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TALITHA CARDOSO HANSTED Teatro, Educação e Cidadania: estudo em uma escola do Ensino Básico CAMPINAS 2013 i

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TALITHA CARDOSO HANSTED

Teatro, Educação e Cidadania:

estudo em uma escola do Ensino Básico

CAMPINAS

2013

i

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Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca da Faculdade de Educação Rosemary Passos - CRB 8/5751

Hansted, Talitha Cardoso, 1980- H199t Teatro, educação e cidadania : estudo em uma escola do Ensino Básico / Talitha Cardoso Hansted. – Campinas, SP : [s.n.], 2013. Han Orientador: Maria da Glória Marcondes Gohn. Han Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. Han 1. Teatro. 2. Educação. 3. Cidadania. 4. História. 5. Memória. I. Gohn, Maria da Glória Marcondes,1947-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título. Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: Theatre, education and citizenship : study in a Brazilian school Palavras-chave em inglês: Theatre Education Citizenship History Memory Área de concentração: Políticas, Administração e Sistemas Educacionais Titulação: Mestra em Educação Banca examinadora:

Maria da Glória Marcondes Gohn [Orientador] Angela Randolpho Paiva Vera Lúcia Sabongi de Rossi Data de defesa: 13-12-2013 Programa de Pós-Graduação: Educação

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RESUMO

Esta pesquisa investiga o papel do teatro na escola e sua contribuição para a formação da

cidadania. Para tanto, apresenta o histórico, as principais características e os procedimentos

metodológicos do trabalho teatral desenvolvido no Instituto Educacional Imaculada, instituição

da rede particular de ensino da cidade de Campinas. A dissertação busca estabelecer ligações

entre as especificidades dos processos ali desenvolvidos e os valores de liberdade, igualdade e

participação, entendidos, neste trabalho, como “valores cidadãos”. A pesquisa se propõe,

também, a entender se os valores cidadãos desenvolvidos e/ou exercitados durante as atividades

teatrais são transferidos para outros campos da vida social, e como os sujeitos situam tais

influências em suas trajetórias de vida. Para atingir tal meta, são apresentadas entrevistas com

alunos e ex-alunos que fizeram teatro na referida instituição. Os entrevistados relatam memórias

das experiências vivenciadas e refletem sobre a contribuição do teatro para a maneira como

enxergam e vivenciam os valores cidadãos em diferentes contextos. No campo teórico, a

dissertação explora relações entre teatro e cidadania em diferentes tempos e lugares, apresentando

essa arte como linguagem artística profundamente ligada, desde suas origens, à vida social dos

seres humanos. O estudo destaca aspectos que aproximam o trabalho teatral desenvolvido em

escolas à educação não formal, área que tem como um dos principais objetivos a formação para a

cidadania. A pesquisa faz também uma breve retrospectiva das relações entre teatro e educação

ao longo da História, destacando algumas das principais tendências pedagógicas com a

linguagem teatral, e evidenciando a pluralidade do potencial educativo dessa arte. Dentre as

conclusões, destaca-se a compreensão de que a exploração e a apropriação da linguagem teatral

constituem atividade propensa à instauração de processos emancipatórios e à conquista da

autonomia, contribuindo significativamente para a formação da cidadania dos alunos. Sobressai,

também, o entendimento de que os três valores cidadãos são intrínsecos a processos que se

pautam pela exploração do teatro como linguagem artística.

Palavras-chave: Teatro. Educação. Cidadania. História. Memória.

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ABSTRACT

This research investigates the role of School Theatre and its contribution for citizenship

education. It presents the history, the main features and the methodological procedures of theatre

activities developed at Instituto Educacional Imaculada, a private school located in the city of

Campinas (São Paulo state). The dissertation seeks to establish links between specific processes

developed in that institution and the values of freedom, equality and participation, defined in this

study as “citizenship values”. The research also proposes to understand if the citizenship values

developed and/or exercised during theatrical activities are transferred to other fields of social life,

and how individuals situate such influences in their life trajectories. To achieve this goal, we

present interviews with students and alumni who have participated in theatrical activities at that

institution. Respondents reported memories of experiences and reflected on the contribution of

theatre to the way they see and experience the citizenship values in different contexts. In the

theoretical field, the dissertation explores connections between theatre and citizenship in different

times and places, presenting this art as a language deeply linked, from its origins, to the social life

of human beings. The study highlights common aspects between theatre works developed in

schools and non-formal education, area that has citizenship education as a main objective. The

research also makes a brief retrospective of the relationship between theatre and education

throughout history, highlighting some of the major trends in the teaching of theatre, and showing

the plurality of the educational potential of this art. Among the findings, there is an understanding

that the exploitation and appropriation of theatrical language are prone to promote emancipatory

processes and the achievement of autonomy, contributing significantly to citizenship education.

Another conclusion is the understanding that the three citizenship values are intrinsic to processes

that explore theatre as artistic language.

Keywords: Theatre. Education. Citizenship. History. Memory.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................

Justificativa.....................................................................................................................

Objetivos.........................................................................................................................

Metodologia.................................................................................................................. ..

Organização do trabalho.................................................................................................

1 TEATRO E CIDADANIA.........................................................................................

1.1 Contexto histórico.................................................................................................

1.2 Contexto educacional............................................................................................

1.2.1 Formalidade e não formalidade.......................................................................

1.3 Conclusões do capítulo..........................................................................................

2 TEATRO E EDUCAÇÃO.........................................................................................

2.1 Teatro e educação: breve sinopse............................................................................

2.2 Teatro e educação no Brasil....................................................................................

2.3 Conclusões do capítulo...........................................................................................

3 TEATRO E CIDADANIA NO IEI:

HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS GERAIS...................................................

3.1 A escola e as artes: breve histórico ........................................................................

3.1.1 Atividades artísticas..........................................................................................

3.1.2 Atividades teatrais: da criação coletiva aos processos colaborativos.................

3.2. Teatro hoje: espaço de convivência democrática...................................................

3.2.1 Participação: um direito de todos.....................................................................

3.2.2 Comprometimento: um exercício de cidadania................................................

3.2.3 Espetáculo teatral: uma obra coletiva..............................................................

3.2.4 Comunidade escolar e participação do espectador...........................................

3.2.5 Espaço: um convite à liberdade........................................................................

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3.3 Conclusões do capítulo............................................................................................

Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte I....................................................

4 TEATRO E CIDADANIA NO IEI:

PROCESSO DE TRABALHO..................................................................................

4.1 Coordenação do processo de trabalho.....................................................................

4.1.1 Colaboração.....................................................................................................

4.1.2 Diálogo aberto.................................................................................................

4.1.3 Processos decisórios coletivos........................................................................

4.2 Procedimentos metodológicos..............................................................................

4.2.1 Aulas livres......................................................................................................

4.2.2 Montagem de peça teatral...............................................................................

4.3 Conclusões do capítulo..........................................................................................

Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte II.................................................

5 TEATRO E CIDADANIA NO IEI:

MEMÓRIAS DOS PARTICIPANTES....................................................................

5.1 Os atores...............................................................................................................

5.2 Liberdade............................................................................................................ ..

5.3 Participação..........................................................................................................

5.4 Igualdade..............................................................................................................

5.5 Conclusões do capítulo......................................................................................

CONCLUSÕES..................................................................................................................

REFERÊNCIAS................................................................................................................

APÊNCICES......................................................................................................................

ANEXOS............................................................................................................................

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A Liana, Lula e Daniel, sem os quais nada seria possível.

Nem no Mestrado e nem na vida.

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AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Maria da Glória Gohn, pela imprescindível orientação. Sua experiência, visão de

mundo e aprofundado entendimento sobre as mais diversas áreas do conhecimento foram

inspiradores não apenas no sentido acadêmico, mas também pessoalmente.

À Profa. Dra. Vera Lucia Sabongi De Rossi e ao prof. Dr. Flávio Desgranges, pelas

enriquecedoras contribuições à pesquisa.

Às Filhas de Jesus, por fazerem parte da minha educação e me permitirem participar da educação

de tantos outros.

A Maria Lúcia Lins Henrique, Silvana Ribeiro da Cruz, Marisa Cassani, Luris Jalbut e Rosélia

Jalbut, por todo o apoio, incentivo e carinho, em cada um de meus sonhos e conquistas.

A Raimunda Navarro, Daniela Mattano da Silva e Mara Menegon por me auxiliarem na pesquisa

aos arquivos do IEI, tornando doce e simples o que poderia ser difícil e burocrático.

A Vera Bonilha, por ser essa eterna mestra, a quem sempre posso recorrer.

À família Rezende e a Ana Keiko, pelas belas fotos, e ao Toninho, pelas lindas cartas.

A Letícia Cabral, pela capa, Linha do Tempo, filmagem e edição das entrevistas.

A Geovane Cougo, pela paciência e generosidade ímpares com que filmou, editou e produziu o

DVD.

Aos ex-alunos e amigos Aninha, André, Bi, Fer, Tícia e Van, pelo muito que fizeram por esta

dissertação e por nosso teatro.

A todos os alunos e ex-alunos de teatro do IEI, por fazerem parte da minha história e inspirarem a

realização deste trabalho.

A Bianca Milan, parceira-irmã de palco e de vida, por tanto, que mal caberia aqui...

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Fachada da escola em diferentes épocas (1948 e 2013)...................................

Figura 2 – Sala de aula (1964)...........................................................................................

Figura 3 – Sala de aula (2012)...........................................................................................

Figura 4 – Aluna da instituição apresentando-se perante plateia (década de 1950)..........

Quadro 1 – Oferecimento de atividades artísticas / ano 2013...........................................

Figura 5 – Apresentação de coral (década de 1950)..........................................................

Figura 6 – Alunas em possível encenação teatral (sem data)............................................

Figura 7 – Apresentação do espetáculo Geração Trianon (1997)....................................

Figura 8 – Apresentação do espetáculo Morte e Vida Severina (1999)............................

Quadro 2 – Oferecimento das atividades de teatro / ano 2013..........................................

Figura 9 – O Homem do Princípio ao Fim (2011)...........................................................

Figura 10 – Sonho de uma Noite de Verão (2010)............................................................

Figura 11 – Alunos ajudando a confeccionar cenários (2012)..........................................

Figura 12 – Estudantes de diferentes faixas etárias no camarim.......................................

Figura 13 – Esse Trem vai pra Onde? (2012)...................................................................

Figura 14 – A Menina e o Pássaro (2012), Hércules (2012) e Planeta Sonho (2012).....

Figura 15 – Auditório do IEI.............................................................................................

Figura 16 – Alunos de teatro em diferentes ambientes: palco, sala adjacente e camarim.

Figura 17 – Turma de teatro de quinto ano (2012)...........................................................

Quadro 3 – Mandamentos do teatro..................................................................................

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Figura 18 – Morte e Vida Severina (1999) ......................................................................

Figura 19 – Perfeitópolis, o Musical (2009).....................................................................

Figura 20 – Dionísio Sumiu (2013)...................................................................................

Figura 21 – Dizer que te amo (2013)................................................................................

Figura 22 – Alunos em atividade de “Relaxação”............................................................

Figura 23 – Expressão corporal........................................................................................

Figura 24 - Sonho de uma noite de verão (2010).............................................................

Figura 25 - Auto da Compadecida (2012)........................................................................

Figura 26 - Nossa Cidade (2001).....................................................................................

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Figura 27 - A Menina e o Pássaro (2012), O Homem do Princípio ao Fim (2011) e

A Droga da Obediência (2001).......................................................................

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Figura 28 – Doze (2012)...................................................................................................

Figura 29 – Era uma Vez um Relógio (2008)...................................................................

Figura 30 - A História da Semente (2009)........................................................................

Figura 31 – Deu a Louca no Mundo da Fantasia (2009).................................................

Figura 32 – Apresentação de Perfeitópolis, o Musical (2009).........................................

Figura 33 – Esse trem vai pra onde? (2012) ...................................................................

Figura 34 – Lendas que o Rio Contou (2007)..................................................................

Figura 35 – Ensaio (2013)................................................................................................

Figura 36 – Final de apresentação (2012)........................................................................

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Figura 37 – Sonho de uma Noite de Verão (a)........................................................... ...... 181

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Figura 38 – Sonho de uma Noite de Verão (b)................................................................ 185

Figura 39 – O Homem do Princípio ao Fim (a)............................................................... 187

Figura 40 – O Homem do Princípio ao Fim (b)............................................................... 189

Figura 41 – Auto da Compadecida (a)............................................................................ 191

Figura 42 – Auto da Compadecida (b).............................................................................. 195

Quadro 4 – Atores.............................................................................................................. 200

Figura 43 – “Oração do teatro” (2013).............................................................................. 246

Figura 44 – Final de apresentação (2013)........................................................................... 247

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

IEI Instituto Educacional Imaculada

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

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“Aquilo na noite do nosso teatrinho foi de Oh.”

Guimarães Rosa (Primeiras Estórias)

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INTRODUÇÃO

O teatro é uma arte cujas origens remontam ao surgimento da humanidade. Das

manifestações do homem primitivo – que tinha o costume de simular caças, imitar animais e

personificar os espíritos em que acreditava – às mais modernas formas de representação, essa

linguagem artística sofreu diversas modificações, mas sempre ocupou lugar de destaque na vida

social humana. Diversos pesquisadores assinalam que o teatro continuamente refletiu o momento

social e os pensamentos de cada época (BERTHOLD, 2006; DESGRANGES, 2011; COURTNEY,

1980).

Mesmo com o advento do rádio, do cinema e da televisão, que, ao registrarem o trabalho

do ator, levaram alguns a proclamar a “morte do teatro”, essa linguagem artística continua a seguir

sua trajetória própria. Reinventa-se, busca novos palcos, novos públicos, novos assuntos; e segue

resistindo ao tempo. Afinal, os meios de comunicação não são capazes de reproduzir o seu

elemento primordial e que tanta humanidade lhe confere: a presença do outro; presença viva,

pulsante, participante. Como diria Paulo Autran, “o teatro não morreu. Enquanto houver alguém

com capacidade de vivenciar uma história com sua voz, [...] sua cabeça e seu coração, haverá

alguém para assisti-lo [...] haverá teatro” (apud GARDAIR; SCHALL, 2009, p. 697).

Por estar o teatro tão vinculado à história da humanidade, não é de se espantar que seu

potencial educativo tenha sido objeto de discussão filosófica há muito tempo. Aristóteles, em sua

Poética, já afirmava que a imitação é natural ao homem e que o ser humano aprende por meio dela.

Courtney (1980) aponta um seleto grupo de pensadores que teceu considerações a respeito da

aplicação do teatro em meios educacionais, formado por nomes como Francis Bacon, Michel de

Montaigne, Thomas Eliot, Philip Sidney, Gottfried Leibnitz e Johann Wolfgang von Goethe.

O mundo contemporâneo, intensamente informatizado, caracterizado por ampla

acessibilidade à informação, vive um paradoxo peculiar: enquanto as relações profissionais são

cada vez mais pautadas pela necessidade de indivíduos flexíveis, com formação global e

facilidade para trabalhar em equipe, muitas escolas continuam presas a modelos de educação que

compartimentam o conhecimento humano em disciplinas aparentemente isoladas e que

privilegiam a mera transmissão de informações. Diversos estudiosos, a exemplo de Morin (2000)

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e Gohn (2011), ao observar esse quadro, apontam para a necessidade urgente de uma

reestruturação na área educativa: é preciso que se priorizem processos educacionais que

possibilitem o desenvolvimento de habilidades ligadas à criatividade, aos relacionamentos

interpessoais, à capacidade de transformar informações em conhecimentos. Em outras palavras,

faz-se necessária uma educação que valorize o desenvolvimento das características ditas

“humanas”, e que forme cidadãos livres, capazes de pensar e agir de forma autônoma.

O teatro, por estar diretamente ligado à natureza humana, tem se mostrado um bom aliado

nessa formação geral do indivíduo. Como se verá no decorrer deste trabalho, experiências teatrais

com indivíduos em idade escolar, desenvolvidas em diferentes partes do mundo, indicam que

essa linguagem artística pode colaborar com processos de inclusão social e agir como

catalisadora em processos emancipatórios, contribuindo, portanto, para a formação dos

indivíduos como cidadãos.

A formação da cidadania tem sido, nas últimas décadas, apontada por diversos autores

como um dos objetivos essenciais da educação formal. Para Ferreira (1993), por exemplo, a

questão deve ser tratada como um imperativo social. Candau (1997) enfatiza que “uma escola

deve ser um espaço onde se formam crianças e jovens para serem construtores ativos da

sociedade na qual vivem e exercem sua cidadania” (p. 228). Para Weffort (1994), a escola não é a

única instituição que deveria se ocupar da formação dos cidadãos, mas é, dentre todas, a mais

importante.

O espaço dedicado a atividades teatrais em instituições de ensino no território nacional é,

de modo geral, ainda incipiente, mesmo após a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB, Lei no 9.394/96) ter estabelecido o ensino da arte como componente curricular

obrigatório nos diversos níveis da Educação Básica. A respeito da pouca valorização do teatro no

sistema educacional brasileiro, Pupo (2011, p. 15) reflete: “Se considerarmos a escola como o

coração do projeto democrático, o enfrentamento dessa lacuna é mais do que nunca oportuno e,

ainda mais do que isso, urgente”. Nesse sentido, entendemos que o estudo de trabalhos teatrais

desenvolvidos em instituições escolares que valorizam e incentivam o teatro em seus projetos

pedagógicos pode contribuir tanto para a ampliação do debate sobre o tema como para a

elaboração de trabalhos teatrais adaptados a outras instituições de ensino.

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É exatamente nesse sentido que esta pesquisa se apresenta. Trata-se de um estudo que tem

por objeto as atividades teatrais extracurriculares desenvolvidas no Instituto Educacional

Imaculada (IEI), instituição da rede particular de ensino da cidade de Campinas, que vem

desenvolvendo, há dezessete anos, trabalhos com teatro. Esta pesquisa visa investigar o papel

dessas atividades teatrais na formação dos alunos, como cidadãos. Para atingir tal meta, a

dissertação se dedica a apresentar a metodologia de trabalho com teatro desenvolvida na referida

escola e entrevistas realizadas com sujeitos que vivenciaram o processo descrito, como estudantes

de Ensino Médio. Trabalha-se com a hipótese de que atividades teatrais, realizadas durante a vida

escolar, podem favorecer o desenvolvimento da cidadania, em especial no que diz repeito aos

valores de liberdade, igualdade e participação, compreendidos, neste estudo, como “valores

cidadãos”.

De acordo com Morin (2000), o objetivo principal de toda educação é ensinar a viver.

Para ele, esse processo exige que conhecimentos sejam transformados em sapiência, e que essa

sapiência seja incorporada para toda a vida. Tendo isso em vista, esta pesquisa se propõe também

a entender se os valores cidadãos desenvolvidos e/ou exercitados durante as atividades teatrais

são transferidos para outros campos da vida social dos indivíduos, e como esses sujeitos situam

tais influências dentro de suas trajetórias de vida. Para tanto, foram selecionados para as

entrevistas alunos e ex-alunos de teatro do IEI de diferentes idades, e buscou-se verificar se eles

reconhecem em si, em contextos diversos de suas vidas atuais, influências da atividade

vivenciada na escola.

As categorias centrais abordadas pelo trabalho são “Cidadania” e “Relações entre Teatro e

Educação”. As principais referências teóricas para a categoria “Cidadania” são José Murilo de

Carvalho, Maria da Glória Gohn e Maria Victoria de Mesquita Benevides. O conceito de

cidadania com o qual trabalham esses estudiosos conduziu à elaboração do termo “valores

cidadãos” e ao estabelecimento de relações entre o fazer teatral e a formação da cidadania.

Na categoria “Relações entre Teatro e Educação”, os principais referenciais teóricos são

Flávio Desgranges, Margot Berthold, Ricardo Japiassu e Richard Courtney. A leitura de obras dos

autores mencionados norteou a contextualização histórica das relações entre teatro e educação,

bem como o entendimento a respeito das principais correntes metodológicas que caracterizam o

ensino do teatro na contemporaneidade.

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É importante destacar, ainda, que esta pesquisa trabalha com o suposto geral de que a

formação via atividades teatrais articula dimensões da educação formal escolar, prevista na LDB

de 1996, com dimensões da educação não formal, que correspondem a aprendizagens advindas de

experiências práticas coletivas ao longo da vida. O teatro na escola – ambiente formal de ensino –

, quando se propõe a construir saberes ligados à socialização e à solidariedade, a estimular a

participação, a aceitação do diferente e o reconhecimento de diferenças históricas e culturais,

aproxima-se dos objetivos da educação não formal e, como ela, pode contribuir para a formação

do cidadão participativo, consciente de seus direitos, com autonomia de pensamento e ação.

Assim, “Educação Formal e Não Formal”, embora não se configurem como objeto em si da

pesquisa, constituem também categoria importante a ser abordada. Neste campo, tomamos

Jaume Trilla e Maria da Glória Gohn como principais referências teóricas.

Justificativa

A justificativa para a escolha do objeto de estudo desta pesquisa contém fortes elementos

de ordem pessoal: sou professora de todas as turmas de teatro do Instituto Educacional Imaculada

e, como ex-aluna desse mesmo estabelecimento de ensino, participei ativamente da fundação de

seu primeiro grupo teatral. Portanto, nesta seção, em que se explicitam os motivos que

conduziram à seleção da temática pesquisada, tomo a liberdade de narrar – propositadamente, na

primeira pessoa do singular – alguns episódios destas duas trajetórias que se mesclam e

complementam: a história do teatro na referida escola e minha própria história de vida, na

tessitura de momentos vivenciados tanto como estudante quanto como professora da instituição.

Cursei Ensino Fundamental e Médio no IEI, entre os anos de 1984 e 1998. A escola,

àquela época, não oferecia aulas de teatro, mas, de tempos em tempos, nos era passada a tarefa de

realizar apresentações teatrais como atividades avaliativas de algumas disciplinas – trabalhos aos

quais me dedicava com entusiasmo e afinco. Quando estava no primeiro ano do Ensino Médio,

em 1996, professoras de Língua Portuguesa e Literatura solicitaram minha ajuda na preparação

da feira cultural que a escola estava organizando. Minha incumbência foi orientar um grupo de

alunos de sétima e oitava séries em uma apresentação oral de poemas. O trabalho realizado

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obteve boa repercussão, e aquela equipe de estudantes, que se identificou com a atividade,

decidiu continuar unida para montar peças teatrais. Tornamo-nos, dessa forma, o grupo oficial de

teatro do colégio. Depois daquele primeiro trabalho, realizamos, juntos, diversas encenações de

peças teatrais. Eu participava delas atuando, mas era também a “diretora” do grupo e, como tal,

propunha os textos a serem encenados, organizava os ensaios, ajudava na construção dos

personagens e era a responsável pelo grupo.

Em 1999 – quando ingressei no curso de Artes Cênicas do Instituto de Artes da Unicamp

– solicitei ao colégio autorização para continuar orientando o grupo de teatro da escola, em

trabalho de caráter voluntário, e o pedido foi aceito. No ano de 2000, fui contratada

provisoriamente como professora de teatro e, em 2001, fui efetivada na instituição. Com o passar

dos anos, o teatro foi, gradativamente, ganhando mais espaço dentro da escola. Hoje, é oferecido

a alunos desde o quinto ano do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio (a

conquista de espaço das atividades teatrais na escola será melhor detalhada no capítulo 3).

Ainda durante minha graduação, deixei de atuar nas encenações dos alunos, como

costumava fazer no princípio; minha satisfação passou a ser prepará-los e testemunhar seu

desenvolvimento. Comecei a me preocupar com os processos de apropriação da linguagem

teatral e em como instaurá-los junto aos jovens estudantes. No início, para conduzir esse trabalho,

baseava-me nos conhecimentos sobre a arte do ator que ia adquirindo na universidade e também

em muito do que eu própria costumava fazer, como aluna de cursos livres de teatro, quando

adolescente. Assim, fui, de maneira um tanto quanto intuitiva, desenvolvendo uma maneira

própria de trabalhar com pessoas que nunca haviam entrado em contato com o teatro. Em meu

segundo ano de faculdade, um de meus professores, conhecendo meu interesse pela área

educacional, colocou-me em contato com material teórico sobre teatro-educação, apresentando-

me obras de Viola Spolin, Maria Lúcia de Souza Barros Pupo, Ingrid Dormien Koudela, Sandra

Chacra e Richard Courtney.

O contato com a literatura especializada na área levou-me à compreensão de que muito

daquilo eu costumava propor aos jovens estudantes com quem lidava relacionava-se com as

pesquisas brasileiras sobre o caráter lúdico de atividades teatrais. Constatei, sobretudo, que já

vinha trabalhando, sem saber, com o sistema de jogos teatrais, desenvolvido por Viola Spolin, e

com muitos jogos e exercícios propostos por Augusto Boal (esses dois autores serão mencionado

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no capítulo 2, e a ligação entre suas obras e o trabalho desenvolvido na instituição pesquisada

será exposta no capítulo 4). Continuei, então, trabalhando na mesma linha que já vinha

desenvolvendo, acrescentando a ela novos conhecimentos que a leitura me proporcionava. Além

disso, fui também incorporando ao trabalho novas práticas que meu trabalho como atriz,

frequentemente, me apresentava.

A literatura especializada abriu-me novos horizontes também no sentido de ampliar meu

entendimento sobre a importância do trabalho artístico com indivíduos em idade escolar. Tudo o

que lia era compatível com aquilo que meus próprios alunos, seus pais e demais professores

costumavam me relatar a respeito das contribuições que as atividades teatrais traziam para suas

vidas, tais como melhora na autoestima, superação da timidez, desenvolvimento do senso de

coletividade e maior facilidade nos relacionamentos interpessoais. Esses relatos – não raro,

emocionados – que ouvia e ainda ouço sobre conquistas atingidas por meio do teatro motivam-

me a continuar trabalhando com teatro-educação e impulsionam-me a querer aprofundar meus

estudos nessa área, buscando respostas a questionamentos como os seguintes: por que a

experiência com teatro costuma ser tão significativa para indivíduos em idade escolar? Que papel

esses sujeitos conferem à vivência teatral para sua formação e, consequentemente, para a

construção de suas histórias de vida? A gestão de suas carreiras, por exemplo, é de algum modo

influenciada pela experiência com teatro vivida no colégio? Os saberes construídos e as

habilidades adquiridas com a prática teatral contribuem para a cultura cidadã desses indivíduos,

no que diz respeito a olhar e analisar o mundo e sua complexidade? Podem os processos teatrais

desenvolvidos na escola em questão favorecer processos emancipatórios?

Perguntas como essas, que há muito me intrigam, levaram-me a elaborar a pesquisa aqui

apresentada, em que investigo a contribuição de processos teatrais, desenvolvidos em ambiente

escolar, para a formação de indivíduos como cidadãos. O foco na cidadania, além da curiosidade

individual, justifica-se pela relevância social da temática, em especial no que tange a contextos

educativos. Vale observar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo

22, estabelece que a Educação Básica tem como finalidade assegurar ao educando “[...] a

formação comum indispensável para o exercício da cidadania [...]” (BRASIL, 1996), e que os

Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados na esteira da LDB, apresentam como propósito

geral “[...] apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como

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cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres” (BRASIL,

1997, n.p.). Na parte em que trata especificamente sobre Arte, o documento enfatiza a seleção de

conteúdos que colaborem para a formação do cidadão.

Cabe, então, perguntar: como pode a linguagem teatral, em suas singularidades, colaborar

para essa formação? Ao descrevermos o trabalho com teatro realizado no Instituto Educacional

Imaculada, buscamos respostas a esse questionamento. De tal modo que esta pesquisa, ao mesmo

tempo em que se apresenta como uma análise das particularidades de processos teatrais

desenvolvidos em determinada escola em sua relação com liberdade, igualdade e participação,

configura-se também como um estudo da especificidade do próprio teatro, entendido como

linguagem artística, em sua relação com a cidadania.

Objetivos

Geral

Verificar de que forma a experiência de fazer teatro na escola contribui para a formação

da cidadania. São focalizadas, neste objetivo geral, três perguntas centrais:

1) Como se dá a formação da cidadania via atividades teatrais em um determinado contexto

educacional?

2) Como a experiência de fazer teatro na escola contribui para a maneira como os indivíduos

enxergam e vivenciam a cidadania em diferentes campos de suas vidas?

3) Qual a singularidade da contribuição do teatro para o desenvolvimento dos valores cidadãos

(liberdade, igualdade e participação)?

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Específicos

Investigar relações entre teatro, educação e cidadania em diferentes tempos e espaços.

Descrever a metodologia de trabalho com teatro desenvolvida extracurricularmente dentro

de uma comunidade escolar de Ensino Básico, com sistematização de cada uma das fases

do processo e caracterização dos elementos práticos e conceituais de como ocorrem as

atividades.

Identificar, na metodologia de trabalho com teatro descrita, características e

procedimentos específicos que contribuam para a construção da cidadania.

Verificar como se dá a articulação entre as práticas escolares regularmente atribuídas à

educação formal e elementos conceituais usualmente associados à educação não formal.

Identificar contribuições do teatro escolar para a construção das trajetórias de vida de

indivíduos, buscando respostas aos seguintes questionamentos: que significados os

sujeitos atribuem à experiência teatral vivenciada? Quais as contribuições na memória?

Qual a percepção dos sujeitos sobre cada um dos valores cidadãos – liberdade, igualdade

e participação – com relação às atividades teatrais das quais participaram? Qual a

percepção acerca desses mesmos valores em suas vidas atuais? Essa visão atual foi

influenciada pela experiência com teatro?

Verificar se os sujeitos reconhecem influências da experiência teatral em sua maneira de

enxergar e vivenciar a cidadania nos seguintes campos de suas vidas atuais:

1) ambiente de trabalho ou estudantil;

2) relações afetivas;

3) participação na vida pública.

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Metodologia

Esta é uma pesquisa qualitativa que transita pelos campos da História e da Memória, tais

como compreendidos por Burke (1992, 2002, 2005), Le Goff (1996), Ricoeur (1968) e Seixas

(2001, 2002). História, que se conta tanto no estabelecimento de relações, em diferentes tempos e

espaços, entre o teatro e os campos da cidadania e da educação, quanto no resgate da cronologia e

de diferentes situações vivenciadas no trabalho teatral desenvolvido na escola estudada.

Memória, que se visita sob a ótica de diferentes “narradores”: a própria pesquisadora, que na

condição de professora de teatro e ex-aluna da instituição pesquisada, fez e faz parte desse lugar e

o apresenta, historicamente, revisitando sua própria memória; e sujeitos (alunos e ex-alunos) que

também participaram da história do teatro na escola em foco e que ali construíram suas próprias

histórias. Nessa perspectiva, entendemos que “o tempo histórico encontra, num nível muito

sofisticado, o velho tempo da memória, que atravessa a história e a alimenta” (LE GOFF, 1996,

p. 13, grifo do autor).

Nessa reconstrução de memórias, em que as histórias contadas por todos os participantes

contribuem para a elucidação do objeto, interessa-nos não olhar o passado como “aquilo que

passou”, mas como uma experiência que se reflete no presente e nos ajuda a compreendê-lo, além

de permitir lançar o olhar para o futuro. Dessa forma, espera-se que a pesquisa componha um

painel de representações atuais de experiências vivenciadas e memórias passadas que, reunidas,

apontem para a dimensão da importância do teatro na formação de indivíduos, como cidadãos.

Tal meta ajuda a esclarecer a concepção de memória com a qual trabalhamos; concepção, esta,

que se reflete nas palavras de Jacy Seixas:

A memória não é jamais como aparece superficialmente, ou seja, como

uma retrospectiva, um resgate passivo e seletivo de fatias do passado que

vêm, como um decalque, compor ou ilustrar nosso presente; seu movimento, ao contrário, é antes de mais nada o de prolongar o passado

no presente. A memória não é regressiva (algo que parte do presente

fixando-se no passado); ela é prospectiva e, mais do que isso, é projetiva, lançando-se em direção ao futuro (SEIXAS, 2002, p. 45).

Para alcançar os objetivos gerais e específicos traçados, o trabalho se vale de fontes

documentais diversas: entrevistas, fotos, programas de peças teatrais, documentos escritos

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(provenientes tanto dos referenciais teóricos já mencionados quanto dos arquivos da escola

estudada e do acervo pessoal da pesquisadora), além de depoimentos de funcionários e ex-alunos

da instituição, que não foram submetidos às entrevistas, mas que contribuíram para a

reconstrução das memórias presentes neste trabalho, como será detalhado mais adiante.

Tendo em vista que nos propomos a estudar as especificidades das atividades teatrais

desenvolvidas em um dado colégio, situado em determinado tempo e espaço, utilizamos, em

alguns momentos, procedimentos da metodologia do estudo de caso. Afinal, de acordo com Stake

(1995 apud ANDRÉ, 2005, p. 18-19), o “estudo de caso é o estudo da particularidade e da

complexidade de um caso singular, levando a entender sua atividade dentro de importantes

circunstâncias”. Entendemos que nosso objeto de estudo – atividades teatrais extracurriculares

desenvolvidas em um estabelecimento de ensino e suas contribuições para a formação da

cidadania – apresenta natureza multideterminada e complexa: as memórias dos indivíduos sobre

o processo teatral vivenciado durante a vida escolar e as percepções da própria pesquisadora,

como professora da instituição estudada, são, evidentemente, permeadas pela subjetividade e

influenciadas por uma série de variáveis. Neste ponto, o estudo de caso oferece algumas pistas

interessantes para a pesquisa sobre a escola em foco:

O estudo de caso pode ser um meio de se fazer ciência, principalmente quando a natureza do fenômeno observado é multideterminada e interessa

conhecer de modo profundo e abrangente a singularidade de cada

situação, mesmo que, em última instância, busque-se um conhecimento

que, de alguma forma e em alguns aspectos, possa ser generalizável (HELOANI; CAPITÃO, 2007, p. 31).

Na citação acima, como se nota, os autores destacam a aplicabilidade do estudo das

particularidades de um caso específico, ainda que o intuito final seja chegar a um conhecimento

passível de generalização. Esse é o caminho traçado nesta pesquisa. Como se verá ao longo da

dissertação, são muitas as maneiras de se trabalhar com a linguagem teatral em contextos

escolares. Existe, na atualidade, uma multiplicidade de metodologias para o trabalho com teatro,

além da possibilidade de cruzamento entre as diversas práticas existentes. Diante desse quadro,

emerge a necessidade de se estudar processos de trabalho em suas singularidades e buscar

entender se cada trabalho específico contribui ou não para o desenvolvimento de valores

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cidadãos. A partir dos resultados obtidos, é possível compreender se na situação estudada há

elementos que podem ser apontados como importantes para a formação da cidadania; é também

possível destacar indícios para sabermos quais desses elementos podem ser replicados ou

adaptados a outras situações (outras instituições de ensino, por exemplo). Desse modo, optamos

pelo estudo de um caso particular como um dos encaminhamentos metodológicos, dados estes

dois motivos: a especificidade da experiência teatral vivenciada e selecionada para esta

dissertação; e a possibilidade de generalização do conhecimento que a pesquisa oferece – tanto

do ponto vista do entendimento das relações entre o teatro na escola e a formação da cidadania

quanto no que tange a possíveis contribuições para trabalhos teatrais desenvolvidos em contextos

diversos.

André (2005, p. 52) destaca que um dos elementos fundamentais de um estudo de caso é a

“descrição densa” do fenômeno estudado, com vistas a dar ao leitor a “sensação de ter estado lá”.

Nesse sentido, dedicamo-nos a descrever as atividades teatrais realizadas na escola abordada por

este estudo de maneira detalhada, por meio da apresentação do histórico do teatro na instituição e

da descrição pormenorizada da metodologia desenvolvida. Além disso, apresentamos

características gerais e dados históricos da própria instituição de ensino e das demais linguagens

artísticas ali oferecidas, para delinear o contexto sócio-histórico no qual o evento estudado se

desenvolve.

Para a reconstituição histórica, contribuíram para a pesquisa, por meio de depoimentos

registrados em redes sociais, muitos ex-alunos – além daqueles que foram entrevistados –,

especialmente pertencentes ao primeiro grupo de teatro da escola. A participação desses antigos

estudantes – hoje profissionais das mais diversas áreas – foi importante no sentido de relembrar

fatos e datas importantes da história do teatro no colégio em questão. Para o levantamento de

dados históricos relativos à escola e às demais linguagens artísticas ali desenvolvidas, contou-se

com a contribuição de professores e demais funcionários que trabalham na instituição há pelo

menos duas décadas.

A pesquisa levantou também dados do acervo documental do Instituto Educacional

Imaculada, em que constam livros-ata, quadros curriculares, planos de trabalho e quadros de

contratação de professores de quase todos os anos desde a fundação da escola, ocorrida em 1952.

As fotos que ilustram os capítulos em que se apresenta a instituição e o trabalho teatral ali

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desenvolvido fazem parte dos arquivos da escola, dos acervos de ex-alunos que contribuíram para

a pesquisa e do acervo pessoal da pesquisadora.

Com relação às entrevistas, optou-se pelas semiestruturadas, aquelas em que, de acordo

com Moreira (2004, p. 55),

O entrevistador pergunta algumas questões em uma ordem pré-

determinada, mas dentro de cada questão é relativamente grande a liberdade do entrevistado. Além disso, outras questões podem ser

levantadas, dependendo das respostas dos entrevistados, ou seja, podem

existir questões suplementares sempre que algo de interessante e não previsto na lista original de questões aparecer.

As entrevistas foram realizadas com uma pequena amostra de indivíduos que, enquanto

estudantes de Ensino Médio do IEI, participaram de atividades teatrais extracurriculares1 por no

mínimo dois anos. Foram investigadas as memórias que esses sujeitos mantêm do processo

vivenciado e as relações que estabelecem entre tal vivência e diferentes campos de suas vidas na

atualidade (ambiente de trabalho ou estudantil, relações afetivas e participação na vida pública).

Os entrevistados são pertencentes a dois grupos distintos: aqueles que participaram de atividades

teatrais na escola em tela há mais de quatro anos, e aqueles que fizeram teatro na instituição em

anos mais recentes (entre 2011 e 2013). Os primeiros são indivíduos maiores de 21 anos, que já

estão inseridos no mercado de trabalho, e que, pelo maior distanciamento histórico das atividades

teatrais, possibilitaram a compreensão das contribuições do teatro, a longo prazo, para suas

trajetórias de vida e para a sua atuação como cidadãos no mundo. Os segundos – aqueles que

fizeram teatro na instituição em anos recentes – são indivíduos com idade até 18 anos, que ainda

cursam Ensino Médio ou que ingressaram há pouco tempo no Ensino Superior. Alguns deles

ainda participam das atividades teatrais na instituição pesquisada. Suas percepções ajudam a

1 A instituição pesquisada também oferece aulas de teatro em caráter curricular, conforme será descrito no capítulo 3.

A opção pelas atividades extracurriculares como objeto de estudo advém dos seguintes fatos: as atividades

extracurriculares na escola em tela são desenvolvidas em maior escala – em termos de oferecimento a diferentes

séries, número de turmas, quantidade de alunos atingidos e tempo das aulas – que as curriculares (vide Quadro 2,

capítulo 3); as atividades extracurriculares, por terem caráter de adesão voluntária e não apresentarem a

necessidade de seguir um currículo padronizado, possibilitando a adaptação dos conteúdos à necessidade de cada

contexto (questões que serão melhor explicitadas no decorrer da dissertação), aproximam-se mais das

características da educação não formal e podem, portanto, configurar terreno propício à formação da cidadania.

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compreender como se dá o desenvolvimento dos valores cidadãos via processos teatrais e se a

experiência recente já se reflete em diferentes aspectos de suas vidas.

Para situar o trabalho no universo teórico que lhe diz respeito, foi realizado um

levantamento bibliográfico pertinente à área selecionada para a pesquisa, englobando estudos de

referenciais teóricos nos campos da cidadania, educação formal e não formal, história do teatro e

teatro-educação. Na apresentação do material estudado, buscou-se estabelecer relações entre os

campos abordados e contextualizar, historicamente, tais ligações. Ainda com vistas à

contextualização histórica, este trabalho contempla a produção da Linha do Tempo “Teatro e

Educação: breve sinopse”, em que são dispostas algumas das principais relações entre essas duas

áreas, estabelecidas por filósofos, pesquisadores e autores de teatro, desde a Idade Antiga até a

atualidade. A linha também destaca as principais correntes metodológicas de trabalho com teatro

desenvolvidas a partir do século XX.

Organização do trabalho

Esta pesquisa apresenta como foco central o teatro e busca relacioná-lo a duas grandes

áreas: a cidadania e a educação. Tendo isso em vista, os capítulos que compõem o trabalho estão

divididos, em linhas gerais, do seguinte modo: o primeiro versa sobre relações entre teatro e

cidadania; o segundo explora relações entre teatro e educação; e os três seguintes abordam teatro

e cidadania em um contexto educacional específico. Os dois primeiros capítulos, portanto, são

dedicados à análise teórica das categorias abordadas pela pesquisa, e os demais à apresentação e

análise do caso selecionado para o estudo.

O capítulo 1, especificamente, aborda a categoria “Cidadania”, relacionando-a com a

prática teatral em contextos diversos. A princípio, são apresentados os conceitos de cidadania,

valores cidadãos e teatro abarcados pela pesquisa. Em seguida, são estabelecidas relações entre os

conceitos apresentados, primeiro do ponto de vista da história do teatro e, em seguida, do ponto

de vista do contexto educacional. É também nesse capítulo que se apresenta a categoria

“Educação Formal e Não Formal” e se discutem suas relações com a temática da cidadania e a

prática teatral em contextos escolares.

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O capítulo 2, por sua vez, dedica-se à categoria “Relações entre Teatro e Educação”. É

traçado, em linhas gerais, um panorama histórico das relações entre os dois temas, desde a

Antiguidade até os dias atuais. Nesse panorama, são apresentadas contribuições de filósofos e

outros estudiosos que teceram considerações a respeito do potencial educativo do teatro. O

panorama também dá notícia sobre as principais tendências pedagógicas com essa arte,

desenvolvidas a partir do século XX. O capítulo apresenta, ainda, uma breve retrospectiva da

relação entre teatro e educação especificamente no contexto escolar brasileiro.

O capítulo 3 dá início ao estudo da instituição selecionada e do trabalho com teatro ali

desenvolvido. São levantados aspectos históricos e características gerais tanto da escola quanto

das disciplinas ligadas às artes por ela oferecidas. No que diz respeito ao teatro, a exposição

histórica permite compreender como a atividade, ao longo dos anos, foi se estruturando e

ganhando espaço no colégio. Na apresentação do histórico e das características gerais do teatro na

escola estudada, são destacadas relações entre a atividade e a temática da cidadania. Ao final do

capítulo, há uma seção especial, intitulada “Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte

I”, em que a pesquisadora narra situações específicas que exemplificam as características

apresentadas e se relacionam aos valores cidadãos.

O trabalho de teatro desenvolvido na instituição pesquisada incorpora elementos de

algumas das correntes metodológicas apresentadas no capítulo 2. Trata-se de uma metodologia

específica, e é à sua exposição que se dedica o capítulo 4. O processo de trabalho em questão

divide-se, em linhas gerais, em duas grandes fases: “aulas livres” e “montagem de peça teatral”.

Cada uma dessas fases é abordada em seção específica, em que se expõem os procedimentos

metodológicos adotados e seus respectivos objetivos pedagógicos. Mais uma vez, são apontados

aspectos que ligam a temática da cidadania ao trabalho com teatro desenvolvido na instituição,

agora sob a perspectiva específica dos processos teatrais ali desenvolvidos. Esse capítulo também

conta com uma seção final intitulada “Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte II”, em

que se analisam programas2 de peças teatrais realizadas na instituição. A partir desses materiais,

2 Denominam-se “programas” os livretos entregues ou vendidos aos espectadores antes de apresentações teatrais, em

que, de modo geral, apresentam-se os nomes dos profissionais envolvidos na montagem e informações sobre o

texto, os autores, a encenação, entre outras. No IEI, são confeccionados programas das peças de estudantes de Ensino Médio e o material é distribuído gratuitamente ao público, na entrada do auditório.

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são descritas particularidades de cada um dos processos de montagem, que servem de exemplo às

características do trabalho expostas no capítulo e apresentam ligações com os valores cidadãos.

No capítulo 5, as relações entre cidadania e atividades teatrais são estudadas a partir das

entrevistas realizadas com indivíduos que participaram dos processos descritos no capítulo 4. A

análise busca compreender se a vivência teatral experimentada pelos sujeitos se reflete na

maneira como eles compreendem e vivenciam os valores de liberdade, igualdade e participação

em diferentes aspectos de suas vidas.

O trabalho é finalizado com as Conclusões, em que se busca destacar os aspectos mais

relevantes da pesquisa, responder a determinados questionamentos colocados no decorrer do

trabalho, e indicar reflexões e algumas conclusões a que o percurso traçado permitiu chegar.

Em anexo à dissertação, segue um DVD contendo imagens das entrevistas realizadas para

o trabalho. O material também inclui fotos e vídeos de peças teatrais dirigidas pela pesquisadora

e encenadas por estudantes de Ensino Médio da escola estudada nos anos de 2010, 2011, 2012 e

2013.

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1 TEATRO E CIDADANIA

“Uma companhia de teatro democrática, igualitária e

libertária, apresentando peças de grande diversidade,

poderia expressar o ideal de um mundo no qual eu quero viver.”

Trevor Nunn3 (Ensemble Theatre Conference, 2004).

Cai a noite. Dezenas de alunos reúnem-se no pátio da escola. Estão ansiosos e

apreensivos. Posicionam-se em círculo. Alguns tomam a palavra. Agradecem, incentivam,

encorajam. Todos se emocionam. E silenciam. Dão-se as mãos. Repetem, então, seguindo a

professora: “Eu seguro minha mão na sua, para que tudo aquilo que eu não posso e não quero

fazer sozinho, possamos fazer todos juntos!”. As palavras são proferidas com seriedade e

entusiasmo. Concentração. Adrenalina. Continuam todos ansiosos e apreensivos. Porém

preparados, agora. Abraçam-se. Deixam o pátio. Cada qual toma seu lugar. Abrem-se as

cortinas.

A cena descrita repete-se todos os anos, com variadas turmas de estudantes, no Instituto

Educacional Imaculada, em Campinas – SP. Ela ocorre sempre alguns minutos antes de as turmas

de teatro realizarem suas apresentações no auditório da instituição. Trata-se de uma espécie de

ritual preliminar coletivo, que favorece a concentração e o sentimento de pertencimento ao grupo.

A frase4 proferida em uníssono, de certa forma sintetiza o cerne desta dissertação: a construção

de valores ligados à cidadania. Ao se posicionar em círculo, de mãos dadas com colegas, e dizer

“eu seguro minha mão na sua”, cada estudante coloca-se em posição de igualdade com os

demais; ao afirmar “tudo aquilo que eu não posso [...] fazer sozinho, possamos fazer todos

3 Trevor Nunn é diretor de teatro, cinema e televisão. É o atual diretor artístico da companhia teatral inglesa Theatre

Royal Haymarket, cargo que também ocupou na Royal Shakespeare Company (de 1968 a 1986) e no Royal

National Theatre (de 1997 a 2003). 4 A frase em questão costuma ser utilizada também em meios profissionais, e é conhecida, por alguns grupos, como

“oração do teatro”.

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juntos”, o aluno afirma o valor da participação de todos no processo; e, ao acrescentar “e não

quero fazer sozinho”, o indivíduo exprime sua liberdade de escolha, e a opção por estar ali.

Igualdade, participação e liberdade são os valores destacados por Carvalho (2010) na

exposição daquilo que, em seu entendimento, seria o ideal de cidadania. O autor aborda a

cidadania como um fenômeno complexo, histórico e de definição não estanque. O conceito de

cidadania com o qual o estudioso trabalha diz respeito a uma combinação entre os três valores

destacados. O autor pondera que essa combinação, ainda que talvez inalcançável de maneira

plena, tem servido de parâmetro para que se avalie a qualidade da cidadania em diferentes países

e momentos históricos. Em consonância com Carvalho, Gohn (2012, p. 195) coloca que “[...] o

conceito de cidadania é amplo e complexo e abrange várias dimensões”. Dentre tais dimensões, a

autora destaca a individual (cidadania relativa aos direitos e deveres dos indivíduos) e a coletiva

(direitos e deveres de grupos), ponderando que, em ambas, liberdade e igualdade sempre foram

categorias centrais. O conceito de cidadania com o qual trabalha Gohn encontra eco nas obras de

Marshall (1967), Arendt (1981), Paoli (1989), Teles (1991) e Weffort (1993). Para o conceito de

“cidadania ativa” com o qual trabalha Benevides (1991), participação é valor fundamental:

quando o povo toma parte na função de legislar, combatem-se as tradições oligárquica e

patrimonialista, tão arraigadas na sociedade brasileira. A mesma autora destaca liberdade e

igualdade como valores indispensáveis ao exercício de uma educação voltada para a democracia

(Benevides, 1996).

Este trabalho toma como referência a visão sobre cidadania apontada pelos autores

citados, abarcando liberdade, igualdade e participação sob o termo “valores cidadãos”5. Como se

verá no transcorrer deste capítulo, são muitas as relações que se podem estabelecer entre os

valores citados e a prática teatral, tanto do ponto de vista da história do teatro quanto em

contextos educacionais.

5 O conceito de cidadania, para os autores que são nossa referência, é trabalhado em várias dimensões,

abrangendo questões sociais, políticas, econômicas e culturais dos indivíduos na sociedade, e suas relações com o

Estado. Eles adotam a perspectiva do ponto de vista histórico, como processo social em construção. Nesta

pesquisa, não é nosso intuito realizar uma análise ampla da cidadania junto ao grupo investigado. Interessa-nos,

aqui, compreender o potencial emancipatório de atividades teatrais com indivíduos em idade escolar, do ponto de

vista da formação desses indivíduos como cidadãos, observando de que modo os valores apresentados (liberdade,

igualdade e participação) influenciam seu pensar e agir. Esses três valores constituem, portanto, um recorte de um conceito mais abrangente de cidadania; conceito este que, no que se refere ao reconhecimento jurídico da dignidade

do indivíduo, engloba os direitos de ser livre, de ser igual e de participar.

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Antes de abordar tais relações, vale colocar que quando nos referimos a teatro, nesta

pesquisa, não o estamos compreendendo do ponto de vista “estático”, entendido por Alain Girault

(1975, apud PAVIS, 1999) como o local da representação, em geral constituído por um espaço

onde se atua (palco) e um espaço de onde se olha (sala). Estamos, sim, considerando-o do ponto

de vista “dinâmico”, que, de acordo com o mesmo autor, corresponde à “[...] constituição de um

mundo ‘real’ no palco em oposição ao mundo ‘real’ da sala e, ao mesmo tempo, o

estabelecimento de uma corrente de ‘comunicação’ entre o ator e o espectador” (GIRAULT,

1975, p. 14 apud PAVIS, 1999, p. 373).

De modo análogo, quando falamos aqui em teatro, não nos referimos ao texto dramático

propriamente dito. Mesmo quando mencionamos certos textos escritos – como no caso daqueles

de autoria de William Shakespeare, como se verá mais adiante –, fazemo-nos cientes de que estes

foram escritos com vistas à encenação. Nesse sentido, ao utilizar a palavra “teatro”, aproximamo-

nos mais daquilo a que se costuma chamar “teatralidade” 6.

Abrangemos ainda, sob o termo “teatro”, o trabalho do ator (seja ele profissional, seja

estudante), não apenas no momento da representação de um determinado espetáculo, mas

também em todo o processo que a precede, e que usualmente envolve pesquisa, criação e ensaios.

Além disso, abarcamos em nossa concepção de teatro os processos desenvolvidos com base em

jogos de improvisação teatral, sem que haja, necessariamente, a vinculação com a produção de

peças teatrais7. A respeito dos jogos improvisacionais, Desgranges (2011) é enfático no sentido

de defender que eles devem ser considerados teatro, uma vez que nas oficinas em que se realizam

essas práticas, o encontro entre ator e espectador – fundamental para que o fenômeno teatral

aconteça, como se verá mais adiante – acontece de modo intenso (diversas cenas são

improvisadas, e os participantes ora se colocam na posição de atores, ora na de espectadores).

Estabelecidos os conceitos de cidadania e teatro abarcados por este trabalho, passemos

agora à analise das relações entre esses dois temas, em diferentes tempos e espaços. Em uma

6 Pavis (1999, p. 372) explica que o conceito de teatralidade foi provavelmente formulado com base na mesma

oposição existente entre literatura e “literalidade”, sendo, portanto, “[...] aquilo que, na representação ou no texto

dramático, é especificamente teatral (ou cênico)”. Nesta concepção, o texto dramático, quando lido ou concebido

sem que haja a representação mental da encenação, opõe-se à teatralidade. 7 Na escola enfocada nesta pesquisa, os alunos de teatro participam de jogos de improvisação (vide capítulo 4,

subcapítulo 4.2.1); tomam parte, também, em processos de montagens de peças teatrais, durante os quais vivenciam etapas de pesquisa, criação e ensaios (capítulo 4, subcapítulo 4.2.2).

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primeira seção, abordaremos o teatro como fazer artístico, não relacionado especificamente a

contextos escolares, destacando exemplos de práticas e textos teatrais de diferentes épocas que,

de alguma forma, se relacionam com questões ligadas à cidadania. Em seguida, exploraremos o

contexto educacional – tanto formal quanto não formal – destacando exemplos de iniciativas em

que a prática teatral está ligada ao exercício dos valores cidadãos.

1.1 Contexto histórico

A primeira relação que se pode estabelecer entre teatro e cidadania reside naquilo que

constitui a própria essência do teatro: a coletividade. Tanto na dimensão do fazer teatral (aqui

compreendido como ofício de atores, encenadores e todos aqueles que participam diretamente da

criação e encenação de um espetáculo), quanto na relação entre atores e espectadores, a presença

do outro – ou, para utilizar um dos termos relevantes nesta pesquisa, a participação – é condição

fundamental para que o fenômeno teatral aconteça. Como lembra Ledubino (2009), fazendo

referência a uma afirmação comum no meio teatral, mesmo para a realização de um monólogo, é

necessária a participação de uma equipe (que pode contar com diretor, técnicos, figurinista,

cenógrafo, entre outros); e ainda que um espetáculo seja totalmente concebido e executado por

uma mesma pessoa, há de se considerar que, ao final do processo, a obra será apresentada a um

público, “[...] momento imprescindível para a efetivação do ato teatral” (p. 12).

Falar em teatro seria, portanto, em última análise, falar em relação. Relação esta que se

pode estabelecer “[...] entre autor, encenador, ator e todos os outros membros da equipe de

realização; entre as personagens e, de maneira global, entre o espetáculo e o público” (PAVIS,

1999, p. 337). Esta última relação – entre palco e plateia – é considerada, por diversos autores,

como a própria essência do teatro. Spolin (2000, p. 11), por exemplo, coloca que “sem a plateia

não há teatro. [...] Ela dá significado ao espetáculo”. Para Bertold Brecht, “[...] a verdadeira

relação de ordem política, ideológica e social do teatro é conseguir estabelecer o diálogo entre o

espetáculo e a plateia” (PEIXOTO, 1998, p. 9). Patrice Pavis, por sua vez, entende que a

definição mínima de teatro está inteira contida nesta afirmação de Jerzy Grotowski: “o que se

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passa entre ator e espectador. Todas as outras coisas são suplementares” (GROTOWSKI apud

PAVIS, 1999, p. 337).

Justamente por ser o teatro uma relação, da qual participam atores e espectadores, essa

forma de arte sempre esteve, de alguma maneira, ligada à vida em sociedade. Portanto, diferentes

momentos históricos podem ser considerados para explicitar vínculos entre teatro e cidadania.

Neste contexto, podemos mencionar a sociedade grega, tida como berço da democracia e também

do teatro, conforme tradicionalmente o conhecemos no mundo ocidental. De acordo com

Berthold (2006, p.103), “o teatro é uma obra de arte social e comunal; nunca isso foi mais

verdadeiro do que na Grécia antiga. Em nenhum outro lugar, portanto, pôde alcançar tanta

importância como na Grécia”.

O teatro, à época, era uma verdadeira experiência coletiva. O cidadão grego8 tinha o

costume de assistir às apresentações teatrais, das quais participava efusivamente, manifestando

aprovação com ruidosas palmas e desagrado com assobios e batidas de pés. Essa liberdade de

expressar a própria opinião era bastante importante para o espectador grego:

A liberdade de expressar sua opinião foi algo de que o antigo frequentador de

teatro fez uso amplo e irrestrito, considerando a si próprio, desde o mais remoto início, um dos elementos criativos do teatro (BERTHOLD, 2006, p. 114).

Os festivais de teatro da Grécia antiga, conhecidos como “Dionisíacas”, atraíam milhares

de pessoas. Os governos da maioria das polis entendiam essa arte como ferramenta de educação

de seu povo (este ponto será retomado no capítulo 2) e estimulavam, inclusive financeiramente,

os cidadãos a frequentar o teatro. Muitas das peças gregas que chegaram até nós, especialmente

as comédias, tratam de temas políticos e fazem menção explícita aos governantes da época. É o

caso, por exemplo, de As Vespas (422 a.C) e As Rãs (405 a.C.), ambas de Aristófanes (?448 a.C.-

?380 a.C.): na primeira, o autor posiciona-se contra a organização dos tribunais de Atenas; na

segunda, explora as tensões políticas e os conflitos internos existentes na polis no final do século

V.

8 A concepção de “cidadão”, na antiga Grécia, excluía mulheres, crianças, estrangeiros e escravos. Estes últimos,

porém, podiam frequentar festivais de teatro, contanto que tivessem licença de seus amos para tal (BERTHOLD,

2006).

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Outro exemplo histórico que evidencia a ligação do teatro a questões relativas à cidadania

é o teatro shakespeariano. Barbara Heliodora, conceituada especialista na obra de William

Shakespeare, dedica um capítulo inteiro de seu livro Reflexões Shakespearianas (2004) à analise

do tema. O capítulo intitula-se A Lei e a Cidadania em Shakespeare. Nele, a autora analisa

diversas obras do dramaturgo do ponto de vista da cidadania e enumera a quantidade de vezes

que palavras como “justiça”, “lei”, “governo”, “ordem”, “comunidade” e “dever” são encontradas

nas peças de Shakespeare, demonstrando que o autor, constantemente, se voltava para tais

assuntos. Heliodora (2004, p. 241) destaca que o dramaturgo, desde suas primeiras peças até a

última delas, revela um significativo interesse “[...] quanto ao bom governo e à relação entre

governantes e governados, que se expressam, necessariamente, por meio do respeito à lei e à

responsabilidade da cidadania, muito embora este último termo, como tal, não fosse ainda

corrente”.

