s), no basta dizer se algum

    est ou no trabalhando. Necessrias so a contextualizao e a interpretao de

    sua realidade, bem como do significado do trabalho para aquele sujeito

    particular, no territrio onde se insere, no Estado e no pas onde vive e suas

    conexes com a poltica e a economia mundiais. Isso no significa afirmar que cada

    estudo social ou percia social deva resultar em uma tese; tal operacionalizao,

    com essa base de fundamentos, torna-se impraticvel em um cotidiano de trabalho

    tenso que, muitas vezes, exige intervenes emergenciais, em condies de

    trabalho por vezes inadequadas e, no raro, com salrios insuficientes para dar

    conta de uma formao continuada. O que se quer ressaltar com a afirmao

    precedente que importante manter vivo o exerccio da criatividade e realizar

    uma permanente atualizao em termos do movimento da realidade social, o que

    hoje pode ocorrer, por exemplo, via acesso a muitos endereos eletrnicos

    disponveis na Internet ou por meio de grupos de estudos entre colegas reunidos

    para estudo e debates em torno de temticas comuns a partir de textos, filmes,

    estudos de casos, estudos de resolues ou planos pertinentes ao cotidiano de

    trabalho etc.

    Significa, por exemplo, levar em conta que so inerentes ao exerccio da

    profisso o conhecimento e a interpretao da realidade do mundo do trabalho.

    Essa realidade vem passando por grandes transformaes nos ltimos anos, em

    2 De acordo com o Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos Socioeconmicos (Dieese), para que o trabalhador brasileiro pudesse manter a famlia com dignidade, dependeria hoje de um salrio mnimo necessrio no valor de R$ 1.565,61 considerando uma famlia composta por dois adultos e duas crianas. Conforme o Dieese, o salrio mnimo necessrio o salrio mnimo de acordo com o preceito constitucional: salrio mnimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender s suas necessidades vitais bsicas e s de sua famlia, como moradia, alimentao, educao, sade, lazer, vesturio, higiene, transporte e previdncia social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculao para qualquer fim (Constituio da Repblica Federativa do Brasil, captulo II, Dos Direitos Sociais, artigo 7, inciso IV). O salrio mnimo nominal ou vigente de R$ 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais). Fonte consultada disponvel em: Acesso em: 14 fev. 2007.

    http://www.dieese.org.br/

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    termos de tecnologias, de relaes e de regulamentaes trabalhistas, atingindo

    todos os trabalhadores e mais diretamente aqueles que no tiveram ou no tm

    acesso a uma educao formal de qualidade, a uma qualificao profissional

    conectada aos avanos tecnolgicos. O trabalho informal e a desregulamentao

    das relaes de trabalho passam a fazer parte do cotidiano de milhares de

    trabalhadores. O desemprego e a insegurana trabalhista apresentam-se como

    dados reais para a grande parcela da populao.

    Uma pesquisa sobre as condies de trabalho dos assistentes sociais e

    psiclogos que atuam no Tribunal de Justia do Estado de So Paulo exemplar

    quanto ao desvelamento da realidade da populao envolvida nas aes judiciais,

    que tem um predomnio de indicadores de pobreza. De 280 respostas emitidas

    pelos sujeitos participantes da pesquisa, 131 descrevem as condies de vida da

    populao com indicadores relativos a misria, carncia socioeconmica, baixa

    renda. O desemprego e o subemprego aparecem em 76 respostas. Soma-se, ainda,

    um quadro de ausncias ou precariedades no que se refere escolaridade e ao

    atendimento sade (FVERO, MELO, JORGE, 2005, p. 81-82).

    Portanto, falar de trabalho, de emprego, de desemprego, de renda, em um

    relatrio ou em um laudo, implica reunir conhecimento das referidas

    transformaes e de como elas afetam a vida dos indivduos e/ou famlias

    envolvidas nas aes judiciais. Como o desemprego, por exemplo, afeta as relaes

    familiares; de que forma reage o homem, historicamente provedor da casa e da

    famlia, ao se ver desempregado e sem perspectivas de dar conta desse papel.

    Ainda que mudanas nas relaes de gnero venham possibilitando novas feies a

    essa tradicional diviso de responsabilidades pelo pblico (homem) e pelo privado

    (mulher), a incorporao cultural de uma nova realidade demanda tempo. Nesse

    contexto, no dia a dia de trabalho, comumente os profissionais se deparam com

    histrias familiares que revelam que o sentimento de fracasso e vergonha por

    parte do homem/trabalhador que se v sem condies, pela incapacidade

    situada por ele no plano individual , de dar conta desse papel, afeta o cotidiano de

    muitos trabalhadores desempregados e subempregados, resultando, por vezes, em

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    violncia e/ou em rompimento de vnculos.

    Assim como o homem, a mulher/me, nesse contexto, se v como a nica

    responsvel pelo cuidado da casa e dos filhos e, ao mesmo tempo, responsvel pelo

    provimento material da famlia. Portanto, ela precisa trabalhar para efetivar esse

    provimento. Para isso, necessita de suporte para manter os cuidados aos filhos, o

    que poderia, em princpio, encontrar na rede familiar e na rede de proteo social.

    Mas poderia e em grande parte das vezes isso real no contar com o apoio da

    rede familiar, pelo fato de os familiares tambm no reunirem condies para tal.

    Da mesma maneira, qual a possibilidade de acesso a direitos como creches, escolas

    de ensino fundamental e mdio, espaos de proteo para os filhos permanecerem

    quando esto fora do perodo escolar e durante o horrio de trabalho da me?

    Dados dessa natureza o assistente social necessita conhecer para realizar a

    instruo processual. Por exemplo, por que no existe vaga suficiente em creche

    para dar conta da demanda? Qual o oramento previsto para projetos com essa

    finalidade? O que a legislao diz a respeito? Quais as informaes e explicaes

    sobre essa realidade que o assistente social pode oferecer em uma instruo

    processual de maneira a possibilitar que o Ministrio Pblico, por exemplo,

    provoque o Poder Executivo para que cumpra a legislao, criando programas que

    garantam a convivncia familiar e comunitria3?

    A clareza terica e o bom senso para discernir qual a finalidade da

    instruo que pode diferir de processo para processo so essenciais para a

    base de fundamentao. Assim, para um estudo relacionado a abrigamento de

    criana e/ou adolescente em razo de precariedade material ou reviso de BPC

    para uma pessoa idosa, informaes como as indicadas so fundamentais. Ao se

    trabalhar com uma demanda de disputa e regulamentao de guarda de filho por

    3 Conforme o artigo 19 do ECA (Lei n. 8.069/1990), Toda criana ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua famlia e, excepcionalmente, em famlia substituta, assegurada a convivncia familiar e comunitria, em ambiente livre da presena de pessoas dependentes de substncias entorpecentes. O artigo 4 dispe que dever da famlia, da comunidade em geral e do Poder Pblico a efetivao dos direitos da criana e do adolescente vida, sade, alimentao e educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria.

