Organizao

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NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO NA MÚSICA CATÓLICA DOS SÉCULOS XVIII E XIX: IMPLICAÇÕES ARQUIVÍSTICAS E EDITORIAIS Paulo CASTAGNA * CASTAGNA, Paulo. Níveis de organização na música católica dos séculos XVIII e XIX. I COLÓQUIO BRASILEIRO DE ARQUIVOLOGIA E EDIÇÃO MUSICAL. Mariana, Coordenadoria de Cultura e Artes da UNI-BH, Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana, 18 a 20 de julho de 2003. Mariana: Coordenadoria de Cultura e Artes da UNI-BH, Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana, 2004. (no prelo) RESUMO. Neste trabalho pretende-se, inicialmente, discutir a diferença entre Unidade Documental e Unidade Musical na música religiosa manuscrita dos séculos XVIII e XIX presente em acervos brasileiros e, posteriormente, estudar os níveis de organização de cada uma dessas unidades. Para a primeira dessas unidades serão discutidos os níveis de Grupo, Conjunto e Parte, enquanto para a segunda os níveis de Unidade Cerimonial, Unidade Funcional e Seção, além do nível mais complexo de Unidade Musical Permutável. Tais conceitos possuem implicações arquivísticas, musicológicas e editoriais, sendo já aplicados na reorganização e catalogação de alguns acervos brasileiros. Essas idéias serão particularmente discutidas em relação à música para a Quaresma (principalmente a Semana Santa), justamente aquela que apresenta os problemas mais complexos em relação aos níveis de organização. 1. Introdução No tratamento dos acervos brasileiros de manuscritos musicais e, especialmente, nos catálogos até agora publicados, vêm surgindo vários problemas de ordem metodológica, referentes aos critérios de individualização das unidades documentais e das unidades musicais. Embora este trabalho esteja mais voltado à discussão dessas questões dentro da arquivologia musical, tais aspectos possuem profundas implicações na musicologia e na edição musical, especialmente na segunda, uma vez que a edição de uma obra necessariamente a individualiza, seja qual for o critério adotado. Em outras palavras, trata-se de responder a duas distintas questões: 1) qual a diferença entre composição musical e manuscrito musical; 2) onde começa e onde termina uma composição musical. Embora tais problemas mereçam uma discussão semelhante no âmbito da música profana, é em torno da música religiosa que surgem as principais questões relacionadas aos critérios de individualização e que, portanto, nortearão este trabalho. * Instituto de Artes da UNESP (São Paulo - SP).

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  • NVEIS DE ORGANIZAO NA MSICA CATLICA DOS SCULOS XVIIIE XIX: IMPLICAES ARQUIVSTICAS E EDITORIAIS

    Paulo CASTAGNA*

    CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII eXIX. I COLQUIO BRASILEIRO DE ARQUIVOLOGIA E EDIOMUSICAL. Mariana, Coordenadoria de Cultura e Artes da UNI-BH, Secretaria deEstado da Cultura de Minas Gerais, Fundao Cultural e Educacional daArquidiocese de Mariana, 18 a 20 de julho de 2003. Mariana: Coordenadoria deCultura e Artes da UNI-BH, Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais,Fundao Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana, 2004. (no prelo)

    RESUMO. Neste trabalho pretende-se, inicialmente, discutir a diferena entre Unidade Documental eUnidade Musical na msica religiosa manuscrita dos sculos XVIII e XIX presente em acervos brasileirose, posteriormente, estudar os nveis de organizao de cada uma dessas unidades. Para a primeira dessasunidades sero discutidos os nveis de Grupo, Conjunto e Parte, enquanto para a segunda os nveis deUnidade Cerimonial, Unidade Funcional e Seo, alm do nvel mais complexo de Unidade MusicalPermutvel. Tais conceitos possuem implicaes arquivsticas, musicolgicas e editoriais, sendo japlicados na reorganizao e catalogao de alguns acervos brasileiros. Essas idias sero particularmentediscutidas em relao msica para a Quaresma (principalmente a Semana Santa), justamente aquela queapresenta os problemas mais complexos em relao aos nveis de organizao.

