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JUSPODIVMCURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DO ESTADO
VINICIUS VASCONCELOS DE ALMEIDA
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E A POSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Salvador2012
VINICIUS VASCONCELOS DE ALMEIDA
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E A POSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Monografia apresentada ao JusPODIVM como requisito parcial para a obtenção de grau de Especialista em Direito do Estado
Salvador
2012TERMO DE APROVAÇÃO
VINICIUS VASCONCELOS DE ALMEIDA
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E A POSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Monografia aprovada como requisito para obtenção do grau Especialista em Direito
do Estado, pela seguinte banca examinadora:
Nome:__________________________________________________________
Titulação e instituição:________________________________________________
Nome:__________________________________________________________
Titulação e instituição: ______________________________________________
Nome:__________________________________________________________
Titulação e instituição:______________________________________________
Salvador, ____/_____/ 2012
Aos meus pais José Monteiro e Mara Rubia; aos meus irmãos Diogo e Carolina; E a Paula, que me apóiam
incondicionalmente em todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus pelo dom da vida, agradeço também
ao Dr. Eduardo Dórea Filho pela colaboração e apoio, essenciais para a realização
deste trabalho.
Agradeço, também, aos professores da graduação da Universidade
Católica do Salvador pela inicialização da formação jurídica, aos colaboradores do
JusPodivm, em especial aos do núcleo de Pós Graduação, e, por fim, aos mestres
que com paciência e competência transmitiram todo o conhecimento devido para
uma excelente formação acadêmica.
“O homem que não luta pelos seus direitos não merece viver”.
Rui Barbosa
RESUMO
A interceptação telefônica vem sendo utilizada como mecanismo de combate ao crime e principalmente como meio de prova na instrução processual penal. Existem certo crimes, que pela natureza, intrínseca, do seu tipo penal, não seria possível produzir provas sem a utilização dessa medida judicial. No ordenamento jurídico brasileiro essa medida se caracteriza como uma exceção ao disposto na Carta Constitucional, uma vez que a inobservância da utilização nos casos estritamente necessários pode vir a constituir arbitrariedade, portanto, ilegalidade manifesta. Ao seguir os requisitos basilares e obrigatórios em exposição na lei de que trata do assunto, o juiz também está sujeito a critérios de competência e proporcionalidade, que observados legitima a atuação do mesmo. No entanto, é preciso ressaltar que essa interceptação pode violar direitos fundamentais, trazendo seria repercussão na questão da lógica das provas em matéria criminal e, consequentemente trazendo efeitos diretos na esfera de proteção do direito fundamental da intimidade dentro da Constituição Federal de 1988. A atuação do direito penal encontra limitação nas barreiras impostas pelo direito constitucional, que rege os direitos e deveres alcançados pelo cidadão, funcionando como lastro legal para os demais direitos decorrentes da interpretação destes e que devem ser notados pelo Estado. Uma vez que este é garantido o monopólio da aplicação da justiça. É exatamente por isso que o tema em destaque torna-se bastante atual, relevante e polêmico, merecendo atenção especial e fazendo com que surjam pesquisas no sentido de esclarecer as particularidades do sigilo telefônico e suas implicações no âmbito da teoria garantista e tutela dos direitos fundamentais.
Palavras-chave: interceptação telefônica; garantismo; provas ilícitas; direitos fundamentais.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
art. artigo
CF/88 Constituição Federal da República
CPC Código de Processo Civil
CPP Código de Processo Penal
HC Habeas Corpus
MP Ministério Público
ONU Organização das Nações Unidas
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TJ Tribunal de Justiça da Bahia
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1 INTRODUÇÃO
O tema escolhido para o trabalho de conclusão de curso de pós-graduação é
“Interceptação telefônica e a possibilidade de violação de direitos fundamentais.” A
questão da obtenção de provas ilícitas através de interceptações telefônicas é por si
só um tema muito interessante, independentemente dos debates que envolvem a
sua licitude. E, no que se refere às provas ilícitas há que se discutirem as possíveis
violações aos direitos fundamentais do indivíduo.
Esse tema foi escolhido exatamente por ser interessante e atual, sendo objeto de
diversas discussões na doutrina e na jurisprudência. As discussões que envolvem o
tema em destaque são importantes na medida em que está se tratando de valores
fundamentais como a dignidade da pessoa humana e a proteção à intimidade. A
contribuição que esse trabalho poderá proporcionar para o Direito é relevante já que
nele estão contidas diversas informações sobre um tema que ainda provoca muita
celeuma no meio acadêmico e profissional.
Há que se dizer que, em um processo penal, existem diversas formas de se provar o
fato típico cometido pelo autor. Destacam-se as formas lícitas e ilícitas. Essa
violação ocorre no momento em que a prova é obtida através de maneira ilícita,
contrariando as regras do direito. E, essas discussões ficam ainda mais fortes na
medida em que há na doutrina, debates acerca da possibilidade de utilização de
provas ilícitas em certas ocasiões. É que a própria Constituição Federal admite a
utilização destas provas em determinadas situações.
Nesse sentido, essas provas poderiam ser utilizadas em três hipóteses: ordem
judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal e nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer. Portanto, há que se dizer que o tema em
destaque provoca, em primeira análise, diversas discussões sobre a questão da
utilização de provas ilícitas, decorrendo daí, possíveis violações aos direitos
fundamentais.
Em suma, o trabalho que aqui irá ser desenvolvido pretende fazer uma análise das
possíveis violações aos direitos fundamentais decorrentes de obtenção de provas
ilícitas através de interceptação telefônica. Nesse sentido, pode-se indagar: de que
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maneira as provas ilícitas, obtidas por meio de interceptações telefônicas podem
violar os direitos fundamentais?
No primeiro tópico farei uma breve introdução acerca do tema escolhido. Trata-se de
uma tentativa de facilitar a leitura do presente trabalho, para que o interlocutor possa
identificar os principais temas tratados com uma maior brevidade.
No segundo tópico falarei sobre os direitos fundamentais elencados na CRFB/88, na
medida da sua importância para a aplicabilidade das normas constitucionais.
Consequentemente, farei uma análise da obra do jurista alemão Konrad Hesse, mais
precisamente “A força normativa da Constituição”, dando um maior enfoque à suas
relações com os direitos fundamentais do indivíduo.
No terceiro tópico falarei sobre o garantismo processual penal na CRFB/88 e a
proteção dos direitos fundamentais. Para isso trago primeiramente o pensamento do
maior defensor da teoria garantista, que é o jurista italiano Luigi Ferrajoli. A partir daí
estabelecerei um diálogo com o autor colocando possíveis interpretações dos seus
preceitos.
No quarto tópico falarei sobre a lógica das provas na sistemática processual penal
na CRFB/88. É importante que se estabeleça alguns critérios para a produção de
provas estabelecida pelo próprio código de processo penal. Conseqüentemente,
farei uma análise dessa mesma sistemática processual no que se refere à produção
de provas.
No quinto tópico falarei sobre a proteção à intimidade como direito fundamental na
CRFB/88. É tema muito difícil para a análise a questão da intimidade, pois é da
própria natureza do instituto um nível alto de complexidade. Isso ocorre porque é a
intimidade talvez uns dos direitos fundamentais mais ligados ao ser humano em seu
existir. Está ligado diretamente ao dia-a-dia das pessoas e está bastante presente e
atual na vida dos indivíduos.
No sexto tópico falarei sobre a interceptação telefônica e a possibilidade de violação
aos direitos fundamentais. É que sob um primeiro enfoque as interceptações
poderiam servir como prova em instrução processual penal e seria também
importante para o combate ao crime organizado. No entanto, ao se fazer uma
análise mais minuciosa das interceptações, pode-se verificar que há em seu cerne a
possibilidade de violação de direitos fundamentais dos indivíduos.
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No sétimo tópico, por uma questão prática, optei por transcrever jurisprudências
selecionadas nos Tribunais Superiores que guardam relação com o tema proposto.
No oitavo e último tópico, trago à baila as considerações conclusivas a respeito das
questões que envolvem o tema discutido no presente trabalho, com o intuito de
contribuir para o esclarecimento dos fatos controvertidos acerca do tema.
12
2 NOÇÕES GERAIS ACERCA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.
Os direitos fundamentais podem possuir diferentes graus de entendimento no que se
refere ao seu significado. No que se refere ao seu valor, também. Pode-se dizer que
em uma nação de tradição religiosa muçulmana, se privilegie o uso da burca como
direitos fundamentais. Já em um país, por exemplo, de tradição liberal, se privilegie
o seu não uso. Há que se dizer, portanto, que essa noção é extremamente variável e
relativa.
No entanto, é no âmbito de cada Estado-nação que essa noção deverá se tornar
líquida e certa, devendo ser esses direitos efetivados em seu grau máximo.
Analisando-se o fenômeno sob um prisma subjetivo, pode-se dizer que a noção
desses direitos se dará muito fluidamente, de acordo com ideologias adquiridas ao
longo da vida. E há aqui uma feição nitidamente psicológica dos direitos
fundamentais. È algo diretamente ligado às idiossincrasias que um sujeito poderá (e
deverá) possuir. Fato interessante é que até mesmo esse aspecto psicológico, é
construído socialmente. Essa é talvez, a palavra chave no sentido de se
compreender os direitos fundamentais. Ou seja, relevante o enfoque desses direitos
em seus aspectos sociais ou socialmente construídos.
É que são as Constituições a fonte principal desses direitos. É a partir dela que
ganham força, que ganham vida. E, sendo as Constituições fruto do Poder
Constituinte, devem carregar os mais básicos valores da sociedade, sendo esses,
obviamente frutos de conquistas sociais. Portanto, pode-se chegar a uma conclusão
a respeito: são os direitos fundamentais, fruto de lutas sociais e representam,
portanto valores de cunho social, historicamente construídos.
Para a proteção e efetivação dos direitos fundamentais, o magistrado só deve
possuir um único limite: a Constituição. Nem a lei e nem sua falta pode impedir que
os juízes façam cumprir os mandamentos constitucionais, sobretudo as normas
constitucionais definidoras de direitos fundamentais. Afinal, não são os direitos
fundamentais que circulam no âmbito da lei, mas a lei que se move no âmbito dos
direitos fundamentais. A Constituição representa a referibilidade e a concretude de
um ordenamento jurídico harmônico e coeso.
13
Ao Judiciário cabe a função de oferecer respostas engajadas às questões que lhe
são postas em situações particulares definidas. Não há de prender-se mais às
elaborações filosóficas e argumentativas aos casos concretos ocorridos num
contexto social visto pelos magistrados que vivem estagnados com o Direito do seu
tempo (direitos imutáveis).
Falar de direitos fundamentais é falar de progressos, de cidadania, de respeito de
uns indivíduos pelos demais. É longo o percurso que a sociedade terá que percorrer
para cumprir seu objetivo de assegurar a todos os homens, mulheres, crianças e
idosos de todas as partes do mundo, de todas as raças e crenças, os direitos
fundamentais que visam assegurar a vida com dignidade e sem ingerência do
Estado em seus assuntos particulares (casos concretos).
Os direitos humanos fundamentais são, portanto, a base do arcabouço jurídico, pois
sem eles (daí a característica de “fundamentais”), inexistem condições para o
exercício da própria existência de forma condigna.
O reconhecimento da noção de direitos fundamentais se deu a partir da necessidade
de que os Estados tinham de proteger valores básicos dos indivíduos de forma mais
efetiva. Para isso, ocorreram uma série de evoluções históricas e sociais, através
principalmente de lutas e discussões nos parlamentos e congressos internacionais.
Fatos marcantes nesse sentido podem ser exemplificados pelas lutas dos
trabalhadores na Inglaterra da revolução industrial e até mesmo na França
revolucionária pregando os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Temos
ainda, como forte tendência de busca por uma tutela dos direitos fundamentais, o
exemplo da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.
No que se refere a essa última, José Afonso da Silva esclarece de forma clara que
“proclama os princípios da liberdade, da igualdade, da propriedade e da legalidade e
as garantias individuais liberais que ainda se encontram nas declarações
contemporâneas, salvas as liberdades de reunião e de associação que ela
desconhecera, firmado que estava numa rigorosa concepção individualista.” (SILVA,
2000, p. 162).
Em sua gênese, os direitos humanos foram concebidos como liberdades individuais
oponíveis ao Estado (direitos de defesa). Num segundo momento, com o crescente
aumento do conceito de cidadania e da participação dos indivíduos nas decisões
14
políticas do Estado, surgem novos direitos (os direitos sociais), exigindo uma ação
positiva do Estado.
Hodiernamente, indivíduos e empresas privadas, em decorrência do poder
econômico que eventualmente possuem, muitas vezes violam os direitos humanos,
fazendo com que esses direitos sejam oponíveis àquelas pessoas. Procura-se
proporcionar a cada homem legitimidade para a defesa de seus próprios direitos
essenciais contra qualquer arbitrariedade, um conjunto mínimo de prerrogativas
perante o Estado e prover-lhe condições para uma vida digna.
O manifesto do partido Comunista, Constituição de Weimar (Alemanha), a criação
da ONU, os pactos internacionais de Direitos Humanos, dentre outros eventos, são
outros exemplos de como os direitos fundamentais começaram a ser encarados com
seriedade, na medida em que esses acontecimentos influenciaram de forma decisiva
o curso da história moderna.
No entanto, foi no pós-guerra que se deu uma maior preocupação com a noção de
direitos humanos como estratégia universal de combates às atrocidades e às
matanças. Segundo Flávia Piovesan,
Sob o prisma da reconstrução dos direitos humanos, no Pós Guerra, há, de um lado, a emergência do “Direito Internacional dos Direitos Humanos”, e, por outro, a nova feição do Direito Constitucional ocidental, aberto a princípios e a valores. Vale dizer, no âmbito do Direito Internacional, começa a ser delineado o sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos. É como se se projetasse a vertente de um constitucionalismo global, vocacionado a proteger direitos fundamentais e limitar o poder do Estado, mediante a criação de um aparato internacional de proteção de direitos. (PIOVESAN, 2006, p. 8)
Passou-se, então, a uma fase de questionamentos referentes à aplicabilidade
desses direitos, quanto aos seus aspectos internacionais. A partir daí, surgem os
Direitos Humanos, como referência no estudo das práticas jurídicas e sociais
mundanas. Seriam essas práticas universalistas ou relativistas?
Para os universalistas, deveria haver parâmetros mínimos de ética nas práticas em
tese. Ou seja: pouco importa se em determinado Estado, a matança de mulheres por
adultério é considerada normal. O que vale é a idéia de que essa conduta é
condenada pelo Ocidente como machista e vai de encontro ao que se denomina
razoabilidade e proporcionalidade.
Já para os relativistas, deve-se respeitar qualquer forma de ação social, política ou
jurídica, na medida em que as sociedades possuem suas próprias formas de
15
organização e gestão. Portanto, para os relativistas, poder-se-ia considerar normal a
prática de retirada do clitóris feminino, ao nascimento, já que essa conduta (para
essas culturas, sobretudo em países do Oriente Médio) é considerada normal.
Críticas são feitas a essa teoria, na medida em que são condenadas
veementemente pelos países Centrais, sobretudo os de tradição liberal como os
EUA e Reino Unido.
Os direitos fundamentais foram se desenvolvendo através dos tempos. Os
doutrinadores se utilizam do termo “gerações”, para melhor explicar tal evolução, de
modo que hoje, observamos quatro etapas diferenciadas.
Os direitos à liberdade, conhecidos como direitos de 1ª geração, são os direitos civis
e políticos do homem, que se opunham ao direito estatal. A liberdade do indivíduo
tinha que ser resguardada face ao poder do Estado absolutista, ao mesmo tempo
em que o cidadão necessitava participar desse poder. Despontaram no final do
século XVII, trazendo uma limitação ao poder estatal, onde as prestações negativas
impunham ao Estado uma obrigação de não fazer.
Com a revolução industrial, o indivíduo abandonou progressivamente a terra e
passou a viver na cidade, enfrentando toda uma agitação decorrente do
desenvolvimento tecnológico. Consequentemente, novos espaços surgiram como a
fábrica e os partidos políticos. Começou-se a aspirar a um bem-estar material
propiciado pela modernidade, desenvolvendo-se então, os direitos econômicos,
culturais e sociais, assim como os direitos coletivos, já que diferentes formas de
Estado social tinham sido introduzidas. São conhecidos como direitos de 2ª geração,
surgiram logo após a Primeira Guerra Mundial.
Foi então requerida uma maior participação do Estado, face ao reconhecimento de
sua função social, através de prestações positivas, que alcancem o bem-estar do
homem, pois os direitos individuais não eram mais absolutos.
No final do século XX, observou-se uma 3ª geração de direitos fundamentais, com a
finalidade de tutelar o próprio gênero humano, direitos considerados transindividuais,
direitos de pessoas coletivamente consideradas. Seriam exemplos visíveis de
direitos da terceira geração, os direitos de fraternidade, de solidariedade, traduzindo-
se num meio ambiente equilibrado, no avanço tecnológico, uma vida tranqüila,
16
autodeterminação dos povos, comunicação, paz e participação mais efetiva nas
decisões políticas.
