Lei de Proteção Das Testemunhas

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A LEI DE PROTECÇÃO DAS TESTEMUNHAS O triste fim do contraditório e o princípio da desconfiança no advogado. Crónica de uma morte anunciada... Factos. A Lei nº 93/99, de 14 de Julho, veio regular a aplicação de medidas para protecção de testemunhas ou outros intervenientes processuais no processo penal e, recentemente, o Decreto Lei nº 190/03, de 22 de Agosto, veio regulamentar e concretizar alguns destes mecanismos de protecção. Entende-se que as medidas referidas têm natureza excepcional e só podem ser aplicadas se, em concreto, se mostrarem necessárias e adequadas à protecção das pessoas e à realização das finalidades do processo. Programaticamente assegura-se realização do contraditório que garanta o justo equilíbrio entre as necessidades de combate ao crime e o direito de defesa. Estabelecem-se medidas de protecção processuais e administrativas. Desde logo, no processo, a possibilidade de não revelação da identidade da testemunha ou a ocultação da mesma com possibilidade de distorção da sua voz e/ou imagem. Mas também, fora do processo, a aplicação de medidas pontuais ou de programa especial de segurança. Que pode passar pelo fornecimento de documentos de identificação fictícios, pela concessão de nova habitação no país ou no estrangeiro, pela concessão de assistência ou de um subsídio de subsistência ou, até, pela alteração do aspecto fisionómico ou da aparência do corpo do beneficiário. Regulam-se também as regras de protecção das testemunhas especialmente vulneráveis. Só pode lançar-se mão destas medidas em determinadas condições, designadamente quando estejam em causa certos tipos de crimes ou crimes muito graves e/ou os valores vida, integridade física ou psíquica, liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado da testemunha.

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  • A LEI DE PROTECO DAS TESTEMUNHAS

    O triste fim do contraditrio e o princpio da desconfiana no advogado.

    Crnica de uma morte anunciada...

    Factos. A Lei n 93/99, de 14 de Julho, veio regular a aplicao de medidas para

    proteco de testemunhas ou outros intervenientes processuais no processo penal e,

    recentemente, o Decreto Lei n 190/03, de 22 de Agosto, veio regulamentar e

    concretizar alguns destes mecanismos de proteco. Entende-se que as medidas

    referidas tm natureza excepcional e s podem ser aplicadas se, em concreto, se

    mostrarem necessrias e adequadas proteco das pessoas e realizao das

    finalidades do processo. Programaticamente assegura-se realizao do contraditrio

    que garanta o justo equilbrio entre as necessidades de combate ao crime e o direito de

    defesa.

    Estabelecem-se medidas de proteco processuais e administrativas. Desde logo, no

    processo, a possibilidade de no revelao da identidade da testemunha ou a ocultao

    da mesma com possibilidade de distoro da sua voz e/ou imagem. Mas tambm, fora

    do processo, a aplicao de medidas pontuais ou de programa especial de segurana.

    Que pode passar pelo fornecimento de documentos de identificao fictcios, pela

    concesso de nova habitao no pas ou no estrangeiro, pela concesso de assistncia

    ou de um subsdio de subsistncia ou, at, pela alterao do aspecto fisionmico ou da

    aparncia do corpo do beneficirio. Regulam-se tambm as regras de proteco das

    testemunhas especialmente vulnerveis.

    S pode lanar-se mo destas medidas em determinadas condies, designadamente

    quando estejam em causa certos tipos de crimes ou crimes muito graves e/ou os

    valores vida, integridade fsica ou psquica, liberdade ou bens patrimoniais de valor

    consideravelmente elevado da testemunha.

  • So desenvolvidas regras de confidencialidade para proteger a reserva do

    conhecimento da identidade da testemunha e de funcionamento da Comisso de

    Programas Especiais de Segurana.

    Em sntese, possvel o julgamento e a condenao de um cidado, arguido em

    processo crime, sem que o mesmo tenha podido por si ou por intermdio do seu

    advogado conhecer, saber, quem o acusa. Mais, possvel, sem que haja qualquer

    diminuio do valor probatrio de tal prova, ser-se julgado e condenado sem que haja,

    por parte do arguido ou do seu advogado, visionamento ou confronto directo com a

    postura corporal e facial da testemunha porquanto a mesma pode ser ouvida,

    distncia, com ocultao da sua imagem ou distoro da sua voz.

    Opinio. Proteger sim, mas no custa da justia e com violao dos princpios da

    concentrao, da imediao e, sobretudo, do contraditrio.