    1. Introduo

    No tratamento dos acervos brasileiros de manuscritos musicais e, especialmente,nos catlogos at agora publicados, vm surgindo vrios problemas de ordemmetodolgica, referentes aos critrios de individualizao das unidades documentais edas unidades musicais. Embora este trabalho esteja mais voltado discusso dessasquestes dentro da arquivologia musical, tais aspectos possuem profundas implicaesna musicologia e na edio musical, especialmente na segunda, uma vez que a edio deuma obra necessariamente a individualiza, seja qual for o critrio adotado.

    Em outras palavras, trata-se de responder a duas distintas questes: 1) qual adiferena entre composio musical e manuscrito musical; 2) onde comea e ondetermina uma composio musical. Embora tais problemas meream uma discussosemelhante no mbito da msica profana, em torno da msica religiosa que surgem asprincipais questes relacionadas aos critrios de individualizao e que, portanto,nortearo este trabalho.

    * Instituto de Artes da UNESP (So Paulo - SP).

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    Em 1999, no III Simpsio Latino-Americano de Musicologia, j havia mereferido a seis questes metodolgicas que permeavam a organizao e catalogao demsica religiosa dos sculos XVIII e XIX em acervos brasileiros de manuscritosmusicais, a saber:1

    1) a concepo de obras cristalizadas no momento de sua composio2) a concepo de um manuscrito original3) a funo cerimonial das composies4) a unidade funcional nos manuscritos5) a utilizao de frontispcios de manuscritos ou designaes funcionais como

    ttulos das composies6) a necessidade de atribuio autoria s composies

    Em 2000, expandi o quarto item em minha tese de doutorado,2 o que permitiu oestabelecimento de critrios de catalogao baseados em nveis de organizaodocumentais e musicais que, depois de terem sido aplicados pela primeira vez naorganizao da Srie manuscritos Musicais Avulsos dos Sculos XVIII e XIX doarquivo da Cria Metropolitana de So Paulo, que passaram a ser utilizados nareorganizao e catalogao da hoje denominada Coleo D. Oscar de Oliveira doMuseu da Msica de Mariana.

    Foi durante esse processo de reorganizao e catalogao, no qual adotamos,entre outros, os critrios do RISM - Rpertoire International des Sources Musicales -que se percebeu que tais normas foram idealizadas com base principalmente na msicaprofana e que, portanto, no resolvia boa parte dos problemas verificados na msicareligiosa. O fato de o RISM ser um projeto europeu tambm acarreta vrias limitaesem sua utilizao, uma vez que suas normas no atendem as caractersticas especficasdos manuscritos brasileiros.

    A soluo de tais problemas comeou a surgiu apenas quando foi levada emconsiderao a existncia de nveis de organizao documental e musical implcitos nomaterial catalogado. Em funo da pequena divulgao que tiveram at agora oscritrios de catalogao baseados nos nveis de organizao, mas tambm de sua prpria

    1 CASTAGNA, Paulo. Reflexes metodolgicas sobre a catalogao de msica religiosa dos sculos

    XVIII e XIX em acervos brasileiros de manuscritos musicais. III SIMPSIO LATINO-AMERICANODE MUSICOLOGIA, Curitiba, 21-24 jan.1999. Anais. Curitiba: Fundao Cultural de Curitiba, 2000.p.139-165.2 CASTAGNA, Paulo. O estilo antigo na prtica musical religiosa paulista e mineira dos sculos XVIII e

    XIX. Tese (doutorado). So Paulo: Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de SoPaulo, 2000. 3v.

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    necessidade de discusso e aperfeioamento, parece-me oportuno voltar a abord-los,agora de forma um pouco mais aprofundada.

    Para a discusso sobre os nveis de organizao, a primeira tarefa oestabelecimento da diferena que existe entre manuscrito musical e composiomusical. O manuscrito musical um suporte fsico, um documento,3 que no possuinecessariamente uma nica obra, nem uma obra completa e, muitas vezes, no possuimsica de um nico autor.

    Existem muitos casos em que um determinado documento, pelo intensomanuseio e desgaste, rasga-se ao meio ou suas folhas se desprendem, porm somenteuma das duas metades encontrada. Trata-se, ento, de um documento, ou de meiodocumento? E se, porventura, a metade perdida localizada, as duas metades, quepoderiam ter sido consideradas dois documentos, ao juntar-se tornam-se um nicodocumento? E ainda mais, se duas folhas com duas obras diferentes so juntadas ecosturadas, temos um nico documento ou um documento duplo?