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    parte de uma famlia de classe mdia ou mesmo de mdia-alta, o conhecimento das

    condies econmicas importante e de competncia do assistente social, mas a

    relao com o mnimo necessrio para a vida com dignidade no obrigatoriamente

    item fundamental exceto no que se refere a possveis indicativos para a fixao

    de penso alimentcia, por exemplo.

    Quando se fala em fundamentos e base terica, no se est falando de algo

    abstrato, fora da realidade e da possibilidade de efetivao. Fala-se de informaes

    descritas e interpretadas a partir da dinmica da realidade social, poltica,

    econmica e cultural, de maneira a provocar aes cotidianas que garantam e

    efetivem direitos.

    Assim, ao desenvolver um estudo social e registr-lo em documento

    pertinente, informaes como as descritas do suporte sua fundamentao.

    essa fundamentao que pode fornecer elementos para que o magistrado forme

    seu juzo, de maneira a poder tomar uma deciso justa. Se questionado por meio de

    recurso (os envolvidos podem recorrer instncia superior para reviso da

    deciso, se a deciso for considerada injusta.), o magistrado pode recorrer ao

    estudo social para ratificar a sua deciso.

    A fundamentao se reporta a direitos sociais constitucionalmente previstos,

    muitos deles consolidados ou em vias de consolidao em legislao especfica.

    Assim, conhecer o Estatuto da Criana e do Adolescente, a Lei Orgnica da

    Assistncia Social, o Estatuto do Idoso, a Poltica de Seguridade Social, o Cdigo

    Civil especialmente os artigos relativos famlia , a Lei de Execuo Penal, por

    exemplo, insere-se nos fundamentos necessrios que o assistente social deve

    dominar para o exerccio de suas competncias. No para informar ao defensor, ao

    Ministrio Pblico ou ao magistrado o que diz a lei cujo domnio uma de suas

    competncias, mas para oferecer elementos que possibilitem a transmisso

    adequada da mensagem, demonstrando que os dados da realidade se conectam ou

    se contradizem no tocante lei. Isso no significa que o profissional deve ater-se ao

    estrito legalismo o qual, se tomado em sua positividade, pode at, dependendo da

  • 12

    interpretao, dificultar a garantia e/ou efetivao de direitos. Mas, sim, que ele

    deve fazer uso do que a legislao brasileira avanou em termos de possibilidades

    (explcitas e implcitas), no que se refere aos direitos humanos e sociais, de

    maneira a garantir a dignidade humana. Conforme Comparato4,

    a finalidade ltima do ato de julgar consiste em fazer justia, no

    em aplicar cegamente as normas do direito positivo. Ora, a justia,

    como advertiu a sabedoria clssica, consiste em dar a cada um o

    que seu. O que pertence essencialmente a cada indivduo, pela

    sua prpria natureza, a dignidade de pessoa humana, supremo

    valor tico. Uma deciso judicial que negue, no caso concreto, a

    dignidade humana imoral e, portanto, juridicamente

    insustentvel.

    Nesse sentido, acompanhar e estar informado de resolues e planos

    aprovados pelos Conselhos de Direitos, nas trs esferas de governo, manter-se

    atualizado sobre contedos de planos, projetos de lei e leis, relacionados ao

    trabalho cotidiano, fundamental para a instruo social processual. Por

    exemplo, em dezembro de 2006, foi aprovado pelo CONANDA e pelo CNAS o Plano

    Nacional de Promoo, Proteo e Defesa do Direito de Crianas e Adolescentes

    Convivncia Familiar e Comunitria5, cujas aes previstas envolvem o trabalho do

    assistente social na Justia da Infncia e Juventude, nos abrigos, no trabalho de

    adoo etc. Est tramitando no Congresso Nacional projeto de lei sobre guarda

    compartilhada de filhos6, o que significa que em breve a guarda compartilhada

    4 Disponvel em: . Acesso em: 20 fev. 2007. 5 Plano que enumera uma srie de objetivos relacionados efetivao da convivncia familiar e comunitria, sendo o primeiro deles: Ampliar, articular e integrar as diversas polticas, programas, projetos, servios e aes de apoio scio-familiar para a promoo, proteo e defesa do direito de crianas e adolescentes convivncia familiar e comunitria. 6 Segundo Brito (2004, p. 356), a guarda compartilhada ou conjunta no significa uma diviso estrita das horas que a criana passa com cada genitor dispositivo denominado como guarda alternada. No modelo de guarda conjunta, apesar de a criana residir com um dos pais, deve-se garantir uma convivncia ampliada com ambos os genitores, responsveis pela educao das crianas. Se durante a vigncia da unio conjugal os filhos representam cuidados e responsabilidades que devem ser compartilhados, aps a separao, o que se reconfigura o estado referente conjugalidade, e no parentalidade.

    http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/comparato

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    poder tornar-se uma norma legal, um direito do filho e dos pais7 e no uma opo

    ou resultado de um processo de mediao familiar ou de conciliao8. Em 2006

    tambm foi aprovada a Lei Maria da Penha9, por meio da qual todo caso de

    violncia domstica contra a mulher passa a ser considerado crime. Os registros de

    agresso iro gerar inquritos policiais e os julgamentos dar-se-o nos Juizados

    Especializados de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher ou nas Varas

    Criminais at que sejam criados os juizados especficos. Para a instruo dos

    processos, o juiz poder valer-se de avaliaes realizadas por profissional

    especializado. Recentemente, tambm foi institudo o Sistema Nacional de

    Atendimento Socioeducativo (SINASE), por meio do qual se pretende priorizar as

    medidas socioeducativas em meio aberto (prestao de servio comunidade e

    liberdade assistida) no atendimento a adolescente em conflito com a lei, em

    detrimento das restritivas da liberdade (semiliberdade e internao em

    estabelecimento educacional, a serem usadas em carter de excepcionalidade e

    brevidade).

    Em termos de polticas sociais, no Brasil, h uma poltica de educao e de

    sade de carter universal, mas com condies de acesso precrio em muitos

    locais do pas, existindo tanto cidades com compromisso poltico e econmico de

    atendimento digno no que se refere a essas polticas como aquelas a maioria, na

    realidade brasileira cujo acesso a servios pblicos de sade e educao

    extremamente deficitrio. A Poltica Nacional de Assistncia Social, que tem como

    principal funo a proteo social, a ser operacionalizada pelo Sistema nico de

    Assistncia Social (SUAS), prev nveis de proteo bsica e especial, inserindo-se

    7 Exceto, evidentemente, para casos de comprovada incapacidade ou inadequao de pai ou me permanecer com o filho. 8 Ainda que com a aprovao da lei esses procedimentos no sejam excludos, ao contrrio, podero facilitar o processo de dilogo, de compreenso e de estabelecimento de bases para o compartilhamento da guarda. 9 Lei Federal n. 11.340/2006, que, de acordo com seu artigo 1, cria mecanismos para coibir e prevenir a violncia domstica e familiar contra a mulher, nos termos do 8o do art. 226 da Constituio Federal, da Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Violncia contra a Mulher, da Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela Repblica Federativa do Brasil; dispe sobre a criao dos Juizados de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistncia e proteo s mulheres em situao de violncia domstica e familiar.

