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Leonardo Ayres Padilha PERSCRUTAR O HINTERLAND: O pensamento modernista de Plínio Salgado Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós- Graduação em História Social da Cultura, do Departamento de História da PUC-Rio. Orientador: Prof. Ricardo Augusto Benzaquen de Araújo Rio de Janeiro Julho de 2005

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Leonardo Ayres Padilha

PERSCRUTAR O HINTERLAND: O pensamento modernista de Plínio Salgado

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, do Departamento de História da PUC-Rio.

Orientador: Prof. Ricardo Augusto Benzaquen de Araújo

Rio de Janeiro

Julho de 2005

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Leonardo Ayres Padilha

PERSCRUTAR O HINTERLAND: O pensamento modernista de Plínio Salgado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura do Departamento de História do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profº Ricardo Augusto Benzaquen de Araújo Orientador

Departamento de História – PUC-Rio

Profª Mônica Pimenta Velloso Setor de História – FCRB

Profº Eduardo Jardim de Moraes Departamento de Filosofia – PUC-Rio

Profº João Pontes Nogueira Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais

PUC-Rio

Rio de Janeiro, 04 de julho de 2005.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

Leonardo Ayres Padilha Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Federal Fluminense (2003). Na UFF, foi monitor da disciplina História do Brasil Republicano (2000-2001) e trabalhou como bolsista de iniciação científica (2002-2003) do projeto Trabalho, relações de gêneros e questão racial: memórias da cidade através das crônicas (Rio de Janeiro, 1870–1930). Como estagiário (2001-2003), fez parte da equipe técnica do arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) que organizou diversos fundos de documentação pertencentes ao acervo da instituição, resultando inclusive em publicação. Exerceu atividades de pesquisa, também como estagiário, no Setor de História da Fundação Casa de Rui Barbosa (2002-2003).

Ficha catalográfica

Padilha, Leonardo Ayres Perscrutar o hinterland: o pensamento modernista de Plínio Salgado / Leonardo Ayres Padilha; orientador: Ricardo Augusto Benzaquen de Araújo. – Rio de Janeiro: PUC, Departamento de História, 2005. 117 f.; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de História. Inclui referências bibliográficas. 1. História – Teses. 2. História social da cultura. 3. Salgado, Plínio, 1895-1975. 4. Modernismo – Interpretação. 5. Intuição. 6. Literatura e história. I. Araújo, Ricardo Augusto Benzaquen de. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de História. III. Título.

CDD: 900

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Para Tatiana, pelo apoio e confiança incondicionais.

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Agradecimentos Ao professor Ricardo Benzaquen, cuja orientação ultrapassou os limites deste trabalho e, sem dúvida, marcou minha formação. A Gustavo Naves e Marcelo Rangel, cujas contribuições a este trabalho, no que ele talvez tenha de significativo, se confundem com a minha. Aos amigos, Charbel, Danrlei, Renata, Sérgio, Diogo, Luíza, Karina, Bernardo, Afonso, Daniel, Joelle, Ypuan, Rodrigo e Flávio, com quem tive o privilégio de conviver durante estes dois últimos anos. Aos professores Luiz Costa Lima, Marcelo Jasmin, Francisco Falcon, Antonio Edmilson Rodrigues e Marília Rothier, cujas aulas tive o prazer de assistir, e que, de algum modo, motivaram novos rumos à pesquisa. Aos professores Eduardo Jardim e Mônica Velloso, referências intelectuais, pela disposição para participar da banca e leitura criteriosa do trabalho. À paciência de Edna e Cláudio. A CAPES e a PUC-Rio, pelos auxílios financeiros concedidos, sem os quais este trabalho não poderia ter sido realizado. À família, sempre.

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Resumo

Padilha, Leonardo Ayres; Araújo, Ricardo Augusto Benzaquen de. Perscrutar o hinterland: o pensamento modernista de Plínio Salgado. Rio de Janeiro, 2005. 117p. Dissertação de Mestrado – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O modernismo brasileiro da década de 1920 teve várias vertentes que, ao

mesmo tempo em que constituiram-no como um fenômeno rico em possibilidades

de interpretação, tornaram difícil a tarefa de defini-lo de modo unitário. Plínio

Salgado foi um dos principais integrantes do “verde-amarelismo”, uma vertente

modernista que produziu um debate com o grupo de Mário de Andrade. Em sua

produção literária e ensaística, o autor em questão destaca a importância do

caráter intuitivo na busca empreendida para a constituição da nacionalidade

brasileira. E, desse modo, aproxima-se de uma concepção objetiva da realidade

nacional que pode ser entendida através da retórica em seus moldes clássicos.

Palavras-chave

Plínio Salgado; modernismo; intuição; literatura e história.

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Abstract

Padilha, Leonardo Ayres; Araújo, Ricardo Augusto Benzaquen de (Advisor). Probing the hinterland: the Plínio Salgado’s modernist thought. Rio de Janeiro, 2005. 117p. MSc. Dissertation – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The Brazilian modernism of the 1920’s had many branches which, at the same

time constituted a profitable phenomenon in terms of interpretation possibilities,

have made harsh the task of defining it in an unique fashion. Plínio Salgado was

one of the main figures of the “verde-amarelismo”, a modernist stem which got

entangled in a debate with Mario de Andrade’s group. In his literary and essayistic

work, the author fore mentioned emphasizes the importance of the intuitive nature

in the quest for Brazilian nationality constitution. So, therefore, gets closer to an

objective conception of the national reality which might be understood through

rhetoric in its classical forms.

Keywords

Plínio Salgado; modernism; intuition; literature and history.

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Sumário

1. Introdução 10

2. Inteligibilidade e vias de acesso 28

2.1. Mário de Andrade e a via analítica 35

2.2. A revolução verde-amarela 44

2.2.1. Captar a essência 45

2.2.2. A idéia de necessidade 48

3. As razões da intuição 53

3.1. A presença de Bergson 55

3.2. Farias brito e a consciência 67

3.3. A metafísica brasileira em Graça Aranha 72

4. Literatura e retórica 79

4.1. Plínio Salgado em verde-amarelo 83

4.2. Discurso literário e ambientação retórica 90

5. Considerações finais 108

6. Referências Bibliográficas 112

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Não há homem mais crédulo do que o ateu; não há artista mais dependente do que aquele

que exclama: a arte é livre, é universal.

Plínio Salgado, 1926

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1. Introdução

Grosso modo, a história do pensamento social brasileiro procura estudar, por várias

razões (estabelecimento de uma sensação de segurança, ímpeto por classificação,

constituição de esquemas explicativos, etc.), os argumentos dos intelectuais com o

intuito de organizá-los numa corrente de pensamento ou defini-los a partir de um

conjunto de referências comuns – como, por exemplo, um contexto mental específico.

Daí a preocupação sistemática em formular os “ismos”, desvendar influências,

estabelecer os contornos das gerações e períodos de continuidade ou renovação. Não

que isto seja irrelevante, ao contrário: situar o objeto de estudo, tentando

compreendê-lo a partir de um horizonte particular, indica um cuidado profícuo com a

pesquisa. Elucidar a especificidade de um autor à luz do diálogo travado no interior

de um grupo ajuda o entendimento das relações produzidas durante a construção do

seu argumento.

Não é diferente o caso das avaliações do modernismo brasileiro, sejam elas de

cunho historiográfico, crítico ou sob a forma do ensaio (haverá oportunidade para

discutí-las ao longo da dissertação). É neste sentido que surgem as indagações: o

fenômeno que desestabilizou a vida cultural brasileira nos anos 20 teve razões

internas ou externas? E, independentemente da resposta à questão anterior, o que

motivou a transformação daquele contexto? A procura de uma filiação para a década

que se iniciou em 1920 foi questão premente, com a justificativa de que este período

foi radicalmente distinto de tudo o que se passara até então na vida cultural brasileira.

Houve tentativas de equacionar o problema, nomeando-o de movimento “pós-

parnasiano”, ou ainda, estabelecendo estratégias de aproximação construídas a

posteriori, como a definição dos seus antecedentes como “pré-modernistas”. Enfim,

as soluções resultavam, ou ao menos passavam, por uma definição esquemática do

ambiente intelectual em que se dava o processo.

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Propõe-se aqui, não como alternativa, mas como contribuição ao estudo do já

complexo movimento modernista brasileiro, uma investigação do argumento de um

dos seus protagonistas, tão polêmico quanto pouco analisado. O caminho percorrido

não dará prioridade a aspectos contextuais, ou a influências diretas e indiretas – sejam

elas estrangeiras e/ou nacionais –, ou tampouco o identificará somente a um grupo

específico, tendo como conclusão apenas a confirmação das afinidades entre o autor e

seus interlocutores. Por outro lado, aquele que buscar aqui um trabalho

exclusivamente monográfico, no âmbito de uma análise interna do estabelecimento de

uma coerência de idéias, ou evolução do pensamento, também se decepcionará. A

proposta é pensar o subsídio do modernista, a partir de matrizes de pensamento com

as quais dialogou para formular sua versão sobre a configuração da realidade

brasileira. O esforço é duplo: (a) como história das idéias, se preza em estabelecer

relações que tenham como objetivo dotar de sentido os escritos do autor frente às

questões que enfrentava; e (b) situado na discussão da história cultural, o argumento

aqui desenvolvido busca pensar o ambiente intelectual modernista (no qual o

pensador se insere) no debate empreendido pelos seus próprios integrantes, como um

conflito das interpretações que não se encerra no âmbito do próprio movimento.

Desse modo, pretende-se debater não somente as questões inerentes àquele tempo

conturbado, porém fecundo, mas também investigar a maneira pela qual essas

preocupações efetivamente atravessavam a reflexão do autor em questão, e que

resposta ele formulou.

Com raras exceções, os rumos tomados pelos que se debruçaram sobre a

trajetória intelectual de Plínio Salgado antes da fundação da Ação Integralista

Brasileira (1932) eram norteados por uma associação quase automática entre a

produção do autor anterior ao surgimento dos camisas-verdes e os manifestos

integralistas nos quais se transformaram, como ele próprio diz, grande parte de suas

obras a partir dos anos 30. Essa identificação imediata aparentemente soluciona de

uma única vez dois tipos de problemas que, na verdade, são oriundos de uma carência

de pesquisas: (a) a questão da formação ideológica de Salgado, i.e., uma vez

analisado o movimento do sigma, fica fácil (mas forçoso) enxergar o seu casulo,

oculto porém já constituído dez anos antes; e (b) embora, não erroneamente, se

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atribua ao integralismo um caráter direitista, é, contudo, equivocadamente, que os

escritos do autor são classificados como produto de um pseudo-modernismo. O

trajeto é o oposto: “justifica-se” (novamente a posteriori) o caminho político-

militante escolhido por Plínio Salgado, tendo em vista sua “secundária” contribuição

ao debate travado na década anterior. Assim, a análise é baseada numa analogia direta

e artificialmente construída a partir de posições políticas e ideológicas que são

transportadas diretamente para o âmbito da pesquisa e da interpretação – o que

certamente não constitui um bom ponto de partida.

Guardadas as devidas proporções, a maioria das análises sobre o pensamento

modernista do autor de Discurso às estrelas se orienta pelo caminho que ele traçou

nos anos 30, quando o modernismo já entrara em nova fase, bem como todo o

contexto socio-político brasileiro. Na verdade, Plínio Salgado somente é pensado de

maneira especifica como integrante da renovação estética de 1922 pelos “manuais” de

história literária; no que diz respeito às interpretações históricas, é aquela associação

com o seu futuro integralista que ocupa lugar principal. É neste sentido que, sem a

pretensão de esgotar a totalidade das referências, se colocam as obras aqui

brevemente citadas: (a) o livro de Gilberto Vasconcellos (1979) constrói um esquema

que, por conta de uma combinação entre dependência econômica e cultural e

sentimento telúrico, faz a ideologia integralista já estar claramente presente como tal

no discurso modernista de Plínio Salgado. Isto é, embora bem construída, a tese de

Vasconcellos não delimita uma diferença, a não ser de datas, entre os contextos das

duas décadas no que diz respeito aos argumentos do autor em questão; ao contrário, a

associação é bem-vinda; (b) já no texto de José Chasin (1999), este raciocínio é ainda

mais nítido. O espaço reservado ao exame do Plínio pré-1930 é configurado como

“véspera do movimento”, onde o autor se repete inúmeras vezes a título de exemplo

consultando quase que exclusivamente os escritos do próprio Plínio Salgado para

confirmar a presença do argumento integralista desde o “início”; (c) Marilena Chauí

(1985) compreende o integralismo quase que unicamente sob a dinâmica da luta de

classes, e, desse modo, nas poucas vezes em que se refere à trajetória de Plínio

Salgado anterior a 1932, o faz procurando verificar as relações causais entre seu

trabalho como redator do Correio Paulistano – que era o órgão oficial de imprensa do

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Partido Republicano Paulista (PRP) –, a eclosão da Revolução de 1930 e a fundação

da Ação Integralista Brasileira.

Fora desse desenvolvimento, destaco o livro de Ricardo Benzaquen de Araújo

(1987) que, embora não trate do período aqui estudado, ajuda a compreender como se

desmembrou o argumento de Plínio Salgado nos anos 30, através de análise que

interpreta seus escritos como integrantes de um diálogo peculiar entre os conceitos de

“totalitarismo” e “revolução”; e ainda o texto de Eduardo Jardim de Moraes (1978)

onde, apesar de não estudar especificamente a trajetória do autor de O esperado, o

compreende na dinâmica do movimento modernista. Estes dois trabalhos são

particularmente importantes para esta dissertação, o primeiro como referência e o

segundo como interlocutor.

Seria possível ainda citar um sem número de artigos, teses e outros livros que,

de alguma maneira, em sua reflexão, incluiram a questão proposta aqui. No entanto,

este não é objetivo desta introdução. O que se quer é retomar aquele ponto de onde se

partirá, como contraponto, o argumento desenvolvido neste trabalho: entende-se a

produção modernista de Plínio Salgado como prólogo à sua atividade política e

militante, que o tornara mais famoso anos mais tarde. Para tornar esta questão mais

clara e também como um meio de se introduzir a discussão, é necessário agora

debater alguns argumentos contidos no livro de Helgio Trindade (1979), que talvez

seja o mais completo dedicado à análise do fenômeno integralista). A observação se

concentrará na parte do texto dedicado ao período em questão.

As análises que se preocupam em estabelecer nexos diretos entre os vários

momentos avaliados de uma história se caracterizam por um argumento em que, mais

importante do que a produção de sentidos-causa para a determinada trajetória, a

questão se constitui através da construção de um sentido-temporal para a “história de

vida” e, a partir daí, há espaço para a criação de vários outros sentidos (causas,

motivos, e até histórias inteiras) na elaboração de um fio que liga os mais diversos

episódios1. Neste sentido, o relato pretende ser versão acabada, mesmo que para isso

recorra à construção de caminhos que, no momento em que eram percorridos, nunca

1 Giovanni Levi faz um comentário sobre esse raciocínio anacrônico numa perspectiva crítica aos próprios historiadores (1989, p.169).

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foram sequer imaginados. Apesar da obra de Trindade, ou mesmo as outras fontes em

questão, não se tratarem de biografias, ainda assim as reflexões teóricas sobre esse

gênero da escrita podem ajudar a desvendar o ponto aqui proposto sobre as

interpretações acerca da trajetória de Plínio Salgado durante as décadas de 20 e 30.

Pierre Bourdieu define esse tipo de situação como “história de vida”, onde há

“privilégio concedido à sucessão longitudinal dos acontecimentos constitutivos da

vida considerada2 como história em relação ao espaço social no qual eles se

realizam...”.3 Mesmo sabendo do desenvolvimento sociológico que o autor dará ao

trecho assinalado4, pode-se a partir dele sugerir duas interpretações que não se

anulam: (a) a história como vida – pretendendo assim significar uma totalidade

acabada, ou seja, com princípio, meio e fim, bem como com relação de causalidade

entre as partes; e (b) a vida como história – representando o que “realmente” passou,

uma suposta verdade histórica. Em ambos os casos há uma descaracterização do que

se está a estudar, seja por estabelecimento de uma lógica temporal que não

corresponde àquela em questão, seja aceitação acrítica de um relato que, por si, não

pode ser considerado mais idôneo do que qualquer outro.

A própria maneira de se encarar o relato biográfico define o trabalho que será

empreendido5: para quê ela, a biografia, serve? Maria Helena Werneck procura

assumir essa questão partindo de um aspecto negativo que ajudará a formular o

positivo, nomeado “pensar saudável sobre biografias”, nos apresentando a visão

2 grifo nosso. 3 BOURDIEU, P., 1986, p.189. 4 O autor está preocupado com a biografia enquanto construção de uma trajetória que só pode estar num mundo social e assim, portanto, deve referir-se a ele e só terá (ou construirá) significado nele: “Tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um ‘sujeito’ cuja constância certamente não é senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto do metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações”. BOURDIEU, P., 1986, p.189-90. 5 Note-se que esta é uma questão teórica básica para as ciências sociais (e/ou humanas), mas que, às vezes, parece ser desprezada por debates que priorizam a discussão metodológica, ou, pior ainda, que almejam conseguir separar totalmente teoria e método como se fossem ingredientes de uma mistura que dependesse unicamente do seu sujeito.

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nietzscheana.6 Para o filósofo, os biógrafos – ao tentarem atingir uma verdade –

anulariam o que há de melhor na vida (então reescrita): a arte7. Desse modo, “a

curiosidade positiva e pragmática dos biógrafos está orientada menos para as virtudes

da criação que para ‘uma multidão de pormenores da vida e da obra’. Assim, o

conhecimento que deriva dessa curiosidade impediria a irradiação do espírito à

distância. Sem o véu do esquecimento, que é destruído pela informação crítica e

biográfica, a arte não alcançaria o objetivo de ensinar a viver e a esquecer os

problemas”.8

Dito isto, pode-se encarar com pessimismo a constatação da dupla dificuldade

do trabalho que está por vir no exercício de se entender os escritos onde de algum

modo subjaz um tom biográfico. De um lado, há a preocupação incansável de se

remeter cada “passo interpretativo” a um contexto específico que não está antes ou

depois dele, mas o constitui; e, de outro, demanda-se um esforço que consiste em

desvendar o que foi criado pelo relato para dar sentido às lacunas da memória, e/ou

imputar um significado que a própria história não representou. Ainda assim, não se

deve tomar como solução o mergulho na pergunta é possível dar sentido à vida

passada de um indivíduo? Em primeiro lugar porque um dos limites (ou melhor, uma

das propriedades) da representação é justamente a apresentação de algo de novo (i.e.,

num novo tempo), portanto, fatalmente de maneira distinta. E ainda, é vital assinalar

que, seriam de pouco proveito quaisquer pretensões de se atingir a “verdade” – por

concordar com a idéia de Nietzsche e por saber o lugar específico que as ciências

humanas e sociais ocupam na produção do conhecimento.

O desafio está lançado. É desse modo que se propõe aqui uma observação

acerca da construção da visão de Hélgio Trindade sobre a relação entre a vida e obra

literária de Plínio Salgado da década de 1920.

Em Paris, fins do ano de 1971, Hélgio Trindade defendia sua tese de

doutoramento intitulada L’action intégraliste brésilienne: un mouvement de type

fasciste des années 30, diante dos professores René Rémond, Celso Furtado e

6 Cf. WERNECK, M. H., 1996, p.17-30. 7 É importante frisar que Nietzsche, nesse caso, está se referindo às biografias de artistas. 8 WERNECK, M. H., 1996, p.23.

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Georges Lavau. Neste ano, Plínio Salgado exercia seu último mandato como

deputado federal pelo estado de São Paulo, filiado à Aliança Renovadora Nacional

(ARENA) e, particularmente nesta mesma data, era membro da Comissão de

Educação e Cultura da Câmara. Descrevendo desta maneira esses episódios (ambos à

luz do ano de 1971), pode parecer estranho – e mesmo artificial – que esses dois

“personagens” tomam, respectivamente, o lugar de sujeito e objeto de uma análise

histórica. Contudo, estes também são problemas da análise biográfica. Reafirmo que,

apesar das complicações já citadas, é possível interpretar os textos, mesmo quando

estes são profundamente descomprometidos com qualquer grau de objetividade, o que

não é o caso do livro de Trindade.

Na verdade, o dito “objeto” de Trindade não é especificamente Plínio

Salgado, mas o movimento e organização política que fundou: a Ação Integralista

Brasileira. Essa informação pode soar simples tendo em vista a já apresentação do

título da tese, entretanto é muito importante para o argumento que será construído a

seguir. Preocupado em desvendar a origem ideológica dos camisas-verdes, Trindade

concede tom biográfico ao seu estudo, buscando na trajetória político-intelectual de

Salgado as respostas. Traçando um caminho que vai do aprendiz de jornalista, passa

pelo homem – mais figurante do que astro – da Semana de 1922, pelo romancista

social (quando sofre a “metamorfose ideológica”), e chega, finalmente, ao status de

fundador da doutrina integralista, Trindade elabora uma história que se constitui

sempre determinada por aquilo que viria a acontecer. A luz do fim do túnel, na

verdade, já iluminaria o percurso desde a entrada.

Voltando uma década antes do fenômeno integralista, o cientista político

busca a origem das formulações e dos princípios que se constituiriam como norte do

primeiro movimento de massas do Brasil no desenvolvimento da literatura do futuro

líder integralista: “a evolução ideológica de Salgado, nesta fase [1920-5], se explica

mais pela influência da revolução literária do que por sua experiência política em

partidos tradicionais”.9 De uma perspectiva de remontar a gênese de uma experiência

9 TRINDADE, H., 1971, p.42.

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política se espera uma descrição, ainda que muitas vezes “fantasiosa”10, de um

passado onde o protagonista já demonstrava a vocação. No entanto, não é isso que

acontece na narrativa de Trindade. Ao invés disso e de maneira muito inteligente, o

autor reconstrói o caminho do seu personagem através de etapas que constituem o que

ele chama de “metamorfose ideológica”. Plínio Salgado, nos primórdios do

movimento modernista, não concebia a idéia da criação de um partido político novo11

como meio de se aplicar suas idéias, de um lado, porque elas ainda estavam em

formação12, e de outro, porque não protagonizava nenhum movimento.13 Salgado

estava no meio das transformações, mas, até então, não participara, como autor, delas.

No entanto, justamente por viver a mutação literária que “sofria” a cultura brasileira

não poderia estar alienado, e foi desse modo que sua formação política se deu através

da literatura: seu primeiro romance é, na verdade, um estudo sociológico, um

diagnóstico da vida brasileira. À luz de uma história em que são revelados,

simultaneamente, a formação, os problemas, e a “força” da sociedade brasileira,

Salgado formula seu ideário. É então que Trindade, numa passagem, desvenda a

situação política “por trás” do texto: “a problemática que está subjacente no romance

[O estrangeiro], é “a formação de São Paulo, que era a do Brasil. Conglomerado de

raças de várias procedências, de culturas, umas querendo sobrepujar as outras”; a

mensagem do livro é o ‘nacionalismo’; seu objetivo principal é descrever a ‘vida

rural, vida provincial e vida na grande cidade’, onde as correntes migratórias de

diversas origens estão por realizar uma grande fusão étnica”.14

A revolução literária, para Salgado, passa a não ser suficiente. Constatado o

problema brasileiro e o destino da nação, a mudança se impunha: militância, da

10 Digo “fantasiosa” dentro naquela perspectiva de se criar explicações a posteriori como justificativas dos atos que se seguiram. 11 Digo “novo” porque Salgado trabalhava no Correio Paulistano – jornal que era órgão oficial de propaganda do Partido Republicano Paulista (PRP), situacionista. 12 TRINDADE, H., 1979, p.35-69. 13 Ibid., p.43. 14 Ibid., p.57.

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literatura à política15. Tentar entender a trajetória do futuro chefe da AIB de uma

maneira contextualista, ou ainda, procurar o ambiente literário da década de 1920 na

biografia de Salgado significa correr o sério risco de não chegar à conclusão alguma,

que não a de que seu caminhar foi muito peculiar16. Daí a importância da noção da

“metamorfose ideológica” no raciocínio de Trindade: foi Plínio Salgado quem viveu

esta mudança particular, é claro que de acordo com a relação que estabeleceu com o

seu meio; e ter vivido esta metamorfose significou uma diferença de trajeto em

relação aos outros modernistas. Neste raciocínio, sua vida seria o que Giovanni Levi17

chama de caso extremo: não como paradigma modernista ou máxima expressão do

movimento, mas por estar em uma de suas extremidades – não à margem, mas na

margem.

Dentre as mais diversas posturas biográficas que se pode assumir, segundo

tipologia de Levi, Trindade se aproximaria da que, através análise dos “casos

extremos”, busca representatividade de suas trajetórias mesmo quando estas sugerem

que o que se estuda possa ser um caso isolado. Diz o autor: “esse caso [o da biografia

através dos casos extremos18], o contexto não é percebido em sua integridade e

exaustividade estáticas, mas por meio de suas margens. Descrevendo os casos

extremos, lança-se luz precisamente sobre as margens do campo social dentro do qual

são possíveis esses casos. Podemos citar aqui (...) o artigo de Michel Vovelle sobre a

15 Plínio Salgado une algumas crônicas suas que saíram no Correio Paulistano e as publica num volume único intitulado Literatura e Política, em 1927. Hélgio Trindade também analisa este livro, mas como ratificação da “metaformose salgadiana”, onde a política passa a predominar sobre a literatura. TRINDADE, H., 1971, p.49-55. 16 Haroldo de Campos, analisando Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade, o insere na revolução literária modernista mundial tendo em vista características se não comuns, muito semelhantes, como a paródia, a sátira e a postura antinormativa. CAMPOS. H., 1971, p.xi-xlv. Seria muito difícil compreender (neste contexto) a obra de Salgado que, profundamente retórica (enunciação política veemente), não parece estar na revolução estética que ocorria “à sua volta”. Esta questão será analisada no último capítulo da dissertação. 17 LEVI, G., 1989, p.179. 18 Na verdade, Giovanni Levi diz “biografia e os casos extremos” e não “através”; contudo, penso que a mudança aqui sugerida não altera o sentido dado pelo autor.

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biografia: ‘o estudo de caso representa o retorno necessário à experiência individual,

no que ela tem de significativo, mesmo que possa parecer atípica’ (...)”.19

O caso de Salgado foi desenvolvido na margem, porque a revolução que

pregava rapidamente se desvinculou da literatura (embora não a abandonasse – os

livros do autor deixaram talvez de viver a mutação estética para virar divulgação da

outra mutação, esta política) e se tornou predominantemente política. O início efetivo

da mudança se dá em O estrangeiro: “a metamorfose ideológica de Plínio Salgado se

processa sob a atmosfera intelectual da revolução estética. Sua obra romanesca,

escrita em pleno período modernista, estabelece a ponte entre sua atividade de

escritor e de ideólogo político”.20

Hélgio Trindade não contrasta enfaticamente as diferenças da trajetória de

Salgado em relação ao seu tempo, não é esse o seu caminho. A nomeação dada ao

estudo (consultada em Levi), “biografia através de caso extremo”, está ligada muito

mais ao direcionamento que Trindade vai dar ao seu argumento (gênese do

integralismo) do que a defesa – do próprio autor – do caminho assim definido. Isto é,

muito preocupado em ligar o “presente” integralista ao passado de Salgado, o autor

cria um caso extremo (na margem) do modernismo.

É conveniente ainda citar outro exemplo dessa escrita que pretende formar

uma cadeia de causalidades em direção a um fim previamente traçado. Agora, trata-se

de um texto eminentemente biográfico.