Ainda de acordo com Heliodora (2004), Shakespeare deixa claro, ao longo de sua

carreira, seu conceito de bom governo: aquele que zela pelo bem de sua comunidade. Conceito

este que, vale frisar, é escrito para ser comunicado9. Assim, ao fazer transparecer em sua obra seu

conceito de bom governo, Shakespeare quer transmiti-lo a seus contemporâneos, como

comprovam os desfechos de todos os seus textos: em nenhuma de suas peças existe a

possibilidade de qualquer tipo de final feliz não atrelado a um bom governo. Nas comédias, o

desfecho alegre sempre ocorre atrelado à situação política em que o bom governante prospera;

“nas tragédias fica, pelo menos, a esperança de que a lei e a cidadania, graças à recomposição

final, tenham sua vez” (HELIODORA, 2004, p. 351).

Assim como na Grécia antiga e na produção shakespeariana, em tempos mais recentes a

situação política continua a ser enfocada pelo teatro. No século XX, diferentes contextos políticos

e socioeconômicos, no Brasil e no mundo, fizeram despontar teatros concebidos e encenados

tendo como principal objetivo a denúncia de situações de injustiça social, opressão e

9 De acordo com Burgess (1978), William Shakespeare não parecia pensar em suas peças como literatura; seu

interesse era exclusivamente a plateia, no momento da representação. A esse respeito, Heliodora (2004) coloca que

algumas das características da obra de Shakespeare demonstram claramente que, quando escrevia seus textos, o dramaturgo já o fazia pensando nos atores que os encenariam, no palco em que seriam representados e na plateia

que os assistiriam.

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arbitrariedade de poder. É o caso do “teatro épico”10

, de Bertold Brecht, (1898-1956), dramaturgo

alemão que utilizava o teatro como instrumento de luta política contra as contradições

econômicas e sociais da sociedade burguesa. É também o caso do “teatro do oprimido”11

, de

Augusto Boal, (1931-2009), dramaturgo e diretor teatral brasileiro, que pretendia conscientizar

politicamente o público, transformando a visão sobre as relações tradicionais de produção

material nas sociedades capitalistas (BOAL, 1979).

Desgranges (2011) destaca que o período compreendido entre o final dos anos de 1950 e o

início da década de 1970 foi marcado por uma forte efervescência social em todo o mundo – com

lutas por libertação nacional na América Latina, movimentos pacifistas nos Estados Unidos

contra a guerra no Vietnã, e protestos de estudantes e trabalhadores na Europa – e que essa

agitação foi acompanhada por um intenso movimento artístico-teatral:

A produção teatral estava preocupada e engajada na luta política que se instalava

com urgência de uma tomada de posição em diversos países do mundo, voltando

seus trabalhos para a denúncia dos mais diferentes abusos e a reflexão acerca das necessidades imediatas desta luta (DESGRANGES, 2011, p. 54).

Diversos grupos teatrais que surgiram naquela época tinham o intuito de fazer da arte

dramática um verdadeiro instrumento revolucionário, não apenas denunciando ao espectador as

mais diversas injustiças, mas provocando-o a agir. Nessa busca, a função da plateia começou a

ser revista, e o termo “espectador” questionado: não bastava que o público assistisse à

apresentação; era preciso que ele fosse convidado a se tornar um parceiro de criação, de modo a

interferir nas cenas. Era o que ocorria, por exemplo, nas encenações do grupo norte-americano

10 “Teatro épico” foi o nome dado “[...] a uma prática e a um estilo de representação que ultrapassam a dramaturgia

clássica, ‘aristotélica’, baseada na tensão dramática, no conflito, na progressão regular da ação” (PAVIS,1999, p.

130). É, portanto, um teatro que, ao contrário do teatro dramático, não busca o envolvimento catártico do público,

e sim a sua reflexão sobre a encenação apresentada. Desgranges (2011, p. 46) explica que enquanto o teatro

dramático aborda questões relacionadas à vida privada (como família e relações amorosas), “o teatro épico trata da

vida pública, levando para o palco questões da esfera e do interesse da coletividade (a política, os negócios, a

guerra)”. 11 O “teatro do oprimido” consiste em uma série de procedimentos baseados na improvisação teatral, que pretendem

“[...] ajudar o espectador a se transformar em protagonista da ação dramática, para que, em seguida, utilize em sua

vida as ações que ensaiou na cena” (DESGRANGES, 2011, p. 70). Trata-se de uma poética teatral inspirada na

estética brechtiana, nas ideias de Frantz Fanon e na Pedagogia Libertadora de Paulo Freire. No teatro do oprimido, há uma democratização do acesso ao palco, já que o espectador tem papel ativo nas encenações, convertendo-se em

espectATOR (JAPIASSU, 2009).

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Living Theatre12

, que buscava, conforme coloca Desgranges (2011, p. 62), “[...] engajar o público

não só intelectual e imaginativamente, mas também fisicamente, provocando-o sensorialmente,

com o intuito de conseguir uma comunhão plena entre palco e plateia”. O mesmo autor explica

que esse tipo de proposta se baseava na convicção de que, se o teatro fosse capaz chocar o

público a ponto de impeli-lo a uma ação imediata, despertaria neste mesmo público a consciência

de sua possibilidade de ação e o sentimento de que é possível realizar transformações efetivas em

seu cotidiano. Também é característica dos movimentos teatrais surgidos naquele momento

histórico a preocupação com a “[...] democratização da produção cultural, possibilitando o acesso

à arte das populações periféricas geograficamente ou marginalizadas economicamente”

(DESGRANGES, 2011, p. 55). Desejando alcançar indivíduos que não tinham acesso ao circuito

comercial de arte, muitos artistas passaram a realizar apresentações em locais não convencionais,

tais como ruas, fábricas, escolas e hospitais.

O Brasil acompanhou o impulso inovador e politicamente engajado do fazer teatral

característico do período. A partir da década de 1950, o país vivenciou uma “[...] efervescência

dos movimentos teatrais que procuravam estabelecer uma relação mais próxima com as classes

menos favorecidas” (GALVÃO, 2009, p. 4). Foi nessa época que surgiram o Teatro de Arena (em

1953), o Teatro Oficina (em 1958) e o Opinião (em 1964), grupos teatrais tidos como principais

representantes da “arte como incitação à ação política” (COSTA, 1996, p. 94). Esses e outros

grupos de teatro realizavam uma arte vigorosa, inovadora e que respondia de forma urgente às

inquietações sociais de um período em que, como bem observa Fischer (2010, p. 27), “[...] se

iniciava o regime militar, no qual apenas o fato de reunir pessoas era em si um ato de

resistência”.

Como se nota, o período compreendido entre o final da década de 1950 e o início da

década de 1970 foi marcado, no Brasil e no mundo, por um forte movimento do teatro no sentido

de fazer valer os três valores cidadãos enfocados nesta pesquisa: participação, que do ponto de

12 O Living Theatre é uma companhia de teatro fundada no ano de 1947, na cidade de Nova York, por Judith Malina

e Julian Beck. Suas propostas teatrais buscavam transformar a sociedade a partir da transformação dos

espectadores. Ao longo de quase cinquenta anos, foi reconhecido como um dos grupos mais radicais e

contundentes dos Estados Unidos, tendo influenciado o fazer teatral na Europa e na América (DESGRANGES, 2011). O grupo ainda existe e mais informações a seu respeito podem ser encontradas em:

http://www.livingtheatre.org/.

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vista da relação palco-plateia era perseguida de maneira contundente; igualdade e liberdade,

como causas pelas quais, em contextos diversos, muitos grupos teatrais se manifestavam.

Mas não apenas no âmbito das relações entre atores e espectadores e nas temáticas de

apresentações podem-se entrever ligações entre teatro e cidadania. Já colocamos, acima, que

nossa concepção de teatro abrange não apenas o momento da representação em si, mas também

todo o trabalho que a precede. Mencionamos também o conceito de relação teatral estabelecido

por Pavis (1999), do qual fazem parte as relações entre atores, encenadores, autores e demais

envolvidos na produção de um espetáculo. Agora, voltamos nosso olhar justamente para as

relações que se podem estabelecer dentre os membros de um mesmo grupo de teatro.

Na contemporaneidade, são muitas as companhias teatrais cujos trabalhos se

fundamentam em princípios democráticos, com funções não hierarquizadas e processos criativos

que primam pela cooperação entre os membros da equipe. No Brasil, esses processos têm sido

chamados de “processos colaborativos”. Esse tipo de trabalho tem suas raízes nos processos de

criação coletiva, que marcaram a produção teatral de muitos grupos na década de 197013

.

Embora os processos de criação coletiva daquela época diferissem entre si em certos

aspectos (dependendo grupo teatral e de suas orientações ideológicas), pode-se destacar, como

característica comum a todos, “[...] a revisão dos parâmetros de organização, horizontalizando o

alinhamento das funções, resultando em uma descentralização das demandas do ato cênico,

muitas vezes restritas a estruturas de poder representadas pelo diretor e autor” (FISCHER, 2010,

p. 34). Nos processos de criação coletiva, portanto, existia um acúmulo de funções: os atores, por

exemplo, ao invés de se dedicar apenas à criação de seus personagens, passavam a realizar

também outras tarefas, como escrever ou adaptar textos, conceber cenários, e compor músicas. O

diretor, por sua vez, ao mesmo tempo em que se engajava nessas tarefas, deixava de ser o

principal mentor artístico do espetáculo. A figura do dramaturgo, em alguns casos, deixava de ser

necessária, pois atores e diretor assumiam a tarefa de criar o texto. Desse modo, o espetáculo era

“[...] fruto da concepção coletiva e da contribuição de cada indivíduo em particular”

(FERNANDES, 2000, p. 323).

13 O ano de 1970 marca a primeira vinda do grupo Living Theatre para o Brasil, a convite do diretor José Celso

Martinez Corrêa, diretor do Teatro Oficina. O evento rende ao Oficina e, posteriormente, a outros grupo teatrais, o ingresso no modelo de criação coletiva, nos moldes de grupos teatrais estrangeiros em vigor no período

(FISCHER, 2010).

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Já o processo colaborativo, tendência em muitos grupos de teatro brasileiros a partir da

década de 199014

, pode ser considerado um desdobramento do processo de criação coletiva: em

ambos, existe uma contribuição de todos os participantes para a criação do ato teatral; porém,

enquanto no processo de criação coletiva os papéis de diretor e dramaturgo se diluíam e todos os

artistas se apropriavam das mais variadas funções, no processo colaborativo existe conservação

das funções e distribuição de tarefas (FISCHER, 2010). Isso significa que o dramaturgo é o

responsável pela elaboração do texto, o diretor pela proposta de cena e os atores pelo

desenvolvimento de seus papéis. No entanto, os parâmetros que delimitam esses campos não são

rígidos e existe uma relação de complementaridade na criação da dramaturgia e das cenas.

Conceitualmente, entende-se por processo colaborativo o procedimento de

grupo que integra a ação direta entre ator, diretor, dramaturgo e demais artistas, sob uma perspectiva democrática ao considerar o coletivo como principal agente

de criação e aglutinação de seus integrantes. Essa dinâmica propõe um

esmaecimento das formas hierárquicas de organização teatral, embora com imprescindível delimitação de áreas de trabalho e delegação de profissionais que

as representam. Ao estabelecer um organismo no qual todos os responsáveis

pelos diversos campos partilham de um plano de ação comum, o trabalho em equipe baseia-se no princípio de que todos têm o direito e o dever de contribuir

com a finalidade artística e a manutenção das equipes de trabalho (FISCHER,

2010, p. 61-62).

A colaboração como tônica do trabalho criativo de companhias teatrais na

contemporaneidade não é característica apenas de grupos brasileiros. Companhias estrangeiras,

tais como a britânica Out of Joint, a norte-americana SITI Company, e as francesas Théâtre du

Soleil e Théâtre des Bouffes Du Nord, utilizam-se da expressão collaborative work (trabalho

colaborativo) para se referir aos seus processos de criação (FISHER, 2010). Reconhecemos que

esses processos são distintos daqueles desenvolvidos em território nacional e que mesmo dentre

os grupos brasileiros de processo colaborativo existem diferenças na condução dos trabalhos.

Entretanto, não nos compete, no âmbito desta dissertação, estabelecer comparações entre as

peculiaridades de cada processo criativo. Nossa intenção, aqui, é tão somente voltar o olhar para

14 Durante a década de 1980 (não mencionada no texto acima), a maior parte da produção teatral brasileira foi

marcada pela “[...] hegemonia do encenador enquanto autoridade responsável pela organização, condução e definições temáticas e, principalmente, estéticas da encenação teatral” (FISCHER, 2010, p. 42). Predominava,

portanto, o chamado “teatro de diretor”, com estrutura hierárquica das relações.

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a questão da colaboração entre os membros de um mesmo grupo teatral. Colaboração, esta, que é

tida por Michael Boyd, diretor artístico da Royal Shakespeare Company15

, como a quintessência

da arte teatral (NEELANDS, 2009).

Os valores cidadãos que destacamos nesta pesquisa – participação, igualdade e liberdade

– estão profundamente ligados a essa qualidade de colaboração, que etimologicamente, vale

lembrar, corresponde à “ação conjunta para o trabalho” (LEDUBINO, 2009, p. 12). Grosso

modo, para que um grupo se constitua como tal, espera-se que todos os seus integrantes

participem dele de maneira engajada, que as relações entre eles estabelecidas sejam igualitárias e

que todos se sintam livres para expressar suas ideias e opiniões (e, no caso de grupos artísticos,

para se expressar criativamente).

No contexto teatral, os termos “igualdade” e “liberdade”, particularmente, podem causar

certa controvérsia. Evidentemente, nem todos os processos teatrais abrem espaço para a liberdade

de expressão e para a igualdade de relações entre os membros de uma equipe. A figura do diretor,

em processos de montagem não colaborativos, pode se apresentar como centralizadora – e, em

alguns casos, impositiva – nas tomadas de decisões relativas à produção de um espetáculo. Por

outro lado, não se pode deixar de mencionar que mesmo em processos em que o diretor é o

mentor do projeto estético, muitas vezes existe diálogo democrático entre ele e os demais artistas

e técnicos envolvidos no trabalho (LEDUBINO, 2009).

Cabe aqui colocar a dimensão de cidadania com que trabalha o filósofo e educador Carlos

Roberto Jamil Cury, para quem, historicamente, “[...] o cidadão é o que substitui os elos da

submissão hierárquica entre superiores e inferiores pelos laços da amizade (philia) entre os

semelhantes entre si (hómoioi) e iguais (isói) na dignidade” (CURY, 2007, p. 38, grifos do autor).

Nesse sentido, podemos entender que nos casos em que existe diálogo democrático entre diretor e

atores, mesmo que o primeiro assine a autoria do trabalho, o valor da igualdade se estabelece nas

relações entre os indivíduos, que, embora desempenhem funções distintas, com diferentes pesos

na tomadas de decisões, percebem-se iguais na dignidade. E até nos casos em que a direção é

autoritária, impossibilitando o estabelecimento dessa qualidade de diálogo, o aspecto da

colaboração, conquanto em menor escala, continua presente: ainda que o ator contribua apenas 15 A Royal Shakespeare Company é uma das mais renomadas companhias de teatro do Reino Unido. Foi fundada no

ano de 1961 e tem sua localizada em Stratford-Upon-Avon, cidade natal de William Shakespeare.

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com a criação de seu papel, pode-se entrever aí sua colaboração para a construção de um

espetáculo. Concordamos, pois, com Ledubino (2009, p. 1), quando coloca que “o Teatro é, por

excelência, uma arte coletiva que tem na colaboração entre seus membros um pressuposto

irrefutável para sua realização”.

E se a colaboração é pressuposto do fazer teatral, a tríade liberdade, igualdade e

participação, muitas vezes, também o é: participação é fundamento do trabalho em conjunto – em

especial quando todos tomam parte nos processos deliberativos e decisórios –, enquanto liberdade

e igualdade, apesar de questionáveis em determinados contextos, são valores esperados de grupos

que se reconhecem como coletivos. Muitas das práticas teatrais voltadas para fins educacionais,

como se verá a seguir, se pautam por esses valores. Aliás, processos teatrais desenvolvidos em

contextos educativos, na contemporaneidade, são muitas vezes análogos aos de grupos

profissionais, no que tange à colaboração entre os membros da equipe. Logo, pode-se considerar

que se para o teatro profissional, como dito anteriormente, a relação mais importante reside

naquela que se estabelece entre plateia e atores, para o teatro com finalidades educacionais a

relação mais significativa, no sentido de contribuir para o desenvolvimento de valores ligados à

cidadania, pode ser entendida como aquela que se estabelece entre os próprios participantes de

grupos teatrais.

1.2 Contexto educacional

A análise das relações entre teatro e cidadania em contextos educacionais16

requer que se

considere o caráter coletivo e colaborativo dessa arte. De acordo com Gohn (2010, p. 19), “a

construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e justiça social, quando

presentes num dado grupo social, fortalece o exercício da cidadania”. Ora, grupos teatrais

estudantis que promovem a colaboração entre seus membros favorecem a construção de relações

16 Estamos consideramos, neste capítulo, trabalhos com teatro tanto em contextos de educação formal quanto não

formal, de metodologias diversas, cujos processos envolvam a formação de um grupo relativamente fixo de integrantes, que se reconheçam como pertencentes a esse coletivo.

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sociais fundamentadas em tais princípios. Vianna e Strazzacappa (2001, p. 122) colocam que o

estudo do teatro pode proporcionar “[...] o aprendizado da vivência em grupo, da criação coletiva,

da partilha de diversos pontos de vista”. Tais colocações encontram eco no texto dos Parâmetros

Curriculares Nacionais, na parte em que o documento trata especificamente do teatro:

Ao participar de atividades teatrais, o indivíduo tem a oportunidade de se desenvolver dentro de um determinado grupo social de maneira responsável,

legitimando os seus direitos dentro desse contexto, estabelecendo relações entre

o individual e o coletivo, aprendendo a ouvir, a acolher e a ordenar opiniões, respeitando as diferentes manifestações, com a finalidade de organizar a

expressão de um grupo (BRASIL, 1997, p. 57).

Esse desenvolvimento dentro de um grupo social, promovido pelo exercício da

convivência democrática, aproxima-se daquilo que Benevides (1996) chama de “educação do

comportamento”, um dos elementos indispensáveis, segundo a autora, para uma educação voltada

para a democracia. A educação do comportamento engloba o desenvolvimento de “[...] hábitos de

tolerância diante do diferente ou divergente, assim como o aprendizado da cooperação ativa e da

subordinação do interesse pessoal ou de grupo ao interesse geral, ao bem comum”

(BENEVIDES, 1996, n.p.). Poderia então o teatro, em contextos educacionais, configurar-se

como um exemplo prático de atividade que ajuda a educar o comportamento?

Para evitar generalizações indevidas, consideremos aqui apenas aqueles processos de

trabalho cujos períodos de duração e formas de condução sejam favoráveis à criação de laços de

pertencimento; ou seja, os trabalhos que favorecem a constituição de um grupo social. Nesses

casos, de um modo geral, quando um indivíduo torna-se integrante de um grupo teatral, ele passa

a fazer parte do que podemos considerar como uma “pequena comunidade”, cujo sucesso

dependerá fortemente do esforço coletivo. Se alguém não comparece, por exemplo, a um ensaio,

ou não estuda suas falas adequadamente, o grupo como um todo fica prejudicado e

impossibilitado de trabalhar de forma plena. O aluno de teatro logo compreende que seu

desempenho individual está diretamente ligado ao comprometimento de todos com relação ao

trabalho. Aprende que ele é parte fundamental de um grupo, e que, como tal, deve assumir

postura ativa e responsabilizar-se pelo bem coletivo. Entende que a vida em sociedade pressupõe

direitos e deveres, e que tanto uns como outros devem aplicar-se a todos os integrantes do grupo,

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indistintamente. Percebe que pode haver diferentes pontos de vista sobre uma mesma questão e

que é possível – e preciso – conviver com essa diversidade. Dessa forma, abre-se a possibilidade

de educar para a assunção de responsabilidades e para o estabelecimento de relações de

igualdade, respeito, solidariedade e justiça entre os estudantes. Em outras palavras, abre-se a

possibilidade de fazer com que o aluno exercite e compreenda a importância dos aspectos

levantados por Benevides e destacados no parágrafo anterior, como essenciais para a educação do

comportamento: a tolerância frente ao divergente, a cooperação ativa e a subordinação de

interesses pessoais aos objetivos coletivos.

Como mencionado, tais aspectos são, para a referida autora, importantes do ponto de vista

de uma educação para a democracia. Os Parâmetros Curriculares Nacionais apontam na mesma

direção quando destacam que as propostas educacionais em teatro devem compreender a

atividade como

[...] uma combinação de atividade para o desenvolvimento global do indivíduo,

um processo de socialização consciente e crítico, um exercício de convivência

democrática, uma atividade artística com preocupações de organização estética e uma experiência que faz parte das culturas humanas (BRASIL, 1997, p. 57, grifo

nosso).

Nesse sentido, cabe aqui mais uma questão: poderia o teatro, em contextos educacionais,

contribuir não apenas para o desenvolvimento pessoal do estudante, mas para a construção de

uma sociedade mais democrática?

Autores como Barcellos (1995), Viganó (2006) e Neelands (2009) entendem que sim. A

primeira afirma que a socialização por meio do teatro é fato comprovado e que o exercício de

pensar em si mesmo levando em consideração os demais membros de um grupo teatral contribui

para que se desenvolva “[...] uma maior capacidade de conduzir a vida de forma integral e

contribuir para o meio sociocultural” (BARCELLOS, 1995, p. 36). Viganó (2006), por sua vez,

considera o teatro como um meio capaz de contribuir para construção de uma sociedade

efetivamente democrática, na medida em que proporciona a experiência estética, desenvolve o

senso de coletividade e trabalha a capacidade de dialogar – aspectos que, de acordo com a

estudiosa, capacitam os indivíduos a fazer escolhas e a produzir discursos críticos sobre a

realidade, que podem ser levados ao debate no espaço público. Já Neelands (2009), o terceiro

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autor mencionado, afirma que o teatro tem o potencial de extrapolar as barreiras do trabalho

realizado no grupo teatral, promovendo melhoras nas relações sociais estabelecidas em toda a

comunidade escolar e também na sociedade à sua volta. Para o estudioso, o trabalho em grupo

tem papel fundamental nesse processo:

Ao trabalhar em conjunto, [...] os jovens têm a oportunidade de enfrentar as demandas de se tornar um grupo social autogestor, autogovernante, e

autorregulador, que ‘co-cria’ artisticamente e socialmente, e de começar a

modelar esses ideais da polis ateniense (autonomous, autodikos, autoteles) para além de suas salas de aula (NEELANDS, 2009, p. 182).

Jonothan Neelands também compara certas maneiras de se trabalhar o teatro em escolas

ao fazer teatral de algumas companhias profissionais. Nessas companhias, o teatro é feito “[...]

com base em um acordo social entre os membros de um grupo que se juntam para fazer algo que

será de grande importância para eles, algo que vai significar suas vidas” (NEELANDS, 2010,

n.p.). Na comparação por ele estabelecida, fica evidente a vertente da colaboração e sua

decorrente contribuição para processos emancipatórios que extrapolam a sala de aula,

contribuindo para o meio social:

Esse modelo alternativo de teatro social e comunitário compartilha algumas das

características do teatro nas escolas. A escola é uma comunidade e o teatro é uma prática viva dentro dele. O teatro que os jovens fazem é muitas vezes

baseado nos interesses, necessidades e aspirações partilhadas dentro da

comunidade escolar [...] É frequentemente baseado em um acordo social que estabelece que todos os que estão presentes são potenciais produtores – todos

podem ter uma chance de ser atores e/ou público [...] O reunir-se para fazer

teatro é também muitas vezes visto como um importante meio de fazer os alunos

mais conscientes de si mesmos como uma comunidade viva. O teatro pode oferecer aos jovens um espelho de quem somos e quem estamos nos tornando. O

teatro pode ser um gerador para a mudança social, fornecendo o espaço para

imaginarmos a nós mesmos e como vivemos de forma diferente (NEELANDS, 2010, n.p., grifos nossos).

A ideia de que o trabalho com teatro pode contribuir para uma melhora na vida dos

estudantes que extrapola os limites das salas de aula, auxiliando na construção de uma sociedade

democrática, pode ser comprovada por meio de relatos de experiências teatrais desenvolvidas em

contextos educacionais – tanto formais quanto não formais – em diferentes partes do mundo.

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Algumas dessas iniciativas, como já mencionado na Introdução, indicam que o teatro costuma

apresentar eficiente potencial para a inclusão social, agindo como catalisador no processo de

emancipação e promovendo acesso aos direitos de cidadania.

Lev-Aladgem (2008), por exemplo, relata um projeto de teatro desenvolvido em uma

escola israelense, envolvendo judeus imigrantes da Etiópia (grupo social marginalizado em

Israel). O autor explica que o projeto em questão conseguiu apresentar e problematizar aspectos

significativos das vidas dos adolescentes envolvidos, provendo-os de pontos de vista críticos e

reflexivos a respeito de suas realidades. A experiência também proporcionou aos jovens o

desenvolvimento de habilidades teatrais e de trabalho em equipe, além do reconhecimento de

seus professores e familiares. O autor pondera que a prática teatral, ainda que não seja uma

“solução mágica” para todos os problemas sociais, pode ser compreendida como um “[...]

‘terceiro espaço’ único, que facilita a criatividade, a formação da identidade, e negociação

cultural; e sempre gera esperança para uma sociedade melhor” (LEV-ALADGEM, 2008, p. 292).

Também a título de exemplificação, podemos citar o Children’s Voice17

, um projeto em

educação teatral voltado para a cidadania, desenvolvido em países asiáticos entre os anos de 2004

e 2009. O trabalho buscava ampliar o espaço de atividades teatrais dentro de escolas e, com isso,

melhorar a vida das crianças por ele contempladas e de suas respectivas comunidades. Nygren

(2009, p. 11) destaca que o projeto tinha como meta ajudar os alunos a “[...] perceber seus

direitos, encontrar seu centro, sua singularidade e personalidade, salientando mutualidade e

união”. Para tanto, o processo teve como foco a democracia, a participação popular, os direitos

das crianças, a igualdade de gênero e o meio-ambiente, bem como o trabalho a partir da

perspectiva de pessoas menos favorecidas. Os resultados apontaram para a ampliação do teatro

escolar em diversas instituições de ensino e para a verificação de mudanças significativas no

comportamento das crianças atingidas, que se tornaram mais confiantes e capazes de expressar

suas próprias opiniões.

17 O projeto Children’s Voice teve início em 2004, na Índia e em Bangladesh e foi planejado para durar cinco anos.

Em 2007, expandiu-se para China, Vietnã e Laos. Foi tocado por 16 organizações teatrais asiáticas, e

cofinanciado pelo SIDA (Swedish International Development Cooperation Agency), órgão ligado ao governo

sueco, que cria parcerias com ONGS, movimentos populares e universidades de diversas partes do mundo para

apoiar projetos com vistas à redução da pobreza mundial. O livro Theatre for Development: experiences from an international theatre Project in Asia, Children`s Voice (2009), organizado por Chistina Nygren, traz relatos de

experiências de diferentes profissionais de teatro que trabalharam no projeto.

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A capacidade de elaborar e emitir opiniões próprias é também destacada por Viganó

(2006) como uma das mais importantes contribuições que as atividades teatrais podem

proporcionar a indivíduos em cotextos educacionais. Essa autora desenvolveu um processo de

trabalho com teatro envolvendo crianças e adolescentes moradores de comunidades carentes na

cidade de São Paulo18

. Baseada na experiência desenvolvida, ela pondera que o exercício da

imaginação que o teatro proporciona é fundamental para que se consiga fugir da massificação de

opiniões. Ao possibilitar a liberdade criativa e abrir espaço ao debate, a atividade teatral “[...]

permite a construção de mentes mais livres e de cidadãos mais esclarecidos e ativos” (VIGANÓ,

2006, p. 36). Afinal, quando o indivíduo elabora e emite seus próprios discursos sobre a

realidade, pode questioná-la e reinventá-la, tornando-se protagonista de sua própria história.

Trata-se de um processo de emancipação, que o caráter coletivo das atividades teatrais, quando

associado a um ambiente de liberdade de expressão, pode ajudar a promover.

Reconhecendo o outro, posso então reconhecer a mim mesmo. Realizo a primeira etapa para efetivação do ato estético. Completo então a criação da

mensagem com minha imaginação. Reflito e compreendo. Elaboro um

pensamento, proponho meu contato particular com a realidade [...] Ao trazer à tona o diálogo com o outro, a capacidade libertária de imaginação e criação, a

resolução de problemas concretos que conduzem à produção de um discurso

simbólico, o teatro abre fronteiras para novas possibilidades de experiência humana e liberta a obra de arte de qualquer caráter funcionalista. Parte, ao

contrário, para um encontro do homem com a sua condição de artífice na

construção de mundos e de ator consciente do processo histórico (VIGANÓ,

2006, p. 36-37).

Para Gohn (2010, p. 41), o cidadão emancipado deve ter “[...] autonomia do pensar e do

fazer”. A autonomia é destacada pela autora como instrumento de formação do cidadão capaz de

ter um entendimento crítico da sociedade globalizada; um cidadão que é capaz de ler o mundo

que o rodeia, para além dos problemas locais; um cidadão, enfim, capaz de ser e de agir no

mundo. Dessa forma, a autonomia se configura como fundamental à construção de “[...] uma

18 O referido processo de trabalho foi desenvolvido ao longo do ano de 2003, em um dos Centros de Juventude

mantidos pela ASA (Associação Santo Agostinho), instituição sem fins lucrativos que mantém obras de

assistência social na cidade de São Paulo. O espaço onde se realizou o processo em questão chama-se Recanto

Primavera, localiza-se no bairro Morumbi e atende às comunidades de Paraisópolis, Porto Seguro, Pinheiral e Jardim Colombo.

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sociedade onde haja mudanças e emancipação sociopolítica e cultural dos indivíduos e não a

formação de redes de clientes usuários, não emancipatórias” (GOHN, 2010, p. 41). Tais

colocações refletem aspectos que, na opinião de Viganó (2006, p. 136), a prática teatral pode

desenvolver:

Acredito que a prática teatral é capaz de contribuir para a manutenção de uma experiência humana repleta de significados, ao fazer com que os indivíduos se

envolvam em ações não mediadas pelo valor de troca e de uso, nem pela lógica

da eficácia. Ao mesmo tempo, quando o teatro não se prende a valores predeterminados nem a padrões de sucesso ou talento, possibilita o exercício da

liberdade, ao criar um espaço concreto para a expressão de ideias e atitudes que

podem determinar a escolha de novos caminhos possíveis.

Desgranges (2011), Japiassu (2009), Pupo (2011) e Souza (2005) concordam com ideia de

que o teatro, na educação, pode contribuir com o processo de emancipação dos indivíduos. Todos

esses autores destacam que na sociedade contemporânea, “espetacularizada”19

, em que a

sensibilidade e a percepção dos indivíduos estão condicionadas à massificação imposta pelos

meios de comunicação, o ensino de teatro deve ter como uma das principais metas a formação da

consciência crítica do estudante. Para Souza (2005), a arte é o espaço da conexão entre o

individual e o coletivo, entre o subjetivo e o compartilhado. Esse encontro permite o

reconhecimento de semelhanças e diferenças entre os sujeitos e de diferentes relações com o

tempo e o espaço. Dessa forma, cria-se oportunidade para o entendimento do caráter provisório e,

portanto, transformável da realidade. Em outras palavras, a arte possibilita lançar novos olhares

sobre um mesmo mundo e construir diferentes mundos em uma mesma obra de arte. Essa

capacidade de lançar diferentes olhares sobre a realidade e construir novas realidades é

compreendida pelos autores mencionados – Desgranges, Japiassu, Pupo e Souza – como

condição fundamental para o processo de emancipação, uma vez que permite que se subverta a

barbárie instalada na sociedade contemporânea, em que a estetização de tudo o que nos cerca

tende a aniquilar nossa capacidade crítica.

19 Guy Debord, em seu livro Sociedade do Espetáculo, utiliza-se do termo “espetacular” para descrever a forma

como se organiza a sociedade contemporânea. Na visão do autor, vivemos em uma época em que a evolução do sistema econômico capitalista, cujo alicerce é a produção da mercadoria vinculada à tecnologia, transforma todo

e qualquer movimento da vida em representação, em espetáculo (SOUZA, 2005).

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Construir procedimentos de trabalho no campo de Teatro-Educação que nos

coloquem frente ao reconhecimento da situação de indiferenciação, de barbárie

parece uma tarefa que deve ser tomada como prioritária, já que um dos objetivos da educação é a formação de um cidadão inserido no contexto de sua época. [...]

As práticas em teatro na educação devem ter o compromisso de tornar acessível

ao aluno a possibilidade de investigar a construção da realidade, da vida

cotidiana, exercitando a possibilidade de desconstrução e construção dessa realidade midiatizada. Isso contribuiria como instrumento para distinguir as

ficções culturais dominantes e, ao mesmo tempo, se perceber como indivíduo

singular. Nesse sentido, as propostas metodológicas em teatro devem ser pensadas enquanto possibilidade de desenvolver uma perspectiva crítica, com o

aluno, relativa aos mecanismos espetaculares, mesmo considerando o dado

inegável de termos a mídia como orientador da cultura contemporânea,

aprofundando os processos de alienação na sociedade da imagem (SOUZA, 2005, p. 62 - 63).

Voltando novamente nosso olhar aos três projetos teatrais anteriormente mencionados –

descritos por Lev-Aladgem, Nygren e Viaganó –, observa-se que todos têm como sujeitos

indivíduos que vivem diferentes contextos de exclusão social, e que os trabalhos descritos

intervêm justamente no sentido de auxiliar os jovens e crianças contemplados a lidar com essas

situações. Nesses casos, a cidadania em geral aparece como tema recorrente de atividades

realizadas em aulas de teatro. Entretanto, as ligações entre atividades teatrais e o

desenvolvimento de valores cidadãos podem ser também estabelecidas em processos que não

abrangem somente indivíduos em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Conforme destaca

Ingrid Dormien Koudela, consultora do Ministério da Educação na elaboração dos Parâmetros

Curriculares Nacionais na área de Teatro e uma das principais referências teóricas desta

dissertação, “o teatro é um exercício de cidadania e um meio de ampliar o repertório cultural de

qualquer estudante” (apud ARAÚJO, 2004, p. 38, grifo nosso). Para Granero (2011, p. 14), as

relações sociais que se estabelecem dentre estudantes de teatro, com o aprendizado da escuta e do

diálogo, a prática de criticar e receber críticas, e a percepção de comportamentos adequados e

inadequados do ponto de vista coletivo são “[...] fatores que estimulam o autoconhecimento e a

sociabilidade, preparando-os para a vida e para a prática da cidadania”.

Portanto, é possível afirmar que ainda que a cidadania não seja temática trabalhada de

forma direta em todos os contextos educacionais, o caráter coletivo e colaborativo das atividades

teatrais, aliado a maneiras de se conduzir tais atividades que primem pela liberdade de expressão,

igualdade de direitos e deveres e participação ativa dos envolvidos, pode trazer como

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consequência o desenvolvimento dessa tríade de valores. A escola abordada nesta pesquisa pode

ser tomada como exemplo: trata-se de uma instituição particular de ensino, cujos alunos não

vivenciam situações de exclusão socioeconômica. As atividades teatrais ali desenvolvidas nem

sempre estão diretamente associadas à cidadania, como temática de jogos, exercícios ou

espetáculos. Ainda assim, como se verá com maior detalhamento no capítulo 5, muitos dos

aspectos levantados pelos entrevistados como contribuições do teatro para suas vidas (tais como

visão crítica, novas maneiras de enxergar a realidade, elaboração de discurso próprio, cooperação

e emancipação) são os mesmos destacados pelos autores acima mencionados, que lidam com

sujeitos inseridos em contextos socioeconômicos em que predominam a pobreza, a desigualdade

e a exclusão social.

1.2.1 Formalidade e não formalidade

Nesta análise das relações entre cidadania e teatro em contextos educacionais, vale ainda

tecer algumas considerações sobre o suposto geral do qual parte este trabalho, a que fizemos

referência na Introdução: o de que as atividades teatrais escolares articulam dimensões da

educação formal escolar, prevista na LDB de 1996, com dimensões da educação não formal.

Usualmente, utiliza-se o termo “não formal” para se referir a processos educativos que ocorrem

fora de instituições escolares. Foi este, inclusive, o critério utilizado neste capítulo, quando

fizemos menção a trabalhos com teatro em contextos formais e não formais. É preciso esclarecer,

no entanto, que tal critério leva em conta apenas o aspecto espacial que caracteriza cada uma

dessas formas de educação (formal: intraescolar / não formal: externa à escola). Quando se lança

um olhar específico sobre atividades teatrais desenvolvidas dentro de escolas (como é o caso

estudado nesta dissertação), aliado a um entendimento mais acurado sobre a própria definição de

educação formal/não formal, pode-se conjecturar que, na prática, a separação entre o formal e o

não formal não pode facilmente ser estabelecida. Ainda que o ambiente escolar seja formal, o

caráter das atividades teatrais nele desenvolvidas pode apresentar muita similaridade com a

educação não formal. Consideramos importante destacar tal similaridade porque ela recai

justamente no tema de nosso interesse: o desenvolvimento de valores cidadãos.

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Gohn (2010, p. 33) esclarece que a educação não formal usualmente acontece fora dos

muros das escolas, e a caracteriza como “[...] um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de

formação para a cidadania, entendendo o político como a formação do indivíduo para interagir

com o outro em sociedade”. O primeiro aspecto levantado pela autora (localização externa aos

muros das instituições escolares) evidentemente, não se aplica a atividades teatrais desenvolvidos

em escolas; mas sua definição como educação para o coletivo com vistas à formação para a

cidadania está em consonância com as características de processos teatrais que se desenvolvem

em muitas escolas. Gohn (2010) destaca que a formação para a cidadania à qual se presta a

educação não formal incorpora: a educação para a justiça social, para os direitos (sociais,

políticos, humanos, culturais, entre outros), para a liberdade, para a igualdade, para a democracia,

para o exercício da cultura e para a manifestação de diferenças culturais. Como se nota, são todos

campos em que o teatro tem o potencial de atuar, conforme atestam as colocações e os exemplos

citados neste capítulo.

Também podem ser destacadas muitas similaridades entre os resultados esperados de

processos de educação não formal e aqueles que podem advir de atividades teatrais desenvolvidas

em contextos escolares, tais como: o desenvolvimento de laços de pertencimento, a construção da

identidade coletiva de um grupo, a conscientização de como agir em grupos sociais, a construção

e reconstrução de concepções de mundo, a formação do indivíduo para a vida e suas adversidades

e o resgate do sentimento de valorização de si próprio.

Além disso, na educação não formal, o modo de educar muitas vezes se vai construindo

ao longo do processo, a partir das necessidades e interesses dos indivíduos envolvidos na ação

(GOHN, 2010). Essa metodologia que se constrói a partir das especificidades de cada coletivo

também pode se assemelhar a muitos processos teatrais desenvolvidos dentro de escolas, como é

o caso da instituição abordada nesta pesquisa (vide capítulo 4).

Ademais, vale lembrar que não raro o teatro é oferecido em escolas como atividade

extracurricular (o que também ocorre na instituição pesquisada), para a qual apenas os alunos

interessados se inscrevem. A adesão voluntária a um projeto que contém uma intencionalidade

também é destacada por Gohn (2010) como característica usual da educação não formal. Trilla

(2008), inclusive, considera como não formais as atividades extracurriculares desenvolvidas em

escolas. Na verdade, o autor rechaça uma suposta cisão entre as educações formal e não formal,

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de modo a defender a permeabilidade e coordenação entre as ações e experiências vivenciadas

em ambas as esferas. Para o estudioso, a melhores propostas educacionais são aquelas em que há

a intenção de “[...] fazer todas as pontes possíveis entre as diferentes educações, de incrementar

ainda mais a porosidade existente entre elas, de torná-las permeáveis ao máximo” (TRILLA,

2008, p. 51). De modo análogo, Gohn (2010, p. 41) defende a complementaridade entre as

educações formal e não formal, e coloca que esta última “pode e deveria atuar em conjunto com a

escola”.

Compreendemos, portanto, que atividades teatrais desenvolvidas em escolas articulam a

dimensão espacial da educação formal com aspectos relativos a características, métodos e

objetivos da educação não formal. Mais do que enquadrar o teatro escolar nesta ou naquela

definição, interessa-nos, nesta dissertação, perceber que muitas das características da educação

não formal estão presentes em processos teatrais desenvolvidos em escolas e que, portanto, tais

processos podem contribuir de forma efetiva para a formação cidadã de seus alunos. Afinal, se a

educação não formal configura-se como “[...] um espaço concreto para a formação com

aprendizagem de saberes para a vida em coletivos, para a cidadania” (GOHN, 2010, p. 40),

processos teatrais que carregam muitas de suas principais características podem apresentar o

mesmo resultado.

Gohn (2010) aponta para uma visão mais ampla de Educação, que alarga os domínios

desta para além dos muros escolares e que resgata valores essenciais há tempos já esquecidos

pela humanidade como, por exemplo, o de civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, ao

individualismo. A educação não formal trabalha por esse viés, e o teatro educacional, ocorra ele

dentro ou fora dos limites da instituição escolar, muitas vezes aproxima-se dessa concepção.

1.3 Conclusões do capítulo

Antes de finalizarmos o presente capítulo, é preciso ponderar que não é nosso intuito

defender o teatro como única ou principal disciplina capaz de promover a formação da cidadania;

entendemos que o desenvolvimento dos valores que destacamos nesta dissertação deve-se à

educação como um todo. Tampouco se quer justificar a presença de atividades teatrais na escola

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única e exclusivamente por seu potencial de trabalhar questões sociais. Se fosse esse o caso,

estaríamos próximos de uma visão “instrumental” das artes, que, conforme veremos com maior

aprofundamento no capítulo seguinte, desconsidera o valor da arte em si e a insere em contextos

escolares como instrumento para servir a objetivos que não lhe são específicos. Em nosso

entender, o teatro tem um campo de saber que lhe é próprio – que envolve aspectos como as

técnicas e convenções teatrais, além da experiência estética própria dessa arte – e sua presença

em processos educativos não pode prescindir de tais especificidades, tampouco relegá-las a um

segundo plano.

Gohn (2010) afirma que a formação do cidadão pleno está também entre os objetivos da

educação formal, não sendo, portanto, tarefa exclusiva da não formal. Ocorre que esta última,

ainda de acordo com a autora, possui algumas características únicas que lhe conferem o potencial

de desenvolver, como nenhuma outra, certos aspectos fundamentais à formação da cidadania. Do

mesmo modo, acreditamos que o teatro, em contextos educacionais, tem uma contribuição única

e importante a fazer no campo da cidadania, ainda que a construção do cidadão pleno não lhe seja

campo exclusivo, nem constitua sua única importância na formação de indivíduos. Nosso

posicionamento reflete-se nas palavras de Jonothan Neelands:

Ainda que concordando com a afirmação de que o desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais não é o motivo para a preservação do drama no

currículo escolar mas sim responsabilidade de todos os professores, e também

concordando que o drama dos jovens deve incluir o aprendizado do ofício do teatro e algo das suas muitas histórias, eu quero argumentar [...] que o drama tem

uma contribuição única e importante a fazer para o desenvolvimento social e

político das crianças e que essa é uma questão central não apenas no drama escolar mas em uma sociedade democrática (NEELANDS, 2009, p. 179).

20

20 A citação, como se observa, utiliza-se da palavra “drama” e não “teatro” para se referir às atividades de cunho

teatral na escola. O termo “drama”, na pedagogia do teatro, é predominante em países anglo-saxônicos

(CABRAL, 2010). A abordagem anglo-saxônica do drama na educação será mencionada com mais detalhes no

capítulo seguinte. Neste momento, não é nosso objetivo estabelecer diferenciações entre metodologias. A citação

de Neelands foi colocada não pela especificidade do processo pedagógico ao qual se refere, mas pela

universalidade de suas ideias: entendemos que o teatro na educação – seja qual for a corrente metodológica na

qual se baseia – pode apresentar uma contribuição única à formação social e política dos educandos. Ao

destacarmos a citação em questão, portanto, entendemos a palavra “drama” não do ponto de vista de uma

metodologia específica, mas como representante de toda e qualquer prática teatral na educação.

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Neste capítulo, vimos que o teatro está estritamente ligado a questões de cidadania e que

sua prática em contextos educacionais, sejam eles internos ou externos à escola, pode servir ao

desenvolvimento de valores cidadãos. Tal desenvolvimento está atrelado à educação do

comportamento e tem o potencial, inclusive, de contribuir para construção de uma sociedade mais

democrática, na medida em que os sujeitos submetidos a processos teatrais podem transferir para

além dos contextos educacionais todas as práticas e valores que ali exercitam e desenvolvem. No

entanto, é preciso ponderar que diferentes contextos, procedimentos metodológicos, formas de

conduzir as atividades teatrais e outras particularidades de cada situação específica podem

conduzir a diferentes resultados. Por isso, é preciso que cada processo de trabalho com teatro seja

analisado particularmente, levando-se em conta suas especificidades, para que se avalie se ocorre,

de fato, todo o desenvolvimento aqui apontado como possível. Este trabalho, como já colocado

na Introdução, se propõe justamente a analisar um caso específico de atividades teatrais

realizadas em um ambiente educacional. As particularidades do caso serão expostas nos capítulos

3, 4 e 5. Antes, porém, consideramos ainda importante nos aprofundamos nas relações entre

teatro e educação, destacando o processo histórico, a maneira como diferentes pensadores se

posicionaram a respeito do tema, algumas das principais metodologias de trabalho com teatro na

educação e o contexto brasileiro de ensino de teatro. É à exposição de tais tópicos que se dedica o

capítulo subsequente.

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2 TEATRO E EDUCAÇÃO

“Mede-se a cultura de um povo pelo seu teatro.”

Federico García Lorca

Neste capítulo, apresentamos uma breve retrospectiva das relações entre teatro e educação

ao longo da História, destacando algumas das principais tendências pedagógicas com a

linguagem teatral. A apresentação está dividida em duas partes:

A primeira explora relações entre teatro e educação desde a Idade Antiga até os dias

atuais, valendo-se, para tal, de algumas das principais contribuições de filósofos e outros

estudiosos que teceram considerações a respeito do potencial educativo do teatro. É observado

como, em diferentes contextos, houve maneiras diversas de se pensar o teatro na educação, o que

evidencia a pluralidade das potencialidades pedagógicas dessa arte. São também destacadas

algumas das principais metodologias que caracterizam o ensino do teatro na contemporaneidade.

Nessa seção, a educação é concebida em sentido amplo, englobando tanto a formal quanto a não

formal. Um resumo do conteúdo apresentado na unidade pode ser conferido na Linha do Tempo

“Teatro e Educação: breve sinopse” (APÊNDICE A).

Na segunda parte do presente capítulo, focalizamos a educação formal e apresentamos um

panorama histórico do ensino do teatro no contexto brasileiro, tomando como ponto de partida o

início do século XX. O período marca a democratização do ensino laico nas principais sociedades

ocidentais, processo que abre espaço para a inclusão do teatro como componente curricular da

educação formal. Nossa exposição enfoca o ensino de teatro na Educação Básica, não incluindo,

portanto, técnicas e processos usualmente mais comuns ao Ensino Superior, com vistas à

formação profissional de atores.

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2.1 Teatro e educação: breve sinopse

As relações entre teatro e educação têm sido exploradas desde a Antiguidade. Courtney

(1980), ao expor um amplo painel histórico e filosófico em que apresenta as bases intelectuais do

teatro na educação, destaca que já no século V a.C., a educação ateniense estava baseada em

música, esportes e literatura. Nesta última vertente, incluíam-se declamações das obras de poetas

– especialmente Homero – com recursos teatrais de inflexão vocal, gestos dramáticos e

expressões faciais. O teatro (como encenação) é considerado por Courtney (1980, p.5) “[...] a

maior força unificadora e educacional no mundo ático”. Ainda de acordo com o autor, tal

relevância é justificada pelo fato de as representações teatrais servirem como veículo de

transmissão de conhecimento e constituírem o único prazer literário de que o povo dispunha. Para

os romanos, o teatro também podia apresentar propósitos educacionais, desde que transmitisse

lições morais. No campo da filosofia, Courtney (1980) aponta o grego Aristóteles e o romano

Horácio como lançadores das bases para o pensamento humanista no teatro. O primeiro, em sua

Poética (~330 a.C.), já afirmava que a imitação é natural ao homem e que o ser humano aprende

por meio dela; o segundo, por sua vez, em Arte Poética (~18 a.C.), considerava que o teatro

deveria tanto entreter quanto educar.

Durante a Idade Média, a Igreja Católica utilizou-se do potencial educativo do teatro com

o propósito de aproximar o povo iletrado das histórias e ensinamentos eclesiásticos. Em

encenações de caráter litúrgico, como os Mistérios21 e as Moralidades22, “[...] personagens

bíblicas ganhavam vida e saltavam aos olhos do espectador, fazendo-o compreender de forma

mais profunda os mistérios divinos” (SANTOS, 2009, p. 2318). Em uma época em que o acesso a

obras literárias era restrito a membros da Igreja, essas encenações tinham um papel educacional

de grande relevância:

Por cinco séculos, os Mistérios e Moralidades constituíram-se no único prazer intelectual das multidões. Escolas e livros, a bem da verdade, eram privilégios

21 Mistério: drama medieval, representado por ocasião das festas religiosas, em que se encenavam episódios da Bíblia

(Antigo e Novo Testamento) ou da vida de santos. Costumava durar vários dias e era encenado por atores

amadores, sob a direção de um condutor, em cenários simultâneos, denominados “mansões” (PAVIS, 1999). 22 Moralidade: obra dramática medieval, de inspiração religiosa e intuito didático e moralizante, em que vícios e

virtudes eram personificados, alegoricamente (PAVIS, 1999).

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de poucos. Foi o teatro que propiciou às massas sua educação (COURTNEY,

1980, p. 9, grifo nosso).

No período da Renascença, houve a redescoberta das obras clássicas e a retomada do

pensamento humanista. A valorização da arte do falar, com ênfase na língua latina, levou ao

estudo do teatro antigo, o que acabou por favorecer muitas encenações escolares. O movimento

teve início na Itália, onde estudantes da Academia Romana de Pomponius Laetus passaram a

encenar peças da Antiguidade. No final do século XVI, as atividades dramáticas já estavam

presentes em diversas instituições escolares europeias23

. Nessa época, os estudantes encenavam

não apenas obras clássicas, mas também textos24

adaptados ou criados por seus professores,

mestres e reitores.

Berthold (2006) faz referência a encenações escolares realizadas durante o século XVI em

diferentes países europeus, como Alemanha, Áustria, Dinamarca, França, Hungria, Inglaterra,

Suécia e Suíça. A maior parte desses países, vale mencionar, passara pela Reforma Protestante,

cujo principal líder, Martinho Lutero, admitia que o teatro pudesse exercer influência benéfica

sobre os alunos tanto na prática da língua latina quanto na transmissão de comportamentos

entendidos como socialmente adequados. O drama escolar protestante não ficava restrito a salas

de aula ou pátios das escolas: era também apresentado em auditórios de conferência de

universidades, prefeituras, sedes de grêmios, praças públicas, mercados e até mesmo em palácios.

Predominava um tipo de teatro que buscava exercer seu efeito não pelo visual – o palco

costumava ser simples e o cenário, único – mas pela palavra: “Era pela declamação alta e audível

23 Vale observar que neste ponto de nosso levantamento histórico (a partir do século XVI), quando o teatro começa a

ser utilizado em instituições escolares, passamos a enfocar situações em que os próprios estudantes tomam parte no fazer teatral, deixando um pouco de lado a questão das possíveis implicações pedagógicas que o teatro pode trazer

do ponto de vista do espectador, em manifestações espetaculares externas à escola. Fizemos essa opção para

mantermos o foco no objeto desta pesquisa, mas não podemos deixar de colocar que o teatro, ao longo tempo,

continuou, em diferentes épocas e com enfoques diversos, a ser encarado como instrumento de educação de seu

público. Também não podemos deixar de mencionar que a fruição é parte fundamental do processo de educação em

arte, e que não raro o teatro feito para crianças e jovens é enfocado, em trabalhos na área do teatro-educação, como

elemento fundamental à experiência do estudante com essa forma de arte. Para maiores informações sobre a fruição

teatral como atividade pedagógica, recomendamos a leitura de Desgranges (2003, 2011). 24 Por vezes, esses textos eram motivo de conflitos, especialmente quando abordavam assuntos controversos de

ordem política e religiosa. Professores e reitores que tocaram nesses temas polêmicos sofreram retaliações e, em

alguns casos, chegaram a ser presos, a exemplo de Philipp Nikodemus Frishlin, na região da atual Eslovênia, e

Johannes Messenius, na Suécia. A opção por textos da Antiguidade e também por temas religiosos do Velho Testamento acabou por se tornar recorrente, tendo em vista que era uma maneira de salvaguardar alunos e

professores de conflitos religiosos e políticos (BERTHOLD, 2006).

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em latim – mais tarde, língua nacional – que os pedagogos demonstravam suas intenções

didáticas aos pais e autoridades públicas” (BERTHOLD, 2006, p. 303).

Courtney (1980) destaca que na Inglaterra, as escolas dos Tudor25

desenvolveram forte

tradição dramática, encorajando o teatro não apenas para estudo das obras clássicas, mas como

exercício de linguagem, utilizado para desenvolver a língua materna. Neste ponto, é interessante

observar que existem muitos trabalhos contemporâneos que tratam da utilização de práticas

teatrais em escolas com o fim específico de aprendizagem da língua inglesa. É o caso dos

trabalhos de Dora Ton et al (2011), Dunn e Stinson (2011), Even (2011), Kao; Carkin e Hsu

(2001) e Ntelioglou (2011).

Ainda no contexto dos séculos XVI e XVII, Courtney (1980) faz referência a uma série de

filósofos e estudiosos que teceram considerações acerca do potencial educativo do teatro:

Thomas Elyot, por exemplo, enfatizava a dança dramática na educação; Philip Sidney acreditava

que o teatro deveria tanto ensinar quanto divertir; Montaigne defendia que as crianças, mais do

que repetir suas lições, deveriam atuá-las; e Francis Bacon referia-se ao teatro educacional como

[...] uma arte que fortalece a memória, regula o tom e efeito da voz e pronúncia,

ensina um comportamento decente para a fisionomia e gesticulação, promove a autoconfiança e habitua os jovens a não se sentirem incômodos quando

estiverem sendo observados (apud CORTNEY, 1980, p. 12).

Merece destaque também, nos séculos XVI e XVII, a utilização do teatro, como recurso

pedagógico, por parte dos padres da Companhia de Jesus26

. O’Malley (2004, p. 34) destaca que

os jesuítas cultivaram o teatro escolar “[...] num nível especialmente alto por um longo período

de tempo, numa vasta rede de colégios quase ao redor do mundo”. Tanto que, de acordo com

Toledo, Ruckstadter F. M. M. e Ruckstadter V. C. M. (2007), em toda parte do mundo onde

houve um colégio jesuítico, há referências à utilização do teatro como instrumento pedagógico. A

encenação de peças teatrais escritas pelos próprios religiosos da ordem constituía um dos

principais recursos didáticos de que os jesuítas lançavam mão. As peças teatrais da Companhia de

25 A Dinastia dos Tudor reinou na Inglaterra entre os anos de 1485 e 1603. A última monarca dessa casa real foi a

rainha Elizabeth I, sob cujo reinado viveram poetas e dramaturgos como William Shakespeare, Christopher Marlowe e Ben Jonson.

26 A Companhia de Jesus é uma ordem religiosa da Igreja Católica, fundada no ano de 1534, por Inácio de Loyola.

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Jesus, tanto no continente europeu quanto nas colônias, prestavam-se à instrução dos alunos e ao

ensinamento dos dogmas católicos.

Na Europa, que vivia o contexto da Reforma Católica, as encenações nos colégios jesuítas

eram realizadas especialmente em dias de festa, e tinham como principal objetivo manter os

alunos atrelados à moral cristã. Os estudantes realizavam as encenações não apenas dentro das

escolas, mas também nos pátios das Igrejas, para o público em geral. Diferentemente do drama

protestante, muitas das encenações jesuítas, no continente europeu, apresentavam ambiciosos

cenários, figurinos e truques de ilusionismo.

No Brasil, o teatro foi largamente utilizado pelos jesuítas como instrumento de

catequização dos índios. As peças escritas pelos religiosos27

da Cia de Jesus – que figuram entre

as primeiras obras teatrais do território nacional – tinham o propósito de “[...] levar a fé e os

mandamentos religiosos à audiência, num veículo ameno e agradável, diferente da prédica seca

dos sermões” (MAGALDI, 2004, p.16). Kassab (2010) destaca que o teatro jesuítico, no Brasil,

se configurava como a melhor possibilidade de atrair os povos nativos, cujos costumes tanto

diferiam daqueles apresentados pelos colonizadores. Nesse sentido, vale mencionar que nas

encenações promovidas pelos jesuítas em território nacional, havia a incorporação de músicas,

danças, instrumentos musicais, adereços e aspectos do cotidiano da vida dos nativos, em uma

clara estratégia de aproximação entre as duas culturas.

No século XVIII, de acordo com Courtney (1980), o teatro teve pouco espaço em

contextos escolares no mundo ocidental. Uma das explicações para isso foi o fato de o sistema de

raciocínio indutivo de Francis Bacon ter sido amplamente difundido nas escolas. Apesar de o

filósofo, conforme explicitado anteriormente, ter apoiado o teatro na educação de jovens, seu

método educacional, que propunha o estudo de objetos naturais para chegar à verdade, abria

pouco espaço à atividade dramática. A crença de John Locke de que a educação deveria visar à

formação de hábitos da mente e de que o método importava mais que o conteúdo também

contribuiu para que a educação, nesse século, assumisse um aspecto muito mais formal do que

liberal (COURTNEY, 1980).

27 Dentre os jesuítas que viveram no Brasil, destaca-se José de Anchieta, autor de uma série de peças teatrais, como o

Auto da Pregação Universal, o Auto de São Lourenço, o Auto do Crisma e o Auto de Santa Úrsula.

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No final do século de XVIII e início do XIX, o ensino nas escolas não sofreu grandes

alterações, mas sua filosofia sim. Jean-Jacques Rousseau teve fundamental importância nesse

processo, visto que colocou a criança no centro do processo educativo e defendeu o jogo como

elemento primordial da educação infantil:

Para Rousseau, a primeira educação da criança deveria ser quase que

inteiramente através do jogo. Os simples atos de correr, saltar e brincar têm

valor. Não haveria repressão e os instintos deveriam ser encorajados

(COURTNEY, 1980, p. 17).

Embora Rousseau não apoiasse o teatro na educação, sua defesa de uma pedagogia

“pedocêntrica” (centrada na criança) e fundamentada no jogo serviu de inspiração a pensadores

futuros, que defenderam o “jogo dramático” como procedimento efetivo de aprendizagem,

conforme veremos mais adiante. No final do século XIX, a teoria evolucionista de Charles

Darwin forneceu base científica ao que Jean-Jacques Rousseau já havia observado: “[...] que a

criança era um organismo em desenvolvimento, que cada fase do crescimento deveria ser

estimulada e que o jogo fazia parte do ser humano em desenvolvimento tanto quanto outro

elemento” (COURTNEY, 1980, p.18).