  • 14

    nesta ltima as situaes de mdia complexidade e de alta complexidade10, com as

    quais o assistente social se depara no cotidiano de trabalho, em variadas reas de

    atuao, entre elas, as situadas no campo sociojurdico.

    necessrio refletir sobre o fato de que o estudo realizado envolve seres

    humanos que vivem em condies objetivas, as quais afetam sua subjetividade e

    so por ela afetadas. O assistente social tambm tem sua subjetividade afetada

    nessas relaes de trabalho. Nesse sentido, o conhecimento cientfico e a reflexo

    tica so fundamentais para a posio que o profissional assume nas relaes com

    os sujeitos e nos registros e pareceres que emite. Assim, no cotidiano de trabalho,

    lida com sujeitos que mantm ou mantiveram relaes familiares com diversas

    realidades e configuraes. Falar de famlia e de relaes familiares faz parte da

    maioria das instrues sociais processuais realizadas pelo assistente social. Como

    realizar um estudo social a partir da situao de um adolescente em conflito com a

    lei sem saber de sua histria de vida11, de seu processo de socializao12, de suas

    relaes familiares ao longo de sua existncia e naquele momento da interveno?

    Elaborar instrues processuais sobre a realidade familiar exige capacitao

    e informao a respeito da realidade e da diversidade das famlias na

    contemporaneidade: das tantas famlias chefiadas por mulheres, muitas delas avs;

    do crescente mesmo que ainda no to expressivo nmero de homens

    chefiando famlias sozinhos; das unies consensuais sem vnculo legal, das unies

    homoafetivas, das famlias extensas, das famlias unidas por laos consanguneos e

    das famlias unidas por laos de afetividade etc. Da circulao de crianas,

    10 Nas de mdia complexidade, encontram-se os cidados e famlias com vivncia de negligncia, abandono, ameaa, maus-tratos, violaes, discriminaes sociais e medidas socioeducativas. Nas de alta complexidade encontram-se as famlias e os indivduos que esto sem referncia e/ou em situao de ameaa, necessitando de aes protetivas especiais temporrias, fora de seu ncleo familiar e comunitrio (NOB SUAS, 2005). 11 Histria de vida no enquanto uma histria linear e cronolgica, mas, sim, uma histria forjada em uma realidade mediada por fatores objetivos e subjetivos que condicionaram sua realidade e/ou sua condio hoje. 12 Sobre processo de socializao, conferir BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construo social da realidade. Traduo F. A. Fernandes. Petrpolis: Vozes, 1985.

  • 15

    decorrente de elementos culturais ou enquanto estratgia de sobrevivncia13; do

    desenraizamento familiar provocado por separaes, distncias geogrficas,

    migraes etc.

    Esse trabalho implica a busca de condies para estabelecer distanciamento

    ou para rever concepes com as quais nos colocamos individualmente em relao

    nossa prpria famlia ou s relaes familiares em geral, a fim de conhecer

    efetivamente essa outra famlia, que pode ter uma constituio e uma concepo

    por opo ou por contingncia opostas concepo pessoal do profissional.

    Vale aqui registrar a fala de Sarti (2003, p. 34-35) a respeito de famlias e

    polticas sociais, para fazer um paralelo em relao ao trabalho com famlias no

    mbito da instruo social processual. Essa autora diz que refletir sobre famlias e

    pensar as polticas sociais a elas direcionadas implica pensar a relao entre si e o

    outro. Nesse caso, afirma que entram em jogo duas ordens de questes:

    [...] de um lado, a idealizao da famlia, projetada num dever ser

    (e da prpria afetividade como um mundo que exclui o conflito);

    de outro, est a idealizao de si, por parte dos profissionais,

    expressa na tendncia a atribuir-se exclusivamente um saber, com

    base em sua formao tcnica, e negar que a famlia assistida

    tenha um saber sobre si prpria.

    Ouve-se o discurso das famlias como ignorncia, negando que

    este possa ser levado em conta como um dilogo entre pontos de

    vista. Essa tendncia desqualificao do outro ser tanto mais

    forte quanto mais a famlia assistida pertencer aos estratos mais

    baixos da hierarquia, reproduzindo os mecanismos que instituem

    a desigualdade social.

    13 Fonseca (1995) trata do tema circulao de crianas como parte da realidade cultural, no livro Caminhos da adoo. No estudo Rompimento dos vnculos do ptrio poder, Fvero (2001) fala da entrega de filhos a outros enquanto estratgia de sobrevivncia. Esse livro, revisto e atualizado, est sendo reeditado com o ttulo Questo social e perda do poder familiar (FVERO, 2007 no prelo).

  • 16

    dificuldade que o tema da famlia apresenta, por sua forte

    identificao como nossas prprias referncias e pelo esforo de

    estranhamento que a aproximao ao outro exige, soma-se o

    problema do estatuto que atribumos ao nosso prprio discurso e,

    consequentemente, ao discurso do outro.

    Considerar o ponto de vista alheio envolve o confronto com o

    nosso ponto de vista pessoal, o que significa romper com o

    estatuto de verdade que os profissionais, tcnicos e

    pesquisadores, tendem a atribuir a seu saber. Esse estranhamento

    permite relativizar seu lugar e pens-lo como um entre outros

    discursos legtimos, ainda que enunciados de lugares socialmente

    desiguais.

    Nesse sentido, a reflexo tica se apresenta como essencial no exerccio

    profissional que projeta uma direo social comprometida com a liberdade, a

    democracia, a efetivao de direitos humanos e sociais, a emancipao humana.

    3 tica: apontamentos para pensar a instruo social

    Como pensar a tica que envolve valores em relao ao conhecimento de

    fatos objetivos que a lei e o sistema Judicirio tm como objeto de julgamento, de

    decises, de anlises?

    Conforme Lyons (1990, p. 6),os fatos podem ser observados, ou ao menos

    eles podem ser verificados por tcnicas empricas. Mas os valores (diz-se) no

    descrevem o mundo; eles expressam nossos desejos, esperanas, vontades,

    atitudes e preferncias.

    O dilogo com o(s) sujeito(s) envolvido(s) na ao judicial, isento de

    conceitos estabelecidos a priori, essencial no trabalho do assistente social. A

    conscincia de que o saber que acumula enquanto especialista, se cristalizado,

    aumenta o risco de no considerar o saber do outro, os significados atribudos pelo

    outro a partir de sua realidade, exige um exerccio tico inerente ao esforo e ao

  • 17

    dever de isolamento do preconceito, da banalizao da vida humana, do risco da

    imerso total nas atividades e exigncias postas no cotidiano sem levar em conta o

    necessrio distanciamento para a reflexo terica, para a reflexo tica, para a

    efetiva ao em conexo com a competncia tcnica, tica e poltica.

    Konder (2002, p. 66), em estudos sobre o pensamento de Lukcs, aponta que,

    para esse autor, a imerso na cotidianidade inevitvel aos indivduos: em razo

    das necessrias simplificaes e generalizaes s quais eles recorrem no dia a dia;

    a dimenso terica da conscincia deles obrigada a autolimitar-se, em funo de

    uma entrega inevitvel do esprito s mltiplas demandas de constantes

    adaptaes e aes prticas imediatas.