    Por essas razes, no existe, principalmente na msica religiosa, uma necessria

    identidade entre composio e manuscrito musical. Em lugar dessa identidade, fundamental reconhecer a existncia de duas categorias arquivsticas distintas em ummesmo objeto: uma delas o manuscrito, o documento, o suporte fsico, enquanto aoutra a composio, a pea, a obra musical. Confundir as duas categorias o mesmoque confundir o barco com o barqueiro, o cavalo com o cavaleiro, o piloto com o carro.

    Explorando essa analogia, para participarem de uma corrida automobilstica,piloto e carro necessitam estar associados, mas possuem particularidades bastantedistintas. Alm disso, alguns pilotos podem usar seus carros titulares ou suas cpias(denominadas carros-reserva), sem contar o fato de poderem trocar de equipe e passar apilotar um carro de marca diferente. Mas apesar dessas trocas, o piloto sempre mantmsua individualidade enquanto piloto, sempre ser reconhecido por essa individualidade esempre ser chamado pelo mesmo nome. Nessa analogia, o piloto equivale composio e o carro equivale ao manuscrito. Assim, a relao dos participantes de umadeterminada corrida pode ser feita pelo nome do piloto ou pelo nmero do carro, assimcomo de um determinado acervo podem ser relacionados os manuscritos musicais ou ascomposies que estes contm.

    3 Documento, neste trabalho, qualquer manuscrito, musical ou no, que perdeu o significado funcional e

    assumiu significado histrico.

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    Assumindo, portanto, a existncia dessas duas categorias, acredito que ocatlogo de um acervo de manuscritos musicais possa ser realizado a partir de duasvises distintas: 1) um catlogo de manuscritos; 2) um catlogo de obras. Como essasduas categorias, apesar de sua distino, manifestam uma inevitvel dependncia, umavez que no existe obra escrita sem um suporte, e um suporte sem msica no far partede um catlogo musical, perfeitamente possvel produzir um catlogo de manuscritosque explicite as obras que cada um deles possui, assim como um catlogo de obras queindique com preciso quais os manuscritos em que tais obras foram registradas.

    De maneira geral, os catlogos de obras religiosas que tm sido publicados noBrasil desde a dcada de 1960 misturam as duas categorias, apresentando unidades dedescrio que ora se referem obra e ora se referem ao documento ou manuscrito. Essaindeciso metodolgica, que somente corrobora a existncia das duas categorias,transfere para o consulente um problema que o arquivista ou musiclogo no consegueresolver, criando uma confuso s vezes insolvel sem a consulta das prprias fontes.

    2. Nveis de organizao documental

    O copista que registrava msica manuscrita para um coro, no estava,necessariamente, preocupado com a unidade composicional do manuscrito. Existia umapraticidade na organizao de tais cpias, que nem sempre resultava na individualizaodas composies ali presentes. Observe-se que no est em discusso, aqui, a tipologiadas fontes manuscritas (autgrafos, apgrafos, apcrifos, cpias, etc.), mas sim os seusnveis de organizao, pelos quais se pode saber o que est contido no que e o quecontm o que.

    O conceito de nvel de organizao aqui utilizado est baseado nos assimdenominados nveis de organizao biolgica. Tais nveis representam conjuntos quecontm conjuntos menores, os quais contm conjuntos ainda menores, em umaprogresso teoricamente infinita. Para os bilogos, todos os serem vivos estruturam-seem nveis de organizao, de tal maneira que clula, tecido, rgo, sistema e organismoconstituem cinco nveis de organizao, citados do menor para o maior, enquantoclulas, organelas celulares, molculas, tomos e partculas subatmicas tambmconstituem cinco nveis de organizao, agora citados do maior para o menor.

    Assim, no plano arquivstico-musical, possvel reconhecer trs nveis bsicosde organizao, do mais simples para o mais complexo:

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    1) partes2) conjuntos3) grupos

    A parte um documento com msica para uma nica voz, instrumento ou naipe(conjunto de vozes ou instrumentos) e no deve ser confundido com partitura. No casode naipes (geralmente instrumentais), como o das flautas, trompas, obos, etc., odocumento pode eventualmente conter msica para dois ou mais instrumentos, mascontinuar a ser denominado parte. Quando a parte contiver msica para um naipe, assiglas empregadas podem indicar, em algarismos romanos unidos por hfen, o nmerode instrumentos. Para uma parte com duas flautas (flauta I e flauta II), por exemplo, asigla adotada pode ser fl I-II, mas no caso de partes separadas de flauta I e flauta II, amelhor referncia fl I, fl II. Existem casos em que um manuscrito musical no est

    organizado em partes, mas sim em uma partitura, que passa a ser o seu menor nvel deorganizao documental.