    A vida o bem supremo, no h vida sem respeito. Nem vida sem liberdade. Ou vida

    sem justia. Ou vida sem f e confiana. E a confiana na justia essencial para a

    paz pblica. Bem como a confiana nos advogados imprescindvel para o exerccio

    pleno dos direitos de todo e qualquer cidado e para garantia das suas liberdades. Para

    o bom e correcto funcionamento da justia. E para a necessria f nas instituies. Sob

    pena de total insegurana e de completa anarquia. E, sobretudo, de aumento

    exponencial do risco de erro judicirio.

    Se o direito vida direito quase absoluto e a integridade fsica e moral das pessoas

    inviolvel, tambm a liberdade direito fundamental constitucionalmente consagrado

    e internacionalmente reconhecido. Todos tm direito liberdade. A justia no se far

    sem regras nem contra as regras (a audincia de julgamento est subordinada ao

    princpio do contraditrio). E as normas fundamentais, ou pelo menos os princpios

    fundamentais, no comportam excepes. H direitos positivos e direitos naturais. H

    regras legais injustas e direitos fundamentais imutveis.

  • E fundamental, para um acusado, poder ouvir e ser ouvido na arena judicial, poder

    informar o processo, e ser informado do que est nos autos; requerer, promover,

    defender e contraditar. Enfim, exercer efectivamente a sua defesa; poder contar

    presencial e realmente com o apoio de um advogado empenhado e devidamente

    informado; saber antecipadamente do que concretamente acusado, ou quem o acusa;

    ter acesso directo e atempado s provas indicirias que contra si foram produzidas ou

    so invocadas... E sobretudo s provas produzidas ou apreciadas na fase nobre do

    julgamento. Pois, afinal, ...no julgamento que os arguidos podem e devem ser

    confrontados com aqueles que os acusam. E este confronto to mais srio, to mais

    verdadeiro se for feito pessoalmente, cara a cara... (Rui Teixeira)

    E cara a cara porqu. Para aferir da veracidade ou credibilidade dos relatos, se so, ou

    no, testemunhas slidas, desinteressadas, fidedignas, consistentes ou coerentes; para

    que os julgamentos no sejam, ou possam ser, simples confirmaes de verdades

    construdas, oficiais ou judicialmente correctas, meros simulacros de justia ou, at,

    srdidas farsas montadas... Por razes que a razo desconhece. Hipteses insondveis

    de vingana ou de nvia prossecuo de outros interesses que no os da Justia.

    Ciladas, vendette, armadilhas, manobras de diverso, alijamento de

    responsabilidades... Porque h ... testemunhas de acusao [e de defesa] ... a mentir,

    ...enganadas, ...confusas ou [que], pura e simplesmente no merecem crdito ou tm

    interesse em que o arguido seja considerado culpado.... E o erro judicirio, mesmo

    sem processos injustos e desleais, acompanhar-nos- at ao fim dos tempos.

    No possvel que a defesa exera o seu papel se no tiver as condies mnimas

    para averiguar quem a testemunha, [o que foi] o seu passado e [o que ] o seu

    presente, quais as suas motivaes [interesses] e valores; qual o seu histrico perante

    a Justia. Tal risco mau para as vtimas para as quais importante que se possam

    condenar os culpados e no quaisquer pessoas, para os arguidos que podem ter de

    penar mais tempo at se fazer justia e para o sistema judicial cuja fora se baseia na

    convico que consiga criar de que as suas decises so slidas e fundamentadas.

    (Jos Miguel Jdice)

  • As violaes dos direitos das pessoas, pelas prprias pessoas, mas tambm pelos

    rgos do Estado, ou at simples erros, ho-de ocorrer sempre. E a justia ser

    tambm sempre uma luta incessante para defender os fracos dos abusos dos fortes,

    reparar os prejuzos, repor a verdade e manter a paz social, para tornar o mundo mais

    justo e equitativo, para, enfim, tornar o Homem mais prximo da inatingvel divina

    perfeio e mais respeitador do seu semelhante e da natureza que o envolve. E, j

    agora, para tornar tambm a Humanidade um tudo nada mais suportvel e menos

    imperfeita. At porque o Homem s vale pelo que vale ao Homem. E a dignidade de

    cada indivduo no deve ceder sobre erros ou iniquidades dos poderes constitudos,

    sejam eles quais forem. E, por isso, de exigir um processo justo e leal, com

    igualdade de armas. Em que o fraco no possa ser subjugado, cilindrado e cuspido

    pelo forte... At porque ...a tarefa do processo penal ser punir todos os criminosos,

    mas s os criminosos (Jos Souto de Moura).