    O mesmo autor observa que essa conscincia cotidiana complexa e

    contraditria: ela necessita, de um lado, simplificar seus critrios e suas

    motivaes, sob o signo do imediato e, de outro, ela se serve da linguagem, isto ,

    de um sistema cheio de mediaes complicadas. O conhecimento cientfico (e

    tambm o filosfico e o artstico, conforme Lukcs) enriquece a compreenso do

    mundo e de si prprio por parte do ser humano, possibilitando, assim, a superao

    dos limites da conscincia cotidiana e, por consequncia, a efetivao de

    transformaes histricas (KONDER, op. cit., p. 66).

    Assim, ainda que o profissional esteja necessariamente inserido na

    cotidianidade, o grande desafio que tem pela frente relaciona-se possibilidade de

    estabelecer algum distanciamento e desenvolver a reflexo crtica sobre ela, a

    investigao cientfica a respeito das situaes com as quais ele se depara no dia a

    dia da interveno. A criatividade e a curiosidade em busca de novas respostas e

    novas maneiras de agir so elementos que podem impulsionar transformaes, o

    que exige ultrapassar o imediato, ou a aparncia dos dados empricos.

    Fazer o exerccio da aproximao necessria e inevitvel ao cotidiano, ao

    imediato colocado no dia a dia da interveno profissional, e do distanciamento,

    para pensar os dados empricos a partir de referenciais tericos e valorativos

  • 18

    contidos no projeto da profisso, o que pode possibilitar o conhecimento dessa

    realidade, o respeito aos saberes e diversidade revelados nessas situaes, e a

    anlise conectada com a competncia profissional.

    A interveno do Poder Judicirio junto aos indivduos, famlias e grupos

    sociais, requer uma anlise enquanto interveno do Estado na famlia. Uma

    interveno que apresenta riscos e dificuldades, especialmente no que se refere ao

    estabelecimento de limites entre o direito proteo e o direito privacidade, por

    exemplo. Que ao realizar e como empreend-la, de maneira a contribuir com a

    proteo como direito, e no como insero na vida privada do sujeito ou da

    famlia, enquanto detentor de um saber-poder direcionado pelo autoritarismo,

    pelo preconceito, pelo controle de comportamentos e atitudes?

    Mioto (2004, p. 50) estabelece relao com a ideia de proteo subjacente

    interveno junto populao em outros espaos de trabalho no mbito do Poder

    Pblico, ou que executam programas a ele vinculados, e afirma que o direito

    privacidade e o direito proteo pelo Estado so colocados em choque no

    cotidiano da interveno com famlias, pois esse ltimo, ao mesmo tempo que

    fornece recursos e sustentao s famlias, movimenta estratgias de controle.

    Uma situao que se torna mais complicada quando se observa que a

    permeabilidade dos limites da privacidade familiar diretamente proporcional

    vulnerabilidade social, na medida em que a famlia pobre est mais sujeita a

    visitas domiciliares em situaes que envolvem suspeitas de violncia, por

    exemplo, do que famlias que, em razo de sua condio social diferenciada,

    conseguem manter sua privacidade, solucionando suas violncias sem torn-las

    pblicas.

    Considerando que, especialmente na Justia da Infncia e Juventude e cada

    vez de maneira mais frequente na Justia da Famlia e das Sucesses, a famlia

    atendida se coloca, da tica do Estado e dos demais prestadores de servios, entre

    aquelas que historicamente tm sido incapazes de suprir suas necessidades e

    cuidar de seus membros, como instruir processos do ponto de vista social,

  • 19

    considerando-as enquanto sujeitos sociais e polticos, deixando de focalizar suas

    demandas to somente enquanto demandas decorrentes de problemas

    individuais? Como faz-lo, deixando de centrar a ateno do trabalho em

    indivduos-problema, como a criana, o adolescente, a mulher, o idoso, a partir

    de situaes especficas, tais como a doena, a delinquncia, o abandono, os maus-

    tratos, a explorao, de maneira a levar em conta os processos relacionais como

    um todo? (MIOTO, 2004, p. 55).

    Quando realiza um estudo social, o profissional estabelece relaes com

    sujeitos histricos, que vivem situaes concretas, construdas socialmente. Se ele

    parte do pressuposto de que nesse estudo deve considerar a dimenso do trabalho,

    da famlia, das polticas sociais, da cultura etc., necessria a reflexo sobre o

    significado dessas dimenses e as relaes que as determinam, inseridas na

    totalidade do mundo social.

    Falar, portanto, de trabalho, de famlia, de polticas sociais, de territrio, de

    cultura, localizar nas relaes que os sujeitos mantm com essas dimenses da

    realidade o objeto de sua ao, exige o conhecimento e a crtica permanente dessa

    realidade. Se, por exemplo, aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e

    educao dos filhos menores [...] 14, quais so as condies sociais internas e

    externas vida familiar para que os pais cumpram esses deveres? E se no o

    esto cumprindo, quais as explicaes a serem dadas? possvel levantar dados

    que indiquem que tal descumprimento resultado de negligncia? Ou constatar

    que as condies materiais de existncia para uma vida com dignidade esto

    aqum de suas possibilidades concretas de acesso, pelas determinaes

    conjunturais e estruturais dadas pela sociedade desigual onde vivem? E como o

    Poder Pblico est aparelhado em termos de polticas e programas sociais para o

    cumprimento desse dever15?

    14 Artigo 22, Lei n. 8.069/1990, ECA. 15 O artigo 23 do ECA (Lei n. 8.069/1990) dispe que A falta ou a carncia de recursos materiais no constitui motivo suficiente para a perda ou a suspenso do ptrio poder [leia-se poder familiar atual Cdigo Civil]. E completa, em pargrafo nico: No existindo outro motivo que por si s

  • 20

    Esse exerccio permanente de investigao da realidade um dever

    profissional, nem direo superao de preconceitos, superao de um saber a

    priori, para a valorizao e no a desqualificao ou autodesqualificao do

    trabalho profissional.

    4 Instrumentos tcnico-operativos: fundamentos para a instruo social

    O Servio Social constitui-se pelas dimenses tico-poltica (poder), terico-

    metodolgica (saber) e tcnico-operativa (fazer), as quais interagem enquanto

    mediaes da prtica profissional, em diferentes espaos sociocupacionais

    (MARTINELLI, 2005). As trs dimenses caracterizam e fundamentam a

    interveno nesses espaos e a elas se somam os conhecimentos relativos s

    particularidades e s especificidades de cada rea de interveno.

    Os documentos que integram um processo judicial, como relatrios, laudos e

    pareceres sociais, so registros reveladores dessas dimenses, as quais so

    documentadas em sua objetividade, mas tambm revelam traos da subjetividade

    dos sujeitos.

