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TALITHA CARDOSO HANSTED
Teatro, Educação e Cidadania:
estudo em uma escola do Ensino Básico
CAMPINAS
2013
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Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação Rosemary Passos - CRB 8/5751
Hansted, Talitha Cardoso, 1980- H199t Teatro, educação e cidadania : estudo em uma escola do Ensino Básico / Talitha Cardoso Hansted. – Campinas, SP : [s.n.], 2013. Han Orientador: Maria da Glória Marcondes Gohn. Han Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. Han 1. Teatro. 2. Educação. 3. Cidadania. 4. História. 5. Memória. I. Gohn, Maria da Glória Marcondes,1947-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título. Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: Theatre, education and citizenship : study in a Brazilian school Palavras-chave em inglês: Theatre Education Citizenship History Memory Área de concentração: Políticas, Administração e Sistemas Educacionais Titulação: Mestra em Educação Banca examinadora:
Maria da Glória Marcondes Gohn [Orientador] Angela Randolpho Paiva Vera Lúcia Sabongi de Rossi Data de defesa: 13-12-2013 Programa de Pós-Graduação: Educação
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RESUMO
Esta pesquisa investiga o papel do teatro na escola e sua contribuição para a formação da
cidadania. Para tanto, apresenta o histórico, as principais características e os procedimentos
metodológicos do trabalho teatral desenvolvido no Instituto Educacional Imaculada, instituição
da rede particular de ensino da cidade de Campinas. A dissertação busca estabelecer ligações
entre as especificidades dos processos ali desenvolvidos e os valores de liberdade, igualdade e
participação, entendidos, neste trabalho, como “valores cidadãos”. A pesquisa se propõe,
também, a entender se os valores cidadãos desenvolvidos e/ou exercitados durante as atividades
teatrais são transferidos para outros campos da vida social, e como os sujeitos situam tais
influências em suas trajetórias de vida. Para atingir tal meta, são apresentadas entrevistas com
alunos e ex-alunos que fizeram teatro na referida instituição. Os entrevistados relatam memórias
das experiências vivenciadas e refletem sobre a contribuição do teatro para a maneira como
enxergam e vivenciam os valores cidadãos em diferentes contextos. No campo teórico, a
dissertação explora relações entre teatro e cidadania em diferentes tempos e lugares, apresentando
essa arte como linguagem artística profundamente ligada, desde suas origens, à vida social dos
seres humanos. O estudo destaca aspectos que aproximam o trabalho teatral desenvolvido em
escolas à educação não formal, área que tem como um dos principais objetivos a formação para a
cidadania. A pesquisa faz também uma breve retrospectiva das relações entre teatro e educação
ao longo da História, destacando algumas das principais tendências pedagógicas com a
linguagem teatral, e evidenciando a pluralidade do potencial educativo dessa arte. Dentre as
conclusões, destaca-se a compreensão de que a exploração e a apropriação da linguagem teatral
constituem atividade propensa à instauração de processos emancipatórios e à conquista da
autonomia, contribuindo significativamente para a formação da cidadania dos alunos. Sobressai,
também, o entendimento de que os três valores cidadãos são intrínsecos a processos que se
pautam pela exploração do teatro como linguagem artística.
Palavras-chave: Teatro. Educação. Cidadania. História. Memória.
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ABSTRACT
This research investigates the role of School Theatre and its contribution for citizenship
education. It presents the history, the main features and the methodological procedures of theatre
activities developed at Instituto Educacional Imaculada, a private school located in the city of
Campinas (São Paulo state). The dissertation seeks to establish links between specific processes
developed in that institution and the values of freedom, equality and participation, defined in this
study as “citizenship values”. The research also proposes to understand if the citizenship values
developed and/or exercised during theatrical activities are transferred to other fields of social life,
and how individuals situate such influences in their life trajectories. To achieve this goal, we
present interviews with students and alumni who have participated in theatrical activities at that
institution. Respondents reported memories of experiences and reflected on the contribution of
theatre to the way they see and experience the citizenship values in different contexts. In the
theoretical field, the dissertation explores connections between theatre and citizenship in different
times and places, presenting this art as a language deeply linked, from its origins, to the social life
of human beings. The study highlights common aspects between theatre works developed in
schools and non-formal education, area that has citizenship education as a main objective. The
research also makes a brief retrospective of the relationship between theatre and education
throughout history, highlighting some of the major trends in the teaching of theatre, and showing
the plurality of the educational potential of this art. Among the findings, there is an understanding
that the exploitation and appropriation of theatrical language are prone to promote emancipatory
processes and the achievement of autonomy, contributing significantly to citizenship education.
Another conclusion is the understanding that the three citizenship values are intrinsic to processes
that explore theatre as artistic language.
Keywords: Theatre. Education. Citizenship. History. Memory.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................
Justificativa.....................................................................................................................
Objetivos.........................................................................................................................
Metodologia.................................................................................................................. ..
Organização do trabalho.................................................................................................
1 TEATRO E CIDADANIA.........................................................................................
1.1 Contexto histórico.................................................................................................
1.2 Contexto educacional............................................................................................
1.2.1 Formalidade e não formalidade.......................................................................
1.3 Conclusões do capítulo..........................................................................................
2 TEATRO E EDUCAÇÃO.........................................................................................
2.1 Teatro e educação: breve sinopse............................................................................
2.2 Teatro e educação no Brasil....................................................................................
2.3 Conclusões do capítulo...........................................................................................
3 TEATRO E CIDADANIA NO IEI:
HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS GERAIS...................................................
3.1 A escola e as artes: breve histórico ........................................................................
3.1.1 Atividades artísticas..........................................................................................
3.1.2 Atividades teatrais: da criação coletiva aos processos colaborativos.................
3.2. Teatro hoje: espaço de convivência democrática...................................................
3.2.1 Participação: um direito de todos.....................................................................
3.2.2 Comprometimento: um exercício de cidadania................................................
3.2.3 Espetáculo teatral: uma obra coletiva..............................................................
3.2.4 Comunidade escolar e participação do espectador...........................................
3.2.5 Espaço: um convite à liberdade........................................................................
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3.3 Conclusões do capítulo............................................................................................
Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte I....................................................
4 TEATRO E CIDADANIA NO IEI:
PROCESSO DE TRABALHO..................................................................................
4.1 Coordenação do processo de trabalho.....................................................................
4.1.1 Colaboração.....................................................................................................
4.1.2 Diálogo aberto.................................................................................................
4.1.3 Processos decisórios coletivos........................................................................
4.2 Procedimentos metodológicos..............................................................................
4.2.1 Aulas livres......................................................................................................
4.2.2 Montagem de peça teatral...............................................................................
4.3 Conclusões do capítulo..........................................................................................
Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte II.................................................
5 TEATRO E CIDADANIA NO IEI:
MEMÓRIAS DOS PARTICIPANTES....................................................................
5.1 Os atores...............................................................................................................
5.2 Liberdade............................................................................................................ ..
5.3 Participação..........................................................................................................
5.4 Igualdade..............................................................................................................
5.5 Conclusões do capítulo......................................................................................
CONCLUSÕES..................................................................................................................
REFERÊNCIAS................................................................................................................
APÊNCICES......................................................................................................................
ANEXOS............................................................................................................................
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A Liana, Lula e Daniel, sem os quais nada seria possível.
Nem no Mestrado e nem na vida.
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AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Maria da Glória Gohn, pela imprescindível orientação. Sua experiência, visão de
mundo e aprofundado entendimento sobre as mais diversas áreas do conhecimento foram
inspiradores não apenas no sentido acadêmico, mas também pessoalmente.
À Profa. Dra. Vera Lucia Sabongi De Rossi e ao prof. Dr. Flávio Desgranges, pelas
enriquecedoras contribuições à pesquisa.
Às Filhas de Jesus, por fazerem parte da minha educação e me permitirem participar da educação
de tantos outros.
A Maria Lúcia Lins Henrique, Silvana Ribeiro da Cruz, Marisa Cassani, Luris Jalbut e Rosélia
Jalbut, por todo o apoio, incentivo e carinho, em cada um de meus sonhos e conquistas.
A Raimunda Navarro, Daniela Mattano da Silva e Mara Menegon por me auxiliarem na pesquisa
aos arquivos do IEI, tornando doce e simples o que poderia ser difícil e burocrático.
A Vera Bonilha, por ser essa eterna mestra, a quem sempre posso recorrer.
À família Rezende e a Ana Keiko, pelas belas fotos, e ao Toninho, pelas lindas cartas.
A Letícia Cabral, pela capa, Linha do Tempo, filmagem e edição das entrevistas.
A Geovane Cougo, pela paciência e generosidade ímpares com que filmou, editou e produziu o
DVD.
Aos ex-alunos e amigos Aninha, André, Bi, Fer, Tícia e Van, pelo muito que fizeram por esta
dissertação e por nosso teatro.
A todos os alunos e ex-alunos de teatro do IEI, por fazerem parte da minha história e inspirarem a
realização deste trabalho.
A Bianca Milan, parceira-irmã de palco e de vida, por tanto, que mal caberia aqui...
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Fachada da escola em diferentes épocas (1948 e 2013)...................................
Figura 2 – Sala de aula (1964)...........................................................................................
Figura 3 – Sala de aula (2012)...........................................................................................
Figura 4 – Aluna da instituição apresentando-se perante plateia (década de 1950)..........
Quadro 1 – Oferecimento de atividades artísticas / ano 2013...........................................
Figura 5 – Apresentação de coral (década de 1950)..........................................................
Figura 6 – Alunas em possível encenação teatral (sem data)............................................
Figura 7 – Apresentação do espetáculo Geração Trianon (1997)....................................
Figura 8 – Apresentação do espetáculo Morte e Vida Severina (1999)............................
Quadro 2 – Oferecimento das atividades de teatro / ano 2013..........................................
Figura 9 – O Homem do Princípio ao Fim (2011)...........................................................
Figura 10 – Sonho de uma Noite de Verão (2010)............................................................
Figura 11 – Alunos ajudando a confeccionar cenários (2012)..........................................
Figura 12 – Estudantes de diferentes faixas etárias no camarim.......................................
Figura 13 – Esse Trem vai pra Onde? (2012)...................................................................
Figura 14 – A Menina e o Pássaro (2012), Hércules (2012) e Planeta Sonho (2012).....
Figura 15 – Auditório do IEI.............................................................................................
Figura 16 – Alunos de teatro em diferentes ambientes: palco, sala adjacente e camarim.
Figura 17 – Turma de teatro de quinto ano (2012)...........................................................
Quadro 3 – Mandamentos do teatro..................................................................................
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Figura 18 – Morte e Vida Severina (1999) ......................................................................
Figura 19 – Perfeitópolis, o Musical (2009).....................................................................
Figura 20 – Dionísio Sumiu (2013)...................................................................................
Figura 21 – Dizer que te amo (2013)................................................................................
Figura 22 – Alunos em atividade de “Relaxação”............................................................
Figura 23 – Expressão corporal........................................................................................
Figura 24 - Sonho de uma noite de verão (2010).............................................................
Figura 25 - Auto da Compadecida (2012)........................................................................
Figura 26 - Nossa Cidade (2001).....................................................................................
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Figura 27 - A Menina e o Pássaro (2012), O Homem do Princípio ao Fim (2011) e
A Droga da Obediência (2001).......................................................................
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Figura 28 – Doze (2012)...................................................................................................
Figura 29 – Era uma Vez um Relógio (2008)...................................................................
Figura 30 - A História da Semente (2009)........................................................................
Figura 31 – Deu a Louca no Mundo da Fantasia (2009).................................................
Figura 32 – Apresentação de Perfeitópolis, o Musical (2009).........................................
Figura 33 – Esse trem vai pra onde? (2012) ...................................................................
Figura 34 – Lendas que o Rio Contou (2007)..................................................................
Figura 35 – Ensaio (2013)................................................................................................
Figura 36 – Final de apresentação (2012)........................................................................
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Figura 37 – Sonho de uma Noite de Verão (a)........................................................... ...... 181
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Figura 38 – Sonho de uma Noite de Verão (b)................................................................ 185
Figura 39 – O Homem do Princípio ao Fim (a)............................................................... 187
Figura 40 – O Homem do Princípio ao Fim (b)............................................................... 189
Figura 41 – Auto da Compadecida (a)............................................................................ 191
Figura 42 – Auto da Compadecida (b).............................................................................. 195
Quadro 4 – Atores.............................................................................................................. 200
Figura 43 – “Oração do teatro” (2013).............................................................................. 246
Figura 44 – Final de apresentação (2013)........................................................................... 247
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
IEI Instituto Educacional Imaculada
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
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“Aquilo na noite do nosso teatrinho foi de Oh.”
Guimarães Rosa (Primeiras Estórias)
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INTRODUÇÃO
O teatro é uma arte cujas origens remontam ao surgimento da humanidade. Das
manifestações do homem primitivo – que tinha o costume de simular caças, imitar animais e
personificar os espíritos em que acreditava – às mais modernas formas de representação, essa
linguagem artística sofreu diversas modificações, mas sempre ocupou lugar de destaque na vida
social humana. Diversos pesquisadores assinalam que o teatro continuamente refletiu o momento
social e os pensamentos de cada época (BERTHOLD, 2006; DESGRANGES, 2011; COURTNEY,
1980).
Mesmo com o advento do rádio, do cinema e da televisão, que, ao registrarem o trabalho
do ator, levaram alguns a proclamar a “morte do teatro”, essa linguagem artística continua a seguir
sua trajetória própria. Reinventa-se, busca novos palcos, novos públicos, novos assuntos; e segue
resistindo ao tempo. Afinal, os meios de comunicação não são capazes de reproduzir o seu
elemento primordial e que tanta humanidade lhe confere: a presença do outro; presença viva,
pulsante, participante. Como diria Paulo Autran, “o teatro não morreu. Enquanto houver alguém
com capacidade de vivenciar uma história com sua voz, [...] sua cabeça e seu coração, haverá
alguém para assisti-lo [...] haverá teatro” (apud GARDAIR; SCHALL, 2009, p. 697).
Por estar o teatro tão vinculado à história da humanidade, não é de se espantar que seu
potencial educativo tenha sido objeto de discussão filosófica há muito tempo. Aristóteles, em sua
Poética, já afirmava que a imitação é natural ao homem e que o ser humano aprende por meio dela.
Courtney (1980) aponta um seleto grupo de pensadores que teceu considerações a respeito da
aplicação do teatro em meios educacionais, formado por nomes como Francis Bacon, Michel de
Montaigne, Thomas Eliot, Philip Sidney, Gottfried Leibnitz e Johann Wolfgang von Goethe.
O mundo contemporâneo, intensamente informatizado, caracterizado por ampla
acessibilidade à informação, vive um paradoxo peculiar: enquanto as relações profissionais são
cada vez mais pautadas pela necessidade de indivíduos flexíveis, com formação global e
facilidade para trabalhar em equipe, muitas escolas continuam presas a modelos de educação que
compartimentam o conhecimento humano em disciplinas aparentemente isoladas e que
privilegiam a mera transmissão de informações. Diversos estudiosos, a exemplo de Morin (2000)
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e Gohn (2011), ao observar esse quadro, apontam para a necessidade urgente de uma
reestruturação na área educativa: é preciso que se priorizem processos educacionais que
possibilitem o desenvolvimento de habilidades ligadas à criatividade, aos relacionamentos
interpessoais, à capacidade de transformar informações em conhecimentos. Em outras palavras,
faz-se necessária uma educação que valorize o desenvolvimento das características ditas
“humanas”, e que forme cidadãos livres, capazes de pensar e agir de forma autônoma.
O teatro, por estar diretamente ligado à natureza humana, tem se mostrado um bom aliado
nessa formação geral do indivíduo. Como se verá no decorrer deste trabalho, experiências teatrais
com indivíduos em idade escolar, desenvolvidas em diferentes partes do mundo, indicam que
essa linguagem artística pode colaborar com processos de inclusão social e agir como
catalisadora em processos emancipatórios, contribuindo, portanto, para a formação dos
indivíduos como cidadãos.
A formação da cidadania tem sido, nas últimas décadas, apontada por diversos autores
como um dos objetivos essenciais da educação formal. Para Ferreira (1993), por exemplo, a
questão deve ser tratada como um imperativo social. Candau (1997) enfatiza que “uma escola
deve ser um espaço onde se formam crianças e jovens para serem construtores ativos da
sociedade na qual vivem e exercem sua cidadania” (p. 228). Para Weffort (1994), a escola não é a
única instituição que deveria se ocupar da formação dos cidadãos, mas é, dentre todas, a mais
importante.
O espaço dedicado a atividades teatrais em instituições de ensino no território nacional é,
de modo geral, ainda incipiente, mesmo após a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB, Lei no 9.394/96) ter estabelecido o ensino da arte como componente curricular
obrigatório nos diversos níveis da Educação Básica. A respeito da pouca valorização do teatro no
sistema educacional brasileiro, Pupo (2011, p. 15) reflete: “Se considerarmos a escola como o
coração do projeto democrático, o enfrentamento dessa lacuna é mais do que nunca oportuno e,
ainda mais do que isso, urgente”. Nesse sentido, entendemos que o estudo de trabalhos teatrais
desenvolvidos em instituições escolares que valorizam e incentivam o teatro em seus projetos
pedagógicos pode contribuir tanto para a ampliação do debate sobre o tema como para a
elaboração de trabalhos teatrais adaptados a outras instituições de ensino.
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É exatamente nesse sentido que esta pesquisa se apresenta. Trata-se de um estudo que tem
por objeto as atividades teatrais extracurriculares desenvolvidas no Instituto Educacional
Imaculada (IEI), instituição da rede particular de ensino da cidade de Campinas, que vem
desenvolvendo, há dezessete anos, trabalhos com teatro. Esta pesquisa visa investigar o papel
dessas atividades teatrais na formação dos alunos, como cidadãos. Para atingir tal meta, a
dissertação se dedica a apresentar a metodologia de trabalho com teatro desenvolvida na referida
escola e entrevistas realizadas com sujeitos que vivenciaram o processo descrito, como estudantes
de Ensino Médio. Trabalha-se com a hipótese de que atividades teatrais, realizadas durante a vida
escolar, podem favorecer o desenvolvimento da cidadania, em especial no que diz repeito aos
valores de liberdade, igualdade e participação, compreendidos, neste estudo, como “valores
cidadãos”.
De acordo com Morin (2000), o objetivo principal de toda educação é ensinar a viver.
Para ele, esse processo exige que conhecimentos sejam transformados em sapiência, e que essa
sapiência seja incorporada para toda a vida. Tendo isso em vista, esta pesquisa se propõe também
a entender se os valores cidadãos desenvolvidos e/ou exercitados durante as atividades teatrais
são transferidos para outros campos da vida social dos indivíduos, e como esses sujeitos situam
tais influências dentro de suas trajetórias de vida. Para tanto, foram selecionados para as
entrevistas alunos e ex-alunos de teatro do IEI de diferentes idades, e buscou-se verificar se eles
reconhecem em si, em contextos diversos de suas vidas atuais, influências da atividade
vivenciada na escola.
As categorias centrais abordadas pelo trabalho são “Cidadania” e “Relações entre Teatro e
Educação”. As principais referências teóricas para a categoria “Cidadania” são José Murilo de
Carvalho, Maria da Glória Gohn e Maria Victoria de Mesquita Benevides. O conceito de
cidadania com o qual trabalham esses estudiosos conduziu à elaboração do termo “valores
cidadãos” e ao estabelecimento de relações entre o fazer teatral e a formação da cidadania.
Na categoria “Relações entre Teatro e Educação”, os principais referenciais teóricos são
Flávio Desgranges, Margot Berthold, Ricardo Japiassu e Richard Courtney. A leitura de obras dos
autores mencionados norteou a contextualização histórica das relações entre teatro e educação,
bem como o entendimento a respeito das principais correntes metodológicas que caracterizam o
ensino do teatro na contemporaneidade.
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É importante destacar, ainda, que esta pesquisa trabalha com o suposto geral de que a
formação via atividades teatrais articula dimensões da educação formal escolar, prevista na LDB
de 1996, com dimensões da educação não formal, que correspondem a aprendizagens advindas de
experiências práticas coletivas ao longo da vida. O teatro na escola – ambiente formal de ensino –
, quando se propõe a construir saberes ligados à socialização e à solidariedade, a estimular a
participação, a aceitação do diferente e o reconhecimento de diferenças históricas e culturais,
aproxima-se dos objetivos da educação não formal e, como ela, pode contribuir para a formação
do cidadão participativo, consciente de seus direitos, com autonomia de pensamento e ação.
Assim, “Educação Formal e Não Formal”, embora não se configurem como objeto em si da
pesquisa, constituem também categoria importante a ser abordada. Neste campo, tomamos
Jaume Trilla e Maria da Glória Gohn como principais referências teóricas.
Justificativa
A justificativa para a escolha do objeto de estudo desta pesquisa contém fortes elementos
de ordem pessoal: sou professora de todas as turmas de teatro do Instituto Educacional Imaculada
e, como ex-aluna desse mesmo estabelecimento de ensino, participei ativamente da fundação de
seu primeiro grupo teatral. Portanto, nesta seção, em que se explicitam os motivos que
conduziram à seleção da temática pesquisada, tomo a liberdade de narrar – propositadamente, na
primeira pessoa do singular – alguns episódios destas duas trajetórias que se mesclam e
complementam: a história do teatro na referida escola e minha própria história de vida, na
tessitura de momentos vivenciados tanto como estudante quanto como professora da instituição.
Cursei Ensino Fundamental e Médio no IEI, entre os anos de 1984 e 1998. A escola,
àquela época, não oferecia aulas de teatro, mas, de tempos em tempos, nos era passada a tarefa de
realizar apresentações teatrais como atividades avaliativas de algumas disciplinas – trabalhos aos
quais me dedicava com entusiasmo e afinco. Quando estava no primeiro ano do Ensino Médio,
em 1996, professoras de Língua Portuguesa e Literatura solicitaram minha ajuda na preparação
da feira cultural que a escola estava organizando. Minha incumbência foi orientar um grupo de
alunos de sétima e oitava séries em uma apresentação oral de poemas. O trabalho realizado
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obteve boa repercussão, e aquela equipe de estudantes, que se identificou com a atividade,
decidiu continuar unida para montar peças teatrais. Tornamo-nos, dessa forma, o grupo oficial de
teatro do colégio. Depois daquele primeiro trabalho, realizamos, juntos, diversas encenações de
peças teatrais. Eu participava delas atuando, mas era também a “diretora” do grupo e, como tal,
propunha os textos a serem encenados, organizava os ensaios, ajudava na construção dos
personagens e era a responsável pelo grupo.
Em 1999 – quando ingressei no curso de Artes Cênicas do Instituto de Artes da Unicamp
– solicitei ao colégio autorização para continuar orientando o grupo de teatro da escola, em
trabalho de caráter voluntário, e o pedido foi aceito. No ano de 2000, fui contratada
provisoriamente como professora de teatro e, em 2001, fui efetivada na instituição. Com o passar
dos anos, o teatro foi, gradativamente, ganhando mais espaço dentro da escola. Hoje, é oferecido
a alunos desde o quinto ano do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio (a
conquista de espaço das atividades teatrais na escola será melhor detalhada no capítulo 3).
Ainda durante minha graduação, deixei de atuar nas encenações dos alunos, como
costumava fazer no princípio; minha satisfação passou a ser prepará-los e testemunhar seu
desenvolvimento. Comecei a me preocupar com os processos de apropriação da linguagem
teatral e em como instaurá-los junto aos jovens estudantes. No início, para conduzir esse trabalho,
baseava-me nos conhecimentos sobre a arte do ator que ia adquirindo na universidade e também
em muito do que eu própria costumava fazer, como aluna de cursos livres de teatro, quando
adolescente. Assim, fui, de maneira um tanto quanto intuitiva, desenvolvendo uma maneira
própria de trabalhar com pessoas que nunca haviam entrado em contato com o teatro. Em meu
segundo ano de faculdade, um de meus professores, conhecendo meu interesse pela área
educacional, colocou-me em contato com material teórico sobre teatro-educação, apresentando-
me obras de Viola Spolin, Maria Lúcia de Souza Barros Pupo, Ingrid Dormien Koudela, Sandra
Chacra e Richard Courtney.
O contato com a literatura especializada na área levou-me à compreensão de que muito
daquilo eu costumava propor aos jovens estudantes com quem lidava relacionava-se com as
pesquisas brasileiras sobre o caráter lúdico de atividades teatrais. Constatei, sobretudo, que já
vinha trabalhando, sem saber, com o sistema de jogos teatrais, desenvolvido por Viola Spolin, e
com muitos jogos e exercícios propostos por Augusto Boal (esses dois autores serão mencionado
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no capítulo 2, e a ligação entre suas obras e o trabalho desenvolvido na instituição pesquisada
será exposta no capítulo 4). Continuei, então, trabalhando na mesma linha que já vinha
desenvolvendo, acrescentando a ela novos conhecimentos que a leitura me proporcionava. Além
disso, fui também incorporando ao trabalho novas práticas que meu trabalho como atriz,
frequentemente, me apresentava.
A literatura especializada abriu-me novos horizontes também no sentido de ampliar meu
entendimento sobre a importância do trabalho artístico com indivíduos em idade escolar. Tudo o
que lia era compatível com aquilo que meus próprios alunos, seus pais e demais professores
costumavam me relatar a respeito das contribuições que as atividades teatrais traziam para suas
vidas, tais como melhora na autoestima, superação da timidez, desenvolvimento do senso de
coletividade e maior facilidade nos relacionamentos interpessoais. Esses relatos – não raro,
emocionados – que ouvia e ainda ouço sobre conquistas atingidas por meio do teatro motivam-
me a continuar trabalhando com teatro-educação e impulsionam-me a querer aprofundar meus
estudos nessa área, buscando respostas a questionamentos como os seguintes: por que a
experiência com teatro costuma ser tão significativa para indivíduos em idade escolar? Que papel
esses sujeitos conferem à vivência teatral para sua formação e, consequentemente, para a
construção de suas histórias de vida? A gestão de suas carreiras, por exemplo, é de algum modo
influenciada pela experiência com teatro vivida no colégio? Os saberes construídos e as
habilidades adquiridas com a prática teatral contribuem para a cultura cidadã desses indivíduos,
no que diz respeito a olhar e analisar o mundo e sua complexidade? Podem os processos teatrais
desenvolvidos na escola em questão favorecer processos emancipatórios?
Perguntas como essas, que há muito me intrigam, levaram-me a elaborar a pesquisa aqui
apresentada, em que investigo a contribuição de processos teatrais, desenvolvidos em ambiente
escolar, para a formação de indivíduos como cidadãos. O foco na cidadania, além da curiosidade
individual, justifica-se pela relevância social da temática, em especial no que tange a contextos
educativos. Vale observar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo
22, estabelece que a Educação Básica tem como finalidade assegurar ao educando “[...] a
formação comum indispensável para o exercício da cidadania [...]” (BRASIL, 1996), e que os
Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados na esteira da LDB, apresentam como propósito
geral “[...] apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como
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cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres” (BRASIL,
1997, n.p.). Na parte em que trata especificamente sobre Arte, o documento enfatiza a seleção de
conteúdos que colaborem para a formação do cidadão.
Cabe, então, perguntar: como pode a linguagem teatral, em suas singularidades, colaborar
para essa formação? Ao descrevermos o trabalho com teatro realizado no Instituto Educacional
Imaculada, buscamos respostas a esse questionamento. De tal modo que esta pesquisa, ao mesmo
tempo em que se apresenta como uma análise das particularidades de processos teatrais
desenvolvidos em determinada escola em sua relação com liberdade, igualdade e participação,
configura-se também como um estudo da especificidade do próprio teatro, entendido como
linguagem artística, em sua relação com a cidadania.
Objetivos
Geral
Verificar de que forma a experiência de fazer teatro na escola contribui para a formação
da cidadania. São focalizadas, neste objetivo geral, três perguntas centrais:
1) Como se dá a formação da cidadania via atividades teatrais em um determinado contexto
educacional?
2) Como a experiência de fazer teatro na escola contribui para a maneira como os indivíduos
enxergam e vivenciam a cidadania em diferentes campos de suas vidas?
3) Qual a singularidade da contribuição do teatro para o desenvolvimento dos valores cidadãos
(liberdade, igualdade e participação)?
32
Específicos
Investigar relações entre teatro, educação e cidadania em diferentes tempos e espaços.
Descrever a metodologia de trabalho com teatro desenvolvida extracurricularmente dentro
de uma comunidade escolar de Ensino Básico, com sistematização de cada uma das fases
do processo e caracterização dos elementos práticos e conceituais de como ocorrem as
atividades.
Identificar, na metodologia de trabalho com teatro descrita, características e
procedimentos específicos que contribuam para a construção da cidadania.
Verificar como se dá a articulação entre as práticas escolares regularmente atribuídas à
educação formal e elementos conceituais usualmente associados à educação não formal.
Identificar contribuições do teatro escolar para a construção das trajetórias de vida de
indivíduos, buscando respostas aos seguintes questionamentos: que significados os
sujeitos atribuem à experiência teatral vivenciada? Quais as contribuições na memória?
Qual a percepção dos sujeitos sobre cada um dos valores cidadãos – liberdade, igualdade
e participação – com relação às atividades teatrais das quais participaram? Qual a
percepção acerca desses mesmos valores em suas vidas atuais? Essa visão atual foi
influenciada pela experiência com teatro?
Verificar se os sujeitos reconhecem influências da experiência teatral em sua maneira de
enxergar e vivenciar a cidadania nos seguintes campos de suas vidas atuais:
1) ambiente de trabalho ou estudantil;
2) relações afetivas;
3) participação na vida pública.
33
Metodologia
Esta é uma pesquisa qualitativa que transita pelos campos da História e da Memória, tais
como compreendidos por Burke (1992, 2002, 2005), Le Goff (1996), Ricoeur (1968) e Seixas
(2001, 2002). História, que se conta tanto no estabelecimento de relações, em diferentes tempos e
espaços, entre o teatro e os campos da cidadania e da educação, quanto no resgate da cronologia e
de diferentes situações vivenciadas no trabalho teatral desenvolvido na escola estudada.
Memória, que se visita sob a ótica de diferentes “narradores”: a própria pesquisadora, que na
condição de professora de teatro e ex-aluna da instituição pesquisada, fez e faz parte desse lugar e
o apresenta, historicamente, revisitando sua própria memória; e sujeitos (alunos e ex-alunos) que
também participaram da história do teatro na escola em foco e que ali construíram suas próprias
histórias. Nessa perspectiva, entendemos que “o tempo histórico encontra, num nível muito
sofisticado, o velho tempo da memória, que atravessa a história e a alimenta” (LE GOFF, 1996,
p. 13, grifo do autor).
Nessa reconstrução de memórias, em que as histórias contadas por todos os participantes
contribuem para a elucidação do objeto, interessa-nos não olhar o passado como “aquilo que
passou”, mas como uma experiência que se reflete no presente e nos ajuda a compreendê-lo, além
de permitir lançar o olhar para o futuro. Dessa forma, espera-se que a pesquisa componha um
painel de representações atuais de experiências vivenciadas e memórias passadas que, reunidas,
apontem para a dimensão da importância do teatro na formação de indivíduos, como cidadãos.
Tal meta ajuda a esclarecer a concepção de memória com a qual trabalhamos; concepção, esta,
que se reflete nas palavras de Jacy Seixas:
A memória não é jamais como aparece superficialmente, ou seja, como
uma retrospectiva, um resgate passivo e seletivo de fatias do passado que
vêm, como um decalque, compor ou ilustrar nosso presente; seu movimento, ao contrário, é antes de mais nada o de prolongar o passado
no presente. A memória não é regressiva (algo que parte do presente
fixando-se no passado); ela é prospectiva e, mais do que isso, é projetiva, lançando-se em direção ao futuro (SEIXAS, 2002, p. 45).
Para alcançar os objetivos gerais e específicos traçados, o trabalho se vale de fontes
documentais diversas: entrevistas, fotos, programas de peças teatrais, documentos escritos
34
(provenientes tanto dos referenciais teóricos já mencionados quanto dos arquivos da escola
estudada e do acervo pessoal da pesquisadora), além de depoimentos de funcionários e ex-alunos
da instituição, que não foram submetidos às entrevistas, mas que contribuíram para a
reconstrução das memórias presentes neste trabalho, como será detalhado mais adiante.
Tendo em vista que nos propomos a estudar as especificidades das atividades teatrais
desenvolvidas em um dado colégio, situado em determinado tempo e espaço, utilizamos, em
alguns momentos, procedimentos da metodologia do estudo de caso. Afinal, de acordo com Stake
(1995 apud ANDRÉ, 2005, p. 18-19), o “estudo de caso é o estudo da particularidade e da
complexidade de um caso singular, levando a entender sua atividade dentro de importantes
circunstâncias”. Entendemos que nosso objeto de estudo – atividades teatrais extracurriculares
desenvolvidas em um estabelecimento de ensino e suas contribuições para a formação da
cidadania – apresenta natureza multideterminada e complexa: as memórias dos indivíduos sobre
o processo teatral vivenciado durante a vida escolar e as percepções da própria pesquisadora,
como professora da instituição estudada, são, evidentemente, permeadas pela subjetividade e
influenciadas por uma série de variáveis. Neste ponto, o estudo de caso oferece algumas pistas
interessantes para a pesquisa sobre a escola em foco:
O estudo de caso pode ser um meio de se fazer ciência, principalmente quando a natureza do fenômeno observado é multideterminada e interessa
conhecer de modo profundo e abrangente a singularidade de cada
situação, mesmo que, em última instância, busque-se um conhecimento
que, de alguma forma e em alguns aspectos, possa ser generalizável (HELOANI; CAPITÃO, 2007, p. 31).
Na citação acima, como se nota, os autores destacam a aplicabilidade do estudo das
particularidades de um caso específico, ainda que o intuito final seja chegar a um conhecimento
passível de generalização. Esse é o caminho traçado nesta pesquisa. Como se verá ao longo da
dissertação, são muitas as maneiras de se trabalhar com a linguagem teatral em contextos
escolares. Existe, na atualidade, uma multiplicidade de metodologias para o trabalho com teatro,
além da possibilidade de cruzamento entre as diversas práticas existentes. Diante desse quadro,
emerge a necessidade de se estudar processos de trabalho em suas singularidades e buscar
entender se cada trabalho específico contribui ou não para o desenvolvimento de valores
35
cidadãos. A partir dos resultados obtidos, é possível compreender se na situação estudada há
elementos que podem ser apontados como importantes para a formação da cidadania; é também
possível destacar indícios para sabermos quais desses elementos podem ser replicados ou
adaptados a outras situações (outras instituições de ensino, por exemplo). Desse modo, optamos
pelo estudo de um caso particular como um dos encaminhamentos metodológicos, dados estes
dois motivos: a especificidade da experiência teatral vivenciada e selecionada para esta
dissertação; e a possibilidade de generalização do conhecimento que a pesquisa oferece – tanto
do ponto vista do entendimento das relações entre o teatro na escola e a formação da cidadania
quanto no que tange a possíveis contribuições para trabalhos teatrais desenvolvidos em contextos
diversos.
André (2005, p. 52) destaca que um dos elementos fundamentais de um estudo de caso é a
“descrição densa” do fenômeno estudado, com vistas a dar ao leitor a “sensação de ter estado lá”.
Nesse sentido, dedicamo-nos a descrever as atividades teatrais realizadas na escola abordada por
este estudo de maneira detalhada, por meio da apresentação do histórico do teatro na instituição e
da descrição pormenorizada da metodologia desenvolvida. Além disso, apresentamos
características gerais e dados históricos da própria instituição de ensino e das demais linguagens
artísticas ali oferecidas, para delinear o contexto sócio-histórico no qual o evento estudado se
desenvolve.
Para a reconstituição histórica, contribuíram para a pesquisa, por meio de depoimentos
registrados em redes sociais, muitos ex-alunos – além daqueles que foram entrevistados –,
especialmente pertencentes ao primeiro grupo de teatro da escola. A participação desses antigos
estudantes – hoje profissionais das mais diversas áreas – foi importante no sentido de relembrar
fatos e datas importantes da história do teatro no colégio em questão. Para o levantamento de
dados históricos relativos à escola e às demais linguagens artísticas ali desenvolvidas, contou-se
com a contribuição de professores e demais funcionários que trabalham na instituição há pelo
menos duas décadas.
A pesquisa levantou também dados do acervo documental do Instituto Educacional
Imaculada, em que constam livros-ata, quadros curriculares, planos de trabalho e quadros de
contratação de professores de quase todos os anos desde a fundação da escola, ocorrida em 1952.
As fotos que ilustram os capítulos em que se apresenta a instituição e o trabalho teatral ali
36
desenvolvido fazem parte dos arquivos da escola, dos acervos de ex-alunos que contribuíram para
a pesquisa e do acervo pessoal da pesquisadora.
Com relação às entrevistas, optou-se pelas semiestruturadas, aquelas em que, de acordo
com Moreira (2004, p. 55),
O entrevistador pergunta algumas questões em uma ordem pré-
determinada, mas dentro de cada questão é relativamente grande a liberdade do entrevistado. Além disso, outras questões podem ser
levantadas, dependendo das respostas dos entrevistados, ou seja, podem
existir questões suplementares sempre que algo de interessante e não previsto na lista original de questões aparecer.
As entrevistas foram realizadas com uma pequena amostra de indivíduos que, enquanto
estudantes de Ensino Médio do IEI, participaram de atividades teatrais extracurriculares1 por no
mínimo dois anos. Foram investigadas as memórias que esses sujeitos mantêm do processo
vivenciado e as relações que estabelecem entre tal vivência e diferentes campos de suas vidas na
atualidade (ambiente de trabalho ou estudantil, relações afetivas e participação na vida pública).
Os entrevistados são pertencentes a dois grupos distintos: aqueles que participaram de atividades
teatrais na escola em tela há mais de quatro anos, e aqueles que fizeram teatro na instituição em
anos mais recentes (entre 2011 e 2013). Os primeiros são indivíduos maiores de 21 anos, que já
estão inseridos no mercado de trabalho, e que, pelo maior distanciamento histórico das atividades
teatrais, possibilitaram a compreensão das contribuições do teatro, a longo prazo, para suas
trajetórias de vida e para a sua atuação como cidadãos no mundo. Os segundos – aqueles que
fizeram teatro na instituição em anos recentes – são indivíduos com idade até 18 anos, que ainda
cursam Ensino Médio ou que ingressaram há pouco tempo no Ensino Superior. Alguns deles
ainda participam das atividades teatrais na instituição pesquisada. Suas percepções ajudam a
1 A instituição pesquisada também oferece aulas de teatro em caráter curricular, conforme será descrito no capítulo 3.
A opção pelas atividades extracurriculares como objeto de estudo advém dos seguintes fatos: as atividades
extracurriculares na escola em tela são desenvolvidas em maior escala – em termos de oferecimento a diferentes
séries, número de turmas, quantidade de alunos atingidos e tempo das aulas – que as curriculares (vide Quadro 2,
capítulo 3); as atividades extracurriculares, por terem caráter de adesão voluntária e não apresentarem a
necessidade de seguir um currículo padronizado, possibilitando a adaptação dos conteúdos à necessidade de cada
contexto (questões que serão melhor explicitadas no decorrer da dissertação), aproximam-se mais das
características da educação não formal e podem, portanto, configurar terreno propício à formação da cidadania.
37
compreender como se dá o desenvolvimento dos valores cidadãos via processos teatrais e se a
experiência recente já se reflete em diferentes aspectos de suas vidas.
Para situar o trabalho no universo teórico que lhe diz respeito, foi realizado um
levantamento bibliográfico pertinente à área selecionada para a pesquisa, englobando estudos de
referenciais teóricos nos campos da cidadania, educação formal e não formal, história do teatro e
teatro-educação. Na apresentação do material estudado, buscou-se estabelecer relações entre os
campos abordados e contextualizar, historicamente, tais ligações. Ainda com vistas à
contextualização histórica, este trabalho contempla a produção da Linha do Tempo “Teatro e
Educação: breve sinopse”, em que são dispostas algumas das principais relações entre essas duas
áreas, estabelecidas por filósofos, pesquisadores e autores de teatro, desde a Idade Antiga até a
atualidade. A linha também destaca as principais correntes metodológicas de trabalho com teatro
desenvolvidas a partir do século XX.
Organização do trabalho
Esta pesquisa apresenta como foco central o teatro e busca relacioná-lo a duas grandes
áreas: a cidadania e a educação. Tendo isso em vista, os capítulos que compõem o trabalho estão
divididos, em linhas gerais, do seguinte modo: o primeiro versa sobre relações entre teatro e
cidadania; o segundo explora relações entre teatro e educação; e os três seguintes abordam teatro
e cidadania em um contexto educacional específico. Os dois primeiros capítulos, portanto, são
dedicados à análise teórica das categorias abordadas pela pesquisa, e os demais à apresentação e
análise do caso selecionado para o estudo.
O capítulo 1, especificamente, aborda a categoria “Cidadania”, relacionando-a com a
prática teatral em contextos diversos. A princípio, são apresentados os conceitos de cidadania,
valores cidadãos e teatro abarcados pela pesquisa. Em seguida, são estabelecidas relações entre os
conceitos apresentados, primeiro do ponto de vista da história do teatro e, em seguida, do ponto
de vista do contexto educacional. É também nesse capítulo que se apresenta a categoria
“Educação Formal e Não Formal” e se discutem suas relações com a temática da cidadania e a
prática teatral em contextos escolares.
38
O capítulo 2, por sua vez, dedica-se à categoria “Relações entre Teatro e Educação”. É
traçado, em linhas gerais, um panorama histórico das relações entre os dois temas, desde a
Antiguidade até os dias atuais. Nesse panorama, são apresentadas contribuições de filósofos e
outros estudiosos que teceram considerações a respeito do potencial educativo do teatro. O
panorama também dá notícia sobre as principais tendências pedagógicas com essa arte,
desenvolvidas a partir do século XX. O capítulo apresenta, ainda, uma breve retrospectiva da
relação entre teatro e educação especificamente no contexto escolar brasileiro.
O capítulo 3 dá início ao estudo da instituição selecionada e do trabalho com teatro ali
desenvolvido. São levantados aspectos históricos e características gerais tanto da escola quanto
das disciplinas ligadas às artes por ela oferecidas. No que diz respeito ao teatro, a exposição
histórica permite compreender como a atividade, ao longo dos anos, foi se estruturando e
ganhando espaço no colégio. Na apresentação do histórico e das características gerais do teatro na
escola estudada, são destacadas relações entre a atividade e a temática da cidadania. Ao final do
capítulo, há uma seção especial, intitulada “Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte
I”, em que a pesquisadora narra situações específicas que exemplificam as características
apresentadas e se relacionam aos valores cidadãos.
O trabalho de teatro desenvolvido na instituição pesquisada incorpora elementos de
algumas das correntes metodológicas apresentadas no capítulo 2. Trata-se de uma metodologia
específica, e é à sua exposição que se dedica o capítulo 4. O processo de trabalho em questão
divide-se, em linhas gerais, em duas grandes fases: “aulas livres” e “montagem de peça teatral”.
Cada uma dessas fases é abordada em seção específica, em que se expõem os procedimentos
metodológicos adotados e seus respectivos objetivos pedagógicos. Mais uma vez, são apontados
aspectos que ligam a temática da cidadania ao trabalho com teatro desenvolvido na instituição,
agora sob a perspectiva específica dos processos teatrais ali desenvolvidos. Esse capítulo também
conta com uma seção final intitulada “Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte II”, em
que se analisam programas2 de peças teatrais realizadas na instituição. A partir desses materiais,
2 Denominam-se “programas” os livretos entregues ou vendidos aos espectadores antes de apresentações teatrais, em
que, de modo geral, apresentam-se os nomes dos profissionais envolvidos na montagem e informações sobre o
texto, os autores, a encenação, entre outras. No IEI, são confeccionados programas das peças de estudantes de Ensino Médio e o material é distribuído gratuitamente ao público, na entrada do auditório.
39
são descritas particularidades de cada um dos processos de montagem, que servem de exemplo às
características do trabalho expostas no capítulo e apresentam ligações com os valores cidadãos.
No capítulo 5, as relações entre cidadania e atividades teatrais são estudadas a partir das
entrevistas realizadas com indivíduos que participaram dos processos descritos no capítulo 4. A
análise busca compreender se a vivência teatral experimentada pelos sujeitos se reflete na
maneira como eles compreendem e vivenciam os valores de liberdade, igualdade e participação
em diferentes aspectos de suas vidas.
O trabalho é finalizado com as Conclusões, em que se busca destacar os aspectos mais
relevantes da pesquisa, responder a determinados questionamentos colocados no decorrer do
trabalho, e indicar reflexões e algumas conclusões a que o percurso traçado permitiu chegar.
Em anexo à dissertação, segue um DVD contendo imagens das entrevistas realizadas para
o trabalho. O material também inclui fotos e vídeos de peças teatrais dirigidas pela pesquisadora
e encenadas por estudantes de Ensino Médio da escola estudada nos anos de 2010, 2011, 2012 e
2013.
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41
1 TEATRO E CIDADANIA
“Uma companhia de teatro democrática, igualitária e
libertária, apresentando peças de grande diversidade,
poderia expressar o ideal de um mundo no qual eu quero viver.”
Trevor Nunn3 (Ensemble Theatre Conference, 2004).
Cai a noite. Dezenas de alunos reúnem-se no pátio da escola. Estão ansiosos e
apreensivos. Posicionam-se em círculo. Alguns tomam a palavra. Agradecem, incentivam,
encorajam. Todos se emocionam. E silenciam. Dão-se as mãos. Repetem, então, seguindo a
professora: “Eu seguro minha mão na sua, para que tudo aquilo que eu não posso e não quero
fazer sozinho, possamos fazer todos juntos!”. As palavras são proferidas com seriedade e
entusiasmo. Concentração. Adrenalina. Continuam todos ansiosos e apreensivos. Porém
preparados, agora. Abraçam-se. Deixam o pátio. Cada qual toma seu lugar. Abrem-se as
cortinas.
A cena descrita repete-se todos os anos, com variadas turmas de estudantes, no Instituto
Educacional Imaculada, em Campinas – SP. Ela ocorre sempre alguns minutos antes de as turmas
de teatro realizarem suas apresentações no auditório da instituição. Trata-se de uma espécie de
ritual preliminar coletivo, que favorece a concentração e o sentimento de pertencimento ao grupo.
A frase4 proferida em uníssono, de certa forma sintetiza o cerne desta dissertação: a construção
de valores ligados à cidadania. Ao se posicionar em círculo, de mãos dadas com colegas, e dizer
“eu seguro minha mão na sua”, cada estudante coloca-se em posição de igualdade com os
demais; ao afirmar “tudo aquilo que eu não posso [...] fazer sozinho, possamos fazer todos
3 Trevor Nunn é diretor de teatro, cinema e televisão. É o atual diretor artístico da companhia teatral inglesa Theatre
Royal Haymarket, cargo que também ocupou na Royal Shakespeare Company (de 1968 a 1986) e no Royal
National Theatre (de 1997 a 2003). 4 A frase em questão costuma ser utilizada também em meios profissionais, e é conhecida, por alguns grupos, como
“oração do teatro”.
42
juntos”, o aluno afirma o valor da participação de todos no processo; e, ao acrescentar “e não
quero fazer sozinho”, o indivíduo exprime sua liberdade de escolha, e a opção por estar ali.
Igualdade, participação e liberdade são os valores destacados por Carvalho (2010) na
exposição daquilo que, em seu entendimento, seria o ideal de cidadania. O autor aborda a
cidadania como um fenômeno complexo, histórico e de definição não estanque. O conceito de
cidadania com o qual o estudioso trabalha diz respeito a uma combinação entre os três valores
destacados. O autor pondera que essa combinação, ainda que talvez inalcançável de maneira
plena, tem servido de parâmetro para que se avalie a qualidade da cidadania em diferentes países
e momentos históricos. Em consonância com Carvalho, Gohn (2012, p. 195) coloca que “[...] o
conceito de cidadania é amplo e complexo e abrange várias dimensões”. Dentre tais dimensões, a
autora destaca a individual (cidadania relativa aos direitos e deveres dos indivíduos) e a coletiva
(direitos e deveres de grupos), ponderando que, em ambas, liberdade e igualdade sempre foram
categorias centrais. O conceito de cidadania com o qual trabalha Gohn encontra eco nas obras de
Marshall (1967), Arendt (1981), Paoli (1989), Teles (1991) e Weffort (1993). Para o conceito de
“cidadania ativa” com o qual trabalha Benevides (1991), participação é valor fundamental:
quando o povo toma parte na função de legislar, combatem-se as tradições oligárquica e
patrimonialista, tão arraigadas na sociedade brasileira. A mesma autora destaca liberdade e
igualdade como valores indispensáveis ao exercício de uma educação voltada para a democracia
(Benevides, 1996).
Este trabalho toma como referência a visão sobre cidadania apontada pelos autores
citados, abarcando liberdade, igualdade e participação sob o termo “valores cidadãos”5. Como se
verá no transcorrer deste capítulo, são muitas as relações que se podem estabelecer entre os
valores citados e a prática teatral, tanto do ponto de vista da história do teatro quanto em
contextos educacionais.
5 O conceito de cidadania, para os autores que são nossa referência, é trabalhado em várias dimensões,
abrangendo questões sociais, políticas, econômicas e culturais dos indivíduos na sociedade, e suas relações com o
Estado. Eles adotam a perspectiva do ponto de vista histórico, como processo social em construção. Nesta
pesquisa, não é nosso intuito realizar uma análise ampla da cidadania junto ao grupo investigado. Interessa-nos,
aqui, compreender o potencial emancipatório de atividades teatrais com indivíduos em idade escolar, do ponto de
vista da formação desses indivíduos como cidadãos, observando de que modo os valores apresentados (liberdade,
igualdade e participação) influenciam seu pensar e agir. Esses três valores constituem, portanto, um recorte de um conceito mais abrangente de cidadania; conceito este que, no que se refere ao reconhecimento jurídico da dignidade
do indivíduo, engloba os direitos de ser livre, de ser igual e de participar.
43
Antes de abordar tais relações, vale colocar que quando nos referimos a teatro, nesta
pesquisa, não o estamos compreendendo do ponto de vista “estático”, entendido por Alain Girault
(1975, apud PAVIS, 1999) como o local da representação, em geral constituído por um espaço
onde se atua (palco) e um espaço de onde se olha (sala). Estamos, sim, considerando-o do ponto
de vista “dinâmico”, que, de acordo com o mesmo autor, corresponde à “[...] constituição de um
mundo ‘real’ no palco em oposição ao mundo ‘real’ da sala e, ao mesmo tempo, o
estabelecimento de uma corrente de ‘comunicação’ entre o ator e o espectador” (GIRAULT,
1975, p. 14 apud PAVIS, 1999, p. 373).
De modo análogo, quando falamos aqui em teatro, não nos referimos ao texto dramático
propriamente dito. Mesmo quando mencionamos certos textos escritos – como no caso daqueles
de autoria de William Shakespeare, como se verá mais adiante –, fazemo-nos cientes de que estes
foram escritos com vistas à encenação. Nesse sentido, ao utilizar a palavra “teatro”, aproximamo-
nos mais daquilo a que se costuma chamar “teatralidade” 6.
Abrangemos ainda, sob o termo “teatro”, o trabalho do ator (seja ele profissional, seja
estudante), não apenas no momento da representação de um determinado espetáculo, mas
também em todo o processo que a precede, e que usualmente envolve pesquisa, criação e ensaios.
Além disso, abarcamos em nossa concepção de teatro os processos desenvolvidos com base em
jogos de improvisação teatral, sem que haja, necessariamente, a vinculação com a produção de
peças teatrais7. A respeito dos jogos improvisacionais, Desgranges (2011) é enfático no sentido
de defender que eles devem ser considerados teatro, uma vez que nas oficinas em que se realizam
essas práticas, o encontro entre ator e espectador – fundamental para que o fenômeno teatral
aconteça, como se verá mais adiante – acontece de modo intenso (diversas cenas são
improvisadas, e os participantes ora se colocam na posição de atores, ora na de espectadores).
Estabelecidos os conceitos de cidadania e teatro abarcados por este trabalho, passemos
agora à analise das relações entre esses dois temas, em diferentes tempos e espaços. Em uma
6 Pavis (1999, p. 372) explica que o conceito de teatralidade foi provavelmente formulado com base na mesma
oposição existente entre literatura e “literalidade”, sendo, portanto, “[...] aquilo que, na representação ou no texto
dramático, é especificamente teatral (ou cênico)”. Nesta concepção, o texto dramático, quando lido ou concebido
sem que haja a representação mental da encenação, opõe-se à teatralidade. 7 Na escola enfocada nesta pesquisa, os alunos de teatro participam de jogos de improvisação (vide capítulo 4,
subcapítulo 4.2.1); tomam parte, também, em processos de montagens de peças teatrais, durante os quais vivenciam etapas de pesquisa, criação e ensaios (capítulo 4, subcapítulo 4.2.2).
44
primeira seção, abordaremos o teatro como fazer artístico, não relacionado especificamente a
contextos escolares, destacando exemplos de práticas e textos teatrais de diferentes épocas que,
de alguma forma, se relacionam com questões ligadas à cidadania. Em seguida, exploraremos o
contexto educacional – tanto formal quanto não formal – destacando exemplos de iniciativas em
que a prática teatral está ligada ao exercício dos valores cidadãos.
1.1 Contexto histórico
A primeira relação que se pode estabelecer entre teatro e cidadania reside naquilo que
constitui a própria essência do teatro: a coletividade. Tanto na dimensão do fazer teatral (aqui
compreendido como ofício de atores, encenadores e todos aqueles que participam diretamente da
criação e encenação de um espetáculo), quanto na relação entre atores e espectadores, a presença
do outro – ou, para utilizar um dos termos relevantes nesta pesquisa, a participação – é condição
fundamental para que o fenômeno teatral aconteça. Como lembra Ledubino (2009), fazendo
referência a uma afirmação comum no meio teatral, mesmo para a realização de um monólogo, é
necessária a participação de uma equipe (que pode contar com diretor, técnicos, figurinista,
cenógrafo, entre outros); e ainda que um espetáculo seja totalmente concebido e executado por
uma mesma pessoa, há de se considerar que, ao final do processo, a obra será apresentada a um
público, “[...] momento imprescindível para a efetivação do ato teatral” (p. 12).
Falar em teatro seria, portanto, em última análise, falar em relação. Relação esta que se
pode estabelecer “[...] entre autor, encenador, ator e todos os outros membros da equipe de
realização; entre as personagens e, de maneira global, entre o espetáculo e o público” (PAVIS,
1999, p. 337). Esta última relação – entre palco e plateia – é considerada, por diversos autores,
como a própria essência do teatro. Spolin (2000, p. 11), por exemplo, coloca que “sem a plateia
não há teatro. [...] Ela dá significado ao espetáculo”. Para Bertold Brecht, “[...] a verdadeira
relação de ordem política, ideológica e social do teatro é conseguir estabelecer o diálogo entre o
espetáculo e a plateia” (PEIXOTO, 1998, p. 9). Patrice Pavis, por sua vez, entende que a
definição mínima de teatro está inteira contida nesta afirmação de Jerzy Grotowski: “o que se
45
passa entre ator e espectador. Todas as outras coisas são suplementares” (GROTOWSKI apud
PAVIS, 1999, p. 337).
Justamente por ser o teatro uma relação, da qual participam atores e espectadores, essa
forma de arte sempre esteve, de alguma maneira, ligada à vida em sociedade. Portanto, diferentes
momentos históricos podem ser considerados para explicitar vínculos entre teatro e cidadania.
Neste contexto, podemos mencionar a sociedade grega, tida como berço da democracia e também
do teatro, conforme tradicionalmente o conhecemos no mundo ocidental. De acordo com
Berthold (2006, p.103), “o teatro é uma obra de arte social e comunal; nunca isso foi mais
verdadeiro do que na Grécia antiga. Em nenhum outro lugar, portanto, pôde alcançar tanta
importância como na Grécia”.
O teatro, à época, era uma verdadeira experiência coletiva. O cidadão grego8 tinha o
costume de assistir às apresentações teatrais, das quais participava efusivamente, manifestando
aprovação com ruidosas palmas e desagrado com assobios e batidas de pés. Essa liberdade de
expressar a própria opinião era bastante importante para o espectador grego:
A liberdade de expressar sua opinião foi algo de que o antigo frequentador de
teatro fez uso amplo e irrestrito, considerando a si próprio, desde o mais remoto início, um dos elementos criativos do teatro (BERTHOLD, 2006, p. 114).
Os festivais de teatro da Grécia antiga, conhecidos como “Dionisíacas”, atraíam milhares
de pessoas. Os governos da maioria das polis entendiam essa arte como ferramenta de educação
de seu povo (este ponto será retomado no capítulo 2) e estimulavam, inclusive financeiramente,
os cidadãos a frequentar o teatro. Muitas das peças gregas que chegaram até nós, especialmente
as comédias, tratam de temas políticos e fazem menção explícita aos governantes da época. É o
caso, por exemplo, de As Vespas (422 a.C) e As Rãs (405 a.C.), ambas de Aristófanes (?448 a.C.-
?380 a.C.): na primeira, o autor posiciona-se contra a organização dos tribunais de Atenas; na
segunda, explora as tensões políticas e os conflitos internos existentes na polis no final do século
V.
8 A concepção de “cidadão”, na antiga Grécia, excluía mulheres, crianças, estrangeiros e escravos. Estes últimos,
porém, podiam frequentar festivais de teatro, contanto que tivessem licença de seus amos para tal (BERTHOLD,
2006).
46
Outro exemplo histórico que evidencia a ligação do teatro a questões relativas à cidadania
é o teatro shakespeariano. Barbara Heliodora, conceituada especialista na obra de William
Shakespeare, dedica um capítulo inteiro de seu livro Reflexões Shakespearianas (2004) à analise
do tema. O capítulo intitula-se A Lei e a Cidadania em Shakespeare. Nele, a autora analisa
diversas obras do dramaturgo do ponto de vista da cidadania e enumera a quantidade de vezes
que palavras como “justiça”, “lei”, “governo”, “ordem”, “comunidade” e “dever” são encontradas
nas peças de Shakespeare, demonstrando que o autor, constantemente, se voltava para tais
assuntos. Heliodora (2004, p. 241) destaca que o dramaturgo, desde suas primeiras peças até a
última delas, revela um significativo interesse “[...] quanto ao bom governo e à relação entre
governantes e governados, que se expressam, necessariamente, por meio do respeito à lei e à
responsabilidade da cidadania, muito embora este último termo, como tal, não fosse ainda
corrente”.
Ainda de acordo com Heliodora (2004), Shakespeare deixa claro, ao longo de sua
carreira, seu conceito de bom governo: aquele que zela pelo bem de sua comunidade. Conceito
este que, vale frisar, é escrito para ser comunicado9. Assim, ao fazer transparecer em sua obra seu
conceito de bom governo, Shakespeare quer transmiti-lo a seus contemporâneos, como
comprovam os desfechos de todos os seus textos: em nenhuma de suas peças existe a
possibilidade de qualquer tipo de final feliz não atrelado a um bom governo. Nas comédias, o
desfecho alegre sempre ocorre atrelado à situação política em que o bom governante prospera;
“nas tragédias fica, pelo menos, a esperança de que a lei e a cidadania, graças à recomposição
final, tenham sua vez” (HELIODORA, 2004, p. 351).