Tudo isso evoluiu de tal forma que os direitos fundamentais se vêem nos dias de
hoje cada vez mais presentes nos tratados internacionais, que gradativamente,
conseguem se infiltrar aos direitos internos dos Estados que se prontificam perante
toda a comunidade internacional a dignificar as condições de vida do homem,
através do respeito aos seus direitos e prerrogativas. Sobretudo, quando se amplia a
efetividade da cidadania e dos direitos políticos.
2.1 DEFINIÇÃO
É de difícil proceder, a conceituação de Direitos Fundamentais. E ocorre porque são
conquistas sociais que variam de local para local, sempre carregados de alto valor
principiológico. Muitos autores se debruçaram sobre o tema, na tentativa de se obter
uma definição precisa sobre o tema, no entanto, sem sucesso. Portanto, a doutrina
busca compreender o fenômeno de forma a tentar definir pelo menos contornos
gerais.
Nos dizeres de José Afonso da Silva (2000, p. 124).
Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que se ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamental acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e às vezes nem mesmo sobrevive, uma vez que todos têm direito, por igual, aos direitos fundamentais e estes devem ser não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados; Do homem, não como macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana.
Já no entendimento de Alexandre de Moraes, os direitos fundamentais possuem
uma conceituação diretamente relacionada à sua aplicabilidade enquanto princípios.
Seriam, portanto, capazes de operacionalizar os mecanismos de tornar a norma
constitucional plenamente aplicável em um determinado ordenamento jurídico.
São direitos constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma constituição cuja eficácia e aplicabilidade dependem muito de seu próprio enunciado, uma vez que a Constituição faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais,
17
enquadrados entre os fundamentais. Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais os democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. A própria Constituição Federal, em uma norma-síntese, determina tal fato dizendo que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Essa declaração pura e simplesmente não bastaria se outros mecanismos não fossem previstos para torná-la eficiente (exemplo: mandado de injunção e iniciativa popular). (MORAES, 2005, p. 27)
Há que se citar a utilização, também, do termo “direitos fundamentais do homem”
por parecer o que melhor traduz os direitos básicos dos indivíduos, ou seja, os que
permitem garantir aos seres humanos viver com um mínimo de dignidade,
exercendo a sua cidadania sem a ingerência do Estado na esfera individual.
As transformações pelas quais passam os direitos fundamentais acrescentam
dificuldades à tarefa de sua conceituação. Esse obstáculo é aumentado pela
pluralidade terminológica adotada pela própria Constituição, que utiliza expressões
como: direitos humanos; direitos e liberdade fundamentais; direitos e liberdades
constitucionais; direitos fundamentais da pessoa humana; direitos da pessoa
humana e direitos e garantias individuais.
Podem-se delimitar os direitos fundamentais de acordo com a sua aplicabilidade nos
diferentes setores da sociedade. Veja-se, por exemplo, os direitos fundamentais dos
trabalhadores, dos idosos, dos deficientes, das crianças, da mulher e dos cidadãos
de uma maneira geral.
No que se refere aos trabalhadores, pode-se dizer que como em todos os outros
setores, ocorreu uma gradual evolução dos mesmos ao longo dos tempos através
de lutas sociais. Iniciou-se na revolução industrial na Inglaterra, com os movimentos
dos trabalhadores nas cidades de Manchester e Newcastle, na medida em que os
trabalhadores das fábricas faziam greves e protestos por melhores condições de
trabalho.
O movimento ludista, de cunho anarquista, pregava a destruição das máquinas
fabris com o intuito de aniquilar com a exploração da mão-de-obra explorada nas
fábricas. Lutando por aumento de salários e redução da jornada de trabalho, os
ludistas eram a ala radical do movimento em prol dos trabalhadores, que levava
como insígnia as revoltas populares contra o modelo de produção capitalista.
No Brasil, os melhores avanços se deram com a política de Getúlio Vargas de cunho
protecionista e social, implantando direitos aos trabalhadores significativamente
18
importantes. Foi com a elaboração da CLT que os trabalhadores ganharam
legislação própria protetiva das suas prerrogativas enquanto sujeitos atuantes
diretamente no mercado de produção. Posteriormente, tais direitos foram elencados
como fundamentais, na medida em que surgiram estampados na nova Constituição
da República de 1988.
Os direitos fundamentais consistem em uma categoria especial de direitos que
encontram sua síntese na solidariedade entre os homens e que se traduzem no
exercício de direitos detentores de um sentido universalmente significativo. Todos os
seres humanos são seus titulares, independente de raça, cor, sexo, posição social,
convicções políticas, filosóficas ou religiosas. Entretanto, alguns desses direitos não
podem ser invocados por quaisquer pessoas, pois são essencialmente direcionados
a determinados segmentos da sociedade ou grupo de pessoas.
São exemplos de direitos dos trabalhadores, dentre outros: jornada de trabalho de 8
horas diárias, salário mínimo, décimo-terceiro, férias, horas extras, intervalo intra e
inter jornada e adicional noturno e por insalubridade. Na realidade, funcionam como
verdadeiros direitos fundamentais do trabalhador, porque se referem diretamente a
questões de segurança e preservação das suas integridades físicas e morais.
Os idosos ganharam inclusive legislação própria quando do nascimento do Estatuto
do Idoso. Os deficientes recebem tratamento fundamental. As crianças, ganharam
proteção basilar com o surgimento do ECA – Estatuto da criança e do adolescente.
Já a mulher, vem ganhando proteções específicas, principalmente no que tange à
sua proteção integral contra agressões e violência doméstica, porquanto a existência
de legislação específica (vide Lei Maria da Penha).
Os direitos fundamentais são, ao mesmo tempo, direitos subjetivos e elementos
fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os
direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor seus
interesses em face dos órgãos obrigados. Deve haver alguma contenção no
alargamento da titularidade dos direitos subjetivos fundamentais a pessoas
coletivas. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional
objetiva, os direitos fundamentais formam a base do ordenamento jurídico de um
Estado de Direito democrático.
19
Enfim, a idéia de proteção dos direitos fundamentais refere-se aos cidadãos de um
modo geral, enquanto sujeitos de direito atuantes da esfera pública e privada. É a
Constituição Federal, instrumento amplo e eficaz nesse sentido. A sua aplicabilidade
efetiva, no entanto, estará dependente de questões práticas a serem detalhadas no
próximo capítulo.
2.2 A APLICABILIDADE DOS PRINCIPIOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.
A doutrina pátria, de uma maneira geral, prescreve que toda a norma constitucional
apresenta de alguma forma eficácia. Algumas apresentam eficácia jurídica e social
e outras apenas eficácia de cunho jurídico. A norma constitucional pode ser de
eficácia plena, limitada ou contida, numa doutrina firmada pelo jurista José Afonso
da Silva.
A norma de eficácia jurídica plena, de aplicabilidade direta e imediata é a norma
constitucional que desde o momento em que está em vigor, está apta a produzir
todos os seus reais e integrais efeitos, independentemente de qualquer norma de
natureza integrativa.
A norma de eficácia limitada, também denominada de norma de aplicabilidade
mediata, é aquela que desde o momento da entrada em vigor, apesar de sua
existência material, não possui aplicabilidade prática, sendo destituída de eficácia.
Isso ocorre, por não se encontrar regulamentada quanto ao seu campo e forma de
atuação social, necessitando, para tanto, de norma integrativa de natureza
infraconstitucional, para que venha a produzir seus efeitos.
De outro lado, a norma constitucional de eficácia e aplicabilidade contida, é aquela
que tal como a de eficácia e aplicabilidade plena, produz efeitos desde o momento
da sua entrada em vigor, não necessitando de norma integrativa de natureza
infraconstitucional para que venha a produzir efeitos jurídicos. Entretanto, poderá
haver norma infra legal, limitando o campo de atuação, inicialmente assegurado pelo
legislador, seja ele proveniente de Poder Constituinte Originário ou derivado.
A afirmativa de que a “República Federativa do Brasil” constitui-se em “Estado Democrático de Direito” não é uma mera promessa de organizar-se esse tipo de Estado, mas a proclamação de que a Constituição está fundando um novo tipo de Estado, e, para que não se atenha a isso apenas
20
em sentido formal, indicam-se lhe objetivos concretos, embora de sentido teleológico, que mais valem por explicitar conteúdos que tal tipo de Estado já contém, como discutiremos mais adiante. (SILVA, 2000, p. 96)
Portanto, a aplicabilidade dos direitos fundamentais ocorre na medida em que não
se encara a Constituição sob um viés meramente formal. Existem normas implícitas
e explícitas nelas contida. E para chegar aos seus significados deve-se encara-la
sob um viés principiológico, sempre tendente a maximizar a aplicabilidade dos
direitos fundamentais.
Os direitos contidos nas legislações devem possuir força normativa. Essa força se
alcança com uma crescente ampliação de atuação das cortes constitucionais
capazes de exercer o julgamento político dos litígios de interesse coletivo. Além
disso, o processo legislativo deve estar sempre pautado na probidade e na defesa
dos princípios constitucionais sensíveis anexados aos comportamentos sociais e aos
movimentos organizados pela comunidade.
É principalmente, nos meios alternativos de resolução dos conflitos que a
aplicabilidade dos direitos fundamentais se manifesta, na sua forma mais atual.
Veja-se, por exemplo, a mediação e arbitragem. A arbitragem, há décadas utilizadas
nos países desenvolvidos, é regulamentada no Brasil pela Lei 9.307/96, a chamada
Lei da Arbitragem.
É amplamente reconhecida, nos dias atuais, como o método mais eficiente de
resolução de conflitos, contribuindo para uma maior eficácia do Poder Judiciário.
Na arbitragem impera a autonomia da vontade das partes envolvidas, manifestada
em certos aspectos. É que são elas que definem os procedimentos que disciplinarão
esse processo, que estipulam o prazo final para sua condução, que indicam os
árbitros que avaliarão e decidirão acerca da controvérsia.
2.3 A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO
Os direitos fundamentais, sendo de extrema importância para um Estado
Democrático de Direito, encontraram como ferramenta de efetivação, as
Constituições. E, no que se refere a elas, há que se invocar uma necessidade de as
tornarem efetivas e garantistas. Surge, portanto a teoria da “Força normativa da
21
Constituição”, proposta por Konrad Hesse, então professor de Direito Constitucional
na Alemanha, na época da sua proposição.
Há que se afirmar que, no que se refere à noção de Constituição, existem as normas
que possuem eficácia, porque de acordo com as práticas sociais existentes em
determinado momento da história da Nação. Quanto a essas normas, não o que
preocupar-se já que estão cumprindo tranquilamente o seu papel de regular as
condutas em prol do interesse público.
No entanto, há normas em que a sua eficácia está comprometida. E isso pode
acontecer por diversos motivos. São os mais comuns, os que se referem às
variações constantes de interpretações da norma em questão que já não cumpre
com o seu papel de regulamentar as condutas, sobretudo quando estão
constantemente em discussão pelos Tribunais Superiores. Quando atingem esses
Tribunais, para o questionamento de sua compatibilidade com a Carta Magna é que
a questão realmente se torna complexa, surgindo a necessidade de reformas.
O significado da ordenação jurídica na realidade e em face dela somente pode ser apreciado se ambas — ordenação e realidade — forem consideradas em sua relação, em seu inseparável contexto, e no seu condicionamento recíproco. Uma análise isolada, unilateral, que leve em conta apenas um ou outro aspecto, não se afigura em condições de fornecer resposta adequada à questão. Para aquele que contempla apenas a ordenação jurídica, a norma “está em vigor” ou “está derrogada”; Não há outra possibilidade. Por outro lado, quem considera, exclusivamente, a realidade política e social ou não consegue perceber o problema na sua totalidade, ou será levado a ignorar, simplesmente, o significado da ordenação jurídica. (HESSE, 1991, p. 13.)
A Constituição é dotada de força ativa e modificativa. Não pode se imaginar, em
tempos atuais, nem mesmo em tempos remotos, a possibilidade de uma Carta
imutável e pouco atenta aos fenômenos sociais. As práticas as influenciam e a
normatização condiciona essas práticas gerando um mecanismo de retro-
alimentação capaz de tornar a regulamentação das condutas mais natural e
disciplinadora.
Pode-se afirmar que a Constituição jurídica está condicionada pela realidade
histórica, sem, contudo, está separada da realidade de seu tempo, e também que as
possibilidades e os limites da sua força resultam da relação entre ser e dever ser.
Nas situações de emergência ou no estado de necessidade é que se configura o
ponto crucial.
22
Como a Constituição jurídica possui sentido próprio em face da Constituição real,
não se cogita da perda de legitimidade do Direito Constitucional enquanto ciência
jurídica.
O Direito Constitucional deve exprimir em que condições as normas constitucionais
adquirem maior eficácia, desenvolvendo a dogmática e a interpretação, dado que lhe
compete enfatizar, estimular e manter a vontade de Constituição, a qual consiste na
maior garantia de sua força normativa.
A força que constitui a essência e a eficácia da Constituição reside na natureza das coisas, impulsionado-a, conduzindo-a e transformando-se, assim, em força ativa. Corno demonstrado, daí decorrem os seus limites. Daí resultam também os pressupostos que permitem à Constituição desenvolver de forma ótima a sua força normativa. Esses pressupostos referem-se tanto ao conteúdo da Constituição quanto à práxis constitucional. (HESSE, 1991, p. 20)
A paz social e o bem-comum geral serão mais bem alcançados com essa noção de
mutação constitucional. Somente com ela, poderá se imaginar uma sensibilidade
capaz de nutrir a produção de normas dotadas de alto grau de influência
principiológica, apta à regular um grande leque de condutas com substância e
referência sócio-política.
Tal como acentuado, constitui requisito essencial da força normativa da Constituição que ela leve em conta não só os elementos sociais, políticos, e econômicos dominantes, mas também que, principalmente, incorpore o estado espiritual (geistige Situation) de seu tempo. Isso lhe há de assegurar, enquanto ordem adequada e justa, o apoio e a defesa da consciência geral. (HESSE, 1991, p. 26.)
Em caso de conflito, a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a
parte mais fraca. Existem pressupostos realizáveis que, mesmo em caso de
confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição. Apenas quando
esses pressupostos não puderem ser satisfeitos, dar-se-á a conversão dos
problemas constitucionais, enquanto questões jurídicas, em questões de poder.
Afigura-se, igualmente, indispensável que a Constituição mostre-se em condições de adaptar-se a uma eventual mudança dessas condicionantes. Abstraídas as disposições de índole técnico-organizatória, ela deve limitar-se, se possível, ao estabelecimento de alguns poucos princípios fundamentais, cujo conteúdo específico, ainda que apresente características novas em virtude das céleres mudanças na realidade sócio-política, mostre-se em condições de ser desenvolvido. A “constitucionalização” de interesses momentâneos ou particulares exige, em contrapartida, uma constante revisão constitucional, com a inevitável desvalorização da força normativa da Constituição. (HESSE, 1991, p. 29)
A Constituição jurídica é dependente da realidade histórica, não podendo ser
afastada da realidade concreta de seu tempo, conseguindo atribuir, assim, forma e
23
modificação à realidade. Quanto mais intensa for a pretensão constitucional, menos
significativas hão de ser as restrições e os limites impostos à força normativa da
Constituição, mas essa vontade de Constituição, porém, não é capaz de suprimir
totalmente esses limites, pois nenhum poder do mundo, nem mesmo a Constituição,
pode alterar as condicionantes naturais, as mudanças da realidade. A força
normativa da Constituição é apenas uma das forças de cuja atuação resulta a
realidade do Estado.
Se as hipóteses da força normativa encontrar contrapartida na Constituição, e se em
tempos difíceis a Constituição lograr preservar a sua força normativa, então ela
configura verdadeira força viva capaz de proteger a vida do Estado contra as
imensas investidas do arbítrio. Pois não é em tempos tranqüilos e de paz que a
Constituição normativa vê-se submetida à sua prova de força, mas sim em tempos
de emergência e necessidade que é quando ela prova sua força.
Não se deve esperar que as tensões entre ordenação constitucional e realidade política e social venham a deflagrar sério conflito. Não se poderia, todavia, prever o desfecho de tal em bate, uma vez que os pressupostos asseguradores da força normativa da Constituição não foram plenamente satisfeitos. A resposta à indagação sobre se o futuro do nosso Estado é uma questão de poder ou um problema jurídico depende da preservação e do fortalecimento da força normativa da Constituição, bem como de seu pressuposto fundamental, a vontade de Constituição. Essa tarefa foi confiada a todos nós. (HESSE, 1991, p. 32)
A força normativa da Constituição, não está assegurada de plano, configurando
missão que somente em determinadas condições, poderá ser realizada de forma
excelente. Compete ao direito constitucional realçar, despertar e preservar a vontade
de Constituição, que, indubitavelmente, constitui a maior garantia de sua força
normativa. Pois a resposta à indagação sobre se o futuro de um Estado é uma
questão de poder ou um problema jurídico depende da preservação e do
fortalecimento da força normativa da Constituição. Portanto, a força normativa da
Constituição deve lutar fortemente para ter essa pretensão de eficácia, e assim
poder reger inteiramente com mais segurança e vigor, acompanhando as devidas
alterações fáticas que acontecem no mundo hoje.