    A partir de demandas objetivadas em aes de separao litigiosa e disputa

    da guarda de filhos inclusive para acesso a benefcios assistenciais, destituio do

    poder familiar, adoo, abrigamento de crianas e adolescentes, aplicao de

    medidas socioeducativas a adolescentes em conflito com a lei, crime de violncia

    domstica contra criana, adolescente, mulher, violncia urbana, aplicao da lei

    de execuo penal, concesso e/ou reviso de BPC etc. , o assistente social

    desenvolve trabalhos que podem incluir orientao, articulaes e

    encaminhamentos rede social, contatos e entrevistas com membros da rede

    familiar, articulaes com organizaes de defesa de direitos e de controle social,

    programas de mediao familiar, entre outros. Contudo, a solicitao institucional

    autorize a decretao da medida, a criana ou o adolescente ser mantido em sua famlia de origem, a qual dever obrigatoriamente ser includa em programas oficiais de auxlio.

  • 21

    mais comum rea de Servio Social16 diz respeito aos subsdios para a deciso

    judicial, os quais, via de regra, so colhidos, organizados e analisados por meio do

    estudo social, que pode ser efetivado ora de maneira mais aprofundada, ora mais

    brevemente, dependendo da demanda e da necessidade apresentadas.

    5 Estudo social e percia social

    O estudo social um processo de trabalho de competncia do assistente

    social17. Tem como finalidade conhecer e interpretar a realidade social na qual est

    inserido o objeto da ao profissional, ou seja, a expresso da questo social ou o

    acontecimento ou situao que d motivo interveno.

    Como no sistema de justia o estudo social realizado com a finalidade de

    instruir o processo com conhecimentos da rea de Servio Social, recebe tambm a

    denominao de percia social, isto , um perito especialista em determinada rea

    de conhecimento, no caso, em Servio Social nomeado para realizar um estudo

    e emitir um parecer a respeito. O registro desse estudo ou percia, com suas

    concluses e seu parecer, d-se, geralmente, por meio de um relatrio social ou de

    um laudo social, trabalho esse regulamentado na legislao que dispe sobre a

    profisso como atribuio privativa do assistente social18. O que significa que,

    qualquer profissional de outra rea, servidor ou no, que aceite eventual

    designao para realizao de trabalho dessa natureza deve ser denunciado aos

    rgos de segurana pblica ou de justia19.

    No meio judicirio, o estudo e/ou percia social pode ser realizado por

    assistente social servidor da instituio, por servidor de outro rgo da

    16 Bem como rea da Psicologia, com a qual o Servio Social atua interdisciplinarmente em muitos desses espaos de trabalho. 17 Em O estudo social em percias, laudos e pareceres tcnicos, organizado pelo CFESS (2003), essa metodologia de trabalho apresentada de maneira mais detalhada. Parte das informaes aqui expostas a respeito do estudo social baseia-se em texto que compe esse livro, a saber, O estudo social: fundamentos e particularidades de sua construo na rea judiciria (Fvero, Eunice T.). 18 Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993, que dispe sobre a profisso de Assistente Social. Conforme essa lei, atribuio privativa do assistente social a realizao de vistorias, percias tcnicas, laudos periciais, informaes e pareceres sobre a matria de Servio Social. 19 importante que o responsvel por tal designao seja informado a respeito das prerrogativas do assistente social.

  • 22

    Administrao Pblica estadual ou municipal, eventualmente solicitado para

    prestar servios, e por perito ou assistente tcnico, evidentemente, com formao

    na rea20.

    prerrogativa do assistente social designado para a realizao do estudo

    social e/ou percia social definir os meios necessrios para atingir a finalidade de

    sua ao. esse profissional que, por uma ao refletida e planejada, define quais

    conhecimentos deve acessar e em que nvel vai aprofund-los; se necessita realizar

    entrevistas, com quem e quantas pessoas (por exemplo, com a criana21, o

    adolescente, o pai, a me, outro adulto, responsveis por escola ou outro

    equipamento social que frequentam etc.), se deve realizar visitas domiciliares e/ou

    institucionais, se precisa estabelecer contatos variados com a rede familiar e a rede

    social, se deve consultar material documental e bibliogrfico e quais; etc.

    Em muitos casos, o assistente social poder ser solicitado a responder

    quesitos22, que so questes relativas a esclarecimentos que as partes envolvidas

    na ao, representadas por seus defensores, formulam, para as quais avaliam que o

    profissional deveria trazer respostas. Nesse caso, o assistente social responde

    quelas que dizem respeito a prerrogativas, princpios e especificidades da

    profisso em itens especficos ou no corpo do registro23 , seja relatrio ou laudo,

    apontando tambm, se for o caso, que no de sua competncia oferecer respostas

    a eventuais quesitos que fogem sua rea de formao.

    20 O assistente tcnico tem atuado principalmente na Justia da Famlia, sendo nomeado, e remunerado, por indicao do defensor de uma das partes envolvidas no conflito. Sua ao tem respaldo legal e deve dar-se em consonncia com as prerrogativas profissionais e os princpios ticos que norteiam a profisso, o que significa que, embora contratado por uma das partes, sua ao no se d enquanto defensor daquela parte, mas enquanto mais uma possibilidade de conhecimento tcnico-cientfico da situao objeto da ao judicial. 21 importante que o profissional sempre mantenha contato com a criana, independentemente de sua faixa etria. A observao de seu dia a dia, suas reaes, suas relaes, sua fala, sempre que possvel, fundamental para se colher elementos possibilitadores de aes que lhe garantam o direito proteo integral. 22 O que mais comum em processos que tramitam na Justia da Famlia. Nesse caso, geralmente o defensor de uma ou de ambas as partes em litgio indica questes (por ele elaboradas diretamente ou indicadas a ele por assistente social contratado pelas partes, como assistente tcnico). 23 Nesse caso, informando que os quesitos esto respondidos no corpo do documento apresentado.

  • 23

    Embora a ao do Servio Social relacionada a instrues processuais

    vincule-se essencialmente ao oferecimento de conhecimentos para suporte a uma

    deciso judicial, o assistente social atua em diferentes instncias do sistema

    Judicirio, e geralmente cada um delas tem caractersticas, normas, rotinas e

    demandas diferenciadas. Assim, geralmente, o trabalho na Justia da Infncia e

    Juventude difere daquele realizado na Justia da Famlia, na Justia Criminal, nos

    Juizados Cveis etc. Cada uma dessas organizaes e/ou instncias tem suas

    particularidades e segue trmites, muitas vezes, norteados por diferentes

    legislaes. Na Justia da Infncia e Juventude trabalha-se basicamente a partir das

    normas ditadas pelo Estatuto da Criana e do Adolescente e suas aes visam

    proteo integral da criana e do adolescente. Na Justia da Famlia, o Cdigo Civil

    que norteia as aes, ainda que, por razes bvias, o Estatuto da Criana e do

    Adolescente, em muitas aes, necessita ser observado. A Justia Criminal tem

    como base o Cdigo Penal e a Lei de Execues Penais. O Servio Social na Justia

    Federal trabalha com muitos estudos relacionados a revises de benefcios

    previstos na legislao relacionada seguridade social.