Assim como na Grécia antiga e na produção shakespeariana, em tempos mais recentes a
situação política continua a ser enfocada pelo teatro. No século XX, diferentes contextos políticos
e socioeconômicos, no Brasil e no mundo, fizeram despontar teatros concebidos e encenados
tendo como principal objetivo a denúncia de situações de injustiça social, opressão e
9 De acordo com Burgess (1978), William Shakespeare não parecia pensar em suas peças como literatura; seu
interesse era exclusivamente a plateia, no momento da representação. A esse respeito, Heliodora (2004) coloca que
algumas das características da obra de Shakespeare demonstram claramente que, quando escrevia seus textos, o dramaturgo já o fazia pensando nos atores que os encenariam, no palco em que seriam representados e na plateia
que os assistiriam.
47
arbitrariedade de poder. É o caso do “teatro épico”10
, de Bertold Brecht, (1898-1956), dramaturgo
alemão que utilizava o teatro como instrumento de luta política contra as contradições
econômicas e sociais da sociedade burguesa. É também o caso do “teatro do oprimido”11
, de
Augusto Boal, (1931-2009), dramaturgo e diretor teatral brasileiro, que pretendia conscientizar
politicamente o público, transformando a visão sobre as relações tradicionais de produção
material nas sociedades capitalistas (BOAL, 1979).
Desgranges (2011) destaca que o período compreendido entre o final dos anos de 1950 e o
início da década de 1970 foi marcado por uma forte efervescência social em todo o mundo – com
lutas por libertação nacional na América Latina, movimentos pacifistas nos Estados Unidos
contra a guerra no Vietnã, e protestos de estudantes e trabalhadores na Europa – e que essa
agitação foi acompanhada por um intenso movimento artístico-teatral:
A produção teatral estava preocupada e engajada na luta política que se instalava
com urgência de uma tomada de posição em diversos países do mundo, voltando
seus trabalhos para a denúncia dos mais diferentes abusos e a reflexão acerca das necessidades imediatas desta luta (DESGRANGES, 2011, p. 54).
Diversos grupos teatrais que surgiram naquela época tinham o intuito de fazer da arte
dramática um verdadeiro instrumento revolucionário, não apenas denunciando ao espectador as
mais diversas injustiças, mas provocando-o a agir. Nessa busca, a função da plateia começou a
ser revista, e o termo “espectador” questionado: não bastava que o público assistisse à
apresentação; era preciso que ele fosse convidado a se tornar um parceiro de criação, de modo a
interferir nas cenas. Era o que ocorria, por exemplo, nas encenações do grupo norte-americano
10 “Teatro épico” foi o nome dado “[...] a uma prática e a um estilo de representação que ultrapassam a dramaturgia
clássica, ‘aristotélica’, baseada na tensão dramática, no conflito, na progressão regular da ação” (PAVIS,1999, p.
130). É, portanto, um teatro que, ao contrário do teatro dramático, não busca o envolvimento catártico do público,
e sim a sua reflexão sobre a encenação apresentada. Desgranges (2011, p. 46) explica que enquanto o teatro
dramático aborda questões relacionadas à vida privada (como família e relações amorosas), “o teatro épico trata da
vida pública, levando para o palco questões da esfera e do interesse da coletividade (a política, os negócios, a
guerra)”. 11 O “teatro do oprimido” consiste em uma série de procedimentos baseados na improvisação teatral, que pretendem
“[...] ajudar o espectador a se transformar em protagonista da ação dramática, para que, em seguida, utilize em sua
vida as ações que ensaiou na cena” (DESGRANGES, 2011, p. 70). Trata-se de uma poética teatral inspirada na
estética brechtiana, nas ideias de Frantz Fanon e na Pedagogia Libertadora de Paulo Freire. No teatro do oprimido, há uma democratização do acesso ao palco, já que o espectador tem papel ativo nas encenações, convertendo-se em
espectATOR (JAPIASSU, 2009).
48
Living Theatre12
, que buscava, conforme coloca Desgranges (2011, p. 62), “[...] engajar o público
não só intelectual e imaginativamente, mas também fisicamente, provocando-o sensorialmente,
com o intuito de conseguir uma comunhão plena entre palco e plateia”. O mesmo autor explica
que esse tipo de proposta se baseava na convicção de que, se o teatro fosse capaz chocar o
público a ponto de impeli-lo a uma ação imediata, despertaria neste mesmo público a consciência
de sua possibilidade de ação e o sentimento de que é possível realizar transformações efetivas em
seu cotidiano. Também é característica dos movimentos teatrais surgidos naquele momento
histórico a preocupação com a “[...] democratização da produção cultural, possibilitando o acesso
à arte das populações periféricas geograficamente ou marginalizadas economicamente”
(DESGRANGES, 2011, p. 55). Desejando alcançar indivíduos que não tinham acesso ao circuito
comercial de arte, muitos artistas passaram a realizar apresentações em locais não convencionais,
tais como ruas, fábricas, escolas e hospitais.
O Brasil acompanhou o impulso inovador e politicamente engajado do fazer teatral
característico do período. A partir da década de 1950, o país vivenciou uma “[...] efervescência
dos movimentos teatrais que procuravam estabelecer uma relação mais próxima com as classes
menos favorecidas” (GALVÃO, 2009, p. 4). Foi nessa época que surgiram o Teatro de Arena (em
1953), o Teatro Oficina (em 1958) e o Opinião (em 1964), grupos teatrais tidos como principais
representantes da “arte como incitação à ação política” (COSTA, 1996, p. 94). Esses e outros
grupos de teatro realizavam uma arte vigorosa, inovadora e que respondia de forma urgente às
inquietações sociais de um período em que, como bem observa Fischer (2010, p. 27), “[...] se
iniciava o regime militar, no qual apenas o fato de reunir pessoas era em si um ato de
resistência”.
Como se nota, o período compreendido entre o final da década de 1950 e o início da
década de 1970 foi marcado, no Brasil e no mundo, por um forte movimento do teatro no sentido
de fazer valer os três valores cidadãos enfocados nesta pesquisa: participação, que do ponto de
12 O Living Theatre é uma companhia de teatro fundada no ano de 1947, na cidade de Nova York, por Judith Malina
e Julian Beck. Suas propostas teatrais buscavam transformar a sociedade a partir da transformação dos
espectadores. Ao longo de quase cinquenta anos, foi reconhecido como um dos grupos mais radicais e
contundentes dos Estados Unidos, tendo influenciado o fazer teatral na Europa e na América (DESGRANGES, 2011). O grupo ainda existe e mais informações a seu respeito podem ser encontradas em:
http://www.livingtheatre.org/.
49
vista da relação palco-plateia era perseguida de maneira contundente; igualdade e liberdade,
como causas pelas quais, em contextos diversos, muitos grupos teatrais se manifestavam.
Mas não apenas no âmbito das relações entre atores e espectadores e nas temáticas de
apresentações podem-se entrever ligações entre teatro e cidadania. Já colocamos, acima, que
nossa concepção de teatro abrange não apenas o momento da representação em si, mas também
todo o trabalho que a precede. Mencionamos também o conceito de relação teatral estabelecido
por Pavis (1999), do qual fazem parte as relações entre atores, encenadores, autores e demais
envolvidos na produção de um espetáculo. Agora, voltamos nosso olhar justamente para as
relações que se podem estabelecer dentre os membros de um mesmo grupo de teatro.
Na contemporaneidade, são muitas as companhias teatrais cujos trabalhos se
fundamentam em princípios democráticos, com funções não hierarquizadas e processos criativos
que primam pela cooperação entre os membros da equipe. No Brasil, esses processos têm sido
chamados de “processos colaborativos”. Esse tipo de trabalho tem suas raízes nos processos de
criação coletiva, que marcaram a produção teatral de muitos grupos na década de 197013
.
Embora os processos de criação coletiva daquela época diferissem entre si em certos
aspectos (dependendo grupo teatral e de suas orientações ideológicas), pode-se destacar, como
característica comum a todos, “[...] a revisão dos parâmetros de organização, horizontalizando o
alinhamento das funções, resultando em uma descentralização das demandas do ato cênico,
muitas vezes restritas a estruturas de poder representadas pelo diretor e autor” (FISCHER, 2010,
p. 34). Nos processos de criação coletiva, portanto, existia um acúmulo de funções: os atores, por
exemplo, ao invés de se dedicar apenas à criação de seus personagens, passavam a realizar
também outras tarefas, como escrever ou adaptar textos, conceber cenários, e compor músicas. O
diretor, por sua vez, ao mesmo tempo em que se engajava nessas tarefas, deixava de ser o
principal mentor artístico do espetáculo. A figura do dramaturgo, em alguns casos, deixava de ser
necessária, pois atores e diretor assumiam a tarefa de criar o texto. Desse modo, o espetáculo era
“[...] fruto da concepção coletiva e da contribuição de cada indivíduo em particular”
(FERNANDES, 2000, p. 323).
13 O ano de 1970 marca a primeira vinda do grupo Living Theatre para o Brasil, a convite do diretor José Celso
Martinez Corrêa, diretor do Teatro Oficina. O evento rende ao Oficina e, posteriormente, a outros grupo teatrais, o ingresso no modelo de criação coletiva, nos moldes de grupos teatrais estrangeiros em vigor no período
(FISCHER, 2010).
50
Já o processo colaborativo, tendência em muitos grupos de teatro brasileiros a partir da
década de 199014
, pode ser considerado um desdobramento do processo de criação coletiva: em
ambos, existe uma contribuição de todos os participantes para a criação do ato teatral; porém,
enquanto no processo de criação coletiva os papéis de diretor e dramaturgo se diluíam e todos os
artistas se apropriavam das mais variadas funções, no processo colaborativo existe conservação
das funções e distribuição de tarefas (FISCHER, 2010). Isso significa que o dramaturgo é o
responsável pela elaboração do texto, o diretor pela proposta de cena e os atores pelo
desenvolvimento de seus papéis. No entanto, os parâmetros que delimitam esses campos não são
rígidos e existe uma relação de complementaridade na criação da dramaturgia e das cenas.
Conceitualmente, entende-se por processo colaborativo o procedimento de
grupo que integra a ação direta entre ator, diretor, dramaturgo e demais artistas, sob uma perspectiva democrática ao considerar o coletivo como principal agente
de criação e aglutinação de seus integrantes. Essa dinâmica propõe um
esmaecimento das formas hierárquicas de organização teatral, embora com imprescindível delimitação de áreas de trabalho e delegação de profissionais que
as representam. Ao estabelecer um organismo no qual todos os responsáveis
pelos diversos campos partilham de um plano de ação comum, o trabalho em equipe baseia-se no princípio de que todos têm o direito e o dever de contribuir
com a finalidade artística e a manutenção das equipes de trabalho (FISCHER,
2010, p. 61-62).
A colaboração como tônica do trabalho criativo de companhias teatrais na
contemporaneidade não é característica apenas de grupos brasileiros. Companhias estrangeiras,
tais como a britânica Out of Joint, a norte-americana SITI Company, e as francesas Théâtre du
Soleil e Théâtre des Bouffes Du Nord, utilizam-se da expressão collaborative work (trabalho
colaborativo) para se referir aos seus processos de criação (FISHER, 2010). Reconhecemos que
esses processos são distintos daqueles desenvolvidos em território nacional e que mesmo dentre
os grupos brasileiros de processo colaborativo existem diferenças na condução dos trabalhos.
Entretanto, não nos compete, no âmbito desta dissertação, estabelecer comparações entre as
peculiaridades de cada processo criativo. Nossa intenção, aqui, é tão somente voltar o olhar para
14 Durante a década de 1980 (não mencionada no texto acima), a maior parte da produção teatral brasileira foi
marcada pela “[...] hegemonia do encenador enquanto autoridade responsável pela organização, condução e definições temáticas e, principalmente, estéticas da encenação teatral” (FISCHER, 2010, p. 42). Predominava,
portanto, o chamado “teatro de diretor”, com estrutura hierárquica das relações.
51
a questão da colaboração entre os membros de um mesmo grupo teatral. Colaboração, esta, que é
tida por Michael Boyd, diretor artístico da Royal Shakespeare Company15
, como a quintessência
da arte teatral (NEELANDS, 2009).
Os valores cidadãos que destacamos nesta pesquisa – participação, igualdade e liberdade
– estão profundamente ligados a essa qualidade de colaboração, que etimologicamente, vale
lembrar, corresponde à “ação conjunta para o trabalho” (LEDUBINO, 2009, p. 12). Grosso
modo, para que um grupo se constitua como tal, espera-se que todos os seus integrantes
participem dele de maneira engajada, que as relações entre eles estabelecidas sejam igualitárias e
que todos se sintam livres para expressar suas ideias e opiniões (e, no caso de grupos artísticos,
para se expressar criativamente).
No contexto teatral, os termos “igualdade” e “liberdade”, particularmente, podem causar
certa controvérsia. Evidentemente, nem todos os processos teatrais abrem espaço para a liberdade
de expressão e para a igualdade de relações entre os membros de uma equipe. A figura do diretor,
em processos de montagem não colaborativos, pode se apresentar como centralizadora – e, em
alguns casos, impositiva – nas tomadas de decisões relativas à produção de um espetáculo. Por
outro lado, não se pode deixar de mencionar que mesmo em processos em que o diretor é o
mentor do projeto estético, muitas vezes existe diálogo democrático entre ele e os demais artistas
e técnicos envolvidos no trabalho (LEDUBINO, 2009).
Cabe aqui colocar a dimensão de cidadania com que trabalha o filósofo e educador Carlos
Roberto Jamil Cury, para quem, historicamente, “[...] o cidadão é o que substitui os elos da
submissão hierárquica entre superiores e inferiores pelos laços da amizade (philia) entre os
semelhantes entre si (hómoioi) e iguais (isói) na dignidade” (CURY, 2007, p. 38, grifos do autor).
Nesse sentido, podemos entender que nos casos em que existe diálogo democrático entre diretor e
atores, mesmo que o primeiro assine a autoria do trabalho, o valor da igualdade se estabelece nas
relações entre os indivíduos, que, embora desempenhem funções distintas, com diferentes pesos
na tomadas de decisões, percebem-se iguais na dignidade. E até nos casos em que a direção é
autoritária, impossibilitando o estabelecimento dessa qualidade de diálogo, o aspecto da
colaboração, conquanto em menor escala, continua presente: ainda que o ator contribua apenas 15 A Royal Shakespeare Company é uma das mais renomadas companhias de teatro do Reino Unido. Foi fundada no
ano de 1961 e tem sua localizada em Stratford-Upon-Avon, cidade natal de William Shakespeare.
52
com a criação de seu papel, pode-se entrever aí sua colaboração para a construção de um
espetáculo. Concordamos, pois, com Ledubino (2009, p. 1), quando coloca que “o Teatro é, por
excelência, uma arte coletiva que tem na colaboração entre seus membros um pressuposto
irrefutável para sua realização”.
E se a colaboração é pressuposto do fazer teatral, a tríade liberdade, igualdade e
participação, muitas vezes, também o é: participação é fundamento do trabalho em conjunto – em
especial quando todos tomam parte nos processos deliberativos e decisórios –, enquanto liberdade
e igualdade, apesar de questionáveis em determinados contextos, são valores esperados de grupos
que se reconhecem como coletivos. Muitas das práticas teatrais voltadas para fins educacionais,
como se verá a seguir, se pautam por esses valores. Aliás, processos teatrais desenvolvidos em
contextos educativos, na contemporaneidade, são muitas vezes análogos aos de grupos
profissionais, no que tange à colaboração entre os membros da equipe. Logo, pode-se considerar
que se para o teatro profissional, como dito anteriormente, a relação mais importante reside
naquela que se estabelece entre plateia e atores, para o teatro com finalidades educacionais a
relação mais significativa, no sentido de contribuir para o desenvolvimento de valores ligados à
cidadania, pode ser entendida como aquela que se estabelece entre os próprios participantes de
grupos teatrais.
1.2 Contexto educacional
A análise das relações entre teatro e cidadania em contextos educacionais16
requer que se
considere o caráter coletivo e colaborativo dessa arte. De acordo com Gohn (2010, p. 19), “a
construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e justiça social, quando
presentes num dado grupo social, fortalece o exercício da cidadania”. Ora, grupos teatrais
estudantis que promovem a colaboração entre seus membros favorecem a construção de relações
16 Estamos consideramos, neste capítulo, trabalhos com teatro tanto em contextos de educação formal quanto não
formal, de metodologias diversas, cujos processos envolvam a formação de um grupo relativamente fixo de integrantes, que se reconheçam como pertencentes a esse coletivo.
53
sociais fundamentadas em tais princípios. Vianna e Strazzacappa (2001, p. 122) colocam que o
estudo do teatro pode proporcionar “[...] o aprendizado da vivência em grupo, da criação coletiva,
da partilha de diversos pontos de vista”. Tais colocações encontram eco no texto dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, na parte em que o documento trata especificamente do teatro:
Ao participar de atividades teatrais, o indivíduo tem a oportunidade de se desenvolver dentro de um determinado grupo social de maneira responsável,
legitimando os seus direitos dentro desse contexto, estabelecendo relações entre
o individual e o coletivo, aprendendo a ouvir, a acolher e a ordenar opiniões, respeitando as diferentes manifestações, com a finalidade de organizar a
expressão de um grupo (BRASIL, 1997, p. 57).
Esse desenvolvimento dentro de um grupo social, promovido pelo exercício da
convivência democrática, aproxima-se daquilo que Benevides (1996) chama de “educação do
comportamento”, um dos elementos indispensáveis, segundo a autora, para uma educação voltada
para a democracia. A educação do comportamento engloba o desenvolvimento de “[...] hábitos de
tolerância diante do diferente ou divergente, assim como o aprendizado da cooperação ativa e da
subordinação do interesse pessoal ou de grupo ao interesse geral, ao bem comum”
(BENEVIDES, 1996, n.p.). Poderia então o teatro, em contextos educacionais, configurar-se
como um exemplo prático de atividade que ajuda a educar o comportamento?
Para evitar generalizações indevidas, consideremos aqui apenas aqueles processos de
trabalho cujos períodos de duração e formas de condução sejam favoráveis à criação de laços de
pertencimento; ou seja, os trabalhos que favorecem a constituição de um grupo social. Nesses
casos, de um modo geral, quando um indivíduo torna-se integrante de um grupo teatral, ele passa
a fazer parte do que podemos considerar como uma “pequena comunidade”, cujo sucesso
dependerá fortemente do esforço coletivo. Se alguém não comparece, por exemplo, a um ensaio,
ou não estuda suas falas adequadamente, o grupo como um todo fica prejudicado e
impossibilitado de trabalhar de forma plena. O aluno de teatro logo compreende que seu
desempenho individual está diretamente ligado ao comprometimento de todos com relação ao
trabalho. Aprende que ele é parte fundamental de um grupo, e que, como tal, deve assumir
postura ativa e responsabilizar-se pelo bem coletivo. Entende que a vida em sociedade pressupõe
direitos e deveres, e que tanto uns como outros devem aplicar-se a todos os integrantes do grupo,
54
indistintamente. Percebe que pode haver diferentes pontos de vista sobre uma mesma questão e
que é possível – e preciso – conviver com essa diversidade. Dessa forma, abre-se a possibilidade
de educar para a assunção de responsabilidades e para o estabelecimento de relações de
igualdade, respeito, solidariedade e justiça entre os estudantes. Em outras palavras, abre-se a
possibilidade de fazer com que o aluno exercite e compreenda a importância dos aspectos
levantados por Benevides e destacados no parágrafo anterior, como essenciais para a educação do
comportamento: a tolerância frente ao divergente, a cooperação ativa e a subordinação de
interesses pessoais aos objetivos coletivos.
Como mencionado, tais aspectos são, para a referida autora, importantes do ponto de vista
de uma educação para a democracia. Os Parâmetros Curriculares Nacionais apontam na mesma
direção quando destacam que as propostas educacionais em teatro devem compreender a
atividade como
[...] uma combinação de atividade para o desenvolvimento global do indivíduo,
um processo de socialização consciente e crítico, um exercício de convivência
democrática, uma atividade artística com preocupações de organização estética e uma experiência que faz parte das culturas humanas (BRASIL, 1997, p. 57, grifo
nosso).
Nesse sentido, cabe aqui mais uma questão: poderia o teatro, em contextos educacionais,
contribuir não apenas para o desenvolvimento pessoal do estudante, mas para a construção de
uma sociedade mais democrática?
Autores como Barcellos (1995), Viganó (2006) e Neelands (2009) entendem que sim. A
primeira afirma que a socialização por meio do teatro é fato comprovado e que o exercício de
pensar em si mesmo levando em consideração os demais membros de um grupo teatral contribui
para que se desenvolva “[...] uma maior capacidade de conduzir a vida de forma integral e
contribuir para o meio sociocultural” (BARCELLOS, 1995, p. 36). Viganó (2006), por sua vez,
considera o teatro como um meio capaz de contribuir para construção de uma sociedade
efetivamente democrática, na medida em que proporciona a experiência estética, desenvolve o
senso de coletividade e trabalha a capacidade de dialogar – aspectos que, de acordo com a
estudiosa, capacitam os indivíduos a fazer escolhas e a produzir discursos críticos sobre a
realidade, que podem ser levados ao debate no espaço público. Já Neelands (2009), o terceiro
55
autor mencionado, afirma que o teatro tem o potencial de extrapolar as barreiras do trabalho
realizado no grupo teatral, promovendo melhoras nas relações sociais estabelecidas em toda a
comunidade escolar e também na sociedade à sua volta. Para o estudioso, o trabalho em grupo
tem papel fundamental nesse processo:
Ao trabalhar em conjunto, [...] os jovens têm a oportunidade de enfrentar as demandas de se tornar um grupo social autogestor, autogovernante, e
autorregulador, que ‘co-cria’ artisticamente e socialmente, e de começar a
modelar esses ideais da polis ateniense (autonomous, autodikos, autoteles) para além de suas salas de aula (NEELANDS, 2009, p. 182).
Jonothan Neelands também compara certas maneiras de se trabalhar o teatro em escolas
ao fazer teatral de algumas companhias profissionais. Nessas companhias, o teatro é feito “[...]
com base em um acordo social entre os membros de um grupo que se juntam para fazer algo que
será de grande importância para eles, algo que vai significar suas vidas” (NEELANDS, 2010,
n.p.). Na comparação por ele estabelecida, fica evidente a vertente da colaboração e sua
decorrente contribuição para processos emancipatórios que extrapolam a sala de aula,
contribuindo para o meio social:
Esse modelo alternativo de teatro social e comunitário compartilha algumas das
características do teatro nas escolas. A escola é uma comunidade e o teatro é uma prática viva dentro dele. O teatro que os jovens fazem é muitas vezes
baseado nos interesses, necessidades e aspirações partilhadas dentro da
comunidade escolar [...] É frequentemente baseado em um acordo social que estabelece que todos os que estão presentes são potenciais produtores – todos
podem ter uma chance de ser atores e/ou público [...] O reunir-se para fazer
teatro é também muitas vezes visto como um importante meio de fazer os alunos
mais conscientes de si mesmos como uma comunidade viva. O teatro pode oferecer aos jovens um espelho de quem somos e quem estamos nos tornando. O
teatro pode ser um gerador para a mudança social, fornecendo o espaço para
imaginarmos a nós mesmos e como vivemos de forma diferente (NEELANDS, 2010, n.p., grifos nossos).
A ideia de que o trabalho com teatro pode contribuir para uma melhora na vida dos
estudantes que extrapola os limites das salas de aula, auxiliando na construção de uma sociedade
democrática, pode ser comprovada por meio de relatos de experiências teatrais desenvolvidas em
contextos educacionais – tanto formais quanto não formais – em diferentes partes do mundo.
56
Algumas dessas iniciativas, como já mencionado na Introdução, indicam que o teatro costuma
apresentar eficiente potencial para a inclusão social, agindo como catalisador no processo de
emancipação e promovendo acesso aos direitos de cidadania.
Lev-Aladgem (2008), por exemplo, relata um projeto de teatro desenvolvido em uma
escola israelense, envolvendo judeus imigrantes da Etiópia (grupo social marginalizado em
Israel). O autor explica que o projeto em questão conseguiu apresentar e problematizar aspectos
significativos das vidas dos adolescentes envolvidos, provendo-os de pontos de vista críticos e
reflexivos a respeito de suas realidades. A experiência também proporcionou aos jovens o
desenvolvimento de habilidades teatrais e de trabalho em equipe, além do reconhecimento de
seus professores e familiares. O autor pondera que a prática teatral, ainda que não seja uma
“solução mágica” para todos os problemas sociais, pode ser compreendida como um “[...]
‘terceiro espaço’ único, que facilita a criatividade, a formação da identidade, e negociação
cultural; e sempre gera esperança para uma sociedade melhor” (LEV-ALADGEM, 2008, p. 292).
Também a título de exemplificação, podemos citar o Children’s Voice17
, um projeto em
educação teatral voltado para a cidadania, desenvolvido em países asiáticos entre os anos de 2004
e 2009. O trabalho buscava ampliar o espaço de atividades teatrais dentro de escolas e, com isso,
melhorar a vida das crianças por ele contempladas e de suas respectivas comunidades. Nygren
(2009, p. 11) destaca que o projeto tinha como meta ajudar os alunos a “[...] perceber seus
direitos, encontrar seu centro, sua singularidade e personalidade, salientando mutualidade e
união”. Para tanto, o processo teve como foco a democracia, a participação popular, os direitos
das crianças, a igualdade de gênero e o meio-ambiente, bem como o trabalho a partir da
perspectiva de pessoas menos favorecidas. Os resultados apontaram para a ampliação do teatro
escolar em diversas instituições de ensino e para a verificação de mudanças significativas no
comportamento das crianças atingidas, que se tornaram mais confiantes e capazes de expressar
suas próprias opiniões.
17 O projeto Children’s Voice teve início em 2004, na Índia e em Bangladesh e foi planejado para durar cinco anos.
Em 2007, expandiu-se para China, Vietnã e Laos. Foi tocado por 16 organizações teatrais asiáticas, e
cofinanciado pelo SIDA (Swedish International Development Cooperation Agency), órgão ligado ao governo
sueco, que cria parcerias com ONGS, movimentos populares e universidades de diversas partes do mundo para
apoiar projetos com vistas à redução da pobreza mundial. O livro Theatre for Development: experiences from an international theatre Project in Asia, Children`s Voice (2009), organizado por Chistina Nygren, traz relatos de
experiências de diferentes profissionais de teatro que trabalharam no projeto.
57
A capacidade de elaborar e emitir opiniões próprias é também destacada por Viganó
(2006) como uma das mais importantes contribuições que as atividades teatrais podem
proporcionar a indivíduos em cotextos educacionais. Essa autora desenvolveu um processo de
trabalho com teatro envolvendo crianças e adolescentes moradores de comunidades carentes na
cidade de São Paulo18
. Baseada na experiência desenvolvida, ela pondera que o exercício da
imaginação que o teatro proporciona é fundamental para que se consiga fugir da massificação de
opiniões. Ao possibilitar a liberdade criativa e abrir espaço ao debate, a atividade teatral “[...]
permite a construção de mentes mais livres e de cidadãos mais esclarecidos e ativos” (VIGANÓ,
2006, p. 36). Afinal, quando o indivíduo elabora e emite seus próprios discursos sobre a
realidade, pode questioná-la e reinventá-la, tornando-se protagonista de sua própria história.
Trata-se de um processo de emancipação, que o caráter coletivo das atividades teatrais, quando
associado a um ambiente de liberdade de expressão, pode ajudar a promover.
Reconhecendo o outro, posso então reconhecer a mim mesmo. Realizo a primeira etapa para efetivação do ato estético. Completo então a criação da
mensagem com minha imaginação. Reflito e compreendo. Elaboro um
pensamento, proponho meu contato particular com a realidade [...] Ao trazer à tona o diálogo com o outro, a capacidade libertária de imaginação e criação, a
resolução de problemas concretos que conduzem à produção de um discurso
simbólico, o teatro abre fronteiras para novas possibilidades de experiência humana e liberta a obra de arte de qualquer caráter funcionalista. Parte, ao
contrário, para um encontro do homem com a sua condição de artífice na
construção de mundos e de ator consciente do processo histórico (VIGANÓ,
2006, p. 36-37).
Para Gohn (2010, p. 41), o cidadão emancipado deve ter “[...] autonomia do pensar e do
fazer”. A autonomia é destacada pela autora como instrumento de formação do cidadão capaz de
ter um entendimento crítico da sociedade globalizada; um cidadão que é capaz de ler o mundo
que o rodeia, para além dos problemas locais; um cidadão, enfim, capaz de ser e de agir no
mundo. Dessa forma, a autonomia se configura como fundamental à construção de “[...] uma
18 O referido processo de trabalho foi desenvolvido ao longo do ano de 2003, em um dos Centros de Juventude
mantidos pela ASA (Associação Santo Agostinho), instituição sem fins lucrativos que mantém obras de
assistência social na cidade de São Paulo. O espaço onde se realizou o processo em questão chama-se Recanto
Primavera, localiza-se no bairro Morumbi e atende às comunidades de Paraisópolis, Porto Seguro, Pinheiral e Jardim Colombo.
58
sociedade onde haja mudanças e emancipação sociopolítica e cultural dos indivíduos e não a
formação de redes de clientes usuários, não emancipatórias” (GOHN, 2010, p. 41). Tais
colocações refletem aspectos que, na opinião de Viganó (2006, p. 136), a prática teatral pode
desenvolver:
Acredito que a prática teatral é capaz de contribuir para a manutenção de uma experiência humana repleta de significados, ao fazer com que os indivíduos se
envolvam em ações não mediadas pelo valor de troca e de uso, nem pela lógica
da eficácia. Ao mesmo tempo, quando o teatro não se prende a valores predeterminados nem a padrões de sucesso ou talento, possibilita o exercício da
liberdade, ao criar um espaço concreto para a expressão de ideias e atitudes que
podem determinar a escolha de novos caminhos possíveis.
Desgranges (2011), Japiassu (2009), Pupo (2011) e Souza (2005) concordam com ideia de
que o teatro, na educação, pode contribuir com o processo de emancipação dos indivíduos. Todos
esses autores destacam que na sociedade contemporânea, “espetacularizada”19
, em que a
sensibilidade e a percepção dos indivíduos estão condicionadas à massificação imposta pelos
meios de comunicação, o ensino de teatro deve ter como uma das principais metas a formação da
consciência crítica do estudante. Para Souza (2005), a arte é o espaço da conexão entre o
individual e o coletivo, entre o subjetivo e o compartilhado. Esse encontro permite o
reconhecimento de semelhanças e diferenças entre os sujeitos e de diferentes relações com o
tempo e o espaço. Dessa forma, cria-se oportunidade para o entendimento do caráter provisório e,
portanto, transformável da realidade. Em outras palavras, a arte possibilita lançar novos olhares
sobre um mesmo mundo e construir diferentes mundos em uma mesma obra de arte. Essa
capacidade de lançar diferentes olhares sobre a realidade e construir novas realidades é
compreendida pelos autores mencionados – Desgranges, Japiassu, Pupo e Souza – como
condição fundamental para o processo de emancipação, uma vez que permite que se subverta a
barbárie instalada na sociedade contemporânea, em que a estetização de tudo o que nos cerca
tende a aniquilar nossa capacidade crítica.
19 Guy Debord, em seu livro Sociedade do Espetáculo, utiliza-se do termo “espetacular” para descrever a forma
como se organiza a sociedade contemporânea. Na visão do autor, vivemos em uma época em que a evolução do sistema econômico capitalista, cujo alicerce é a produção da mercadoria vinculada à tecnologia, transforma todo
e qualquer movimento da vida em representação, em espetáculo (SOUZA, 2005).
59
Construir procedimentos de trabalho no campo de Teatro-Educação que nos
coloquem frente ao reconhecimento da situação de indiferenciação, de barbárie
parece uma tarefa que deve ser tomada como prioritária, já que um dos objetivos da educação é a formação de um cidadão inserido no contexto de sua época. [...]
As práticas em teatro na educação devem ter o compromisso de tornar acessível
ao aluno a possibilidade de investigar a construção da realidade, da vida
cotidiana, exercitando a possibilidade de desconstrução e construção dessa realidade midiatizada. Isso contribuiria como instrumento para distinguir as
ficções culturais dominantes e, ao mesmo tempo, se perceber como indivíduo
singular. Nesse sentido, as propostas metodológicas em teatro devem ser pensadas enquanto possibilidade de desenvolver uma perspectiva crítica, com o
aluno, relativa aos mecanismos espetaculares, mesmo considerando o dado
inegável de termos a mídia como orientador da cultura contemporânea,
aprofundando os processos de alienação na sociedade da imagem (SOUZA, 2005, p. 62 - 63).
Voltando novamente nosso olhar aos três projetos teatrais anteriormente mencionados –
descritos por Lev-Aladgem, Nygren e Viaganó –, observa-se que todos têm como sujeitos
indivíduos que vivem diferentes contextos de exclusão social, e que os trabalhos descritos
intervêm justamente no sentido de auxiliar os jovens e crianças contemplados a lidar com essas
situações. Nesses casos, a cidadania em geral aparece como tema recorrente de atividades
realizadas em aulas de teatro. Entretanto, as ligações entre atividades teatrais e o
desenvolvimento de valores cidadãos podem ser também estabelecidas em processos que não
abrangem somente indivíduos em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Conforme destaca
Ingrid Dormien Koudela, consultora do Ministério da Educação na elaboração dos Parâmetros
Curriculares Nacionais na área de Teatro e uma das principais referências teóricas desta
dissertação, “o teatro é um exercício de cidadania e um meio de ampliar o repertório cultural de
qualquer estudante” (apud ARAÚJO, 2004, p. 38, grifo nosso). Para Granero (2011, p. 14), as
relações sociais que se estabelecem dentre estudantes de teatro, com o aprendizado da escuta e do
diálogo, a prática de criticar e receber críticas, e a percepção de comportamentos adequados e
inadequados do ponto de vista coletivo são “[...] fatores que estimulam o autoconhecimento e a
sociabilidade, preparando-os para a vida e para a prática da cidadania”.
Portanto, é possível afirmar que ainda que a cidadania não seja temática trabalhada de
forma direta em todos os contextos educacionais, o caráter coletivo e colaborativo das atividades
teatrais, aliado a maneiras de se conduzir tais atividades que primem pela liberdade de expressão,
igualdade de direitos e deveres e participação ativa dos envolvidos, pode trazer como
60
consequência o desenvolvimento dessa tríade de valores. A escola abordada nesta pesquisa pode
ser tomada como exemplo: trata-se de uma instituição particular de ensino, cujos alunos não
vivenciam situações de exclusão socioeconômica. As atividades teatrais ali desenvolvidas nem
sempre estão diretamente associadas à cidadania, como temática de jogos, exercícios ou
espetáculos. Ainda assim, como se verá com maior detalhamento no capítulo 5, muitos dos
aspectos levantados pelos entrevistados como contribuições do teatro para suas vidas (tais como
visão crítica, novas maneiras de enxergar a realidade, elaboração de discurso próprio, cooperação
e emancipação) são os mesmos destacados pelos autores acima mencionados, que lidam com
sujeitos inseridos em contextos socioeconômicos em que predominam a pobreza, a desigualdade
e a exclusão social.
1.2.1 Formalidade e não formalidade
Nesta análise das relações entre cidadania e teatro em contextos educacionais, vale ainda
tecer algumas considerações sobre o suposto geral do qual parte este trabalho, a que fizemos
referência na Introdução: o de que as atividades teatrais escolares articulam dimensões da
educação formal escolar, prevista na LDB de 1996, com dimensões da educação não formal.
Usualmente, utiliza-se o termo “não formal” para se referir a processos educativos que ocorrem
fora de instituições escolares. Foi este, inclusive, o critério utilizado neste capítulo, quando
fizemos menção a trabalhos com teatro em contextos formais e não formais. É preciso esclarecer,
no entanto, que tal critério leva em conta apenas o aspecto espacial que caracteriza cada uma
dessas formas de educação (formal: intraescolar / não formal: externa à escola). Quando se lança
um olhar específico sobre atividades teatrais desenvolvidas dentro de escolas (como é o caso
estudado nesta dissertação), aliado a um entendimento mais acurado sobre a própria definição de
educação formal/não formal, pode-se conjecturar que, na prática, a separação entre o formal e o
não formal não pode facilmente ser estabelecida. Ainda que o ambiente escolar seja formal, o
caráter das atividades teatrais nele desenvolvidas pode apresentar muita similaridade com a
educação não formal. Consideramos importante destacar tal similaridade porque ela recai
justamente no tema de nosso interesse: o desenvolvimento de valores cidadãos.
61
Gohn (2010, p. 33) esclarece que a educação não formal usualmente acontece fora dos
muros das escolas, e a caracteriza como “[...] um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de
formação para a cidadania, entendendo o político como a formação do indivíduo para interagir
com o outro em sociedade”. O primeiro aspecto levantado pela autora (localização externa aos
muros das instituições escolares) evidentemente, não se aplica a atividades teatrais desenvolvidos
em escolas; mas sua definição como educação para o coletivo com vistas à formação para a
cidadania está em consonância com as características de processos teatrais que se desenvolvem
em muitas escolas. Gohn (2010) destaca que a formação para a cidadania à qual se presta a
educação não formal incorpora: a educação para a justiça social, para os direitos (sociais,
políticos, humanos, culturais, entre outros), para a liberdade, para a igualdade, para a democracia,
para o exercício da cultura e para a manifestação de diferenças culturais. Como se nota, são todos
campos em que o teatro tem o potencial de atuar, conforme atestam as colocações e os exemplos
citados neste capítulo.
Também podem ser destacadas muitas similaridades entre os resultados esperados de
processos de educação não formal e aqueles que podem advir de atividades teatrais desenvolvidas
em contextos escolares, tais como: o desenvolvimento de laços de pertencimento, a construção da
identidade coletiva de um grupo, a conscientização de como agir em grupos sociais, a construção
e reconstrução de concepções de mundo, a formação do indivíduo para a vida e suas adversidades
e o resgate do sentimento de valorização de si próprio.
Além disso, na educação não formal, o modo de educar muitas vezes se vai construindo
ao longo do processo, a partir das necessidades e interesses dos indivíduos envolvidos na ação
(GOHN, 2010). Essa metodologia que se constrói a partir das especificidades de cada coletivo
também pode se assemelhar a muitos processos teatrais desenvolvidos dentro de escolas, como é
o caso da instituição abordada nesta pesquisa (vide capítulo 4).
Ademais, vale lembrar que não raro o teatro é oferecido em escolas como atividade
extracurricular (o que também ocorre na instituição pesquisada), para a qual apenas os alunos
interessados se inscrevem. A adesão voluntária a um projeto que contém uma intencionalidade
também é destacada por Gohn (2010) como característica usual da educação não formal. Trilla
(2008), inclusive, considera como não formais as atividades extracurriculares desenvolvidas em
escolas. Na verdade, o autor rechaça uma suposta cisão entre as educações formal e não formal,
62
de modo a defender a permeabilidade e coordenação entre as ações e experiências vivenciadas
em ambas as esferas. Para o estudioso, a melhores propostas educacionais são aquelas em que há
a intenção de “[...] fazer todas as pontes possíveis entre as diferentes educações, de incrementar
ainda mais a porosidade existente entre elas, de torná-las permeáveis ao máximo” (TRILLA,
2008, p. 51). De modo análogo, Gohn (2010, p. 41) defende a complementaridade entre as
educações formal e não formal, e coloca que esta última “pode e deveria atuar em conjunto com a
escola”.
Compreendemos, portanto, que atividades teatrais desenvolvidas em escolas articulam a
dimensão espacial da educação formal com aspectos relativos a características, métodos e
objetivos da educação não formal. Mais do que enquadrar o teatro escolar nesta ou naquela
definição, interessa-nos, nesta dissertação, perceber que muitas das características da educação
não formal estão presentes em processos teatrais desenvolvidos em escolas e que, portanto, tais
processos podem contribuir de forma efetiva para a formação cidadã de seus alunos. Afinal, se a
educação não formal configura-se como “[...] um espaço concreto para a formação com
aprendizagem de saberes para a vida em coletivos, para a cidadania” (GOHN, 2010, p. 40),
processos teatrais que carregam muitas de suas principais características podem apresentar o
mesmo resultado.
Gohn (2010) aponta para uma visão mais ampla de Educação, que alarga os domínios
desta para além dos muros escolares e que resgata valores essenciais há tempos já esquecidos
pela humanidade como, por exemplo, o de civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, ao
individualismo. A educação não formal trabalha por esse viés, e o teatro educacional, ocorra ele
dentro ou fora dos limites da instituição escolar, muitas vezes aproxima-se dessa concepção.
1.3 Conclusões do capítulo
Antes de finalizarmos o presente capítulo, é preciso ponderar que não é nosso intuito
defender o teatro como única ou principal disciplina capaz de promover a formação da cidadania;
entendemos que o desenvolvimento dos valores que destacamos nesta dissertação deve-se à
educação como um todo. Tampouco se quer justificar a presença de atividades teatrais na escola
63
única e exclusivamente por seu potencial de trabalhar questões sociais. Se fosse esse o caso,
estaríamos próximos de uma visão “instrumental” das artes, que, conforme veremos com maior
aprofundamento no capítulo seguinte, desconsidera o valor da arte em si e a insere em contextos
escolares como instrumento para servir a objetivos que não lhe são específicos. Em nosso
entender, o teatro tem um campo de saber que lhe é próprio – que envolve aspectos como as
técnicas e convenções teatrais, além da experiência estética própria dessa arte – e sua presença
em processos educativos não pode prescindir de tais especificidades, tampouco relegá-las a um
segundo plano.
Gohn (2010) afirma que a formação do cidadão pleno está também entre os objetivos da
educação formal, não sendo, portanto, tarefa exclusiva da não formal. Ocorre que esta última,
ainda de acordo com a autora, possui algumas características únicas que lhe conferem o potencial
de desenvolver, como nenhuma outra, certos aspectos fundamentais à formação da cidadania. Do
mesmo modo, acreditamos que o teatro, em contextos educacionais, tem uma contribuição única
e importante a fazer no campo da cidadania, ainda que a construção do cidadão pleno não lhe seja
campo exclusivo, nem constitua sua única importância na formação de indivíduos. Nosso
posicionamento reflete-se nas palavras de Jonothan Neelands:
Ainda que concordando com a afirmação de que o desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais não é o motivo para a preservação do drama no
currículo escolar mas sim responsabilidade de todos os professores, e também
concordando que o drama dos jovens deve incluir o aprendizado do ofício do teatro e algo das suas muitas histórias, eu quero argumentar [...] que o drama tem
uma contribuição única e importante a fazer para o desenvolvimento social e
político das crianças e que essa é uma questão central não apenas no drama escolar mas em uma sociedade democrática (NEELANDS, 2009, p. 179).
20
20 A citação, como se observa, utiliza-se da palavra “drama” e não “teatro” para se referir às atividades de cunho
teatral na escola. O termo “drama”, na pedagogia do teatro, é predominante em países anglo-saxônicos
(CABRAL, 2010). A abordagem anglo-saxônica do drama na educação será mencionada com mais detalhes no
capítulo seguinte. Neste momento, não é nosso objetivo estabelecer diferenciações entre metodologias. A citação
de Neelands foi colocada não pela especificidade do processo pedagógico ao qual se refere, mas pela
universalidade de suas ideias: entendemos que o teatro na educação – seja qual for a corrente metodológica na
qual se baseia – pode apresentar uma contribuição única à formação social e política dos educandos. Ao
destacarmos a citação em questão, portanto, entendemos a palavra “drama” não do ponto de vista de uma
metodologia específica, mas como representante de toda e qualquer prática teatral na educação.
64
Neste capítulo, vimos que o teatro está estritamente ligado a questões de cidadania e que
sua prática em contextos educacionais, sejam eles internos ou externos à escola, pode servir ao
desenvolvimento de valores cidadãos. Tal desenvolvimento está atrelado à educação do
comportamento e tem o potencial, inclusive, de contribuir para construção de uma sociedade mais
democrática, na medida em que os sujeitos submetidos a processos teatrais podem transferir para
além dos contextos educacionais todas as práticas e valores que ali exercitam e desenvolvem. No
entanto, é preciso ponderar que diferentes contextos, procedimentos metodológicos, formas de
conduzir as atividades teatrais e outras particularidades de cada situação específica podem
conduzir a diferentes resultados. Por isso, é preciso que cada processo de trabalho com teatro seja
analisado particularmente, levando-se em conta suas especificidades, para que se avalie se ocorre,
de fato, todo o desenvolvimento aqui apontado como possível. Este trabalho, como já colocado
na Introdução, se propõe justamente a analisar um caso específico de atividades teatrais
realizadas em um ambiente educacional. As particularidades do caso serão expostas nos capítulos
3, 4 e 5. Antes, porém, consideramos ainda importante nos aprofundamos nas relações entre
teatro e educação, destacando o processo histórico, a maneira como diferentes pensadores se
posicionaram a respeito do tema, algumas das principais metodologias de trabalho com teatro na
educação e o contexto brasileiro de ensino de teatro. É à exposição de tais tópicos que se dedica o
capítulo subsequente.
65
2 TEATRO E EDUCAÇÃO
“Mede-se a cultura de um povo pelo seu teatro.”
Federico García Lorca
Neste capítulo, apresentamos uma breve retrospectiva das relações entre teatro e educação
ao longo da História, destacando algumas das principais tendências pedagógicas com a
linguagem teatral. A apresentação está dividida em duas partes:
A primeira explora relações entre teatro e educação desde a Idade Antiga até os dias
atuais, valendo-se, para tal, de algumas das principais contribuições de filósofos e outros
estudiosos que teceram considerações a respeito do potencial educativo do teatro. É observado
como, em diferentes contextos, houve maneiras diversas de se pensar o teatro na educação, o que
evidencia a pluralidade das potencialidades pedagógicas dessa arte. São também destacadas
algumas das principais metodologias que caracterizam o ensino do teatro na contemporaneidade.
Nessa seção, a educação é concebida em sentido amplo, englobando tanto a formal quanto a não
formal. Um resumo do conteúdo apresentado na unidade pode ser conferido na Linha do Tempo
“Teatro e Educação: breve sinopse” (APÊNDICE A).
Na segunda parte do presente capítulo, focalizamos a educação formal e apresentamos um
panorama histórico do ensino do teatro no contexto brasileiro, tomando como ponto de partida o
início do século XX. O período marca a democratização do ensino laico nas principais sociedades
ocidentais, processo que abre espaço para a inclusão do teatro como componente curricular da
educação formal. Nossa exposição enfoca o ensino de teatro na Educação Básica, não incluindo,
portanto, técnicas e processos usualmente mais comuns ao Ensino Superior, com vistas à
formação profissional de atores.
66
2.1 Teatro e educação: breve sinopse
As relações entre teatro e educação têm sido exploradas desde a Antiguidade. Courtney
(1980), ao expor um amplo painel histórico e filosófico em que apresenta as bases intelectuais do
teatro na educação, destaca que já no século V a.C., a educação ateniense estava baseada em
música, esportes e literatura. Nesta última vertente, incluíam-se declamações das obras de poetas
– especialmente Homero – com recursos teatrais de inflexão vocal, gestos dramáticos e
expressões faciais. O teatro (como encenação) é considerado por Courtney (1980, p.5) “[...] a
maior força unificadora e educacional no mundo ático”. Ainda de acordo com o autor, tal
relevância é justificada pelo fato de as representações teatrais servirem como veículo de
transmissão de conhecimento e constituírem o único prazer literário de que o povo dispunha. Para
os romanos, o teatro também podia apresentar propósitos educacionais, desde que transmitisse
lições morais. No campo da filosofia, Courtney (1980) aponta o grego Aristóteles e o romano
Horácio como lançadores das bases para o pensamento humanista no teatro. O primeiro, em sua
Poética (~330 a.C.), já afirmava que a imitação é natural ao homem e que o ser humano aprende
por meio dela; o segundo, por sua vez, em Arte Poética (~18 a.C.), considerava que o teatro
deveria tanto entreter quanto educar.
Durante a Idade Média, a Igreja Católica utilizou-se do potencial educativo do teatro com
o propósito de aproximar o povo iletrado das histórias e ensinamentos eclesiásticos. Em
encenações de caráter litúrgico, como os Mistérios21 e as Moralidades22, “[...] personagens
bíblicas ganhavam vida e saltavam aos olhos do espectador, fazendo-o compreender de forma
mais profunda os mistérios divinos” (SANTOS, 2009, p. 2318). Em uma época em que o acesso a
obras literárias era restrito a membros da Igreja, essas encenações tinham um papel educacional
de grande relevância:
Por cinco séculos, os Mistérios e Moralidades constituíram-se no único prazer intelectual das multidões. Escolas e livros, a bem da verdade, eram privilégios
21 Mistério: drama medieval, representado por ocasião das festas religiosas, em que se encenavam episódios da Bíblia
(Antigo e Novo Testamento) ou da vida de santos. Costumava durar vários dias e era encenado por atores
amadores, sob a direção de um condutor, em cenários simultâneos, denominados “mansões” (PAVIS, 1999). 22 Moralidade: obra dramática medieval, de inspiração religiosa e intuito didático e moralizante, em que vícios e
virtudes eram personificados, alegoricamente (PAVIS, 1999).
67
de poucos. Foi o teatro que propiciou às massas sua educação (COURTNEY,
1980, p. 9, grifo nosso).
No período da Renascença, houve a redescoberta das obras clássicas e a retomada do
pensamento humanista. A valorização da arte do falar, com ênfase na língua latina, levou ao
estudo do teatro antigo, o que acabou por favorecer muitas encenações escolares. O movimento
teve início na Itália, onde estudantes da Academia Romana de Pomponius Laetus passaram a
encenar peças da Antiguidade. No final do século XVI, as atividades dramáticas já estavam
presentes em diversas instituições escolares europeias23
. Nessa época, os estudantes encenavam
não apenas obras clássicas, mas também textos24
adaptados ou criados por seus professores,
mestres e reitores.
Berthold (2006) faz referência a encenações escolares realizadas durante o século XVI em
diferentes países europeus, como Alemanha, Áustria, Dinamarca, França, Hungria, Inglaterra,
Suécia e Suíça. A maior parte desses países, vale mencionar, passara pela Reforma Protestante,
cujo principal líder, Martinho Lutero, admitia que o teatro pudesse exercer influência benéfica
sobre os alunos tanto na prática da língua latina quanto na transmissão de comportamentos
entendidos como socialmente adequados. O drama escolar protestante não ficava restrito a salas
de aula ou pátios das escolas: era também apresentado em auditórios de conferência de
universidades, prefeituras, sedes de grêmios, praças públicas, mercados e até mesmo em palácios.
Predominava um tipo de teatro que buscava exercer seu efeito não pelo visual – o palco
costumava ser simples e o cenário, único – mas pela palavra: “Era pela declamação alta e audível
23 Vale observar que neste ponto de nosso levantamento histórico (a partir do século XVI), quando o teatro começa a
ser utilizado em instituições escolares, passamos a enfocar situações em que os próprios estudantes tomam parte no fazer teatral, deixando um pouco de lado a questão das possíveis implicações pedagógicas que o teatro pode trazer
do ponto de vista do espectador, em manifestações espetaculares externas à escola. Fizemos essa opção para
mantermos o foco no objeto desta pesquisa, mas não podemos deixar de colocar que o teatro, ao longo tempo,
continuou, em diferentes épocas e com enfoques diversos, a ser encarado como instrumento de educação de seu
público. Também não podemos deixar de mencionar que a fruição é parte fundamental do processo de educação em
arte, e que não raro o teatro feito para crianças e jovens é enfocado, em trabalhos na área do teatro-educação, como
elemento fundamental à experiência do estudante com essa forma de arte. Para maiores informações sobre a fruição
teatral como atividade pedagógica, recomendamos a leitura de Desgranges (2003, 2011). 24 Por vezes, esses textos eram motivo de conflitos, especialmente quando abordavam assuntos controversos de
ordem política e religiosa. Professores e reitores que tocaram nesses temas polêmicos sofreram retaliações e, em
alguns casos, chegaram a ser presos, a exemplo de Philipp Nikodemus Frishlin, na região da atual Eslovênia, e
Johannes Messenius, na Suécia. A opção por textos da Antiguidade e também por temas religiosos do Velho Testamento acabou por se tornar recorrente, tendo em vista que era uma maneira de salvaguardar alunos e
professores de conflitos religiosos e políticos (BERTHOLD, 2006).
68
em latim – mais tarde, língua nacional – que os pedagogos demonstravam suas intenções
didáticas aos pais e autoridades públicas” (BERTHOLD, 2006, p. 303).
Courtney (1980) destaca que na Inglaterra, as escolas dos Tudor25
desenvolveram forte
tradição dramática, encorajando o teatro não apenas para estudo das obras clássicas, mas como
exercício de linguagem, utilizado para desenvolver a língua materna. Neste ponto, é interessante
observar que existem muitos trabalhos contemporâneos que tratam da utilização de práticas
teatrais em escolas com o fim específico de aprendizagem da língua inglesa. É o caso dos
trabalhos de Dora Ton et al (2011), Dunn e Stinson (2011), Even (2011), Kao; Carkin e Hsu
(2001) e Ntelioglou (2011).
Ainda no contexto dos séculos XVI e XVII, Courtney (1980) faz referência a uma série de
filósofos e estudiosos que teceram considerações acerca do potencial educativo do teatro:
Thomas Elyot, por exemplo, enfatizava a dança dramática na educação; Philip Sidney acreditava
que o teatro deveria tanto ensinar quanto divertir; Montaigne defendia que as crianças, mais do
que repetir suas lições, deveriam atuá-las; e Francis Bacon referia-se ao teatro educacional como
[...] uma arte que fortalece a memória, regula o tom e efeito da voz e pronúncia,
ensina um comportamento decente para a fisionomia e gesticulação, promove a autoconfiança e habitua os jovens a não se sentirem incômodos quando
estiverem sendo observados (apud CORTNEY, 1980, p. 12).
Merece destaque também, nos séculos XVI e XVII, a utilização do teatro, como recurso
pedagógico, por parte dos padres da Companhia de Jesus26
. O’Malley (2004, p. 34) destaca que
os jesuítas cultivaram o teatro escolar “[...] num nível especialmente alto por um longo período
de tempo, numa vasta rede de colégios quase ao redor do mundo”. Tanto que, de acordo com
Toledo, Ruckstadter F. M. M. e Ruckstadter V. C. M. (2007), em toda parte do mundo onde
houve um colégio jesuítico, há referências à utilização do teatro como instrumento pedagógico. A
encenação de peças teatrais escritas pelos próprios religiosos da ordem constituía um dos
principais recursos didáticos de que os jesuítas lançavam mão. As peças teatrais da Companhia de
25 A Dinastia dos Tudor reinou na Inglaterra entre os anos de 1485 e 1603. A última monarca dessa casa real foi a
rainha Elizabeth I, sob cujo reinado viveram poetas e dramaturgos como William Shakespeare, Christopher Marlowe e Ben Jonson.
26 A Companhia de Jesus é uma ordem religiosa da Igreja Católica, fundada no ano de 1534, por Inácio de Loyola.
69
Jesus, tanto no continente europeu quanto nas colônias, prestavam-se à instrução dos alunos e ao
ensinamento dos dogmas católicos.
Na Europa, que vivia o contexto da Reforma Católica, as encenações nos colégios jesuítas
eram realizadas especialmente em dias de festa, e tinham como principal objetivo manter os
alunos atrelados à moral cristã. Os estudantes realizavam as encenações não apenas dentro das
escolas, mas também nos pátios das Igrejas, para o público em geral. Diferentemente do drama
protestante, muitas das encenações jesuítas, no continente europeu, apresentavam ambiciosos
cenários, figurinos e truques de ilusionismo.
No Brasil, o teatro foi largamente utilizado pelos jesuítas como instrumento de
catequização dos índios. As peças escritas pelos religiosos27
da Cia de Jesus – que figuram entre
as primeiras obras teatrais do território nacional – tinham o propósito de “[...] levar a fé e os
mandamentos religiosos à audiência, num veículo ameno e agradável, diferente da prédica seca
dos sermões” (MAGALDI, 2004, p.16). Kassab (2010) destaca que o teatro jesuítico, no Brasil,
se configurava como a melhor possibilidade de atrair os povos nativos, cujos costumes tanto
diferiam daqueles apresentados pelos colonizadores. Nesse sentido, vale mencionar que nas
encenações promovidas pelos jesuítas em território nacional, havia a incorporação de músicas,
danças, instrumentos musicais, adereços e aspectos do cotidiano da vida dos nativos, em uma
clara estratégia de aproximação entre as duas culturas.
No século XVIII, de acordo com Courtney (1980), o teatro teve pouco espaço em
contextos escolares no mundo ocidental. Uma das explicações para isso foi o fato de o sistema de
raciocínio indutivo de Francis Bacon ter sido amplamente difundido nas escolas. Apesar de o
filósofo, conforme explicitado anteriormente, ter apoiado o teatro na educação de jovens, seu
método educacional, que propunha o estudo de objetos naturais para chegar à verdade, abria
pouco espaço à atividade dramática. A crença de John Locke de que a educação deveria visar à
formação de hábitos da mente e de que o método importava mais que o conteúdo também
contribuiu para que a educação, nesse século, assumisse um aspecto muito mais formal do que
liberal (COURTNEY, 1980).
27 Dentre os jesuítas que viveram no Brasil, destaca-se José de Anchieta, autor de uma série de peças teatrais, como o
Auto da Pregação Universal, o Auto de São Lourenço, o Auto do Crisma e o Auto de Santa Úrsula.
70
No final do século de XVIII e início do XIX, o ensino nas escolas não sofreu grandes
alterações, mas sua filosofia sim. Jean-Jacques Rousseau teve fundamental importância nesse
processo, visto que colocou a criança no centro do processo educativo e defendeu o jogo como
elemento primordial da educação infantil:
Para Rousseau, a primeira educação da criança deveria ser quase que
inteiramente através do jogo. Os simples atos de correr, saltar e brincar têm
valor. Não haveria repressão e os instintos deveriam ser encorajados
(COURTNEY, 1980, p. 17).
Embora Rousseau não apoiasse o teatro na educação, sua defesa de uma pedagogia
“pedocêntrica” (centrada na criança) e fundamentada no jogo serviu de inspiração a pensadores
futuros, que defenderam o “jogo dramático” como procedimento efetivo de aprendizagem,
conforme veremos mais adiante. No final do século XIX, a teoria evolucionista de Charles
Darwin forneceu base científica ao que Jean-Jacques Rousseau já havia observado: “[...] que a
criança era um organismo em desenvolvimento, que cada fase do crescimento deveria ser
estimulada e que o jogo fazia parte do ser humano em desenvolvimento tanto quanto outro
elemento” (COURTNEY, 1980, p.18).