Plínio Salgado não escreveu nenhum livro de memórias, talvez exceto o que

se refere especificamente as suas viagens à Europa e Oriente21. Todavia, sua filha

Maria Amélia Salgado Loureiro publicou em 2002 o livro que parece ser a narrativa

reveladora da “verdadeira” história dessa personalidade que foi o seu pai. Amparada

por uma autoridade tida por muitos como incontestável (a da convivência familiar), se

diz ser, em primeiro lugar, despretensiosa, mas logo em seguida revela as mais

profundas intenções: “não sei se fiz alguma coisa que preste. Mas a minha intenção

primeira foi dar o passo inicial, a ver se animava autores mais capacitados a

19 LEVI, G., 1989, p.176-177. 20 TRINDADE, H., 1979, p.48. 21 Cf. SALGADO, P., 1930.

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empenhar-se numa tarefa maior, em obra mais completa sobre essa figura ímpar, das

mais interessante do seu tempo, intelectual de talento, estadista e político de grande

valor e um dos homens mais injustiçados no cenário da vida nacional22, apesar de ter

amado com todas as forças de sua alma o Brasil, sempre sonhando torná-lo uma

grande e respeitada Nação”.23

O desconforto que motivou a escrita de Loureiro (seu pai fora e é – no

momento em que escreve – injustiçado) determina o conteúdo de seu texto: a

pretensão de se contar a verdade nem sempre está em autobiografias de título fulano

por ele mesmo, etc. A filha do biografado não cita a origem de cada fonte, a não ser

genericamente numa nota explicativa que precede o texto24. Na verdade, sua

perspicácia não está no fato de reunir documentos, mas em revisitar a sua própria

memória e torná-la pública. A verdade, assim como o próprio Plínio pensava, não

está na ciência, mas na intuição25 – ou sentimento, daí a importância e legitimidade

de exercitar a lembrança. Todavia, não vem ao caso criticar de antemão o texto de

Loureiro, mas sim analisar seu conteúdo segundo a reflexão previamente apresentada.

O norte singularizado que conduziu a escrita de Hélgio Trindade (formação

das idéias integralistas), se multiplicou em Plínio Salgado, meu pai. Loureiro, além

de almejar fazer justiça à memória do pai, constrói seu texto a partir da noção de

gênio individual – tanto artístico quanto político (nota-se uma proposital confusão

entre os termos na sua narrativa) – e caráter íntegro. Essas qualidades aparecem como

definidoras do caminho de Salgado e, portanto, do próprio país. Um dos exemplos

mais característicos da genialidade pode ser personificado na figura do autodidata, do

que “faz-se por si”: “depois do almoço, Plínio dirigia-se à Biblioteca Pública para

22 grifo nosso. 23 LOUREIRO, M. A. S., 2002, p.xi. 24 O único trecho do livro que aborda a questão das referências é o seguinte: “Os capítulos referentes a sua infância foram redigidos segundo anotações por ele deixadas, talvez na intenção de escrever uma autobiografia. Entremeei-as de considerações que me pareceram pertinentes, mas procurei preservar, ao máximo a redação primitiva, sendo, portanto, realmente de sua autoria; a parte referente ao seu exílio em Portugal, também é, praticamente escrita por ele, pois retirei a maioria dos textos das cartas endereçadas a mim e meu marido, Loureiro Júnior, por serem as únicas notícias detalhadas que possuo dessa época de sua vida”. Ibidem. 25 Esse aspecto intuitivo, i.e., não científico, do pensamento de Plínio Salgado será constantemente tratado ao longo deste trabalho.

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estudar. Freqüentava “sebos”, onde comprava livros baratos. Fazia-se por si.

Devagar. Lia, lia muito. E o livro que mais leu nesse tempo foi o livro da vida26...”.27

Ligar a inteligência do personagem às influências externas seria transformar

sua originalidade, seu “verdadeiro” valor, em uma segunda versão, por isso Plínio

estudava muito, mas sua maior escola foi a vida e sua inteligência era a sensibilidade.

Há de se construir, entretanto, um reconhecimento, uma prova “externa” de tanta

aptidão. É justamente aí que se segue a descrição do episódio que teria marcado de

vez a sua entrada para a redação do Correio Paulistano. Plínio Salgado, ainda como

revisor, numa ausência do então redator da coluna “Notas Políticas”, teve a

oportunidade de escrevê-la, o que não só lhe rendeu a ascensão ao novo cargo, como

também cumprimentos do então presidente do estado de São Paulo e futuro

presidente da república, Washington Luís.28 É curioso ressaltar, entretanto, que esta

alusão à figura do chefe de governo serve a um objetivo específico (notoriedade do

autor), porque logo depois, para que ele não seja simplesmente identificado à figura

do futuro presidente da república, Loureiro diz que seu pai apoiou Washington Luís

com condição de este garantisse idoneidade nas eleições e respeito ao regime

representativo para que pudesse “sentir-se à vontade para redigir seus artigos no

Correio, sem ter de violentar a sua consciência”.29 Plínio, como que se servindo do

dom a ele outorgado, conseguiu traçar caminhos firmes em meio a terras bem

lamacentas.

A atribuição de valor incontestável à figura de Salgado logo no início da

narrativa que se refere à formação de sua personalidade, e que vai desembocar na

publicação de O estrangeiro, não significa outra coisa que não admiração. Maria

Helena Werneck num resumo que faz da história do desenvolvimento da biografia,

descreve o que seria um exemplo de um tipo de exercício desta, a partir do século

XVIII: “ao lado das cerimônias nas academias, das peças de teatros em louvor de

26 grifo nosso. 27 LOUREIRO, M. A. S., 2000, p.116. 28 Ibid., p.117. 29 Ibid., p.118.

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feitos gloriosos do grande homem, das exposições e edições comemorativas, a

literatura da paternidade, ou biografia do pai, consagra o filho escritor. O panegírico e

o elogio fúnebre, característicos da biografia clássica, dão lugar a uma nova

“morfologia do elogio”, que destaca o mérito em face do nascimento e explora a

satisfação com a infelicidade como justificativa e lei do gênero. O elogio é a moeda

que salda uma dívida da humanidade com o grande homem perseguido”.30

É imprescindível fazer ressalvas a uma eventual associação direta: (a) para

fugir do anacronismo é necessário datar as situações – séculos XIII, e passagem do

XX para o XXI; (b) não parece que Loureiro quer consagrar-se como escritora e sim

fazer justiça ao pai; (c) a autora não se refere a uma postura de Salgado que revela

satisfação com as infelicidades sofridas, mas as ressalta como que uma prova de

caráter e de superação31. Todavia, a admiração convertida em livro demostra a

dimensão do elogio ao homem; desvenda as conclusões da autora como que vestígios,

ainda presentes, da fascinação pelo pai, da época em que era chamada de Amelinha32.

Segue a legitimação do caminho do pai. Plínio Salgado, ao contrário do que

dissera Trindade, foi uma das figuras importantes da Semana de Arte Moderna33 e, o

que era mais significativo, este movimento do qual seu pai participara ativamente

“encarnava” o íntimo dos brasileiros: “os sentimentos nacionais se polarizavam na

evocação do grande acontecimento para cuja comemoração se faziam os preparativos.

Nos domínios da arte e da literatura sentiam-se os efeitos de um estado de espírito

comum a todos os brasileiros. Procuravam, então, os cultores de todos os ramos de

arte, algo novo, que expressasse o Brasil cem anos depois de se tornar

independente”.34

30 WERNECK, M. H., 1996, p.38. 31 Num dos acontecimentos narrados (o da morte do padrinho), Loureiro chama a atenção para a força de Salgado e, posteriormente, para a sua inquietude e desenvolvimento espiritual que fez com que o caso vivido servisse de inspiração para seus escritos. Cf. LOUREIRO, M. A. S., 2000, p.76-81. 32 O nome completo da escritora é Maria Amélia Salgado Loureiro. 33 LOUREIRO, M. A. S., 2000, p.119-120. 34 Ibidem.

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A importância de Plínio para o Brasil correspondia desse modo ao valor que

esta nação representava para ele e, além disso, Salgado começava a se distinguir

dentre os outros autores de seu tempo, suas idéias estavam prestes a consagrá-lo. Isso

começou, segundo a autora, numa reflexão – com a qual ela parece concordar – sobre

a arte: criticando os modernistas europeus que se posicionavam como revoltosos

contra as fórmulas antigas, apontam-se os valores eternos da arte e do pensamento35.

Assim, Loureiro só dá verdadeira importância ao momento do modernismo em que as

revoluções estéticas já tinham “evoluído” para uma produção de reflexão sobre a

nacionalidade, justamente o período em que foi publicado o primeiro romance de

Salgado. A passagem que se segue é de suma importância para inserção do autor na

fundação de algo verdadeiramente novo, e assim sagrá-lo no hall dos ilustres

brasileiros: “esse momento revolucionário das letras e das artes inspirava-se, pois, no

desejo de libertação das formas acadêmicas, ou do neoclassicismo, dando-se ampla

autonomia aos escritores e artistas para que se expressassem livremente, segundo sua

própria interpretação do mundo exterior e interior36. Seus objetivos eram puramente

estéticos e literários. Entretanto, nascia dali um sentido de brasilidade que,

posteriormente, se tornou profundo e de conseqüências sociais e políticas da maior

importância”.37

As palavras grifadas representam um argumento importante da autora sobre a

originalidade de seu biografado, aqui resumido: superando (entretanto) um

reducionismo (puramente) característico daquele primeiro momento da revolução

modernista, Plínio Salgado elaborara um pensar genuinamente novo (porque

35 Há em Plínio duas concepções de arte que se intersedem; ambas trabalhadas com propósitos diferentes por Loureiro. A primeira, que serve como crítica ao modernismo europeu, concebe a arte como algo dividido, onde uma das partes é composta por um elemento eterno. A segunda concepção, servindo à noção de que o autor é original, vê a arte como fator de consciência nacional: “E continuando suas reflexões, Plínio Salgado declarava que sendo a arte de um país resultante de sua consciência nacional, no Brasil ainda não se pode falar em ‘escola’, pois a palavra ‘escola’ não está relacionada, apenas, a grupos de tendências estéticas semelhantes, mas pressupõe a idéia de nacionalidade. E concluindo, Plínio afirma que, felizmente, naquele momento, descobria-se um forte desejo de ‘criar a Pátria’: ‘A arte, principalmente, cuida muito mais desse ideal do que a política oportunista. É esse anseio que leva os artistas a representarem que nos lega tradições francesas, inglesas e portuguesas, menos a tradição nacional”. Ibid., p.128. 36 grifos nossos. 37 LOUREIRO, M. A. S., 2000, p.120.

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profundo) sobre a nacionalidade: esta deveria ser exercida a partir de referentes

internos (interior). É interessante notar que tomando seu pai como um pensador

original, fica mais fácil para Loureiro dar sentido aos passos nem sempre muito

óbvios de Salgado. Por exemplo: sua trajetória lhe fora revelada, e então, assumida.

Salgado tivera vontade – foi um desejo, motivação interna – de escrever um romance,

mas a sua concretização só pôde ocorrer através de uma experiência externa, uma

vivência do mundo: “Plínio Salgado, a esse tempo, firmara-se no cenário jornalístico

com seus artigos no Correio Paulistano. Mas o seu grande sonho era publicar um

livro. Um livro que exprimisse a realidade brasileira. Já o tinha no pensamento: seria

um romance. Quando o escreveria?”.38 “Um dia viajou pela Araraquarense a

convite... (...). No terceiro dia fizeram a mais desejada das excursões, a Monte

Aprazível, que estava nascendo com uma dúzia de casas, e à cachoeira do

Avanhadava. Foi em Monte Aprazível que Plínio sentiu o primeiro toque de

inspiração, revelando-lhe39 o tema que desenvolveria no romance”.40

A própria conjuntura parecia conspirar a seu favor, não havia nenhuma prosa

realmente representativa do movimento. O que era escrito objetivava o ataque à

situação até então presente, mas sem, contudo, produzir algo “moço”.41 Aliada a essas

condições estava sua genialidade expressa no pioneirismo42 e qualidade de

visionário43, pronto a desvendar as características nacionais, bem como a produzir

reflexão que as contemplasse.

Antevisão do futuro nacional, O estrangeiro também era apreciação social.

Essa combinação – projeção (“já o tinha no pensamento...”) e afetação (“...sentiu o

toque de inspiração...”) – fazia do autor personagem ímpar. Na verdade, não só

38 Ibid., p.121. 39 grifo nosso. 40 LOUREIRO, M. A. S., 2000, p.121-122. 41 Ibid., p124. 42 Sobre o pioneirismo de Salgado, ver o episódio do loteamento da cidade de São Paulo. Ibid., p.126-127. 43 Sobre sua qualidade de visionário, ver o caso do seu posicionamento frente às eleições de 17 de fevereiro de 1924. Ibid., p.129-130.

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participou do movimento modernista (lembrando que, segundo a autora, foi de

expressão íntima nacional), como o superou no tempo: enquanto outros ainda se

perdiam em experiências estéticas, Plínio já formatava o caráter nacional, entendendo

o predicado eterno da arte44 e aplicando-o ao nosso meio.

A originalidade de Plínio confunde-se com a “verdadeira” contribuição da

Semana. A história do Brasil, em Loureiro, é narrada a partir da trajetória de Salgado

(o que não é incomum numa biografia), contudo, não apenas a partir da visão dele

como sendo única (expressão incontestável da individualidade), mas como se o que

acontecesse à sua volta fosse algoritmo de sua vitalidade intelectual e política. Essa

centralidade subjetiva pode ser teoricamente contestada em Retorno à biografia, onde

Marília Rothier Cardoso, à luz de Jorge Luis Borges, chama a atenção para o

comprometimento da visão que toma o sujeito biografado (entretanto pode-se pensar

o mesmo para o biógrafo, já que esse sujeito não é necessariamente empírico) como

uno. Borges, em 1966, com sua destreza discursiva, trataria essa questão, que é

complexa (em si, e porque envolve o próprio narrador), de uma maneira simples45,

i.e., antes de denunciar a multiplicidade do sujeito, o autor argentino indica a

primazia da divisão, exemplificando-a na sua maior singeleza, o meio (1/2), que,

interpretado como duas unidades, pode ser encarado como duplo. Borges recorre “a

máxima de uma filosofia hindu do século V que, ao descrever os homens como

espectadores de seus próprios atos, apresenta o sujeito como duplo: o eu observa-se

como outro, identificando-se com o mesmo e, simultaneamente, distanciando-se

dele”.46

Dito isso, já podemos interpretar o desenvolvimento do texto de Loureiro –

centrado na unicidade (intelectual, política e, inclusive, de caráter) do personagem

Plínio – como, no mínimo, fora de época, i.e., pertencente a uma tradição biográfica

que remete ao texto de James Boswell (1936) sobre Samuel Johnson47. Esta

44 Ibid., p.119. 45 Por de maneira simples entenda-se como um talento pedagógico, portanto qualidade de se narrar sumariamente. 46 CARDOSO, M. R., 2002, p.120. 47 Situação descrita em Retorno à biografia. Ibid., p.118-122.

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observação pode ser estendida também à leitura que a autora faz do papel de O

estrangeiro na biografia de Plínio Salgado: a obra seria, simultaneamente, o reflexo e

ápice das capacidades de Salgado. Todavia, é mais produtivo aproveitar esta condição

na qual se insere o texto para compreender a questão da autoria, tanto em relação ao

próprio biografado (em relação ao seu primeiro romance), quanto no que diz respeito

à condição de escritora em que se põe a sua filha. Ainda nesta reflexão, podemos

olhar para o livro de Hélgio Trindade que, mesmo não pretendendo ser uma biografia,

se revela como um tipo particular de história de vida .48

Esta dissertação não pretende biografar o personagem Plínio Salgado em

época raramente estudada, ou tampouco visa reconstruir peculiarmente a ponte entre

a vida do autor antes de depois do fatídico ano de 1932. Os escritos de Loureiro e

Trindade, certamente, o fazem melhor e, por isso, não são aqui convocados para que

se possa, negando seu valor, construir o argumento. O que se busca é encontrar um

espaço nesta discussão, e se possível fugir desses mecanismos quase automáticos que

caracterizaram as visões acima apresentadas. Neste sentido, o trabalho se divide da

seguinte forma:

Em primeiro lugar, é armado um debate dentro do modernismo: a versão de

Mário de Andrade versus o “verde-amarelismo” (movimento literário brasileiro dos

anos 20 do qual Salgado fora um dos fundadores, senão o principal), tentando

reconstruir a problemática do modernismo no pensamento de Plínio Salgado. A

investigação sugere que as diferenças entre os grupos se acentuam no que diz respeito

à formulação da maneira através da qual se poderia atingir a brasilidade e, assim,

construir um projeto para a nacionalidade. Não que as especificidades se encerrassem

neste ponto, mas ele se torna fundamental para a compreensão da construção do

argumento do autor.

O segundo capítulo trata do debate intelectual mais amplo, e de consequências

epistemológicas, que caracterizou a virada do século XIX para o XX. Compreender

sua dinâmica é vital, porque aqui se defende que a interpretação do autor modernista

48 Reforço a idéia de que, embora possa parecer que foi escolhida, quase que às escuras, um parte do livro de Trindade para servir ao propósito deste trabalho, na verdade, a alternativa se deu por causa da característica marcantemente teleológica do texto do referido cientista político, justamente em relação a esta época da vida de Salgado.

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sobre a realidade brasileira faz parte de uma reflexão que transcende as questões

locais, sem é claro ignorá-las. Num diálogo claro com autores como Henri Bergson,

Farias Brito e Graça Aranha, Plínio Salgado combate a expansão dos mecanismos de

pensar atrelados à racionalidade científica, em direção a todos os ramos do

conhecimento, afetando inclusive aquele que caracteriza a experiência estética.

Em último lugar, o próprio texto do autor é examinado à luz das reflexões

desenvolvidas até então. Uma atenção especial foi dada aos romances que

constituiram boa parte de sua produção naquela década, bem como articularam o

debate empreendido. A interpretação os aproxima da tradição clássica da retórica que

ofusca as visões contrastantes em benefício de uma narrativa plana, i.e., sem a

contribuição da dúvida; e o faz também através de uma concepção de unidade entre o

homem e o mundo – ressaltando a contribuição dos argumentos de Friedrich Ratzel e,

novamente, de Bergson.

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2. Inteligibilidade e vias de acesso

Analisar um momento da literatura brasileira significa algo mais que identificar suas

condições históricas. Pensando em termos da história, estudar literatura depende

sempre de um movimento que, além de incorporar as ferramentas da disciplina,

passeia por entre as categorias estéticas1. Mas, quando há uma situação analítica onde

a arte é operada como um documento stricto sensu, a superficialidade entre em cena:

de um lado, há a possibilidade da literatura ser encarada como algo homogêneo que,

no máximo, se desmembraria em fases históricas não comprometedoras de sua

unidade; de outro, um exame ligeiro pode conceber a história como uma sucessão de

descontinuidades provocadas por cortes representados por movimentos literários que,

por exemplo, indicariam o nível cultural da sociedade.

Em ambos os casos literatura e história são encaradas como coisas totalmente

distintas, que apenas servem-se umas das outras com o claro objetivo de afirmar o

próprio desenvolvimento interno. Apesar de atualmente caracterizar boa parte dos

estudos de história cultural no Brasil as análises que se utilizam da literatura como

um documento histórico, ou que, no extremo oposto, enxergam a história apenas

como matéria-prima literária, na verdade estão a manusear esses dois tipos de

conhecimento “ao bel prazer”, distanciando-se de qualquer esforço compreensivo.

Sugere-se aqui, como uma maneira mais profícua de se examinar o

modernismo brasileiro, aproximar os textos da época (década de 1920) a estudos que

não privilegiem aspectos estritamente contextuais, mas que se propõem a investigar o

seu significado.

1 Não pretendo, com isso, separar as duas dimensões, mas justamente chamar a atenção para a complexidade do elemento estético que, por si, já compreende uma dimensão histórica. João Luiz Lafetá faz esta divisão com intuito pedagógico, mas com outros nomes: projeto ideológico e projeto estético. Cf. LAFETÁ, J. L., 2000, p.19-38.

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De uma maneira geral, nos anos 20 as preocupações comuns ao modernismo

brasileiro eram, em primeiro lugar, o próprio Brasil e sua condição de cultura

transfigurada durante séculos por elementos europeus e, em segundo, qual seria a

melhor maneira de se afirmar como nação neste contexto. Os caminhos enveredados

pelos modernistas partiam de pressupostos variados e chegavam a conclusões não

menos distintas: a pesquisa dos elementos nacionais por Mário de Andrade2; a “volta

aos materiais” de Oswald de Andrade3; o espiritualismo de Cecília Meireles, Carlos

Drummond de Andrade e Murilo Mendes4; e a revolução interior – ou retorno ao

natural – dos verde-amarelos.5 As mais variadas tendências teóricas habitaram as

produções dos modernistas da década de 1920, dificultando o trabalho do estudioso

ou crítico que, ao tentar definir o movimento, encontra uma série de dificuldades.

No que diz respeito ao sentimento modernista, i.e., o que caracterizava a

motivação constante de suas reflexões, ele se dividia em vários agentes, em geral,

complementares; mas para facilitar o entendimento, pode-se elaborar um pequeno

esquema que se decompõe um dois momentos quase simultâneos. Em primeiro lugar,

havia o momento em que a novidade parecia contemplar todos os anseios, fazendo

com que os autores desejassem plenamente aderir à modernidade, atualizar suas

práticas e conceitos, enfim, usufruir daquele momento que ainda não entendiam por

completo. O segundo define-se por uma consciência de seus limites de realização em

matéria revolucionária; ou seja, os modernistas vieram para alterar os mecanismos de

produção (e de recepção) da cultura brasileira (mais tarde ver-se-á que ele

interpretava-a como desatualizada), mas com o cuidado em assinalar que o próprio

movimento surgira deste contexto6 – o passado estava logo ali, entre eles.

Mas como não há a intenção de se avaliar o universo da diversidade que

compunha as relações do movimento modernista, muitos dos seus mais importantes 2 Cf. FACINA, 1999; NAVES, 1998. 3 Cf. NUNES, 1975, 1979. 4 Cf. MERQUIOR, 1980. 5 Cf. VELLOSO, 1983. 6 O próprio Mario escrevera uma vez, em 1922: “Sou passadista, confesso”. ANDRADE, M., 1974, p.14.

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autores não serão objetos das análises que se seguirão. Por mais que pudesse ajudar a

compreender a distinção que norteará os argumentos deste capítulo, o exame de cada

uma das correntes modernistas brasileiras poderia também levar este trabalho a

dimensões que estão além da proposta inicial, i.e., o pensamento modernista de Plínio

Salgado. No entanto, é fundamental apresentar, nesta fase do trabalho – além da

vertente que consiste no próprio objeto da dissertação, o movimento verde-amarelo –,

a versão de Mário de Andrade, porque esta guarda uma profunda diferença, no seu

desenvolvimento e na sua proposta, das diretrizes verde-amarelas. O debate

modernista acerca da nacionalidade brasileira assumiu pontos em comum em vários

momentos, principalmente no início do movimento quando o alvo eram os

parnasianos e simbolistas profundamente afetados pelos cânones europeus. Mas, é

sobretudo na diferença, no confronto de visões que reside a dinâmica da década. Aqui

se pretende abordar a contenda mais significativa para a formação do ideário verde-

amarelo que, como será demonstrado ao longo deste capítulo, foi o contraste de

argumentos entre o grupo de Plínio Salgado e a versão marioandradina. Esta última é

fundamental para entender não só a especificidade da luta com os verde-amarelos,

mas o próprio movimento modernista como um todo, sendo Mario de Andrade uma

de suas figuras mais emblemáticas.

Antes de entrar efetivamente no debate é conveniente apresentar um quadro

que, ainda que breve, forneça um conjunto de elementos constituintes do modernismo

brasileiro: não para funcionar como pano de fundo, mas como se fosse a referência

maior cujo norte (a brasilidade) é comum aos mais variados grupos que se

constituíram ao longo daquela década. Nada mais apropriado então que Mario de

Andrade seja convidado a iniciar essa apresentação, num texto posterior à própria

Semana, mas que, no entanto, tem caráter de avaliação. Apesar de declarar o valor

histórico do movimento como o de um “motim” qualitativo em relação ao que se

produzira até então, Mário de Andrade afirmava, antes de tudo, seu significado como

transformação estético-política da literatura, como uma mudança proposital e

propositiva. Seu anseio não se resumia à pura contestação, mas passava

necessariamente por ela para alcançar um estado em que se pudesse, de fato, construir

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a nacionalidade. Vinte anos após o marco fundador do movimento, o autor afirmava

que ele impôs um novo evento, sintetizado por três princípios:

...o direito permanente à pesquisa estética; a atualização da inteligência artística brasileira; e a estabilização de uma consciência crítica nacional..7

Os três tópicos podem ser encarados como ataques às convenções que

formaram sua geração. De fato o eram, mas seu significado transcende a batalha que

permitiu sua protagonização, i.e., a pesquisa estética proporcionava a produção de

novos sentidos que iriam edificar a nação; atualizar a inteligência significava “colocá-

la nos eixos”, permitir que o brasileiro incorporasse o que havia de mais avançado na

estética do período; estabilizar uma consciência crítica era “desindividualizar” o

trabalho do crítico, de forma a garantir condições para que sua atividade se tornasse

permanente.

A única reserva que o professor Francisco Iglésias faz sobre esta famosa

conferência de Mário de Andrade se resume a um ponto fundamental: “o modernismo

foi mais construtor que destruidor”.8 Ou seja, a preocupação com a acepção do

movimento modernista como marco temporal na história da cultura brasileira deve

não só abranger o seu significado como luta de emancipação, mas também – e

principalmente – como instauração de novos sentidos estéticos e políticos produzidos

por suas variadas vertentes. A luta não se travava somente nas conferências ou

manifestos, mas na própria literatura, nas experiências e afirmações formais, porque

estas – sobretudo neste contexto – possuíam valor político9. Mas constatar essa

7 ANDRADE, M., 1974, p.242. 8 IGLÉSIAS, F., 1975, p. 15. 9 Sem querer entrar numa discussão sobre os significados da literatura (que mesmo sendo profícua é, no entanto, longa), me refiro à distinção feita, por Antonio Candido, à função da literatura especificamente no caso brasileiro e penso que, sobretudo no período em questão “a longa soberania da literatura tem, no Brasil, duas ordens de fatores. Uns, derivados da nossa civilização européia e dos nossos contatos permanentes com a Europa, quais sejam os pretígios das humanidades clássicas e a demorada irradiação do espírito científico. Outros, propriamente locais, que prolongaram indefinidamente aquele prestígio e obstaram essa irradiação. Assinalemos, entre os fatores locais (que nos interessam mais de perto), a ausência de iniciativa política implicada no estatuto colonial, o atraso ainda hoje tão sensível da instrução, a fraca divisão do trabalho intelectual”. CANDIDO, A., 2000, p.131.

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dimensão da literatura modernista não quer dizer que o movimento pode ser

confundido com uma espécie de espetáculo de manifestos ou palanque de picuinhas

onde o que importa é a construção da melhor versão não só da definição da

brasilidade, mas também dos projetos culturais para o país. É notório que uma das

grandes responsáveis pela dimensão contestativa e transformadora do movimento foi

a própria realidade brasileira, contudo, não se pode simplesmente transpor os grupos

– tal como eles atuam na sociedade – para o debate artístico, porque a dinâmica não é

exatamente a mesma. As próprias áreas que se desenvolviam a olhos vistos e que

caracterizavam a modernidade não eram imediatamente alçadas a condição de

representantes dos novos tempos. Afirma Ronaldo Brito:

Existe até quem pretenda resumir a iniciativa da Semana a uma simples manobra nessa direção: tudo refletia o processo de industrialização da aristocracia paulista do café. O certo é que a nossa arte introjetava subjetivamente, mais do que vivia objetivamente10, a questão da técnica e da ciência. Ela não resulta do choque direto com a estrutura lógica do real e sim de um anseio esperançoso, um pouco angustiado, diante do mundo moderno.11

Por outro lado, trazer à tona o mundo subjetivo de cada autor modernista é um

empreendimento arriscado, que promete ser um caminho que só alarga o horizonte de

quem já tem muitas questões a serem encaradas. Assim, o modo apropriado de tratar

esse capítulo da história da cultura brasileira é o do encontro de versões, formando

um diálogo complexo que se molda a partir das reflexões que os autores elaboraram

sobre aquela realidade ainda não muito bem determinada.

