O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS...

36
O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO BRASILEIRO: UMA VISÃO GERAL. JOSÉ RENATO MARTINS Doutorando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do Estado de São Paulo. Coordenador do Curso de Direito Campus Taquaral da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Professor de Teoria Geral do Estado, Direito Constitucional e Direito Penal na Faculdade de Direito na UNIMEP RESUMO Este trabalho foi realizado com o objetivo de apresentar o surgimento, a evolução e os fundamentos do controle de constitucionalidade das leis no mundo jurídico, em especial do Brasil, onde se procurou também registrar os vários instrumentos criados para controlar a constitucionalidade. Nesse contexto, revelaram-se os tipos básicos de sistemas de controle de constitucionalidade em voga nas nações civilizadas, entre elas o Brasil, destacando-se igualmente o modelo do controle constitucional brasileiro, seus aspectos principais e os instrumentos que proporcionam o controle de espécies normativas infraconstitucionais e infralegais em face da Constituição Federal. Palavras-chave: CONSTITUIÇÃO – CONTROLE – CONSTITUCIONALIDADE – LEIS – ATOS NORMATIVOS – TIPOLOGIA – SISTEMAS – INSTRUMENTOS.

Transcript of O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS...

Page 1: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO

BRASILEIRO: UMA VISÃO GERAL.

JOSÉ RENATO MARTINS

Doutorando em Direito Penal pela Universidade de São

Paulo – USP. Mestre em Direito Constitucional pela

Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP.

Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do

Estado de São Paulo. Coordenador do Curso de Direito

Campus Taquaral da Universidade Metodista de

Piracicaba – UNIMEP. Professor de Teoria Geral do

Estado, Direito Constitucional e Direito Penal na

Faculdade de Direito na UNIMEP

RESUMO

Este trabalho foi realizado com o objetivo de apresentar o surgimento, a evolução e os

fundamentos do controle de constitucionalidade das leis no mundo jurídico, em especial do

Brasil, onde se procurou também registrar os vários instrumentos criados para controlar a

constitucionalidade.

Nesse contexto, revelaram-se os tipos básicos de sistemas de controle de

constitucionalidade em voga nas nações civilizadas, entre elas o Brasil, destacando-se igualmente

o modelo do controle constitucional brasileiro, seus aspectos principais e os instrumentos que

proporcionam o controle de espécies normativas infraconstitucionais e infralegais em face da

Constituição Federal.

Palavras-chave: CONSTITUIÇÃO – CONTROLE – CONSTITUCIONALIDADE – LEIS –

ATOS NORMATIVOS – TIPOLOGIA – SISTEMAS – INSTRUMENTOS.

Page 2: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

1. INTRODUÇÃO

Cada nação organiza-se em sociedade por meio do estabelecimento de normas básicas de

convívio, podendo tais normas ser escritas ou não. O documento escrito que contém as regras

fundamentais para o relacionamento pacífico entre os cidadãos é o que se denomina Constituição.

Reunindo disposições obrigatórias para todos, a Constituição essencialmente organiza o governo

do país e os seus respectivos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), bem como assegura

aos cidadãos uma série de direitos e garantias, inclusive contra a opressão do próprio governo.

Todas as leis, decretos e outros atos governamentais, não podem contrariá-la, porque a

Constituição é a lei mais importante de todas – chamada de “Lei das leis” –, que legitima tanto a

atividade legislativa como a administrativa. Por esse motivo, a própria Constituição é dotada de

mecanismos de auto-proteção, que permitem que se reconheça, mesmo em tese, a invalidade,

também chamada de inconstitucionalidade, das leis e atos que a contrariem. Nesse sentido,

constitui controle de constitucionalidade o exercício concreto desses mecanismos de auto-

proteção, por meio da fiscalização e repressão a leis e atos inconstitucionais.

Sendo assim, o controle de constitucionalidade das leis consiste, basicamente, na

verificação da adequação de determinado ato normativo aos termos da Constituição Federal.

Essa adequação é, na verdade, fruto do princípio da supremacia constitucional, e ocorre

porque cada ordenamento jurídico possui uma norma fundamental responsável por conferir

unidade a todas as outras.

Nos Estados Democráticos de Direito, tem-se como critério de essencialidade a

obediência aos preceitos formais ou materiais, regentes do Direito, explícitos ou implícitos na

Carta Magna, que é a “viga mestra” do ordenamento jurídico vigente.

Não é por outra razão que se diz ser a Constituição o fundamento de validade de todas as

outras normas, que por sua vez devem ser interpretadas de acordo com os princípios nela

estabelecidos e com ela se harmonizar.

Vale aqui a lição de KELSEN:

A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas

ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas

jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de

uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja

Page 3: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma

fundamental – pressuposta. A norma fundamental – hipotética, nestes termos – é, portanto, o

fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora. Se

começarmos levando em conta apenas a ordem jurídica estadual, a Constituição representa o

escalão de Direito positivo mais elevado.1

Nessa perspectiva, torna-se clara a necessidade de adoção, por parte de um Estado

Democrático de Direito, em seu ordenamento jurídico, de meios de se controlar a

constitucionalidade de leis e atos normativos em sentido estrito, de modo a sempre preservar a

autoridade da Carta Magna e, em última análise, a própria existência da Federação, com suas

regras e repartições de competências, sim, pois para que se preserve o federalismo desejado pelo

constituinte, mister se faz que o controle de constitucionalidade das leis seja eficiente e rigoroso.

A propósito, pondera, a este respeito, REPETTO:

Por la estructura propia de los estados federales se requiere, si se desea que sea efectivo el

régimen federal, un control de constitucionalidad de la actividad legislativa. Nos explicamos, la

distribución de competencias legislativas que contempla toda constitución federal entre las

autoridades centrales que dictarán las leyes federales y los diversos estados que realizan su

actividad legislativa a través de las llamadas leyes estaduales, necesita de un organismo

controlador que esté capacitado para establecer cuándo una ley federal trata materias que son de

competencia de los estados y cuándo una ley estadual contiene disposiciones sobre asunto que

debe conocer el legislativo federal.2

Em suma, apresenta-se o controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos

como corolário do Estado de Direito, pois representa a garantia de que todo e qualquer ato estatal

que ofenda a Constituição possa a vir ser solenemente declarado nulo e ineficaz. Trata-se,

outrossim, de um mecanismo de garantia de que os direitos e garantias individuais fazem parte da

Lei Maior não como mera norma constitucional programática, que enuncia apenas certas

diretrizes ao Estado, mas que existem para serem respeitados por todos.

1 . KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 247.2 . REPETTO, Raul Bertelsen. Control de constitucionalidad de la ley. Santiago: Jurídica, 1969, p. 21.

Page 4: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

2.1. FUNDAMENTOS

É sabido que o constitucionalismo3 tem por objetivo assegurar os direitos fundamentais

contra o Poder, o que, aliás, está declarado solenemente no artigo 16 da Déclaration dês droits de

l’homme et du citoyen, de 26 de agosto de 1789, a mais famosa delas, in verbis: “Toda sociedade

na qual não é assegurada a garantia dos direitos (do Homem) nem determinada a separação dos poderes

não tem constituição”.4

Aristóteles, já na antigüidade, em sua Política5, lançou aquela que seria a base de uma

teoria acerca da separação das funções do Estado. Na concepção aristotélica, o governo dividia-se

em três partes: a que deliberava acerca dos negócios públicos, consistente na tomada das decisões

fundamentais; a que exercia a magistratura (uma espécie de função executiva), com a

responsabilidade de aplicar tais decisões e a que administrava a Justiça.

Posteriormente, essa teoria foi delineada por John Locke, na obra intitulada O ensaio

sobre o governo civil (1690)6, que também reconheceu três funções distintas: a legislativa

(consistente em decidir como a força pública haveria de ser empregada), a executiva (consistente

em aplicar essa força no plano interno, para assegurar a ordem e o direito) e a confederativa

(consistente em manter relações com outros Estados, especialmente por meio de alianças).

Entretanto, a despeito das teorias apresentadas pelos pensadores ora mencionados, as

quais, inquestionavelmente, contribuíram para a construção da "separação de poderes", a mesma

foi realmente definida e divulgada por Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu de la

Brède (1689-1755), em sua obra prima mundialmente conhecida, intitulada Do espírito das leis

(1748)7, transformando-se, assim, em uma das mais importantes doutrinas políticas de todos os 3 . RESENDE DE BARROS, Sérgio. Liberdade e contrato: a crise da licitação. Piracicaba: UNIMEP, 1999, p. 47. O autor

coloca que constitucionalismo foi o “... movimento político-jurídico que demandava dos Estados a formulação de sua constituição por escrito, a fim de organizar racionalmente o poder político e assegurar diante dele os direitos do homem e do cidadão, na transição histórica em que a nação se libertava do rei”. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de direito e constituição. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 74. Este autor revela que a concepção através da qual se difundiu o constitucionalismo foi a liberal de constituição, segundo a qual “... esta é a parte essencial de uma determinada organização estatal – a que visa a garantir a liberdade, por meio de um estatuto do Poder (...) de organização jurídica que não só estruture mas também limite o Poder no Estado...”.

4. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, op. cit., p. 74.5 . ARISTÓTELES. Politique. Paris: Presses Universitaires de France, 1950, pp. 141-142.6 . LOCKE, John. Ensaio sobre o governo civil, apud CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel

a nossos dias. Rio de Janeiro: Agir, 1989, p. 110.7 . MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Nova Cultural, 1997, p. 202. A trilogia dos Poderes é exposta por

Montesquieu no Livro XI de sua obra eterna, O Espírito das Leis, cujo capítulo VI vai dedicado à organização política dos

Page 5: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

tempos, alçada à categoria de princípio fundamental da organização política liberal, consagrado

pela já referida Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cujo artigo 16 – retro transcrito

– representa verdadeira adaptação da conhecida tese de Montesquieu, que pleiteava uma

sociedade política com as funções executivas, judiciárias e legislativas separadas. Obedeceu-se

àquilo que ele julgava como o pressuposto básico: a visão do poder político como uma espécie de

gás, que tende naturalmente a expandir-se. Todo poder, em princípio, tende à tirania e só haveria

um meio de impedir isso: a existência de outro poder. Por intermédio de mecanismos de

coordenação e limitações recíprocas, os famosos freios e contra-pesos (checks and balances,

contribuição dos norte-americanos), o corpo político conseguiria conviver em paz, sem

possibilidade de um poder exceder-se em demasia, pois seria vigiado e contido pelo outro.8

Contudo, urge mencionar, nesta oportunidade, que a teoria da separação dos poderes,9

sistematizada por Montesquieu, teve a sua origem empírica na Inglaterra do século XVII.

Durante o último quartel do século XV, monarcas fortes nos principais estados da Europa

ocidental – Inglaterra, França e Espanha –, a despeito de haverem sido colocados à prova pelas

sublevações do fim da Idade Média, superaram as ameaças de fragmentação e começaram a

tornar o poder real mais forte que nunca. A denominada “era absolutista” durou na Inglaterra até

meados do século XVII.