Nesse cenário, apoiado na pedagogia de Rousseau, surge o movimento “Educação Ativa”
– ou “Escola Nova”, como veio a ser conhecido no Brasil –, originalmente liderado pelo norte-
americano John Dewey. O movimento, considerado como progressista na época em que surgiu,
revolucionou as formas tradicionais de ensino ao colocar a criança no centro do processo
educativo, defendendo o respeito ao seu desenvolvimento natural. No campo das artes, contribuiu
com mudanças significativas na prática pedagógica, dentre as quais se destaca a ênfase no
processo, no “aprender experimentando”, em detrimento do produto (SOUZA, 2005, p. 20).
É justamente no final do século XIX que o teatro volta a ter participação importante na
educação. Por um lado, nas escolas tradicionais, há a retomada de encenações de peças, em
especial para estudos de línguas; por outro, emerge uma nova maneira de se pensar atividades
ligadas ao teatro em ambientes escolares, alinhada aos postulados do movimento Educação Ativa.
Se na visão tradicional o teatro em escolas resumia-se à montagem de textos dramáticos para
apresentação em datas comemorativas, sem o cuidado com a formação do indivíduo, na
71
concepção “escolanovista” o foco passa a ser o desenvolvimento da criança e a livre expressão de
sua imaginação criativa (KOUDELA, 1992).
Japiassu (2009) destaca que é na segunda metade do século XIX que passa a haver uma
“[...] literatura caracterizada como especificamente debruçada sobre o binômio teatro-educação
[...]” (p.24, grifo do autor). Antes dessa fase, os pensadores que teceram considerações a respeito
do teatro na educação o fizeram analisando separadamente cada um desses campos do
conhecimento. No final daquele século e, em especial, na primeira metade do século XX,
diversos autores versaram sobre o tema teatro-educação, desenvolvendo abordagens pedagógicas
que continuam, até os dias atuais, a influenciar trabalhos na área. Muitas dessas abordagens
foram calcadas nas então recentes investigações no campo da psicologia, que transformaram a
concepção de infância e apontaram para a necessidade de se priorizar as demandas específicas de
cada etapa da vida da criança. Tais investigações, influenciadas pela teoria evolucionista de
Charles Darwin e confirmando as ideias de Rousseau, valorizavam a espontaneidade, a
afetividade e as atividades baseadas no jogo (SOUZA, 2005). Nesse contexto, podemos citar os
trabalhos da norte-americana Winifred Ward (1884-1975), cuja obra reflete os postulados da
Escola Nova. A autora enfatiza a importância da expressão criativa da criança, defendendo que o
trabalho com teatro, na educação, deve priorizar o processo e não o produto final (WARD, 1957).
Destaca-se também, na primeira metade do século XX, a obra de Caldwell Cook (1885-
1939), formulador da ideia de que a atividade dramática poderia ser um método eficiente para
aprendizagem de conteúdos escolares diversos (COUTRNEY, 1980). Em The Play Way (COOK,
1917), o professor inglês expôs seu método de abordagem de atividades dramáticas em ambientes
escolares, também denominado play way (método dramático). Até então, conforme já explicitado,
o teatro em escolas consistia apenas em encenações de peças e leituras de diálogos em aulas de
língua. Cook propôs uma nova forma de abordagem: para ele, a atuação, por meio do jogo, era
um caminho seguro para a aprendizagem, não apenas de línguas. Seu método consistia em
utilizar o conteúdo dos livros didáticos de diversas disciplinas como pretexto para que os alunos o
encenassem, de forma espontânea (não ensaiada), facilitando, assim, a aprendizagem. Desse
modo, na aula de História, por exemplo, os alunos representavam os fatos históricos que estavam
sendo trabalhados. Cook, para o desenvolvimento de seu método, partia dos seguintes princípios:
de que o aprendizado e a proficiência advêm da experiência e não da escuta ou da leitura; de que
72
o bom trabalho costuma ser resultado do livre interesse e do esforço espontâneo; e de que o jogo
é o meio natural de estudo para a juventude (COOK, 1917). O que o autor propunha era uma
encenação livremente improvisada pelos alunos, em sala de aula, sem a intervenção do professor
e ausente de preocupações com convenções teatrais.
Como se nota, os mencionados Cook e Ward, apesar de oriundos de diferentes contextos
culturais (Inglaterra e Estados Unidos, respectivamente) apresentavam ideias coincidentes no que
diz respeito às transformações que estavam ocorrendo no campo do teatro e da educação. É
importante destacar que, para ambos os contextos, existe uma evidente distinção entre teatro e
drama: “teatro” era compreendido como a arte profissional, adulta, sofisticada, não relacionada
ao universo infantil; “drama”, por sua vez, era entendido como uma prática que correspondia às
necessidades psicológicas das crianças (SOUZA, 2005). Em outras palavras, enquanto o termo
“teatro” correspondia a uma prática formalizada, o termo “drama” era visto como mais
abrangente e ligado ao desenvolvimento natural da criança.
Sabemos que as elaborações teóricas e metodológicas mais antigas do drama na
educação não emergiram da arte teatral, até porque, de uma forma geral, os
primeiros estudiosos defendiam, intransigentemente, o afastamento da arte infantil de qualquer referência cultural e técnica externa. Durante a primeira
metade do séc. XX, o campo epistemológico do drama na educação alimentava-
se essencialmente das teorias do jogo e da psicologia dinâmica, teorias que influenciavam transversalmente as correntes pedagógicas mais inovadoras da
época (RIBEIRO, 2011, p. 96).
Era, portanto, o drama, e não o teatro, que os autores mencionados defendiam em
processos educativos. Alinhado a essa tendência, já na década de 1950, o pedagogo e teatrólogo
inglês Peter Slade (1912-2004) publica a obra Child Drama (traduzida para o português como O
Jogo Dramático Infantil). Para o autor, “[...] o Jogo Dramático Infantil é uma forma de arte por
direito próprio; não é uma atividade inventada por alguém, mas sim o comportamento real dos
seres humanos” (SLADE, 1978, p. 17). O jogo dramático infantil é, portanto, compreendido por
Slade como uma atividade espontânea, inerente ao universo lúdico das crianças. Apesar de
espontânea, o autor destaca que a melhor brincadeira teatral infantil desenvolve-se com o
estímulo de adultos, pois esses podem lhe oferecer oportunidade e encorajamento conscientes.
Contudo, conforme lembra Desgranges (2011, p. 93), o adulto “[...] não deve inibir as crianças
73
em suas brincadeiras próprias [...], pais e professores podem e devem sugerir e organizar essas
atividades, deixando sempre as crianças criarem seu próprio jeito de realizá-las”.
Slade atribui importância tão singular ao jogo dramático no desenvolvimento infantil que
reivindica para a atividade um espaço próprio no currículo escolar. Assim, ao invés de servir de
método de ensino de outras matérias (como propunha Cook), para Slade, o brincar dramático
deveria constituir uma “[...] ‘disciplina’ independente, com seu próprio lugar no horário escolar”
(COURTNEY, 1980, p. 46). O autor entendia que uma das principais contribuições do jogo
dramático infantil seria o fato de fornecer à criança “[...] uma válvula de escape, uma catarse
emocional [...]” (SLADE, 1978, p.18), favorecendo, dessa forma, o desenvolvimento de controle
emocional e autodisciplina interna. Como bem observa Desgranges (2005, p. 93), o principal
objetivo do jogo dramático é a formação da personalidade, e não a “[...] preocupação com a
exploração e apreensão do teatro enquanto linguagem”. Portanto, o jogo dramático não é
considerado por Peter Slade como atividade teatral, já que não pressupõe a relação palco-plateia,
tampouco se volta para a construção de um discurso cênico.
De acordo com Ribeiro (2011), na década de 1970, ocorre um salto qualitativo na maneira
de se conceber o drama nas escolas. O autor atribui tal progresso, especialmente, aos trabalhos da
professora inglesa Dorothy Heathcote (1926-2011), que desenvolveu intervenções educativas em
que o professor desempenhava uma importante função. Enquanto no jogo dramático infantil
(child drama), as crianças deveriam ficar livres para jogar, cabendo ao professor apenas a
proposição da atividade, nas intervenções de Heathcote tanto alunos quanto professor
interpretavam papéis. Às crianças, de modo geral, cabiam papéis coletivos, e aos professores,
“[...] papéis que provocassem a ação dos participantes (individualmente ou em grupo), mudando
de postura ou papel para expandir ou modificar o entendimento das ações e o sentido de
teatralidade” (CABRAL, 2012). Ribeiro (2011) destaca que essas intervenções, conhecidas como
“processos de drama”, constituíam uma nova maneira de se conceber o drama na educação e que
foram prontamente adotadas por diversos professores, em especial nos países anglo-saxões. A
atual abordagem anglo-saxônica do drama28
na educação está fundamentada nos trabalhos de
28 A professora Beatriz Ângela Vieira Cabral (UDESC, UFSC) explica que “drama é a denominação predominante
na área da pedagogia do teatro, nos países anglo-saxônicos, para a atividade historicamente reconhecida como drama in education, drama and education ou process drama” (CABRAL, 2010, p. 2). Entre 1990 e 1994,
Cabral cursou doutorado em Birmingham/UK, ocasião em que teve a oportunidade de trabalhar junto a Dorothy
74
Heathcote. Japiassu (2009) explica que, nessa abordagem, o drama ocupa uma posição central no
currículo escolar, constituindo uma espécie de eixo, em torno do qual podem se articular as
demais áreas do conhecimento, a serem trabalhadas de maneira interdisciplinar. Na abordagem
anglo-saxônica do drama na educação, portanto, o drama é um meio de aprendizagem e não o
conteúdo em si. Nas palavras de O’Neil e Lambert, “[...] o conteúdo não é o drama enquanto tal,
mas qualquer aspecto do currículo que toma emprestada a estrutura dramática” (apud JAPIASSU,
2009, p. 40, grifo do autor).
Esse tipo de abordagem, que, como a já mencionada proposta de Caldwell Cook, se utiliza
do drama como ferramenta para o aprendizado de conteúdos extrateatrais, pode ser entendida
como “contextualista” ou “instrumental”. Também podem ser consideradas “contextualistas” as
abordagens propostas por Ward e Slade, por ancorarem os objetivos educacionais na dimensão
psicológica do processo de aprendizagem (KOUDELA, 1992). A concepção pedagógica
“contextualista”, na primeira metade do século XX, não estava presente apenas no ensino de
teatro, mas também nas demais linguagens artísticas, como a música e as artes plásticas.
Na segunda metade do século XX, especialmente a partir da década de 1960, houve uma
nova mudança de foco no ensino de arte. Pensadores, em especial norte-americanos, passaram a
questionar a ideia de que a expressão artística da criança se desenvolve espontaneamente, e se
dedicaram a pesquisas sobre a natureza da arte como forma de conhecimento, procurando
entender qual seria a contribuição específica das linguagens artísticas para o campo da educação
(BRASIL, 1997). Assim, surgia uma nova abordagem para o ensino de arte: a “essencialista” ou
“estética”29
, segundo a qual “o valor primeiro da arte reside [...] na contribuição única que traz
para a experiência individual e para a compreensão do homem” (EISNER, 1972 apud
KOUDELA, 1992, p. 18). No campo do teatro, a perspectiva “essencialista” se fundamenta na
especificidade da linguagem teatral e tem como eixo “[...] a compreensão do teatro como sistema
Heathcote. A partir da experiência, Cabral trouxe o drama para o Brasil e, desde então, vem realizando uma série
de estudos acerca da prática em território nacional. Para maiores informações sobre o drama e suas aplicações ao
contexto educacional brasileiro, recomendamos, portanto, a leitura de Cabral (2006, 2010, 2012). Indicamos
também a leitura Desgranges (2011), em capítulo em que autor se dedica especificamente à explanação sobre o
processo de drama. 29 A dicotomia entre as dimensões “instrumental” e “estética” auxilia a compreender as diferentes propostas de
ensino no campo das artes. No entanto, é preciso ponderar que, na prática, tais dimensões, muitas vezes, se
interpenetram (JAPIASSU, 2009).
75
de representação semiótico, como forma de expressão artística e linguagem acessível a todo ser
humano” (JAPIASSU, 2009, p. 28).
Merece destaque, nesse cenário, uma proposta metodológica que pode eventualmente ser
utilizada com fins instrumentais, mas que se aproxima, sobretudo, da perspectiva “essencialista”,
uma vez que permite “[...] reivindicar o espaço do teatro como conteúdo relevante em si na
formação do educando” (JAPIASSU, 2009, p. 42). Trata-se do “jogo teatral”, conceito
apresentado em forma de sistema metodológico para o desenvolvimento de trabalho pedagógico
com o teatro, pela norte-americana Viola Spolin (1906-1994). Pupo (2001, p. 181) explica que o
sistema de jogos teatrais “[...] caracteriza-se como uma abordagem da improvisação teatral
cercada por regras precisas, entre as quais se destacam o acordo grupal, o foco, a instrução e a
avaliação”.
Influenciada pelos trabalhos de Neva Boyd30
(1876-1963) e Constantin Stanislávski31
(1863-1938), Spolin desenvolve seu sistema de jogos teatrais e o expõe pela primeira vez, no ano
1962, na obra Improvisação para o Teatro (SPOLIN, 2000). Apesar de os jogos teatrais serem
amplamente utilizados em ambientes escolares até os dias atuais, a obra de Spolin não se dirige
apenas aos interessados no trabalho com teatro em escolas, mas a “[...] todos os que desejem se
expressar através do teatro, sejam eles profissionais, amadores ou crianças” (KOUDELA, 1992,
p.40). A autora parte do princípio de que todas as pessoas podem atuar no palco porque todas são
capazes de improvisar.
30 Neva Leona Boyd (1876-1963), educadora social norte-america, foi professora de Viola Spolin entre 1924 e 1927.
De acordo com Desgranges (2011), foi com ela que Spolin aprendeu a importância dos jogos nos processos educacionais. Tendo em vista que as escolas norte-americanas, na época, não compreendiam o jogo como
metodologia de educação, Neva Boyd inicialmente desenvolveu seu trabalho no âmbito da educação não formal:
em parques e centros sociais da cidade de Chicago. Seus programas educacionais envolviam jogos de grupo, arte
dramática, dança, ginástica, teoria do jogo e problemas sociais. Os jogos educacionais de Boyd buscavam
enfatizar o engajamento psicológico e físico tanto dos líderes quanto dos jogadores, e eram considerados pela
educadora como um significativo elemento de educação social (CAMARGO, 2010). 31 Constantin Stanislávski (1863-1938), ator e diretor teatral russo, foi um dos fundadores do Teatro de Arte de
Moscou. Tornou-se célebre por desenvolver um sistema de interpretação realista, que primava pela busca da
verdade no trabalho do ator. Viola Spolin foi influenciada pelo trabalho de Stanislávski especialmente no que
tange ao “método das ações físicas”, criado pelo diretor com o intuito de possibilitar ao ator a descoberta de
alternativas na criação de seus personagens, “[...] tendo como ponto de partida a experiência orgânica do fazer no
espaço” (CARREIRA, 1997, p. 16). Inspirando-se nesse método, Spolin propõe a “fisicalização”, procedimento que “[...] desafia o aluno a tornar visível para a plateia de jogadores personagens, lugares, ações, emoções, sem
recursos externos ou materiais que não sejam o próprio corpo” (SOUZA, 2005, p. 79).
76
Diferentemente do jogo dramático infantil (child drama), em que a criança brinca
livremente, sem intervenção do professor, no jogo teatral há regras claras, e os jogadores devem
estar sempre concentrados na busca de soluções para os desafios propostos pelo professor ou
coordenador. A didática de Spolin (2000) entende que em situação de jogo, o indivíduo sente-se
livre para atuar criativamente, dentro de determinadas limitações – as regras de cada jogo – e que,
dessa forma, vai incorporando intuitivamente as técnicas teatrais. Trata-se, portanto, de uma
atividade que visa à aquisição da linguagem cênica e dos princípios básicos do fazer teatral.
Koudela (1992, p. 44) explica que “o processo de jogos teatrais visa efetivar a passagem do jogo
dramático (subjetivo) para a realidade objetiva do palco” e que essa passagem, se entendida sob a
ótica da Epistemologia Genética32
, “[...] pode ser comparada com a transformação do jogo
simbólico (subjetivo) no jogo de regras (socializado)”.
Em Improvisação para o Teatro (SPOLIN, 2000) e, posteriormente, em Jogos Teatrais: o
fichário de Viola Spolin (SPOLIN, 2001), Spolin apresenta seu sistema na forma de manual,
demonstrando como cada um dos jogos teatrais deve ser conduzido, e quais noções relacionadas
ao fazer teatral cada um deles desenvolve. O sistema de jogos teatrais é, ainda hoje, muito
utilizado para o trabalho com atores e não atores de todas as idades, tendo se tornado um
referencial para atores e professores de teatro. Em 1979, Improvisação para o Teatro foi
traduzido para o português pela pesquisadora Ingrid Dormien Koudela (ECA/USP), que realizou
uma série de estudos acerca da aplicação do sistema de jogos teatrais com crianças e
adolescentes. Desde então, a proposta de ensino de Spolin vem sendo bastante investigada no
Brasil. Na escola abordada nesta pesquisa, são utilizados jogos teatrais como parte do processo de
trabalho com teatro, conforme será especificado no capítulo 4.
Outra metodologia surgida no século XX e bastante utilizada em processos educativos na
contemporaneidade é o “Jogo Dramático de tradição francesa” (jeu dramatique). Desgranges
32 A Epistemologia Genética, formulada pelo suíço Jean Piaget (1896-1980), fundamentou muitas abordagens do
teatro na educação no decorrer do século XX (JAPIASSU, 2001). A questão primordial à qual se dedica a teoria
piagetiana diz respeito a como os indivíduos passam de um determinado nível de conhecimento para outro, mais
elaborado. Piaget destaca a emergência da função simbólica como etapa primordial ao desenvolvimento da
inteligência. O epistemólogo dá especial importância ao “jogo simbólico” (ou jogo de imaginação e imitação) no
desenvolvimento infantil, na etapa que vai dos 02 aos 07 anos de idade. Para Piaget, essa é a atividade por meio
da qual a criança busca assimilar a realidade externa ao seu “eu”. O estudioso também ressalta a relevância da
passagem desse tipo de jogo para o “jogo de regras” (na etapa que vai dos 07 aos 12 anos), atividade que, por pressupor a existência de parceiros, e apresentar um conjunto de orientações a serem seguidas por todos os
jogadores, apresenta caráter marcadamente social (PIAGET, 1971).
77
(2011) explica que a prática surgiu na França, no início do século XX, e que, à época, era
utilizada em contextos diversos: desde reuniões de grupos de escoteiros até – e especialmente –
em escolas. Seu valor educacional foi, desde então, sendo cada vez mais reconhecido e, ao longo
dos anos, a prática foi sendo difundida para vários países. Desgranges coloca, ainda, que devido a
essa ampla propagação, autores de diversas nacionalidades escreveram sobre o tema, abordando
diferentes aspectos do Jogo Dramático33
e, por vezes, conceituando-o de maneiras distintas. Não
se trata, portanto, de um sistema rígido, de definição fechada. Ainda assim, de um modo geral,
pode ser caracterizado como
[...] uma atividade grupal, em que o indivíduo elabora por si e com outros as
criações cênicas, valendo-se das apresentações no interior das oficinas como um meio de investigação e apreensão da linguagem teatral (DESGRANGES, 2011,
p. 95).
Trata-se, portanto, de uma atividade bastante diferente do jogo dramático infantil a que se
refere Peter Slade, no qual, como vimos, não há relação palco-plateia tampouco preocupação com
a elaboração de um discurso cênico. Assim como o jogo teatral, o Jogo Dramático de tradição
francesa permite que os participantes ora se coloquem na posição de jogadores, ora na de plateia,
e tem como objetivo fazer com que os estudantes “[...] adquiram consciência sobre a significação
no teatro e possam, através dele, emitir um discurso sobre o mundo” (PUPO, 2001, p. 182).
Ainda que haja muitas coincidências entre o Jogo Dramático francês e o jogo teatral,
pode-se dizer que enquanto a proposta de Spolin se apresenta mais em forma de sistema
estruturado – com jogos bem definidos e avaliação das atividades focada em elementos
específicos da cena, previamente explicitados pelo professor –, os Jogos Dramáticos se
configuram como um sistema mais “aberto”: muitas vezes, os temas de improvisações são
sugeridos pelos próprios alunos, a partir de suas vivências e conflitos cotidianos. A atividade
incorpora, assim, o repertório de valores coletivos e sociais dos participantes de um dado grupo,
tornando-se “[...] um espaço de questionamento político e estético” (SOUZA, 2005, p. 74). Além
33 Desgranges (2011), diferentemente de outros autores, utiliza as iniciais maiúsculas quando trata do Jogo
Dramático francês, distinguindo-o, na grafia, do jogo dramático infantil abordado por Peter Slade. Mantivemos a
diferenciação ortográfica apresentada por Desgranges para facilitar a compreensão do leitor, tendo em vista que Jogos Dramáticos são a nomenclatura de uma metodologia, ao passo que o jogo dramático ao qual se refere Slade
diz respeito a uma atividade própria do universo infantil.
78
disso, no Jogo Dramático, não há premissas previamente estabelecidas para a avaliação das
atividades; o refinamento artístico das cenas vai sendo construído ao longo do processo, de
acordo com as necessidades que vão surgindo no decorrer dos jogos (DESGRANGES, 2011).
Neste ponto, como se verá com maiores detalhes no capítulo 4, as atividades desenvolvidas na
escola abordada nesta pesquisa aproximam-se do Jogo Dramático francês.
Dentre os nomes mais importantes na área do Jogo Dramático, destacam-se Charles
Dullin (1885-1949) e Léon Chancerel (1886-1965), atores franceses que, nos anos 1930,
buscavam, por meio da improvisação, dinamizar a arte teatral da época (PUPO, 2001). Em anos
mais recentes, a obra do professor e diretor teatral francês Jean-Pierre Ryngaert (1991, 2009)
destaca-se como uma das principais referências na área do Jogo Dramático. No Brasil,
sobressaem os trabalhos de Olga Reverbel (1989, 1997) e Maria Lúcia de Souza Barros Pupo
(1986, 2001).
Japiassu (2009), ao apresentar um compêndio das principais abordagens pedagógicas de
ensino do teatro no Brasil, destaca ainda os seguintes autores, como nomes que contribuíram de
forma relevante, no decorrer do século XX, para a maneira de se pensar o teatro na educação não
apenas em âmbito nacional, mas em todo o mundo: Jacob Levy Moreno (1889-1974), psiquiatra
romeno que trabalhou o valor terapêutico do teatro, por meio do “psicodrama” e do
“sociodrama”34
; Bertold Brecht (1898-1956), cujas “peças didáticas”35
continuam a influenciar
“[...] práticas teatrais educativas de caráter político-estético [...]” (JAPIASSU, 2009, p. 38); e
Augusto Boal (1931-2009), criador do “teatro do oprimido” (já mencionado no capítulo 1),
pedagogia que tem inspirado experimentações e investigações no Brasil e no mundo. Vale
34 Conforme esclarece Japiassu (2009, p. 35), o psicodrama “[...] se ocupa das relações interpessoais e da psicologia
da vida privada do paciente [...]”, ao passo que o sociodrama “[...] investiga as relações intra e intergrupais, com
base nos valores culturais do grupo social ao qual pertence o paciente”. O autor explica ainda que são, ambas,
formas de terapia em que os pacientes são tratados em grupo e que, historicamente, esses procedimentos
romperam com o tratamento baseado no depoimento verbal do indivíduo isolado, típico da psicanálise freudiana.
A ênfase de Moreno à espontaneidade, à criatividade e ao trabalho em grupo foram fatores que favoreceram a
incorporação terapia psicodramática à educação. 35 As “peças didáticas” de Bertold Brecht fazem parte de suas primeiras obras dramatúrgicas. Foram a princípio
concebidas para serem trabalhadas por grupos de operários ou por crianças e jovens, em escolas. Desgranges
(2011) coloca que a iniciativa, na medida em que propunha um trabalho com amadores, visava a uma
democratização do teatro. O mesmo autor explica que as peças didáticas estariam fundamentadas “[...] na ideia de
que os atuantes ensinam a si mesmos, a partir do questionamento provocado pela ação dramática, da crítica à
situação social que os envolve e da reflexão sobre suas atitudes diante dos fatos abordados na peça” (DESGRANGES, 2011, p. 82). Desse modo, pode-se dizer que o principal objetivo das peças didáticas de
Bertold Brecht não é sua encenação, mas a conscientização daqueles que nelas atuam.
79
mencionar que Boal desenvolveu, ao longo de sua trajetória de encenador, uma série de jogos e
exercícios teatrais, que, segundo o próprio autor, podem ser utilizados tanto por atores – sejam
eles profissionais ou amadores – quanto por professores e terapeutas (BOAL, 2011). Muitas das
atividades propostas por Boal são utilizadas no trabalho com teatro desenvolvido na instituição
pesquisada, conforme se verá no capítulo 4.
Ao longo do século XX e, mais recentemente, já no século XXI, outros autores
contribuíram – e têm contribuído – de forma relevante para a maneira de se pensar o teatro na
educação, a exemplo de Hornbrook (1998), Neelands e Goode (2000) e Ribeiro (2010, 2011). As
concepções teóricas são diversas e, por vezes, opostas, como afirmam Fleming (2003), Kitson e
Spiby (1997) e Walkinshaw (2004). Por um lado, há autores que ainda defendem o drama na
educação exclusivamente como processo, centrado na livre expressão do aluno, assim como
faziam os referidos Slade, Cook e Ward; por outro, existem estudiosos, seguindo uma tendência
mais contemporânea, que entendem que é preciso aproximar a atividade teatral do produto
artístico, apoiando a aprendizagem técnica da linguagem teatral e a apreciação estética como
partes relevantes do trabalho com teatro em escolas (RIBEIRO, 2010). Mesmo entre autores que
defendem a aprendizagem da linguagem do teatro, há aqueles que acreditam que o fazer teatral
com alunos pode prescindir da montagem de espetáculos, como Japiassu (2009) e Meyer (2002),
enquanto outros entendem que a produção de espetáculos é parte importante da prática, como
Catalan (2007), Hargreaves (1990) e Hornbrook (1998). Há, ainda, autores como Schonmann
(2005) e Walkinshaw (2004), que defendem a elaboração de perspectivas amplas e tolerantes, que
articulem o que existe de mais positivo em cada uma das concepções. Identificamo-nos com essa
visão mais abrangente e, por isso, finalizamos esta seção fazendo uso das palavras de
Walkinshaw (2004), que defende que o teatro
[...] necessita ser visto como polimorfo, fecundo, didático, dialético, pedagógico
e divertido. Isso exige o reconhecimento tanto das ‘comunalidades’ como das diferenças entre as diversas metodologias. [...] Somente quando o drama puder
ser celebrado com todas as suas multifacetadas orientações, a sua aplicação no
ensino básico poderá ser tão rica quanto o próprio assunto que lhe diz respeito
(p.184).
80
2.2 Teatro e educação no Brasil
Como visto na seção anterior, há registros de aplicações pedagógicas do teatro em
território nacional desde o século XVI, época em que os padres jesuítas faziam uso do potencial
educativo da arte teatral para a catequização dos nativos. Nesta seção, contudo, nossa breve
exposição do ensino do teatro no contexto brasileiro tem como ponto de partida o início do século
XX, visto que o período marca a democratização do ensino laico nas principais sociedades
ocidentais. É justamente com o processo de escolarização em massa que o teatro passa a ser
incluído como componente curricular da educação formal de crianças, jovens e adultos
(JAPIASSU, 2009).
O ensino do teatro e também das demais linguagens artísticas (música, dança e artes
visuais) é ainda hoje, no Brasil, influenciado pelas tendências “tradicionalista” e “escolanovista”
que caracterizaram as práticas pedagógicas nacionais na primeira metade do século XX. Naquela
época, em escolas tradicionais, o teatro era utilizado apenas em festividades escolares, na
celebração de datas comemorativas. Para essas ocasiões, os alunos realizavam apresentações,
para as quais decoravam textos e tinham seus movimentos cênicos rigorosamente marcados. O
movimento da Escola Nova, por sua vez, também influenciou práticas pedagógicas em território
nacional, especialmente entre as décadas de 1920 e 1970. Conforme mencionado na seção
anterior, o movimento privilegiava o desenvolvimento natural da criança, e o ensino de arte,
dentro dessa concepção, pautava-se por processos que davam ênfase à expressão criativa do
aluno. Embora antagônicas, as correntes “tracionalista” e “escolanovista” cont inuam a participar
de escolhas pedagógicas e estéticas no trabalho com Arte dentro de escolas (BRASIL, 1997).
No âmbito legal, o teatro foi incluído no currículo escolar da Educação Básica, pela
primeira vez, com a Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (LDB, Lei no 4.024/61). A referida lei
instituiu, de forma não obrigatória, a disciplina Arte Dramática, voltada especificamente para a
linguagem teatral. Japiassu (2009) menciona que a disciplina era ministrada em alguns colégios
de aplicação, escolas pluricurriculares e ginásios vocacionais36
. A LDB de 1971 (Lei no 5.692/71)
36 Neste ponto, é interessante observar que no plano curricular de 1974 da instituição abordada nesta pesquisa, foi
encontrado o registro o registro da disciplina Arte Dramática, no campo referente à “Formação Especial/Parte
Diversificada”, como será observado no capítulo 3. O documento mostra que aulas eram ministradas uma vez
81
incorporou obrigatoriamente o teatro ao currículo escolar, com a exigência do ensino de
Educação Artística desde a quinta série do então primeiro grau (atual Ensino Fundamental) até a
terceira série do segundo grau (atual Ensino Médio). O título “Educação Artística” foi criado para
nomear a atividade que visava abordar, de forma integrada, teatro, música, dança e artes plásticas.
Vale mencionar que Educação Artística, na LDB/71, era considerada “atividade artística” e não
disciplina.
A inclusão obrigatória da Educação Artística no currículo escolar pode ser entendida, por
um lado, como um avanço, na medida em que representa o reconhecimento do valor das artes na
educação. Por outro lado, não se pode deixar de levar em conta o contexto em que a lei foi
promulgada e os resultados decorrentes da resolução. Historicamente, como se sabe, o Brasil
vivia sob regime militar. Vita (1994) explica que o teatro, no contexto ditatorial, era visto como
perigoso inimigo público e que as aulas de Arte Dramática, ministradas em algumas escolas,
também não escapavam à desconfiança do regime: os textos teatrais trabalhados nessas
instituições deviam ser previamente encaminhados ao Departamento de Censura Federal.
Segundo a autora, com o Ato Institucional nº 5, em 1968, muitos desses estabelecimentos
sofreram duras intervenções e seus professores foram aposentados. Vita (1994, p. 14-15) pondera
que a conquista da obrigatoriedade da atividade Educação Artística acabou por acarretar em “[...]
perda de autonomia das escolas que ofereciam ensino artístico em suas diferentes linguagens
[...]”.
Nessa perspectiva, Japiassu (2009) completa que a reunião de diferentes formas de
expressão estética sob uma mesma nomenclatura trouxe uma série de problemas, dentre os quais
a redução da carga horária das matérias da área de artes. Antes da LDB de 1971, segundo o
autor, muitas escolas destinavam em torno de seis horas/aula por semana ao trabalho com
linguagens artísticas. Como a lei estabeleceu uma carga horária de duas horas/aula semanais para
Educação Artística, os conteúdos específicos de cada uma das linguagens passaram a ter de ser
trabalhados nesse curto espaço de tempo, de forma “integrada”. Esse trabalho “integrado” trouxe
também complicações no que diz respeito à falta de professores licenciados para tal. Cursos
universitários tiveram de ser criados especialmente para suprir essa demanda, formando
por semana a alunas da quinta série do então primeiro grau, conforme pode ser verificado no ANEXO A – Grade
curricular de 1974.
82
professores licenciados em Educação Artística. Contudo, muito dificilmente um profissional
conseguiria ser tão polivalente, a ponto de dominar com fluência todas as linguagens estéticas.
Na prática, muitos desses novos professores acabaram por ter uma formação deficitária, e tanto
eles quanto os antigos professores de uma forma específica de expressão estética acabaram por
desenvolver seus trabalhos em sala de aula de maneira pouco aprofundada, apenas para cumprir o
que a lei determinava. Nesse contexto, desenvolveu-se a crença de que apenas com a realização
de atividades expressivas espontâneas as crianças entenderiam bem cada uma das formas de arte
(BRASIL, 1997). Esse viés “espontaneísta”, conforme esclarece Japiassu (2009), foi bastante
comum no ensino de teatro no Brasil na década de 1970.
No início da década de 1980, a pesquisadora Ingrid Dormien Koudela, da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, reflete que a abordagem puramente
“espontaneísta” do ensino de arte “[...] corre o risco de o risco de reduzir a proposta de educação
artística a objetivos meramente psicológicos, o que afasta a possibilidade de entender a arte como
forma de conhecimento” (KOUDELA, 1992, p.25). Alinhando-se à já mencionada concepção
“essencialista”, a estudiosa defende que a arte possui um valor intrínseco e único e que, por esse
motivo, prescinde de justificativas externas à sua natureza para a aplicação em processos
educacionais.
Koudela não estava sozinha na reflexão sobre o papel da arte na educação. Japiassu
(2009) esclarece que no final da década de 1970, o início do processo de abertura do regime
autoritário possibilitou que os responsáveis pelo ensino de arte passassem a se organizar para
repensar as relações entre arte e educação, enfatizando a especificidade de cada linguagem
artística e defendendo a criação de licenciaturas plenas em cada uma delas. Nesse contexto,
surge, no início da década de 1980, o movimento “Arte-Educação”, que desempenhou papel
fundamental nas discussões que estavam sendo levantadas e na conscientização e mobilização de
professores de arte tanto da educação formal quanto da não formal (aqui entendida como externa
à escola). O referido movimento tem em Ana Mae Barbosa uma de suas principais
representantes. Foi ela quem desenvolveu a “Proposta Triangular”, que sugere que o ensino da
arte seja desenvolvido em três grandes eixos: o fazer artístico, a contextualização histórica e a
apreciação estética (BARBOSA, 1991).
83
No ano de 1988, com a promulgação da Constituição, iniciou-se uma série de discussões
sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que acabou por ser sancionada
apenas em1996. A nova LDB (Lei no 9.394/96) inclui o ensino de arte como “componente
curricular obrigatório” nos diversos níveis da Educação Básica. Os atuais Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), elaborados após a aprovação da referida lei, deixam claro que
“Arte”37
passa a vigorar como “área de conhecimento” no currículo da escola brasileira, a ser
trabalhada por meio de quatro linguagens artísticas: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. O
documento trata de cada uma dessas modalidades separadamente, levando em conta suas
especificidades, e esclarece que as escolas podem agora optar por qual ou quais delas serão
trabalhadas com maior profundidade a cada ciclo. Trata-se, portanto, de significativo avanço com
relação à proposta de Educação Artística, que, como já colocado, tentava “integrar” as diferentes
linguagens em uma mesma aula. Com relação à carga horária destinada à área Arte, os PCN
também não estabelecem uma regra fixa, mas sugerem que haja, no mínimo, duas aulas semanais,
em sequência, de cada uma das modalidades artísticas que estiverem sendo trabalhadas no ano
em vigor.
Pupo (2007) explica que os PCN não apresentam receitas de “como agir”, mas sugerem,
de modo articulado, os princípios, objetivos e diretrizes que devem ser levados em conta na
aprendizagem das diferentes artes. Assim, sublinha a autora, cabe ao corpo docente de cada
escola – de preferência coletivamente – refletir sobre os vetores de trabalho apontados, de forma
a escolher e operacionalizar propostas concretas de intervenção.
Ao abordar especificamente o teatro, os PCN levam em conta sua origem em rituais de
diferentes culturas e tempos, e conceituam o jogo a partir das fases de evolução genética do ser
humano. Desse modo, conforme destaca Koudela ([200_?]), o jogo é compreendido, no
documento, como instrumento de aprendizagem, que promove o desenvolvimento da
criatividade, em direção à educação estética e à prática artística.
Vale destacar que a mencionada Proposta Triangular é incorporada pelo documento, que
ressalta, como eixos norteadores do processo de ensino e aprendizagem em Arte, a integração
entre o fazer artístico, a apreciação da obra de arte e sua contextualização histórica. É interessante
37 A grafia “Arte” aparece nos atuais Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) quando se trata
especificamente da área curricular; nos demais casos, é utilizada a grafia “arte”.
84
observar, no âmbito desta pesquisa, que para Koudela ([200_?]), a proposta de incorporação dos
três eixos norteadores “[...] vem promovendo o potencial do teatro como exercício de cidadania e
o crescimento da competência cultural dos alunos” (p. 2, grifo nosso). De modo análogo, Japiassu
destaca que a implementação do modelo triangular tem muito a contribuir para a formulação de
propostas pedagógicas com a arte teatral na contemporaneidade, especialmente quando se
concebe o ensino do teatro em uma perspectiva emancipadora.
Nesta análise das relações entre teatro e educação no cenário nacional, é importante
salientar que muitos autores brasileiros têm desenvolvido trabalhos de relevância no campo do
teatro-educação. Segundo Japiassu (2009), desde a entrada em vigor da Lei no 5.692/71, os
estudos acadêmicos na área vêm se avolumando e desenvolvendo. O autor destaca que a
produção acadêmica aborda, em especial, discussões sobre as abordagens “contextualista” e
“essencialista” do teatro na educação, tanto em contextos escolares quanto no âmbito da ação
cultural. São frequentes, no país, as pesquisas sobre práticas pedagógicas de caráter lúdico.
Destacam-se, nesse cenário, obras como as de Cabral (2006, 2010, 2012), Chacra (1991),
Desgranges (2003, 2011), Japiassu (1999, 2007, 2009), Koudela (1992, 1999), Pupo (1991,
1997), Reverbel (1989, 1997) e Vianna e Strazzacapa (2001).
No entanto, a despeito de todas essas contribuições no campo teórico e dos avanços na
legislação, o ensino do teatro – e das artes, como um todo – é, em geral, ainda pouco valorizado
nas escolas. Japiassu (2009) destaca que o ensino das artes continua sendo concebido por muitos
professores, funcionários de escolas, pais de alunos e até pelos próprios estudantes como
supérfluo, ligado a atividades de lazer e recreação, ou como um “luxo”, permitido somente a
estudantes de classes econômicas mais favorecidas. Como já mencionado na introdução desta
pesquisa, Pupo (2011) também critica a não valorização do teatro em ambientes escolares e
entende que tal lacuna precisa ser preenchida com urgência, especialmente quando se concebe a
escola como instituição fundamental ao desenvolvimento da sociedade democrática:
Apesar da publicação, nos anos 1990, de promissoras diretrizes oficiais
salientando a relevância das aprendizagens proporcionadas pela arte teatral, não se observa uma mobilização proporcional do sistema ou das instituições, à altura
da importância do tema (PUPO, 2011, p. 16).
85
Apesar desse cenário, Pupo (2011) chama a atenção para a existência de algumas
experiências positivas de ensino de teatro no contexto da Educação Básica, ainda que raras e em
geral inseridas em contextos extracurriculares. As linhas metodológicas adotadas para o trabalho
com teatro, nessas instituições onde a atividade é desenvolvida com seriedade e
comprometimento, são diversas, tal como atesta Japiassu (2009), que destaca pelo menos seis
delas, conforme exposto na seção anterior. Na prática, muitas vezes ocorre de um profissional
abarcar, em seu processo de trabalho, traços de diferentes abordagens pedagógicas, atividades
advindas de suas próprias experiências artísticas – visto que muitos professores de teatro são
também atores – e dinâmicas por ele mesmo criadas, no dia-a-dia de suas aulas. É o caso do
trabalho na instituição abordada nesta pesquisa, conforme será exposto nos capítulos seguintes.
2.3 Conclusões do capítulo
As relações entre teatro e educação são discutidas e exploradas desde a Antiguidade.
Neste capítulo, observamos como as diversas práticas pedagógicas e a diversidade de maneiras de
se pensar o teatro na educação foram influenciadas por diferentes contextos. Constatamos que a
despeito dos distintos objetivos pedagógicos valorizados em cada período, o teatro sempre foi
concebido como um aliado à educação.
Evidentemente, o que aqui apresentamos é apenas um recorte de um amplo e complexo
percurso histórico. Para uma compreensão mais abrangente do tema, recomendamos a leitura de
Berthold (2006), Courtney (1980) e Desgranges (2011). A primeira autora apresenta ao leitor um
vasto panorama a respeito da história do teatro no mundo, que auxilia no entendimento de como a
arte teatral se desenvolveu ao longo do tempo, em diferentes regiões do planeta; o segundo autor,
Courtney, explora as relações entre teatro e jogo, buscando suas raízes históricas, com base nos
principais pensadores que teceram considerações a respeito do tema; Desgranges, por sua vez,
analisa diferentes movimentos e práticas teatrais, em especial do século XX, chamando a atenção
para a dimensão educacional inerente a cada um deles, sobretudo no concerne à posição do
espectador.
86
É importante salientar que na atualidade, a despeito da existência de maneiras diversas de
se encarar o teatro na educação e da vasta gama de metodologias utilizadas em processos
educacionais com essa arte, muitos estudiosos convergem no sentido de frisar que o teatro, em
processos educacionais, pode e deve contribuir com o processo de emancipação dos sujeitos
(ideia já exposta no capítulo 1). Desgranges (2011) destaca, inclusive, que muitas das
metodologias teatrais desenvolvidas no decorrer do século XX, e atualmente utilizadas em âmbito
nacional, abordam o ensino de teatro a partir de uma perspectiva emancipadora.
Diante do exposto, não se concebe que se perpetue a desvalorização do teatro nas escolas
brasileiras, especialmente em um contexto em que tanto se debate a importância da reformulação
dos currículos nacionais, tendo em vista a formação dos indivíduos para a cidadania. A
valorização e o aprimoramento da prática teatral na Escola Básica demandam vontade política e
aprofundado debate, cuja dimensão não cabe no escopo desta pesquisa. Ainda assim, acreditamos
que o conhecimento da multiplicidade teórica e metodológica do teatro na educação pode auxiliar
na elaboração de políticas públicas adequadas ao sistema educacional brasileiro, e esperamos,
neste capítulo, ter partilhado nosso entendimento da arte teatral como amplo campo a ser
explorado com fins educacionais.
Compreendemos também, como já colocado na Introdução, que a exposição detalhada de
trabalhos com teatro realizados em instituições escolares onde essa arte é reconhecida e
valorizada pode servir de base à formulação de propostas educacionais adequadas a outras
escolas e adaptadas a outros contextos. Tendo isso em vista, damos início, no capítulo
subsequente, ao estudo das especificidades do trabalho teatral desenvolvido no Instituto
Educacional Imaculada, escola do Ensino Básico onde essa arte é oferecida a todos os estudantes,
a partir do quinto ano do Ensino Fundamental.
87
3 TEATRO E CIDADANIA NO IEI: HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS GERAIS
“As possibilidades de expressão e experimentação que o
teatro proporciona nos fazem enxergar a realidade com
um olhar renovado.”
Estudante do IEI (Programa de peça teatral, 2012)
A frase acima foi escrita por uma aluna de teatro do Instituto Educacional Imaculada (IEI)
para o programa de uma das peças teatrais montadas na instituição. Sobre o programa e o
espetáculo, falaremos mais adiante (capítulo 4, seção “Singularidades dos processos teatrais do
IEI – parte II”). Aqui, a afirmação se nos apresenta como estímulo e desafio para abrirmos este
capítulo, em que damos início à apresentação da escola em questão e do trabalho com teatro ali
desenvolvido. Estímulo porque, se voltarmos a uma das condições primordiais à emancipação,
exposta no capítulo 1 (“lançar diferentes olhares sobre a realidade e construir novas realidades”),
podemos entender que a dimensão emancipatória do teatro se traduz nas palavras da aluna.
Desafio, na medida em que da frase da estudante podemos extrair algumas perguntas
fundamentais, que guiarão nossa análise a partir deste capítulo: que teatro é esse? Quais são as
“possibilidades de expressão e experimentação” proporcionadas por ele? Como o processo se
instaura para que, ao final dele, a estudante enxergue a realidade com “olhar renovado”? O
mesmo acontece com outros alunos? Essa renovação do olhar está relacionada a uma visão crítica
e reflexiva acerca da realidade social? Como se instauram, no decorrer do processo, os valores de
participação, igualdade e liberdade? Em que medida esse processo se distingue de outros
processos, em instâncias diversas da vida social, e até mesmo de outros processos artísticos?
Poderíamos abarcar todos esses questionamentos na seguinte indagação: quais são as
singularidades dos processos teatrais – e em especial dos processos desenvolvidos na escola
88
estudada – que podem contribuir para o processo de emancipação dos sujeitos e,
consequentemente, para sua formação, como cidadãos?
Como já colocado, a busca de respostas a essas questões norteará nossa análise a partir
deste ponto da pesquisa. Neste capítulo, especificamente, apresentamos a escola selecionada para
estudo, bem como algumas características do trabalho com teatro ali desenvolvido. A exposição
está dividida em duas seções: na primeira, há a apresentação, em uma perspectiva histórica, da
instituição e das atividades artísticas por ela oferecidas, com destaque para o teatro, objeto de
estudo desta pesquisa. A segunda seção do capítulo enfoca a situação atual do trabalho com teatro
na referida escola, levantando aspectos relativos ao oferecimento e organização das atividades,
bem como ao espaço onde são realizadas as aulas e apresentações. Nessa exposição de
características do trabalho com teatro, são destacados aspectos que aproximam a atividade dos
valores cidadãos abarcados pela pesquisa.
Ao final do capítulo, apresentamos uma seção especial, intitulada “Singularidades dos
processos teatrais do IEI – parte I”, em que são narradas algumas situações vivenciadas durante
as aulas e apresentações de teatro na escola em foco, que se ligam à formação da cidadania.
Nessa última seção, a narrativa é realizada na primeira pessoa do singular, tendo em vista que se
trata da exposição de situações bastante específicas vivenciadas pela pesquisadora (professora).
No restante do capítulo, como o foco da descrição são a escola e o trabalho com teatro ali
desenvolvido, optou-se por não se utilizar a primeira pessoa. Ainda assim, cumpre lembrar que
sempre que o texto se referir à “professora”, trata-se da própria pesquisadora.
Diante do exposto, pode-se dizer que este é um capítulo em que se convida o leitor a
transitar por lugares. Há, em uma primeira instância, o “lugar escola”: instituição católica, que
aos poucos foi abrindo espaço a alunos desejosos de se expressarem por meio do teatro e que hoje
oferece, apoia e incentiva a atividade nos diversos níveis da Educação Básica. Há também o
“lugar memória” da própria pesquisadora, a qual, no olhar lançado ao objeto de estudo, revisita
diferentes tempos – inclusive aqueles em que, ainda jovem estudante de Ensino Médio, fez parte
dos primórdios do trabalho que hoje desenvolve na instituição. E há, evidentemente, o “lugar
teatro”, aqui entendido sob duas vertentes: o lugar que o teatro, como atividade, foi conquistando,
ao longo do tempo, na escola; e o lugar físico, o auditório, ambiente onde se realizam as aulas e
89
os ensaios – ou, nas palavras de outra estudante, no mesmo programa de peça teatral mencionado
na abertura deste capítulo, “lugar onde se dividem encenações e duplicam-se alegrias”.
3.1 A escola e as artes: breve histórico
A escola de Ensino Básico selecionada para o estudo aqui apresentado – o Instituto
Educacional Imaculada – é uma instituição da rede particular de ensino, localizada na cidade de
Campinas (SP). O colégio, de orientação confessional católica, pertence à Congregação das
Filhas de Jesus38
, fundada no século XIX, na Espanha, por Santa Cândida Maria de Jesus39
.
No ano de 1947, religiosas da Congregação chegaram a Campinas e, em 1948,
inauguraram na cidade o Lar Universitário Marial (pensionato para estudantes universitárias),
localizado à Avenida Barão de Itapura, número 1735. Em 19 de maio de 1952, no mesmo
endereço, fundaram oficialmente a instituição pesquisada, então sob o nome de Externato
Imaculada40
.
38 Filhas de Jesus: Congregação religiosa de origem espanhola, fundada em 1871, com o intuito de se dedicar à
educação cristã de crianças e adolescentes. Atualmente, está presente em 17 países: Argentina, Bangladesh,
Bolívia, Brasil, Colômbia, Cuba, China, Espanha, Filipinas, Itália, Japão, Moçambique, República Dominicana,
Tailândia, Taiwan, Uruguai e Venezuela. O Brasil foi o primeiro país estrangeiro a receber as Filhas de Jesus, fato
ocorrido no ano de 1911. Há hoje, no país, cinco escolas pertencentes à Congregação, localizadas nas cidades de Mogi Mirim (SP), Bragança Paulista (SP), Campinas (SP), Leopoldina (MG) e Belo Horizonte (MG). Há, também,
três obras sociais destinadas ao ensino e à assistência social, situadas nas cidades de Belo Horizonte (MG), Montes
Claros (MG) e Rio de Janeiro (RJ). Além das escolas e obras sociais, as religiosas que vivem no Brasil atuam em
comunidades inseridas em meios populares, nos estados de Minas Gerais, Bahia, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. 39 Cândida Maria de Jesus: Religiosa, de nome de batismo Joana Josefa Cipritia y Barriola. Nasceu em família
humilde, a 31 de maio de 1845, na cidade de Andoain, Espanha. Fundou, a 08 de dezembro de 1871, na cidade de
Salamanca, a Congregação das Filhas de Jesus, tendo como propósito combater a exclusão de pessoas de classes
menos favorecidas do acesso à educação. No ano de 1911, enviou ao Brasil as primeiras Filhas de Jesus, dando
início à meta de ver a Congregação estendida a várias partes do mundo. Faleceu a 09 de agosto de 1912, em
Salamanca. Em 12 de maio de 1996, foi declarada Beata pelo então Papa João Paulo II. Em 17 de outubro de 2010,
foi declarada santa pelo Papa Bento XVI. 40 As denominações da instituição, desde sua fundação, foram as seguintes: Externato Imaculada, Ginásio Imaculada,
Colégio Imaculada Conceição, Escola Normal Particular Imaculada e Instituto Educacional Imaculada. Esta última
denominação (atual) foi adotada a partir do ano 1978.
90
Figura 1 – Fachada da escola em diferentes épocas (1948 e 2013)
À época da fundação, um pequeno grupo de religiosas cuidava de todo o trabalho da
escola, assumindo tanto funções docentes quanto administrativas. Com o passar dos anos, a
instituição passou a ter nessas funções pessoas que não pertenciam à ordem religiosa41
, contando,
no ano de 2013, com 288 funcionários42
.
Em 1952, a escola oferecia cursos de pré-escola, primeira e segunda séries do antigo
primário (atual Ensino Fundamental), e tinha um total de 125 estudantes, todas do sexo feminino.
Hoje, conta com cursos de Educação Infantil, Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e
Ensino Médio, e tem 2355 alunos matriculados, de ambos os sexos43
. A maior parte do corpo
discente é formada por crianças e adolescentes oriundos da classe média, filhos de profissionais
liberais, funcionários públicos, comerciantes, empresários e profissionais autônomos. Também
constam, nesse quadro, filhos de funcionários da escola, além de estudantes que possuem
gratuidades institucionais.
41 Houve participação de religiosas no corpo docente da instituição até 2005, na administração da disciplina
Educação Religiosa. Os cargos de direção e representação legal da instituição passaram a ser assumidos por leigos
(não pertencentes a ordem religiosa) nos anos de 1999 e 2009, respectivamente. Atualmente, as freiras, apesar de
não lecionarem e não atuarem nos cargos administrativos, são presença constante na escola, colaborando com uma
série de funções, tais como o contato com alunos e famílias e os trabalhos da equipe evangelizadora. Há,
atualmente, cinco religiosas da Congregação Filhas de Jesus atuando na escola pesquisada. 42 Do total de 288 funcionários, são 140 professores, 34 auxiliares de classe, 62 no setor administrativo, 23 em
serviços gerais, 12 seguranças, 8 no setor de manutenção, 4 técnicos de informática, 2 assistentes sociais, 1
motorista, 1 técnico de enfermagem e 1 auxiliar de enfermagem. 43 A abertura para estudantes do sexo masculino se deu em 1975. Naquele ano, havia 38 meninos matriculados e 900
meninas. Hoje, a escola conta com 1354 estudantes do sexo feminino e 1001 do sexo masculino.
91
Figura 2 – Sala de aula (1964) Figura 3 – Sala de aula (2012)
Alunos de teatro convidando os colegas para assistir à sua apresentação
Atualmente, na instituição pesquisada, as linguagens artísticas são trabalhadas desde a
Educação Infantil até o Ensino Médio, sendo oferecidas tanto na grade curricular quanto
extracurricularmente. Em pesquisa realizada aos arquivos da escola, foi possível constatar que as
atividades artísticas, em especial ligadas à Música e às Artes Visuais, já fazem parte do quadro
curricular há algumas décadas.
Vale destacar que existem documentos da instituição registrando o oferecimento de
disciplina denominada “Arte Dramática” datados de meados de 1970, conforme será colocado
mais adiante. No entanto, a estruturação da disciplina “Teatro”, tal como é hoje, tem suas raízes
nas atividades lideradas pela pesquisadora, no final da década de 1990, como aluna da instituição.
A seguir, explicitaremos como se estrutura o atual oferecimento de atividades ligadas à
área das artes e apresentaremos um breve histórico da trajetória de cada uma das linguagens
artísticas – Artes Visuais, Música, Dança e Teatro – dentro da escola, com destaque para o
Teatro, objeto de estudo desta pesquisa.
92
3.1.1 Atividades artísticas
Figura 4 – Aluna da instituição apresentando-se perante plateia (década de 1950)
O quadro a seguir apresenta o oferecimento de atividades artísticas no ano de 2013. Pode-
se observar em que momento da vida escolar cada linguagem é trabalhada, quais disciplinas
fazem parte da grade curricular, apresentando caráter obrigatório, e quais são oferecidas
extracurricularmente, sendo, portanto, de adesão opcional. É necessário esclarecer que a
disciplina nomeada “Arte”, na instituição, corresponde às atividades ligadas às Artes Visuais, e
não à área Arte, tal como entendida nos atuais Parâmetros Curriculares Nacionais (vide capítulo
2, seção 2.2). Vale ainda destacar que a atividade denominada Ginástica Geral foi incluída no
quadro por se tratar de atividade não competitiva, que trabalha com apresentações de caráter
artístico.
93
Quadro 1 – Oferecimento de atividades artísticas / ano 2013
NÍVEL DE
ENSINO
GRADE CURRICULAR
(caráter obrigatório)
ATIVIDADES
EXTRACURRICULARES
(adesão opcional)
ED
UC
AÇ
ÃO
IN
FA
NT
IL SÉRIE
/ANO44
Educação
Musical
Arte Expressão
Corporal
Teatro Ballet Coral Ginástica
Geral
Teatro
Mini-Maternal X
Maternal I X X
Maternal II X X
Pré I X X
Pré II X X
EN
SIN
O F
UN
DA
ME
NT
AL
1º ano X X X
2º ano X X X X
3º ano X X X X
4º ano X X X X
5º ano X X X X X
6º ano X X X
7º ano X X
8º ano X
8ª série X
E.M
ÉD
IO 1º ano X
2º ano X
3º ano X
44 Coexistem, nesta dissertação, as nomenclaturas “série” e “ano” nas referências às diferentes etapas do Ensino
Fundamental. A utilização das diferentes nomenclaturas tem relação com a Lei nº 11.274/06 (BRASIL, 2006), que
ampliou o Ensino Fundamental para nove anos de duração. Com a mudança, a nomenclatura “série” foi alterada para
“ano”, sendo que os estudantes que ingressam no “primeiro ano” do Ensino Fundamental têm seis anos de idade. Na
instituição pesquisada, os alunos matriculados com seis anos a partir do ano de 2006 já se inserem no sistema de
“anos”. Portanto, quando nos referimos, neste trabalho, a turmas que ingressaram no Ensino Fundamental a partir de
2006, utilizamos a nomenclatura vigente; para os demais, utilizamos a nomenclatura “série”.
94
Como se pode notar, até o sétimo ano do Ensino Fundamental as atividades artísticas
fazem parte da grade curricular obrigatória. A partir do oitavo ano, esse trabalho é desenvolvido
apenas extracurricularmente, por meio das aulas de teatro.
As atividades ligadas às Artes Visuais e à Música, que, como se observa, são trabalhadas
durante a Educação Infantil e boa parte do Ensino Fundamental, são as que existem há mais
tempo na escola. Os documentos mais antigos mantidos na instituição em que consta o
oferecimento de disciplinas são livros-ata de Formação de Magistério dos anos de 1962 a 1970.
Nesses documentos, entre 1962 e 1964, aparece o registro das disciplinas Música e Canto
Orfeônico; entre 1965 e 1966, aparece apenas Canto Orfeônico; e entre 1967 e 1970, Canto
Orfeônico e Artes Aplicadas. Apesar de não haver registros escritos sobre as atividades
curriculares da década de 1950, é possível afirmar que desde essa época, já havia atividades
ligadas à música na escola, como atestam fotos encontradas no acervo da instituição.
Figura 5 – Apresentação de coral (década de 1950)
Referentes ao ano de 1971, foram encontrados quadros curriculares correspondentes ao
Ciclo Colegial Secundário e Normal. Nesses documentos, Educação Musical e Artes Plásticas
constam como disciplinas optativas. Dos anos de 1972 e 1973, os documentos mantidos na
95
instituição em que se podem encontrar as disciplinas oferecidas são livros-ata com lançamento de
notas em exames finais. Nesses documentos, Educação Musical e Artes Plásticas continuam
constando como disciplinas optativas para Ciclo Colegial Secundário e Normal, e aparece o
primeiro registro de Educação Artística, para alunos do primeiro grau. Cabe lembrar que, como
visto no capítulo 2 (seção 2.2), a LDB de 1971 instituiu essa atividade como obrigatória nos
quadros curriculares nacionais.
A documentação encontrada no acervo da escola fica mais completa a partir do ano de
1974, contando com todos os planos de trabalho de primeiro e segundo graus. Em todos os
documentos referentes ao período de 1974 a 1998, existe o registro de Educação Artística como
parte da grade curricular do primeiro grau. Apesar de a referida LDB de 1971, conforme já
explicado, ter criado o título “Educação Artística” para nomear a atividade que visava abordar, de
forma integrada, teatro, música, dança e artes plásticas, sabemos que na escola pesquisada, assim
como em outras instituições de ensino, o trabalho desenvolvido não englobava todas as
linguagens artísticas. Poucos documentos mantidos no colégio em questão registram o conteúdo
desenvolvido em Educação Artística, mas com base na própria experiência da pesquisadora como
ex-aluna da escola – de 1984 a 1998 – e em relatos de professores e outros ex-alunos da
instituição, pode-se afirmar que as atividades desenvolvidas sob o título de Educação Artística
entre os anos de 1971 e 1997 ligavam-se exclusivamente à Música e às Artes Visuais (em 1998,
tiveram início as atividades de Expressão Corporal e Teatro, como veremos a seguir). Dentre os
poucos documentos em que se pode observar o registro dos conteúdos desenvolvidos na
disciplina Educação Artística, destaca-se o plano de trabalho de 1981, em que constam “Música”
e “Trabalhos Manuais”.