    O conjunto, por sua vez, uma unidade documental correspondente totalidadedas partes vocais e/ou instrumentais referentes (s) mesma(a) obra(s), elaboradas porum mesmo copista e em uma mesma poca. O conjunto o sistema bsico de refernciana classificao dos documentos musicais, podendo ser aplicado tambm a umapartitura, caso especial em que se fundem dois nveis de organizao.4 Para acentuarsua preciso, pode ser usado na forma conjunto de partes. As siglas que esto sendoadotadas na numerao dos conjuntos so C-1 (conjunto 1), C-2 (conjunto 2), etc.,empregando-se C-Un para designar o conjunto nico.

    O grupo, finalmente, uma reunio de conjuntos que possuem a mesma msica,ou de conjuntos que compartilham obras entre si, podendo ter ainda outrascaractersticas comuns (para acentuar sua preciso, pode ser empregado na forma grupode conjuntos). Um grupo pode at reunir conjuntos copiados pelo mesmo copista, pormem pocas diferentes, ou que exibam caractersticas documentais muito diferentes.

    somente pelo reconhecimento desses nveis de organizao documentais quese pode, por exemplo, separar e indicar com preciso as diferentes cpias - e, portanto,conjuntos - que contm uma determinada obra, cada um deles com seu copista, seu local

    4 A partitura um documento musical, no qual as partes vocais e/ou instrumentais esto superpostas,

    permitindo a apreciao da msica como um todo, como freqente, por exemplo, entre os autgrafospreservados de Andr da Silva Gomes em So Paulo e Jos Maurcio Nunes Garcia no Rio de Janeiro.

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    de cpia, sua data, seu ttulo ou frontispcio. A reunio de todos esses conjuntos quecontm a mesma obra ou as mesmas obras , portanto, o grupo, que representa a maiorunidade de descrio documental em um catlogo.

    Para facilitar a visualizao desses nveis de organizao, podemos represent-los no diagrama 1, no qual as partes aparecem dentro dos conjuntos e os conjuntosdentro dos grupos.

    Diagrama 1. Nveis de organizao documental (G = Grupo; C = Conjunto; P = Parte)

    G-1C-1 C-2

    S A S A

    T B T B

    Em um sistema baseado na utilizao de partes vocais e instrumentais, oconjunto o resultado da elaborao de todas as partes de uma obra por umdeterminado copista, independente de terem sido essas partes compostas pelo autor daobra ou acrescentadas por esse copista. O que o arquivista tem diante de si umconjunto de partes elaboradas pelo mesmo copista na mesma poca, que, alm damsica composta por um determinado autor, reflete os acrscimos, supresses e demaisinterferncias do copista.

    O grupo, por sua vez, inicialmente resultou da elaborao de novos conjuntos, apartir da cpia de conjuntos mais antigos, pelo mesmo copista ou por copistasdiferentes. Sua funo foi a de copiar msica pertencente a outra pessoa, com afinalidade de us-la profissionalmente, ou ento renovar um conjunto envelhecido edanificado, pertencente a uma mesma pessoa, ou at mesmo produzir cpias de umamsica para venda ou presente. s vezes conjuntos diferentes de uma mesma obra,elaborados por copistas diversos em diferentes locais e pocas acabaram sendo juntadospor um determinado msico ou mesmo pelo arquivista, figurando lado a lado em umdeterminado acervo, dentro do mesmo grupo. Existe at mesmo o caso de peas cujaspartes foram copiadas por discpulos de um determinado mestre e posteriormente

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    juntadas por este, como parece ter ocorrido em papis do Grupo de Mogi das Cruzes,cpias de composies predominantemente portuguesas elaboradas em Mogi das Cruzes(SP), provavelmente na dcada de 1730.5

    Minha opinio, na organizao dos acervos de manuscritos musicais, tem sido ade reunir, sempre que possvel e conveniente, os conjuntos pertencentes a um mesmogrupo dentro de um determinado fundo documental, pois esse arranjo permite maiorpraticidade na consulta dos documentos. Muitas vezes, os antigos proprietrios dearquivos musicais j possuam o costume de justapor conjuntos diferentes com asmesmas obras e at de costurar conjuntos diferentes, criando grupos de conjuntos emum arquivo ainda funcional. Em casos mais raros, apenas uma parte de um conjunto erasubstituda por uma nova cpia, obrigando o arquivista a posicion-la em um segundoconjunto, apesar de, funcionalmente, ter sido mantida pelo msico junto ao primeiroconjunto.