    Se nessas ltimas instncias o assistente social requisitado, muitas vezes, na

    condio de perito, com objetivos de realizar o estudo/percia social, na Justia da

    Infncia e Juventude ele tambm oferece subsdios deciso judicial, mas sua ao

    pode diluir-se em vrios momentos e etapas, implicando como se adota em

    alguns locais o trabalho de acompanhamento do caso, o que exige informes e

    relatrios diversos, parciais (no sentido de que se registra determinado momento

    ou ao), sequenciais. Nessa situao, nem sempre o registro do estudo/percia

    social apresentado em um nico documento.

    Cada rea dessas merece um enfoque particular, que foge proposta e s

    possibilidades deste texto. Em razo disso, abordam-se aqui apenas alguns dos

    principais instrumentos, tcnicas e procedimentos de interveno comuns a elas.

    Em seguida, apresentam-se alguns aspectos importantes do cotidiano de

    trabalho, relativos a procedimentos operativos. Conforme indicado, no se

  • 24

    pretende dar conta da complexidade e diversidade de elementos que constituem

    esses instrumentais e que podem se fazer presentes no seu uso. Tratar-se- apenas

    de alguns indicativos de aes e possveis respostas relativas ao dia a dia de

    trabalho, cujo conhecimento poder ser aprofundado em bibliografia especfica.

    6 Entrevista

    Ao se realizar uma entrevista, parte-se de um objetivo profissional e se

    almeja uma finalidade. Sempre que possvel, o primeiro passo para desenvolv-la

    munir-se das informaes referentes a antecedentes da situao a ser estudada,

    para obter elementos que possibilitem o avano do dilogo, evitando que o usurio

    seja obrigado a repetir informaes que j constam de um pronturio ou auto

    processual.

    Apresentar-se e informar ao sujeito entrevistado os objetivos do trabalho faz

    parte dos deveres e da conduta tica profissional. Ao realizar uma entrevista em

    razo de uma ao processual, o assistente social, independentemente de sua

    postura e de seu desejo, est em uma posio de poder: ele representa, para o

    sujeito, o Poder Judicirio ou outra instituio de poder que integra o sistema de

    justia, que tomar uma deciso a respeito de sua vida, de sua famlia, de sua

    comunidade. O limite entre a busca do conhecimento para a garantia e efetivao

    de direitos e a invaso de privacidade de maneira arbitrria tnue. Nesse espao

    de poder, institucional e vinculado ao saber profissional, necessrio us-lo, sim,

    mas sempre de acordo com as diretrizes ticas e metodolgicas da profisso. O

    profissional necessita estar constantemente alerta para no fazer, por exemplo, do

    desejo de colocar uma criana aos cuidados de uma famlia que rena aparentes

    condies subjetivas e condies objetivas para dar-lhe cuidados e formao

    dignas, um ato de desqualificao da famlia de origem, sem a necessria

    contextualizao da situao sociocultural que engendrou um suposto abandono

    ou entrega de uma criana a outros.

  • 25

    O objeto da ao processual (como regulamentao de guarda de filho;

    destituio do poder familiar; interdio de pessoa idosa; aplicao de medida

    socioeducativa; reviso de BPC etc.) e os objetivos da entrevista definiro os

    contedos a serem abordados. Em uma entrevista com um pai e/ou me que

    disputam judicialmente a guarda de um filho, por exemplo, existem

    particularidades da cultura, do processo de socializao, da histria de vida que

    necessitam ser desvelados, sem que se enverede por outras reas do conhecimento

    que no so de competncia do assistente social, as quais, sempre que possvel,

    podem ser somadas por meio do trabalho interdisciplinar ou com a indicao de

    indcios de situaes e/ou atitudes para as quais seria recomendvel a avaliao

    por profissional de outra rea do saber. Em uma entrevista com um jovem que

    praticou um ato infracional e com seus familiares, tambm existem

    particularidades de seu processo de socializao, de sua histria de vida, de seus

    projetos, seus desejos, suas perspectivas. Em ambas as situaes, ainda que

    tenham natureza distinta e diferentes objetivos, h informaes socioeconmicas e

    familiares que cabe ao assistente social conhecer, a fim de informar acerca da

    realidade social de cada sujeito, de suas condies sociais; de seu acesso ou no

    educao, sade, ao trabalho, ao lazer, alimentao; sobre o territrio em que

    vive, o acesso a bens e servios sociais e culturais; suas relaes familiares, seus

    valores, enfim, um conjunto de informaes que, registradas no que fundamental

    ao processo, e analisadas do ponto de vista do Servio Social, iro compor a

    instruo processual.

    7 Visita domiciliar

    A definio da necessidade de visita moradia dos sujeitos envolvidos na

    ao processual para a complementao do estudo social de competncia do

    assistente social. Ela comumente usada em vrias instncias de trabalho no

    Judicirio como mais uma possibilidade de dialogar e conhecer a realidade

    sociocultural e familiar dos sujeitos, a partir de seu espao de vivncia em

    condio diferente da entrevista realizada no espao fsico de um frum.

  • 26

    Essa visita se apresenta como mais uma possibilidade de entrevista, de

    conhecimento do territrio onde os sujeitos vivem, das possibilidades ou

    impossibilidades de acesso a bens e servios que efetivem direitos sociais, de

    outros espaos relacionais. Enfim, trata-se de um procedimento com o objetivo de

    complementar o estudo, e no de fiscalizar ou de invadir a privacidade da vida

    cotidiana dos sujeitos. Por mais que uma visita tenha como objetivo, por exemplo,

    a garantia de proteo de uma criana denunciada por maus-tratos sofridos na

    famlia e ela, por ser indefesa e no ter autonomia para se proteger, necessita,

    muitas vezes, da interveno do Estado , o contato estabelecido pelo profissional

    com a famlia deve pautar-se por regras ticas e tambm pelo bom senso, de

    maneira que o assistente social possa discernir a real informao que contribuir

    para a proteo e a que pode assemelhar-se a um inqurito policial, o que foge,

    obviamente, de qualquer possibilidade de um trabalho competente no sentido

    tico-poltico.

    8 Encaminhamentos/articulao com rede familiar e social

    O assistente social, ao realizar um estudo para subsidiar a ao judicial,

    tambm se depara com situaes que exigem e que possibilitam articulaes e

    aes com vistas em atender a uma necessidade e/ou direito dos sujeitos com os

    quais interage nesse trabalho, dependente ou independentemente dos objetivos do

    estudo que realiza. O que significa que, do ponto de vista profissional, ele tem a

    prerrogativa e o dever de intervir na situao para alm do estudo ou a

    interveno pode vir a trazer dados importantes ao estudo. Por exemplo, se em

    uma avaliao de reviso de BPC ele encontra uma pessoa idosa ou uma pessoa

    com deficincia que poderia ter acesso a outros direitos ou poderia contar com

    algum recurso da rede familiar e da rede social para melhor qualidade de vida,

    papel do assistente social realizar esse encaminhamento ou, dependendo do caso,

    apontar essa possibilidade no relatrio ou laudo, de maneira a que o Ministrio

    Pblico e/ou o magistrado, por meio da aplicao da lei, garanta o acesso a tal

    direito. Se, em outra situao, um jovem est com algum problema de sade no

    identificado ou identificado, mas sem o encaminhamento necessrio para os

  • 27

    devidos cuidados, e os familiares desconhecem os recursos necessrios para os

    devidos cuidados ou a eles no tm acesso, compete ao profissional de assitncia

    social atitude similar indicada anteriormente.