Sabemos que na instituição pesquisada, as atividades de Expressão Corporal – ligadas à
Dança – tiveram início no ano de 1998, apesar de no quadro curricular da escola referente a esse
ano haver apenas o registro de Educação Artística, sem especificação do conteúdo desenvolvido
nessas aulas. Essa constatação foi possível por meio de relatos de professores da área de
Educação Física – responsáveis, desde aquela época até a presente data, pelas aulas de Expressão
Corporal – e de pesquisa ao quadro de contratação de professores daquele ano letivo. As
atividades extracurriculares de Ginástica Geral e Ballet – também relacionadas à Dança – tiveram
início nos anos de 2000 e 2001, respectivamente.
96
No que concerne ao teatro, encontramos, em pesquisa aos acervos da instituição, o
registro de “Arte Dramática” como disciplina da grade curricular do ano de 1974 (vide ANEXO
A – Grade curricular de 1974). A disciplina estava enquadrada no campo relativo à Formação
Especial, Parte Diversificada, em que constavam também as disciplinas Arte Musical,
Administração Doméstica e Alimentação e Decoração, Vestuário e Habitação. A disciplina Arte
Dramática era oferecida uma vez por semana, para alunas da quinta série do então primeiro grau.
Figura 6 – Alunas em possível encenação teatral (sem data)
Nos anos seguintes, o registro de Arte Dramática não aparece novamente. Até 1996, as
atividades ligadas ao teatro, na instituição pesquisada, restringiam-se a trabalhos pontuais
propostos por professores de disciplinas diversas, tais como Inglês e História. Esses trabalhos, de
modo geral, englobavam encenações criadas pelos alunos e apresentadas em sala de aula, visando
97
à melhor assimilação de conteúdos específicos dessas disciplinas. Esse tipo de trabalho
assemelha-se à proposta de Caldwell Cook, apresentada no capítulo 2, e pode ser considerado
como “instrumental”, uma vez que utiliza o teatro como ferramenta para o aprendizado de
conteúdos extrateatrais.
3.1.2 Atividades teatrais: da criação coletiva aos processos colaborativos
Conforme exposto na Introdução, no ano de 1996, surgiu, por iniciativa de alguns alunos,
o primeiro grupo de teatro do IEI. Esses estudantes haviam sido reunidos – por intermédio de
professoras de Língua Portuguesa e Literatura – para criar uma apresentação de poemas destinada
à Feira Cultural daquele ano, e, após o evento, decidiram dedicar-se à criação de peças teatrais. A
equipe era formada por alunos de sétima e oitava séries do Ensino Fundamental, e liderado pela
pesquisadora da presente dissertação, então aluna do primeiro ano do Ensino Médio.
Em 1996, além da já mencionada apresentação de poemas, o grupo apresentou cenas
baseadas em crônicas de Luís Fernando Veríssimo; em 1997, montou a peça teatral Geração
Trianon, de Ana Maria Nunes; em 1998, realizou uma nova montagem inspirada em crônicas de
Luís Fernando Veríssimo; em 1999, dedicou-se à montagem de Morte e Vida Severina, de João
Cabral de Melo Neto45
; e em 2000 (ano em que a maior parte dos integrantes originais do grupo
estava no terceiro ano do Ensino Médio), montou o espetáculo infantil Plunct Plact Zumm, de
Hélcio Henrique Longo. Ao longo desses anos, estudantes mais jovens foram se integrando ao
grupo, de modo que o trabalho teve continuidade mesmo após o término da vida escolar de todos
os integrantes originais.
45 Morte e Vida Severina foi apresentada durante os anos de 1999, 2000 e 2001. Nesse último ano, todos os
integrantes originais do grupo de teatro já não eram mais alunos da instituição, porém a maior parte deles
continuou a participar das apresentações da peça. Além desses ex-alunos, faziam também parte do elenco estudantes mais jovens, que foram se agregando à equipe entre os anos de 1997 e 2001.
98
Figura 7 – Apresentação do espetáculo Geração Trianon (1997)
Figura 8 – Apresentação do espetáculo Morte e Vida Severina (1999)
Esse trabalho com teatro, originado por iniciativa dos próprios estudantes, foi
gradativamente conquistando o reconhecimento da escola. A princípio, os ensaios tinham de ser
realizados nas casas dos integrantes do grupo de teatro ou no pátio da escola, porque só era
permitida a utilização do auditório da instituição na véspera das apresentações. Com o tempo, o
99
colégio foi liberando o uso desse espaço, além de reservar uma sala de aula para a realização de
encontros da equipe.
Com relação à verba para as produções, nos primeiros anos de trabalho, os estudantes
contribuíam com uma pequena quantia semanal para a chamada “caixinha do grupo” e utilizavam
o dinheiro arrecadado para o pagamento de figurinos e cenários. A partir de 1999, a equipe
passou a contar com a contribuição financeira da Associação de Pais e Mestres da escola.
No decorrer do percurso descrito, as atividades teatrais passaram a ser oficialmente
oferecidas pela escola e a pesquisadora passou de aluna do colégio a professora de teatro da
instituição, em um processo já exposto na Introdução.
Analisando o histórico aqui apresentado à luz dos conteúdos desenvolvidos no capítulo 1,
pode-se entender que as atividades teatrais, na instituição mencionada, iniciaram-se apresentando
características análogas aos dos processos de “criação coletiva” (que marcaram a produção teatral
na década de 1970) e foram, ao longo dos anos, aproximando-se dos “processos colaborativos”
(comuns a grupos de teatro contemporâneos). Nos processos de criação coletiva, como visto,
existe um acúmulo de funções no ato criativo: todos os membros do grupo são responsáveis por
todos os elementos da cena (dramaturgia, direção, atuação, cenografia etc.). No trabalho teatral
desenvolvido durante os primeiros anos na instituição pesquisada, há elementos comuns aos
processos de criação coletiva porque muitos dos aspectos relativos às criações e à organização do
grupo eram de responsabilidade de todos os membros da equipe. Os ensaios, por exemplo, como
já mencionado, muitas vezes eram realizados nas casas dos integrantes; o cenário era criado,
confeccionado e montado por todos, com verba arrecadada via contribuição coletiva; todos se
empenhavam na divulgação das peças, na criação de programas e cartazes, na confecção de
camisetas do grupo, entre outras tarefas. Paradoxalmente, no concerne à direção das cenas, o
trabalho não era coletivo. A pesquisadora, à época, por ser a única no grupo com experiência em
teatro fora da escola, assumia sempre a direção das cenas. A princípio, essa direção era feita no
sentido de reproduzir estratégias de terceiros – por vezes, com seleção de textos que já havia
encenado nos cursos de teatro que frequentava e montagem de cenas de modo a torná-las
semelhantes às de seus então professores de teatro. No que tange à criação das cenas, portanto, o
trabalho assemelhava-se mais às práticas teatrais comuns na década de 1980, em que
100
predominava o chamado “teatro de diretor”, do que aos processos coletivos dos anos 1970 ou às
práticas contemporâneas que se enveredam por caminhos do trabalho colaborativo.
Com o tempo, o trabalho foi se aproximando das práticas colaborativas, tanto no que
concerne à produção e organização dos processos quanto no tocante à direção das cenas. O fato
de a atividade ter se tornado oficialmente oferecida pela escola contribuiu para o processo. Com o
passar dos anos, funções como as de cenógrafo e figurinista, por exemplo, acabaram sendo
assumidas por profissionais específicos, mas, assim como nos processos colaborativos de grupos
profissionais, os “atores” participam de cada uma das fases de produção. No que diz respeito à
direção de cenas, ela é hoje bastante aberta à criação dos estudantes, conforme será explicitado no
capítulo seguinte.
Vale mencionar que a pesquisadora não foi a única professora de teatro da instituição
pesquisada. No ano de 1998, enquanto o grupo de teatro formado por alunos de Ensino Médio
dava continuidade ao trabalho iniciado no ano anterior, a escola passou a oferecer aulas de teatro
a alunos da então terceira série do Ensino Fundamental, em caráter extracurricular. As aulas,
àquela época, eram ministradas pela professora Ana Maria Meyer46
, que permaneceu como
professora de teatro da escola até o ano de 2003.
A análise dos quadros curriculares da instituição pesquisada aponta para um dado curioso:
no ano de 1999, começa a aparecer o registro da disciplina Teatro na “Parte Diversificada” dos
Currículos de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Como se pode observar no ANEXO B
(Quadro curricular de 1999), os documentos apresentam a seguinte observação: “Teatro como
suporte técnico para todas as disciplinas”. Essa mesma descrição aparece nos quadros
curriculares dos oito anos subsequentes. Cabe aqui esclarecer que, quando as atividades teatrais
se tornaram oficialmente oferecidas pela instituição, houve um acordo entre a direção da escola e
a professora responsável, na época, pelas atividades (pesquisadora) no sentido de que os alunos
de teatro ficariam “à disposição” dos demais setores do colégio, para montar eventuais peças
teatrais ou cenas destinadas a eventos escolares. De fato, foi o que ocorreu e, em menor escala,
46 Ana Maria Meyer é psicanalista e mestra em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Sua dissertação,
intitulada O teatro como recurso psicopedagógico alternativo para a criança na escola (2002), registra o trabalho
de teatro por ela realizado junto a alunos de terceira série do Ensino Fundamental, e enfoca a utilização
psicopedagógica do teatro e seus efeitos no processo educacional. No IEI, há poucos registros de seu trabalho com teatro, desenvolvido na época mencionada.
101
continua a acontecer: os grupos de teatro realizaram – e ainda hoje realizam – encenações a
pedido de professores de disciplinas diversas, de membros da equipe responsável pelo setor de
Pastoral, e da própria equipe diretiva da escola. No entanto, tais trabalhos nunca foram a única
atividade dos grupos teatrais, nem mesmo sua atividade central. A maior parte dessas encenações
costuma ser desenvolvida fora do horário normal de aulas de teatro. De modo que a descrição
“suporte técnico para todas as disciplinas”, de certa forma, reduzia o trabalho teatral
desenvolvido na instituição a apenas uma das atividades realizadas pelos grupos de teatro da
escola.
A partir de 2008, essa observação deixa de aparecer e Teatro passa a constar nos quadros
curriculares como “disciplina optativa”, conforme se observa no ANEXO C (Quadro curricular
de 2008). A mudança da descrição “suporte técnico para todas as disciplinas” para “disciplina
optativa” não se relaciona a modificações nos conteúdos ou metodologia das atividades teatrais,
que, de maneira geral, sempre seguiram a mesma linha (descrita no capítulo 4). Assim, se
analisada superficialmente, a mencionada mudança pode ser entendida como uma simples
alteração de um registro formal, visando a um melhor ajustamento entre a atividade de fato
realizada e sua descrição no documento oficial. Por outro lado, se levarmos em conta o histórico
das atividades teatrais no colégio, podemos entender que a referida modificação constitui uma
evolução na maneira de se encarar o teatro na escola, e que essa evolução, em última análise,
representa a passagem da visão “contextualista” ou “instrumentalista” do ensino de arte para a
“essencialista” (visões já mencionadas no capítulo 2). Afinal, ao colocar o teatro como
“disciplina” em seus quadros curriculares, a escola reconhece seu valor pedagógico próprio,
descartando o valor instrumental de auxiliar outras disciplinas como justificativa para sua
inserção na grade curricular.
O reconhecimento do valor pedagógico da atividade teatral na instituição pesquisada pode
ser também compreendido quando se leva em conta a ampliação do oferecimento da atividade a
diferentes séries/anos escolares desde sua implementação até os dias atuais: no ano de 2005, por
exemplo, Teatro passou a fazer parte da grade curricular da então sexta série (atual sétimo ano)
do Ensino Fundamental, adquirindo, portanto, caráter obrigatório para os alunos dessa faixa
etária; em 2007, começou a ser oferecido extracurricularmente a alunos de quarta série (atual
quinto ano) do Ensino Fundamental e, em 2008, para estudantes da quinta série (atual sexto ano)
102
do Ensino Fundamental. Na atualidade, existem, na instituição abordada, aulas de teatro para
alunos desde o quinto ano do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio, conforme
já demonstrado no Quadro1 (Oferecimento de atividades artísticas – ano 2013). A organização
desse oferecimento, no que diz respeito ao número de turmas, quantidade de alunos, duração das
aulas, caráter das atividades, bem como a infraestrutura disponível para a realização das
atividades teatrais são assuntos da próxima seção.
Antes de iniciá-la, cabe ainda uma observação acerca do reconhecimento da importância
da atividade teatral na escola estudada. Como visto anteriormente, a LDB de 1996 e os atuais
PCN representaram um avanço na compreensão a respeito da relevância das artes na formação do
aluno como cidadão. Entretanto, em muitas instituições de ensino brasileiras, passadas quase duas
décadas da mudança na legislação, o teatro permanece pouco valorizado (quando não ignorado).
Na instituição pesquisada, a valorização do teatro não ocorreu de imediato. Contudo, a
experiência acumulada no decorrer do percurso histórico descrito nesta seção permitiu que a
instituição pesquisada, aos poucos, adentrasse nessa frente de valorização das artes,
acompanhando a mudanças estabelecidas pela lei e valorizando o teatro como atividade
educacional relevante à formação dos estudantes.
3.2 Teatro hoje: espaço de convivência democrática
Ao longo dos 17 anos de desenvolvimento das atividades teatrais na instituição abordada,
e com base nas experiências que foram sendo vivenciadas durante esse tempo, foi sendo
estruturado o oferecimento das atividades com relação à faixa etária dos estudantes, número de
turmas e duração das aulas. No decorrer desse tempo, foi também sendo aperfeiçoada a
organização do trabalho, no que diz respeito à participação dos estudantes, exigência de
dedicação e montagem de peças teatrais. Além disso, ao longo dos anos, foi sendo aprimorada a
infraestrutura disponível para a realização das atividades. Nesta seção, mostraremos a situação
atual do teatro na escola em questão, abordando aspectos relativos ao oferecimento e organização
das atividades, bem como ao espaço onde são realizadas as aulas e apresentações, chamando a
atenção para características que aproximam a atividade teatral dos valores cidadãos.
103
3.2.1 Participação: um direito de todos
O quadro a seguir mostra como são oferecidas, na atualidade, as aulas de teatro aos alunos
da instituição pesquisada. São explicitados: o caráter das atividades (curricular ou
extracurricular), a frequência e a duração das aulas, o número de turmas por série e a quantidade
de alunos por turma. Os dados correspondem ao ano de 2013. Todas as turmas de teatro do IEI
estão sob a responsabilidade da pesquisadora:
Quadro 2 – Oferecimento das atividades de teatro / ano 2013
Ano / Série Caráter da
atividade
Encontros
semanais
Duração de cada
encontro*
No de turmas N
o total
de alunos
5º ano / Ensino
Fundamental
Extracurricular 1 2 horas/aula 2 57
6º ano / Ensino
Fundamental
Extracurricular 1 2,5 horas/aula 2 44
7º ano/ Ensino
Fundamental
Curricular 1 1 hora/aula 5 (todas as
classes do 7º
ano)
172
8º ano/ Ensino
Fundamental
Extracurricular 1 4 horas/aula 1 21
8a série /
Ensino
Fundamental
Extracurricular 1 4 horas/aula 1 15
Ensino Médio
(1os, 2os e 3os
anos)
Extracurricular 1 4 horas/aula 1 (turma
multisseriada)
30
* Cada hora/aula corresponde a 50 minutos
Como se pode observar, no sétimo ano do Ensino Fundamental, as atividades fazem parte
da grade curricular oficial, apresentando, portanto, caráter obrigatório. As aulas de teatro, para
esses alunos, estão inseridas na grade curricular oficial, ocorrendo no mesmo período que as
aulas das demais disciplinas. Para as outras turmas de teatro, a adesão é opcional, e os encontros
ocorrem em período diferente das aulas curriculares. Assim, se os alunos normalmente vão à
escola pela manhã, fazem teatro extracurricular no período vespertino.
104
As turmas de teatro de adesão opcional – foco desta pesquisa – são formadas no início de
cada ano letivo. No mês de fevereiro, todos os alunos das séries/anos em que há o oferecimento
de teatro são convidados a participar das atividades. Em todos os grupos, são aceitos tanto os
estudantes que já faziam parte de turmas de teatro em anos anteriores quanto aqueles sem
qualquer experiência.
É interessante destacar que nem sempre o processo de adesão às aulas de teatro ocorreu
desse modo. Nos primeiros anos da atividade na instituição, quando se formava uma nova turma
de teatro e a demanda dos alunos era alta, a escola realizava um sorteio entre os interessados para
escolher quais deles poderiam fazer parte do grupo. Neste ponto, vale mencionar que uma das ex-
alunas entrevistadas para esta pesquisa, ao ser questionada sobre as memórias mais significativas
que guardava da época de teatro, lembrou-se, ao invés do que lhe havia sido perguntado, dos
tempos em que ainda não fazia teatro: mencionou o fato de não ter sido sorteada para participar
das atividades, quando cursava a sétima série do Ensino Fundamental, como fato que a marcara
profundamente. Esse tipo de situação não era considerado pela professora (pesquisadora) como
ideal, por não ser aberto à participação de todos. Em comum acordo com a escola, passou-se, a
partir de 2006, a não realizar mais sorteios, permitindo que todos os interessados, inscritos no
início do ano, pudessem participar dos grupos de teatro da instituição. A decisão, evidentemente,
acarretou certo desafio à realização das aulas e montagens de peças, que, desde então, precisam
ser desenvolvidas visando à participação, muitas vezes, de um número bastante alto de alunos,
como se pode observar no Quadro 2. Contudo, ao acolher todos os interessados em se expressar
por meio dessa arte, o teatro representa, na escola, um espaço muito mais aberto, democrático e
propenso ao exercício da cidadania.
Vale ressaltar que nos grupos de teatro de Ensino Médio, frequentemente, há a
participação de ex-alunos da instituição, que integravam turmas de teatro, quando alunos.
Eventualmente, também fazem parte das atividades teatrais professores de outras disciplinas e
funcionários da escola. Alguns desses profissionais realizam ensaios em horários especiais,
agendados de acordo com suas disponibilidades, mas há também aqueles que, com os alunos,
participam de todo o processo, tanto de aulas quanto de ensaios.
105
Figura 9 – O Homem do Princípio ao Fim (2011)
Em cena, alunos, ex-alunos e funcionário da escola
Figura 10 – Sonho de uma Noite de Verão (2010)
Em cena, aluno, ex-aluna e professores da escola
106
É interessante também destacar que a instituição em questão, como mencionado na seção
3.1, é um estabelecimento particular de ensino, no qual alguns estudantes – dentre os quais, filhos
de funcionários da escola – possuem gratuidades institucionais. Convivem, portanto, algumas
vezes, no teatro, estudantes de diferentes camadas sociais. Todavia, não existe – nem no teatro,
nem na escola como um todo – qualquer diferenciação entre os estudantes. A igualdade de
oportunidades – requisito básico da cidadania – é premissa para a realização de todas as
atividades do IEI, e no teatro não é diferente: na realização das aulas e apresentações de
espetáculos, todos participam de forma igualitária.
3.2.2 Comprometimento: um exercício de cidadania
Existe, no trabalho de teatro desenvolvido na instituição, exigência de dedicação por parte
dos alunos, no sentido de não faltarem aos encontros, respeitarem os horários de início e término
das aulas, e participarem de eventuais ensaios extras, que costumam ocorrer em datas próximas
às apresentações de final de ano. Desde a primeira aula do ano, em todas as turmas de teatro, a
necessidade desse comprometimento é ressaltada pela professora. Frequentemente, ocorre
também de os próprios estudantes – aqueles com maior experiência em teatro – reiterarem, junto
aos colegas, o compromisso que deve ser assumido por aqueles que participam da atividade.
Com vistas a reforçar o engajamento ativo nas atividades, após um período de adaptação,
que em geral dura de duas a quatro aulas, é entregue aos estudantes interessados em permanecer
no curso um termo de compromisso, que explicita o comprometimento que se espera dos alunos,
e solicita a anuência dos respectivos responsáveis. Esse procedimento é realizado também para
que os pais dos estudantes compreendam a seriedade do envolvimento de seus filhos com a
atividade. O compromisso, portanto, é assumido não apenas pelos estudantes, mas também pelas
famílias, que planejam suas agendas em acordo com a programação de ensaios e apresentações.
Mesmo assim, vez por outra, a compreensão dos pais se apresenta como desafio. Há casos em
que os responsáveis pelos alunos os impedem de comparecer a encontros do teatro como
represália por terem obtido notas abaixo da média em alguma disciplina ou mesmo por “mal
comportamento” apresentado em situações que, às vezes, sequer estão relacionadas à vida
107
escolar. Nos casos extremos, felizmente mais raros, há familiares que chegam a solicitar que seus
filhos abandonem as atividades do teatro. Quando temos de enfrentar situações desse tipo,
contamos com o apoio da equipe diretiva e coordenação pedagógica, que, se preciso, intervêm no
sentido de conversar com as famílias, em nome da escola, enfatizando a importância da
permanência nas atividades tanto para o aluno – que, em geral, não gostaria de abandoná-las –
quanto para o grupo envolvido no processo de trabalho.
Nos grupos de Ensino Médio, além dos procedimentos descritos, o comprometimento
com a atividade é reforçado pela “cerimônia de iniciação”. Trata-se de uma espécie de ritual em
que os estudantes “veteranos” no teatro dão as boas vindas oficiais e colocam os “novatos” a par
de tudo aquilo que consideram importante sobre a participação nas atividades teatrais. A
cerimônia, vale enfatizar, foi criada pelos próprios alunos, com três intuitos fundamentais:
acolher os alunos iniciantes, de forma a fazê-los se sentir parte importante do grupo, colocá-los a
par do compromisso que assumem ao integrar a equipe e selar o comprometimento de todos com
o trabalho que será desenvolvido ao longo do ano. Em determinado momento do ritual, são
apresentados os “mandamentos do teatro” – um compêndio de regras escritas por alunos e ex-
alunos quando da primeira vez em que foi realizada uma cerimônia de iniciação. Cada regra
expõe um dever que os estudantes consideram muito importante de ser cumprido quando se adere
às atividades teatrais, como, por exemplo, “não faltar” e “respeitar a todos”. A cerimônia de
iniciação é, portanto, um rito em que há uma tomada de consciência (e retomada também, por
parte daqueles que já fazem parte do grupo) sobre a importância do engajamento ativo na
atividade e a assunção, por todos, de responsabilidades e deveres. Os valores de participação,
igualdade e liberdade permeiam todo o procedimento, que se configura como um exercício de
cidadania e uma celebração do teatro como fazer coletivo. (Ao final deste capítulo, em
“Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte I”, a cerimônia de iniciação realizada no ano
de 2013 é descrita em detalhes, e são expostos os mencionados “mandamentos do teatro”.)
Apesar de todos os esforços para fazer com que os estudantes compreendam a
importância do comprometimento, já tivemos casos em que alunos, por vontade própria, faltaram
seguidamente aos encontros do teatro. Esse tipo de atitude compromete o trabalho do grupo, em
especial quando ocorre durante o processo de montagem de peças; afinal, sem um parceiro de
cena, os estudantes não conseguem ensaiar suas partes devidamente. Neste ano (2013),
108
vivenciamos o caso mais drástico nesse sentido: faltando poucas semanas para a apresentação do
espetáculo de Ensino Médio, alguns estudantes ficaram sem comparecer aos ensaios por quatro
encontros seguidos, e, por esse motivo, tiveram de ser substituídos às pressas. A situação, por um
lado, foi motivo de grande desgaste emocional para os envolvidos (tanto para os estudantes que
deixaram de participar da encenação, quanto para o grupo e a professora); por outro, fortaleceu
nos participantes o espírito de grupo (que precisou se unir ainda mais para ensinar aos alunos
substitutos os papéis que interpretariam) e o senso de importância sobre o comprometimento com
a atividade.
3.2.3 Espetáculo teatral: uma obra coletiva
Todos os anos, cada turma de teatro de adesão opcional dedica-se à montagem de um
espetáculo teatral, que é apresentado, no auditório do colégio, à comunidade escolar (familiares,
professores, funcionários e alunos), em geral no último bimestre do ano letivo. As turmas de
alunos do Ensino Fundamental costumam realizar duas apresentações de seu espetáculo: uma
durante o dia, no período de aulas, destinada a alunos da escola das faixas etárias adequadas ao
espetáculo; e outra à noite, para familiares e demais convidados dos atores. Não há cobrança de
ingressos para as peças desses estudantes. Já os alunos de Ensino Médio realizam de três a quatro
apresentações, em geral no período da noite. Para esses espetáculos, existe venda de ingressos, e
a verba arrecadada é destinada ao pagamento de custos relativos à produção das peças
(cenografia, adereços, iluminação especial, sonorização, filmagem etc.).
A escola e sua Associação de Pais e Mestres também colaboram financeiramente com a
produção dos espetáculos, tanto do Ensino Médio como do Ensino Fundamental. Vale destacar
que todo o material cenográfico adquirido para as apresentações é guardado na escola e
eventualmente reaproveitado em montagens futuras. Desse modo, muitas peças não necessitam
de investimentos em produção, pois nelas são utilizados cenários de espetáculos de anos
anteriores. Além disso, muitas vezes ocorre também de o próprio elenco ajudar a confeccionar o
cenário e demais materiais de seu espetáculo. Os figurinos dos personagens, em geral, são
confeccionados por uma profissional especializada, e cada estudante arca com os custos das
109
roupas que utiliza na peça. Há também muitas situações em que são utilizados figurinos e
adereços da própria escola, adquiridos por meio de doações e armazenados em depósitos
localizados no auditório.
Figura 11 – Alunos ajudando a confeccionar cenários (2012)
A montagem e a apresentação de espetáculos, em geral, demandam auxílio de pessoas de
fora do elenco, para lidar com questões relativas à organização da peça, manipulação de cenários
e controle de equipamentos de luz e som. Por conta dessa demanda, e também em função do
elevado número de alunos nas turmas, a professora de teatro passou a contar, a partir de 2009,
com uma professora auxiliar, que acompanha todo o processo das aulas, desde o início do ano
letivo. Ainda assim, nos períodos finais de preparação de espetáculos, é quase sempre necessária
a ajuda de mais pessoas, em especial para atuarem como contrarregras47
. Nessas épocas, outros
professores da instituição, além de alunos da escola que não fazem teatro costumam colaborar
com as equipes teatrais, assumindo funções de contrarregragem. Além deles, muitos estudantes
que fazem teatro se voluntariam a auxiliar turmas diferentes das suas. Há alunos de Ensino
Fundamental, por exemplo, que participam como contrarregras das peças de Ensino Médio, e
47 Durante as apresentações das peças montadas na instituição, em geral, além das pessoas responsáveis pelo
controle das mesas de luz e som (funções assumidas pela professora e auxiliar), são necessários contrarregras para entrar e sair do palco com materiais cenográficos, manipular as máquinas de fumaça, auxiliar atores em
maquiagens e troca de roupas, entre outras funções.
110
estudantes de Ensino Médio que auxiliam os mais jovens em suas apresentações. Esse tipo de
intercâmbio, além, de ser de grande importância para a realização das peças, acaba por promover
a convivência e a amizade entre estudantes de diferentes faixas etárias. Esse diálogo
intergeracional pode ser também compreendido como um exercício de cidadania, visto que
desencadeia processos de construção do respeito mútuo e do reconhecimento de diferentes
pertencimentos.
Figura 12 – Estudantes de diferentes faixas etárias no camarim
3.2.4 Comunidade escolar e participação do espectador
A cada ano, busca-se fazer com que todos os alunos da escola, desde a Educação Infantil
até o Ensino Médio, assistam a pelo menos um espetáculo teatral próprio à sua faixa etária,
encenado por estudantes da instituição. Para tanto, por vezes uma turma de alunos do Ensino
Fundamental II, por exemplo, pode se dedicar à criação de um espetáculo infantil, como ocorreu
nos anos de 2010 e 2012, com os espetáculos E a Brincadeira já vai Começar (2010, elenco de
estudantes de oitava série) e Esse Trem vai para Onde? (2012, elenco de estudantes de sétima
série), ambos apresentados a alunos da Educação Infantil.
111
Figura 13 – Esse Trem vai pra Onde? (2012)
Peça apresentada a alunos da Educação Infantil
Estudantes dos quintos e sextos anos também costumam apresentar suas peças a alunos
mais jovens. No ano de 2012, por exemplo, as turmas de teatro dos quintos anos montaram os
espetáculos A Menina e Pássaro e Doze; o primeiro foi apresentado a alunos de segundos e
terceiros anos, e o segundo a estudantes do quarto ano do Ensino Fundamental. Já as turmas de
teatros dos sextos anos encenaram as peças Meu Reino por um Final Feliz (apresentada a
estudantes de segundos e terceiros anos) e Planeta Sonho (apresentada a turmas de quartos e
quintos anos).
Figura 14 – A Menina e o Pássaro (2012), Hércules (2012) e Planeta Sonho (2012)
Peças infantis, apresentadas a alunos de Ensino Fundamental I
112
Pode-se dizer que as apresentações são uma extensão da participação nas atividades
teatrais a todos os estudantes da escola. Afinal, aquele que assiste também participa do ato
estético e, portanto, da experiência pedagógica. A esse respeito, Desgranges (2011, p. 29) explica
que o acontecimento artístico se completa quando o espectador faz sua leitura da obra: “o
contemplador, para desempenhar o papel que lhe cabe no evento, precisa colocar-se como sujeito,
que age, pois a contemplação é algo ativo, e que cria, pois sua atenção é necessariamente
artística”.
Desse modo, podemos compreender que o teatro, por se tratar de atividade que extrapola
o grupo propriamente envolvido, deixa de ser focalizado e se transforma, via apresentação, em
estímulo, aprendizado e formação do espectador. Nesse processo, abrem-se as possibilidades do
debate sobre temas diversos e de se enxergar o aluno que está no palco sob novas perspectivas,
muitas vezes mais ricas se comparadas com a imagem que dele se faz baseada unicamente em seu
comportamento na sala de aula. Mais uma vez, o teatro se apresenta como exercício de cidadania
– atividade propensa a promover a emancipação dos participantes, sejam eles “atores” ou
espectadores. (Na seção especial “Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte I”, ao final
deste capítulo, são apresentadas algumas experiências de relação palco-plateia vivenciadas no
IEI. São destacadas percepções de espectadores sobre peças montadas na instituição,
apresentações cujas temáticas giraram em torno da cidadania e os desdobramentos do debate
promovido pelas peças no âmbito da escola).
3.2.5 Espaço: um convite à liberdade
No teatro, é comum ouvir dos alunos afirmações como: “Aqui eu me sinto livre” ou “aqui
posso ser eu mesmo”. De fato, a própria natureza lúdica e coletiva da arte teatral a torna propícia
ao exercício da liberdade. Trata-se, portanto, de um momento em que o aluno é convidado a
sentir-se mais “livre” dentro da escola. Não que se entenda as aulas de disciplinas convencionais
como uma espécie de prisão, em que o estudante não pode construir conhecimentos, emitir
opiniões ou estar presente sem se sentir obrigado a tal. Mas não se pode negar que a atmosfera de
uma aula de teatro (vide capítulo 4 para procedimentos das aulas de teatro do IEI) difere
113
consideravelmente daquela encontrada na maior parte das atividades comumente desenvolvidas
na escola.
No Instituto Educacional Imaculada, o próprio ambiente físico já proporciona essa maior
liberdade, visto que as atividades teatrais (apresentações e aulas, tanto curriculares quanto
extracurriculares) costumam ocorrer no auditório da escola – espaço amplo, também utilizado
para outros eventos da instituição, como reuniões, palestras, celebrações religiosas, festividades e
apresentações de outras atividades artísticas48
.
Figura 15 – Auditório do IEI
O auditório foi construído na década de 1990, e quando as atividades de teatro tiveram
início na escola (em 1996), o espaço dispunha de poucos recursos de iluminação e som. Com o
passar dos anos, a instituição foi modernizando a infraestrutura do local para melhor atender às
necessidades das produções ali apresentadas49
.
48 Quando o auditório é utilizado para algum desses eventos em horário concomitante ao das aulas de teatro, estas
ocorrem em salas de aulas ou quadras poliesportivas. 49 O auditório dispõe, na atualidade, de estrutura de iluminação cênica que inclui mesas de luz, canhões de luzes
coloridas, projetores de luz branca, projetores de luz negra, equipamentos de efeito laser e efeito strobo. O equipamento de som inclui mesas e caixas de som, microfones de mão com fio e sem fio, microfones headsets e
lapelas. O espaço dispõe, ainda, de piano, cortina eletrônica, duas máquinas de fumaça, uma máquina de bolhas
114
O ambiente dispõe de palco com medidas de 75m2, plateia com capacidade para 610
espectadores, dois camarins, dois depósitos de cenários e figurinos, cabine de som e duas salas
adjacentes (localizadas aos fundos da plateia). Durante as aulas de teatro, especialmente em
época de ensaios para as peças de final de ano, todos esses espaços costumam ser utilizados
simultaneamente. Quando, por exemplo, alguns alunos de uma turma ensaiam uma cena no palco,
sob a supervisão da professora, outros grupos podem ocupar as salas adjacentes para ensaiarem
suas participações. Durante os ensaios iniciais de um espetáculo, enquanto aguardam para entrar
em cena, os alunos costumam assistir às cenas de seus colegas na plateia, e, nos ensaios finais,
aguardam nos camarins pela hora de entrar em cena. Os depósitos são utilizados pelos alunos
para procurarem cenários e figurinos que sirvam às suas montagens e também como espaço de
manobra para cenários de grande porte, que por vezes precisam manusear.
Figura 16 – Alunos de teatro em diferentes ambientes: palco, sala adjacente e camarim
de sabão, retroprojetor e telão. Eventualmente, para apresentações de espetáculos do Ensino Médio de maior
porte, são alugados equipamentos extras de som, luz e efeitos especiais.
115
Na escola de nossa pesquisa, vale mencionar, os alunos têm lugares fixos em suas salas de
aulas, determinados pelo orientador de cada turma para favorecer a disciplina e o rendimento da
classe. O ambiente do teatro é, portanto, um espaço em que os alunos transitam com liberdade
muito maior que na sala de aula convencional, em que assistem às aulas de suas carteiras.
3.3 Conclusões do capítulo
Conforme observado na seção 1 do presente capítulo, partimos de uma situação em que a
primeira turma de teatro da instituição pesquisada foi criada por iniciativa dos próprios alunos, e
chegamos a um contexto em que a escola oferece a oportunidade de frequentar aulas de teatro a
todos os alunos, a partir do quinto ano do Ensino Fundamental. Pode-se dizer, portanto, que as
atividades teatrais, no IEI, passaram de uma situação de não formalidade para um contexto de
formalidade. Essa formalidade, vale enfatizar, diz respeito à oficialização das atividades no
planejamento escolar e ao reconhecimento de sua importância por parte da escola, e não à
maneira pela qual as atividades são conduzidas. Afinal, como já visto no capítulo 1, quando
oferecidas extracurricularmente, as atividades apresentam uma série de características da
educação não formal.
Ainda na seção 1, ao traçarmos o histórico da atividade teatral na instituição, percebemos
que existe uma correspondência de trajetos entre o percurso descrito e as práticas teatrais comuns
a grupos de teatro profissional entre os anos 1970 e a atualidade. Nesse contexto, apontamos
relações entre características do início do trabalho com teatro no IEI e os processos de criação
coletiva em voga na década de 70, e indicamos uma transição dos modos de produção para
práticas que se assemelham aos processos colaborativos, que caracterizam o fazer teatral na
contemporaneidade. Essa relação entre o trabalho desenvolvido na escola e a vertente
colaborativa será analisada com maiores detalhes no capitulo subsequente.
Na seção 2, destacamos aspectos relativos ao oferecimento, comprometimento, montagem
de espetáculos, participação do espectador e espaço físico do trabalho com teatro desenvolvido na
instituição pesquisada, relacionando cada tópico à temática da cidadania. Dentre os pontos
levantados, mencionamos o fato de os alunos de teatro apresentarem espetáculos a estudantes de
116
faixas etárias inferiores às suas, inclusive à Educação Infantil. Aproveitamos, aqui, para destacar
que tal prática contribuiu para que o teatro adquirisse certo caráter de “tradição” na escola,
especialmente entre aqueles alunos que estudam por muitos anos na instituição. Acompanhando
desde cedo trabalhos teatrais, muitos desses estudantes, ainda bem jovens, alimentam o interesse
em participar das atividades ligadas ao teatro. As atividades teatrais, como já mencionado, são
oferecidas a partir do quinto ano do Ensino Fundamental. O elevado número de estudantes dessa
faixa etária matriculados no curso (vide Quadro 2 – “Oferecimento das atividades de teatro / ano
2013”) atesta o interesse dos alunos pela atividade. As turmas numerosas, como colado na seção
3.2.1, apresentam alguns desafios à realização do trabalho. Dentre eles, podemos elencar: maior
dificuldade para manter a concentração da turma, morosidade na aplicação de jogos que
demandam poucos participantes e dificuldade na criação de peças teatrais que ofereçam a todos a
oportunidade de participação. Por outro lado, o oferecimento de atividades teatrais a estudantes
desde o quinto ano também traz consigo aspectos positivos: hoje, há alunos do Ensino Médio que
começaram a fazer teatro quando estavam no quinto ano do Ensino Fundamental, o que contribui
significativamente tanto para sua formação individual quanto para os trabalhos teatrais realizados
coletivamente, uma vez que esses estudantes, ao chegar no Ensino Médio, já estão familiarizados
com o universo teatral. Além disso, vale reiterar, a aceitação de todos os interessados em
participar da atividade confere ao teatro características de um processo aberto, democrático e
plural.
Figura 17 – Turma de teatro de quinto ano (2012)
117
Tendo em vista a experiência dos sujeitos entrevistados para esta pesquisa como alunos de
teatro durante o Ensino Médio, queremos, aqui, ressaltar a participação dos estudantes dessa faixa
etária nas atividades teatrais. Se entendermos a adolescência como importante período da vida
para o autoconhecimento, o desenvolvimento da autoestima e a formação da identidade dos
indivíduos (FIERRO, 1995), podemos afirmar que o jovem, no teatro, encontra uma forma de
expressão bastante adequada à sua faixa etária. Não é nosso intuito, aqui, levantar um debate
acerca da maior ou menor relevância das atividades teatrais em determinada etapa da vida escolar
– até porque entendemos que em cada período específico a arte tem importância singular na
formação dos alunos. Queremos, tão somente, destacar que a escola, ao proporcionar ao estudante
de Ensino Médio a oportunidade de participar de atividades teatrais, reconhece e legitima a
necessidade do jovem de expressar-se e ter seu espaço. Podemos compreender, portanto, o teatro
no Ensino Médio como uma forma de expressão dos direitos dos jovens e uma atividade em que a
cidadania se concretiza via manifestação dos alunos em seus anseios de expressão.
Assim como a atividade teatral do IEI envolve direitos, pressupõe também deveres,
destacados na seção 3.2.2. Ao se tornar integrante de um grupo de teatro, o aluno – e também
seus responsáveis – comprometem-se com as exigências do trabalho e com o calendário das
atividades. Neelands (2009, p. 184) coloca que “as demandas de viver e aprender juntos no teatro
exigem, em qualquer caso, uma forma de aprendizagem constitucional baseada na negociação e
contínua renegociação das 'leis' do grupo”. Nesse contexto, vale destacar que os “mandamentos
do teatro” (mencionados na referida seção e expostos em “Singularidades dos processos teatrais
do IEI – parte I”) se configuram como expressão de um exercício de cidadania, em que o grupo
legisla: os deveres são elaborados, negociados e acordados por todos os participantes.
Na introdução deste capítulo, ao convidarmos o leitor a conhecer o que denominamos
“lugar teatro”, destacamos que esse lugar seria compreendido sob duas vertentes: espaço físico e
lugar conquistado pela atividade no âmbito escolar. Nesta conclusão, podemos afirmar que em
ambos os sentidos (atividade e ambiente), o “lugar teatro” é um espaço que convida à
participação, estimula a liberdade e celebra a igualdade em diversas de suas características e
procedimentos.
Para finalizar o presente capítulo, é importante colocar que compreendemos que o
trabalho com teatro aqui descrito é desenvolvido em condições privilegiadas em comparação a
118
outras instituições de ensino em território nacional. Muitas dessas condições só se tornaram
viáveis por se tratar de uma escola particular, que dispõe de recursos para investir na produção de
peças de alunos e em toda a infraestrutura descrita. Ainda assim, não podemos deixar de entender
os aspectos positivos do teatro do IEI em uma perspectiva histórica: se, por um lado, contamos
com uma série facilidades que a escola oferece, por outro também não podemos deixar de
considerar que muitos desses benefícios foram sendo conquistados ao longo de anos de trabalho,
e que o próprio desenvolvimento das atividades foi, de certa forma, “demonstrando” à escola que
os investimentos compensariam. O desenvolvimento dos alunos, sua dedicação às atividades, as
peças apresentadas, o reconhecimento de muitos pais no sentido de entender que a atividade
contribuía para a formação de seus filhos, a constatação, por parte de professores de outras
disciplinas, de que os estudantes de teatro apresentavam crescimento tanto em nível individual –
em questões como a da autoaceitação – quanto em nível coletivo, foram, pouco a pouco, fazendo
com a atividade fosse conquistando seu espaço dentro da instituição e sendo reconhecida como
importante para a educação dos alunos. A própria mudança de nomenclatura, no currículo
escolar, de “teatro como suporte técnico para todas as disciplinas” para “disciplina optativa”
atesta, conforme já mencionado, esse processo de reconhecimento da importância da atividade.
Assim, o que à primeira vista pode parecer uma situação difícil de replicar em outras instituições,
quando entendida como resultado de um trabalho de quase duas décadas, pode se configurar
como desafio viável.
No capítulo subsequente, continuaremos a descrever o trabalho com teatro realizado no
IEI, direcionando agora nossa atenção para a metodologia das atividades teatrais
extracurriculares.
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SINGULARIDADES DOS PROCESSOS TEATRAIS DO IEI – PARTE I
No decorrer deste capítulo, fizemos menção à “cerimônia de iniciação” pela qual os
estudantes de teatro de Ensino Médio costumam passar. Referimo-nos, também, à relação palco-
plateia como parte importante do trabalho com teatro na escola em foco. Nesta seção,
aprofundamo-nos em cada um desses tópicos, apresentado algumas situações específicas
vivenciadas no decorrer da história das atividades teatrais no IEI. Essas situações, como se verá,
evidenciam ligações entre o trabalho desenvolvido e a formação da cidadania.
- Cerimônia de iniciação e os valores cidadãos
A cerimônia de iniciação (que, conforme colocado na seção 3.2.2, é um procedimento
realizado por alunos de teatro do Ensino Médio) acontece no início do ano letivo, após alguns
encontros iniciais. Esses primeiros encontros são importantes para que os alunos interessados em
fazer teatro conheçam como são as atividades e possam escolher se vão mesmo continuar a
frequentar as aulas até o final do ano. Durante todas essas aulas iniciais, explicamos – eu e os
alunos veteranos – qual o grau de comprometimento exigido daqueles que optam por continuar
no teatro (como não faltar a nenhuma aula e participar de ensaios extras, que em geral acontecem
após o horário oficial dos encontros e se prolongam até a noite). No encontro anterior àquele em
que se realiza a cerimônia, solicitamos que somente os estudantes que realmente estiverem
dispostos a se comprometer venham na aula seguinte (mas não contamos que haverá o ritual, para
que a experiência seja uma surpresa aos novatos).
A cada ano, os alunos que já integram o grupo de Ensino Médio (e que, evidentemente,
também viveram a experiência em anos anteriores), planejam a cerimônia de iniciação,
eventualmente criando novos procedimentos para tornar a vivência o mais significativa possível.
Neste ano (2013) o ritual seguiu as seguintes etapas:
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Primeiro, os alunos novatos – que haviam sido instruídos a chegar mais tarde ao encontro
neste dia, para que o auditório pudesse ser preparado para a cerimônia – foram convidados por
mim, um a um, a entrar no teatro em silêncio, retirar seus sapatos, deitar-se no palco e fechar os
olhos. As luzes do auditório estavam apagadas e havia fumaça cênica por todo o ambiente.
Enquanto caminhavam até o palco, os novatos podiam ver, na penumbra, os veteranos; porém,
não podiam reconhecê-los, já que estes últimos vestiam capas e utilizavam máscaras que cobriam
seus rostos por inteiro.
Quando todos os novatos já estavam deitados e com olhos fechados, os veteranos
começaram a caminhar pelo palco. Um deles tocava uma melodia suave ao violão, enquanto os
demais se abaixavam e sussurravam frases ao ouvido dos novatos. É interessante destacar o
conteúdo das frases, já que cada uma foi criada pelo próprio aluno que a disse e todas elas dão
uma ideia do significado da experiência teatral para os estudantes. Todos esses significados, vale
ressaltar, estão intimamente ligados aos valores cidadãos destacados nesta pesquisa: “você é
importante aqui”, “você é bem vindo aqui”, “aqui você pode ser você mesmo”, “você faz parte da
família do teatro” são alguns dos dizeres que os veteranos criaram neste ano.
Após um tempo, suficiente para que cada novato escutasse todas as frases ao menos uma
vez, eu chamava, um a um, os iniciantes pelos respectivos nomes e dizia: “Pode abrir seus olhos.
Há alguém esperando por você.”. Ao abrir os olhos, o aluno via um dos “mascarados” ao seu
lado, que o ajudava a se levantar, segurava sua mão e descia com ele as escadas do palco, em
direção à plateia. Fora do palco, o veterano retirava a máscara e dizia ao novato que seria seu
“padrinho”. Então, “padrinho” e “afilhado” caminhavam em direção a uma das salas localizadas
ao fundo da plateia. Durante o trajeto, o “padrinho” contava algo sobre sua própria experiência no
teatro e dizia que o “afilhado” poderia contar com ele para o quer que fosse ao longo do ano.
Dizia, também, que a partir daquele momento, seriam ambos responsáveis um pelo outro: se um
deles, no decorrer do processo, estivesse pouco comprometido com o bom funcionamento do
grupo, o outro deveria chamar sua atenção.
Neste ponto, é interessante destacar que antes da cerimônia de iniciação, os veteranos
determinaram quem seria “padrinho” de quem e que houve um cuidado especial tanto em deixar
os novatos mais introvertidos com os estudantes experientes mais extrovertidos quanto em
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selecionar os mais responsáveis para serem “padrinhos” dos iniciantes que pareciam estar menos
comprometidos.
Na sala em que “padrinho” e “afilhado” chegavam, havia outro aluno de teatro, que
entregava aos demais copos com suco de uva. Então, cada dupla retornava à plateia e se sentava.
Quando todas as duplas já estavam na plateia, com seus copos, os veteranos subiram ao palco,
onde já estava devidamente posicionado um telão, em que foram sendo projetados, um a um, os
“mandamentos do teatro” (como já colocado na seção 3.2.2, os “mandamentos” foram escritos
por alunos e ex-alunos da instituição, com o intuito de estabelecer os deveres a serem cumpridos
por quem adere às atividades teatrais). Então, cada “mandamento” projetado foi lido por todos os
veteranos, em uníssono e com entusiasmo. Pode-se afirmar que os “mandamentos do teatro do
IEI” (expostos abaixo, no Quadro 3), se configuram como expressão de um exercício de
cidadania, em que os deveres são por todos acordados.
Depois de lidos os “mandamentos”, os novatos foram convidados a subir também ao
palco e todos formaram uma roda. Ali, contei, brevemente, sobre a origem arte teatral e sua
ligação com a figura de Dionísio, deus do teatro e do vinho na mitologia grega. Então, para
finalizar o ritual, todos brindaram: “Ao teatro!”
Analisando a cerimônia descrita à luz dos conceitos trabalhados nesta dissertação, pode-se
entender que se trata de um procedimento em que se notam todos os fundamentos daquilo que
entendemos por cidadania: liberdade, que se expressa naquilo que os alunos dizem ao ouvido uns
dos outros; igualdade, que se entrevê nas falas ao pé do ouvido, no encontro entre “padrinho” e
“afilhado” e nos deveres expressos nos mandamentos, já se que se aplicam a todos,
indistintamente; e participação, que permeia cada uma das etapas do ritual e constitui o próprio
objetivo da experiência, ou seja, fazer com que todos se sintam parte daquele coletivo.
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Quadro 3 – Mandamentos do teatro
Mandamentos do teatro do IEI
1. Não faltarás.
2. Não atrasarás.
3. Não reclamarás. 4. Não abandonarás teu grupo.
5. Respeitarás a todos.
6. Levarás o trabalho a sério. 7. Estarás sempre disposto a ajudar.
8. Virás a todos os ensaios extras e permanecerás até a hora final.
9. Aceitarás de bom grado todas as funções e personagens que lhe forem designadas.
10. Não falarás mal de ninguém nem de tua peça. 11. Informarás pessoalmente a professora a respeito de imprevistos.
12. Dedicar-te-ás às tuas cenas.
13. Manterás sigilo a respeito de informações referentes ao grupo e à montagem. 14. Cuidarás do espaço e dos materiais de trabalho.
15. Serás amigo, confiável, generoso, responsável, comprometido e participativo.
16. Estudarás para que não precises ir a plantões no horário de teatro. 17. Não marcarás dentista, médico, cabeleireiro e afins no horário do teatro.
18. Darás sempre teu melhor.
19. Colocarás os interesses do grupo acima de teus próprios.
20. Amarás o teatro.
- Cidadania na relação palco-plateia
Na seção 3.2.4, foi colocado que todos os anos, busca-se fazer com que os estudantes do
IEI dos mais diversos segmentos assistam a espetáculos adequados às suas faixas etárias,
montados pelos grupos de teatro da escola. Foi também ressaltado que as apresentações podem
ser compreendidas como um prolongamento da participação nas atividades teatrais a toda a
comunidade escolar – afinal, o espectador tem papel ativo no evento estético que contempla
(DESGRANGES, 2011). Aqui, destacamos algumas situações vivenciadas na instituição em tela
que evidenciam ligações entre a relação palco-plateia e a formação da cidadania, em especial do
ponto de vista do espectador.
Utilizamos, acima, a expressão “comunidade escolar” para descrever o público das peças
teatrais montadas por estudantes. O termo foi propositadamente escolhido, já que as
apresentações não contam somente com alunos na plateia; em geral, equipe diretiva, professores,
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funcionários dos mais diversos setores e familiares dos “atores” também assistem às
representações. São todos espectadores que, como tal, tomam parte na experiência pedagógica do
teatro e podem, assim como os estudantes, ser formados ou transformados por ela. Nesse
contexto, vale citar o trecho de uma carta escrita por outro docente da instituição, após assistir a
uma das apresentações realizadas no colégio (para o texto completo, vide ANEXO D).
Sensibilizado com a experiência de enxergar seus alunos de maneira diferenciada daquela com a
qual se havia habituado em sala de aula, o professor/espectador reflete sobre sua própria prática
docente:
A sala de aula jamais terá o poder de produzir o mesmo resultado aos(as)
alunos(as), mas sei que preciso fazer algo para motivá-los(as) a se exporem com
a mesma intensidade que se expuseram no palco, principalmente aqueles que nunca falam, nunca questionam e jamais opinam. Esses(as) alunos(as)
denunciaram, cantaram, profetizaram, testemunharam e dançaram diante de
muitas salas; mas em suas próprias salas tudo é muito diferente. (professor/espectador, 2003, ANEXO D).
É também interessante mencionar trechos de cartas escritas por um dos funcionários da
equipe de segurança da escola, motivadas pelas experiências como espectador de algumas das
peças apresentadas por estudantes. Em uma delas, o sujeito reflete sobre o significado do teatro e,
nessa reflexão, utiliza-se inclusive de um dos valores cidadãos: “Teatro não é apenas arte. É arte
e cultura. É arte e respeito. É arte e disciplina. É arte e integração. É arte e igualdade.”
(funcionário/espectador, 2009, ANEXO E, grifo nosso). Em outra de suas cartas, é interessante
observar a reflexão sobre a troca que se efetiva entre palco e plateia durante o ato teatral e sobre a
transformação decorrente desse contato:
Senti que os atores, atrizes, e todas as pessoas que participaram dessa
maravilhosa realização saíram com a sensação de terem entregue [sic] e recebido um presente. E nós, plateia, sentimos o mesmo. Saímos mais sensibilizados, e ao
mesmo tempo, mais fortes. (funcionário/espectador, 2008, ANEXO F).
Outro ponto que convém destacar nesta seção, em que se aborda a cidadania na relação
palco-plateia, são os trabalhos realizados por grupos teatrais da escola cujas temáticas apresentam
fortes ligações com os valores cidadãos. Como colocado no capítulo 1, as atividades teatrais
desenvolvidas na escola pesquisada nem sempre estão associadas à cidadania como temática de
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jogos, exercícios ou espetáculos. Ainda assim, podemos destacar apresentações e performances
encenadas na instituição que trataram diretamente do tema. É o caso, por exemplo, do espetáculo
Morte e Vida Severina (encenado em 1999). A famosa peça, de João Cabral de Melo Neto, retrata
a trajetória do nordestino pobre que, na busca de uma vida melhor, migra do sertão para o litoral.
O contato com a obra, tanto para os “atores” quanto para os espectadores, propiciou
sensibilização acerca do sofrimento do homem do sertão e reflexão sobre uma realidade
socioeconômica bastante diferente daquela vivida no contexto da escola pesquisada.
Figura 18 – Morte e Vida Severina (1999)
É também o caso de Perfeitópolis, o Musical (2009). A peça – cujo texto resultou de um
processo de criação coletiva do qual participaram professora, alunos e ex-alunos – conta a
história de uma cidade brasileira tida como “modelo”, onde todos os habitantes vivem tranquilos,
felizes e, aparentemente, sem problemas. A situação do município começa a mudar quando chega
ali um mendigo, que insiste em dormir na praça central, bem embaixo do monumento-símbolo da
cidade: a estátua da justiça. A chegada do novo habitante divide a opinião dos moradores e
desencadeia uma série de conflitos. Durante a trama, o verdadeiro caráter de alguns cidadãos é
revelado, trazendo à tona situações de preconceito, violência e corrupção. A montagem desse
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espetáculo propiciou, portanto, debate sobre questões políticas, econômicas e sociais.
Figura 19 – Perfeitópolis, o Musical (2009)
Podemos citar, ainda, as performances que quase todos os anos são realizadas por alunos
de teatro de Ensino Médio, visando à conscientização de todos os estudantes da escola acerca de
ações em prol do meio ambiente que podem ser tomadas no próprio colégio. Essas performances
são, em geral, apresentadas durante os intervalos das aulas, com “intervenções surpresa”, em que
os alunos do teatro envolvem outros estudantes em cenas sobre, por exemplo, os detritos de
alimentos que são deixados no chão da escola durante o horário de recreio. Além disso, as
intervenções já incluíram um vídeo elaborado e produzido pelos alunos de teatro, sobre o lixo
acumulado nas salas de aulas e pátio da escola, que foi passado em todas as classes do Ensino
Fundamental e Médio.
Todas essas encenações geraram debates que se estenderam para além do ambiente do
teatro, repercutindo em salas de aula e também em ambientes familiares. Além delas, podemos
destacar a apresentação da peça Tá na Mira (2009) como uma das experiências mais marcantes
vivenciadas no IEI, no que diz respeito à relação entre “atores” e espectadores. O espetáculo,
encenado por alunos de oitava série, trata de uma situação de bullying vivenciada por uma
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adolescente em seu colégio. Durante o início do processo de montagem do espetáculo, os
estudantes não se envolviam com as cenas que estavam sendo trabalhadas e suas interpretações
pareciam distantes das situações que a peça apresentava. Então, realizei com a turma uma série de
exercícios de sensibilização, dentre os quais uma dinâmica na qual os alunos foram convidados a
contar sobre situações de violência física ou psicológica que eles próprios haviam sofrido. O
procedimento resultou em um novo entendimento por parte dos estudantes sobre a importância do
tema, em um engajamento muito maior na montagem e em interpretações mais convincentes.
Com o intuito de propiciar à plateia uma experiência semelhante, propus que aos “atores” que se
sentissem à vontade, na cena final do espetáculo, contassem aos espectadores sobre suas histórias
pessoais. Muitos deles toparam e o resultado junto à plateia foi mais intenso do que qualquer um
de nós poderia esperar.
Após a apresentação, foi aberto um debate entre “atores” e espectadores. No lugar de uma
conversa sobre o tema, o que ocorreu foi uma espécie de catarse coletiva. Muitos estudantes e
também professores que haviam assistido ao espetáculo pediram a palavra e ali, diante de todos
os presentes – cerca de 400 pessoas – fizeram o mesmo que os “atores” haviam realizado durante
a peça: contaram sobre situações de bullying que eles próprios haviam vivenciado. A cada relato,
a comoção geral era mais intensa. Então, diversos estudantes da plateia começaram também a
pedir a palavra para, publicamente, desculparem-se pelas ofensas cometidas contra colegas que
estavam ali presentes.
A princípio, a apresentação havia sido programada apenas para estudantes de sétima e
oitava séries. Porém, depois do debate, professores e psicólogas da escola que o presenciaram
solicitaram à direção que a peça fosse apresentada também para estudantes mais novos. Foram,
então, realizadas mais duas apresentações, para alunos de terceira, quarta, quinta e sexta séries do
Ensino Fundamental. Em todas elas, ocorreu o mesmo processo e comoção durante os debates.
Mais tarde, professores e estudantes relataram que significativas mudanças de comportamento
foram constatadas após o evento.
A experiência aponta para a dimensão emancipatória que o teatro é capaz de propiciar na
relação palco-plateia, especialmente quando realizado em contextos educativos. É um exemplo
concreto de que a formação do espectador e a formação do cidadão são aspectos significativos do
trabalho com a arte teatral na escola.
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4 TEATRO E CIDADANIA NO IEI: PROCESSO DE TRABALHO
Este capítulo é dedicado à apresentação do processo de trabalho com teatro desenvolvido no
Instituto Educacional Imaculada. Retomando a frase com que abrimos o capítulo anterior, na qual
a aluna se refere às “possibilidades de expressão e experimentação” proporcionadas pelo teatro
como propulsoras de uma nova maneira de se enxergar a realidade, podemos entender o presente
capítulo como aquele em que se expõem, justamente, as possibilidades de expressão e
experimentação desenvolvidas na escola em tela. Em outras palavras, é o capítulo em que são
exploradas singularidades das atividades teatrais na instituição em foco, do ponto de vista da
metodologia ali utilizada.
Nossa finalidade, aqui, é o estudo dos modos de exploração e apropriação da linguagem
teatral no IEI e de como esses modos contribuem para o desenvolvimento de processos
emancipatórios. Para tanto, iniciamos o capítulo com uma seção destinada à exposição de alguns
aspectos importantes do modo de coordenação do processo, que se ligam à formação da
cidadania. Conforme colocado na Introdução, uma das metas desta pesquisa, ao descrever o
objeto estudado, é “[...] dar ao leitor a sensação de ter estado lá” (ANDRÉ, 2005, p. 52). Tendo
isso em vista, na primeira unidade do capítulo, são também narrados alguns episódios
vivenciados durante aulas e processos de montagem de peças na referida instituição, como forma
de aproximar o leitor de situações concretas que exemplificam as características apresentadas.