Em 1672, o então rei Carlos II desafiou a autoridade do Parlamento inglês ao suspender as

leis contra os católicos e os dissidentes protestantes (isto é, todos exceto os anglicanos), e nove

ingleses. Nesse estudo, Montesquieu apresenta a separação dos Poderes como uma garantia da liberdade individual e assim justifica: “Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo é reunido ao poder executivo, o cidadão não tem nenhuma liberdade; porque será impossível ter dúvidas sobre que o mesmo monarca e o mesmo corpo legislativo façam leis tirânicas para as executar tiranicamente. Não há também liberdade se o poder de julgar não é separado do poder de legislar e do poder de executar. Se ele está junto ao poder legislativo, a disposição sobre a vida e a liberdade dos cidadãos será arbitrária. E se ele está junto ao poder executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor...”.

8 . ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 12.

9 . KELSEN, Hans. General theory of law and state. New York: Russell & Russell, 1961, pp. 157-272, apud RESENDE DE BARROS, Sérgio. Controle de constitucionalidade: proposta de simplificação. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Paulo: dez.2000, p. 28. Nessa obra, RESENDE DE BARROS afirma existir “... não separação mas distribuição de poderes...”, motivo pelo qual dificilmente poder-se-ia falar de qualquer separação da legislação em face das demais funções do Estado, “... no sentido de que o assim chamado órgão ‘legislativo’ – com exclusão dos assim chamados órgão ‘executivo’ e ‘judicial’ – seria o único competente para exercer essa função”. De acordo com RESENDE DE BARROS e KELSEN, “... a aparência de uma tal separação existe porque somente aquelas normas gerais que são criadas pelo órgão ‘legislativo’ são designadas ‘leis’ (‘leges’)”. Contudo, “... mesmo quando a Constituição expressamente mantém o princípio da separação de poderes, a função legislativa – uma só e mesma função, e não duas funções diferentes – é distribuída entre vários órgãos, mas somente um deles recebe o nome de ‘legislativo’”. E continuam: “As cortes, além disso, exercem uma função legislativa quando sua decisão em um caso concreto torna-se um precedente para a decisão de outros casos similares. Uma corte dotada dessa competência cria com a sua decisão uma norma geral que está no nível das leis produzidas com o assim chamado órgão legislativo”, sendo que, a todo momento, “as cortes perfazem uma função legislativa, quando autorizadas a anular leis inconstitucionais”. E concluem dizendo que “... a lei inconstitucional pode ser anulada...” – uma contradição em termos, para KELSEN – “... por um ato do órgão legislativo, mas também por um ato de um órgão diferente do legislador, incumbido da revisão judicial da lei”.

Page 6: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

anos depois resolveu dispensar completamente o Poder Legislativo. Sucedido por seu irmão, em

1685, Jaime II violou abertamente uma resolução parlamentar que exigia que todos os detentores

de cargos oficiais pertencessem à Igreja Anglicana e passou a preencher importantes postos do

exército e do funcionalismo público com correligionários católicos, bem como manteve a benesse

de isentar os católicos das incapacidades jurídicas impostas pelo Parlamento, prática esta iniciada

pelo irmão Carlos II, chegando até mesmo a exigir que os bispos anglicanos lessem, nas igrejas,

seus decretos sobre esse assunto.10

Em razão disso, em 1688 o rei foi deposto, o trono inglês declarado vago pelo Parlamento

e a coroa oferecida ao príncipe Guilherme de Orange e sua mulher Maria, filha mais velha de

Jaime II. No decorrer do ano de 1689, o Parlamento aprovou inúmeras leis destinadas a

salvaguardar os direitos dos ingleses e a proteger seu próprio poder contra as intromissões da

coroa. Dentre elas, estava a famosa Bill of Rights (lei dos direitos dos cidadãos), sustentada por

um Parlamento que tinha, agora, o poder de se fazer obedecido, o qual finalmente triunfou sobre

o rei, pondo fim definitivamente à monarquia absoluta na Inglaterra, além do que deu um basta

à teoria do direito divino dos reis (o poder soberano do rei era controlado pelo poder divino,

sobrenatural, fato que não apresentava qualquer eficácia na prática), sobretudo com a aprovação

do Act of Settlement, em 1701.11

Bem verdade, a Revolução Gloriosa muito contribuiu para as revoluções americana e

francesa dos fins do século XVIII, sendo que uma porção considerável da Bill of Rights foi

incorporada à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, na França.

Destarte, inspirado com o ideal revolucionário inglês de um governo limitado, com a sua

decantada teoria Montesquieu procurou proteger tais direitos. Todavia, os Poderes, especialmente

o Legislativo e o Executivo, podem tornar-se violadores dos direitos fundamentais.

Sendo assim, a condição de constitucionalidade dos atos normativos do Poder Legislativo

e, sobretudo, da lei, constitui um princípio assecuratório dos direitos fundamentais, lembrando

que a grande maioria das Constituições incorpora uma Declaração em que se reconhecem e

garantem tais direitos.

Outrossim, a tese da necessária constitucionalidade dos atos de qualquer dos três Poderes

aparece formulada no que os juristas chamam de hierarquia das leis. Nesta, a lei constitucional

ocupa o ápice, é a lei suprema, cujas normas se impõem às de nível inferior, sob pena de

10 . BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. São Paulo: Globo. 1997, p. 434.11 . BURNS, E. M., op. cit., p. 434.

Page 7: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

invalidade destas. Sim, porque a Constituição, quando rígida, impõe limites ao legislador, tanto

formais – em relação à organicidade, aos procedimentos e às competências – quanto materiais –

em relação ao seu conteúdo.12

Disto decorre uma condição de constitucionalidade a que estão sujeitos todos os atos

estatais. Nenhum destes vale se não estiver, formal e materialmente, em conformidade com a

Constituição.

A efetivação da supremacia da Constituição depende da existência de um sistema

adequado de controle e anulação do ato inconstitucional. O “controle” de constitucionalidade é,

destarte, condição da supremacia da Constituição. Onde ele inexiste ou é impotente, de fato a

Constituição torna-se flexível.

2.1.1. A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

Trata-se de pressuposto essencial para o estudo que aqui se pretende realizar tornarem-se

claras as noções básicas concernentes ao fundamento e hierarquia das normas jurídicas, bem

como à supremacia da Constituição e suas implicações.

Atualmente, pouca ou nenhuma resistência existe à concepção de que, no plano jurídico, a

Constituição alcançou a dignidade de um estatuto supremo, catalisador dos valores reconhecidos

pela comunidade e que se integram à ordem jurídica, posto que incorporados às normas

constitucionais e posteriormente refletidos nas leis que dela derivam para lhe dar eficácia, com o

propósito de conduzir o Estado e a sociedade na busca do bem comum.

Uma das facetas preeminentes que a Constituição adquiriu, dentro dos sistemas jurídicos,

foi a capacidade de distribuir fundamentos de validade a todas as normas jurídicas, vale dizer,

contém ela normas básicas que determinam como e por quem vão ser elaboradas as demais

normas. Consoante o magistério de Norberto Bobbio, essa posição de norma fundante dos

sistemas jurídicos lhe é conferida pelo Poder Constituinte, como poder último, e que dá o ponto

de apoio do sistema13. Trata-se do princípio da supremacia da Constituição, que deflui da rigidez

constitucional.

12 . LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Ariel Derecho, 1986, p. 35.13 . BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: UnB. 1995, pp. 58-59. Poder Constituinte é um poder que

estabelece o suporte lógico da Constituição, ou seja, que estabelece a organização fundamental de um Estado. Além disso, é a justificativa da superioridade da Constituição, que, derivando do Poder Constituinte, não pode ser modificada pelos poderes constituídos, porque estes são obra daquele, por intermédio da própria Constituição.

Page 8: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

Há que se ter em mente o fato de que toda e qualquer norma de direito encontra-se

fundada em outra norma jurídica hierarquicamente superior, sendo pressuposto essencial para a

plena validade da primeira estar em perfeita harmonia com sua superiora. Não se concebe a

existência de qualquer tipo de conflito entre a norma inferior e aquela que lhe serve de

fundamento de validade.

A esse respeito, KELSEN, servindo-se de uma figura geométrica (pirâmide) para elucidar

os diferentes níveis normativos, afirma que: (...) uma norma para ser válida é preciso que busque seu

fundamento de validade em uma norma superior, e assim por diante, de tal forma que todas as normas cuja

validade pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma

ordem normativa.14

Destarte, ateste-se que no topo dessa pirâmide encontra-se a Constituição, na qual todas as

demais normas jurídicas existentes, inferiores a ela, encontram os seus fundamentos de validade.

Disso decorre, portanto, uma hierarquização vertical das normas jurídicas15. É a Constituição,

pois que propicia a unidade do sistema normativo. É ela a norma suprema, ou seja, fundamental.16

De fato, se a Constituição não pudesse ser tratada com a majestade que tem, todo o

ordenamento jurídico poderia ser facilmente manipulado para atender os interesses de apenas

algumas das forças políticas que atuam na sociedade.

Assim, a Constituição fornece e distribui as diretrizes superiores para a convivência social

e a arquitetura de toda a estrutura normativa necessária à organização do respectivo Estado e, por

isso, se apresenta sempre como uma espécie de conduto por onde fluem as diretrizes que atuarão

na formulação, na conformação e na validade de todas as normas jurídicas. Revela-se, assim, o

princípio da compatibilidade vertical das normas, resultante da supremacia da Constituição,

enquanto lei superior de um ordenamento jurídico estatal.

Entretanto, a fim de fundamentar tal assertiva, urge estabelecer a diferença existente entre

a norma suprema (a Constituição) e as demais espécies normativas.

14 . KELSEN, H., op. cit., 1961, p. 217.15 . No Brasil seria: a) Constituição; b) emenda constitucional; c) lei complementar; d) lei ordinária; e) lei delegada; f) medida

provisória; g) decreto legislativo; h) resolução. 16 . KELSEN, H., op. cit., 1961, p. 246-249. É importante frisar que a Constituição não é precedida por qualquer norma

fundamental, como preceitua Kelsen. A Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico de um país, a que confere validade, e legitima que todos os poderes estatais sejam legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É nela que se acham as normas fundamentais, o que demonstra sua superioridade em relação às demais normas jurídicas. A concepção de Kelsen toma a palavra “constituição” em dois sentidos: no lógico-jurídico e no jurídico-positivo; de acordo com o primeiro, constituição significa norma fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da constituição jurídico-positiva, que equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau, fornecedora da moldura definitiva e possível a todas as demais normas, que lhe deveriam obediência.