24
3 O GARANTISMO PROCESSUAL PENAL NA CRFB/88 E A PROTEÇÃO DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS.
Há alguns significados pala o termo garantismo. Isso ocorre na medida em que se
trata de uma teoria e, portanto, podem surgir diferentes interpretações sobre a
matéria. No entanto deve-se esclarecer que o seu maior defensor, o italiano Luigi
Ferrajoli foi bastante claro no enunciado dos seus possíveis significados. Isso leva a
se concluir que embora o termo possua vários significados, é preciso ter em mente
que existem alguns significados que são básicos.
Passa-se agora, a examinar cada um desses significados. Segundo um primeiro
significado, “garantismo” designa um modelo normativo de direito: precisamente, no
que diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidade”, próprio do Estado
de Direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo
ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica de tutela
idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico,
como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos
direitos dos cidadãos. É, conseqüentemente, “garantista” todo sistema penal que se
conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente.
(FERRAJOLI, 2002, p. 684).
Analisa-se cada uma das colocações de Ferrajoli. O que ele quis dizer quando fala
em plano epistemológico não é algo difícil de compreender. Ele quis dizer nada mais
nada menos do que a idéia de que o garantismo pode funcionar perfeitamente como
um mecanismo de teoria do conhecimento e de ciência jurídica. É o garantismo sob
um viés epistemológico, que nesse aspecto, torna-se útil na medida em que funciona
como sistema cognitivo que ajuda a compreender o fenômeno jurídico. No que se
refere ao plano político, funcionaria o garantismo como uma técnica de se minimizar
a violência, maximizando-se a liberdade.
Portanto busca o garantismo proteger a liberdade do acusado que está sendo
colocada em xeque na medida em que este responde a um processo criminal que
deve ser orientado pelo principio da presunção do estado de inocência, princípio
este que será discutido um pouco mais a frente. E, por fim, sob o plano jurídico,
seria o garantismo enxergado como um sistema, garantia dos direitos do cidadão. E
25
esses direitos seriam garantidos a partir de um sistema de vínculos impostos à
função punitiva do Estado.
Isso se torna aplicável na medida em que existam dentro do sistema punitivo do
Estado, mecanismos de se frear a mera retribuição sempre tendo como norte, por
exemplo, o princípio do in dúbio pro réu. Seria então, o garantismo, sob um primeiro
enfoque, um modelo normativo de direito. A partir daí pode-se ramificá-lo em três
planos. Seriam esses, portanto, os planos epistemológicos, político e jurídico. Trata-
se na realidade de uma delimitação do alcance que a teoria garantista poderia
conseguir chegar a influenciar os aplicadores do direito. Essa influência só poderia
ser realizada dentro desses três planos supramencionados. Fica caracterizado,
portanto, dessa forma o pensamento de Ferrajoli no que se refere a um primeiro
significado de sua teoria garantista.
O autor italiano explica em sua obra um pouco da efetividade do sistema
constitucional, sob um viés de sistema garantista-constitucional. Aduz Ferrajoli que
os princípios constitucionais garantistas, são por muitas vezes de fato existentes, no
entanto esses últimos não são efetivados na prática. É que pode um determinado
ordenamento jurídico possuir muitas normas importantes e úteis, mas serem
destituídas de eficácia. A grande questão que se coloca é esta: como tornar o
ordenamento jurídico um sistema eficaz de proteção aos direitos do individuo? A
resposta para essa indagação poderia ser a seguinte: a eficácia da proteção dos
direitos do individuo encontra-se na medida em que se busque efetivar os direitos e
garantias fundamentais do individuo.
Acerca da relação entre garantismo e proteção dos direitos fundamentais, tal tema
será discutido posteriormente, depois de feitas as devidas considerações acerca da
presença das teorias garantistas no processo penal. Diz ainda o autor citado, que as
garantias seriam na realidade técnicas coercitivas que propiciam o controle e a
neutralização do poder e do direito ilegítimo. Portanto, o garantismo seria um modelo
teórico pronto e útil para combater as injustiças e as ilegalidades.
Em um segundo significado, “garantismo” designa uma teoria jurídica da “validade” e da “efetividade” como categorias distintas não só entre si, mas, também, pela “existência” ou “vigor” das normas. Neste sentido, a palavra garantismo exprime uma aproximação teórica que mantêm separados o “ser” e o “dever-ser” no direito; e, aliás, põe como questão teórica central, a divergência existente nos ordenamentos complexos entre modelos normativos (tendentemente garantistas) e práticas operacionais (tendentemente anti-garantistas), interpretando-a com a antinomia – dentro
26
de certos limites, fisiológica e fora destes, patológica – que subsiste entre validade (e não efetividade) dos princípios e efetividade (e invalidade) das segundas. (FERRAJOLI, 2002, p. 684)
Há aqui uma questão muito interessante que nos conduz a uma discussão não de
direito constitucional e penal, mas sim para um debate acerca de um tema ligado à
teoria do direito. Trata-se, sucintamente, de uma teoria criada por Luis Alberto Warat
(jurista argentino) chamada de senso comum teórico dos juristas. Diz Warat que os
meios de aplicação do direito e os seus aplicadores (juízes, advogados, promotores,
etc.) estariam de certa forma vinculados a uma “prática” jurídica tendente a
perpetuar um “modus operandi”. (WARAT, 1994, p. 113)
Estabelecendo uma relação com o pensamento de Ferrajoli, seria para este uma
“prática operacional”, que gradativamente pode perpetuar rompimento com valores
éticos e principiológicos. Há, portanto, um liame de ligação entre as duas teorias
citadas que se torna útil para a discussão da aplicabilidade dos princípios
constitucionais e garantistas. Poderia ser feita a seguinte indagação: como tornar
aplicável os princípios garantistas em um cenário de forte resistência caracterizado
por práticas operacionais de negação a esses princípios? Como resposta a essa
pergunta poderia ser dito o seguinte: cabe aos aplicadores do direito procurarem
brechas no senso comum teórico dos juristas para se conceder uma maior
efetividade aos direitos e garantias fundamentais.
O garantismo opera como doutrina jurídica de legitimação e, sobretudo, de perda da legitimação interna do direito penal, que requer dos juízes e dos juristas uma constante tensão crítica sobre as leis vigentes, por causa do duplo ponto de vista que a aproximação metodológica aqui delineada comporta seja na sua aplicação seja na sua explicação: o ponto de vista normativo, ou prescritivo, do direito válido e o ponto de vista fático, ou descritivo, do direito efetivo. (FERRAJOLI, 2002, p. 685)
Há que se dizer, portanto, da leitura do trecho da obra de Ferrajoli que deve ser feita
por parte dos juízes e juristas, uma constante crítica sobre as leis vigentes. Isso
ocorre na medida em que nem todo o direito posto é o mais justo. Sabe-se que o
legislador não é perfeito nas suas edições legais e, portanto, comete falhas. Falhas
essas que devem ser revistas no momento da aplicação do direito por parte dos
juízes e em discussões e debates por parte dos juristas numa busca constante por
revisões e correções de possíveis erros normativos.
Segundo um terceiro significado, por fim, “garantismo” designa uma filosofia política que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia constituem a finalidade. Neste último sentido o garantismo pressupõe a doutrina laica da separação entre direito e moral, entre
27
validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto de vista externo, na valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” e o “dever ser” do direito. (FERRAJOLI, 2002, p. 685)
Seria o garantismo como uma filosofia política tendente a relativizar conceitos
anteriormente estabelecidos como, por exemplo, a dicotomia entre direito e moral e
ser e dever ser. Mesmo nesse sentido é preciso tecer alguns comentários acerca da
separação proposta por Ferrajoli entre direito e moral. Não há que separar esses
dois termos já que ambos se influenciam mutuamente e às vezes, fica difícil até
mesmo de saber aonde começa a moral e aonde termina o direito ou vice-versa.
É que é o Direito, ciência social aplicada que se destina a estudar a normatização de
condutas dos indivíduos em uma determinada sociedade, com o intuito de por fim
aos litígios através da pacificação social. Trata-se de uma ciência carregada de
valores tomando como pressuposto a teoria do tridimensionalismo jurídico, criada
pelo filósofo do Direito, Miguel Reale, donde o fenômeno jurídico poderia ser
resumido em fato, valor e norma. Simplifica-se: são valores que apontariam para
fatos que por sua vez se transformariam em norma. Isso tudo de uma maneira bem
sucinta. E, portanto as aproximações entre Direito e moral restam intensas na
medida em que moral é o valor transcrito em valores morais. É o valor moral.
Portanto, há que se discordar da separação proposta por Ferrajoli entre direito e
moral.
Se for verdade que o garantismo coincide com a forma de tutela dos direitos vitais
dos cidadãos que se realiza historicamente por meio da sua positivação no Estado
de direito, tal não é concebível fora do horizonte teórico do positivismo jurídico. Este
horizonte vem se delineando, por sua vez, entre experiência jurídica e política
moderna. Modernas, mais exatamente, são, por um lado, a forma estatal do direito
e, por outro, a forma jurídica do Estado.
Foi precisamente na Idade Moderna, com a formação dos Estados nacionais e com o desenvolvimento das codificações, que se afirmou a forma e o monopólio estatal da produção jurídica, ou seja, o princípio de que são jurídicas todas e somente as normas produzidas pelo Estado. E foi, logo então, sucessiva às declarações setecentistas dos direitos e depois aos estatutos e às constituições que se seguiram ao longo de todo o século passado, a afirmação da forma e da legitimação jurídica do Estado, ou seja, da sujeição à lei de todos os poderes públicos segundo as formas supra-analisadas do “Estado de direito”. (FERRAJOLI, 2002, p. 696)
Agora, a partir da análise dessas assertivas de Ferrajoli, percebe-se que se abre
campo, agora a discussões um pouco mais amplas no que se refere à aplicabilidade
do garantismo na proteção aos direitos fundamentais do indivíduo. É que o autor
28
citado começa a delinear as possíveis relações entre garantismo e
constitucionalismo. Aduz o autor italiano que há um horizonte teórico do positivismo
jurídico em que deve o garantismo atuar. Que horizonte teórico seria este? Seriam,
na realidade, os limites legais de aplicabilidade dos princípios garantistas no
ordenamento jurídico positivado.
A modernidade se delineia na medida em que existam por um lado, a forma estatal
do direito e, por outro, a forma jurídica do Estado. A forma estatal do direito é aquela
que exista dentro de um determinado país sob o manto da sua respectiva
Constituição. Isso pode ser explicado através da aplicabilidade da teoria pura do
direito, proposta por Hans Kelsen. E o que ela quer dizer? Em síntese seria uma
teoria que justificasse a existência do próprio direito. É que o direito e o
ordenamento jurídico deveriam ser enxergados como um sistema. Um sistema
dotado de regras próprias de existência. Há uma norma hipotética fundamental que
fundamenta a existência de uma norma logo posterior a ela que seria a Constituição.
E, conseqüentemente daria a Constituição fundamentação a todo o ordenamento
jurídico.
A Constituição estaria, portanto, no topo do ordenamento jurídico sendo chamada
também de lei maior ou até mesmo por carta magna. É com o surgimento do Estado
que surgem também as Constituições. Poder-se-ia fazer um breve escorço histórico
sobre o constitucionalismo falando de temas como força normativa da constituição,
mas exorbitaria dos limites a serem impostos na elaboração do presente trabalho.
Mas é bom deixar claro que o tema em questão (constitucionalismo) é bastante
complexo e necessita de muitas teorias para ser fundamentado.
Trouxe à tona essa questão, pois fica claro agora com essas últimas frases de
Ferrajoli a relação entre teoria garantista e direito constitucional. Fala, por fim à
sujeição à lei de todos os atos dos indivíduos, dando ensejo à formação do estado
de direito, regulamentado pelas leis. Também não é objeto do presente trabalho
tecer comentário sobre este tema que é muito interessante, no entanto é
desnecessário no que se refere ao seu principal objetivo que é falar a respeito das
violações aos direitos fundamentais as provas obtidas por meio de interceptação
telefônica. O que se pretende deixar claro é que para se construir conceitos
referentes à questão da interceptação telefônica é necessário falar do garantismo
29
como sistema apto a proteger direitos fundamentais do individuo e, principalmente,
para o âmbito de pesquisa do referente trabalho, da proteção à intimidade.
É necessário para que se aplique uma pena que exista previamente o devido
processo penal. Há uma relação entre Direito Penal e processo penal. E, nessa
relação existe o modelo de Direito Penal mínimo que, por sua vez corresponde um
processo penal garantista. É preciso que se minimizem os espaços impróprios da
discricionariedade judicial, garantindo os direitos do investigado. Há de ser
evidenciada uma necessária utilização da estrutura do processo, em que, há uma
atuação de um terceiro imparcial, cuja designação não corresponde à vontade das
partes e resulta da imposição da estrutura jurisdicional. Somente o processo, como
instituição estatal, é estrutura legitima para a imposição da pena.
Estabelece-se o caráter instrumental do processo penal em relação ao Direito Penal
e á pena, pois o processo é o caminho necessário para a pena. Cabe aos juízes e
tribunais declarar o delito e cominar a pena aplicável. Essa operação deve
necessariamente ser norteada pelo processo penal válido e com todas as garantias
constitucionalmente estabelecidas para o acusado. Há que se dizer que na
modernidade prevalece a existência da justiça estatal e do processo. É preciso falar,
portanto, da questão da instrumentalidade. É preciso esclarecer que o processo é
um instrumento e que essa é a razão de sua existência. Ademais, o Direito Penal
careceria por completo de eficácia sem a pena, e a pena sem processo é
inconcebível, um verdadeiro retrocesso. Há, portanto, uma relação e interação entre
Direito e Processo, que é evidente.
Com isso, concluímos que a instrumentalidade do processo penal é o fundamento
de sua existência, mas com uma especial característica: é um instrumento de
proteção dos direitos e garantias individuais. É uma especial conotação do caráter
instrumental e que só se manifesta no processo penal, pois se trata de
instrumentalidade relacionada ao Direito Penal, à pena, às garantias constitucionais
e aos fins políticos e sociais do processo. É o que denominamos instrumentalidade
garantista.
No garantismo, o juiz passa a assumir uma relevante função de garantidor, que não
pode ficar inerte ante violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais
constitucionalmente consagrados, como no superado modelo positivista. O juiz
30
assume uma nova posição no Estado Democrático de Direito, e a legitimidade de
sua atuação não é política, mas constitucional, consubstanciada na função de
proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um, ainda que para isso
tenha que adotar uma posição contrária à opinião da maioria. Deve tutelar o
indivíduo e reparar as injustiças cometidas e absolver, quando não existirem provas
plenas e legais (atendendo ao princípio da verdade formal).
No modelo garantista não se admite nenhuma imposição de pena: sem que se
produza a comissão de um delito; sem que ele esteja previamente tipificado por lei;
sem que exista necessidade de sua proibição e punição; sem que os efeitos da
conduta sejam lesivos para terceiros; sem o caráter exterior ou material da ação
criminosa; sem a imputabilidade e culpabilidade do autor; e sem que tudo isso seja
verificado através de uma prova empírica, levada pela acusação a um juiz imparcial
em um processo público, contraditório, com amplitude de defesa e mediante um
procedimento legalmente preestabelecido.
Como destaca Ferrajoli em diversos momentos, a dúvida deve ser resolvida sempre
pela aplicação do princípio in dúbio pro reo (critério pragmático de solução das
incertezas jurisdicionais) e a manutenção da presunção de inocência.
Há que se fazer uma relação entre o garantismo penal proposto por Ferrajoli e a
proteção dos direitos fundamentais. É muita próxima a relação entre os dois temas.
É que o garantismo surge como um conjunto de princípios capazes de dar aos
direitos fundamentais um caráter mais enfático e aplicável aos casos concretos. Os
direitos fundamentais tornam-se mais enfáticos com o garantismo na medida em que
é essa teoria útil na medida em que elenca princípios que guardam relações com a
proteção dos direitos fundamentais.
O próprio princípio da presunção do estado de inocência é na realidade um
mecanismo de se fazer valer a proteção à dignidade da pessoa humana. É que com
a presunção de inocência a uma maior proteção à pessoa do acusado perante os
anseios estatais punitivos que garantem a eficácia da dignidade da pessoa humana
que é um direito fundamental.
É garantia da própria efetivação de um direito fundamental ainda maior que é o da
liberdade insculpido no art. 5°, caput da CRFB/88. Portanto, é com a presunção da
inocência que estará sendo efetivado o direito fundamental à liberdade, senda esta
31
última valorizada pela presunção citada. E, concede aos direitos fundamentais um
caráter mais aplicável na medida em que serve de norte para o juiz, no caso
concreto, aplicando a teoria garantista, poderá também fortalecer os direitos
fundamentais.
O que se propõe é uma aplicabilidade dos princípios garantistas sob um enfoque
hermenêutico de interpretação dos direitos fundamentais sob um viés garantista.