Nessa seção inicial, a narração de situações é realizada na primeira pessoa do singular, uma vez
que se trata de experiências vividas pela própria pesquisadora, como professora de teatro de todas
as turmas da instituição.
Também visando à aproximação do leitor do processo analisado, a segunda seção deste
capítulo é dedicada à apresentação, em detalhes, dos procedimentos metodológicos empregados
na instituição, com a exposição das principais etapas do processo de trabalho. Além disso, são
também expostas imagens de aulas e espetáculos realizados no colégio. Como não há, nessa
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seção, a narração de episódios específicos, mas sim a descrição dos procedimentos utilizados, não
será utilizada a primeira pessoa do singular.
Mais uma vez, apresentamos, ao final do capítulo, uma seção especial – intitulada
“Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte II”. Nela, são expostos programas de peças
teatrais apresentadas no IEI, e analisadas relações entre as montagens de que tratam cada um
desses materiais e os valores cidadãos abarcados pela pesquisa.
4.1 Coordenação do processo de trabalho
No texto de abertura do capítulo anterior, após apresentação de frase de aluna da
instituição sobre sua percepção acerca do teatro, foi colocada, dentre outras, a seguinte questão:
como o processo – de trabalho com teatro, na instituição pesquisada – se instaura para que, ao
final dele, a estudante enxergue a realidade com “olhar renovado”? A pergunta é aqui
oportunamente retomada já que neste subcapítulo são destacadas características importantes do
modo de coordenação do processo em questão. Em outras palavras, são descritos aspectos
relativos, justamente, ao "como" se instaura o processo.
Os procedimentos mencionados na seção relacionam-se à cidadania – e, mais
especificamente, à emancipação, entrevista nas palavras da aluna – porque evidenciam o caráter
coletivo, crítico e reflexivo da atividade teatral na escola estudada.
Esta unidade serve como base para a compreensão da seção subsequente, em que é descrito o
passo-a-passo de aulas e processos de montagens de peças, pois as características aqui expostas
permeiam todo o processo de trabalho.
4.1.1 Colaboração
A colaboração, destacada no capítulo 1 desta dissertação como um dos aspectos mais
relevantes em trabalhos com teatro tanto no campo profissional quanto em ambientes
educacionais – e intimamente ligada aos valores cidadãos – está constantemente presente nos
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procedimentos desenvolvidos no IEI, tanto nas aulas livres quanto nos processos de montagem de
espetáculos.
Nas aulas, em que diferentes aspectos do fazer teatral são explorados pelos estudantes, a
apropriação dessa linguagem artística, muitas vezes, se dá via colaboração – ou, relembrando a
etimologia da palavra, via “ação conjunta para o trabalho” (LEDUBINO, 2009, p. 12). A
exploração dos recursos teatrais, em que os estudantes, muitas vezes, são estimulados a produzir
discursos sobre a vida social e a encontrar soluções artísticas para articular esses discursos em
uma linguagem comunicável de palco, é um processo coletivo, compartilhado, socializado. Isso
ocorre, com bastante frequência, nas atividades de improvisação, que serão descritas no próximo
subcapítulo. Nesses procedimentos, há o pensar sobre a cena, sobre o que se quer dizer e sobre o
como dizê-lo; há a exploração prática das sugestões e a exposição daquilo que se criou; há a
discussão sobre as propostas apresentadas, sobre o que “funcionou” ou não no palco e, às vezes, a
reorganização da cena a partir do debate. Todo esse processo, que é essencialmente coletivo, tem
por objetivo fazer com que “[...] os participantes conquistem a capacidade de criar, organizar,
emitir e analisar um discurso cênico” (DESGRANGES, 2011, p. 94). Ou seja, é por meio da
construção coletiva de cenas e do debate estabelecido após a apresentação das propostas
elaboradas coletivamente que o grupo vai se apropriando da linguagem do teatro – um processo
em que a colaboração, como se nota, desempenha papel fundamental.
Essa mesma metodologia é também utilizada na criação das cenas dos espetáculos
produzidos na escola, como se verá adiante. Nesse sentido, podemos entender que os modos de
produção desenvolvidos na escola pesquisada são análogos aos de muitos grupos artísticos da
atualidade. No capítulo 1, vimos que diversos grupos de teatro profissionais, na
contemporaneidade, trabalham a partir do que se convencionou chamar “processos
colaborativos”: aqueles em que, grosso modo, existem diferentes funções (como as do diretor,
dos atores e do dramaturgo), mas todos colaboram para a criação da dramaturgia e das cenas.
Trata-se de um trabalho que se pauta por princípios democráticos, em que todos partilham de um
mesmo plano de ação, o que torna cada qual responsável por contribuir com o todo (FISCHER,
2010). Nos processos de criação de espetáculos desenvolvidos no IEI, também existem diferentes
funções: eu sou a diretora das peças; os alunos (e às vezes, outros professores e funcionários da
instituição) são os atores; há ainda estudantes que desempenham funções de contrarregragem;
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costumamos contratar os serviços de figurinista e de cenógrafo; e, por vezes, dependendo do
espetáculo, há a participação de profissionais que trabalham especificamente com a parte musical
e coreográfica da encenação. No entanto, apesar dessas diferentes atribuições, existe a constante
colaboração de todos – e em especial, dos alunos – para a criação dos mais diversos aspectos de
cada peça. Como se verá com maiores detalhes na seção 4.2.2, em cada uma das fases de criação
de um espetáculo, a participação criativa dos alunos é estimulada e valorizada.
Neste ano (2013), por exemplo, montamos o espetáculo Dionísio Sumiu com o grupo de
Ensino Médio. O enredo foi elaborado, há dois anos, por mim e pela professora auxiliar, em
conjunto com estudantes de oitava série, que o encenaram à época. O texto foi escrito pela
professora auxiliar (que, vale destacar, é ex-aluna de teatro da instituição), a partir de cenas
criadas pelos estudantes, em aula. Como neste ano há mais atores no elenco que na ocasião da
primeira montagem, muitos trechos foram reescritos. Esses novos trechos foram elaborados
coletivamente, durante os ensaios, do seguinte modo: eu expunha aos alunos determinada parte
do texto que precisava de mudança; os estudantes, divididos em grupos, criavam cenas para
solucionarem o “problema” exposto e as apresentavam à turma; depois de apresentadas as cenas,
todos – alunos, professora auxiliar e eu – discutíamos se as propostas seriam ou não incorporadas
à encenação.
Com relação ao cenário do espetáculo, antes de entrar em contato com o profissional que
os confeccionaria, foram realizadas diversas conversas com o grupo, em que todos os membros
puderam dar sugestões, e diversas ideias dos estudantes foram incorporadas ao projeto
cenográfico. A peça teve músicas cantadas ao vivo e coreografias, e tanto as letras das canções
quanto as danças foram elaboradas com a colaboração dos alunos. Durante os ensaios, a direção
do espetáculo foi realizada da seguinte maneira: primeiro, os estudantes montavam, sem minha
intervenção, suas cenas. Depois, eu assistia ao trabalho por eles desenvolvido e interferia – se
necessário – de modo a dar sugestões que valorizassem as interpretações e os desenhos de cena
por eles propostos.
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Figura 20 – Dionísio Sumiu (2013)
Vale relatar um episódio específico ocorrido durante a montagem dessa mesma peça. No
início do processo, solicitei que um grupo de alunos criasse e apresentasse soluções cênicas para
determinado momento da peça. Tratava-se de uma cena não muito simples, em que diversos
elementos deveriam ser articulados para que se chegasse a um resultado artist icamente
interessante. Então, uma das estudantes – que nunca havia feito teatro –, perguntou-me: “Por que
você não faz isso?”. Minha resposta foi a seguinte: “Porque senão não é teatro”. Sabia que a
jovem não compreenderia, de imediato, minha afirmação, mas mesmo assim não me alonguei na
resposta; queria que ela descobrisse, por si só, o significado de minhas palavras. Há alguns dias,
transcorridos seis meses do episódio relatado, relembrei-o à mesma aluna e perguntei se ela,
agora, compreendia o que eu havia dito. Sua resposta foi: “Sim, totalmente, porque teatro não é
uma coisa individual; é um grupo. Se só um for fazer para todos, não vai ser o melhor pra todo
mundo. É muito melhor várias ideias, de várias pessoas, do que a ideia de uma só
predominando” As palavras da estudante refletem aquilo que, como já colocado no capítulo 1,
constitui a própria essência do fazer teatral: a coletividade, a colaboração.
140
4.1.2 Diálogo aberto
Como se verá mais adiante, os “círculos de discussão” são procedimentos constantemente
utilizados nas aulas e ensaios. A prática, como procedimento do cotidiano dos encontros, será
descrita em seção específica. Aqui, queremos destacar a abertura ao diálogo como característica
fundamental a todo o processo desenvolvido. Durante as aulas e processos de montagem de
peças, conversamos constantemente sobre as cenas, os temas desenvolvidos e as relações
intragrupo.
No que se refere especificamente às relações intragrupo, os diálogos muitas vezes giram
em torno de comportamentos – coletivos ou individuais – que prejudicam a convivência e o
trabalho coletivo. Neste ano (2013), por exemplo, vivenciamos, em um grupo de oitava série,
uma situação em que os membros da equipe estavam descontentes com a postura de um dos
alunos. Em uma das aulas, esse integrante faltou, e os demais se puseram a queixar-se de seu
comportamento “arrogante” durante as atividades. Combinamos, então, que no próximo encontro,
tudo seria abertamente exposto ao aluno, e foi o que fizemos. A conversa foi bastante profícua no
sentido de ambas as partes exporem, respeitosamente, seus pontos de vista. O grupo ouviu e
entendeu as colocações do integrante e ele, por sua vez, desculpou-se com o grupo pelo
comportamento que gerara a discussão. A partir dessa conversa, o trabalho transcorreu de forma
amistosa e tranquila.
Às vezes, ocorre de um grupo ou alguns de seus membros não colaborarem com os
processos de criação, por motivos diversos: falta de concentração, de engajamento, de senso de
coletividade etc. A montagem, então, torna-se difícil, lenta e, não raro, pouco prazerosa para
todos os envolvidos. Quando isso ocorre, procuro conversar com o grupo e enfatizar que quanto
mais efetiva for a participação de cada um dos membros da equipe na criação do espetáculo, tanto
maior será sua satisfação ao final do processo. Afinal, cada um se sentirá responsável pelo
sucesso alcançado. Nessas conversas, costumo colocar algo semelhante àquilo que disse à aluna
que me perguntou por que eu não criava determinada cena sozinha: “Eu posso dirigir a cena em
seus mínimos detalhes, determinar cada passo de vocês, cada entonação etc. Porém, o
espetáculo é muito mais rico quando são vocês que criam as cenas e eu só as ‘burilo’. Senão não
é teatro.”
141
Nesta afirmação final – “senão não é teatro” – que, a propósito, utilizo com frequência
quando um grupo não participa ativamente do processo de montagem, evidencia-se uma
concepção pessoal de teatro. Certamente, em outros contextos, a denominação “teatro” pode ser
aplicada a espetáculos em que há pouca participação criativa dos atores nas montagens. É o que
ocorre, por exemplo, no chamado “teatro de diretor”, mencionado no capítulo 1. Porém, em
minha concepção – fruto provável da formação em artes cênicas, experiência profissional em
teatro e trajetória no campo da educação –, o engajamento de todos é fundamental no processo de
criação teatral. E o diálogo aberto, evidentemente, é parte fundamental desse engajamento.
A prática do diálogo, nos processos desenvolvidos na escola em questão, não tem por
objetivo apenas resolver problemas de relacionamento, mas é também o procedimento por meio
do qual o conhecimento sobre a linguagem teatral é socialmente construído. Além disso, é por
meio do diálogo que importantes decisões – em especial nos processos de montagem de peças –
são tomadas. A construção socializada do conhecimento foi abordada na unidade anterior. Na
seguinte, falaremos sobre os processos decisórios coletivos.
Para encerrar a presente unidade, cabe ainda uma reflexão. No capítulo 1, foi colocado
que o teatro, em ambientes escolares, pode se configurar como exercício de convivência
democrática. O diálogo aberto pode ser considerado prática essencial a esse exercício, na medida
em que estabelece uma relação de igualdade entre os participantes e ajuda na compreensão do
coletivo como uma totalidade, em sua diversidade cultural, com diferenças e semelhanças
existentes.
4.1.3 Processos decisórios coletivos
Se os processos de construção de peças teatrais, na escola estudada, são colaborativos, as
decisões sobre os mais diversos aspectos da montagem são resultados de processos coletivos. Os
alunos são consultados não apenas sobre a pertinência ou eficácia das cenas elaboradas, mas
também sobre a própria escolha do texto a ser encenado, as propostas cenográficas, as músicas,
os programas das peças e outros elementos da encenação. Todos esses aspectos são debatidos e,
em geral, as decisões são tomadas coletivamente, de comum acordo entre professora e alunos. Se
142
há discordância de opinião entre os estudantes, em geral, como diretora do espetáculo, acabo
dando a palavra final, procurando, na medida do possível, conciliar os diferentes pontos de vista.
Se a divergência sobre algum aspecto da montagem é entre mim e os estudantes, e há
tempo hábil para a exploração de diferentes propostas, procuro agir da seguinte forma: peço para
que os alunos montem determinada cena incorporando a ela as ideias que defendem. Muitas
vezes, ao transportar para o palco a ideia que em tese é interessante, os próprios estudantes se dão
conta de que, na linguagem teatral, a proposta não funciona. E em alguns casos, ocorre de a
proposta surpreender-me positivamente – no sentido de os alunos a organizarem de uma maneira
que eu não imaginava poder ser interessante – e acabar incorporada à montagem. Aí está, a
propósito, uma das especificidades – e, por que não dizer, um dos encantos – da arte, que busco
transmitir aos estudantes com o procedimento descrito: as infinitas possibilidades de respostas.
Quando não há tempo suficiente para essa exploração, às vezes tenho de “cortar” determinadas
propostas dos alunos, mas mesmo nesses casos, procuro não incorporar à montagem elementos de
que os alunos não gostem.
Muitas vezes, também, quando há opiniões divergentes entre mim e os estudantes,
procuro deixar de lado minhas preferências artísticas e valorizar as sugestões dos alunos, ainda
que isso implique abrir mão de propostas que, esteticamente, me motivariam mais. Nesse sentido,
posso citar dois casos em que a escolha do texto seguiu esse caminho; casos, inclusive, ocorridos
neste ano.
Com o grupo de Ensino Médio, dado o número de alunos no grupo e a facilidade de
alguns deles para o trabalho com a linguagem cômica, eu, no início do processo, tencionava
montar A Comédia dos Erros, de William Shakespeare. Trouxe trechos da obra para serem lidos e
encenados pelos alunos durante as aulas livres, mas senti grande resistência e uma certa
dificuldade dos estudantes para lidar com o texto shakespeariano. Ao expor minha intenção de
montá-lo, muitos dos alunos não se animaram com o projeto. Como professora e diretora, sei que
o desafio seria viável, pois a mesma dificuldade apresentada pelos estudantes com relação ao
texto foi vivenciada – e superada – há alguns anos, quando montamos Sonho de uma Noite de
Verão, do mesmo autor. Ocorre que, na ocasião, o grupo animou-se com a proposta e aceitou
enfrentar o desafio. Utilizamos, então, três diferentes traduções e realizamos um intenso estudo
das falas para que cada uma delas fosse compreendida pelos alunos e dita com naturalidade, mas
143
sem que se perdesse a alta carga poética, tão característica dos textos shakespearianos. O trabalho
foi intenso e acredito que o resultado a que chegamos só foi possível por conta do engajamento e
ânimo dos alunos. Neste ano, contudo, como o elenco não apresentou a mesma disposição, optei
por não montar A Comédia dos Erros. Em seu lugar, propus a remontagem do já mencionado
espetáculo Dionísio Sumiu. É também uma comédia, mas, em termos de texto, muito mais fácil
de ser trabalhado. Embora, artisticamente, minha preferência fosse trabalhar com a obra de
Shakespeare, optei por uma peça em que percebi que o engajamento dos alunos seria maior, no
sentido de explorar e criar as cenas desde o início do processo de montagem.
Situação semelhante ocorreu com a oitava série do Ensino Fundamental, também em
2013. Eu e a professora auxiliar pensamos em montar com o grupo de teatro uma adaptação de
Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes. Antes de conversarmos com os estudantes
sobre a montagem, chegamos a selecionar trechos que seriam utilizados na adaptação e tivemos
uma série de ideias em termos de encenação. Ao expormos a proposta ao grupo, porém, para
nossa surpresa, todos os estudantes ficaram bastante decepcionados.
O motivo do desânimo foi o fato de terem lido, para a escola, no ano anterior, uma
adaptação da obra que lhes causara certo repúdio. Mais uma vez, como diretora, poderia ter
mantido a proposta. Se o fizesse, acredito que, ao longo do ano, a resistência dos estudantes
poderia ser amenizada, ao redescobrirem a obra sob uma nova perspectiva. Porém, optei por
abandonar o projeto e trazer uma nova proposta, que todos se sentissem estimulados a
desenvolver. Não que a escolha do texto seja feita de acordo apenas com o que os estudantes
desejam. Muitas vezes, há propostas de alunos que, como artista e educadora, não considero
viáveis. Os integrantes deste grupo de oitava série, inclusive, sugeriram algumas obras da
literatura de sua preferência, mas nenhuma delas julguei adequada para a encenação. O que se
procura é um consenso; ou, no mínimo, soluções que não sejam repudiadas por nenhum dos
participantes – aqui incluídos professora, auxiliar e alunos. A opção encontrada, no caso descrito,
foi a criação de um texto próprio (Dizer que te amo), inspirado em temas que o todo o grupo
gostaria de abordar.
144
Figura 21 – Apresentação de Dizer que te amo (2013)
O respeito às aspirações coletivas, pelo qual procuro pautar os processos desenvolvidos na
escola estudada, está diretamente relacionado à ideia de Neelands (2009), exposta no capítulo 1,
de que ao trabalhar em um grupo que se autorregula e que “co-cria” artística e socialmente, os
jovens passam a transferir os ideais democráticos do grupo para além das salas de aula. Pode-se
afirmar, portanto, que os processos decisórios coletivos se configuram como exercício de
convivência democrática e, consequentemente, de cidadania.
145
4.2 Procedimentos metodológicos
Iniciamos este capítulo nos propondo a apresentar as possibilidades de expressão e
experimentação proporcionadas pelo trabalho com teatro no Instituto Educacional Imaculada.
Para tanto, são descritos, nesta seção, os principais procedimentos metodológicos dos processos
teatrais desenvolvidos nessa escola.
Conforme colocado na introdução da dissertação, trata-se de um trabalho que foi sendo
criado e desenvolvido ao longo do processo de formação da pesquisadora, tendo sofrido
influências de fontes diversas. Dessa forma, não pode ser facilmente enquadrado em uma
concepção metodológica específica, ainda que seja possível destacar, como referenciais de alguns
dos procedimentos utilizados, Augusto Boal e Viola Spolin: o primeiro, no que concerne aos
exercícios e jogos, em especial voltados para a expressividade corporal; a segunda, no que se
refere aos jogos teatrais e aos mecanismos adotados na direção de espetáculos50
. O trabalho
também apresenta semelhanças com os Jogos Dramáticos de tradição francesa (abordados no
capítulo 2), em especial na parte da aula denominada, neste trabalho, de “improvisações
‘combinadas’”, conforme se verá adiante. Pode-se também entender que a metodologia utilizada
na escola em questão aproxima-se do Jogo Dramático francês na medida em que ambos não se
estruturam “[...] enquanto um sistema fechado, ficando a cargo do próprio coordenador elaborar
uma sistematização para o trabalho com o grupo” (DESGRANGES, 2011, p. 107-108).
Para fins descritivos, optamos por dividir em duas fases o processo de trabalho
extracurricular de teatro desenvolvido na escola abordada. A primeira dessas fases, que
chamaremos aqui de “aulas livres”, corresponde ao período durante o qual os alunos se
familiarizam com o universo do teatro, ou dão continuidade aos processos de iniciação e
aprofundamento teatral realizados em anos anteriores. A segunda fase, que denominaremos
“montagem de peça teatral”, corresponde aos processos de criação, desenvolvimento e
apresentação de espetáculo. Essa divisão foi elaborada para facilitar a compreensão do leitor a
respeito do processo desenvolvido, mas é importante ressaltar que as referidas fases não são
desvinculadas uma da outra. O que ocorre, na prática, é que o processo de montagem de peça
50 Viola Spolin tem uma obra especialmente dedicada à direção de espetáculos, intitulada O Jogo Teatral no
Livro do Diretor (SPOLIN, 1999).
146
começa gradativamente, durante as aulas livres, por meio de discussões e jogos que trabalham
com o universo do espetáculo que será montado. Durante a fase de montagem, por sua vez,
continuam sendo adotados muitos procedimentos das aulas livres, como jogos teatrais e
exercícios de corpo e voz.
Não é possível definir com exatidão o tempo de cada uma das fases do trabalho porque
ele varia de turma para turma. De todo modo, a aproximação do universo teatral dá-se de maneira
gradativa, de maneira que o trabalho voltado para a criação de peças só tem início após um
período de adaptação do aluno à atividade. Assim, com turmas inexperientes, as aulas livres, em
geral, prolongam-se por mais tempo, para que os alunos possam conhecer uns aos outros,
conhecer-se a si próprios nessa atividade que lhes é nova, habituar-se à linguagem teatral, sentir-
se livres para criar e seguros quando estão em situação de representação. Quanto mais experientes
as turmas, mais cedo se inicia o processo de montagem.
A seguir, serão explicitadas a estruturação prática e os principais procedimentos adotados
nas aulas livres e montagem de peças. Apesar de a pesquisa ter como foco alunos que fizeram (ou
ainda fazem) teatro no Ensino Médio, optamos por descrever o trabalho extracurricular em linhas
gerais, por dois motivos: primeiro, porque desejamos fornecer ao leitor uma visão mais
abrangente do trabalho com teatro na instituição pesquisada; e, segundo, porque muitos dos
entrevistados também participaram de turmas de teatro antes de ingressarem no Ensino Médio, de
modo que sua percepção acerca do fazer teatral na escola pode estar influenciada por essa
experiência prévia. Ademais, apesar de cada faixa etária demandar um tipo de abordagem, um
tempo maior ou menor para cada atividade, além de jogos e exercícios com diferentes níveis de
dificuldade, os trabalhos desenvolvidos com grupos de idades distintas, tanto nas aulas livres
como na montagem de peças, costumam apresentar esquemas semelhantes.
É importante destacar que, ao longo dos dezessete anos de teatro na escola, alguns
procedimentos foram sendo desenvolvidos e aprimorados. No entanto, pode-se afirmar que o
trabalho sempre seguiu, basicamente, uma mesma linha, de modo que a descrição abaixo se
enquadra tanto ao processo de trabalho atual quanto àquele desenvolvido durante os primeiros
anos de teatro na instituição.
147
4.2.1 Aulas livres
As aulas livres de teatro, na instituição pesquisada, apresentam os seguintes objetivos
gerais: promover a familiarização com o universo teatral (para alunos iniciantes); dar sequência
aos processos de iniciação ou aprofundamento teatral iniciados em anos anteriores (para alunos
experientes); estabelecer uma relação de grupo entre os integrantes da turma; promover a
exploração e apreensão dos diferentes elementos constituintes da linguagem teatral; levar o aluno
à descoberta e exploração de seus recursos expressivos.
As sessões de trabalho (aulas), como já colocado, são adaptadas às diferentes faixas
etárias com as quais se está lidando, mas, em linhas gerais, seguem o esquema51
abaixo:
I. Círculo de discussão inicial;
II. “Relaxação”;
III. Trabalho de corpo;
IV. Trabalho de voz;
V. Jogos teatrais;
VI. Improvisações “combinadas”;
VII. Círculo de discussão final.
Em geral, a cada aula livre de teatro os alunos passam por toda a sequência acima
descrita, mas é importante assinalar que se trata um esquema flexível. Dependendo da turma e do
andamento do trabalho, algumas das atividades podem não ser desenvolvidas em determinadas
sessões. Assim, por vezes ocorre, por exemplo, de não haver o trabalho de voz em determinada
aula, se a turma precisar de mais tempo para se dedicar ao trabalho de corpo (em geral, os jogos
51 A esquematização das atividades realizadas durante as aulas livres foi elaborada pela pesquisadora, com base no
trabalho desenvolvido na escola em tela. Autores como Japiassu (2009) e Barcellos (1995) também apresentam esquemas de atividades realizadas em aulas de teatro, em que se podem verificar alguns pontos em comum com o
esquema apresentado nesta pesquisa.
148
teatrais e as improvisações costumam estar presentes em todas as aulas). Além disso, nem sempre
as atividades mencionadas são desenvolvidas na sequência apresentada.
A seguir, descrevemos com maior detalhamento as etapas acima mencionadas, destacando
os objetivos e principais procedimentos operacionais adotados em cada uma delas. Trata-se,
também aqui, de uma divisão que visa a facilitar a compreensão dos leitores a respeito do
trabalho desenvolvido na instituição. Na prática, muitas vezes, as atividades se permeiam. Há
jogos teatrais, por exemplo, que trabalham a expressividade corporal ou vocal; a “relaxação”,
como se verá, pode ser entendida como uma preparação para o trabalho corporal, além de, em
alguns casos, incluir exercícios respiratórios, que se ligam ao trabalho vocal; e o trabalho de voz,
por sua vez, não deixa de ser, também, um trabalho de corpo.
I. Círculo de discussão inicial
Em geral, a cada início de sessão de trabalho, solicita-se que os alunos retirem seus
calçados e se sentem em círculo, no chão do palco, para uma conversa inicial. A professora
também participa do círculo. Helena Barcellos, arte-educadora que adota o mesmo procedimento
em suas aulas de teatro, defende que os alunos devem se habituar a sentar-se em círculo desde as
primeiras sessões de trabalho:
Sempre penso que a forma de reunião em círculo é a mais adequada e propicia
que todos se vejam, se conheçam, se ouçam e se relacionem melhor. O círculo é
a forma de reunião mais primitiva, decorrente das transmissões de calor e energia de um membro para o outro. A mensagem e as ideias são mais
facilmente veiculadas e absorvidas por todos (BARCELLOS, 1995, p. 59).
Nas primeiras reuniões do ano, as conversas no círculo têm como objetivo fazer com que
os estudantes se conheçam melhor e exponham suas expectativas com relação ao trabalho.
Também é o momento em que os alunos que já participaram de aulas de teatro em anos anteriores
relatam um pouco de sua experiência aos iniciantes. Nas demais sessões de trabalho, o círculo
visa à retomada dos conteúdos desenvolvidos na aula anterior e à discussão de alguma cena que
149
eventualmente não tenha sido comentada no último encontro. Todos têm direito à palavra, e em
geral, com o tempo, mesmo os estudantes que nas primeiras aulas se mostram mais tímidos,
acabam se sentindo confortáveis para expressar-se verbalmente. Ricardo Japiassu, que também
lança mão dos círculos de discussão, levanta aspectos importantes com relação ao procedimento:
O círculo de discussão funciona também como uma espécie de preparação psicológica (concentração) para a ‘passagem’ da realidade concreta para a
realidade cênica ou simbólica, além, é claro, de constituir um fórum privilegiado
de reflexão sobre a práxis no/do grupo (JAPIASSU, 2009, p.71).
Há ocasiões em que o círculo é realizado após os trabalhos de corpo e voz. Algumas
vezes, não há a necessidade de se realizar o círculo inicial e o trabalho começa direto na atividade
seguinte.
É também nos círculos de discussão que são realizadas as conversas sobre os
relacionamentos intragrupo e em que são tomadas decisões sobre aspectos do espetáculo que está
sendo montado, como mencionado na seção 4.1.1 (“Colaboração”).
II. “Relaxação”
É o momento em que o aluno se concentra em si mesmo, preparando-se para o início do
trabalho. O termo “relaxação”, utilizado também por Barcellos (1995), pareceu-nos adequado
para a denominação desta etapa do trabalho na medida em que transmite a ideia de um
relaxamento ativo, uma espécie de “relaxamento-concentração”. Nesta parte da aula, o aluno
tranquiliza-se, relaxa os músculos e concentra-se em seu próprio corpo, que será instrumento do
trabalho a ser desenvolvido. Trata-se, portanto, do momento da aula em que o participante
começa a entrar em contato com seus recursos expressivos.
Em geral, a “relaxação” se dá com todos deitados pelo palco, de barriga para cima, com
os olhos fechados. São, então, dadas instruções para que o estudante vá, gradativamente,
dirigindo toda a sua atenção para diferentes partes do corpo.
150
Figura 22 – Alunos em atividade de “Relaxação”
Neste momento da aula, com alunos de oitava série e de Ensino Médio, costumam ser
realizados alguns exercícios respiratórios específicos, que serão mencionados na etapa “trabalho
de voz”. Há também ocasiões em que a “relaxação” envolve a visualização de personagens e
histórias. Em geral, esse tipo de procedimento é utilizado quando se inicia o processo de
montagem, para auxiliar na construção dos papéis interpretados pelos estudantes.
III. Trabalho de corpo
O corpo é compreendido, por muitos estudiosos da área do teatro, como o principal
instrumento de trabalho do ator. Sua importância é destacada por autores como Artaud (1999),
Azevedo (2002), Boal (2011), Burnier (2001), Ferracini (2003), Fo (2004), Grotowski (1971),
Laban (1978), Spolin (2000), Stanislavski (1986) e Strazzacappa (1994). Muitos desses autores
não desvinculam a voz da dimensão corporal do trabalho do ator. Apesar disso, na etapa
intitulada “trabalho de corpo”, na escola pesquisada, são realizadas atividades que não envolvem
151
a linguagem verbal, para que a atenção do aluno se volte especificamente para a exploração de
movimentos e sensações corporais. O objetivo geral do trabalho é fazer com que o estudante
descubra e explore possibilidades de utilização do corpo diferentes daquelas com as quais está
habituado a lidar.
Essa meta está em consonância com aquilo que defende Boal (2011), o qual coloca que,
no dia-a-dia, ao realizar sempre os mesmos movimentos, as pessoas acabam por “mecanizar”
seus corpos. O diretor argumenta que essa mecanização prejudica a exteriorização de emoções e
impede o ator de explorar alternativas diversas para diferentes situações de atuação. Para ilustrar
suas colocações, Boal (2011, p. 60) se utiliza da imagem do escafandro: “É como se vivêssemos
dentro de escafandros musculares: seja qual for a emoção que sentirmos, dentro dessa vestimenta,
nossa aparência exterior será sempre a do escafandro”. Os procedimentos propostos pelo autor
vêm, justamente, no sentido de “desmecanizar”, “desestruturar” e “desmontar” os corpos
“mecanizados”.
No trabalho de corpo desenvolvido no IEI, são utilizados vários exercícios e jogos52
apresentados por Boal (2011), além de adaptações de procedimentos sugeridos pelo autor. São
também realizadas dinâmicas criadas pela professora ou por ela aprendidas ao longo de sua
formação como atriz. Essas dinâmicas podem envolver a exploração de diferentes partes do
corpo, de variações rítmicas, de níveis espaciais (baixo, médio e alto) e de qualidades do
movimento (forte/fraco, leve/pesado, tenso/relaxado, contínuo/descontínuo)53
.
52 Boal (BOAL, 2011, p. 87) utiliza a palavra “exercício” para se referir a “todo movimento [...] que ajude aquele
que o faz a melhor conhecer e reconhecer seu corpo”, e a palavra “jogo” para designar as atividades que “[...]
tratam da expressividade dos corpos como emissores e receptores de mensagens”. O exercício, portanto, é para o
autor uma espécie de monólogo, uma introversão, enquanto que o jogo é um diálogo, uma extroversão. Boal (2011)
explica que essa divisão é apenas didática e que as atividades por ele apresentadas são, na verdade,
“joguexercícios”, pois, na prática, ambas as práticas se mesclam. 53 Os conceitos de nível espacial e qualidade do movimento apresentados têm como base o trabalho de Laban (1978).
O dançarino e coreógrafo austro-húngaro Rudolf Laban (1879-1958) é considerado o “pai da dança-teatro”.
152
Figura 23 – Expressão corporal
Alunos em atividade de “máscara neutra”
54
Como colocado acima, neste momento da aula são realizados procedimentos voltados
especificamente para a exploração das possibilidades corporais. Vale ressaltar, porém, que o
trabalho com o corpo, na realidade, permeia todas as atividades das aulas livres de teatro.
IV. Trabalho de voz
O objetivo do trabalho de voz, na instituição abordada, é similar ao do trabalho de corpo:
levar o aluno à descoberta e exploração de sua voz como recurso expressivo. Além disso, espera-
se que o estudante se conscientize dos principais mecanismos de produção da voz e a aprenda a
utilizá-los de modo a ampliar a eficácia de sua produção vocal.
Ao explorar os próprios recursos vocais de maneiras distintas daquelas com as quais está
habituado, o aluno amplia seu repertório para a criação de personagens e cenas. Além disso, pode
transferir os conhecimentos adquiridos e aprendizagens construídas para seu cotidiano,
54 A máscara neutra, com o nome sugere, é uma máscara inexpressiva. É utilizada como instrumento pedagógico para
o treinamento corporal de atores em formação. Por cobrir o rosto daquele que a usa e por não apresentar expressão,
a máscara neutra dirige a atenção do ator para a expressividade do corpo.
153
melhorando sua capacidade de comunicação. Vale expor, aqui, o caso de um ex-aluno, que
participou do teatro do IEI por cinco anos, e que afirma ter sido por conta das atividades ali
desenvolvidas que superou a gagueira (conquista que não havia alcançado por meio dos três
diferentes tratamentos fonoaudiológicos a que se submetera antes de fazer teatro). Notoriamente,
um caso em que o teatro auxiliou na conquista da autonomia.
O trabalho de voz desenvolvido na escola em foco usualmente se inicia com exercícios de
relaxamento dos músculos envolvidos na produção sonora. Passa-se, então, aos exercícios de
aquecimento vocal e, em seguida, são realizados exercícios de dicção. Com alunos de quinto a
sétimo ano, em geral, após essa sequência, o trabalho se concentra na exploração lúdica e criativa
das características da emissão sonora. Com alunos de oitava série e de Ensino Médio, são
também realizados exercícios de respiração, que visam à conscientização do movimento do
diafragma, ao controle da musculatura abdominal, à ampliação da capacidade pulmonar e à
melhora da impostação vocal.
V. Jogos teatrais
Conforme exposto no capítulo 2, os jogos teatrais foram inicialmente sistematizados como
proposta para o ensino de teatro pela norte-americana Viola Spolin. Durante o jogo teatral, os
alunos improvisam de acordo com regras previamente estabelecidas, buscando a solução de
desafios de atuação. Dessa forma, concentrados na solução de diferentes problemas cênicos a
cada exercício, os estudantes vão se apropriando, intuitivamente, das técnicas teatrais (SPOLIN,
2000).
O jogo teatral pressupõe a existência tanto de “jogadores” quanto de “observadores”. Este
é um momento da aula, portanto, em que os estudantes se revezam nessas funções, ora tomando
parte nos jogos propostos, ora observando seus colegas em situação de jogo. O aprendizado
ocorre em ambas as posições, visto que tanto jogadores quanto observadores devem estar
concentrados no problema de atuação apresentado: os primeiros, para buscar soluções e
comunicá-las à plateia; os segundos, para, posteriormente, versar sobre aquilo que, de fato, foi
comunicado pelos jogadores.
154
Quando o aluno da plateia compreende seu papel, as linhas de comunicação
entre a plateia e o jogador, e entre o jogador e a plateia, são intensificadas.
Aqueles que estão na plateia passam de observadores passivos a participantes ativos no problema (SPOLIN, 2000, p. 25).
Assim que uma equipe de alunos termina de trabalhar com um problema de atuação, o
grupo realiza uma avaliação da cena desenvolvida. Todos (observadores, professora e jogadores)
participam do processo. A avaliação não tem por objetivo julgar o desempenho dos estudantes,
aprovando-o ou desaprovando-o. Toda a discussão gira em torno da solução encontrada ou não
encontrada pelos jogadores para o desafio de atuação apresentado. É importante deixar claro aos
estudantes que “[...] não existe uma maneira absolutamente certa ou errada para solucionar um
problema [...]” (SPOLIN, 2000, p. 7), e que a atividade não tem caráter competitivo. Pelo
contrário: a cooperação é base para a realização da atividade. Desgranges (2011, p. 110), ao
apresentar o sistema de jogos spoliano, coloca:
Esse sistema de atuação, calcado em jogos de improvisação, tem o intuito de
estimular o participante a construir um conhecimento próprio acerca da linguagem teatral, através de um método em que o indivíduo, junto com o grupo,
aprende a partir da experimentação cênica e da análise crítica do que foi
realizado. Os participantes do processo, assim, elaboram coletivamente conceitos acerca de suas atuações e da sua compreensão da linguagem teatral.
É possível entrever no jogo teatral ligações com os três valores cidadãos destacados nesta
pesquisa: participação, porque tanto jogadores quanto observadores participam, ativamente, de
cada jogo; liberdade, porque a prática tem “[...] o objetivo inicial de libertar a atuação de crianças
e amadores de comportamentos rígidos e mecânicos em cena” (DESGRANGES, 2011, p. 110); e
igualdade, no tange às relações entre todos os participantes, incluindo o professor. Como coloca
Spolin (2000, p. 08), “a verdadeira liberdade pessoal e a auto-expressão só podem florescer numa
atmosfera onde as atitudes permitam igualdade entre o aluno e o professor”.
Na escola pesquisada, são utilizados não apenas jogos teatrais propostos por Spolin
(2000), como também jogos sugeridos por Boal (2011), além de outros, criados na própria
instituição ou aprendidos pela pesquisadora no decorrer de seu processo de formação. Não se
trata, portanto, de uma aplicação rigorosa do método spoliano, com todas as suas terminologias e
demais especificidades, mas sim de uma prática de jogos improvisacionais oriundos de fontes
155
diversas e que seguem alguns dos princípios fundamentais destacados por Spolin, como a
concentração na solução de problemas, a cooperação e a avaliação a posteriori.
VI. Improvisações “combinadas”
Nesta parte da aula, a turma de teatro é dividida em pequenos grupos, que criam e
ensaiam cenas a partir de temas previamente estabelecidos. Os temas podem ser muitos: um
local, uma frase, um provérbio, um poema, um conto, uma letra de música, personagens, um
objeto, um sentimento. Estabelecido o tema, cada subgrupo escolhe um local do auditório para
trabalhar (camarins, palco ou salas adjacentes) e, ali, cria o enredo de uma cena e a ensaia.
Depois de um tempo determinado, as cenas são apresentadas a todos os estudantes.
Denominamos esta etapa de “improvisação ‘combinada’” porque, apesar de os alunos
combinarem os detalhes da ação, a atividade não deixa de ter caráter improvisacional: quando
estão trabalhando nos pequenos grupos, os alunos improvisam suas falas e ações durante os
ensaios; e, no momento da apresentação, muito do que fazem é também improvisado, visto que
o tempo para ensaios não costuma ser extenso.
Após cada apresentação, todo o grupo avalia coletivamente a cena representada, a partir
de perguntas como: “A cena produziu sentido?”; “O local, os personagens e a situação ficaram
claros?”; “Os atores estavam concentrados em seus papéis?”; “A cena teve começo, meio e
fim?”; “Que sugestões podem ser dadas para o aprimoramento da cena?”. Nesse sentido, a
atividade aproxima-se do Jogo Dramático de tradição francesa, em que, conforme visto no
capítulo 2, “as premissas para uma boa realização da cena [...] não são propostas antes das
improvisações [...], mas em função das necessidades que surgem nos próprios jogos”
(DESGRANGES, 2011, p. 101). Assim como no Jogo Dramático francês, nesta parte das aulas
o conhecimento vai sendo construído coletivamente pelos alunos no decorrer do processo, a
partir das questões que surgem a cada nova cena apresentada. Com o passar do tempo, os
estudantes vão se apropriando da linguagem teatral, o que lhes permite criar cenas
artisticamente mais elaboradas e realizar análises mais criteriosas sobre as improvisações
156
apresentadas. Trata-se, mais uma vez, de um aspecto que aproxima as atividades teatrais
extracurriculares desenvolvidas no IEI do universo da educação não formal.
Na educação não formal [...] os conteúdos emergem a partir dos temas que se
colocam como necessidades, carências, desafios, obstáculos ou ações
empreendedoras a serem realizadas; os conteúdos não são dados a priori. São construídos no processo (GOHN, 2010, p. 46-47).
É interessante destacar que os estudantes, nesta atividade, têm a oportunidade de atuar não
apena como “atores”, mas como “dramaturgos” e “diretores”, já que trabalham com a
construção de enredos e ensaiam, sem ajuda externa, a cena que irão apresentar. Esse tipo de
trabalho, como se verá mais adiante, é bastante utilizado também durante o processo de
montagem de peça, especialmente quando o grupo trabalha com a criação coletiva do texto que
será apresentado.
VII. Círculo de discussão final
Ao final da sessão de trabalho, os estudantes se reúnem novamente em roda, discutem
sobre o que foi realizado naquele dia, e, eventualmente, combinam algo para a próxima sessão.
Muitas vezes, neste momento da aula, os integrantes permanecem de pé, em círculo, e um
bastão é passado de mão em mão. É o “bastão da palavra”: somente que está com ele tem direito
a falar. O aluno que segura o bastão diz o que quiser; pode ser algo relacionado àquela aula, ao
relacionamento do grupo ou a seu sentimento naquele momento. Quando um estudante
concorda com o que o outro disse, fala imediatamente “Ho!”, e aquilo não precisa ser repetido
quando for sua vez de falar. Se um aluno não quiser falar nada quando estiver com o bastão em
sua mão, simplesmente diz “passo a palavra” e entrega o bastão ao aluno que está ao seu lado.
O procedimento tem como objetivo estabelecer ou reafirmar o relacionamento de grupo
entre os alunos. Costuma ser utilizado nas primeiras aulas do ano e em todos os momentos em
que se faz necessário reforçar a união do grupo, inclusive durante o processo de montagem de
peça teatral.
157
4.2.2 Montagem de peça teatral
Pode-se afirmar que cada processo de montagem, na instituição pesquisada, segue uma
trajetória específica, dependendo da peça com a qual se está lidando. Quando se trabalha com
uma comédia, por exemplo, os procedimentos que visam à construção de personagens são
distintos daqueles adotados quando se visa à criação de personagens não cômicos. Quando se
montam espetáculos musicais, em que os alunos cantam e dançam, faz-se necessária uma
preparação vocal diferenciada, bem como a criação e ensaios de coreografias.
Apesar das especificidades demandadas por cada espetáculo, consideramos importante,
nesta seção, descrever em linhas gerais as principais etapas e procedimentos operacionais pelos
quais todos os processos de montagem costumam passar na escola que é foco de nossa pesquisa,
independentemente da peça que está sendo montada. Nesta análise, levamos em conta apenas
distinções mais abrangentes, que interferem em alguns dos procedimentos centrais, como será
observado a seguir.
Para finalidades descritivas, dividimos o processo de montagem em cinco etapas55
, a
saber:
I. Escolha do texto;
II. Aproximação do universo do espetáculo;
III. Divisão e construção de personagens;
IV. Marcações de palco e primeiros ensaios;
V. Ensaios corridos e apresentações.
O número de encontros dedicados a cada uma das etapas é variável e depende sempre da
turma com a qual se está trabalhando. Cabe ressaltar que durante todo o processo de montagem,
55 A esquematização das etapas de montagem foi elaborada pela pesquisadora, com base no trabalho desenvolvido
na escola em tela. Spolin (1999), ao tratar de montagem de espetáculos com alunos, também propõe uma divisão
do processo em períodos, que difere da apresentada nesta pesquisa, embora alguns de seus procedimentos sejam semelhantes aos aqui apresentados. A esquematização de Spolin e os procedimentos em comum com o processo
desenvolvido na escola pesquisada serão detalhados mais adiante.
158
muitos dos procedimentos das aulas livres continuam a ser desenvolvidos, tais como a
“relaxação”, as improvisações “combinadas” e os trabalhos de corpo e voz. À medida que a
montagem avança, essas atividades vão sendo conduzidas de modo a contribuir para o
desenvolvimento do espetáculo. As improvisações, por exemplo, podem ser direcionadas à
criação de cenas da peça, e os trabalhos de corpo e voz podem colaborar com a construção de
personagens.
A seguir, são descritas as etapas mencionadas, destacando alguns dos principais
procedimentos adotados em cada uma delas, bem como os critérios que norteiam as escolhas de
tais procedimentos. São também citadas algumas peças teatrais montadas no IEI56
, a título de
exemplificação das etapas e procedimentos descritos.
I. Escolha do texto
A escolha da peça a ser encenada com cada grupo de teatro, em geral, costuma ser
pautada pelo perfil da turma. A maneira como os estudantes desenvolvem os diversos exercícios
propostos durante as aulas livres, e, em especial, as cenas criadas em atividades de improvisação
– tanto nos jogos quanto nas improvisações “combinadas” – fornecem subsídios para a seleção do
texto teatral ou tema a ser trabalhado. O número de alunos, a quantidade de meninos e meninas
no grupo e a experiência teatral prévia dos estudantes também influenciam a escolha. No que diz
respeito ao texto utilizado, ele pode ser: pronto, adaptado, escrito para a turma, ou criado pela
própria pela turma.
Quando trabalhamos com textos prontos, a motivação para a escolha da obra, em geral,
vem de improvisações realizadas durante as aulas livres, em que estudantes criam personagens e
situações semelhantes aos que existem em determinados textos dramáticos, mesmo sem conhecê-
los. Também levamos em conta, na escolha de textos prontos, os autores das obras, para que os
alunos – e também a comunidade escolar, via apresentação – tenham a oportunidade de conhecer
trabalhos de autores relevantes na dramaturgia nacional e internacional. Auto da Compadecida
(encenado em 2012), de Ariano Suassuna, Sonho de uma Noite de Verão (2010), de William
56 Para conferir títulos, datas de apresentação, autoria e elenco de todas as peças já encenadas no IEI, vide
APÊNDICE C. Para visualizar fotos e vídeos de espetáculos, vide DVD anexo.
159
Shakespeare e Nossa Cidade (2006 e 2001), de Thorton Wilder são exemplos são exemplos de
textos prontos encenados por estudantes de Ensino Médio. Com crianças, encenamos muitos
textos de Maria Clara Machado, como Pluft, o Fantasminha (2009, 2005, 2002), a Bruxinha que
era Boa (2011, 2007), Quem Matou o Leão? (2010, 2004), o Rapto das Cebolinhas (2007) e O
Cavalinho Azul (2008).
Figura 24 – Sonho de uma noite de verão (2010)
Figura 25 – Auto da Compadecida (2012) Figura 26 – Nossa Cidade (2001)
Exemplos de montagens com textos prontos
Realizamos a adaptação de textos teatrais quando certos aspectos de um texto teatral –
como a temática ou o enredo – são apropriados a determinada turma, mas há a necessidade de se
160
fazer algumas adequações (das cenas à faixa etária dos estudantes ou dos personagens ao número
de alunos, por exemplo). Em geral, quando se trabalha com turmas de Ensino Médio, as decisões
a respeito da necessidade de adaptação e de quais aspectos da obra serão modificados surge de
discussões entre professora e alunos; com turmas de Ensino Fundamental, na maioria das vezes, a
adaptação é proposta pela professora e os alunos ajudam a criar novas cenas ou personagens, de
acordo com o encaminhamento por ela sugerido. O Homem do Princípio ao Fim, de Millôr
Fernandes, foi adaptado nas montagens realizadas com os grupos teatrais de Ensino Médio dos
anos de 2011 e 2003, porque ambas as turmas sentiram a necessidade de fazer no texto algumas
modificações, de forma a deixá-lo mais atual e adequado ao público juvenil. O Patinho Feio, de
Maria Clara Machado, foi adaptado no ano de 2008 para se adequar a uma turma de quarta série
que tinha, no elenco, mais alunos do que o número de personagens da peça original.
Também ocorre de livros ou contos serem adaptados ou servirem de base para a
construção do texto teatral. Este último – o texto teatral encenado pelos alunos – costuma ser
escrito pela professora responsável pelas atividades de teatro (pesquisadora) ou por sua auxiliar.
Os espetáculos Quem tem Medo do Dragão? (2011) e Tá na Mira (2009) foram baseados,
respectivamente, nos livros O Menino e o Dragão, de Renata Adrião D’Angelo e Clique para
Zoar, de Isabel Vieira. A peça A Droga da Obediência (2001) foi adaptada do livro homônimo de
Pedro Bandeira; e A Menina e o Pássaro (2012), do conto A menina e o Pássaro Encantado
(2012), de Rubem Alves.
Figura 27 – A Menina e o Pássaro (2012), O Homem do Princípio ao Fim (2011) e A Droga da
Obediência (2001)
Exemplos de encenações de textos adaptado
161
Os textos escritos para determinadas turmas – neste caso, não adaptados de outras obras –
são, em geral, criados quando há muitos alunos em um mesmo grupo de teatro, o que dificulta a
escolha de uma obra que apresente um número suficiente de personagens e que, ao mesmo
tempo, seja adequada à faixa etária com a qual se está trabalhando. São escritos pela professora
ou por sua auxiliar. Costumam ser elaborados para turmas de crianças de quintos e sextos anos,
com as quais um trabalho de criação coletiva de texto (como costumamos fazer com alunos mais
velhos, conforme se verá a seguir) demandaria um tempo demasiado longo. Para a criação desses
textos, em geral parte-se de sugestões dos próprios estudantes, colhidas durante discussões
realizadas em aula, ou de cenas e personagens por eles criados em atividades de improvisação. A
peça Doze (2012) é um exemplo de texto escrito para uma turma de teatro de quinto ano, em que
o número de participantes era bastante elevado: 46 alunos no elenco. Era uma Vez um Relógio
(2011 e 2008), Deu a Louca no Mundo da Fantasia (2009 e 2010) e A História da Semente (2009
e 2006), e são também exemplos de textos escritos para turmas específicas, que, como se pode
notar pelas datas das apresentações, foram reapresentados em anos posteriores, quando outras
turmas de teatro apresentaram mesmo número de alunos e perfis semelhantes aos das primeiras
montagens.
Figura 28 – Doze (2012) Figura 29 – Era uma Vez um Relógio (2008)
Exemplos de textos escritos para determinadas turmas
162
Figura 30 – A História da Semente (2009) Figura 31 – Deu a Louca no Mundo da Fantasia (2009)
Exemplos de textos escritos para determinadas turmas
Os textos criados pelas próprias turmas são, de modo geral, resultado de processos de
criação coletiva com alunos a partir da sétima série do Ensino Fundamental. Costumam ser
elaborados quando o número de alunos é elevado, quando a turma manifesta a vontade de criar
uma peça própria ou quando a direção da escola solicita o trabalho com algum tema específico,
em geral ligado ao projeto pedagógico da instituição durante o ano vigente. Em 2009, por
exemplo, o projeto pedagógico da escola tratava de questões ligadas à justiça social, e o
espetáculo criado pelo grupo de Ensino Médio, Perfeitópolis, o Musical, foi desenvolvido a partir
dessa temática. No ano de 2007, ocasião em que a Amazônia era foco do projeto da escola, o
grupo de Ensino Médio criou o espetáculo Lendas que o Rio Contou, em que eram encenadas três
lendas típicas da região. Os espetáculos destinados ao público de Educação Infantil, como Esse
trem vai pra onde? (2012), E a Brincadeira já vai começar! (2010) e Alguém viu Vovô e Vovó?
(2007), também foram criados pelos próprios estudantes que os encenaram, levando em conta os
temas dos projetos pedagógicos da escola de cada ano. Nestes últimos casos, a criação dos
espetáculos, além de envolver temática ligada ao projeto pedagógico da escola, levava em conta o
desenvolvimento de uma linguagem cênica adequada ao público infantil.
163
Figura 32 – Apresentação de Perfeitópolis, o Musical (2009)
Figura 33 – Esse trem vai pra onde? (2012) Figura 34 – Lendas que o Rio Contou (2007)
Exemplos de textos criados pelas próprias turmas
É importante observar que durante a fase de escolha do texto, os estudantes, na prática,
continuam a desenvolver todos os procedimentos das aulas livres. Trata-se, portanto, de uma
etapa do trabalho em que o processo de montagem, em última análise, tem início apenas para a
professora, que, de acordo com o trabalho do grupo, começa a selecionar o material do espetáculo
a ser desenvolvido. Ainda assim, consideramos importante incluir a seleção do texto dentre as
fases do processo montagem porque, como se verá a seguir, essa escolha influenciará diretamente
os procedimentos adotados na fase de aproximação do universo do espetáculo.
164
II. Aproximação do universo do espetáculo
Independentemente do texto a ser montado ou criado por cada grupo teatral, a
aproximação dos estudantes com o universo do espetáculo é feita paulatinamente. Primeiro,
durante as aulas livres, o tema do espetáculo é trabalhado em jogos teatrais e improvisações
“combinadas”, por vezes sem que os estudantes saibam que aquela talvez seja a temática da peça
a ser montada. Depois dessa fase inicial, expõe-se à turma a sugestão de se desenvolver aquele
tema como espetáculo teatral, e os estudantes discutem a ideia. Se a proposta é bem aceita pelo
grupo, passa-se aos procedimentos seguintes, que variam de acordo com o tipo de texto com o
qual se está trabalhando.
No caso de trabalhos com textos prontos ou escritos para a turma, antes de entrar em
contato com a obra escrita, mas já conhecendo seu enredo, os alunos costumam realizar mais
jogos e improvisações “combinadas” baseados na trama e personagens da peça. Dessa forma,
quando entram em contato com texto propriamente dito, os estudantes em geral não se sentem
“presos” a ele, pois já compreenderam que é possível criar a partir do que o texto propõe. Em
outras palavras, os alunos compreendem que o texto pode ser um pretexto para a criação de
elementos que não necessariamente estão nele explícitos (como certas características de um
personagem ou algumas de suas ações e reações).
Depois dos jogos e improvisações, procede-se à primeira leitura do texto, que costuma ser
feita em roda, no palco, com os estudantes lendo em voz alta as falas dos personagens, e a
professora fazendo a leitura das rubricas57
. Normalmente, neste momento do trabalho, não se
designam alunos específicos para lerem determinados papéis; cada estudante, espontaneamente,
assume a leitura de um personagem. Para evitar ansiedade entre os alunos, deixa-se claro que essa
leitura não tem relação com a divisão de papéis para a encenação, que será feita posteriormente.
Terminada a leitura, os estudantes discutem sobre as impressões que a obra lhes causou e expõem
as primeiras ideias que, enquanto ouviam ou liam, tiveram para a encenação. Há casos em que as
turmas leem mais de uma peça teatral para, então, decidir qual delas será montada.
57 As “rubricas” ou “indicações cênicas” são os textos das obras dramáticas que não são pronunciados pelos atores e
que se destinam ao esclarecimento do leitor com relação à compreensão da peça e ao seu modo de apresentação. São exemplos de rubricas: o nome dos personagens, as indicações de entradas e saídas, a descrição dos lugares e
as anotações para a interpretação (PAVIS, 1999).
165
Após a primeira leitura, no caso de textos prontos, os estudantes realizam pesquisas sobre
o autor, a obra e montagens que já foram feitas a partir dela. As pesquisas, em geral, são
realizadas individualmente, fora do período das aulas, e apresentadas durante os encontros, nas
rodas de discussão, ou compartilhadas em redes sociais na internet, em comunidades criadas
pelos próprios participantes de cada grupo teatral. É costume também que os integrantes do grupo
realizem pesquisas visando à seleção de músicas e à criação de maquiagens, figurinos e
cenografia do espetáculo. As contribuições dos estudantes, nesse sentido, têm início nesta etapa
do trabalho e continuam até final do processo de montagem.
Depois da primeira leitura, tem também início um processo de “experimentação” de
papéis, em que cada integrante do grupo interpreta diferentes personagens da peça. Isso ocorre
especialmente por meio de improvisações, ora mais livres, em que se trabalha com os
personagens da peça fora das situações colocadas no texto, ora mais direcionadas, a partir de
cenas específicas. Trata-se de um procedimento que ao mesmo tempo em que favorece a
aproximação do universo do espetáculo, por parte dos alunos, oferece à professora responsável
pela turma subsídios para realizar, na fase seguinte, a divisão dos personagens entre os alunos do
elenco. Esse tipo de trabalho é também defendido por Spolin58
(1999) como método de formação
de elenco. A autora coloca que o procedimento, que combina teste com improvisação, tende a
deixar os “atores” relaxados e que, “[...] num ambiente livre de tensão, é mais provável que o
diretor veja claramente as possibilidades de cada um” (SPOLIN, 1999, p. 23).
***
Quando o texto é fruto de um processo de criação coletiva (texto criado pelos alunos), o
primeiro procedimento, após a exposição ao grupo da temática a ser desenvolvida, é o brainstorm
(tempestade de ideias), em que os estudantes expõem as mais variadas ideias a respeito do tema,
tendo em vista a elaboração de um esboço de enredo.
58 Viola Spolin, ao tratar da montagem de espetáculos com alunos de teatro, propõe uma divisão do cronograma
geral de ensaios em três grandes períodos: o primeiro, “[...] para o aquecimento do diretor e dos atores [...]”; o
segundo, “[...] em que todas as energias são canalizadas para o potencial artístico total em perceber o texto”; e o
terceiro, “[...] para polimento e integração de todos os aspectos da produção em uma unidade” (SPOLIN, 1999, p.
28). O processo de formação de elenco ao qual nos referimos é utilizado por Spolin antes do início do primeiro período de ensaios, fase esta em que, no processo abordado pela autora, todos os personagens já estão divididos
entre os alunos.
166
Em seguida, a turma é dividida em subgrupos, para criar improvisações “combinadas” a
partir de algumas das ideias levantadas durante o brainstorm. Em geral, para essas
improvisações, é solicitado aos alunos que encenem uma parte específica da história que está
sendo construída, e não toda ela. Todos os subgrupos, em especial no início desse processo de
trabalho, dedicam-se à criação de cenas da mesma parte da história. Essa diversidade de
propostas para a encenação de um único trecho facilita a elaboração do texto final, que
usualmente incorpora elementos sugeridos por diferentes subgrupos. As cenas criadas pelos
pequenos grupos são apresentadas a toda a turma, que, na sequência, discute quais aspectos das
improvisações poderiam ser aproveitados na peça. Às vezes, uma cena inteira acaba sendo
incorporada ao espetáculo; outras vezes, aproveitam-se determinadas falas ou ações propostas
pelos “atores”.