Page 9: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

2.1.2. OS NÍVEIS NORMATIVOS

Contemporaneamente, em Estados dotados de constituição escrita, a exemplo do Brasil,

denota-se a existência de três níveis básicos de Poderes e normas, conforme elenca RESENDE

DE BARROS.17

No primeiro nível, denominado constituinte, encontram-se as normas produzidas pelo

poder constituinte, que ingressam na Constituição com duas finalidades: ou para formá-la,

originalmente, por obra do Poder Constituinte originário, um poder de fato, verdadeira força

social que se insurge para substituir a Constituição anterior ou para dar organização a um novo

Estado, ou então, para reformá-la (completá-la ou modificá-la), derivadamente, por obra do Poder

Constituinte derivado reformador – as chamadas emendas constitucionais. Ademais, somente no

caso das federações, ainda há o Poder Constituinte derivado decorrente, que forma ou reforma as

Constituições dos entes federados, membros do Estado federal, sujeitos às limitações impostas

pela Constituição Federal. Geralmente, no Estado federal, há dois patamares federativos: o da

União federal e o dos Estados federados. Ao longo do constitucionalismo brasileiro, porém,

desenvolveu-se (e foi, afinal, reconhecido pela Constituição de 1988) um terceiro patamar, o dos

Municípios. Desta forma, o Brasil constitui hoje um “federalismo trino”, ou “federalismo de

duplo grau”, olhando mais para os lances da descida.18

De qualquer modo, nos patamares da federação, dimanam do respectivo Poder

Constituinte, normas jurídicas denominadas normas primordiais. “Primordial” significa “primeiro

na ordem”. Essas normas são as primeiras produzidas na mesma ordem ou em ordem inferior.

Nas federações, devem respeitar as normas constitucionais de patamar superior. São as normas

constitucionais.19

No segundo nível, denominado legislativo, são produzidas, pelo Poder Legislativo,

normas primárias. Primárias porquanto subordinadas diretamente às normas superiores,

constitucionais. Trata-se, por exemplo, das leis complementares, das leis ordinárias, das leis

delegadas, das medidas provisórias, dos decretos legislativos e das resoluções de caráter

legislativo. São, portanto, as normas infraconstitucionais. Nas federações, essas espécies de

17 . RESENDE DE BARROS, Sérgio. Controle de constitucionalidade. Programa de Mestrado em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba. (Apostila). Piracicaba: UNIMEP, 2000, p. 1.

18 . Idem, pp.1-2.19 . RESENDE DE BARROS, Sérgio, op. cit. 2000, pp. 1-2.

Page 10: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

normas têm de respeitar as normas constitucionais de seu patamar federativo e, no que lhes for

aplicável, as de patamar superior.20

Por derradeiro, no terceiro nível, o regulamentar, são produzidas normas regulamentares,

ou simplesmente regulamentos, a partir do Poder Regulamentar. São os decretos, as portarias, as

resoluções de caráter administrativo, os regimentos etc., normas tais sujeitas às normas primárias,

que ficam entre elas e a Constituição, e por conseqüência, igualmente subordinadas às normas

primordiais. São, enfim, as normas infraconstitucionais e infralegais. Nas federações, devem

respeitar as normas constitucionais e legais de seu patamar e, no que lhes for aplicável, as de

patamar superior.21

Assinalou-se que a Constituição situa-se no vértice do sistema jurídico, onde todas as

demais normas jurídicas irão buscar os seus fundamentos de existência e validade, isso em razão

da rigidez da Lei Fundamental. No entanto, nem todas as Constituições se apresentam como

rígidas. Sendo assim, merece destaque a classificação das Constituições segundo sua estabilidade,

ou mais precisamente, segundo os mecanismos previstos para a reforma e modificação do texto

constitucional, porquanto “o controle de constitucionalidade das leis está intimamente relacionado com

o princípio da hierarquia normativa, da supremacia da Constituição”.22 Sob tal prisma, são as

Constituições classificadas em rígidas, flexíveis e semi-rígidas.

2.1.3. CONSTITUIÇÃO RÍGIDA, FLEXÍVEL E SEMI-RÍGIDA

A existência do referido controle tem como antecedente a rigidez constitucional que, por

sua vez, pressupõe a supremacia da norma fundamental em relação às demais produzidas pelo

órgão constituído. Desta maneira, nenhuma espécie normativa que, necessariamente, decorre da

Lei Maior pode modificá-la.

A rigidez de uma Constituição23 implica que a mesma somente seja alterável mediante

processos, solenidades e exigências formais especiais. Os critérios para a modificação das normas

20 . Idem, pp. 1-2.21. Idem, pp. 1-2.22 . VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 27. 23 . Sobre o tema, verificar: BRYCE, James, Flexible and rigid Constitutions, in Studies in history and jurisprudence, 1901;

CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional, 2003, pp. 215-216; HESSE, Konrad, Concepto e cualidad de la Constitución, in Escritos de derecho constitucional, 1983, pp. 24-26; BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha, A teoria das Constituições rígidas, 1980.

Page 11: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

constitucionais são, portanto, mais difíceis e complexos do que aqueles destinados à formação de

uma lei ordinária ou complementar.

A Constituição flexível, ao contrário, admite alteração mediante procedimentos

legislativos ordinários, conferindo ao legislador constituído, de maneira implícita, poderes

originários. Na verdade, a lei infraconstitucional não harmônica com uma Constituição flexível

reforma per si a lei constitucional.

Exsurge, então, a diferença realmente elucidativa entre Constituição rígida e Constituição

flexível: a primeira não pode existir sem a previsão de um controle de constitucionalidade das

leis, ao passo que a segunda, tendo em vista o fato de o poder originário constituinte atribuir

competência ao poder derivado reformador para modificar o Texto Maior sem a imposição de

limites, não há que se cogitar de mecanismos de controle da constitucionalidade das leis.

Nessa mesma esteira, igualmente só se pode falar em sentido próprio de procedimentos de

revisão constitucional unicamente em relação às constituições rígidas, já que nas flexíveis as

modificações dos textos podem ser realizadas com o acostumado procedimento legislativo

ordinário.

Resta esclarecer, finalmente, em que consiste a semi-rigidez constitucional, característica

de textos em que tanto se verificam disposições rígidas e disposições flexíveis. Seria o caso da

Carta Constitucional do Império do Brasil, de 1824, na medida em que seu artigo 178 dispunha

que somente era matéria constitucional o concernente à organização dos poderes e à declaração

de direitos, abrindo espaço a que todo o restante da legislação pudesse ser alterada por lei

ordinária, sem as formalidades dos artigos 173 a 177. Vale dizer, impunham-se critérios mais

rigorosos para a alteração de matéria considerada constitucional e critérios mais flexíveis para a

modificação de matéria não constitucional.

Artigo 178 da Constituição Imperial: “É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e

attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo,

o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas

ordinarias”.24

A Carta Política Brasileira de 1988 é rígida, assim como são rígidas as Constituições de

quase todos os países que têm uma Lei Fundamental escrita25. Não admite, contudo, a reforma 24 . CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Todas as constituições do Brasil. São Paulo: Atlas, 1994,

pp.775- 776 (Sic).25 . POLETTI, Ronaldo Rebello de Brito. Controle da constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.53. O

autor lembra que “Hoje em dia, quase todas as Constituições escritas, em vigor, nas democracias clássicas, são rígidas, com exceção da Grã-Bretanha e dos países que seguiram o sistema anglo-saxônico (Nova Zelândia, Gana, Canadá, República Sul-

Page 12: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

constitucional em determinadas matérias, ex vi do seu artigo 60, parágrafo 4º. Exatamente por

enumerar as matérias não passíveis de modificação por emenda, tal dispositivo é denominado

“cláusula pétrea”. De singular importância para a democracia brasileira, constitui uma limitação

material ao poder constituinte derivado de revisão, sendo vedada a modificação dos conteúdos ali

previstos. Daí o porquê de alguns juristas, entre eles Alexandre de Moraes, considerar a

Constituição Federal de 1988 como super-rígida.26

A rigidez constitucional afigura-se de extrema importância para uma democracia. Afinal,

não há regime democrático sem o prévio estabelecimento das “regras do jogo” que regulam as

relações em certo país, e é exatamente através de uma Constituição rígida dotada de soberania

que se podem preestabelecer ditas regras.

Como principal corolário da rigidez constitucional de 1988 verifica-se o princípio da

supremacia da Constituição, ou seja, todas as normas infraconstitucionais (e infralegais) apenas

serão válidas se em conformidade com as normas superiores. De fato, encontra-se a Carta Magna

do Brasil no vértice da pirâmide legal, sendo dotada de primazia e superioridade.

A supremacia da Constituição implica a existência de determinados princípios que

informam vários institutos jurídicos, por força da qual nenhum ato jurídico, nenhuma

manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei

Fundamental.27 Para o fim ora pretendido, importa o exame de dois destes princípios:

• princípio do controle da constitucionalidade – não há razão para que a lei infratora

seja aplicada. Neste sentido, imperativo haver um mecanismo de verificação da

compatibilidade das normas infraconstitucionais com as normas superiores, a fim de

retirar a legitimidade da lei que, por ser inconstitucional, afigura-se como írrita (=

vazia);

• princípio da presunção de legitimidade da norma jurídica – em nome da segurança e

da estabilidade das relações reguladas pelo direito, presume-se que, uma vez editada, a

lei encontra-se em conformidade com o texto constitucional. Sobre o tema, leciona

BASTOS ao afirmar que: “Enquanto as leis constitucionais somente perdem a sua validade

Africana), que sequer têm uma Constituição escrita, e de Israel, que a está elaborando, através de sucessivas leis”. 26 . MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 1999, p.37.27 . A propósito, BARROSO lembra que: “Na prática brasileira (...), no momento da entrada em vigor de uma nova Carta, todas

as normas anteriores com ela contrastantes ficam revogadas. E as normas editadas posteriormente à sua vigência, se contravierem os seus termos, devem ser declaradas nulas. A supremacia da Constituição manifesta-se, igualmente, em relação aos atos internacionais que devam produzir efeitos em território nacional”. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 158.

Page 13: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

pelo surgimento de nova lei, que as revogue, a lei inconstitucional arca com o ônus de um

processo específico de invalidação, qual seja, o de ver a sua invalidade declarada por outro

órgão, diferente daquele que a produziu”.28

Vale transcrever, ainda sobre o mencionado princípio da presunção de constitucionalidade

das leis, o ensinamento de BITTENCOURT:

“É princípio assente entre os autores, reproduzindo a orientação pacífica da jurisprudência, que

milita sempre em favor dos atos do Congresso a presunção de constitucionalidade. É que ao

Parlamento, tanto quanto ao Judiciário, cabe a interpretação do texto constitucional, de sorte

que, quando uma lei é posta em vigor, já o problema de sua conformidade com o Estatuto

Político foi objeto de exame e apreciação, devendo-se presumir boa e válida a resolução

adotada”.29

Elucidados os princípios fundamentais que decorrem da supremacia de uma Constituição

rígida, é possível examinar mecanismos previstos na própria Lex Fundamentalis, cuja função

vem a ser exatamente possibilitar a verificação e o controle da adequação das leis ordinárias e

complementares, bem como dos atos administrativos, ao proclamado pelo texto constitucional.