Nos casos em que houver mais de uma interpretação possível é preciso que se
coloquem os princípios garantistas em um plano superior já que esses servem como
mecanismo de proteção dos direitos fundamentais. Mas, como isso pode ser
efetivamente aplicado? É simples. Basta que os juízes cheguem à conclusão de que
os direitos fundamentais para serem aplicados concretamente, muitas vezes
carecem de um arcabouço teórico. E, esse arcabouço teórico pode ser facilmente
conseguido através de uma aplicação da teoria garantista que guarda forte relação
com a proteção dos direitos fundamentais. Isso ocorre porque os direitos
fundamentais de certa forma são também garantias. São garantias que os cidadãos
possuem contra o arbítrio do homem médio. Cumprem, na realidade, nos dizeres de
Canotilho (1991, p. 157),
A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implica, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).
Resta caracterizada a relação entre garantismo penal e proteção dos direitos
fundamentais. O garantismo cumpre praticamente as mesmas funções que os
direitos fundamentais. São conquistas dos indivíduos perante as omissões do poder
público e as ingerências praticadas na esfera jurídica individual. No que se refere ao
garantismo penal há que se destacar a proteção á liberdade como direito
fundamental básico do individuo. É justamente isso que o difere dos demais ramos
do direito. É a liberdade valor máximo que o direito penal deve buscar preservar já
que as possíveis conseqüências punitivas do delito se resumem à privação desse
direito fundamental primordial do individuo (acusado) que é a liberdade.
32
4 A LÓGICA DAS PROVAS EM MATÉRIA PROCESSUAL PENAL
Há que se dizer que no estudo da lógica das provas em matéria processual penal é
preciso que se façam comentários iniciais acerca da prova. É que se torna
necessário que se proponha um conceito do que é prova para depois tratar das
provas ilícitas e das interceptações telefônicas.
Pode-se dizer que a prova é o elemento integrador da convicção do juiz com os
fatos da causa, daí sua relevância no campo do direito processual. (AVOLIO, 1995,
p. 20)
Ainda conceituando a prova pode-se citar Nicola Framarino Dei Malatesta, nos
seguintes termos:
A prova é a relação concreta entre a verdade objetiva e a certeza subjetiva. E como certeza encontra sua perfeição na convicção racional, que se resolve na consciência da certeza consentida e segura, assim, concluindo, pode-se dizer que a prova é a relação particular e concreta entre a verdade e a convicção racional. (MALATESTA, 2008, p. 90.)
Na realidade a prova é um instrumento pelo qual o estado-juiz poderá fazer algum
juízo de valor sobre o fato. É que a prova é um meio bastante eficiente para se
chegar a alguma conclusão sobre algo. Mais que isso a prova representa momento
decisivo no processo como aduz Luiz Francisco Torquato Avolio:
A atividade probatória, segundo Trocker, representa o momento central do processo. Estritamente ligada à alegação e indicação dos fatos, visa a oferecer ao juiz a demonstração da verdade dos fatos deduzidos ou levados ao conhecimento em juízo – ou, mais precisamente – de tal grau de verosimiglianza de modo a poder excluir razoavelmente as incertezas – e assume, portanto, uma importância fundamental para a formação do provimento jurisdicional. (AVOLIO, 1995, p. 25)
A prova além de tudo o que foi exposto também têm um importante papel quando se
trata do tema da convicção do juiz. É que para decidir sobre o algo o magistrado
deve ter certeza sobre o que está sendo investigado. É com um conjunto de provas
que se chegará a uma convicção, ou seja, um juízo de valor concreto sobre o que se
está investigando. Nesse sentido, deve-se citar os ensinamentos de Malatesta nos
seguintes termos:
A convicção é o resultado de muitos motivos não pré-determinados e funda-se em uma série indefinida e imprevisível de pequenas circunstâncias. Mesmo quando o legislador com um longo e paciente trabalho de análise, quisesse pôr de lado todas as variedades possíveis na
33
contingência das provas, depois de ter produzido um código com milhares de artigos, encontrar-se-ia necessariamente na imprevisão de não ter previsto. Só teria, certamente, multiplicado por milhares os vínculos impostos à consciência do juiz, para a qual cada um destes artigos poderia, em determinadas circunstâncias, não ser senão uma porta fechada em face à verdade. (MALATESTA, 2008, p. 98)
A prova ilícita é aquela que determinado ordenamento jurídico considera como
“contaminada” de algum vício que prejudique o bom andamento do processo. A
contaminação ocorre no momento em que essa prova está indo de encontro de
alguma forma com o ordenamento jurídico. Portanto, em uma primeira análise essa
prova ilícita teria que ser descartada. É tema de fortes discussões a questão da
admissibilidade das provas ilícitas. Julio Fabbrini Mirabete, processualista pátrio,
tratando sobre esse tema diz que:
Cortando cerce qualquer discussão a respeito da admissibilidade ou não de provas ilícitas em juízo, a Constituição Federal de 1988 expressamente dispõe que ‘são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos’. Deu o legislador razão a corrente doutrinária que sustentava não ser possível ao juiz colocar, como fundamento da sentença, prova obtida ilicitamente. (MIRABETE, 2002, p. 260)
Antônio Magalhães Gomes Filho, por sua vez traz para os debates uma importante
contribuição no sentido de estabelecer a diferença entre prova ilícita e ilegítima. Nos
dizeres do autor citado:
Quando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova (rectius, o meio de prova) será ilegítima (ou ilegalmente produzida); quando, pelo contrário, a proibição for de natureza material, a prova será ilícita (rectius, à fonte de prova será ilicitamente colhida.) (GOMES FILHO, 2006, p. 31)
Isso tem impacto na teoria norte-americana denominada "fruits of the poisonous
tree" (teoria da árvore envenenada) que é aquela que faz comunicar o vício da
ilicitude da prova obtida com violação a regra de direito material a todas as demais
provas produzidas a partir daquela. Aqui tais provas são tidas como ilícitas por
derivação. É o caso, por exemplo, da obtenção do local onde se encontra o produto
do crime através da confissão do suspeito submetido à tortura.
A justificativa é nítida tendo-se em vista que a admissão de provas que por si
mesmas sejam idôneas, mas que só foram obtidas através de práticas ilícitas, que
ferem direitos subjetivos, muitas vezes até constitucionais, seria legalizar o ilícito e,
além disso, estimula-lo.
“O Estado, assim, deve restringir, limitar, proibir ou impedir a utilização de
determinados meios de prova, ou o seu uso em relação a certos fatos. Tudo em prol
da defesa dos valores sociais, dentre os quais avultam a liberdade e a intimidade.”
34
(AVOLIO, 1995, p. 21).
Nota-se na enunciação dos fundamentos em prol da admissibilidade das provas ilícitas, mormente naqueles referidos a principio, um exacerbado apego à busca da verdade real, e paralelamente, uma incipiente consciência dos valores atinentes às liberdades públicas. Como expressão da moderna doutrina espanhola, Lopez postula a inadmissibilidade da prova ilegalmente obtida (utilizando esta terminologia), de forma bastante ampla, não efetuando qualquer das distinções que a doutrina dos ordenamentos mencionados acaba por reconhecer. (AVOLIO, 1995, p.51)
É o caso da interceptação telefônica através da qual a polícia descobre um esquema
de tráfico de drogas com nomes de envolvidos, local que o objeto do crime será
repassado etc. A gravação, sem dúvida constituiria prova ilícita e seria excluída do
rol probatório do processo. Porém, é necessário saber se o flagrante dos envolvidos
no delito seria válido. Ao que consta, não, pois o bem jurídico tutelado (a intimidade)
seria, igualmente atingido. E, além disso, a interceptação não teve fulcro em ordem
judicial.
Observa-se, porém, que o direito à prova vem sempre limitado pelas regras de exclusão. Se esses forem, assim, os interesses em jogo a considerar não caberiam excluir-se qualquer prova ilícita quando fosse a única disponível nas circunstancias do caso concreto. (AVOLIO, 1995, p. 92).
As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas
decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a
investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento.
Tornam-se prova sem eficácia jurídica e sem valor algum no sentido de trazer à
discussão os indícios suficientes de autoria e a materialidade do fato. Não resta,
portanto, alternativa ao juiz do que conceder às ordens de relaxamento de prisão,
hábeas corpus ou até mesmo a absolvição sumária do acusado.
A prova em matéria criminal pode atingir diversas formas, objetos e sujeitos. Há provas de credibilidade, que não são propriamente provas quanto a um fato real, mas correspondem a uma ideia. Como o próprio nome sugere, estão relacionadas diretamente com uma possibilidade de existência do fato muito grande, mas não correspondem necessariamente à realidade, podendo levar uma interpretação errônea sobre os fatos. Quando se tem apenas uma idéia sobre o fato, não há que se falar em prova ou meio de prova, porque faz parte de um juízo de valor e não sobre juízos fáticos. Só são propriamente provas as que levam uma preponderância de razões afirmativas para crer em tais realidades. (MALATESTA, 2004, p. 87)
O fim maior do processo penal é a verificação do delito, em sua individualidade
subjetiva e objetiva. Só há que se falar em processo penal válido quando se há a
certeza do delito. O juízo final resolverá a condenação ou absolvição e é a certeza
35
do delito que legitima a condenação. Deve-se indagar, em um primeiro momento
como de uma prova poderá nascer à certeza do delito.
A prova seria, em matéria criminal, uma relação particular e concreta entre
convicção e verdade. Constatando-se que a natureza de toda relação é determinada
pela natureza dos seus limites, é por isso, na consideração dos dois limites daquela
relação que se chama prova, é na consideração da verdade objetiva e da convicção
subjetiva que encontraremos os princípios supremos da prova em geral.
Há que se falar na questão do convencimento que está diretamente relacionado com
a lógica das provas em matéria criminal. Ele não pode ser graduado como a certeza.
Ou as provas geram convencimento e aí está atingido o seu maior objetivo, ou não
são capazes de gerar convencimento algum. Há que se dizer que a certeza é
graduável. Nos dizeres de Malatesta:
Ora, cada uma das espécies de certeza não pode ser medida entre as outras se não em si mesma, e, por isso conclui a lógica que a certeza, sendo medida em si mesma, é graduável. A graduação da certeza leva, de seu lado, à graduação das provas. Daí as fantásticas determinações de prova plena, semiplena, semiplena maior, semiplena menor; e ainda os estranhos fracionamentos das metades, dos quartos e oitavos de provas. (MALATESTA, 2008, p. 328).
A palavra prova no processo, bem como em outros ramos das ciências, pode
assumir diferentes conotações. Há vários sentidos possíveis, tanto na linguagem
popular quanto no uso técnico, e dentre eles, o dos juristas. Em direito, prova é todo
meio destinado a convencer o juiz, a respeito da verdade de um fato levado a
julgamento. As provas fornecem elementos para que o juiz forme convencimento a
respeito de fatos controvertidos relevantes para o processo.
Há que se esclarecer que nesse tópico referente à lógica das provas em matéria
penal, foi utilizada basicamente a obra o autor Nicola Framarino Dei Malatesta
intitulada: “A lógica das provas em matéria criminal”. No bojo de sua obra, em dado
momento depois de feitas algumas considerações sobre prova, graduação de
provas, certeza, probabilidade e juízo de valor, o autor coloca um pensamento muito
interessante que se torna necessário à colocação da íntegra de tal pensamento a
seguir:
E é acobertada por semelhantes sofismas, como se fossem nobres mantos, que a justiça humana tem feito, por vezes, caírem cabeças inocentes, sem pensar finalmente e, sobretudo, que uma só condenação injusta é mais fatal para a tranquilidade humana que dez absolvições não merecidas! (MALATESTA, 2008, p. 95).
36
Há que se dizer que no que se refere ao convencimento do juiz, esse deve ser de
forma natural e não artificial, não criando, conseqüentemente, o influxo de razões
estranhas à verdade. Essa naturalidade do convencimento leva à naturalidade das
provas. A partir disso pode-se chegar a algumas regras relativas às provas: Em
primeiro ligar, é preciso que as provas se apresentem ao juiz de maneira imediata,
para que ele possa examiná-las diretamente e não através de impressões alheias.
Trata-se da originalidade das provas. Em segundo lugar, é preciso que o juiz não
seja violentado em sua consciência. O legislador não pode vincular o convencimento
do magistrado a determinadas provas. Em terceiro lugar, uma liberdade subjetiva
das provas, que ocorre exatamente no momento em que se respeitam as condições
genuínas da existência, como prova do sujeito probante. Essa liberdade subjetiva
pode ser violada em alguns casos. Exemplos disso é a alteração material da coisa
probante ou até mesmo na alteração moral da pessoa probante.
37
5 A PROTEÇÃO À INTIMIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL NA CRFB/88.
O direito à intimidade é quase sempre considerado como sinônimo de direito à
privacidade. Esta é uma terminologia do direito anglo-americano (right of privacy),
para designar aquele, mais empregada no direito dos povos latinos. (SILVA, 2000, p.
209)
Há que se dizer que existe uma relação extrema entre intimidade e privacidade. É
que é a privacidade, proveniente do termo privativo que sugere a idéia de algo
pertencente somente aquele individuo e que merece ser protegido. Na modernidade
esse termo vem sendo mitigado em face às necessidades de se romper fronteiras e
reduzir os espaços de privacidade das pessoas. É que, vivem-se momentos de
globalização em que as fronteiras são reduzidas tendo em vista os avanços dos
meios de comunicação em principal à internet e a telefonia.
O espaço do privativo, aquilo que pode ser designado como inerente ao sujeito vem
sendo massacrado, o que precisa ser combatido. De que adiantam avanços em
termos globalizantes se o individuo perde cada vez mais os seus momentos
privados, em que pode refletir mais acerca do seu próprio relacionamento em
sociedade? É que nas suas relações com a comunidade é preciso que se dê um
mínimo de respeito aos valores subjetivos. É o que se denomina atualmente em
direito de estar só. Portanto a intimidade relaciona-se com a privacidade na media
em que ambos os termos remetem aquilo que pode ser considerado como do âmbito
das subjetividades e das particularidades de cada um.
O direito à intimidade, como todos os demais, encontra limitações em seu exercício.
Assim é, por exemplo, com o direito à vida, admitindo-se plenamente a legítima
defesa. Também com relação ao direito de propriedade, tendo-se em vista a exigida
função social da propriedade e os chamados direitos de vizinhança. A afirmação de
que o direito à intimidade está tutelado pela Constituição brasileira não significa
tratar-se de um direito ilimitado. Portanto, o direito à intimidade também encontra
limitações, principalmente no tocante às demais liberdades públicas.
Os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção constitucional à vida
privada, salvaguardando em espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas
38
externas. A proteção constitucional, consagrada no inciso X do art. 5°, refere-se
tanto a pessoas físicas quanto a pessoas jurídicas, abrangendo, inclusive, à
necessária proteção à própria imagem frente aos meios de comunicação em massa
(televisão, rádio, jornais e revistas).
Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam interligação, podendo, porém, ser diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo. Assim, intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc. (MORAES, 2005, p. 47).
Portanto, restam protegida as intromissões externas por parte do Estado e dos
indivíduos aos elementos básicos de caracterização do espaço privado. E, se essas
intromissões forem ilícitas fica agravada a violação à intimidade que deve ser
combatida sob todas as formas, sobretudo em um Estado Democrático de Direito. É
que é característica desse modelo de Estado, a supremacia das leis que protegem
os indivíduos das ingerências. É como se existisse uma mão invisível que
controlasse as relações intersubjetivas com o intuito de proteger direitos
fundamentais.
É a intimidade considerada pelo ordenamento jurídico e pela doutrina um direito
fundamental. Há que se dizer que ela se refere tanto as pessoas físicas quanto as
pessoas jurídicas. Isso dever ser estimulado na medida em que a atividade
empresarial envolve grande número de pessoas e as violações a sua intimidade
podem existir, prejudicando um grande número de pessoas. Mas, o intuito deste
trabalho é relacionar à intimidade às pessoas físicas já que é contra elas que
ocorrem o maior número de violações à direitos.
O que pode ser percebido ao assistir telejornais é que ocorrem ilegalidades
veementes no que se refere à divulgação pública de conversa entre particulares
através da interceptação telefônica. Se, por um lado a prática da interceptação já é
algo reprovável o que se dirá então da veiculação de conversas no meio televisivo o
que provoca desde início violação à intimidade.
É que, muitas vezes com o intuito de obter crescimento em suas audiências, as
redes de televisão divulgam conversas entre particulares, o que viola o direito a
intimidade. É muito comum assistir à jornais em que são divulgadas conversas entre
traficantes, criminosos ou até mesmo pessoas que não se envolveram em qualquer
39
prática criminosa. Independentemente de estar à pessoa, envolvida ou não em
crime, é reprovável a conduta de certas emissoras televisivas de divulgar conversas
entre seus interlocutores.