    Esses exemplos tm o intuito de esclarecer que, mesmo que solicitado para

    uma percia, o assistente social pode e, em muitas situaes, deve ir alm do

    procedimento da constatao, descrio e interpretao da situao. A ao em

    prol da possibilidade de efetivao de direitos pode ser parte integrante de

    informaes importantes a serem registradas em relatrios e laudos que instruiro

    o processo judicial.

    9 Registros na instruo social processual

    Os registros mais comumente elaborados pelo assistente social, que

    integraro os autos processuais, so o informe, o relatrio, o laudo e o parecer.

    Denomina-se informe ou informao tcnica, o documento que relata,

    geralmente de maneira breve, alguma informao inicial ou complementar

    relacionada ao processual, o que pode variar dependendo da dinmica de cada

    espao de trabalho e/ou instncia judiciria24.

    O relatrio social, por sua vez, apresenta de maneira descritiva e

    interpretativa o registro de uma ou mais entrevistas, iniciais ou de

    acompanhamento. Esse documento tambm pode ser mais detalhado, dando conta

    de uma entrevista aprofundada, de maneira a registrar os aspectos do caso

    pertinentes rea de atuao do Servio Social. Em algumas situaes, sobretudo

    relativas Justia da Infncia e da Juventude, pode ser o nico documento da rea

    a compor os autos, por exemplo, em alguma medida de guarda de criana a

    terceiros, em que h consenso entre todos os envolvidos (partes e tcnicos) quanto

    24 Existem Varas da Infncia e Juventude em que, na maioria das vezes, o assistente social, ou ele em conjunto com o psiclogo, que faz o primeiro atendimento aos sujeitos e, por meio de uma informao geralmente mais breve a depender da gravidade ou no da situao , d incio ao processo. Em outras, ele recebe o processo j autuado pelo cartrio e com determinao judicial para a realizao de estudo social.

  • 28

    sua adequao. Pode acontecer ainda que os autos sejam compostos por vrios

    relatrios, realizados em momentos diferentes, os quais, no seu conjunto,

    apresentam a dinmica de um estudo social e/ou a realizao do

    acompanhamento. Em aes que envolvem a medida protetiva de abrigamento,

    por exemplo, os registros podem acontecer dessa maneira.

    O relatrio social o documento no qual constam o registro do objeto de

    estudo, a identificao dos sujeitos envolvidos e um breve histrico da situao, a

    finalidade qual se destina, os procedimentos utilizados, os aspectos significativos

    levantados na entrevista e a anlise da situao. O profissional deve valer-se de

    suas competncias tericas, ticas e tcnicas para avaliar os aspectos importantes

    a serem registrados, considerando aqueles que, de fato, podem contribuir para o

    acesso, a garantia e a efetivao de direitos. Assim, desnecessrio o registro

    excessivamente detalhado de informaes que no serviro para os objetivos do

    trabalho. Pode-se, inclusive, dotar o setor de trabalho de pronturios prprios do

    Servio Social, mantidos sob sigilo em respeito aos princpios ticos,

    documentando-se no relatrio anexo aos autos to somente as informaes e

    anlises importantes ao andamento do processo.

    O laudo social outro tipo de documento, utilizado como uma das provas

    que instruir o processo e que poder dar suporte deciso, sentena judicial.

    O laudo o registro que documenta as informaes significativas, recolhidas

    por meio do estudo social, permeado ou finalizado com interpretao e anlise. Em

    sua parte final, via de regra, registra-se o parecer conclusivo, do ponto de vista do

    Servio Social. Conclusivo no sentido de que deve esclarecer que, naquele

    momento e com base no estudo cientfico realizado, chegou-se determinada

    concluso. Para a efetivao desse registro, o profissional vai ter como referncia

    contedos obtidos por tantas entrevistas, visitas, contatos, estudos documental e

    bibliogrfico que considerar necessrios25 para a finalidade do trabalho.

    25 Nas vrias instncias da justia em que pode ser requisitado o estudo social com a apresentao do laudo, geralmente o profissional obedece a um prazo para a realizao/concluso do trabalho.

  • 29

    Sua apresentao geralmente segue uma estrutura constituda por:

    introduo, indicando a demanda judicial e objetivos do trabalho; identificao das

    pessoas envolvidas na ao e que direta e indiretamente esto includas no estudo;

    a metodologia utilizada para a efetivao do trabalho (entrevistas, visitas, contatos,

    estudos documental e bibliogrfico etc.) e a definio breve de alguns conceitos

    utilizados, na medida em que o receptor da mensagem contida nesse documento

    no necessariamente tem familiaridade com os conhecimentos da rea do Servio

    Social. Assim, seu carter cientfico e as especificidades da rea so clareados; em

    sequncia, registram-se os aspectos socioeconmicos e culturais que podem ser

    permeados pela anlise ou finalizados com a anlise interpretativa e conclusiva,

    tambm denominada de parecer social. O parecer social sintetiza a situao,

    apresenta uma breve anlise e aponta concluses ou indicativos de alternativas,

    que iro expressar o posicionamento profissional frente ao objeto de estudo.

    Assim como o relatrio, o laudo no necessariamente precisa detalhar todos

    os contedos do estudo realizado. So importantes, sim, a documentao desses

    contedos e o seu arquivamento, de maneira que o profissional a eles tenha acesso,

    se necessrio, obedecendo ao sigilo profissional. Em consonncia com as diretrizes

    e os princpios ticos da profisso, o assistente social que vai poder dizer, em

    cada situao, o que deve ser objeto de maior detalhamento.

    O parecer social pode ser parte final de um laudo ou pode ser realizado em

    razo de determinao judicial, com base em contedos j documentados nos

    autos e/ou informaes complementares. Como exemplo, pode ser citado o

    parecer emitido a partir da anlise dos autos processuais referentes a uma criana

    e/ou adolescente que cumprem medida protetiva de abrigamento; ou parecer

    emitido por assistente tcnico a respeito de estudo social realizado por outro

    profissional da rea.

    Assim, os instrumentos e procedimentos necessrios para efetiv-lo tambm esto condicionados a esse prazo. Dependendo da situao e da impossibilidade de o profissional dar conta da realizao do estudo no prazo determinado, ele pode solicitar dilao de prazo. Entretanto, necessrio observar a importncia de, sempre que as condies possibilitem, contribuir para a agilizao do trabalho da justia, enquanto respeito aos direitos do(s) cidado(s) envolvido(s) na ao judicial.