Esse processo, que envolve exposição de ideias e improvisação a partir delas, costuma
durar vários encontros. Gradativamente, a partir dessas criações, o enredo vai sendo melhor
delineado. A escrita do texto vai sendo feita após a discussão sobre cada cena, quando o grupo
considera que já há elementos suficientes para tal. Nesses casos em que o texto é produzido
coletivamente, em geral não há a necessidade de os alunos experimentarem interpretar os
diferentes personagens após a escrita do texto porque, durante as improvisações, esse trabalho já
é realizado.
A pesquisa para a criação de cenários, figurinos e trilha sonora é intenso nesse tipo de
processo e, assim como no trabalho com textos prontos, costuma se estender até o final do
processo de montagem.
***
Quando se opta por um processo de montagem com texto adaptado, primeiro é realizada
uma leitura da obra escolhida. Em seguida, a turma discute quais aspectos do texto (como cenas,
sequência de acontecimentos e personagens) serão mantidos e quais sofrerão modificações. Para
os trechos que a turma opta por deixar como no original, os procedimentos de aproximação com
o universo do espetáculo são semelhantes aos utilizados quando se trabalha com textos prontos
ou escritos para a turma: são realizadas improvisações com os personagens da peça ora em
situações propostas pelo texto, ora fora delas. Para os aspectos que o grupo decide que sofrerão
167
adaptações, procede-se como nos trabalhos com textos criados pela própria turma: brainstorm,
improvisações a partir das ideias propostas, discussão sobre as cenas apresentadas e construção
do texto a partir do material criado coletivamente.
***
Independentemente do tipo de texto escolhido, a etapa de aproximação do universo da
peça costuma durar, no mínimo, quatro encontros (o que corresponde ao período de um mês,
visto que as aulas de teatro, na instituição abordada, são semanais). Dessa forma, quando se passa
à fase seguinte (de divisão e construção de personagens), os estudantes já tiveram a oportunidade
de experimentar diferentes papéis.
III. Divisão e construção de personagens
A divisão dos personagens da peça entre os alunos é feita pela professora, com base no
trabalho realizado durante a etapa de aproximação do universo de espetáculo. É um processo que
exige cuidado para não estimular o exibicionismo e possíveis rivalidades entre os alunos. Para tal,
o trabalho é realizado no sentido de enfatizar a importância de todos os personagens do
espetáculo, independentemente do número de falas ou aparições durante a peça.
Nenhum dos estudantes toma conhecimento, antes dos demais, sobre qual personagem vai
representar. A distribuição dos papéis é comunicada de uma só vez, para toda a turma, quando já
se sabe qual personagem será atribuído a cada um dos alunos. Em geral, esta etapa do trabalho
costuma transcorrer de forma tranquila, justamente porque o tempo dispensado à etapa anterior,
na qual os alunos têm a oportunidade de desempenhar diferentes papéis, amaina a ansiedade dos
estudantes e facilita a escolha dos personagens por parte da professora. Ao experimentar papéis
variados, os próprios estudantes vão compreendendo em quais deles se sentem mais à vontade
para atuar e, em geral, são esses personagens que acabam lhes sendo atribuídos. Nesse processo
prévio de “experimentação”, os alunos vão também observando como os demais integrantes do
grupo desempenham os diferentes personagens da peça e como as cenas parecem “funcionar”
melhor com determinadas divisões de elenco. De modo que, quando chega o momento da
168
atribuição de papéis, a divisão, de certa forma, não é surpresa para o grupo. Quando se trabalha
com a construção coletiva do texto, a divisão de papéis é ainda mais tranquila: ao criar as
diferentes cenas do espetáculo, em geral os próprios alunos já criam papéis que lhes são
adequados, o que facilita e acelera a divisão de personagens.
Isso não significa, no entanto, que a escolha do elenco seja sempre tarefa fácil. Como bem
coloca Spolin (1999), trata-se de um período tenso para quem tem a responsabilidade da escolha.
Muitas vezes, durante o período de aproximação do universo da peça, ocorre de dois ou mais
alunos demonstrarem que desempenharão muito bem um mesmo papel, mas nenhum se
identificar com outro personagem. Nesses casos, é preciso antever quem terá possibilidades de,
ao longo do processo, aproximar-se e apropriar-se deste papel. A esse respeito, a autora comenta:
Formar o elenco exige um insight infinito por parte do diretor, o qual deve,
afinal de contas, procurar não a obra acabada, mas aquele tom de voz, aquela presença, aquela qualidade corporal – aquele “algo” indefinível que inicialmente
é apenas sentido. (A quantidade de trabalho que tomará para desenvolver
totalmente cada pessoa também deve ser considerada.) Um ator pode ter as qualidades do personagem que se deseja, mas tem tão pouca formação que será
impossível conseguir o necessário num período de ensaio limitado (SPOLIN,
1999, p. 23).
Por vezes, especialmente quando as turmas são muito numerosas (o que costuma
dificultar o processo de divisão), é solicitado aos estudantes que, individualmente, escrevam uma
lista com todos os personagens da peça e, ao lado de cada um dos papéis, o nome do aluno que
escolheriam para desempenhá-lo (incluindo o seu próprio nome, que deve ser destacado). As
listas são entregues à professora, que, desse modo, tem a possibilidade de entender quais as
expectativas dos estudantes, o que muitas vezes facilita a seleção. Isso ocorre, por exemplo,
quando se está em dúvida entre mais de um aluno para um mesmo papel e apenas um deles
manifesta o desejo de representá-lo. As listas também oferecem à responsável pelo grupo a
possibilidade de trabalhar com divisões de elenco que, a princípio, não havia considerado. Outro
aspecto positivo do procedimento é o fato de colocar os alunos no lugar da professora e, com
isso, fazê-los compreender que as decisões sobre os personagens devem ser tomadas levando-se
em conta não alguns desejos individuais, mas as opções que se mostram mais adequadas para o
grupo como um todo.
169
Depois de distribuídos os papéis, tem início o processo de criação dos personagens. O
objetivo desta fase do trabalho é fazer com que o aluno construa características de seu
personagem, tais como sua voz, sua maneira de andar, sua postura, seu modo de olhar, sua
maneira de expressar diferentes sentimentos e aspectos de sua vida que não estão explícitos no
texto. Os procedimentos adotados para essa criação são variados e dependem da peça que está
sendo montada. Dentre eles, podemos destacar: “relaxação” com visualização do local onde vive
o personagem e de suas características corporais e vocais; exploração do modo de agir do
personagem quando submetido a diferentes emoções; criação física do personagem, a partir dos
pés até a cabeça, de modo a fazer com que cada parte do corpo expresse determinadas
características do papel; exploração do texto, imprimindo diferentes intenções, tonalidades
vocais, velocidades e entonações a uma mesma fala; utilização de máscara neutra para exploração
da expressividade corporal do personagem; improvisações “combinadas”, com os personagens
em situações que não estão no texto.
Quando os alunos já demonstram certa segurança na interpretação seus respectivos papéis,
passa-se à fase seguinte.
IV. Marcações de palco e primeiros ensaios
Este é o período em que cada uma das cenas do espetáculo é trabalhada visando a uma
forma final. A marcação de cenas diz respeito à movimentação dos atores no palco. Spolin (1999,
p. 57) a define como “a coreografia das atividades de cena” e enfatiza que ela “[...] deve facilitar
a atividade, enfatizar e intensificar a preocupação e a ação, fortalecer os relacionamentos e
sublinhar os conflitos”. A autora coloca, ainda, que a marcação deve emergir do envolvimento
dos participantes e de sua inter-relação, e que, para tal, é importante que os alunos não sejam
dirigidos prematuramente, procedimento que “mata a frágil intuição nascente” (SPOLIN, 1999, p.
41). Quando isso ocorre, os estudantes podem até se lembrar de suas marcações, mas dificilmente
agirão com naturalidade, porque não entendem a motivação para suas movimentações.
Justamente com o intuito de levar os participantes a compreenderem as motivações para
suas ações, é adotada, como procedimento inicial desta etapa do trabalho, a montagem das cenas
170
pelos próprios alunos, sem intervenções da professora. A prática, vale destacar, também favorece
o desenvolvimento da autonomia. Divididos em subgrupos de personagens de uma mesma cena,
os estudantes trabalham com o texto, montando aquele trecho da peça como acreditam que ele
deveria ser. Realizam alguns ensaios somente entre os membros do subgrupo e, então,
apresentam o resultado à turma. O trabalho de direção atua no sentido de “limpar” o que é
proposto pelos estudantes: se a movimentação impede a visualização da cena por toda a plateia
ou não favorece o desenvolvimento do conflito, por exemplo, sugere-se uma marcação diferente.
Com alunos experientes, e em cenas que não envolvem muitos “atores”, em geral muitas das
propostas de marcações dos estudantes precisam de pouca ou nenhuma intervenção. Já nas cenas
em que há um número elevado de pessoas no palco ao mesmo tempo, e em especial nas que
envolvem movimentos coreografados, a intervenção costuma ser maior.
É também nesta etapa do trabalho que as interpretações dos alunos são trabalhadas com
maior atenção. Quando nas cenas montadas pelos alunos existem performances que parecem
destoar da situação que está sendo representada, tenta-se fazer com que os alunos compreendam
melhor o contexto encenado. Às vezes, é preciso trabalhar com o sentido de algumas das falas do
texto, para que, compreendendo-as melhor, os alunos as digam com mais clareza, verdade e
propriedade. Outras vezes, é necessário dedicar especial atenção a questões como a gesticulação,
o olhar, o volume da voz e as reações a determinadas falas ou ações. Seja qual for o caso, o
trabalho de direção tenta fazer com o aluno descubra, por si só, como pode melhorar sua atuação.
Por isso, evita-se mostrar ao estudante “como se faz”. A professora pode sugerir, por exemplo,
qual palavra do texto poderia ser enfatizada para se obter determinado efeito, mas evita dizer a
fala da maneira como imagina que ela poderia ser. Pode pedir “mais intensidade”, “mais tristeza”
ou “mais alegria” na interpretação de determinados trechos da peça, mas evita demonstrar como
atuaríamos naquela cena. Procede-se desse modo para que o aluno não tente copiar um modelo
que, afinal é apenas uma possibilidade entre tantas outras que ele pode descobrir sozinho. Vale
enfatizar, neste ponto, que a autonomia destaca-se como importante elemento na exploração da
linguagem teatral.
Depois de estabelecida a movimentação de palco e de trabalhadas as interpretações, cada
cena é repassada algumas vezes para que os alunos se habituem e estejam confortáveis com as
marcações, e para que a cena ganhe o ritmo e a intensidade esperados para a apresentação. Trata-
171
se de um processo ao qual Spolin (1999) se refere como “polimento” das cenas. Como a autora
coloca, o tempo despendido nesse trabalho varia de acordo com a cena que está sendo montada:
Algumas cenas precisam ser repetidas centenas de vezes para que sejam
perfeitamente polidas. Outras precisam de muito pouco trabalho além dos ensaios normais. Uma cena que tenha efeitos especiais não deve parecer mal
feita no espetáculo mesmo que isso signifique horas de trabalho (SPOLIN, 1999,
p. 65).
É importante que os estudantes não passem muitos encontros sem ensaiar as cenas já
marcadas para que não haja o esquecimento de detalhes importantes nem a perda da qualidade
conquistada durante os primeiros ensaios. Por isso, a cada novo encontro, sempre que possível,
costuma-se retomar as cenas já marcadas e ensaiadas em aulas anteriores. À medida que o
processo de marcação avança, as cenas já marcadas são ensaiadas na sequência do espetáculo.
Esse procedimento é importante para que as ligações entre as cenas sejam trabalhadas de modo a
não comprometer o ritmo da apresentação, e para que cada aluno compreenda melhor como serão
suas atividades nos bastidores (troca de figurinos, manipulação de cenários etc.) e o tempo que
terá para cada uma delas.
A memorização das falas costuma ocorrer durante esta etapa de marcação e primeiros
ensaios. Dependendo da peça, às vezes existe a necessidade de o aluno estudar seu texto também
em casa, porém a maior parte do trabalho é realizada durante os encontros. Tendo em vista que
muitas das cenas já vêm sendo trabalhadas dede a etapa 2 (“aproximação do universo do
espetáculo”), alguns estudantes já chegam à fase das marcações com suas falas memorizadas;
outros ainda sentem necessidade de levar seus textos para o palco durante os primeiros ensaios,
mas em geral não demoram a livrar-se deles: “Quando os atores estão integrados e se relacionam
com todos os aspectos da comunicação teatral, todos estão prontos para memorizar – de fato, para
a maioria, o trabalho já foi feito” (SPOLIN, 1999, p. 79).
Ainda com relação à memorização, é importante destacar que mesmo quando se trabalha
com textos longos, procura-se valorizar o trabalho criativo de cada estudante, no sentido de
estimulá-lo a se apropriar de suas falas, conferir-lhes verdade e construir corporal e vocalmente
seus personagens, a partir do material dramático dado. Trata-se de um tipo de trabalho com o
registro escrito que, de acordo com Kempe (1998, p. 92-93),
172
[...] não impede a criatividade: a promove. O leitor é convidado a interpretar o
roteiro, por meio de perguntas do tipo: ‘Como isto acontecerá no palco?’ e ‘Qual
seria o efeito sobre mim se eu estivesse no lugar da plateia?’ [...] Encontrar uma maneira adequada de interpretar uma fala envolve considerável engajamento
imaginativo.
Figura 35 – Ensaio (2013)
V. Ensaios corridos e apresentações
Quando toda a peça está marcada, passa-se à fase dos ensaios corridos e, em seguida, das
apresentações. Spolin (1999, p. 95) se refere a essa fase final do processo de montagem como a
etapa em que “a joia já foi cortada e avaliada e agora deve ser colocada em seu devido lugar”. É
uma etapa que exige grande comprometimento por parte dos alunos, no sentido de não faltar, não
se atrasar e não se desconcentrar durante os ensaios. Spolin (1999) coloca que esse é o período
em que a disciplina deve atingir seu ponto máximo e que atrasos, por exemplo, não podem ser
permitidos.
173
“Ensaios corridos” são aqueles em que se tenta realizar toda peça, com o mínimo de
paradas para se corrigir eventuais problemas. Depois de alguns ensaios corridos em que ocorrem
algumas interrupções para melhorar certos aspectos da encenação, são realizados os “ensaios
corridos sem paradas”, em que os atores não são interrompidos durante a representação, mesmo
que haja determinadas “falhas” (como desconcentração ou esquecimento de falas e marcações).
Os problemas são anotados pela professora, que, ao término do ensaio, os expõe ao grupo, para
que, na próxima passagem da peça, eles não voltem a ocorrer.
Às vezes, durante esta etapa do trabalho, é necessário retomar com mais atenção uma ou
outra cena específica, que esteja apresentando mais problemas. Então, além dos ensaios corridos,
são realizados “ensaios localizados”, em que a cena em questão é trabalhada de maneira mais
detalhada. Esse procedimento também é defendido por Spolin (1999, p. 102), que o detalha de
seguinte maneira:
O ensaio localizado é utilizado para dar um tempo especial para trabalhar uma
cena problemática que não foi solucionada durante os ensaios regulares. Pode
ser uma simples entrada ou uma envolvente cena emocional. Pode ser um problema para solucionar uma cena de multidão de forma mais efetiva ou ajudar
um ator a explorar e intensificar um longo discurso.
Quando, mesmo após os ensaios localizados, os ensaios corridos apresentam
determinados problemas de forma recorrente, ou quando os alunos não conseguem dar sequência
aos ensaios por conta de desconcentração, são realizados “ensaios corridos especiais”,
procedimento também utilizado por Viola Spolin para o trabalho de montagem com crianças e
adultos. Para a realização dos ensaios corridos especiais, os alunos são instruídos a atuar de modo
a fazer com que eventuais problemas sejam imediatamente “encobertos”. Se algum “ator”, por
exemplo, esquecer uma fala, ele ou algum outro aluno deverá improvisar, dizendo algo que se
encaixe ao contexto, de modo a manter a cena em andamento. Caso não haja essa “cobertura”, o
ensaio deve recomeçar do início do ato em que parou ou mesmo do início da peça. Os ensaios
corridos especiais objetivam fazer com que os participantes de um espetáculo compreendam que
todos são responsáveis pela encenação e que, se o grupo estiver coeso, a plateia não notará que
algo está errado, pois não conhece o texto.
174
Esta é a mais completa expressão da experiência do grupo. Os jogadores
individuais devem estar muito disciplinados, pois agora eles são diretamente
responsáveis pelo grupo (a peça). Ao mesmo tempo, dá um profundo sentimento de segurança para o jogador saber que, não importa o que aconteça em cena, e
qualquer que seja a crise ou o perigo, o grupo virá em seu auxílio pelo bem do
espetáculo (SPOLIN, 1999, p. 107).
Podemos entrever, na citação acima, um importante aspecto da cidadania: o fato de haver,
no fazer teatral, um elemento cultural e socialmente compartilhado. Quando há um coletivo que
entende como tal, se ocorre um problema com a peça ou ensaio, por qualquer que seja o motivo,
aciona-se uma solidariedade compartilhada e todo o grupo mobiliza-se para resolvê-lo.
É durante esta última etapa da montagem que elementos como iluminação, trilha sonora,
figurinos e material cenográfico vão sendo incorporados aos ensaios. Com relação à trilha sonora,
especificamente, são incorporadas nesta fase apenas aquelas músicas que não interferem
diretamente nas ações dos atores; as que são primordiais à ação, como as cantadas ao vivo ou
coreografadas, são em geral selecionadas durante a etapa 2 (“aproximação do universo do
espetáculo”) e utilizadas desde a etapa 4 (“marcações de palco e primeiros ensaios”). A
incorporação de luzes, músicas, cenários e figurinos, muitas vezes, demanda que os ensaios sejam
entrecortados por diversas pausas, a fim de que sejam realizados certos ajustes nas marcações e
para que os alunos se acostumem aos novos elementos. O tempo de permanência de um aluno no
palco, por exemplo, pode ser estendido ou diminuído, até que uma luz se apague; eventuais trocas
de figurinos e cenários podem demorar mais tempo que o planejado, o que exigirá mudança em
alguma cena ou ajuda extra nos bastidores para que a troca seja realizada a tempo. Quando todos
os novos elementos já estão incorporados ao espetáculo, são realizados “ensaios gerais”, que nada
mais são do que ensaios corridos sem paradas, com tudo o que haverá durante a apresentação
(iluminação, sonoplastia, figurino e cenários).
Após alguns ensaios gerais, é chegado o momento das apresentações. É importante que ao
menos um ensaio geral seja realizado na própria data de estreia da peça ou em sua véspera, para
garantir o ritmo do espetáculo, deixar os alunos mais seguros e realizar eventuais acertos de
última hora. Nos dias de apresentação, os estudantes chegam ao auditório algumas horas antes do
espetáculo, e ali vestem seus figurinos, penteiam-se e maquiam-se. Quando necessário, os alunos
175
mais jovens (em especial de quintos e sextos anos) são auxiliados nos penteados e maquiagens
pela professora de teatro, professores auxiliares e alunos mais velhos. Faltando de 20 a 15
minutos para a apresentação, todos os participantes se reúnem nos fundos do auditório, onde,
posicionados em círculo, realizam um aquecimento corporal e vocal, trocam as últimas
informações e se concentram. Para a concentração, todos se dão as mãos e, em silêncio,
mentalizam o que devem fazer durante o espetáculo. Então, a professora pergunta se alguém
gostaria de dizer alguma coisa ao grupo. Em geral, muitos alunos tomam a palavra para
incentivar os colegas a esforçarem-se ao máximo durante a apresentação e também para
agradecer pelo trabalho desenvolvido e pela convivência ao longo do ano. Costuma ser um
momento de forte emoção e sentimento de pertencimento ao grupo, em que, muitas vezes, os
valores cidadãos destacados nesta pesquisa são espontaneamente mencionados pelos
participantes, como contribuições do teatro para sua formação. Em seguida, ainda de mãos dadas,
o grupo realiza o já mencionado ritual preliminar coletivo (vide capítulo 1), conhecido como
“oração do teatro”. Após o ritual, a roda se desfaz e todos se dirigem, em silêncio, para os lugares
onde devem estar no início da peça.
Durante a apresentação, os alunos são responsáveis por toda a movimentação e
organização dos bastidores, o que inclui entradas e saídas dos “atores” do palco, trocas de
cenários e de roupas, eventuais acionamentos de dispositivos como máquinas de fumaça, entre
outras atividades. Para que nenhum detalhe seja esquecido, é comum que os estudantes elaborem
roteiros especiais, que são afixados nas paredes dos camarins, contendo informações sobre toda
essa movimentação. Tudo deve ser realizado com atenção e de modo silencioso, para que a
concentração da plateia à peça não seja interrompida por ruídos ou movimentos que não fazem
parte da ação dramática que está sendo representada no palco. Conforme já mencionado no
capítulo 3, é comum que estudantes pertencentes a outras turmas de teatro – ou mesmo alunos da
escola que não participam regularmente de atividades teatrais – atuem como contrarregras nos
dias de apresentação. Para tanto, esses contrarregras costumam participar de alguns ensaios
corridos e dos ensaios gerais. Há também casos em que eles se unem ao grupo que vão auxiliar já
na etapa 4 (“marcações de palco e primeiros ensaios”).
Após a estreia, professora e alunos conversam sobre suas impressões a respeito da
apresentação. Se preciso, são realizados ensaios localizados para corrigir eventuais problemas.
176
Com os grupos de Ensino Fundamental, cujas apresentações costumam ocorrer em um único dia
(como colocado no capítulo 3), esses ensaios localizados ocorrem no intervalo entre as duas
apresentações. Com os grupos de Ensino Médio, cujas apresentações são no período da noite, os
ensaios localizados ocorrem durante a tarde do próximo dia de apresentação. Por vezes, com
turmas de Ensino Médio, há um intervalo de uma semana entre uma apresentação e outra.
Quando isso ocorre, além dos ensaios localizados, realiza-se um ensaio corrido antes do
espetáculo, para que todos os detalhes sejam relembrados.
Em geral, a última apresentação de uma peça coincide com o término das aulas de teatro
daquele ano, marcando a conclusão de todo o trabalho descrito neste capítulo.
4.3 Conclusões do capítulo
Como se viu ao longo deste capítulo, o trabalho com teatro no IEI é realizado visando à
exploração e apropriação da linguagem teatral, em processos que se pautam pela participação
ativa de todos os integrantes do grupo. A colaboração, o diálogo aberto e os processos decisórios
coletivos, explorados na primeira seção do capítulo são a base para o desenvolvimento de todos
os procedimentos metodológicos descritos na segunda unidade. Todos esses elementos podem
colaborar com a formação da cidadania, em especial no que tange aos processos de emancipação
dos indivíduos. Afinal, ao explorar e ampliar seus recursos expressivos em uma atividade
artística, calcada em princípios democráticos, o aluno exercita a “autonomia do pensar e do
fazer” (GOHN 2010, p.14), característica citada no capítulo 1 como fundamental ao cidadão
emancipado.
A analogia entre a metodologia utilizada na escola em questão e os processos
colaborativos comuns a grupos de teatro da contemporaneidade, como visto, é também um
importante elemento de análise do trabalho realizado, quando se pensa sob a perspectiva da
cidadania. Neste ponto, é interessante observar que do mesmo modo que no teatro profissional,
quando participa de processos colaborativos, o ator explora a cena e propõe soluções artísticas
que, de tão eficientes, são levadas ao palco sem intervenção do diretor, o mesmo ocorre nos
177
processos desenvolvidos na escola pesquisada. Muitas foram as vezes em que os estudantes,
engajados na exploração da linguagem e comprometidos com a criação artística, apresentaram
cenas que foram incorporadas ao espetáculo que estava sendo montado com pouca ou nenhuma
intervenção da professora. Esse tipo de situação, vale frisar, é mais comum no Ensino Médio do
que nas turmas de Ensino Fundamental. Mais do que a idade dos participantes, contribui para as
cenas bem montadas o fato de, na escola estudada, os alunos terem a oportunidade, como visto no
capítulo anterior, de frequentar aulas de teatro desde o quinto ano do Ensino Fundamental.
Assim, ao chegar ao Ensino Médio, muitos dos alunos já estão familiarizados com os modos de
produção e com a linguagem teatral, de modo que muitas vezes exploram os recursos da cena
com autonomia, de maneira análoga a artistas profissionais.
Vale observar, levando em conta os aspectos apresentados no capítulo, que o trabalho
com teatro desenvolvido na escola em foco tem como uma das principais características a
flexibilidade, no sentido de adaptar cada processo à turma e aos alunos com os quais se está
lidando. Trata-se de mais um aspecto que aproxima o trabalho descrito da educação não formal,
marcada, de acordo com Afonso (1989, p. 78), por “flexibilidade na adaptação dos conteúdos de
aprendizagem a cada grupo concreto”.
Nessa busca de adaptação a perfis variados de estudantes e grupos, são utilizados (em
especial durante a fase de aulas livres) procedimentos advindos de fontes diversas, o que marca o
trabalho aqui descrito por certo sincretismo de correntes metodológicas. Constitui-se, dessa
forma, uma metodologia própria (ainda que não exatamente original, já que incorpora elementos
de tantas outras). Ryngaert (2009) posiciona-se de maneira favorável a essa fusão de diferentes
tendências pedagógicas no trabalho com teatro. Para o autor, “a transposição demasiado
exclusiva de um modelo artístico no domínio pedagógico só serviria para empobrecê-lo ou
caricaturá-lo” (p. 29-30). O sincretismo do trabalho com teatro na escola é também entendido
como positivo por Cabral (2007), na medida em que oferece ao aluno a oportunidade de conhecer
uma multiplicidade de procedimentos referentes ao fazer teatral, estando, portanto, em
consonância com o teatro contemporâneo.
O fazer teatral contemporâneo coloca em questão o cruzamento das diversas
situações, vivências, circunstâncias e oportunidades no desenvolvimento de
habilidades e ampliação do conhecimento. [...] A ampliação da percepção crítica
178
requer vivências diferenciadas. Assim, a variedade de abordagens, no percurso
das experiências de teatro na escola, como canal para perceber e aceitar a
diferença pode ser uma meta, além de evitar a reprodução cultural e social de um modelo específico. O risco de um modelo, no contexto do ensino de teatro na
escola, é o seu gradual distanciamento do fazer teatral contemporâneo. Este risco
pode se acentuar se o professor não se precaver contra a rigidez e a rotina na
adesão de uma metodologia específica (CABRAL, 2007, p. 2).
O processo de montagem de peças descrito neste capítulo também se caracteriza pela
flexibilidade na medida em que envolve sempre uma participação bastante ativa dos alunos:
cenas improvisadas em sala de aula, ideias dos estudantes surgidas em meio a ensaios, músicas e
textos sugeridos ou mesmo criados por eles vão sendo incorporados aos espetáculos montados,
que, em geral, acabam se tornando produtos de processos colaborativos.
Cabe aqui lembrar que “processo” e “produto”, por muitos anos, foram tratados como
antagônicos no campo do teatro aplicado à educação (RIBEIRO, 2010). Como visto no capítulo
2, autores pioneiros na área em questão, como Winifred Ward, Caldwell Cook e Peter Slade,
defendiam o processo como centro do trabalho com teatro em escolas, opondo-se às formas
tradicionais de se fazer teatro em ambientes educacionais, que em geral valorizavam apenas o
produto e não apresentavam preocupações com o desenvolvimento dos estudantes. Com o passar
do tempo, alguns autores começaram a questionar esse tipo de trabalho, focado essencialmente na
espontaneidade e no desenvolvimento de aspectos psicológicos, e passaram a defender a
aprendizagem de conteúdos específicos da linguagem teatral. As teorias atuais tendem a defender
uma espécie de reconciliação entre processo e produto (RIBEIRO, 2010). Fleming (1999, p. 14),
por exemplo, argumenta:
Durante as dramatizações improvisadas, qualquer que seja a forma que estas tomem, os alunos estão sempre a trabalhar para um produto. Do mesmo modo
que quando estão envolvidos na representação teatral estão simultaneamente
envolvidos no processo dramático. Tentar preservar a distinção exclusiva entre o processo e o produto é como tentar distinguir o desafio de futebol do ato de
jogar futebol; é como se alguém negasse a possibilidade de falar sobre o
resultado do jogo ou de identificar um jogador chave para a sua equipe
argumentando que os jogadores só estão envolvidos no processo.
179
É exatamente nessa perspectiva que se desenvolve o trabalho com teatro na escola aqui
retratada. Entendemos, portanto, que a montagem de peças teatrais, como produtos artísticos, não
significa um retrocesso às práticas pedagógicas tradicionais utilizadas até meados do século XX,
época em que, conforme também colocado no capítulo 2, os alunos apenas decoravam suas falas
e tinham seus movimentos de cena rigorosamente marcados, visando apresentações em datas
comemorativas. Pelo contrário: o produto, na instituição abordada, é compreendido como parte
de um processo, do qual todos os envolvidos participam ativamente, e em que todas as etapas são
importantes.
Como visto neste capítulo, os procedimentos metodológicos estudados são organizados,
primordialmente, visando à apropriação da linguagem teatral. Linguagem esta que é
evidentemente artística e que, como arte, carrega processos que lhe são próprios. E se as
atividades teatrais desenvolvidos na escola pesquisada compreendem o teatro como arte, o fazer
teatral ali proposto traz consigo um modo crítico/reflexivo, que é próprio da arte. Afinal, o fazer
artístico abre espaço para pensar e questionar a realidade, as pessoas, as relações e o mundo sob a
vertente da sensibilidade e da imaginação; possibilita, ainda, reorganizar essa reflexão e expressá-
la a partir de uma linguagem estética específica, que une o concreto e o simbólico, promovendo
formas de comunicação extracotidianas. Em nosso entendimento, é justamente esse modo
crítico/reflexivo que torna o fazer artístico atividade propensa à instauração de processos
emancipatórios e à consequente conquista da autonomia.
Desse modo, chegamos ao final deste capítulo com a compreensão de que o exercício
cidadania – e, dentro dela, o desenvolvimento da autonomia e da emancipação – é inerente a
processos que se pautam pela exploração do teatro como linguagem artística. Portanto, pode-se
entender que os processos desenvolvidos no IEI, ao serem organizados com a intenção de
promover a apropriação da linguagem teatral – compreendida como fazer artístico – trazem
intrínseca a tríade de valores que sustentam a cidadania.
Essa reflexão, evidentemente, é baseada na análise da própria professora de teatro, que, na
condição de pesquisadora, buscou refletir sobre os procedimentos que desenvolve na escola em
foco. Cabe, agora, compreender os processos descritos e sua contribuição para a formação da
cidadania sob outro o ponto de vista: o dos estudantes. É a essa compreensão que se dedica o
180
capítulo subsequente, que analisa entrevistas realizadas com alunos e ex-alunos da instituição
abordada, que vivenciaram o processo de trabalho com teatro descrito neste capítulo.
Figura 36 – Final de apresentação (2012)
181
SINGULARIDADES DOS PROCESSOS TEATRAIS DO IEI – PARTE II
Programas e montagens de peças
Nesta seção, são analisados três programas de peças montadas no IEI59
. A partir de
elementos (textos, fotos e desenhos) de cada um desses programas, são destacadas algumas
singularidades dos processos de montagem a que os materiais se referem. As particularidades
expostas se configuram como exemplos práticos de algumas das características do trabalho
desenvolvido na instituição, apresentadas nos capítulos 3 e 4. Todas as singularidades destacadas,
como se verá, apresentam relações com a temática da cidadania. No DVD anexado à dissertação,
podem ser conferidos vídeos e fotos de cada uma dessas encenações.
- SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO
Figura 37 – Sonho de uma noite de verão (a)
Este espetáculo foi montado no ano de 2010, com a turma de teatro do Ensino Médio. A
própria capa do programa (ANEXO G) já permite uma primeira observação sobre a participação
ativa dos alunos em aspectos diversos da montagem: o desenho é de autoria de um então aluno da
instituição, que, embora não participasse desse espetáculo, havia feito parte do elenco da peça
59 Capa e páginas internas de cada um desses programas podem ser visualizadas nos ANEXOS G, H, I, J, K, L, M,
O, P, Q, R, e S.
182
183
montada no ano anterior. Toda a arte gráfica do programa (fotos, cores, diagramação etc.) foi
realizada por uma ex-aluna, participante do elenco.
Na contracapa (ANEXO H), o primeiro texto que aparece (intitulado “Sobre o teatro na
escola...”) é de autoria da diretora do IEI. Em sua reflexão (inspirada nos PCN – Arte), fica clara
a valorização do teatro por parte da instituição. Uma valorização conquistada no decorrer de anos
de trabalho, conforme visto no capítulo 3. O posicionamento da diretora, que pondera sobre o
papel do teatro na escola, leva em conta algumas das especificidades da arte, tais como a
combinação entre o concreto e simbólico e a possibilidade de integrar, em uma mesma atividade,
pensamentos, sentimentos e expressões. Outro ponto que merece ser destacado é a relação
bastante clara entre o teatro e a cidadania, expressa nos dizeres da representante da escola: para
ela, a atividade permite ao aluno uma melhor “[...] inserção e participação na sociedade”,
possibilita ao estudante “[...] responder com mais flexibilidade aos desafios que o mundo impõe”
e pode promover uma “[...] constante transformação de si e da realidade circundante”. Como se
nota por meio desses comentários, um tópico de fundamental relevância nesta pesquisa – a
transferência dos aprendizados construídos com a participação no teatro para outros aspectos da
vida – é levantado e defendido pela diretora da instituição. Neste contexto, destaca-se a afirmação
de que a escola “[...] acredita no teatro como eficiente instrumento de educação para a vida”.
O segundo texto que aprece no programa, intitulado “A montagem...” (ANEXO H), é de
minha autoria. Nele, comento sobre como são escolhidas as peças montadas na escola e,
especificamente, sobre a seleção de Sonho de Uma Noite de Verão. No comentário, é possível
entrever algumas das características dos processos de montagem realizados no IEI, destacadas no
capítulo 4: primeiro, a flexibilidade dos encaminhamentos metodológicos, que se adéquam ao
perfil de cada turma (um traço, conforme já colocado, característico da educação não formal);
depois, a participação dos estudantes nos processos decisórios. Como diretora da peça e
professora, muitas vezes sou eu quem propõe os textos a serem montados. Porém, como também
descrito no capítulo, os estudantes são sempre consultados a respeito dessas escolhas (em
processos decisórios coletivos). Com o texto shakespeariano não foi diferente: de acordo com o
que se lê no programa, ao pensar na obra como possível encenação, compartilhei “[...] com a
turma meus pensamentos e, depois de alguns debates e certa indecisão, optamos pelo Sonho”.
Ao virar a primeira página, podem-se ver as fotos dos integrantes do elenco (ANEXO I).
184
185
Aqui, é interessante destacar que a última fileira de imagens (parte inferior do programa, na
horizontal) é composta apenas por ex-alunos e professores da instituição, que também fizeram
parte da encenação. Há ainda alguns alunos no elenco que pertenciam, à época, ao Ensino
Fundamental, o que se configura como exemplo concreto do diálogo intergeracional que a
atividade teatral promove, citado no capítulo 3. Também como exemplificação desse tipo de
convívio, podemos destacar a ficha técnica do espetáculo (ANEXO I). Todos os nomes da seção
“Staff” (contrarregras) são de estudantes que cursavam Ensino Fundamental e que se dispuseram
a auxiliar o Ensino Médio em sua montagem.
Finalmente, é relevante dar destaque ao texto intitulado “Sobre nós...” (ANEXO J),
escrito por uma estudante, em nome de todos os alunos participantes da peça. Sua reflexão chama
a atenção no que tange às especificidades do fazer teatral na visão de quem vivencia o processo.
Nessa ponderação, muitos aspectos ligados à cidadania – e mencionados nesta pesquisa – podem
ser reconhecidos. Um deles é a abdicação de desejos pessoais em prol do pensar coletivamente,
aspecto mencionado já em nosso capítulo 1. Outro ponto a que também fizemos referência no
capítulo inicial e que aparece na reflexão da aluna é a “oração do teatro”. O ritual, nas palavras da
estudante, aparece como a representação máxima do fazer coletivo: “Nesse momento, não
existimos individualmente; pois ao entrelaçarmos os dedos, tornamo-nos um grupo, unificamo-
nos.” Como será visto no capítulo 5, esse ritual foi também destacado por muitos dos sujeitos
entrevistados.
Figura 38 – Sonho de uma Noite de Verão (b)
186
187
- O HOMEM DO PRINCÍPIO AO FIM
Figura 39 – O Homem do Princípio ao Fim (a)
Esta peça, apresentada por estudantes de Ensino Médio no ano de 2011, é um exemplo de
texto adaptado (o espetáculo é uma adaptação da obra homônima de Millôr Fernandes), em que
se destaca o caráter colaborativo da criação. No texto do programa intitulado “O trabalho”
(ANEXO L), evidencia-se a participação ativa dos alunos durante todo o processo de montagem,
o que se configura como exemplificação de alguns procedimentos descritos na seção 4.2.2
(“Montagem de peça teatral”): primeiro, ao entrar em contato com a obra original, os estudantes
concordaram em montá-la; depois, sentiram a necessidade de adaptá-la para deixar o texto mais
atual e adequado ao público escolar; então, seguiu-se um processo de criação de novas cenas, do
qual todos os alunos participaram ativamente.
Outro aspecto da montagem relacionado à cidadania diz respeito ao conteúdo de algumas
cenas do espetáculo. Como se nota no primeiro texto apresentado no programa, de título “A
inspiração” (ANEXO L), a peça de Millôr Fernandes tem como foco central “[...] o homem e
188
189
suas mais diversas facetas, qualidades, imperfeições e emoções”. Essa temática possibilitou levar
ao palco situações que permitiam refletir sobre os valores de liberdade, igualdade e participação.
Foi o caso, por exemplo, do quadro intitulado “O homem, lobo do homem”, em que os alunos
discutiam tipos diversos de violência e realizavam cenas que faziam alusão à ditadura militar no
Brasil e à Segunda Guerra Mundial. Foi também o caso do quadro “O homem e seu fim”, em que
os atores refletiam sobre opressão, conflitos armados e a convivência entre os homens.
Figura 40 – O Homem do Princípio ao Fim (b)
Participantes cantam Cálice, de Chico Buarque, remetendo à ditadura militar no Brasil
Na parte do programa dedicada às fotos dos membros do elenco (ANEXO M), é
interessante observar que, assim como em Sonho de Uma Noite Verão, apesar de a montagem ser
do grupo de teatro do Ensino Médio, participaram também da encenação ex-alunos, funcionários
da instituição e estudantes mais novos (os membros do “Staff” cursavam Ensino Fundamental).
Na seção “Ficha Técnica” (ANEXO L), todas as funções indicadas (à exceção de “cenógrafo”,
“figurinista” e um dos músicos) foram exercidas por alunos, ex-alunos, professores e outros
funcionários da instituição. Vale ainda destacar que toda a arte do programa (imagens, fotos,
diagramação, cores etc.) é de autoria de dois ex-alunos, participantes do elenco.
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- AUTO DA COMPADECIDA
Figura 41 – Auto da Compadecida (a)
Este espetáculo foi encenado no ano de 2012 por alunos do grupo de teatro do Ensino
Médio. Como se pode notar no texto “Sobre o grupo” (ANEXO O), de minha autoria, a
montagem de Auto da Compadecida foi uma das experiências mais significativas em termos de
trabalho coletivo que já vivenciei como educadora. Os eventuais conflitos e as discordâncias que
não raro acontecem no decorrer de processos criativos em que há muitas pessoas envolvidas
(como são aqueles vivenciados com alunos no IEI) não ocorreram durante o processo de
montagem deste espetáculo. Apesar das diferenças entre os participantes (de idade, de
experiência, entre outras, citadas no programa), o que predominou durante toda a criação da peça
foi, como se pode ler no texto mencionado, “[...] coleguismo, respeito mútuo, colaboração,
preocupação com o outro, gentileza.”. Essa não é apenas uma percepção pessoal sobre o trabalho
192
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desenvolvido para a realização do espetáculo – ela é partilhada pelos alunos que participaram da
montagem, como se pode notar com o seguinte comentário, postado em rede social por um dos
participantes:
“Nada supera a sensação de estar no palco!”, era o que eu pensava até o começo
do ano, antes de começarmos a preparar o Auto da Compadecida. Porém, com o
passar do tempo, percebi que só é bom estar no palco se eu tenho com quem dividi-lo. E eu tive o prazer de poder dividi-lo com vocês! Hoje, meu
pensamento é outro: nada supera a sensação de estar no palco com o elenco do
Auto da Compadecida. (Estudante do IEI, Facebook, 2012).
Apesar de trabalharmos a partir de um texto pronto (de autoria de Ariano Suassuna), o
trabalho colaborativo também foi intenso na criação deste espetáculo. Primeiro, porque tendo em
vista o número de alunos no elenco (muito superior ao de personagens do texto original), foram
elaboradas novas falas e algumas cenas adicionais. Segundo, porque todo o processo de
montagem de cenas contou com uma participação bastante engajada dos estudantes.
Esses dois aspectos da encenação estão intimamente relacionados aos valores cidadãos de
participação, igualdade e liberdade. A integração ao espetáculo de todos os estudantes desejosos
de fazer parte da apresentação é um procedimento que valoriza a participação. A igualdade é
outro valor que se faz presente nesse processo, já que independentemente do personagem
desempenhado por cada aluno – e nesta peça, em particular, há papéis com muito mais falas que
outros –, todos são tratados com a mesma importância (esse aspecto do trabalho com teatro no
IEI foi, inclusive, bastante valorizado pelos sujeitos entrevistados, como se verá no capítulo 5). Já
a liberdade é um valor que se evidencia na participação ativa dos estudantes ao longo de toda a
montagem; afinal, tal característica do processo indica que os participantes se sentiram livres para
se expressar, sugerir e criar.
Essa liberdade, a propósito, está expressa em muitos dos depoimentos que os próprios
participantes do elenco escreveram para o programa, expostos em “O teatro na visão do elenco”
(ANEXOS R e S). Como se pode ler na seção mencionada, uma das atrizes coloca: “teatro é
liberdade”. Aliás, quando o programa estava sendo criado, essa mesma frase foi sugerida por
outros estudantes como definição do que seria o teatro para cada um deles. Para não haver frases
repetidas, muitos modificaram seus depoimentos, mas mantiveram expressões em que o valor da
liberdade se evidencia, como “deixar livre o que você esconde no dia-a-dia”, “ser você mesmo”,
194
195
“ser quem você quiser, sem se preocupar com o que os outros vão pensar a seu respeito”, “criar
um espaço livre” e “lugar onde eu posso ser o que eu quiser”.
É interessante lembrar que também faz parte deste programa o texto com que abrimos o
capítulo 3 (“As possibilidades de expressão e experimentação que o teatro proporciona nos fazem
enxergar a realidade com um olhar renovado.”), estritamente relacionado, como visto, à dimensão
emancipatória do fazer teatral. Outros textos de estudantes apresentados neste programa apontam
na mesma direção: “Acho que fazer teatro é saber que você pode mais, que pode ir além” e “ [...]
o teatro nos ajuda a olhar além, a voar alto” são depoimentos em que também se entrevê a
contribuição do teatro para o processo de emancipação dos sujeitos. Afinal, ao afirmar que o
teatro possibilita ir e olhar “além”, os estudantes deixam subentendida a ideia de que a atividade
permite lançar diferentes olhares sobre a realidade e construir novas realidades.
Por fim, vale mencionar que, assim como nos outros programas, na seção dedicada às
fotos do elenco (ANEXO P), há não apenas estudantes de Ensino Médio, mas também alunos de
Ensino Fundamental e ex-alunos da instituição. Na “ficha técnica” (ANEXO Q), a maioria dos
nomes são de alunos, ex-alunos, professores e funcionários da escola.
Figura 42 – Auto da Compadecida (b)
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197
5 TEATRO E CIDADANIA NO IEI: MEMÓRIAS DOS PARTICIPANTES
Este capítulo é dedicado à apresentação e análise dos dados obtidos por meio das
entrevistas realizadas com os sujeitos selecionados para o estudo. Assim como convidamos o
leitor a visitar o “lugar memória” da pesquisadora quando da apresentação do histórico do teatro
no Instituto Educacional Imaculada, convidamo-lo, agora, a conhecer melhor esse mesmo teatro,
passeando pelos “lugares memórias” de outros indivíduos: estudantes que por ali passaram, em
diferentes tempos, e que, nas entrevistas realizadas, fazem reviver esses seus tempos de teatro,
revisitando-os na memória e os resignificando sob a ótica da cidadania.
Chamaremos os entrevistados de “atores” porque os compreendemos como agentes
construtores de suas próprias histórias de vida e também porque os consideramos como sujeitos
cujas participações foram ativas na construção da história do teatro da instituição pesquisada. Ao
chamá-los atores, não desconsideramos – aliás, assumimos propositadamente – a ambiguidade do
termo, uma vez que se trata de sujeitos que relatam experiências como “atores” de teatro.
Esses atores, nas entrevistas, foram convidados a pensar sobre algumas de suas histórias
(as dos tempos de teatro e também as que vivenciam hoje, em outros espaços). E quando
utilizamos o verbo “pensar”, o entendemos sob a mesma perspectiva de Bondía (2002, p. 21):
“pensar não é somente ‘raciocinar’ ou ‘calcular’ ou ‘argumentar’, como nos tem sido ensinado
algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece”. Nesse pensar
que se configura como atribuição de sentido às experiências vividas, os atores refletiram sobre
cada um dos valores cidadãos: participação, liberdade e igualdade.
No capítulo 1, ao abordarmos o conceito de cidadania, recorremos à conceituação
atribuída ao termo por José Murilo de Carvalho. O estudioso pondera que o ideal de cidadania
plena diz repeito a uma combinação entre participação, liberdade e igualdade, e que esse ideal,
ainda que talvez inatingível, “[...] tem servido de parâmetro para o julgamento da qualidade da
cidadania em cada país e em cada momento histórico” (CARVALHO, 2010, p. 9, grifos nossos).
Tomando por base essa afirmação e considerando que um dos intuitos desta pesquisa é
justamente estudar o processo da cidadania – neste caso, promovida por atividades teatrais –, os
198
três valores cidadãos foram utilizados como parâmetros para ajudar a direcionar o olhar dos
atores para o complexo e abrangente fenômeno da cidadania. Por isso, as questões das entrevistas
foram dividas em blocos, dentre os quais há um em que se pergunta especificamente sobre
liberdade, outro sobre participação e um terceiro sobre igualdade. (O roteiro das entrevistas
encontra-se no APÊNDICE B e a filmagem das mesmas no DVD em anexo.) Por conta dessa
divisão e também com vistas a um estudo dos dados que permita abordar o tema “cidadania” de
maneira a direcionar nossa análise aos objetivos da pesquisa, este capítulo apresenta seções em
que se abordam, separadamente, cada um dos valores cidadãos.
Em nossa análise, são exploradas não apenas as memórias relativas ao teatro, mas também
situações vivenciadas pelos atores em três diferentes esferas sociais: ambiente de trabalho ou
estudantil, relações afetivas e participação na vida pública. São analisadas as relações
estabelecidas pelos atores entre o trabalho com teatro da época escolar e a maneira como
vivenciam, hoje, liberdade, igualdade e participação em cada um desses diferentes campos de
suas vidas. Com isso, buscamos entender se os valores cidadãos desenvolvidos e/ou exercitados
durante as atividades teatrais são transferidos para outros campos da vida social dos indivíduos, e
como esses sujeitos situam tais influências dentro de suas trajetórias – meta, vale lembrar,
levantada na introdução da pesquisa.
Antes dessa abordagem, apresentamos uma seção inicial intitulada “Os atores”, em que
são explicitados maiores detalhes sobre os entrevistados. Nessa unidade, são destacadas respostas
a perguntas gerais (não direcionadas aos valores cidadãos), nas quais, espontaneamente, os
sujeitos teceram comentários em que se podem entrever aspectos de cidadania destacados ao
longo da pesquisa. Além disso, essa primeira seção também aponta para as influências do teatro
na construção das histórias de vida dos atores.
No decorrer de todo este capítulo, o que se expõe são experiências. E “experiência” é
também um termo que entendemos de acordo com a definição de Jorge Larrosa Bondía:
É experiência aquilo que “nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao
nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está,
portanto, aberto à sua própria transformação (BONDÍA, 2002, p. 25-26).
199
Entendemos, pois, que grande parte do conteúdo aqui apresentado são fragmentos,
recortes, frações de memórias de cada um dos atores. Fragmentos que não contam,
evidentemente, toda a história do teatro da escola abordada, mas que constituem verdadeiras
experiências ali vivenciadas: aquelas que, por motivos diversos, marcaram, tocaram, tiveram
significado para aqueles que as rememoram. Experiências traduzidas em histórias, que, por sua
vez, formam e transformam a história de cada um dos indivíduos entrevistados e também a
própria história do teatro nessa escola. Experiências que nos ajudam a pensar a noção de
cidadania sob a perspectiva específica dos processos teatrais.
5.1 Os atores
Conforme colocado na introdução da dissertação, foram selecionados para as entrevistas
indivíduos que fizeram teatro no IEI, como estudantes do Ensino Médio, por no mínimo dois
anos. Alguns deles, vale mencionar, também participaram das atividades enquanto alunos de
Ensino Fundamental e todos os ex-alunos entrevistados integraram grupos de teatro da escola
quando já não eram mais estudantes da instituição.
Ao selecionarmos os entrevistados, quisemos incluir tanto ex-alunos que já estivessem no
mercado de trabalho quanto atores que ainda fossem estudantes (universitários ou de Ensino
Médio). Por isso, trabalhamos com dois grupos de sujeitos: o primeiro é composto por indivíduos
maiores de 21 anos, que fizeram teatro no IEI, enquanto alunos da instituição, há mais de quatro
anos (atores 1, 2 e 3 – inseridos no mercado de trabalho); o segundo grupo é o de sujeitos com
idade até 18 anos e cujas experiências com atividades teatrais no colégio ocorreram nos últimos
três anos (atores 4, 5 e 6 – estudantes de Ensino Médio ou Superior). É importante ressaltar,
porém, que a análise das respostas não está divida por grupos; a divisão aqui explicitada foi um
critério apenas para a seleção dos entrevistados, visando à obtenção de respostas que apontassem
para uma amostragem diversificada das influências do teatro nas trajetórias de vida dos diferentes
atores. Cumpre também mencionar que os sujeitos foram entrevistados individualmente.
Todas as entrevistas foram realizadas no auditório do IEI e duraram, em média, 45
minutos. O quadro a seguir mostra informações gerais sobre cada um dos atores:
200
Quadro 4 – Atores
Ator Idade Sexo Ocupação
atual
Período em
que fez
teatro no
IEI60
Peças das quais participou61
(enquanto aluno do IEI)
1 30 Masc. Advogado 1996 – 2000
Cenas do Cotidiano I, Cenas do
Cotidiano II, Geração Trianon, Morte e
vida Severina, Plunct Plact Zumm.
2 22 Fem. Professora de
Línguas e
Redação /
Professora
auxiliar de
teatro no IEI
2007 – 2008 A Bruxinha que era Boa; O Rapto das
Cebolinhas; Porque a Vida não Para.;
A Arca; O Patinho Feio; Era uma vez
um Relógio.
3 21 Fem. Produtora
audiovisual /
Estudante
universitário
(Curso:
Midialogia)
2005 – 2009 Aventura Encantada;Geração Trianon;
Lendas que o Rio Contou; Venha Ver o
Sol Nascer; A Bruxinha que era Boa; O
Rapto das Cebolinhas; A Arca; Porque
a Vida não Para; Era uma Vez um
Relógio; Perfeitópolis, o Musical.
4 18 Masc. Estudante
universitário
(Curso:
Comunicação
Social)
2008 – 2012 Procura-se o Super-Homem; Tá na
Mira; Sonho de uma Noite de Verão;
Nem Tudo está Azul no País Azul; O
Homem do Princípio ao Fim; Auto da
Compadecida.
5 17 Fem. Estudante
universitário
(Curso: Artes
Cênicas)
2010 – 2012 Sonho de uma Noite de Verão; O
Homem do Princípio ao Fim; Auto da
Compadecida.
6 17 Fem. Estudante
(Ensino
Médio)
2009 – 2013 Filme Triste; E a Brincadeira já vai
Começar; Nem Tudo está Azul no País
Azul; Era uma Vez um Relógio; O
Homem do Princípio ao Fim; Esse
Trem Via pra Onde?; Auto da
Compadecida; Dionísio Sumiu.
60 O período diz respeito aos anos em que o entrevistado fez teatro no IEI, enquanto aluno da instituição. Inclui tanto
o período em que o estudante participou das atividades teatrais no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio.
Os atores 1, 2, 3, 4 e 5 também participaram das atividades teatrais da escola como ex- alunos. 61 A lista inclui tanto os espetáculos montados com os grupos de teatro de que os entrevistados faziam parte, quanto
peças de outras turmas, em especial de alunos mais jovens, nas quais os sujeitos assumiram funções de
contrarregragem, criação de texto e confecção de cenários.
201
Vale destacar que o ator 2 (o qual, como se vê no Quadro 4, trabalha atualmente na
escola), assina a autoria de diversos textos ali encenados. O sujeito, durante a entrevista,
lembrou-se de como começou a escrever peças: foi quando estava no Ensino Médio e participava
do teatro auxiliando na confecção de cenários e na contrarregragem de peças de alunos do Ensino
Fundamental. Na época, a professora precisava montar uma encenação para crianças sobre a
passagem bíblica da Arca de Noé, e perguntou ao ator 2 se ele conhecia algum texto infantil
sobre a história mencionada. O entrevistado conta que como não conhecia nenhum texto como o
solicitado e tampouco conseguiu encontrar algo do gênero, resolveu escrever, por conta própria,
uma peça infantil com a referida temática. O texto foi encenado e, a partir de então, o ator 2
passou a escrever diversas peças para as turmas de teatro da escola. Essa experiência fez com que
o sujeito optasse por cursar faculdade de Letras.
Com o teatro [...] aprendi que a palavra é linda e que a literatura é linda. Porque o teatro não é só encenação – a gente aprende isso aqui também. A
gente aprende que o teatro é tudo: é palavra, é encenação, é o de trás da
cortina. Não é só a apresentação. Então eu escolhi fazer a faculdade que eu fiz
por causa do teatro; porque eu queria trabalhar com a palavra, eu queria escrever textos de teatro, mostrar para as pessoas esse teatro (ATOR 2).
Todos os demais entrevistados também disseram que o teatro escolar, de alguma maneira,
influenciou suas escolhas profissionais. O ator 5, que atualmente cursa Artes Cênicas, fez teatro
em outros locais antes de entrar na escola pesquisada. Naquela época, pensava em continuar
fazendo teatro quando se formasse no Ensino Médio, mas não sabia se cursaria faculdade de
Artes Cênicas ou se faria apenas um curso profissionalizante. Na primeira aula de teatro do IEI da
qual participou, pensou: “Não quero mais sair daqui” (ATOR 5) e já começou a definir sua
escolha profissional. O sujeito se lembrou de que nessa aula foi feito um círculo de discussão
(procedimento descrito no capítulo 4), em que os alunos que participavam das atividades há mais
tempo contavam aos demais sobre suas experiências, e relatou que esse momento foi muito
marcante para sua definição profissional. Além dele, o ator 1 também frequentou (apesar de não
concluir) faculdade de Artes Cênicas (por três anos). É interessante mencionar que outros dois
ex-alunos (não entrevistados para a pesquisa), por conta da experiência com teatro vivenciada na
escola, também optaram por Artes Cênicas como curso superior.
202
Mas não apenas as escolhas de carreiras diretamente relacionadas ao universo teatral
podem ser destacadas como influenciadas pelo teatro escolar. O ator 6, por exemplo, que ainda
cursa Ensino Médio e almeja fazer faculdade de Psicologia, coloca que o processo de criação de
papéis proporcionado pelo teatro (descrito no capítulo 4) o auxiliou na escolha da carreira. Para o
entrevistado, esse auxílio veio do exercício de “[...] ver um pouco o que passa na cabeça do
personagem [...], conhecer pelo que ele passou, imaginar toda a história de vida e entender o
momento que ele está vivendo e o sentimento para colocar isso na cena” (ATOR 6). Aqui,
entrevemos uma interessante ligação entre a exploração da linguagem teatral e a construção da
história de vida do sujeito entrevistado.
Já o ator 3, que cursa Midialogia, conta que o teatro o auxiliou na escolha da carreira no
sentido de “[...] perceber que, ao contrário de um certo pensamento mais comum da sociedade,
eu não era obrigada a fazer algo seguro [...] pensando no que seria o padrão de segurança
econômica das pessoas” (ATOR 3). Essa colocação, que reflete a influência da experiência
teatral no exercício da liberdade – de pensamento e de escolha – e na formação da autonomia do
sujeito, nos remete à reflexão de Viganó (2006, p. 136), destacada no capítulo 1, segundo a qual o
teatro pode
[...] contribuir para a manutenção de uma experiência humana repleta de significados, ao fazer com que os indivíduos se envolvam em ações não
mediadas pelo valor de troca e de uso, nem pela lógica da eficácia. Ao mesmo
tempo [...] possibilita o exercício da liberdade, ao criar um espaço concreto para a expressão de ideias e atitudes que podem determinar a escolha de novos
caminhos possíveis (grifos nossos).
A conquista da autonomia e o consequente processo de emancipação também podem ser
observados nas respostas dadas pelos atores à seguinte pergunta: “Você enxerga, hoje, influências
da experiência teatral vivenciada na escola em diferentes aspectos e momentos de sua trajetória
de vida?”. Ao responder a essa questão, muitos dos entrevistados fizeram referência ao fato de o
teatro os ter auxiliado na superação da timidez, na coragem para ir ao encontro do outro, na
capacidade de expressar suas próprias opiniões, na “compreensão do mundo e das pessoas”
(ATOR 2). Cabe lembrar que no capítulo 1, destacamos a capacidade de elaborar e emitir
opiniões próprias como uma das contribuições mais importantes das atividades teatrais para o
203
processo de emancipação dos sujeitos. O ator 3 faz uma interessante reflexão sobre essa
segurança e autoconfiança que o teatro é capaz de desenvolver: “Você perde esse mito sobre as
pessoas no sentido de ‘o que ela vai pensar de mim se eu for falar com ela?’. Então você acaba
vendo que as pessoas são só pessoas” (ATOR 3).