Ainda depois de muito anos de avaliação e de história sistemática do

modernismo brasileiro (e porque não até hoje?) aqueles episódios que formaram a

década de 1920 carecem de definição. Afora a idéia de que ser modernista era querer

ser moderno12, os intelectuais brasileiros que formaram o movimento dificilmente se

encaixariam em outro rótulo; e, caso isso acontecesse, os estudiosos teriam inúmeros

obstáculos à compreensão do fenômeno como um todo. Ou, por outro lado, caso

10 grifo nosso. 11 BRITO, R., 1983, p.15. 12 Ibid., p.15.

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optassem pelo exame das partes com intuito de uma formulação mais geral, ao final a

situação poderia se complicar ainda mais na medida em que muitas das variantes

modernistas são irremediavelmente opostas ou, alguma maneira, se contrapõem

(como é o caso examinado neste capítulo). No entanto, esta dificuldade não deixa de

ser uma entrada interessante, como nos mostra Silviano Santiago:

Transcendendo as intenções individuais ou dos grupos, resguardado das afrontas gratuitas dos demolidores ingênuos e com a capacidade de absorver qualquer corpo estranho que se fizesse tendo como norte a insatisfação e a pesquisa, o movimento modernista ganhou uma dimensão que necessariamente escapa aos contornos precisos de qualquer apreciação sua. Desbravar a selva da produção artística a partir de 1922, com o fim de se chegar a uma caracterização do Modernismo, tem sido sempre caminhar por uma única das suas possíveis veredas, caminho crítico, não há dúvida, mas que conduz sempre a apenas uma das suas possíveis leituras.13

Tentar defini-lo é apenas uma das maneiras de estudar o modernismo e que,

cada vez mais tem se revelado como uma integrante do hall das inapropriadas.

Entretanto, é possível identificar tendências que atravessam as mais variadas

vertentes, marcando cada uma delas com a sua força e complexidade: como, por

exemplo, uma tentativa de compreensão e reavaliação da tradição artística do país;

reflexões que propõem uma transformação da conceituação da obra de arte tal como

esta questão se colocava à época; e construção “de fato” da nacionalidade brasileira.

Não há como serem menos vagos esses elementos, sob a pena de deixarem de lado

importantes contribuições ou ofuscar diferenças fundamentais entre as correntes. No

entanto, eles indicam também características gerais, que serão a partir de agora

nomeadas.

Emancipação é o substantivo freqüentemente associado àquele movimento,

mas traz consigo a idéia de ruptura, que implicaria uma negação com o passado. Não

é o caso. Na verdade, a semana de 1922 pode ser entendida como uma cicatriz, uma

marca, que não compromete a identificação do material que alterou, apenas – a partir

daquele momento – se faz notar obrigatoriamente. Modernizar-se ou alcançar

efetivamente a modernidade não é sinônimo de romper:

13 SANTIAGO, S., 1983, p.25-26.

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Ao mesmo tempo, a adesão à estética moderna, que se faz pelo reconhecimento da necessidade de adaptar a representação à nova realidade, não contém, seja na conferência de Menotti Del Picchia14, seja no ensaio de Mário de Andrade15, propósitos de ruptura com a tradição. (...). Trata-se de estabelecer uma comparação entre o modernismo no Brasil e aquele presente em outros países. (Moraes, 1983, p.32).16

Note-se que o caso não trata de uma cópia, mas de uma construção que se dá,

a princípio, comparativamente, de modo que tanto as vanguardas européias como o

passado brasileiro funcionam como referência e não como modelo para imitar ou

contestar. Isto é, os modernistas não copiavam os ismos do velho continente nem

tampouco rejeitavam a história do seu país, ainda que ela fosse, pelo menos até então,

determinada culturalmente por elementos externos.

O que vai interessar a este trabalho é sobretudo o modo pelo qual o

movimento lidava com o passado cultural do Brasil e como eles o transformaram, i.e.,

o nacionalizaram; sobre isso é importante assinalar uma última passagem antes da

apresentação do confronto entre as versões. Como Moraes, Benedito Nunes chama a

atenção para uma maneira de interpretar a direção tomada pelos modernistas que a

definia como algo que, mais do que questionar, elaborava o passado. Segundo ele, o

grupo...

Para situar-se em sua própria realidade, compreendendo-a e compreendendo-se a partir dela, teve que produzir também, em face das mudanças que esvaziaram o alcance dos métodos científicos e das doutrinas tradicionais, os conceitos de que necessitava como instrumentos.17

Não é simplesmente dizer que afinal de contas o que estava em discussão era

o presente (a década de 1920), e que este presente era entendido como uma

permanência indesejada e, sobretudo, inadequada de um passado europeizado,

provocando assim um anacronismo. Por mais que a matéria-prima “a ser

14 Del PICCHIA, M. Arte moderna. In: SALGADO, P. et al., 1927, p.20. 15 ANDRADE, M. A escrava que não é Isaura. In: ANDRADE, M., 1972, p.195-300. 16 MORAES, E. J., 1983, p. 32. 17 NUNES, B., 1975, p.41.

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revolucionada” fosse esse contexto, a revolução precisava ser maior a ponto de

formular seu próprio material, seus instrumentos adequados. Neste sentido, as

categorias estabelecidas pelos autores verde-amarelos (principalmente as de Plínio

Salgado) serão examinadas nos capítulos seguintes. Por enquanto, investiga-se o

significado das propostas das correntes modernistas de Mário de Andrade e de Plínio

Salgado18.

2.1. Mário de Andrade e a via analítica

Como já foi dito, neste primeiro capítulo alguns escritos de Mário de Andrade

serão também avaliados porque são indispensáveis para que se possa compreender o

conjunto de reflexões sobre a brasilidade empreendido pelos autores verde-amarelos

no contexto do debate modernista. Este caminho ajudará a entender não somente as

possibilidades de interpretação do Brasil à época, como permitirá também identificar

elementos que, eventualmente, possam estar em ambos os grupos analisados.

Em 1922, Mário já havia dito que “ninguém pode se libertar das teorias-avós

que bebeu”.19 Todavia, sua própria afirmação parece justamente indicar uma

pretensão a tal emancipação, mesmo que sob um tom de resignação, como uma

justificativa para sua própria conduta. Não obstante, um dos seus primeiros livros, a

Paulicéia desvairada (1922), confundiu os ânimos após a Semana que se apresentava

como novidade; agora também havia lugar para o passado, que não podia ser

descartado; ao contrário, precisava ser compreendido e reelaborado.

18 Embora “não haja dúvidas” em relação à importância de Menotti na deflagração da semana de 1922, e de Cassiano como sendo um poeta modernista talentoso, e, apesar de haver interpretações que definem Plínio como um inovador estético (cf. BARROS, 1994), pairam dúvidas sobre o valor efetivamente modernista da obra deste último. Os comentários variam entre chamar a atenção para sua discreta participação na semana (cf. TRINDADE, 1979, p.43) e aqueles que apontam para um desvirtuamento seu em relação aos reais problemas coevos, apelidando-o de “fanático” (cf. BOSI, 1997, p.419). 19 ANDRADE, M., 1974a, p.14.

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Não se pretende apontar aqui uma continuidade (ainda que não declarada) por

detrás das palavras claras do autor de Macunaíma. Ainda que haja as mais diferentes

observações quanto à profundidade do feito, o modernismo modificou o contexto

intelectual do país. Cabe agora analisar algumas propriedades desse processo –

empreendido tanto por Mário como por Plínio – por mais confusas que possam

parecer. Embora já tenha sido objeto de inúmeras análises, o Prefácio

interessantísimo pode, ao ser revisitado, auxiliar o entendimento da questão.

Escrever arte moderna não significa jamais para mim representar a vida actual no que ela tem de exterior: automóveis, cinema asfalto. Si estas palavras freqüentam-me o livro não é porque pense com elas escrever moderno, mas porque sendo meu livro moderno, elas têm nele sua razão de ser.20

Estes versos denunciam o equívoco que caracteriza os estudos “conteudistas”,

ansiosos por associar as propostas aos assuntos. Desse modo, chamam a atenção para

uma complexidade: os anos 20 não poderiam ser definidos simplesmente como o

tempo da velocidade ou da materialidade. Abordar o “furacão urbano” varrendo a

sociedade brasileira do século XIX não garantiria o título de modernista a ninguém.

Além disso, a passagem afirma que é antes por ser um texto moderno que os objetos

desse novo tempo são abordados, e não o contrário. Desse modo, redireciona as

maneiras convencionais de articulação entre linguagem (desmistificando sua função e

forma), cultura (elaborando uma reflexão sobre a tradição) e tempo histórico

(transfigurando sua linearidade), fazendo com que, pelo menos naquele momento

(início da década de 1920), mesmo que não houvesse ainda um pleno domínio sobre

as conseqüências desse caminho, ao menos se pretendia pensar sobre ele. E tudo isso

durante o próprio percurso.

O que se propõe aqui é uma questão a partir dessa avaliação que o poeta

realizou por meio dos versos: tratar de assuntos que normalmente são identificados

aos passadistas é, por isso, fazê-lo de modo análogo a eles? Conceder importância e,

20 Ibid., p.28-29.

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portanto, faina intelectual ao exame das chamadas tradições, com o objetivo de

construção da nacionalidade, é um projeto anacrônico aos tempos modernos? Não. Da

mesma forma que notar a presença do automóvel21 no cotidiano moderno não confere

certificado modernista, debruçar-se sobre a tradição não obriga de imediato quem o

faz a preservá-la tal como foi encontrada. Segundo o próprio Mário, “o passado é

lição para se meditar não para se reproduzir”.22

Pelo menos até agora pode-se vislumbrar que a solução para o problema

modernista encaminha-se para uma questão estética, que não dependeria dos temas ou

do fundo ao ser debatida. Não é tão simples assim, mas de qualquer modo é comum

no próprio dizer de autores modernistas que uma das marcas do movimento foi uma

reelaboração das formas, ou, nos dizeres de Benedito Nunes, um sentimento

constante de “inquietude estética”.23 Entretanto, o tema da nacionalidade também era

central nas reflexões modernistas. Assim, é possível identificar uma gama de assuntos

que são tratados de forma específica por cada uma das vertentes do movimento, i.e.,

enquanto há coincidência acerca dos temas a serem examinados, existem desacordos

sobre quais serão os pressupostos que vão nortear as análises, quais as vias de acesso

ao objeto, o que o caracteriza, e os modos de trabalho a serem empregados.

Mas como este trabalho não pretende construir uma definição acabada das

relações produzidas no interior do movimento modernista e sim uma reflexão sobre

as bases nas quais uma parte desse processo se realizava (a que diz respeito às duas

propostas já anunciadas), cabe agora examinar as questões levantadas por Mario de

Andrade.

Apenas retratar o que havia de moderno da sociedade brasileira do início do

século XX como alternativa para a construção de um retrato maior – o do próprio

Brasil – foi descartado (basta lembrar dos versos acima mencionados que banem a

simplicidade dos conteúdos). E imitar os movimentos estrangeiros de vanguarda

21 O modernismo clama por uma reflexão sobre as formas artísticas. Essa tese provocou críticas, como por exemplo, a de Gilberto Mendonça Teles ao futurismo: “foi um movimento mais de manifesto que de obras”. TELES, G. M., 2002, p.86. 22 ANDRADE, M., 1974a, p.29. 23 NUNES, B., 1975, p.41.

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significaria um pecado ainda mais sério, repetindo com nova roupagem o erro que no

passado colonial não figurava como opção, mas sim determinação: a presença

implacável do elemento europeu. Desse modo, por onde mais se poderia começar o

trajeto em direção a definição cultural do país se não por uma busca do que

caracterizava peculiarmente a nação? E esta seria uma busca árdua uma vez que até

agora o modelo que norteara o país fora sempre o externo. Havia passado cultural? E

presente? Um povo tão miscigenado poderia apresentar algo verdadeiramente

original? E essa originalidade, poderia ela ser confundida com a idéia de pureza?

Todas essas questões merecem um tratamento mais cuidadoso do que uma mera

resposta.

Em primeiro lugar, é necessário definir o passado do qual se fala. Este mesmo

passado que produz uma angústia tão grande (para não dizer uma indefinição mesmo)

nos autores dos anos vinte, certamente não é aquela imitação há muito feita aqui dos

cânones europeus. Sobre esta questão em particular a opinião dos modernistas quase

não divergia, posicionavam-se como críticos ferrenhos.24 Mario de Andrade estava à

procura de algo que, mesmo que estivesse sofrendo a presença secular dos modos de

vida europeus, ainda assim sobrevivesse; elementos não necessariamente intactos,

mas de certa forma originais. O nome deste passado era tradição popular.

Antes de saber para onde vai o Brasil, os modernistas precisavam saber de

onde ele viera. Questões como o que caracterizava a vida cultural do Brasil até

agora? de que era formada a mente dos brasileiros? apontavam para a pesquisa dos

elementos que formaram a cultura até aquele momento. Na busca dum passado

presente – que levará Mario à atividade etnográfica alguns anos mais tarde – figuram

o folclore e as tradições populares25, que, devidamente examinados, constituiriam

matéria-prima para a construção da nacionalidade.

Todavia, o caminho não é tão simples. Da mesma forma que quando se pinta

uma paisagem moderna não se está automaticamente produzindo arte moderna, ao

reunir vestígios das tradições populares não significa que se está estabelecendo desde

já a nacionalidade. Se o fosse, bastaria segregar (o que obviamente, tendo em vista os

24 Cf. PASSONI, C. A. N., 1998, p.25. 25 Cf. LOPEZ, T. P. A., 1972, p.75-104.

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anos de interpenetração, não é simples) os elementos exógenos e, em seguida,

expulsá-los. Isto é, uma tentativa artificial de reconstrução do Brasil pré-cabralino.

Mas, Mario de Andrade não era intelectualmente ingênuo e tampouco pretendia

desprezar aquele conhecimento herdado da Europa, bem como as contribuições das

mais diversas etnias que formaram o país. Assim, tendo em vista a não exclusividade

da formação cultural brasileira e a idéia de que o país deveria ser moderno – i.e., estar

de alguma maneira universalmente inscrito –, Mario pensou num modo de

transformar a peculiaridade nacional em contribuição universal, ou seja, em

nacionalidade. Daí, portanto, a escolha da via analítica.

Essa opção pretende fazer com que o Brasil entre efetivamente na

modernidade sem contudo se submeter ao mesmo processo vivido por outros países,

como os da Europa, por exemplo, onde as vanguardas procuraram destruir o passado

cultural da nação, normalmente identificado ao ideário burguês. A modernização

brasileira deveria ser outra: a nacionalidade seria edificada a partir de uma pesquisa e

análise dos mais diversos fatores de formação da vida cultural. Mas sob a pena de

ficar atento aos problemas oriundos da tentativa de puramente se domar as tradições e

levá-las ao território da erudição. Até certo ponto, a sistematização ajuda a entender

“um certo caos” cultural ou uma aparente ausência da cultura, no entanto, à medida

que o estudioso a aprofunda, percorrendo seus caminhos, começam a surgir perguntas

que não fazem sentido ao objeto estudado. Nesse ponto, insistir nelas é se desvirtuar

de um caminho compreensivo, transformando aquela cultura em algo que é exterior a

ela. Em O turista aprendiz, Mario de Andrade descreve um episódio que denota este

“desvirtuamento”. Trata-se de um encontro com os índios “Do-Mi-Sol”, realizado no

Amazonas em 18 de julho de 1927:

Lenda do aparecimento do homem. (...) E então os índios me contaram que foi na copa imensa dessa embaúva que se deu a famosa luta entre guaribas e preguiças, ninguém nunca soube porque. (...) Me causou estranheza ter havido uma guerra, coisa de tanta atividade, em que os preguiças entrassem, mas os Do-Mi-Sol se riram. A verdade é que corre muito exagero a respeito da preguiça dos preguiças, é calúnia. O que se dá realmente entre esses animais é um conhecimento muito mais íntimo da vida e da relatividade da afobação. (...) É por basear toda a vida no princípio essencial da consciência do movimento que os preguiças são tão felizes, vivem sempre muito bem dispostos e na tal guerra com os guaribas, receberam a palma da vitória. Então dividiram o mundo. Obrigaram os guaribas a ficar em terra, ao passo

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que eles, preguiças ficavam nos ramos da embaúva. Os índios Do-Mi-Sol se dizem descendentes dos preguiças; ao passo que os guaribas, obrigados a andar em terra foram se transformando nos outros índios e em mim. E quando perguntei como é que eles tinham descendidos dos preguiças que não estavam obrigados a andar em terra, os Do-Mi-Sol ficaram muito admirados da minha pergunta e responderam que não sabiam”26.27

A relação entre tradição popular e erudição não poderia ser de uma imposição

desta última, mas um arrolamento em que fosse preservada a lógica da primeira. Esta

era a proposta da via analítica, onde embora o estudioso esteja sempre atento à

dinâmica própria do elemento popular que analisa com o intuito de não alterá-lo, há

também a preocupação e a certeza de que deixá-lo da mesma maneira que foi

encontrado, aparentemente puro, quase selvagem, não possibilitaria a condição

almejada de nacionalidade plena. Assim, apesar de objetivar a manutenção da

essência de cada tradição popular examinada, a sistemática e racionalidade européias

estavam presentes no método marioandradino.

A via analítica, guardadas as devidas proporções, pode ser aproximada do

sistema de pensamento de um outro intelectual e intérprete da cultura brasileira da

geração anterior. A influência do método crítico de Silvio Romero em Mario de

Andrade é nítida. A apreciação de Antonio Candido, que analisa a obra crítica do

autor de 1870 a 1914, ajuda a elucidar o ponto:

O intuito de Silvio Romero foi submeter a cultura do seu país a um processo integral de crítica, a fim de desbastá-la das excrescências incômodas e mostrar-lhe o caminho certo28 – ambição que pode parecer pueril a quem não estiver familiarizado com a sua altiva autoconfiança, e quem já vem explícita nos seus primeiros livros.29

O trecho acima afirma aparentemente que a cultura brasileira (ainda não

nacional do ponto de vista dos modernistas) deveria ser separada de algo que é dela

própria, diminuída de alguma parte sua – através do processo que chama de crítica –

26 grifo nosso. 27 ANDRADE, M., 1976, p.161-162. 28 grifo nosso. 29 CANDIDO, A., 1988, p.95.

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para então servir aos propósitos nacionais. O que afastaria as idéias de Mario de

Andrade das de Sílvio Romero, pois o primeiro deixava claro que o processo ao qual

a cultura popular era submetida não permitiria sua alteração (ou diminuição). Mas, o

conceito que Antonio Candido quer apresentar tem mais a ver com uma lapidação, ou

seja, a idéia de tornar algo melhor do que é, sem contudo, transformá-lo.

Essa noção é fundamental para se entender o argumento de Mario de Andrade

acerca do que seria o conceito de cultura e, conseqüentemente, o sobre seu papel na

formação da nacionalidade. Nas palavras de Ricardo Benzaquen de Araújo:

Este argumento, aliás, pode eventualmente ganhar mais nitidez se for aproximado do tratamento dispensado à idéia de Bildung, de formação, pelo romantismo alemão, tratamento pelo qual a cultura deveria ser tomada como se fosse uma planta de jardim, que necessita de intervenção de algo externo para que pudesse atingir um estágio que ela jamais alcançaria se deixada sozinha, em seu estado silvestre, isto é, natural. É fundamental, entretanto, que este cultivo jamais venha a alterar sua composição peculiar, pois o único aperfeiçoamento admissível, nesta perspectiva, é aquele que já está contido no interior do próprio sujeito.30

Tendo em vista o interesse deste trabalho, não é necessário o aprofundamento

deste assunto no que diz respeito ao contexto alemão, mas talvez o fosse no caso de

um estudo específico sobre Mario de Andrade31. Em todo caso é justamente essa idéia

de desenvolvimento cultural de um povo que vai sustentar o caminho da via analítica.

A cultura em seu estado imaculado estaria nas tradições populares que

tornavam o Brasil peculiar em relação às demais nações. Mas o país estava em

desvantagem, seu desenvolvimento não o permitia atingir uma universalização. Ao

invés disso, essas mesmas tradições populares – da maneira em que se encontravam –

o tornavam exótico, não reconhecido, e assim num nível inferior, primitivo. A

perpetuação dessa condição só beneficiaria os europeus, que, ávidos por continuar seu

desenvolvimento externo, se beneficiariam dessa troca cultural com uma nação

menos desenvolvida, aproveitando esse escambo desigual. Sobre isso Mario escrevia

em 1928:

30 ARAÚJO, R. B., 1999, p.2. 31 Como é o caso de parte do texto de Santuza Cambraia Naves (1998).

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A Europa completada e organizada num estádio de civilização, campeia elementos estranhos para se libertar de si mesma. Como a gente não tem grandeza social nenhuma que nos imponha ao Velho Mundo, nem filosofica que nem a Ásia, nem economica que nem a America do Norte, o que a Europa tira da gente são elementos de exposição universal: exotismo divertido.32

O objetivo de Mario de Andrade era a universalização através da

nacionalidade, o que, obviamente, o exotismo não proporcionaria. Constatando a

múltiplia formação do cenário brasileiro e o crescimento vertiginoso (não só

quantitativo, mas em importância) da vida urbana, o que era exótico aos europeus

também o era para os brasileiros do século XX.33 Esse traço cultural era resultado da

combinação do excesso com o exclusivismo, i.e., como excessiva era apenas cultura

interessada34 (quase objetiva) e exclusivista porque não atingia vários grupos, mas

apenas uma parte deles. Desse modo, esse ajustamento impediria a formação da

nacionalidade, porque “uma arte nacional já está feita na inconsciência do povo”35, já

o exótico, o excessivo não habita a inconsciência porque, mesmo que alguém que não

pertença precisamente àquela cultura (mas somente ao povo) o reconheça, ainda

assim ele soará alheio, artificial.

Entretanto, o excessivo é decisivo para a via analítica porque vai permitir que

o pesquisador identifique a substância peculiar no estudo daquela tradição popular,

percebendo-o como criação singular e, portanto, pronta para sofrer o trabalho de

32 ANDRADE, M., 1962, p.15. 33 Ibid., p.27. 34 É necessário explicar a noção de arte (ou cultura) interessada e desinteressada para Mario de Andrade. A primeira consiste naquela que normalmente integra as sociedades ditas primitivas, mais simples ou em estágio de formação cultural (o caso do Brasil, por exemplo), onde a cultura serve a fins muito específicos e praticamente se repete sem alterações nos indivíduos daquele povo. A segunda atinge as sociedades onde a cultura já está formada e habita o inconsciente do povo, i.e., permite a sua atualização nas manifestações individuais subjetivas e não diretamente referidas a ela (o caso da Europa). Sobre o caso brasileiro e a reflexão de Mario de Andrade, são decisivas as palavras de Naves: “Mario de Andrade dá a entender que só seria justificável fazer música [e arte em geral] meramente ‘desinteressada’ quando ultrapassássemos o momento de formação nacional. (...) [Mas] estaríamos ainda num patamar histórico que exige a atuação do artista-operário, depositário de uma concepção útil e moralizante da arte. As ‘inpulsões líricas individuais’ seriam mais compatíveis com um estágio mais avançado de desenvolvimento”. NAVES, S. C., 1998, p.30-31. 35 ANDRADE, M., 1962, p.16.

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lapidação, ou nas palavras do próprio Mario de Andrade: sofrer uma “transposição

erudita”.36 Assim,

...o caracteristico excessivo é defeituoso apenas quando virado em norma unica de criação ou critica. Ele faz parte dos elementos uteis e até, na fase em que estamos, deve de entrar com frequencia. Porquê é por meio dele que a gente poderá com mais firmeza e rapidez determinar e normalisar os caracteres etnicos permanentes da musicalidade37 brasileira.38

As próprias tradições populares, ao longo do tempo, viveram os mais variados

intercâmbios culturais e, desse modo, não basta entrar em contato ou visualizá-las

para apreender o peculiar. A via analítica é, antes de tudo, um trabalho de pesquisa. É

preciso identificar o traço definidor do elemento típico, que se encontra naquilo que

Mario chama de “característico excessivo”. Portanto, esses elementos não serão

utilizados de forma direta no processo de construção da nacionalidade mesmo

levando em conta a sua vital importância para a caracterização da cultura. Eles

deverão obrigatoriamente sofrer a intervenção de outra etapa da via analítica: a da

transposição erudita, ou seja, um mecanismo que faça com que eles deixem de ser

“excessivos” e passem a caracterizar uma contribuição cultural brasileira à

universalidade.

Mario de Andrade critica as formas intuitivas de apreensão do real39 e defende

uma proposta analítica, i.e., somente a partir de uma reunião prévia de elementos da

cultura é que será possível traçar os contornos da nacionalidade. A postura seria a de

pesquisar, lançando os olhos analíticos sobre o Brasil e registrando-o sempre que

36 Ibidem. 37 Apesar de Mario ter escrito o Ensaio sobre a música brasileira, penso que é perfeitamente possível trocar – onde esta nota está assinalando – a palavra “musicalidade” por “cultura” sem comprometer o sentido de sua reflexão, que neste caso é apenas específica. 38 ANDRADE, M., 1962, p.26-27. 39 Formas estas que eram partilhadas tanto por Oswald de Andrade como por Plínio Salgado. Cf. MORAES, E. J., 1978, Caps.4 e 5.

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puder. O autor pregoa uma postura que classifica como “sabença”, que possuiria

verdadeiramente o caminho para a nossa definição cultural.40

O retrato, a apreensão do país une uma exaustiva pesquisa de campo

(observação e registro das mais diversas manifestações culturais) a uma sutileza que

percebe unidade em meio a tanta diversidade; este parece ser o grande desafio de

coerência associado a uma postura analítica: como buscar um conjunto único quando

o que se vê são peças tão diversas que poderiam compor um mosaico41. Na verdade,

esta situação fez Mario entender a diversidade como algo superficial, como um

indício de uma unidade cultural: a guinada do pensamento marioandradino em

relação às outras interpretações é que ele toma a cultura como fundamento.42

Alcançar a brasilidade demandaria dois movimentos distintos, mas

consecutivos: pesquisar os elementos culturais que a tornam distinta do resto do

mundo por meio da via analítica, e compreendê-los como formadores de uma

totalidade cultural, a da nacionalidade. É esta concepção, construída em torno da

cultura, não da raça ou da terra, que define a unidade nacional para Mário de

Andrade.

2.2. A revolução verde-amarela

A revolução literária dos verde-amarelos foi analisada pelos próprios

(Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia e Plínio Salgado) em O curupira e o carão,

40 MORAES, E. J., 1983, p.68-70. 41 “A elaboração da obra de Mario de Andrade obedece a uma dupla exigência: o aprofundamento das vias analíticas de acesso à vida brasileira e a crença na existência da brasilidade como uma totalidade”. Ibid., p.73. 42 Ibid., p.81-82.

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de 1927, e, apenas por Plínio, em Literatura e política, publicado no mesmo ano.

Nestes dois conjuntos de ensaios são desenvolvidos juízos sobre arte, literatura,

nacionalidade, cultura, etc. Entretanto, pode-se pinçar duas idéias que não só estão

presentes em todo o conjunto citado, mas que também formam a base teórica da

argumentação deste grupo modernista: as noções de essência e de necessidade.

2.2.1. Captar a essência

Num contexto de construção da brasilidade, todos os caminhos parecem

apontar para a identificação e, logo após, a reunião dos elementos nacionais; estes

seriam os tijolos do grande castelo (meio ainda sem forma) mas que, como objeto de

uma grande saga, estava sendo construído. No entanto, nem a dinâmica da metáfora

da construção de um castelo serve para ilustrar o pensamento dos verde-amarelos,

pois é sistemática – prevê uma elaboração se não científica, pelo menos

racionalizada, do país.