    No se pode negar a ...oportunidade de participao contempornea e contraposta

    dos sujeitos e intervenientes processuais no desenvolvimento do processo e no

    sentido, peso e medida das decises que os possam afectar, sob pena de denegao

    de justia e de violao de uma concepo democrtica do processo penal. Nem se

    pode negar ...ao sujeito ou participante processual a oportunidade de destruir ou

    abalar a eficcia dos meios de prova..., sob pena de violao dos princpios da

    lealdade processual, da igualdade de armas e do contraditrio. Exige-se, portanto,

    uma real e efectiva possibilidade de interveno. Isto implica por exemplo, um

    conhecimento atempado do lugar, momento e objecto do acto processual a que se tem

    o direito de assistir. (Jos da Costa Pimenta)

    Mas as mquinas judicirias, deste ou doutros tempos, padecem de vrios males,

    desde logo o de serem humanas e por conseguinte imperfeitas, e, tambm, o do

    pecado original: o de, por alegada predestinao, vil rotina ou fcil comodidade,

    poderem pensar julgar por si s e para si s, na solido; decidir e agir unilateralmente,

    tendendo a cair na tentao de que so o nico critrio da verdade, e de resvalarem

  • para a cegueira, surdez e arrogncia de tudo poder decidir sem ter em conta ou dar

    contas a quem quer que seja. o poder dos poderes e, quando autista, o poder de

    conformar, ou deformar, a verdade. O poder que, mal consciencializado e pior

    exercido, no pode sequer ser controlado. O poder, que desviado da sua razo ltima,

    se pode tornar absoluto, discricionrio e verdadeira afronta dignidade da pessoa

    humana. O poder que, por vezes, oprime. O poder que, enfim, como outros, se

    corrompe e corrompe os fins a que est sujeito, e, por isso, fonte de injustia,

    gerador de erro e causa de sofrimento.

    No porque haja, a maior parte das vezes, quaisquer ms intenes de quem julga.

    Mas porque, quantas vezes, as pessoas, testemunhas, nas quais assenta o juzo final do

    julgador tanto falam verdade como mentem. Ou omitem factos essenciais. Ou no

    referem tudo, ainda que circunstncias acidentais. Ou dizem to-s a sua verdade. Ou

    limitam-se a proferir as suas convices. Ou confundem o que ouviram dizer com o

    que realmente viram, ouviram ou presenciaram. Ou respondem o que outros querem

    ouvir. Ou simplesmente so induzidos a partir de meias verdades ou de inofensivas

    mentiras. E a verdade ou a mentira do que cada um diz no dissocivel da realidade

    do que cada um ou daquilo que foi ou pretende vir a ser ou a obter. Porque mesmo

    as provas ou as afirmaes aparentemente incontornveis podem ter explicaes

    diversas, porque a realidade sempre mais complexa do que aparenta...

    No processo penal em Portugal h muito a fazer e toda a boa vontade, de todos,

    pouca... Mas no h boa vontade que resista quando a vontade do legislador afasta o

    mais sagrado dos princpios da defesa: o do pleno contraditrio na fase de

    julgamento... No h boa vontade que resista quando o esprito do legislador permite o

    afastamento do advogado da produo e apreciao da prova em sede, agora, da

    prpria audincia de julgamento! No h boa vontade que resista quando a prpria

    letra da lei aponta para a desconfiana no advogado e para o afastamento do defensor

    de actos e diligncias do processo em que est constitudo.

  • S falta, entretanto, proibirem a defesa e o patrocnio... E matar, de vez, o advogado.

    E com tal homicdio acabar, sangrenta, definitiva, dolorosamente e para sempre com o

    Direito e a Justia. Porque os advogados tambm so servidores da justia e do

    direito e, em particular, o defensor [deve ser tratado] como rgo autnomo de

    administrao da justia (Jorge de Figueiredo Dias). Porque, com ou sem razes

    invocadas, alguns querero ou podero faz-lo postergar o advogado ou v-lo

    cego, surdo e, j agora, mudo, mesmo no julgamento. E se ontem a Justia, afectada,

    em crise, j era muitas vezes cega; hoje ou amanh, agora ou ento, moribunda, ou ir

    cair num coma profundo e irreversvel ou ficar eternamente deficiente.

    E para tal doena no h mdico nem cura! Deus nos valha a todos...

    Carlos Pinto de Abreu