    Obviamente, na organizao de um acervo de manuscritos musicais fundamental atentar-se ao princpio de respeito aos fundos, mas quando no existe umaordem intencional, ou quando os documentos esto visivelmente embaralhados, oorganizador deve reunir e descrever os conjuntos correspondentes a um mesmo grupo,dentro de um determinado fundo documental, para dar ao acervo uma organicidade euma praticidade de consulta que o mesmo no possua antes dessa organizao. Evitar areunio dos conjuntos em um mesmo grupo dentro de um mesmo fundo no umprocedimento tico nem cientfico, mas um desvio metodolgico, sem qualquerfundamentao prtica ou terica.

    3. Nveis de organizao musical

    Independente dos nveis de organizao documental, a msica religiosa catlica,nos sculos XVIII e XIX, foi nitidamente estruturada em pelo menos trs nveis deorganizao musical, do maior para o menor, embora adiante mencionarei a existnciade mais dois:

    1) Unidade cerimonial ou ofcio2) Unidade funcional

    5 CASTAGNA, Paulo. Uma anlise codicolgica do Grupo de Mogi das Cruzes. IV ENCONTRO DE

    MUSICOLOGIA HISTRICA, Juiz de Fora, 21-23 de julho de 2000. Anais. Juiz de Fora: CentroCultural Pr-Msica; Rio de Janeiro: Fundao Biblioteca Nacional, 2002. p.21-71.

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    3) Seo

    A Unidade cerimonial designa a cerimnia ou ofcio religioso (e a msica paraela escrita) que possui uma unidade intrnseca, tal como prescrita em um livro litrgicoou cultivada por tradio, no caso de cerimnia paralitrgica. Exemplos litrgicos so aMissa de Quinta-feira Santa, as Matinas de Sexta-feira Santa e as Laudes do SbadoSanto, enquanto exemplos paralitrgicos so a Procisso dos Passos da Quaresma, aNovena de Nossa Senhora da Conceio e a Encomendao de Almas.

    A Unidade funcional designa cada um dos textos de uma unidade cerimonial (ea msica para eles escrita) que possuem uma unidade intrnseca e uma denominaoespecfica, de acordo com os livros litrgicos ou com a tradio, no caso de unidadeparalitrgica. Exemplos litrgicos so o Intrito, o Kyrie, o Gloria e o Gradual daMissa, uma Antfona, um Salmo, uma Lio e um Responsrio de Matinas, enquantoexemplos paralitrgicos so cada um dos Motetos da Procisso dos Passos, oInvitatrio, o Hino, a Antfona e cada uma das Jaculatrias das Novenas.

    A Seo designa a msica e o texto correspondente aos menores trechos de umaunidade funcional. As sees geralmente esto divididas, nos manuscritos, por barradupla (pode ocorrer barra simples no cantocho) e podem corresponder a frases,versculos, metades de versculos, estrofes, ou mesmo a todo o texto de uma unidadefuncional. Cada seo pode conter uma nica palavra ou dezenas delas. Exemplos(referem-se aos textos e sua msica): Jesum Nazarenum, das Turbas da Paixo deSexta-feira Santa; Pupilli facti sumus, dos Versculos da primeira parte da Procissodo Enterro de Sexta-feira Santa; Jesu Redemptor omnium, do Hino das Vsperas doNatal; Gloria Patri, et Filio, et Spiritui Sancto, da Doxologia dos Salmos de HorasCannicas.

    Assim, podemos novamente utilizar um exemplo grfico para representar osnveis de organizao musicais (diagrama 2).