No horizonte do grupo de Plínio Salgado figura uma revelação que não guarda

qualquer semelhança com a idéia de Mario, edificada pelos próprios homens. E o

primeiro passo para se chegar lá é a compreensão de que há uma essência, uma

personalidade profunda do povo brasileiro.

Temos sido uma nação culta, porém jamais fomos uma nação pensante. Porque o pensamento se origina de uma consciência íntima de personalidade, e esta só é possível pela percepção exata das circunstâncias condicionadoras. Personalidade é sensibilidade em função do conhecimento de contingências demarcadoras do “eu”. É como que um olhar permanente, em redor, um senso de proporcionalidade de distâncias. O clamor dos instintos conjugados na estabilidade de um equilíbrio que poderemos chamar – a feição individual. Intuição vigilante, que

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a experiência ancestral acumula e a realidade das injunções ambientes corrige, – só a falsa cultura, que é um desvio do centro de gravidade subjetiva pode prejudicá-la.43

Encontrar a essência depende de duas ações combinadas: realizar uma

“consciência íntima” e perceber o condicionamento imposto pelo meio. Para que isso

seja possível é necessário que a concepção de indivíduo seja atravessada por uma

ligação constante entre interior e exterior, homem e natureza. É a única maneira de,

ao examinar as profundezas do “eu”, encontrar lá dentro o que constitui o mundo aqui

fora. É importante lembrar que essa idéia se distancia, e muito, de qualquer idealismo

que venha a sugerir que o mundo está na cabeça dos homens. Ao contrário, quando

você examina seu interior e se depara com a substância que compõe também o que

lhe é externo, é porque o primeiro não goza de autonomia em relação a este último.

Estabelecer uma concepção como esta, inevitavelmente, torna peculiar a visão

dos verde-amarelos, por exemplo, em relação a uma renovação da literatura

brasileira:

A idéia é a de que a língua obedece a uma lei eterna do desenvolvimento que determina o seu curso natural. Renovar as formas literárias significa, na ótica dos verde-amarelos, alterar a naturalidade da língua. Dentro desta linha de raciocínio, a renovação das formas lingüísticas e a própria criação de novo código literário são secundarizadas. A função do artista não é propriamente a de criar, mas sim a de captar a ESSÊNCIA, os “substratos da nacionalidade”.44

A magna transformação deveria ser a apreensão da essência. Portanto, não se

constrói propriamente a nacionalidade, ela é captada. Totalmente diferente de uma

perspectiva analítica, a ótica verde-amarela sobre o modernismo instaura um método

intuitivo45, pois, como é assistemático por excelência, capta a naturalidade da vida em

sua lógica própria, sem submetê-la a outra criada pelo homem.

Ao mesmo tempo em que um método não-racional como o da intuição

dificultaria o processo de construção da nacionalidade sob a perspectiva de Mario de

43 SALGADO, P., 1927, p.20. 44 VELLOSO, M. P., 1983, p.43. 45 O método intuitivo de Plínio será analisado mais detalhadamente no último capítulo.

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Andrade, no caso da captação da essência do Brasil os obstáculos desaparecem, ou se

tornam simples. A própria idéia de essência em sua forma mais comum, significa o

contrário da idéia de acidente, de circunstância, onde haveria a necessidade de um

cuidado maior – e mais formal até – no que diz respeito ao método da apreensão. Ao

contrário, a essência prevê uma permanência, uma continuidade, uma vitalidade no

tempo.46 Estar em todas as dimensões da vida nacional é a prerrogativa da essência

brasileira.

A vida é o curupira das mil feições: para vivel-a é necessario surprehendel-a no seu instante. Todas as obras de arte ou de pensamento serão verdadeiras quando fixarem a vida em seus momentos de continua mudança, caracterizados por marcas exteriores que os assignalam de modo typico. Feliz do que conseguisse surprehender a vida brasileira, num dos aspectos iniciaes que a identificam com o traço da sua originalidade. Surprehendel-a que nem caçador. Com um golpe apenas de instantaneidade ou de emoção, para apanhal-a palpitante e quente, como um coração de passaro pererecando...47

Este parágrafo de Cassiano Ricardo aponta para a direção que a atitude

modernista deveria seguir. A política da nacionalidade é a da sua própria caça. Estar à

espreita do derradeiro momento não se confunde com a pesquisa formal, se opõe.

A revolução literária é a busca constante da essência. As formas se alterariam

talvez, mas mais como saldo possível do percurso necessário em direção ao objetivo

maior do que como uma espécie de experiência produzida propositadamente. A

inovação estética48 realizada pelos verde-amarelos de maneira alguma os define como

formalistas – tal nomenclatura soaria como insulto aos seus ouvidos.49 Não só o seu

contorno, mas a própria arte, deveria estar a serviço da política, esta concebida como

46 Cf. JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D., 1996, p.90. 47 SALGADO, P. et. al., 1927, p.68. 48 Os verde-amarelos não desprezavam as inovações técnicas dos modernistas, mas combatiam o “experimentalismo a esmo”. Cassiano Ricardo construiu sua poesia através da figuração do real: “Se o parnasianismo havia buscado recursos à escultura, se o simbolismo à música, etc., pareceu-me que, no mundo cinemático, em que as minhas ‘figuras’ se movimentam, o primitivo casava bem com a invenção de Walt Disney transposta para a poesia. E o Martim Cererê, conquanto moderno (ou modernista), tem muito de primitivo, de mitológico. Ora, nada mais parecido com o mundo mágico do que o mundo automático de hoje”. RICARDO, C., 1974, p.161. 49 SALGADO, P. et. al., 1927, p.32-33.

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política da nacionalidade. No entanto, surge a questão: como há de se conseguir

atingir a essência da cultura de um povo? Acreditar na existência da alma é algo

completamente diferente de indicar o caminho concreto para encontrá-la.

2.2.2. A idéia de necessidade

O segundo elemento estético-político vai orientar as atenções dos autores e, na

segunda etapa do desenvolvimento do movimento verde-amarelo, vai possibilitar a

escolha do seu símbolo (o tupi) e a nomeação do seu grupo (a anta). A presença da

terra – a geografia nacional – deve determinar os passos dos homens porque é o

componente menos afetado por séculos de domínio e, ao mesmo tempo, é o mais

forte, necessário, o elemento vital. Assim, o mecanismo a ser empregado para se

captar uma essência de uma maneira intuitiva é o da “aceitação das condições” em

que se produz a cultura. O lugar em que a nação é forjada é a única garantia de sua

originalidade, de sua peculiaridade. Os verde-amarelos não hesitam em afirmar a

anterioridade da terra no processo de construção da nacionalidade.

Pode-se questionar a maneira de pensar do brasileiro, moldada por anos de

subserviência mental, pode-se pôr em cheque as instituições nacionais matizadas pelo

exemplo europeu, pode-se impugnar até a cor de nossa pele mestiçada pelos sangues

branco e negro. Mas, para Plínio e seu grupo, não há como negar a origem única do

elemento tupi, concebido no seio da terra que agora é ocupada50 por fatores dos mais

diversos, cosmopolitas. Para os verde-amarelos a única maneira de se aproximar da

50 É justamente por causa desse caráter de ocupação que, às vezes, não urge o sentimento de pertencimento.

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essência é a comunhão com a sua origem, a terra-mãe que, na simplicidade das

fatalidades cósmicas, se faz presente através dos tempos:

A terra é tão fermosa e de tanto arvoredo tamanho e tão basto que o homem não dá conta.51

Os versos iniciais do poema O achamento, do livro Martim Cererê (1928),

narram a perplexidade de um marinheiro que chega ao Brasil e está à procura de

Uiara, uma índia tupi. O trecho denota a dificuldade que um estrangeiro tem de

realizar a comunhão com a terra: se os próprios brasileiros estavam se esforçando

para chegar a esse estágio harmônico (homem-meio), a situação vivida pelo não-

nativo é ainda mais complicada52.

O achamento é um poema consecutivo a outro denominado A primeira

pergunta, que aborda o questionamento incessante do referido marinheiro, fazendo

com que sua condição se torne fatalidade e determine o caminho a ser seguido.

Assim, O achamento constitui reação ao questionamento do personagem outsider e

frustra qualquer expectativa dele de resposta direta. Ao invés disso, trata de

transformar o contexto em protagonista – através, por exemplo, da beleza que deixa o

forasteiro irresoluto – quase anulando as possibilidades da personagem vivida pelo

marinheiro. O nome “achamento” não significa que a índia foi encontrada (esta seria

a intenção do marinheiro, mas ele ainda está a sua procura sem sucesso), ao contrário,

o nome do poema se refere ao local onde o estranho se encontra, onde ele “se acha”,

em que condições ele está: essa fatalidade é que deve ser compreendida, o que neste

caso significar ser acolhida sem receios. O que está em foco é a sua fortuna (o seu

destino que não está em suas mãos) e não o seu desejo – este vai depender da

aceitação desta condição.

51 RICARDO, C., 1974, p.27. 52 Um texto que demonstra de maneira mais clara a condição de “forasteiro” é O estrangeiro de Plínio Salgado, que será examinado no último capítulo.

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50

O que parece ser apenas resignação, na verdade, é constatação de uma

necessidade. A partir desse momento a fragilidade do sujeito “senhor de si” fica clara,

diante de um outro sujeito (verde-amarelo) que está afinado com uma força maior, a

da necessidade – força contra a qual não se pode lutar. O mesmo acontece com a arte:

“em arte não se impõe: verifica-se. Aceita-se o phenomeno como existente”.53 Neste

sentido, é conveniente reproduzir as palavras de Menotti Del Picchia, em Juca

Mulato (1917):

“Que delícia viver! Sentir entre os protervos renovos se escoar uma seiva alma e viva, na tenra carne a remoçar o corpo moço...” E um prazer bestial lhe encrespa a carne e os nervos, afla a narina; o peito arqueja; uma lasciva onda de sangue lhe incha as veias do pescoço...54

Interpreta-se as limitações físicas do ser humano não como fragilidades, mas

como possibilidades conferidas pelo cosmos, se realizando a todo instante. O que os

verde-amarelos pretendem é constatar a união dos homens com as suas fatalidades e,

a partir daí, vislumbrar o produto dessa fusão: a nacionalidade.

Os verde-amarelos proclamam a unidade nacional pela constatação de uma

sina que uniria todos os nativos, o pertencimento a esse território. Esse sentimento de

fatalidade constitui cerne do corpus “verdamarello”. Assim, deve-se ler as palavras,

agora em prosa, de Menotti Del Picchia:

Demais, a vida de um homem é um todo complexo e há uma correlação imediata, quase geométrica, entre seus mínimos atos e os elementos mais longínquos da sua entidade atávica, cerebral e afetiva.55

Esta passagem corresponde ao início do romance O homem e a morte (1922),

quando o personagem principal (o livro é narrado em primeira pessoa) quer justificar

a indecisão sobre como começar a história que está para contar. O livro é do inicio do 53 SALGADO, P. et al., 1927, p.34-35. 54 Del PICCHIA, M., 1917, p.10. 55 Id., 1922, p.15-16.

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movimento modernista e, assim, se refere a um período em que o grupo verde-

amarelo ainda não se havia constituído56, mas já se pode perceber o conteúdo que será

recorrente alguns anos depois entre os seus autores, como por exemplo o quê de

inevitabilidade de uma permanência sendo tematizado pelas origens, pelo sangue,

pela terra. Diante desse atavismo real e determinante, não se deve tentar compreendê-

lo, mas atestar sua presença, i.e., sabê-lo de antemão. Ainda que a noção de fatalidade

possa aparecer sob a forma da palavra “compreender”, o seu sentido permanece o

anterior: não está ligado a um impulso subjetivo de entendimento em relação à

realidade que o cerca, ou a um raciocínio em torno de um sentido a ser decifrado, mas

à afirmação de algo incontestável, objetivo. Interpretar a realidade é, em primeiro

lugar, superestimá-la em relação ao sujeito com o qual estabelece relação, para que

então a fusão possa ser realizada.

Um episódio, deste mesmo livro de Menotti, delineia bem esta acepção:

Ela reclinou a cabeça no meu ombro e contou: - Era uma vez um “cheik” que possuía uma moeda misteriosa, que lhe havia dado um gênio. E para obedecer ao gênio e para conhecer seu valor, ele se postara em frente à mesquita e a oferecia aos transeuntes e aos mendigos. “Eles a olhavam com desprezo e a recusavam porque não sabiam que moeda era essa, nem que prazeres poderiam comprar com ela... “Mas passou por lá um homem de Meca, de olhos de miragem e, ao ver a moeda, disse ao “cheik”: Meu senhor! Eu tenho duzentos camelos e um partida de seda que trouxe de Bagdá. Dá-me essa moeda e eu te darei toda a seda e os meus duzentos camelos que constituem toda a minha fortuna!” E o “cheik” disse: “Guarda para ti a moeda, porque a mereceste... Compreender é possuir...” Sua voz era a queixa de um veio entre musgos...57

Contada como recurso para acalmar a alma de quem busca respostas como se

quisesse mudar o passado, esta história traduz o pathos “verdamarello”: saber, ou

compreender, é atestar.

O movimento verde-amarelo é modernista na medida em que faz uma

reavaliação do quadro nacional contestando a forma passadista e propondo uma

56 Mesmo constatando que esse não é o ponto mais importante da questão, ainda assim, é necessário fazer uma pequena observação: o inicio oficial do verde-amarelismo seria a data de seu manifesto, o “Nhengaçú verde-amarelo” cuja publicação é de 1929 (cf. TELES, G. M., 1983, p.361). Todavia a questão se complica porque este texto é citado n’ “O curupira e o carão”, que é de 1927 e reúne textos anteriores a essa data. Desse modo, a fundação formal do movimento se divide entre essas duas obras. 57 Del PICCHIA, M., 1922, p.35-36.

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solução assim como seus contemporâneos. Plínio Salgado e seu grupo sugerem a

formação de uma brasilidade até então não existente (para os verde-amarelos nunca

vivida, no máximo “esboçada”) através do questionamento de um passado que define

como inapropriado, por isso estranho em sua forma; e estabelece os meios para que

isso seja possível: uma revolução literária que permite a identificação do ser da

literatura (que para eles é a essência cultural da nação), não somente a simples

derrocada de suas convenções.

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3. As razões da intuição

Marcada a diferença com o grupo de Mario de Andrade, é tempo de destrinchar a

natureza dos argumentos verde-amarelos. Até agora, foi armado o debate com a via

analítica, mas como as questões levantadas por autores como Menotti Del Picchia e

Plínio Salgado não foram concebidas exclusivamente como antítese (e de fato não

podem ser reduzidas a isto) às idéias de Mario, e nem apenas se apresentavam como

produto de uma discussão interna no âmbito do grupo verde-amarelo, é necessário

investigar a atmosfera intelectual com a qual Plínio dialogou. Sobre isso já se pode

afirmar algo: depois das discussões iniciadas no capítulo anterior, fica patente que as

bases que nortearam as reflexões verde-amarelas não estão em Silvio Romero,

embora seja óbvio que este autor constitui uma referência para os mais diversos

grupos modernistas.

O alicerce verde-amarelo se configurou num contexto em que figurava, de um

lado, uma crise do capitalismo que assolava a Europa, a corrida imperialista, a

Primeira Grande Guerra e a Revolução Russa, e, de outro, as correntes de pensamento

que de algum modo se referiam a esses acontecimentos, seja pela crítica ou pela

consagração: o evolucionismo, o monismo filosófico, o positivismo, o naturalismo, o

cientificismo, o modernismo (europeu), o liberalismo, o socialismo, o espiritualismo,

etc. Muitos desses “ismos”, ao demandarem definições precisas para que possam ser

devidamente entendidos, e assim possibilitar seu emprego nas análises da história

intelectual, podem complicar ainda mais o entendimento da questão que se pretende

propor aqui, já que não se busca simplesmente identificar a filiação ideológica do

autor verde-amarelo ou enquadrá-lo como fiel cúmplice de alguma corrente de

pensamento. O que está em jogo é montagem de um quebra-cabeça que, sendo

impreciso, pode fazer com que as peças mudem com o passar do tempo e, desse

modo, pouco adianta separá-las previamente. Portanto, como opção de trabalho, ao

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invés da classificação sistemática de suas idéias, inserindo-as numa doutrina pré-

estabelecida, foi sugerida a identificação e o estudo de aspectos pontuais de autores

cujas idéias estão presentes de algum modo nos escritos de Plínio Salgado;

pensadores que, como ele, tentaram produzir uma reflexão sobre o seu tempo

arriscando-se propor soluções àquela realidade que de alguma maneira os ameaçava.

No que diz respeito às idéias que logo se configurariam como formadoras da

reflexão modernista do grupo verde-amarelo, a eles reservando espaço peculiar no

debate sobre a brasilidade, a grande referência é A estética da vida (1920) do escritor

maranhense José Pereira Graça Aranha.1 Contudo, há de se averiguar as bases que

tornaram possível o argumento do autor maranhense, i.e., a chamada renovação

espiritual frente ao positivismo dominante do final do século XIX, que teve como um

dos seus importantes personagens o cearense Raimundo de Farias Brito, citado

diretamente por Plínio Salgado.2

É fundamental ainda mencionar que foi, em muitas vezes, a partir da

participação de Henri Bergson no debate filosófico que caracterizou o final do século

XIX, que estes autores elaboraram as suas próprias reflexões. E que o filósofo francês

também figurou como pilar fundamental na arquitetura mental do autor aqui

estudado; portanto, é justamente através dele que o argumento começará a ser

armado.

1 Cf. MORAES, E. J., 1978. 2 SALGADO, P., 1926, p.18.

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3.1. A presença de Bergson

Apesar do objetivo deste trabalho não pressupor analisar a dimensão cristã ou

católica do pensamento de Plínio Salgado, é justamente no contexto da renovação

espiritual da Igreja Católica no Brasil, ocorrida no início do século XX, que ele se

situa. Como já foi expressa a opinião de rejeitar a classificação do ideário de Plínio

sob a forma de algum “ismo” (o que inclui cristianismo e catolicismo) o que se coloca

é o exame das fontes que geraram o ambiente de discussão, i.e., os argumentos de

autores que, mais tarde, foram apropriados pelo movimento da renovação. O que

obviamente não pode ser confundido com os próprios textos religiosos que

integraram o debate.

É evidente que o estudo do caráter modernista da mensagem de Salgado não

exclui as bases religiosas da sua reflexão, as concepções particulares de mundo e de

transcendência atravessam toda a produção literária e política do autor. No entanto, é

possível também identificar uma separação, inclusive em termos de épocas (décadas

até) entre os escritos políticos-literários e os que se caracterizam como

especificamente religiosos. Com exceção de Discurso às estrelas3 (1922-23), a

década de 20 foi marcada por uma produção intelectual que aspira à notoriedade nos

campos dos ensaios político e literário, da ficção, do artigo de jornal, e da crítica.

Assim, se este trabalho caminhasse na direção do exame do sentido e das proposições

religiosas da palavra do autor, ainda que fosse de bom proveito para o estudo da

história do pensamento cristão (e/ou católico) no Brasil, ele fugiria do seu rumo e da

própria lógica do pensamento de Plínio, muito mais intuitiva – inclusive nestas

questões – do que atrelada aos cânones formais da Igreja que ele admirava. Neste

sentido, pode-se tentar aproximar a posição de Salgado à de Álvaro Bomílcar, cujos

escritos transitaram, sem as amarras convencionais, pela reflexão católica do mundo.

3 Este livro só foi publicado após a edição do primeiro romance do autor (O estrangeiro, de 1926) e trata de uma série de pequenos ensaios de natureza diversa, mas cujo conteúdo passa nitidamente por uma reflexão existencial cristã.

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Embora seja possível estabelecer outros pontos de contato4, o cerne de uma possível

relação intelectual entre os dois passa por uma interpretação particular da doutrina da

Igreja. Mas, aqui se observará de que maneira o conteúdo do argumento de Plínio

Salgado foi afetado (assim como o foi a interpretação de Álvaro Bomílcar) por esse

debate que modificou a produção intelectual católica brasileira. Nesta dinâmica é

imprescindível dialogar sobretudo com uma de suas principais fontes: Henri Bergson.

Principalmente na chamada primeira fase modernista (1922-24), mas também

nos anos que se seguiram (e aí ao lado de um processo de construção da

nacionalidade5), era comum um sentimento quase xenófobo em relação às formas de

pensar estrangeiras, muito mais em virtude da interpretação de que elas não

permitiam compreender o país do que por uma negação pura e simples de sua

contribuição na formação da intelectualidade brasileira. Não se rejeitava a Europa,

mas num sentido que pode ser interpretado como uma adaptação do Brasil à

modernidade ocidental, pensava-se que, para alcançá-la, era preciso dar uma

contribuição peculiar que, ao contrário da imitação, atingisse o âmbito universal. Daí

a crítica, partilhada tanto por Mário de Andrade como por Plínio Salgado, às

reproduções dos mecanismos culturais europeus pelas nossas elites intelectuais,

construtoras de um país de superfície formosa, mas de interior oco. Portanto, quando

os modernistas falavam de desajustamento, estavam se referindo à formação européia

do brasileiro e de sua tentativa de colocá-la em prática para desvendar o próprio país.

No entanto, o argumento de Plínio Salgado, sem se opor a essa idéia, vai um

pouco além:

Divorciados da nossa realidade, durante um século de vida politicamente independente, imaginávamos que o caminho da liberdade se desdobrava num plano puramente romântico. Nunca havíamos compreendido que a liberdade seria uma exceção absurda no ritmo universal, se ela não fosse “o caminho da necessidade”, a que se refere o grande dramaturgo6. Acomodando e discutindo fórmulas adventícias

4 Talvez seja possível também, uma aproximação via concepções de organização política (cf. OLIVEIRA, 1999), mas, para isso, seria necessário consultar os escritos de Plínio posteriores a 1932, o que implicaria uma perda de foco deste trabalho. 5 Sobre essa periodização do movimento modernista, ver a introdução de Eduardo Jardim de Moraes (1978). 6 O autor se refere a um trecho de Ibsen, com o qual abre seu artigo.

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propostas à discussão dos problemas imediatos, sonhando, nas letras, à calma sombra do jardim de Academus e, em sociologia e economia, direito e prática administrativa, uma República de Platão, nunca nos ocorrera esse idealismo orgânico da Inglaterra, que tão bem se enquadra na resposta da voz misteriosa da tragédia profunda: – Que devo eu querer? – Aquilo a que és constrangido!7

Embora as idéias inadequadas à compreensão do país sejam estrangeiras, não

é apenas por isso que são inadequadas; na verdade, nem é esse o principal motivo. A

inadequação não tem raiz étnica ou nacional, mas filosófica: o problema diz respeito

à natureza sistemática das idéias. É desse modo que Plínio Salgado se posiciona sobre

a presença do ideário europeu: a vertente estrangeira é condenada por partilhar de

características específicas. O contraponto é epistemológico.

Como já foi exposta no capítulo anterior, a versão verde-amarela acerca dos

modos através dos quais é possível construir a nacionalidade literária aponta para, em

primeiro lugar, a percepção de uma necessidade anterior ao próprio impulso

edificador, i.e., antes de ser um problema da busca de um método apropriado, o

estabelecimento da nacionalidade é uma questão de atenção a imperativos. Já as

idéias sistematizadas, os artifícios mentais, justamente por serem estratagemas, i.e.,

formalmente perfeitos, se adaptam a quaisquer contextos e, por isso mesmo, não

guardam semelhança com eles e não atendem a quaisquer necessidades que não as do

próprio sujeito8 que as formula. Como são especialmente versáteis, as idéias

sistemáticas não atingem a profundidade necessária para a compreensão do fenômeno

nacional, são superficiais. É por isso que são rechaçadas pelo grupo verde-amarelo e,

neste caso, por Plínio Salgado. Mas, por mais que essa crítica ao pensamento

sistemático atenda perfeitamente à concepção essencial da nacionalidade brasileira

proposta pelos autores verde-amarelos, surge uma questão crucial: em que contexto

essa versão surgiu? Isto é, um projeto que desprezasse a via analítica teve origem

apenas numa disputa interna das vertentes modernistas? Não. E é sobre essa questão

que se inicia a discussão a seguir.

7 SALGADO, P., 1927, p.28-29. 8 Entenda-se sujeito, neste caso, não apenas como indivíduo, mas também como um grupo intelectual formado por pessoas que partilhem do mesmo sistema de pensamento.

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A posição dos verde-amarelos tem base numa condenação ao status que a

visão científica do mundo ganhou ao longo do século XIX. Visão esta que punha em

prática uma separação total dos mundos subjetivo e objetivo em dois pólos distintos e

interdependentes, funcionando como agente e matéria-prima na produção do saber,

transformando todas as formas de conhecimento em função da objetividade científica.

Esse modelo cada vez mais predominante no ocidente estava aos poucos extinguindo

qualquer reflexão que incorporasse uma dimensão instintiva do pensamento ao seu

modus operandi, i.e., naquele tempo cada vez mais o conhecimento somente seria

possível através dos sistemas.

É a esse contexto que Bergson formula sua repreensão. A influência do

filósofo francês não se limitou à chamada renovação espiritual católica, mas

funcionou como alicerce teórico para as mais variadas tendências do pensamento

ocidental do início do século XX, inclusive o modernismo9, que tinham em comum a

crítica ao labor intelectual exclusivamente através dos sistemas de pensamento. Em

suas próprias palavras:

...il ne faut pas que la complication de la lettre fasse perdre de vue la simplicité de l’esprit. A ne tenir compte que des doctrines une fois formulées, de la synthèse où elles paraissent alors embrasser les conclusion de philosophies antérieures et l’ensemble des connaissances acquises, on risque de ne plus apercevoir ce qu’il y a d’essentiellement spontané dans la pensée philosophique.10

Neste caso, o autor está especificamente interessado no pensamento filosófico.

Chama a atenção para a pobreza da filosofia de seu tempo, que se limita a pensar a

partir ou sobre os sistemas. Segundo ele, tal atitude restringe o alcance que o

conhecimento tem quando está a formular os sistemas. Isto é, uma vez construídos, os

sistemas figuram como portos-seguro de onde o filósofo não quer mais se afastar,

causando assim um duplo prejuízo: (a) de um lado, banem-se as ambigüidades e as

incertezas que também são próprias do conhecer e, com elas, as possibilidades que

esse mundo impreciso por natureza poderia fornecer; e (b) de outro, cria-se um outro

9 Cf. CARPEAUX, O. M., s/d, p.53-4. 10 BERGSON, H., 1911, p.1345-1346.

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mundo, inteiramente distinto daquele que se estuda, ainda que com o intuito de

compreendê-lo, ou seja, a filosofia, em sua complexidade, demanda uma competição

por erudição com a ciência e, motivada por isso, se isola e perde seu contato com o

real. Em suma, esse contexto criticado pelo filósofo pode ser caracterizado como

aquele que, devido à tamanha complexidade criada por ele próprio em função do

desenvolvimento de seus métodos, fala apenas de si, serve apenas ao seu próprio

nexo.