Portanto, a próxima etapa terá como objeto de estudo o chamado “controle de

constitucionalidade”, instituto de importância ímpar no âmbito de qualquer Estado Democrático

de Direito, que surge em função da Constituição escrita e encontra-se na origem mesmo do

próprio direito constitucional, como ensina RESENDE DE BARROS:

“Rigorosamente, o direito constitucional surgiu em função da constituição escrita. Esta, na

medida em que formalizou a constituição do Estado, destacou-a entre os objetos do conhecimento

político e jurídico, criando uma condição nova, a propiciar a percepção dos fenômenos

constitucionais, assim chamados porque desenvolvem-se em torno da constituição. Tais

fenômenos, só percebidos mais claramente em razão e em torno da constituição escrita, deram

objeto de estudo a um ramo destacado do direito político, por isso mesmo dito direito

constitucional. Aos temas tradicionais, como as formas de governo, então se somaram outros,

28. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 391.29 . BITTENCOURT, Lúcio. O Controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1949, p. 91.

Page 14: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

que só vieram a se revelar em vista da constituição escrita, como o poder constituinte e a

constitucionalidade” (grifo nosso).30

Destarte, a garantia mais concreta e eficaz que a constituição rígida apresenta da proibição

de que suas normas sejam modificadas por meio das leis ordinárias consiste, indubitavelmente, na

possibilidade de não aplicar ditas leis quando se encontrem em contradição com algum preceito

constitucional.

2.2. CONCEITO

A palavra “controle” (controlo, em Portugal) significa o ato ou a atividade exercida por

um sujeito controlador que estabelece uma comparação entre um objeto controlado e outro objeto

que serve de padrão, parâmetro ou paradigma para assim verificar a adequação material e formal

do primeiro objeto em relação ao segundo objeto. Controle, portanto, é a ação ou atividade de

controlar.

Destarte, no controle estão envolvidos três elementos básicos: o sujeito controlador, o

objeto controlado e o objeto paradigma, parâmetro ou padrão.

Nesse sentido, quando se fala em controle de constitucionalidade, fala-se na garantia que a

Constituição dá a si mesma. Tal controle garante a própria Constituição contra ações e/ou

omissões cometidas contra ela, ou seja, a defende contra as inconstitucionalidades.

Em outras palavras, com vistas voltadas a tais aspectos e partindo de uma conceituação

básica e essencial, RESENDE DE BARROS ainda coloca que: “Controle de constitucionalidade é a

verificação – por agentes políticos ou judiciais do Estado – da adequação de um ato normativo, sobretudo

dos atos normativos produzidos no processo legislativo – aos requisitos formais e materiais estabelecidos

pela constituição do Estado”.31

É nessa esteira que FERREIRA FILHO, sintética e objetivamente, conceitua o controle de

constitucionalidade como “a verificação da adequação de um ato jurídico (particularmente da lei) à

Constituição”.32

Também se referindo ao escopo do referido controle, anota NOGUEIRA DA SILVA que:

30 . RESENDE DE BARROS, Sérgio. O nucleamento do direito constitucional. In Revista Impulso. Piracicaba: UNIMEP, out. 1997, p. 108.

31. RESENDE DE BARROS, Sérgio, op. cit. 2000, p. 6.32 . FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, op. cit., p. 34.

Page 15: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

“O controle de constitucionalidade, pois, tem por objetivo prevenir ou reprimir a produção legal,

ou os seus efeitos, assim como a de atos normativos, sempre que uma ou outra estiver em posição

de inadequação face à Constituição. Incide ele tanto sobre os requisitos formais da lei ou ato

normativo, v.g., a competência do órgão produtor, a forma e o procedimento observados na

produção, como sobre o conteúdo substancial dos mesmos, ou seja, sua conformidade aos

direitos e garantias consagrados pela Constituição”.33

Logo, nota-se que a verificação da compatibilidade em questão tem como objetivo

resguardar a supremacia formal da Constituição rígida, impedindo a subsistência de eficácia de

norma contrária a ela, garantia maior existente em um Estado dotado daquela espécie de

Constituição, advinda desse chamado controle de constitucionalidade.

A idéia de controle liga-se, assim, à idéia de rigidez constitucional. Sem rigidez, a

legislação inferior subseqüente revogaria a norma constitucional, e não haveria o que controlar.

A propósito, esclarece RUFFÌA que:

“Quando la Constituzione è rigida – e già abbiamo messo in evidenza (...) che nella attualità sono

rigide quasi tutte le Constituzione scrite in vigore – la garanzia più concreta ed efficace della

proibizione di che sue norme siano modificate per mezzo delle (legge) ordinarie consiste,

indubitabilmente, nella possibilità di non applicare tali legge quando si trovanno in contradizione

con alcuno precetto constituzionale”.34

Tal como mencionado a pouco, essa atividade de controle da adequação formal e material

da norma jurídica se consubstancia no procedimento de compatibilidade da mesma em relação às

regras constitucionais, em ambos os sentidos, envolvendo aqueles três elementos básicos.

Em face disso, necessário se faz nesta oportunidade analisar tais elementos – essenciais –

envolvidos na mencionada atividade controladora, em torno da qual gravita o presente estudo.

Sujeito controlador no controle de constitucionalidade é principalmente o Poder

Judiciário, por intermédio de seus juízes e tribunais, e secundariamente, outros agentes estatais,

33 . SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. A evolução do controle de constitucionalidade e a competência do senado federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 19.

34 . RUFFIA, Paolo Biscaretti di. Introduzione al diritto constituzionale comparato. Milano: A. Giuffre, 1974, p. 540. “Quando a Constituição é rígida – e já temos posto em evidência (...) que na atualidade são rígidas quase todas as Constituições escritas em vigor – a garantia mais concreta e eficaz da proibição de que suas normas sejam modificadas por meio das (leis) ordinárias consiste, indubitavelmente, na possibilidade de não aplicar ditas leis quando se encontrem em contradição com algum preceito constitucional” (tradução nossa).

Page 16: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

no âmbito dos poderes Legislativo e Executivo, e ainda, os particulares, através dos advogados,

sendo este último, na verdade, um controle informal, vez que não institucionalizado.

Não obstante, objeto controlado é qualquer ato jurídico, desde os mais simples e rasteiros

até os mais complexos e altaneiros, com exceção dos atos originários primários da própria

Constituição, ou seja, os atos exercidos pelo Poder Constituinte originário,35 tal como já foi

decidido pela suprema corte brasileira.36

Enfim, tem-se como objeto paradigma as normas originárias e derivadas da Constituição,

advindas, respectivamente, do exercício do Poder Constituinte originário e derivado, seja este

último reformador ou decorrente37, isto é, as normas constitucionais vigentes, não

necessariamente no texto constitucional – a exemplo do que ocorre na França38 –, ressaltando-se

que no Brasil tais normas devem estar inseridas, explícita ou implicitamente, no texto

constitucional.

Importante salientar que o controle propriamente dito é exercido não só no âmbito

constitucional (adequação às normas editadas pelo Poder Constituinte), mas também nos níveis

hierarquicamente inferiores das normas jurídicas, através da verificação da legalidade (adequação

às normas editadas pelo Poder Legislativo) e da regularidade (adequação às normas editadas pelo

Poder Regulamentar).39

Em última análise, o controle de constitucionalidade é, portanto, a espécie superior do

gênero controle de normalidade (aquilo que é ou está de acordo com a norma; é a adequação às

normas – normalidade).40

35 . MORAES, Alexandre de, op. cit. 1999, p. 560; BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Coimbra: Atlântica, 1977, p. 235; CANOTILHO, José Joaquim Gomes, op. cit., p. 1.233. Não há possibilidade de declaração de normas constitucionais originárias como inconstitucionais. De acordo com MORAES, citando BACHOF e CANOTILHO, “O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar a incondicional superioridade normativa da Constituição Federal, portanto, não adota a teoria alemã das normas constitucionais inconstitucionais (verfassungswidrige Verfassungsnormem), que possibilita a declaração de inconstitucionalidade de normas constitucionais positivadas por incompatíveis com os princípios constitucionais não escritos e os postulados na justiça (Grundentscheidugen)”. Conforme CANOTILHO, “A probabilidade da existência de uma ‘norma constitucional originariamente inconstitucional’ é bastante restrita em estados de direito democrático-constitucionais. Por isso é que a figura das normas constitucionais inconstitucionais, embora nos conduza ao problema fulcral da validade material do direito, não tem conduzido a soluções práticas dignas de registro”.

36 . STF – Pleno – Adin nº 815-3/DF. Rel. Moreira Alves. Diário da Justiça. 10.05.1996. Ementário nº 1.827-02, onde se salienta que: “Essa tese – a de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras – se me afigura incompossível com o sistema de Constituição rígida”.

37 . O Poder Constituinte derivado decorrente só existe nas federações, ao qual compete formar ou reformar as Constituições dos entes federados, membros do Estado Federal, sujeitos às limitações impostas pela Constituição Federal.

38 . CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1992, pp. 27-32.

39 . RESENDE DE BARROS, Sérgio, op. cit. 2000, p. 8.40 . RESENDE DE BARROS, S, idem, p. 7.

Page 17: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

2.3. ORIGEM

Quanto à origem do controle de constitucionalidade, devem ser registrados os momentos

de seu surgimento. Primeira e remotamente, urge destacar o nascimento, na Grécia antiga, de

algo análogo ao referido controle, lembrado em razão de sua semelhança àquele, considerado,

portanto, seu antecedente remoto.

Bem verdade, a idéia de que existem leis superiores, que servem de fundamento ao poder

político e à própria sociedade começou a surgir na Grécia antiga, mais precisamente na cidade

grega de Atenas.

No direito ateniense, distinguiam-se duas espécies normativas: o nomos, isto é, a lei em

seu sentido estrito, e o psèphisma, ou seja, o que modernamente se identifica como o decreto.

A respeito, esclarece CAPPELLETTI:

Na realidade, os nomoi, ou seja, as leis, tinham um caráter que, sob certos aspectos, poderia se

aproximar das modernas leis constitucionais, e isto não somente porque diziam respeito à

organização do Estado, mas ainda porque modificações das leis (nomoi) vigentes não podiam ser

feitas a não ser através de um procedimento especial, com características que, sem dúvida, podem

trazer à mente do jurista contemporâneo o procedimento de revisão constitucional.41

Em seguida, o mesmo autor acrescenta que:

Portanto, tinha sido excogitado, em Atenas, um procedimento de revisão das leis extremamente

complexo; a mudança da lei era considerada, em suma, uma providência de extraordinária

gravidade, cercada das garantias mais prudentes e até mais estranhas, com responsabilidades

gravíssimas para quem propunha uma alteração que não fosse, no final, aprovada ou que, ainda

que aprovada, se mostrasse, depois, inoportuna. Deste modo, o poder de mudar as leis era retirado

dos caprichos de maioria da Assembléia Popular (Ecclesía).42

Realmente, naquele tempo o sentido de cidadania era levado a sério, pois em caso de

condenação em virtude de responsabilidade penal, daquele que havia proposto o decreto

41. CAPPELLETTI, Mauro, op. cit., p. 49.42. CAPPELLETTI, Mauro, op. cit., p. 49.

Page 18: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

inoportuno ou que não fosse aprovado, estaria ele sujeito ao pagamento de pesadas multas, e em

casos de ofensa muito grave, pagaria com a própria vida.