Nesse cenário, apoiado na pedagogia de Rousseau, surge o movimento “Educação Ativa”

– ou “Escola Nova”, como veio a ser conhecido no Brasil –, originalmente liderado pelo norte-

americano John Dewey. O movimento, considerado como progressista na época em que surgiu,

revolucionou as formas tradicionais de ensino ao colocar a criança no centro do processo

educativo, defendendo o respeito ao seu desenvolvimento natural. No campo das artes, contribuiu

com mudanças significativas na prática pedagógica, dentre as quais se destaca a ênfase no

processo, no “aprender experimentando”, em detrimento do produto (SOUZA, 2005, p. 20).

É justamente no final do século XIX que o teatro volta a ter participação importante na

educação. Por um lado, nas escolas tradicionais, há a retomada de encenações de peças, em

especial para estudos de línguas; por outro, emerge uma nova maneira de se pensar atividades

ligadas ao teatro em ambientes escolares, alinhada aos postulados do movimento Educação Ativa.

Se na visão tradicional o teatro em escolas resumia-se à montagem de textos dramáticos para

apresentação em datas comemorativas, sem o cuidado com a formação do indivíduo, na

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concepção “escolanovista” o foco passa a ser o desenvolvimento da criança e a livre expressão de

sua imaginação criativa (KOUDELA, 1992).

Japiassu (2009) destaca que é na segunda metade do século XIX que passa a haver uma

“[...] literatura caracterizada como especificamente debruçada sobre o binômio teatro-educação

[...]” (p.24, grifo do autor). Antes dessa fase, os pensadores que teceram considerações a respeito

do teatro na educação o fizeram analisando separadamente cada um desses campos do

conhecimento. No final daquele século e, em especial, na primeira metade do século XX,

diversos autores versaram sobre o tema teatro-educação, desenvolvendo abordagens pedagógicas

que continuam, até os dias atuais, a influenciar trabalhos na área. Muitas dessas abordagens

foram calcadas nas então recentes investigações no campo da psicologia, que transformaram a

concepção de infância e apontaram para a necessidade de se priorizar as demandas específicas de

cada etapa da vida da criança. Tais investigações, influenciadas pela teoria evolucionista de

Charles Darwin e confirmando as ideias de Rousseau, valorizavam a espontaneidade, a

afetividade e as atividades baseadas no jogo (SOUZA, 2005). Nesse contexto, podemos citar os

trabalhos da norte-americana Winifred Ward (1884-1975), cuja obra reflete os postulados da

Escola Nova. A autora enfatiza a importância da expressão criativa da criança, defendendo que o

trabalho com teatro, na educação, deve priorizar o processo e não o produto final (WARD, 1957).

Destaca-se também, na primeira metade do século XX, a obra de Caldwell Cook (1885-

1939), formulador da ideia de que a atividade dramática poderia ser um método eficiente para

aprendizagem de conteúdos escolares diversos (COUTRNEY, 1980). Em The Play Way (COOK,

1917), o professor inglês expôs seu método de abordagem de atividades dramáticas em ambientes

escolares, também denominado play way (método dramático). Até então, conforme já explicitado,

o teatro em escolas consistia apenas em encenações de peças e leituras de diálogos em aulas de

língua. Cook propôs uma nova forma de abordagem: para ele, a atuação, por meio do jogo, era

um caminho seguro para a aprendizagem, não apenas de línguas. Seu método consistia em

utilizar o conteúdo dos livros didáticos de diversas disciplinas como pretexto para que os alunos o

encenassem, de forma espontânea (não ensaiada), facilitando, assim, a aprendizagem. Desse

modo, na aula de História, por exemplo, os alunos representavam os fatos históricos que estavam

sendo trabalhados. Cook, para o desenvolvimento de seu método, partia dos seguintes princípios:

de que o aprendizado e a proficiência advêm da experiência e não da escuta ou da leitura; de que

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o bom trabalho costuma ser resultado do livre interesse e do esforço espontâneo; e de que o jogo

é o meio natural de estudo para a juventude (COOK, 1917). O que o autor propunha era uma

encenação livremente improvisada pelos alunos, em sala de aula, sem a intervenção do professor

e ausente de preocupações com convenções teatrais.

Como se nota, os mencionados Cook e Ward, apesar de oriundos de diferentes contextos

culturais (Inglaterra e Estados Unidos, respectivamente) apresentavam ideias coincidentes no que

diz respeito às transformações que estavam ocorrendo no campo do teatro e da educação. É

importante destacar que, para ambos os contextos, existe uma evidente distinção entre teatro e

drama: “teatro” era compreendido como a arte profissional, adulta, sofisticada, não relacionada

ao universo infantil; “drama”, por sua vez, era entendido como uma prática que correspondia às

necessidades psicológicas das crianças (SOUZA, 2005). Em outras palavras, enquanto o termo

“teatro” correspondia a uma prática formalizada, o termo “drama” era visto como mais

abrangente e ligado ao desenvolvimento natural da criança.

Sabemos que as elaborações teóricas e metodológicas mais antigas do drama na

educação não emergiram da arte teatral, até porque, de uma forma geral, os

primeiros estudiosos defendiam, intransigentemente, o afastamento da arte infantil de qualquer referência cultural e técnica externa. Durante a primeira

metade do séc. XX, o campo epistemológico do drama na educação alimentava-

se essencialmente das teorias do jogo e da psicologia dinâmica, teorias que influenciavam transversalmente as correntes pedagógicas mais inovadoras da

época (RIBEIRO, 2011, p. 96).

Era, portanto, o drama, e não o teatro, que os autores mencionados defendiam em

processos educativos. Alinhado a essa tendência, já na década de 1950, o pedagogo e teatrólogo

inglês Peter Slade (1912-2004) publica a obra Child Drama (traduzida para o português como O

Jogo Dramático Infantil). Para o autor, “[...] o Jogo Dramático Infantil é uma forma de arte por

direito próprio; não é uma atividade inventada por alguém, mas sim o comportamento real dos

seres humanos” (SLADE, 1978, p. 17). O jogo dramático infantil é, portanto, compreendido por

Slade como uma atividade espontânea, inerente ao universo lúdico das crianças. Apesar de

espontânea, o autor destaca que a melhor brincadeira teatral infantil desenvolve-se com o

estímulo de adultos, pois esses podem lhe oferecer oportunidade e encorajamento conscientes.

Contudo, conforme lembra Desgranges (2011, p. 93), o adulto “[...] não deve inibir as crianças

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em suas brincadeiras próprias [...], pais e professores podem e devem sugerir e organizar essas

atividades, deixando sempre as crianças criarem seu próprio jeito de realizá-las”.

Slade atribui importância tão singular ao jogo dramático no desenvolvimento infantil que

reivindica para a atividade um espaço próprio no currículo escolar. Assim, ao invés de servir de

método de ensino de outras matérias (como propunha Cook), para Slade, o brincar dramático

deveria constituir uma “[...] ‘disciplina’ independente, com seu próprio lugar no horário escolar”

(COURTNEY, 1980, p. 46). O autor entendia que uma das principais contribuições do jogo

dramático infantil seria o fato de fornecer à criança “[...] uma válvula de escape, uma catarse

emocional [...]” (SLADE, 1978, p.18), favorecendo, dessa forma, o desenvolvimento de controle

emocional e autodisciplina interna. Como bem observa Desgranges (2005, p. 93), o principal

objetivo do jogo dramático é a formação da personalidade, e não a “[...] preocupação com a

exploração e apreensão do teatro enquanto linguagem”. Portanto, o jogo dramático não é

considerado por Peter Slade como atividade teatral, já que não pressupõe a relação palco-plateia,

tampouco se volta para a construção de um discurso cênico.

De acordo com Ribeiro (2011), na década de 1970, ocorre um salto qualitativo na maneira

de se conceber o drama nas escolas. O autor atribui tal progresso, especialmente, aos trabalhos da

professora inglesa Dorothy Heathcote (1926-2011), que desenvolveu intervenções educativas em

que o professor desempenhava uma importante função. Enquanto no jogo dramático infantil

(child drama), as crianças deveriam ficar livres para jogar, cabendo ao professor apenas a

proposição da atividade, nas intervenções de Heathcote tanto alunos quanto professor

interpretavam papéis. Às crianças, de modo geral, cabiam papéis coletivos, e aos professores,

“[...] papéis que provocassem a ação dos participantes (individualmente ou em grupo), mudando

de postura ou papel para expandir ou modificar o entendimento das ações e o sentido de

teatralidade” (CABRAL, 2012). Ribeiro (2011) destaca que essas intervenções, conhecidas como

“processos de drama”, constituíam uma nova maneira de se conceber o drama na educação e que

foram prontamente adotadas por diversos professores, em especial nos países anglo-saxões. A

atual abordagem anglo-saxônica do drama28

na educação está fundamentada nos trabalhos de

28 A professora Beatriz Ângela Vieira Cabral (UDESC, UFSC) explica que “drama é a denominação predominante

na área da pedagogia do teatro, nos países anglo-saxônicos, para a atividade historicamente reconhecida como drama in education, drama and education ou process drama” (CABRAL, 2010, p. 2). Entre 1990 e 1994,

Cabral cursou doutorado em Birmingham/UK, ocasião em que teve a oportunidade de trabalhar junto a Dorothy

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Heathcote. Japiassu (2009) explica que, nessa abordagem, o drama ocupa uma posição central no

currículo escolar, constituindo uma espécie de eixo, em torno do qual podem se articular as

demais áreas do conhecimento, a serem trabalhadas de maneira interdisciplinar. Na abordagem

anglo-saxônica do drama na educação, portanto, o drama é um meio de aprendizagem e não o

conteúdo em si. Nas palavras de O’Neil e Lambert, “[...] o conteúdo não é o drama enquanto tal,

mas qualquer aspecto do currículo que toma emprestada a estrutura dramática” (apud JAPIASSU,

2009, p. 40, grifo do autor).

Esse tipo de abordagem, que, como a já mencionada proposta de Caldwell Cook, se utiliza

do drama como ferramenta para o aprendizado de conteúdos extrateatrais, pode ser entendida

como “contextualista” ou “instrumental”. Também podem ser consideradas “contextualistas” as

abordagens propostas por Ward e Slade, por ancorarem os objetivos educacionais na dimensão

psicológica do processo de aprendizagem (KOUDELA, 1992). A concepção pedagógica

“contextualista”, na primeira metade do século XX, não estava presente apenas no ensino de

teatro, mas também nas demais linguagens artísticas, como a música e as artes plásticas.

Na segunda metade do século XX, especialmente a partir da década de 1960, houve uma

nova mudança de foco no ensino de arte. Pensadores, em especial norte-americanos, passaram a

questionar a ideia de que a expressão artística da criança se desenvolve espontaneamente, e se

dedicaram a pesquisas sobre a natureza da arte como forma de conhecimento, procurando

entender qual seria a contribuição específica das linguagens artísticas para o campo da educação

(BRASIL, 1997). Assim, surgia uma nova abordagem para o ensino de arte: a “essencialista” ou

“estética”29

, segundo a qual “o valor primeiro da arte reside [...] na contribuição única que traz

para a experiência individual e para a compreensão do homem” (EISNER, 1972 apud

KOUDELA, 1992, p. 18). No campo do teatro, a perspectiva “essencialista” se fundamenta na

especificidade da linguagem teatral e tem como eixo “[...] a compreensão do teatro como sistema

Heathcote. A partir da experiência, Cabral trouxe o drama para o Brasil e, desde então, vem realizando uma série

de estudos acerca da prática em território nacional. Para maiores informações sobre o drama e suas aplicações ao

contexto educacional brasileiro, recomendamos, portanto, a leitura de Cabral (2006, 2010, 2012). Indicamos

também a leitura Desgranges (2011), em capítulo em que autor se dedica especificamente à explanação sobre o

processo de drama. 29 A dicotomia entre as dimensões “instrumental” e “estética” auxilia a compreender as diferentes propostas de

ensino no campo das artes. No entanto, é preciso ponderar que, na prática, tais dimensões, muitas vezes, se

interpenetram (JAPIASSU, 2009).

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de representação semiótico, como forma de expressão artística e linguagem acessível a todo ser

humano” (JAPIASSU, 2009, p. 28).

Merece destaque, nesse cenário, uma proposta metodológica que pode eventualmente ser

utilizada com fins instrumentais, mas que se aproxima, sobretudo, da perspectiva “essencialista”,

uma vez que permite “[...] reivindicar o espaço do teatro como conteúdo relevante em si na

formação do educando” (JAPIASSU, 2009, p. 42). Trata-se do “jogo teatral”, conceito

apresentado em forma de sistema metodológico para o desenvolvimento de trabalho pedagógico

com o teatro, pela norte-americana Viola Spolin (1906-1994). Pupo (2001, p. 181) explica que o

sistema de jogos teatrais “[...] caracteriza-se como uma abordagem da improvisação teatral

cercada por regras precisas, entre as quais se destacam o acordo grupal, o foco, a instrução e a

avaliação”.

Influenciada pelos trabalhos de Neva Boyd30

(1876-1963) e Constantin Stanislávski31

(1863-1938), Spolin desenvolve seu sistema de jogos teatrais e o expõe pela primeira vez, no ano

1962, na obra Improvisação para o Teatro (SPOLIN, 2000). Apesar de os jogos teatrais serem

amplamente utilizados em ambientes escolares até os dias atuais, a obra de Spolin não se dirige

apenas aos interessados no trabalho com teatro em escolas, mas a “[...] todos os que desejem se

expressar através do teatro, sejam eles profissionais, amadores ou crianças” (KOUDELA, 1992,

p.40). A autora parte do princípio de que todas as pessoas podem atuar no palco porque todas são

capazes de improvisar.

30 Neva Leona Boyd (1876-1963), educadora social norte-america, foi professora de Viola Spolin entre 1924 e 1927.

De acordo com Desgranges (2011), foi com ela que Spolin aprendeu a importância dos jogos nos processos educacionais. Tendo em vista que as escolas norte-americanas, na época, não compreendiam o jogo como

metodologia de educação, Neva Boyd inicialmente desenvolveu seu trabalho no âmbito da educação não formal:

em parques e centros sociais da cidade de Chicago. Seus programas educacionais envolviam jogos de grupo, arte

dramática, dança, ginástica, teoria do jogo e problemas sociais. Os jogos educacionais de Boyd buscavam

enfatizar o engajamento psicológico e físico tanto dos líderes quanto dos jogadores, e eram considerados pela

educadora como um significativo elemento de educação social (CAMARGO, 2010). 31 Constantin Stanislávski (1863-1938), ator e diretor teatral russo, foi um dos fundadores do Teatro de Arte de

Moscou. Tornou-se célebre por desenvolver um sistema de interpretação realista, que primava pela busca da

verdade no trabalho do ator. Viola Spolin foi influenciada pelo trabalho de Stanislávski especialmente no que

tange ao “método das ações físicas”, criado pelo diretor com o intuito de possibilitar ao ator a descoberta de

alternativas na criação de seus personagens, “[...] tendo como ponto de partida a experiência orgânica do fazer no

espaço” (CARREIRA, 1997, p. 16). Inspirando-se nesse método, Spolin propõe a “fisicalização”, procedimento que “[...] desafia o aluno a tornar visível para a plateia de jogadores personagens, lugares, ações, emoções, sem

recursos externos ou materiais que não sejam o próprio corpo” (SOUZA, 2005, p. 79).

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Diferentemente do jogo dramático infantil (child drama), em que a criança brinca

livremente, sem intervenção do professor, no jogo teatral há regras claras, e os jogadores devem

estar sempre concentrados na busca de soluções para os desafios propostos pelo professor ou

coordenador. A didática de Spolin (2000) entende que em situação de jogo, o indivíduo sente-se

livre para atuar criativamente, dentro de determinadas limitações – as regras de cada jogo – e que,

dessa forma, vai incorporando intuitivamente as técnicas teatrais. Trata-se, portanto, de uma

atividade que visa à aquisição da linguagem cênica e dos princípios básicos do fazer teatral.

Koudela (1992, p. 44) explica que “o processo de jogos teatrais visa efetivar a passagem do jogo

dramático (subjetivo) para a realidade objetiva do palco” e que essa passagem, se entendida sob a

ótica da Epistemologia Genética32

, “[...] pode ser comparada com a transformação do jogo

simbólico (subjetivo) no jogo de regras (socializado)”.

Em Improvisação para o Teatro (SPOLIN, 2000) e, posteriormente, em Jogos Teatrais: o

fichário de Viola Spolin (SPOLIN, 2001), Spolin apresenta seu sistema na forma de manual,

demonstrando como cada um dos jogos teatrais deve ser conduzido, e quais noções relacionadas

ao fazer teatral cada um deles desenvolve. O sistema de jogos teatrais é, ainda hoje, muito

utilizado para o trabalho com atores e não atores de todas as idades, tendo se tornado um

referencial para atores e professores de teatro. Em 1979, Improvisação para o Teatro foi

traduzido para o português pela pesquisadora Ingrid Dormien Koudela (ECA/USP), que realizou

uma série de estudos acerca da aplicação do sistema de jogos teatrais com crianças e

adolescentes. Desde então, a proposta de ensino de Spolin vem sendo bastante investigada no

Brasil. Na escola abordada nesta pesquisa, são utilizados jogos teatrais como parte do processo de

trabalho com teatro, conforme será especificado no capítulo 4.

Outra metodologia surgida no século XX e bastante utilizada em processos educativos na

contemporaneidade é o “Jogo Dramático de tradição francesa” (jeu dramatique). Desgranges

32 A Epistemologia Genética, formulada pelo suíço Jean Piaget (1896-1980), fundamentou muitas abordagens do

teatro na educação no decorrer do século XX (JAPIASSU, 2001). A questão primordial à qual se dedica a teoria

piagetiana diz respeito a como os indivíduos passam de um determinado nível de conhecimento para outro, mais

elaborado. Piaget destaca a emergência da função simbólica como etapa primordial ao desenvolvimento da

inteligência. O epistemólogo dá especial importância ao “jogo simbólico” (ou jogo de imaginação e imitação) no

desenvolvimento infantil, na etapa que vai dos 02 aos 07 anos de idade. Para Piaget, essa é a atividade por meio

da qual a criança busca assimilar a realidade externa ao seu “eu”. O estudioso também ressalta a relevância da

passagem desse tipo de jogo para o “jogo de regras” (na etapa que vai dos 07 aos 12 anos), atividade que, por pressupor a existência de parceiros, e apresentar um conjunto de orientações a serem seguidas por todos os

jogadores, apresenta caráter marcadamente social (PIAGET, 1971).

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(2011) explica que a prática surgiu na França, no início do século XX, e que, à época, era

utilizada em contextos diversos: desde reuniões de grupos de escoteiros até – e especialmente –

em escolas. Seu valor educacional foi, desde então, sendo cada vez mais reconhecido e, ao longo

dos anos, a prática foi sendo difundida para vários países. Desgranges coloca, ainda, que devido a

essa ampla propagação, autores de diversas nacionalidades escreveram sobre o tema, abordando

diferentes aspectos do Jogo Dramático33

e, por vezes, conceituando-o de maneiras distintas. Não

se trata, portanto, de um sistema rígido, de definição fechada. Ainda assim, de um modo geral,

pode ser caracterizado como

[...] uma atividade grupal, em que o indivíduo elabora por si e com outros as

criações cênicas, valendo-se das apresentações no interior das oficinas como um meio de investigação e apreensão da linguagem teatral (DESGRANGES, 2011,

p. 95).

Trata-se, portanto, de uma atividade bastante diferente do jogo dramático infantil a que se

refere Peter Slade, no qual, como vimos, não há relação palco-plateia tampouco preocupação com

a elaboração de um discurso cênico. Assim como o jogo teatral, o Jogo Dramático de tradição

francesa permite que os participantes ora se coloquem na posição de jogadores, ora na de plateia,

e tem como objetivo fazer com que os estudantes “[...] adquiram consciência sobre a significação

no teatro e possam, através dele, emitir um discurso sobre o mundo” (PUPO, 2001, p. 182).

Ainda que haja muitas coincidências entre o Jogo Dramático francês e o jogo teatral,

pode-se dizer que enquanto a proposta de Spolin se apresenta mais em forma de sistema

estruturado – com jogos bem definidos e avaliação das atividades focada em elementos

específicos da cena, previamente explicitados pelo professor –, os Jogos Dramáticos se

configuram como um sistema mais “aberto”: muitas vezes, os temas de improvisações são

sugeridos pelos próprios alunos, a partir de suas vivências e conflitos cotidianos. A atividade

incorpora, assim, o repertório de valores coletivos e sociais dos participantes de um dado grupo,

tornando-se “[...] um espaço de questionamento político e estético” (SOUZA, 2005, p. 74). Além

33 Desgranges (2011), diferentemente de outros autores, utiliza as iniciais maiúsculas quando trata do Jogo

Dramático francês, distinguindo-o, na grafia, do jogo dramático infantil abordado por Peter Slade. Mantivemos a

diferenciação ortográfica apresentada por Desgranges para facilitar a compreensão do leitor, tendo em vista que Jogos Dramáticos são a nomenclatura de uma metodologia, ao passo que o jogo dramático ao qual se refere Slade

diz respeito a uma atividade própria do universo infantil.

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disso, no Jogo Dramático, não há premissas previamente estabelecidas para a avaliação das

atividades; o refinamento artístico das cenas vai sendo construído ao longo do processo, de

acordo com as necessidades que vão surgindo no decorrer dos jogos (DESGRANGES, 2011).

Neste ponto, como se verá com maiores detalhes no capítulo 4, as atividades desenvolvidas na

escola abordada nesta pesquisa aproximam-se do Jogo Dramático francês.

Dentre os nomes mais importantes na área do Jogo Dramático, destacam-se Charles

Dullin (1885-1949) e Léon Chancerel (1886-1965), atores franceses que, nos anos 1930,

buscavam, por meio da improvisação, dinamizar a arte teatral da época (PUPO, 2001). Em anos

mais recentes, a obra do professor e diretor teatral francês Jean-Pierre Ryngaert (1991, 2009)

destaca-se como uma das principais referências na área do Jogo Dramático. No Brasil,

sobressaem os trabalhos de Olga Reverbel (1989, 1997) e Maria Lúcia de Souza Barros Pupo

(1986, 2001).

Japiassu (2009), ao apresentar um compêndio das principais abordagens pedagógicas de

ensino do teatro no Brasil, destaca ainda os seguintes autores, como nomes que contribuíram de

forma relevante, no decorrer do século XX, para a maneira de se pensar o teatro na educação não

apenas em âmbito nacional, mas em todo o mundo: Jacob Levy Moreno (1889-1974), psiquiatra

romeno que trabalhou o valor terapêutico do teatro, por meio do “psicodrama” e do

“sociodrama”34

; Bertold Brecht (1898-1956), cujas “peças didáticas”35

continuam a influenciar

“[...] práticas teatrais educativas de caráter político-estético [...]” (JAPIASSU, 2009, p. 38); e

Augusto Boal (1931-2009), criador do “teatro do oprimido” (já mencionado no capítulo 1),

pedagogia que tem inspirado experimentações e investigações no Brasil e no mundo. Vale

34 Conforme esclarece Japiassu (2009, p. 35), o psicodrama “[...] se ocupa das relações interpessoais e da psicologia

da vida privada do paciente [...]”, ao passo que o sociodrama “[...] investiga as relações intra e intergrupais, com

base nos valores culturais do grupo social ao qual pertence o paciente”. O autor explica ainda que são, ambas,

formas de terapia em que os pacientes são tratados em grupo e que, historicamente, esses procedimentos

romperam com o tratamento baseado no depoimento verbal do indivíduo isolado, típico da psicanálise freudiana.

A ênfase de Moreno à espontaneidade, à criatividade e ao trabalho em grupo foram fatores que favoreceram a

incorporação terapia psicodramática à educação. 35 As “peças didáticas” de Bertold Brecht fazem parte de suas primeiras obras dramatúrgicas. Foram a princípio

concebidas para serem trabalhadas por grupos de operários ou por crianças e jovens, em escolas. Desgranges

(2011) coloca que a iniciativa, na medida em que propunha um trabalho com amadores, visava a uma

democratização do teatro. O mesmo autor explica que as peças didáticas estariam fundamentadas “[...] na ideia de

que os atuantes ensinam a si mesmos, a partir do questionamento provocado pela ação dramática, da crítica à

situação social que os envolve e da reflexão sobre suas atitudes diante dos fatos abordados na peça” (DESGRANGES, 2011, p. 82). Desse modo, pode-se dizer que o principal objetivo das peças didáticas de

Bertold Brecht não é sua encenação, mas a conscientização daqueles que nelas atuam.

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mencionar que Boal desenvolveu, ao longo de sua trajetória de encenador, uma série de jogos e

exercícios teatrais, que, segundo o próprio autor, podem ser utilizados tanto por atores – sejam

eles profissionais ou amadores – quanto por professores e terapeutas (BOAL, 2011). Muitas das

atividades propostas por Boal são utilizadas no trabalho com teatro desenvolvido na instituição

pesquisada, conforme se verá no capítulo 4.

Ao longo do século XX e, mais recentemente, já no século XXI, outros autores

contribuíram – e têm contribuído – de forma relevante para a maneira de se pensar o teatro na

educação, a exemplo de Hornbrook (1998), Neelands e Goode (2000) e Ribeiro (2010, 2011). As

concepções teóricas são diversas e, por vezes, opostas, como afirmam Fleming (2003), Kitson e

Spiby (1997) e Walkinshaw (2004). Por um lado, há autores que ainda defendem o drama na

educação exclusivamente como processo, centrado na livre expressão do aluno, assim como

faziam os referidos Slade, Cook e Ward; por outro, existem estudiosos, seguindo uma tendência

mais contemporânea, que entendem que é preciso aproximar a atividade teatral do produto

artístico, apoiando a aprendizagem técnica da linguagem teatral e a apreciação estética como

partes relevantes do trabalho com teatro em escolas (RIBEIRO, 2010). Mesmo entre autores que

defendem a aprendizagem da linguagem do teatro, há aqueles que acreditam que o fazer teatral

com alunos pode prescindir da montagem de espetáculos, como Japiassu (2009) e Meyer (2002),

enquanto outros entendem que a produção de espetáculos é parte importante da prática, como

Catalan (2007), Hargreaves (1990) e Hornbrook (1998). Há, ainda, autores como Schonmann

(2005) e Walkinshaw (2004), que defendem a elaboração de perspectivas amplas e tolerantes, que

articulem o que existe de mais positivo em cada uma das concepções. Identificamo-nos com essa

visão mais abrangente e, por isso, finalizamos esta seção fazendo uso das palavras de

Walkinshaw (2004), que defende que o teatro

[...] necessita ser visto como polimorfo, fecundo, didático, dialético, pedagógico

e divertido. Isso exige o reconhecimento tanto das ‘comunalidades’ como das diferenças entre as diversas metodologias. [...] Somente quando o drama puder

ser celebrado com todas as suas multifacetadas orientações, a sua aplicação no

ensino básico poderá ser tão rica quanto o próprio assunto que lhe diz respeito

(p.184).

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2.2 Teatro e educação no Brasil

Como visto na seção anterior, há registros de aplicações pedagógicas do teatro em

território nacional desde o século XVI, época em que os padres jesuítas faziam uso do potencial

educativo da arte teatral para a catequização dos nativos. Nesta seção, contudo, nossa breve

exposição do ensino do teatro no contexto brasileiro tem como ponto de partida o início do século

XX, visto que o período marca a democratização do ensino laico nas principais sociedades

ocidentais. É justamente com o processo de escolarização em massa que o teatro passa a ser

incluído como componente curricular da educação formal de crianças, jovens e adultos

(JAPIASSU, 2009).

O ensino do teatro e também das demais linguagens artísticas (música, dança e artes

visuais) é ainda hoje, no Brasil, influenciado pelas tendências “tradicionalista” e “escolanovista”

que caracterizaram as práticas pedagógicas nacionais na primeira metade do século XX. Naquela

época, em escolas tradicionais, o teatro era utilizado apenas em festividades escolares, na

celebração de datas comemorativas. Para essas ocasiões, os alunos realizavam apresentações,

para as quais decoravam textos e tinham seus movimentos cênicos rigorosamente marcados. O

movimento da Escola Nova, por sua vez, também influenciou práticas pedagógicas em território

nacional, especialmente entre as décadas de 1920 e 1970. Conforme mencionado na seção

anterior, o movimento privilegiava o desenvolvimento natural da criança, e o ensino de arte,

dentro dessa concepção, pautava-se por processos que davam ênfase à expressão criativa do

aluno. Embora antagônicas, as correntes “tracionalista” e “escolanovista” cont inuam a participar

de escolhas pedagógicas e estéticas no trabalho com Arte dentro de escolas (BRASIL, 1997).

No âmbito legal, o teatro foi incluído no currículo escolar da Educação Básica, pela

primeira vez, com a Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (LDB, Lei no 4.024/61). A referida lei

instituiu, de forma não obrigatória, a disciplina Arte Dramática, voltada especificamente para a

linguagem teatral. Japiassu (2009) menciona que a disciplina era ministrada em alguns colégios

de aplicação, escolas pluricurriculares e ginásios vocacionais36

. A LDB de 1971 (Lei no 5.692/71)

36 Neste ponto, é interessante observar que no plano curricular de 1974 da instituição abordada nesta pesquisa, foi

encontrado o registro o registro da disciplina Arte Dramática, no campo referente à “Formação Especial/Parte

Diversificada”, como será observado no capítulo 3. O documento mostra que aulas eram ministradas uma vez

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incorporou obrigatoriamente o teatro ao currículo escolar, com a exigência do ensino de

Educação Artística desde a quinta série do então primeiro grau (atual Ensino Fundamental) até a

terceira série do segundo grau (atual Ensino Médio). O título “Educação Artística” foi criado para

nomear a atividade que visava abordar, de forma integrada, teatro, música, dança e artes plásticas.

Vale mencionar que Educação Artística, na LDB/71, era considerada “atividade artística” e não

disciplina.

A inclusão obrigatória da Educação Artística no currículo escolar pode ser entendida, por

um lado, como um avanço, na medida em que representa o reconhecimento do valor das artes na

educação. Por outro lado, não se pode deixar de levar em conta o contexto em que a lei foi

promulgada e os resultados decorrentes da resolução. Historicamente, como se sabe, o Brasil

vivia sob regime militar. Vita (1994) explica que o teatro, no contexto ditatorial, era visto como

perigoso inimigo público e que as aulas de Arte Dramática, ministradas em algumas escolas,

também não escapavam à desconfiança do regime: os textos teatrais trabalhados nessas

instituições deviam ser previamente encaminhados ao Departamento de Censura Federal.

Segundo a autora, com o Ato Institucional nº 5, em 1968, muitos desses estabelecimentos

sofreram duras intervenções e seus professores foram aposentados. Vita (1994, p. 14-15) pondera

que a conquista da obrigatoriedade da atividade Educação Artística acabou por acarretar em “[...]

perda de autonomia das escolas que ofereciam ensino artístico em suas diferentes linguagens

[...]”.

Nessa perspectiva, Japiassu (2009) completa que a reunião de diferentes formas de

expressão estética sob uma mesma nomenclatura trouxe uma série de problemas, dentre os quais

a redução da carga horária das matérias da área de artes. Antes da LDB de 1971, segundo o

autor, muitas escolas destinavam em torno de seis horas/aula por semana ao trabalho com

linguagens artísticas. Como a lei estabeleceu uma carga horária de duas horas/aula semanais para

Educação Artística, os conteúdos específicos de cada uma das linguagens passaram a ter de ser

trabalhados nesse curto espaço de tempo, de forma “integrada”. Esse trabalho “integrado” trouxe

também complicações no que diz respeito à falta de professores licenciados para tal. Cursos

universitários tiveram de ser criados especialmente para suprir essa demanda, formando

por semana a alunas da quinta série do então primeiro grau, conforme pode ser verificado no ANEXO A – Grade

curricular de 1974.

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professores licenciados em Educação Artística. Contudo, muito dificilmente um profissional

conseguiria ser tão polivalente, a ponto de dominar com fluência todas as linguagens estéticas.

Na prática, muitos desses novos professores acabaram por ter uma formação deficitária, e tanto

eles quanto os antigos professores de uma forma específica de expressão estética acabaram por

desenvolver seus trabalhos em sala de aula de maneira pouco aprofundada, apenas para cumprir o

que a lei determinava. Nesse contexto, desenvolveu-se a crença de que apenas com a realização

de atividades expressivas espontâneas as crianças entenderiam bem cada uma das formas de arte

(BRASIL, 1997). Esse viés “espontaneísta”, conforme esclarece Japiassu (2009), foi bastante

comum no ensino de teatro no Brasil na década de 1970.

No início da década de 1980, a pesquisadora Ingrid Dormien Koudela, da Escola de

Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, reflete que a abordagem puramente

“espontaneísta” do ensino de arte “[...] corre o risco de o risco de reduzir a proposta de educação

artística a objetivos meramente psicológicos, o que afasta a possibilidade de entender a arte como

forma de conhecimento” (KOUDELA, 1992, p.25). Alinhando-se à já mencionada concepção

“essencialista”, a estudiosa defende que a arte possui um valor intrínseco e único e que, por esse

motivo, prescinde de justificativas externas à sua natureza para a aplicação em processos

educacionais.

Koudela não estava sozinha na reflexão sobre o papel da arte na educação. Japiassu

(2009) esclarece que no final da década de 1970, o início do processo de abertura do regime

autoritário possibilitou que os responsáveis pelo ensino de arte passassem a se organizar para

repensar as relações entre arte e educação, enfatizando a especificidade de cada linguagem

artística e defendendo a criação de licenciaturas plenas em cada uma delas. Nesse contexto,

surge, no início da década de 1980, o movimento “Arte-Educação”, que desempenhou papel

fundamental nas discussões que estavam sendo levantadas e na conscientização e mobilização de

professores de arte tanto da educação formal quanto da não formal (aqui entendida como externa

à escola). O referido movimento tem em Ana Mae Barbosa uma de suas principais

representantes. Foi ela quem desenvolveu a “Proposta Triangular”, que sugere que o ensino da

arte seja desenvolvido em três grandes eixos: o fazer artístico, a contextualização histórica e a

apreciação estética (BARBOSA, 1991).

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No ano de 1988, com a promulgação da Constituição, iniciou-se uma série de discussões

sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que acabou por ser sancionada

apenas em1996. A nova LDB (Lei no 9.394/96) inclui o ensino de arte como “componente

curricular obrigatório” nos diversos níveis da Educação Básica. Os atuais Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN), elaborados após a aprovação da referida lei, deixam claro que

“Arte”37

passa a vigorar como “área de conhecimento” no currículo da escola brasileira, a ser

trabalhada por meio de quatro linguagens artísticas: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. O

documento trata de cada uma dessas modalidades separadamente, levando em conta suas

especificidades, e esclarece que as escolas podem agora optar por qual ou quais delas serão

trabalhadas com maior profundidade a cada ciclo. Trata-se, portanto, de significativo avanço com

relação à proposta de Educação Artística, que, como já colocado, tentava “integrar” as diferentes

linguagens em uma mesma aula. Com relação à carga horária destinada à área Arte, os PCN

também não estabelecem uma regra fixa, mas sugerem que haja, no mínimo, duas aulas semanais,

em sequência, de cada uma das modalidades artísticas que estiverem sendo trabalhadas no ano

em vigor.

Pupo (2007) explica que os PCN não apresentam receitas de “como agir”, mas sugerem,

de modo articulado, os princípios, objetivos e diretrizes que devem ser levados em conta na

aprendizagem das diferentes artes. Assim, sublinha a autora, cabe ao corpo docente de cada

escola – de preferência coletivamente – refletir sobre os vetores de trabalho apontados, de forma

a escolher e operacionalizar propostas concretas de intervenção.

Ao abordar especificamente o teatro, os PCN levam em conta sua origem em rituais de

diferentes culturas e tempos, e conceituam o jogo a partir das fases de evolução genética do ser

humano. Desse modo, conforme destaca Koudela ([200_?]), o jogo é compreendido, no

documento, como instrumento de aprendizagem, que promove o desenvolvimento da

criatividade, em direção à educação estética e à prática artística.

Vale destacar que a mencionada Proposta Triangular é incorporada pelo documento, que

ressalta, como eixos norteadores do processo de ensino e aprendizagem em Arte, a integração

entre o fazer artístico, a apreciação da obra de arte e sua contextualização histórica. É interessante

37 A grafia “Arte” aparece nos atuais Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) quando se trata

especificamente da área curricular; nos demais casos, é utilizada a grafia “arte”.

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observar, no âmbito desta pesquisa, que para Koudela ([200_?]), a proposta de incorporação dos

três eixos norteadores “[...] vem promovendo o potencial do teatro como exercício de cidadania e

o crescimento da competência cultural dos alunos” (p. 2, grifo nosso). De modo análogo, Japiassu

destaca que a implementação do modelo triangular tem muito a contribuir para a formulação de

propostas pedagógicas com a arte teatral na contemporaneidade, especialmente quando se

concebe o ensino do teatro em uma perspectiva emancipadora.

Nesta análise das relações entre teatro e educação no cenário nacional, é importante

salientar que muitos autores brasileiros têm desenvolvido trabalhos de relevância no campo do

teatro-educação. Segundo Japiassu (2009), desde a entrada em vigor da Lei no 5.692/71, os

estudos acadêmicos na área vêm se avolumando e desenvolvendo. O autor destaca que a

produção acadêmica aborda, em especial, discussões sobre as abordagens “contextualista” e

“essencialista” do teatro na educação, tanto em contextos escolares quanto no âmbito da ação

cultural. São frequentes, no país, as pesquisas sobre práticas pedagógicas de caráter lúdico.

Destacam-se, nesse cenário, obras como as de Cabral (2006, 2010, 2012), Chacra (1991),

Desgranges (2003, 2011), Japiassu (1999, 2007, 2009), Koudela (1992, 1999), Pupo (1991,

1997), Reverbel (1989, 1997) e Vianna e Strazzacapa (2001).

No entanto, a despeito de todas essas contribuições no campo teórico e dos avanços na

legislação, o ensino do teatro – e das artes, como um todo – é, em geral, ainda pouco valorizado

nas escolas. Japiassu (2009) destaca que o ensino das artes continua sendo concebido por muitos

professores, funcionários de escolas, pais de alunos e até pelos próprios estudantes como

supérfluo, ligado a atividades de lazer e recreação, ou como um “luxo”, permitido somente a

estudantes de classes econômicas mais favorecidas. Como já mencionado na introdução desta

pesquisa, Pupo (2011) também critica a não valorização do teatro em ambientes escolares e

entende que tal lacuna precisa ser preenchida com urgência, especialmente quando se concebe a

escola como instituição fundamental ao desenvolvimento da sociedade democrática:

Apesar da publicação, nos anos 1990, de promissoras diretrizes oficiais

salientando a relevância das aprendizagens proporcionadas pela arte teatral, não se observa uma mobilização proporcional do sistema ou das instituições, à altura

da importância do tema (PUPO, 2011, p. 16).

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Apesar desse cenário, Pupo (2011) chama a atenção para a existência de algumas

experiências positivas de ensino de teatro no contexto da Educação Básica, ainda que raras e em

geral inseridas em contextos extracurriculares. As linhas metodológicas adotadas para o trabalho

com teatro, nessas instituições onde a atividade é desenvolvida com seriedade e

comprometimento, são diversas, tal como atesta Japiassu (2009), que destaca pelo menos seis

delas, conforme exposto na seção anterior. Na prática, muitas vezes ocorre de um profissional

abarcar, em seu processo de trabalho, traços de diferentes abordagens pedagógicas, atividades

advindas de suas próprias experiências artísticas – visto que muitos professores de teatro são

também atores – e dinâmicas por ele mesmo criadas, no dia-a-dia de suas aulas. É o caso do

trabalho na instituição abordada nesta pesquisa, conforme será exposto nos capítulos seguintes.

2.3 Conclusões do capítulo

As relações entre teatro e educação são discutidas e exploradas desde a Antiguidade.

Neste capítulo, observamos como as diversas práticas pedagógicas e a diversidade de maneiras de

se pensar o teatro na educação foram influenciadas por diferentes contextos. Constatamos que a

despeito dos distintos objetivos pedagógicos valorizados em cada período, o teatro sempre foi

concebido como um aliado à educação.

Evidentemente, o que aqui apresentamos é apenas um recorte de um amplo e complexo

percurso histórico. Para uma compreensão mais abrangente do tema, recomendamos a leitura de

Berthold (2006), Courtney (1980) e Desgranges (2011). A primeira autora apresenta ao leitor um

vasto panorama a respeito da história do teatro no mundo, que auxilia no entendimento de como a

arte teatral se desenvolveu ao longo do tempo, em diferentes regiões do planeta; o segundo autor,

Courtney, explora as relações entre teatro e jogo, buscando suas raízes históricas, com base nos

principais pensadores que teceram considerações a respeito do tema; Desgranges, por sua vez,

analisa diferentes movimentos e práticas teatrais, em especial do século XX, chamando a atenção

para a dimensão educacional inerente a cada um deles, sobretudo no concerne à posição do

espectador.

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É importante salientar que na atualidade, a despeito da existência de maneiras diversas de

se encarar o teatro na educação e da vasta gama de metodologias utilizadas em processos

educacionais com essa arte, muitos estudiosos convergem no sentido de frisar que o teatro, em

processos educacionais, pode e deve contribuir com o processo de emancipação dos sujeitos

(ideia já exposta no capítulo 1). Desgranges (2011) destaca, inclusive, que muitas das

metodologias teatrais desenvolvidas no decorrer do século XX, e atualmente utilizadas em âmbito

nacional, abordam o ensino de teatro a partir de uma perspectiva emancipadora.

Diante do exposto, não se concebe que se perpetue a desvalorização do teatro nas escolas

brasileiras, especialmente em um contexto em que tanto se debate a importância da reformulação

dos currículos nacionais, tendo em vista a formação dos indivíduos para a cidadania. A

valorização e o aprimoramento da prática teatral na Escola Básica demandam vontade política e

aprofundado debate, cuja dimensão não cabe no escopo desta pesquisa. Ainda assim, acreditamos

que o conhecimento da multiplicidade teórica e metodológica do teatro na educação pode auxiliar

na elaboração de políticas públicas adequadas ao sistema educacional brasileiro, e esperamos,

neste capítulo, ter partilhado nosso entendimento da arte teatral como amplo campo a ser

explorado com fins educacionais.

Compreendemos também, como já colocado na Introdução, que a exposição detalhada de

trabalhos com teatro realizados em instituições escolares onde essa arte é reconhecida e

valorizada pode servir de base à formulação de propostas educacionais adequadas a outras

escolas e adaptadas a outros contextos. Tendo isso em vista, damos início, no capítulo

subsequente, ao estudo das especificidades do trabalho teatral desenvolvido no Instituto

Educacional Imaculada, escola do Ensino Básico onde essa arte é oferecida a todos os estudantes,

a partir do quinto ano do Ensino Fundamental.

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3 TEATRO E CIDADANIA NO IEI: HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS GERAIS

“As possibilidades de expressão e experimentação que o

teatro proporciona nos fazem enxergar a realidade com

um olhar renovado.”

Estudante do IEI (Programa de peça teatral, 2012)

A frase acima foi escrita por uma aluna de teatro do Instituto Educacional Imaculada (IEI)

para o programa de uma das peças teatrais montadas na instituição. Sobre o programa e o

espetáculo, falaremos mais adiante (capítulo 4, seção “Singularidades dos processos teatrais do

IEI – parte II”). Aqui, a afirmação se nos apresenta como estímulo e desafio para abrirmos este

capítulo, em que damos início à apresentação da escola em questão e do trabalho com teatro ali

desenvolvido. Estímulo porque, se voltarmos a uma das condições primordiais à emancipação,

exposta no capítulo 1 (“lançar diferentes olhares sobre a realidade e construir novas realidades”),

podemos entender que a dimensão emancipatória do teatro se traduz nas palavras da aluna.

Desafio, na medida em que da frase da estudante podemos extrair algumas perguntas

fundamentais, que guiarão nossa análise a partir deste capítulo: que teatro é esse? Quais são as

“possibilidades de expressão e experimentação” proporcionadas por ele? Como o processo se

instaura para que, ao final dele, a estudante enxergue a realidade com “olhar renovado”? O

mesmo acontece com outros alunos? Essa renovação do olhar está relacionada a uma visão crítica

e reflexiva acerca da realidade social? Como se instauram, no decorrer do processo, os valores de

participação, igualdade e liberdade? Em que medida esse processo se distingue de outros

processos, em instâncias diversas da vida social, e até mesmo de outros processos artísticos?

Poderíamos abarcar todos esses questionamentos na seguinte indagação: quais são as

singularidades dos processos teatrais – e em especial dos processos desenvolvidos na escola

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estudada – que podem contribuir para o processo de emancipação dos sujeitos e,

consequentemente, para sua formação, como cidadãos?

Como já colocado, a busca de respostas a essas questões norteará nossa análise a partir

deste ponto da pesquisa. Neste capítulo, especificamente, apresentamos a escola selecionada para

estudo, bem como algumas características do trabalho com teatro ali desenvolvido. A exposição

está dividida em duas seções: na primeira, há a apresentação, em uma perspectiva histórica, da

instituição e das atividades artísticas por ela oferecidas, com destaque para o teatro, objeto de

estudo desta pesquisa. A segunda seção do capítulo enfoca a situação atual do trabalho com teatro

na referida escola, levantando aspectos relativos ao oferecimento e organização das atividades,

bem como ao espaço onde são realizadas as aulas e apresentações. Nessa exposição de

características do trabalho com teatro, são destacados aspectos que aproximam a atividade dos

valores cidadãos abarcados pela pesquisa.

Ao final do capítulo, apresentamos uma seção especial, intitulada “Singularidades dos

processos teatrais do IEI – parte I”, em que são narradas algumas situações vivenciadas durante

as aulas e apresentações de teatro na escola em foco, que se ligam à formação da cidadania.

Nessa última seção, a narrativa é realizada na primeira pessoa do singular, tendo em vista que se

trata da exposição de situações bastante específicas vivenciadas pela pesquisadora (professora).

No restante do capítulo, como o foco da descrição são a escola e o trabalho com teatro ali

desenvolvido, optou-se por não se utilizar a primeira pessoa. Ainda assim, cumpre lembrar que

sempre que o texto se referir à “professora”, trata-se da própria pesquisadora.

Diante do exposto, pode-se dizer que este é um capítulo em que se convida o leitor a

transitar por lugares. Há, em uma primeira instância, o “lugar escola”: instituição católica, que

aos poucos foi abrindo espaço a alunos desejosos de se expressarem por meio do teatro e que hoje

oferece, apoia e incentiva a atividade nos diversos níveis da Educação Básica. Há também o

“lugar memória” da própria pesquisadora, a qual, no olhar lançado ao objeto de estudo, revisita

diferentes tempos – inclusive aqueles em que, ainda jovem estudante de Ensino Médio, fez parte

dos primórdios do trabalho que hoje desenvolve na instituição. E há, evidentemente, o “lugar

teatro”, aqui entendido sob duas vertentes: o lugar que o teatro, como atividade, foi conquistando,

ao longo do tempo, na escola; e o lugar físico, o auditório, ambiente onde se realizam as aulas e

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os ensaios – ou, nas palavras de outra estudante, no mesmo programa de peça teatral mencionado

na abertura deste capítulo, “lugar onde se dividem encenações e duplicam-se alegrias”.

3.1 A escola e as artes: breve histórico

A escola de Ensino Básico selecionada para o estudo aqui apresentado – o Instituto

Educacional Imaculada – é uma instituição da rede particular de ensino, localizada na cidade de

Campinas (SP). O colégio, de orientação confessional católica, pertence à Congregação das

Filhas de Jesus38

, fundada no século XIX, na Espanha, por Santa Cândida Maria de Jesus39

.

No ano de 1947, religiosas da Congregação chegaram a Campinas e, em 1948,

inauguraram na cidade o Lar Universitário Marial (pensionato para estudantes universitárias),

localizado à Avenida Barão de Itapura, número 1735. Em 19 de maio de 1952, no mesmo

endereço, fundaram oficialmente a instituição pesquisada, então sob o nome de Externato

Imaculada40

.

38 Filhas de Jesus: Congregação religiosa de origem espanhola, fundada em 1871, com o intuito de se dedicar à

educação cristã de crianças e adolescentes. Atualmente, está presente em 17 países: Argentina, Bangladesh,

Bolívia, Brasil, Colômbia, Cuba, China, Espanha, Filipinas, Itália, Japão, Moçambique, República Dominicana,

Tailândia, Taiwan, Uruguai e Venezuela. O Brasil foi o primeiro país estrangeiro a receber as Filhas de Jesus, fato

ocorrido no ano de 1911. Há hoje, no país, cinco escolas pertencentes à Congregação, localizadas nas cidades de Mogi Mirim (SP), Bragança Paulista (SP), Campinas (SP), Leopoldina (MG) e Belo Horizonte (MG). Há, também,

três obras sociais destinadas ao ensino e à assistência social, situadas nas cidades de Belo Horizonte (MG), Montes

Claros (MG) e Rio de Janeiro (RJ). Além das escolas e obras sociais, as religiosas que vivem no Brasil atuam em

comunidades inseridas em meios populares, nos estados de Minas Gerais, Bahia, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. 39 Cândida Maria de Jesus: Religiosa, de nome de batismo Joana Josefa Cipritia y Barriola. Nasceu em família

humilde, a 31 de maio de 1845, na cidade de Andoain, Espanha. Fundou, a 08 de dezembro de 1871, na cidade de

Salamanca, a Congregação das Filhas de Jesus, tendo como propósito combater a exclusão de pessoas de classes

menos favorecidas do acesso à educação. No ano de 1911, enviou ao Brasil as primeiras Filhas de Jesus, dando

início à meta de ver a Congregação estendida a várias partes do mundo. Faleceu a 09 de agosto de 1912, em

Salamanca. Em 12 de maio de 1996, foi declarada Beata pelo então Papa João Paulo II. Em 17 de outubro de 2010,

foi declarada santa pelo Papa Bento XVI. 40 As denominações da instituição, desde sua fundação, foram as seguintes: Externato Imaculada, Ginásio Imaculada,

Colégio Imaculada Conceição, Escola Normal Particular Imaculada e Instituto Educacional Imaculada. Esta última

denominação (atual) foi adotada a partir do ano 1978.

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Figura 1 – Fachada da escola em diferentes épocas (1948 e 2013)

À época da fundação, um pequeno grupo de religiosas cuidava de todo o trabalho da

escola, assumindo tanto funções docentes quanto administrativas. Com o passar dos anos, a

instituição passou a ter nessas funções pessoas que não pertenciam à ordem religiosa41

, contando,

no ano de 2013, com 288 funcionários42

.

Em 1952, a escola oferecia cursos de pré-escola, primeira e segunda séries do antigo

primário (atual Ensino Fundamental), e tinha um total de 125 estudantes, todas do sexo feminino.

Hoje, conta com cursos de Educação Infantil, Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e

Ensino Médio, e tem 2355 alunos matriculados, de ambos os sexos43

. A maior parte do corpo

discente é formada por crianças e adolescentes oriundos da classe média, filhos de profissionais

liberais, funcionários públicos, comerciantes, empresários e profissionais autônomos. Também

constam, nesse quadro, filhos de funcionários da escola, além de estudantes que possuem

gratuidades institucionais.

41 Houve participação de religiosas no corpo docente da instituição até 2005, na administração da disciplina

Educação Religiosa. Os cargos de direção e representação legal da instituição passaram a ser assumidos por leigos

(não pertencentes a ordem religiosa) nos anos de 1999 e 2009, respectivamente. Atualmente, as freiras, apesar de

não lecionarem e não atuarem nos cargos administrativos, são presença constante na escola, colaborando com uma

série de funções, tais como o contato com alunos e famílias e os trabalhos da equipe evangelizadora. Há,

atualmente, cinco religiosas da Congregação Filhas de Jesus atuando na escola pesquisada. 42 Do total de 288 funcionários, são 140 professores, 34 auxiliares de classe, 62 no setor administrativo, 23 em

serviços gerais, 12 seguranças, 8 no setor de manutenção, 4 técnicos de informática, 2 assistentes sociais, 1

motorista, 1 técnico de enfermagem e 1 auxiliar de enfermagem. 43 A abertura para estudantes do sexo masculino se deu em 1975. Naquele ano, havia 38 meninos matriculados e 900

meninas. Hoje, a escola conta com 1354 estudantes do sexo feminino e 1001 do sexo masculino.

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Figura 2 – Sala de aula (1964) Figura 3 – Sala de aula (2012)

Alunos de teatro convidando os colegas para assistir à sua apresentação

Atualmente, na instituição pesquisada, as linguagens artísticas são trabalhadas desde a

Educação Infantil até o Ensino Médio, sendo oferecidas tanto na grade curricular quanto

extracurricularmente. Em pesquisa realizada aos arquivos da escola, foi possível constatar que as

atividades artísticas, em especial ligadas à Música e às Artes Visuais, já fazem parte do quadro

curricular há algumas décadas.

Vale destacar que existem documentos da instituição registrando o oferecimento de

disciplina denominada “Arte Dramática” datados de meados de 1970, conforme será colocado

mais adiante. No entanto, a estruturação da disciplina “Teatro”, tal como é hoje, tem suas raízes

nas atividades lideradas pela pesquisadora, no final da década de 1990, como aluna da instituição.

A seguir, explicitaremos como se estrutura o atual oferecimento de atividades ligadas à

área das artes e apresentaremos um breve histórico da trajetória de cada uma das linguagens

artísticas – Artes Visuais, Música, Dança e Teatro – dentro da escola, com destaque para o

Teatro, objeto de estudo desta pesquisa.

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3.1.1 Atividades artísticas

Figura 4 – Aluna da instituição apresentando-se perante plateia (década de 1950)

O quadro a seguir apresenta o oferecimento de atividades artísticas no ano de 2013. Pode-

se observar em que momento da vida escolar cada linguagem é trabalhada, quais disciplinas

fazem parte da grade curricular, apresentando caráter obrigatório, e quais são oferecidas

extracurricularmente, sendo, portanto, de adesão opcional. É necessário esclarecer que a

disciplina nomeada “Arte”, na instituição, corresponde às atividades ligadas às Artes Visuais, e

não à área Arte, tal como entendida nos atuais Parâmetros Curriculares Nacionais (vide capítulo

2, seção 2.2). Vale ainda destacar que a atividade denominada Ginástica Geral foi incluída no

quadro por se tratar de atividade não competitiva, que trabalha com apresentações de caráter

artístico.

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Quadro 1 – Oferecimento de atividades artísticas / ano 2013

NÍVEL DE

ENSINO

GRADE CURRICULAR

(caráter obrigatório)

ATIVIDADES

EXTRACURRICULARES

(adesão opcional)

ED

UC

ÃO

IN

FA

NT

IL SÉRIE

/ANO44

Educação

Musical

Arte Expressão

Corporal

Teatro Ballet Coral Ginástica

Geral

Teatro

Mini-Maternal X

Maternal I X X

Maternal II X X

Pré I X X

Pré II X X

EN

SIN

O F

UN

DA

ME

NT

AL

1º ano X X X

2º ano X X X X

3º ano X X X X

4º ano X X X X

5º ano X X X X X

6º ano X X X

7º ano X X

8º ano X

8ª série X

E.M

ÉD

IO 1º ano X

2º ano X

3º ano X

44 Coexistem, nesta dissertação, as nomenclaturas “série” e “ano” nas referências às diferentes etapas do Ensino

Fundamental. A utilização das diferentes nomenclaturas tem relação com a Lei nº 11.274/06 (BRASIL, 2006), que

ampliou o Ensino Fundamental para nove anos de duração. Com a mudança, a nomenclatura “série” foi alterada para

“ano”, sendo que os estudantes que ingressam no “primeiro ano” do Ensino Fundamental têm seis anos de idade. Na

instituição pesquisada, os alunos matriculados com seis anos a partir do ano de 2006 já se inserem no sistema de

“anos”. Portanto, quando nos referimos, neste trabalho, a turmas que ingressaram no Ensino Fundamental a partir de

2006, utilizamos a nomenclatura vigente; para os demais, utilizamos a nomenclatura “série”.

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Como se pode notar, até o sétimo ano do Ensino Fundamental as atividades artísticas

fazem parte da grade curricular obrigatória. A partir do oitavo ano, esse trabalho é desenvolvido

apenas extracurricularmente, por meio das aulas de teatro.

As atividades ligadas às Artes Visuais e à Música, que, como se observa, são trabalhadas

durante a Educação Infantil e boa parte do Ensino Fundamental, são as que existem há mais

tempo na escola. Os documentos mais antigos mantidos na instituição em que consta o

oferecimento de disciplinas são livros-ata de Formação de Magistério dos anos de 1962 a 1970.

Nesses documentos, entre 1962 e 1964, aparece o registro das disciplinas Música e Canto

Orfeônico; entre 1965 e 1966, aparece apenas Canto Orfeônico; e entre 1967 e 1970, Canto

Orfeônico e Artes Aplicadas. Apesar de não haver registros escritos sobre as atividades

curriculares da década de 1950, é possível afirmar que desde essa época, já havia atividades

ligadas à música na escola, como atestam fotos encontradas no acervo da instituição.

Figura 5 – Apresentação de coral (década de 1950)

Referentes ao ano de 1971, foram encontrados quadros curriculares correspondentes ao

Ciclo Colegial Secundário e Normal. Nesses documentos, Educação Musical e Artes Plásticas

constam como disciplinas optativas. Dos anos de 1972 e 1973, os documentos mantidos na

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instituição em que se podem encontrar as disciplinas oferecidas são livros-ata com lançamento de

notas em exames finais. Nesses documentos, Educação Musical e Artes Plásticas continuam

constando como disciplinas optativas para Ciclo Colegial Secundário e Normal, e aparece o

primeiro registro de Educação Artística, para alunos do primeiro grau. Cabe lembrar que, como

visto no capítulo 2 (seção 2.2), a LDB de 1971 instituiu essa atividade como obrigatória nos

quadros curriculares nacionais.

A documentação encontrada no acervo da escola fica mais completa a partir do ano de

1974, contando com todos os planos de trabalho de primeiro e segundo graus. Em todos os

documentos referentes ao período de 1974 a 1998, existe o registro de Educação Artística como

parte da grade curricular do primeiro grau. Apesar de a referida LDB de 1971, conforme já

explicado, ter criado o título “Educação Artística” para nomear a atividade que visava abordar, de

forma integrada, teatro, música, dança e artes plásticas, sabemos que na escola pesquisada, assim

como em outras instituições de ensino, o trabalho desenvolvido não englobava todas as

linguagens artísticas. Poucos documentos mantidos no colégio em questão registram o conteúdo

desenvolvido em Educação Artística, mas com base na própria experiência da pesquisadora como

ex-aluna da escola – de 1984 a 1998 – e em relatos de professores e outros ex-alunos da

instituição, pode-se afirmar que as atividades desenvolvidas sob o título de Educação Artística

entre os anos de 1971 e 1997 ligavam-se exclusivamente à Música e às Artes Visuais (em 1998,

tiveram início as atividades de Expressão Corporal e Teatro, como veremos a seguir). Dentre os

poucos documentos em que se pode observar o registro dos conteúdos desenvolvidos na

disciplina Educação Artística, destaca-se o plano de trabalho de 1981, em que constam “Música”

e “Trabalhos Manuais”.