Em La pensée et le mouvant (1934), Bergson explica o que seria esse

movimento que se caracteriza por um “afastamento do real”:

Notre faculté normale de connaître est donc essenciellement une puissance d’extraire de qu’il y a de stabilité et de régularité dans le flux du réel. S’agit-il de percevoir? La perception se saisit des ébranlements infiniment répétés Qui sont lumière ou chaleur, par exemple, et les contracte en sensations relativement invariables: ce sont des trillions d’oscillations extérieures que condense à nos yeux, en une fraction de seconde, la vision d’une couleur. S’agit-il de concevoir? Former une idée générale est abstraire des choses diverses et changeantes un aspect commun qui ne change pas ou du moins qui offre à notre action une prise invariable. La constance de notre attitude, l’identité de notre reaction Éventuelle ou virtuelle à la multiplicité et à la variabilité des objets représentés, voilà d’abord ce que marque et dessine la généralité de l’idée. S’agit-il enfin de comprendre? C’est simplement trouver des rapport, établir des relations stables entre des faits qui passent, dégager des lois: opération d’autant plus parfaite que la relation est plus précise et la loi plus mathématique. Toutes ces fonctions sont constitutive de l’intelligence. Et l’intelligence est dans le vrai tant qu’elle s’attache, elle amie de la régularité et de la stabilité, à ce qu’il y a de stable et de régulier dans le réel, à la matérialité. Elle touche alors un des côtés de l’absolu, comme notre conscience en touche un autre quand elle saisit en nous une perpétuelle efflorescence de nouveauté ou lorsque, s’élargissant, elle sympathise avec l’effort indéfiniment rénovateur de la nature. L’erreur commence quand l’intelligence prétend penser un des aspects comme elle a pensé l’autre, et s’employer à un usage pour lequel elle n’a pas été faite11.12

O problema não se coloca diretamente em relação à própria ciência, mas

consiste no questionamento da dimensão tomada por ela em todos os processos de

conhecimento, desde o saber filosófico até as questões artísticas. Essa

supervalorização não resultou apenas num método cada vez mais auto-centrado, onde

11 grifo nosso. 12 BERGSON, H., 1934, p.1334-1335.

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tudo só pode ser conhecido através da ciência. Os mecanismos e pressupostos que

sustentavam o saber científico, como a razão e a inteligência analítica, romperam as

fronteiras da ciência e se impuseram aos mais diversos modos de conhecimento. Mas,

esse processo, na verdade, é paradoxal porque não se pode negar as outras formas de

conhecimento a não ser sob o ponto de vista da própria ciência (constituindo

novamente um auto-centramento) – o que de todo modo não diz nada sobre o próprio

objeto que se está a criticar.

Poder-se-ia interpretar, por outro lado, que o processo de radicalização do

conhecimento científico era, na verdade, um problema metodológico. Isto é, nem

todos os saberes passaram a seguir a “cartilha” da ciência, ou mesmo almejaram a

condição de disciplina científica, mas foram de alguma maneira afetados pelos seus

métodos científicos, usufruindo seus procedimentos, seja por pensar estar atingindo

melhores resultados, seja para conferir maior autoridade ao que se faz. Seguindo este

rumo, o que estava em jogo era a maneira através da qual se poderia elaborar

conhecimento e, naquela época, um dos pressupostos básicos do saber científico é a

separação entre sujeito e objeto, i.e., a relativização do saber tendo em vista que,

ainda que estejam se valendo do mesmo método, os resultados dependerão do sujeito.

Mas, ainda assim, o filósofo francês censura a versão de que todo conhecimento deve

ser colocado em função de quem o produziu, o que o torna sempre relativo:

La “relativité de la connaissance”, Qui arrêtait l’essor de la métaphysique, était-elle originelle et essentielle? Ne serait-elle pas plutôt accidentelle et acquise? Ne viendrait-elle pas tout bonnement de ce que l’intelligence a contracté des habitudes nécessaires à la vie pratique: ces habitudes, transportées dans le domaine de la spéculation, nous mettent en présence d’une réalité déformée ou réformée, en tout cas arrangée; mais l’arrangement ne s’impose pas à nous inéluctablement; il vient de nous; ce que nous avons fait, nous pouvons le défaire; et nous entrons alors en contact direct avec la réalité.13

É neste ponto que Bergson simultaneamente vai abandonando a fase de

diagnóstico e iniciando a formulação de sua alternativa. A questão fundamental para

o filósofo francês é que a inteligência, o pensamento sistemático, só consegue

elaborar conhecimento se concebê-lo em termos do espaço, i.e., a ciência não analisa

13 Ibid., p.1269-1270.

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o mundo e o entende em sua própria dinâmica, mas antes o submete às suas leis para

compreendê-lo, torna-o estático, imóvel, como uma fonte passiva de informações à

espera de organização. Daí a formulação, por Bergson, do conceito de durée que,

como dado imediato, poderia se confundir com a própria substância e acabar com os

problemas em torno da melhor forma de conhecimento14. Mas a questão não é tão

simples, ou seja, não basta apenas deixar de conceber o mundo de maneira estática e

fazê-lo em termos do tempo, acreditando-se assim atingir a duração. O grande

problema é que, para Bergson, em sua época, o modo como era produzido o

conhecimento fazia o próprio tempo ser pensado espacialmente. Daí a necessidade de

se construir um método (intuição) que permitisse atingir a duração pura e restaurasse

a precisão na filosofia.

Para Bergson, a intuição é um método. Desta afirmação surge um problema

central que vai exigir uma análise mais precisa do seu pensamento: “como pode a

intuição, que designa antes de tudo um conhecimento imediato, formar um método,

se se diz que um método implica essencialmente uma ou mais mediações?”.15 A

resposta a essa indagação é condicionada ao que Deleuze chama de exame dos “atos”

(os quais determinam regras) que constituem o método. São três: relativos (a) à

posição e criação dos problemas; (b) à descoberta das diferenças de natureza; (c) à

apreensão do tempo real.16 Na verdade, Deleuze constrói este detalhamento, não

apenas porque objetiva manter seu rigor intelectual, mas, principalmente, porque quer

mostrar o combate que Bergson protagonizara frente ao pensamento sistemático, de

modo que a intuição surge como alternativa àquela forma hegemônica do saber. Mas

para que esse empreendimento pudesse realmente dar resultados, a intuição deveria

vir em nome da precisão filosófica que, segundo o autor de Matière e mémoire,

estava há muito perdida. O método, portanto, não poderia produzir um conhecimento

ambíguo, ou ainda se confundir com devaneios subjetivos; ao invés disso, deveria se

afirmar como uma opção para aqueles que constatavam o caráter superficial do saber

científico. Essa preocupação fez com que Bergson, antes mesmo de elaborar o

14 Sobre o conceito de duração em Bergson ver o segundo capítulo de Deleuze, 2004. 15 DELEUZE, G., 2004, p.8. 16 Ibidem.

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conceito e de conferir-lhe nome, analisasse os pressupostos conceituais que o

estruturariam (durée) e, apenas depois disso, pensasse-o sob a forma de um método17.

Para um melhor entendimento deste conceito bergsoniano tão fundamental para o

argumento de Plínio Salgado, é necessário examinar com cuidado a exposição de

Gilles Deleuze.

Antes, uma observação: como este trabalho está interessado na natureza do

pensamento modernista do autor verde-amarelo, e, neste momento, uma de suas

principais fontes está sendo analisada, quando se diz “saber científico ou analítico”,

opta-se pela versão mais definida e representativa do pensamento sistêmico mais

geral (que Bergson estudou) porque ela remete ao contexto intelectual que Plínio

Salgado condenava. Assim, ao examinar os argumentos do filósofo, nem sempre os

termos são os mesmos que Salgado menciona em seus textos. Para Bergson, é muito

clara a presença dos mecanismos do raciocínio analítico em toda a sociedade

moldando a inteligência humana, e isso faz com que ele também afirme que é

possível reverter esse quadro tendo em vista que foi criado pelo próprio homem.18 Já

para Plínio Salgado, cuja concepção de mundo se sustenta nesta mesma coluna, a

questão do combate ao pensamento analítico está ligada a um projeto de construção

da nacionalidade, portanto tem uma natureza muito mais próxima de um problema

estético-político do que da questão do saber filosófico. Em todo caso, essa questão

não compromete o caminho que se está seguindo até agora; ao contrário, fortalece-o e

torna-o mais preciso.

Segundo Deleuze, a primeira regra que diz respeito ao método intuitivo trata

da colocação dos problemas, i.e., examina-os antes em virtude da posição que se toma

simplesmente ao colocá-los, do que em relação à importância das soluções dadas por

eles. Nas palavras do próprio autor:

Com efeito, cometemos o erro de acreditar que o verdadeiro e falso concernem somente às soluções, que eles começam apenas com as soluções. Esse preconceito é social (pois a sociedade, e a linguagem que dela transmite as palavras de ordem,

17 Esta explicação dada por Bergson à constituição do conceito da intuição está em uma carta a Höffding, de 1916. Ibid., p. 7. 18 BERGSON, H., 1934, p.1269-1270.

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“dão”-nos problemas totalmente feitos [...] e nos obrigam a “resolvê-los, deixando-nos uma delgada margem de liberdade). (...) Desse modo, somos mantidos numa espécie de escravidão. A verdadeira liberdade está em um poder de decisão, de constituição dos próprios problemas19: esse poder, “semidivino”, implica tanto o esvaecimento dos falsos problemas quanto o surgimento criador dos verdadeiros. (...). Não se trata tampouco de dizer que só os problemas contam. Ao contrário, é a solução que conta, mas o problema tem sempre a solução que ele merece em função da maneira pela qual é colocado, das condições sob as quais é determinado como problema, dos meios e dos termos de que se dispõe para colocá-lo. Nesse sentido, a história dos homens, tanto do ponto de vista da teoria quanto da prática, é a da constituição dos problemas. É aí que eles fazem sua própria história, e a tomada de consciência dessa atividade é como a conquista da liberdade.20

O autor se refere àquela mesma idéia presente na introdução de O pensamento

e o movente. Isto é, a inteligência prática condicionada pela vida moderna não

permite uma liberdade para se pensar em estratégias de colocação dos problemas, mas

apenas em modos de resolvê-los. Do ponto de vista da racionalidade analítica esta

questão nem é posta, e mais: não se reflete sobre as condições em que se pensa

porque o próprio pensamento é confundido com o procedimento analítico e, assim,

encarado como uma ferramenta extremamente útil e versátil no trato com os

problemas. Neste sentido, uma situação que já foi colocada em questão é aquela em

que Mario de Andrade questiona o mito de origem dos índios “Do-Mi-Sol” a partir de

uma indagação que, para o próprio povo em questão, não fazia sentido.21 Esse

alheamento às bases do pensar cria uma situação onde se torna comum que sejam

postos os chamados “problemas inexistentes” e os “problemas mal-colocados”.22

Os primeiros são relativos às questões do não-ser (por exemplo, a questão da

desordem, do possível, etc.) e não interessa particularmente a este trabalho analisá-

los. Os segundos dizem respeito à confusão em torno das diferenças de grau e de

natureza. Isto é, vários problemas são colocados como se fossem questões de

intensidade, ou seja, de variações de uma mesma natureza. Mas porque isso ocorre?

Porque a experiência é dada como um misto de aparência homogênea e, sendo 19 grifos nossos. 20 DELEUZE, G., 2004, p.9-10. 21 Descrita no Cap.2. 22 DELEUZE, G., 2004, p.10.

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encarada assim (de modo uno), não permite identificar as diferenças de natureza23,

resultando desse modo, na colocação de questões inexistentes. Mas como o

pensamento, na forma da análise, toma a experiência como um dado, ele não percebe

o que está por trás deste misto, essa heterogeneidade de naturezas, somente vê algo a

ser trabalhado, organizado, matéria-prima a serviço da faculdade analítica. Desse

modo, só enxerga o misto, confunde a realidade porque a transforma em algo a ser

tratado pelo pensamento, não a percebe como uma das condições de possibilidade do

pensar. Enquanto que para o pensamento sistemático a experiência está a serviço do

conhecimento, a primeira regra do método intuitivo assinala que só é possível

conhecer algo pensando sobre as condições em que este processo se dá.

A segunda regra consiste em refletir detalhadamente sobre estes “mistos” que

determinam a experiência e formam uma ilusão24. Para Bergson a questão não é a

dificuldade que esta situação traz, porque é inerente à própria dinâmica da percepção,

mas, o problema é a incapacidade do homem para destrinchá-la, tendo em vista o

contexto de pensamento superficial de que faz parte. Neste sentido, Deleuze, após

definir percepção, em Bergson, como o objeto (matéria) menos algo, i.e., menos tudo

o que não nos interessa25, e, desse modo, concluir que não há diferença de natureza

entre a percepção e o objeto, vai examinar que tipo de diferença Bergson afirma haver

entre percepção e memória:

Em resumo, a representação em geral se divide em duas direções que diferem por natureza, em duas puras presenças que não se deixam representar [individualmente]: a da percepção, que nos coloca de súbito na matéria; a da memória que nos coloca de súbito no espírito. Que as duas linhas se encontrem e se misturem ainda uma vez não é a questão. Essa mistura é a nossa própria experiência, nossa representação. Mas todos os nossos falsos problemas vêm de não sabermos ultrapassar a experiência em direção às condições da experiência, em direção às articulações do real, e reencontrarmos o que difere por natureza nos mistos que nos são dados e dos quais vivemos.26

23 Ibid., p.12. 24 Um exemplo crucial dado pelo próprio Bergson é a ilusão criada acerca da percepção: conferimos a ela um caráter exclusivamente interno, subjetivo – quando, na verdade, é necessário separar percepção de afecção. Cf. BERGSON, H., 1897, cap.1. 25 DELEUZE, G., 2004, p.16. 26 Ibid., p.17-18.

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A intuição é que permite superar a experiência e atingir as condições de

experiência. Entretanto, é importante lembrar que não estão em jogo aqui as

condições de experiência possível, analisadas por Kant; Bergson se refere às

condições da experiência real. Elas não são determinadas por conceitos, mas pela

percepção pura, aquela que se confunde com o objeto.27 Portanto, a precisão almejada

por Bergson, cuja tese afirma que o único meio para se atingi-la é o da intuição,

depende antes de tudo da atenção à percepção, naquilo que ela tem de mais simples: a

extensão entre o homem e o meio.28

Até agora foi constatado que, segundo Bergson, o conhecimento produzido

unicamente sob a forma dos sistemas se revela, por várias razões aqui levantadas,

leviano. Isto é, de um lado, se o processo empreendido for pouco cuidadoso, corre o

sério risco de apenas falar de si; e, de outro, caso a tentativa seja séria e atenciosa,

mesmo assim irremediavelmente deformará o seu objeto em função das limitações

inerentes à natureza do método. Mas o filósofo francês vai além, usa o seu campo

disciplinar para denunciar um movimento muito mais abrangente: o ponto não era o

questionamento do pensamento sistemático em si, mas o aprisionamento dos homens

em função dele. O autor não ambiciona elaborar uma maneira de acabar com essa

vertente que se mostrava vigorosa, nem sequer deseja separá-la dos mecanismos

cotidianos do pensar. Ele sabe que, justamente por ser muito eficiente naquilo a que

se propõe, o modo analítico é empregado pelos homens até quando eles estão a

questioná-lo. Os próprios meios de expressão (linguagem) estão atrelados ao

desenvolvimento do pensamento analítico: o objetivo não é fugir disso, mas

compreender essa realidade, saber identificar as circunstâncias em que tudo isso

27 Ibid., p.19. 28 Outra observação: a terceira regra talvez seja a mais importante para a compreensão do desenvolvimento das reflexões do filósofo francês. É ela que trata da resolução dos problemas após a identificação das diferenças de natureza nas condições da experiência real. É neste momento que o autor diz que a intuição supõe a duração. Ibid., p.22-6. No entanto, o exame do conceito de duração demandaria um esforço que somente diz respeito ao funcionamento do método intuitivo, e, assim, por certo desviaria o caminho para a compreensão do ambiente intelectual formador das idéias de Plínio Salgado, levando este trabalho a um rumo que não é o dele: testar o conceito, verificando a validade do método.

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ocorre. Para isso, em 1911, Bergson formula uma definição simples, no entanto,

extremamente elucidadora:

Toute la complexité de sa29 doctrine, qui irait à l’infini, n’est donc que l’incommensurabilité entre son intuition simple et les moyens dont il disposait pour l’exprimer.30

O filósofo não luta contra a sociedade, mas contra a inconsciência que

caracteriza os que nela vivem e os faz compreender superficialmente todo o seu

contexto. A intuição aparece como alternativa a esta situação, buscando resgatar uma

relação com o mundo que permitisse um envolvimento via percepção, i.e., que não

pressuponha controle de um sobre o outro, mas extensão. Relação esta há muito

perdida por causa do desenvolvimento do pensamento através dos sistemas. No

entanto, Bergson não propõe um regresso, mas uma re-união do homem com o

mundo para se entender o presente – o autor está completamente envolvido nas

questões de seu tempo, como o imperialismo e a Primeira Guerra Mundial.

Este é o contexto que vai provocar uma mudança intelectual em Farias Brito,

fazendo-o, cada vez mais, se distanciar da Escola de Recife, de Tobias Barreto e de

Silvio Romero, abdicando do naturalismo teleológico para ingressar numa reflexão

direcionada ao espiritualismo. Da mesma forma, são essas as idéias que caracterizam

a intuição tal como ela aparece em Graça Aranha, e o faz defendê-la como projeto

modernista de acesso à cultura nacional. É deste modo que estes dois autores serão

examinados a seguir, dando forma ao ambiente intelectual com o qual Plínio Salgado

travou diálogo.

29 Bergson se refere a um filósofo qualquer que tenha elaborado uma doutrina e a tenha expressado sob a forma de um sistema. 30 BERGSON, H., 1911, p.1347.

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3.2. Farias Brito e a consciência

Assim como o fez com o contexto intelectual brasileiro, Henri Bergson

também motivou muitas reviravoltas na Europa na passagem do século XIX para o

XX, sobretudo no que diz respeito à posição que os intelectuais deveriam tomar

frente ao materialismo31, caso não partilhassem de seus pressupostos ou

questionassem o resultados que foram obtidos através dele até então. Entre os casos

mais famosos estão os de Péguy e Maritain, sendo que somente o primeiro se

manteve fiel aos ensinamentos do mestre até a sua trágica morte durante a Primeira

Grande Guerra. Esse movimento que abrangeu tanto a realidade européia como a

brasileira foi denominado “reação espiritualista”, no sentido em que combateu a

vertente racional-positivista que, segundo os integrantes do espiritualismo, esvaziara

o mundo de sentido.

Aqui no Brasil a influência mais sistemática das idéias do filósofo francês e as

conseqüências que isso acarretaria, entre elas a conversão de intelectuais ao

catolicismo, só foi mais visível a partir da década de 1920, principalmente através das

figuras de Jackson de Figueiredo32 e de Alceu Amoroso Lima, este último chegou a

frequentar um curso ministrado pelo autor de Evolución Creatrice no Collège de

France.33 No entanto, o chamado espiritualismo francês já estava claro no argumento

de autores como Graça Aranha e, em particular, na guinada filosófica de Raimundo

de Farias Brito. É sobre este autor que as atenções se voltam a partir de agora.

Ao analisar o que chama de “nascimento da filosofia brasileira”, o professor

Luiz Alberto Cerqueira se remete constantemente à tríade composta por Gonçalves de

Magalhães, Tobias Barreto e Farias Brito, sendo que dentre eles, o último foi o que

mais recebeu a influência da reflexão bergsoniana:

31 Cf. GUGELOT, F., 1998, p.97-98. 32 Cf. NOGUEIRA, H., 1976, p.40-46. 33 Cf. LIMA, A. A., 2000, p.98.

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Ainda que demonstrasse entusiasmo pelo ecletismo de [Victor] Cousin, esse entusiasmo só se justifica no âmbito do chamado espiritualismo francês iniciado por Maine de Biran (1766-1824) e que tem a sua expressão mais elaborada em Bergson (1859-1941). Este exerceu grande influência sobre Farias Brito, aquele sobre [Gonçalves de] Magalhães. O fato é que a idéia de filosofia brasileira está intimamente associada ao espiritualismo francês...34

O resultado desse contato do pensador cearense com a obra do filósofo francês

foi o abandono, ainda que aos poucos, pelo primeiro, das bases monistas e

evolucionistas que caracterizavam os seus primeiros escritos como, por exemplo, o

primeiro volume de Finalidade do Mundo, de 1895, cujo subtítulo era “estudos de

filosofia e teleologia naturalista”. Mas, já neste livro é possível identificar a

construção peculiar da filosofia de Farias Brito, quando propõe – para substituir a

noção simplesmente evolucionista do conhecimento – a idéia de finalismo. Nas

palavras de Lopes de Mattos:

A natureza, e em primeiro lugar o mundo que atingimos do exterior, manifesta-se subordinada a leis invariavelmente regulares, tendendo a um aperfeiçoamento sem fim. Era natural que assim pensasse Farias Brito no término do século do evolucionismo e do cientismo otimista. Ora, uma evolução em um só sentido, e sempre no bom sentido, só se explica por uma tendência a um fim35. O mundo portanto tem uma finalidade, e a natureza deve ser concebida como um todo orgânico. Esse finalismo vigora também na humanidade, que se desenvolve sempre para um estado superior, à maneira de um todo orgânico. E na consciência humana, a evolução finalista reflete-se do mesmo modo, obedecendo às mesmas leis.36

Embora seja nítida a diferença entre a tese da evolução, do progresso

contínuo, e o argumento finalista proposto pelo filósofo, está evidente também que –

pelo menos segundo a interpretação de Lopes de Mattos –, neste caso, uma idéia

decorre da outra, i.e., não são substancialmente distintas. Isso quer dizer que Farias

Brito, mesmo já tendo interpretado peculiarmente a tradição filosófica em que se

formara (Escola de Recife), ainda era signatário de muitas de suas bases, cuja

34 CERQUEIRA, L. A., 2002, p.125-126. 35 grifo nosso. 36 MATTOS, C. L., 1962, p.18-19.

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concepção de mundo defendia um aperfeiçoamento da cultura e do conhecimento

através de sua “cientifização”.

Embora toda a constituição do argumento de Farias Brito esteja mergulhada

no manancial de idéias da Escola de Recife, foi no próprio interior dela que a guinada

do pensamento do filósofo cearense se iniciou. Criticando a filiação de Tobias

Barreto a Haeckel, que era caracterizado por uma monismo mecanicista, Farias Brito

chama a atenção para a contribuição do que chamou de naturalismo metafísico ou o

verdadeiro monismo filosófico, com base em Ludwig Noire.37 Mas, ainda assim,

estas concepções seguem distantes do espiritualismo.

É apenas em 1912, por ocasião da publicação de A base física do espírito, que

fica clara a guinada em seu pensamento. Assim como Bergson, ele não rejeitara a

ciência, mas somente constatara que o método não era o mais apropriado em

determinados casos. Como, por exemplo, na questão da psicologia: Farias Brito

afirmava a impossibilidade de uma ciência experimental para dar conta dos

fenômenos psíquicos, estes deveriam ser abordados pela metafísica. A base física do

espírito

...consiste (...) quase só no debate da justificação da psicologia científica ou experimental. Sustentando a impossibilidade dessa psicologia, Farias Brito concluirá que só pode haver um estudo fisiológico do que chama a base física do espírito, sendo a verdadeira psicologia – de fato, a psicologia filosófica, que se identifica, para ele, com a metafísica – unicamente atingível pelo método introspectivo.38

Mas, com isso, ele não desejava separar definitivamente os dois campos:

realidade física e realidade psíquica. Farias Brito apenas, após constatar a

insuficiência do pensamento científico no trato com a esfera metafísica, propunha

uma reaproximação das duas realidades via método introspectivo, caracterizado por

uma consciência profunda, que ele chama de psicologia transcendental. Nas palavras

do próprio filósofo:

37 Cf. PAIM, A., 1987, p.417-418. 38 MATTOS, C. L., 1962, p.36.

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É assim que faço questão systematica de evitar toda a nebulosidade, como todo o mysticismo. E até devo observar que, sob o ponto de vista da fórma e do methodo, a minha unica preoccupação é falar claro. Tratando-se, pois, do que chamo psychologia transcendente, ninguem supponha que eu, por ventura, pretenda ultrapassar a esphera da experiencia commum, para entrar, como em visão de profeta ou phantasia de visionario, na região phantastica do sonho e da chimera. (...). O que queremos é comprehender a realidade mesma, a realidade com todas as suas luctas e terrores, com todas as suas incertezas e mysterios; a realidade em toda a sua dureza e em toda a sua inexorabilidade, a realidade nua a crua, como seria preciso dizer...39

Esse método só é viável caso se partilhe daquele diagnóstico bergsoniano da

unidade do homem com o mundo, porque segundo o argumento cientificista, a

introspecção pura e simples não nos permite compreender a realidade porque não nos

põe em contato com ela. Mas já foi visto que, em Bergson, uma das qualidades da

consciência é a sua extensão em relação ao mundo, i.e., apesar de guardar diferença

em relação aos seus objetos (basta lembrar do lugar privilegiado que o corpo ocupa

dentro do conjunto das imagens)40, a consciência só faz sentido uma vez posta em

relação ao mundo. A valorização dessa característica humana, por Farias Brito, se faz

com intenção de conhecer a realidade.41 A psicologia transcendental (como o autor a

chama), ou apenas metafísica, é chave para a compreensão da realidade tão

deformada pelo naturalismo científico moderno. Mas, para isso, a própria concepção

de metafísica deveria estar clara: não poderia ser “a metafísica a que se opõe Augusto

Comte, (...) que foi por ele próprio inventada, não a metafísica no sentido histórico e

tradicional da palavra”.42 A tese do filósofo cearense se insere numa dimensão maior

da renovação filosófica, aquela protagonizada pela restauração da importância da

metafísica e atribuída, na maioria das vezes, a Bergson.

No entanto, é a sua obra final que mais se aproxima da reflexão presente nos

escritos de Plínio Salgado. O mundo interior (1914), publicada apenas três anos antes

39 BRITO, R. F., 1912, p.73 e 75. 40 Cf. BERGSON, H., 1897, cap.1. 41 Cf. MATTOS, C. L., 1962, p.37-38. 42 CARVALHO, L. R., 1977, p.118.

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de sua morte, é a sua obra mais madura e que torna mais clara a sua perspectiva43,

i.e., nela o autor expõe nitidamente as suas conclusões após vários anos de estudo da

tradição filosófica ocidental e da realidade brasileira. Farias Brito não apenas constrói

uma interpretação das correntes de pensamento, mas afirma compreender, naquele

momento, a própria natureza do conhecimento e da filosofia. Segundo Lopes de

Mattos,

...podemos tentar descobrir seu ponto de partida na idéia da filosofia como ciência “intuitiva e concreta44”, “espécie de visão interior consubstancial com o sujeito”, pela qual, ele se aprende como substância, como coisa-em-si. Nessa intuição, o espírito se atinge como um absoluto e atinge também, de modo imediato, as coisas objetivas como outro absoluto, afirmação para a qual Farias Brito aprofunda o problema epistemológico do realismo imediato, descobrindo o erro do representacionismo comum a quase todos os modernos.45

O papel da consciência seria aquele que, por não permitir a deformação via

ciência ou pensamento positivo, possibilita a apreensão direta da realidade, já que é

coextensiva a ela. A diferença entre consciência e realidade não é de natureza, é de

parte e todo. O equívoco moderno, tanto do lado materialista, que objetiva os

fenômenos, quanto do idealismo, que sempre confere à consciência a palavra final, é

o radicalismo da explicação mecanicista, superficial. Tanto a matéria como a

representação devem ser levadas em conta sem que uma seja reduzida à outra.

É neste sentido que devemos interpretar a conhecida formula de Schopenhauer – o mundo é minha representação. Formula que, considerando a dependencia em que está a representação para com a organização physiologica, corresponde a esta outra, ainda mais precisa e energica: o mundo é um phenomeno cerebral. Já passou, porem, o tempo em que estas formulas impressionavam. Hoje só podem ser lembradas a titulo de curiosidade. Em verdade nada explicam e o senso-commum as repelle. De certo eu sou capaz de representar o mundo e de facto o represento. Assim cada ser pensante; assim cada consciencia. Mas isto não quer dizer, por modo algum, que o mundo seja minha representação; para o que seria necessario que o mundo fosse uma dependencia minha, um produto de minha consciência. Pelo contrario todo o mundo

43 Cf. MATTOS, C. L., 1962, p.39. 44 Basta lembrar, como já foi visto, de como Bergson difere de Kant no que diz respeito às condições de possibilidade da experiência: possível (Kant) e real ou concreta (Bergson). 45 MATTOS, C. L., 1962, p.41.