Entre as várias ações de quem dispunham os cidadãos atenienses – mais de cinqüenta –,

ações populares denominadas graphès, havia uma em especial, intitulada graphè paranomôn,

pela qual tais cidadãos se tornavam responsáveis pela defesa das leis e da Constituição. Aí está o

que se pode identificar como antecedente remoto do controle de constitucionalidade. Tratava-se

de uma ação pública intentada contra alguém que havia proposto um tipo de lei inferior

(psèphisma) a outro tipo de lei superior (nomos). O julgamento da referida ação cabia a um

tribunal do povo, composto por 501 membros.43

Assim, era cabível tal ação quando vislumbrada a invalidade do decreto contrário à lei,

isto, consoante lembra Demóstenes, citado por CAPPELLETTI44, “por força do princípio segundo o

qual o nomos, quando estava em contraste com um psèphisma, prevalecia sobre este”.

Posteriormente, em Roma, verifica-se que também havia essa idéia de existência de uma

lei maior, à qual todas as demais deveriam obediência, sob pena de invalidação.

No final da Idade Média e início da Idade Moderna, com o aparecimento dos Estados

Modernos, sob a manta do poder absoluto dos reis, em França desenvolvem-se as chamadas Leis

Fundamentais do Reino, assim denominadas porquanto serem anteriores e terem fundado o

próprio reino, motivo pelo qual até mesmo o rei deveria obedecê-las.

A partir de então, difunde-se pelo mundo afora a idéia de que as sociedades são fundadas

em determinadas leis e que estas, por isso, são superiores e devem ser obedecidas.

Isso tudo serviu de base para a decisão tomada por um juiz norte-americano – John

Marshall –, no famoso caso Marbury versus Madison, no ano de 1803, duas décadas depois de a

Constituição dos Estados Unidos haver entrado em vigor. Com isso, coube ao magistrado o

mérito pela teoria do controle de constitucionalidade. Eis aí, portanto, o seu antecedente próximo.

A propósito, RESENDE DE BARROS e PINTO FERREIRA, com especiais precisões,

relatam como atuou Marshall diante do caso, bem como as circunstâncias histórico-políticas que

o cercaram, nos seguintes termos:

43 . JAGUARIBE, Helio. A democracia de Péricles. Brasília: UnB, 1982, p. 36; HANSEN, Mogens Herman, La democratie athenienne á L’époque de Démosthène. Paris: Les Belles Lettres, 1993, p. 221.

44 . CAPPELLETTI, Mauro, op. cit., p. 51.

Page 19: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

Nas eleições de 1800, os Republicanos (liderados por Thomas Jefferson) haviam derrotado os

Federalistas (liderados por Alexander Hamilton). Porém, antes de deixarem o poder em 1801, os

Federalistas criaram judicaturas, que os Republicanos não pretendiam manter, entre as quais se

incluíam funções de juiz de paz. Nesse contexto político, o Presidente John Adams – que sucedera

a George Washington, de quem fora vice-presidente e que recusara a segunda eleição – nomeou

William Marbury e outros como juízes de paz no Distrito de Colúmbia. Porém, estando de saída

do cargo de Secretário de Estado (da gestão do Presidente Adams), John Marshall não se apressou

nas providências necessárias para que Marbury e outros tomassem posse. Negligência essa, em

que persistiu o novo Secretário de Estado (da gestão do Presidente Jefferson), James Madison.45

Diante dessa situação desfavorável, Marbury recorreu ao Poder Judiciário, impetrando um

mandamus e clamando por seu direito.

Na condição de Juiz Presidente da Suprema Corte, onde tomara assento após deixar o cargo de

Secretário de Estado, John Marshall enfrentava graves dificuldades. Vivia-se o início da

Federação norte-americana, em que os poderes em face da Constituição ainda não estavam

definidos com pormenor e firmeza, ensejando debates – avanços ou recusas entre os três Poderes

– hoje inaceitáveis porque já resolvidos, seja pela legislação, seja pela jurisprudência, seja pelos

usos e costumes constitucionais. Nessa época, a Suprema Corte ainda não granjeara o enorme

respeito de que hoje desfruta. Particularmente no mandamus impetrado por William Marbury,

Marshall viveu um dilema, só compreensível à luz das condições políticas da época. De um lado,

ele entendia que as nomeações feitas pelo Presidente Adams eram de ser mantidas. De outro lado,

temia que o poderoso Secretário de Estado James Madison, sob os auspícios do não menos

poderoso Presidente Thomas Jefferson, ignorasse o mandado em favor de Marbury, o que

desmoralizaria o Juiz e a Corte, pondo em risco a Constituição dos Estados Unidos. Salus

reipublicae summa lex esto (Para evitar a desconstituição da república) e, assim, Marshall

resolveu o impasse dando ao país uma aula de direito, em que sustentou que Marbury e outros

tinham direito à posse, mas ele não tinha competência constitucional para conceder o mandamus.

Marshall reconheceu que a Lei Judiciária de 1789 dera à Suprema corte o poder de expedir aquele

tipo de mandado contra agentes de outros Poderes. Mas afirmou que a Lei, ao agir assim, era

inconstitucional, pois alargava a competência fixada pela Constituição para a Suprema Corte.46

45. RESENDE DE BARROS, Sérgio, op. cit. 2000, p. 9.46. RESENDE DE BARROS, Sérgio, op. cit. 2000, p. 10.

Page 20: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

Após tal indagação, John Marshall fixou os fundamentos do controle de

constitucionalidade, consignando em seu aresto:

Ou havemos de admitir que a Constituição anula qualquer medida legislativa, que a contrarie, ou

anuir que a legislatura possa alterar a Constituição por medidas ordinárias. Não há por onde se

contestar o dilema. Entre as duas alternativas não se descobre meio-termo. Ou a Constituição é

uma lei superior (uma paramount law), soberana, irreformável mediante processos comuns, ou se

nivela com os atos da legislação usual, e, como estes, é reformável à vontade da legislatura. Se a

primeira é verdadeira, então o ato legislativo contrário à Constituição não será lei; se é verdadeira

a segunda, então as Constituições escritas são esforços inúteis do povo para limitar um poder pela

sua própria natureza ilimitável. Ora, com certeza, todos os que têm formulado Constituições

escritas, sempre o fizeram no objetivo de determinar a lei fundamental e suprema da nação; e

conseguintemente, a teoria de tais governos deve ser a da nulidade de qualquer ato da legislatura

ofensivo da Constituição. Esta doutrina está essencialmente ligada às Constituições escritas, e,

assim, deve-se observar como um dos princípios fundamentais da nossa sociedade.47

Diante de tais argumentações e conclusões, Marshall encerrando a sentença, finalizou o

seu voto: “Desse modo, a linguagem particular da Constituição dos Estados Unidos confirma e reforça o

princípio, que se supõe ser essencial a todas as constituições escritas, de que é void (= vazia, írrita) uma lei

que repugna a constituição”.48

Destarte, John Marshall denegou o mandado impetrado, concluindo que a norma da

referida Lei de Organização Judiciária, que dera à Suprema Corte o poder de conceder aquele

mandamus, deveria ser descartada.

Eis como surgiu o controle de constitucionalidade de um ato legislativo, por obra da

jurisprudência, posto que a Constituição dos Estados Unidos à época não o estabelecia

expressamente.

Por derradeiro, novamente servindo-se dos ensinamentos de RESENDE DE BARROS,

vale consignar que se este foi o primeiro caso em que a Suprema Corte dos Estados Unidos da

América invalidou um ato legislativo, não foi, outrossim, o primeiro em que juízes daquele país

exercitaram esse poder, vez que o fizeram antes, no chamado Hayburn’s Case, no ano de 1792,

47 . Cf. The Writings of John Marshall, late Chief-Justice of the United States, upon the Federal Constitucion. Boston, 1839, p. 24-25, apud FERREIRA, Luís Pinto. Princípios gerais do direito constitucional moderno. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 97.

48 . RESENDE DE BARROS, Sérgio, op. cit. 2000, p. 11.

Page 21: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

nem mesmo o primeiro em que a própria Suprema Corte o exercitou, pois no caso Hylton versus

United States (1796), já sustentara a constitucionalidade de um ato legislativo de tal forma, que

não deixava qualquer dúvida de que o teria declarado inconstitucional, se disso estivesse

convencida. Ainda, Alexander Hamilton, alguns anos antes, defendendo a aprovação da

Constituição federal pelos Estados norte-americanos, já deixara fincado o princípio da

supremacia constitucional, e que havendo um conflito entre a Constituição e uma lei ordinária,

caberia ao Poder Judiciário decidir em favor da primeira, em virtude de sua inquestionável

superioridade, lembrando que essa doutrina foi posteriormente reunida num livro – The

Federalist (“O Federalista”). Contudo, a despeito desses precedentes, foi no caso Marbury versus

Madison que, ao prolatar o seu voto com sólida argumentação e genial conclusão, John Marshall

firmou esse poder.49

Por outra borda, paralelamente à evolução do controle de constitucionalidade americano,

surge na França, a idéia de confiar a um órgão político (e não jurisdicional) a salvaguarda da

constituição.

O controle de constitucionalidade levado a efeito por um órgão político assenta-se na

idéia de que o órgão controlador deve ocupar posição superior no Estado. Além disso, tal órgão

deve ser distinto do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

A concepção da criação de um órgão político controlador foi expressa, primeiramente,

pelo abade Sieyès, legislador e jurista francês, por volta de 1795, cuja proposta levou a efeito

posteriormente. Contudo, foi na Constituição francesa de 1799 que um órgão com aquela

característica foi criado – o Senado Conservador –, com a finalidade de decretar a

inconstitucionalidade de atos legislativos, não obtendo êxito, entretanto, no exercício de sua

função.

Conseguintemente, foi com a criação do chamado Conseil Constitutionnel (“Conselho

Constitucional”), da Constituição da França de 1958, que o referido controle surtiu eficácia,

concedendo a um órgão político a soberania no controle de constitucionalidade de atos

legislativos, conforme enfoca Michel TEMER, ao registrar que: “O art. 62 dessa Constituição

determinou que as decisões desse Conselho não eram recorríveis e que se impunham ‘a todos os poderes

públicos e a todas as autoridades administrativas e jurisdicionais’”.50

49. RESENDE DE BARROS, Sérgio, op. cit. 2000, p. 9-10. 50. TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 41.

Page 22: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

2.4. TIPOLOGIA

Há no mundo jurídico atualmente dois grandes modelos de controle de

constitucionalidade: o europeu (ou austríaco) e o americano.

Esses modelos, por sua vez, englobam três sistemas de controle de constitucionalidade: o

americano, surgido a partir do voto vencedor do juiz John Marshall, no célebre e decantado caso

Marbury versus Madison, em 1803; o austríaco, desenvolvido por Hans Kelsen e positivado na

Constituição da Áustria de 1º de outubro de 1920 com a lei de reforma constitucional de 1929; e

o francês, originário na primeira Constituição francesa de 1946 e cristalizado na Carta de 4 de

outubro de 1958.

Urge ressaltar que a despeito de existirem atualmente, no direito contemporâneo, três

sistemas – o norte-americano, o austríaco e o francês – somente os dois primeiros fizeram escola

e tornaram-se modelos.