O direito à intimidade não é um prolongamento de outros direitos da personalidade, mas, constitui, na realidade, uma categoria autônoma, podendo eventualmente um fato lesivo repercutir, por exemplo, nos direitos à honra, à imagem, ao segredo e sigilo profissional, à violação de domicílio e da correspondência etc. O direito à intimidade possui uma característica que lhe é próprio, consistente na condição de direito negativo, expresso exatamente pela não exposição ao conhecimento de terceiros de elementos particulares da esfera reservada do titular. Em se tratando de pessoas dotadas de notoriedade, em razão do exercício de suas atividades, pode ocorrer a revelação de fatos de interesse público, sem a sua concordância. Nesta hipótese há uma redução espontânea dos limites da privacidade. (LEYSER, 1999, p. 1)
O direito à intimidade deve ser considerado enquanto figura independente, muito
embora possua relações com outros direitos. Isso é importante que seja esclarecido
na medida em que no art.5°, parágrafo X, há uma colocação do direito a intimidade
junto com outros direitos como a honra e a vida privada. Não deve ser deixada de
lado a questão que esclarece que tal direito deve ser considerado autonomamente,
no entanto não se pode deixar de esclarecer que não deve ser considerado
isoladamente na medida em que se efetiva junto com a proteção dos demais direitos
fundamentais.
É que não foi por mero acaso que se procurou protegê-lo. Possui, portanto o direito
em tela características próprias, expresso pelos limites de exposição a terceiros de
elementos pertencentes à vida privada. O que a autora anteriormente citada
esclarece é justamente aquilo que já foi dito aqui que não se justifica a revelação de
fatos de interesse público, sem a concordância do interlocutor da conversa. Falamos
aqui de uma maneira stricto sensu, referindo aos meios de revelação de conversas
mediante interceptação telefônica. Como diz a autora do artigo, há uma redução,
nesses casos, dos limites da privacidade.
A noção do direito à intimidade é inata ao homem, tida pela maioria dos juristas
como um direito natural, o qual advém da própria natureza do homem,
independentemente de declaração positiva de tal direito em norma escrita. Deveras,
todo indivíduo prima desde os tempos mais remotos pela paz de espírito, pelo direito
ao recanto, pelo direito de ser deixado em paz, diante as ingerências alheias de
terceiros ou do próprio Estado.
40
Tais prerrogativas são inerentes e essenciais ao ser humano, pois representam ao indivíduo os limites e o equilíbrio da vida em sociedade, cuja dinâmica requer um mínimo de respeito e tolerância ao ser, sob pena de se aniquilar a parte (indivíduo) pelo todo (a sociedade) e comprometer a própria legitimidade desta, pois como é sabido, não só o indivíduo tem obrigações perante a sociedade, mas esta também possui obrigações perante o cidadão, entre elas, o respeito dos limites de seu agir, os quais não alcançam um círculo sagrado da pessoa, pela simples razão de que pertencem ao indivíduo e não a terceiros, nem a sociedade, e como tal, há de ser preservado. (GONZÁLES, 2004, p. 1)
É que o direito à intimidade está fora de padrões jurídicos de normatização de
direitos. Ele extrapola, portanto, a questão da positivação normativa, já que se refere
às questões básicas de própria sobrevivência do individuo. Resta esclarecer que a
sua proteção é das mais antigas dentro dos ordenamentos jurídicos, figurando sem
dúvidas como uma das conquistas mais importantes dos cidadãos. E, dentro de uma
concepção de Constituição cidadã, ele não poderia deixar de estar contemplado na
medida em que consiste numa vitória dos cidadãos em face de todas as formas de
ingerência.
É que é necessária a proteção das liberdades individuais que somente se
concretizam e se aplicam com a proteção à intimidade. Intimidade e liberdade
andam juntas. A liberdade somente é concretizada através da garantia de viver em
paz, longe das intromissões nas vidas humanas. São prerrogativas essências ao
bom viver do homem no seu dia-a-dia.
A vida em sociedade requer um mínimo de respeito ao recolhimento do individuo em
seu eu interior. Não se pode conceber que, ao viver em sociedade não se permita ao
individuo que este seja respeitado pelo todo (sociedade), na medida em que a vida é
permeada por particularidades subjetivas que devem ser preservadas. Isso ocorre
na medida em que a sociedade não deve ser encarada como um mal a ser
convivido. É preciso que o homem, para poder exatamente conviver dentro desta
sociedade possua um mínimo existencial digno de possuir até mesmo caráter e
poder de convivência.
5.1 O DIREITO DE ESTAR SÓ COMO UMA TUTELA DA INTIMIDADE.
Há que se dizer que, modernamente, têm sido defendidas teorias que visam a coibir
as possíveis violações à intimidade, decorrentes de um mundo cada vez mais
41
globalizado, onde o limite entre o público e o privativo está posto cada vez mais em
discussão.
Dentre essas teorias, surge uma defendida pelo jurista paulista Paulo José de Costa
Jr., teoria esta denominada em “Direito de estar só”, estampada em obra com o
mesmo nome, fruto de tese de projeto de pesquisa específico na área de Ciências
Criminais. Na obra em destaque, o autor faz relatos exemplificativos de
oportunidades em que a intimidade de pessoas foram violadas, trazendo à tona
reflexões acerca do tema. Há citação, inclusive do “caso Lady di”, então princesa da
Inglaterra, em que os fotógrafos invadiram a sua esfera privada, causando um
acidente trágico, relembrado até hoje pelos tablóides ingleses.
Num dado momento da obra, o autor faz um paralelo entre a intimidade interior e a
exterior, com suas conseqüentes diferenças. É que há, obviamente, a possibilidade
dos indivíduos se relacionarem entre si, na sociedade, ensejando uma proteção
mais específica no que se refere à intimidade exterior. Ou seja, àquelas vertentes
onde a vida do individuo fica exposta perante outrem em determinado local, seja ele
público ou particular.
Nos dizeres de Paulo José da Costa Jr. (2007, p.10.),
Poder-se ia falar numa intimidade exterior e noutra interior. Aquela, como a intimidade de que o homem haveria de desfrutar, abstraindo-se da multidão que o engloba. Insulando-se em meio a ela. E alheando-se, mesmo estando em companhia. A intimidade interior, que muitas vezes não implica solidão, já que o homem pode trazer para sua companhia os fantasmas que mais lhe apeteçam, é aquela de que o individuo goza materialmente, apartado de seus semelhantes.
Não é, portanto, o fato de estar em sociedade que o individuo é obrigado a conviver
com qualquer tipo de interferências em sua vida. Há momentos em que, até para a
sua própria pujança espiritual relacionada aos pensamentos e reflexões, o ser deve
ser respeitado quanto a seu isolamento. Surge, na realidade, uma necessidade de
preservar até mesmo a sua paz de espírito. O direito americano denominou de
possibilidade de se alcançar a “peace of mind”.
Inclusive, no que tange ao mundo do trabalho e das relações de emprego, há uma
tendência atual de crescentes possibilidades dos trabalhadores de determinada
empresa ou até mesmo autônomos, desenvolverem as suas tarefas no ambiente do
lar, afastado de grandes aglomerações, sobretudo trabalhos de natureza intelectual.
Cite-se, por exemplo, a incorporação recente na legislação trabalhista e empresarial
42
brasileira da EIRELI, nova forma de organização em que o individuo ganha algumas
proteções de empresa, ao optar por trabalhar autonomamente por conta própria.
Foi, entretanto nos EUA, em fins do século passado, que se sentiu, pela vez primeira, a ameaça que se fazia ao direito que o homem tem de ser deixado a sós (the right to be let alone ou the right of na individual to live a life of reclusion and anonimity), para assegurar a sua peace of mind. Àquela época, em Boston, a imprensa local preocupava-se sobremaneira em divulgar os mexericos do salão da Sra. Samuel D. Warren, elegante dama, filha de um senador da República e esposa de prestigioso advogado, que terminou por escrever pequena obra a respeito do assunto, em pareceria com seu companheiro de banca, L.D. Brandeis, que depois veio a ser um dos mais famosos juizes da Suprema Corte. (COSTA JR, 2007, p.12)
A tecnologia, no que se refere à proteção à intimidade foi um retrocesso. Sobretudo
nas questões que estão relacionadas à intimidade nos ambientes externos. Fácil
visualizar, em todos os locais, câmeras fotográficas das mais diversas, com as mais
sortidas possibilidades de alcance. Frise-se o exemplo da então apresentadora
brasileira que fora flagrada fazendo sexo em praia do litoral europeu, tendo o vídeo
respectivo sido divulgado pelos mais amplos sites da Internet.
O processo de corrosão das fronteiras da intimidade, o devassamento da vida privada, tornou-se mais agudo e inquietante com o advento da era tecnológica. As conquistas desta eram destinadas em tese a enriquecer a personalidade, ampliando lhe a capacidade de domínio sobre a natureza, aprofundando o conhecimento, multiplicando e disseminando a riqueza revelando promovendo novos rumos de acesso ao conforto. (COSTA JR, 2007, p. 14).
O uso dos aparelhos da tecnologia da informação tem se multiplicado
constantemente. Até fins da década passada, a grande rede era formada,
principalmente, por computadores pessoais. A tendência acentuada com o aumento
do poder de processamento e espaço de memória em aparelhos móveis é propiciar
os mesmos recursos que outrora estavam somente atrelados à mesa de trabalho
para aparelhos móveis.
A interatividade instantânea tem aumentado bastante por meio de inúmeras
novidades como celulares com câmeras e acesso à internet, webcams, câmeras
digitais, redes sem fio, além de sistemas de segurança sofisticados que
proporcionam um monitoramento remoto de pessoas.
“Os direitos que se destinam a proteção da esfera individual servem à proteção da personalidade, dentro da vida pública. Na proteção da vida privada, ao contrário, cogita-se da inviolabilidade da personalidade dentro de seu retiro, necessário ao seu desenvolvimento e evolução, em seu mundo particular, à margem da vida exterior.” (COSTA JR. 2007, p. 23).
43
Portanto, é na via pública que a aplicabilidade da proteção da intimidade ganha
maior respaldo. Mesmo com todos os meios tecnológicos no setor de entretenimento
existentes no mercado, é ainda no ambiente externo ao lar que o homem desfruta de
raros momentos da vida. Essa possibilidade deve ser preservada veementemente.
Não raro se observa instrumentos de redução das liberdades. Atualmente,
observam-se instrumentos de empresas especialidades em Internet que divulgam
em seu site imagens das ruas de cidades, onde até mesmo casas e edifícios
particulares ficam à disposição de qualquer pessoa situada em local estranho a
aquele. Bastam apenas poucas digitações e cliques no “mouse” para se visualizar as
imagens.
Conclui, brilhantemente, Paulo José da Costa Jr. (2007, p.29),
Assim, o âmbito maior seria abrangido pela esfera privada stricto senso (Privatsphare). Nele estão compreendidos todos aqueles comportamentos e acontecimentos que o individuo não quer que se tornem do domínio publico. Além da esfera privada, situam-se, no âmbito mais amplo, os processos, episódios e condutas de natureza publica. Acham-se eles ao alcance da coletividade em geral, de um circulo indeterminado de pessoas. Por estarem fora da esfera privada, tais fenômenos encontram-se juridicamente excluídos do campo dos chamados delitos de indiscrição.
Portanto, pode-se dizer que o homem, já no momento em que nasce, está
imediatamente inserido dentro de um contexto mundano que o expõe a mais
diversas formas de visualização. Pouco importa os meios, esses há vários, como
fotografias, vídeo, conversas e até as mais simples formas como o “ver o outro” em
uma rua, por exemplo. Isso gera a necessidade da proteção às interferências
mútuas e as suas conseqüências.
Há que se construir, paulatinamente, um emaranhado de possibilidades cada vez
mais plausíveis de controle e fiscalização a essas interferências, para se garantir,
sobretudo nos ambientes externos, a preservação de valores básicos referentes ao
homem como a dignidade e a honra. Valores esses, inclusive classificados como
direitos fundamentais, tanto na CRFB/88 quanto no Código Civil.
Classificado como direito da personalidade, a honra, atributo alcançado através da
intimidade, é elemento básico de desenvolvimento do homem, devendo ser
protegido. É elemento essencial à construção da vida humana, carregada não
apenas de aspectos físicos, como também de aspectos espirituais e
transcendentais.
44
Os direitos da personalidade, novo grupo de direitos protegidos pelo Código Civil de
2002, compreendem a proteção às esferas física, psíquica (diz respeito à intimidade
e privacidade) e moral, abordando o direito a honra e ao nome. Estes direitos são
intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o portador, por vontade sua, exercer
quaisquer limites a seu exercício, ressalvados os casos previstos na lei.
Por se tratarem de desdobramentos do princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, estes direitos e suas respectivas lesões são devidamente
elencadas nos artigos do Código Civil. Entretanto, ante a complexidade das relações
e para efetiva defesa destes direitos, qualquer lesão a direito da personalidade,
ainda que não especificada em lei, poderá ser combatida, devido a uma cláusula
geral de tutela dos direitos da personalidade, constante do Código Civil.
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6 INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E A POSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO AOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS.
A Constituição Federal de 1988 diz que é inviolável o sigilo das correspondências e
das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal. Ao se analisar interpretativamente essa norma pode-se
inferir que ela abre exceções ao sigilo, podendo este ser quebrado em algumas
hipóteses. O que se demonstra é que, mesmo nas hipóteses em que a lei permite as
interceptações, ocorre a violação a direitos fundamentais, principalmente ao direito à
intimidade. Não há que se esgotarem as considerações referentes ao tema já que o
mesmo ainda é objeto de discussões pela doutrina e pela jurisprudência. O que deve
ser ressaltado, na realidade é a colocação da proteção à intimidade e a aplicação de
garantias do indivíduo em um nível de interpretação (hermenêutica jurídica)
favorável à emancipação do homem enquanto sujeito de direitos fundamentais.
Se considerar-se que a obtenção foi ilícita não poderá valer como prova,
considerando-se a regra constitucional de que são inadmissíveis no processo as
provas obtidas por meios ilícitos. Não se trata, aqui de se aventar a possível
conveniência de se fazer interceptação nos sistemas, mas sim de interpretar a
CRFB/88 e os limites por ela estabelecidos à quebra do sigilo. A regra é o sigilo e a
interceptação ou quebra do sigilo é exceção. A possibilidade de interceptação
telefônica com relação a todos os crimes de reclusão precisa ser restringida, porque
muito ampla. Atua, no caso o principio da proporcionalidade dos bens jurídicos
envolvidos. (GRECO, 2008, p.6)
Há que se reafirmar algo que parece estar pacificado na doutrina: a quebra ao sigilo
é a exceção. O que se quer dizer com isso é que a CRFB/88 esclarece que não se
deve quebrar o sigilo das comunicações, o que fica mitigado somente nas hipóteses
de investigação criminal ou para fins de instrução processual penal. Essa regra é
extremamente útil na medida em que não se justifica os meios de investigação como
o caso das interceptações para a obtenção de um fim que seria uma condenação.
Não se deve ter como parâmetro de atuação, critérios punitivos de mera retribuição,
já que não é desta forma que se combaterá a criminalidade. Prova disso é a própria
46
falência do sistema penal de privação da liberdade, que resta provada a sua
ineficácia tendo em vista a maior complexidade do fenômeno criminal. E, a
interceptação telefônica é capaz, da maneira como for utilizada, de significar uma
maximização exagerada do ato de punir. O que deve ser combatido, dentro de uma
concepção utilitarista, que leve em consideração critérios neutros de perpetuação da
justiça e de valores sociais.
Os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados. Os direitos fundamentais
gozam de certa relatividade que lhes abre a possibilidade de admissão de provas
ilícitas. Deve-se relativizar o núcleo essencial dos direitos fundamentais, pois, se a
CRFB/88 quiser preservar a força normativa de seus princípios, necessariamente
utilizar-se-á a ponderação. As interceptações telefônicas possuem papel relevante
atuando como poderosos instrumentos, capazes de carrear legalmente provas ao
processo penal. (AMORIM, 2009, p. 117)
É preciso destacar o papel relevante das interceptações no que se refere à produção
de provas. Mas isso não iria de encontro com o que foi dito anteriormente? De certa
forma sim, mas o que se busca com esse trabalho é justamente a colocação de
opiniões diferentes acerca do tema para que se consiga colocar na visualização do
leitor uma maior possibilidade de escolha entre que linha de pensamento seguir. Até
mesmo isso se justifica na medida em que só se consiga chegar a alguma conclusão
após a análise de diversas opiniões à respeito do tema.
Portanto, as interceptações nãos seriam um mal absoluto a ser combatido de todas
as formas, na medida em que pode ser útil para a instrução processual. Prova disso
pode ser uma conversa gravada onde um traficante apareça conversando com outro
traficante a respeito da compra de determinado armamento. Restaria, portanto,
provado de maneira conclusiva o envolvimento dos interlocutores em um crime.