Sabemos que na instituição pesquisada, as atividades de Expressão Corporal – ligadas à

Dança – tiveram início no ano de 1998, apesar de no quadro curricular da escola referente a esse

ano haver apenas o registro de Educação Artística, sem especificação do conteúdo desenvolvido

nessas aulas. Essa constatação foi possível por meio de relatos de professores da área de

Educação Física – responsáveis, desde aquela época até a presente data, pelas aulas de Expressão

Corporal – e de pesquisa ao quadro de contratação de professores daquele ano letivo. As

atividades extracurriculares de Ginástica Geral e Ballet – também relacionadas à Dança – tiveram

início nos anos de 2000 e 2001, respectivamente.

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No que concerne ao teatro, encontramos, em pesquisa aos acervos da instituição, o

registro de “Arte Dramática” como disciplina da grade curricular do ano de 1974 (vide ANEXO

A – Grade curricular de 1974). A disciplina estava enquadrada no campo relativo à Formação

Especial, Parte Diversificada, em que constavam também as disciplinas Arte Musical,

Administração Doméstica e Alimentação e Decoração, Vestuário e Habitação. A disciplina Arte

Dramática era oferecida uma vez por semana, para alunas da quinta série do então primeiro grau.

Figura 6 – Alunas em possível encenação teatral (sem data)

Nos anos seguintes, o registro de Arte Dramática não aparece novamente. Até 1996, as

atividades ligadas ao teatro, na instituição pesquisada, restringiam-se a trabalhos pontuais

propostos por professores de disciplinas diversas, tais como Inglês e História. Esses trabalhos, de

modo geral, englobavam encenações criadas pelos alunos e apresentadas em sala de aula, visando

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à melhor assimilação de conteúdos específicos dessas disciplinas. Esse tipo de trabalho

assemelha-se à proposta de Caldwell Cook, apresentada no capítulo 2, e pode ser considerado

como “instrumental”, uma vez que utiliza o teatro como ferramenta para o aprendizado de

conteúdos extrateatrais.

3.1.2 Atividades teatrais: da criação coletiva aos processos colaborativos

Conforme exposto na Introdução, no ano de 1996, surgiu, por iniciativa de alguns alunos,

o primeiro grupo de teatro do IEI. Esses estudantes haviam sido reunidos – por intermédio de

professoras de Língua Portuguesa e Literatura – para criar uma apresentação de poemas destinada

à Feira Cultural daquele ano, e, após o evento, decidiram dedicar-se à criação de peças teatrais. A

equipe era formada por alunos de sétima e oitava séries do Ensino Fundamental, e liderado pela

pesquisadora da presente dissertação, então aluna do primeiro ano do Ensino Médio.

Em 1996, além da já mencionada apresentação de poemas, o grupo apresentou cenas

baseadas em crônicas de Luís Fernando Veríssimo; em 1997, montou a peça teatral Geração

Trianon, de Ana Maria Nunes; em 1998, realizou uma nova montagem inspirada em crônicas de

Luís Fernando Veríssimo; em 1999, dedicou-se à montagem de Morte e Vida Severina, de João

Cabral de Melo Neto45

; e em 2000 (ano em que a maior parte dos integrantes originais do grupo

estava no terceiro ano do Ensino Médio), montou o espetáculo infantil Plunct Plact Zumm, de

Hélcio Henrique Longo. Ao longo desses anos, estudantes mais jovens foram se integrando ao

grupo, de modo que o trabalho teve continuidade mesmo após o término da vida escolar de todos

os integrantes originais.

45 Morte e Vida Severina foi apresentada durante os anos de 1999, 2000 e 2001. Nesse último ano, todos os

integrantes originais do grupo de teatro já não eram mais alunos da instituição, porém a maior parte deles

continuou a participar das apresentações da peça. Além desses ex-alunos, faziam também parte do elenco estudantes mais jovens, que foram se agregando à equipe entre os anos de 1997 e 2001.

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Figura 7 – Apresentação do espetáculo Geração Trianon (1997)

Figura 8 – Apresentação do espetáculo Morte e Vida Severina (1999)

Esse trabalho com teatro, originado por iniciativa dos próprios estudantes, foi

gradativamente conquistando o reconhecimento da escola. A princípio, os ensaios tinham de ser

realizados nas casas dos integrantes do grupo de teatro ou no pátio da escola, porque só era

permitida a utilização do auditório da instituição na véspera das apresentações. Com o tempo, o

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colégio foi liberando o uso desse espaço, além de reservar uma sala de aula para a realização de

encontros da equipe.

Com relação à verba para as produções, nos primeiros anos de trabalho, os estudantes

contribuíam com uma pequena quantia semanal para a chamada “caixinha do grupo” e utilizavam

o dinheiro arrecadado para o pagamento de figurinos e cenários. A partir de 1999, a equipe

passou a contar com a contribuição financeira da Associação de Pais e Mestres da escola.

No decorrer do percurso descrito, as atividades teatrais passaram a ser oficialmente

oferecidas pela escola e a pesquisadora passou de aluna do colégio a professora de teatro da

instituição, em um processo já exposto na Introdução.

Analisando o histórico aqui apresentado à luz dos conteúdos desenvolvidos no capítulo 1,

pode-se entender que as atividades teatrais, na instituição mencionada, iniciaram-se apresentando

características análogas aos dos processos de “criação coletiva” (que marcaram a produção teatral

na década de 1970) e foram, ao longo dos anos, aproximando-se dos “processos colaborativos”

(comuns a grupos de teatro contemporâneos). Nos processos de criação coletiva, como visto,

existe um acúmulo de funções no ato criativo: todos os membros do grupo são responsáveis por

todos os elementos da cena (dramaturgia, direção, atuação, cenografia etc.). No trabalho teatral

desenvolvido durante os primeiros anos na instituição pesquisada, há elementos comuns aos

processos de criação coletiva porque muitos dos aspectos relativos às criações e à organização do

grupo eram de responsabilidade de todos os membros da equipe. Os ensaios, por exemplo, como

já mencionado, muitas vezes eram realizados nas casas dos integrantes; o cenário era criado,

confeccionado e montado por todos, com verba arrecadada via contribuição coletiva; todos se

empenhavam na divulgação das peças, na criação de programas e cartazes, na confecção de

camisetas do grupo, entre outras tarefas. Paradoxalmente, no concerne à direção das cenas, o

trabalho não era coletivo. A pesquisadora, à época, por ser a única no grupo com experiência em

teatro fora da escola, assumia sempre a direção das cenas. A princípio, essa direção era feita no

sentido de reproduzir estratégias de terceiros – por vezes, com seleção de textos que já havia

encenado nos cursos de teatro que frequentava e montagem de cenas de modo a torná-las

semelhantes às de seus então professores de teatro. No que tange à criação das cenas, portanto, o

trabalho assemelhava-se mais às práticas teatrais comuns na década de 1980, em que

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predominava o chamado “teatro de diretor”, do que aos processos coletivos dos anos 1970 ou às

práticas contemporâneas que se enveredam por caminhos do trabalho colaborativo.

Com o tempo, o trabalho foi se aproximando das práticas colaborativas, tanto no que

concerne à produção e organização dos processos quanto no tocante à direção das cenas. O fato

de a atividade ter se tornado oficialmente oferecida pela escola contribuiu para o processo. Com o

passar dos anos, funções como as de cenógrafo e figurinista, por exemplo, acabaram sendo

assumidas por profissionais específicos, mas, assim como nos processos colaborativos de grupos

profissionais, os “atores” participam de cada uma das fases de produção. No que diz respeito à

direção de cenas, ela é hoje bastante aberta à criação dos estudantes, conforme será explicitado no

capítulo seguinte.

Vale mencionar que a pesquisadora não foi a única professora de teatro da instituição

pesquisada. No ano de 1998, enquanto o grupo de teatro formado por alunos de Ensino Médio

dava continuidade ao trabalho iniciado no ano anterior, a escola passou a oferecer aulas de teatro

a alunos da então terceira série do Ensino Fundamental, em caráter extracurricular. As aulas,

àquela época, eram ministradas pela professora Ana Maria Meyer46

, que permaneceu como

professora de teatro da escola até o ano de 2003.

A análise dos quadros curriculares da instituição pesquisada aponta para um dado curioso:

no ano de 1999, começa a aparecer o registro da disciplina Teatro na “Parte Diversificada” dos

Currículos de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Como se pode observar no ANEXO B

(Quadro curricular de 1999), os documentos apresentam a seguinte observação: “Teatro como

suporte técnico para todas as disciplinas”. Essa mesma descrição aparece nos quadros

curriculares dos oito anos subsequentes. Cabe aqui esclarecer que, quando as atividades teatrais

se tornaram oficialmente oferecidas pela instituição, houve um acordo entre a direção da escola e

a professora responsável, na época, pelas atividades (pesquisadora) no sentido de que os alunos

de teatro ficariam “à disposição” dos demais setores do colégio, para montar eventuais peças

teatrais ou cenas destinadas a eventos escolares. De fato, foi o que ocorreu e, em menor escala,

46 Ana Maria Meyer é psicanalista e mestra em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Sua dissertação,

intitulada O teatro como recurso psicopedagógico alternativo para a criança na escola (2002), registra o trabalho

de teatro por ela realizado junto a alunos de terceira série do Ensino Fundamental, e enfoca a utilização

psicopedagógica do teatro e seus efeitos no processo educacional. No IEI, há poucos registros de seu trabalho com teatro, desenvolvido na época mencionada.

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continua a acontecer: os grupos de teatro realizaram – e ainda hoje realizam – encenações a

pedido de professores de disciplinas diversas, de membros da equipe responsável pelo setor de

Pastoral, e da própria equipe diretiva da escola. No entanto, tais trabalhos nunca foram a única

atividade dos grupos teatrais, nem mesmo sua atividade central. A maior parte dessas encenações

costuma ser desenvolvida fora do horário normal de aulas de teatro. De modo que a descrição

“suporte técnico para todas as disciplinas”, de certa forma, reduzia o trabalho teatral

desenvolvido na instituição a apenas uma das atividades realizadas pelos grupos de teatro da

escola.

A partir de 2008, essa observação deixa de aparecer e Teatro passa a constar nos quadros

curriculares como “disciplina optativa”, conforme se observa no ANEXO C (Quadro curricular

de 2008). A mudança da descrição “suporte técnico para todas as disciplinas” para “disciplina

optativa” não se relaciona a modificações nos conteúdos ou metodologia das atividades teatrais,

que, de maneira geral, sempre seguiram a mesma linha (descrita no capítulo 4). Assim, se

analisada superficialmente, a mencionada mudança pode ser entendida como uma simples

alteração de um registro formal, visando a um melhor ajustamento entre a atividade de fato

realizada e sua descrição no documento oficial. Por outro lado, se levarmos em conta o histórico

das atividades teatrais no colégio, podemos entender que a referida modificação constitui uma

evolução na maneira de se encarar o teatro na escola, e que essa evolução, em última análise,

representa a passagem da visão “contextualista” ou “instrumentalista” do ensino de arte para a

“essencialista” (visões já mencionadas no capítulo 2). Afinal, ao colocar o teatro como

“disciplina” em seus quadros curriculares, a escola reconhece seu valor pedagógico próprio,

descartando o valor instrumental de auxiliar outras disciplinas como justificativa para sua

inserção na grade curricular.

O reconhecimento do valor pedagógico da atividade teatral na instituição pesquisada pode

ser também compreendido quando se leva em conta a ampliação do oferecimento da atividade a

diferentes séries/anos escolares desde sua implementação até os dias atuais: no ano de 2005, por

exemplo, Teatro passou a fazer parte da grade curricular da então sexta série (atual sétimo ano)

do Ensino Fundamental, adquirindo, portanto, caráter obrigatório para os alunos dessa faixa

etária; em 2007, começou a ser oferecido extracurricularmente a alunos de quarta série (atual

quinto ano) do Ensino Fundamental e, em 2008, para estudantes da quinta série (atual sexto ano)

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do Ensino Fundamental. Na atualidade, existem, na instituição abordada, aulas de teatro para

alunos desde o quinto ano do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio, conforme

já demonstrado no Quadro1 (Oferecimento de atividades artísticas – ano 2013). A organização

desse oferecimento, no que diz respeito ao número de turmas, quantidade de alunos, duração das

aulas, caráter das atividades, bem como a infraestrutura disponível para a realização das

atividades teatrais são assuntos da próxima seção.

Antes de iniciá-la, cabe ainda uma observação acerca do reconhecimento da importância

da atividade teatral na escola estudada. Como visto anteriormente, a LDB de 1996 e os atuais

PCN representaram um avanço na compreensão a respeito da relevância das artes na formação do

aluno como cidadão. Entretanto, em muitas instituições de ensino brasileiras, passadas quase duas

décadas da mudança na legislação, o teatro permanece pouco valorizado (quando não ignorado).

Na instituição pesquisada, a valorização do teatro não ocorreu de imediato. Contudo, a

experiência acumulada no decorrer do percurso histórico descrito nesta seção permitiu que a

instituição pesquisada, aos poucos, adentrasse nessa frente de valorização das artes,

acompanhando a mudanças estabelecidas pela lei e valorizando o teatro como atividade

educacional relevante à formação dos estudantes.

3.2 Teatro hoje: espaço de convivência democrática

Ao longo dos 17 anos de desenvolvimento das atividades teatrais na instituição abordada,

e com base nas experiências que foram sendo vivenciadas durante esse tempo, foi sendo

estruturado o oferecimento das atividades com relação à faixa etária dos estudantes, número de

turmas e duração das aulas. No decorrer desse tempo, foi também sendo aperfeiçoada a

organização do trabalho, no que diz respeito à participação dos estudantes, exigência de

dedicação e montagem de peças teatrais. Além disso, ao longo dos anos, foi sendo aprimorada a

infraestrutura disponível para a realização das atividades. Nesta seção, mostraremos a situação

atual do teatro na escola em questão, abordando aspectos relativos ao oferecimento e organização

das atividades, bem como ao espaço onde são realizadas as aulas e apresentações, chamando a

atenção para características que aproximam a atividade teatral dos valores cidadãos.

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3.2.1 Participação: um direito de todos

O quadro a seguir mostra como são oferecidas, na atualidade, as aulas de teatro aos alunos

da instituição pesquisada. São explicitados: o caráter das atividades (curricular ou

extracurricular), a frequência e a duração das aulas, o número de turmas por série e a quantidade

de alunos por turma. Os dados correspondem ao ano de 2013. Todas as turmas de teatro do IEI

estão sob a responsabilidade da pesquisadora:

Quadro 2 – Oferecimento das atividades de teatro / ano 2013

Ano / Série Caráter da

atividade

Encontros

semanais

Duração de cada

encontro*

No de turmas N

o total

de alunos

5º ano / Ensino

Fundamental

Extracurricular 1 2 horas/aula 2 57

6º ano / Ensino

Fundamental

Extracurricular 1 2,5 horas/aula 2 44

7º ano/ Ensino

Fundamental

Curricular 1 1 hora/aula 5 (todas as

classes do 7º

ano)

172

8º ano/ Ensino

Fundamental

Extracurricular 1 4 horas/aula 1 21

8a série /

Ensino

Fundamental

Extracurricular 1 4 horas/aula 1 15

Ensino Médio

(1os, 2os e 3os

anos)

Extracurricular 1 4 horas/aula 1 (turma

multisseriada)

30

* Cada hora/aula corresponde a 50 minutos

Como se pode observar, no sétimo ano do Ensino Fundamental, as atividades fazem parte

da grade curricular oficial, apresentando, portanto, caráter obrigatório. As aulas de teatro, para

esses alunos, estão inseridas na grade curricular oficial, ocorrendo no mesmo período que as

aulas das demais disciplinas. Para as outras turmas de teatro, a adesão é opcional, e os encontros

ocorrem em período diferente das aulas curriculares. Assim, se os alunos normalmente vão à

escola pela manhã, fazem teatro extracurricular no período vespertino.

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As turmas de teatro de adesão opcional – foco desta pesquisa – são formadas no início de

cada ano letivo. No mês de fevereiro, todos os alunos das séries/anos em que há o oferecimento

de teatro são convidados a participar das atividades. Em todos os grupos, são aceitos tanto os

estudantes que já faziam parte de turmas de teatro em anos anteriores quanto aqueles sem

qualquer experiência.

É interessante destacar que nem sempre o processo de adesão às aulas de teatro ocorreu

desse modo. Nos primeiros anos da atividade na instituição, quando se formava uma nova turma

de teatro e a demanda dos alunos era alta, a escola realizava um sorteio entre os interessados para

escolher quais deles poderiam fazer parte do grupo. Neste ponto, vale mencionar que uma das ex-

alunas entrevistadas para esta pesquisa, ao ser questionada sobre as memórias mais significativas

que guardava da época de teatro, lembrou-se, ao invés do que lhe havia sido perguntado, dos

tempos em que ainda não fazia teatro: mencionou o fato de não ter sido sorteada para participar

das atividades, quando cursava a sétima série do Ensino Fundamental, como fato que a marcara

profundamente. Esse tipo de situação não era considerado pela professora (pesquisadora) como

ideal, por não ser aberto à participação de todos. Em comum acordo com a escola, passou-se, a

partir de 2006, a não realizar mais sorteios, permitindo que todos os interessados, inscritos no

início do ano, pudessem participar dos grupos de teatro da instituição. A decisão, evidentemente,

acarretou certo desafio à realização das aulas e montagens de peças, que, desde então, precisam

ser desenvolvidas visando à participação, muitas vezes, de um número bastante alto de alunos,

como se pode observar no Quadro 2. Contudo, ao acolher todos os interessados em se expressar

por meio dessa arte, o teatro representa, na escola, um espaço muito mais aberto, democrático e

propenso ao exercício da cidadania.

Vale ressaltar que nos grupos de teatro de Ensino Médio, frequentemente, há a

participação de ex-alunos da instituição, que integravam turmas de teatro, quando alunos.

Eventualmente, também fazem parte das atividades teatrais professores de outras disciplinas e

funcionários da escola. Alguns desses profissionais realizam ensaios em horários especiais,

agendados de acordo com suas disponibilidades, mas há também aqueles que, com os alunos,

participam de todo o processo, tanto de aulas quanto de ensaios.

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Figura 9 – O Homem do Princípio ao Fim (2011)

Em cena, alunos, ex-alunos e funcionário da escola

Figura 10 – Sonho de uma Noite de Verão (2010)

Em cena, aluno, ex-aluna e professores da escola

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É interessante também destacar que a instituição em questão, como mencionado na seção

3.1, é um estabelecimento particular de ensino, no qual alguns estudantes – dentre os quais, filhos

de funcionários da escola – possuem gratuidades institucionais. Convivem, portanto, algumas

vezes, no teatro, estudantes de diferentes camadas sociais. Todavia, não existe – nem no teatro,

nem na escola como um todo – qualquer diferenciação entre os estudantes. A igualdade de

oportunidades – requisito básico da cidadania – é premissa para a realização de todas as

atividades do IEI, e no teatro não é diferente: na realização das aulas e apresentações de

espetáculos, todos participam de forma igualitária.

3.2.2 Comprometimento: um exercício de cidadania

Existe, no trabalho de teatro desenvolvido na instituição, exigência de dedicação por parte

dos alunos, no sentido de não faltarem aos encontros, respeitarem os horários de início e término

das aulas, e participarem de eventuais ensaios extras, que costumam ocorrer em datas próximas

às apresentações de final de ano. Desde a primeira aula do ano, em todas as turmas de teatro, a

necessidade desse comprometimento é ressaltada pela professora. Frequentemente, ocorre

também de os próprios estudantes – aqueles com maior experiência em teatro – reiterarem, junto

aos colegas, o compromisso que deve ser assumido por aqueles que participam da atividade.

Com vistas a reforçar o engajamento ativo nas atividades, após um período de adaptação,

que em geral dura de duas a quatro aulas, é entregue aos estudantes interessados em permanecer

no curso um termo de compromisso, que explicita o comprometimento que se espera dos alunos,

e solicita a anuência dos respectivos responsáveis. Esse procedimento é realizado também para

que os pais dos estudantes compreendam a seriedade do envolvimento de seus filhos com a

atividade. O compromisso, portanto, é assumido não apenas pelos estudantes, mas também pelas

famílias, que planejam suas agendas em acordo com a programação de ensaios e apresentações.

Mesmo assim, vez por outra, a compreensão dos pais se apresenta como desafio. Há casos em

que os responsáveis pelos alunos os impedem de comparecer a encontros do teatro como

represália por terem obtido notas abaixo da média em alguma disciplina ou mesmo por “mal

comportamento” apresentado em situações que, às vezes, sequer estão relacionadas à vida

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escolar. Nos casos extremos, felizmente mais raros, há familiares que chegam a solicitar que seus

filhos abandonem as atividades do teatro. Quando temos de enfrentar situações desse tipo,

contamos com o apoio da equipe diretiva e coordenação pedagógica, que, se preciso, intervêm no

sentido de conversar com as famílias, em nome da escola, enfatizando a importância da

permanência nas atividades tanto para o aluno – que, em geral, não gostaria de abandoná-las –

quanto para o grupo envolvido no processo de trabalho.

Nos grupos de Ensino Médio, além dos procedimentos descritos, o comprometimento

com a atividade é reforçado pela “cerimônia de iniciação”. Trata-se de uma espécie de ritual em

que os estudantes “veteranos” no teatro dão as boas vindas oficiais e colocam os “novatos” a par

de tudo aquilo que consideram importante sobre a participação nas atividades teatrais. A

cerimônia, vale enfatizar, foi criada pelos próprios alunos, com três intuitos fundamentais:

acolher os alunos iniciantes, de forma a fazê-los se sentir parte importante do grupo, colocá-los a

par do compromisso que assumem ao integrar a equipe e selar o comprometimento de todos com

o trabalho que será desenvolvido ao longo do ano. Em determinado momento do ritual, são

apresentados os “mandamentos do teatro” – um compêndio de regras escritas por alunos e ex-

alunos quando da primeira vez em que foi realizada uma cerimônia de iniciação. Cada regra

expõe um dever que os estudantes consideram muito importante de ser cumprido quando se adere

às atividades teatrais, como, por exemplo, “não faltar” e “respeitar a todos”. A cerimônia de

iniciação é, portanto, um rito em que há uma tomada de consciência (e retomada também, por

parte daqueles que já fazem parte do grupo) sobre a importância do engajamento ativo na

atividade e a assunção, por todos, de responsabilidades e deveres. Os valores de participação,

igualdade e liberdade permeiam todo o procedimento, que se configura como um exercício de

cidadania e uma celebração do teatro como fazer coletivo. (Ao final deste capítulo, em

“Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte I”, a cerimônia de iniciação realizada no ano

de 2013 é descrita em detalhes, e são expostos os mencionados “mandamentos do teatro”.)

Apesar de todos os esforços para fazer com que os estudantes compreendam a

importância do comprometimento, já tivemos casos em que alunos, por vontade própria, faltaram

seguidamente aos encontros do teatro. Esse tipo de atitude compromete o trabalho do grupo, em

especial quando ocorre durante o processo de montagem de peças; afinal, sem um parceiro de

cena, os estudantes não conseguem ensaiar suas partes devidamente. Neste ano (2013),

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vivenciamos o caso mais drástico nesse sentido: faltando poucas semanas para a apresentação do

espetáculo de Ensino Médio, alguns estudantes ficaram sem comparecer aos ensaios por quatro

encontros seguidos, e, por esse motivo, tiveram de ser substituídos às pressas. A situação, por um

lado, foi motivo de grande desgaste emocional para os envolvidos (tanto para os estudantes que

deixaram de participar da encenação, quanto para o grupo e a professora); por outro, fortaleceu

nos participantes o espírito de grupo (que precisou se unir ainda mais para ensinar aos alunos

substitutos os papéis que interpretariam) e o senso de importância sobre o comprometimento com

a atividade.

3.2.3 Espetáculo teatral: uma obra coletiva

Todos os anos, cada turma de teatro de adesão opcional dedica-se à montagem de um

espetáculo teatral, que é apresentado, no auditório do colégio, à comunidade escolar (familiares,

professores, funcionários e alunos), em geral no último bimestre do ano letivo. As turmas de

alunos do Ensino Fundamental costumam realizar duas apresentações de seu espetáculo: uma

durante o dia, no período de aulas, destinada a alunos da escola das faixas etárias adequadas ao

espetáculo; e outra à noite, para familiares e demais convidados dos atores. Não há cobrança de

ingressos para as peças desses estudantes. Já os alunos de Ensino Médio realizam de três a quatro

apresentações, em geral no período da noite. Para esses espetáculos, existe venda de ingressos, e

a verba arrecadada é destinada ao pagamento de custos relativos à produção das peças

(cenografia, adereços, iluminação especial, sonorização, filmagem etc.).

A escola e sua Associação de Pais e Mestres também colaboram financeiramente com a

produção dos espetáculos, tanto do Ensino Médio como do Ensino Fundamental. Vale destacar

que todo o material cenográfico adquirido para as apresentações é guardado na escola e

eventualmente reaproveitado em montagens futuras. Desse modo, muitas peças não necessitam

de investimentos em produção, pois nelas são utilizados cenários de espetáculos de anos

anteriores. Além disso, muitas vezes ocorre também de o próprio elenco ajudar a confeccionar o

cenário e demais materiais de seu espetáculo. Os figurinos dos personagens, em geral, são

confeccionados por uma profissional especializada, e cada estudante arca com os custos das

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roupas que utiliza na peça. Há também muitas situações em que são utilizados figurinos e

adereços da própria escola, adquiridos por meio de doações e armazenados em depósitos

localizados no auditório.

Figura 11 – Alunos ajudando a confeccionar cenários (2012)

A montagem e a apresentação de espetáculos, em geral, demandam auxílio de pessoas de

fora do elenco, para lidar com questões relativas à organização da peça, manipulação de cenários

e controle de equipamentos de luz e som. Por conta dessa demanda, e também em função do

elevado número de alunos nas turmas, a professora de teatro passou a contar, a partir de 2009,

com uma professora auxiliar, que acompanha todo o processo das aulas, desde o início do ano

letivo. Ainda assim, nos períodos finais de preparação de espetáculos, é quase sempre necessária

a ajuda de mais pessoas, em especial para atuarem como contrarregras47

. Nessas épocas, outros

professores da instituição, além de alunos da escola que não fazem teatro costumam colaborar

com as equipes teatrais, assumindo funções de contrarregragem. Além deles, muitos estudantes

que fazem teatro se voluntariam a auxiliar turmas diferentes das suas. Há alunos de Ensino

Fundamental, por exemplo, que participam como contrarregras das peças de Ensino Médio, e

47 Durante as apresentações das peças montadas na instituição, em geral, além das pessoas responsáveis pelo

controle das mesas de luz e som (funções assumidas pela professora e auxiliar), são necessários contrarregras para entrar e sair do palco com materiais cenográficos, manipular as máquinas de fumaça, auxiliar atores em

maquiagens e troca de roupas, entre outras funções.

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estudantes de Ensino Médio que auxiliam os mais jovens em suas apresentações. Esse tipo de

intercâmbio, além, de ser de grande importância para a realização das peças, acaba por promover

a convivência e a amizade entre estudantes de diferentes faixas etárias. Esse diálogo

intergeracional pode ser também compreendido como um exercício de cidadania, visto que

desencadeia processos de construção do respeito mútuo e do reconhecimento de diferentes

pertencimentos.

Figura 12 – Estudantes de diferentes faixas etárias no camarim

3.2.4 Comunidade escolar e participação do espectador

A cada ano, busca-se fazer com que todos os alunos da escola, desde a Educação Infantil

até o Ensino Médio, assistam a pelo menos um espetáculo teatral próprio à sua faixa etária,

encenado por estudantes da instituição. Para tanto, por vezes uma turma de alunos do Ensino

Fundamental II, por exemplo, pode se dedicar à criação de um espetáculo infantil, como ocorreu

nos anos de 2010 e 2012, com os espetáculos E a Brincadeira já vai Começar (2010, elenco de

estudantes de oitava série) e Esse Trem vai para Onde? (2012, elenco de estudantes de sétima

série), ambos apresentados a alunos da Educação Infantil.

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Figura 13 – Esse Trem vai pra Onde? (2012)

Peça apresentada a alunos da Educação Infantil

Estudantes dos quintos e sextos anos também costumam apresentar suas peças a alunos

mais jovens. No ano de 2012, por exemplo, as turmas de teatro dos quintos anos montaram os

espetáculos A Menina e Pássaro e Doze; o primeiro foi apresentado a alunos de segundos e

terceiros anos, e o segundo a estudantes do quarto ano do Ensino Fundamental. Já as turmas de

teatros dos sextos anos encenaram as peças Meu Reino por um Final Feliz (apresentada a

estudantes de segundos e terceiros anos) e Planeta Sonho (apresentada a turmas de quartos e

quintos anos).

Figura 14 – A Menina e o Pássaro (2012), Hércules (2012) e Planeta Sonho (2012)

Peças infantis, apresentadas a alunos de Ensino Fundamental I

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Pode-se dizer que as apresentações são uma extensão da participação nas atividades

teatrais a todos os estudantes da escola. Afinal, aquele que assiste também participa do ato

estético e, portanto, da experiência pedagógica. A esse respeito, Desgranges (2011, p. 29) explica

que o acontecimento artístico se completa quando o espectador faz sua leitura da obra: “o

contemplador, para desempenhar o papel que lhe cabe no evento, precisa colocar-se como sujeito,

que age, pois a contemplação é algo ativo, e que cria, pois sua atenção é necessariamente

artística”.

Desse modo, podemos compreender que o teatro, por se tratar de atividade que extrapola

o grupo propriamente envolvido, deixa de ser focalizado e se transforma, via apresentação, em

estímulo, aprendizado e formação do espectador. Nesse processo, abrem-se as possibilidades do

debate sobre temas diversos e de se enxergar o aluno que está no palco sob novas perspectivas,

muitas vezes mais ricas se comparadas com a imagem que dele se faz baseada unicamente em seu

comportamento na sala de aula. Mais uma vez, o teatro se apresenta como exercício de cidadania

– atividade propensa a promover a emancipação dos participantes, sejam eles “atores” ou

espectadores. (Na seção especial “Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte I”, ao final

deste capítulo, são apresentadas algumas experiências de relação palco-plateia vivenciadas no

IEI. São destacadas percepções de espectadores sobre peças montadas na instituição,

apresentações cujas temáticas giraram em torno da cidadania e os desdobramentos do debate

promovido pelas peças no âmbito da escola).

3.2.5 Espaço: um convite à liberdade

No teatro, é comum ouvir dos alunos afirmações como: “Aqui eu me sinto livre” ou “aqui

posso ser eu mesmo”. De fato, a própria natureza lúdica e coletiva da arte teatral a torna propícia

ao exercício da liberdade. Trata-se, portanto, de um momento em que o aluno é convidado a

sentir-se mais “livre” dentro da escola. Não que se entenda as aulas de disciplinas convencionais

como uma espécie de prisão, em que o estudante não pode construir conhecimentos, emitir

opiniões ou estar presente sem se sentir obrigado a tal. Mas não se pode negar que a atmosfera de

uma aula de teatro (vide capítulo 4 para procedimentos das aulas de teatro do IEI) difere

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consideravelmente daquela encontrada na maior parte das atividades comumente desenvolvidas

na escola.

No Instituto Educacional Imaculada, o próprio ambiente físico já proporciona essa maior

liberdade, visto que as atividades teatrais (apresentações e aulas, tanto curriculares quanto

extracurriculares) costumam ocorrer no auditório da escola – espaço amplo, também utilizado

para outros eventos da instituição, como reuniões, palestras, celebrações religiosas, festividades e

apresentações de outras atividades artísticas48

.

Figura 15 – Auditório do IEI

O auditório foi construído na década de 1990, e quando as atividades de teatro tiveram

início na escola (em 1996), o espaço dispunha de poucos recursos de iluminação e som. Com o

passar dos anos, a instituição foi modernizando a infraestrutura do local para melhor atender às

necessidades das produções ali apresentadas49

.

48 Quando o auditório é utilizado para algum desses eventos em horário concomitante ao das aulas de teatro, estas

ocorrem em salas de aulas ou quadras poliesportivas. 49 O auditório dispõe, na atualidade, de estrutura de iluminação cênica que inclui mesas de luz, canhões de luzes

coloridas, projetores de luz branca, projetores de luz negra, equipamentos de efeito laser e efeito strobo. O equipamento de som inclui mesas e caixas de som, microfones de mão com fio e sem fio, microfones headsets e

lapelas. O espaço dispõe, ainda, de piano, cortina eletrônica, duas máquinas de fumaça, uma máquina de bolhas

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O ambiente dispõe de palco com medidas de 75m2, plateia com capacidade para 610

espectadores, dois camarins, dois depósitos de cenários e figurinos, cabine de som e duas salas

adjacentes (localizadas aos fundos da plateia). Durante as aulas de teatro, especialmente em

época de ensaios para as peças de final de ano, todos esses espaços costumam ser utilizados

simultaneamente. Quando, por exemplo, alguns alunos de uma turma ensaiam uma cena no palco,

sob a supervisão da professora, outros grupos podem ocupar as salas adjacentes para ensaiarem

suas participações. Durante os ensaios iniciais de um espetáculo, enquanto aguardam para entrar

em cena, os alunos costumam assistir às cenas de seus colegas na plateia, e, nos ensaios finais,

aguardam nos camarins pela hora de entrar em cena. Os depósitos são utilizados pelos alunos

para procurarem cenários e figurinos que sirvam às suas montagens e também como espaço de

manobra para cenários de grande porte, que por vezes precisam manusear.

Figura 16 – Alunos de teatro em diferentes ambientes: palco, sala adjacente e camarim

de sabão, retroprojetor e telão. Eventualmente, para apresentações de espetáculos do Ensino Médio de maior

porte, são alugados equipamentos extras de som, luz e efeitos especiais.

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Na escola de nossa pesquisa, vale mencionar, os alunos têm lugares fixos em suas salas de

aulas, determinados pelo orientador de cada turma para favorecer a disciplina e o rendimento da

classe. O ambiente do teatro é, portanto, um espaço em que os alunos transitam com liberdade

muito maior que na sala de aula convencional, em que assistem às aulas de suas carteiras.

3.3 Conclusões do capítulo

Conforme observado na seção 1 do presente capítulo, partimos de uma situação em que a

primeira turma de teatro da instituição pesquisada foi criada por iniciativa dos próprios alunos, e

chegamos a um contexto em que a escola oferece a oportunidade de frequentar aulas de teatro a

todos os alunos, a partir do quinto ano do Ensino Fundamental. Pode-se dizer, portanto, que as

atividades teatrais, no IEI, passaram de uma situação de não formalidade para um contexto de

formalidade. Essa formalidade, vale enfatizar, diz respeito à oficialização das atividades no

planejamento escolar e ao reconhecimento de sua importância por parte da escola, e não à

maneira pela qual as atividades são conduzidas. Afinal, como já visto no capítulo 1, quando

oferecidas extracurricularmente, as atividades apresentam uma série de características da

educação não formal.

Ainda na seção 1, ao traçarmos o histórico da atividade teatral na instituição, percebemos

que existe uma correspondência de trajetos entre o percurso descrito e as práticas teatrais comuns

a grupos de teatro profissional entre os anos 1970 e a atualidade. Nesse contexto, apontamos

relações entre características do início do trabalho com teatro no IEI e os processos de criação

coletiva em voga na década de 70, e indicamos uma transição dos modos de produção para

práticas que se assemelham aos processos colaborativos, que caracterizam o fazer teatral na

contemporaneidade. Essa relação entre o trabalho desenvolvido na escola e a vertente

colaborativa será analisada com maiores detalhes no capitulo subsequente.

Na seção 2, destacamos aspectos relativos ao oferecimento, comprometimento, montagem

de espetáculos, participação do espectador e espaço físico do trabalho com teatro desenvolvido na

instituição pesquisada, relacionando cada tópico à temática da cidadania. Dentre os pontos

levantados, mencionamos o fato de os alunos de teatro apresentarem espetáculos a estudantes de

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faixas etárias inferiores às suas, inclusive à Educação Infantil. Aproveitamos, aqui, para destacar

que tal prática contribuiu para que o teatro adquirisse certo caráter de “tradição” na escola,

especialmente entre aqueles alunos que estudam por muitos anos na instituição. Acompanhando

desde cedo trabalhos teatrais, muitos desses estudantes, ainda bem jovens, alimentam o interesse

em participar das atividades ligadas ao teatro. As atividades teatrais, como já mencionado, são

oferecidas a partir do quinto ano do Ensino Fundamental. O elevado número de estudantes dessa

faixa etária matriculados no curso (vide Quadro 2 – “Oferecimento das atividades de teatro / ano

2013”) atesta o interesse dos alunos pela atividade. As turmas numerosas, como colado na seção

3.2.1, apresentam alguns desafios à realização do trabalho. Dentre eles, podemos elencar: maior

dificuldade para manter a concentração da turma, morosidade na aplicação de jogos que

demandam poucos participantes e dificuldade na criação de peças teatrais que ofereçam a todos a

oportunidade de participação. Por outro lado, o oferecimento de atividades teatrais a estudantes

desde o quinto ano também traz consigo aspectos positivos: hoje, há alunos do Ensino Médio que

começaram a fazer teatro quando estavam no quinto ano do Ensino Fundamental, o que contribui

significativamente tanto para sua formação individual quanto para os trabalhos teatrais realizados

coletivamente, uma vez que esses estudantes, ao chegar no Ensino Médio, já estão familiarizados

com o universo teatral. Além disso, vale reiterar, a aceitação de todos os interessados em

participar da atividade confere ao teatro características de um processo aberto, democrático e

plural.

Figura 17 – Turma de teatro de quinto ano (2012)

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Tendo em vista a experiência dos sujeitos entrevistados para esta pesquisa como alunos de

teatro durante o Ensino Médio, queremos, aqui, ressaltar a participação dos estudantes dessa faixa

etária nas atividades teatrais. Se entendermos a adolescência como importante período da vida

para o autoconhecimento, o desenvolvimento da autoestima e a formação da identidade dos

indivíduos (FIERRO, 1995), podemos afirmar que o jovem, no teatro, encontra uma forma de

expressão bastante adequada à sua faixa etária. Não é nosso intuito, aqui, levantar um debate

acerca da maior ou menor relevância das atividades teatrais em determinada etapa da vida escolar

– até porque entendemos que em cada período específico a arte tem importância singular na

formação dos alunos. Queremos, tão somente, destacar que a escola, ao proporcionar ao estudante

de Ensino Médio a oportunidade de participar de atividades teatrais, reconhece e legitima a

necessidade do jovem de expressar-se e ter seu espaço. Podemos compreender, portanto, o teatro

no Ensino Médio como uma forma de expressão dos direitos dos jovens e uma atividade em que a

cidadania se concretiza via manifestação dos alunos em seus anseios de expressão.

Assim como a atividade teatral do IEI envolve direitos, pressupõe também deveres,

destacados na seção 3.2.2. Ao se tornar integrante de um grupo de teatro, o aluno – e também

seus responsáveis – comprometem-se com as exigências do trabalho e com o calendário das

atividades. Neelands (2009, p. 184) coloca que “as demandas de viver e aprender juntos no teatro

exigem, em qualquer caso, uma forma de aprendizagem constitucional baseada na negociação e

contínua renegociação das 'leis' do grupo”. Nesse contexto, vale destacar que os “mandamentos

do teatro” (mencionados na referida seção e expostos em “Singularidades dos processos teatrais

do IEI – parte I”) se configuram como expressão de um exercício de cidadania, em que o grupo

legisla: os deveres são elaborados, negociados e acordados por todos os participantes.

Na introdução deste capítulo, ao convidarmos o leitor a conhecer o que denominamos

“lugar teatro”, destacamos que esse lugar seria compreendido sob duas vertentes: espaço físico e

lugar conquistado pela atividade no âmbito escolar. Nesta conclusão, podemos afirmar que em

ambos os sentidos (atividade e ambiente), o “lugar teatro” é um espaço que convida à

participação, estimula a liberdade e celebra a igualdade em diversas de suas características e

procedimentos.

Para finalizar o presente capítulo, é importante colocar que compreendemos que o

trabalho com teatro aqui descrito é desenvolvido em condições privilegiadas em comparação a

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outras instituições de ensino em território nacional. Muitas dessas condições só se tornaram

viáveis por se tratar de uma escola particular, que dispõe de recursos para investir na produção de

peças de alunos e em toda a infraestrutura descrita. Ainda assim, não podemos deixar de entender

os aspectos positivos do teatro do IEI em uma perspectiva histórica: se, por um lado, contamos

com uma série facilidades que a escola oferece, por outro também não podemos deixar de

considerar que muitos desses benefícios foram sendo conquistados ao longo de anos de trabalho,

e que o próprio desenvolvimento das atividades foi, de certa forma, “demonstrando” à escola que

os investimentos compensariam. O desenvolvimento dos alunos, sua dedicação às atividades, as

peças apresentadas, o reconhecimento de muitos pais no sentido de entender que a atividade

contribuía para a formação de seus filhos, a constatação, por parte de professores de outras

disciplinas, de que os estudantes de teatro apresentavam crescimento tanto em nível individual –

em questões como a da autoaceitação – quanto em nível coletivo, foram, pouco a pouco, fazendo

com a atividade fosse conquistando seu espaço dentro da instituição e sendo reconhecida como

importante para a educação dos alunos. A própria mudança de nomenclatura, no currículo

escolar, de “teatro como suporte técnico para todas as disciplinas” para “disciplina optativa”

atesta, conforme já mencionado, esse processo de reconhecimento da importância da atividade.

Assim, o que à primeira vista pode parecer uma situação difícil de replicar em outras instituições,

quando entendida como resultado de um trabalho de quase duas décadas, pode se configurar

como desafio viável.

No capítulo subsequente, continuaremos a descrever o trabalho com teatro realizado no

IEI, direcionando agora nossa atenção para a metodologia das atividades teatrais

extracurriculares.

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SINGULARIDADES DOS PROCESSOS TEATRAIS DO IEI – PARTE I

No decorrer deste capítulo, fizemos menção à “cerimônia de iniciação” pela qual os

estudantes de teatro de Ensino Médio costumam passar. Referimo-nos, também, à relação palco-

plateia como parte importante do trabalho com teatro na escola em foco. Nesta seção,

aprofundamo-nos em cada um desses tópicos, apresentado algumas situações específicas

vivenciadas no decorrer da história das atividades teatrais no IEI. Essas situações, como se verá,

evidenciam ligações entre o trabalho desenvolvido e a formação da cidadania.

- Cerimônia de iniciação e os valores cidadãos

A cerimônia de iniciação (que, conforme colocado na seção 3.2.2, é um procedimento

realizado por alunos de teatro do Ensino Médio) acontece no início do ano letivo, após alguns

encontros iniciais. Esses primeiros encontros são importantes para que os alunos interessados em

fazer teatro conheçam como são as atividades e possam escolher se vão mesmo continuar a

frequentar as aulas até o final do ano. Durante todas essas aulas iniciais, explicamos – eu e os

alunos veteranos – qual o grau de comprometimento exigido daqueles que optam por continuar

no teatro (como não faltar a nenhuma aula e participar de ensaios extras, que em geral acontecem

após o horário oficial dos encontros e se prolongam até a noite). No encontro anterior àquele em

que se realiza a cerimônia, solicitamos que somente os estudantes que realmente estiverem

dispostos a se comprometer venham na aula seguinte (mas não contamos que haverá o ritual, para

que a experiência seja uma surpresa aos novatos).

A cada ano, os alunos que já integram o grupo de Ensino Médio (e que, evidentemente,

também viveram a experiência em anos anteriores), planejam a cerimônia de iniciação,

eventualmente criando novos procedimentos para tornar a vivência o mais significativa possível.

Neste ano (2013) o ritual seguiu as seguintes etapas:

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Primeiro, os alunos novatos – que haviam sido instruídos a chegar mais tarde ao encontro

neste dia, para que o auditório pudesse ser preparado para a cerimônia – foram convidados por

mim, um a um, a entrar no teatro em silêncio, retirar seus sapatos, deitar-se no palco e fechar os

olhos. As luzes do auditório estavam apagadas e havia fumaça cênica por todo o ambiente.

Enquanto caminhavam até o palco, os novatos podiam ver, na penumbra, os veteranos; porém,

não podiam reconhecê-los, já que estes últimos vestiam capas e utilizavam máscaras que cobriam

seus rostos por inteiro.

Quando todos os novatos já estavam deitados e com olhos fechados, os veteranos

começaram a caminhar pelo palco. Um deles tocava uma melodia suave ao violão, enquanto os

demais se abaixavam e sussurravam frases ao ouvido dos novatos. É interessante destacar o

conteúdo das frases, já que cada uma foi criada pelo próprio aluno que a disse e todas elas dão

uma ideia do significado da experiência teatral para os estudantes. Todos esses significados, vale

ressaltar, estão intimamente ligados aos valores cidadãos destacados nesta pesquisa: “você é

importante aqui”, “você é bem vindo aqui”, “aqui você pode ser você mesmo”, “você faz parte da

família do teatro” são alguns dos dizeres que os veteranos criaram neste ano.

Após um tempo, suficiente para que cada novato escutasse todas as frases ao menos uma

vez, eu chamava, um a um, os iniciantes pelos respectivos nomes e dizia: “Pode abrir seus olhos.

Há alguém esperando por você.”. Ao abrir os olhos, o aluno via um dos “mascarados” ao seu

lado, que o ajudava a se levantar, segurava sua mão e descia com ele as escadas do palco, em

direção à plateia. Fora do palco, o veterano retirava a máscara e dizia ao novato que seria seu

“padrinho”. Então, “padrinho” e “afilhado” caminhavam em direção a uma das salas localizadas

ao fundo da plateia. Durante o trajeto, o “padrinho” contava algo sobre sua própria experiência no

teatro e dizia que o “afilhado” poderia contar com ele para o quer que fosse ao longo do ano.

Dizia, também, que a partir daquele momento, seriam ambos responsáveis um pelo outro: se um

deles, no decorrer do processo, estivesse pouco comprometido com o bom funcionamento do

grupo, o outro deveria chamar sua atenção.

Neste ponto, é interessante destacar que antes da cerimônia de iniciação, os veteranos

determinaram quem seria “padrinho” de quem e que houve um cuidado especial tanto em deixar

os novatos mais introvertidos com os estudantes experientes mais extrovertidos quanto em

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selecionar os mais responsáveis para serem “padrinhos” dos iniciantes que pareciam estar menos

comprometidos.

Na sala em que “padrinho” e “afilhado” chegavam, havia outro aluno de teatro, que

entregava aos demais copos com suco de uva. Então, cada dupla retornava à plateia e se sentava.

Quando todas as duplas já estavam na plateia, com seus copos, os veteranos subiram ao palco,

onde já estava devidamente posicionado um telão, em que foram sendo projetados, um a um, os

“mandamentos do teatro” (como já colocado na seção 3.2.2, os “mandamentos” foram escritos

por alunos e ex-alunos da instituição, com o intuito de estabelecer os deveres a serem cumpridos

por quem adere às atividades teatrais). Então, cada “mandamento” projetado foi lido por todos os

veteranos, em uníssono e com entusiasmo. Pode-se afirmar que os “mandamentos do teatro do

IEI” (expostos abaixo, no Quadro 3), se configuram como expressão de um exercício de

cidadania, em que os deveres são por todos acordados.

Depois de lidos os “mandamentos”, os novatos foram convidados a subir também ao

palco e todos formaram uma roda. Ali, contei, brevemente, sobre a origem arte teatral e sua

ligação com a figura de Dionísio, deus do teatro e do vinho na mitologia grega. Então, para

finalizar o ritual, todos brindaram: “Ao teatro!”

Analisando a cerimônia descrita à luz dos conceitos trabalhados nesta dissertação, pode-se

entender que se trata de um procedimento em que se notam todos os fundamentos daquilo que

entendemos por cidadania: liberdade, que se expressa naquilo que os alunos dizem ao ouvido uns

dos outros; igualdade, que se entrevê nas falas ao pé do ouvido, no encontro entre “padrinho” e

“afilhado” e nos deveres expressos nos mandamentos, já se que se aplicam a todos,

indistintamente; e participação, que permeia cada uma das etapas do ritual e constitui o próprio

objetivo da experiência, ou seja, fazer com que todos se sintam parte daquele coletivo.

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Quadro 3 – Mandamentos do teatro

Mandamentos do teatro do IEI

1. Não faltarás.

2. Não atrasarás.

3. Não reclamarás. 4. Não abandonarás teu grupo.

5. Respeitarás a todos.

6. Levarás o trabalho a sério. 7. Estarás sempre disposto a ajudar.

8. Virás a todos os ensaios extras e permanecerás até a hora final.

9. Aceitarás de bom grado todas as funções e personagens que lhe forem designadas.

10. Não falarás mal de ninguém nem de tua peça. 11. Informarás pessoalmente a professora a respeito de imprevistos.

12. Dedicar-te-ás às tuas cenas.

13. Manterás sigilo a respeito de informações referentes ao grupo e à montagem. 14. Cuidarás do espaço e dos materiais de trabalho.

15. Serás amigo, confiável, generoso, responsável, comprometido e participativo.

16. Estudarás para que não precises ir a plantões no horário de teatro. 17. Não marcarás dentista, médico, cabeleireiro e afins no horário do teatro.

18. Darás sempre teu melhor.

19. Colocarás os interesses do grupo acima de teus próprios.

20. Amarás o teatro.

- Cidadania na relação palco-plateia

Na seção 3.2.4, foi colocado que todos os anos, busca-se fazer com que os estudantes do

IEI dos mais diversos segmentos assistam a espetáculos adequados às suas faixas etárias,

montados pelos grupos de teatro da escola. Foi também ressaltado que as apresentações podem

ser compreendidas como um prolongamento da participação nas atividades teatrais a toda a

comunidade escolar – afinal, o espectador tem papel ativo no evento estético que contempla

(DESGRANGES, 2011). Aqui, destacamos algumas situações vivenciadas na instituição em tela

que evidenciam ligações entre a relação palco-plateia e a formação da cidadania, em especial do

ponto de vista do espectador.

Utilizamos, acima, a expressão “comunidade escolar” para descrever o público das peças

teatrais montadas por estudantes. O termo foi propositadamente escolhido, já que as

apresentações não contam somente com alunos na plateia; em geral, equipe diretiva, professores,

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funcionários dos mais diversos setores e familiares dos “atores” também assistem às

representações. São todos espectadores que, como tal, tomam parte na experiência pedagógica do

teatro e podem, assim como os estudantes, ser formados ou transformados por ela. Nesse

contexto, vale citar o trecho de uma carta escrita por outro docente da instituição, após assistir a

uma das apresentações realizadas no colégio (para o texto completo, vide ANEXO D).

Sensibilizado com a experiência de enxergar seus alunos de maneira diferenciada daquela com a

qual se havia habituado em sala de aula, o professor/espectador reflete sobre sua própria prática

docente:

A sala de aula jamais terá o poder de produzir o mesmo resultado aos(as)

alunos(as), mas sei que preciso fazer algo para motivá-los(as) a se exporem com

a mesma intensidade que se expuseram no palco, principalmente aqueles que nunca falam, nunca questionam e jamais opinam. Esses(as) alunos(as)

denunciaram, cantaram, profetizaram, testemunharam e dançaram diante de

muitas salas; mas em suas próprias salas tudo é muito diferente. (professor/espectador, 2003, ANEXO D).

É também interessante mencionar trechos de cartas escritas por um dos funcionários da

equipe de segurança da escola, motivadas pelas experiências como espectador de algumas das

peças apresentadas por estudantes. Em uma delas, o sujeito reflete sobre o significado do teatro e,

nessa reflexão, utiliza-se inclusive de um dos valores cidadãos: “Teatro não é apenas arte. É arte

e cultura. É arte e respeito. É arte e disciplina. É arte e integração. É arte e igualdade.”

(funcionário/espectador, 2009, ANEXO E, grifo nosso). Em outra de suas cartas, é interessante

observar a reflexão sobre a troca que se efetiva entre palco e plateia durante o ato teatral e sobre a

transformação decorrente desse contato:

Senti que os atores, atrizes, e todas as pessoas que participaram dessa

maravilhosa realização saíram com a sensação de terem entregue [sic] e recebido um presente. E nós, plateia, sentimos o mesmo. Saímos mais sensibilizados, e ao

mesmo tempo, mais fortes. (funcionário/espectador, 2008, ANEXO F).

Outro ponto que convém destacar nesta seção, em que se aborda a cidadania na relação

palco-plateia, são os trabalhos realizados por grupos teatrais da escola cujas temáticas apresentam

fortes ligações com os valores cidadãos. Como colocado no capítulo 1, as atividades teatrais

desenvolvidas na escola pesquisada nem sempre estão associadas à cidadania como temática de

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jogos, exercícios ou espetáculos. Ainda assim, podemos destacar apresentações e performances

encenadas na instituição que trataram diretamente do tema. É o caso, por exemplo, do espetáculo

Morte e Vida Severina (encenado em 1999). A famosa peça, de João Cabral de Melo Neto, retrata

a trajetória do nordestino pobre que, na busca de uma vida melhor, migra do sertão para o litoral.

O contato com a obra, tanto para os “atores” quanto para os espectadores, propiciou

sensibilização acerca do sofrimento do homem do sertão e reflexão sobre uma realidade

socioeconômica bastante diferente daquela vivida no contexto da escola pesquisada.

Figura 18 – Morte e Vida Severina (1999)

É também o caso de Perfeitópolis, o Musical (2009). A peça – cujo texto resultou de um

processo de criação coletiva do qual participaram professora, alunos e ex-alunos – conta a

história de uma cidade brasileira tida como “modelo”, onde todos os habitantes vivem tranquilos,

felizes e, aparentemente, sem problemas. A situação do município começa a mudar quando chega

ali um mendigo, que insiste em dormir na praça central, bem embaixo do monumento-símbolo da

cidade: a estátua da justiça. A chegada do novo habitante divide a opinião dos moradores e

desencadeia uma série de conflitos. Durante a trama, o verdadeiro caráter de alguns cidadãos é

revelado, trazendo à tona situações de preconceito, violência e corrupção. A montagem desse

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espetáculo propiciou, portanto, debate sobre questões políticas, econômicas e sociais.

Figura 19 – Perfeitópolis, o Musical (2009)

Podemos citar, ainda, as performances que quase todos os anos são realizadas por alunos

de teatro de Ensino Médio, visando à conscientização de todos os estudantes da escola acerca de

ações em prol do meio ambiente que podem ser tomadas no próprio colégio. Essas performances

são, em geral, apresentadas durante os intervalos das aulas, com “intervenções surpresa”, em que

os alunos do teatro envolvem outros estudantes em cenas sobre, por exemplo, os detritos de

alimentos que são deixados no chão da escola durante o horário de recreio. Além disso, as

intervenções já incluíram um vídeo elaborado e produzido pelos alunos de teatro, sobre o lixo

acumulado nas salas de aulas e pátio da escola, que foi passado em todas as classes do Ensino

Fundamental e Médio.

Todas essas encenações geraram debates que se estenderam para além do ambiente do

teatro, repercutindo em salas de aula e também em ambientes familiares. Além delas, podemos

destacar a apresentação da peça Tá na Mira (2009) como uma das experiências mais marcantes

vivenciadas no IEI, no que diz respeito à relação entre “atores” e espectadores. O espetáculo,

encenado por alunos de oitava série, trata de uma situação de bullying vivenciada por uma

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adolescente em seu colégio. Durante o início do processo de montagem do espetáculo, os

estudantes não se envolviam com as cenas que estavam sendo trabalhadas e suas interpretações

pareciam distantes das situações que a peça apresentava. Então, realizei com a turma uma série de

exercícios de sensibilização, dentre os quais uma dinâmica na qual os alunos foram convidados a

contar sobre situações de violência física ou psicológica que eles próprios haviam sofrido. O

procedimento resultou em um novo entendimento por parte dos estudantes sobre a importância do

tema, em um engajamento muito maior na montagem e em interpretações mais convincentes.

Com o intuito de propiciar à plateia uma experiência semelhante, propus que aos “atores” que se

sentissem à vontade, na cena final do espetáculo, contassem aos espectadores sobre suas histórias

pessoais. Muitos deles toparam e o resultado junto à plateia foi mais intenso do que qualquer um

de nós poderia esperar.

Após a apresentação, foi aberto um debate entre “atores” e espectadores. No lugar de uma

conversa sobre o tema, o que ocorreu foi uma espécie de catarse coletiva. Muitos estudantes e

também professores que haviam assistido ao espetáculo pediram a palavra e ali, diante de todos

os presentes – cerca de 400 pessoas – fizeram o mesmo que os “atores” haviam realizado durante

a peça: contaram sobre situações de bullying que eles próprios haviam vivenciado. A cada relato,

a comoção geral era mais intensa. Então, diversos estudantes da plateia começaram também a

pedir a palavra para, publicamente, desculparem-se pelas ofensas cometidas contra colegas que

estavam ali presentes.

A princípio, a apresentação havia sido programada apenas para estudantes de sétima e

oitava séries. Porém, depois do debate, professores e psicólogas da escola que o presenciaram

solicitaram à direção que a peça fosse apresentada também para estudantes mais novos. Foram,

então, realizadas mais duas apresentações, para alunos de terceira, quarta, quinta e sexta séries do

Ensino Fundamental. Em todas elas, ocorreu o mesmo processo e comoção durante os debates.

Mais tarde, professores e estudantes relataram que significativas mudanças de comportamento

foram constatadas após o evento.

A experiência aponta para a dimensão emancipatória que o teatro é capaz de propiciar na

relação palco-plateia, especialmente quando realizado em contextos educativos. É um exemplo

concreto de que a formação do espectador e a formação do cidadão são aspectos significativos do

trabalho com a arte teatral na escola.

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4 TEATRO E CIDADANIA NO IEI: PROCESSO DE TRABALHO

Este capítulo é dedicado à apresentação do processo de trabalho com teatro desenvolvido no

Instituto Educacional Imaculada. Retomando a frase com que abrimos o capítulo anterior, na qual

a aluna se refere às “possibilidades de expressão e experimentação” proporcionadas pelo teatro

como propulsoras de uma nova maneira de se enxergar a realidade, podemos entender o presente

capítulo como aquele em que se expõem, justamente, as possibilidades de expressão e

experimentação desenvolvidas na escola em tela. Em outras palavras, é o capítulo em que são

exploradas singularidades das atividades teatrais na instituição em foco, do ponto de vista da

metodologia ali utilizada.