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sente e conhece de modo irresistivel que o universo nos excede em proporções infinitas e que d’elle somos parte minima, um quasi nada em relação ao infinito.46

Esse argumento de Farias Brito, que tem origem em Henri Bergson,

determinou a concepção de relação entre homem e mundo de um dos principais

articuladores do modernismo brasileiro e que constituiu forte referência para Plínio

Salgado: Graça Aranha, para cuja obra a interpretação se volta a partir de agora.

3.3. A metafísica brasileira em Graça Aranha

A presença das idéias de José Pereira da Graça Aranha na constituição da

problemática modernista já foi objeto de análise criteriosa47. No entanto, ainda há

espaço para a discussão de como o argumento de Bergson deu forma à reflexão dos

autores verde-amarelos, e especialmente de Plínio Salgado. Nesse sentido, é crucial

destrinchar algumas idéias do autor maranhense, já que elas tanto foram signatárias

da contribuição do filósofo francês, como ajudaram a implementar a discussão

modernista.

Para isso, se pretende apresentar algumas questões que se tornam pontos de

contato entre Graça Aranha e os verde-amarelos a partir de dois textos fundamentais

para o primeiro tempo modernista: Metafísica brasileira e A emoção estética na arte

moderna. O primeiro é um ensaio que faz parte de uma coletânea intitulada “A

estética da vida” e publicada em 1920, por ocasião da volta do diplomata, já nesta

época aposentado, ao Brasil. O segundo texto é a conferência que inaugurou a

Semana de Arte Moderna em São Paulo, no ano de 1922, sendo posteriormente

46 BRITO, R. F., 1914, p.311-312. 47 Cf. MORAES, 1978.

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publicado noutra coletânea de ensaios, de nome “O espírito moderno”, em 1925. O

escritor produz uma visão que combina de modo peculiar as noções de metafísica e

de intuição.

Como pensador brasileiro do início do século, Graça Aranha não foi apenas

intérprete, mas também operário da brasilidade. Enquanto as vanguardas européias se

valiam das mais diversas estratégias para avaliar as conseqüências da relação entre a

modernidade burguesa e as mais diversas nacionalidades, aqui no Brasil este

movimento não podia se realizar sem que, ao mesmo tempo, se indagasse sobre o que

era a nacionalidade brasileira. Esta pergunta, de uma maneira geral, atravessava todos

os autores da época, e as respostas dadas a ela eram o que realmente configurava o

movimento modernista. No entanto, algumas das motivações que permaneceram na

alma dos escritores durante a década de 1920 e os ajudaram a levar adiante a

renovação proposta, foram formuladas num outro contexto, um pouco anterior àquela

fatídica “Semana”. É esse o pano de fundo com o qual o autor de Canaã vai dialogar.

É comum tomar a obra do pensador maranhense como signatária da chamada

Escola de Recife, pelo fato de Graça Aranha ter estudado na Faculdade de Direito do

Recife justamente quando Tobias Barreto lá lecionava. Formada no âmbito das

críticas ao chamado ecletismo espiritualista francês, a Escola de Recife, contudo, não

seguiu estritamente os passos do pensamento positivista: como exemplo disto, pode

ser lembrada a posição do seu representante-mor frente à declaração de Silvio

Romero sobre a morte da metafísica:

Tobias Barreto (...) – certamente pela maior familiaridade com temas filosóficos, adquirida já na década anterior –, estaria prevenido contra a rejeição sem crítica da metafísica, levada a cabo pelo positivismo, e, simultaneamente, contra a universalização da explicação mecanicista.48

Note-se que a afirmação acima abre caminho para uma reavaliação do

conceito. Sendo que esta possibilidade era negada pela vertente positivista que com a

proclamação da república só fez crescer. Mas isto, no entanto, não implicou a

anulação da metafísica, mas uma negligência proposital, deixando-a na mesma

48 PAIM, A., 1987, p.386.

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situação em que estava desde Kant49. Desse modo, como afirma Antonio Paim, havia

espaço aqui no Brasil, já no final do século XIX, para a discussão em torno da

questão. Contudo, em que base se daria essa reavaliação? Se a metafísica não mais

poderia ser entendida nos moldes de Aristóteles ou São Tomás, como abordá-la?

Como já foi visto, a contribuição de Bergson abriu espaço para uma

concepção do conhecimento que não só combatia a separação essencial entre ciência

e filosofia, cada vez mais forte desde o “fim da metafísica”, mas também condenava a

conceituação do saber filosófico a partir dos mecanismos de sistematização tão

aceitos e difundidos pelo conhecimento analítico. Ou seja, para se propor um

pensamento que colocasse novamente na ordem do dia o problema metafísico, não

bastava uma afirmação deste contra a “fortaleza positivista”, era necessário o

questionamento “por dentro” dessa corrente que se tornava cada vez mais forte.

Em Graça Aranha, o combate ao positivismo acontecia por meio da

desconstrução de uma dos seus pilares mais fortes. Segundo ao autor, a dualidade

homem-natureza, com esta última servindo de matéria-prima ao pensamento do

primeiro, não se sustenta porque, apesar de guardar diferenças, tanto o homem como

a natureza partilham da mesma substância, mesmo que as relações entre eles sejam

secretas e imperceptíveis.50 A busca da raiz dessa unidade deslocaria a atenção da

influência de Tobias Barreto para a presença de uma base mais significativa nesse

contexto de afirmação: a filosofia de Henri Bergson. A partir de agora não seria

possível distinguir essencialmente um do outro (homem e natureza), haja vista a

extensão que define a relação entre ambos. Inclusive no exame daquilo que

aparentemente nos tornaria essencialmente diferentes do ambiente que está à nossa

volta (funcionando como prova de que não apenas há representação de um contato

exterior, mas criação), o cérebro humano, a filosofia bergsoniana indica o contrário:

49 Segundo a interpretação de Gerard Lebrun, o filósofo alemão não pretendia enterrar para sempre a metafísica, mas “foi preciso que que Kant ousasse situar-se no exterior da metafísica e colocasse entre parêntese (por algum tempo, acreditava ele) essa ciência diferente das outras, para que as obras filosóficas fossem repentinamente projetadas a uma distância tal que a nossa ‘história da filosofia’ fosse concebível”. LEBRUN, G., 2002, p.14. 50 ARANHA, J. P. G., 1968, p.627.

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Les nerfs afférents sont des images, le cerveau est une image, les ébranlements transmis par les nerfs sensitifs et propagés dans le cerveau sont des images encore. Pour que cette image que j’appelle ébranlement cérébral engendrât les images extérieures, il faudrait qu’elle les contênt d’une manière ou d’une autre, et que la représentation de l’univers matériel tout entier fût impliquée dans elle de ce mouvement moléculaire. Or, il suffirait d’énoncer une pareille proposition pour en découvrir l’absurdité. C’est le cerveau qui fait partie du monde matériel, et non pas le monde matériel qui fait partie du cerveau.51

Henri Bergson inicia seu livro Matière et mémoire (1897) combatendo a idéia

de que as representações humanas são produtos do cérebro, visão esta que atribui o

papel passivo de matéria-prima aos objetos, e de quase auto-suficiência aos

mecanismos do sistema nervoso humano. O autor afirma a impossibilidade criadora

do homem, i.e., o homem não concebe o universo, ele o vê: “Mon corps, objet destiné

à mouvoir des objets, est donc un centre d’action; il ne saurait faire naître une

représentation”.52 Isto não é o mesmo que dizer que o cérebro sem objeto é inútil e,

portanto, somente por isso os objetos seriam essenciais ao supremo órgão humano.

Não. Essa visão mantém a diferença essencial entre os dois. Bergson define ambos

como objetos, mas admite que o corpo (ou cérebro), como centro de ação, ocupa

lugar privilegiado, i.e., além de executar movimentos que estabelecem relações com

os outros objetos, executa outros no seu interior destinados a preparar a reação do

próprio corpo à ação dos objetos exteriores. A diferença é de exterior e interior, parte

e todo.

Segundo o filósofo, não há dúvidas sobre a estreiteza que há entre corpo e

matéria, entre homem e natureza. A diferença que formulamos é, segundo ele, por

causa do lugar privilegiado que o corpo ocupa – por conta da possibilidade da dupla

percepção, i.e., percepção e afecção. Desse modo, a representação não é senão a

totalidade das imagens percebidas, i.e., as imagens em conjunto: o corpo (cérebro ou

homem) não cria as representações, estabelece uma relação com elas onde é,

simplesmente, um centro de ação. Bergson afirma que a nossa percepção não é uma

criação, mas o estabelecimento de uma imagem específica (nós mesmos) como

referência, ou seja, é um produto dos movimentos das imagens em geral.

51 BERGSON, H., 1897, p.170-171. 52 Ibid., p.172.

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Constatada esta unidade fundamental a partir da filosofia bergsoniana, Graça

Aranha discute a possibilidade de haver algum espaço para a subjetividade. Em

Metafísica brasileira, o autor desenvolve o que chama de um traço característico

coletivo dos brasileiros, a imaginação. Tal peculiaridade foi formada pelo cruzamento

das raças e pela comunhão com a terra. Desse modo, embora tenha sido estabelecida

por fatores determinantes, a subjetividade do brasileiro, no momento em que o autor

analisa a sociedade brasileira, era tida como desvirtuada, artificializada por bases

exógenas que comprometiam o seu entendimento mais simples da realidade nacional.

Era imperativo um reescrever desse rumo. Em suas próprias palavras:

Aproximemo-nos serenamente do mundo físico, que se reflete em nossa alma. Não deve haver expressões de espanto na natureza. Tudo é a unidade inquebrantável da vida a que nos devemos conformar. Para vencer as montanhas que vos aterram, matai-lhes o espírito tenebroso nos antros de pedra e vereis como se abaixarão e serão para vós colinas sobre que passareis os vossos espíritos descuidados. Não vos será precisa a malícia dos homens astutos e tímidos que, para vencerem as montanhas, empregam o espírito subterrâneo... Vós e ela sois a mesma substância universal. O imperativo categórico da vossa conduta é tratar a Natureza como a vós mesmos...53

O papel do homem deve ser, em primeiro lugar, de se conformar com a

estreiteza que o liga à natureza. Nesse sentido uma batalha de emancipação, ou por

desejo de dominação, não tem razão de ser. Em segundo lugar, a subjetividade só

pode ser exercida na reflexão sobre as categorias que permitem, através do esforço

intelectual, uma auto-compreensão. Para o autor maranhense, a experiência estética

deveria funcionar nesse sentido. Na conferência de abertura da Semana de Arte

Moderna de São Paulo, em 1922, Graça Aranha dissera:

Nenhum preconceito é mais perturbador à concepção da arte que o da Beleza. Os que imaginam o belo abstrato são sugestionados por convenções forjadoras de entidades e conceitos estéticos sobre os quais não pode haver uma noção exata e definitiva. Cada um que se interrogue a si mesmo e responda que é a beleza? Onde repousa o critério infalível do belo? A arte é independente deste preconceito. É outra maravilha que não é a beleza. É a realização da nossa integração no Cosmos pelas emoções derivadas dos nossos sentidos, vagos e indefiníveis sentimentos que nos vêm das formas, dos

53 ARANHA, J. P. G., 1920, p.628.

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sons, das cores, dos tatos, dos sabores e nos levam à unidade suprema com o Todo Universal.54

Delinear uma concepção de unidade essencial entre o homem e o mundo, e

universalizar o sentimento de arte fazem parte de um objetivo maior do que a própria

reflexão modernista: resgatar a metafísica de uma morte estrategicamente anunciada,

todavia ainda não consumada.

Justamente por essa característica de combate, presente em sua obra, Graça

Aranha foi continuamente acusado de usar a literatura apenas como veículo de

debates filosóficos, fazendo-a perder sua dimensão estética e adotar a postura de um

devaneio presunçoso. Outras vezes foi acusado de tentar construir uma sociologia

literária, que novamente empobreceria seus escritos por causa de uma direção pré-

determinada. No entanto, as palavras de Gilberto Freyre podem ser uma maneira mais

segura de se interpretar o pensamento do autor de A Viagem Maravilhosa:

Nenhum momento mais dramático na vida de Graça Aranha do que o assinalado pelo romance de Canaã. É romance fora das convenções novelescas ou romanescas. Falta-lhe enredo. Falta-lhe, por vezes, arte. Sobre-lhe outras vezes sociologia; e esta, em certos passos, um tanto precária. (...) [Mas] considerado por uma crítica (...) compreensiva, Graça Aranha é autor em que se encontram valores que interessam a uma cultura brasileira em crescente desenvolvimento55 (...) Autor ainda válido, portanto; e não defunto. Antológico, por conseguinte; e não para ser lido apenas por pesquisadores de curiosidades literárias.56

Talvez mais do que um autor onde se encontram esses valores, Graça Aranha

seja um pensador que ajudou a edificar um modernismo específico, o dos verde-

amarelos, cujas bases se estruturam sobretudo: na constatação da unidade entre o ser

humano e o mundo, tanto em sua origem como em sua dimensão atávica; numa

crença da existência de uma essência brasileira, diferenciando-a de todos os outros

povos; e na intuição como passagem obrigatória para quem tem o rumo direcionado à

construção da nacionalidade. Esse caminho foi aberto por Bergson e pavimentado por

54 ARANHA, J. P. G., 1922, p.280-281. 55 grifo nosso. 56 FREYRE, G., 1968, p.23 e 27.

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autores como Farias Brito e Graça Aranha, e percorrido por Plínio Salgado como se

verá de agora em diante.

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4. Literatura e retórica

Apesar de se definir justamente pela multiplicidade de tendências, o modernismo

compreende também elementos comuns. Àquela variedade de perspectivas teóricas

somam-se, não só a solidariedade contextual, mas preocupações semelhantes. O

advento de uma inquietude estética, a estabilização de uma atitude de heterodoxia e a

conceituação crítica da própria arte, são elementos que permeavam os horizontes das

manifestações que tinham como objeto privilegiado a cultura. Os modernistas

partilhavam sentimentos e diretrizes uma vez que o momento histórico que viviam

parecia ser muito distinto dos que o antecederam no tempo, no sentido que a

dimensão de mudança não implicava apenas modos mais apropriados de expressão,

mas uma reflexão própria sobre o significado que isso acarretava. Por outro lado, não

se tratava de buscar uma maneira de inserção dos artistas-pensadores na sociedade: se

seria através da crítica social ou do compromisso com a construção do próprio campo

de atuação. Os intelectuais que viriam a ser chamados de modernistas, em primeiro

lugar, se depararam com uma situação, por assim dizer, duplamente “esquizofrênica”:

(a) a paisagem cultural européia estava, na passagem do século XIX para o XX, em

plena ebulição enquanto a classe artística brasileira vivia seu momento simbolista-

parnasiano; e (b) mesmo a par destas mudanças e ciente da realidade cultural do país

(quase que inteiramente alheia à movimentação dos salões da belle époque), a

intelectualidade nacional preferia se apegar a formas artísticas que não faziam mais

sentido nem em seus próprios berços europeus, que agora se encontravam em plenas

chamas. Para combater esta aparente insanidade, a dimensão do movimento

modernista brasileiro ganhou status de ruptura quando, na verdade, estava mais

próxima de uma atualização.

Neste sentido, o desenvolvimento da inserção brasileira na modernidade –

com o intuito de “acertar os ponteiros” – não poderia desprezar o exemplo das

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vanguardas européias que empreendiam uma luta sem tréguas contra o modelo

burguês de relacionamento entre arte e sociedade. É interessante notar que a

discussão da passagem do século não se limita à conscientização problemática do

campo artístico, mas extrapola as divisões formais no interior da sociedade (arte,

política, etc.), impelindo-a a se pronunciar sobre essa angústia que caracterizava

aquele ambiente intelectual e que constituía a reflexão das vanguardas.

Ora, essas correntes, que representavam o “estado de espírito universal”, de que os nossos modernistas começaram a se aproximar ainda antes de 22, não eram apenas a expressão de um renovamento, no rodízio das tendências que se sucedem. Exprimiram também uma ruptura, a partir da qual se instaurou o sentido da modernidade como situação problemática da própria arte, e assinalavam, concomitantemente, a estabilização de uma atitude de “heterodoxia e de oposição”.1

Esse desconforto que a moderna realidade burguesa provocara determinou a

reação e inspirou a transformação dos embates políticos contra uma modernidade

opressora e exploradora em contenda artística2. No Brasil, os revolucionários da arte

tentavam demolir um academicismo que até então orientava as produções nacionais,

alegando que isso nada tinha a ver com o país. Mas, será que era só esse o sentido do

argumento: alegar o “estrangeirismo” que permeava a vida artística acadêmica

tradicional? Como isto poderia fazer sentido, tendo em vista que havia uma clara

contribuição estrangeira ao debate de idéias no Brasil, e, ao mesmo tempo, a vida

academizante também era questionada do outro lado do oceano?3 Daí a relação da

origem desse questionamento e o contato dos intelectuais brasileiros com os

movimentos artísticos europeus, embora haja versões que preferem acreditar num

desenvolvimento nacional, interno – sendo o modernismo o ápice de maturidade

intelectual de anos de pensamento.4 Por outro lado, há as hipóteses cujas

1 NUNES, B., 1975, p.42. 2 Não convém entrar no debate sobre o que deu origem a quem, i.e., se a luta política contaminou a classe artística ou vice-versa. No entanto, nota-se que, no século XIX, era possível confundir vanguarda e radicalismo político (cf. HUYSSEN, 1996, p.23-24), revelando a fragilidade das divisões sociais mecanicamente orientadas. 3 Cf. CAHM, E., 1989. 4 Cf. ÁVILA, A., 1975.

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interpretações sugerem existir a influência de um determinismo quase mecânico das

vanguardas européias no nosso destino.5

Embora se reconheça o vigor da literatura nacional ainda no século XIX,

como, por exemplo, as peripécias peculiares das personagens machadianas, bem

como seus escritos sobre um “instinto de nacionalidade”6, e o papel da chamada

“geração de 1870” na crise do sistema imperial brasileiro7, a influência dos

movimentos oriundos das disputas políticas do final do século XIX na Europa – as

chamadas vanguardas históricas – tiveram papel fundamental (se não categórico, pelo

menos como um “pontapé inicial”) nos acontecimentos que mudaram a literatura e as

artes brasileiras na década de 1920. É claro que, como toda referência, a influência

que exerce não se limita à cópia ou adoção pura e simples das suas prerrogativas e

desdobramentos por parte de quem é influenciado, ao contrário: a apropriação urge

como fenômeno central na mímese, i.e., se a arte, ao estudar a “realidade”, sempre a

modifica, imagine as possibilidades envolvidas num processo caracterizado como

“influência” no que diz respeito às relações entre as produções artísticas.8 Desse

modo, mesmo idealizando suas realizações a partir dos exemplos além-mar, os

modernistas brasileiros estavam tête-à-tête com as questões nacionais, ou seja, a

contribuição das revoltas estrangeiras se deu no que diz respeito às necessidades

locais, como uma adaptação. É o caso, por exemplo, do futurismo:

A ênfase dada à ação e ao comportamento e não às realidades formais da vanguarda explica-se por um fenômeno já salientado antes: a arte moderna produzida no Brasil, pelo menos no caso das artes plásticas, é moderna numa acepção peculiar e local, mas não se pensada no âmbito das propostas européias. Se forem apresentadas as razões objetivas de tal fato, não se pode, contudo, desconhecer que a falta de uma sintonia mais profunda com os marcos fundamentais da modernidade investe não apenas a práxis, mas a própria reflexão artística. (...) Por outro lado, quando se analisam as peças críticas dos modernistas no começo dos anos 20, é impossível deixar de notar sua informação não raro confusa, eivada de erros conceituais, quando não permeadas de categorias acadêmicas.

5 Cf. CASTRO, S., 1979. 6 ASSIS, J. M. M., 1980. 7 Cf. ALONSO, A., 2002. 8 Sobre isso ver Caps.4 e 5 de Luiz Costa Lima (2000).

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O surpreendente nesse quadro de referências é que, apesar disso, os modernistas consigam estruturar uma ação de vanguarda, vazada no exemplo futurista, do qual se aceita a plataforma ativista, mas não a proposta estético-artística, radical demais para o grupo de São Paulo.9

As diferenças entre o Brasil e a Europa não só determinam a apreensão, pelo

primeiro, dos movimentos artísticos da última, como permite que seja selecionado no

interior da vanguarda aquilo que lhe interessa para a construção das ferramentas que

vão, simultaneamente, desconstruir o velho país e edificar a nova nação.

É desse modo que Fabris constrói a relação do futurismo com o grupo de São

Paulo. Embora, naquela época, o termo futurismo fosse um meio de ataque político

pejorativo entre os modernistas10, a autora percebe o papel fundamental

desempenhado pela corrente aqui no Brasil “como exemplo de ação e como

explicitação de uma modernidade positiva, enfeixada na imagem emblemática de São

Paulo”.11 Do futurismo, os modernistas não recolheram somente a sua “radicalidade

contestativa” para se munir diante da batalha contra séculos de convenção, mas

também adotaram uma perspectiva de que a nova arte engendraria uma dimensão

ativa, de renovação. Daí a importância do movimento de Marinetti para o estudo do

modernismo brasileiro, e mais especificamente para uma aproximação ao verde-

amarelismo.

9 FABRIS, A., 1994a, p.20-21. 10 A autora cita o episódio da polêmica entre Mário de Andrade e Menotti Del Picchia, por ocasião da publicação de O losango cáqui. Enquanto o primeiro questiona o valor modernista do segundo, este o acusa de ser futurista, como desmerecimento (FABRIS, 1994, p.268-269). 11 FABRIS, A., 1944, p.285.

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4.1. Plínio Salgado em verde-amarelo

Plínio Salgado viveu do meio-dia de 22 de janeiro de 1895 as primeiras horas

de 8 de dezembro de 1975. Iniciou a militância política por volta dos 18 anos ao

fundar o jornal Correio de São Bento na cidade onde nasceu (São Bento do Sapucaí,

interior de São Paulo – quase divisa com Minas Gerais); atividade esta que somente

terminaria com seu falecimento. Foi professor, inspetor escolar, agrimensor,

estudante de direito, jornalista, escritor, deputado estadual e deputado federal.12 Mas,

o período que interessa a este trabalho é o que compreende a sua vida entre 1920 e

1931, quando exerceu mais intensamente a atividade de escritor e teórico do

nacionalismo antes da fundação da Ação Integralista Brasileira em 1932.

A derrocada da primeira república, a industrialização, a estréia da atividade

comunista partidária e o tenentismo marcaram a década de 1920 no Brasil. No que diz

respeito à história cultural, as obras dos intelectuais que pensavam sobre a natureza

da brasilidade se referiam a essas transformações e se preocupavam em dar corpo à

originalidade enquanto se indagavam se ela realmente existia. O movimento

modernista, iniciado oficialmente em 1922, caminhava de um momento deflagrador e

combativo para um contexto de edificação, para uma situação em que não havia

questão proposta sem uma indagação sobre a nacionalidade.

O início do século, ou mais precisamente, os anos 20 caracterizaram-se por

uma estreita cooperação entre os campos da arte e da política, assim como entre o

jornalismo e a literatura13. Nas redações dos jornais figuravam também homens de

12 Cf. LOUREIRO, M. A. S., 2000. 13 Escrevendo sobre sua estada no Correio Paulistano, Plínio Salgado aborda o tema: “A nota política Menotti levava para o salão, onde lia para os ouvidos argutos do sr. Washington Luís. Mas a paixão do autor de Juca Mulato era a literatura. Seu verbo ardente enchia a redação principalmente nas ocasiões das polêmicas em que terçava armas ágeis e irrequietas”. LOUREIRO, M. A. S., 2000, p.134-140.

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letras ao mesmo tempo em que a crônica se firmava como literatura. Dos autores

modernistas, muitos já haviam trabalhado em jornal, inclusive Plínio Salgado.

Logo depois, minha entrada para a redação do Correio Paulistano, onde já se encontravam Menotti Del Picchia e Plínio Salgado, me tornou um modernista convicto e até um teórico do movimento, em artigos e estudos que deram a consciência de que a reforma literária era inadiável, imprescindível.14

O também verde-amarelo Cassiano Ricardo, além de Menotti Del Picchia, era

um dos companheiros de Salgado no Correio Paulistano – órgão de comunicação

oficial do Partido Republicano Paulista –, jornal no qual Plínio entrara como redator

numa circunstancial ausência de Menotti, que oficialmente ocupava esta posição.15 A

amizade entre os três produziu um livro – na verdade, uma coletânea de artigos – que

marcou seu posicionamento dentro do movimento modernista: O curupira e o carão

(1927) reúne textos sobre brasilidade, arte e política publicados em revistas e jornais,

inclusive no Correio Paulistano, na primeira metade da década.

Foi durante essa mesma época que o autor escreveu e publicou O estrangeiro.

Segundo Loureiro, a inspiração para o livro nasceu de uma viagem que Plínio

Salgado fizera poucos anos antes ao oeste paulista. Esta empreitada lhe impressionara

e fizera-o refletir sobre a vida interiorana em sua simplicidade e firmeza.16 O cerne do

texto é a situação em que um estrangeiro vive por estar longe da terra a qual pertence:

se tentar se adaptar ao novo contexto, falhará, porque a diferença é invariavelmente

marcada e essencial; se exercer sua especificidade, distinguindo-se do ambiente em

que vive, este é que o expulsará pela exibição da inadequação de sua vida em relação

ao meio. Em ambos os casos, há a crítica declarada ao modo de vida europeu e a

como este afetava a realidade brasileira.

14 RICARDO, C., 1970, p.34-35. 15 Cf. LOUREIRO, M. A. S., 2000, p.117. 16 Ibid., p.122.

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As transformações sócio-econômicas do após-guerra provocaram em Salgado uma atitude crítica face ao desenvolvimento industrial e suas conseqüências. Ele denuncia o “instinto da máquina”, o “mal urbano”, a “luta de classes”, o “cosmopolitismo”.17

As características acima citadas eram interpretadas como desumanizadoras. O

problema em questão era atingir a universalidade através da nacionalidade, e o que o

Brasil vivia era uma tentativa de encurtar esse caminho, ou seja, um atalho que no

fundo se revelava como prejudicial à construção da nacionalidade. Para se chegar ao

estágio da nação erigida era necessária a integração do homem com o meio. Neste

sentido, são notáveis as viagens realizadas tanto por Plínio, quanto por suas

personagens ao interior do Brasil, que, segundo o autor, estaria ainda imaculado da

agitação externa.

Antes de escrever seu segundo livro, Salgado reuniu seus escritos – entre

artigos, resenhas e prefácios – num volume intitulado Literatura e política (1927). O

livro situa a produção intelectual da época à luz dos dilemas político-teóricos de

então, convidando os escritores brasileiros a saírem das academias e se engajarem na

política porque a entende como uma necessidade. Isto é, não é somente com boa

literatura que se destrói a má, mas com denúncia e militância. O próprio autor, neste

momento, se entregara diretamente à vida política: em fevereiro de 1928, foi eleito o

deputado mais votado de São Paulo pela legenda do Partido Republicano Paulista, o

PRP.

O ano de 1930 marcou a vida de Salgado pela viagem que fez ao estrangeiro.

De abril a novembro, patrocinado pelo escritório em que trabalhava, o autor passou

pelo Oriente Médio, Turquia, Paris, Roma e Milão18, e foi neste período que escreveu

O esperado, seu segundo romance, publicado no ano seguinte. Como uma crítica à

condição adotada pelo Brasil de seguidor da Europa, o livro enumera os males

urbanos, entendidos como construtores de uma miséria do homem, e anuncia as

conseqüências do desastre que figurava no futuro: o caminhar sem rumo. O ataque ao

novo modo de vida que, segundo ele, assolava o país é visível também nas

interpretações sobre a obra:

17 TRINDADE, H., 1979, p.49. 18 Cf. LOUREIRO, M. A. S., 2000, p.159-163.

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O Esperado é, antes de tudo, um gordo conjunto de figuras urbanas, que explicitam as mil faces do drama e da angústia da metrópole. Um painel social que verdadeiramente assume os contornos de um listão de roupa suja.19

Como não tem nenhuma figura central – como a de Ivã em O estrangeiro – o

livro se foca na construção de um devir histórico à nação que não cumprir os

preceitos do autor: todas as personagens acabam reféns de suas próprias escolhas

equivocadas. Assim, o preceito modernista do autor vai sendo aos poucos explicitado.