A proporcionalidade surge vinculada à concepção de limitação do poder estatal,
tendo em vista a tutela dos interesses individuais. Sendo certo que ao Estado cabe
proceder à limitação destes interesses individuais, de molde a atender ao interesse
público, a proporcionalidade aparece como medida de atuação do Estado; assim, o
agir estatal há de ser proporcional, proporcionalidade esta que há de ser observada
entre os meios a serem empregados e os fins a serem alcançados. Sob a égide
destas constatações, há de ser aferido, no caso concreto, a pertinência de se limitar
47
excessivamente determinados direitos, com vistas à proteção de outros. (ARAÚJO,
2009, p. 54)
O principio da proporcionalidade poderá ser útil na medida em que faça prevalecer o
direito à intimidade em face da possibilidade de interceptação. É que essa
possibilidade de interceptação sequer pode ser chamada de um direito
caracterizando-se como mera faculdade jurídica conferida ao juiz que seve ser
completamente evitada, sob pena de se violar o direito (aqui sim há que se falar em
direito já que previsto expressamente na Constituição) à intimidade. Há que se dizer,
no entanto, que esse não é o pensamento da maioria da doutrina que permite a
interceptação telefônica, limitando consequentemente à aplicação dos direitos
fundamentais.
As interceptações violam o direito à intimidade. No entanto a garantia constitucional
pode sofrer limitações, não devendo prestar-se para a proteção de atividades ilícitas
ou criminosas. É assim que através de uma ponderação pode ser determinada a
interceptação telefônica. Limitamo-nos, pois a admitir, por via do principio da
proporcionalidade, a escuta telefônica, para fins cautelares e não como instrumento
de prova. Já quanto à gravação clandestina, na medida em que não implique em
violação do direito à reserva, pode comportar justa causa e ser admitida como prova.
(AVOLIO, 1995, p. 134)
O autor citado parece filiar-se ao mesmo pensamento já enunciado anteriormente no
que se refere ao paradoxo que diz respeito à possibilidade de utilização da
interceptação telefônica. Se por um lado ela viola direito à intimidade, poderá
funcionar, utilizando-se a ponderação, para fins cautelares. Aqui o autor citado já
condena a possibilidade de utilização como instrumento de prova. Isso parece
lógico: como seria possível a existência de um meio de prova que viole um direito
fundamental? A resposta seria: de maneira alguma. No que se refere a isto não se
precisa esclarecer coisa algum já que o óbvio não pode ser discutido.
Por outro lado, há autores como Sérgio Ricardo de Souza que começam protegendo
os direitos fundamentais, mas acabam adotando critérios extremamente legalistas
permitindo a interceptação nos casos que ocorram indícios razoáveis de autoria ou
participação em crime sujeito a pena de reclusão. A interceptação telefônica situa-se
no campo daqueles meios probatórios dotados de alta capacidade de produzir danos
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sociais e, por isso mereceu restrição em nível constitucional. No entanto, se ocorrer
indícios razoáveis de autoria ou participação em crime sujeito a pena de reclusão,
pode-se interceptar. (SOUZA, 2008, p. 56)
Aduz o art. 2º da lei 9296/96:
não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
O que se pode entender como indícios razoáveis da autoria ou participação em
infração penal? Ou seja, para haver a interceptação é preciso que se prove primeiro
a presença dos indícios razoáveis e a participação. Há aqui uma atribuição de
poderes muito grande ao juiz para de acordo com sua própria convicção autorize a
interceptação se entender que ocorreu a presença dos requisitos. Há uma tentativa
de se romper com o sistema acusatório de processo substituindo-o por um sistema
inquisitorial onde se dá grandes poderes ao juiz.
No que se refere à necessidade de participação em crime sujeito a pena de reclusão
andou mal mais uma vez o legislador. Explica-se. Com isso quis o legislador criar
uma gradação entre crimes que não deve ser estimulada. Isso ocorre na medida em
que o legislador ficou sem opção de escolha com o intuito forçoso de sempre buscar
justificar a interceptação com critérios ultrapassados. Que critério é esse em que se
justifica algo tão grave como uma interceptação por grau de gravidade entre delitos?
O que dizer de crimes que não são tão graves, mas pelo simples fato de preverem a
modalidade de reclusão como pena, muitas vezes justifica-se a autorização judicial
para as escutas?
Alguns autores dizem que as interceptações podem ser úteis no combate ao crime
organizado. O que se verifica é que se adotando a teoria da proporcionalidade,
pode-se dizer que o sigilo telefônico não pode ser quebrado mesmo nesses casos,
colocando-se o direito à intimidade e o principio do estado de inocência em primeiro
plano. Além disso, é preciso salientar que existem meios mais eficazes no combate
ao crime organizado como, por exemplo, a prevenção à prática de crimes e um
maior investimento em programas de ressocialização dos presos já que é nas
prisões que o crime se organiza e se estrutura com mais facilidade.
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Portanto o combate ao crime organizado está mais ligado às questões de política
criminal e não ao incentivo de práticas ilícitas como a interceptação telefônica. E,
essa prevenção ao crime encontra-se no próprio cumprimento dos princípios
fundamentais e das garantias constitucionais como o acesso à educação, saúde,
moradia, etc.
Impulsionado pela obra do jurista europeu Luigi Ferrajoli, já publicada em língua portuguesa (Direito e razão) o garantismo oferece sólidos elementos para um arcabouço de filosofia do direito penal e do processo penal. Partindo do modelo de estado de direito, particularmente no que respeita à gestão das relações entre poder publico e o particular e, por isso mesmo, atento ao inexorável desenvolvimento de uma ciência pós-positivista do direito, fundada na compreensão e no alargamento dos princípios jurídicos e do papel criativo do juiz, não mais escravo ou boca da lei, Ferrajoli procura estabelecer limites mais ou menos objetivos para a crescente liberdade judiciária, do ponto de vista especifico do direito Penal e do Processo Penal. (PACELLI, 2010, p. 35)
E conclui a sua exposição acerca do tema, o citado jurista mineiro, enaltecendo o
trabalho de Ferrajoli. Nesse sentido, afirma o autor que:
Como tais disciplinas cuidam de uma intervenção estatal de grandes consequências na liberdade individual, sobretudo no que respeita ao aspecto das penas corporais, próprias do Direito Penal. Ferrajoli se debruça cuidadosamente sobre as principais características do ato jurisdicional enquanto ato de autoridade pública, dotado de coercibilidade estatal. (PACELLI, 2010, p. 36).
Há em questão um paradoxo que precisa ser esclarecido. É que para se permitir a
interceptação telefônica deve-se privilegiar o contraditório e a ampla defesa. Por
outro lado, para se proibir a interceptação busca-se proteger os direitos
fundamentais, principalmente o direito à intimidade. Portanto fica claro que tal
paradoxo citado anteriormente, não é dos mais simples, exatamente porque está
relacionado com direitos muito ligados ao ser humano. É a partir daí que surge a
famosa teoria da proporcionalidade que busca em linhas gerais, colocar numa
balança os dois direitos apontados no paradoxo e verificar qual deles “pesa” mais,
privilegiando aquele mais “importante”.
Se a jurisdição é a atividade necessária para obter a prova de que um sujeito
cometeu um crime, desde que tal prova não tenha sido encontrada mediante um
juízo regular, nenhum delito pode ser considerado cometido e nenhum sujeito pode
ser reputado culpado nem submetido à pena. Fica delineado, portanto o principio da
presunção do estado de inocência. (FERRAJOLI, 2002, p. 441)
50
Tal princípio encontra aplicação no ordenamento jurídico brasileiro no art.5 °, LVII da
CRFB/88 que aduz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória.” Interpretando-se a disposição legal pode-se concluir
que o princípio em destaque constitui-se em uma garantia constitucional.
É que o legislador buscou proteger àqueles que respondem a um processo das
injustiças cometidas pelo senso comum de buscar sempre um culpado para tudo,
sem ao menos provar a culpabilidade. Imagine-se, por exemplo, quantas vítimas de
acusações infundadas acabam sendo atingidas moralmente, sendo que não resta,
na maioria das vezes prova alguma de envolvimento em crime.
É como se o ordenamento jurídico desse (com a prescrição do estado de inocência)
um respaldo àqueles que já carregam o peso da acusação por simplesmente
responderem a um processo criminal. Ou seja, para que se considere alguém
culpado é preciso não apenas provas, mas também uma sentença penal
condenatória. Isso se justifica na medida em que com a utilização de princípios
correlatos a este (contraditório e ampla defesa) possa-se em fim imputar uma pena a
alguém.
Um bom resumo do princípio em tela é concedido por Alberto M. Binder quando diz
que:
construir com certeza a culpabilidade significa destruir, sem deixar dúvidas, a situação fundamental da liberdade da pessoa acusada. Se não houver este grau de certeza, não se poderá chegar à decisão, acerca da culpabilidade. A situação básica de liberdade deve ser destruída mediante uma certeza, caso contrário permanece o status básico de liberdade. (BINDER, 2003, p.88).
Como já foi tratado nesse trabalho, a CRFB/88 autoriza a interceptação telefônica
em alguns casos. No entanto, é preciso salientar que mesmo nos casos de
permissão da interceptação pode haver violação a direitos fundamentais. É que
partindo de um enfoque garantista, há que se destacar a existência de princípios
básicos de proteção a direitos ditos como fundamentais. E, são fundamentais na
medida em que funcionam como pilares de sustentação de todo o ordenamento
jurídico, onde as normas jurídicas devem estar de acordo com eles para possuírem
legitimidade.
Há que se destacar, nesse contexto, a proteção à intimidade como direito
fundamental. Portanto, fica claro que não se pode permitir que a permissão legal
supracitada funcione como mecanismo de violação à intimidade.
51
A proteção jurídica à intimidade é algo extremamente atual em face de uma
realidade globalizada, onde as fronteiras estão sendo quebradas e o acesso à vida
das pessoas está sendo facilitado pelos avanços dos sistemas de comunicação e
Internet. É que o mundo atual é regido por um aparato tecnológico avançado que por
um lado traz avanços significativos para a humanidade, mas por outro lado pode
trazer nefastas consequências. Um exemplo disso é a facilidade com que se tem
acesso à comunicação, onde o telefone celular, a internet e a televisão são
instrumentos capazes de violar a intimidade de alguém em curto espaço de tempo. É
por isso que urge a necessidade de se proteger a intimidade sob um viés normativo
para que se possa controlar essa “facilidade” excessiva em se violar direitos e
garantias individuais, e até mesmo coletivas.
A interceptação telefônica torna-se atual na medida em essa própria facilidade em
se ter acesso às informações existe. Só para se ter uma idéia, o jornal Folha de São
Paulo divulgou recentemente em uma de suas edições, dados alarmantes
provenientes da Central de Estatísticas de Escutas Telefônicas do CNJ, central esta
criada pelo então presidente do Conselho, Gilmar Mendes. Consideram-se como
causas principais da sua criação, as críticas ao “Estado policialesco” e
“espetacularização” das operações policiais. Segundo dados oficiais, houve um
aumento de 65,6% no total de escutas de maio de 2009 para o mesmo mês de 2010
passando de 11.035 para 18.271 aparelhos sob monitoramento. (SELIGMAN, 2010,
p. 18.)
Alexandre de Moraes, jurista paulista, em sua famosa obra “Direito Constitucional”
diz que “os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção
constitucional à vida privada, salvaguardando um espaço íntimo instransponível por
intromissões ilícitas externas.” (MORAES, 2005, p. 47).
Para o constitucionalista José Afonso da Silva:
Pelo que se vê, não há propriamente uma inspiração das declarações de direitos. Houve reivindicações e lutas para conquistar os direitos nelas consubstanciados. E quando as condições materiais da sociedade propiciaram, elas surgiram, conjugando-se, pois, condições objetivas e subjetivas para sua formulação. (AFONSO, 2000, p. 176).
E finaliza, com muita lucidez:
A ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no envolver histórico dificulta definir lhes um conceito sintético e preciso. Aumenta essa dificuldade a circunstância de se empregarem várias expressões para designá-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos,
52
direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem. (AFONSO, 2000, p. 179).
Portanto, diante do exposto, fica realmente definir o que sejam direitos
fundamentais. Mas, é claro que não se pode por isso deixar de estabeleces algumas
características deles. Como o próprio autor citado exemplifica há que se destacar
certos atributos que são eles: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e
irrenunciabilidade. A sua historicidade surge na medida em que só se tornam direitos
fundamentais aqueles que conquistados através da história por lutas sociais. A sua
inalienabilidade aparece a partir da concepção de que são inalienáveis,
intransferíveis e inegociáveis. A imprescritibilidade é destacada no sentido de que
nunca deixam de serem exigíveis, surgem na realidade como verdadeiro direito
adquirido ao longo do tempo. E, por fim a sua irrenunciabilidade aparece na medida
em que não se renunciam direitos fundamentais. Ou seja, alguns deles podem até
não ser exercidos, mas não se aplica a possibilidade de renúncia a eles.
Feitas essas considerações é preciso tecer comentários acerca do direito
fundamental da intimidade, considerações essas que ganharão tópico especial deste
presente trabalho, face a sua relação estreita com o tema principal que é o da
interceptação telefônica. É preciso que se faça resposta frente á seguinte indagação:
por que a intimidade é considerada um direito fundamental? Para começar é preciso
esclarecer que como já foi explicitado aqui, tal direito fundamental somente se
tornou um direito na medida em que, num dado momento da história se percebeu
que a intimidade era um valor tão grande que se tornou necessário a sua
normatização enquanto direito.
A intimidade é na realidade resumida pelo direito de estar só. O individuo, em sua
vida diária não pode ser privado do direito de permanecer protegido das invasões na
esfera privada.
É que, em sua vida do dia-a-dia algum individuo possa sentir a necessidade de se
ver protegido em sua honra. É forte a relação entre a honra e a privacidade. A honra
nada mais é do que um atributo de vinculação do ser humano ao conjunto de valores
inerentes ao próprio ser, que dão força aos critérios pelos quais esse individuo se
relaciona com os demais indivíduos de sua comunidade.
Quando ocorre alguma violação à intimidade está também violando a sua honra na
medida em que é a privacidade um destes atributos citados. É o que torna um ser
53
diferente do outro. É a medida da atuação de um indivíduo na esfera privada de
outro individuo. Torna-se aplicável o velho brocardo que diz que a minha liberdade
termina quando começa a do outro. É por isso, por ter tamanha relação coma a
honra que a intimidade foi colocada como direito fundamental.
É por isso que se pode dizer com respaldo na própria Constituição Federal de 1988,
no seu artigo 5°, parágrafo X, que aduz: “são invioláveis a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação.”.
Pelo que se vê a questão envolve até mesmo características da Responsabilidade
Civil, inerentes aos encargos sujeitos àqueles que violem a intimidade de alguém.
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7 JURISPRUDÊNCIAS REFERENTES AO TEMA
Serão expostas a seguir decisões em acórdãos prolatados por importantes tribunais
do país, em especial deve ser observado o posicionalmente acerca da interceptação
telefônica pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.
CONSTITUCIONAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESCUTA TELEFÔNICA COM ORDEM JUDICIAL.
Réu condenado por formação de quadrilha armada, que se acha cumprindo pena em penitenciária, não tem como invocar direitos fundamentais próprios do homem livre para trancar ação penal (corrupção ativa) ou destruir gravação feita pela polícia. O inciso LVI do artigo 5º da Constituição, que fala ‘são inadmissíveis as provas obtidas por meio ilícito’, não tem conotação absoluta. Há sempre um substrato ético a orientar o exegeta na busca de valores maiores na construção da sociedade. A própria Constituição Federal Brasileira, que é dirigente e programática, oferece ao juiz, através da ‘atualização constitucional, base para o entendimento de que a cláusula constitucional invocada é relativa. A jurisprudência norte-americana, mencionada em precedente do Supremo Tribunal Federal, não é tranquila. Sempre é invocável o princípio da ‘razoabilidade’ (reasonableness). O ‘princípio da exclusão das provas ilicitamente obtidas’ (exclusionary rule) também lá pede temperamentos. -ordem denegada. (Acórdão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, publicado no DJU de 26.02.96, p. 4.084, relator Adhemar Maciel, autos do HC nº 3982/RJ, v.u).
No julgado supracitado é demonstrada inconformidade do réu perante a utilização da
escuta telefônica como meio de instrução para formação do inquérito policial. Foi
levado ao juízo analisar as questões tratadas pelo impetrante e contidas no
instrumento constitucional em tela.
Primeiramente, foi alegada a ilicitude das prova obtida por meio de utilização das
escutas telefônicas sob o argumento de causarem lesão ao direito fundamental da
pessoa humana da intimidade. Entretanto, há que se observar que tal direito não é
absoluto, bem como todos os demais direitos constitucionais. A relativização da
norma constitucional tendo como parâmetro as demais normas “irmãs” presentes no
texto da Carta Magna é fundamental para a interpretação coerente.
No art. 5, XII da CRFB ao estabelecer as bases do direito a intimidade, o legislador
também o faz com relação a sua exceção. Em seu texto esclarece a possibilidade de
excepciona-la, desde que em atendimento a uma ordem judicial, a fim de
investigação criminal e instrução processual penal.
Argumenta-se que o art. 5, LVI da Constituição Brasileira trata como inadmissíveis
as provas obtidas por meio ilícito. Entretanto, como já mencionado nesta obra, o
legislador ao excepcionar a utilização da escuta telefônica acompanhada de
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autorização judicial, devidamente fundamentada, trata desta como legalmente aceita
e, portanto, não há que se falar em prova obtida de forma ilícita.
HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONTRABANDO DE AGROTÓXICOS E DE PRODUTOS DE INFORMÁTICA. ALEGAÇÃO DE QUE AS DECISÕES JUDICIAIS QUE AUTORIZARAM AS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS, E SUAS RESPECTIVAS PRORROGAÇÕES, SÃO DESTITUÍDAS DE FUNDAMENTAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DAS MEDIDAS. PENÚLTIMA PRORROGAÇÃO QUE TERIA SIDO DETERMINADA POR PRAZO SUPERIOR AO QUE PERMITE A LEI 9.269/96. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.
1. Não é destituída de fundamentação a decisão do Juízo singular que, ao deferir a primeira interceptação telefônica, indica concretamente à necessidade da diligência, esclarecendo que não há outra forma de se realizar as investigações, sob pena, ainda, de prejuízo à apuração, que ocorria em segredo de justiça.
2. Persistindo os pressupostos que conduziram à decretação da interceptação telefônica, não há obstáculos para sucessivas prorrogações, desde que devidamente fundamentadas, nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação.
3. É válida a prorrogação da interceptação telefônica que, iniciada dentro do prazo de 15 dias - como no caso -, é deferida em prazo maior que este, de até 30 dias, desde que demonstrada à imprescindibilidade da medida. Considerações doutrinárias. Precedentes.
4. Habeas corpus denegado. (STF, Supremo Tribunal Federal, RHC 85.575/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJ de 16/03/2007).
A decisão judicial a cima, refere-se ao habeas corpus impetrado pelos réus, com fins
a constituírem as provas obtidas por meio de escutas telefônicas como ilegais.
Baseado no argumento quanto a sucessivas prorrogações sem entenderem estes
haver o devido fundamento, que se demonstraria sua necessidade. As provas
obtidas por meio desta interceptação não ficaram eivadas pela macula da ilicitude,
logo, a alegação de nulidade das provas obtidas por este meio não lograria êxito.
Inicialmente, foi apurado pelo juízo que os pressupostos autorizadores da medida
foram preenchidos, conforme lei 9296/96. Ao dispor que desde devidamente
fundamentada e presentes concomitantemente os requisitos de: houver indícios
razoáveis de autoria ou participação em infração penal; a prova não puder ser feita
por outro meio disponível; o fato investigado não constituir infração penal punível, no
máximo, com pena de detenção.
Posteriormente, observa-se que em caso de permanecerem presentes os requisitos
autorizadores da escuta telefônica, poderá o juízo prorrogar a utilização da medida
56
para os devidos fins de instrução criminal, ainda que sobre os mesmos argumentos
que a permitiram a princípio, desde que demonstrada à imprescindibilidade desta.
HABEAS CORPUS. NULIDADES: (1) INÉPCIA DA DENÚNCIA; (2) ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL; VIOLAÇÃO DE REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU, EXECUTOR DO CRIME, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL; (3) ILICITUDE DA PROVA DASINTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DE CONVERSAS DOS ACUSADOS COM ADVOGADOS, PORQUANTO ESSAS GRAVAÇÕES OFENDERIAM O DISPOSTO NO ART. 7º, II, DA LEI 8.906/96, QUE GARANTE O SIGILO DESSAS CONVERSAS. VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. ORDEM DENEGADA. 1. Inépcia da denúncia. Improcedência. Preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP. A denúncia narra, de forma pormenorizada, os fatos e as circunstâncias. Pretensas omissões – nomes completos de outras vítimas, relacionadas a fatos que não constituem objeto da imputação –- não importam em prejuízo à defesa. 2. Ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial - violação de registros telefônicos de corréu, executor do crime, sem autorização judicial. 2.1 Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2 Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. 2.3 Art. 6º do CPP: dever da autoridade policial de proceder à coleta do material comprobatório da prática da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda eletrônica dos aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de prova, a autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio e o ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória a ser adotada, bem como possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes para a investigação. 2.4 À guisa de mera argumentação, mesmo que se pudesse reputar a prova produzida como ilícita e as demais, ilícitas por derivação, nos termos da teoria dos frutos da árvore venenosa (fruit of the poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte não assistiria à defesa. É que, na hipótese, não há que se falar em prova ilícita por derivação. Nos termos da teoria da descoberta inevitável, construída pela Suprema Corte norte-americana no caso Nix x Williams (1984), o curso normal das investigações conduziria a elementos informativos que vinculariam os pacientes ao fato investigado. Bases desse entendimento que parecem ter encontrado guarida no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei 11.690/2008, que deu nova redação ao art. 157 do CPP, em especial o seu § 2º. 3. Ilicitude da prova das interceptações telefônicas de conversas dos acusados com advogados, ao argumento de que essas gravações ofenderiam o disposto no art. 7º, II, da Lei n. 8.906/96, que garante o sigilo dessas conversas. 3.1 Nos termos do art. 7º, II, da Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia garante ao advogado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia. 3.2 Na hipótese, o magistrado de primeiro grau, por reputar necessária a realização da prova, determinou, de forma fundamentada, a interceptação telefônica direcionada às pessoas investigadas, não tendo, em momento algum, ordenado a devassa das linhas telefônicas dos advogados dos pacientes. Mitigação que pode, eventualmente, burlar a proteção jurídica. 3.3 Sucede que, no curso da execução da medida, os diálogos travados entre o paciente e o
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advogado do corréu acabaram, de maneira automática, interceptados, aliás, como qualquer outra conversa direcionada ao ramal do paciente. Inexistência, no caso, de relação jurídica cliente-advogado. 3.4 Não cabe aos policiais executores da medida proceder a uma espécie de filtragem das escutas interceptadas. A impossibilidade desse filtro atua, inclusive, como verdadeira garantia ao cidadão, porquanto retira da esfera de arbítrio da polícia escolher o que é ou não conveniente ser interceptado e gravado. Valoração, e eventual exclusão, que cabe ao magistrado a quem a prova é dirigida. 4. Ordem denegada.DecisãoA Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Falou, pelos pacientes, a Dra. Camila Torres. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 24.04.2012. (HC 91867 / PA – PARÁ, HABEAS CORPUS, Supremo Tribunal Federal, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 24/04/2012, Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação, DJe-185, DIVULG 19-09-2012, PUBLIC 20-09-2012).
A decisão supracitada é referente ao habeas corpus impetrado junto ao Supremo
Tribunal Federal para decretação da nulidade do processo que corria contra o réu. O
instrumento constitucional tinha como um dos seus fundamentos a ilicitude das
provas obtidas no procedimento inquisitorial penal, em especial a cerca da
interceptação telefônica realizada pela autoridade policial entre o réu e seu
advogado.
Inicialmente, há que se observar que a interceptação telefônica foi feita em função
do réu, ou seja, todas as ligações direcionadas ao mesmo estariam sendo gravadas,
portanto, a relação entre advogado e cliente não era o foco da atividade policial, não
ocorrendo dolo nesta, também não há que se falar na violação ao art. 7, II, da lei
8906/94.
A decisão quanto ao que deve ou não, ser considerado meio válido de prova fica sob
a responsabilidade do juiz e não ao da autoridade policial, sob pena de atribuir
competência acerca de direito fundamental àquele que não a possui sem uma
previsão legal.
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO TEMPORÁRIA E PREVENTIVA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTAÇÃO SUCINTA. 1. A superveniência de sentença condenatória na qual o Juízo aprecia e mantém a prisão cautelar anteriormente decretada, implica a mudança do título da prisão e prejudica o conhecimento de habeas corpus impetrado contra a prisão antes do julgamento. 2. Decisão que autoriza interceptação telefônica redigida de forma sucinta, mas que se reporta ao preenchimento dos requisitos dos arts. 1º, 2º e 3º, da Lei nº 9.296/1996 e ao conteúdo da representação policial na qual os elementos probatórios existentes contra os investigados estavam relacionados. Desfecho das interceptações que confirma a fundada suspeita que as motivou, tendo sido apreendidas drogas e revelada a existência de grupo criminoso envolvido na atividade ilícita. Invalidade patente não reconhecida.Decisão
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A Turma indeferiu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento, a Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Marco Aurélio. Ausente, por motivo de viagem oficial em representação à esta Suprema Corte, o Senhor Ministro Dias Toffoli, Presidente. 1ª Turma, 15.5.2012. (HC 103817 / MG - MINAS GERAIS, HABEAS CORPUS, Supremo Tribunal Federal, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Julgamento: 15/05/2012, Primeira Turma, DJe-104, DIVULG 28-05-2012, PUBLIC 29-05-2012).
O julgado a comento trata de decisão referente a habeas corpus impetrado com o
intuito de classificar como ilegais as provas obtidas por meio de interceptação
telefônica, sob o argumento de que a decisão autorizativa estar eivada de vicio no
que tange a sua fundamentação, por encontrar-se de forma sucinta.
Há de se observar, no que tange a fundamentação da decisão, estarem presentes
os requisitos objetivos e subjetivos da lei 9296/96, conforme interpretação do
julgado. Bem como, aqueles que tratam do conteúdo da representação policial sobre
indícios probatórios que levavam ao pedido da medida autorizada pelo juízo.
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. LAVAGEM DE CAPITAIS. ARTS. 33, CAPUT, 35, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, 36 E 40, I E IV, DA LEI Nº 11.343/06. ART. 1º, I E § 1º, II E § 4º, DA LEI Nº 9.613/98. ACAUTELAMENTO DO MEIO SOCIAL. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. APREENSÃO DE GRANDE QUANTIDADE DE DROGAS (QUASE 400 Kg DE COCAÍNA). GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, COMO FORMA DE IMPEDIR A REITERAÇÃO DELITIVA. FUGA DO RÉU. PROVIDÊNCIA IMPOSTA VISANDO ASSEGURAR EVENTUAL APLICAÇÃO DA LEI PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRORROGAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. A fuga do distrito da culpa é dado conducente à decretação da prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal. Precedentes: HC 101356/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 2ª Turma, DJ 2-3-2011; HC 101934/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 14/9/2010; HC 95.159/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 12.06.2009; HC 102021/PA, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/9/2010; HC 98145/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJ de 25/6/2010; HC 101309/PE, Rel. Min. Ayres Britto, 1ª Turma, DJ de 7/5/2010. 2. A gravidade concreta do delito ante o modus operandi empregado e a possibilidade de reiteração criminosa são motivos idôneos para a decretação da custódia cautelar, a fim de garantir a ordem pública. Precedentes: HC n. 104.699/SP, 1ª Turma, Relatora a Ministra CÁRMEN LÚCIA, DJ de 23.11.10 e HC n. 103.107/MT, 1ª Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJ de 29.11.10. 3. In casu, o decreto de prisão preventiva foi fundamentado no fato de o paciente, principal articuladora da suposta organização criminosa voltada ao tráfico de drogas, suspeita de vinculação ao Primeiro Comando da Capital (PCC), ter-se evadido para país vizinho tão logo tomou conhecimento da apreensão da droga, quase 400 Kg de cocaína, sendo certo que, mesmo suspeitando das investigações, paciente e corréus não abandonaram as atividades de compra e venda de entorpecentes, fato constatado por meio de interceptações telefônicas. 4. É cediço na Corte que as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas por mais de uma vez, desde que comprovada sua necessidade mediante decisão motivada do Juízo competente, como ocorrido no caso sub judice. Precedentes: RHC 85575/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ªTurma, DJ de 16/3/2007; RHC 88371/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ªTurma, DJ de 2/2/2007; HC 83515, rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, DJ de 4/3/2005; Inq 2424, rel. Min. Cezar
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Peluso, Pleno, DJ de 26/3/2010. 5. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 6. Ordem denegada.DecisãoPor maioria de votos, a Turma denegou a ordem de habeas corpus e cassou a liminar anteriormente deferida, nos termos do voto do Senhor Ministro Luiz Fux, Redator para o acórdão, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, Relator. Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. 1ª Turma, 20.9.2011 HC 104934 / MT - MATO GROSSO, HABEAS CORPUS, Supremo Tribunal Federal, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Julgamento: 20/09/2011, Órgão Julgador: Primeira Turma, ACÓRDÃO ELETRÔNICODJe-231 DIVULG 05-12-2011 PUBLIC 06-12-2011).
Inicialmente, a citada jurisprudência acima trata do cabimento da interceptação
telefônica e a eventual declaração de nulidade das provas obtidas por este meio.
A turma do STF ao analisar as questões apresentadas entendeu pela legalidade da
medida, por cumprirem os requisitos impostos pela lei 9296/96, respeitando os
mandamentos contidos na norma constitucional do art. 5, XII, bem como pela
continuidade da mesma, em face da sua prorrogação. A fundamentação do juízo
para procrastinação do período de interceptação requer a devida fundamentação
pela autoridade competente, o que efetivamente ocorreu, conforme interpretação do
julgado.
Habeas Corpus. Afastamento dos sigilos bancário e fiscal. Medida cautelar deferida judicialmente. Regularidade. “Prova encontrada”. Licitude. Precedentes. Ordem denegada. Não se verifica, no caso, qualquer ilicitude na quebra dos sigilos bancário e fiscal do ora paciente, haja vista que tais medidas foram regularmente deferidas pela autoridade judicial competente. “É lícita a utilização de informações obtidas por intermédio de interceptação telefônica para se apurar delito diverso daquele que deu ensejo a essa diligência, (...) sendo incontestável o reconhecimento da licitude da prova encontrada quando o fato desvelado fortuitamente se encontre entre os chamados ‘crimes de catálogo’ - isto é, entre aqueles para a investigação dos quais se permite autorizar a interceptação telefônica”, o que efetivamente é o caso dos autos (AI 761.706/SP, rel. min. Cármen Lúcia, DJE nº 161, divulgado em 26.08.2009). Ordem denegada.DecisãoHabeas corpus denegado, nos termos do voto do Relator. Decisão unânime. (HC 100524 / PR – PARANÁ, HABEAS CORPUS, Supremo Tribunal Federal, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Julgamento: 27/03/2012, Órgão Julgador: Segunda Turma, ACÓRDÃO ELETRÔNICO, DJe-102 DIVULG 24-05-2012 PUBLIC 25-05-2012)
A decisão acima traz a tona um caso de bastante relevância a cerca da
interceptação telefônica. No habeas corpus se questionava a licitude das provas
obtidas, uma vez que foram obtidas evidências quanto a ilícito diferente daquele que
ensejou a medida.
Por unanimidade a turma acompanhou o relator no sentido da licitude da prova
obtida por intermédio da interceptação telefônica, mesmo que fortuitamente
descoberto através da medida. Uma vez que o crime esteja no rol dos chamados
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“crimes de catálogo”, ou seja, aqueles que ensejam a interceptação telefônica para
sua investigação se necessário.
Portanto, uma vez preenchidos os requisitos para utilização do instrumento legal,
não há que se falar em nulidade das provas.
PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CONCUSSÃO. CRIME DE RESPONSABILIDADE. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. REQUISITOS. DENÚNCIA RECEBIDA EM PARTE.
1. O crime de concussão tem natureza formal, sendo suficiente, para sua configuração, a exigência da vantagem indevida. O efetivo aferimento do benefício é mero exaurimento do crime.
2. Nos crimes de responsabilidade, a conduta descrita no art. 39, IV da Lei 1.079/50 traz como sujeito ativo os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Não é legítima a aplicação analógica ou extensiva dessa norma incriminadora a desembargadores de tribunais de justiça.
Precedente: APN 329, Corte Especial, Min. Hamilton Carvalhido, DJ
23/04/2007.
3. É ilícita a prova obtida por interceptação de comunicação telefônica autorizada por fundamentação genérica, sem a especificação das circunstâncias e a limitação de prazo exigidas nos artigos 4º e 5º da Lei 9.296/96. Chancelar decisões com superficialidade de fundamentação representaria banalizar a intromissão dos órgãos estatais de investigação na intimidade das pessoas (não só dos investigados, mas de tantos quantos com eles mantém interlocução), violando o direito fundamental à privacidade, tão superlativamente resguardado pela Constituição.
4. Relativamente a dois dos fatos descritos como crime de concussão, a denúncia identificou agentes, indicou, individualmente, a conduta de cada um, apontando as circunstâncias necessárias à configuração do ilícito. Relativamente a esses fatos, estão preenchidos os requisitos do art. 41 do CPP, havendo suporte probatório de autoria e materialidade suficiente para o juízo de recebimento da denúncia.
5. Denúncia recebida em parte, com afastamento do desembargador acusado do exercício do cargo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, receber em parte a denúncia, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator e deliberou afastar o Desembargador Mauro José do Nascimento Campello do exercício do cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima e do exercício do cargo de Vice-Presidente daquele Tribunal. Por maioria, limitou o afastamento pelo prazo prorrogável de um ano. Vencidos, nesta parte, os Srs. Ministros Felix Fischer, Eliana Calmon, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, Castro Meira e Ari Pargendler. Quanto ao recebimento da denúncia, os Srs. Ministros Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda, Humberto Martins, Luis Felipe Salomão, Felix Fischer, Eliana Calmon, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. Quanto ao afastamento do réu Mauro José do Nascimento Campello do exercício das funções de Desembargador e Vice-Presidente do Tribunal de Justiça de Roraima, os Srs. Ministros Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda, Humberto Martins, Luis Felipe Salomão, Felix Fischer, Eliana Calmon, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
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(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Penal nº 422/ RR (2005/0094656-1). Relator: Min Teori Albino Zavascki. D.J 19 maio 2010)
No caso em comento o STJ identificou a nulidade da prova obtida por meio de
interceptação telefônica, neste caso se observou uma afronta ao direito fundamental
da pessoa a intimidade – Esta que encontra protegida pela Constituição Federal de
1988.