Nossa finalidade, aqui, é o estudo dos modos de exploração e apropriação da linguagem

teatral no IEI e de como esses modos contribuem para o desenvolvimento de processos

emancipatórios. Para tanto, iniciamos o capítulo com uma seção destinada à exposição de alguns

aspectos importantes do modo de coordenação do processo, que se ligam à formação da

cidadania. Conforme colocado na Introdução, uma das metas desta pesquisa, ao descrever o

objeto estudado, é “[...] dar ao leitor a sensação de ter estado lá” (ANDRÉ, 2005, p. 52). Tendo

isso em vista, na primeira unidade do capítulo, são também narrados alguns episódios

vivenciados durante aulas e processos de montagem de peças na referida instituição, como forma

de aproximar o leitor de situações concretas que exemplificam as características apresentadas.

Nessa seção inicial, a narração de situações é realizada na primeira pessoa do singular, uma vez

que se trata de experiências vividas pela própria pesquisadora, como professora de teatro de todas

as turmas da instituição.

Também visando à aproximação do leitor do processo analisado, a segunda seção deste

capítulo é dedicada à apresentação, em detalhes, dos procedimentos metodológicos empregados

na instituição, com a exposição das principais etapas do processo de trabalho. Além disso, são

também expostas imagens de aulas e espetáculos realizados no colégio. Como não há, nessa

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seção, a narração de episódios específicos, mas sim a descrição dos procedimentos utilizados, não

será utilizada a primeira pessoa do singular.

Mais uma vez, apresentamos, ao final do capítulo, uma seção especial – intitulada

“Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte II”. Nela, são expostos programas de peças

teatrais apresentadas no IEI, e analisadas relações entre as montagens de que tratam cada um

desses materiais e os valores cidadãos abarcados pela pesquisa.

4.1 Coordenação do processo de trabalho

No texto de abertura do capítulo anterior, após apresentação de frase de aluna da

instituição sobre sua percepção acerca do teatro, foi colocada, dentre outras, a seguinte questão:

como o processo – de trabalho com teatro, na instituição pesquisada – se instaura para que, ao

final dele, a estudante enxergue a realidade com “olhar renovado”? A pergunta é aqui

oportunamente retomada já que neste subcapítulo são destacadas características importantes do

modo de coordenação do processo em questão. Em outras palavras, são descritos aspectos

relativos, justamente, ao "como" se instaura o processo.

Os procedimentos mencionados na seção relacionam-se à cidadania – e, mais

especificamente, à emancipação, entrevista nas palavras da aluna – porque evidenciam o caráter

coletivo, crítico e reflexivo da atividade teatral na escola estudada.

Esta unidade serve como base para a compreensão da seção subsequente, em que é descrito o

passo-a-passo de aulas e processos de montagens de peças, pois as características aqui expostas

permeiam todo o processo de trabalho.

4.1.1 Colaboração

A colaboração, destacada no capítulo 1 desta dissertação como um dos aspectos mais

relevantes em trabalhos com teatro tanto no campo profissional quanto em ambientes

educacionais – e intimamente ligada aos valores cidadãos – está constantemente presente nos

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procedimentos desenvolvidos no IEI, tanto nas aulas livres quanto nos processos de montagem de

espetáculos.

Nas aulas, em que diferentes aspectos do fazer teatral são explorados pelos estudantes, a

apropriação dessa linguagem artística, muitas vezes, se dá via colaboração – ou, relembrando a

etimologia da palavra, via “ação conjunta para o trabalho” (LEDUBINO, 2009, p. 12). A

exploração dos recursos teatrais, em que os estudantes, muitas vezes, são estimulados a produzir

discursos sobre a vida social e a encontrar soluções artísticas para articular esses discursos em

uma linguagem comunicável de palco, é um processo coletivo, compartilhado, socializado. Isso

ocorre, com bastante frequência, nas atividades de improvisação, que serão descritas no próximo

subcapítulo. Nesses procedimentos, há o pensar sobre a cena, sobre o que se quer dizer e sobre o

como dizê-lo; há a exploração prática das sugestões e a exposição daquilo que se criou; há a

discussão sobre as propostas apresentadas, sobre o que “funcionou” ou não no palco e, às vezes, a

reorganização da cena a partir do debate. Todo esse processo, que é essencialmente coletivo, tem

por objetivo fazer com que “[...] os participantes conquistem a capacidade de criar, organizar,

emitir e analisar um discurso cênico” (DESGRANGES, 2011, p. 94). Ou seja, é por meio da

construção coletiva de cenas e do debate estabelecido após a apresentação das propostas

elaboradas coletivamente que o grupo vai se apropriando da linguagem do teatro – um processo

em que a colaboração, como se nota, desempenha papel fundamental.

Essa mesma metodologia é também utilizada na criação das cenas dos espetáculos

produzidos na escola, como se verá adiante. Nesse sentido, podemos entender que os modos de

produção desenvolvidos na escola pesquisada são análogos aos de muitos grupos artísticos da

atualidade. No capítulo 1, vimos que diversos grupos de teatro profissionais, na

contemporaneidade, trabalham a partir do que se convencionou chamar “processos

colaborativos”: aqueles em que, grosso modo, existem diferentes funções (como as do diretor,

dos atores e do dramaturgo), mas todos colaboram para a criação da dramaturgia e das cenas.

Trata-se de um trabalho que se pauta por princípios democráticos, em que todos partilham de um

mesmo plano de ação, o que torna cada qual responsável por contribuir com o todo (FISCHER,

2010). Nos processos de criação de espetáculos desenvolvidos no IEI, também existem diferentes

funções: eu sou a diretora das peças; os alunos (e às vezes, outros professores e funcionários da

instituição) são os atores; há ainda estudantes que desempenham funções de contrarregragem;

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costumamos contratar os serviços de figurinista e de cenógrafo; e, por vezes, dependendo do

espetáculo, há a participação de profissionais que trabalham especificamente com a parte musical

e coreográfica da encenação. No entanto, apesar dessas diferentes atribuições, existe a constante

colaboração de todos – e em especial, dos alunos – para a criação dos mais diversos aspectos de

cada peça. Como se verá com maiores detalhes na seção 4.2.2, em cada uma das fases de criação

de um espetáculo, a participação criativa dos alunos é estimulada e valorizada.

Neste ano (2013), por exemplo, montamos o espetáculo Dionísio Sumiu com o grupo de

Ensino Médio. O enredo foi elaborado, há dois anos, por mim e pela professora auxiliar, em

conjunto com estudantes de oitava série, que o encenaram à época. O texto foi escrito pela

professora auxiliar (que, vale destacar, é ex-aluna de teatro da instituição), a partir de cenas

criadas pelos estudantes, em aula. Como neste ano há mais atores no elenco que na ocasião da

primeira montagem, muitos trechos foram reescritos. Esses novos trechos foram elaborados

coletivamente, durante os ensaios, do seguinte modo: eu expunha aos alunos determinada parte

do texto que precisava de mudança; os estudantes, divididos em grupos, criavam cenas para

solucionarem o “problema” exposto e as apresentavam à turma; depois de apresentadas as cenas,

todos – alunos, professora auxiliar e eu – discutíamos se as propostas seriam ou não incorporadas

à encenação.

Com relação ao cenário do espetáculo, antes de entrar em contato com o profissional que

os confeccionaria, foram realizadas diversas conversas com o grupo, em que todos os membros

puderam dar sugestões, e diversas ideias dos estudantes foram incorporadas ao projeto

cenográfico. A peça teve músicas cantadas ao vivo e coreografias, e tanto as letras das canções

quanto as danças foram elaboradas com a colaboração dos alunos. Durante os ensaios, a direção

do espetáculo foi realizada da seguinte maneira: primeiro, os estudantes montavam, sem minha

intervenção, suas cenas. Depois, eu assistia ao trabalho por eles desenvolvido e interferia – se

necessário – de modo a dar sugestões que valorizassem as interpretações e os desenhos de cena

por eles propostos.

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Figura 20 – Dionísio Sumiu (2013)

Vale relatar um episódio específico ocorrido durante a montagem dessa mesma peça. No

início do processo, solicitei que um grupo de alunos criasse e apresentasse soluções cênicas para

determinado momento da peça. Tratava-se de uma cena não muito simples, em que diversos

elementos deveriam ser articulados para que se chegasse a um resultado artist icamente

interessante. Então, uma das estudantes – que nunca havia feito teatro –, perguntou-me: “Por que

você não faz isso?”. Minha resposta foi a seguinte: “Porque senão não é teatro”. Sabia que a

jovem não compreenderia, de imediato, minha afirmação, mas mesmo assim não me alonguei na

resposta; queria que ela descobrisse, por si só, o significado de minhas palavras. Há alguns dias,

transcorridos seis meses do episódio relatado, relembrei-o à mesma aluna e perguntei se ela,

agora, compreendia o que eu havia dito. Sua resposta foi: “Sim, totalmente, porque teatro não é

uma coisa individual; é um grupo. Se só um for fazer para todos, não vai ser o melhor pra todo

mundo. É muito melhor várias ideias, de várias pessoas, do que a ideia de uma só

predominando” As palavras da estudante refletem aquilo que, como já colocado no capítulo 1,

constitui a própria essência do fazer teatral: a coletividade, a colaboração.

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4.1.2 Diálogo aberto

Como se verá mais adiante, os “círculos de discussão” são procedimentos constantemente

utilizados nas aulas e ensaios. A prática, como procedimento do cotidiano dos encontros, será

descrita em seção específica. Aqui, queremos destacar a abertura ao diálogo como característica

fundamental a todo o processo desenvolvido. Durante as aulas e processos de montagem de

peças, conversamos constantemente sobre as cenas, os temas desenvolvidos e as relações

intragrupo.

No que se refere especificamente às relações intragrupo, os diálogos muitas vezes giram

em torno de comportamentos – coletivos ou individuais – que prejudicam a convivência e o

trabalho coletivo. Neste ano (2013), por exemplo, vivenciamos, em um grupo de oitava série,

uma situação em que os membros da equipe estavam descontentes com a postura de um dos

alunos. Em uma das aulas, esse integrante faltou, e os demais se puseram a queixar-se de seu

comportamento “arrogante” durante as atividades. Combinamos, então, que no próximo encontro,

tudo seria abertamente exposto ao aluno, e foi o que fizemos. A conversa foi bastante profícua no

sentido de ambas as partes exporem, respeitosamente, seus pontos de vista. O grupo ouviu e

entendeu as colocações do integrante e ele, por sua vez, desculpou-se com o grupo pelo

comportamento que gerara a discussão. A partir dessa conversa, o trabalho transcorreu de forma

amistosa e tranquila.

Às vezes, ocorre de um grupo ou alguns de seus membros não colaborarem com os

processos de criação, por motivos diversos: falta de concentração, de engajamento, de senso de

coletividade etc. A montagem, então, torna-se difícil, lenta e, não raro, pouco prazerosa para

todos os envolvidos. Quando isso ocorre, procuro conversar com o grupo e enfatizar que quanto

mais efetiva for a participação de cada um dos membros da equipe na criação do espetáculo, tanto

maior será sua satisfação ao final do processo. Afinal, cada um se sentirá responsável pelo

sucesso alcançado. Nessas conversas, costumo colocar algo semelhante àquilo que disse à aluna

que me perguntou por que eu não criava determinada cena sozinha: “Eu posso dirigir a cena em

seus mínimos detalhes, determinar cada passo de vocês, cada entonação etc. Porém, o

espetáculo é muito mais rico quando são vocês que criam as cenas e eu só as ‘burilo’. Senão não

é teatro.”

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Nesta afirmação final – “senão não é teatro” – que, a propósito, utilizo com frequência

quando um grupo não participa ativamente do processo de montagem, evidencia-se uma

concepção pessoal de teatro. Certamente, em outros contextos, a denominação “teatro” pode ser

aplicada a espetáculos em que há pouca participação criativa dos atores nas montagens. É o que

ocorre, por exemplo, no chamado “teatro de diretor”, mencionado no capítulo 1. Porém, em

minha concepção – fruto provável da formação em artes cênicas, experiência profissional em

teatro e trajetória no campo da educação –, o engajamento de todos é fundamental no processo de

criação teatral. E o diálogo aberto, evidentemente, é parte fundamental desse engajamento.

A prática do diálogo, nos processos desenvolvidos na escola em questão, não tem por

objetivo apenas resolver problemas de relacionamento, mas é também o procedimento por meio

do qual o conhecimento sobre a linguagem teatral é socialmente construído. Além disso, é por

meio do diálogo que importantes decisões – em especial nos processos de montagem de peças –

são tomadas. A construção socializada do conhecimento foi abordada na unidade anterior. Na

seguinte, falaremos sobre os processos decisórios coletivos.

Para encerrar a presente unidade, cabe ainda uma reflexão. No capítulo 1, foi colocado

que o teatro, em ambientes escolares, pode se configurar como exercício de convivência

democrática. O diálogo aberto pode ser considerado prática essencial a esse exercício, na medida

em que estabelece uma relação de igualdade entre os participantes e ajuda na compreensão do

coletivo como uma totalidade, em sua diversidade cultural, com diferenças e semelhanças

existentes.

4.1.3 Processos decisórios coletivos

Se os processos de construção de peças teatrais, na escola estudada, são colaborativos, as

decisões sobre os mais diversos aspectos da montagem são resultados de processos coletivos. Os

alunos são consultados não apenas sobre a pertinência ou eficácia das cenas elaboradas, mas

também sobre a própria escolha do texto a ser encenado, as propostas cenográficas, as músicas,

os programas das peças e outros elementos da encenação. Todos esses aspectos são debatidos e,

em geral, as decisões são tomadas coletivamente, de comum acordo entre professora e alunos. Se

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há discordância de opinião entre os estudantes, em geral, como diretora do espetáculo, acabo

dando a palavra final, procurando, na medida do possível, conciliar os diferentes pontos de vista.

Se a divergência sobre algum aspecto da montagem é entre mim e os estudantes, e há

tempo hábil para a exploração de diferentes propostas, procuro agir da seguinte forma: peço para

que os alunos montem determinada cena incorporando a ela as ideias que defendem. Muitas

vezes, ao transportar para o palco a ideia que em tese é interessante, os próprios estudantes se dão

conta de que, na linguagem teatral, a proposta não funciona. E em alguns casos, ocorre de a

proposta surpreender-me positivamente – no sentido de os alunos a organizarem de uma maneira

que eu não imaginava poder ser interessante – e acabar incorporada à montagem. Aí está, a

propósito, uma das especificidades – e, por que não dizer, um dos encantos – da arte, que busco

transmitir aos estudantes com o procedimento descrito: as infinitas possibilidades de respostas.

Quando não há tempo suficiente para essa exploração, às vezes tenho de “cortar” determinadas

propostas dos alunos, mas mesmo nesses casos, procuro não incorporar à montagem elementos de

que os alunos não gostem.

Muitas vezes, também, quando há opiniões divergentes entre mim e os estudantes,

procuro deixar de lado minhas preferências artísticas e valorizar as sugestões dos alunos, ainda

que isso implique abrir mão de propostas que, esteticamente, me motivariam mais. Nesse sentido,

posso citar dois casos em que a escolha do texto seguiu esse caminho; casos, inclusive, ocorridos

neste ano.

Com o grupo de Ensino Médio, dado o número de alunos no grupo e a facilidade de

alguns deles para o trabalho com a linguagem cômica, eu, no início do processo, tencionava

montar A Comédia dos Erros, de William Shakespeare. Trouxe trechos da obra para serem lidos e

encenados pelos alunos durante as aulas livres, mas senti grande resistência e uma certa

dificuldade dos estudantes para lidar com o texto shakespeariano. Ao expor minha intenção de

montá-lo, muitos dos alunos não se animaram com o projeto. Como professora e diretora, sei que

o desafio seria viável, pois a mesma dificuldade apresentada pelos estudantes com relação ao

texto foi vivenciada – e superada – há alguns anos, quando montamos Sonho de uma Noite de

Verão, do mesmo autor. Ocorre que, na ocasião, o grupo animou-se com a proposta e aceitou

enfrentar o desafio. Utilizamos, então, três diferentes traduções e realizamos um intenso estudo

das falas para que cada uma delas fosse compreendida pelos alunos e dita com naturalidade, mas

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sem que se perdesse a alta carga poética, tão característica dos textos shakespearianos. O trabalho

foi intenso e acredito que o resultado a que chegamos só foi possível por conta do engajamento e

ânimo dos alunos. Neste ano, contudo, como o elenco não apresentou a mesma disposição, optei

por não montar A Comédia dos Erros. Em seu lugar, propus a remontagem do já mencionado

espetáculo Dionísio Sumiu. É também uma comédia, mas, em termos de texto, muito mais fácil

de ser trabalhado. Embora, artisticamente, minha preferência fosse trabalhar com a obra de

Shakespeare, optei por uma peça em que percebi que o engajamento dos alunos seria maior, no

sentido de explorar e criar as cenas desde o início do processo de montagem.

Situação semelhante ocorreu com a oitava série do Ensino Fundamental, também em

2013. Eu e a professora auxiliar pensamos em montar com o grupo de teatro uma adaptação de

Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes. Antes de conversarmos com os estudantes

sobre a montagem, chegamos a selecionar trechos que seriam utilizados na adaptação e tivemos

uma série de ideias em termos de encenação. Ao expormos a proposta ao grupo, porém, para

nossa surpresa, todos os estudantes ficaram bastante decepcionados.

O motivo do desânimo foi o fato de terem lido, para a escola, no ano anterior, uma

adaptação da obra que lhes causara certo repúdio. Mais uma vez, como diretora, poderia ter

mantido a proposta. Se o fizesse, acredito que, ao longo do ano, a resistência dos estudantes

poderia ser amenizada, ao redescobrirem a obra sob uma nova perspectiva. Porém, optei por

abandonar o projeto e trazer uma nova proposta, que todos se sentissem estimulados a

desenvolver. Não que a escolha do texto seja feita de acordo apenas com o que os estudantes

desejam. Muitas vezes, há propostas de alunos que, como artista e educadora, não considero

viáveis. Os integrantes deste grupo de oitava série, inclusive, sugeriram algumas obras da

literatura de sua preferência, mas nenhuma delas julguei adequada para a encenação. O que se

procura é um consenso; ou, no mínimo, soluções que não sejam repudiadas por nenhum dos

participantes – aqui incluídos professora, auxiliar e alunos. A opção encontrada, no caso descrito,

foi a criação de um texto próprio (Dizer que te amo), inspirado em temas que o todo o grupo

gostaria de abordar.

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Figura 21 – Apresentação de Dizer que te amo (2013)

O respeito às aspirações coletivas, pelo qual procuro pautar os processos desenvolvidos na

escola estudada, está diretamente relacionado à ideia de Neelands (2009), exposta no capítulo 1,

de que ao trabalhar em um grupo que se autorregula e que “co-cria” artística e socialmente, os

jovens passam a transferir os ideais democráticos do grupo para além das salas de aula. Pode-se

afirmar, portanto, que os processos decisórios coletivos se configuram como exercício de

convivência democrática e, consequentemente, de cidadania.

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4.2 Procedimentos metodológicos

Iniciamos este capítulo nos propondo a apresentar as possibilidades de expressão e

experimentação proporcionadas pelo trabalho com teatro no Instituto Educacional Imaculada.

Para tanto, são descritos, nesta seção, os principais procedimentos metodológicos dos processos

teatrais desenvolvidos nessa escola.

Conforme colocado na introdução da dissertação, trata-se de um trabalho que foi sendo

criado e desenvolvido ao longo do processo de formação da pesquisadora, tendo sofrido

influências de fontes diversas. Dessa forma, não pode ser facilmente enquadrado em uma

concepção metodológica específica, ainda que seja possível destacar, como referenciais de alguns

dos procedimentos utilizados, Augusto Boal e Viola Spolin: o primeiro, no que concerne aos

exercícios e jogos, em especial voltados para a expressividade corporal; a segunda, no que se

refere aos jogos teatrais e aos mecanismos adotados na direção de espetáculos50

. O trabalho

também apresenta semelhanças com os Jogos Dramáticos de tradição francesa (abordados no

capítulo 2), em especial na parte da aula denominada, neste trabalho, de “improvisações

‘combinadas’”, conforme se verá adiante. Pode-se também entender que a metodologia utilizada

na escola em questão aproxima-se do Jogo Dramático francês na medida em que ambos não se

estruturam “[...] enquanto um sistema fechado, ficando a cargo do próprio coordenador elaborar

uma sistematização para o trabalho com o grupo” (DESGRANGES, 2011, p. 107-108).

Para fins descritivos, optamos por dividir em duas fases o processo de trabalho

extracurricular de teatro desenvolvido na escola abordada. A primeira dessas fases, que

chamaremos aqui de “aulas livres”, corresponde ao período durante o qual os alunos se

familiarizam com o universo do teatro, ou dão continuidade aos processos de iniciação e

aprofundamento teatral realizados em anos anteriores. A segunda fase, que denominaremos

“montagem de peça teatral”, corresponde aos processos de criação, desenvolvimento e

apresentação de espetáculo. Essa divisão foi elaborada para facilitar a compreensão do leitor a

respeito do processo desenvolvido, mas é importante ressaltar que as referidas fases não são

desvinculadas uma da outra. O que ocorre, na prática, é que o processo de montagem de peça

50 Viola Spolin tem uma obra especialmente dedicada à direção de espetáculos, intitulada O Jogo Teatral no

Livro do Diretor (SPOLIN, 1999).

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começa gradativamente, durante as aulas livres, por meio de discussões e jogos que trabalham

com o universo do espetáculo que será montado. Durante a fase de montagem, por sua vez,

continuam sendo adotados muitos procedimentos das aulas livres, como jogos teatrais e

exercícios de corpo e voz.

Não é possível definir com exatidão o tempo de cada uma das fases do trabalho porque

ele varia de turma para turma. De todo modo, a aproximação do universo teatral dá-se de maneira

gradativa, de maneira que o trabalho voltado para a criação de peças só tem início após um

período de adaptação do aluno à atividade. Assim, com turmas inexperientes, as aulas livres, em

geral, prolongam-se por mais tempo, para que os alunos possam conhecer uns aos outros,

conhecer-se a si próprios nessa atividade que lhes é nova, habituar-se à linguagem teatral, sentir-

se livres para criar e seguros quando estão em situação de representação. Quanto mais experientes

as turmas, mais cedo se inicia o processo de montagem.

A seguir, serão explicitadas a estruturação prática e os principais procedimentos adotados

nas aulas livres e montagem de peças. Apesar de a pesquisa ter como foco alunos que fizeram (ou

ainda fazem) teatro no Ensino Médio, optamos por descrever o trabalho extracurricular em linhas

gerais, por dois motivos: primeiro, porque desejamos fornecer ao leitor uma visão mais

abrangente do trabalho com teatro na instituição pesquisada; e, segundo, porque muitos dos

entrevistados também participaram de turmas de teatro antes de ingressarem no Ensino Médio, de

modo que sua percepção acerca do fazer teatral na escola pode estar influenciada por essa

experiência prévia. Ademais, apesar de cada faixa etária demandar um tipo de abordagem, um

tempo maior ou menor para cada atividade, além de jogos e exercícios com diferentes níveis de

dificuldade, os trabalhos desenvolvidos com grupos de idades distintas, tanto nas aulas livres

como na montagem de peças, costumam apresentar esquemas semelhantes.

É importante destacar que, ao longo dos dezessete anos de teatro na escola, alguns

procedimentos foram sendo desenvolvidos e aprimorados. No entanto, pode-se afirmar que o

trabalho sempre seguiu, basicamente, uma mesma linha, de modo que a descrição abaixo se

enquadra tanto ao processo de trabalho atual quanto àquele desenvolvido durante os primeiros

anos de teatro na instituição.

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4.2.1 Aulas livres

As aulas livres de teatro, na instituição pesquisada, apresentam os seguintes objetivos

gerais: promover a familiarização com o universo teatral (para alunos iniciantes); dar sequência

aos processos de iniciação ou aprofundamento teatral iniciados em anos anteriores (para alunos

experientes); estabelecer uma relação de grupo entre os integrantes da turma; promover a

exploração e apreensão dos diferentes elementos constituintes da linguagem teatral; levar o aluno

à descoberta e exploração de seus recursos expressivos.

As sessões de trabalho (aulas), como já colocado, são adaptadas às diferentes faixas

etárias com as quais se está lidando, mas, em linhas gerais, seguem o esquema51

abaixo:

I. Círculo de discussão inicial;

II. “Relaxação”;

III. Trabalho de corpo;

IV. Trabalho de voz;

V. Jogos teatrais;

VI. Improvisações “combinadas”;

VII. Círculo de discussão final.

Em geral, a cada aula livre de teatro os alunos passam por toda a sequência acima

descrita, mas é importante assinalar que se trata um esquema flexível. Dependendo da turma e do

andamento do trabalho, algumas das atividades podem não ser desenvolvidas em determinadas

sessões. Assim, por vezes ocorre, por exemplo, de não haver o trabalho de voz em determinada

aula, se a turma precisar de mais tempo para se dedicar ao trabalho de corpo (em geral, os jogos

51 A esquematização das atividades realizadas durante as aulas livres foi elaborada pela pesquisadora, com base no

trabalho desenvolvido na escola em tela. Autores como Japiassu (2009) e Barcellos (1995) também apresentam esquemas de atividades realizadas em aulas de teatro, em que se podem verificar alguns pontos em comum com o

esquema apresentado nesta pesquisa.

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teatrais e as improvisações costumam estar presentes em todas as aulas). Além disso, nem sempre

as atividades mencionadas são desenvolvidas na sequência apresentada.

A seguir, descrevemos com maior detalhamento as etapas acima mencionadas, destacando

os objetivos e principais procedimentos operacionais adotados em cada uma delas. Trata-se,

também aqui, de uma divisão que visa a facilitar a compreensão dos leitores a respeito do

trabalho desenvolvido na instituição. Na prática, muitas vezes, as atividades se permeiam. Há

jogos teatrais, por exemplo, que trabalham a expressividade corporal ou vocal; a “relaxação”,

como se verá, pode ser entendida como uma preparação para o trabalho corporal, além de, em

alguns casos, incluir exercícios respiratórios, que se ligam ao trabalho vocal; e o trabalho de voz,

por sua vez, não deixa de ser, também, um trabalho de corpo.

I. Círculo de discussão inicial

Em geral, a cada início de sessão de trabalho, solicita-se que os alunos retirem seus

calçados e se sentem em círculo, no chão do palco, para uma conversa inicial. A professora

também participa do círculo. Helena Barcellos, arte-educadora que adota o mesmo procedimento

em suas aulas de teatro, defende que os alunos devem se habituar a sentar-se em círculo desde as

primeiras sessões de trabalho:

Sempre penso que a forma de reunião em círculo é a mais adequada e propicia

que todos se vejam, se conheçam, se ouçam e se relacionem melhor. O círculo é

a forma de reunião mais primitiva, decorrente das transmissões de calor e energia de um membro para o outro. A mensagem e as ideias são mais

facilmente veiculadas e absorvidas por todos (BARCELLOS, 1995, p. 59).

Nas primeiras reuniões do ano, as conversas no círculo têm como objetivo fazer com que

os estudantes se conheçam melhor e exponham suas expectativas com relação ao trabalho.

Também é o momento em que os alunos que já participaram de aulas de teatro em anos anteriores

relatam um pouco de sua experiência aos iniciantes. Nas demais sessões de trabalho, o círculo

visa à retomada dos conteúdos desenvolvidos na aula anterior e à discussão de alguma cena que

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eventualmente não tenha sido comentada no último encontro. Todos têm direito à palavra, e em

geral, com o tempo, mesmo os estudantes que nas primeiras aulas se mostram mais tímidos,

acabam se sentindo confortáveis para expressar-se verbalmente. Ricardo Japiassu, que também

lança mão dos círculos de discussão, levanta aspectos importantes com relação ao procedimento:

O círculo de discussão funciona também como uma espécie de preparação psicológica (concentração) para a ‘passagem’ da realidade concreta para a

realidade cênica ou simbólica, além, é claro, de constituir um fórum privilegiado

de reflexão sobre a práxis no/do grupo (JAPIASSU, 2009, p.71).

Há ocasiões em que o círculo é realizado após os trabalhos de corpo e voz. Algumas

vezes, não há a necessidade de se realizar o círculo inicial e o trabalho começa direto na atividade

seguinte.

É também nos círculos de discussão que são realizadas as conversas sobre os

relacionamentos intragrupo e em que são tomadas decisões sobre aspectos do espetáculo que está

sendo montado, como mencionado na seção 4.1.1 (“Colaboração”).

II. “Relaxação”

É o momento em que o aluno se concentra em si mesmo, preparando-se para o início do

trabalho. O termo “relaxação”, utilizado também por Barcellos (1995), pareceu-nos adequado

para a denominação desta etapa do trabalho na medida em que transmite a ideia de um

relaxamento ativo, uma espécie de “relaxamento-concentração”. Nesta parte da aula, o aluno

tranquiliza-se, relaxa os músculos e concentra-se em seu próprio corpo, que será instrumento do

trabalho a ser desenvolvido. Trata-se, portanto, do momento da aula em que o participante

começa a entrar em contato com seus recursos expressivos.

Em geral, a “relaxação” se dá com todos deitados pelo palco, de barriga para cima, com

os olhos fechados. São, então, dadas instruções para que o estudante vá, gradativamente,

dirigindo toda a sua atenção para diferentes partes do corpo.

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Figura 22 – Alunos em atividade de “Relaxação”

Neste momento da aula, com alunos de oitava série e de Ensino Médio, costumam ser

realizados alguns exercícios respiratórios específicos, que serão mencionados na etapa “trabalho

de voz”. Há também ocasiões em que a “relaxação” envolve a visualização de personagens e

histórias. Em geral, esse tipo de procedimento é utilizado quando se inicia o processo de

montagem, para auxiliar na construção dos papéis interpretados pelos estudantes.

III. Trabalho de corpo

O corpo é compreendido, por muitos estudiosos da área do teatro, como o principal

instrumento de trabalho do ator. Sua importância é destacada por autores como Artaud (1999),

Azevedo (2002), Boal (2011), Burnier (2001), Ferracini (2003), Fo (2004), Grotowski (1971),

Laban (1978), Spolin (2000), Stanislavski (1986) e Strazzacappa (1994). Muitos desses autores

não desvinculam a voz da dimensão corporal do trabalho do ator. Apesar disso, na etapa

intitulada “trabalho de corpo”, na escola pesquisada, são realizadas atividades que não envolvem

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a linguagem verbal, para que a atenção do aluno se volte especificamente para a exploração de

movimentos e sensações corporais. O objetivo geral do trabalho é fazer com que o estudante

descubra e explore possibilidades de utilização do corpo diferentes daquelas com as quais está

habituado a lidar.

Essa meta está em consonância com aquilo que defende Boal (2011), o qual coloca que,

no dia-a-dia, ao realizar sempre os mesmos movimentos, as pessoas acabam por “mecanizar”

seus corpos. O diretor argumenta que essa mecanização prejudica a exteriorização de emoções e

impede o ator de explorar alternativas diversas para diferentes situações de atuação. Para ilustrar

suas colocações, Boal (2011, p. 60) se utiliza da imagem do escafandro: “É como se vivêssemos

dentro de escafandros musculares: seja qual for a emoção que sentirmos, dentro dessa vestimenta,

nossa aparência exterior será sempre a do escafandro”. Os procedimentos propostos pelo autor

vêm, justamente, no sentido de “desmecanizar”, “desestruturar” e “desmontar” os corpos

“mecanizados”.

No trabalho de corpo desenvolvido no IEI, são utilizados vários exercícios e jogos52

apresentados por Boal (2011), além de adaptações de procedimentos sugeridos pelo autor. São

também realizadas dinâmicas criadas pela professora ou por ela aprendidas ao longo de sua

formação como atriz. Essas dinâmicas podem envolver a exploração de diferentes partes do

corpo, de variações rítmicas, de níveis espaciais (baixo, médio e alto) e de qualidades do

movimento (forte/fraco, leve/pesado, tenso/relaxado, contínuo/descontínuo)53

.

52 Boal (BOAL, 2011, p. 87) utiliza a palavra “exercício” para se referir a “todo movimento [...] que ajude aquele

que o faz a melhor conhecer e reconhecer seu corpo”, e a palavra “jogo” para designar as atividades que “[...]

tratam da expressividade dos corpos como emissores e receptores de mensagens”. O exercício, portanto, é para o

autor uma espécie de monólogo, uma introversão, enquanto que o jogo é um diálogo, uma extroversão. Boal (2011)

explica que essa divisão é apenas didática e que as atividades por ele apresentadas são, na verdade,

“joguexercícios”, pois, na prática, ambas as práticas se mesclam. 53 Os conceitos de nível espacial e qualidade do movimento apresentados têm como base o trabalho de Laban (1978).

O dançarino e coreógrafo austro-húngaro Rudolf Laban (1879-1958) é considerado o “pai da dança-teatro”.

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Figura 23 – Expressão corporal

Alunos em atividade de “máscara neutra”

54

Como colocado acima, neste momento da aula são realizados procedimentos voltados

especificamente para a exploração das possibilidades corporais. Vale ressaltar, porém, que o

trabalho com o corpo, na realidade, permeia todas as atividades das aulas livres de teatro.

IV. Trabalho de voz

O objetivo do trabalho de voz, na instituição abordada, é similar ao do trabalho de corpo:

levar o aluno à descoberta e exploração de sua voz como recurso expressivo. Além disso, espera-

se que o estudante se conscientize dos principais mecanismos de produção da voz e a aprenda a

utilizá-los de modo a ampliar a eficácia de sua produção vocal.

Ao explorar os próprios recursos vocais de maneiras distintas daquelas com as quais está

habituado, o aluno amplia seu repertório para a criação de personagens e cenas. Além disso, pode

transferir os conhecimentos adquiridos e aprendizagens construídas para seu cotidiano,

54 A máscara neutra, com o nome sugere, é uma máscara inexpressiva. É utilizada como instrumento pedagógico para

o treinamento corporal de atores em formação. Por cobrir o rosto daquele que a usa e por não apresentar expressão,

a máscara neutra dirige a atenção do ator para a expressividade do corpo.

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melhorando sua capacidade de comunicação. Vale expor, aqui, o caso de um ex-aluno, que

participou do teatro do IEI por cinco anos, e que afirma ter sido por conta das atividades ali

desenvolvidas que superou a gagueira (conquista que não havia alcançado por meio dos três

diferentes tratamentos fonoaudiológicos a que se submetera antes de fazer teatro). Notoriamente,

um caso em que o teatro auxiliou na conquista da autonomia.

O trabalho de voz desenvolvido na escola em foco usualmente se inicia com exercícios de

relaxamento dos músculos envolvidos na produção sonora. Passa-se, então, aos exercícios de

aquecimento vocal e, em seguida, são realizados exercícios de dicção. Com alunos de quinto a

sétimo ano, em geral, após essa sequência, o trabalho se concentra na exploração lúdica e criativa

das características da emissão sonora. Com alunos de oitava série e de Ensino Médio, são

também realizados exercícios de respiração, que visam à conscientização do movimento do

diafragma, ao controle da musculatura abdominal, à ampliação da capacidade pulmonar e à

melhora da impostação vocal.

V. Jogos teatrais

Conforme exposto no capítulo 2, os jogos teatrais foram inicialmente sistematizados como

proposta para o ensino de teatro pela norte-americana Viola Spolin. Durante o jogo teatral, os

alunos improvisam de acordo com regras previamente estabelecidas, buscando a solução de

desafios de atuação. Dessa forma, concentrados na solução de diferentes problemas cênicos a

cada exercício, os estudantes vão se apropriando, intuitivamente, das técnicas teatrais (SPOLIN,

2000).

O jogo teatral pressupõe a existência tanto de “jogadores” quanto de “observadores”. Este

é um momento da aula, portanto, em que os estudantes se revezam nessas funções, ora tomando

parte nos jogos propostos, ora observando seus colegas em situação de jogo. O aprendizado

ocorre em ambas as posições, visto que tanto jogadores quanto observadores devem estar

concentrados no problema de atuação apresentado: os primeiros, para buscar soluções e

comunicá-las à plateia; os segundos, para, posteriormente, versar sobre aquilo que, de fato, foi

comunicado pelos jogadores.

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Quando o aluno da plateia compreende seu papel, as linhas de comunicação

entre a plateia e o jogador, e entre o jogador e a plateia, são intensificadas.

Aqueles que estão na plateia passam de observadores passivos a participantes ativos no problema (SPOLIN, 2000, p. 25).

Assim que uma equipe de alunos termina de trabalhar com um problema de atuação, o

grupo realiza uma avaliação da cena desenvolvida. Todos (observadores, professora e jogadores)

participam do processo. A avaliação não tem por objetivo julgar o desempenho dos estudantes,

aprovando-o ou desaprovando-o. Toda a discussão gira em torno da solução encontrada ou não

encontrada pelos jogadores para o desafio de atuação apresentado. É importante deixar claro aos

estudantes que “[...] não existe uma maneira absolutamente certa ou errada para solucionar um

problema [...]” (SPOLIN, 2000, p. 7), e que a atividade não tem caráter competitivo. Pelo

contrário: a cooperação é base para a realização da atividade. Desgranges (2011, p. 110), ao

apresentar o sistema de jogos spoliano, coloca:

Esse sistema de atuação, calcado em jogos de improvisação, tem o intuito de

estimular o participante a construir um conhecimento próprio acerca da linguagem teatral, através de um método em que o indivíduo, junto com o grupo,

aprende a partir da experimentação cênica e da análise crítica do que foi

realizado. Os participantes do processo, assim, elaboram coletivamente conceitos acerca de suas atuações e da sua compreensão da linguagem teatral.

É possível entrever no jogo teatral ligações com os três valores cidadãos destacados nesta

pesquisa: participação, porque tanto jogadores quanto observadores participam, ativamente, de

cada jogo; liberdade, porque a prática tem “[...] o objetivo inicial de libertar a atuação de crianças

e amadores de comportamentos rígidos e mecânicos em cena” (DESGRANGES, 2011, p. 110); e

igualdade, no tange às relações entre todos os participantes, incluindo o professor. Como coloca

Spolin (2000, p. 08), “a verdadeira liberdade pessoal e a auto-expressão só podem florescer numa

atmosfera onde as atitudes permitam igualdade entre o aluno e o professor”.

Na escola pesquisada, são utilizados não apenas jogos teatrais propostos por Spolin

(2000), como também jogos sugeridos por Boal (2011), além de outros, criados na própria

instituição ou aprendidos pela pesquisadora no decorrer de seu processo de formação. Não se

trata, portanto, de uma aplicação rigorosa do método spoliano, com todas as suas terminologias e

demais especificidades, mas sim de uma prática de jogos improvisacionais oriundos de fontes

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diversas e que seguem alguns dos princípios fundamentais destacados por Spolin, como a

concentração na solução de problemas, a cooperação e a avaliação a posteriori.

VI. Improvisações “combinadas”

Nesta parte da aula, a turma de teatro é dividida em pequenos grupos, que criam e

ensaiam cenas a partir de temas previamente estabelecidos. Os temas podem ser muitos: um

local, uma frase, um provérbio, um poema, um conto, uma letra de música, personagens, um

objeto, um sentimento. Estabelecido o tema, cada subgrupo escolhe um local do auditório para

trabalhar (camarins, palco ou salas adjacentes) e, ali, cria o enredo de uma cena e a ensaia.

Depois de um tempo determinado, as cenas são apresentadas a todos os estudantes.

Denominamos esta etapa de “improvisação ‘combinada’” porque, apesar de os alunos

combinarem os detalhes da ação, a atividade não deixa de ter caráter improvisacional: quando

estão trabalhando nos pequenos grupos, os alunos improvisam suas falas e ações durante os

ensaios; e, no momento da apresentação, muito do que fazem é também improvisado, visto que

o tempo para ensaios não costuma ser extenso.

Após cada apresentação, todo o grupo avalia coletivamente a cena representada, a partir

de perguntas como: “A cena produziu sentido?”; “O local, os personagens e a situação ficaram

claros?”; “Os atores estavam concentrados em seus papéis?”; “A cena teve começo, meio e

fim?”; “Que sugestões podem ser dadas para o aprimoramento da cena?”. Nesse sentido, a

atividade aproxima-se do Jogo Dramático de tradição francesa, em que, conforme visto no

capítulo 2, “as premissas para uma boa realização da cena [...] não são propostas antes das

improvisações [...], mas em função das necessidades que surgem nos próprios jogos”

(DESGRANGES, 2011, p. 101). Assim como no Jogo Dramático francês, nesta parte das aulas

o conhecimento vai sendo construído coletivamente pelos alunos no decorrer do processo, a

partir das questões que surgem a cada nova cena apresentada. Com o passar do tempo, os

estudantes vão se apropriando da linguagem teatral, o que lhes permite criar cenas

artisticamente mais elaboradas e realizar análises mais criteriosas sobre as improvisações

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apresentadas. Trata-se, mais uma vez, de um aspecto que aproxima as atividades teatrais

extracurriculares desenvolvidas no IEI do universo da educação não formal.

Na educação não formal [...] os conteúdos emergem a partir dos temas que se

colocam como necessidades, carências, desafios, obstáculos ou ações

empreendedoras a serem realizadas; os conteúdos não são dados a priori. São construídos no processo (GOHN, 2010, p. 46-47).

É interessante destacar que os estudantes, nesta atividade, têm a oportunidade de atuar não

apena como “atores”, mas como “dramaturgos” e “diretores”, já que trabalham com a

construção de enredos e ensaiam, sem ajuda externa, a cena que irão apresentar. Esse tipo de

trabalho, como se verá mais adiante, é bastante utilizado também durante o processo de

montagem de peça, especialmente quando o grupo trabalha com a criação coletiva do texto que

será apresentado.

VII. Círculo de discussão final

Ao final da sessão de trabalho, os estudantes se reúnem novamente em roda, discutem

sobre o que foi realizado naquele dia, e, eventualmente, combinam algo para a próxima sessão.

Muitas vezes, neste momento da aula, os integrantes permanecem de pé, em círculo, e um

bastão é passado de mão em mão. É o “bastão da palavra”: somente que está com ele tem direito

a falar. O aluno que segura o bastão diz o que quiser; pode ser algo relacionado àquela aula, ao

relacionamento do grupo ou a seu sentimento naquele momento. Quando um estudante

concorda com o que o outro disse, fala imediatamente “Ho!”, e aquilo não precisa ser repetido

quando for sua vez de falar. Se um aluno não quiser falar nada quando estiver com o bastão em

sua mão, simplesmente diz “passo a palavra” e entrega o bastão ao aluno que está ao seu lado.

O procedimento tem como objetivo estabelecer ou reafirmar o relacionamento de grupo

entre os alunos. Costuma ser utilizado nas primeiras aulas do ano e em todos os momentos em

que se faz necessário reforçar a união do grupo, inclusive durante o processo de montagem de

peça teatral.

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4.2.2 Montagem de peça teatral

Pode-se afirmar que cada processo de montagem, na instituição pesquisada, segue uma

trajetória específica, dependendo da peça com a qual se está lidando. Quando se trabalha com

uma comédia, por exemplo, os procedimentos que visam à construção de personagens são

distintos daqueles adotados quando se visa à criação de personagens não cômicos. Quando se

montam espetáculos musicais, em que os alunos cantam e dançam, faz-se necessária uma

preparação vocal diferenciada, bem como a criação e ensaios de coreografias.

Apesar das especificidades demandadas por cada espetáculo, consideramos importante,

nesta seção, descrever em linhas gerais as principais etapas e procedimentos operacionais pelos

quais todos os processos de montagem costumam passar na escola que é foco de nossa pesquisa,

independentemente da peça que está sendo montada. Nesta análise, levamos em conta apenas

distinções mais abrangentes, que interferem em alguns dos procedimentos centrais, como será

observado a seguir.

Para finalidades descritivas, dividimos o processo de montagem em cinco etapas55

, a

saber:

I. Escolha do texto;

II. Aproximação do universo do espetáculo;

III. Divisão e construção de personagens;

IV. Marcações de palco e primeiros ensaios;

V. Ensaios corridos e apresentações.

O número de encontros dedicados a cada uma das etapas é variável e depende sempre da

turma com a qual se está trabalhando. Cabe ressaltar que durante todo o processo de montagem,

55 A esquematização das etapas de montagem foi elaborada pela pesquisadora, com base no trabalho desenvolvido

na escola em tela. Spolin (1999), ao tratar de montagem de espetáculos com alunos, também propõe uma divisão

do processo em períodos, que difere da apresentada nesta pesquisa, embora alguns de seus procedimentos sejam semelhantes aos aqui apresentados. A esquematização de Spolin e os procedimentos em comum com o processo

desenvolvido na escola pesquisada serão detalhados mais adiante.

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muitos dos procedimentos das aulas livres continuam a ser desenvolvidos, tais como a

“relaxação”, as improvisações “combinadas” e os trabalhos de corpo e voz. À medida que a

montagem avança, essas atividades vão sendo conduzidas de modo a contribuir para o

desenvolvimento do espetáculo. As improvisações, por exemplo, podem ser direcionadas à

criação de cenas da peça, e os trabalhos de corpo e voz podem colaborar com a construção de

personagens.

A seguir, são descritas as etapas mencionadas, destacando alguns dos principais

procedimentos adotados em cada uma delas, bem como os critérios que norteiam as escolhas de

tais procedimentos. São também citadas algumas peças teatrais montadas no IEI56

, a título de

exemplificação das etapas e procedimentos descritos.

I. Escolha do texto

A escolha da peça a ser encenada com cada grupo de teatro, em geral, costuma ser

pautada pelo perfil da turma. A maneira como os estudantes desenvolvem os diversos exercícios

propostos durante as aulas livres, e, em especial, as cenas criadas em atividades de improvisação

– tanto nos jogos quanto nas improvisações “combinadas” – fornecem subsídios para a seleção do

texto teatral ou tema a ser trabalhado. O número de alunos, a quantidade de meninos e meninas

no grupo e a experiência teatral prévia dos estudantes também influenciam a escolha. No que diz

respeito ao texto utilizado, ele pode ser: pronto, adaptado, escrito para a turma, ou criado pela

própria pela turma.

Quando trabalhamos com textos prontos, a motivação para a escolha da obra, em geral,

vem de improvisações realizadas durante as aulas livres, em que estudantes criam personagens e

situações semelhantes aos que existem em determinados textos dramáticos, mesmo sem conhecê-

los. Também levamos em conta, na escolha de textos prontos, os autores das obras, para que os

alunos – e também a comunidade escolar, via apresentação – tenham a oportunidade de conhecer

trabalhos de autores relevantes na dramaturgia nacional e internacional. Auto da Compadecida

(encenado em 2012), de Ariano Suassuna, Sonho de uma Noite de Verão (2010), de William

56 Para conferir títulos, datas de apresentação, autoria e elenco de todas as peças já encenadas no IEI, vide

APÊNDICE C. Para visualizar fotos e vídeos de espetáculos, vide DVD anexo.

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Shakespeare e Nossa Cidade (2006 e 2001), de Thorton Wilder são exemplos são exemplos de

textos prontos encenados por estudantes de Ensino Médio. Com crianças, encenamos muitos

textos de Maria Clara Machado, como Pluft, o Fantasminha (2009, 2005, 2002), a Bruxinha que

era Boa (2011, 2007), Quem Matou o Leão? (2010, 2004), o Rapto das Cebolinhas (2007) e O

Cavalinho Azul (2008).

Figura 24 – Sonho de uma noite de verão (2010)

Figura 25 – Auto da Compadecida (2012) Figura 26 – Nossa Cidade (2001)

Exemplos de montagens com textos prontos

Realizamos a adaptação de textos teatrais quando certos aspectos de um texto teatral –

como a temática ou o enredo – são apropriados a determinada turma, mas há a necessidade de se

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fazer algumas adequações (das cenas à faixa etária dos estudantes ou dos personagens ao número

de alunos, por exemplo). Em geral, quando se trabalha com turmas de Ensino Médio, as decisões

a respeito da necessidade de adaptação e de quais aspectos da obra serão modificados surge de

discussões entre professora e alunos; com turmas de Ensino Fundamental, na maioria das vezes, a

adaptação é proposta pela professora e os alunos ajudam a criar novas cenas ou personagens, de

acordo com o encaminhamento por ela sugerido. O Homem do Princípio ao Fim, de Millôr

Fernandes, foi adaptado nas montagens realizadas com os grupos teatrais de Ensino Médio dos

anos de 2011 e 2003, porque ambas as turmas sentiram a necessidade de fazer no texto algumas

modificações, de forma a deixá-lo mais atual e adequado ao público juvenil. O Patinho Feio, de

Maria Clara Machado, foi adaptado no ano de 2008 para se adequar a uma turma de quarta série

que tinha, no elenco, mais alunos do que o número de personagens da peça original.

Também ocorre de livros ou contos serem adaptados ou servirem de base para a

construção do texto teatral. Este último – o texto teatral encenado pelos alunos – costuma ser

escrito pela professora responsável pelas atividades de teatro (pesquisadora) ou por sua auxiliar.

Os espetáculos Quem tem Medo do Dragão? (2011) e Tá na Mira (2009) foram baseados,

respectivamente, nos livros O Menino e o Dragão, de Renata Adrião D’Angelo e Clique para

Zoar, de Isabel Vieira. A peça A Droga da Obediência (2001) foi adaptada do livro homônimo de

Pedro Bandeira; e A Menina e o Pássaro (2012), do conto A menina e o Pássaro Encantado

(2012), de Rubem Alves.

Figura 27 – A Menina e o Pássaro (2012), O Homem do Princípio ao Fim (2011) e A Droga da

Obediência (2001)

Exemplos de encenações de textos adaptado

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Os textos escritos para determinadas turmas – neste caso, não adaptados de outras obras –

são, em geral, criados quando há muitos alunos em um mesmo grupo de teatro, o que dificulta a

escolha de uma obra que apresente um número suficiente de personagens e que, ao mesmo

tempo, seja adequada à faixa etária com a qual se está trabalhando. São escritos pela professora

ou por sua auxiliar. Costumam ser elaborados para turmas de crianças de quintos e sextos anos,

com as quais um trabalho de criação coletiva de texto (como costumamos fazer com alunos mais

velhos, conforme se verá a seguir) demandaria um tempo demasiado longo. Para a criação desses

textos, em geral parte-se de sugestões dos próprios estudantes, colhidas durante discussões

realizadas em aula, ou de cenas e personagens por eles criados em atividades de improvisação. A

peça Doze (2012) é um exemplo de texto escrito para uma turma de teatro de quinto ano, em que

o número de participantes era bastante elevado: 46 alunos no elenco. Era uma Vez um Relógio

(2011 e 2008), Deu a Louca no Mundo da Fantasia (2009 e 2010) e A História da Semente (2009

e 2006), e são também exemplos de textos escritos para turmas específicas, que, como se pode

notar pelas datas das apresentações, foram reapresentados em anos posteriores, quando outras

turmas de teatro apresentaram mesmo número de alunos e perfis semelhantes aos das primeiras

montagens.

Figura 28 – Doze (2012) Figura 29 – Era uma Vez um Relógio (2008)

Exemplos de textos escritos para determinadas turmas

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Figura 30 – A História da Semente (2009) Figura 31 – Deu a Louca no Mundo da Fantasia (2009)

Exemplos de textos escritos para determinadas turmas

Os textos criados pelas próprias turmas são, de modo geral, resultado de processos de

criação coletiva com alunos a partir da sétima série do Ensino Fundamental. Costumam ser

elaborados quando o número de alunos é elevado, quando a turma manifesta a vontade de criar

uma peça própria ou quando a direção da escola solicita o trabalho com algum tema específico,

em geral ligado ao projeto pedagógico da instituição durante o ano vigente. Em 2009, por

exemplo, o projeto pedagógico da escola tratava de questões ligadas à justiça social, e o

espetáculo criado pelo grupo de Ensino Médio, Perfeitópolis, o Musical, foi desenvolvido a partir

dessa temática. No ano de 2007, ocasião em que a Amazônia era foco do projeto da escola, o

grupo de Ensino Médio criou o espetáculo Lendas que o Rio Contou, em que eram encenadas três

lendas típicas da região. Os espetáculos destinados ao público de Educação Infantil, como Esse

trem vai pra onde? (2012), E a Brincadeira já vai começar! (2010) e Alguém viu Vovô e Vovó?

(2007), também foram criados pelos próprios estudantes que os encenaram, levando em conta os

temas dos projetos pedagógicos da escola de cada ano. Nestes últimos casos, a criação dos

espetáculos, além de envolver temática ligada ao projeto pedagógico da escola, levava em conta o

desenvolvimento de uma linguagem cênica adequada ao público infantil.

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Figura 32 – Apresentação de Perfeitópolis, o Musical (2009)

Figura 33 – Esse trem vai pra onde? (2012) Figura 34 – Lendas que o Rio Contou (2007)

Exemplos de textos criados pelas próprias turmas

É importante observar que durante a fase de escolha do texto, os estudantes, na prática,

continuam a desenvolver todos os procedimentos das aulas livres. Trata-se, portanto, de uma

etapa do trabalho em que o processo de montagem, em última análise, tem início apenas para a

professora, que, de acordo com o trabalho do grupo, começa a selecionar o material do espetáculo

a ser desenvolvido. Ainda assim, consideramos importante incluir a seleção do texto dentre as

fases do processo montagem porque, como se verá a seguir, essa escolha influenciará diretamente

os procedimentos adotados na fase de aproximação do universo do espetáculo.

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II. Aproximação do universo do espetáculo

Independentemente do texto a ser montado ou criado por cada grupo teatral, a

aproximação dos estudantes com o universo do espetáculo é feita paulatinamente. Primeiro,

durante as aulas livres, o tema do espetáculo é trabalhado em jogos teatrais e improvisações

“combinadas”, por vezes sem que os estudantes saibam que aquela talvez seja a temática da peça

a ser montada. Depois dessa fase inicial, expõe-se à turma a sugestão de se desenvolver aquele

tema como espetáculo teatral, e os estudantes discutem a ideia. Se a proposta é bem aceita pelo

grupo, passa-se aos procedimentos seguintes, que variam de acordo com o tipo de texto com o

qual se está trabalhando.

No caso de trabalhos com textos prontos ou escritos para a turma, antes de entrar em

contato com a obra escrita, mas já conhecendo seu enredo, os alunos costumam realizar mais

jogos e improvisações “combinadas” baseados na trama e personagens da peça. Dessa forma,

quando entram em contato com texto propriamente dito, os estudantes em geral não se sentem

“presos” a ele, pois já compreenderam que é possível criar a partir do que o texto propõe. Em

outras palavras, os alunos compreendem que o texto pode ser um pretexto para a criação de

elementos que não necessariamente estão nele explícitos (como certas características de um

personagem ou algumas de suas ações e reações).

Depois dos jogos e improvisações, procede-se à primeira leitura do texto, que costuma ser

feita em roda, no palco, com os estudantes lendo em voz alta as falas dos personagens, e a

professora fazendo a leitura das rubricas57

. Normalmente, neste momento do trabalho, não se

designam alunos específicos para lerem determinados papéis; cada estudante, espontaneamente,

assume a leitura de um personagem. Para evitar ansiedade entre os alunos, deixa-se claro que essa

leitura não tem relação com a divisão de papéis para a encenação, que será feita posteriormente.

Terminada a leitura, os estudantes discutem sobre as impressões que a obra lhes causou e expõem

as primeiras ideias que, enquanto ouviam ou liam, tiveram para a encenação. Há casos em que as

turmas leem mais de uma peça teatral para, então, decidir qual delas será montada.

57 As “rubricas” ou “indicações cênicas” são os textos das obras dramáticas que não são pronunciados pelos atores e

que se destinam ao esclarecimento do leitor com relação à compreensão da peça e ao seu modo de apresentação. São exemplos de rubricas: o nome dos personagens, as indicações de entradas e saídas, a descrição dos lugares e

as anotações para a interpretação (PAVIS, 1999).

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Após a primeira leitura, no caso de textos prontos, os estudantes realizam pesquisas sobre

o autor, a obra e montagens que já foram feitas a partir dela. As pesquisas, em geral, são

realizadas individualmente, fora do período das aulas, e apresentadas durante os encontros, nas

rodas de discussão, ou compartilhadas em redes sociais na internet, em comunidades criadas

pelos próprios participantes de cada grupo teatral. É costume também que os integrantes do grupo

realizem pesquisas visando à seleção de músicas e à criação de maquiagens, figurinos e

cenografia do espetáculo. As contribuições dos estudantes, nesse sentido, têm início nesta etapa

do trabalho e continuam até final do processo de montagem.

Depois da primeira leitura, tem também início um processo de “experimentação” de

papéis, em que cada integrante do grupo interpreta diferentes personagens da peça. Isso ocorre

especialmente por meio de improvisações, ora mais livres, em que se trabalha com os

personagens da peça fora das situações colocadas no texto, ora mais direcionadas, a partir de

cenas específicas. Trata-se de um procedimento que ao mesmo tempo em que favorece a

aproximação do universo do espetáculo, por parte dos alunos, oferece à professora responsável

pela turma subsídios para realizar, na fase seguinte, a divisão dos personagens entre os alunos do

elenco. Esse tipo de trabalho é também defendido por Spolin58

(1999) como método de formação

de elenco. A autora coloca que o procedimento, que combina teste com improvisação, tende a

deixar os “atores” relaxados e que, “[...] num ambiente livre de tensão, é mais provável que o

diretor veja claramente as possibilidades de cada um” (SPOLIN, 1999, p. 23).

***

Quando o texto é fruto de um processo de criação coletiva (texto criado pelos alunos), o

primeiro procedimento, após a exposição ao grupo da temática a ser desenvolvida, é o brainstorm

(tempestade de ideias), em que os estudantes expõem as mais variadas ideias a respeito do tema,

tendo em vista a elaboração de um esboço de enredo.

58 Viola Spolin, ao tratar da montagem de espetáculos com alunos de teatro, propõe uma divisão do cronograma

geral de ensaios em três grandes períodos: o primeiro, “[...] para o aquecimento do diretor e dos atores [...]”; o

segundo, “[...] em que todas as energias são canalizadas para o potencial artístico total em perceber o texto”; e o

terceiro, “[...] para polimento e integração de todos os aspectos da produção em uma unidade” (SPOLIN, 1999, p.

28). O processo de formação de elenco ao qual nos referimos é utilizado por Spolin antes do início do primeiro período de ensaios, fase esta em que, no processo abordado pela autora, todos os personagens já estão divididos

entre os alunos.

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Em seguida, a turma é dividida em subgrupos, para criar improvisações “combinadas” a

partir de algumas das ideias levantadas durante o brainstorm. Em geral, para essas

improvisações, é solicitado aos alunos que encenem uma parte específica da história que está

sendo construída, e não toda ela. Todos os subgrupos, em especial no início desse processo de

trabalho, dedicam-se à criação de cenas da mesma parte da história. Essa diversidade de

propostas para a encenação de um único trecho facilita a elaboração do texto final, que

usualmente incorpora elementos sugeridos por diferentes subgrupos. As cenas criadas pelos

pequenos grupos são apresentadas a toda a turma, que, na sequência, discute quais aspectos das

improvisações poderiam ser aproveitados na peça. Às vezes, uma cena inteira acaba sendo

incorporada ao espetáculo; outras vezes, aproveitam-se determinadas falas ou ações propostas

pelos “atores”.