A reflexão de Plínio Salgado atravessa todo o conjunto dos escritos

produzidos nesta década. Uma combinação entre a avaliação do contexto

internacional e da realidade brasileira, e a projeção de possíveis alternativas para a

construção da nacionalidade constitui o corpus do pensamento modernista do autor

verde-amarelo. É neste contexto que ele se situa frente ao futurismo. Em 1927,

Salgado, ao escrever sobre o conceito de arte, liga-o à imposição do ritmo de cada

época, criticando o futurismo na sua inabilidade em desvendar este equilíbrio:

Ora, nós estamos por descobrir o rythmo da nossa éra. Sabemol-o diverso da de hontem, mas nenhuma philosophia de arte o pôde apprehender integralmente. O futurismo de Marinetti submette a progressão artistica a relações demasiadamente fraccionadas. A prova mais evidente é que não atingiu a uma forma de comprehensibilidade, mesmo para os espiritos de elite: não se ajustou a exacta eurythmia da vida contemporanea. Elle marcou, apenas, a morte de uma época artistica.20

Plínio Salgado denuncia que o radicalismo de Marinetti frente à concepção

estática que tinha do seu próprio tempo o levou a se precipitar na execução da forma,

desvirtuando a “naturalidade” do fenômeno artístico. Ou seja, se havia algo a se

admirar na atitude do italiano era o seu ímpeto, sua coragem política de impugnar o

passado ainda presente, porque caracterizava uma decisão política, uma tomada de

posição frente ao contexto artístico predominante da época que se queria pôr abaixo.

19 CHASIN, J., 1999, p.255. 20 SALGADO, P. et al., 1927, p.101-102.

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Essa versão sobre relação de Plínio Salgado com o futurismo é confirmada

num texto de mais de setenta anos depois, escrito por sua filha, sob a forma de

biografia:

Antes da realização da Semana [de Arte Moderna de 1922], Plínio Salgado era parnasiano e sua adesão ao futurismo deveu-se à pregação contínua de Menotti Del Picchia, que escreveu uma crônica no Correio Paulistano para saudar a entrada do amigo na nova corrente literária. (...) Plínio Salgado rendeu-se ao futurismo, mas advertindo ao amigo que jamais entraria nessa “onda de exotismo vesânico, maluco, estrambótico que tem alucinado certos escritores”, ao que Menotti o tranquilizou dizendo que o seu futurismo nunca passara do “equilíbrio sadio” e que só era uma “revolta contra a velharia acadêmica”.21

A idéia de que o futurismo serviu aos verde-amarelistas como ferramenta

também é objeto de Menotti Del Picchia, no ensaio Arte moderna:

...a nossa esthetica é de reação. Como tal, é guerreira. O termo futurista, com que erradamente a etiquetaram, aceitamol-o porque era um cartel de desafio. Na geleira de mármore de Carrara do parnazianismo dominante, a ponta agressiva dessa prôa verbal estilhaçava como um aríete. Não somos, nem nunca fomos "futuristas". Eu, pessoalmente, abomino o dogmatismo e a liturgia da escola de Marinetti. Seu chefe é, para nós, um precursor illuminado, que veneramos como um general da grande batalha da reforma, que alarga seu "front" em todo o mundo".22

Entretanto, a relação particular que esse grupo modernista estabelece com os

princípios da vanguarda de Marinetti (ou seja, se apropria da sua dimensão de

contestação, mas ao mesmo tempo em que nega a ampliação generalizada desse

instrumento23) constitui um indício fundamental para o entendimento da concepção

de literatura de Salgado.

Como a idéia de revolução literária de Plínio Salgado está atrelada a um

exame interior (para que o homem possa perceber a sua própria natureza – aquilo que

perdura no tempo a despeito das mudanças), a crítica que o autor faz da concepção de

transformação proposta pelo futurismo revela a sua noção teleológica de revolução.

21 LOUREIRO, M. A. S., 2000, p.121. 22 SALGADO, P. et al., 1927, p.20. 23 A conseqüência dessa ampliação já foi citada anteriormente: o fracionamento demasiado da progressão artística compromete a apreensão da arte. Cf. SALGADO, P. et al., 1927.

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Salgado transforma “em ato isolado e previsível toda postura rebelde, necessária

enquanto revelação de novas formas de expressão, que [ele] atrela a um projeto mais

vasto que aspira à perfeição espiritual”.24 A revolução seria uma mera etapa do

caminho a percorrer e seus objetivos não implicariam uma reflexão sobre as

alternativas “postas à frente”. A revolução significa mutação da percepção, tornando-

a mais acurada para ser capaz de identificar o papel do homem na sociedade, em

nenhum momento objetiva transformar a estrutura social25. O modelo social

permaneceria e, ao contrário, a dimensão política da revolução social era naquele

momento identificada ao ideário comunista, identificado a sempre ameaça do “perigo

vermelho”.26

No entanto, isso não quer dizer que o movimento verde-amarelo se construíra

de modo alheio às discussões políticas. Não. Essa aliança (literatura-política) se

realizava num outro plano que, segundo eles, era superior às disputas partidárias: a

grande coragem política era questionar a posição imparcial almejada por “alguns

modernistas”27, e assumir a parcialidade do pensamento intuitivo (brasileiro) frente ao

modelo analítico (europeu). Arte – ou literatura – e política se unem num nível mais

profundo que as querelas cotidianas. Para outro autor verde-amarelo, Candido Motta

Filho, a arte

...deixaria de ser um caprichoso subjetivismo para interferir na própria organização da sociedade. Procurando desfazer a tradicional idéia da incompatibilidade entre a arte e a política, Cândido Motta Filho observa que ambas se voltam para o ser humano. A primeira se dirige para a expressão e a segunda, para o exercício da conduta. Além do mais, argumenta, a política não é destituída de raízes metafísicas conforme a concebiam os positivistas, na medida em que trata da questão do destino.

24 FABRIS, A., 1944, p.270. 25 Após fundar o integralismo, Plínio Salgado menciona mudanças que almejariam uma homogeneização social. Cf. TRINDADE, H., 1979; ARAÚJO, R. B., 1987. No entanto, este processo propunha uma união espiritual (em torno do modelo de homem integral), ao invés de uma mudança “real” da sociedade. 26 Cf. MOTTA, 2002. 27 Plínio Salgado, Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia, em O curupira e o carão, elaboram forte crítica ao chamado lado técnico do modernismo. O confronto das versões já foi objeto desta dissertação.

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A arte, por seu turno, também tem sua fase pragmática, pois só através do sonho é possível projetar e dar margem à realização.28

É este também o argumento de Graça Aranha29: fazer política não significa se

distanciar da reflexão metafísica, i.e., não é apenas uma atividade técnico-pragmática,

a luta política também se dá no âmbito da própria metafísica. Ou seja, o que está em

questão acerca do posicionamento político não é se este ou aquele autor é pró-

governo ou oposicionista, mas se, como intelectual brasileiro, está comprometido

com a alteração dos mecanismos de produção (e percepção) da cultura nacional, o

que – segundo os verde-amarelos afirmavam – não era possível através da técnica ou

argumentação analítica.

O movimento verde-amarelo, fundado com a publicação do primeiro romance

de Salgado, em 1926, depois de dois anos, passou a ser chamar anta – totem da raça

tupi. Mas a sua essência não se alterara, a mudança era, segundo o próprio Plínio, um

produto das definições dos grupos modernistas entre aqueles que insistiam em aplicar

as soluções dos movimentos europeus ao contexto brasileiro (como Mario e Oswald

de Andrade) e os próprios integrantes do movimento da anta, adversos ao tecnicismo

e erudição. Nas palavras do Plínio Salgado:

Consideramos, além do mais, que “há muita técnica” na arte nova, o que a torna, em sentido e inteligência, “identificada com a arte velha”. Verificamos que a “processualização do estilo” representa “ciclo final”, e não elaboração criadora. Donde concluímos que a Arte Nova envelheceu muito depressa e a sua decrepitude exige sucessora. Tudo isso nos sugeriu um movimento de rebeldia aos “novo academizantes” e a destruição dos falsos ídolos.30

Essa versão para a modernidade brasileira, que interpreta uma parte do próprio

movimento modernista como perpetuadora dos modos culturais europeus, implica

uma série de conseqüências que colocarão Plínio e seu grupo, enquanto intérpretes e

28 VELLOSO, M., 1990, p.22-23. 29 Cf. Cap. 3, item 3.3, deste trabalho. 30 SALGADO, P., 1928, p.286-7.

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elaboradores da cultura nacional, num lugar muito específico. O saldo dos conceitos

de revolução literária e renovação intelectual abre a possibilidade de se interpretar a

literatura verde-amarela como mais próxima de uma tradição clássica da retórica do

que como, efetivamente, integrante de um movimento de renovação cultural – ou,

porque não, de ambos? Para esta possibilidade é que se encaminham agora os

argumentos.

4.2. Discurso literário e ambientação retórica

Referências às “fatalidades cósmicas” são comuns nos romances de Salgado.31

As fatalidades são condições nas quais o homem está inserido independentemente de

sua vontade, agindo mesmo que ele não as leve em conta. Elas fazem parte das

determinações que direcionam a vida dos homens. Lutar contra essa condição ou

ignorá-la – como, por exemplo, se cada homem vivesse como se fosse senhor de seu

próprio caminho – é o mesmo que se desvirtuar da própria existência. Trilhar um

rumo que não seja o próprio é tema de O estrangeiro (vide a personagem de Ivã) e de

O esperado (neste caso o Brasil é a própria personagem), onde se estabelece um

pensamento formulador de uma “naturalização das condições históricas”. Isto é, o

movimento histórico independe das ações humanas, assim o melhor que o homem

poderia fazer é constatá-lo e, logo em seguida, aceitar a crueza desse fato. Essa

concepção de realidade pode ser aproximada do contexto conceitual da retórica

clássica, permitindo um entendimento particular das bases em que se estrutura o

argumento de Plínio Salgado.

31 Id., 1926 e 1931.

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A origem da retórica é normalmente atribuída ao século V a.C., como gênero

judicial para resolver questões sobre a posse de terras no período da tirania na

Grécia.32 No entanto, ela só aparece sistematicamente com os sofistas, a partir da

noção de doxa (opinião), de Parmênides; ou seja, “a retórica encontra a sua razão de

ser unicamente onde for posta em dúvida a existência de uma verdade como dado

externo à comunicação entre os homens, à livre troca e confronte de opiniões, que

não pode deixar de dar-se através do instrumento verbal”.33 Mas, ainda assim, a

retórica sofista não pressupunha instrumentos externos à própria lógica do discurso

para o processo de convencimento, a sua vital importância estava em “tornar superior

o discurso (ou a razão) inferior”34, i.e., seus mecanismos eram sobretudo formais.

É somente em Aristóteles que o contexto, de algum modo, se impõe ao

funcionamento da retórica. Segundo Renato Barilli:

...Aristóteles está perfeitamente consciente do estatuto ambíguo da retórica, oscilante entre a forma e o conteúdo, entre a arte e a ciência, a teoria e prática. Disciplina formal como a dialética e a analítica, porque tem o seu campo de ação no discurso, no material verbal; mas, por outro lado, forçada também a valer-se dos conteúdos psicológicos, éticos, políticos. Arte, pelo seu caráter de habilidade geral não ligada a setores particulares e técnicas operativas, mas também ciência, precisamente porque necessita de uma determinada bagagem de noções, de conhecimentos efetivos. E, por fim, atividade teórica, porque inscrita todavia no corpo logístico, mas também prática, porque agitadora de multidões que arrasta para a ação.35

A retórica clássica requeria uma atenção à realidade vivida por seus

debatedores, na medida em que não era o próprio discurso que guardava a principal

função, através da sua estrutura, ou seus argumentos pautados no bem dizer e na

ênfase; mas na construção do discurso necessitava-se de um argumento factível, i.e.,

que estivesse baseado no contexto. O discurso retórico não tem valor em si, mas

sobretudo no que diz respeito a uma interpretação da realidade que a concebesse, de

uma tal maneira que todo um esforço fosse empregado para que ela fizesse sentido ao

32 Cf. BARILLI, 1979, p.13. 33 Ibid., p.14. 34 Ibidem. 35 Ibid., p.24.

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interlocutor. Mas como esta concepção afetaria a visão de mundo do pensador verde-

amarelo, mais de dois mil anos depois? É necessário expor, nem que seja de maneira

breve, um pouco da história da retórica.

David E. Welbery, ao analisar a forma da retórica nos tempos modernos, se

refere à maneira como findou seu homônimo clássico:

A hegemonia cultural da retórica como prática do discurso, como doutrina que codifica essa prática e como veículo da memória cultural, está fundamentada nas estruturas sociais do mundo pré-moderno. Concebida em seus termos mais amplos, a deposição da retórica coincide com aquele longo e árduo processo histórico que é frequentemente chamado de modernização: a substituição de uma organização simbólico-religiosa da vida social e cultural por formas racionalizadas, a mudança gradual de uma estratificação diferenciada para uma sociedade que opera ao longo de eixos funcionais.36

Há incompatibilidade entre a sociedade moderna e a prática retórica do

discurso. A estratificação, a definição das camadas, a plena visibilidade das posições

dos indivíduos na sociedade são condições indispensáveis para a preeminência da

qualidade retórica do discurso. Na falta de ambiente propício na contemporaneidade,

a retórica assume novo corpo – definida por Wellbery como retoricidade. No entanto,

as assertivas de Plínio Salgado não podem ser classificadas como formas de

retoricidade porque este novo conceito, como o próprio crítico norte-americano diz,

está subjacente aos discursos contemporâneos, em geral referidos a formas

racionalizadas de estruturação. A retoricidade não é uma “retórica disfarçada”, mas

realmente faz parte das novas condições sociais e da linguagem.37 Já a literatura de

Plínio Salgado fornece elementos para o seu entendimento através da retórica dos

arquétipos clássicos, i.e., como discurso que se constrói a partir de uma sociedade

hierarquizada38, e valoriza o caráter oral – ou seja, não funcional – da fala ou do texto

36 WELLBERY, D., 1998, p.15. 37 Ibid., p.31-32. 38 Isto não quer dizer, entretanto, que Plínio Salgado apregoe deliberadamente a hegemonia de um grupo social sobre o outro. Todo o movimento da reflexão do autor se dirige à compreensão e, logo em seguida, à adaptação ao meio em que se vive. Neste sentido, a hierarquia social herdada é parte deste meio, e não um obstáculo à construção da nacionalidade. A transformação proposta pelo autor verde-amarelo é de ordem interna, norteada pelos valores espirituais enfatizados por Farias Brito. É deste modo que se deve compreender, por exemplo, a crítica que Plínio Salgado faz à criação de uma língua

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escrito. Entenda-se: a mensagem passada é que deve ser valorizada, não as

possibilidades oriundas de sua enunciação. Assim, a reflexão de Salgado elabora uma

visão objetiva do mundo, desprezando as interpretações que o enxergam à maneira de

um edifício subjetivo.

Plínio Salgado vai além do apego ao estilo de vida da pré-modernidade, ele

critica a modernização trazida da Europa em duas frentes: (a) como modernista,

repudia as formas “estrangeirizadas” que afetaram a literatura e sociedade nacionais;

(b) mas, principalmente, como verde-amarelo, censura as conseqüências oriundas das

influências externas, i.e., além do modelo europeizado da cultura brasileira, a crítica

se direciona à própria mudança do meio físico (expansão das cidades) e social

(relações de trabalho impessoais, características da urbe, agora afetavam também a

vida interiorana).39

Escrito em meados dos anos 20, O estrangeiro (publicado em 1926) é o

primeiro e também o mais bem sucedido romance de Plínio Salgado.40 Trata da

trajetória do moscovita Ivanovich Ivanoff, ou simplesmente Ivã, que chegara ao

Brasil – passando antes por Gênova – em fuga da revolução que “assolava” seu país.

Instala-se em Mandaguari (SP), na residência de uns italianos (os Mondolfis) que

vieram trabalhar na lavoura cafeeira mas logo se tornam proprietários de terras. Lá

conhece o professor Juvêncio de Ulhoa e, a partir de longas conversas sobre os mais

diversos assuntos (adaptação, nacionalidade, universalidade do homem,

determinações da terra, etc.), se tornam amigos, criando assim o único laço que o

faria voltar algumas vezes ao interior do estado. Não se adapta àquela vida e arrisca-

se numa sociedade com um fazendeiro decadente (“coronel” Arquimedes Pantojo),

montando juntos uma indústria em São Paulo. O enredo gira em torno dos

questionamentos do russo sobre sua inadaptação que parecia não cessar mesmo com a

mudança de ambientes, e do otimismo do professor Juvêncio, ainda quando percebe a

presença do fator europeu (como a sociedade italiana “Dante Alighieri”) que crescia

como se fosse algo da mesma ordem que a adoção de um estilo: “O fim da Arte não é criar línguas. A Arte não tem outra finalidade senão a de interpretar o universo e a vida”. SALGADO, P., 1926a, p.46. 39 Cf. SALGADO, P., 1926, p.36-45. 40 Cf. SALGADO, P., 1926, prefácio à 2 ed.

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cada vez mais na sociedade brasileira. A punição para o primeiro é o suicídio, tão

equivocado quanto as idéias formais das quais se valia para analisar sua presença em

terras brasileiras, enquanto que o destino do segundo é se aproximar cada vez mais do

hinterland à procura daquilo que o definia.

Este trabalho não tem a intenção de analisar a dimensão ficcional da obra do

autor verde-amarelo, nem tampouco considerar seus escritos literários como meros

documentos onde se confirma aquelas idéias já presentes nos ensaios. O objetivo aqui

é examinar como Plínio Salgado elabora sua visão de mundo, bem como um projeto

para o Brasil. Os romances são textos muito fecundos neste sentido, porque o autor

constrói o caminho de cada personagem explicitando aquela noção de ambientação da

retórica nos seus moldes clássicos, i.e., todo o tempo há uma repetição enfática de

suas idéias como se a sua concretização fosse inevitável; e ainda: as personagens que

captam intuitivamente o sentido da pátria vão, constantemente, expôr essa

“constatação” aos que não a compreendem, num claro esforço de convencimento

destes últimos a partir dos indícios da fatalidade que se configurava. É neste sentido

que a noção de retórica auxilia a compreensão deste contexto intelectual,

protagonizado por Plínio Salgado.

É interessante tentar evitar eventuais confusões acerca do significado do

sentimento de fatalidade, porque senão pode-se interpretar o argumento de Plínio

Salgado à maneira, por exemplo, da tragédia em Euclides da Cunha. Embora seja

possível em alguns pontos uma aproximação, as relações entre o “homem” e a “terra”

n’ Os sertões e nos romances do autor verde-amarelo são distintas41. Em O

estrangeiro, Plínio Salgado especifica o que seria a presença inexorável da terra no

sentimento do homem:

Tem-se a conta de tristeza o que é uma relação de extensões. O brasileiro sente a imensidade da sua terra e a sua toada é amargurada por se constituir de compassos longos. Toma-se como causa o que não passa de uma conseqüência.42

41 Luiz Costa Lima, citando Antonio Candido, marca a diferença entre o elemento trágico – presente em Euclides – no seu sentido clássico, i.e., agônico, e a relação determinista que compõe, por exemplo, a visão de Ratzel. Cf. LIMA, L. C., 1984, p.236-241. O autor alemão será mencionado mais adiante. 42 SALGADO, P., 1926, p.58.

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A determinação não é mecânica, mas também não deixa de ser simples. O

raciocínio “a terra afeta o homem, e este se sente oprimido por estar participando de

uma luta desigual” reduz a interpretação do autor. O problema não está na luta,

segundo ele, esta já se encontra resolvida (não há como fugir da determinação), mas

reside na dificuldade em aceitar esta relação, que não é de opressão, e sim de

extensão. Os desdobramentos desse fato (como a inadaptação no caso da personagem

de Ivã, ou a busca incessante do hinterland pela de Juvêncio) são apenas

consequências inevitáveis, diria o autor. Quem não percebe e segue este rumo,

fatalmente está condenado ao desvirtuamento.

É desse modo que, para o Plínio Salgado, a modernidade brasileira, para

efetivamente ser distinta da européia, deveria ser construída longe dos pressupostos

que orientaram o fenômeno no velho continente, como o pensamento racional e a

subjetividade. E foi justamente no período histórico compreendido entre o

Iluminismo e o Romantismo que foram criadas as “condições de impossibilidade” da

existência efetiva da retórica nos seus moldes clássicos.

Onde se alcançam essas condições [de impossibilidade], a retórica só pode ocupar o lugar de uma memória, uma prática anacrônica e ritualizada ou uma empoeirada especialização acadêmica. Uma vez que ela se dissocia tanto da produção cultural quanto das formas mais avançadas de investigação, associam-se ao seu nome falsidade, academicismo vazio e artificialismo. E foi isto que o Iluminismo e o Romantismo realizaram: alteraram as condições da ação discursiva ao longo das cinco tendências aqui listadas e assim tornaram irrelevante a tradição retórica que durante séculos tinha sido a matriz organizadora da comunicação na Europa.43

A literatura de Plínio Salgado constitui-se como uma visão edificada dentro

estruturas sociais combatidas pela modernização e desenvolve-se através de

categorias estranhas (como a intuição) à racionalidade iluminista ou à sistemática do

pensamento científico que conceberam o mundo como cada vez mais norteado pelos

eixos funcionais. Tal como a retórica clássica, pressupõe a representação de papéis

muito bem definidos, ou seja, implica o exercício da divisão social.44 No seu conceito

43 WELLBERY, D., 1998, p.29. 44 Ver a explicação da nota 38.

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de revolução não há espaço para a combustão social. Ao contrário, se tal fenômeno

fosse concretizado, sua literatura perderia a motivação de ser.

Embora Salgado tenha afirmado claramente as prerrogativas para se exercer a

originalidade nacional (aceitando as condições naturais45 em que o Brasil foi

formado), uma questão permanece: o que seria essa nacionalidade e como atingi-la?

Para Cassiano Ricardo, por exemplo, a nacionalidade não era uma questão a

ser debatida, mas uma necessidade.46 Diz o autor que, para se encontrar a

originalidade e, assim, a nacionalidade, “enveredamos pelo país a dentro”.47 A

pergunta deve ser: o que nos é peculiar se nossa formação intelectual é estrangeira? A

nossa terra, o ambiente em que vivemos. Menotti Del Picchia compartilha da mesma

visão de método: ir ao interior para inclusive resgatar a seiva nativa, ofuscada pelo

compasso formal europeu: “A empresa era audaciosa. Retomar o rythmo nativo e

bárbaro, repristinando o prestigio das cousas nossas, a uma geração acalentada pela

melosa cadencia das formulas gaulezas, requeria uma coragem heróica de Henrique

Dias e Camarão! (...) Somente a arrancada indígena, a grita destrembelhada de uma

tribu selvagem allucinada e violenta reduziria a cacos o castello feudal parnasiano”.48

Estar em contato com a natureza do Brasil era condição para a formação do próprio

país e o único meio de assegurar que não se repetissem os erros oriundos das

situações anteriores, norteadas pelos moldes externos.

A princípio, em Plínio Salgado, não era diferente. Criada em 1926, uma das

suas personagens principais, o professor Juvêncio de Ulhoa, ao se sentir estrangeiro

em sua própria terra – a cidade de São Paulo – segue para o interior:

Em São Paulo, a sua condição modesta, o seu temperamento insociável, ilharam-no, no meio obscuro. Incorrera no desagrado dos velhos, que montavam guarda a forma clássica a as “idéias equilibradas”, como dizia o critico Segismundo Pancho, num dos seus discursos magistrais.

45 Dentre essas condições naturais está o movimento histórico, sempre determinado pelas “fatalidades cósmicas”. 46 SALGADO, P. et al., 1927, p.43-56. 47 Ibid., p.48. 48 Ibid., p.60.

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Banindo do espírito as veleidades literárias, mergulhando na vida prosaica do interior, ateou um novo fogo no seu coração. Ouviu o apelo do seu sangue a voz da sua terra.49 Imaginou trabalhar, – modesto mestre-escola –, pela criação da Pátria Integral, com sua consciência própria, sua aspiração, seu tipo definido.50

Note-se que ir ao interior para estar em contato direto com a terra, destruindo

qualquer mediação entre o homem e ambiente, não se confunde com uma postura

reflexiva51. A busca não é do próprio eu, mas da determinação que todos os “eus”

têm; estabelecer um contato imediato com a natureza sem ser por meio da

contemplação – essa é a premissa salgadiana. O contato imediato é inviável sob o

ponto de vista da dinâmica da cidade. Este é o sentido da crítica ao cosmopolitismo.

O urbanismo (...) é a morte da nacionalidade. Porque é a morte do homem transformado em títere cosmopolita. O homem degrada-se em contato com o homem; só a íntima correspondência com a Natureza o eleva da condição de símio.52

Contudo, uma questão permanece: como concretizar esse contato? A resposta

remete à faculdade humana que foge simultaneamente das generalizações formais e

sistematizações da razão: a intuição.

No segundo romance de Plínio Salgado não há personagem central. A trama

focaliza uma angústia não-definida que atormenta os habitantes das grandes

metrópoles brasileiras (em alguns momentos o autor dá a entender que o fenômeno é

universal). Em O esperado (1931), o protagonista é a sociedade brasileira. Mas, há

uma determinada passagem – ambientada em uma das inúmeras reuniões que

acontecem no “Clube Talvez”53 – que define bem o espírito e a dinâmica das

49 grifo nosso. 50 SALGADO, P., 1926, p.123. 51 Eduardo Jardim de Moraes chama a atenção para as posturas modernistas que desprezam as “formas reflexivas de abordagem da realidade” (1978, p.12). 52 SALGADO, P., 1926, p.326. 53 Sem ignorar o trocadilho que tal nomenclatura confere ao local de encontro, o nome do clube em que acontecia a maior parte dos diálogos do livro é oriundo da seguinte situação: “O ‘Clube Talvez’ nasceu com o nome pomposo de ‘Clube Nacional dos Torneios Esportivos’. Pretexto: reunião de amadores. Finalidade: o barato do jaburu. Uma noite a policia deu em cima e rodou escada abaixo com fichas e roletas. Ficou lá em cima, nas saletas desertas de faróis e otários, o pôquer choramingando de tostão, com as lamentações do Gavião e do Arruda e a mesa de bilhar de interjeições estaladas e

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principais personagens do livro, no sentido que expõe sinteticamente o quadro maior

de divisão das visões de mundo apresentadas durante o enredo. O trecho não é curto,

mas vale a pena reproduzi-lo:

O Clube Talvez agitava-se em discussões numerosas nas noites preocupadas. Ressoavam, entre as cinco saletas (...), as vozes confusas, díspares, de todas as cidades aflitas da área dos oito milhões de quilômetros quadrados que os artigos e discursos transportavam das lições de geografia e poemas líricos... O poeta Américo (o das poesias da Terra e das epopéias dos Heróis) andava compondo o drama do seringueiro, sem nunca ter ido ao Amazonas, sem nunca ter sentido os pequeno episódios da vida do seringueiro. (...). Ele dizia, com um sentimento exato de unidade espiritual, quando Mano [o comunista] expunha as consequências sociais das grandes concessões a companhias e sindicatos americanos, na bacia do Amazonas: – O brasileiro é uno e indivisível. A eucaristia do sangue no tumulto difuso das terras. Nas grandes Capitais, temos o drama complexo, tecido com os elementos de todos os pequenos dramas. Nós somos como um caramujo, onde cantam as vozes em conflito do mar. (...). Marcos [o representante comercial com capacidade de generalização] era a capacidade de reunir, sem objetivo de direção. Era, possivelmente, a verdadeira força agremiativa dos frequentadores do Clube Talvez. (...). Porque Marcos era simplesmente o esplendor da sedução pessoal. [Mas] faltava-lha a centelha espiritual de Evangelino Tupã [o pesquisador intuitivo da música nacional], como faltava a este a capacidade de conciliar e comandar. E nenhum dos dois tinha o sentimento do “real imediato”, de Edmundo [o então delegado transtornado com as atitudes que deveria tomar em sua função], nem o sentido técnico de Mano e Manfredo [outro comunista], os metafísicos do “materialismo histórico”... Marcos era a constância da fascinação superficial...54

Os mais diversos tipos que Plínio Salgado cria, são sempre definidos em

termos da falta de alguma coisa – para cada um deles há uma ausência diferente. São

expressões de um vácuo de integridade, e, assim, documentos “vivos” da

surriadas nhec-nhec dos tacos gizados. (...). A policia não poderia suspeitar que ali discutiam os comensais os problemas da humanidade e da nacionalidade, expendendo idéias avançadas, às vezes subversivas. Era, para todos os efeitos, um pequeno Clube, que seria, na pior das hipóteses, um inofensivo antro de jôgo. Um puxa-outro, puxa-outro, e formou-se um grupo heterogêneo de estudantes, operários, pintores, músicos, jornalistas, pequenos funcionários, comerciantes e industriais que liam livros. Decantações automáticas de espíritos foram depurando, sem quebrar a disparidade tumultuaria, chocante, o meio confuso agitado nas quatro saletas. - O clube acaba, seu Gavião? - Talvez. - A geringonça fecha, seu Arruda? - Talvez. E o Clube ficou batizado”. SALGADO, P., 1931, p.65-66. 54 Ibid., p.303-305.