Neste ponto, é curioso notar a relação entre as respostas dadas à referida questão pelos
atores 1 e 6, respectivamente o mais velho e o mais novo dos entrevistados. O ator 6, ainda
estudante de Ensino Médio, observa que o teatro ajuda na superação da timidez e na conquista da
autoconfiança, na medida em que propicia um “[...] processo de abertura, de eu conseguir sair
da minha casca para conversar com os outros, para ser mais espontânea, conseguir ser eu
mesma” (ATOR 6). Na resposta do ator 1, podemos notar como um indivíduo com maior
experiência de vida, inclusive já inserido no mercado de trabalho, elabora as mesmas questões e
reflete sobre a influência do teatro na construção de sua história de vida. Ele conta que a primeira
mudança que percebeu quando começou a fazer teatro foi na própria escola, onde passou a se
colocar com mais segurança e com mais liberdade para se arriscar. Depois, rememorando os
tempos de faculdade, destacou que há momentos em que as pessoas precisam de um líder natural
e acrescentou: “Automaticamente, como você já está acostumado a se inserir dessa forma na sua
escola, você acaba se inserindo dessa forma na faculdade” (ATOR 1). Continuou, então, a
reflexão, agora já se referindo ao seu mercado de trabalho. Ponderou que em sua profissão não
lida com arte, mas que a todo momento tem de enfrentar situações em que precisa se expor, falar
de maneira improvisada, transmitir confiança, comunicar-se com pessoas mais velhas ou cujas
opiniões são distintas da dele. Em seguida, concluiu seu raciocínio com a seguinte reflexão:
“Todo esse tipo de coisa que você se coloca quando adolescente, fazendo teatro, permite que
você construa um repertório de experiências e de comportamentos, e tudo isso você vai utilizar
na vida adulta” (ATOR 1).
Outro ponto interessante de ser destacado nesta seção é que o ator 1 participou, junto com
a pesquisadora, do primeiro grupo de teatro da instituição. Em resposta à pergunta “Quais as
memórias mais significativas que você tem da atividade teatral experimentada durante a vida
escolar?”, suas lembranças giraram em torno das questões coletivas relacionadas às atividades
teatrais daquela época. “A gente sempre fazia tudo por nossa conta mesmo”, disse o entrevistado,
fazendo lembrar o que foi destacado no capítulo 3, quando da análise da história do teatro na
204
instituição – a relação entre os primeiros anos da atividade na escola e os trabalhos coletivos de
grupos teatrais, em especial da década de 1970.
O caráter coletivo das atividades também foi destacado por todos os outros atores em suas
respostas a essa mesma questão. O fato de a atividade promover um diálogo intergeracional
(como mencionado no capítulo 3) e o convívio entre alunos que, se não fosse por conta do teatro,
possivelmente jamais teriam conversado, foi mencionado por dois dos atores. A união do grupo,
os ensaios até tarde da noite, o dividir o palco com pessoas que passaram, juntas, pelo mesmo
processo, os momentos que precedem a apresentação e a “oração do teatro” (mencionada nos
capítulos 1 e 4) foram outras memórias destacadas como algumas das mais significativas
proporcionadas pela atividade. Sobre as rodas de concentração realizadas em dias de espetáculo,
antes de os alunos entrarem em cena, um dos atores coloca:
Eu lembro vivamente de todas as vezes que a gente fez isso porque é como se o
grupo inteiro estivesse na mesma sintonia. [...] Essa é uma experiência muito
boa porque está todo mundo muito nervoso, apertando a mão, e a gente reza, chora, e depois todo mundo se abraça e grita “Merda!”. E quando acaba a
peça, é uma choradeira só. Eu acho esse final muito legal, porque está todo
mundo tão empolgado com o que acabou de acontecer... E todo mundo se ama muito nesse momento. Eu acho que esse momento do final da peça, que eu
vivenciei aqui, foi um dos mais fortes que eu vivi em termos de teatro (ATOR 5).
Esse depoimento lembra, em muito, o que David Hargreaves coloca sobre a importância
de apresentações teatrais realizadas por alunos, em suas escolas:
Os estudantes enxergam a última noite da peça como um momento de pesar e
tristeza; será a mesma escola de sempre amanhã, de volta às lições em sala de
aula [...] Os alunos tendem a se lembrar desses eventos mais do que quase qualquer outra coisa sobre a escola (HARGREAVES, 1990, p. 152).
Hargreaves, estudioso da área da Educação, faz a colocação acima em obra na qual
pondera sobre mudanças necessárias ao currículo para se construir o que ele chama de “escola
compreensiva” – aquela onde se preparam os jovens para a vida em sociedade. Para o autor, a
realização de peças teatrais deveria ser prática obrigatória a todos os estudantes e não atividade
extracurricular, da qual apenas uma minoria participa. Afinal, trata-se de “[...] uma contribuição
205
única para a dignidade e a solidariedade comunitária” (HARGREAVES, 1990, p. 153). Nas
palavras do autor, podemos entrever uma reflexão análoga àquela da qual partimos para a
realização desta pesquisa: a de que a formação da cidadania pode ser estimulada via participação
em atividades teatrais. E é visando justamente a um melhor entendimento sobre essa hipótese que
nos dedicamos, nas próximas seções, à exploração das respostas dos atores às perguntas sobre
cada um dos valores cidadãos.
5.2 Liberdade
No capítulo 3, afirmamos que é comum, no teatro, ouvir dos alunos afirmações como:
“Aqui eu me sinto livre” ou “aqui posso ser eu mesmo”. No capítulo 4, em “Singularidades dos
processos teatrais do IEI – parte II”, mencionamos que quando o programa da peça Auto da
Compadecida estava sendo criado, muitos estudantes sugeriram, como definição do que seria o
teatro para eles, a frase “teatro é liberdade”.
Essas afirmações de alunos acerca do fazer teatral, tão recorrentes na escola pesquisada,
são bastante curiosas se considerarmos que o teatro é justamente a arte em que “não somos” nós
mesmos – afinal, quando atuamos, damos vida a personagens. E se personificamos distintos
papéis, não podemos, ao menos na apresentação de um espetáculo, ser “o que quisermos”; temos
de ser aquilo que nosso personagem demanda. Nas respostas dos atores às perguntas relativas ao
tema “liberdade”, houve reflexões bastante interessantes acerca desse aparente paradoxo, como se
verá no decorrer desta seção.
A liberdade de “ser o que quiser” e “fazer o que quiser” foi mencionada por diversos
atores na pergunta em que se pediu para relacionar o teatro vivenciado na escola e a liberdade.
Aliás, é interessante notar que “ser você mesmo”, característica tantas vezes utilizada para
descrever a experiência teatral, foi a definição que muitos dos atores deram para a própria palavra
“liberdade”.
Analisando as respostas dos diferentes atores, alguns pontos chamam a atenção, no
sentido de terem sido mencionados por todos os entrevistados. O primeiro desses pontos é a
exploração da linguagem teatral como prática associada à liberdade. Nessa exploração da
206
linguagem, o que mais se destaca nas respostas dos atores é a prática – recorrente na escola em
foco, como descrito no capítulo anterior – da experimentação livre, da exploração, pelos próprios
alunos, dos recursos expressivos e da linguagem da cena. Nessa exploração, como colocou um
dos sujeitos, “[...] você pode ser o que quiser, falar o que quiser, com a entonação que você
quiser e os gestos que você quiser. E você inventa uma pessoa, você inventa um personagem,
você inventa o mundo” (ATOR 6). A expressão “inventar o mundo”, utilizada pelo ator, carrega
exatamente um dos pontos destacados nesta dissertação como fundamentais para a instauração de
processos emancipatórios: a capacidade de construir novas realidades. Essa capacidade,
propiciada pelo fazer artístico, pode ser transferida para outros campos, como de fato foi
destacado nas respostas de alguns dos entrevistados às perguntas que se referiam a diferentes
esferas de suas vidas. Essas respostas serão analisadas mais adiante.
Por ora, voltemos ao ponto que destacamos como o primeiro ponto de convergência nas
respostas dos atores, ao associar a prática teatral escolar ao conceito de liberdade: a prática da
experimentação livre no processo teatral. Na realidade, podemos compreender que dessa prática
derivam quase todos os outros tópicos levantados pelos atores, a saber: o desenvolvimento da
criatividade, a possibilidade do erro, o ambiente de não julgamento, a valorização do esforço
individual, a prática de expor a própria opinião, a aceitação da crítica e o desenvolvimento do
olhar crítico/reflexivo.
No capítulo 4, em que foram descritos os procedimentos utilizados no trabalho com teatro
da escola analisada, fica evidente que a exploração dos recursos expressivos e da linguagem da
cena, pelos alunos, é prática estimulada ao longo de todo o processo – tanto durante as aulas
livres, quanto no decorrer da montagem de um espetáculo. Ainda assim, é interessante notar
como os próprios atores assimilam e refletem sobre essa metodologia, atribuindo a ela o seu
desenvolvimento pessoal. O ator 5, por exemplo, cita os jogos teatrais realizados nas aulas livres
como uma primeira possibilidade proporcionada pelo teatro de “[...] eu me abrir um pouco mais
e brincar” (ATOR 5). Menciona, também, o fato de os estudantes poderem explorar, pensar e
criar suas cenas sozinhos (sem intervenção da professora), durante o processo de montagem de
peças, como um importante exercício de liberdade, que contribui para o desenvolvimento
criativo.
207
O desenvolvimento da criatividade é também destacado por outros sujeitos como
consequência da experimentação livre dos recursos teatrais. O ator 2 acredita que o teatro o
tornou mais criativo, em especial no sentido de proporcionar “[...] a liberdade de poder pegar
minha ideia, colocar no papel, de sugerir e de ver isso ser aceito e ser feito”(ATOR 2). Essa
colocação se assemelha bastante à reflexão do ator 1, ao refletir sobre a prática teatral que
vivenciou quando adolescente:
Essa liberdade de você poder ser criativo e fazer algo, pensar algo e esse algo
se concretizar ou numa peça, ou numa cena, ou numa fala, ou num gesto, isso pra mim foi a liberdade lá atrás. A liberdade com você mesmo, de saber que
você pode fazer uma diferença em algo concreto, sem que necessariamente você
tenha que passar por alguma hierarquia, ou pedir para alguém, ou ouvir
alguém que tenha mais experiência (ATOR 1).
Como já colocado, o ator 1 fez teatro na época em que foi criado o primeiro grupo teatral
do IEI, ocasião em que o trabalho era primordialmente coletivo, no sentido de que todos eram
responsáveis por todos os aspectos do processo. Como mencionado no capítulo 3, a pesquisadora
(então aluna da instituição) “dirigia” as encenações, por ter certo contato prévio com teatro; mas
o trabalho era de fato tão coletivo que, como se vê na fala do sujeito acima destacada, não havia
qualquer tipo de hierarquia nas relações. Tanto que esse mesmo ator pondera que em seus tempos
de escola, até podia haver certa liberdade dentro da sala de aula, mas a relação ali estabelecida era
sempre “vertical”; ao passo que a experiência com teatro “[...] foi a primeira fase da nossa vida
em que a gente teve a possibilidade de fazer uma coisa mais horizontal [...] em que todo mundo
está no mesmo nível” (ATOR 5).
Com o passar do tempo, como também colocado no capítulo 3, a pesquisadora tornou-se
professora da instituição e, consequentemente, o processo se formalizou. As práticas, dentro de
nossa análise, passaram então a se enveredar mais pelos caminhos dos processos colaborativos,
comuns a grupos contemporâneos. Contudo – é importante frisar – essa foi, nos capítulos
anteriores, uma análise nossa. O estabelecimento da figura de um professor, que assume também
a função de diretor das montagens de peças, facilmente pode implicar relações hierarquizadas – e
o IEI não escapa a essa hipótese. Afinal, como mencionamos no capítulo 4, há momentos, por
exemplo, em que certas propostas dos estudantes para a construção de um espetáculo não são
208
aceitas. De modo que o trabalho, que se pretende cooperativo, pode ser entendido de outro modo
quando analisado sob o ponto de vista dos alunos. Por isso, a análise dos capítulos precedentes
suscitaram questionamentos bastante pessoais para a autora desta dissertação: o processo que
desenvolvo é mesmo aberto à participação dos estudantes? Ou será que se trata de um trabalho
apenas pretensamente colaborativo? Os participantes, quando são dirigidos, estão de fato
sentindo-se criadores?
Esses questionamentos conduziram à elaboração de perguntas que não constavam no
roteiro das entrevistas, mas que foram realizadas nos momentos em que os atores diziam que, no
teatro, podiam ser, fazer ou dizer o que quisessem. Foi perguntado, por exemplo: “Mas vocês são
dirigidos, não?”, “Você acha que sua opinião é valorizada no teatro?” e “Como você pode fazer o
que quer se tem um personagem específico para representar?”. As respostas obtidas permitiram
não só compreender o ponto de vista dos sujeitos sobre a prática teatral na escola estudada, mas
também refletir sobre o paradoxo mencionado no início desta seção – ser quem se é na arte em
que “somos” outros.
Sobre o fato de serem dirigidos, uma das respostas dos entrevistados foi: “Sim, mas não é
uma direção coercitiva. Sempre a gente pode sugerir [...], dar opinião, [...] e também,
obviamente, ouvir. Então a coisa sempre vai estar no pé da igualdade ali” (ATOR 4). Outro ator
a quem foi dirigida a questão colocou o seguinte:
Sim, mas ao mesmo tempo você tem muita liberdade [...] é isso que eu acho tão
contraditório e tão legal ao mesmo tempo. [...] você tem que falar uma certa fala e de um certo jeito, mas ao mesmo tempo você se sente livre para fazer
aquilo porque você não pode ficar fazendo essas coisas lá fora. E aqui dentro
você pode. Você tem a liberdade de tentar esse movimento para ver se dá certo.
Se não dá, aí você pode voltar atrás e se permitir de novo, de novo e de novo, porque você está ensaiando. E lá fora [...], é real, é o tempo todo você ter que
fazer a coisa certa. E aqui você pode errar. Você tem essa liberdade de errar
(ATOR 6).
As reflexões dos alunos apontaram para compreensões da atividade teatral que coincidem
com a análise dos capítulos precedentes: os atores se percebem, sim, como colaboradores durante
todo o processo. E o fato de suas propostas cênicas por vezes não serem aceitas foi inclusive
levantado por muitos deles nas respostas, mas nunca como um aspecto negativo. Pelo contrário:
209
os atores atribuíram grande relevância aos “simples” atos de sugerir, opinar, tentar, ter suas
opiniões ouvidas, mesmo que algumas das sugestões não fossem incorporadas à montagem final.
Os dois trechos abaixo mostram essa percepção:
Às vezes, para a pessoa ter subido no palco e falado alguma coisa já é um
esforço tão grande... Por mais que ela fale do jeito mais horrível do mundo para a peça [...], mas a pessoa ter ido lá, ter estudado, ter se esforçado... e saber que
ela trabalhou naquilo, que vai conseguir fazer, isso para a pessoa já é ótimo. E
ela sabe que ela vai conseguir fazer. Ela pode até ter medo, mas ela se sente
confortável para falar (ATOR 3).
Quando você sobe no palco, pega um texto e tem que interpretar, você vai
colocar pelo menos um pouquinho de você ali, e isso é basicamente liberdade
porque você vai fazer do seu jeito. E tem alguém ali que vai ver e, ah, talvez avaliar, mudar... Mas que vai ver, que vai olhar como você é, vai ver a opinião
que você tem e que está expressando ali [...] A opinião é totalmente valorizada.
Às vezes pode não ser aquilo que vai ficar melhor para o desempenho da peça,
ali, mas sempre é valorizada (ATOR 4).
Nos três últimos fragmentos de respostas explicitados, pode-se entrever que ao relacionar
teatro e liberdade, os atores destacam elementos como a possibilidade do erro, o fato de o aluno
se sentir “confortável para falar” e a valorização da opinião de todos. Essas características do
processo de trabalho foram, de certo modo, exploradas no capítulo anterior, quando se destacou o
diálogo aberto, a colaboração e os processos decisórios coletivos como aspectos centrais no modo
de coordenação do processo. Contudo, um dos entrevistados destacou um elemento também
primordial ao desenvolvimento da atividade, que ainda não havia sido levantado na dissertação: o
“ambiente de não julgamento” (ATOR 3).
Na realidade, fizemos menção, quando explicamos sobre os jogos teatrais (seção 4.2.1,
parte V), ao fato de a atividade não envolver a aprovação ou não aprovação das soluções cênicas
apresentadas pelos alunos. Entretanto, durante as entrevistas, ficou claro que o não julgamento é
característica fundamental não apenas dos jogos, mas de todo o processo de trabalho
desenvolvido na escola estudada. Característica, a propósito, fundamental ao desenvolvimento do
valor da liberdade. A percepção do ator que levantou essa questão denota uma compreensão
aprofundada do processo teatral em ambientes educativos, bem como da arte como linguagem,
como se pode notar na transcrição abaixo. Vale mencionar que o sujeito participou de montagens
210
teatrais do IEI como ex-aluno da instituição e que, portanto, não apenas viveu a experiência
enquanto estudante, mas também pôde ver seus reflexos em sujeitos mais jovens.
Sobre essa questão do julgamento, existe uma formatação, de linguagem
mesmo. Existe uma peça para ser feita, que tem um certo tom, que tem certos
personagens, que, enfim, seja lá como for construída, vai ter uma maneira de se fazer, que aí vai do critério de quem estiver dirigindo. Mas a gente não está
falando de um grupo profissional aqui, né? Está falando de um ambiente
realmente de escola [...] Então é um trabalho [...] humano. São feitas peças, mas mais do que peças, é essa coisa do grupo, mas que tem uma implicação
muito pessoal [...]. É algo que é construído também, além da peça. Então, o que
eu falo de não julgamento é assim: mesmo no ensaio, por exemplo, se você fica com vergonha de dizer alguma coisa [...] você sabe que você pode fazer isso. E,
nesse sentido, não vai ter certo, não vai ter errado – nessa questão de
julgamento humano mesmo, não de julgamento técnico da peça (ATOR 3).
O não julgamento a que o ator se refere diz respeito não apenas à relação entre professor e
alunos, mas também às relações de respeito entre os próprios estudantes. O entrevistado coloca
que, ao observar alguém em cena e não julgá-lo, o aluno encoraja-se para também se expor. O
não julgamento apareceu também, embora não com essas palavras, na reflexão do ator 6, que se
referiu ao palco como um lugar que “acolhe”; onde as pessoas não têm medo de errar, porque o
que quer que façam estará certo. Esse entendimento remete a uma colocação feita no capítulo 4,
segundo a qual uma das especificidades – e também dos encantos – da linguagem artística está
justamente na possibilidade infinita de respostas.
O ator 6, ao desenvolver seu raciocínio sobre não haver certo ou errado no teatro, colocou
também: “O palco ‘pega’ você. Ele te prende de um jeito interessante que te permite essa
liberdade de ser qualquer coisa. É viciante. Você não que mais sair dali” (ATOR 6). Em se
tratando de um contexto em que se pensa sobre a liberdade, é curiosa essa colocação sobre o
caráter “viciante” do teatro. Caráter, diga-se de passagem, já traduzido em música: “Nem a
loucura do amor, da maconha, do pó, do tabaco e do álcool valem a loucura do ator quando abre-
se em flor sob as luzes do palco” (VELOSO, 1997).
Aqui, apresenta-se mais um paradoxo relacionado à arte teatral: a atividade, exatamente
por permitir tanta liberdade, pode “prender” aqueles que se dedicam a ela. Nesse contexto, vale
retomar a ideia de “experiência” com que abrimos este capítulo e acrescentar a ela mais um
211
elemento: a paixão. Jorge Larrosa Bondía, estudioso citado no texto de introdução do capítulo,
coloca que a experiência implica paixão e que essa paixão não necessariamente de opõe à ideia
de liberdade.
Se a experiência é o que nos acontece, e se o sujeito da experiência é um
território de passagem, então a experiência é uma paixão. […] “Paixão” pode
referir-se [...] a certa heteronomia, ou a certa responsabilidade em relação com o outro que, no entanto, não é incompatível com a liberdade ou a autonomia. [...]
A paixão funda sobretudo uma liberdade dependente, determinada, vinculada,
obrigada, inclusa, fundada não nela mesma mas numa aceitação primeira de algo
que está fora de mim, de algo que não sou eu e que por isso, justamente, é capaz de me apaixonar. [...] Na paixão se dá uma tensão entre liberdade e escravidão,
no sentido de que o que quer o sujeito é, precisamente, permanecer cativo, viver
seu cativeiro, sua dependência daquele por quem está apaixonado (BONDÍA, 2002, p. 26).
Neste ponto, é interessante observar que o último dos “mandamentos do teatro” (vide
capítulo 3, “Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte I”) refere-se exatamente a essa
paixão que muitos dos estudantes costumam experimentar na atividade: “Amarás o teatro.” Pode-
se dizer que esse sentimento que arte teatral é capaz de despertar ajuda a compreender o
engajamento dos alunos na atividade, as emoções nos momentos de roda que precedem as
apresentações, a permanência de ex-alunos no grupo de teatro e tantas outras demonstrações de
envolvimento e entrega. O fazer teatral, para ser de fato experiência, precisa ser intenso. Precisa
de entrega, sacrifício, doação. Precisa que a liberdade seja posta a serviço da atividade. Precisa,
portanto, de paixão.
Como colocado na introdução deste capítulo, foram investigadas as relações estabelecidas
pelos entrevistados entre a experiência teatral e a maneira como eles vivenciam, hoje, a liberdade,
em diferentes esferas de suas vidas: ambiente de trabalho/estudantil, relações afetivas e
participação na vida pública. Todos os atores afirmaram enxergar influência do teatro nos três
campos mencionados.
No que se refere especificamente às relações afetivas, três dos entrevistados associaram a
liberdade experimentada no teatro a uma maior “sinceridade” nos relacionamentos pessoais. O
ator 6 destacou que para se ter uma “relação importante e sincera”, é importante “[...] se sentir
bem e confortável sendo o que você é” (ATOR 6); o ator 2, por sua vez, afirmou que o teatro
212
ajuda a “[...] se expressar de maneira condizente com a verdade que você sente” (ATOR 2); já o
ator 5 colocou que a experiência teatral trouxe uma maior espontaneidade, que se reflete em suas
relações com as pessoas mais próximas, e por meio da qual consegue agir com sinceridade.
O ator 1, ao refletir sobre as relações afetivas, afirmou que o teatro teve grande influência
na “construção da personalidade” (ATOR 1). Essa colocação remete àquilo que Lev-Aladgem
(2008, p. 292) identifica como “formação da identidade”. Como visto no capítulo 1, esse autor
acredita que o teatro é um espaço que favorece essa formação. A afirmação do entrevistado
remonta, também, ao entendimento da adolescência como importante período da vida para o
autoconhecimento, o desenvolvimento da autoestima e a formação da identidade dos indivíduos
(FIERRO, 1995), compreensão já mencionada no capítulo 3. Ao discorrer sobre o que chamou de
“construção da personalidade”, o ator 1 destacou que a experiência teatral modificou
positivamente sua imagem até mesmo na própria família. Antes de se descobrir como uma pessoa
que gostava de fazer teatro, nunca havia tido uma questão específica, relativa a sua personalidade,
que o identificasse. Era sempre o garoto tímido e quieto; depois do teatro, passou a ser
reconhecido por seu desempenho na atividade e isso o ajudou a ir ajustando seu comportamento e
a desenhar sua personalidade também na família. Na opinião do ator 1, a “construção da
personalidade” acontece porque a exploração da linguagem – que, como ele mesmo coloca, já na
sua época de teatro envolvia experimentação – permite um maior autoconhecimento. Permite
também “[...] desconstruir certos padrões, certas imagens na sua cabeça, certos pré-conceitos”,
o que, no futuro, amplia consideravelmente “[...] o tamanho do leque de possibilidades que você
tem de relacionamento afetivo” (ATOR 5).
A afirmação de que o teatro auxilia no conhecimento de pessoas diferentes relaciona-se
ao episódio relatado pelo ator 4, na questão referente ao ambiente estudantil. O sujeito, recém-
ingressado na universidade, relatou que nos primeiros dias de aula, pensou: “Estou sozinho, não
conheço ninguém [...] O que eu vou fazer? Aí, eu lembrei: quem sabe, se eu falar com alguém, se
eu for eu mesmo, me soltar, não dá certo? E deu. Agora eu tenho amigos” (ATOR 4). Sua
reflexão sobre a influência do teatro na maneira como vivencia as relações afetivas segue a
mesma linha: para o ator, a vivência teatral foi importante para aprender a se expressar, a “[...]
ter voz nas coisas” (ATOR 5).
213
É curioso notar que a mesma expressão – “ter voz” – foi utilizada pelo ator 2, na análise
de como a experiência teatral o auxilia, hoje, na maneira como vivencia liberdade no ambiente
de trabalho. Ele afirmou que o teatro o ajuda a se “[...] impor – não no sentido negativo, mas no
sentido de ter uma voz, não aceitar tudo, dar ideias” (ATOR 2). É ainda interessante atentar para
o fato de os outros dois atores que também já possuem experiência profissional (atores 1 e 3)
terem igualmente destacado que a vivência teatral os auxilia, na atualidade, a se sentirem livres
para expressar e manter suas próprias opiniões e não aceitar, passivamente, tudo o que lhes é dito
ou imposto. Nesse sentido, o ator 3 colocou que o teatro ajuda a “[...] saber que você tem a sua
opinião e que você tem a liberdade de expressá-la, colocá-la para fora; não ter essa barreira de
pensar no que a outra pessoa vai falar [...] conseguir manter aquilo que você acredita” (ATOR
3). O ator 1, por sua vez, caracterizou como “engessado” o mundo dos negócios, do qual faz
parte, e ponderou que essa característica talvez advenha do fato de que as pessoas – em especial,
mais velhas – não tenham tido, quando jovens, uma experiência tão forte em termos de liberdade
como aquela proporcionada pelo teatro. Colocou que hoje, em seu ambiente de trabalho, sua
grande questão é fazer valer sua palavra, aquilo em que acredita. Acrescentou, ainda:
Tem pessoas [...] que são mais acomodadas em aceitar as coisas como elas são.
Eu acho que o teatro, nesse sentido, me fez ser um pouco mais incomodado. Então, se as coisas não são muito da forma como eu acredito que elas devem
ser, antes de falar ‘sim’, eu pelo menos vou lutar por aquilo que eu acredito
(ATOR 1).
Reflexão análoga foi tecida pelo ator 5, ao analisar a influência do teatro na maneira como
vivencia liberdade na vida pública. O sujeito colocou que a possibilidade de criar experimentada
no teatro o ajuda a ter a certeza de que
Se eu algum dia achar que deva manifestar alguma coisa, porque tem alguma
coisa na sociedade que eu não estou achando que está certo – não que eu ache
que está tudo certo, porque não está. Mas se algum dia isso me levar ao ponto
de querer extravasar, eu me sinto livre para fazer isso. E acho que eu não teria consciência dessa liberdade se não tivesse feito teatro (ATOR 5).
É interessante observar que a entrevista acima foi realizada antes das manifestações
populares do mês de junho. Já a entrevista com o ator 3 foi feita um dia depois de o sujeito ter
214
participado de uma das passeatas realizadas em sua cidade. Ao ser questionado sobre liberdade,
teatro e vida pública, seu depoimento foi todo baseado na experiência recente com o movimento
social. Disse que, ao participar do evento, teve de exercitar bastante a liberdade, especialmente no
sentido de entender que o outro é também livre para se manifestar, uma vez que muitos dos
participantes da manifestação defendiam causas das quais discordava. Foi um momento em que o
ator se viu na posição de ter de conviver com diferentes opiniões, respeitar a liberdade do outro e,
em certos momentos, de não participar dos “gritos de ordem” puxados pela multidão. Esse
testemunho coincide com as palavras do ator 2, que ao falar sobre vida pública, colocou que o
teatro ajuda na “[...] liberdade de escolher falar ou calar, se essa for sua opção em algum
momento” (ATOR 2).
Ainda no campo da vida pública, as respostas de alguns atores recaíram sobre certas
especificidades do modo de fazer teatral e em como essas particularidades os auxiliam tanto a se
colocar publicamente quanto a entender o mundo e as pessoas em sua complexidade. O ator 1,
por exemplo, destaca o fato de, no teatro, ter criado “[...] um repertório relativamente grande de
riscos, de sair da zona de conforto”, porque era preciso estar disponível para a experimentação e
para a criação. Essa prática, segundo o entrevistado, o auxilia, hoje, a ter uma participação mais
efetiva na vida pública, sendo sempre “a primeira pessoa a falar ‘pode deixar que eu faço’,
‘pode deixar que eu falo’” (ATOR 1).
O ator 6 também se refere à capacidade de experimentação proporcionada pelo teatro,
mas sua reflexão recai sobre outro aspecto: a interpretação de diferentes personagens como um
meio de se aproximar de pontos de vistas variados e, com isso, ampliar a própria visão acerca de
questões diversas. Esse sujeito, vale colocar, é o autor da frase com a qual abrimos o capítulo 3
(“As possibilidades de expressão e experimentação que o teatro proporciona nos fazem enxergar
a realidade com um olhar renovado”). Sua entrevista permitiu ampliar a compreensão acerca da
sentença que destacamos e é bastante interessante porque demonstra como um aluno reflete sobre
a especificidade da prática teatral e as consequências dela para sua formação. Seu depoimento
corrobora com a análise realizada no capítulo 4, segundo a qual o fazer teatral proposto na escola
em foco traz consigo um modo crítico/reflexivo que é próprio da arte e que torna a atividade
propensa à instauração de processos emancipatórios e à consequente conquista da autonomia:
215
À medida que você vai conhecendo, tendo que fazer um personagem, você tem
que explorar a cabeça dele, como ele pensaria e o jeito que ele veria o mundo.
Então, se você está fazendo o papel de um assassino, como é que um psicopata veria a vítima? [...] Como é que uma mãe veria um filho? [...] É um outro ponto
de vista com relação à sociedade, à realidade. Isso é muito interessante: ver
como outros pontos de vista, que são alheios ao seu, acabam te influenciando, te
modificando, mesmo que você não pense daquele jeito. Essa visão diferente acaba de certa forma por mudar a sua e ao mesmo tempo não muda. Eu acho
essas contradições muito legais e o teatro está toda hora com essa contradição
de você ser um personagem e ao mesmo tempo ser você mesmo e trabalhar com esses dois mundos se chocando. [...] Essa liberdade de ser o que você quiser e a
partir desse momento ver outros pontos de vista acabou me influenciando em
como um político, por exemplo, vê a malandragem toda que ele está fazendo.
[...] Por que ele se sente livre pra fazer isso? Por que isso está certo? Por que não está certo? E aí você começa a estabelecer um olhar mais crítico (ATOR
6).
A diversidade de pontos de vista proporcionada pela exploração da linguagem teatral foi
também levantada, de modo parecido, pelo ator 5: “São tantos pontos de vista que o teatro traz
que cada coisa que você vê, você agrega um pouco e aí te torna mais aberto para enxergar e
compreender outras coisas” (ATOR 5). O ator 4, por sua vez, também levanta a questão de o
teatro ajudar a formar opiniões. Sua análise, diferentemente dos atores 5 e 6, recai não sobre a
exploração da linguagem, mas sobre o convívio no grupo: “Num grupo unido, é muita troca de
experiências [...] Experiências de vida [...] Muito tempo no teatro é muito tempo compartilhando
essas experiências e isso ajuda a formar opinião” (ATOR 4). Na questão sobre vida pública, o
ator 4 colocou que antes de participar do teatro, era “[...] travado, não tinha opinião sobre nada,
ficava sempre quieto” e que a vivência teatral o ensinou que não é preciso ter medo de se expor.
Resposta semelhante – e ainda mais aprofundada – foi dada pelo ator 6, na pergunta sobre
a relação entre a experiência com teatro e a vida escolar. Além de colocar que o teatro o ajudou a
ter uma opinião, acrescentou que essa opinião, muitas vezes, foge ao senso comum. Sua
colocação faz lembrar a reflexão de Viganó (2006, p. 36), mencionada no capítulo 1, segundo a
qual o exercício da imaginação proporcionado pelo teatro é fundamental para que se consiga
fugir da massificação de opiniões, permitindo “[...] a construção de mentes mais livres e de
cidadãos mais esclarecidos e ativos”:
216
Antes, quando me perguntavam alguma coisa, eu ficava naquele senso comum,
porque isso que é seguro. E a partir do momento que você tem essa liberdade no
teatro, você vai levando para outras partes da sua vida. Você tem a liberdade de pensar de outro modo, de explorar outros pontos de vista e outras maneiras de
ver [...] e de sentir [...] que não é necessariamente aquele “normal”; não é
necessariamente o “certo”. Às vezes você pode pensar o errado só para ter o
gostinho daquilo e eu gosto dessa capacidade de experimentação (ATOR 6).
O trecho acima serve de exemplo a uma análise destacada no capítulo 1; por isso,
julgamos conveniente retomá-la neste ponto da dissertação: “Quando o indivíduo elabora e emite
seus próprios discursos sobre a realidade, pode questioná-la e reinventá-la, tornando-se
protagonista de sua própria história. Trata-se de um processo de emancipação, que o caráter
coletivo das atividades teatrais, quando associado a um ambiente de liberdade de expressão,
pode ajudar a promover” (capítulo 1, p. 45). O fugir do óbvio, o arriscar o “errado”, o imaginar,
expressos no depoimento do entrevistado, denotam a plenitude do exercício de liberdade de
pensamento. Indicam que o sujeito está, de fato, questionando e reinventando a realidade; está se
formando como cidadão emancipado, capaz de ser e de agir no mundo.
Vale ainda registrar aqui o ponto de vista do ator 5 no que diz respeito ao ambiente
estudantil, tendo em vista que se trata de um ator em formação. Sua colocação reforça a analogia
entre os processos desenvolvidos na escola em foco e o fazer teatral contemporâneo, no que se
refere à exploração da linguagem. O entrevistado coloca que a experiência de criar por conta
própria, vivenciada na escola, o ajuda muito no curso universitário, em que as propostas cênicas,
em geral, têm de partir dos estudantes. Para o sujeito, a experiência escolar o instrumentalizou
com “[...] uma gama inteira de possibilidade de aonde o texto pode me levar” (ATOR 5).
Chegamos, pois, ao final desta seção com a compreensão de que determinadas
características das atividades teatrais desenvolvidas no IEI – e, em especial, aquelas que
aproximam o trabalho da escola de práticas caras ao teatro contemporâneo – desempenham papel
importante no desenvolvimento da liberdade, como valor, para os atores entrevistados. A
experimentação livre que visa à criação e, dentro dessa prática, a possibilidade do erro são
algumas dessas características. A exploração de pontos de vista variados visando à criação e
interpretação de papéis diversos é uma especificidade da arte teatral que também merece destaque
no sentido de favorecer uma experiência significativa em termos de liberdade. O ambiente de não
217
julgamento, o lidar com a crítica e a valorização do esforço individual – práticas não
necessariamente exclusivas do teatro, mas bastante características de processos teatrais
colaborativos – são ainda elementos importantes nesse contexto, uma vez que auxiliam os atores
em sua formação como cidadãos com autonomia de pensamento e ação.
5.3 Participação
Nas perguntas relativas ao valor “participação”, destacam-se algumas coincidências entre
as respostas dos atores. A primeira delas é o fato de diversos entrevistados, na primeira pergunta
deste bloco (que não se refere à experiência teatral, mas ao que a palavra “participação”, de modo
geral, sugere ao ator), terem destacado que o que entendem por participação é também o que
entendem por teatro, tal como vivenciado na escola. É interessante observar que o ator 1, ao
refletir sobre a sua concepção de participação, se utiliza de termos próprios do universo teatral.
Participação me sugere, colocando em termos teatrais, não ser simplesmente
um espectador nas coisas que acontecem na sua vida. Eu acho que pra você
chegar lá na frente e poder dizer que você efetivamente teve participação na construção do seu conhecimento, da sua vida, das suas experiências, você tem
que, em muitas ocasiões, se colocar como protagonista da sua própria história.
Participação pra mim é isso. Os termos que eu utilizei já ligam diretamente o que eu acho que é participação como experiência teatral. O teatro dá essa
possibilidade de você enxergar as coisas dessa forma (ATOR 1).
O depoimento acima faz lembrar a reflexão destacada no capítulo 1 (p. 45) e retomada na
seção imediatamente anterior a esta (5.2), em que se pondera sobre o papel do teatro no processo
de emancipação; aliás, o termo “protagonista da sua própria história”, empregado pelo ator, é
idêntico ao utilizado em nossa análise. Aqui, o fragmento chama a atenção não somente por
relacionar a ideia de “protagonismo” à terminologia própria do teatro, mas também pelo fato de
ter sido expresso, espontaneamente, por um indivíduo que participou das atividades teatrais
quando adolescente e que, ora adulto, chega a essa compreensão olhando para a experiência
passada.
218
Retomando a questão da coincidência de respostas em que se fundem as percepções de
participação e de teatro, convém destacar algumas frases dos entrevistados: “Teatro sem
participação não é teatro”, colocou o ator 2; “teatro é basicamente participação”, disse o ator 4.
Afirmações como essas remetem à expressão “senão não é teatro” (mencionada no capítulo 4),
bastante utilizada pela professora quando percebe a necessidade de maior engajamento dos
alunos nas atividades. Podemos, portanto, completar a expressão do seguinte modo: “Se não
houver participação, não é teatro”. E essa participação, como bem coloca o ator 6, não é somente
“fazer parte”; é ter uma “participação ativa” (ATOR 6). Aqui, deparamo-nos, mais uma vez com
uma expressão já mencionada na pesquisa, sendo expressa, de forma espontânea, por alguns dos
atores. “Participação ativa”, termo utilizado pelos atores 2 e 6, e também “participação efetiva”,
expressão citada pelos atores 1 e 3, lembram o conceito de “cidadania ativa”, com que trabalha
Benevides (1991), e no qual, como colocado no capítulo1, participação é valor fundamental. Uma
participação que, como bem expressa um dos sujeitos, “[...] não é fazer o básico; é ir além”
(ATOR 6). Esse “ir além” a que o ator se refere, diz respeito, no teatro, à seguinte postura:
Não é só decorar as falas. É você estar ali, todo dia, realmente querendo fazer
aquilo funcionar. Não fazendo ser uma peça boa, mas excelente, que toque o público; uma peça que ‘chegue’[...] não que tenha palavras bonitas, músicas
bonitas e iluminação boa, mas que emocione de fato. Essa doação, de estar aqui
durante muitas horas, durante muito tempo, por uma coisa que passa num
piscar de olhos [...] quando você podia fazer qualquer coisa da sua vida, isso que é a real participação no teatro (ATOR 6).
A doação à qual o entrevistado se refere remete às ideias de experiência e paixão já
exploradas neste capítulo. Por isso, neste ponto, cabe um aprofundamento na análise desses dois
conceitos. Bondía (2002, p. 26) coloca que, na paixão, ocorre “[...] uma tensão entre prazer e dor,
entre felicidade e sofrimento, no sentido de que o sujeito apaixonado encontra sua felicidade [...]
no padecimento que sua paixão lhe proporciona”. O teatro, muitas vezes, se configura como essa
experiência apaixonante, que causa prazer e também “dor”. Trata-se de uma dor que, geralmente,
tem de existir para haver recompensa – recompensa, esta, que pode vir na forma de aplausos, de
sentimento de “dever cumprido”, de descobertas estéticas, de sensação de pertença ao coletivo e
de tantos outros prazeres que a entrega à atividade pode proporcionar. Ainda de acordo com
Bondía (2002, p. 25), o sujeito da experiência é “[...] um sujeito sofredor, padecente [...]”.
219
Evidentemente, no contexto do teatro, não estamos nos referindo à dor como sofrimento físico,
mas no sentido de sacrifício, de renúncia. Viver a experiência teatral, para o indivíduo em idade
escolar, muitas vezes significa sacrificar horas de sua semana que poderiam ser despendidas com
outras atividades. Como coloca um dos atores, “ao invés de ficar reclamando ‘eu podia estar em
casa, estudando ou vendo TV ou qualquer outra coisa’, você está aqui, falando: ‘O que mais eu
posso fazer?’” (ATOR 6). É esse o sentido de “colocar a liberdade a serviço da atividade”,
mencionado na seção anterior. Por isso, a palavra “doação”, utilizada pelo entrevistado, é tão
apropriada. Fazer teatro é doar tempo, energia, suor. Ou, nas palavras do ator 4, é “dar o sangue”.
Essa doação, também entendida como “fazer a mais”, apareceu nas respostas dos alunos
na forma de ações concretas: ajudar o outro com a cena que não é sua ou auxiliar o colega a
memorizar falas foram algumas das atitudes levantadas por entrevistados como exemplos do que
seria a participação no teatro. Além disso, alguns sujeitos recordaram situações específicas. O
ator 4, por exemplo, lembrou-se de que seus grupos de teatro de sétima e oitava séries, às
vésperas das datas de estreia, resolveram reunir-se fora da escola para ensaiar, por conta própria,
o espetáculo. Esses episódios ocorreram porque, nos ensaios realizados no colégio, as turmas não
estavam se empenhando devidamente. Em uma das ocasiões, segundo o relato do entrevistado, a
proposta partiu do aluno de quem menos se esperava. Na semana da apresentação, esse estudante,
em geral pouco participativo, teria dito aos demais: “Isso não está certo, a gente tem que fazer
mais, dar mais sangue. Então vamos, sem a professora saber, [...] passar essa peça por nós
mesmos, até dar certo, porque não é justo [...] não sair bonito” (ATOR 4).
O ator 3, que também se lembrou de episódios em que a participação engajada de todos os
membros do grupo apareceu em épocas próximas às de apresentações, analisou de maneira
interessante essas situações. Para o entrevistado, algumas vezes ocorre de, ao longo do ano,
alguns alunos participarem do processo de forma mais ativa do que outros. Porém, o fato de
terem um objetivo comum (a peça) faz com que, em um determinado momento, todos se unam
para “[...] fazer o grupo funcionar” (ATOR 3). Vale destacar que a ideia de partes que se unem
para “fazer o todo funcionar” – que transmite a imagem de engrenagem, de interdependência, de
colaboração – foi igualmente utilizada por outros atores. É também interessante ressaltar o olhar
lançado ao espetáculo, pelo ator 3, como “objetivo comum”. O entrevistado frisou que esse
objetivo comum seria apenas uma parte mais “imediata” do trabalho e que, para se chegar até lá,
220
há sempre um longo processo de criação em conjunto. Essa percepção reforça a análise realizada
na conclusão do capítulo 4, em que destacamos que a peça teatral não é vista como produto final,
mas como parte de um processo, do qual todos os envolvidos participam ativamente, e em que
todas as etapas são importantes.
Outro exemplo de iniciativa e doação rememorado durante uma das entrevistas foi a
ocasião em que um grupo de alunos e ex-alunos decidiu montar uma peça teatral por conta
própria. O espetáculo foi mantido em segredo da professora por vários meses e apresentado a ela
como presente de aniversário. O ator 2 se recordou, com orgulho, de como cada elemento – texto,
iluminação, música, cenário, direção – foi elaborado pelos próprios integrantes da equipe.
Essa peça era sobre a magia do teatro e agente resolveu fazer isso [...] para
mostrar como o teatro era bom na nossa vida, o que tinha trazido e tudo o que tinha ensinado. A gente pensou em cada detalhe [...] E era uma forma de a
gente dizer um ‘muito obrigado’. [...] Deu certo e foi muito legal ter tudo feito
pela gente. E, como um grupo, é uma memória muito gostosa de se ter (ATOR 2).
O ator 2 relatou também que para ensaiar o espetáculo, os integrantes do grupo se reuniam
fora da escola, aos finais de semana, e que se esforçavam para conseguir conciliar os horários de
todos. Contou, ainda, que a equipe solicitou à Associação de Pais e Mestres da escola uma verba
para realizar a filmagem da apresentação e que teve o pedido aceito. Todo esse relato e também
os ensaios marcados e realizados pelos próprios estudantes às vésperas das apresentações
(mencionados pelo ator 4) fazem lembrar os primeiros anos de atividade teatral no colégio,
quando tudo era feito pelos próprios alunos. É interessante observar como, nos casos
mencionados, os estudantes “tomaram as rédeas” do processo, em um movimento reverso àquele
seguido pelas atividades teatrais na escola (que, conforme visto no capítulo 3, seguiram um
caminho que pode ser compreendido como da criação coletiva aos processos colaborativos).
Longe de se tratar de um retrocesso, podemos compreender que o trajeto dos alunos em direção
ao fazer teatral independente (sem auxílio da professora) se traduz em uma aquisição de
autonomia por parte dos sujeitos. Autonomia conquistada porque a própria atividade os
instrumentalizou para tal, como reconhece o ator que relatou sobre o espetáculo criado pelo grupo
221
de alunos e ex-alunos: “A gente só pôde fazer essa peça por tudo o que a gente aprendeu no
tempo que fez teatro” (ATOR 2).
Outro aspecto que merece destaque nesta análise das entrevistas é o fato de a própria
concepção de “participação” apresentada pelos atores, quando refletindo sobre a relação entre o
valor e a experiência teatral, coincidir com o sentido de “colaboração” destacado anteriormente
na pesquisa (“ação conjunta para o trabalho”). A fala do ator 5 é interessante, nesse sentido,
porque evidencia a maneira como um participante enxerga a questão e reforça a colocação feita
no capítulo 4, segundo a qual colaboração é uma das características fundamentais do modo de
coordenação do processo:
Tudo que a gente monta, a gente não monta sozinho aqui. Todo mundo participa
de tudo. Seja no jeito que tal fala vai ser dita, seja no como uma pessoa vai entrar em cena. É um processo criativo que a gente tem aqui em que todo
mundo é ouvido [...] Todo mundo tem a possibilidade de dar opiniões, de
participar (ATOR 5).
Essa colaboração, que, como visto, exige comprometimento e, não raro, sacrifícios,
muitas vezes requer colocar os interesses do grupo à frente dos individuais. E essa é uma prática
que pode ser transferida para campos diversos da vida. Ao falar sobre seu ambiente de trabalho, o
ator 2 destacou que o teatro o auxiliou a ser mais prestativo. Ao responder a questão sobre
relações afetivas, esse mesmo sujeito destacou que, no teatro, aprende-se “[...] que uma conquista
em grupo pode te dar tanta satisfação quanto uma conquista pessoal, individual” (ATOR 2).
Nesse contexto, mais um ponto comum entre as respostas de muitos entrevistados foi a
ênfase dada ao “outro” no processo de construção de um espetáculo. Além de ressaltar a
importância da própria participação engajada, do “fazer a sua parte”, os sujeitos frisaram a
relevância da participação do outro. “A gente não participa sozinho”, colocou o ator 2, resumindo
uma ideia expressa em outras entrevistas: a de que, no teatro, é preciso não apenas deixar o outro
participar, mas também respeitá-lo e, sempre que preciso, auxiliá-lo nessa participação. Esse
auxílio pode vir de ações como dar ideias em cenas do colega ou ajudá-lo com seu texto,
conforme já colocado. Pode, ainda, evidenciar-se até nas atitudes mais “simples”, como
permanecer em silêncio para não atrapalhar as cenas alheias (essa atitude, aliás, foi citada por
dois dos entrevistados como exemplo de participação no teatro).
222
O respeito ao outro, exemplificado nesse tipo de comportamento, foi destacado por alguns
atores como um aprendizado proporcionado pelo teatro que é transferido para outros campos da
vida social. O ator 2, por exemplo, destacou que a experiência teatral o “[...] ensinou a prestar
mais atenção nas pessoas, a escutar o que elas têm a dizer [...] a conversar olhando no olho, a
ser menos egoísta” (ATOR 2). De modo similar, o ator 5 colocou que a experiência teatral é
importante no sentido de ensinar “[...] o respeito com as opiniões das outras pessoas” (ATOR
5). Esse mesmo sujeito, ao falar sobre vida pública, também enfatizou a importância do respeito
aos pontos de vista diversos. Portanto, se na seção anterior vimos que a experiência teatral é
importante no sentido de formar opiniões e fazer com que os alunos se sintam livres para
expressá-las, ampliamos aqui o enfoque, ao entender que nessa prática de livre expressão, quando
há estímulo à participação de todos, o respeito é também um dos valores exercitados.
Outro aspecto coincidente nas respostas dos entrevistados às perguntas do bloco
“Participação” foi a resolução de conflitos. No capítulo 4, foi dito que o diálogo aberto é uma
característica importante no processo desenvolvido no IEI e que essa prática, muitas vezes,
auxilia a resolver problemas de relacionamento que atrapalham o andamento do trabalho. As
entrevistas confirmaram essa prática como elemento relevante no trabalho com teatro na
instituição pesquisada. Alguns atores, ao comentar sobre a montagem de espetáculos, destacaram
que às vezes, durante o processo, ocorrem desentendimentos entre os participantes. O ator 3
colocou que essas desavenças prejudicam “[...] o funcionamento do grupo”, uma vez que
desviam a equipe do objetivo comum. Destacou, também, que quando isso ocorre, os conflitos
precisam ser resolvidos. O ator 5 se lembrou de uma peça em específico em que havia brigas
entre os alunos e “[...] mau humor nos ensaios”, até o momento em que todos conversaram e as
diferenças foram superadas. Recordou que nessa conversa, tudo o que incomodava cada um dos
participantes foi colocado e que todos aceitaram que determinadas atitudes deveriam ser
modificadas. O ator destacou essa mudança de comportamento como muito difícil de ser
encontrada em outros ambientes, já que, para ele, as pessoas tendem a não aceitar que estão
erradas, por mais que suas atitudes estejam causando transtorno a alguém. Também ressaltou que
a união dos grupos teatrais da escola em foco é rara:
223
Aqui as pessoas são tão juntas que mesmo que a gente tenha conflitos, a gente
resolve de uma maneira [...] pacífica, que fora daqui a gente não vê, mesmo.
Essa união é muito difícil de se achar; de todo mundo que se aceite e se goste, apesar dos apesares (ATOR 5).
Esse mesmo sujeito ainda destacou que essa qualidade de união se estabelece de maneira
bastante rápida na escola em foco, o que não acontece nem mesmo em sua faculdade (Artes
Cênicas), em que as pessoas em geral têm uma consciência maior que indivíduos de outras áreas
sobre a importância de se trabalhar em conjunto. Neste ponto, independentemente da análise do
sujeito sobre o teatro escolar propiciar união mais rapidamente quando comparado ao curso
universitário, queremos chamar a atenção para outro aspecto em que respostas de diferentes
atores coincidiram: o reconhecimento, em indivíduos com experiências em teatro distintas das
suas, de similaridades na maneira de enxergar e exercer a participação. O ator 5, como colocado,
expressou que em seu ambiente estudantil, é fácil “[...] fazer as coisas em conjunto porque a
gente entende que as pessoas podem falar e que elas têm parte, que tudo é um conjunto” (ATOR
5). O sujeito creditou essa qualidade ao fato de os indivíduos de seu curso já terem tido
experiências prévias com teatro. Essa percepção é similar à do ator 1, que, ao discorrer sobre seu
ambiente de trabalho, disse ser interessante, depois de muitos anos, conhecer pessoas que
também fizeram teatro no passado – em outras escolas e até em outras cidades – e constatar que
as formas como esses indivíduos enxergam os acontecimentos e agem em seus cotidianos são
muito mais parecidas com as suas próprias visões e atitudes do que as de pessoas que não
passaram pela experiência teatral. Mais uma vez, podemos entrever aqui a potencialidade do
teatro na formação da visão de mundo dos sujeitos.
Ainda ao falar sobre seu ambiente de trabalho, o ator 1 destacou que o cargo que ocupa
(gerência, em escritório de uma multinacional) exige que ele, além das atribuições próprias de
sua área, cuide também da parte de recursos humanos, em que é preciso ter sensibilidade para
“[...] conversar com as pessoas, ouvi-las e entender o que elas estão sentindo” (ATOR 1). Para
ele, a experiência teatral o auxilia nesse contato, já que possibilita um conhecimento de si mesmo
e do outro. Na maneira como ele aborda a questão, chamam a atenção a referência à experiência
teatral como “viagem interior, no outro” e a associação entre a percepção sobre as pessoas e a
relação palco-plateia:
224
Eu acho que o teatro te traz um autoconhecimento e um conhecimento do outro,
que possibilita identificar sinais. Então, às vezes, a pessoa não precisa
efetivamente te falar o que ela está sentindo. Mas se você fez essa viagem interior, no outro, teve essas experiências sentimentais [...], você consegue
identificar se a pessoa está gostando, se não está; se vão te aplaudir, se vão te
criticar; se estão sorrindo agora e vão chorar lá atrás. Tudo isso está no nosso
dia-a-dia da convivência pessoal. Então, eu acho que o teatro é diretamente ligado à forma como eu sinto o meu ambiente ao redor (ATOR 1).
O conhecimento do outro a que o sujeito se refere apareceu também nas respostas de
outros atores. O ator 2, por exemplo, na questão sobre relações afetivas, destacou: “Foi com o
teatro que eu aprendi a ser mais humana e a enxergar o humano nos outros” (ATOR 2). O ator
3, por sua vez, na resposta à mesma pergunta, colocou que o teatro contribui muito para “[...]
entender pessoas e entender como funcionam relações” (ATOR 3). Para o entrevistado, essa
compreensão vem tanto do convívio com pessoas diferentes quanto da exploração de distintos
personagens – práticas que contribuem para a percepção de “[...] como o ser humano pode ser
variado; não necessariamente ruim ou bom, mas simplesmente diferente” (ATOR 3). O mesmo
sujeito ainda acrescentou que o teatro cria “[...] uma relação muito humana” porque ao mesmo
tempo em que é uma atividade corporal, é também reflexiva. Além disso, para funcionar,
demanda que as pessoas se relacionem. Essas características, para o entrevistado, fazem do teatro
uma atividade bastante diferente da “[...] frieza da sala [de aula], de sentar e aprender” (ATOR
3). Vale observar que os três sujeitos que se referiram ao entendimento do outro como
consequência da experiência teatral (atores 1, 2 e 3) são justamente os mais velhos dentre os
entrevistados e aqueles que já atuam no mercado de trabalho. Portanto, pode-se conjecturar que
suas reflexões são decorrentes da maior maturidade, experiência de vida e conhecimento de
pessoas diferentes que o ambiente profissional muitas vezes proporciona.
A expressão “enxergar o humano nos outros” (utilizada pelo ator 2) e a menção ao teatro
como prática que cria “[...] uma relação muito humana” (expressa pelo ator 3) lembram o
depoimento de uma aluna de terceiro ano de Ensino Médio, na roda de concentração do último
dia de apresentação do espetáculo Auto da Compadecida, no ano de 2012. Emocionada com a
despedida, a estudante disse, sobre o teatro: “Isso aqui é lugar de humanização”. As falas dos
entrevistados citadas acima confirmam e, de certo modo, explicam essa afirmação da aluna,
indicando também uma transferência do aprendizado proporcionado pelo teatro para outros
225
campos da vida. Na Introdução deste trabalho colocamos que na atualidade, diversos estudiosos,
a exemplo de Morin (2000) e Gohn (2011), apontam para a necessidade urgente de uma
reestruturação na área educativa, em que se priorize o desenvolvimento das características ditas
“humanas”. Com as respostas dos atores, pudemos constatar que ao proporcionar o encontro com
o outro – seja um colega de cena, seja um personagem que é construído –, o teatro tem o
potencial de contribuir para essa “humanização”.
Vale ainda destacar, como exemplo de ida ao encontro do outro, uma atitude mencionada
pelo ator 2, ao relacionar sua experiência teatral à vida pública. O sujeito relatou que costuma
prestar serviço em recepções de estudantes estrangeiros na universidade onde estudou. Ao contar
sobre a experiência, ressaltou que compreende como deve ser difícil a adaptação para aqueles que
chegam de fora, e colocou:
Esse acolhimento eu vejo como participação, e a influência do teatro está no
prestar atenção no outro, no cuidar, e também em tentar passar para as pessoas [...] valores que a gente adquire durante a caminhada teatral (ATOR 2).
Os elementos presentes nesse depoimento – empatia, acolhimento, receptividade, atenção,
cuidado – podem também ser reconhecidos nos relatos de dois outros atores sobre a experiência
com teatro no IEI. O sujeito 5 contou que quando começou a estudar na instituição (no primeiro
ano do Ensino Médio), sentiu certa dificuldade de adaptação e entrosamento, fato que não
ocorreu no ambiente teatral:
Quando eu entrei no teatro todo mundo me aceitou [...] Aqui [no colégio], eles usam o termo ‘novata’ e eu acho muito agressivo, mas no teatro era como se eu
já fosse daqui e essa experiência marca muito, né? Porque a gente tem tanto
medo de que ninguém nos aceite, e aqui foi tudo tão mágico que marca (ATOR 5).
Embora, em sua fala, o ator 5 não estivesse se referindo apenas à “cerimônia de iniciação”
(exposta no capítulo 3, em “Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte I”), e sim a toda
a conjuntura das aulas iniciais, o relato remete ao procedimento. Afinal, como já colocado, o
ritual tem por meta acolher os alunos que nunca fizeram teatro e fazê-los se sentir parte
importante do grupo. Além disso, é curioso destacar a palavra “mágico”, utilizada pelo
226
entrevistado. A “cerimônia de iniciação” é preparada pelos alunos visando ser uma verdadeira
experiência – no sentido já discutido neste capítulo – para os principiantes, em uma tentativa de
reproduzir no procedimento toda a “magia” que o teatro representa para aqueles que já fizeram
parte da atividade. A propósito, como visto nesta seção, o espetáculo criado por alunos e ex-
alunos teve por tema “a magia do teatro” (ATOR 2).
Voltando aos elementos de empatia, acolhimento, receptividade, atenção e cuidado
presentes tanto nos depoimentos citados, há ainda uma última fala a ser destacada nesta seção,
que apresenta muita similaridade com o relato do ator 5, transcrito acima, e em que se entreveem
todos os aspectos destacados. Ao falar sobre o ambiente teatral escolar, o sujeito ressalta:
Você nunca vê uma pessoa tratando o outro como um inferior. [...] Todo mundo
ali sempre se respeita. Ninguém é excluído. [...] Todo mundo fala: “Você faz
parte disso aqui também”. É isso que a gente aprende. Desde o primeiro dia, já fica avisado: “Você faz parte, você é muito importante aqui. Independente do
que você faça, você é essencial.” (ATOR 4).
No relato acima, além da participação, destaca-se também o valor da igualdade,
evidenciado nas afirmações de que no teatro da escola pesquisada todos se tratam de modo
igualitário e de que cada qual é importante, a despeito da função exercida. Essas ideias foram
recorrentes nas respostas dos entrevistados às perguntas do bloco “Igualdade”, como se verá na
seção subsequente.
5.4 Igualdade
Um fato curioso, ocorrido neste ano (2013) durante o processo de montagem do
espetáculo Dionísio Sumiu, ilustra a essência das respostas dos atores às perguntas do bloco
“Igualdade”. Para compreender o referido acontecimento, é preciso saber que na peça
mencionada, alguns estudantes desempenham o papel de “coro” e outros de “corifeu”, figuras
inspiradas nas antigas encenações gregas, em que o coro tinha a função de comentar a ação
dramática, tendo o corifeu como seu líder. Durante os primeiros meses do processo de montagem
do espetáculo, o início de cada encontro era dedicado ao estudo do universo abarcado pela peça
227
(mitologia, cultura clássica e origens do teatro). Para tal, os estudantes dividiram-se em duplas
(compostas por “padrinho” e “afilhado” – de acordo com a “cerimônia de iniciação”, detalhada
no capítulo 3) e cada uma delas ficou incumbida de apresentar uma pequena palestra sobre um
dos temas mencionados. Na palestra sobre as origens do teatro – que, vale destacar, ocorreu após
a divisão de personagens –, o aluno por ela responsável, ao apresentar tela de Power Point em
que se lia “corifeu: líder do coro”, disse o seguinte: “Eu escrevi ‘líder do coro’ porque está
escrito assim no material que estudei, mas não concordo, porque isso o torna superior ao coro”.