A autoridade judiciária ao permitir a utilização dessa medida não fundamentou de
acordo com os requisitos da lei 9296/96, uma vez que se utilizou de fundamentação
superficial, sem discriminar as circunstancias especificas do delito, bem como não
estipulou prazo para o inicio e término da medida.
Entretanto, apesar de reconhecidas as nulidades quanto à interceptação telefônica,
a denúncia do Ministério Público foi recebida em parte, por apontarem as
circunstâncias relativas ao ilícito de concussão, identificando os agentes e suas
respectivas atividades para a prática do ilícito.
HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. RECEPTAÇÃO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. LEGALIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. PARTICIPAÇÃO DE MEMBRO DA INSTITUIÇÃO NA FASE INVESTIGATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA.
1. Desconstituído, em parte, o objeto da impetração, fica, nesse tanto, prejudicado o pedido.
2. O respeito aos bens jurídicos protegidos pela norma penal é, primariamente, interesse de toda a coletividade, sendo manifesta a legitimidade do Poder do Estado para a imposição da resposta penal, cuja efetividade atende a uma necessidade social.
3. Daí por que a ação penal é pública e atribuída ao Ministério Público, como uma de suas causas de existência. Deve a autoridade policial agir de ofício. Qualquer do povo pode prender em flagrante. É dever de toda e qualquer autoridade comunicar o crime de que tenha ciência no exercício de suas funções. Dispõe significativamente o artigo 144 da Constituição da República que "A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio".
4. Não é, portanto, da índole do direito penal a feudalizarão da investigação criminal na Polícia e a sua exclusão do Ministério Público. Tal poder investigatório, independentemente de regra expressa específica, é manifestação da própria natureza do direito penal, da qual não se pode dissociar a da instituição do Ministério Público, titular da ação penal pública, a quem foi instrumentalmente ordenada a Polícia na apuração das infrações penais, ambos sob o controle externo do Poder Judiciário, em obséquio do interesse social e da proteção dos direitos da pessoa humana.
5. Diversamente do que se tem procurado sustentar, como resulta da letra do seu artigo 144, a Constituição da República não fez da investigação criminal uma função exclusiva da Polícia, restringindo-se, como se restringiu, tão-somente a fazer exclusivo, sim, da Polícia Federal o exercício da função de polícia judiciária da União (parágrafo 1º, inciso IV). Essa função de polícia judiciária, qual seja, a de auxiliar do Poder Judiciário, não
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se identifica com a função investigatória, isto é, a de apurar infrações penais, bem distinguidas no verbo constitucional, como surge, entre outras disposições, do preceituado no parágrafo 4º do artigo 144 da Constituição Federal, verbis: "§ 4º às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares." Tal norma constitucional, por fim, define, é certo, as funções das polícias civis, mas sem estabelecer qualquer cláusula de exclusividade.
6. O exercício do poder investigatório do Ministério Público não é, por óbvio, estranho ao Direito, subordinando-se, à falta de norma legal particular, no que couber, analogicamente, ao Código de Processo Penal, sobretudo na perspectiva da proteção dos direitos fundamentais e da satisfação do interesse social, que, primeiro, impede a reprodução simultânea de investigações; segundo, determina o ajuizamento tempestivo dos feitos inquisitoriais e, por último, faz obrigatória oitiva do indiciado autor do crime e a observância das normas legais relativas ao impedimento, à suspeição, e à prova e sua produção.
7. De qualquer modo, não há confundir investigação criminal com os atos investigatório-inquisitoriais complementares de que trata o artigo 47 do Código de Processo Penal.
8. "A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia." (Súmula do STJ, Enunciado nº 234).
9. Ordem parcialmente prejudicada e denegada.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgar parcialmente prejudicado o habeas corpus e, na parte conhecida, denegar a ordem de hábeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Paulo Medina, Hélio Quaglia Barbosa e Nilson Naves votaram com o Senhor Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti. HC 26543 PR 2003/0005231-0 (Relator (a): Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Julgamento: 28/02/2005, Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA, Publicação: DJ 01.08.2005 p. 560).
O acórdão em que comento trata de Habeas Corpus impetrado pelo réu em desfavor
das ações do Ministério Público, em face de sua participação no procedimento
instrutório das investigações policiais, uma vez que o mesmo requisitou a produção
de prova por meio de interceptação telefônica.
Quanto a legalidade da medida não há que se declinar, uma vez que a
determinações legais quanto aos requisitos objetivo e subjetivos foram seguidos a
rigor, respeitando a normas contidas no art. 5, XII, da Constituição Federal e na lei
9296/1996, que lhe regulamenta.
A questionada legalidade na participação do membro do Ministério Público nas
investigações não impede que o mesmo seja o agente responsável pela denúncia
penal e encabece o processo que venha a correr perante o juízo, apesar de sua
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participação na fase de investigação policial, conforme entendimento apresentado
pelos ministros do STJ.
Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Interceptação telefônica. Crimes de tortura, corrupção passiva, extorsão, peculato, formação de quadrilha e receptação. Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação telefônica e suas prorrogações por 30 (trinta) dias consecutivos. Não ocorrência. Possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem. Precedentes. Decisão proferida com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). Alegada falta de fundamentação da decisão que determinou e interceptação telefônica do paciente. Questão não submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância não admitida. Precedentes. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. É da jurisprudência desta Corte o entendimento de ser possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessiva, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua (HC nº 83.515/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 4/3/05). 2. Cabe registrar que a autorização da interceptação por 30 (dias) dias consecutivos nada mais é do que a soma dos períodos, ou seja, 15 (quinze) dias prorrogáveis por mais 15 (quinze) dias, em função da quantidade de investigados e da complexidade da organização criminosa. 3. Nesse contexto, considerando o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca da possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem, não há que se falar, na espécie, em nulidade da referida escuta e de suas prorrogações, uma vez que autorizada pelo Juízo de piso, com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). 4. A sustentada falta de fundamentação da decisão que determinou a interceptação telefônica do paciente não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, sua análise, de forma originária, neste ensejo, na linha de julgados da Corte, configuraria verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado.DecisãoPor maioria de votos, a Turma conheceu, em parte, da ordem de habeas corpus e, nessa parte, a denegou, nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que a concedia. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 1ª Turma, 6.3.2012 (HC 106129 / MS - MATO GROSSO DO SUL, HABEAS CORPUS, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento: 06/03/2012, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação, PROCESSO ELETRÔNICO, DJe-061 DIVULG 23-03-2012 PUBLIC 26-03-2012).
No julgado supracitado questiona-se a legalidade da decisão que autorizou a
utilização da interceptação telefônica como meio de prova e por falta de
fundamentação, assim como sobre sua prorrogação ocorrida por mais trinta dias
consecutivos.
Inicialmente, fora alegada pela parte ré a carência dos requisitos autorizadores da
medida atacada, entretanto, a corte entendeu de forma contrária, ratificando que o
juízo que a permitiu agiu de acordo com a lei que rege tal disposição, tanto a
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princípio, quanto na questão de suas prorrogações. A lei 9296/1996 delimita o prazo
de quinze dias, podendo ser prorrogados por mais quinze dias, em razão da
complexidade do caso, seja pela multiplicidade de agentes, seja pela máquina da
organização criminosa.
Quanto a questão de falta de fundamento para a autorização da medida não foi
conhecida pelo tribunal, uma vez que o mencionado argumento não foi apreciado
pela instância inferior, portanto, a fim de evitar supressão de instância o habeas
corpus foi parcialmente conhecido. E no que tange o seu mérito denegado.
Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Interceptação telefônica. Crimes supostamente praticados por oficiais de justiça da Comarca de Caruaru/PE. Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação. Não ocorrência. Decisão devidamente fundamentada. Indícios suficientes de participação nos crimes sugeridos. Único meio de prova disponível. Precedentes. 1. É da jurisprudência da Corte o entendimento de que “é lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão judicial fundamentada, quando necessária, como único meio de prova, à apuração de fato delituoso” (HC nº 105.527/DF, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 13/5/11). 2. No caso, a decisão proferida pelo Juízo de piso, autorizando a interceptação telefônica em questão, encontra-se devidamente fundamentada, sendo os elementos constantes dos autos suficientes para afastar os argumentos dos impetrantes/pacientes de que não havia indícios de materialidade em infração penal para se determinar a quebra do sigilo telefônico ou de que as provas pudessem ser colhidas por outros meios disponíveis, mormente se levado em conta que as negociações das vantagens indevidas solicitadas se davam por telefone. 3. Ordem denegada.DecisãoA Turma denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Falou o Dr. Francisco Rodrigues da Silva, pelos Pacientes. Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. 1ª Turma, 18.10.2011 (HC 103418 / PE – PERNAMBUCO, HABEAS CORPUS, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento: 18/10/2011 Órgão Julgador: Primeira Turma, DJe-216 DIVULG 11-11-2011 PUBLIC 14-11-2011, EMENT VOL-02625-01 PP-00063).
A decisão supracitada trata do habeas corpus, em que se foi questionada a
legalidade da decisão que autorizou a interceptação telefônica no caso apresentado.
Entretanto, a turma do STF entendeu pela devida fundamentação da medida, bem
como presente os necessários requisitos de materialidade.
Há que se levar em conta o fato de inexistir outro modo de produção de prova que
coubesse ao respectivo delito, contrapondo, diretamente todos os argumentos dos
impetrantes. Foi levado em conta, também, o fato de que as vantagens, indevidas
solicitas, se davam mormente por telefone,
Portanto, em função destes argumentos a ordem de habeas corpus foi denegada
pelo juízo, afastando, assim, o direito fundamental a intimidade na estrita esteira da
necessidade de investigação criminal, devidamente requerida judicialmente.
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HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CONFISCO DE BEM. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. COMPETÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. PRORROGAÇÕES. 1. O habeas corpus, como garantia de liberdade de locomoção, não se presta para discutir confisco criminal de bem. 2. Durante a fase de investigação, quando os crimes em apuração não estão perfeitamente delineados, cumpre ao juiz do processo apreciar os requerimentos sujeitos à reserva judicial levando em consideração as expectativas probatórias da investigação. Se, posteriormente, for constatado que os crimes descobertos e provados são da competência de outro Juízo, não se confirmando a inicial expectativa probatória, o processo deve ser declinado, cabendo ao novo juiz ratificar os atos já praticados. Validade das provas ratificadas. Precedentes (HC 81.260/ES – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – Pleno – por maioria – j. em 14.11.2001 – DJU de 19.4.2002). 3. A interceptação telefônica é meio de investigação invasivo que deve ser utilizado com cautela. Entretanto, pode ser necessária e justificada, circunstancialmente, a utilização prolongada de métodos de investigação invasivos, especialmente se a atividade criminal for igualmente duradoura, casos de crimes habituais, permanentes ou continuados. A interceptação telefônica pode, portanto, ser prorrogada para além de trinta dias para a investigação de crimes cuja prática se prolonga no tempo e no espaço, muitas vezes desenvolvidos de forma empresarial ou profissional. Precedentes (Decisão de recebimento da denúncia no Inquérito 2.424/RJ – Rel. Min. Cezar Peluso – j. em 26.11.2008, DJE de 26.3.2010). 4. Habeas corpus conhecido em parte e, na parte conhecida, denegado.DecisãoPor maioria de votos, a Turma conheceu, em parte, da ordem de habeas corpus e, nessa parte, a denegou, nos termos do voto da Senhora Ministra Rosa Weber, Redatora para o acórdão, e vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, Relator. Presidência do SenhorMinistro Dias Toffoli. 1ª Turma, 14.2.2012. (HC 99619 / RJ - RIO DE JANEIRO, HABEAS CORPUS, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator (a) p/ Acórdão: Min. ROSA WEBER Julgamento: 14/02/2012, Órgão Julgador: Primeira Turma, ACÓRDÃO ELETRÔNICO, DJe-059, DIVULG 21-03-2012, PUBLIC 22-03-2012).
A decisão citada apresenta mais um caso em que houve análise pelo STF das
condições para utilização da interceptação telefônica como prova no procedimento
criminal e que se contrapõe ao direito fundamental da pessoa a intimidade.
O art. 5, XII, da Constituição Federal, ao estabelecer os fundamentos legais para o
direito fundamental da intimidade ao determinar a inviolabilidade de certos bens e
atos praticados pelo individuo, excetua também que por ordem judicial os mesmos
podem ser afastados. A fim de se regulamentar tal norma jurídica constitucional, o
legislador infraconstitucional aprovou a lei 9296/96, ao dispor sobre as
interceptações telefônicas, de qualquer natureza.
Ao considerar a utilização da interceptação telefônica como meio de prova o juízo
deve observar que o mesmo é bastante invasivo, sendo utilizado com parcimônia,
levando em conta as especificidades do caso concreto.
Ao tomar como pressuposto a cautela que deve pairar sobre atos que poderiam
atentar sobre direitos fundamentais, o juízo deve, observada a competência daquele
que requer a medida, analisar os requisitos para a concessão da mesma e se
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confirmados autorizar. O crime pode justificar a utilização deste meio invasivo, pela
natureza do crime ou pela sua procrastinação no tempo, para que a medida se
prolongue no tempo, superando até mesmo o prazo estipulado em lei. Neste caso, o
STF entende pela permissão da atividade pelo tempo estritamente necessário para a
produção de provas, sendo o prazo sempre determinado. O objetivo deste
entendimento do tribunal parece ser o de garantir efetividade a medida e ao mesmo
tempo evitar, na medida do possível, o confronto com a norma fundamental por um
período arbitrário.
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8 CONCLUSÃO
Há que se chegar a algumas conclusões em relação ao que foi analisado neste
trabalho. É preciso fazer uma distinção entre duas formas de manifestação do
garantismo. Há o garantismo negativo e positivo. Quanto ao garantismo negativo
pode-se dizer que o Estado não pode violar a presunção de inocência nem qualquer
direito do cidadão. Já quanto ao garantismo positivo, o Estado deve agir
positivamente protegendo direitos fundamentais. Aplicando-se a teoria garantista ao
instituto da interceptação telefônica pode-se concluir que tal teoria seria plenamente
aplicada na medida em que se combata qualquer forma de ingerências estatais na
vida particular sendo a interceptação uma manifestação dessas ingerências.
Os direitos fundamentais seriam, portanto, aqueles direitos ou situações jurídicas
referentes ao sujeito enquanto inseridas em determinada sociedade. Consideradas,
consequentemente, na medida em que presentes na noção moderna de cidadania.
Na medida em que existem, se sujeitam às normas presentes na Constituição. Por
esta, pode-se inferir a Constituição formal e a Constituição material, pelas quais os
direitos fundamentais são delineados em dois sentidos a saber: em sentido formal e
em sentido material.
Pode-se chegar à conclusão de que a prova é o elemento integrador da convicção
do juiz com os fatos da causa. A atividade probatória representa, na realidade o
momento central do processo. As provas não podem estar de forma alguma
contaminadas de algum vicio o que as coloca no campo das provas ilícitas. E,
consequentemente a interceptação telefônica seria, na realidade uma prova ilícita já
que viola direitos fundamentais do indivíduo.
Em palavras conclusivas, pode-se dizer que o direito à intimidade é quase sempre
considerado como sinônimo de direito à privacidade, mas são na realidade palavras
com sentido diverso. O que existe é uma relação entre ambas. Os direitos à
intimidade e à própria imagem formam a proteção constitucional à vida privada. Há
que se dizer, portanto, que a interceptação telefônica viola flagrantemente o direito à
intimidade.
Há que se concluir que existe uma afirmação que parece estar pacificada na
doutrina: a quebra ao sigilo é a exceção. O que vale é o sigilo e este deve ser
preservado sobre todas as formas de interferência na vida privada das pessoas. O
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sigilo nada mais é do que uma proteção aos indivíduos, sobretudo aqueles que
respondem a um processo criminal e carregam sozinhos o peso da acusação.
Portanto, não se justifica a quebra do sigilo ainda que esteja a se investigar delito
supostamente praticado pelo agente.
A proporcionalidade surge vinculada à concepção de limitação do poder estatal,
tendo em vista a tutela dos interesses individuais. Como já foi tratado nesse
trabalho, a CRFB/88 autoriza a interceptação telefônica em alguns casos. No
entanto, é preciso salientar que mesmo nos casos de permissão da interceptação
pode haver violação a direitos fundamentais. As interceptações, violando o direito à
intimidade, devem ser banidas da instrução processual penal, ao aplicar-se o
princípio da proporcionalidade.
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