2.4.1. SISTEMA AMERICANO

Denominado judicial review, teve início nos Estados Unidos da América, com o juiz John

Marshall, sendo posteriormente adotado por toda a América. Nasceu juntamente com o próprio

controle de constitucionalidade naquele país. Apresenta as seguintes características:

- incidental, isto é, incidenter tantum (“só incidentalmente”), uma vez que a questão da

constitucionalidade não é a questão principal, porquanto é levantada geralmente pelo

autor na petição ou, então, pelo réu em preliminar de contestação ou, ainda, pelo juiz,

sem provocação das partes;

- difuso, ou seja, a competência para controlar não está concentrada nas mãos de um só

órgão, mas, ao contrário, qualquer juiz ou tribunal pode suscitar a questão da

inconstitucionalidade;

- declaratório, isto é, a sentença que decide sobre a constitucionalidade é meramente

declaratória (nesse ponto), porque o ato já nasceu morto;

- inter partes, pois o efeito declaratório atinge tão somente as partes envolvidas no

litígio (“entre partes”), não valendo para terceiros que não o integram;

Page 23: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

- ex tunc (“desde então”), uma vez que o efeito retroage à origem, tendo em vista que a

sentença é declaratória e o ato, um “natimorto”;

- casual, significando que somente se processa caso a caso, in casu, em concreto.

2.4.2. SISTEMA EUROPEU

Também chamado de sistema austríaco, teve a sua origem na Constituição da Áustria,

com a emenda de 1929, por inspiração do Mestre da “Escola Jurídica de Viena”, Hans Kelsen,

que o desenvolvera anos atrás, em 1920. São características deste sistema:

- principal, ou seja, a questão da constitucionalidade é o objeto da própria ação;

- concentrado, isto é, propõe-se também a criação de um tribunal especializado em

julgar tais ações – Tribunal (ou Corte) Constitucional;

- desconstitutivo (ou constitutivo-negativo), pois não existe a hipótese de uma lei nascer

morta, motivo pelo qual se o Congresso a sancionar e o Presidente a editar, essa lei

existirá, não havendo que se falar, igualmente, em atos nulos, mas tão somente

anuláveis, daí porque tal decisão desconstitui (anula) a lei, retirando-a do ordenamento

jurídico;

- erga omnes, uma vez que atinge todas as pessoas, indistintamente (“contra todos”);

- ex tunc ou ex nunc (“a partir de então”), dependendo da constituição, a não ser que

esta deixe a decisão para o próprio Tribunal, tratando-se, portanto, de uma decisão

política;

- geral, significando que o controle se processa em geral, em tese, em abstrato.

2.4.3. SISTEMA FRANCÊS

Há alguns sistemas em que o controle de constitucionalidade ocorre de forma mais ou

menos mista, conforme a Constituição do país, por meio de órgãos próprios. É o caso

vislumbrado em França, onde, originalmente, o controle em questão ganhou um colorido misto,

dual, de todo particular, cuja incumbência do controle de constitucionalidade foi entregue a um

órgão especial desvinculado de qualquer dos Poderes: o Conselho Constitucional, que se forma

entre o Governo e o Parlamento (cf. 2.4.4, infra).

Page 24: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

Na verdade, trata-se esse Conselho não de um órgão do Poder Judiciário, mas, outrossim,

de um órgão político, tendo sua origem nas nomeações.51

A Constituição francesa lhe atribui competência para verificar e declarar a

inconstitucionalidade ou não das leis, prévia ou posteriormente. E, antes de promulgá-la, caso o

Presidente da República tiver alguma dúvida se essa lei é ou não constitucional, dirigirá uma

indagação ao Conselho Constitucional, o qual se reunirá e decidirá se o projeto de lei está ou não

em conformidade com a Lei Maior do país. Decidindo pela inconstitucionalidade, o projeto será

arquivado.52

Ademais, registre-se que o referido Conselho pode ser consultado a qualquer momento da

tramitação legislativa, no que diga respeito à constitucionalidade ou não do respectivo projeto,

lembrando ainda, que mesmo depois de tramitado, aprovado, promulgado e publicado, já estando

em vigor, será possível levantar-se perante aquele Conselho a discussão da constitucionalidade da

lei, momento em que este poderá declará-la inconstitucional, eliminando-a, assim, do

ordenamento jurídico. A despeito disso, contudo, no mais das vezes essa apreciação é levada a

efeito previamente, antes de a lei ser promulgada.53

Em suma, para os franceses, a questão da constitucionalidade das leis, antes de ser um

problema jurídico (e além de sê-lo), é um problema político, porquanto, nas palavras de

RESENDE DE BARROS, “o direito constitucional é um direito político por excelência, cuida da

organização política do Estado”, motivo pelo qual em França se entende que a mencionada questão

apresenta, em última análise, cunho jurídico-político, o que faz com que receba um tratamento

diferenciado, não pelo Poder Judiciário comum, mas por um Conselho Constitucional composto

por nomeações.54

2.4.4. TIPOS BÁSICOS

O controle de constitucionalidade – destacadamente o das leis – será enfocado sob seis

critérios, seguindo-se a respectiva tipificação.

a) Quanto à natureza.

51 . RESENDE DE BARROS, Sérgio. A inconstitucionalidade por omissão. Aula ministrada no Curso de Pós-Graduação do CESUP, dias 26 e 27 de outubro/1990. São Paulo: CESUP, 1990, p. 22.

52. Id., p. 22.53. Id., p. 22. 54. RESENDE DE BARROS, Sérgio, op. cit. 1990, pp. 22-23.

Page 25: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

Político – conforme seja produzido fora do órgão judiciário.55 É o que ocorria na extinta

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, sob a égide da Constituição de 1936, de inspiração

estalinista, e ocorre atualmente na França, onde o controle - que se insere no próprio processo

legislativo - é feito pelo denominado Conseil Constitutionnel, órgão instituído pela Constituição

de 1958 e composto por nove membros nomeados (três, pelo Presidente da República; três, pelo

Presidente da Assembléia Nacional; e três, pelo Presidente do Senado) para um período de nove

anos, sem direito à recondução, aos quais se somam como membros natos todos os ex-

Presidentes da República. Acrescente-se que a manifestação desse Conselho é obrigatória no caso

de leis ditas “orgânicas” (lois organiques), concernentes especialmente à organização dos

poderes públicos, de caráter estrutural e complementar à Constituição.56

No Brasil, apenas excepcionalmente o controle é realizado por órgãos políticos.

Jurisdicional (judiciário ou judicial) – quando for produzido dentro do órgão judiciário, ou

seja, quando for feito por órgão ou órgãos (tribunais ou cortes) integrados no Poder Judiciário e

titularizados por juízes exercendo a função jurisdicional. Isso ocorre nos países americanos –

incluindo o Brasil – e nos demais países europeus. Convém citar, enfim, o caso da Suíça, em cuja

federação José Afonso da SILVA vislumbra um terceiro tipo: o controle misto. Com efeito, na

Confederação Helvética (que é uma federação, a despeito de manter o nome de confederação, que

lhe é tradicional), o controle é judicial no nível dos cantões (Estados-membros) e político no

nível federal, que fica sob o crivo da Assembléia Nacional.57 Todavia, melhor é não ver aí um

terceiro tipo, mas tão somente a convivência dos dois tipos – o político e o judicial – dentro de

uma estrutura federativa.58

b) Quanto ao momento.

Prévio ou preventivo – caso em que se previne contra a inconstitucionalidade antes de ela

se concretizar, isto é, destina-se a impedir o ingresso, no sistema jurídico, de normas que, em seu

projeto, já revelam desconformidade com a Constituição. Hipótese ocorrida na França. No Brasil,

o controle é prévio quando feito durante o processo legislativo pelas comissões permanentes de

constituição e justiça, no Poder Legislativo,59 e, posteriormente, pelo Chefe do Poder Executivo,

55 . MORAES, Alexandre de, op. cit., p. 538. O autor entende que o controle político se faz presente quando o órgão ao qual cabe garantir a supremacia da Constituição sobre o ordenamento jurídico é distinto dos demais Poderes do Estado.

56 . CAPPELLETTI, Mauro, op. cit., p. 27-28.57 . SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 51.58 . RESENDE DE BARROS, Sérgio, op. cit. 2000, p. 17.59 . RESENDE DE BARROS, Sérgio, op. cit., p. 26. Observa o autor que nesses casos o que ocorre na verdade é um controle

parlamentar, porque não previsto na Constituição, mas, sim, nos Regimentos Internos das Casas Legislativas.

Page 26: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

cujo veto pode ter fundamento político (entende que o projeto de lei não vai ao encontro do

interesse público) ou jurídico (entende que o projeto de lei não atende à Constituição).

Posterior ou repressivo – se o controle é feito após a promulgação da lei. No direito

constitucional brasileiro, via de regra, foi adotado o controle posterior à promulgação da lei, em

que é o próprio Poder Judiciário quem o realiza, seja quando feito por juiz singular, seja quando

realizado por tribunal.

c) Quanto ao processo.

Incidental – quando o controle incide sobre uma questão acidental, isto é, em outra ação

cujo objeto é outro. É o sistema inaugurado por John Marshall, em que o controle se faz

incidenter tantum, ou seja, “apenas incidentalmente”, no caso concreto, in casu, cujo objetivo é a

defesa de direitos subjetivos.

Principal, também denominado não-incidental ou autônomo60 – em que a

inconstitucionalidade é a própria questão principal trazida a juízo, ou seja, o objeto da lide é a

inconstitucionalidade. É o modelo europeu, surgido na Áustria na década de 1920, elaborado por

Hans Kelsen. É o controle da lei em tese ou abstrato, tendo por escopo, precipuamente, a defesa

do ordenamento jurídico objetivo.

d) Quanto à competência.

Difuso – caso em que a competência para controlar se difunde por todos os juízes e

tribunais, sendo que a inconstitucionalidade pode ser argüida por qualquer magistrado que, ao

reconhecê-la, deixará de aplicar, como corolário, o ato aniquilado. É o modelo norte-americano.

Concentrado – hipótese na qual a competência para conhecer e julgar a questão de

constitucionalidade se concentra em órgão único. É o modelo europeu, verificando-se também no

modelo francês, em que atua um conselho de natureza jurídico-política.

e) Quanto ao alcance subjetivo.

Inter partes – significa que os efeitos da decisão alcançam somente as partes no processo

(efeito particular), não beneficiando a quem não for parte na demanda em que se reconhecer a

inconstitucionalidade.

Erga omnes – nesse caso, os efeitos da decisão alcançam a todos, litigantes ou não,

eliminando de vez qualquer possibilidade futura de aplicação do ato reconhecido como

inconstitucional.

60. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 171.

Page 27: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

f) Quanto ao alcance objetivo: segundo esse critério, o controle será dito temporal ou

material.

- Objetivo-temporal.

Ex tunc – os efeitos da decisão são retroativos, isto é, volvem à origem do ato.

Ex nunc – os efeitos da decisão são válidos somente a partir de sua publicação.

Pro futuro – os efeitos da decisão são impedidos desde um momento estabelecido no

acórdão.