Esse processo, que envolve exposição de ideias e improvisação a partir delas, costuma

durar vários encontros. Gradativamente, a partir dessas criações, o enredo vai sendo melhor

delineado. A escrita do texto vai sendo feita após a discussão sobre cada cena, quando o grupo

considera que já há elementos suficientes para tal. Nesses casos em que o texto é produzido

coletivamente, em geral não há a necessidade de os alunos experimentarem interpretar os

diferentes personagens após a escrita do texto porque, durante as improvisações, esse trabalho já

é realizado.

A pesquisa para a criação de cenários, figurinos e trilha sonora é intenso nesse tipo de

processo e, assim como no trabalho com textos prontos, costuma se estender até o final do

processo de montagem.

***

Quando se opta por um processo de montagem com texto adaptado, primeiro é realizada

uma leitura da obra escolhida. Em seguida, a turma discute quais aspectos do texto (como cenas,

sequência de acontecimentos e personagens) serão mantidos e quais sofrerão modificações. Para

os trechos que a turma opta por deixar como no original, os procedimentos de aproximação com

o universo do espetáculo são semelhantes aos utilizados quando se trabalha com textos prontos

ou escritos para a turma: são realizadas improvisações com os personagens da peça ora em

situações propostas pelo texto, ora fora delas. Para os aspectos que o grupo decide que sofrerão

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adaptações, procede-se como nos trabalhos com textos criados pela própria turma: brainstorm,

improvisações a partir das ideias propostas, discussão sobre as cenas apresentadas e construção

do texto a partir do material criado coletivamente.

***

Independentemente do tipo de texto escolhido, a etapa de aproximação do universo da

peça costuma durar, no mínimo, quatro encontros (o que corresponde ao período de um mês,

visto que as aulas de teatro, na instituição abordada, são semanais). Dessa forma, quando se passa

à fase seguinte (de divisão e construção de personagens), os estudantes já tiveram a oportunidade

de experimentar diferentes papéis.

III. Divisão e construção de personagens

A divisão dos personagens da peça entre os alunos é feita pela professora, com base no

trabalho realizado durante a etapa de aproximação do universo de espetáculo. É um processo que

exige cuidado para não estimular o exibicionismo e possíveis rivalidades entre os alunos. Para tal,

o trabalho é realizado no sentido de enfatizar a importância de todos os personagens do

espetáculo, independentemente do número de falas ou aparições durante a peça.

Nenhum dos estudantes toma conhecimento, antes dos demais, sobre qual personagem vai

representar. A distribuição dos papéis é comunicada de uma só vez, para toda a turma, quando já

se sabe qual personagem será atribuído a cada um dos alunos. Em geral, esta etapa do trabalho

costuma transcorrer de forma tranquila, justamente porque o tempo dispensado à etapa anterior,

na qual os alunos têm a oportunidade de desempenhar diferentes papéis, amaina a ansiedade dos

estudantes e facilita a escolha dos personagens por parte da professora. Ao experimentar papéis

variados, os próprios estudantes vão compreendendo em quais deles se sentem mais à vontade

para atuar e, em geral, são esses personagens que acabam lhes sendo atribuídos. Nesse processo

prévio de “experimentação”, os alunos vão também observando como os demais integrantes do

grupo desempenham os diferentes personagens da peça e como as cenas parecem “funcionar”

melhor com determinadas divisões de elenco. De modo que, quando chega o momento da

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atribuição de papéis, a divisão, de certa forma, não é surpresa para o grupo. Quando se trabalha

com a construção coletiva do texto, a divisão de papéis é ainda mais tranquila: ao criar as

diferentes cenas do espetáculo, em geral os próprios alunos já criam papéis que lhes são

adequados, o que facilita e acelera a divisão de personagens.

Isso não significa, no entanto, que a escolha do elenco seja sempre tarefa fácil. Como bem

coloca Spolin (1999), trata-se de um período tenso para quem tem a responsabilidade da escolha.

Muitas vezes, durante o período de aproximação do universo da peça, ocorre de dois ou mais

alunos demonstrarem que desempenharão muito bem um mesmo papel, mas nenhum se

identificar com outro personagem. Nesses casos, é preciso antever quem terá possibilidades de,

ao longo do processo, aproximar-se e apropriar-se deste papel. A esse respeito, a autora comenta:

Formar o elenco exige um insight infinito por parte do diretor, o qual deve,

afinal de contas, procurar não a obra acabada, mas aquele tom de voz, aquela presença, aquela qualidade corporal – aquele “algo” indefinível que inicialmente

é apenas sentido. (A quantidade de trabalho que tomará para desenvolver

totalmente cada pessoa também deve ser considerada.) Um ator pode ter as qualidades do personagem que se deseja, mas tem tão pouca formação que será

impossível conseguir o necessário num período de ensaio limitado (SPOLIN,

1999, p. 23).

Por vezes, especialmente quando as turmas são muito numerosas (o que costuma

dificultar o processo de divisão), é solicitado aos estudantes que, individualmente, escrevam uma

lista com todos os personagens da peça e, ao lado de cada um dos papéis, o nome do aluno que

escolheriam para desempenhá-lo (incluindo o seu próprio nome, que deve ser destacado). As

listas são entregues à professora, que, desse modo, tem a possibilidade de entender quais as

expectativas dos estudantes, o que muitas vezes facilita a seleção. Isso ocorre, por exemplo,

quando se está em dúvida entre mais de um aluno para um mesmo papel e apenas um deles

manifesta o desejo de representá-lo. As listas também oferecem à responsável pelo grupo a

possibilidade de trabalhar com divisões de elenco que, a princípio, não havia considerado. Outro

aspecto positivo do procedimento é o fato de colocar os alunos no lugar da professora e, com

isso, fazê-los compreender que as decisões sobre os personagens devem ser tomadas levando-se

em conta não alguns desejos individuais, mas as opções que se mostram mais adequadas para o

grupo como um todo.

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Depois de distribuídos os papéis, tem início o processo de criação dos personagens. O

objetivo desta fase do trabalho é fazer com que o aluno construa características de seu

personagem, tais como sua voz, sua maneira de andar, sua postura, seu modo de olhar, sua

maneira de expressar diferentes sentimentos e aspectos de sua vida que não estão explícitos no

texto. Os procedimentos adotados para essa criação são variados e dependem da peça que está

sendo montada. Dentre eles, podemos destacar: “relaxação” com visualização do local onde vive

o personagem e de suas características corporais e vocais; exploração do modo de agir do

personagem quando submetido a diferentes emoções; criação física do personagem, a partir dos

pés até a cabeça, de modo a fazer com que cada parte do corpo expresse determinadas

características do papel; exploração do texto, imprimindo diferentes intenções, tonalidades

vocais, velocidades e entonações a uma mesma fala; utilização de máscara neutra para exploração

da expressividade corporal do personagem; improvisações “combinadas”, com os personagens

em situações que não estão no texto.

Quando os alunos já demonstram certa segurança na interpretação seus respectivos papéis,

passa-se à fase seguinte.

IV. Marcações de palco e primeiros ensaios

Este é o período em que cada uma das cenas do espetáculo é trabalhada visando a uma

forma final. A marcação de cenas diz respeito à movimentação dos atores no palco. Spolin (1999,

p. 57) a define como “a coreografia das atividades de cena” e enfatiza que ela “[...] deve facilitar

a atividade, enfatizar e intensificar a preocupação e a ação, fortalecer os relacionamentos e

sublinhar os conflitos”. A autora coloca, ainda, que a marcação deve emergir do envolvimento

dos participantes e de sua inter-relação, e que, para tal, é importante que os alunos não sejam

dirigidos prematuramente, procedimento que “mata a frágil intuição nascente” (SPOLIN, 1999, p.

41). Quando isso ocorre, os estudantes podem até se lembrar de suas marcações, mas dificilmente

agirão com naturalidade, porque não entendem a motivação para suas movimentações.

Justamente com o intuito de levar os participantes a compreenderem as motivações para

suas ações, é adotada, como procedimento inicial desta etapa do trabalho, a montagem das cenas

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pelos próprios alunos, sem intervenções da professora. A prática, vale destacar, também favorece

o desenvolvimento da autonomia. Divididos em subgrupos de personagens de uma mesma cena,

os estudantes trabalham com o texto, montando aquele trecho da peça como acreditam que ele

deveria ser. Realizam alguns ensaios somente entre os membros do subgrupo e, então,

apresentam o resultado à turma. O trabalho de direção atua no sentido de “limpar” o que é

proposto pelos estudantes: se a movimentação impede a visualização da cena por toda a plateia

ou não favorece o desenvolvimento do conflito, por exemplo, sugere-se uma marcação diferente.

Com alunos experientes, e em cenas que não envolvem muitos “atores”, em geral muitas das

propostas de marcações dos estudantes precisam de pouca ou nenhuma intervenção. Já nas cenas

em que há um número elevado de pessoas no palco ao mesmo tempo, e em especial nas que

envolvem movimentos coreografados, a intervenção costuma ser maior.

É também nesta etapa do trabalho que as interpretações dos alunos são trabalhadas com

maior atenção. Quando nas cenas montadas pelos alunos existem performances que parecem

destoar da situação que está sendo representada, tenta-se fazer com que os alunos compreendam

melhor o contexto encenado. Às vezes, é preciso trabalhar com o sentido de algumas das falas do

texto, para que, compreendendo-as melhor, os alunos as digam com mais clareza, verdade e

propriedade. Outras vezes, é necessário dedicar especial atenção a questões como a gesticulação,

o olhar, o volume da voz e as reações a determinadas falas ou ações. Seja qual for o caso, o

trabalho de direção tenta fazer com o aluno descubra, por si só, como pode melhorar sua atuação.

Por isso, evita-se mostrar ao estudante “como se faz”. A professora pode sugerir, por exemplo,

qual palavra do texto poderia ser enfatizada para se obter determinado efeito, mas evita dizer a

fala da maneira como imagina que ela poderia ser. Pode pedir “mais intensidade”, “mais tristeza”

ou “mais alegria” na interpretação de determinados trechos da peça, mas evita demonstrar como

atuaríamos naquela cena. Procede-se desse modo para que o aluno não tente copiar um modelo

que, afinal é apenas uma possibilidade entre tantas outras que ele pode descobrir sozinho. Vale

enfatizar, neste ponto, que a autonomia destaca-se como importante elemento na exploração da

linguagem teatral.

Depois de estabelecida a movimentação de palco e de trabalhadas as interpretações, cada

cena é repassada algumas vezes para que os alunos se habituem e estejam confortáveis com as

marcações, e para que a cena ganhe o ritmo e a intensidade esperados para a apresentação. Trata-

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se de um processo ao qual Spolin (1999) se refere como “polimento” das cenas. Como a autora

coloca, o tempo despendido nesse trabalho varia de acordo com a cena que está sendo montada:

Algumas cenas precisam ser repetidas centenas de vezes para que sejam

perfeitamente polidas. Outras precisam de muito pouco trabalho além dos ensaios normais. Uma cena que tenha efeitos especiais não deve parecer mal

feita no espetáculo mesmo que isso signifique horas de trabalho (SPOLIN, 1999,

p. 65).

É importante que os estudantes não passem muitos encontros sem ensaiar as cenas já

marcadas para que não haja o esquecimento de detalhes importantes nem a perda da qualidade

conquistada durante os primeiros ensaios. Por isso, a cada novo encontro, sempre que possível,

costuma-se retomar as cenas já marcadas e ensaiadas em aulas anteriores. À medida que o

processo de marcação avança, as cenas já marcadas são ensaiadas na sequência do espetáculo.

Esse procedimento é importante para que as ligações entre as cenas sejam trabalhadas de modo a

não comprometer o ritmo da apresentação, e para que cada aluno compreenda melhor como serão

suas atividades nos bastidores (troca de figurinos, manipulação de cenários etc.) e o tempo que

terá para cada uma delas.

A memorização das falas costuma ocorrer durante esta etapa de marcação e primeiros

ensaios. Dependendo da peça, às vezes existe a necessidade de o aluno estudar seu texto também

em casa, porém a maior parte do trabalho é realizada durante os encontros. Tendo em vista que

muitas das cenas já vêm sendo trabalhadas dede a etapa 2 (“aproximação do universo do

espetáculo”), alguns estudantes já chegam à fase das marcações com suas falas memorizadas;

outros ainda sentem necessidade de levar seus textos para o palco durante os primeiros ensaios,

mas em geral não demoram a livrar-se deles: “Quando os atores estão integrados e se relacionam

com todos os aspectos da comunicação teatral, todos estão prontos para memorizar – de fato, para

a maioria, o trabalho já foi feito” (SPOLIN, 1999, p. 79).

Ainda com relação à memorização, é importante destacar que mesmo quando se trabalha

com textos longos, procura-se valorizar o trabalho criativo de cada estudante, no sentido de

estimulá-lo a se apropriar de suas falas, conferir-lhes verdade e construir corporal e vocalmente

seus personagens, a partir do material dramático dado. Trata-se de um tipo de trabalho com o

registro escrito que, de acordo com Kempe (1998, p. 92-93),

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[...] não impede a criatividade: a promove. O leitor é convidado a interpretar o

roteiro, por meio de perguntas do tipo: ‘Como isto acontecerá no palco?’ e ‘Qual

seria o efeito sobre mim se eu estivesse no lugar da plateia?’ [...] Encontrar uma maneira adequada de interpretar uma fala envolve considerável engajamento

imaginativo.

Figura 35 – Ensaio (2013)

V. Ensaios corridos e apresentações

Quando toda a peça está marcada, passa-se à fase dos ensaios corridos e, em seguida, das

apresentações. Spolin (1999, p. 95) se refere a essa fase final do processo de montagem como a

etapa em que “a joia já foi cortada e avaliada e agora deve ser colocada em seu devido lugar”. É

uma etapa que exige grande comprometimento por parte dos alunos, no sentido de não faltar, não

se atrasar e não se desconcentrar durante os ensaios. Spolin (1999) coloca que esse é o período

em que a disciplina deve atingir seu ponto máximo e que atrasos, por exemplo, não podem ser

permitidos.

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“Ensaios corridos” são aqueles em que se tenta realizar toda peça, com o mínimo de

paradas para se corrigir eventuais problemas. Depois de alguns ensaios corridos em que ocorrem

algumas interrupções para melhorar certos aspectos da encenação, são realizados os “ensaios

corridos sem paradas”, em que os atores não são interrompidos durante a representação, mesmo

que haja determinadas “falhas” (como desconcentração ou esquecimento de falas e marcações).

Os problemas são anotados pela professora, que, ao término do ensaio, os expõe ao grupo, para

que, na próxima passagem da peça, eles não voltem a ocorrer.

Às vezes, durante esta etapa do trabalho, é necessário retomar com mais atenção uma ou

outra cena específica, que esteja apresentando mais problemas. Então, além dos ensaios corridos,

são realizados “ensaios localizados”, em que a cena em questão é trabalhada de maneira mais

detalhada. Esse procedimento também é defendido por Spolin (1999, p. 102), que o detalha de

seguinte maneira:

O ensaio localizado é utilizado para dar um tempo especial para trabalhar uma

cena problemática que não foi solucionada durante os ensaios regulares. Pode

ser uma simples entrada ou uma envolvente cena emocional. Pode ser um problema para solucionar uma cena de multidão de forma mais efetiva ou ajudar

um ator a explorar e intensificar um longo discurso.

Quando, mesmo após os ensaios localizados, os ensaios corridos apresentam

determinados problemas de forma recorrente, ou quando os alunos não conseguem dar sequência

aos ensaios por conta de desconcentração, são realizados “ensaios corridos especiais”,

procedimento também utilizado por Viola Spolin para o trabalho de montagem com crianças e

adultos. Para a realização dos ensaios corridos especiais, os alunos são instruídos a atuar de modo

a fazer com que eventuais problemas sejam imediatamente “encobertos”. Se algum “ator”, por

exemplo, esquecer uma fala, ele ou algum outro aluno deverá improvisar, dizendo algo que se

encaixe ao contexto, de modo a manter a cena em andamento. Caso não haja essa “cobertura”, o

ensaio deve recomeçar do início do ato em que parou ou mesmo do início da peça. Os ensaios

corridos especiais objetivam fazer com que os participantes de um espetáculo compreendam que

todos são responsáveis pela encenação e que, se o grupo estiver coeso, a plateia não notará que

algo está errado, pois não conhece o texto.

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Esta é a mais completa expressão da experiência do grupo. Os jogadores

individuais devem estar muito disciplinados, pois agora eles são diretamente

responsáveis pelo grupo (a peça). Ao mesmo tempo, dá um profundo sentimento de segurança para o jogador saber que, não importa o que aconteça em cena, e

qualquer que seja a crise ou o perigo, o grupo virá em seu auxílio pelo bem do

espetáculo (SPOLIN, 1999, p. 107).

Podemos entrever, na citação acima, um importante aspecto da cidadania: o fato de haver,

no fazer teatral, um elemento cultural e socialmente compartilhado. Quando há um coletivo que

entende como tal, se ocorre um problema com a peça ou ensaio, por qualquer que seja o motivo,

aciona-se uma solidariedade compartilhada e todo o grupo mobiliza-se para resolvê-lo.

É durante esta última etapa da montagem que elementos como iluminação, trilha sonora,

figurinos e material cenográfico vão sendo incorporados aos ensaios. Com relação à trilha sonora,

especificamente, são incorporadas nesta fase apenas aquelas músicas que não interferem

diretamente nas ações dos atores; as que são primordiais à ação, como as cantadas ao vivo ou

coreografadas, são em geral selecionadas durante a etapa 2 (“aproximação do universo do

espetáculo”) e utilizadas desde a etapa 4 (“marcações de palco e primeiros ensaios”). A

incorporação de luzes, músicas, cenários e figurinos, muitas vezes, demanda que os ensaios sejam

entrecortados por diversas pausas, a fim de que sejam realizados certos ajustes nas marcações e

para que os alunos se acostumem aos novos elementos. O tempo de permanência de um aluno no

palco, por exemplo, pode ser estendido ou diminuído, até que uma luz se apague; eventuais trocas

de figurinos e cenários podem demorar mais tempo que o planejado, o que exigirá mudança em

alguma cena ou ajuda extra nos bastidores para que a troca seja realizada a tempo. Quando todos

os novos elementos já estão incorporados ao espetáculo, são realizados “ensaios gerais”, que nada

mais são do que ensaios corridos sem paradas, com tudo o que haverá durante a apresentação

(iluminação, sonoplastia, figurino e cenários).

Após alguns ensaios gerais, é chegado o momento das apresentações. É importante que ao

menos um ensaio geral seja realizado na própria data de estreia da peça ou em sua véspera, para

garantir o ritmo do espetáculo, deixar os alunos mais seguros e realizar eventuais acertos de

última hora. Nos dias de apresentação, os estudantes chegam ao auditório algumas horas antes do

espetáculo, e ali vestem seus figurinos, penteiam-se e maquiam-se. Quando necessário, os alunos

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mais jovens (em especial de quintos e sextos anos) são auxiliados nos penteados e maquiagens

pela professora de teatro, professores auxiliares e alunos mais velhos. Faltando de 20 a 15

minutos para a apresentação, todos os participantes se reúnem nos fundos do auditório, onde,

posicionados em círculo, realizam um aquecimento corporal e vocal, trocam as últimas

informações e se concentram. Para a concentração, todos se dão as mãos e, em silêncio,

mentalizam o que devem fazer durante o espetáculo. Então, a professora pergunta se alguém

gostaria de dizer alguma coisa ao grupo. Em geral, muitos alunos tomam a palavra para

incentivar os colegas a esforçarem-se ao máximo durante a apresentação e também para

agradecer pelo trabalho desenvolvido e pela convivência ao longo do ano. Costuma ser um

momento de forte emoção e sentimento de pertencimento ao grupo, em que, muitas vezes, os

valores cidadãos destacados nesta pesquisa são espontaneamente mencionados pelos

participantes, como contribuições do teatro para sua formação. Em seguida, ainda de mãos dadas,

o grupo realiza o já mencionado ritual preliminar coletivo (vide capítulo 1), conhecido como

“oração do teatro”. Após o ritual, a roda se desfaz e todos se dirigem, em silêncio, para os lugares

onde devem estar no início da peça.

Durante a apresentação, os alunos são responsáveis por toda a movimentação e

organização dos bastidores, o que inclui entradas e saídas dos “atores” do palco, trocas de

cenários e de roupas, eventuais acionamentos de dispositivos como máquinas de fumaça, entre

outras atividades. Para que nenhum detalhe seja esquecido, é comum que os estudantes elaborem

roteiros especiais, que são afixados nas paredes dos camarins, contendo informações sobre toda

essa movimentação. Tudo deve ser realizado com atenção e de modo silencioso, para que a

concentração da plateia à peça não seja interrompida por ruídos ou movimentos que não fazem

parte da ação dramática que está sendo representada no palco. Conforme já mencionado no

capítulo 3, é comum que estudantes pertencentes a outras turmas de teatro – ou mesmo alunos da

escola que não participam regularmente de atividades teatrais – atuem como contrarregras nos

dias de apresentação. Para tanto, esses contrarregras costumam participar de alguns ensaios

corridos e dos ensaios gerais. Há também casos em que eles se unem ao grupo que vão auxiliar já

na etapa 4 (“marcações de palco e primeiros ensaios”).

Após a estreia, professora e alunos conversam sobre suas impressões a respeito da

apresentação. Se preciso, são realizados ensaios localizados para corrigir eventuais problemas.

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Com os grupos de Ensino Fundamental, cujas apresentações costumam ocorrer em um único dia

(como colocado no capítulo 3), esses ensaios localizados ocorrem no intervalo entre as duas

apresentações. Com os grupos de Ensino Médio, cujas apresentações são no período da noite, os

ensaios localizados ocorrem durante a tarde do próximo dia de apresentação. Por vezes, com

turmas de Ensino Médio, há um intervalo de uma semana entre uma apresentação e outra.

Quando isso ocorre, além dos ensaios localizados, realiza-se um ensaio corrido antes do

espetáculo, para que todos os detalhes sejam relembrados.

Em geral, a última apresentação de uma peça coincide com o término das aulas de teatro

daquele ano, marcando a conclusão de todo o trabalho descrito neste capítulo.

4.3 Conclusões do capítulo

Como se viu ao longo deste capítulo, o trabalho com teatro no IEI é realizado visando à

exploração e apropriação da linguagem teatral, em processos que se pautam pela participação

ativa de todos os integrantes do grupo. A colaboração, o diálogo aberto e os processos decisórios

coletivos, explorados na primeira seção do capítulo são a base para o desenvolvimento de todos

os procedimentos metodológicos descritos na segunda unidade. Todos esses elementos podem

colaborar com a formação da cidadania, em especial no que tange aos processos de emancipação

dos indivíduos. Afinal, ao explorar e ampliar seus recursos expressivos em uma atividade

artística, calcada em princípios democráticos, o aluno exercita a “autonomia do pensar e do

fazer” (GOHN 2010, p.14), característica citada no capítulo 1 como fundamental ao cidadão

emancipado.

A analogia entre a metodologia utilizada na escola em questão e os processos

colaborativos comuns a grupos de teatro da contemporaneidade, como visto, é também um

importante elemento de análise do trabalho realizado, quando se pensa sob a perspectiva da

cidadania. Neste ponto, é interessante observar que do mesmo modo que no teatro profissional,

quando participa de processos colaborativos, o ator explora a cena e propõe soluções artísticas

que, de tão eficientes, são levadas ao palco sem intervenção do diretor, o mesmo ocorre nos

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processos desenvolvidos na escola pesquisada. Muitas foram as vezes em que os estudantes,

engajados na exploração da linguagem e comprometidos com a criação artística, apresentaram

cenas que foram incorporadas ao espetáculo que estava sendo montado com pouca ou nenhuma

intervenção da professora. Esse tipo de situação, vale frisar, é mais comum no Ensino Médio do

que nas turmas de Ensino Fundamental. Mais do que a idade dos participantes, contribui para as

cenas bem montadas o fato de, na escola estudada, os alunos terem a oportunidade, como visto no

capítulo anterior, de frequentar aulas de teatro desde o quinto ano do Ensino Fundamental.

Assim, ao chegar ao Ensino Médio, muitos dos alunos já estão familiarizados com os modos de

produção e com a linguagem teatral, de modo que muitas vezes exploram os recursos da cena

com autonomia, de maneira análoga a artistas profissionais.

Vale observar, levando em conta os aspectos apresentados no capítulo, que o trabalho

com teatro desenvolvido na escola em foco tem como uma das principais características a

flexibilidade, no sentido de adaptar cada processo à turma e aos alunos com os quais se está

lidando. Trata-se de mais um aspecto que aproxima o trabalho descrito da educação não formal,

marcada, de acordo com Afonso (1989, p. 78), por “flexibilidade na adaptação dos conteúdos de

aprendizagem a cada grupo concreto”.

Nessa busca de adaptação a perfis variados de estudantes e grupos, são utilizados (em

especial durante a fase de aulas livres) procedimentos advindos de fontes diversas, o que marca o

trabalho aqui descrito por certo sincretismo de correntes metodológicas. Constitui-se, dessa

forma, uma metodologia própria (ainda que não exatamente original, já que incorpora elementos

de tantas outras). Ryngaert (2009) posiciona-se de maneira favorável a essa fusão de diferentes

tendências pedagógicas no trabalho com teatro. Para o autor, “a transposição demasiado

exclusiva de um modelo artístico no domínio pedagógico só serviria para empobrecê-lo ou

caricaturá-lo” (p. 29-30). O sincretismo do trabalho com teatro na escola é também entendido

como positivo por Cabral (2007), na medida em que oferece ao aluno a oportunidade de conhecer

uma multiplicidade de procedimentos referentes ao fazer teatral, estando, portanto, em

consonância com o teatro contemporâneo.

O fazer teatral contemporâneo coloca em questão o cruzamento das diversas

situações, vivências, circunstâncias e oportunidades no desenvolvimento de

habilidades e ampliação do conhecimento. [...] A ampliação da percepção crítica

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requer vivências diferenciadas. Assim, a variedade de abordagens, no percurso

das experiências de teatro na escola, como canal para perceber e aceitar a

diferença pode ser uma meta, além de evitar a reprodução cultural e social de um modelo específico. O risco de um modelo, no contexto do ensino de teatro na

escola, é o seu gradual distanciamento do fazer teatral contemporâneo. Este risco

pode se acentuar se o professor não se precaver contra a rigidez e a rotina na

adesão de uma metodologia específica (CABRAL, 2007, p. 2).

O processo de montagem de peças descrito neste capítulo também se caracteriza pela

flexibilidade na medida em que envolve sempre uma participação bastante ativa dos alunos:

cenas improvisadas em sala de aula, ideias dos estudantes surgidas em meio a ensaios, músicas e

textos sugeridos ou mesmo criados por eles vão sendo incorporados aos espetáculos montados,

que, em geral, acabam se tornando produtos de processos colaborativos.

Cabe aqui lembrar que “processo” e “produto”, por muitos anos, foram tratados como

antagônicos no campo do teatro aplicado à educação (RIBEIRO, 2010). Como visto no capítulo

2, autores pioneiros na área em questão, como Winifred Ward, Caldwell Cook e Peter Slade,

defendiam o processo como centro do trabalho com teatro em escolas, opondo-se às formas

tradicionais de se fazer teatro em ambientes educacionais, que em geral valorizavam apenas o

produto e não apresentavam preocupações com o desenvolvimento dos estudantes. Com o passar

do tempo, alguns autores começaram a questionar esse tipo de trabalho, focado essencialmente na

espontaneidade e no desenvolvimento de aspectos psicológicos, e passaram a defender a

aprendizagem de conteúdos específicos da linguagem teatral. As teorias atuais tendem a defender

uma espécie de reconciliação entre processo e produto (RIBEIRO, 2010). Fleming (1999, p. 14),

por exemplo, argumenta:

Durante as dramatizações improvisadas, qualquer que seja a forma que estas tomem, os alunos estão sempre a trabalhar para um produto. Do mesmo modo

que quando estão envolvidos na representação teatral estão simultaneamente

envolvidos no processo dramático. Tentar preservar a distinção exclusiva entre o processo e o produto é como tentar distinguir o desafio de futebol do ato de

jogar futebol; é como se alguém negasse a possibilidade de falar sobre o

resultado do jogo ou de identificar um jogador chave para a sua equipe

argumentando que os jogadores só estão envolvidos no processo.

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É exatamente nessa perspectiva que se desenvolve o trabalho com teatro na escola aqui

retratada. Entendemos, portanto, que a montagem de peças teatrais, como produtos artísticos, não

significa um retrocesso às práticas pedagógicas tradicionais utilizadas até meados do século XX,

época em que, conforme também colocado no capítulo 2, os alunos apenas decoravam suas falas

e tinham seus movimentos de cena rigorosamente marcados, visando apresentações em datas

comemorativas. Pelo contrário: o produto, na instituição abordada, é compreendido como parte

de um processo, do qual todos os envolvidos participam ativamente, e em que todas as etapas são

importantes.

Como visto neste capítulo, os procedimentos metodológicos estudados são organizados,

primordialmente, visando à apropriação da linguagem teatral. Linguagem esta que é

evidentemente artística e que, como arte, carrega processos que lhe são próprios. E se as

atividades teatrais desenvolvidos na escola pesquisada compreendem o teatro como arte, o fazer

teatral ali proposto traz consigo um modo crítico/reflexivo, que é próprio da arte. Afinal, o fazer

artístico abre espaço para pensar e questionar a realidade, as pessoas, as relações e o mundo sob a

vertente da sensibilidade e da imaginação; possibilita, ainda, reorganizar essa reflexão e expressá-

la a partir de uma linguagem estética específica, que une o concreto e o simbólico, promovendo

formas de comunicação extracotidianas. Em nosso entendimento, é justamente esse modo

crítico/reflexivo que torna o fazer artístico atividade propensa à instauração de processos

emancipatórios e à consequente conquista da autonomia.

Desse modo, chegamos ao final deste capítulo com a compreensão de que o exercício

cidadania – e, dentro dela, o desenvolvimento da autonomia e da emancipação – é inerente a

processos que se pautam pela exploração do teatro como linguagem artística. Portanto, pode-se

entender que os processos desenvolvidos no IEI, ao serem organizados com a intenção de

promover a apropriação da linguagem teatral – compreendida como fazer artístico – trazem

intrínseca a tríade de valores que sustentam a cidadania.

Essa reflexão, evidentemente, é baseada na análise da própria professora de teatro, que, na

condição de pesquisadora, buscou refletir sobre os procedimentos que desenvolve na escola em

foco. Cabe, agora, compreender os processos descritos e sua contribuição para a formação da

cidadania sob outro o ponto de vista: o dos estudantes. É a essa compreensão que se dedica o

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capítulo subsequente, que analisa entrevistas realizadas com alunos e ex-alunos da instituição

abordada, que vivenciaram o processo de trabalho com teatro descrito neste capítulo.

Figura 36 – Final de apresentação (2012)

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SINGULARIDADES DOS PROCESSOS TEATRAIS DO IEI – PARTE II

Programas e montagens de peças

Nesta seção, são analisados três programas de peças montadas no IEI59

. A partir de

elementos (textos, fotos e desenhos) de cada um desses programas, são destacadas algumas

singularidades dos processos de montagem a que os materiais se referem. As particularidades

expostas se configuram como exemplos práticos de algumas das características do trabalho

desenvolvido na instituição, apresentadas nos capítulos 3 e 4. Todas as singularidades destacadas,

como se verá, apresentam relações com a temática da cidadania. No DVD anexado à dissertação,

podem ser conferidos vídeos e fotos de cada uma dessas encenações.

- SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO

Figura 37 – Sonho de uma noite de verão (a)

Este espetáculo foi montado no ano de 2010, com a turma de teatro do Ensino Médio. A

própria capa do programa (ANEXO G) já permite uma primeira observação sobre a participação

ativa dos alunos em aspectos diversos da montagem: o desenho é de autoria de um então aluno da

instituição, que, embora não participasse desse espetáculo, havia feito parte do elenco da peça

59 Capa e páginas internas de cada um desses programas podem ser visualizadas nos ANEXOS G, H, I, J, K, L, M,

O, P, Q, R, e S.

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montada no ano anterior. Toda a arte gráfica do programa (fotos, cores, diagramação etc.) foi

realizada por uma ex-aluna, participante do elenco.

Na contracapa (ANEXO H), o primeiro texto que aparece (intitulado “Sobre o teatro na

escola...”) é de autoria da diretora do IEI. Em sua reflexão (inspirada nos PCN – Arte), fica clara

a valorização do teatro por parte da instituição. Uma valorização conquistada no decorrer de anos

de trabalho, conforme visto no capítulo 3. O posicionamento da diretora, que pondera sobre o

papel do teatro na escola, leva em conta algumas das especificidades da arte, tais como a

combinação entre o concreto e simbólico e a possibilidade de integrar, em uma mesma atividade,

pensamentos, sentimentos e expressões. Outro ponto que merece ser destacado é a relação

bastante clara entre o teatro e a cidadania, expressa nos dizeres da representante da escola: para

ela, a atividade permite ao aluno uma melhor “[...] inserção e participação na sociedade”,

possibilita ao estudante “[...] responder com mais flexibilidade aos desafios que o mundo impõe”

e pode promover uma “[...] constante transformação de si e da realidade circundante”. Como se

nota por meio desses comentários, um tópico de fundamental relevância nesta pesquisa – a

transferência dos aprendizados construídos com a participação no teatro para outros aspectos da

vida – é levantado e defendido pela diretora da instituição. Neste contexto, destaca-se a afirmação

de que a escola “[...] acredita no teatro como eficiente instrumento de educação para a vida”.

O segundo texto que aprece no programa, intitulado “A montagem...” (ANEXO H), é de

minha autoria. Nele, comento sobre como são escolhidas as peças montadas na escola e,

especificamente, sobre a seleção de Sonho de Uma Noite de Verão. No comentário, é possível

entrever algumas das características dos processos de montagem realizados no IEI, destacadas no

capítulo 4: primeiro, a flexibilidade dos encaminhamentos metodológicos, que se adéquam ao

perfil de cada turma (um traço, conforme já colocado, característico da educação não formal);

depois, a participação dos estudantes nos processos decisórios. Como diretora da peça e

professora, muitas vezes sou eu quem propõe os textos a serem montados. Porém, como também

descrito no capítulo, os estudantes são sempre consultados a respeito dessas escolhas (em

processos decisórios coletivos). Com o texto shakespeariano não foi diferente: de acordo com o

que se lê no programa, ao pensar na obra como possível encenação, compartilhei “[...] com a

turma meus pensamentos e, depois de alguns debates e certa indecisão, optamos pelo Sonho”.

Ao virar a primeira página, podem-se ver as fotos dos integrantes do elenco (ANEXO I).

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Aqui, é interessante destacar que a última fileira de imagens (parte inferior do programa, na

horizontal) é composta apenas por ex-alunos e professores da instituição, que também fizeram

parte da encenação. Há ainda alguns alunos no elenco que pertenciam, à época, ao Ensino

Fundamental, o que se configura como exemplo concreto do diálogo intergeracional que a

atividade teatral promove, citado no capítulo 3. Também como exemplificação desse tipo de

convívio, podemos destacar a ficha técnica do espetáculo (ANEXO I). Todos os nomes da seção

“Staff” (contrarregras) são de estudantes que cursavam Ensino Fundamental e que se dispuseram

a auxiliar o Ensino Médio em sua montagem.

Finalmente, é relevante dar destaque ao texto intitulado “Sobre nós...” (ANEXO J),

escrito por uma estudante, em nome de todos os alunos participantes da peça. Sua reflexão chama

a atenção no que tange às especificidades do fazer teatral na visão de quem vivencia o processo.

Nessa ponderação, muitos aspectos ligados à cidadania – e mencionados nesta pesquisa – podem

ser reconhecidos. Um deles é a abdicação de desejos pessoais em prol do pensar coletivamente,

aspecto mencionado já em nosso capítulo 1. Outro ponto a que também fizemos referência no

capítulo inicial e que aparece na reflexão da aluna é a “oração do teatro”. O ritual, nas palavras da

estudante, aparece como a representação máxima do fazer coletivo: “Nesse momento, não

existimos individualmente; pois ao entrelaçarmos os dedos, tornamo-nos um grupo, unificamo-

nos.” Como será visto no capítulo 5, esse ritual foi também destacado por muitos dos sujeitos

entrevistados.

Figura 38 – Sonho de uma Noite de Verão (b)

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- O HOMEM DO PRINCÍPIO AO FIM

Figura 39 – O Homem do Princípio ao Fim (a)

Esta peça, apresentada por estudantes de Ensino Médio no ano de 2011, é um exemplo de

texto adaptado (o espetáculo é uma adaptação da obra homônima de Millôr Fernandes), em que

se destaca o caráter colaborativo da criação. No texto do programa intitulado “O trabalho”

(ANEXO L), evidencia-se a participação ativa dos alunos durante todo o processo de montagem,

o que se configura como exemplificação de alguns procedimentos descritos na seção 4.2.2

(“Montagem de peça teatral”): primeiro, ao entrar em contato com a obra original, os estudantes

concordaram em montá-la; depois, sentiram a necessidade de adaptá-la para deixar o texto mais

atual e adequado ao público escolar; então, seguiu-se um processo de criação de novas cenas, do

qual todos os alunos participaram ativamente.

Outro aspecto da montagem relacionado à cidadania diz respeito ao conteúdo de algumas

cenas do espetáculo. Como se nota no primeiro texto apresentado no programa, de título “A

inspiração” (ANEXO L), a peça de Millôr Fernandes tem como foco central “[...] o homem e

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suas mais diversas facetas, qualidades, imperfeições e emoções”. Essa temática possibilitou levar

ao palco situações que permitiam refletir sobre os valores de liberdade, igualdade e participação.

Foi o caso, por exemplo, do quadro intitulado “O homem, lobo do homem”, em que os alunos

discutiam tipos diversos de violência e realizavam cenas que faziam alusão à ditadura militar no

Brasil e à Segunda Guerra Mundial. Foi também o caso do quadro “O homem e seu fim”, em que

os atores refletiam sobre opressão, conflitos armados e a convivência entre os homens.

Figura 40 – O Homem do Princípio ao Fim (b)

Participantes cantam Cálice, de Chico Buarque, remetendo à ditadura militar no Brasil

Na parte do programa dedicada às fotos dos membros do elenco (ANEXO M), é

interessante observar que, assim como em Sonho de Uma Noite Verão, apesar de a montagem ser

do grupo de teatro do Ensino Médio, participaram também da encenação ex-alunos, funcionários

da instituição e estudantes mais novos (os membros do “Staff” cursavam Ensino Fundamental).

Na seção “Ficha Técnica” (ANEXO L), todas as funções indicadas (à exceção de “cenógrafo”,

“figurinista” e um dos músicos) foram exercidas por alunos, ex-alunos, professores e outros

funcionários da instituição. Vale ainda destacar que toda a arte do programa (imagens, fotos,

diagramação, cores etc.) é de autoria de dois ex-alunos, participantes do elenco.

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- AUTO DA COMPADECIDA

Figura 41 – Auto da Compadecida (a)

Este espetáculo foi encenado no ano de 2012 por alunos do grupo de teatro do Ensino

Médio. Como se pode notar no texto “Sobre o grupo” (ANEXO O), de minha autoria, a

montagem de Auto da Compadecida foi uma das experiências mais significativas em termos de

trabalho coletivo que já vivenciei como educadora. Os eventuais conflitos e as discordâncias que

não raro acontecem no decorrer de processos criativos em que há muitas pessoas envolvidas

(como são aqueles vivenciados com alunos no IEI) não ocorreram durante o processo de

montagem deste espetáculo. Apesar das diferenças entre os participantes (de idade, de

experiência, entre outras, citadas no programa), o que predominou durante toda a criação da peça

foi, como se pode ler no texto mencionado, “[...] coleguismo, respeito mútuo, colaboração,

preocupação com o outro, gentileza.”. Essa não é apenas uma percepção pessoal sobre o trabalho

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desenvolvido para a realização do espetáculo – ela é partilhada pelos alunos que participaram da

montagem, como se pode notar com o seguinte comentário, postado em rede social por um dos

participantes:

“Nada supera a sensação de estar no palco!”, era o que eu pensava até o começo

do ano, antes de começarmos a preparar o Auto da Compadecida. Porém, com o

passar do tempo, percebi que só é bom estar no palco se eu tenho com quem dividi-lo. E eu tive o prazer de poder dividi-lo com vocês! Hoje, meu

pensamento é outro: nada supera a sensação de estar no palco com o elenco do

Auto da Compadecida. (Estudante do IEI, Facebook, 2012).

Apesar de trabalharmos a partir de um texto pronto (de autoria de Ariano Suassuna), o

trabalho colaborativo também foi intenso na criação deste espetáculo. Primeiro, porque tendo em

vista o número de alunos no elenco (muito superior ao de personagens do texto original), foram

elaboradas novas falas e algumas cenas adicionais. Segundo, porque todo o processo de

montagem de cenas contou com uma participação bastante engajada dos estudantes.

Esses dois aspectos da encenação estão intimamente relacionados aos valores cidadãos de

participação, igualdade e liberdade. A integração ao espetáculo de todos os estudantes desejosos

de fazer parte da apresentação é um procedimento que valoriza a participação. A igualdade é

outro valor que se faz presente nesse processo, já que independentemente do personagem

desempenhado por cada aluno – e nesta peça, em particular, há papéis com muito mais falas que

outros –, todos são tratados com a mesma importância (esse aspecto do trabalho com teatro no

IEI foi, inclusive, bastante valorizado pelos sujeitos entrevistados, como se verá no capítulo 5). Já

a liberdade é um valor que se evidencia na participação ativa dos estudantes ao longo de toda a

montagem; afinal, tal característica do processo indica que os participantes se sentiram livres para

se expressar, sugerir e criar.

Essa liberdade, a propósito, está expressa em muitos dos depoimentos que os próprios

participantes do elenco escreveram para o programa, expostos em “O teatro na visão do elenco”

(ANEXOS R e S). Como se pode ler na seção mencionada, uma das atrizes coloca: “teatro é

liberdade”. Aliás, quando o programa estava sendo criado, essa mesma frase foi sugerida por

outros estudantes como definição do que seria o teatro para cada um deles. Para não haver frases

repetidas, muitos modificaram seus depoimentos, mas mantiveram expressões em que o valor da

liberdade se evidencia, como “deixar livre o que você esconde no dia-a-dia”, “ser você mesmo”,

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“ser quem você quiser, sem se preocupar com o que os outros vão pensar a seu respeito”, “criar

um espaço livre” e “lugar onde eu posso ser o que eu quiser”.

É interessante lembrar que também faz parte deste programa o texto com que abrimos o

capítulo 3 (“As possibilidades de expressão e experimentação que o teatro proporciona nos fazem

enxergar a realidade com um olhar renovado.”), estritamente relacionado, como visto, à dimensão

emancipatória do fazer teatral. Outros textos de estudantes apresentados neste programa apontam

na mesma direção: “Acho que fazer teatro é saber que você pode mais, que pode ir além” e “ [...]

o teatro nos ajuda a olhar além, a voar alto” são depoimentos em que também se entrevê a

contribuição do teatro para o processo de emancipação dos sujeitos. Afinal, ao afirmar que o

teatro possibilita ir e olhar “além”, os estudantes deixam subentendida a ideia de que a atividade

permite lançar diferentes olhares sobre a realidade e construir novas realidades.

Por fim, vale mencionar que, assim como nos outros programas, na seção dedicada às

fotos do elenco (ANEXO P), há não apenas estudantes de Ensino Médio, mas também alunos de

Ensino Fundamental e ex-alunos da instituição. Na “ficha técnica” (ANEXO Q), a maioria dos

nomes são de alunos, ex-alunos, professores e funcionários da escola.

Figura 42 – Auto da Compadecida (b)

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5 TEATRO E CIDADANIA NO IEI: MEMÓRIAS DOS PARTICIPANTES

Este capítulo é dedicado à apresentação e análise dos dados obtidos por meio das

entrevistas realizadas com os sujeitos selecionados para o estudo. Assim como convidamos o

leitor a visitar o “lugar memória” da pesquisadora quando da apresentação do histórico do teatro

no Instituto Educacional Imaculada, convidamo-lo, agora, a conhecer melhor esse mesmo teatro,

passeando pelos “lugares memórias” de outros indivíduos: estudantes que por ali passaram, em

diferentes tempos, e que, nas entrevistas realizadas, fazem reviver esses seus tempos de teatro,

revisitando-os na memória e os resignificando sob a ótica da cidadania.

Chamaremos os entrevistados de “atores” porque os compreendemos como agentes

construtores de suas próprias histórias de vida e também porque os consideramos como sujeitos

cujas participações foram ativas na construção da história do teatro da instituição pesquisada. Ao

chamá-los atores, não desconsideramos – aliás, assumimos propositadamente – a ambiguidade do

termo, uma vez que se trata de sujeitos que relatam experiências como “atores” de teatro.

Esses atores, nas entrevistas, foram convidados a pensar sobre algumas de suas histórias

(as dos tempos de teatro e também as que vivenciam hoje, em outros espaços). E quando

utilizamos o verbo “pensar”, o entendemos sob a mesma perspectiva de Bondía (2002, p. 21):

“pensar não é somente ‘raciocinar’ ou ‘calcular’ ou ‘argumentar’, como nos tem sido ensinado

algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece”. Nesse pensar

que se configura como atribuição de sentido às experiências vividas, os atores refletiram sobre

cada um dos valores cidadãos: participação, liberdade e igualdade.

No capítulo 1, ao abordarmos o conceito de cidadania, recorremos à conceituação

atribuída ao termo por José Murilo de Carvalho. O estudioso pondera que o ideal de cidadania

plena diz repeito a uma combinação entre participação, liberdade e igualdade, e que esse ideal,

ainda que talvez inatingível, “[...] tem servido de parâmetro para o julgamento da qualidade da

cidadania em cada país e em cada momento histórico” (CARVALHO, 2010, p. 9, grifos nossos).

Tomando por base essa afirmação e considerando que um dos intuitos desta pesquisa é

justamente estudar o processo da cidadania – neste caso, promovida por atividades teatrais –, os

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três valores cidadãos foram utilizados como parâmetros para ajudar a direcionar o olhar dos

atores para o complexo e abrangente fenômeno da cidadania. Por isso, as questões das entrevistas

foram dividas em blocos, dentre os quais há um em que se pergunta especificamente sobre

liberdade, outro sobre participação e um terceiro sobre igualdade. (O roteiro das entrevistas

encontra-se no APÊNDICE B e a filmagem das mesmas no DVD em anexo.) Por conta dessa

divisão e também com vistas a um estudo dos dados que permita abordar o tema “cidadania” de

maneira a direcionar nossa análise aos objetivos da pesquisa, este capítulo apresenta seções em

que se abordam, separadamente, cada um dos valores cidadãos.

Em nossa análise, são exploradas não apenas as memórias relativas ao teatro, mas também

situações vivenciadas pelos atores em três diferentes esferas sociais: ambiente de trabalho ou

estudantil, relações afetivas e participação na vida pública. São analisadas as relações

estabelecidas pelos atores entre o trabalho com teatro da época escolar e a maneira como

vivenciam, hoje, liberdade, igualdade e participação em cada um desses diferentes campos de

suas vidas. Com isso, buscamos entender se os valores cidadãos desenvolvidos e/ou exercitados

durante as atividades teatrais são transferidos para outros campos da vida social dos indivíduos, e

como esses sujeitos situam tais influências dentro de suas trajetórias – meta, vale lembrar,

levantada na introdução da pesquisa.

Antes dessa abordagem, apresentamos uma seção inicial intitulada “Os atores”, em que

são explicitados maiores detalhes sobre os entrevistados. Nessa unidade, são destacadas respostas

a perguntas gerais (não direcionadas aos valores cidadãos), nas quais, espontaneamente, os

sujeitos teceram comentários em que se podem entrever aspectos de cidadania destacados ao

longo da pesquisa. Além disso, essa primeira seção também aponta para as influências do teatro

na construção das histórias de vida dos atores.

No decorrer de todo este capítulo, o que se expõe são experiências. E “experiência” é

também um termo que entendemos de acordo com a definição de Jorge Larrosa Bondía:

É experiência aquilo que “nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao

nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está,

portanto, aberto à sua própria transformação (BONDÍA, 2002, p. 25-26).

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Entendemos, pois, que grande parte do conteúdo aqui apresentado são fragmentos,

recortes, frações de memórias de cada um dos atores. Fragmentos que não contam,

evidentemente, toda a história do teatro da escola abordada, mas que constituem verdadeiras

experiências ali vivenciadas: aquelas que, por motivos diversos, marcaram, tocaram, tiveram

significado para aqueles que as rememoram. Experiências traduzidas em histórias, que, por sua

vez, formam e transformam a história de cada um dos indivíduos entrevistados e também a

própria história do teatro nessa escola. Experiências que nos ajudam a pensar a noção de

cidadania sob a perspectiva específica dos processos teatrais.

5.1 Os atores

Conforme colocado na introdução da dissertação, foram selecionados para as entrevistas

indivíduos que fizeram teatro no IEI, como estudantes do Ensino Médio, por no mínimo dois

anos. Alguns deles, vale mencionar, também participaram das atividades enquanto alunos de

Ensino Fundamental e todos os ex-alunos entrevistados integraram grupos de teatro da escola

quando já não eram mais estudantes da instituição.

Ao selecionarmos os entrevistados, quisemos incluir tanto ex-alunos que já estivessem no

mercado de trabalho quanto atores que ainda fossem estudantes (universitários ou de Ensino

Médio). Por isso, trabalhamos com dois grupos de sujeitos: o primeiro é composto por indivíduos

maiores de 21 anos, que fizeram teatro no IEI, enquanto alunos da instituição, há mais de quatro

anos (atores 1, 2 e 3 – inseridos no mercado de trabalho); o segundo grupo é o de sujeitos com

idade até 18 anos e cujas experiências com atividades teatrais no colégio ocorreram nos últimos

três anos (atores 4, 5 e 6 – estudantes de Ensino Médio ou Superior). É importante ressaltar,

porém, que a análise das respostas não está divida por grupos; a divisão aqui explicitada foi um

critério apenas para a seleção dos entrevistados, visando à obtenção de respostas que apontassem

para uma amostragem diversificada das influências do teatro nas trajetórias de vida dos diferentes

atores. Cumpre também mencionar que os sujeitos foram entrevistados individualmente.

Todas as entrevistas foram realizadas no auditório do IEI e duraram, em média, 45

minutos. O quadro a seguir mostra informações gerais sobre cada um dos atores:

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200

Quadro 4 – Atores

Ator Idade Sexo Ocupação

atual

Período em

que fez

teatro no

IEI60

Peças das quais participou61

(enquanto aluno do IEI)

1 30 Masc. Advogado 1996 – 2000

Cenas do Cotidiano I, Cenas do

Cotidiano II, Geração Trianon, Morte e

vida Severina, Plunct Plact Zumm.

2 22 Fem. Professora de

Línguas e

Redação /

Professora

auxiliar de

teatro no IEI

2007 – 2008 A Bruxinha que era Boa; O Rapto das

Cebolinhas; Porque a Vida não Para.;

A Arca; O Patinho Feio; Era uma vez

um Relógio.

3 21 Fem. Produtora

audiovisual /

Estudante

universitário

(Curso:

Midialogia)

2005 – 2009 Aventura Encantada;Geração Trianon;

Lendas que o Rio Contou; Venha Ver o

Sol Nascer; A Bruxinha que era Boa; O

Rapto das Cebolinhas; A Arca; Porque

a Vida não Para; Era uma Vez um

Relógio; Perfeitópolis, o Musical.

4 18 Masc. Estudante

universitário

(Curso:

Comunicação

Social)

2008 – 2012 Procura-se o Super-Homem; Tá na

Mira; Sonho de uma Noite de Verão;

Nem Tudo está Azul no País Azul; O

Homem do Princípio ao Fim; Auto da

Compadecida.

5 17 Fem. Estudante

universitário

(Curso: Artes

Cênicas)

2010 – 2012 Sonho de uma Noite de Verão; O

Homem do Princípio ao Fim; Auto da

Compadecida.

6 17 Fem. Estudante

(Ensino

Médio)

2009 – 2013 Filme Triste; E a Brincadeira já vai

Começar; Nem Tudo está Azul no País

Azul; Era uma Vez um Relógio; O

Homem do Princípio ao Fim; Esse

Trem Via pra Onde?; Auto da

Compadecida; Dionísio Sumiu.

60 O período diz respeito aos anos em que o entrevistado fez teatro no IEI, enquanto aluno da instituição. Inclui tanto

o período em que o estudante participou das atividades teatrais no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio.

Os atores 1, 2, 3, 4 e 5 também participaram das atividades teatrais da escola como ex- alunos. 61 A lista inclui tanto os espetáculos montados com os grupos de teatro de que os entrevistados faziam parte, quanto

peças de outras turmas, em especial de alunos mais jovens, nas quais os sujeitos assumiram funções de

contrarregragem, criação de texto e confecção de cenários.

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201

Vale destacar que o ator 2 (o qual, como se vê no Quadro 4, trabalha atualmente na

escola), assina a autoria de diversos textos ali encenados. O sujeito, durante a entrevista,

lembrou-se de como começou a escrever peças: foi quando estava no Ensino Médio e participava

do teatro auxiliando na confecção de cenários e na contrarregragem de peças de alunos do Ensino

Fundamental. Na época, a professora precisava montar uma encenação para crianças sobre a

passagem bíblica da Arca de Noé, e perguntou ao ator 2 se ele conhecia algum texto infantil

sobre a história mencionada. O entrevistado conta que como não conhecia nenhum texto como o

solicitado e tampouco conseguiu encontrar algo do gênero, resolveu escrever, por conta própria,

uma peça infantil com a referida temática. O texto foi encenado e, a partir de então, o ator 2

passou a escrever diversas peças para as turmas de teatro da escola. Essa experiência fez com que

o sujeito optasse por cursar faculdade de Letras.

Com o teatro [...] aprendi que a palavra é linda e que a literatura é linda. Porque o teatro não é só encenação – a gente aprende isso aqui também. A

gente aprende que o teatro é tudo: é palavra, é encenação, é o de trás da

cortina. Não é só a apresentação. Então eu escolhi fazer a faculdade que eu fiz

por causa do teatro; porque eu queria trabalhar com a palavra, eu queria escrever textos de teatro, mostrar para as pessoas esse teatro (ATOR 2).

Todos os demais entrevistados também disseram que o teatro escolar, de alguma maneira,

influenciou suas escolhas profissionais. O ator 5, que atualmente cursa Artes Cênicas, fez teatro

em outros locais antes de entrar na escola pesquisada. Naquela época, pensava em continuar

fazendo teatro quando se formasse no Ensino Médio, mas não sabia se cursaria faculdade de

Artes Cênicas ou se faria apenas um curso profissionalizante. Na primeira aula de teatro do IEI da

qual participou, pensou: “Não quero mais sair daqui” (ATOR 5) e já começou a definir sua

escolha profissional. O sujeito se lembrou de que nessa aula foi feito um círculo de discussão

(procedimento descrito no capítulo 4), em que os alunos que participavam das atividades há mais

tempo contavam aos demais sobre suas experiências, e relatou que esse momento foi muito

marcante para sua definição profissional. Além dele, o ator 1 também frequentou (apesar de não

concluir) faculdade de Artes Cênicas (por três anos). É interessante mencionar que outros dois

ex-alunos (não entrevistados para a pesquisa), por conta da experiência com teatro vivenciada na

escola, também optaram por Artes Cênicas como curso superior.

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202

Mas não apenas as escolhas de carreiras diretamente relacionadas ao universo teatral

podem ser destacadas como influenciadas pelo teatro escolar. O ator 6, por exemplo, que ainda

cursa Ensino Médio e almeja fazer faculdade de Psicologia, coloca que o processo de criação de

papéis proporcionado pelo teatro (descrito no capítulo 4) o auxiliou na escolha da carreira. Para o

entrevistado, esse auxílio veio do exercício de “[...] ver um pouco o que passa na cabeça do

personagem [...], conhecer pelo que ele passou, imaginar toda a história de vida e entender o

momento que ele está vivendo e o sentimento para colocar isso na cena” (ATOR 6). Aqui,

entrevemos uma interessante ligação entre a exploração da linguagem teatral e a construção da

história de vida do sujeito entrevistado.

Já o ator 3, que cursa Midialogia, conta que o teatro o auxiliou na escolha da carreira no

sentido de “[...] perceber que, ao contrário de um certo pensamento mais comum da sociedade,

eu não era obrigada a fazer algo seguro [...] pensando no que seria o padrão de segurança

econômica das pessoas” (ATOR 3). Essa colocação, que reflete a influência da experiência

teatral no exercício da liberdade – de pensamento e de escolha – e na formação da autonomia do

sujeito, nos remete à reflexão de Viganó (2006, p. 136), destacada no capítulo 1, segundo a qual o

teatro pode

[...] contribuir para a manutenção de uma experiência humana repleta de significados, ao fazer com que os indivíduos se envolvam em ações não

mediadas pelo valor de troca e de uso, nem pela lógica da eficácia. Ao mesmo

tempo [...] possibilita o exercício da liberdade, ao criar um espaço concreto para a expressão de ideias e atitudes que podem determinar a escolha de novos

caminhos possíveis (grifos nossos).

A conquista da autonomia e o consequente processo de emancipação também podem ser

observados nas respostas dadas pelos atores à seguinte pergunta: “Você enxerga, hoje, influências

da experiência teatral vivenciada na escola em diferentes aspectos e momentos de sua trajetória

de vida?”. Ao responder a essa questão, muitos dos entrevistados fizeram referência ao fato de o

teatro os ter auxiliado na superação da timidez, na coragem para ir ao encontro do outro, na

capacidade de expressar suas próprias opiniões, na “compreensão do mundo e das pessoas”

(ATOR 2). Cabe lembrar que no capítulo 1, destacamos a capacidade de elaborar e emitir

opiniões próprias como uma das contribuições mais importantes das atividades teatrais para o

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processo de emancipação dos sujeitos. O ator 3 faz uma interessante reflexão sobre essa

segurança e autoconfiança que o teatro é capaz de desenvolver: “Você perde esse mito sobre as

pessoas no sentido de ‘o que ela vai pensar de mim se eu for falar com ela?’. Então você acaba

vendo que as pessoas são só pessoas” (ATOR 3).