Após a apresentação, foi solicitado que o estudante explicasse melhor por que fizera essa
afirmação, e sua suas palavras foram:
Na pesquisa que eu fiz, vi que o corifeu era colocado como superior, chefe, como se estivesse um degrau acima do coro. Não quis falar isso, porque aqui
dentro a gente acha que todo mundo deve ser igual. Em todos os anos que fiz
teatro, desde o primeiro até hoje, sempre foi assim: há um mais novo, um mais velho, um com mais experiência, um com menos, um com mais habilidade, um
com menos e isso nunca interferiu na relação entre alunos, nem na relação
entre aluno e professor (ALUNO DE TEATRO, 2013).
A fala do estudante assemelha-se a muitos depoimentos dos entrevistados, em suas
reflexões sobre a experiência teatral e o valor da igualdade. Aliás, assim como ocorreu quando o
tema das entrevistas era a participação, alguns dos atores afirmaram que igualdade constitui a
própria essência do teatro. O ator 4, por exemplo, colocou: “Teatro é igualdade” (ATOR 4). O
ator 2 relatou que quando pensa na palavra “igualdade”, ela já vem associada ao teatro porque um
dos primeiros e mais fortes ensinamentos da experiência teatral é o de que “[...] ninguém é
melhor do que ninguém” (ATOR 2). O ator 6 referiu-se ao palco como um espaço onde todos têm
a mesma capacidade de ser o que quiserem e frisou: “Essa igualdade, que todo mundo tem, de ser
capaz de fazer alguma coisa, que é o teatro” (ATOR 6).
São notáveis essas colocações em se tratando de uma atividade que facilmente poderia
insuflar disputas e vaidades. Afinal, a cada ano são montados espetáculos, cujos personagens nem
sempre têm o mesmo número de falas e aparições na trama. A propósito, há ocasiões em que
certos papéis são bem maiores que outros. Exatamente por isso, foi dito, no capítulo 4 (seção
4.2.2, parte III), que o processo de divisão de personagens exige cuidado para não estimular
exibicionismo e rivalidades, e que, para tanto, se trabalha no sentido de valorizar, junto aos
228
alunos, a importância de todos os papéis, independentemente de tamanho de suas participações.
Esse foi, justamente, um dos pontos abordados por alguns dos atores, e suas declarações atestam
que existe consonância entre a intencionalidade do processo e o modo como os sujeitos o
enxergam. O ator 4 relatou que todos os anos, quando se inicia um processo de montagem,
costuma ouvir, de pessoas de fora do grupo teatral, a seguinte pergunta: “Quem é o principal?”. O
questionamento, em sua opinião, não faz sentido para quem participa da peça:
Para quem está dentro, isso não existe [...] você vê que ninguém fica com inveja
do papel do outro, ninguém fica cobiçando o personagem do outro porque todo mundo é igual ali dentro. Todo mundo está fazendo a sua parte, se apoiando
(ATOR 4).
Esse apoio mútuo, que pode ser entendido como colaboração, apareceu também na
resposta em que o ator 6 disse enxergar “igualdade de capacidade” no teatro. Para ele, essa
igualdade se expressa na prática de todos poderem mostrar seu trabalho e de opinarem a respeito
das cenas uns dos outros, dizendo o que está bom e o que precisa ser modificado. Expressa-se,
ainda, no fato de estarem todos unidos em torno de um mesmo propósito: o de fazer um bom
espetáculo, levá-lo ao público e, com isso, mostrar a si mesmos que são capazes. O sujeito
declarou que esse é um “[...] nível de igualdade em que todo mundo é humilde, ninguém sabe
mais do que ninguém” (ATOR 6).
Linha semelhante seguiu o depoimento do ator 3, que citou os testes realizados para
divisão de personagens como prática em que se entrevê a igualdade de oportunidades. Esse
entrevistado ressaltou que todos podem tentar ser quaisquer personagens, pois “[...] não existe já
um pressuposto de quem vai ser melhor que quem” (ATOR 3). Essa colocação se relaciona à
afirmação do ator 2, segundo o qual nunca houve, no teatro do IEI, distinção no sentido de uma
pessoa ser “[...] melhor em cena do que a outra” (ATOR 2). Voltando à reflexão do ator 3 sobre
a escolha de papéis, é interessante destacar que o sujeito menciona, como critério de seleção
utilizado na escola, características – de voz, fisionomia, postura – que indiquem qual aluno será o
que melhor e mais rapidamente se “encaixará” em um determinado personagem, visto que não há
tempo suficiente para todos aprenderem a fazer todos os papéis. Essa colocação remonta à seção
“Divisão e construção de personagens”, do capítulo 4, em que se colocou, citando Spolin (1999,
229
p. 23), que o diretor deve “[...] procurar não a obra acabada, mas aquele tom de voz, aquela
presença, aquela qualidade corporal – aquele ‘algo’ indefinível que inicialmente é apenas
sentido”.
Ainda sobre a divisão de papéis, o ator 3 acrescentou que se trata de uma experiência que
é construída coletivamente e que, se não houver espaço para todos no texto escolhido, esses
espaços serão criados: “Isso não é um problema. Se você está ali, se você quer participar, você
vai ter um lugar para você, que vai ser tão importante quanto todos os outros” (ATOR 3). Ao
dizer isso durante a entrevista, o sujeito foi questionado sobre o fato de haver personagens
maiores e menores dentro de um espetáculo teatral. Em sua resposta, chamam a atenção o
entendimento acerca das diferentes “importâncias” dentro do processo de construção da peça e a
maturidade no entendimento acerca da ação dramática:
Pensando naquela questão mais imediata de uma peça de teatro, existe
personagem principal, existe personagem coadjuvante, existe figurante [...]. Existe essa estrutura e, enfim, as pessoas podem julgar como ‘inferior’ ou
‘superior’. Mas [...] é uma classificação que só coloca em lugares diferentes e
não em níveis diferentes, pelo funcionamento da peça mesmo. Existe uma narrativa. Tem um personagem que é sobre o qual é a história. Ele vai ser o
principal, pela narrativa [...] Pressupõe-se que em toda narrativa todo
personagem tem uma função [...] Quando a gente cria personagem também, ele
tem uma função. Ele está ali porque ele cabe na história. Então sem aquilo, vai ficar faltando (ATOR 3).
Um interessante paralelo pode ser estabelecido entre a declaração acima e o depoimento
do ator 4. Se a montagem de um espetáculo for pensada do ponto de vista mais “imediato”, tal
qual coloca o ator 3 – ou seja, como peça teatral –, existem, na narrativa, protagonistas e
personagens secundários; por outro lado, sob a ótica do processo, construído colaborativamente,
“[...] todo mundo ali dentro é protagonista. Todo mundo é igual, [...] está fazendo a mesma
coisa. Todo mundo é importante; a participação de todos é essencial” (ATOR 4).
As declarações acerca da relevância de todos os participantes em um espetáculo teatral, a
despeito das diferenças entre os papéis representados, corroboram a afirmação de Hargreaves
(1990, p. 152) sobre a montagem de peças em ambientes escolares:
Individualmente, atores podem ser excelentes e ser reconhecidos por isso. Mas o sucesso de poucos não gera um senso de fracasso no resto, como geralmente
230
acontece na sala de aula. Aqueles com contribuições menores compreendem
perfeitamente bem que eles não poderiam ser as “estrelas” do show, mas eles
sabem que tiveram uma contribuição que é essencial à toda a empreitada e que, portanto, sabidamente tem o seu valor. Uma peça, assim, confere aos
participantes dignidade [...]. Cada um faz uma contribuição, a execução
competente de cada um desperta um sentimento de valorização. Solidariedade e
dignidade são desenvolvidas simultaneamente.
No capítulo 1, foi colocado que se algum aluno não comparece a um encontro ou não
estuda adequadamente suas falas, o trabalho de todo o grupo fica comprometido. Para comprovar
a afirmação de que todos, igualmente, têm importância dentro do processo de construção de um
espetáculo, alguns entrevistados mencionaram essas situações em que a ausência ou a falha de
qualquer um dos membros da turma prejudica o coletivo como um todo. O ator 3 destacou faltas
aos ensaios e até mesmo ocasiões em que um dos participantes está momentaneamente fora do
auditório – para beber água, por exemplo – justamente no momento em que se vai passar sua
cena, como atitudes individuais que prejudicam a todos. De maneira análoga, o ator 5 declarou:
“Uma pessoa, por qualquer coisa que faça [...], se falha, todo mundo falha. É nisso que eu acho
que está a igualdade do teatro [...] todas as importâncias estão distribuídas igualmente” (ATOR
5). Esse mesmo sujeito ainda se lembrou de uma ocasião específica em que, durante uma
apresentação, um contrarregra esqueceu-se de entregar um buquê de flores para um ator que
estava no palco. Como a compreensão da cena dependia do material, toda a performance ficou
comprometida. O entrevistado completou sua reflexão sobre o episódio dizendo que pessoas que
não fazem teatro costumam pensar que atores são muito mais importantes que contrarregras, o
que, em seu entender, não corresponde à verdade.
Depoimentos como esses ratificam, ainda que em pequena escala, as seguintes
afirmações, feitas no capítulo 1: a de que o aluno de teatro logo compreende que seu desempenho
individual está diretamente ligado ao comprometimento de todos; e a de que o estudante, ao
passar por essa experiência, aprende que é parte fundamental de um grupo, devendo, portanto,
assumir postura ativa e responsabilizar-se pelo bem coletivo. Trata-se de um aprendizado que,
quando transferido para outros contextos, pode contribuir para a atuação do indivíduo como
cidadão participativo e consciente de seu papel na sociedade. Os entrevistados, nas questões
relativas às três esferas sociais, afirmaram perceber essa transferência.
231
A ideia de que todos são igualmente importantes se destacou, nas entrevistas, como um
aprendizado proporcionado pelo teatro que influencia a maneira de ser e de pensar dos sujeitos,
em cenários diversos de suas vidas atuais. O ator 5, ao discorrer sobre o ambiente estudantil,
afirmou que o teatro influenciou sua maneira de pensar, por trazer o entendimento de que “[...]
todo mundo tem que se respeitar [...] tem que perceber que não é superior ao outro e não é
inferior também” (ATOR 5). De modo semelhante, ao falar sobre o ambiente de trabalho, o ator
2 colocou:
Eu acho que a gente aprende o sentido de igualdade no teatro [...] o teatro
ajuda a gente a incorporar isso à nossa essência [...] Isto fica: ninguém é
melhor que ninguém. Existem opiniões diferentes, ideias diferentes e a gente tem que aprender a lidar e a conviver. Posso até não concordar, mas o respeito tem
que existir (ATOR 2).
A reflexão do ator 4 acerca da vida pública é similar: para ele – que, mais uma vez, fez
referência às manifestações populares do mês de junho – o teatro traz mais tolerância, por
proporcionar a oportunidade de “[...] de entender que tem diferenças, mas que você consegue
trabalhar com isso, por mais que você não concorde [...] Não tolerância no sentido de abafar
opinião, mas no sentido de criar um convívio que seja construtivo” (ATOR 3).
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o ator 5, ao falar sobre relações afetivas, afirmou
que o teatro modificou completamente seu jeito de pensar no que tange a não julgar como
“menos importante” alguém cuja opinião seja diferente da sua. Para o entrevistado, a experiência
teatral escolar o fez entender que tudo é uma espécie de “engrenagem”, em que todos precisam se
ver como iguais, “[...] senão as coisas ‘desandam’” (ATOR 5). O sujeito ainda afirmou que se
não houvesse feito teatro, possivelmente continuaria destratando alguns colegas na escola. Para
ele, a vivência teatral propicia esse tipo de transformação por ser uma atividade não padronizada,
que “[...] abre para muitos pensamentos, [...] para muitas expressões” (ATOR 5). Esse
entrevistado ainda destacou que percebe que o teatro auxilia na emancipação porque quando
conversa com seus amigos, percebe que tem visões que os colegas não têm. Acrescentou que é
bom difundir a ideia de que todos precisam se aceitar, e ressaltou: “A gente tem que buscar essa
igualdade [...] eu falo isso para as pessoas, e acho que elas nunca viram esse tipo de opinião que
a gente do teatro tem” (ATOR 5).
232
A abertura ao diferente foi também mencionada pelo ator 1, que destacou – assim como
fizera no bloco “Liberdade” – a quebra de “pré-conceitos” como uma contribuição do teatro
escolar que acaba sendo transferida para outros campos da vida. A atitude de não julgar
previamente, de não montar “[...] imagens na sua cabeça antes de conhecer o outro”, são
importantes, para o entrevistado, no sentido de não alimentar “pensamentos engessados” e “[...]
se permitir conhecer o outro” (ATOR 1). Uma observação do ator 2 sobre o teatro escolar parece
explicar, justamente, o porquê da quebra de preconceitos que o teatro tem o potencial de
promover: a atividade propicia a convivência com pessoas antes desconhecidas e, algumas vezes,
com alunos a respeito dos quais outros estudantes podem ter ouvido comentários depreciativos no
ambiente escolar. Para o entrevistado, essa imagem prévia é desfeita na medida em que todos têm
de trabalhar em conjunto tanto nos jogos teatrais quanto na construção de cenas.
Vale observar que alguns entrevistados fizeram menção à “oração do teatro” como
expressão máxima da igualdade experimentada no fazer teatral. Para o ator 4, o ritual é “único”
porque é a representação clara da união, do sentimento de estarem todos “[...] na mesma
intensidade”, do “[...] todo mundo por todo mundo” (ATOR 4). O ator 6, por sua vez, citou as
palavras ditas durante a oração e acrescentou:
É isso que fala exatamente o que é o teatro e por que é tão importante: porque está todo mundo junto, no mesmo barco, e está todo mundo tendo que fazer a
mesma peça [...] e apresentar para a mesma quantidade de pessoas, com o
mesmo nível de importância. [...] E é isso que deve ser a experiência teatral, essa união (ATOR 6).
A percepção de que o ritual em questão representa “exatamente o que é o teatro” merece
destaque no âmbito desta pesquisa porque, se voltarmos ao capítulo 1, veremos que a dissertação
se inicia, justamente, com a citação da referida oração e a reflexão de que ela sintetiza o cerne
deste estudo – a construção de valores cidadãos. A visão do ator, exposta acima, amplia o
enfoque apresentado naquele capítulo, uma vez que identifica o ritual não apenas com os
mencionados valores, mas também com a experiência teatral em si. Pode-se dizer que existe,
então, uma identificação dos valores cidadãos (já que o ritual os exprime) com o próprio fazer
teatral.
233
É também importante destacar, nesta seção, que alguns atores relacionaram valor de
igualdade trabalhado no teatro com seus posicionamentos perante temas socioeconômicos. A
questão da igualdade de direitos, por exemplo, foi levantada por dois dos entrevistados. O ator 6,
em resposta à questão sobre vida pública, salientou a relevância de “[...] todo mundo ter direito a
tudo, não importa [...] o nível econômico, a cor, o sexo” (ATOR 6). O sujeito acredita que essa
sua visão tenha sido influenciada pelo teatro, porque a experiência o ajudou a compreender que
todos são igualmente capazes. A reflexão do ator 5, ao responder à mesma pergunta, segue ideia
semelhante. Em sua fala, destaca-se não apenas a questão já mencionada da equidade de direitos,
mas também a maneira como o entrevistado se coloca com relação à sua própria conscientização
a respeito do tema:
Todo mundo tinha que ter uma base para uma vida digna, que é o que consta
nos nossos Direitos Humanos. Mas deveria funcionar, né? E eu tenho essa consciência por causa do teatro. Porque acho que se nunca tivesse feito teatro,
eu teria uma visão de que “eu preciso estar onde eu estou na sociedade e
preciso que tenha gente abaixo de mim”, sabe? Eu não quero pensar assim.
Fico feliz de não pensar assim (ATOR 5).
A superação da visão elitista, expressa no depoimento acima, pode também ser entrevista
na fala do ator 2:
Quando a gente faz trabalho social, a gente lida com pessoas muito diferentes
da nossa realidade e o primeiro desafio é enxergar essa igualdade. Por mais
que a gente não tenha essa intenção de definir níveis sociais, a gente acaba tendo uma diferenciação, e o primeiro desafio é trazer essa igualdade. E [...] eu
sempre remeto a igualdade ao teatro; o teatro sempre me traz a ideia de
convivência, e ele me ajuda a levar isso pra tudo, inclusive pra vida pública, para esses trabalhos sociais, no respeito que se tem com o outro (ATOR 2).
As últimas declarações são especialmente relevantes no contexto da escola estudada nesta
dissertação. Afinal, trata-se de uma instituição particular de ensino, que atende a uma clientela
com poder executivo médio/alto. A percepção de igualdade, a despeito de diferenças de classes
socioeconômicas, chama a atenção em uma conjuntura em que os indivíduos não pertencem a
grupos em situação de exclusão social e, de um modo geral, não convivem com sujeitos em
condição de vulnerabilidade econômica. O olhar que se lança ao “diferente”, percebendo-o como
234
igual na humanidade, na dignidade e na cidadania são contribuições ímpares que o teatro, ao
trabalhar com o valor da igualdade, pode proporcionar.
5.5 Conclusões do capítulo
A análise das entrevistas, apresentada neste capítulo, aponta para alguns dados
importantes. O primeiro deles é o fato de existir concordância entre a maneira como os processos
desenvolvidos na escola em foco foram apresentados no capítulo 4 e o modo como esses mesmos
processos são compreendidos pelos indivíduos que deles participaram. Ou seja, os modos de
coordenação e produção apresentados pela pesquisadora não correspondem a uma visão unilateral
do trabalho com teatro na instituição pesquisada. “Colaboração”, “diálogo aberto” e “processos
decisórios coletivos”, destacados como características fundamentais do trabalho no quarto
capítulo, apareceram de maneira recorrente nas falas dos entrevistados, ainda que não sob essas
terminologias. A vertente emancipatória da atividade, decorrente de seu caráter coletivo, crítico e
reflexivo, também se faz notar nas declarações dos sujeitos. Pode-se dizer, portanto, que nos
processos teatrais estudados nesta dissertação, existe consonância entre intencionalidade e
recepção.
O segundo ponto que merece destaque na análise das entrevistas recai sobre a
transferência dos valores cidadãos para os três campos aqui destacados: relações afetivas,
ambiente de trabalho/estudantil e vida pública. Todos os atores estabeleceram relações entre a
experiência teatral vivenciada na escola e cada uma dessas esferas, em suas vidas atuais. Nesse
estabelecimento de relação, não houve preponderância de um dos campos como aquele em que os
entrevistados enxergaram maior ou menor influência do teatro.
Do mesmo modo – e este é também um dos dados relevantes nesta conclusão –, não
houve, nas entrevistas, predominância significativa de um dos valores cidadãos sobre os demais.
Liberdade, participação e igualdade receberam, de quase todos os atores62
, importâncias
similares, como valores que a experiência teatral ajuda a construir. Muitas vezes, ocorreu
62 O ator 3, diferentemente dos demais, destacou a noção de “igualdade” trabalhada pelo teatro como a mais
significativa em sua formação como cidadão.
235
repetição de argumentos de um mesmo entrevistado, nas respostas a questões de blocos
diferentes, o que indica inter-relação na compreensão dos valores analisados.
Neste ponto, mais um elemento importante merece ser destacado: os argumentos
utilizados repetidas vezes foram, grosso modo, os mesmos entre todos os atores. A não variação
de certos pontos levantados, apesar dos diferentes temas das perguntas, e a similaridade entre as
respostas de sujeitos distintos aponta para aqueles que parecem ser os aspectos mais marcantes
dos processos teatrais vivenciados pelos sujeitos. Dentre esses pontos, podemos destacar: a
afirmação da própria opinião, a convivência com diferentes pontos de vista, a experimentação de
papéis diversos no processo de apropriação da linguagem, a valorização do esforço individual, a
experiência do fazer coletivo, a união, o acolhimento, a doação e a percepção do outro como
“igual”.
Apesar das coincidências entre as respostas dos atores, é importante deixar claro que não
consideramos a análise apresentada neste capítulo como conclusiva ou definitiva. Afinal, vale
reforçar, o que se expõe aqui são memórias, pontos de vista particulares, muitas vezes formados
no momento mesmo das entrevistas, na medida em que os sujeitos iam trazendo o passado à tona,
refletindo sobre ele e atribuindo-lhe significados.
Este é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como
vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber da experiência
não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido
do que nos acontece [...] o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que
nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não
fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida
(BONDÍA, 2002, p. 27).
Em nossa busca de memórias, não fomos, pois, atrás de uma verdade, mas de
subjetividades, com o entendimento de que cada experiência é única, pessoal e intransferível.
Encontramos, sim, pontos de contato entre as diversas percepções, os quais não deixam de ser
relevantes. Entretanto, nosso objetivo maior foi compreender como cada qual reflete sobre a
vivência teatral e, nessa busca, ampliar nosso entendimento sobre as relações entre teatro,
educação e cidadania.
236
Tendo isso em vista, julgamos adequado expor, nesta conclusão do capítulo, trechos das
respostas dos atores à ultima questão das entrevistas – aquela na qual, em face de tudo o que fora
até então abordado, pedia-se para que cada um deles relacionasse o teatro à sua formação como
cidadão. É curioso observar como em quase todas as reflexões repetem-se duas ideias (análogas,
a propósito) apresentadas no capítulo 1: a de que um grupo de teatro funciona como uma
“pequena comunidade”; e a ideia exposta nas palavras de Trevor Nunn, com a qual abrimos o
referido capítulo – “Uma companhia de teatro democrática, igualitária e libertária, apresentando
peças de grande diversidade, poderia expressar o ideal de um mundo no qual eu quero viver”
(NUNN, 2004 apud NEELANDS, 2009, p.182).
Para mim, [...] cidadania é você ter a capacidade de se distanciar de você
mesmo, enxergar uma cena fora, e se enxergar lá dentro, lá no meio, para saber
até onde você pode ir [...]. Isso é ser cidadão. O teatro é isso; é você começar a
enxergar qual é o seu papel dentro de uma sociedade macro, em uma experiência micro (ATOR 1).
O teatro é como se fosse uma sociedade, em que temos que aprender a ser cidadãos e a conviver com outros cidadãos, sabendo que temos direitos, mas
principalmente deveres. E a gente transporta essa sociedade que aprendemos a
viver no teatro para aquela real, em que temos que viver no dia-a-dia (ATOR
2).
A gente pensa nesse todo “macro”: “Ah, mas eu nunca vou fazer algo tão
grande.” Mas é realmente nesses pequenos grupos que você vai construindo isso, e sendo exemplo também (ATOR 3).
Pode parecer clichê [...], mas foi quase que um divisor de águas mesmo, porque antes eu era um cara nulo [...], que estava sempre ali no canto, quieto, sem falar
nada, sem opinião nenhuma, sem participação nenhuma, e depois de eu ter feito
teatro, eu falei: “Nossa, é hora soltar a voz.” [...] O teatro me ensinou a me
colocar no mesmo patamar que as outras pessoas porque é assim que tudo tem que ser (ATOR 4).
Aqui é muito tangível isso de ter a igualdade, da participação e da liberdade de se expor e, mesmo assim, as pessoas te aceitarem. [...] Teatro é um exemplo do
que deveria ser a vida normal (ATOR 5).
A influência do teatro na formação de cidadão é você ter uma consciência
maior daquilo que está à sua volta, das pessoas, de que todo mundo é igual, de
que todo mundo é capaz, de que todo mundo tem o direito e a liberdade de ser
qualquer coisa, [...], porque está todo mundo ali, tendo que se respeitar [...] É assim que tem que funcionar e é isso que é ser cidadão. E é isso que é ser um ser
humano decente (ATOR 6).
237
Para finalizar este capítulo, em que foram expostos e analisados pontos de vista de
sujeitos que passaram pela experiência de fazer teatro no IEI, julgamos apropriada uma reflexão
sobre o próprio termo “fazer teatro”. A expressão, comumente utilizada por aqueles que
participam de atividades teatrais, corrobora com o entendimento de Heidegger sobre experiência
e seus efeitos no perpassar do tempo:
[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos
alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. [...] “fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos alcança receptivamente, aceitar,
à medida que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer dizer,
portanto, deixar-nos abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e
submetendo-nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo (HEIDEGGER, 1987, p. 143
apud BONDÍA, 2002, p. 25, grifos nossos).
A ideia de que a arte teatral é, de fato, feita por aqueles que dela participam encaixa-se
com precisão às palavras de Hedeigger. O teatro é essa experiência que fazemos, que padecemos,
“que nos tomba e nos transforma”. Requer participação ativa, efetiva, engajada. Demanda
liberdade de pensamento e igualdade no olhar lançado ao outro. Exige estar aberto, aceitar,
expor-se ao risco. Implica colocar-se à disposição – para o jogo, para a cena, para o outro. É
entrega; paixão; doação. Senão não é teatro.
238
239
CONCLUSÕES
Nesta dissertação, foram apresentadas as especificidades de um trabalho com teatro
dentro de uma escola de Ensino Básico e analisadas as relações dessas particularidades com o
desenvolvimento de valores cidadãos. Na medida em que o trabalho teatral apresentado dialoga
com outros processos de ensino de teatro e com práticas que marcam os modos de produção de
muitos grupos teatrais contemporâneos, pode-se dizer que a pesquisa se apresenta também como
uma investigação da especificidade do próprio teatro, como linguagem, em sua relação com a
cidadania.
No decorrer do estudo, que transitou pelos campos da história e da memória, foram
exploradas ligações entre teatro e cidadania em diferentes tempos e lugares. Nessa exploração, o
teatro foi inicialmente apresentado como linguagem artística profundamente ligada, desde suas
origens, à vida social humana. Nessa perspectiva, eventos diversos foram destacados, colocando
em evidência as relações de variadas manifestações teatrais – desde a Idade Antiga até a
atualidade – com os valores de liberdade, igualdade e participação. Como visto, esses três valores
(que denominamos “valores cidadãos”) aparecem de modo patente nos processos teatrais
contemporâneos, em especial em grupos profissionais cujos modos de produção são
compreendidos como “processos colaborativos”.
Adentrando o campo dos contextos educacionais, o teatro foi compreendido como
ambiente propício ao exercício da colaboração e como atividade potencialmente promotora da
emancipação. Foram também destacadas diversas características que ligam o trabalho teatral
desenvolvido em algumas escolas à educação não formal, tais como: a adesão voluntária, a
metodologia que se constrói a partir das especificidades de cada coletivo, o desenvolvimento de
laços de pertencimento, a conscientização de como agir em grupos sociais, a construção e
reconstrução de concepções de mundo, a formação do indivíduo para a vida e suas adversidades,
e, em especial, a formação para a cidadania.
Em seguida, foi verificado que as relações entre teatro e educação são discutidas e
exploradas desde a Antiguidade e que, a despeito dos diferentes objetivos pedagógicos
valorizados em cada período, o teatro quase sempre foi concebido como um aliado à educação.
240
Nesse estudo da arte teatral e suas potencialidades pedagógicas, foram apresentadas algumas das
principais metodologias de ensino do teatro na contemporaneidade, e destacado que muitas delas
propõem que os processos sejam desenvolvidos a partir de uma perspectiva emancipatória.
Na sequência, foi apresentado o trabalho com teatro dentro da referida escola de Ensino
Básico, o Instituto Educacional Imaculada. A apresentação abarcou o histórico das atividades no
colégio, as principais características do trabalho e os procedimentos metodológicos utilizados em
aulas e processos de montagem de espetáculos. Buscou-se compreender as atividades
desenvolvidas nessa instituição a partir do viés da cidadania, estabelecendo ligações entre as
especificidades dos processos ali desenvolvidos e os valores de liberdade, igualdade e
participação. Foi também exposto como o trabalho apresentado dialoga com o fazer teatral
contemporâneo, na medida em que os modos de produção de ambos são análogos, em especial no
que tange à colaboração, entendida como “ação conjunta para o trabalho” (LEDUBINO, 2009, p.
12).
Outro ponto importante levantado na exposição do trabalho teatral da escola pesquisada é
o fato de as atividades serem desenvolvidas visando, primordialmente, à apropriação da
linguagem teatral; linguagem, esta, que ao carregar um modo crítico/reflexivo, próprio da arte,
torna a prática propensa à instauração de processos emancipatórios e à consequente conquista da
autonomia. Desse modo, o estudo apresentado conduziu-nos à compreensão de que os três
valores cidadãos são intrínsecos a processos que se pautam pela exploração do teatro como
linguagem artística. A cidadania, portanto, mesmo quando não aparece de forma recorrente como
temática de exercícios, jogos ou encenações, está sempre presente no fazer teatral, sendo
construída desde o início do processo.
Além da própria pesquisadora (professora de teatro da instituição abordada), lançaram o
olhar para o trabalho desenvolvido no IEI alunos e ex-alunos que participaram dos processos
teatrais apresentados e que, ao refletir sobre suas experiências, contribuíram para a compreensão
da importância da atividade na formação do cidadão. Nesse contexto, vale lembrar que na
Introdução do trabalho foi colocado que para Morin (2000), o objetivo principal de toda educação
é ensinar a viver – processo que exige a transformação de conhecimentos em sapiência e a
incorporação dessa sapiência para toda a vida. As respostas dos sujeitos entrevistados indicam
que houve transferência do aprendizado proporcionado pelo teatro para outros campos da vida e
241
que os valores cidadãos trabalhados na atividade foram incorporados à maneira de ser e agir no
mundo desses indivíduos.
Convém agora, diante de toda essa trajetória, retomar a hipótese levantada no início da
dissertação: a de que atividades teatrais, realizadas durante a vida escolar, podem favorecer o
desenvolvimento da cidadania, em especial no que diz repeito aos valores de liberdade, igualdade
e participação. Pode-se dizer que os estudos realizados conduziram à confirmação dessa hipótese,
em três diferentes momentos: na análise do material teórico (realizada nos capítulos 1 e 2); na
apresentação das especificidades dos processos teatrais desenvolvidos no IEI (capítulos 3 e 4); e,
finalmente, na percepção acerca desses mesmos processos por parte de indivíduos que os
vivenciaram, como alunos dessa instituição (capítulo 5).
Nessa confirmação da hipótese levantada, o caráter emancipatório dos processos teatrais
desenvolvidos tanto na escola estudada quanto em outros contextos – educacionais e profissionais
– destacou-se como uma das principais contribuições da atividade para a formação do cidadão. O
sujeito emancipado é aquele capaz de lançar diferentes olhares para a realidade e de construir
novas realidades; é aquele com autonomia de pensamento e ação; é o que atua como protagonista
de sua própria história. A qualidade da liberdade, da participação e da igualdade trabalhadas no
teatro – em especial quando os processos teatrais se pautam por princípios colaborativos – é
favorável ao desenvolvimento dessa emancipação. Vejamos, portanto, o que podemos destacar,
de acordo com tudo aquilo que foi exposto ao longo da dissertação, a respeito de cada um desses
valores.
A liberdade que se experimenta em processos teatrais colaborativos advém de fatores
diversos, principiando já na própria exploração do espaço; exploração esta que, como visto no
capítulo 3, difere-se fundamentalmente daquela com que o aluno está habituado em seu cotidiano
de sala de aula. A exploração dos próprios recursos corporais e vocais, também de uma maneira
extracotidiana, é outro elemento ligado à liberdade que se vivencia nos processos teatrais. Nas
aulas de teatro, o estudante entra em contato com seu corpo, salta, corre, observa, trabalha a
percepção; é também livre para criar, soltar a imaginação, deixar fluírem os sentimentos. Outro
ponto fundamental quando se fala nesse valor cidadão é a liberdade de expressão que o estudante
vivencia em processos teatrais colaborativos. E quando se fala em expressão, ela é compreendida
tanto com relação à exposição da própria opinião quanto sob o ponto de vista da exploração da
242
linguagem da teatral – dois pontos, vale lembrar, bastante citados pelos atores nas entrevistas
analisadas no capítulo 5. O ambiente de não julgamento e a possibilidade do erro também se
destacam nas falas dos entrevistados como características da atividade que favorecem o
desenvolvimento do valor da liberdade. O indivíduo que passa por todo esse processo tem a
possibilidade de levar para outros aspectos da vida a liberdade experimentada no teatro: percebe
que pode olhar para o mundo de maneiras diversas e não convencionais, sente-se mais seguro
para expressar seus pensamentos e mais preparado para lidar com a crítica e com a diversidade.
A participação de que se fala quando se analisam processos teatrais, como, a propósito,
bem colocou um dos atores entrevistados, vai muito além do simples fazer parte de uma atividade
coletiva. O aluno de teatro, ao vivenciar um processo colaborativo como aquele desenvolvido na
instituição apresentada nesta pesquisa, participa constantemente de situações em que todos são
estimulados a sugerir, opinar, contribuir. Ele também toma parte ativa na construção de cada
cena, de cada conhecimento, de cada decisão. Percebe, desse modo, que sua participação é de
fundamental importância. Compreende, da mesma maneira, que a participação do outro, seja
quem for, é também primordial. Aprende que quanto maior for o esforço coletivo, tanto melhor e
mais gratificante será o processo como um todo. Percebe que participação exige dedicação e, não
raro, sacrifícios pessoais visando ao bem do coletivo. A participação do teatro é, portanto, aquela
que requer que o egoísmo e o individualismo sejam deixados de lado e que ensina que a
convivência com o outro, ainda que nem sempre fácil, pode ser enriquecedora.
O valor da igualdade, em processos teatrais colaborativos, se faz presente nas relações
horizontalizadas e na valorização à contribuição de cada participante, independentemente de sua
função ou personagem. Há também igualdade porque no trabalho em grupo o estudante aprende a
conviver com o diferente e a respeitá-lo. O aluno tem ainda a experiência de participar de um
coletivo que se autolegisla e, com isso, aprende que a convivência pressupõe direitos e deveres,
que precisam ser aplicados a todos, indistintamente. São todos aprendizados que, quando
transportados para outros campos da vida social, auxiliam o sujeito a sair de si e a olhar para o
outro; a entender a necessidade de uma sociedade mais justa e democrática; e – como no caso de
alguns dos entrevistados – a superar a visão elitista, enxergando o “diferente” como igual na
humanidade, na dignidade e na cidadania.
243
Todos esses aspectos referentes a cada um dos valores cidadãos, como visto ao longo do
trabalho, são potencialidades que o teatro, em ambientes educacionais, pode desenvolver. Neste
ponto, é importante retomar uma afirmação feita no primeiro capítulo: não é nosso intuito
defender o teatro como única ou principal disciplina capaz de promover a formação da cidadania;
entendemos que o desenvolvimento dos valores que destacamos nesta dissertação deve-se à
educação como um todo. Aliás, algumas das características acima descritas não são exclusivas do
teatro – o aluno pode perceber o valor do trabalho em equipe nas atividades de educação física e
entender o conceito de igualdade em aulas de sociologia, por exemplo. Contudo, é também
relevante lembrar que no mesmo capítulo em que destacamos a formação do cidadão como tarefa
de toda a educação, afirmamos que o teatro tem uma contribuição única e importante a fazer
nesse sentido. Emerge, dessa afirmação, uma pergunta importante: o que o teatro tem de singular,
que o diferencia de todos os outros campos do conhecimento humano e caracteriza sua
contribuição específica para o campo da cidadania? A busca por respostas a esse questionamento
norteou todo o estudo apresentado na dissertação. Aqui, apresentamos alguns pontos que se
mostraram relevantes nessa investigação.
Em primeiro lugar, podemos destacar o fato de o teatro ser arte. O fazer artístico, como
colocado no trabalho, abre espaço para pensar e questionar a si próprio, a realidade e as relações
sob a ótica da sensibilidade e da imaginação; possibilita, ainda, reorganizar essa reflexão e
expressá-la a partir de uma linguagem estética específica, que une o concreto e o simbólico,
extrapolando as formas de comunicação cotidianas. Ao olhar e reinterpretar o mundo, as
interações, a sociedade e as pessoas com os olhos da sensibilidade, o indivíduo alarga seu
entendimento sobre si próprio, a vida, as relações sociais e o universo circundante. Sua maneira
de ser e agir no mundo é transformada pela experiência, que emancipa. Não há como viver uma
experiência artística intensa e não sair – ainda que minimamente – modificado. E aqui é
importante ressaltar o sentido de “experiência” que apresentamos na dissertação: aquilo que nos
acontece, nos toca, nos transforma e, muitas vezes, nos apaixona. Não há, portanto, como
vivenciar a experiência artística e não transferir para o cotidiano o mesmo olhar crítico, reflexivo
e sensível com que se aprendeu a apreciar e fazer arte. E se essa experiência é vivida em
ambiente escolar, em uma idade de formação da identidade, seu impacto pode ter consequências
duradouras na trajetória de vida dos sujeitos.
244
Outra particularidade da arte é que sua linguagem é aquela em que a comunicação se
instaura no plano do sensível; é aquela que comunica via emoção, imaginação, criatividade. E,
conforme visto na dissertação, essa criatividade se faz presente nos dois sentidos: o artista,
evidentemente, cria; mas aquele que recebe a obra participa também do ato criador, pois realiza
sua própria interpretação, ativa, daquilo que recebe. Essa interpretação – e aí reside mais uma
especificidade da arte – é única, pessoal, intransferível; cada qual realiza uma leitura própria da
obra que aprecia, de acordo com seu repertório pessoal. No teatro, especificamente, esse ato
criador é compartilhado, em tempo real, entre atores e público e entre os próprios artistas. São
todos intérpretes que, concomitantemente, fazem sua experiência criativa. Experiência, vale
destacar, que em processos como aqueles desenvolvidos na escola pesquisada, ocorre tanto no
momento da representação de um espetáculo quanto no cotidiano de aulas e ensaios. Afinal,
como visto na pesquisa, nessas etapas que antecedem a apresentação, os participantes dos grupos
teatrais ora se colocam na posição de atores, ora na de espectadores.
Na arte, o indivíduo entra em contato com o outro e consigo mesmo de uma maneira
singular. No teatro, em especial em processos colaborativos, esse contato com o outro – tanto na
cena quanto fora dela – tende a ser pautado pela troca, pela construção conjunta, pelo
compartilhamento de ideias e convivência com as divergências. Já o contato consigo mesmo se
dá partir dos próprios recursos expressivos, na exploração sensível e criativa do corpo, da voz e
dos sentidos. Nesses processos, alargam-se as capacidades de se expressar, opinar, ouvir,
dialogar, conviver com o diferente.
Não podemos deixar de mencionar também, neste levantamento de algumas das
especificidades do teatro, aquela que talvez seja sua característica mais particular: a representação
dramática. Nessa representação (e também no processo de criá-la), o sujeito entra em contato
com diferentes pontos de vista – de peças, de personagens, de autores, dos outros atores, do
eventual diretor, entre outros. O contato com o personagem, no âmbito teatral, é singular. Afinal,
o ator busca a personificação de seu papel, por meio de um contato que não é apenas intelectual e
imaginativo (como ocorre no ato da leitura, por exemplo), mas também físico: construir um
personagem, no teatro, é dar-lhe corpo, voz, verdade, sentimentos. É, de certo modo, vivê-lo. E
essa vivência de diferentes papéis é constante em processos teatrais como o desenvolvido no
colégio estudado. Afinal, ela não necessariamente precisa estar atrelada a uma construção
245
complexa de personagem visando à criação de espetáculo; o simples improvisar sobre
determinado tema já propicia viver uma situação e enxergá-la sob a perspectiva do papel que se
cria naquele instante. Ao olhar o mundo – e “agir” sobre ele – sob óticas tão diversas, amplia-se o
próprio ponto de vista e alarga-se o repertório de atuação na vida real.
Como visto no primeiro capítulo deste trabalho, teatro é relação: com o outro – colega,
personagem, público – e consigo mesmo. E quanto mais colaborativo o processo de construção
do conhecimento e da cena, maiores e mais aprofundadas são essas relações. Claro que em outros
campos do conhecimento também existe colaboração, mas a qualidade dessa colaboração, no
teatro, é única. É constante; é visando à criação artística. É de um grupo que se autolegisla; que
tem de se reconhecer como coletivo para que o trabalho saia a contento. Como visto no decorrer
desta pesquisa, é uma colaboração em que se estabelece uma solidariedade compartilhada, em
que cada qual descobre e reconhece o valor do outro e de si mesmo. É uma colaboração que
ocorre na própria exploração e apropriação da linguagem, que constituem um processo coletivo,
compartilhado, socializado. É uma colaboração que estimula e precisa das relações igualitárias,
da participação engajada e da liberdade de expressão, criação e opinião. Fazer teatro requer
comprometimento e disponibilidade – para construir o conhecimento, para assumir
responsabilidades na construção do espetáculo e para trocar com o outro, na cena e fora dela.
Dessa forma, respeito mútuo, dignidade, tolerância e solidariedade vão sendo também
construídos como valores.
E é evidente que outras atividades podem desenvolver esses mesmos valores, mas por
caminhos que também são outros. Então, trata-se de outros tipos de colaboração. Aquela que se
estabelece no teatro é a colaboração que se traduz na “oração do teatro”, com que abrimos nosso
primeiro capítulo e que, coincidentemente – ou talvez nem tanto – muitos atores citaram em suas
entrevistas: é o segurar uma mão na outra para que tudo o que não se pode e não se quer fazer
sozinho, seja feito por todos, juntos. Ao terminar esse ritual, os participantes gritam “Merda!”.
Um grito, em geral dito a plenos pulmões, em que sente toda a comoção – acima de tudo,
compartilhada – daquele momento, tão singular. Um grito que, ao mesmo tempo em que deseja
boa sorte, substitui o usual “amém” das preces convencionais e, como ele, quer também dizer
“assim seja”. Um grito que une o sagrado e o profano, ousadia que somente a arte permite de
modo tão seguro; e que sintetiza a qualidade da colaboração que muitas vezes se estabelece em
246
meios teatrais, seja na escola que estudamos nesta dissertação, seja em outros espaços,
educacionais ou profissionais. Uma qualidade que faz com que aqueles que já passaram pela
experiência do teatro compreendam facilmente o sentido da canção: “Nem uma doce oração, nem
sermão nem comício à direita ou à esquerda falam mais ao coração do que a voz de um colega
que sussurra ‘Merda’” (VELOSO, 1997).
Figura 43 – “Oração do teatro” (2013)
Muitos estudos no campo do teatro-educação, alguns dos quais citados neste trabalho,
apontam para a importância singular desta arte na formação de indivíduos. Esta pesquisa visa
contribuir para a área ao estabelecer ligações entre o teatro escolar e a cidadania, indicando que a
experiência teatral tem o potencial de desenvolver os sujeitos como cidadãos emancipados, com
autonomia de pensamento e ação. No primeiro capítulo, foi colocada a seguinte questão: poderia
o teatro, em contextos educacionais, contribuir não apenas para o desenvolvimento pessoal do
estudante, mas para a construção de uma sociedade mais democrática? A resposta ao
questionamento foi buscada, então, em trabalhos de outros autores, que se basearam em suas
próprias experiências para afirmar que os aprendizados decorrentes da vivência teatral podem ser
transferidos para contextos sociais mais amplos. Agora, depois de percorrer todo o caminho
apresentado nesta pesquisa, ousamos responder à questão, baseando-nos em nossa própria
247
experiência: o teatro pode, sim, contribuir para a construção de uma sociedade mais democrática.
Essa contribuição se dá porque a qualidade da cidadania que o fazer teatral tem a potencialidade
de desenvolver está calcada na autonomia, na emancipação, na capacidade de ser e agir no
mundo, de lançar diferentes olhares sobre a realidade e de construir novas realidades. Está
calcada nos valores de liberdade, igualdade e participação, que vão sendo construídos ao longo de
processos teatrais vivenciados na escola e incorporados ao modo de ser dos indivíduos, em idade
de formação de suas identidades. Valores que, mais tarde, muitas vezes são transferidos para
outros campos da vida, e que, portanto, participam da construção de uma sociedade democrática.
Estamos cientes de que o assunto da pesquisa não se esgota nela e de que há uma série de
eixos temáticos que nosso estudo ou não alcançou ou não pôde desenvolver por completo. Um
deles é o papel do espectador e sua formação como cidadão nas encenações produzidas e
apresentadas no âmbito escolar – um aspecto apontado na pesquisa, mas que certamente se
apresenta como área para estudos futuros, com maior aprofundamento. A comparação entre
trabalhos teatrais extracurriculares e aqueles desenvolvidos dentro da grade curricular, e o estudo
de processos teatrais similares aos aqui apresentados, porém aplicados em escolas da rede
pública, são outras possibilidades de continuidade desta pesquisa. De todo modo, esperamos que
este trabalho, ainda que de maneira parcial, contribua para o entendimento do teatro como prática
potencialmente formadora do cidadão crítico, reflexivo, participativo e consciente de seu papel na
sociedade. Almejamos também colaborar para a compreensão desta arte como fundamental em
ambientes educacionais, especialmente em um contexto em que tanto se discute e valoriza a
formação da cidadania.
Figura 44 – Final de apresentação (2013)
248
249
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APÊNDICES
260
261
APÊNDICE A – Linha do Tempo
Versão completa
262
263
Parte 1
264
265
Parte 2
266
267
Parte 3
268
269
APÊNDICE B – Roteiro de entrevista
BLOCO I - Dados pessoais
1. Nome: _________________________________________________________
2. Idade:______
3. Sexo: ( ) feminino ( ) masculino
4. Estado civil:
( ) Casado
( ) Solteiro
5. Ocupação:
( ) Desempregado
( ) Empregado/assalariado
(profissão: ___________________ / local de trabalho:__________________)
( ) Profissional liberal
(profissão: ___________________ / local de trabalho: __________________)
( ) Empresário
(ramo em que atua:________________________)
( ) Estudante (Ensino Médio)
( ) Estudante (Ensino Superior)
(Curso:__________________ / Instituição: ________________)
( ) Estudante (Pós-graduação)
270
6. Escolaridade:
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Faculdade/Universidade/Nível Superior incompleto
( ) Faculdade/Universidade/Superior completo
( ) Pós-graduação/mestrado/doutorado incompleto ou completo
7. Escolaridade da mãe:
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Faculdade/Universidade/Nível Superior incompleto
( ) Faculdade/Universidade/Superior completo
( ) Pós-graduação/mestrado/doutorado incompleto ou completo
8. Escolaridade do pai:
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Faculdade/Universidade/Nível Superior incompleto
( ) Faculdade/Universidade/Superior completo
( ) Pós-graduação/mestrado/doutorado incompleto ou completo
271
9. Somente para entrevistados que já cursaram ou estão cursando Ensino Superior:
a) Qual curso frequentou/ frequenta?
b) Em que instituição estudou/estuda?
c) Acredita que a experiência com teatro, vivenciada na escola, tenha influenciado a
escolha profissional? Se sim, explique.
BLOCO II - Relações com a instituição pesquisada e com o teatro
1. Anos em que estudou no Instituto Educacional Imaculada:
De ______________ a ___________.
2. Anos em que participou das atividades teatrais no Instituto Educacional Imaculada:
De ______________ a ___________.
3. Espetáculos dos quais participou:
________________________________________________________________
________________________________________________________________
272
BLOCO III - QUESTÕES GERAIS
1. Quais as memórias mais significativas que você tem da atividade teatral experimentada
durante a vida escolar?
2. Você enxerga, hoje, influências da experiência teatral vivenciada na escola em diferentes
aspectos e momentos de sua trajetória de vida? Explique.
BLOCO IV - LIBERDADE
1. Vamos falar de “liberdade”. O que a palavra lhe sugere?
2. Você enxerga ligação entre aquilo que entende por “liberdade” e a experiência teatral
vivenciada na escola? Se sim, explique.
3. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a liberdade, em
seu ambiente de trabalho/estudantil?
4. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a liberdade, em
suas relações afetivas (familiares, cônjuge/namorado, amigos)?
5. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a liberdade, no
que diz repeito à participação na vida pública?
BLOCO V - PARTICIPAÇÃO
1. Vamos falar de “participação”. O que a palavra lhe sugere?
2. Você enxerga ligação entre aquilo que entende por “participação” e a experiência teatral
vivenciada na escola? Se sim, explique.
273
3. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a participação,
em seu ambiente de trabalho/estudantil?
4. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a participação,
em suas relações afetivas?
5. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como participa da vida pública?
BLOCOVI - IGUALDADE
1. Vamos falar agora de “igualdade”. O que a palavra lhe sugere?
2. Você enxerga ligação entre aquilo que entende por “igualdade” e a experiência teatral
vivenciada na escola? Se sim, explique.
3. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a igualdade, em
seu ambiente de trabalho/estudantil?
4. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia, hoje, a igualdade, em
suas relações afetivas?
5. Acredita que o teatro tenha influenciado a maneira como vivencia a igualdade na vida
pública?
BLOCO VII – CIDADANIA
1. Em nossa entrevista, falamos sobre liberdade, participação e igualdade. Esses três valores
estão associados ao conceito de cidadania com o qual muitos autores trabalham. Como
você resumiria, então, a influência do teatro em sua formação enquanto cidadão?
274
275
APÊNDICE C – Espetáculos teatrais do IEI
Lista de espetáculos teatrais por mim dirigidos no Instituto Educacional Imaculada.
Entre parênteses, a série/ano a que pertenciam os alunos do elenco e o ano de realização
da montagem:
“Dionísio Sumiu”, de Bianca Milan (Ensino Médio / 2013);
“Dizer que te amo”, de Bianca Milan (8ª série do Ensino Fundamental/ 2013);
“Ponto Final”, de Bianca Milan (8º ano do Ensino Fundamental/ 2013);
“A Lua que não era Cheia”, de Bianca Milan (6º ano do Ensino Fundamental/ 2013);
“Milkshakespeare”, de Bianca Milan (6º ano do Ensino Fundamental/ 2013);
“Quem tem Medo do Dragão?”, de Bianca Milan (5º ano do Ensino Fundamental/ 2013);
“As Mil e Uma Noites”, de Bianca Milan (5º ano do Ensino Fundamental/ 2013);
“Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna (Ensino Médio/ 2012);
“Manual de Sobrevivência do Adolescente”, texto de criação própria (8ª série do Ensino
Fundamental/ 2012);
“Esse Trem Vai pra Onde?”, texto de criação própria (7ª série do Ensino Fundamental/
2012);
“Meu Reino por um Final Feliz”, de Bianca Milan (6º ano do Ensino Fundamental/ 2012);
276
“Planeta Sonho”, de Bianca Milan (6º ano do Ensino Fundamental/ 2012);
“A Menina e o Pássaro”, baseado em conto de Ruben Alves (5º ano do Ensino
Fundamental/ 2012);
“Doze”, inspirado na lenda grega de Hércules (5º ano do Ensino Fundamental/ 2012);
“O Homem do Princípio ao Fim”, inspirado em texto de Millôr Fernandes (Ensino Médio/
2011);
“Dionísio Sumiu!”, de Bianca Milan e Talitha Hansted (8ª série do Ensino Fundamental/
2011);
“Era uma Vez um Relógio”, de Bianca Milan (7ª série do Ensino Fundamental/ 2011);
“A Bruxinha que era Boa”, de Maria Clara Machado (6º ano do Ensino Fundamental/
2011);
“O Diamante de Grão-Mogol”, de Maria Clara Machado (6º ano do Ensino Fundamental/
2011);
“O Patinho Feio”, adaptação do texto de Maria Clara Machado (5º ano do Ensino
Fundamental / 2011);
“Quem tem medo do Dragão?”, de Bianca Milan, baseado em no livro “O Menino e o
Dragão”, de Renata Adrião D’Angelo (5º ano do Ensino Fundamental / 2011);
“Sonho de uma Noite de Verão”, de William Shakespeare (Ensino Médio/ 2010);
277
“E a Brincadeira já vai começar!”, texto de criação coletiva (8ª série do Ensino
Fundamental/ 2010);
“Quem matou o Leão?”, de Maria Clara Machado (7ª série do Ensino Fundamental/
2010);
“Planeta Sonho”, de Bianca Milan (5ª série do Ensino Fundamental/ 2010);
“A Lua que não era Cheia”, de Bianca Milan (5º ano do Ensino Fundamental/ 2010);
“Nem tudo está Azul no País Azul”, de Gabriela Rabelo (5º ano do Ensino Fundamental/
2010);
“Deu a Louca no Mundo da Fantasia”, de Bianca Milan (5º ano do Ensino Fundamental/
2010);
“Perfeitópolis, o Musical”, texto de criação coletiva (Ensino Médio/ 2009);
“Tá na Mira”, de Bianca Milan, inspirado no livro “Clique para Zoar”, de Isabel Vieira (8ª
série do Ensino Fundamental/ 2009);
“Filme Triste”, de Wladimir Capella (7ª série do Ensino Fundamental/ 2009);
“Deu a Louca no Mundo da Fantasia”, de Bianca Milan (5ª série do Ensino
Fundamental/2009);
“A História da Semente”, de Talitha Cardoso Hansted (4ª série do Ensino Fundamental/
2009);
“Pluft, o Fantasminha”, de Maria Clara Machado (4ª série do Ensino Fundamental/ 2009);
278
“Porque a Vida não Para.”, texto de criação coletiva (Ensino Médio/ 2008);
“Manual de Sobrevivência do Adolescente”, texto de criação coletiva (8ª série do Ensino
Fundamental/ 2008);
“Procura-se o Super-Homem”, de Diego Gianni (7ª série do Ensino Fundamental/ 2008);
“Era uma Vez um Relógio”, de Bianca Milan (5ª série do Ensino Fundamental/ 2008);
“O Cavalinho Azul”, de Maria Clara Machado (4ª série do Ensino Fundamental/ 2008);
“O Patinho Feio”, adaptação do texto de Maria Clara Machado (4ª série do Ensino
Fundamental/ 2008);
“A Arca”, de Bianca Milan (alunos de Ensino Fundamental e Ensino Médio, séries
variadas / 2008)
“Lendas que o Rio Contou”, encenação de três lendas populares da região amazônica,
texto de criação própria (Ensino Médio/ 2007);
“Venha ver o Sol Nascer”, texto de criação própria (Ensino Médio/ 2007);
“Alguém viu Vovô e Vovó?”, texto de criação coletiva (8ª série do Ensino Fundamental/
2007);
“A Bruxinha que era Boa”, de Maria Clara Machado (4ª série do Ensino Fundamental/
2007);
279
“O Rapto das Cebolinhas”, de Maria Clara Machado (4ª série do Ensino Fundamental/
2007);
“Nossa Cidade”, de Thorton Wilder (Ensino Médio/ 2006);
“Geração Trianon”, de Ana Maria Nunes (8ª série do Ensino Fundamental/ 2006);
“Circo de Bonecos”, de Talitha Cardoso Hansted (7ª série do Ensino Fundamental/ 2006);
“A História da Semente”, texto de criação própria (4ª série do Ensino Fundamental/
2006);
“Nem tudo está Azul no País Azul”, de Gabriela Rabelo (4ª série do Ensino Fundamental/
2006);
“Venha ver o Sol Nascer”, texto de criação coletiva (Ensino Médio/ 2005);
“O Grande Ditador”, baseado em filme homônimo de Charles Chaplin (8ª série/ 2005);
“Aventura Encantada”, texto de criação coletiva (7ª série do Ensino Fundamental/ 2005);
“Pluft, o Fantasminha”, de Maria Clara Machado (3ª série do Ensino Fundamental/ 2005);
“Mais Quero um Asno que me Carregue que Cavalo que me Derrube”, de Carlos Alberto
Soffredini (8ª série do Ensino Fundamental/ 2004);
“Quem Matou o Leão?”, de Maria Clara Machado (7ª série do Ensino Fundamental/
2004);
280
“O (nosso) Homem do Princípio ao Fim”, de Millôr Fernandes (8ª série de Ensino
Fundamental e Ensino Médio/ 2003);
“Filme Triste”, de Vladimir Capella (7ª série do Ensino Fundamental/ 2003);
“Pluft, o Fantasminha”, de Maria Clara Machado (8ª série do Ensino Fundamental/ 2002);
“O Diamante de Grão-Mogol”, de Maria Clara Machado (7ª série do Ensino Fundamental/
2002);
“Nossa Cidade”, de Thornton Wilder (Ensino Médio/ 2001);
“A Droga da Obediência”, baseado em livro homônimo de Pedro Bandeira (7ª série do
Ensino Fundamental/ 2001);
“Plunct Plact Zumm”, adaptação de Hélcio Henrique Longo (Ensino Médio/ 2000);
“Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto (Ensino Médio/ 1999);
“Cenas do Cotidiano – parte 2”, coletânea de crônicas da obra “A Comédia da Vida
Privada”, de Luís Fernando Veríssimo (Ensino Médio/ 1998);
“Geração Trianon”, de Ana Maria Nunes (Ensino Médio/ 1997);
“Cenas do Cotidiano”, coletânea de crônicas da obra “A Comédia da Vida Privada”, de
Luís Fernando Veríssimo (Ensino Médio/ 1997).
281
APÊNDICE D – Termo de consentimento de participação e autorização do uso de imagem
Eu, __________________________________________________________, abaixo assinado, concordo
em participar da pesquisa Teatro, Educação e Cidadania: estudo em uma escola do Ensino Básico,
como sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido pela autora Talitha Cardoso Hansted sobre
o trabalho e os procedimentos nele envolvidos. Autorizo a referida pesquisadora a transcrever
informações por mim concedidas e a divulgar imagens de minha entrevista, coletada para o estudo.
Local e data ___________________________________________, _______/_______/__________/
Nome: ____________________________________________________________________
Assinatura do sujeito ou responsável: ____________________________________
282
283
ANEXOS
284
285
ANEXO A – Grade curricular de 1974
286
287
ANEXO B – Quadro curricular de 1999
288
289
ANEXO C – Quadro curricular de 2008
290
291
ANEXO D – Carta de professor/espectador
292
293
ANEXO E – Carta de funcionário/ espectador I
294
295
ANEXO F – Carta de funcionário/ espectador II
296
297
ANEXO G – Programa Sonho de uma Noite de Verão (capa)
298
299
ANEXO H – Programa Sonho de uma Noite de Verão (contracapa e p. 1)
300
301
ANEXO I – Programa Sonho de uma Noite de Verão (p. 2, p. 3 e p. 4)
302
303
ANEXO J – Programa Sonho de uma Noite de Verão (p. 5)
304
305
ANEXO K – Programa O Homem do Princípio ao Fim (capa)
306
307
ANEXO L – Programa O Homem do Princípio ao Fim (p. 1 e p. 4)
308
309
ANEXO M – Programa O Homem do Princípio ao Fim (p. 2 e p. 3)
310
311
ANEXO N – Programa Auto da Compadecida (capa)
312
313
ANEXO O – Programa Auto da Compadecida (p. 1 e p. 2)
314
315
ANEXO P – Programa Auto da Compadecida (p. 3 e p. 4)
316
317
ANEXO Q – Programa Auto da Compadecida (p. 5 e p. 6)
318
319
ANEXO R – Programa Auto da Compadecida (p. 7 e p. 8)
320
321
ANEXO S – Programa Auto da Compadecida (p. 9 e p. 10)
322