- Objetivo-material.

Material – alcança aspectos materiais, isto é, os referentes ao conteúdo da matéria tratada

pela norma jurídica.

Formal – alcança aspectos formais, ou seja, aqueles atinentes ao modo de elaboração ou

revisão da norma jurídica.

2.2.5. SISTEMA BRASILEIRO CONFORME A CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição de 5 de outubro de 1988 avançou no aperfeiçoamento e na democratização

da fiscalização constitucional no país. Cita-se: ampliou o número dos legitimados ativos para

ingressar com a ação direta de inconstitucionalidade (artigo 103); introduziu no sistema a ação

direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, parágrafo 2º) e o mandado de injunção

(artigo 102, inciso I, alínea q); previu a instituição, nos Estados-membros, de representação de

inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição

estadual (artigo 125, parágrafo 2º); em 17 de março de 1993, a Emenda Constitucional nº 3 deu

nova redação ao artigo 102, inciso I, alínea a, introduzindo a ação declaratória de

constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; finalmente, criou a argüição de

descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição (artigo 102, parágrafo 1º),

surgindo, posteriormente, a Lei nº 9.982, de 03 de dezembro de 1999, para dispor sobre o

respectivo processo e julgamento, lembrando ainda, que em 10 de novembro do mesmo ano,

entrou em vigor a Lei nº 9.868, que veio regular o processo e o julgamento, perante o Supremo

Tribunal Federal, da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de

constitucionalidade.

Page 28: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

O Estado brasileiro resolveu adotar um sistema misto – também denominado de eclético –

de controle jurisdicional61 de constitucionalidade das leis e atos normativos, onde convivem,

harmoniosamente, o sistema americano e o sistema europeu ou austríaco, com algumas

particularidades.

Relativamente ao sistema de controle de constitucionalidade adotado sob a égide da

Constituição da República Federativa do Brasil em vigor, de 05 de outubro de 1988, tem ela

também o color misto ou eclético, abrindo espaço, reiterando o já dito anteriormente, tanto para o

controle difuso como para o controle concentrado, podendo ser classificada, de acordo com a

tipologia já traçada antes (cf. 2.4.4, retro), da forma que segue:

a) Quanto à natureza, pode ser jurisdicional (igualmente denominado judiciário ou

judicial) e político.

O poder de controlar a constitucionalidade entre uma lei ou ato e as regras constitucionais,

a fim de verificar se há concordância entre eles, é conferido privativamente a órgãos integrados

no Poder Judiciário, através dos tribunais, ou do próprio Supremo Tribunal Federal, e a qualquer

juiz de direito exercendo a função jurisdicional, ao apreciar e resolver os litígios eventualmente

submetidos ao seu conhecimento, deixando de aplicar a lei ou ato se contrariar a Constituição,

seja diretamente, violando o texto expresso da Carta, seja indiretamente, quando incompatível

com o seu espírito ou sistema. Inspira-se no modelo criado nos Estados Unidos da América,

como conseqüência jurisprudencial na ausência de previsão constitucional expressa.

Por outro lado, o ordenamento jurídico brasileiro consagra também o controle político das

leis (levado a efeito pelos demais Poderes da República), através de fiscalização que integra o

próprio iter de formação legislativa. Tal controle é realizado tanto pelo Poder Legislativo, com as

Comissões Permanentes de Constituição e Justiça da Câmara ou do Senado – que têm como

atribuição o exame, em termos formais, da adequação do texto legal em trâmite aos ditames

constitucionais (artigo 58) –, quanto pelo Poder Executivo, quando o respectivo chefe – o

Presidente da República – veta o projeto de lei por entendê-lo inconstitucional, a partir da análise

da constitucionalidade não apenas no tocante ao aspecto formal, mas também em termos de

mérito, tendo em vista o interesse público (artigo 66, parágrafo 1º).

61 . A natureza do controle de constitucionalidade no Brasil é unicamente jurisdicional. De acordo com RAMOS, citando CAVALCANTI e BUZAID, “No Brasil não cabe à ‘Administração apreciar e decretar a inconstitucionalidade das leis, sendo essa tarefa específica do Poder Judiciário’. ‘Essa é a solução do problema da inconstitucionalidade das leis’”, apud RAMOS, Dircêo Torrecillas. Controle de constitucionalidade por via de ação. São Paulo: WVC, 1998, p.22. CAVALCANTI, Themístocles Brandão, In: BUZAID, Alfredo. Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958, p.42.

Page 29: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

b) Quanto ao momento, pode ser preventivo (ou prévio) e repressivo (ou posterior).

O controle é dito preventivo ou prévio quando exercido sobre o processo legislativo pelas

Comissões Permanentes de Constituição e Justiça, no Poder Legislativo, no tocante à edição de

duas espécies normativas – medidas provisórias (artigo 62) e leis delegadas (artigo 68, cc. artigo

49, inciso V) – e posteriormente, pelo Chefe do Poder Executivo, cujo veto (presidencial) pode

ter fundamento político ou jurídico, conquanto entenda, respectivamente, que o projeto de lei não

se coaduna com o interesse público ou não vai ao encontro das exigências constitucionais.

Contudo, o veto é relativo na medida em que o Congresso Nacional pode rejeitá-lo pelo voto da

maioria absoluta dos deputados e senadores, conforme dispõe o artigo 66 da Constituição

Federal.

Por sua vez, o controle é repressivo ou posterior quando realizado após a promulgação da

lei. No Brasil, essa espécie é exercida por dois meios, que assumem denominações próprias, a

saber: a via de exceção62 (ou de defesa), a qual faculta ao Poder Judiciário, seja através de um juiz

singular, seja por meio de um tribunal, declarar, em um caso concreto, no curso de uma ação,

por via incidental (incidenter tantum), a inconstitucionalidade de leis e de outros atos normativos

do Poder Público quando estes discordarem de preceitos e princípios constitucionais, a fim de

solucionar o litígio entre as partes, e a via de ação, permitindo a um órgão especial – o Supremo

Tribunal Federal – a declaração de inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo do

poder público, cuja questão é o objeto principal da ação, tendo como objetivo expurgar do

sistema a lei ou ato que o contrarie, independentemente de interesses pessoais ou materiais.

É o sistema adotado pelo Brasil desde a sua primeira Constituição republicana, embora

hoje exista, também, o controle preventivo.

c) Quanto ao processo, pode ser incidental e principal.

O controle é incidental quando o Poder Judiciário acolhe a alegação de

inconstitucionalidade surgida incidentalmente em qualquer processo, ou seja, há um litígio

constitucional, mas limitado à questio iuris da legitimidade da lei. Trata-se de uma questão

acidental, isto é, o requerimento de declaração de inconstitucionalidade é realizado no curso de

determinado feito, cuja análise se efetivará nesse caso concreto. É o controle concreto in casu.

62 . GRIONOVER, Ada Pellegrini. O processo em sua unidade. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.154, apud VELOSO, Zeno, op. cit., p.40. A despeito de já se achar difundida a utilização da expressão “por via de exceção” para denominar o meio difuso do controle repressivo de constitucionalidade, ela é equívoca. A respeito, alerta a Professora GRINOVER: “Quando se fala em exceção, o que se indica é a defesa oposta pelo réu. Essa nomenclatura, no entanto, não é adequada ao controle de constitucionalidade pelo sistema difuso, por via da denominação exceção, porque nem sempre será o réu quem levantará a questão da inconstitucionalidade”.

Page 30: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

Já o controle é principal quando compete ao órgão máximo do Poder Judiciário – o

Supremo Tribunal Federal – decidir sobre a constitucionalidade da lei em tese, da lei per si, isto

é, existe uma ação constitucional e um só litígio, no qual a inconstitucionalidade da lei é a lide.

Nesse caso, a inconstitucionalidade é a própria questão principal submetida ao crivo daquele

órgão jurisdicional, ou seja, a inconstitucionalidade é o objeto da lide. É o controle em tese ou

abstrato.

d) Quanto à competência, pode ser difuso e concentrado.

É difuso quando a competência para exercer o controle de constitucionalidade se difunde

por todos os juízes e tribunais, ressaltando que a qualquer juiz ou tribunal, inclusive à Corte

Maior, é dado apreciar, in casu, concretamente, a alegação de inconstitucionalidade, com

competência para decidir sobre todas as questões, de fato e de direito, suscitadas no processo, no

âmbito das suas jurisdições, implicitando, aí, portanto, as questões de direito constitucional.

Ao seu turno, o controle é concentrado quando a competência para julgar a questão de

constitucionalidade se concentra em órgão único, com atribuição exclusiva de apreciar e decidir

sobre a constitucionalidade das leis, através de ações especiais. Esse órgão é o Supremo Tribunal

Federal, ao qual incumbe, privativamente e originariamente, o processo e o julgamento das

representações de inconstitucionalidade, em tese, in abstrato, de lei e ato normativo federal,

estadual ou distrital63 em confronto à Constituição Federal e das representações de

constitucionalidade, igualmente em tese, de lei ou ato normativo federal (artigo 102, inciso I,

alínea a), assim como pela omissão daqueles mesmos órgãos de poder, gerando a inefetividade da

norma constitucional (artigo 103, parágrafo 2º). Ainda, necessário registrar que não cabe à

referida Corte processar e julgar as representações de inconstitucionalidade de atos normativos

estaduais em confronto à Constituição do Estado-membro, cuja competência é atribuída aos

órgãos de Poder do Estado em questão (artigo 125, parágrafo 2º).

e) Quanto ao alcance subjetivo, pode ser “inter partes” e “erga omnes”.

É inter partes quando os efeitos da decisão alcançam somente os litigantes no processo,

não beneficiando senão a quem for parte na demanda em que se reconhecer a

63 . Ao Distrito Federal são atribuídas, consoante o artigo 32, parágrafo 1º, da Constituição da República do Brasil, as competências legislativas reservadas aos estados e municípios. Assim, detém ele as competências residuais, conferidas aos Estados-membros (artigo 25, parágrafo 1º). No âmbito da competência concorrente, pode o Distrito Federal legislar sobre as matérias elencadas no artigo 24, além das competências municipais (artigo 30). Desta feita, em editando lei ou ato – distrital – no exercício de competência estadual, cabível será o processo e o julgamento de representação de inconstitucionalidade em tese, in abstrato, da respectiva espécie normativa.

Page 31: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

inconstitucionalidade, o que ocorrerá quando o caso concreto for julgado por juiz singular ou por

tribunal de segundo grau.

É erga omnes na medida em que os efeitos da decisão alcancem todos, partes ou não no

processo, eliminando, por conseguinte, qualquer eventual possibilidade de aplicação futura do ato

já reconhecido como inconstitucional, fato que se vislumbrará no momento em que a lei em tese

for assim julgada pela Suprema Corte brasileira, ou quando a lei eivada de inconstitucionalidade

suscitada incidentalmente e apreciada pelo Supremo em grau de recurso (artigo 102, inciso II,

alíneas a e b, e inciso III, alíneas a, b e c) vier a ser suspensa pelo Senado Federal (artigo 52,

inciso X).

f) Quanto ao alcance objetivo-temporal, pode ser ex tunc, ex nunc ou pro futuro.