Neste ponto, é curioso notar a relação entre as respostas dadas à referida questão pelos

atores 1 e 6, respectivamente o mais velho e o mais novo dos entrevistados. O ator 6, ainda

estudante de Ensino Médio, observa que o teatro ajuda na superação da timidez e na conquista da

autoconfiança, na medida em que propicia um “[...] processo de abertura, de eu conseguir sair

da minha casca para conversar com os outros, para ser mais espontânea, conseguir ser eu

mesma” (ATOR 6). Na resposta do ator 1, podemos notar como um indivíduo com maior

experiência de vida, inclusive já inserido no mercado de trabalho, elabora as mesmas questões e

reflete sobre a influência do teatro na construção de sua história de vida. Ele conta que a primeira

mudança que percebeu quando começou a fazer teatro foi na própria escola, onde passou a se

colocar com mais segurança e com mais liberdade para se arriscar. Depois, rememorando os

tempos de faculdade, destacou que há momentos em que as pessoas precisam de um líder natural

e acrescentou: “Automaticamente, como você já está acostumado a se inserir dessa forma na sua

escola, você acaba se inserindo dessa forma na faculdade” (ATOR 1). Continuou, então, a

reflexão, agora já se referindo ao seu mercado de trabalho. Ponderou que em sua profissão não

lida com arte, mas que a todo momento tem de enfrentar situações em que precisa se expor, falar

de maneira improvisada, transmitir confiança, comunicar-se com pessoas mais velhas ou cujas

opiniões são distintas da dele. Em seguida, concluiu seu raciocínio com a seguinte reflexão:

“Todo esse tipo de coisa que você se coloca quando adolescente, fazendo teatro, permite que

você construa um repertório de experiências e de comportamentos, e tudo isso você vai utilizar

na vida adulta” (ATOR 1).

Outro ponto interessante de ser destacado nesta seção é que o ator 1 participou, junto com

a pesquisadora, do primeiro grupo de teatro da instituição. Em resposta à pergunta “Quais as

memórias mais significativas que você tem da atividade teatral experimentada durante a vida

escolar?”, suas lembranças giraram em torno das questões coletivas relacionadas às atividades

teatrais daquela época. “A gente sempre fazia tudo por nossa conta mesmo”, disse o entrevistado,

fazendo lembrar o que foi destacado no capítulo 3, quando da análise da história do teatro na

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instituição – a relação entre os primeiros anos da atividade na escola e os trabalhos coletivos de

grupos teatrais, em especial da década de 1970.

O caráter coletivo das atividades também foi destacado por todos os outros atores em suas

respostas a essa mesma questão. O fato de a atividade promover um diálogo intergeracional

(como mencionado no capítulo 3) e o convívio entre alunos que, se não fosse por conta do teatro,

possivelmente jamais teriam conversado, foi mencionado por dois dos atores. A união do grupo,

os ensaios até tarde da noite, o dividir o palco com pessoas que passaram, juntas, pelo mesmo

processo, os momentos que precedem a apresentação e a “oração do teatro” (mencionada nos

capítulos 1 e 4) foram outras memórias destacadas como algumas das mais significativas

proporcionadas pela atividade. Sobre as rodas de concentração realizadas em dias de espetáculo,

antes de os alunos entrarem em cena, um dos atores coloca:

Eu lembro vivamente de todas as vezes que a gente fez isso porque é como se o

grupo inteiro estivesse na mesma sintonia. [...] Essa é uma experiência muito

boa porque está todo mundo muito nervoso, apertando a mão, e a gente reza, chora, e depois todo mundo se abraça e grita “Merda!”. E quando acaba a

peça, é uma choradeira só. Eu acho esse final muito legal, porque está todo

mundo tão empolgado com o que acabou de acontecer... E todo mundo se ama muito nesse momento. Eu acho que esse momento do final da peça, que eu

vivenciei aqui, foi um dos mais fortes que eu vivi em termos de teatro (ATOR 5).

Esse depoimento lembra, em muito, o que David Hargreaves coloca sobre a importância

de apresentações teatrais realizadas por alunos, em suas escolas:

Os estudantes enxergam a última noite da peça como um momento de pesar e

tristeza; será a mesma escola de sempre amanhã, de volta às lições em sala de

aula [...] Os alunos tendem a se lembrar desses eventos mais do que quase qualquer outra coisa sobre a escola (HARGREAVES, 1990, p. 152).

Hargreaves, estudioso da área da Educação, faz a colocação acima em obra na qual

pondera sobre mudanças necessárias ao currículo para se construir o que ele chama de “escola

compreensiva” – aquela onde se preparam os jovens para a vida em sociedade. Para o autor, a

realização de peças teatrais deveria ser prática obrigatória a todos os estudantes e não atividade

extracurricular, da qual apenas uma minoria participa. Afinal, trata-se de “[...] uma contribuição

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única para a dignidade e a solidariedade comunitária” (HARGREAVES, 1990, p. 153). Nas

palavras do autor, podemos entrever uma reflexão análoga àquela da qual partimos para a

realização desta pesquisa: a de que a formação da cidadania pode ser estimulada via participação

em atividades teatrais. E é visando justamente a um melhor entendimento sobre essa hipótese que

nos dedicamos, nas próximas seções, à exploração das respostas dos atores às perguntas sobre

cada um dos valores cidadãos.

5.2 Liberdade

No capítulo 3, afirmamos que é comum, no teatro, ouvir dos alunos afirmações como:

“Aqui eu me sinto livre” ou “aqui posso ser eu mesmo”. No capítulo 4, em “Singularidades dos

processos teatrais do IEI – parte II”, mencionamos que quando o programa da peça Auto da

Compadecida estava sendo criado, muitos estudantes sugeriram, como definição do que seria o

teatro para eles, a frase “teatro é liberdade”.

Essas afirmações de alunos acerca do fazer teatral, tão recorrentes na escola pesquisada,

são bastante curiosas se considerarmos que o teatro é justamente a arte em que “não somos” nós

mesmos – afinal, quando atuamos, damos vida a personagens. E se personificamos distintos

papéis, não podemos, ao menos na apresentação de um espetáculo, ser “o que quisermos”; temos

de ser aquilo que nosso personagem demanda. Nas respostas dos atores às perguntas relativas ao

tema “liberdade”, houve reflexões bastante interessantes acerca desse aparente paradoxo, como se

verá no decorrer desta seção.

A liberdade de “ser o que quiser” e “fazer o que quiser” foi mencionada por diversos

atores na pergunta em que se pediu para relacionar o teatro vivenciado na escola e a liberdade.

Aliás, é interessante notar que “ser você mesmo”, característica tantas vezes utilizada para

descrever a experiência teatral, foi a definição que muitos dos atores deram para a própria palavra

“liberdade”.

Analisando as respostas dos diferentes atores, alguns pontos chamam a atenção, no

sentido de terem sido mencionados por todos os entrevistados. O primeiro desses pontos é a

exploração da linguagem teatral como prática associada à liberdade. Nessa exploração da

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linguagem, o que mais se destaca nas respostas dos atores é a prática – recorrente na escola em

foco, como descrito no capítulo anterior – da experimentação livre, da exploração, pelos próprios

alunos, dos recursos expressivos e da linguagem da cena. Nessa exploração, como colocou um

dos sujeitos, “[...] você pode ser o que quiser, falar o que quiser, com a entonação que você

quiser e os gestos que você quiser. E você inventa uma pessoa, você inventa um personagem,

você inventa o mundo” (ATOR 6). A expressão “inventar o mundo”, utilizada pelo ator, carrega

exatamente um dos pontos destacados nesta dissertação como fundamentais para a instauração de

processos emancipatórios: a capacidade de construir novas realidades. Essa capacidade,

propiciada pelo fazer artístico, pode ser transferida para outros campos, como de fato foi

destacado nas respostas de alguns dos entrevistados às perguntas que se referiam a diferentes

esferas de suas vidas. Essas respostas serão analisadas mais adiante.

Por ora, voltemos ao ponto que destacamos como o primeiro ponto de convergência nas

respostas dos atores, ao associar a prática teatral escolar ao conceito de liberdade: a prática da

experimentação livre no processo teatral. Na realidade, podemos compreender que dessa prática

derivam quase todos os outros tópicos levantados pelos atores, a saber: o desenvolvimento da

criatividade, a possibilidade do erro, o ambiente de não julgamento, a valorização do esforço

individual, a prática de expor a própria opinião, a aceitação da crítica e o desenvolvimento do

olhar crítico/reflexivo.

No capítulo 4, em que foram descritos os procedimentos utilizados no trabalho com teatro

da escola analisada, fica evidente que a exploração dos recursos expressivos e da linguagem da

cena, pelos alunos, é prática estimulada ao longo de todo o processo – tanto durante as aulas

livres, quanto no decorrer da montagem de um espetáculo. Ainda assim, é interessante notar

como os próprios atores assimilam e refletem sobre essa metodologia, atribuindo a ela o seu

desenvolvimento pessoal. O ator 5, por exemplo, cita os jogos teatrais realizados nas aulas livres

como uma primeira possibilidade proporcionada pelo teatro de “[...] eu me abrir um pouco mais

e brincar” (ATOR 5). Menciona, também, o fato de os estudantes poderem explorar, pensar e

criar suas cenas sozinhos (sem intervenção da professora), durante o processo de montagem de

peças, como um importante exercício de liberdade, que contribui para o desenvolvimento

criativo.

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O desenvolvimento da criatividade é também destacado por outros sujeitos como

consequência da experimentação livre dos recursos teatrais. O ator 2 acredita que o teatro o

tornou mais criativo, em especial no sentido de proporcionar “[...] a liberdade de poder pegar

minha ideia, colocar no papel, de sugerir e de ver isso ser aceito e ser feito”(ATOR 2). Essa

colocação se assemelha bastante à reflexão do ator 1, ao refletir sobre a prática teatral que

vivenciou quando adolescente:

Essa liberdade de você poder ser criativo e fazer algo, pensar algo e esse algo

se concretizar ou numa peça, ou numa cena, ou numa fala, ou num gesto, isso pra mim foi a liberdade lá atrás. A liberdade com você mesmo, de saber que

você pode fazer uma diferença em algo concreto, sem que necessariamente você

tenha que passar por alguma hierarquia, ou pedir para alguém, ou ouvir

alguém que tenha mais experiência (ATOR 1).

Como já colocado, o ator 1 fez teatro na época em que foi criado o primeiro grupo teatral

do IEI, ocasião em que o trabalho era primordialmente coletivo, no sentido de que todos eram

responsáveis por todos os aspectos do processo. Como mencionado no capítulo 3, a pesquisadora

(então aluna da instituição) “dirigia” as encenações, por ter certo contato prévio com teatro; mas

o trabalho era de fato tão coletivo que, como se vê na fala do sujeito acima destacada, não havia

qualquer tipo de hierarquia nas relações. Tanto que esse mesmo ator pondera que em seus tempos

de escola, até podia haver certa liberdade dentro da sala de aula, mas a relação ali estabelecida era

sempre “vertical”; ao passo que a experiência com teatro “[...] foi a primeira fase da nossa vida

em que a gente teve a possibilidade de fazer uma coisa mais horizontal [...] em que todo mundo

está no mesmo nível” (ATOR 5).

Com o passar do tempo, como também colocado no capítulo 3, a pesquisadora tornou-se

professora da instituição e, consequentemente, o processo se formalizou. As práticas, dentro de

nossa análise, passaram então a se enveredar mais pelos caminhos dos processos colaborativos,

comuns a grupos contemporâneos. Contudo – é importante frisar – essa foi, nos capítulos

anteriores, uma análise nossa. O estabelecimento da figura de um professor, que assume também

a função de diretor das montagens de peças, facilmente pode implicar relações hierarquizadas – e

o IEI não escapa a essa hipótese. Afinal, como mencionamos no capítulo 4, há momentos, por

exemplo, em que certas propostas dos estudantes para a construção de um espetáculo não são

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aceitas. De modo que o trabalho, que se pretende cooperativo, pode ser entendido de outro modo

quando analisado sob o ponto de vista dos alunos. Por isso, a análise dos capítulos precedentes

suscitaram questionamentos bastante pessoais para a autora desta dissertação: o processo que

desenvolvo é mesmo aberto à participação dos estudantes? Ou será que se trata de um trabalho

apenas pretensamente colaborativo? Os participantes, quando são dirigidos, estão de fato

sentindo-se criadores?

Esses questionamentos conduziram à elaboração de perguntas que não constavam no

roteiro das entrevistas, mas que foram realizadas nos momentos em que os atores diziam que, no

teatro, podiam ser, fazer ou dizer o que quisessem. Foi perguntado, por exemplo: “Mas vocês são

dirigidos, não?”, “Você acha que sua opinião é valorizada no teatro?” e “Como você pode fazer o

que quer se tem um personagem específico para representar?”. As respostas obtidas permitiram

não só compreender o ponto de vista dos sujeitos sobre a prática teatral na escola estudada, mas

também refletir sobre o paradoxo mencionado no início desta seção – ser quem se é na arte em

que “somos” outros.

Sobre o fato de serem dirigidos, uma das respostas dos entrevistados foi: “Sim, mas não é

uma direção coercitiva. Sempre a gente pode sugerir [...], dar opinião, [...] e também,

obviamente, ouvir. Então a coisa sempre vai estar no pé da igualdade ali” (ATOR 4). Outro ator

a quem foi dirigida a questão colocou o seguinte:

Sim, mas ao mesmo tempo você tem muita liberdade [...] é isso que eu acho tão

contraditório e tão legal ao mesmo tempo. [...] você tem que falar uma certa fala e de um certo jeito, mas ao mesmo tempo você se sente livre para fazer

aquilo porque você não pode ficar fazendo essas coisas lá fora. E aqui dentro

você pode. Você tem a liberdade de tentar esse movimento para ver se dá certo.

Se não dá, aí você pode voltar atrás e se permitir de novo, de novo e de novo, porque você está ensaiando. E lá fora [...], é real, é o tempo todo você ter que

fazer a coisa certa. E aqui você pode errar. Você tem essa liberdade de errar

(ATOR 6).

As reflexões dos alunos apontaram para compreensões da atividade teatral que coincidem

com a análise dos capítulos precedentes: os atores se percebem, sim, como colaboradores durante

todo o processo. E o fato de suas propostas cênicas por vezes não serem aceitas foi inclusive

levantado por muitos deles nas respostas, mas nunca como um aspecto negativo. Pelo contrário:

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os atores atribuíram grande relevância aos “simples” atos de sugerir, opinar, tentar, ter suas

opiniões ouvidas, mesmo que algumas das sugestões não fossem incorporadas à montagem final.

Os dois trechos abaixo mostram essa percepção:

Às vezes, para a pessoa ter subido no palco e falado alguma coisa já é um

esforço tão grande... Por mais que ela fale do jeito mais horrível do mundo para a peça [...], mas a pessoa ter ido lá, ter estudado, ter se esforçado... e saber que

ela trabalhou naquilo, que vai conseguir fazer, isso para a pessoa já é ótimo. E

ela sabe que ela vai conseguir fazer. Ela pode até ter medo, mas ela se sente

confortável para falar (ATOR 3).

Quando você sobe no palco, pega um texto e tem que interpretar, você vai

colocar pelo menos um pouquinho de você ali, e isso é basicamente liberdade

porque você vai fazer do seu jeito. E tem alguém ali que vai ver e, ah, talvez avaliar, mudar... Mas que vai ver, que vai olhar como você é, vai ver a opinião

que você tem e que está expressando ali [...] A opinião é totalmente valorizada.

Às vezes pode não ser aquilo que vai ficar melhor para o desempenho da peça,

ali, mas sempre é valorizada (ATOR 4).

Nos três últimos fragmentos de respostas explicitados, pode-se entrever que ao relacionar

teatro e liberdade, os atores destacam elementos como a possibilidade do erro, o fato de o aluno

se sentir “confortável para falar” e a valorização da opinião de todos. Essas características do

processo de trabalho foram, de certo modo, exploradas no capítulo anterior, quando se destacou o

diálogo aberto, a colaboração e os processos decisórios coletivos como aspectos centrais no modo

de coordenação do processo. Contudo, um dos entrevistados destacou um elemento também

primordial ao desenvolvimento da atividade, que ainda não havia sido levantado na dissertação: o

“ambiente de não julgamento” (ATOR 3).

Na realidade, fizemos menção, quando explicamos sobre os jogos teatrais (seção 4.2.1,

parte V), ao fato de a atividade não envolver a aprovação ou não aprovação das soluções cênicas

apresentadas pelos alunos. Entretanto, durante as entrevistas, ficou claro que o não julgamento é

característica fundamental não apenas dos jogos, mas de todo o processo de trabalho

desenvolvido na escola estudada. Característica, a propósito, fundamental ao desenvolvimento do

valor da liberdade. A percepção do ator que levantou essa questão denota uma compreensão

aprofundada do processo teatral em ambientes educativos, bem como da arte como linguagem,

como se pode notar na transcrição abaixo. Vale mencionar que o sujeito participou de montagens

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teatrais do IEI como ex-aluno da instituição e que, portanto, não apenas viveu a experiência

enquanto estudante, mas também pôde ver seus reflexos em sujeitos mais jovens.

Sobre essa questão do julgamento, existe uma formatação, de linguagem

mesmo. Existe uma peça para ser feita, que tem um certo tom, que tem certos

personagens, que, enfim, seja lá como for construída, vai ter uma maneira de se fazer, que aí vai do critério de quem estiver dirigindo. Mas a gente não está

falando de um grupo profissional aqui, né? Está falando de um ambiente

realmente de escola [...] Então é um trabalho [...] humano. São feitas peças, mas mais do que peças, é essa coisa do grupo, mas que tem uma implicação

muito pessoal [...]. É algo que é construído também, além da peça. Então, o que

eu falo de não julgamento é assim: mesmo no ensaio, por exemplo, se você fica com vergonha de dizer alguma coisa [...] você sabe que você pode fazer isso. E,

nesse sentido, não vai ter certo, não vai ter errado – nessa questão de

julgamento humano mesmo, não de julgamento técnico da peça (ATOR 3).

O não julgamento a que o ator se refere diz respeito não apenas à relação entre professor e

alunos, mas também às relações de respeito entre os próprios estudantes. O entrevistado coloca

que, ao observar alguém em cena e não julgá-lo, o aluno encoraja-se para também se expor. O

não julgamento apareceu também, embora não com essas palavras, na reflexão do ator 6, que se

referiu ao palco como um lugar que “acolhe”; onde as pessoas não têm medo de errar, porque o

que quer que façam estará certo. Esse entendimento remete a uma colocação feita no capítulo 4,

segundo a qual uma das especificidades – e também dos encantos – da linguagem artística está

justamente na possibilidade infinita de respostas.

O ator 6, ao desenvolver seu raciocínio sobre não haver certo ou errado no teatro, colocou

também: “O palco ‘pega’ você. Ele te prende de um jeito interessante que te permite essa

liberdade de ser qualquer coisa. É viciante. Você não que mais sair dali” (ATOR 6). Em se

tratando de um contexto em que se pensa sobre a liberdade, é curiosa essa colocação sobre o

caráter “viciante” do teatro. Caráter, diga-se de passagem, já traduzido em música: “Nem a

loucura do amor, da maconha, do pó, do tabaco e do álcool valem a loucura do ator quando abre-

se em flor sob as luzes do palco” (VELOSO, 1997).

Aqui, apresenta-se mais um paradoxo relacionado à arte teatral: a atividade, exatamente

por permitir tanta liberdade, pode “prender” aqueles que se dedicam a ela. Nesse contexto, vale

retomar a ideia de “experiência” com que abrimos este capítulo e acrescentar a ela mais um

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elemento: a paixão. Jorge Larrosa Bondía, estudioso citado no texto de introdução do capítulo,

coloca que a experiência implica paixão e que essa paixão não necessariamente de opõe à ideia

de liberdade.

Se a experiência é o que nos acontece, e se o sujeito da experiência é um

território de passagem, então a experiência é uma paixão. […] “Paixão” pode

referir-se [...] a certa heteronomia, ou a certa responsabilidade em relação com o outro que, no entanto, não é incompatível com a liberdade ou a autonomia. [...]

A paixão funda sobretudo uma liberdade dependente, determinada, vinculada,

obrigada, inclusa, fundada não nela mesma mas numa aceitação primeira de algo

que está fora de mim, de algo que não sou eu e que por isso, justamente, é capaz de me apaixonar. [...] Na paixão se dá uma tensão entre liberdade e escravidão,

no sentido de que o que quer o sujeito é, precisamente, permanecer cativo, viver

seu cativeiro, sua dependência daquele por quem está apaixonado (BONDÍA, 2002, p. 26).

Neste ponto, é interessante observar que o último dos “mandamentos do teatro” (vide

capítulo 3, “Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte I”) refere-se exatamente a essa

paixão que muitos dos estudantes costumam experimentar na atividade: “Amarás o teatro.” Pode-

se dizer que esse sentimento que arte teatral é capaz de despertar ajuda a compreender o

engajamento dos alunos na atividade, as emoções nos momentos de roda que precedem as

apresentações, a permanência de ex-alunos no grupo de teatro e tantas outras demonstrações de

envolvimento e entrega. O fazer teatral, para ser de fato experiência, precisa ser intenso. Precisa

de entrega, sacrifício, doação. Precisa que a liberdade seja posta a serviço da atividade. Precisa,

portanto, de paixão.

Como colocado na introdução deste capítulo, foram investigadas as relações estabelecidas

pelos entrevistados entre a experiência teatral e a maneira como eles vivenciam, hoje, a liberdade,

em diferentes esferas de suas vidas: ambiente de trabalho/estudantil, relações afetivas e

participação na vida pública. Todos os atores afirmaram enxergar influência do teatro nos três

campos mencionados.

No que se refere especificamente às relações afetivas, três dos entrevistados associaram a

liberdade experimentada no teatro a uma maior “sinceridade” nos relacionamentos pessoais. O

ator 6 destacou que para se ter uma “relação importante e sincera”, é importante “[...] se sentir

bem e confortável sendo o que você é” (ATOR 6); o ator 2, por sua vez, afirmou que o teatro

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ajuda a “[...] se expressar de maneira condizente com a verdade que você sente” (ATOR 2); já o

ator 5 colocou que a experiência teatral trouxe uma maior espontaneidade, que se reflete em suas

relações com as pessoas mais próximas, e por meio da qual consegue agir com sinceridade.

O ator 1, ao refletir sobre as relações afetivas, afirmou que o teatro teve grande influência

na “construção da personalidade” (ATOR 1). Essa colocação remete àquilo que Lev-Aladgem

(2008, p. 292) identifica como “formação da identidade”. Como visto no capítulo 1, esse autor

acredita que o teatro é um espaço que favorece essa formação. A afirmação do entrevistado

remonta, também, ao entendimento da adolescência como importante período da vida para o

autoconhecimento, o desenvolvimento da autoestima e a formação da identidade dos indivíduos

(FIERRO, 1995), compreensão já mencionada no capítulo 3. Ao discorrer sobre o que chamou de

“construção da personalidade”, o ator 1 destacou que a experiência teatral modificou

positivamente sua imagem até mesmo na própria família. Antes de se descobrir como uma pessoa

que gostava de fazer teatro, nunca havia tido uma questão específica, relativa a sua personalidade,

que o identificasse. Era sempre o garoto tímido e quieto; depois do teatro, passou a ser

reconhecido por seu desempenho na atividade e isso o ajudou a ir ajustando seu comportamento e

a desenhar sua personalidade também na família. Na opinião do ator 1, a “construção da

personalidade” acontece porque a exploração da linguagem – que, como ele mesmo coloca, já na

sua época de teatro envolvia experimentação – permite um maior autoconhecimento. Permite

também “[...] desconstruir certos padrões, certas imagens na sua cabeça, certos pré-conceitos”,

o que, no futuro, amplia consideravelmente “[...] o tamanho do leque de possibilidades que você

tem de relacionamento afetivo” (ATOR 5).

A afirmação de que o teatro auxilia no conhecimento de pessoas diferentes relaciona-se

ao episódio relatado pelo ator 4, na questão referente ao ambiente estudantil. O sujeito, recém-

ingressado na universidade, relatou que nos primeiros dias de aula, pensou: “Estou sozinho, não

conheço ninguém [...] O que eu vou fazer? Aí, eu lembrei: quem sabe, se eu falar com alguém, se

eu for eu mesmo, me soltar, não dá certo? E deu. Agora eu tenho amigos” (ATOR 4). Sua

reflexão sobre a influência do teatro na maneira como vivencia as relações afetivas segue a

mesma linha: para o ator, a vivência teatral foi importante para aprender a se expressar, a “[...]

ter voz nas coisas” (ATOR 5).

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É curioso notar que a mesma expressão – “ter voz” – foi utilizada pelo ator 2, na análise

de como a experiência teatral o auxilia, hoje, na maneira como vivencia liberdade no ambiente

de trabalho. Ele afirmou que o teatro o ajuda a se “[...] impor – não no sentido negativo, mas no

sentido de ter uma voz, não aceitar tudo, dar ideias” (ATOR 2). É ainda interessante atentar para

o fato de os outros dois atores que também já possuem experiência profissional (atores 1 e 3)

terem igualmente destacado que a vivência teatral os auxilia, na atualidade, a se sentirem livres

para expressar e manter suas próprias opiniões e não aceitar, passivamente, tudo o que lhes é dito

ou imposto. Nesse sentido, o ator 3 colocou que o teatro ajuda a “[...] saber que você tem a sua

opinião e que você tem a liberdade de expressá-la, colocá-la para fora; não ter essa barreira de

pensar no que a outra pessoa vai falar [...] conseguir manter aquilo que você acredita” (ATOR

3). O ator 1, por sua vez, caracterizou como “engessado” o mundo dos negócios, do qual faz

parte, e ponderou que essa característica talvez advenha do fato de que as pessoas – em especial,

mais velhas – não tenham tido, quando jovens, uma experiência tão forte em termos de liberdade

como aquela proporcionada pelo teatro. Colocou que hoje, em seu ambiente de trabalho, sua

grande questão é fazer valer sua palavra, aquilo em que acredita. Acrescentou, ainda:

Tem pessoas [...] que são mais acomodadas em aceitar as coisas como elas são.

Eu acho que o teatro, nesse sentido, me fez ser um pouco mais incomodado. Então, se as coisas não são muito da forma como eu acredito que elas devem

ser, antes de falar ‘sim’, eu pelo menos vou lutar por aquilo que eu acredito

(ATOR 1).

Reflexão análoga foi tecida pelo ator 5, ao analisar a influência do teatro na maneira como

vivencia liberdade na vida pública. O sujeito colocou que a possibilidade de criar experimentada

no teatro o ajuda a ter a certeza de que

Se eu algum dia achar que deva manifestar alguma coisa, porque tem alguma

coisa na sociedade que eu não estou achando que está certo – não que eu ache

que está tudo certo, porque não está. Mas se algum dia isso me levar ao ponto

de querer extravasar, eu me sinto livre para fazer isso. E acho que eu não teria consciência dessa liberdade se não tivesse feito teatro (ATOR 5).

É interessante observar que a entrevista acima foi realizada antes das manifestações

populares do mês de junho. Já a entrevista com o ator 3 foi feita um dia depois de o sujeito ter

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participado de uma das passeatas realizadas em sua cidade. Ao ser questionado sobre liberdade,

teatro e vida pública, seu depoimento foi todo baseado na experiência recente com o movimento

social. Disse que, ao participar do evento, teve de exercitar bastante a liberdade, especialmente no

sentido de entender que o outro é também livre para se manifestar, uma vez que muitos dos

participantes da manifestação defendiam causas das quais discordava. Foi um momento em que o

ator se viu na posição de ter de conviver com diferentes opiniões, respeitar a liberdade do outro e,

em certos momentos, de não participar dos “gritos de ordem” puxados pela multidão. Esse

testemunho coincide com as palavras do ator 2, que ao falar sobre vida pública, colocou que o

teatro ajuda na “[...] liberdade de escolher falar ou calar, se essa for sua opção em algum

momento” (ATOR 2).

Ainda no campo da vida pública, as respostas de alguns atores recaíram sobre certas

especificidades do modo de fazer teatral e em como essas particularidades os auxiliam tanto a se

colocar publicamente quanto a entender o mundo e as pessoas em sua complexidade. O ator 1,

por exemplo, destaca o fato de, no teatro, ter criado “[...] um repertório relativamente grande de

riscos, de sair da zona de conforto”, porque era preciso estar disponível para a experimentação e

para a criação. Essa prática, segundo o entrevistado, o auxilia, hoje, a ter uma participação mais

efetiva na vida pública, sendo sempre “a primeira pessoa a falar ‘pode deixar que eu faço’,

‘pode deixar que eu falo’” (ATOR 1).

O ator 6 também se refere à capacidade de experimentação proporcionada pelo teatro,

mas sua reflexão recai sobre outro aspecto: a interpretação de diferentes personagens como um

meio de se aproximar de pontos de vistas variados e, com isso, ampliar a própria visão acerca de

questões diversas. Esse sujeito, vale colocar, é o autor da frase com a qual abrimos o capítulo 3

(“As possibilidades de expressão e experimentação que o teatro proporciona nos fazem enxergar

a realidade com um olhar renovado”). Sua entrevista permitiu ampliar a compreensão acerca da

sentença que destacamos e é bastante interessante porque demonstra como um aluno reflete sobre

a especificidade da prática teatral e as consequências dela para sua formação. Seu depoimento

corrobora com a análise realizada no capítulo 4, segundo a qual o fazer teatral proposto na escola

em foco traz consigo um modo crítico/reflexivo que é próprio da arte e que torna a atividade

propensa à instauração de processos emancipatórios e à consequente conquista da autonomia:

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À medida que você vai conhecendo, tendo que fazer um personagem, você tem

que explorar a cabeça dele, como ele pensaria e o jeito que ele veria o mundo.

Então, se você está fazendo o papel de um assassino, como é que um psicopata veria a vítima? [...] Como é que uma mãe veria um filho? [...] É um outro ponto

de vista com relação à sociedade, à realidade. Isso é muito interessante: ver

como outros pontos de vista, que são alheios ao seu, acabam te influenciando, te

modificando, mesmo que você não pense daquele jeito. Essa visão diferente acaba de certa forma por mudar a sua e ao mesmo tempo não muda. Eu acho

essas contradições muito legais e o teatro está toda hora com essa contradição

de você ser um personagem e ao mesmo tempo ser você mesmo e trabalhar com esses dois mundos se chocando. [...] Essa liberdade de ser o que você quiser e a

partir desse momento ver outros pontos de vista acabou me influenciando em

como um político, por exemplo, vê a malandragem toda que ele está fazendo.

[...] Por que ele se sente livre pra fazer isso? Por que isso está certo? Por que não está certo? E aí você começa a estabelecer um olhar mais crítico (ATOR

6).

A diversidade de pontos de vista proporcionada pela exploração da linguagem teatral foi

também levantada, de modo parecido, pelo ator 5: “São tantos pontos de vista que o teatro traz

que cada coisa que você vê, você agrega um pouco e aí te torna mais aberto para enxergar e

compreender outras coisas” (ATOR 5). O ator 4, por sua vez, também levanta a questão de o

teatro ajudar a formar opiniões. Sua análise, diferentemente dos atores 5 e 6, recai não sobre a

exploração da linguagem, mas sobre o convívio no grupo: “Num grupo unido, é muita troca de

experiências [...] Experiências de vida [...] Muito tempo no teatro é muito tempo compartilhando

essas experiências e isso ajuda a formar opinião” (ATOR 4). Na questão sobre vida pública, o

ator 4 colocou que antes de participar do teatro, era “[...] travado, não tinha opinião sobre nada,

ficava sempre quieto” e que a vivência teatral o ensinou que não é preciso ter medo de se expor.

Resposta semelhante – e ainda mais aprofundada – foi dada pelo ator 6, na pergunta sobre

a relação entre a experiência com teatro e a vida escolar. Além de colocar que o teatro o ajudou a

ter uma opinião, acrescentou que essa opinião, muitas vezes, foge ao senso comum. Sua

colocação faz lembrar a reflexão de Viganó (2006, p. 36), mencionada no capítulo 1, segundo a

qual o exercício da imaginação proporcionado pelo teatro é fundamental para que se consiga

fugir da massificação de opiniões, permitindo “[...] a construção de mentes mais livres e de

cidadãos mais esclarecidos e ativos”:

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Antes, quando me perguntavam alguma coisa, eu ficava naquele senso comum,

porque isso que é seguro. E a partir do momento que você tem essa liberdade no

teatro, você vai levando para outras partes da sua vida. Você tem a liberdade de pensar de outro modo, de explorar outros pontos de vista e outras maneiras de

ver [...] e de sentir [...] que não é necessariamente aquele “normal”; não é

necessariamente o “certo”. Às vezes você pode pensar o errado só para ter o

gostinho daquilo e eu gosto dessa capacidade de experimentação (ATOR 6).

O trecho acima serve de exemplo a uma análise destacada no capítulo 1; por isso,

julgamos conveniente retomá-la neste ponto da dissertação: “Quando o indivíduo elabora e emite

seus próprios discursos sobre a realidade, pode questioná-la e reinventá-la, tornando-se

protagonista de sua própria história. Trata-se de um processo de emancipação, que o caráter

coletivo das atividades teatrais, quando associado a um ambiente de liberdade de expressão,

pode ajudar a promover” (capítulo 1, p. 45). O fugir do óbvio, o arriscar o “errado”, o imaginar,

expressos no depoimento do entrevistado, denotam a plenitude do exercício de liberdade de

pensamento. Indicam que o sujeito está, de fato, questionando e reinventando a realidade; está se

formando como cidadão emancipado, capaz de ser e de agir no mundo.

Vale ainda registrar aqui o ponto de vista do ator 5 no que diz respeito ao ambiente

estudantil, tendo em vista que se trata de um ator em formação. Sua colocação reforça a analogia

entre os processos desenvolvidos na escola em foco e o fazer teatral contemporâneo, no que se

refere à exploração da linguagem. O entrevistado coloca que a experiência de criar por conta

própria, vivenciada na escola, o ajuda muito no curso universitário, em que as propostas cênicas,

em geral, têm de partir dos estudantes. Para o sujeito, a experiência escolar o instrumentalizou

com “[...] uma gama inteira de possibilidade de aonde o texto pode me levar” (ATOR 5).

Chegamos, pois, ao final desta seção com a compreensão de que determinadas

características das atividades teatrais desenvolvidas no IEI – e, em especial, aquelas que

aproximam o trabalho da escola de práticas caras ao teatro contemporâneo – desempenham papel

importante no desenvolvimento da liberdade, como valor, para os atores entrevistados. A

experimentação livre que visa à criação e, dentro dessa prática, a possibilidade do erro são

algumas dessas características. A exploração de pontos de vista variados visando à criação e

interpretação de papéis diversos é uma especificidade da arte teatral que também merece destaque

no sentido de favorecer uma experiência significativa em termos de liberdade. O ambiente de não

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julgamento, o lidar com a crítica e a valorização do esforço individual – práticas não

necessariamente exclusivas do teatro, mas bastante características de processos teatrais

colaborativos – são ainda elementos importantes nesse contexto, uma vez que auxiliam os atores

em sua formação como cidadãos com autonomia de pensamento e ação.

5.3 Participação

Nas perguntas relativas ao valor “participação”, destacam-se algumas coincidências entre

as respostas dos atores. A primeira delas é o fato de diversos entrevistados, na primeira pergunta

deste bloco (que não se refere à experiência teatral, mas ao que a palavra “participação”, de modo

geral, sugere ao ator), terem destacado que o que entendem por participação é também o que

entendem por teatro, tal como vivenciado na escola. É interessante observar que o ator 1, ao

refletir sobre a sua concepção de participação, se utiliza de termos próprios do universo teatral.

Participação me sugere, colocando em termos teatrais, não ser simplesmente

um espectador nas coisas que acontecem na sua vida. Eu acho que pra você

chegar lá na frente e poder dizer que você efetivamente teve participação na construção do seu conhecimento, da sua vida, das suas experiências, você tem

que, em muitas ocasiões, se colocar como protagonista da sua própria história.

Participação pra mim é isso. Os termos que eu utilizei já ligam diretamente o que eu acho que é participação como experiência teatral. O teatro dá essa

possibilidade de você enxergar as coisas dessa forma (ATOR 1).

O depoimento acima faz lembrar a reflexão destacada no capítulo 1 (p. 45) e retomada na

seção imediatamente anterior a esta (5.2), em que se pondera sobre o papel do teatro no processo

de emancipação; aliás, o termo “protagonista da sua própria história”, empregado pelo ator, é

idêntico ao utilizado em nossa análise. Aqui, o fragmento chama a atenção não somente por

relacionar a ideia de “protagonismo” à terminologia própria do teatro, mas também pelo fato de

ter sido expresso, espontaneamente, por um indivíduo que participou das atividades teatrais

quando adolescente e que, ora adulto, chega a essa compreensão olhando para a experiência

passada.

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Retomando a questão da coincidência de respostas em que se fundem as percepções de

participação e de teatro, convém destacar algumas frases dos entrevistados: “Teatro sem

participação não é teatro”, colocou o ator 2; “teatro é basicamente participação”, disse o ator 4.

Afirmações como essas remetem à expressão “senão não é teatro” (mencionada no capítulo 4),

bastante utilizada pela professora quando percebe a necessidade de maior engajamento dos

alunos nas atividades. Podemos, portanto, completar a expressão do seguinte modo: “Se não

houver participação, não é teatro”. E essa participação, como bem coloca o ator 6, não é somente

“fazer parte”; é ter uma “participação ativa” (ATOR 6). Aqui, deparamo-nos, mais uma vez com

uma expressão já mencionada na pesquisa, sendo expressa, de forma espontânea, por alguns dos

atores. “Participação ativa”, termo utilizado pelos atores 2 e 6, e também “participação efetiva”,

expressão citada pelos atores 1 e 3, lembram o conceito de “cidadania ativa”, com que trabalha

Benevides (1991), e no qual, como colocado no capítulo1, participação é valor fundamental. Uma

participação que, como bem expressa um dos sujeitos, “[...] não é fazer o básico; é ir além”

(ATOR 6). Esse “ir além” a que o ator se refere, diz respeito, no teatro, à seguinte postura:

Não é só decorar as falas. É você estar ali, todo dia, realmente querendo fazer

aquilo funcionar. Não fazendo ser uma peça boa, mas excelente, que toque o público; uma peça que ‘chegue’[...] não que tenha palavras bonitas, músicas

bonitas e iluminação boa, mas que emocione de fato. Essa doação, de estar aqui

durante muitas horas, durante muito tempo, por uma coisa que passa num

piscar de olhos [...] quando você podia fazer qualquer coisa da sua vida, isso que é a real participação no teatro (ATOR 6).

A doação à qual o entrevistado se refere remete às ideias de experiência e paixão já

exploradas neste capítulo. Por isso, neste ponto, cabe um aprofundamento na análise desses dois

conceitos. Bondía (2002, p. 26) coloca que, na paixão, ocorre “[...] uma tensão entre prazer e dor,

entre felicidade e sofrimento, no sentido de que o sujeito apaixonado encontra sua felicidade [...]

no padecimento que sua paixão lhe proporciona”. O teatro, muitas vezes, se configura como essa

experiência apaixonante, que causa prazer e também “dor”. Trata-se de uma dor que, geralmente,

tem de existir para haver recompensa – recompensa, esta, que pode vir na forma de aplausos, de

sentimento de “dever cumprido”, de descobertas estéticas, de sensação de pertença ao coletivo e

de tantos outros prazeres que a entrega à atividade pode proporcionar. Ainda de acordo com

Bondía (2002, p. 25), o sujeito da experiência é “[...] um sujeito sofredor, padecente [...]”.

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Evidentemente, no contexto do teatro, não estamos nos referindo à dor como sofrimento físico,

mas no sentido de sacrifício, de renúncia. Viver a experiência teatral, para o indivíduo em idade

escolar, muitas vezes significa sacrificar horas de sua semana que poderiam ser despendidas com

outras atividades. Como coloca um dos atores, “ao invés de ficar reclamando ‘eu podia estar em

casa, estudando ou vendo TV ou qualquer outra coisa’, você está aqui, falando: ‘O que mais eu

posso fazer?’” (ATOR 6). É esse o sentido de “colocar a liberdade a serviço da atividade”,

mencionado na seção anterior. Por isso, a palavra “doação”, utilizada pelo entrevistado, é tão

apropriada. Fazer teatro é doar tempo, energia, suor. Ou, nas palavras do ator 4, é “dar o sangue”.

Essa doação, também entendida como “fazer a mais”, apareceu nas respostas dos alunos

na forma de ações concretas: ajudar o outro com a cena que não é sua ou auxiliar o colega a

memorizar falas foram algumas das atitudes levantadas por entrevistados como exemplos do que

seria a participação no teatro. Além disso, alguns sujeitos recordaram situações específicas. O

ator 4, por exemplo, lembrou-se de que seus grupos de teatro de sétima e oitava séries, às

vésperas das datas de estreia, resolveram reunir-se fora da escola para ensaiar, por conta própria,

o espetáculo. Esses episódios ocorreram porque, nos ensaios realizados no colégio, as turmas não

estavam se empenhando devidamente. Em uma das ocasiões, segundo o relato do entrevistado, a

proposta partiu do aluno de quem menos se esperava. Na semana da apresentação, esse estudante,

em geral pouco participativo, teria dito aos demais: “Isso não está certo, a gente tem que fazer

mais, dar mais sangue. Então vamos, sem a professora saber, [...] passar essa peça por nós

mesmos, até dar certo, porque não é justo [...] não sair bonito” (ATOR 4).

O ator 3, que também se lembrou de episódios em que a participação engajada de todos os

membros do grupo apareceu em épocas próximas às de apresentações, analisou de maneira

interessante essas situações. Para o entrevistado, algumas vezes ocorre de, ao longo do ano,

alguns alunos participarem do processo de forma mais ativa do que outros. Porém, o fato de

terem um objetivo comum (a peça) faz com que, em um determinado momento, todos se unam

para “[...] fazer o grupo funcionar” (ATOR 3). Vale destacar que a ideia de partes que se unem

para “fazer o todo funcionar” – que transmite a imagem de engrenagem, de interdependência, de

colaboração – foi igualmente utilizada por outros atores. É também interessante ressaltar o olhar

lançado ao espetáculo, pelo ator 3, como “objetivo comum”. O entrevistado frisou que esse

objetivo comum seria apenas uma parte mais “imediata” do trabalho e que, para se chegar até lá,

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há sempre um longo processo de criação em conjunto. Essa percepção reforça a análise realizada

na conclusão do capítulo 4, em que destacamos que a peça teatral não é vista como produto final,

mas como parte de um processo, do qual todos os envolvidos participam ativamente, e em que

todas as etapas são importantes.

Outro exemplo de iniciativa e doação rememorado durante uma das entrevistas foi a

ocasião em que um grupo de alunos e ex-alunos decidiu montar uma peça teatral por conta

própria. O espetáculo foi mantido em segredo da professora por vários meses e apresentado a ela

como presente de aniversário. O ator 2 se recordou, com orgulho, de como cada elemento – texto,

iluminação, música, cenário, direção – foi elaborado pelos próprios integrantes da equipe.

Essa peça era sobre a magia do teatro e agente resolveu fazer isso [...] para

mostrar como o teatro era bom na nossa vida, o que tinha trazido e tudo o que tinha ensinado. A gente pensou em cada detalhe [...] E era uma forma de a

gente dizer um ‘muito obrigado’. [...] Deu certo e foi muito legal ter tudo feito

pela gente. E, como um grupo, é uma memória muito gostosa de se ter (ATOR 2).

O ator 2 relatou também que para ensaiar o espetáculo, os integrantes do grupo se reuniam

fora da escola, aos finais de semana, e que se esforçavam para conseguir conciliar os horários de

todos. Contou, ainda, que a equipe solicitou à Associação de Pais e Mestres da escola uma verba

para realizar a filmagem da apresentação e que teve o pedido aceito. Todo esse relato e também

os ensaios marcados e realizados pelos próprios estudantes às vésperas das apresentações

(mencionados pelo ator 4) fazem lembrar os primeiros anos de atividade teatral no colégio,

quando tudo era feito pelos próprios alunos. É interessante observar como, nos casos

mencionados, os estudantes “tomaram as rédeas” do processo, em um movimento reverso àquele

seguido pelas atividades teatrais na escola (que, conforme visto no capítulo 3, seguiram um

caminho que pode ser compreendido como da criação coletiva aos processos colaborativos).

Longe de se tratar de um retrocesso, podemos compreender que o trajeto dos alunos em direção

ao fazer teatral independente (sem auxílio da professora) se traduz em uma aquisição de

autonomia por parte dos sujeitos. Autonomia conquistada porque a própria atividade os

instrumentalizou para tal, como reconhece o ator que relatou sobre o espetáculo criado pelo grupo

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de alunos e ex-alunos: “A gente só pôde fazer essa peça por tudo o que a gente aprendeu no

tempo que fez teatro” (ATOR 2).

Outro aspecto que merece destaque nesta análise das entrevistas é o fato de a própria

concepção de “participação” apresentada pelos atores, quando refletindo sobre a relação entre o

valor e a experiência teatral, coincidir com o sentido de “colaboração” destacado anteriormente

na pesquisa (“ação conjunta para o trabalho”). A fala do ator 5 é interessante, nesse sentido,

porque evidencia a maneira como um participante enxerga a questão e reforça a colocação feita

no capítulo 4, segundo a qual colaboração é uma das características fundamentais do modo de

coordenação do processo:

Tudo que a gente monta, a gente não monta sozinho aqui. Todo mundo participa

de tudo. Seja no jeito que tal fala vai ser dita, seja no como uma pessoa vai entrar em cena. É um processo criativo que a gente tem aqui em que todo

mundo é ouvido [...] Todo mundo tem a possibilidade de dar opiniões, de

participar (ATOR 5).

Essa colaboração, que, como visto, exige comprometimento e, não raro, sacrifícios,

muitas vezes requer colocar os interesses do grupo à frente dos individuais. E essa é uma prática

que pode ser transferida para campos diversos da vida. Ao falar sobre seu ambiente de trabalho, o

ator 2 destacou que o teatro o auxiliou a ser mais prestativo. Ao responder a questão sobre

relações afetivas, esse mesmo sujeito destacou que, no teatro, aprende-se “[...] que uma conquista

em grupo pode te dar tanta satisfação quanto uma conquista pessoal, individual” (ATOR 2).

Nesse contexto, mais um ponto comum entre as respostas de muitos entrevistados foi a

ênfase dada ao “outro” no processo de construção de um espetáculo. Além de ressaltar a

importância da própria participação engajada, do “fazer a sua parte”, os sujeitos frisaram a

relevância da participação do outro. “A gente não participa sozinho”, colocou o ator 2, resumindo

uma ideia expressa em outras entrevistas: a de que, no teatro, é preciso não apenas deixar o outro

participar, mas também respeitá-lo e, sempre que preciso, auxiliá-lo nessa participação. Esse

auxílio pode vir de ações como dar ideias em cenas do colega ou ajudá-lo com seu texto,

conforme já colocado. Pode, ainda, evidenciar-se até nas atitudes mais “simples”, como

permanecer em silêncio para não atrapalhar as cenas alheias (essa atitude, aliás, foi citada por

dois dos entrevistados como exemplo de participação no teatro).

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O respeito ao outro, exemplificado nesse tipo de comportamento, foi destacado por alguns

atores como um aprendizado proporcionado pelo teatro que é transferido para outros campos da

vida social. O ator 2, por exemplo, destacou que a experiência teatral o “[...] ensinou a prestar

mais atenção nas pessoas, a escutar o que elas têm a dizer [...] a conversar olhando no olho, a

ser menos egoísta” (ATOR 2). De modo similar, o ator 5 colocou que a experiência teatral é

importante no sentido de ensinar “[...] o respeito com as opiniões das outras pessoas” (ATOR

5). Esse mesmo sujeito, ao falar sobre vida pública, também enfatizou a importância do respeito

aos pontos de vista diversos. Portanto, se na seção anterior vimos que a experiência teatral é

importante no sentido de formar opiniões e fazer com que os alunos se sintam livres para

expressá-las, ampliamos aqui o enfoque, ao entender que nessa prática de livre expressão, quando

há estímulo à participação de todos, o respeito é também um dos valores exercitados.

Outro aspecto coincidente nas respostas dos entrevistados às perguntas do bloco

“Participação” foi a resolução de conflitos. No capítulo 4, foi dito que o diálogo aberto é uma

característica importante no processo desenvolvido no IEI e que essa prática, muitas vezes,

auxilia a resolver problemas de relacionamento que atrapalham o andamento do trabalho. As

entrevistas confirmaram essa prática como elemento relevante no trabalho com teatro na

instituição pesquisada. Alguns atores, ao comentar sobre a montagem de espetáculos, destacaram

que às vezes, durante o processo, ocorrem desentendimentos entre os participantes. O ator 3

colocou que essas desavenças prejudicam “[...] o funcionamento do grupo”, uma vez que

desviam a equipe do objetivo comum. Destacou, também, que quando isso ocorre, os conflitos

precisam ser resolvidos. O ator 5 se lembrou de uma peça em específico em que havia brigas

entre os alunos e “[...] mau humor nos ensaios”, até o momento em que todos conversaram e as

diferenças foram superadas. Recordou que nessa conversa, tudo o que incomodava cada um dos

participantes foi colocado e que todos aceitaram que determinadas atitudes deveriam ser

modificadas. O ator destacou essa mudança de comportamento como muito difícil de ser

encontrada em outros ambientes, já que, para ele, as pessoas tendem a não aceitar que estão

erradas, por mais que suas atitudes estejam causando transtorno a alguém. Também ressaltou que

a união dos grupos teatrais da escola em foco é rara:

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Aqui as pessoas são tão juntas que mesmo que a gente tenha conflitos, a gente

resolve de uma maneira [...] pacífica, que fora daqui a gente não vê, mesmo.

Essa união é muito difícil de se achar; de todo mundo que se aceite e se goste, apesar dos apesares (ATOR 5).

Esse mesmo sujeito ainda destacou que essa qualidade de união se estabelece de maneira

bastante rápida na escola em foco, o que não acontece nem mesmo em sua faculdade (Artes

Cênicas), em que as pessoas em geral têm uma consciência maior que indivíduos de outras áreas

sobre a importância de se trabalhar em conjunto. Neste ponto, independentemente da análise do

sujeito sobre o teatro escolar propiciar união mais rapidamente quando comparado ao curso

universitário, queremos chamar a atenção para outro aspecto em que respostas de diferentes

atores coincidiram: o reconhecimento, em indivíduos com experiências em teatro distintas das

suas, de similaridades na maneira de enxergar e exercer a participação. O ator 5, como colocado,

expressou que em seu ambiente estudantil, é fácil “[...] fazer as coisas em conjunto porque a

gente entende que as pessoas podem falar e que elas têm parte, que tudo é um conjunto” (ATOR

5). O sujeito creditou essa qualidade ao fato de os indivíduos de seu curso já terem tido

experiências prévias com teatro. Essa percepção é similar à do ator 1, que, ao discorrer sobre seu

ambiente de trabalho, disse ser interessante, depois de muitos anos, conhecer pessoas que

também fizeram teatro no passado – em outras escolas e até em outras cidades – e constatar que

as formas como esses indivíduos enxergam os acontecimentos e agem em seus cotidianos são

muito mais parecidas com as suas próprias visões e atitudes do que as de pessoas que não

passaram pela experiência teatral. Mais uma vez, podemos entrever aqui a potencialidade do

teatro na formação da visão de mundo dos sujeitos.

Ainda ao falar sobre seu ambiente de trabalho, o ator 1 destacou que o cargo que ocupa

(gerência, em escritório de uma multinacional) exige que ele, além das atribuições próprias de

sua área, cuide também da parte de recursos humanos, em que é preciso ter sensibilidade para

“[...] conversar com as pessoas, ouvi-las e entender o que elas estão sentindo” (ATOR 1). Para

ele, a experiência teatral o auxilia nesse contato, já que possibilita um conhecimento de si mesmo

e do outro. Na maneira como ele aborda a questão, chamam a atenção a referência à experiência

teatral como “viagem interior, no outro” e a associação entre a percepção sobre as pessoas e a

relação palco-plateia:

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Eu acho que o teatro te traz um autoconhecimento e um conhecimento do outro,

que possibilita identificar sinais. Então, às vezes, a pessoa não precisa

efetivamente te falar o que ela está sentindo. Mas se você fez essa viagem interior, no outro, teve essas experiências sentimentais [...], você consegue

identificar se a pessoa está gostando, se não está; se vão te aplaudir, se vão te

criticar; se estão sorrindo agora e vão chorar lá atrás. Tudo isso está no nosso

dia-a-dia da convivência pessoal. Então, eu acho que o teatro é diretamente ligado à forma como eu sinto o meu ambiente ao redor (ATOR 1).

O conhecimento do outro a que o sujeito se refere apareceu também nas respostas de

outros atores. O ator 2, por exemplo, na questão sobre relações afetivas, destacou: “Foi com o

teatro que eu aprendi a ser mais humana e a enxergar o humano nos outros” (ATOR 2). O ator

3, por sua vez, na resposta à mesma pergunta, colocou que o teatro contribui muito para “[...]

entender pessoas e entender como funcionam relações” (ATOR 3). Para o entrevistado, essa

compreensão vem tanto do convívio com pessoas diferentes quanto da exploração de distintos

personagens – práticas que contribuem para a percepção de “[...] como o ser humano pode ser

variado; não necessariamente ruim ou bom, mas simplesmente diferente” (ATOR 3). O mesmo

sujeito ainda acrescentou que o teatro cria “[...] uma relação muito humana” porque ao mesmo

tempo em que é uma atividade corporal, é também reflexiva. Além disso, para funcionar,

demanda que as pessoas se relacionem. Essas características, para o entrevistado, fazem do teatro

uma atividade bastante diferente da “[...] frieza da sala [de aula], de sentar e aprender” (ATOR

3). Vale observar que os três sujeitos que se referiram ao entendimento do outro como

consequência da experiência teatral (atores 1, 2 e 3) são justamente os mais velhos dentre os

entrevistados e aqueles que já atuam no mercado de trabalho. Portanto, pode-se conjecturar que

suas reflexões são decorrentes da maior maturidade, experiência de vida e conhecimento de

pessoas diferentes que o ambiente profissional muitas vezes proporciona.

A expressão “enxergar o humano nos outros” (utilizada pelo ator 2) e a menção ao teatro

como prática que cria “[...] uma relação muito humana” (expressa pelo ator 3) lembram o

depoimento de uma aluna de terceiro ano de Ensino Médio, na roda de concentração do último

dia de apresentação do espetáculo Auto da Compadecida, no ano de 2012. Emocionada com a

despedida, a estudante disse, sobre o teatro: “Isso aqui é lugar de humanização”. As falas dos

entrevistados citadas acima confirmam e, de certo modo, explicam essa afirmação da aluna,

indicando também uma transferência do aprendizado proporcionado pelo teatro para outros

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campos da vida. Na Introdução deste trabalho colocamos que na atualidade, diversos estudiosos,

a exemplo de Morin (2000) e Gohn (2011), apontam para a necessidade urgente de uma

reestruturação na área educativa, em que se priorize o desenvolvimento das características ditas

“humanas”. Com as respostas dos atores, pudemos constatar que ao proporcionar o encontro com

o outro – seja um colega de cena, seja um personagem que é construído –, o teatro tem o

potencial de contribuir para essa “humanização”.

Vale ainda destacar, como exemplo de ida ao encontro do outro, uma atitude mencionada

pelo ator 2, ao relacionar sua experiência teatral à vida pública. O sujeito relatou que costuma

prestar serviço em recepções de estudantes estrangeiros na universidade onde estudou. Ao contar

sobre a experiência, ressaltou que compreende como deve ser difícil a adaptação para aqueles que

chegam de fora, e colocou:

Esse acolhimento eu vejo como participação, e a influência do teatro está no

prestar atenção no outro, no cuidar, e também em tentar passar para as pessoas [...] valores que a gente adquire durante a caminhada teatral (ATOR 2).

Os elementos presentes nesse depoimento – empatia, acolhimento, receptividade, atenção,

cuidado – podem também ser reconhecidos nos relatos de dois outros atores sobre a experiência

com teatro no IEI. O sujeito 5 contou que quando começou a estudar na instituição (no primeiro

ano do Ensino Médio), sentiu certa dificuldade de adaptação e entrosamento, fato que não

ocorreu no ambiente teatral:

Quando eu entrei no teatro todo mundo me aceitou [...] Aqui [no colégio], eles usam o termo ‘novata’ e eu acho muito agressivo, mas no teatro era como se eu

já fosse daqui e essa experiência marca muito, né? Porque a gente tem tanto

medo de que ninguém nos aceite, e aqui foi tudo tão mágico que marca (ATOR 5).

Embora, em sua fala, o ator 5 não estivesse se referindo apenas à “cerimônia de iniciação”

(exposta no capítulo 3, em “Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte I”), e sim a toda

a conjuntura das aulas iniciais, o relato remete ao procedimento. Afinal, como já colocado, o

ritual tem por meta acolher os alunos que nunca fizeram teatro e fazê-los se sentir parte

importante do grupo. Além disso, é curioso destacar a palavra “mágico”, utilizada pelo

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entrevistado. A “cerimônia de iniciação” é preparada pelos alunos visando ser uma verdadeira

experiência – no sentido já discutido neste capítulo – para os principiantes, em uma tentativa de

reproduzir no procedimento toda a “magia” que o teatro representa para aqueles que já fizeram

parte da atividade. A propósito, como visto nesta seção, o espetáculo criado por alunos e ex-

alunos teve por tema “a magia do teatro” (ATOR 2).

Voltando aos elementos de empatia, acolhimento, receptividade, atenção e cuidado

presentes tanto nos depoimentos citados, há ainda uma última fala a ser destacada nesta seção,

que apresenta muita similaridade com o relato do ator 5, transcrito acima, e em que se entreveem

todos os aspectos destacados. Ao falar sobre o ambiente teatral escolar, o sujeito ressalta:

Você nunca vê uma pessoa tratando o outro como um inferior. [...] Todo mundo

ali sempre se respeita. Ninguém é excluído. [...] Todo mundo fala: “Você faz

parte disso aqui também”. É isso que a gente aprende. Desde o primeiro dia, já fica avisado: “Você faz parte, você é muito importante aqui. Independente do

que você faça, você é essencial.” (ATOR 4).

No relato acima, além da participação, destaca-se também o valor da igualdade,

evidenciado nas afirmações de que no teatro da escola pesquisada todos se tratam de modo

igualitário e de que cada qual é importante, a despeito da função exercida. Essas ideias foram

recorrentes nas respostas dos entrevistados às perguntas do bloco “Igualdade”, como se verá na

seção subsequente.

5.4 Igualdade

Um fato curioso, ocorrido neste ano (2013) durante o processo de montagem do

espetáculo Dionísio Sumiu, ilustra a essência das respostas dos atores às perguntas do bloco

“Igualdade”. Para compreender o referido acontecimento, é preciso saber que na peça

mencionada, alguns estudantes desempenham o papel de “coro” e outros de “corifeu”, figuras

inspiradas nas antigas encenações gregas, em que o coro tinha a função de comentar a ação

dramática, tendo o corifeu como seu líder. Durante os primeiros meses do processo de montagem

do espetáculo, o início de cada encontro era dedicado ao estudo do universo abarcado pela peça

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(mitologia, cultura clássica e origens do teatro). Para tal, os estudantes dividiram-se em duplas

(compostas por “padrinho” e “afilhado” – de acordo com a “cerimônia de iniciação”, detalhada

no capítulo 3) e cada uma delas ficou incumbida de apresentar uma pequena palestra sobre um

dos temas mencionados. Na palestra sobre as origens do teatro – que, vale destacar, ocorreu após

a divisão de personagens –, o aluno por ela responsável, ao apresentar tela de Power Point em

que se lia “corifeu: líder do coro”, disse o seguinte: “Eu escrevi ‘líder do coro’ porque está

escrito assim no material que estudei, mas não concordo, porque isso o torna superior ao coro”.