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modernidade. Por mais que o autor valorize aspectos particulares (como a intuição,

em Evangelino Tupã; a sensibilidade de Edmundo Milhomens; ou a síntese de

Marcos), logo em seguida ele aponta para a incompletude da situação vivida por eles,

e que os caracteriza.

A intuição surge também como solução de maneira mais específica no texto.

Como, por exemplo, no episódio em que Salgado descreve o encontro de Edmundo

Milhomens (nome sugestivo para a personagem principal, que, ao longo do livro, vai

apreendendo as características dos vários tipos humanos nacionais e, assim, se

constituindo como síntese) com a filha do senador Avelino Prazeres, Nina. Após a

conversa que gira em torno dos sentimentos humanos, como o otimismo (marca de

Nina observada por Edmundo), o narrador, descrevendo as filhas do político, destaca-

a: “Nina, porém, era mais humana, iluminada de intuições”.55 Edmundo, após esse

episódio em que conhece e se encanta com Nina, muda sua maneira de ver os

problemas que afligem São Paulo e que ninguém, até o momento, conseguira

desvendar, e se aproxima do modo de operar de Evagelino Tupã, o músico que

pesquisa de maneira peculiar a alma brasileira: intuitivamente, sentava-se ao piano e,

ao tocá-lo sentia as aflições e virtudes do povo no contato direto com a música.56 O

músico definia as angústias vividas pelos brasileiros como oriundas do “atrito sob os

impositivos de fenômenos universais”57, e sentia a causa das aflições no “afastamento

do homem das forças elementares dos agentes obscuros da natureza e do espírito”.58

A única maneira de se constituir a nacionalidade legítima, verdadeira, era estar em

contato não-mediado com a terra e operar a intuição.

A intuição é a faculdade que possibilita a apreensão da alma brasileira em seus traços psicológicos mais profundos. Ela é assistemática. Não admite afinidades com a visão que a ciência apresenta da realidade. Ao invés de uma perspectiva parcelada, a intuição nos oferece uma apreensão sintética do real, sintética e imediata. Sem o intermediário das categorias que estão em jogo na lógica do discurso científico. (...) E

55 Ibid., p.104. 56 Ibid., p.335-337. 57 Ibid., p.336. 58 Ibid., p.335.

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como se o objeto que se visa apreender não se prestasse a uma abordagem analítica, ou até mesmo pudesse ser empobrecido se analisado sob este prisma59.60

Moraes explica que a intuição se encaixa numa perspectiva imediatista e a-

científica, afirmando a coerência do pensamento de Salgado. No entanto, não há nada

ainda que assegure que o melhor meio para apreender-se a nacionalidade é a intuição,

a não ser por uma causa lógica interna: para se apreender algo imediatamente, já que

não é possível se tornar esse algo, basta intui-lo.

Como já foi visto na passagem do primeiro para o segundo capítulo, a opção

pelo método intuitivo não constitui apenas uma alternativa à via analítica, mas

compreende uma certa concepção de mundo e, portanto, do que deva ser o

conhecimento: aquela que almeja restituir uma precisão epistemológica, em queda

desde a predominância do pensamento analítico. Valer-se da intuição não é apenas

uma experiência (no sentido do método “tentativa e erro”) ou um mero desafio,

significa antes uma convicção. Este é o objeto do diálogo entre duas das mais

importantes personagens de O esperado:

Mano nascera com o dom das generalizações e sentia o conjunto humano, procurando sondar-lhe as diretrizes. Tinha a visão panorâmica dos problemas e a preocupação impessoal das resoluções possíveis. Edmundo despertou-o com uma palmada nos ombros: – Acorda, homem! – Ah! É você? Antes me dissesse: dorme. Porque eu estava acordado para a contemplação da Vida. – Diga antes: para a fisionomia do século. Que sabe você da vida, senão o que tem lido nos livros? Não se pode compreender como espectador, nem como crítico. O pensamento é arbitrário e pretensioso: é preciso sentir, para entender . – É por isso que você vai fazer a sua reportagem na vida, entrando para a carreira policial? Perguntou Mano com ironia. Milhomes disse: – Homem artificial e artificioso! – Por que? – Pode lá o repórter compreender alguma coisa do assunto da sua reportagem? É preciso viver o assunto. Vivê-lo, até à dor. Longe o espírito da pesquisa! Longe os canhenhos e os lápis e todas as perguntas e questionários, para apanhar a vida no seu flagrante! Como tem você conversado com a vida, Mano? – Sentindo-lhe o trágico desfile e angústia perene porque a estudo.

59 grifos nossos. 60 MORAES, E. J., 1978, p.123.

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– A dor que vem do pensamento, ponderou Edmundo, não vale o pensamento que se origina na dor. Vive, Mano! Mas vive integralmente. Vive todas as formas da vida, pela submissão mais completa às condições que te forem impostas. Não fujas das forças de coação, das pequenas tiranias que determinam a feição das horas e as atitudes dos minutos. Não fujas nos livros, nem nas viagens que o teu próprio desejo determine; e, querendo viver, não procures a Vida; deixa que ela te procure e te leve. É a única maneira de se poder falar aos astros alguma coisa inédita...61

Ao construir o método (a intuição) para a aproximação com o seu objeto (a

nação), Plínio Salgado novamente se aproxima das formas discursivas que dão pouca

margem à intervenção subjetiva. Os eventos são claramente expostos e se destinam a

serem apreendidos, e não ao seu questionamento: como, por exemplo, a

desesperadora situação existencial de Ivã como industrial – o autor delineia

explicitamente o caminho da personagem até este momento, não deixa dúvidas em

relação às causas dos acontecimentos – ou no caso de O esperado, onde a

desorientação das personagens que caminham sem rumo e sem parar ao final do livro

é explicada em várias passagens do texto para que o leitor não se confunda em

relação ao que se passa.

Assim como os textos do autor de O estrangeiro, os escritos marcados pela

retórica clássica são caracterizados por sua pouca margem à interpretação e constante

afirmação de uma crueza da realidade. No primeiro capítulo do estudo Mimesis:

representação da realidade na literatura ocidental, Erich Auerbach analisa um texto

clássico e um relato bíblico e suas diferenças enquanto formas de narrativa e

possibilidades de significação, ou seja, de que maneira são expostos os conteúdos das

“estórias” e se há como interpretá-los de vários modos. Sobre A odisséia diz o autor:

Os poemas homéricos, cuja cultura sensorial, lingüística e, sobretudo, sintática, parece ser tanto mais elaborada, são, contudo, na sua imagem do homem, relativamente simples; e também o são, em geral, na sua relação com a realidade da vida que descrevem. A alegria pela existência sensível é tudo para eles, e a sua mais alta intenção é apresentar-nos esta alegria. (...) Neste mundo “real”, existente por si mesmo, no qual somos introduzidos por encanto, não há tampouco outro conteúdo ao não ser ele próprio; os poemas homéricos nada ocultam, neles não há nenhum ensinamento e nenhum segundo sentido oculto. É possível analisar Homero, como o tentamos aqui, mas não é possível interpretá-lo62.63

61 SALGADO, P., 1931, p.110-111. 62 grifos nossos.

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A clareza na descrição dos eventos, a explicação pormenorizada das

personagens e de sua relação com o trama, a simplicidade das questões propostas pelo

enredo e das respostas a elas dadas são meios retóricos do discurso que constituem

obstáculo à interpretação. Conduzem o leitor ao destino esperado sem que este possa,

de alguma maneira, participar desse caminho.

O mesmo se dá na reflexão de Plínio Salgado, que leva o leitor a constatar a

miséria da razão frente à intuição. Toda a vez que alguma personagem insiste em

racionalizar algum problema, seu destino já está traçado – o insucesso. Seus escritos

direcionam o leitor à constatação que o próprio autor já fizera ao se tornar escritor64: a

finitude do homem e a grandeza do meio65, e a intuição como a única maneira de lidar

com esta realidade.

Para fundamentar filosoficamente essa posição de Salgado sobre a intuição –

vista também em Oswald66 – Moraes se remete ao diagnóstico de Graça Aranha sobre

a situação nacional: “a alma brasileira não conseguiu se exprimir de forma adequada,

através da arte, seu contato com a natureza. Eis o nosso mal que se manifesta em

diversos sintomas. Todos eles sintomas de um desenraizamento”.67 E este argumento

do afastamento ou não-percepção da unidade, como já foi visto, vem de Bergson.

Portanto, a intuição é válida porque o seu procedimento não guarda abstração

em relação à realidade, tende antes a explicitar a extensão. O pensar imediato, o

intuir, atinge o verdadeiro porque não coloca nada entre quem pensa e o que é

pensado, i.e., como ambos fazem parte do todo, no contato o todo se revela. A

63 AUERBACH, E., 2002, p.10. 64 Cf. LOUREIRO, M. A. S., 2000, p.121-122. 65 Num primeiro momento o “meio” ao qual o autor frequentemente se refere parece ser somente o natural. No entanto, o meio social toma espaço nessa interpretação porque, como já foi visto, no pensamento de Salgado, é interessante que este não seja alterado. 66 Cf. MORAES, E. J., 1978, p.139-164. 67 Ibid., p.40.

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concepção, em Plínio Salgado, de que não diferimos do que nos rodeia – na verdade,

em última instância, somos o que nos rodeia68 – tem duas raízes que não se excluem.

Em primeiro lugar, há de se constatar no modernismo uma “nítida

preocupação com a geografia”69, especialmente empreendida pelo grupo verde-

amarelo. A força do elemento espacial está presente nos argumentos de Cassiano,

Menotti e Plínio de uma maneira que as propostas verde-amarelas para o país estão

intimamente ligadas à especificidade geográfica na nação, em sua grandeza e

determinação. Esta noção também se encontra em Ratzel70, geógrafo alemão do

século XIX citado diretamente por Salgado.71 O autor estudou as relações do homem

com o seu meio, defendendo que este último age sobre o primeiro72. Em sua obra

principal, Anthropogeographie (1882) há um capítulo intitulado o homem e o

ambiente que apresenta assertivas comuns às idéias presentes nos escritos de Plínio.

Como as que, após diferenciar os homens dos animais através da presença, nos

primeiros, do intelecto, reforçam a naturalidade – no sentido de uma presença intensa

da natureza – das ações humanas:

O homem pode portanto considerar-se como um ser independente em comparação com o animal, que é muito menos, pelo fato de que graças ao seu intelecto o homem está mais livre dos vínculos de sua constituição natural. Contudo, para conquistar essa liberdade é necessário por outro lado que ele utilize habilmente os recursos que a natureza circundante lhe oferece. Portanto, essa liberdade no fundo não é senão um dom da natureza; não porém um dom espontâneo, mas tal que deve ser conquistado a duras penas. (...) A afirmação de que os povos vão se tornando gradativamente cada

68 “Quando pintamos um coqueiro é porque a gente virou um coqueiro. Mas si eu não virar um coqueiro, não sou capaz de pintar o coqueiro”. SALGADO, P. et al., 1927, p.80. 69 VELLOSO, M., 1990, p. 69. 70 Friedrich Ratzel (1844-1904) foi um dos mais importantes pensadores alemães nas ciências humanas do século XIX. Próximo a Haeckel (outro autor constantemente citado por Salgado), Ratzel não se destacou apenas como geógrafo, mas contribuiu de maneira transdisciplinar ao debate intelectual da segunda metade do século, particularmente no que diz respeito à história, dialogando com Herder. A publicação da primeira edição de Antropogeografia, o consagrou no seu campo disciplinar, fazendo-o ocupar a cátedra de geografia na Universidade de Leipzig. Cf. MORAES, 1990. 71 Cf. SALGADO, P., 1927, p.55. 72 Parece possível também estudar a relação entre o homem e o ambiente no pensamento de Salgado através do conceito de raça, sem implicar uma interpretação racista. Para isso, ver as possibilidades envolvidas numa interpretação neolamarckiana do conceito. Cf. ARAÚJO, 2005, Cap.I.

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vez mais independentes da natureza73 que constitui o seu substrato e o seu ambiente é sem dúvida errônea.74

A emancipação do homem da natureza não é só uma ilusão, é um

desvirtuamento. Características naturais próprias encalçam o homem em todas as suas

atividades, o determinam em todos os seus dons e possibilidades. Salgado confere

desfecho trágico para o homem (a personagem de O estrangeiro, Ivanovich Ivanoff,

que constata sua triste condição antes de dar fim à própria vida) que luta contra sua

natureza; martiriza o que defende suas raízes até a morte (a personagem de O

esperado, João Tinoco, que defende suas terras e família contra o avanço urbano); e

submete o pensamento às condições de realidade em que o homem se encontra. Neste

sentido, é necessário repetir uma citação já apresentada no início desta dissertação:

...o pensamento se origina de uma consciência íntima de personalidade, e esta só é possível pela percepção exata das circunstâncias condicionadoras. Personalidade é sensibilidade em função de conhecimento de contingências demarcadoras do “eu”. É como que um olhar permanente, em redor, um senso de proporcionalidade de distâncias. O clamor dos instintos conjugados na estabilidade de um equilíbrio que poderemos chamar – a feição individual. Intuição vigilante, que a experiência ancestral e a realidade das injunções ambientes corrige, – só a falsa cultura, que é um desvio do centro de gravidade subjetiva, pode prejudica-la.75

Em segundo lugar, a concepção está na noção de unidade entre o ser humano

e a natureza, a ausência de separação substancial entre o corpo e a matéria, está no

argumento de Bergson e em todo o seu desenvolvimento de uma resposta à suposta

morte da metafísica que, na verdade, era a radicalização de uma separação entre dois

campos de conhecimento: filosofia e ciência. A interpretação do filósofo francês e o

estabelecimento do método (intuitivo) que restaurasse a precisão do conhecimento,

quando este se encontrava nublado pela presença implacável dos mecanismos do

73 Vide o processo de modernização citado por David Wellbery (1998, p.15). 74 RATZEL, F., 1990, p.71. 75 SALGADO, P., 1927, p.20.

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pensamento racional, determinaram a maneira pela qual o grupo verde-amarelo

concebeu seu projeto modernista.76

É assim, portanto, que Plínio Salgado ressalta as características dos tipos que

cria. E quando trata das personagens-símbolo, i.e., daqueles que determinam os

rumos dos outros e da própria história, define um tipo de afinação entre eles e o seu

espaço, algo que, apesar de ser aparentemente inatingível para os outros é, na

verdade, coisa muito simples e não requer qualquer esforço intelectual apurado, mas

antes o aceitar de sua própria condição. Isto é, a proposta do autor fica ainda mais

evidente: como no caso das reuniões do “Clube Talvez”, onde a presença de Marcos

impressionava até Edmundo Milhomens:

Edmundo anunciou, no Clube Talvez, que ia para o Interior. - Veja se respira no sertão um ar novo, que lhe ponha cores na face e na alma, disse-lhe Marcos. Edmundo contemplou o amigo. Admirável de saúde e beleza máscula. Marcos era um magnífico exemplar da Espécie. Nunca tivera uma dor de cabeça, uma indisposição leve. Suas idéias não se originavam de celefagias e o seu riso tinha a alegria das digestões perfeitas. - Aspirina para Schopenhauer! era a sua frase predileta. Marcos trazia consigo o espírito vitorioso da construção. O homem nascido para organizar e dirigir uma batalha, para delinear planos de edifícios e ir das fundações ao último andar, com a mesma fé e a mesma força, não exaltadas, mas afinadas num mesmo tom. Tinha a mentalidade medíocre dos que não fracassam, dos que não param no caminho. Espírito claro das apreensões imediatas, objetivação equilíbrio permanente. As dores isoladas não o detinham. As suas próprias mágoas não o detinham. (...). Seu coração espartano tinha uma sentimentalidade feita de exatidões. A sentimentalidade da saúde – dizia – que não pode ser compreendida pelos doentes.77

Todo o vigor de Marcos, toda a força que demolia as “idéias que se

originavam de celefagias”, residiam unicamente numa compreensão intuída,

medíocre até, da realidade. Isso não tem nada a ver com desenvolvimento físico ou

intelectual do homem, mas de uma estreita relação sua com a terra, ou melhor: com o

hinterland de sua terra. Para Salgado, apreender as condições em que vive é, antes de

tudo, conceber-se como integrante do todo e assim conferir autoridade à própria

76 Cf. VELLOSO, M., 1990, p.23. 77 SALGADO, P., 1931, p.92-93.

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intuição como veiculo privilegiado de exercício da unidade da qual homem e natureza

fazem parte.

A concepção de continuidade entre o corpo e as imagens (Bergson), entre o

homem e o meio, pode ser entendida como condição para que um determine o outro,

já que partilham da mesma substância, ou para que o primeiro ateste a importância do

segundo também pelo mesmo motivo. No entanto, é necessária ainda uma observação

sobre este ponto: a estreita proximidade entre o homem e a realidade que o cerca faz

parte também de uma cultura sensorial presente nos textos retóricos. Estes, como não

constroem margem para a interpretação, desampararam também qualquer

complexidade do significado. É assim que Salgado insiste em suas idéias afirmadas

desde o início e constantemente revisitadas de uma maneira que privilegia a descrição

e a sensibilidade. Portanto, é pela descrição sensível e visual (que, novamente, não

permite dúvidas) que os conteúdos dos discursos retóricos tomam forma, como se

fossem explicados “de cima”.78 É como se a simples narração dos eventos e a

constatação de sua realidade suprisse a carência das interpretações. Em Salgado a

realidade é clara e está à frente dos olhos de todos os personagens e do leitor – basta

enxergá-la ou, no caso, intuí-la.

A intuição surge para Bergson como um método filosófico alternativo às

determinações sistemáticas que o pensamento sofreu ao longo da história da filosofia.

Ela almeja corrigir os caminhos adotados pela ciência no que diz respeito à

conceituação do tempo enquanto espaço, que o tornou estático, roubando-lhe a

mobilidade natural.79 O filósofo entende essa mudança na percepção do tempo como

uma exigência do entendimento, ou seja, o próprio desenvolvimento do pensamento

racional e científico (com o abandono da metafísica) fez com que acontecesse esta

mudança de rumo. A intuição significa “duração interior”, consciência imediata,

visão que é quase o objeto mesmo.80

78 Cf. AUERBACH, E., 2002, p.39-42. 79 Cf. SECCO, F. S., 1984, p.66-68. 80 Ibid., p.69-70.

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Salgado entende a intuição como aquilo que é o único caminho para corrigir

um desvirtuamento do conhecimento humano provocado por uma perda de ritmo na

arte81, que na verdade foi uma tentativa de se dominar o ritmo, representada pela

sistematização e pelo formalismo. Então, tudo o que haveria de ser feito, toda a

revolução necessária, se traduziria por um deixar ser, resgatar um ritmo do tempo e

da cultura a muito esquecido por causa da naturalização de sua dominação, que tem

origem no desenvolvimento do pensamento moderno racional europeu.

Ao conceber o imediatismo como princípio e a intuição como método,

Salgado se aproxima, de um lado, do pensamento bergsoniano e, de outro, do

discurso retórico clássico – especialmente no que diz respeito ao estudo da realidade

brasileira – através da obra de arte, como a prova da unidade (concebida por Salgado

como condição natural) entre o sujeito e o objeto, que naquele momento sofria

desvirtuamento pelo pensamento científico. Desse modo, o ataque do autor brasileiro

às vanguardas não se dá por causa se sua empreitada revolucionária (esta foi

valorizada e compartilhada por Salgado enquanto modernista), mas sim devido a

alguns tipos de desenvolvimento que este processo tomou, como por exemplo, a

estética como estudo e o aperfeiçoamento da linguagem como pesquisa, contrastando-

se com uma concepção retórica de literatura.

81 SALGADO, P. et al., 1927, p.99-108.

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5. Considerações finais

Em tese, quando se elabora uma conclusão sobre algo após uma certa dose de

discussão é esperado que não se apresente, a essa altura, nada de novo – o que

exigiria mais algumas rodadas de argumentação, sendo antes uma inconveniência que

uma conclusão. Mas, por outro lado, o esforço característico da síntese proporciona

revisitar questões que não necessariamente ficaram abandonadas ao longo do texto,

mas que de algum modo ainda merecem uma “pincelada” tendo em vista a

interpretação sugerida até o momento.

Este é o caso do quadro geral em cima do qual trabalham os comentadores do

pensamento de Plínio Salgado, exposto na introdução a esta dissertação. Como uma

maneira de iniciar a discussão sobre o objeto proposto, bem como para justificar sua

fecundidade, foi defendido que os principais pontos-de-vista construídos ao longo do

tempo sobre o ideário do autor eram norteados por um argumento que condicionava a

análise de sua produção da década de 1920 ao período imediatamente posterior,

marcado pelo ano de 1932 – por ocasião da fundação de Ação Integralista Brasileira.

Não é o caso de se abandonar essa afirmação. Ao contrário, é confirmada e a ela se

acrescenta outra: a definição do verde-amarelismo a partir de um certo

distanciamento do movimento modernista também se nutre da explicitação de uma

característica própria do movimento comandado pelo grupo de Plínio Salgado, que,

embora seja constantemente afirmado, não tem nada a ver com uma visão valorativa

do tipo “o movimento verde-amarelo é esteticamente inferior ao pau-brasil”, por

exemplo.

Abre-se caminho então para o primeiro ponto dessa conclusão. O argumento

de Plínio Salgado, acompanhado até certo ponto pelos outros autores verde-amarelos,

como pode ser interpretado à luz de uma aproximação ao ambiente da retórica nos

seus moldes clássicos, permite desse modo que não seja – a princípio – identificado

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com o projeto estético modernista. Como já foi visto, a retórica clássica pressupunha

que os argumentos envolvidos no discurso não fossem apenas eficientemente formais

(o que não era, por outro lado, proibido), mas que se dispusesse de evidências o

quanto mais tácitas no desenvolvimento da questão. E mais: a própria matriz da

retórica clássica exige a interpretação do mundo como “real”, i.e., existente por si

mesmo. Assim, as demonstrações desenvolvidas por Plínio Salgado, como, por

exemplo, nas situações que cria ao longo dos romances, são afirmadas como auto-

evidentes, pertencentes a um mundo que não comporta um sentido oculto. Dito isso,

fica mais simples entender a confusão em torno da relação entre movimento verde-

amarelo e modernismo. Enquanto este último se propunha a desenvolver as

possibilidades a partir de múltiplas apreensões da tradição (por meio de atualização,

adequação, negação, etc.), que ainda estava fortemente presente naquele momento, o

primeiro afirmava a unicidade do movimento histórico, portanto não muito propenso

a alternativas, pelo menos como possíveis de serem bem sucedidas.

Por outro lado, isso cria uma determinado problema em relação a

caracterização do pensamento de Plínio Salgado como modernista – levando ao

segundo ponto a ser considerado. Como uma das características marcantes da

modernidade foi a proliferação, mais do que das próprias cidades, do modo de vida

urbano, e como este por definição é cosmopolita, i.e., atravessado por diversos

planos, o autor não poderia simplesmente negar a existência de uma situação

complexa, mas interpretá-la. Segundo Plínio Salgado, a multiplicidade da dinâmica

da cidade, na verdade, constitui apenas – sem ignorar a sua força naquele contexto –

uma confusão, i.e, um desvirtuamento. O homem é marcado por uma natureza que o

une ao seu meio, o seu desenvolvimento consiste em um estreitamento dessa

condição e não na tentativa do domínio de um sobre o outro – neste sentido, a cidade

é exemplo desta situação desviante. No entanto, os modernistas se colocavam num

contexto de modernização, e, embora não apenas reproduzissem na arte as mudanças

que determinavam sua experiência, de algum modo eram afetados e simultaneamente

produziam essas transformações. Em todo caso, não se pode esquecer que,

especificamente no caso do modernismo brasileiro, esse movimento foi, ao mesmo

tempo, acompanhado por um outro: o da construção da brasilidade. E, para que isso

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fosse possível, os modernistas “saíram à caça” dos elementos que faziam o Brasil ser

Brasil, i.e., qual era o aspecto de sua originalidade. Diversa da perspectiva de Mario

de Andrade que concedia privilégio à cultura num sentido particular, a assertiva

verde-amarela afirmava a premência da terra na constituição da nacionalidade e,

como esta se encontrava descaracterizada pela presença de elementos externos em sua

porção litorânea, a solução estava numa ida ao sertão, hinterland para Plínio Salgado.

O último ponto se refere ao chamado modo de acesso e pode ser levantado a

partir da seguinte questão, repetidamente posta neste trabalho: uma vez definido o

lugar privilegiado de contato com a originalidade brasileira, o que fazer? Aos

modernistas não bastara identificar o material da nacionalidade (cada grupo a seu

modo), a intenção era de completar o processo edificando a brasilidade, e, para isso,

os mais diversos métodos – de acordo com os respectivos conceitos de matéria-prima

nacional – foram empregados. Plínio Salgado se situava dentre aqueles que

condenavam não só a dinâmica da arte brasileira até então (quase que exclusivamente

signatária do academicismo europeu), mas toda a tradição que dava sustentação

teórica ao processo cultural e artístico nacional e que, na verdade, não estabelecia

fronteiras a sua influência, i.e., o pensamento racionalista e científico. Mas a escolha

da intuição transcendia uma batalha metodológica com a via analítica, constituía na

verdade os alicerces de uma convicção que proclama a miséria da fragmentação da

integridade do homem, entendida como separação entre o ser humano e o mundo e

com a tentativa de controle do primeiro sobre o último.

Entretanto, sabe-se que Plínio Salgado – tendo em vista as suas próprias

referências teóricas, debatidas ao longo deste trabalho – não adota uma solução

nostálgica que remeteria a um passado longínquo, talvez apenas vivido pelos

primeiros nativos do continente e elege as sociedades indígenas brasileiras como

modelos a serem seguidos, embora sejam referências fortes na construção do seu

pensamento. O autor está inserido dentro da tradição ocidental (ele próprio não a

nega) e mesmo a sua crítica parte de uma reelaboração das soluções tradicionais. Tal

como Bergson aponta para a profundidade do enraizamento do pensamento

racionalista no mundo ocidental, Plínio Salgado compreende os limites de uma

guinada modernista sobre a interpretação do Brasil, e se vê incompleto como uma de

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suas personagens romanescas que, apesar de atingir “um instante do subconsciente do

seu povo (...) Entretanto, (...) não perscruta...1

1 SALGADO, P., 1926, p.255.

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