Ex tunc, quando os efeitos da decisão são retroativos, isto é, retroagem ao momento da

criação da lei. No que tange ao caso concreto, a declaração de inconstitucionalidade fulmina a

relação jurídica fundada na lei inconstitucional desde o seu nascimento. No entanto, a lei

continua eficaz e aplicável a outros eventuais casos, até que o Senado Federal suspenda, no todo

ou em parte, a sua executoriedade (artigo 52, inciso X), porém com efeitos somente a partir da

data da publicação da decisão desse órgão legislativo, isto é, a norma verificada como

inconstitucional tem retirada a sua eficácia jurídica apenas a partir de então. Já em se tratando de

lei em tese, o entendimento por parte do órgão de cúpula do Judiciário brasileiro de que a mesma

é inconstitucional tem o efeito imediato de eliminar a eficácia e retirar a aplicabilidade dessa lei

no ordenamento jurídico brasileiro, vez que é declarada nula desde a sua edição.

Ex nunc, quando os efeitos da decisão são válidos somente a partir de sua publicação.

Portanto, havendo decisão do Poder Judiciário – juiz ou tribunal – em um caso concreto

declarando a inconstitucionalidade de uma lei, somente a partir da publicação da sentença ou

acórdão é que os seus efeitos são válidos, e somente para as partes nesse caso. Por outro lado, em

se tratando de resolução do Senado Federal, suspendendo, no todo ou em parte, a execução de lei

declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em grau de recurso, os efeitos surtidos

também serão válidos a partir da data da publicação daquele ato legislativo, porém alcançando a

todos, partes ou não no processo em que se originou a relação jurídica.

Pro futuro, quando os efeitos da decisão são impedidos desde um determinado momento,

que vem estabelecido no acórdão. Possibilita-se, assim, por parte do Supremo Tribunal Federal, a

Page 32: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

restrição do alcance de sua decisão ou, então, a decisão do momento em que a mesma terá

eficácia (cf. 5.2.1, “i”, infra).

g) No tocante ao alcance objetivo-material, pode ser material e formal.

Material, quando alcança aspectos materiais, isto é, quando a espécie normativa

infraconstitucional discrepar dos princípios explícitos e implícitos na Carta Magna.

Formal, quando alcança aspectos formais, ou seja, caso o modo de elaboração da norma

legal desacorde com a Constituição.

Destarte, face ao exposto já é possível revelar o desenho do modelo de controle de

constitucionalidade brasileiro em vigor.

O modelo de controle de constitucionalidade brasileiro é misto, combinando o sistema de

controle difuso, de inspiração norte-americana, com o sistema de controle concentrado, de origem

austríaca. No sistema norte-americano, originário da célebre e sempre reproduzida decisão do

juiz John Marshall, em 1803, e instituído no sistema brasileiro com a primeira Constituição

republicana, em 1891, a apreciação de argüição de inconstitucionalidade é suscitada na via

incidental, invocada para fins de defesa, pela parte a quem aproveita, no âmbito do processo em

que se discute o caso concreto. Diz-se difuso porque fica a cargo de todo e qualquer órgão

jurisdicional singular ou coletivo. A declaração da inconstitucionalidade tem seus efeitos restritos

às partes, permanecendo a lei eficaz e aplicável às demais relações jurídicas não submetidas ao

crivo do Judiciário, salvo se (e quando) tiver sua executoriedade suspensa pelo Senado Federal.

O sistema concentrado ou direto, proveniente da concepção de Hans Kelsen e positivado

pioneiramente na Constituição austríaca de 1920, foi introduzido no Brasil pela Emenda

Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965. Neste sistema, a apreciação da

inconstitucionalidade da norma faz-se em tese, por órgão único, constitucionalmente designado –

o Supremo Tribunal Federal. O rol de legitimados, também constitucionalmente estipulado, é

restrito e exaustivo. A declaração de inconstitucionalidade pela via direta produz eficácia erga

omnes, tendo o efeito concreto de extirpar do ordenamento jurídico a norma portadora do vício da

inconstitucionalidade.

CONCLUSÕES

1. O controle de constitucionalidade é um mecanismo de auto-proteção da Constituição

de um país, através do qual permite-se o reconhecimento, mesmo em tese, da

Page 33: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

inconstitucionalidade das leis e atos que a contrariem, constituindo, assim, uma

verdadeira garantia ao Estado de Direito e à própria federação.

2. Esse controle surge diante da necessidade de se criar instrumentos de salvaguarda da

Lei Maior, tendo em vista a supremacia da Constituição sobre as espécies normativas

que se situam hierarquicamente em patamares inferiores.

3. Somente nos Estados dotados de Constituição escrita e rígida é que se pode falar em

garantia da compatibilidade da hierarquia das normas e sua adequação à Lei

Fundamental (constitucional), na medida em que se acha estabelecida uma forma

diferenciada entre as leis constitucionais e as leis ordinárias.

4. Atualmente há no mundo jurídico, dois grandes modelos de controle de

constitucionalidade: o europeu (ou austríaco), desenvolvido por Hans Kelsen e

positivado na Constituição da Áustria de 1º de outubro de 1920, com a lei de reforma

constitucional de 1929, e o americano, solidificado com a jurisprudência norte-

americana, notadamente no julgamento do caso Marbury versus Madison, em 1803,

com o voto vencedor do Chief of Justice John Marshall.

5. O controle de constitucionalidade pode ser enfocado sob seis critérios: a) quanto à

natureza (político ou jurisdicional); b) quanto ao momento (preventivo ou repressivo);

c) quanto ao processo (incidental ou principal); d) quanto à competência (difuso ou

concentrado); e) quanto ao alcance subjetivo (“inter partes”ou “erga omnes”); f)

quanto ao alcance objetivo-temporal (“ex tunc”, “ex nunc” ou “pro futuro”); g)

quanto ao alcance objetivo-material (material ou formal).

6. Sob a égide da Constituição Republicana de 5 de outubro de 1988, o controle de

constitucionalidade de leis e atos normativos no Brasil ocorre através de um sistema

que combina os métodos difuso e concentrado. Há, portanto, a possibilidade de se

argüir a inconstitucionalidade como incidente procedimental, por via de exceção,

devendo o juiz decidi-la. Os efeitos têm eficácia ex tunc, somente ao caso julgado, in

concreto, permanecendo aplicável a lei considerada inconstitucional até decisão

definitiva do Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário, quando, então, o

Senado Federal poderá suspender a sua executoriedade, retirando-lhe a eficácia, com

efeitos erga omnes e ex nunc.

Page 34: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Controle de constitucionalidade de leis e atos

normativos. São Paulo: Dialética, 1997.

ARISTÓTELES. Politique. (Texto apresentado e anotado por Marcel Prélot.) liv.III, cap.X,

Paris: Presses Universitaires de France, 1950.

BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Trad. de José Manuel M. Cardoso

da Costa. Coimbra: Atlântida, 1977.

BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. A teoria das constituições rígidas. 2ªed. São

Paulo: José Bushatsky Editor, 1980.

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4ªed. São Paulo:

Saraiva, 2001.

BASTOS, Celso Seixas Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20ªed. São Paulo: Saraiva,

1999.

BITTENCOURT, Lúcio. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. Rio de

Janeiro: Forense, 1949.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. de Maria Celeste L. Cordeiro dos

Santos. 6ªed. Brasília: UnB, 1995.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,

DF: Senado, 1988.

BRYCE, James. Studies in history and jurisprudence. v.1. New York: Essay, 1901.

BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às

naves espaciais. 38ªed. São Paulo: Globo, 1997.

BUZAID, Alfredo. Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito

brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958.

CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Todas as constituições do Brasil.

11ªed. São Paulo: Atlas, 1994.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7ªed. Coimbra: Almedina, 2003.

CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito

comparado. Trad. de Aroldo Plínio Gonçalves. 2ªed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1992.

Page 35: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Trad.

de Lydia Christina. 4ªed. Rio de Janeiro: Agir, 1989.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de direito e Constituição. 2ªed. São Paulo:

Saraiva, 1999.

FERREIRA, Luís Pinto. Princípios gerais do direito constitucional moderno. 6ªed. v.1. São

Paulo: Saraiva, 1983.

GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em sua unidade – II. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

HANSEN, Mogens Herman. La democratie athenienne à L’époque de Démosthène. Paris:

Les Belles Lettres, 1993.

HESSE, Konrad. Concepto y cualidad de la Constitución. In: Escritos de derecho

constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983.

JAGUARIBE, Helio. A democracia de Péricles, a democracia grega. Brasília: UnB, 1982.

KELSEN, Hans. General theory of law and state. New York: Russel & Russel, 1961.

__________. Teoria pura do direito. Trad. de João Baptista Machado. 6ªed. 4ºt. São Paulo:

Martins Fontes, 2000.

LOCKE, John. Ensaio sobre o governo civil. p.101-116. In: CHEVALLIER, Jean-Jacques. As

grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Trad. de Lydia Christina. 4ªed. Rio de

Janeiro: Agir, 1989.

LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. Trad. de Alfredo Gallego Anabitarte. 2ªed.

Barcelona: Ariel, 1986.

MONTESQUIEU. Do espírito das leis. v.1. liv.XI. cap.VI. São Paulo: Nova Cultural, 1997.

p.199-229. (Coleção Os pensadores).

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 6ªed. São Paulo: Atlas, 1999.

POLETTI, Ronaldo Rebello de Brito. Controle de constitucionalidade das leis. 2ªed. Rio de

Janeiro: Forense, 2000.

RAMOS, Dircêo Torrecillas. Controle de constitucionalidade por via de ação. São Paulo:

WVC, 1998.

REPETTO, Raúl Bertelsen. Control de constitucionalidad de la ley. Santiago: Editorial

Jurídica, 1969.

RESENDE DE BARROS, Sérgio. A inconstitucionalidade por omissão. Aula Curso de Pós-

Graduação do CESUP (Aula). São Paulo: CESUP, 1990. 34p.

Page 36: O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/140907.pdf · Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do ... o modelo do controle

__________. Controle de constitucionalidade. Apostila para o Programa de Mestrado em

Direito da Universidade Metodista de Piracicaba. Piracicaba: Unimep, 2000. 35p.

__________. Controle de constitucionalidade: proposta de simplificação. Revista da

Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. n.54, p.21-44, São Paulo: PGE, dez. 2000.

__________. Liberdade e contrato: a crise da licitação. 2.ed. Piracicaba: Unimep, 1999. 215p.

__________. O nucleamento do direito constitucional. Revista Impulso. v.10. n.21. p.107-114.

Piracicaba: Unimep, out. 1997.

RUFFÌA, Paolo Biscaretti. Introduzione al diritto constituzionale comparato. 3ªed. Milano: A.

Giuffre, 1974.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18ªed. São Paulo: Malheiros,

2000.

SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. A evolução do controle de constitucionalidade e a

competência do Senado Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 14ªed. São Paulo: Malheiros, 2000.

VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2ªed. Belo Horizonte: Del

Rey, 2000.