  • 30

    Conforme Dhamer Pereira (et al., 2003, p. 93), em estudo sobre exames

    criminolgicos, o que deve ser dito e a maneira de interpretao dos dados

    empricos obtidos em uma entrevista devem ser objeto de preocupao constante

    por parte do profissional. Nesse trabalho, necessrio ter o suporte no apenas

    das disciplinas fundamentais rea profissional, mas o conhecimento possibilitado

    por outras disciplinas da rea das cincias humanas e sociais, que iro permitir a

    anlise das contradies sociais numa perspectiva de totalidade. Tal

    conhecimento evita que se caia na rotinizao de exames meramente descritivos,

    sem uma elaborao mental sobre os dados coletados nas entrevistas ou em

    qualquer outro instrumento necessrio ao conhecimento da situao em relao

    qual o profissional se pronuncia.

    Todos os registros que o assistente social junta aos autos sero, a partir da,

    meios de comunicao de mensagens. Comunica-se, ento, uma mensagem de uma

    rea especfica do conhecimento a profissionais de outras reas do conhecimento,

    os quais, ao realizar a leitura, o faro com determinados objetivos e a partir de

    determinadas perspectivas, nem sempre coincidentes com as do profissional que

    emitiu a mensagem. Para que o receptor da rea do Direito, por exemplo,

    compreenda o teor da mensagem do profissional da rea do Servio Social,

    fundamental que este conhea as normas da lngua formal, que faa uso da

    coerncia, objetividade e clareza de linguagem, que estabelea critrios para

    destacar os dados mais significativos, que emita uma linguagem tcnica,

    evidentemente, contudo evitando referncias literais a terminologias ou

    conceitos26 muito especficos que, em vez de dar clareza informao, podero

    deixar pontos obscuros ou levar o magistrado a no consider-la por no

    compreend-la integralmente27.

    26 A explicitao de determinados conceitos importante no registro de alguns estudos, para fundamentar o posicionamento do profissional. O que se deve evitar a referncia a determinadas categorias tericas ou possveis medidas consideradas pertinentes, sem sua explicao. 27 O magistrado tem a prerrogativa de considerar ou no o laudo social (ou outro documento do gnero), vlido como prova convincente para a formao de seu juzo a respeito de determinada situao.

  • 31

    A comunicao escrita passiva, isto , inexiste possibilidade de que seja

    clarificada se forem percebidos equvocos, contradies, falta de clareza

    (MAGALHES, 2003). No Judicirio, dependendo de particularidades do espao de

    trabalho, at poder haver solicitao de esclarecimentos, verbal ou por escrito,

    mas o que comumente se verifica que, em grande parte das aes, no h essa

    possibilidade; muitas vezes, o profissional desconhece a deciso ou a sentena

    proferida pelo magistrado.

    Na comunicao via laudos, relatrios e pareceres estabelecida no contexto

    sociojurdico, a interveno tem continuidade de forma indireta, ou seja, a

    mensagem enunciada nesses documentos subsidiar decises a respeito da vida de

    um indivduo ou grupo social; tais documentos iro intermediar o dilogo entre a

    realidade do usurio e a dos demais profissionais que tero acesso a eles, como

    juiz, promotor, psiclogo, defensor etc.; a interpretao dessa comunicao dar-se-

    com base nos objetivos profissionais especficos dessas reas28.

    Ao registrar um relatrio, um laudo, um parecer, o assistente social est

    exercendo um papel intermedirio entre o indivduo e/ou famlia envolvidos na

    ao judicial, o promotor e o magistrado. O profissional ouve a mensagem

    originalmente, esta sofre interferncias por parte do prprio emissor que, no se

    pode esquecer, em uma entrevista fala de si a algum que estranho ao seu

    convvio, o qual sobre ele exerce ou pode exercer alguma forma de autoridade (o

    que implcito, sobretudo no Judicirio, pela natureza institucional) , e interpreta

    e registra essa mensagem. Por sua vez, esse registro dever ser estudado e

    analisado por quem vai interferir (defensor, promotor etc.) ou proferir a deciso

    e/ou sentena (magistrado) a respeito do emissor inicial. Se, nesse processo de

    efetivao do estudo social, registro e sentena, no houver possibilidade de

    dilogo entre todos os envolvidos na comunicao (o que possibilitado quando

    acontecem audincias multiprofissionais), maior risco de interpretao equivocada

    28 Magalhes (2003), no livro Avaliao e linguagem: relatrios, laudos e pareceres, apresenta estudo sobre o uso do instrumental tcnico, com enfoque na linguagem verbal e escrita como instrumento privilegiado dos profissionais que atuam na rea dos cuidados e da interveno, e no carter avaliativo que perpassa esse trabalho, em especial na rea judiciria.

  • 32

    da situao poder ocorrer. Da a necessidade da constante ateno e do

    compromisso tcnico, poltico e tico do assistente social, para dar conta de uma

    ao que, de fato, tenha como direo a efetivao de direitos e no venha a se

    estabelecer como uma inquisio em busca de punio, disciplinamento ou

    enquadramento moralizante.

  • 33

    Referncias BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construo social da realidade. Traduo F. A. Fernandes. Petrpolis: Vozes, 1985. BRITO. L. M. T. Guarda conjunta: conceitos, preconceitos e prtica no consenso e no litgio. In: Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Famlia/2003. Belo Horizonte: Instituto Brasileiro de Direito de Famlia/Del Rey, 2004. CFESS (Org.). O estudo social em percias, laudos e pareceres tcnicos. So Paulo: Cortez, 2003. COMPARATO, Fbio K. O papel do juiz na efetivao dos direitos humanos. Disponvel em . Acesso em: 20 fev. 2007. CRESS 9 R SP. Legislao brasileira para o servio social. So Paulo, 2006. DAL PIZZOL, A. Estudo social ou percia social? Um estudo terico-prtico na justia catarinense. Florianpolis: Insular, 2005. DAHMER PEREIRA, Tnia M. et. al. O exame criminolgico: notas para sua construo. In: CFESS (Org.). O estudo social em percias, laudos e pareceres tcnicos. So Paulo: Cortez, 2003. FVERO, Eunice T. Rompimento dos vnculos do ptrio poder: condicionantes socioeconmicos e familiares. So Paulo: Veras, 2001. _______. O estudo social: fundamentos e particularidades de sua construo na rea judiciria. In: CFESS (Org.). O estudo social em percias, laudos e pareceres tcnicos. So Paulo: Cortez, 2003. _______. Questo social e perda do poder familiar. So Paulo: Veras, 2007 (no prelo). _______.; MELO, M. J. R.; TOLOSA JORGE, M. R. O servio social e a psicologia no judicirio: construindo saberes, conquistando direitos. So Paulo: Cortez, 2005. FONSECA, Cludia. Caminhos da adoo. So Paulo: Cortez, 1995. HOLANDA FERREIRA, Aurlio Buarque de. Novo dicionrio Aurlio da lngua portuguesa. 2. ed., revista e aumentada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. LEI n. 8.662/1993. Dispe sobre a profisso de Assistente Social. LEI n. 8.069/1990. Estatuto da Criana e do Adolescente. LEI Federal n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

    http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/comparato

  • 34

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