Após a apresentação, foi solicitado que o estudante explicasse melhor por que fizera essa

afirmação, e sua suas palavras foram:

Na pesquisa que eu fiz, vi que o corifeu era colocado como superior, chefe, como se estivesse um degrau acima do coro. Não quis falar isso, porque aqui

dentro a gente acha que todo mundo deve ser igual. Em todos os anos que fiz

teatro, desde o primeiro até hoje, sempre foi assim: há um mais novo, um mais velho, um com mais experiência, um com menos, um com mais habilidade, um

com menos e isso nunca interferiu na relação entre alunos, nem na relação

entre aluno e professor (ALUNO DE TEATRO, 2013).

A fala do estudante assemelha-se a muitos depoimentos dos entrevistados, em suas

reflexões sobre a experiência teatral e o valor da igualdade. Aliás, assim como ocorreu quando o

tema das entrevistas era a participação, alguns dos atores afirmaram que igualdade constitui a

própria essência do teatro. O ator 4, por exemplo, colocou: “Teatro é igualdade” (ATOR 4). O

ator 2 relatou que quando pensa na palavra “igualdade”, ela já vem associada ao teatro porque um

dos primeiros e mais fortes ensinamentos da experiência teatral é o de que “[...] ninguém é

melhor do que ninguém” (ATOR 2). O ator 6 referiu-se ao palco como um espaço onde todos têm

a mesma capacidade de ser o que quiserem e frisou: “Essa igualdade, que todo mundo tem, de ser

capaz de fazer alguma coisa, que é o teatro” (ATOR 6).

São notáveis essas colocações em se tratando de uma atividade que facilmente poderia

insuflar disputas e vaidades. Afinal, a cada ano são montados espetáculos, cujos personagens nem

sempre têm o mesmo número de falas e aparições na trama. A propósito, há ocasiões em que

certos papéis são bem maiores que outros. Exatamente por isso, foi dito, no capítulo 4 (seção

4.2.2, parte III), que o processo de divisão de personagens exige cuidado para não estimular

exibicionismo e rivalidades, e que, para tanto, se trabalha no sentido de valorizar, junto aos

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alunos, a importância de todos os papéis, independentemente de tamanho de suas participações.

Esse foi, justamente, um dos pontos abordados por alguns dos atores, e suas declarações atestam

que existe consonância entre a intencionalidade do processo e o modo como os sujeitos o

enxergam. O ator 4 relatou que todos os anos, quando se inicia um processo de montagem,

costuma ouvir, de pessoas de fora do grupo teatral, a seguinte pergunta: “Quem é o principal?”. O

questionamento, em sua opinião, não faz sentido para quem participa da peça:

Para quem está dentro, isso não existe [...] você vê que ninguém fica com inveja

do papel do outro, ninguém fica cobiçando o personagem do outro porque todo mundo é igual ali dentro. Todo mundo está fazendo a sua parte, se apoiando

(ATOR 4).

Esse apoio mútuo, que pode ser entendido como colaboração, apareceu também na

resposta em que o ator 6 disse enxergar “igualdade de capacidade” no teatro. Para ele, essa

igualdade se expressa na prática de todos poderem mostrar seu trabalho e de opinarem a respeito

das cenas uns dos outros, dizendo o que está bom e o que precisa ser modificado. Expressa-se,

ainda, no fato de estarem todos unidos em torno de um mesmo propósito: o de fazer um bom

espetáculo, levá-lo ao público e, com isso, mostrar a si mesmos que são capazes. O sujeito

declarou que esse é um “[...] nível de igualdade em que todo mundo é humilde, ninguém sabe

mais do que ninguém” (ATOR 6).

Linha semelhante seguiu o depoimento do ator 3, que citou os testes realizados para

divisão de personagens como prática em que se entrevê a igualdade de oportunidades. Esse

entrevistado ressaltou que todos podem tentar ser quaisquer personagens, pois “[...] não existe já

um pressuposto de quem vai ser melhor que quem” (ATOR 3). Essa colocação se relaciona à

afirmação do ator 2, segundo o qual nunca houve, no teatro do IEI, distinção no sentido de uma

pessoa ser “[...] melhor em cena do que a outra” (ATOR 2). Voltando à reflexão do ator 3 sobre

a escolha de papéis, é interessante destacar que o sujeito menciona, como critério de seleção

utilizado na escola, características – de voz, fisionomia, postura – que indiquem qual aluno será o

que melhor e mais rapidamente se “encaixará” em um determinado personagem, visto que não há

tempo suficiente para todos aprenderem a fazer todos os papéis. Essa colocação remonta à seção

“Divisão e construção de personagens”, do capítulo 4, em que se colocou, citando Spolin (1999,

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p. 23), que o diretor deve “[...] procurar não a obra acabada, mas aquele tom de voz, aquela

presença, aquela qualidade corporal – aquele ‘algo’ indefinível que inicialmente é apenas

sentido”.

Ainda sobre a divisão de papéis, o ator 3 acrescentou que se trata de uma experiência que

é construída coletivamente e que, se não houver espaço para todos no texto escolhido, esses

espaços serão criados: “Isso não é um problema. Se você está ali, se você quer participar, você

vai ter um lugar para você, que vai ser tão importante quanto todos os outros” (ATOR 3). Ao

dizer isso durante a entrevista, o sujeito foi questionado sobre o fato de haver personagens

maiores e menores dentro de um espetáculo teatral. Em sua resposta, chamam a atenção o

entendimento acerca das diferentes “importâncias” dentro do processo de construção da peça e a

maturidade no entendimento acerca da ação dramática:

Pensando naquela questão mais imediata de uma peça de teatro, existe

personagem principal, existe personagem coadjuvante, existe figurante [...]. Existe essa estrutura e, enfim, as pessoas podem julgar como ‘inferior’ ou

‘superior’. Mas [...] é uma classificação que só coloca em lugares diferentes e

não em níveis diferentes, pelo funcionamento da peça mesmo. Existe uma narrativa. Tem um personagem que é sobre o qual é a história. Ele vai ser o

principal, pela narrativa [...] Pressupõe-se que em toda narrativa todo

personagem tem uma função [...] Quando a gente cria personagem também, ele

tem uma função. Ele está ali porque ele cabe na história. Então sem aquilo, vai ficar faltando (ATOR 3).

Um interessante paralelo pode ser estabelecido entre a declaração acima e o depoimento

do ator 4. Se a montagem de um espetáculo for pensada do ponto de vista mais “imediato”, tal

qual coloca o ator 3 – ou seja, como peça teatral –, existem, na narrativa, protagonistas e

personagens secundários; por outro lado, sob a ótica do processo, construído colaborativamente,

“[...] todo mundo ali dentro é protagonista. Todo mundo é igual, [...] está fazendo a mesma

coisa. Todo mundo é importante; a participação de todos é essencial” (ATOR 4).

As declarações acerca da relevância de todos os participantes em um espetáculo teatral, a

despeito das diferenças entre os papéis representados, corroboram a afirmação de Hargreaves

(1990, p. 152) sobre a montagem de peças em ambientes escolares:

Individualmente, atores podem ser excelentes e ser reconhecidos por isso. Mas o sucesso de poucos não gera um senso de fracasso no resto, como geralmente

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acontece na sala de aula. Aqueles com contribuições menores compreendem

perfeitamente bem que eles não poderiam ser as “estrelas” do show, mas eles

sabem que tiveram uma contribuição que é essencial à toda a empreitada e que, portanto, sabidamente tem o seu valor. Uma peça, assim, confere aos

participantes dignidade [...]. Cada um faz uma contribuição, a execução

competente de cada um desperta um sentimento de valorização. Solidariedade e

dignidade são desenvolvidas simultaneamente.

No capítulo 1, foi colocado que se algum aluno não comparece a um encontro ou não

estuda adequadamente suas falas, o trabalho de todo o grupo fica comprometido. Para comprovar

a afirmação de que todos, igualmente, têm importância dentro do processo de construção de um

espetáculo, alguns entrevistados mencionaram essas situações em que a ausência ou a falha de

qualquer um dos membros da turma prejudica o coletivo como um todo. O ator 3 destacou faltas

aos ensaios e até mesmo ocasiões em que um dos participantes está momentaneamente fora do

auditório – para beber água, por exemplo – justamente no momento em que se vai passar sua

cena, como atitudes individuais que prejudicam a todos. De maneira análoga, o ator 5 declarou:

“Uma pessoa, por qualquer coisa que faça [...], se falha, todo mundo falha. É nisso que eu acho

que está a igualdade do teatro [...] todas as importâncias estão distribuídas igualmente” (ATOR

5). Esse mesmo sujeito ainda se lembrou de uma ocasião específica em que, durante uma

apresentação, um contrarregra esqueceu-se de entregar um buquê de flores para um ator que

estava no palco. Como a compreensão da cena dependia do material, toda a performance ficou

comprometida. O entrevistado completou sua reflexão sobre o episódio dizendo que pessoas que

não fazem teatro costumam pensar que atores são muito mais importantes que contrarregras, o

que, em seu entender, não corresponde à verdade.

Depoimentos como esses ratificam, ainda que em pequena escala, as seguintes

afirmações, feitas no capítulo 1: a de que o aluno de teatro logo compreende que seu desempenho

individual está diretamente ligado ao comprometimento de todos; e a de que o estudante, ao

passar por essa experiência, aprende que é parte fundamental de um grupo, devendo, portanto,

assumir postura ativa e responsabilizar-se pelo bem coletivo. Trata-se de um aprendizado que,

quando transferido para outros contextos, pode contribuir para a atuação do indivíduo como

cidadão participativo e consciente de seu papel na sociedade. Os entrevistados, nas questões

relativas às três esferas sociais, afirmaram perceber essa transferência.

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A ideia de que todos são igualmente importantes se destacou, nas entrevistas, como um

aprendizado proporcionado pelo teatro que influencia a maneira de ser e de pensar dos sujeitos,

em cenários diversos de suas vidas atuais. O ator 5, ao discorrer sobre o ambiente estudantil,

afirmou que o teatro influenciou sua maneira de pensar, por trazer o entendimento de que “[...]

todo mundo tem que se respeitar [...] tem que perceber que não é superior ao outro e não é

inferior também” (ATOR 5). De modo semelhante, ao falar sobre o ambiente de trabalho, o ator

2 colocou:

Eu acho que a gente aprende o sentido de igualdade no teatro [...] o teatro

ajuda a gente a incorporar isso à nossa essência [...] Isto fica: ninguém é

melhor que ninguém. Existem opiniões diferentes, ideias diferentes e a gente tem que aprender a lidar e a conviver. Posso até não concordar, mas o respeito tem

que existir (ATOR 2).

A reflexão do ator 4 acerca da vida pública é similar: para ele – que, mais uma vez, fez

referência às manifestações populares do mês de junho – o teatro traz mais tolerância, por

proporcionar a oportunidade de “[...] de entender que tem diferenças, mas que você consegue

trabalhar com isso, por mais que você não concorde [...] Não tolerância no sentido de abafar

opinião, mas no sentido de criar um convívio que seja construtivo” (ATOR 3).

Seguindo a mesma linha de raciocínio, o ator 5, ao falar sobre relações afetivas, afirmou

que o teatro modificou completamente seu jeito de pensar no que tange a não julgar como

“menos importante” alguém cuja opinião seja diferente da sua. Para o entrevistado, a experiência

teatral escolar o fez entender que tudo é uma espécie de “engrenagem”, em que todos precisam se

ver como iguais, “[...] senão as coisas ‘desandam’” (ATOR 5). O sujeito ainda afirmou que se

não houvesse feito teatro, possivelmente continuaria destratando alguns colegas na escola. Para

ele, a vivência teatral propicia esse tipo de transformação por ser uma atividade não padronizada,

que “[...] abre para muitos pensamentos, [...] para muitas expressões” (ATOR 5). Esse

entrevistado ainda destacou que percebe que o teatro auxilia na emancipação porque quando

conversa com seus amigos, percebe que tem visões que os colegas não têm. Acrescentou que é

bom difundir a ideia de que todos precisam se aceitar, e ressaltou: “A gente tem que buscar essa

igualdade [...] eu falo isso para as pessoas, e acho que elas nunca viram esse tipo de opinião que

a gente do teatro tem” (ATOR 5).

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A abertura ao diferente foi também mencionada pelo ator 1, que destacou – assim como

fizera no bloco “Liberdade” – a quebra de “pré-conceitos” como uma contribuição do teatro

escolar que acaba sendo transferida para outros campos da vida. A atitude de não julgar

previamente, de não montar “[...] imagens na sua cabeça antes de conhecer o outro”, são

importantes, para o entrevistado, no sentido de não alimentar “pensamentos engessados” e “[...]

se permitir conhecer o outro” (ATOR 1). Uma observação do ator 2 sobre o teatro escolar parece

explicar, justamente, o porquê da quebra de preconceitos que o teatro tem o potencial de

promover: a atividade propicia a convivência com pessoas antes desconhecidas e, algumas vezes,

com alunos a respeito dos quais outros estudantes podem ter ouvido comentários depreciativos no

ambiente escolar. Para o entrevistado, essa imagem prévia é desfeita na medida em que todos têm

de trabalhar em conjunto tanto nos jogos teatrais quanto na construção de cenas.

Vale observar que alguns entrevistados fizeram menção à “oração do teatro” como

expressão máxima da igualdade experimentada no fazer teatral. Para o ator 4, o ritual é “único”

porque é a representação clara da união, do sentimento de estarem todos “[...] na mesma

intensidade”, do “[...] todo mundo por todo mundo” (ATOR 4). O ator 6, por sua vez, citou as

palavras ditas durante a oração e acrescentou:

É isso que fala exatamente o que é o teatro e por que é tão importante: porque está todo mundo junto, no mesmo barco, e está todo mundo tendo que fazer a

mesma peça [...] e apresentar para a mesma quantidade de pessoas, com o

mesmo nível de importância. [...] E é isso que deve ser a experiência teatral, essa união (ATOR 6).

A percepção de que o ritual em questão representa “exatamente o que é o teatro” merece

destaque no âmbito desta pesquisa porque, se voltarmos ao capítulo 1, veremos que a dissertação

se inicia, justamente, com a citação da referida oração e a reflexão de que ela sintetiza o cerne

deste estudo – a construção de valores cidadãos. A visão do ator, exposta acima, amplia o

enfoque apresentado naquele capítulo, uma vez que identifica o ritual não apenas com os

mencionados valores, mas também com a experiência teatral em si. Pode-se dizer que existe,

então, uma identificação dos valores cidadãos (já que o ritual os exprime) com o próprio fazer

teatral.

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É também importante destacar, nesta seção, que alguns atores relacionaram valor de

igualdade trabalhado no teatro com seus posicionamentos perante temas socioeconômicos. A

questão da igualdade de direitos, por exemplo, foi levantada por dois dos entrevistados. O ator 6,

em resposta à questão sobre vida pública, salientou a relevância de “[...] todo mundo ter direito a

tudo, não importa [...] o nível econômico, a cor, o sexo” (ATOR 6). O sujeito acredita que essa

sua visão tenha sido influenciada pelo teatro, porque a experiência o ajudou a compreender que

todos são igualmente capazes. A reflexão do ator 5, ao responder à mesma pergunta, segue ideia

semelhante. Em sua fala, destaca-se não apenas a questão já mencionada da equidade de direitos,

mas também a maneira como o entrevistado se coloca com relação à sua própria conscientização

a respeito do tema:

Todo mundo tinha que ter uma base para uma vida digna, que é o que consta

nos nossos Direitos Humanos. Mas deveria funcionar, né? E eu tenho essa consciência por causa do teatro. Porque acho que se nunca tivesse feito teatro,

eu teria uma visão de que “eu preciso estar onde eu estou na sociedade e

preciso que tenha gente abaixo de mim”, sabe? Eu não quero pensar assim.

Fico feliz de não pensar assim (ATOR 5).

A superação da visão elitista, expressa no depoimento acima, pode também ser entrevista

na fala do ator 2:

Quando a gente faz trabalho social, a gente lida com pessoas muito diferentes

da nossa realidade e o primeiro desafio é enxergar essa igualdade. Por mais

que a gente não tenha essa intenção de definir níveis sociais, a gente acaba tendo uma diferenciação, e o primeiro desafio é trazer essa igualdade. E [...] eu

sempre remeto a igualdade ao teatro; o teatro sempre me traz a ideia de

convivência, e ele me ajuda a levar isso pra tudo, inclusive pra vida pública, para esses trabalhos sociais, no respeito que se tem com o outro (ATOR 2).

As últimas declarações são especialmente relevantes no contexto da escola estudada nesta

dissertação. Afinal, trata-se de uma instituição particular de ensino, que atende a uma clientela

com poder executivo médio/alto. A percepção de igualdade, a despeito de diferenças de classes

socioeconômicas, chama a atenção em uma conjuntura em que os indivíduos não pertencem a

grupos em situação de exclusão social e, de um modo geral, não convivem com sujeitos em

condição de vulnerabilidade econômica. O olhar que se lança ao “diferente”, percebendo-o como

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igual na humanidade, na dignidade e na cidadania são contribuições ímpares que o teatro, ao

trabalhar com o valor da igualdade, pode proporcionar.

5.5 Conclusões do capítulo

A análise das entrevistas, apresentada neste capítulo, aponta para alguns dados

importantes. O primeiro deles é o fato de existir concordância entre a maneira como os processos

desenvolvidos na escola em foco foram apresentados no capítulo 4 e o modo como esses mesmos

processos são compreendidos pelos indivíduos que deles participaram. Ou seja, os modos de

coordenação e produção apresentados pela pesquisadora não correspondem a uma visão unilateral

do trabalho com teatro na instituição pesquisada. “Colaboração”, “diálogo aberto” e “processos

decisórios coletivos”, destacados como características fundamentais do trabalho no quarto

capítulo, apareceram de maneira recorrente nas falas dos entrevistados, ainda que não sob essas

terminologias. A vertente emancipatória da atividade, decorrente de seu caráter coletivo, crítico e

reflexivo, também se faz notar nas declarações dos sujeitos. Pode-se dizer, portanto, que nos

processos teatrais estudados nesta dissertação, existe consonância entre intencionalidade e

recepção.

O segundo ponto que merece destaque na análise das entrevistas recai sobre a

transferência dos valores cidadãos para os três campos aqui destacados: relações afetivas,

ambiente de trabalho/estudantil e vida pública. Todos os atores estabeleceram relações entre a

experiência teatral vivenciada na escola e cada uma dessas esferas, em suas vidas atuais. Nesse

estabelecimento de relação, não houve preponderância de um dos campos como aquele em que os

entrevistados enxergaram maior ou menor influência do teatro.

Do mesmo modo – e este é também um dos dados relevantes nesta conclusão –, não

houve, nas entrevistas, predominância significativa de um dos valores cidadãos sobre os demais.

Liberdade, participação e igualdade receberam, de quase todos os atores62

, importâncias

similares, como valores que a experiência teatral ajuda a construir. Muitas vezes, ocorreu

62 O ator 3, diferentemente dos demais, destacou a noção de “igualdade” trabalhada pelo teatro como a mais

significativa em sua formação como cidadão.

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repetição de argumentos de um mesmo entrevistado, nas respostas a questões de blocos

diferentes, o que indica inter-relação na compreensão dos valores analisados.

Neste ponto, mais um elemento importante merece ser destacado: os argumentos

utilizados repetidas vezes foram, grosso modo, os mesmos entre todos os atores. A não variação

de certos pontos levantados, apesar dos diferentes temas das perguntas, e a similaridade entre as

respostas de sujeitos distintos aponta para aqueles que parecem ser os aspectos mais marcantes

dos processos teatrais vivenciados pelos sujeitos. Dentre esses pontos, podemos destacar: a

afirmação da própria opinião, a convivência com diferentes pontos de vista, a experimentação de

papéis diversos no processo de apropriação da linguagem, a valorização do esforço individual, a

experiência do fazer coletivo, a união, o acolhimento, a doação e a percepção do outro como

“igual”.

Apesar das coincidências entre as respostas dos atores, é importante deixar claro que não

consideramos a análise apresentada neste capítulo como conclusiva ou definitiva. Afinal, vale

reforçar, o que se expõe aqui são memórias, pontos de vista particulares, muitas vezes formados

no momento mesmo das entrevistas, na medida em que os sujeitos iam trazendo o passado à tona,

refletindo sobre ele e atribuindo-lhe significados.

Este é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como

vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber da experiência

não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido

do que nos acontece [...] o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que

nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não

fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida

(BONDÍA, 2002, p. 27).

Em nossa busca de memórias, não fomos, pois, atrás de uma verdade, mas de

subjetividades, com o entendimento de que cada experiência é única, pessoal e intransferível.

Encontramos, sim, pontos de contato entre as diversas percepções, os quais não deixam de ser

relevantes. Entretanto, nosso objetivo maior foi compreender como cada qual reflete sobre a

vivência teatral e, nessa busca, ampliar nosso entendimento sobre as relações entre teatro,

educação e cidadania.

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Tendo isso em vista, julgamos adequado expor, nesta conclusão do capítulo, trechos das

respostas dos atores à ultima questão das entrevistas – aquela na qual, em face de tudo o que fora

até então abordado, pedia-se para que cada um deles relacionasse o teatro à sua formação como

cidadão. É curioso observar como em quase todas as reflexões repetem-se duas ideias (análogas,

a propósito) apresentadas no capítulo 1: a de que um grupo de teatro funciona como uma

“pequena comunidade”; e a ideia exposta nas palavras de Trevor Nunn, com a qual abrimos o

referido capítulo – “Uma companhia de teatro democrática, igualitária e libertária, apresentando

peças de grande diversidade, poderia expressar o ideal de um mundo no qual eu quero viver”

(NUNN, 2004 apud NEELANDS, 2009, p.182).

Para mim, [...] cidadania é você ter a capacidade de se distanciar de você

mesmo, enxergar uma cena fora, e se enxergar lá dentro, lá no meio, para saber

até onde você pode ir [...]. Isso é ser cidadão. O teatro é isso; é você começar a

enxergar qual é o seu papel dentro de uma sociedade macro, em uma experiência micro (ATOR 1).

O teatro é como se fosse uma sociedade, em que temos que aprender a ser cidadãos e a conviver com outros cidadãos, sabendo que temos direitos, mas

principalmente deveres. E a gente transporta essa sociedade que aprendemos a

viver no teatro para aquela real, em que temos que viver no dia-a-dia (ATOR

2).

A gente pensa nesse todo “macro”: “Ah, mas eu nunca vou fazer algo tão

grande.” Mas é realmente nesses pequenos grupos que você vai construindo isso, e sendo exemplo também (ATOR 3).

Pode parecer clichê [...], mas foi quase que um divisor de águas mesmo, porque antes eu era um cara nulo [...], que estava sempre ali no canto, quieto, sem falar

nada, sem opinião nenhuma, sem participação nenhuma, e depois de eu ter feito

teatro, eu falei: “Nossa, é hora soltar a voz.” [...] O teatro me ensinou a me

colocar no mesmo patamar que as outras pessoas porque é assim que tudo tem que ser (ATOR 4).

Aqui é muito tangível isso de ter a igualdade, da participação e da liberdade de se expor e, mesmo assim, as pessoas te aceitarem. [...] Teatro é um exemplo do

que deveria ser a vida normal (ATOR 5).

A influência do teatro na formação de cidadão é você ter uma consciência

maior daquilo que está à sua volta, das pessoas, de que todo mundo é igual, de

que todo mundo é capaz, de que todo mundo tem o direito e a liberdade de ser

qualquer coisa, [...], porque está todo mundo ali, tendo que se respeitar [...] É assim que tem que funcionar e é isso que é ser cidadão. E é isso que é ser um ser

humano decente (ATOR 6).

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Para finalizar este capítulo, em que foram expostos e analisados pontos de vista de

sujeitos que passaram pela experiência de fazer teatro no IEI, julgamos apropriada uma reflexão

sobre o próprio termo “fazer teatro”. A expressão, comumente utilizada por aqueles que

participam de atividades teatrais, corrobora com o entendimento de Heidegger sobre experiência

e seus efeitos no perpassar do tempo:

[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos

alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. [...] “fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos alcança receptivamente, aceitar,

à medida que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer dizer,

portanto, deixar-nos abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e

submetendo-nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo (HEIDEGGER, 1987, p. 143

apud BONDÍA, 2002, p. 25, grifos nossos).

A ideia de que a arte teatral é, de fato, feita por aqueles que dela participam encaixa-se

com precisão às palavras de Hedeigger. O teatro é essa experiência que fazemos, que padecemos,

“que nos tomba e nos transforma”. Requer participação ativa, efetiva, engajada. Demanda

liberdade de pensamento e igualdade no olhar lançado ao outro. Exige estar aberto, aceitar,

expor-se ao risco. Implica colocar-se à disposição – para o jogo, para a cena, para o outro. É

entrega; paixão; doação. Senão não é teatro.

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CONCLUSÕES

Nesta dissertação, foram apresentadas as especificidades de um trabalho com teatro

dentro de uma escola de Ensino Básico e analisadas as relações dessas particularidades com o

desenvolvimento de valores cidadãos. Na medida em que o trabalho teatral apresentado dialoga

com outros processos de ensino de teatro e com práticas que marcam os modos de produção de

muitos grupos teatrais contemporâneos, pode-se dizer que a pesquisa se apresenta também como

uma investigação da especificidade do próprio teatro, como linguagem, em sua relação com a

cidadania.

No decorrer do estudo, que transitou pelos campos da história e da memória, foram

exploradas ligações entre teatro e cidadania em diferentes tempos e lugares. Nessa exploração, o

teatro foi inicialmente apresentado como linguagem artística profundamente ligada, desde suas

origens, à vida social humana. Nessa perspectiva, eventos diversos foram destacados, colocando

em evidência as relações de variadas manifestações teatrais – desde a Idade Antiga até a

atualidade – com os valores de liberdade, igualdade e participação. Como visto, esses três valores

(que denominamos “valores cidadãos”) aparecem de modo patente nos processos teatrais

contemporâneos, em especial em grupos profissionais cujos modos de produção são

compreendidos como “processos colaborativos”.

Adentrando o campo dos contextos educacionais, o teatro foi compreendido como

ambiente propício ao exercício da colaboração e como atividade potencialmente promotora da

emancipação. Foram também destacadas diversas características que ligam o trabalho teatral

desenvolvido em algumas escolas à educação não formal, tais como: a adesão voluntária, a

metodologia que se constrói a partir das especificidades de cada coletivo, o desenvolvimento de

laços de pertencimento, a conscientização de como agir em grupos sociais, a construção e

reconstrução de concepções de mundo, a formação do indivíduo para a vida e suas adversidades,

e, em especial, a formação para a cidadania.

Em seguida, foi verificado que as relações entre teatro e educação são discutidas e

exploradas desde a Antiguidade e que, a despeito dos diferentes objetivos pedagógicos

valorizados em cada período, o teatro quase sempre foi concebido como um aliado à educação.

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Nesse estudo da arte teatral e suas potencialidades pedagógicas, foram apresentadas algumas das

principais metodologias de ensino do teatro na contemporaneidade, e destacado que muitas delas

propõem que os processos sejam desenvolvidos a partir de uma perspectiva emancipatória.

Na sequência, foi apresentado o trabalho com teatro dentro da referida escola de Ensino

Básico, o Instituto Educacional Imaculada. A apresentação abarcou o histórico das atividades no

colégio, as principais características do trabalho e os procedimentos metodológicos utilizados em

aulas e processos de montagem de espetáculos. Buscou-se compreender as atividades

desenvolvidas nessa instituição a partir do viés da cidadania, estabelecendo ligações entre as

especificidades dos processos ali desenvolvidos e os valores de liberdade, igualdade e

participação. Foi também exposto como o trabalho apresentado dialoga com o fazer teatral

contemporâneo, na medida em que os modos de produção de ambos são análogos, em especial no

que tange à colaboração, entendida como “ação conjunta para o trabalho” (LEDUBINO, 2009, p.

12).

Outro ponto importante levantado na exposição do trabalho teatral da escola pesquisada é

o fato de as atividades serem desenvolvidas visando, primordialmente, à apropriação da

linguagem teatral; linguagem, esta, que ao carregar um modo crítico/reflexivo, próprio da arte,

torna a prática propensa à instauração de processos emancipatórios e à consequente conquista da

autonomia. Desse modo, o estudo apresentado conduziu-nos à compreensão de que os três

valores cidadãos são intrínsecos a processos que se pautam pela exploração do teatro como

linguagem artística. A cidadania, portanto, mesmo quando não aparece de forma recorrente como

temática de exercícios, jogos ou encenações, está sempre presente no fazer teatral, sendo

construída desde o início do processo.

Além da própria pesquisadora (professora de teatro da instituição abordada), lançaram o

olhar para o trabalho desenvolvido no IEI alunos e ex-alunos que participaram dos processos

teatrais apresentados e que, ao refletir sobre suas experiências, contribuíram para a compreensão

da importância da atividade na formação do cidadão. Nesse contexto, vale lembrar que na

Introdução do trabalho foi colocado que para Morin (2000), o objetivo principal de toda educação

é ensinar a viver – processo que exige a transformação de conhecimentos em sapiência e a

incorporação dessa sapiência para toda a vida. As respostas dos sujeitos entrevistados indicam

que houve transferência do aprendizado proporcionado pelo teatro para outros campos da vida e

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que os valores cidadãos trabalhados na atividade foram incorporados à maneira de ser e agir no

mundo desses indivíduos.

Convém agora, diante de toda essa trajetória, retomar a hipótese levantada no início da

dissertação: a de que atividades teatrais, realizadas durante a vida escolar, podem favorecer o

desenvolvimento da cidadania, em especial no que diz repeito aos valores de liberdade, igualdade

e participação. Pode-se dizer que os estudos realizados conduziram à confirmação dessa hipótese,

em três diferentes momentos: na análise do material teórico (realizada nos capítulos 1 e 2); na

apresentação das especificidades dos processos teatrais desenvolvidos no IEI (capítulos 3 e 4); e,

finalmente, na percepção acerca desses mesmos processos por parte de indivíduos que os

vivenciaram, como alunos dessa instituição (capítulo 5).

Nessa confirmação da hipótese levantada, o caráter emancipatório dos processos teatrais

desenvolvidos tanto na escola estudada quanto em outros contextos – educacionais e profissionais

– destacou-se como uma das principais contribuições da atividade para a formação do cidadão. O

sujeito emancipado é aquele capaz de lançar diferentes olhares para a realidade e de construir

novas realidades; é aquele com autonomia de pensamento e ação; é o que atua como protagonista

de sua própria história. A qualidade da liberdade, da participação e da igualdade trabalhadas no

teatro – em especial quando os processos teatrais se pautam por princípios colaborativos – é

favorável ao desenvolvimento dessa emancipação. Vejamos, portanto, o que podemos destacar,

de acordo com tudo aquilo que foi exposto ao longo da dissertação, a respeito de cada um desses

valores.

A liberdade que se experimenta em processos teatrais colaborativos advém de fatores

diversos, principiando já na própria exploração do espaço; exploração esta que, como visto no

capítulo 3, difere-se fundamentalmente daquela com que o aluno está habituado em seu cotidiano

de sala de aula. A exploração dos próprios recursos corporais e vocais, também de uma maneira

extracotidiana, é outro elemento ligado à liberdade que se vivencia nos processos teatrais. Nas

aulas de teatro, o estudante entra em contato com seu corpo, salta, corre, observa, trabalha a

percepção; é também livre para criar, soltar a imaginação, deixar fluírem os sentimentos. Outro

ponto fundamental quando se fala nesse valor cidadão é a liberdade de expressão que o estudante

vivencia em processos teatrais colaborativos. E quando se fala em expressão, ela é compreendida

tanto com relação à exposição da própria opinião quanto sob o ponto de vista da exploração da

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linguagem da teatral – dois pontos, vale lembrar, bastante citados pelos atores nas entrevistas

analisadas no capítulo 5. O ambiente de não julgamento e a possibilidade do erro também se

destacam nas falas dos entrevistados como características da atividade que favorecem o

desenvolvimento do valor da liberdade. O indivíduo que passa por todo esse processo tem a

possibilidade de levar para outros aspectos da vida a liberdade experimentada no teatro: percebe

que pode olhar para o mundo de maneiras diversas e não convencionais, sente-se mais seguro

para expressar seus pensamentos e mais preparado para lidar com a crítica e com a diversidade.

A participação de que se fala quando se analisam processos teatrais, como, a propósito,

bem colocou um dos atores entrevistados, vai muito além do simples fazer parte de uma atividade

coletiva. O aluno de teatro, ao vivenciar um processo colaborativo como aquele desenvolvido na

instituição apresentada nesta pesquisa, participa constantemente de situações em que todos são

estimulados a sugerir, opinar, contribuir. Ele também toma parte ativa na construção de cada

cena, de cada conhecimento, de cada decisão. Percebe, desse modo, que sua participação é de

fundamental importância. Compreende, da mesma maneira, que a participação do outro, seja

quem for, é também primordial. Aprende que quanto maior for o esforço coletivo, tanto melhor e

mais gratificante será o processo como um todo. Percebe que participação exige dedicação e, não

raro, sacrifícios pessoais visando ao bem do coletivo. A participação do teatro é, portanto, aquela

que requer que o egoísmo e o individualismo sejam deixados de lado e que ensina que a

convivência com o outro, ainda que nem sempre fácil, pode ser enriquecedora.

O valor da igualdade, em processos teatrais colaborativos, se faz presente nas relações

horizontalizadas e na valorização à contribuição de cada participante, independentemente de sua

função ou personagem. Há também igualdade porque no trabalho em grupo o estudante aprende a

conviver com o diferente e a respeitá-lo. O aluno tem ainda a experiência de participar de um

coletivo que se autolegisla e, com isso, aprende que a convivência pressupõe direitos e deveres,

que precisam ser aplicados a todos, indistintamente. São todos aprendizados que, quando

transportados para outros campos da vida social, auxiliam o sujeito a sair de si e a olhar para o

outro; a entender a necessidade de uma sociedade mais justa e democrática; e – como no caso de

alguns dos entrevistados – a superar a visão elitista, enxergando o “diferente” como igual na

humanidade, na dignidade e na cidadania.

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Todos esses aspectos referentes a cada um dos valores cidadãos, como visto ao longo do

trabalho, são potencialidades que o teatro, em ambientes educacionais, pode desenvolver. Neste

ponto, é importante retomar uma afirmação feita no primeiro capítulo: não é nosso intuito

defender o teatro como única ou principal disciplina capaz de promover a formação da cidadania;

entendemos que o desenvolvimento dos valores que destacamos nesta dissertação deve-se à

educação como um todo. Aliás, algumas das características acima descritas não são exclusivas do

teatro – o aluno pode perceber o valor do trabalho em equipe nas atividades de educação física e

entender o conceito de igualdade em aulas de sociologia, por exemplo. Contudo, é também

relevante lembrar que no mesmo capítulo em que destacamos a formação do cidadão como tarefa

de toda a educação, afirmamos que o teatro tem uma contribuição única e importante a fazer

nesse sentido. Emerge, dessa afirmação, uma pergunta importante: o que o teatro tem de singular,

que o diferencia de todos os outros campos do conhecimento humano e caracteriza sua

contribuição específica para o campo da cidadania? A busca por respostas a esse questionamento

norteou todo o estudo apresentado na dissertação. Aqui, apresentamos alguns pontos que se

mostraram relevantes nessa investigação.

Em primeiro lugar, podemos destacar o fato de o teatro ser arte. O fazer artístico, como

colocado no trabalho, abre espaço para pensar e questionar a si próprio, a realidade e as relações

sob a ótica da sensibilidade e da imaginação; possibilita, ainda, reorganizar essa reflexão e

expressá-la a partir de uma linguagem estética específica, que une o concreto e o simbólico,

extrapolando as formas de comunicação cotidianas. Ao olhar e reinterpretar o mundo, as

interações, a sociedade e as pessoas com os olhos da sensibilidade, o indivíduo alarga seu

entendimento sobre si próprio, a vida, as relações sociais e o universo circundante. Sua maneira

de ser e agir no mundo é transformada pela experiência, que emancipa. Não há como viver uma

experiência artística intensa e não sair – ainda que minimamente – modificado. E aqui é

importante ressaltar o sentido de “experiência” que apresentamos na dissertação: aquilo que nos

acontece, nos toca, nos transforma e, muitas vezes, nos apaixona. Não há, portanto, como

vivenciar a experiência artística e não transferir para o cotidiano o mesmo olhar crítico, reflexivo

e sensível com que se aprendeu a apreciar e fazer arte. E se essa experiência é vivida em

ambiente escolar, em uma idade de formação da identidade, seu impacto pode ter consequências

duradouras na trajetória de vida dos sujeitos.

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Outra particularidade da arte é que sua linguagem é aquela em que a comunicação se

instaura no plano do sensível; é aquela que comunica via emoção, imaginação, criatividade. E,

conforme visto na dissertação, essa criatividade se faz presente nos dois sentidos: o artista,

evidentemente, cria; mas aquele que recebe a obra participa também do ato criador, pois realiza

sua própria interpretação, ativa, daquilo que recebe. Essa interpretação – e aí reside mais uma

especificidade da arte – é única, pessoal, intransferível; cada qual realiza uma leitura própria da

obra que aprecia, de acordo com seu repertório pessoal. No teatro, especificamente, esse ato

criador é compartilhado, em tempo real, entre atores e público e entre os próprios artistas. São

todos intérpretes que, concomitantemente, fazem sua experiência criativa. Experiência, vale

destacar, que em processos como aqueles desenvolvidos na escola pesquisada, ocorre tanto no

momento da representação de um espetáculo quanto no cotidiano de aulas e ensaios. Afinal,

como visto na pesquisa, nessas etapas que antecedem a apresentação, os participantes dos grupos

teatrais ora se colocam na posição de atores, ora na de espectadores.

Na arte, o indivíduo entra em contato com o outro e consigo mesmo de uma maneira

singular. No teatro, em especial em processos colaborativos, esse contato com o outro – tanto na

cena quanto fora dela – tende a ser pautado pela troca, pela construção conjunta, pelo

compartilhamento de ideias e convivência com as divergências. Já o contato consigo mesmo se

dá partir dos próprios recursos expressivos, na exploração sensível e criativa do corpo, da voz e

dos sentidos. Nesses processos, alargam-se as capacidades de se expressar, opinar, ouvir,

dialogar, conviver com o diferente.

Não podemos deixar de mencionar também, neste levantamento de algumas das

especificidades do teatro, aquela que talvez seja sua característica mais particular: a representação

dramática. Nessa representação (e também no processo de criá-la), o sujeito entra em contato

com diferentes pontos de vista – de peças, de personagens, de autores, dos outros atores, do

eventual diretor, entre outros. O contato com o personagem, no âmbito teatral, é singular. Afinal,

o ator busca a personificação de seu papel, por meio de um contato que não é apenas intelectual e

imaginativo (como ocorre no ato da leitura, por exemplo), mas também físico: construir um

personagem, no teatro, é dar-lhe corpo, voz, verdade, sentimentos. É, de certo modo, vivê-lo. E

essa vivência de diferentes papéis é constante em processos teatrais como o desenvolvido no

colégio estudado. Afinal, ela não necessariamente precisa estar atrelada a uma construção

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complexa de personagem visando à criação de espetáculo; o simples improvisar sobre

determinado tema já propicia viver uma situação e enxergá-la sob a perspectiva do papel que se

cria naquele instante. Ao olhar o mundo – e “agir” sobre ele – sob óticas tão diversas, amplia-se o

próprio ponto de vista e alarga-se o repertório de atuação na vida real.

Como visto no primeiro capítulo deste trabalho, teatro é relação: com o outro – colega,

personagem, público – e consigo mesmo. E quanto mais colaborativo o processo de construção

do conhecimento e da cena, maiores e mais aprofundadas são essas relações. Claro que em outros

campos do conhecimento também existe colaboração, mas a qualidade dessa colaboração, no

teatro, é única. É constante; é visando à criação artística. É de um grupo que se autolegisla; que

tem de se reconhecer como coletivo para que o trabalho saia a contento. Como visto no decorrer

desta pesquisa, é uma colaboração em que se estabelece uma solidariedade compartilhada, em

que cada qual descobre e reconhece o valor do outro e de si mesmo. É uma colaboração que

ocorre na própria exploração e apropriação da linguagem, que constituem um processo coletivo,

compartilhado, socializado. É uma colaboração que estimula e precisa das relações igualitárias,

da participação engajada e da liberdade de expressão, criação e opinião. Fazer teatro requer

comprometimento e disponibilidade – para construir o conhecimento, para assumir

responsabilidades na construção do espetáculo e para trocar com o outro, na cena e fora dela.

Dessa forma, respeito mútuo, dignidade, tolerância e solidariedade vão sendo também

construídos como valores.

E é evidente que outras atividades podem desenvolver esses mesmos valores, mas por

caminhos que também são outros. Então, trata-se de outros tipos de colaboração. Aquela que se

estabelece no teatro é a colaboração que se traduz na “oração do teatro”, com que abrimos nosso

primeiro capítulo e que, coincidentemente – ou talvez nem tanto – muitos atores citaram em suas

entrevistas: é o segurar uma mão na outra para que tudo o que não se pode e não se quer fazer

sozinho, seja feito por todos, juntos. Ao terminar esse ritual, os participantes gritam “Merda!”.

Um grito, em geral dito a plenos pulmões, em que sente toda a comoção – acima de tudo,

compartilhada – daquele momento, tão singular. Um grito que, ao mesmo tempo em que deseja

boa sorte, substitui o usual “amém” das preces convencionais e, como ele, quer também dizer

“assim seja”. Um grito que une o sagrado e o profano, ousadia que somente a arte permite de

modo tão seguro; e que sintetiza a qualidade da colaboração que muitas vezes se estabelece em

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meios teatrais, seja na escola que estudamos nesta dissertação, seja em outros espaços,

educacionais ou profissionais. Uma qualidade que faz com que aqueles que já passaram pela

experiência do teatro compreendam facilmente o sentido da canção: “Nem uma doce oração, nem

sermão nem comício à direita ou à esquerda falam mais ao coração do que a voz de um colega

que sussurra ‘Merda’” (VELOSO, 1997).

Figura 43 – “Oração do teatro” (2013)

Muitos estudos no campo do teatro-educação, alguns dos quais citados neste trabalho,

apontam para a importância singular desta arte na formação de indivíduos. Esta pesquisa visa

contribuir para a área ao estabelecer ligações entre o teatro escolar e a cidadania, indicando que a

experiência teatral tem o potencial de desenvolver os sujeitos como cidadãos emancipados, com

autonomia de pensamento e ação. No primeiro capítulo, foi colocada a seguinte questão: poderia

o teatro, em contextos educacionais, contribuir não apenas para o desenvolvimento pessoal do

estudante, mas para a construção de uma sociedade mais democrática? A resposta ao

questionamento foi buscada, então, em trabalhos de outros autores, que se basearam em suas

próprias experiências para afirmar que os aprendizados decorrentes da vivência teatral podem ser

transferidos para contextos sociais mais amplos. Agora, depois de percorrer todo o caminho

apresentado nesta pesquisa, ousamos responder à questão, baseando-nos em nossa própria

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experiência: o teatro pode, sim, contribuir para a construção de uma sociedade mais democrática.

Essa contribuição se dá porque a qualidade da cidadania que o fazer teatral tem a potencialidade

de desenvolver está calcada na autonomia, na emancipação, na capacidade de ser e agir no

mundo, de lançar diferentes olhares sobre a realidade e de construir novas realidades. Está

calcada nos valores de liberdade, igualdade e participação, que vão sendo construídos ao longo de

processos teatrais vivenciados na escola e incorporados ao modo de ser dos indivíduos, em idade

de formação de suas identidades. Valores que, mais tarde, muitas vezes são transferidos para

outros campos da vida, e que, portanto, participam da construção de uma sociedade democrática.

Estamos cientes de que o assunto da pesquisa não se esgota nela e de que há uma série de

eixos temáticos que nosso estudo ou não alcançou ou não pôde desenvolver por completo. Um

deles é o papel do espectador e sua formação como cidadão nas encenações produzidas e

apresentadas no âmbito escolar – um aspecto apontado na pesquisa, mas que certamente se

apresenta como área para estudos futuros, com maior aprofundamento. A comparação entre

trabalhos teatrais extracurriculares e aqueles desenvolvidos dentro da grade curricular, e o estudo

de processos teatrais similares aos aqui apresentados, porém aplicados em escolas da rede

pública, são outras possibilidades de continuidade desta pesquisa. De todo modo, esperamos que

este trabalho, ainda que de maneira parcial, contribua para o entendimento do teatro como prática

potencialmente formadora do cidadão crítico, reflexivo, participativo e consciente de seu papel na

sociedade. Almejamos também colaborar para a compreensão desta arte como fundamental em

ambientes educacionais, especialmente em um contexto em que tanto se discute e valoriza a

formação da cidadania.

Figura 44 – Final de apresentação (2013)

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APÊNDICE A – Linha do Tempo

Versão completa

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Parte 1

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Parte 2

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Parte 3

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APÊNDICE B – Roteiro de entrevista

BLOCO I - Dados pessoais

1. Nome: _________________________________________________________

2. Idade:______

3. Sexo: ( ) feminino ( ) masculino

4. Estado civil:

( ) Casado

( ) Solteiro

5. Ocupação:

( ) Desempregado

( ) Empregado/assalariado

(profissão: ___________________ / local de trabalho:__________________)

( ) Profissional liberal

(profissão: ___________________ / local de trabalho: __________________)

( ) Empresário

(ramo em que atua:________________________)

( ) Estudante (Ensino Médio)

( ) Estudante (Ensino Superior)

(Curso:__________________ / Instituição: ________________)

( ) Estudante (Pós-graduação)

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6. Escolaridade:

( ) Ensino Médio incompleto

( ) Ensino Médio completo

( ) Faculdade/Universidade/Nível Superior incompleto

( ) Faculdade/Universidade/Superior completo

( ) Pós-graduação/mestrado/doutorado incompleto ou completo

7. Escolaridade da mãe:

( ) Ensino Médio incompleto

( ) Ensino Médio completo

( ) Faculdade/Universidade/Nível Superior incompleto

( ) Faculdade/Universidade/Superior completo

( ) Pós-graduação/mestrado/doutorado incompleto ou completo

8. Escolaridade do pai:

( ) Ensino Médio incompleto

( ) Ensino Médio completo

( ) Faculdade/Universidade/Nível Superior incompleto

( ) Faculdade/Universidade/Superior completo

( ) Pós-graduação/mestrado/doutorado incompleto ou completo

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9. Somente para entrevistados que já cursaram ou estão cursando Ensino Superior:

a) Qual curso frequentou/ frequenta?

b) Em que instituição estudou/estuda?

c) Acredita que a experiência com teatro, vivenciada na escola, tenha influenciado a

escolha profissional? Se sim, explique.

BLOCO II - Relações com a instituição pesquisada e com o teatro

1. Anos em que estudou no Instituto Educacional Imaculada:

De ______________ a ___________.

2. Anos em que participou das atividades teatrais no Instituto Educacional Imaculada:

De ______________ a ___________.

3. Espetáculos dos quais participou:

________________________________________________________________

________________________________________________________________

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BLOCO III - QUESTÕES GERAIS

1. Quais as memórias mais significativas que você tem da atividade teatral experimentada

durante a vida escolar?

2. Você enxerga, hoje, influências da experiência teatral vivenciada na escola em diferentes

aspectos e momentos de sua trajetória de vida? Explique.

BLOCO IV - LIBERDADE

1. Vamos falar de “liberdade”. O que a palavra lhe sugere?

2. Você enxerga ligação entre aquilo que entende por “liberdade” e a experiência teatral

vivenciada na escola? Se sim, explique.

3. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a liberdade, em

seu ambiente de trabalho/estudantil?

4. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a liberdade, em

suas relações afetivas (familiares, cônjuge/namorado, amigos)?

5. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a liberdade, no

que diz repeito à participação na vida pública?

BLOCO V - PARTICIPAÇÃO

1. Vamos falar de “participação”. O que a palavra lhe sugere?

2. Você enxerga ligação entre aquilo que entende por “participação” e a experiência teatral

vivenciada na escola? Se sim, explique.

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3. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a participação,

em seu ambiente de trabalho/estudantil?

4. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a participação,

em suas relações afetivas?

5. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como participa da vida pública?

BLOCOVI - IGUALDADE

1. Vamos falar agora de “igualdade”. O que a palavra lhe sugere?

2. Você enxerga ligação entre aquilo que entende por “igualdade” e a experiência teatral

vivenciada na escola? Se sim, explique.

3. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a igualdade, em

seu ambiente de trabalho/estudantil?

4. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a igualdade, em

suas relações afetivas?

5. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia a igualdade na vida

pública?

BLOCO VII – CIDADANIA

1. Em nossa entrevista, falamos sobre liberdade, participação e igualdade. Esses três valores

estão associados ao conceito de cidadania com o qual muitos autores trabalham. Como

você resumiria, então, a influência do teatro em sua formação enquanto cidadão?

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APÊNDICE C – Espetáculos teatrais do IEI

Lista de espetáculos teatrais por mim dirigidos no Instituto Educacional Imaculada.

Entre parênteses, a série/ano a que pertenciam os alunos do elenco e o ano de realização

da montagem:

“Dionísio Sumiu”, de Bianca Milan (Ensino Médio / 2013);

“Dizer que te amo”, de Bianca Milan (8ª série do Ensino Fundamental/ 2013);

“Ponto Final”, de Bianca Milan (8º ano do Ensino Fundamental/ 2013);

“A Lua que não era Cheia”, de Bianca Milan (6º ano do Ensino Fundamental/ 2013);

“Milkshakespeare”, de Bianca Milan (6º ano do Ensino Fundamental/ 2013);

“Quem tem Medo do Dragão?”, de Bianca Milan (5º ano do Ensino Fundamental/ 2013);

“As Mil e Uma Noites”, de Bianca Milan (5º ano do Ensino Fundamental/ 2013);

“Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna (Ensino Médio/ 2012);

“Manual de Sobrevivência do Adolescente”, texto de criação própria (8ª série do Ensino

Fundamental/ 2012);

“Esse Trem Vai pra Onde?”, texto de criação própria (7ª série do Ensino Fundamental/

2012);

“Meu Reino por um Final Feliz”, de Bianca Milan (6º ano do Ensino Fundamental/ 2012);

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“Planeta Sonho”, de Bianca Milan (6º ano do Ensino Fundamental/ 2012);

“A Menina e o Pássaro”, baseado em conto de Ruben Alves (5º ano do Ensino

Fundamental/ 2012);

“Doze”, inspirado na lenda grega de Hércules (5º ano do Ensino Fundamental/ 2012);

“O Homem do Princípio ao Fim”, inspirado em texto de Millôr Fernandes (Ensino Médio/

2011);

“Dionísio Sumiu!”, de Bianca Milan e Talitha Hansted (8ª série do Ensino Fundamental/

2011);

“Era uma Vez um Relógio”, de Bianca Milan (7ª série do Ensino Fundamental/ 2011);

“A Bruxinha que era Boa”, de Maria Clara Machado (6º ano do Ensino Fundamental/

2011);

“O Diamante de Grão-Mogol”, de Maria Clara Machado (6º ano do Ensino Fundamental/

2011);

“O Patinho Feio”, adaptação do texto de Maria Clara Machado (5º ano do Ensino

Fundamental / 2011);

“Quem tem medo do Dragão?”, de Bianca Milan, baseado em no livro “O Menino e o

Dragão”, de Renata Adrião D’Angelo (5º ano do Ensino Fundamental / 2011);

“Sonho de uma Noite de Verão”, de William Shakespeare (Ensino Médio/ 2010);

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“E a Brincadeira já vai começar!”, texto de criação coletiva (8ª série do Ensino

Fundamental/ 2010);

“Quem matou o Leão?”, de Maria Clara Machado (7ª série do Ensino Fundamental/

2010);

“Planeta Sonho”, de Bianca Milan (5ª série do Ensino Fundamental/ 2010);

“A Lua que não era Cheia”, de Bianca Milan (5º ano do Ensino Fundamental/ 2010);

“Nem tudo está Azul no País Azul”, de Gabriela Rabelo (5º ano do Ensino Fundamental/

2010);

“Deu a Louca no Mundo da Fantasia”, de Bianca Milan (5º ano do Ensino Fundamental/

2010);

“Perfeitópolis, o Musical”, texto de criação coletiva (Ensino Médio/ 2009);

“Tá na Mira”, de Bianca Milan, inspirado no livro “Clique para Zoar”, de Isabel Vieira (8ª

série do Ensino Fundamental/ 2009);

“Filme Triste”, de Wladimir Capella (7ª série do Ensino Fundamental/ 2009);

“Deu a Louca no Mundo da Fantasia”, de Bianca Milan (5ª série do Ensino

Fundamental/2009);

“A História da Semente”, de Talitha Cardoso Hansted (4ª série do Ensino Fundamental/

2009);

“Pluft, o Fantasminha”, de Maria Clara Machado (4ª série do Ensino Fundamental/ 2009);

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“Porque a Vida não Para.”, texto de criação coletiva (Ensino Médio/ 2008);

“Manual de Sobrevivência do Adolescente”, texto de criação coletiva (8ª série do Ensino

Fundamental/ 2008);

“Procura-se o Super-Homem”, de Diego Gianni (7ª série do Ensino Fundamental/ 2008);

“Era uma Vez um Relógio”, de Bianca Milan (5ª série do Ensino Fundamental/ 2008);

“O Cavalinho Azul”, de Maria Clara Machado (4ª série do Ensino Fundamental/ 2008);

“O Patinho Feio”, adaptação do texto de Maria Clara Machado (4ª série do Ensino

Fundamental/ 2008);

“A Arca”, de Bianca Milan (alunos de Ensino Fundamental e Ensino Médio, séries

variadas / 2008)

“Lendas que o Rio Contou”, encenação de três lendas populares da região amazônica,

texto de criação própria (Ensino Médio/ 2007);

“Venha ver o Sol Nascer”, texto de criação própria (Ensino Médio/ 2007);

“Alguém viu Vovô e Vovó?”, texto de criação coletiva (8ª série do Ensino Fundamental/

2007);

“A Bruxinha que era Boa”, de Maria Clara Machado (4ª série do Ensino Fundamental/

2007);

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“O Rapto das Cebolinhas”, de Maria Clara Machado (4ª série do Ensino Fundamental/

2007);

“Nossa Cidade”, de Thorton Wilder (Ensino Médio/ 2006);

“Geração Trianon”, de Ana Maria Nunes (8ª série do Ensino Fundamental/ 2006);

“Circo de Bonecos”, de Talitha Cardoso Hansted (7ª série do Ensino Fundamental/ 2006);

“A História da Semente”, texto de criação própria (4ª série do Ensino Fundamental/

2006);

“Nem tudo está Azul no País Azul”, de Gabriela Rabelo (4ª série do Ensino Fundamental/

2006);

“Venha ver o Sol Nascer”, texto de criação coletiva (Ensino Médio/ 2005);

“O Grande Ditador”, baseado em filme homônimo de Charles Chaplin (8ª série/ 2005);

“Aventura Encantada”, texto de criação coletiva (7ª série do Ensino Fundamental/ 2005);

“Pluft, o Fantasminha”, de Maria Clara Machado (3ª série do Ensino Fundamental/ 2005);

“Mais Quero um Asno que me Carregue que Cavalo que me Derrube”, de Carlos Alberto

Soffredini (8ª série do Ensino Fundamental/ 2004);

“Quem Matou o Leão?”, de Maria Clara Machado (7ª série do Ensino Fundamental/

2004);

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“O (nosso) Homem do Princípio ao Fim”, de Millôr Fernandes (8ª série de Ensino

Fundamental e Ensino Médio/ 2003);

“Filme Triste”, de Vladimir Capella (7ª série do Ensino Fundamental/ 2003);

“Pluft, o Fantasminha”, de Maria Clara Machado (8ª série do Ensino Fundamental/ 2002);

“O Diamante de Grão-Mogol”, de Maria Clara Machado (7ª série do Ensino Fundamental/

2002);

“Nossa Cidade”, de Thornton Wilder (Ensino Médio/ 2001);

“A Droga da Obediência”, baseado em livro homônimo de Pedro Bandeira (7ª série do

Ensino Fundamental/ 2001);

“Plunct Plact Zumm”, adaptação de Hélcio Henrique Longo (Ensino Médio/ 2000);

“Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto (Ensino Médio/ 1999);

“Cenas do Cotidiano – parte 2”, coletânea de crônicas da obra “A Comédia da Vida

Privada”, de Luís Fernando Veríssimo (Ensino Médio/ 1998);

“Geração Trianon”, de Ana Maria Nunes (Ensino Médio/ 1997);

“Cenas do Cotidiano”, coletânea de crônicas da obra “A Comédia da Vida Privada”, de

Luís Fernando Veríssimo (Ensino Médio/ 1997).

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APÊNDICE D – Termo de consentimento de participação e autorização do uso de imagem

Eu, __________________________________________________________, abaixo assinado, concordo

em participar da pesquisa Teatro, Educação e Cidadania: estudo em uma escola do Ensino Básico,

como sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido pela autora Talitha Cardoso Hansted sobre

o trabalho e os procedimentos nele envolvidos. Autorizo a referida pesquisadora a transcrever

informações por mim concedidas e a divulgar imagens de minha entrevista, coletada para o estudo.

Local e data ___________________________________________, _______/_______/__________/

Nome: ____________________________________________________________________

Assinatura do sujeito ou responsável: ____________________________________

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ANEXOS

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ANEXO A – Grade curricular de 1974

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ANEXO B – Quadro curricular de 1999

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ANEXO C – Quadro curricular de 2008

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ANEXO D – Carta de professor/espectador

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ANEXO E – Carta de funcionário/ espectador I

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ANEXO F – Carta de funcionário/ espectador II

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ANEXO G – Programa Sonho de uma Noite de Verão (capa)

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ANEXO H – Programa Sonho de uma Noite de Verão (contracapa e p. 1)

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ANEXO I – Programa Sonho de uma Noite de Verão (p. 2, p. 3 e p. 4)

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ANEXO J – Programa Sonho de uma Noite de Verão (p. 5)

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ANEXO K – Programa O Homem do Princípio ao Fim (capa)

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ANEXO L – Programa O Homem do Princípio ao Fim (p. 1 e p. 4)

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ANEXO M – Programa O Homem do Princípio ao Fim (p. 2 e p. 3)

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ANEXO N – Programa Auto da Compadecida (capa)

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ANEXO O – Programa Auto da Compadecida (p. 1 e p. 2)

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ANEXO P – Programa Auto da Compadecida (p. 3 e p. 4)

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ANEXO Q – Programa Auto da Compadecida (p. 5 e p. 6)

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ANEXO R – Programa Auto da Compadecida (p. 7 e p. 8)

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ANEXO S – Programa Auto da Compadecida (p. 9 e p. 10)

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