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    Diagrama 2. Nveis de organizao musical em composies religiosas dos sculosXVIII e XIX (UC = Unidade cerimonial; UF = Unidade Funcional; S = Seo)

    UC-1UF-1 UF-2

    S-1 S-2 S-1 S-2

    Atrs, informei que existiam mais dois nveis de organizao. Um deles possuiuma definio muito simples: em alguns casos, existe um nvel superior ao da UnidadeCerimonial ou Ofcio, quando dois deles so justapostos pela eliminao do tempo queexistiria entre as duas cerimnias, gerando o que aqui denominarei super-ofcio. ocaso do Ofcio e Missa de Domingo de Ramos (resultado da justaposio do Ofcio deRamos e da Missa de Ramos), dos Ofcios de Trevas do Trduo Pascal (resultado dajustaposio das Matinas e Laudes desses trs dias) e da Missa e Vsperas de Quinta-feira e do Sbado Santo (resultado da justaposio da Missa e das Vsperas desse dia).Esses super-ofcios surgiram da dilatao temporal de determinadas cerimnias, sendoconhecidos nos prprios livros litrgicos respectivamente como Officium et Missa inDominica Palmarum, Officium Tenebrarum e Missa et Vesperis.

    O quinto e ltimo nvel de organizao , sem dvida, o mais complexo de todose est ligado ao conceito de obra, destinado a definir onde comea e onde termina umacomposio musical dentro de uma cerimnia religiosa. Como a definio desse nvelno nada simples, teremos de levantar alguns problemas at chegar formulao dessaproposta metodolgica.

    Na msica profana, essa questo no um dilema. bem mais simples definir oincio e o final de uma sonata, de uma sinfonia, de uma cano, de uma variao, deuma dana, embora esse problema possa surgir em relao a um preldio e fuga, a umasute e a uma pera, por exemplo. Um preldio e fuga est constitudo de duas obrasdistintas ou corresponde a uma nica composio com duas unidades musicais em umnvel de organizao inferior? Uma sute, com todas suas danas, uma nicacomposio ou um conjunto de obras diferentes? Uma pera pode ser descrita como umgrande conjunto de composies distintas em forma de abertura, recitativos, rias,cabaletas, duetos, trios, coros e interldios?

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    O grau de complexidade dos problemas acima apresentados, entretanto, ainda muito pequeno na msica profana, frente ao da msica religiosa. Observe-se, porexemplo, as seguintes questes: em uma Missa, o que uma composio, o conjunto damsica utilizado para todos os textos dessa cerimnia, ou cada uma de suas unidadesfuncionais, como Kyrie, Gloria, Gradual, Ofertrio, etc.? E quando o Gloria divididoem segmentos distintos e de carter independente, como o Gloria, Laudamus, Gratias,Domine Deus, Qui tollis, Qui sedes, Quoniam e Cum Sancto Spiritu, seria cada umdeles uma composio distinta? Precipita-se quem responde no a essas questes, poisexistem muitos manuscritos em acervos brasileiros que contm apenas um Laudamus,por exemplo, que no aparece no interior de nenhum outro Gloria, devendo serconsiderado, portanto, uma composio nica e independente, em termos musicais.

    Continuando a levantar questes com base na suposio acima formulada,imagine-se que o Laudamus de um determinado compositor tenha sido descrito comouma obra autnoma, mas que no acervo surgiu um Domine Deus do mesmo autor, queutiliza os mesmos motivos meldicos, rtmicos e harmnicos do trecho anterior,caracterizando o fato de terem sido compostos para integrar o mesmo Gloria. Se os doistrechos foram concebidos como duas obras diferentes, o que representaria, ento, areunio dessas peas, j que foram conjuntamente concebidas pela mesma pessoa para amesma unidade funcional: uma super-obra, uma obra dupla? O que deve serconsiderado, portanto, a composio autnoma: a Missa, o Gloria ou o Laudamus?

    Observe-se, portanto, que j estamos diante de trs nveis diferentes deorganizao, cujo reconhecimento nem chega a ser uma novidade. Essa diviso doGloria em trechos ou segmentos diferentes recebeu um pertinente comentrio domusiclogo portugus Ernesto Vieira, em 1899, que vale a pena transcrever:

    A parte musical que na Missa festiva ou solene se designaespecialmente com o nome de Missa, compreende os Kyries e a Gloria.Esta ltima compe-se do cntico Gloria in excelsis Deo e de diversasfrases curtas exprimindo louvor (Laudamus), prece (Qui tollis) eexaltao (Quoniam).

    Estas trs diferentes expresses da Gloria indicam a sua divisoem trs peas de diferente carter; mas os compositores italianos nasgrandes Missas de estilo teatral, para obterem maior nmero de trechos,retalham todas as frases, fazendo da Gloria um ato de pera, com rias,coros, duetos, etc. tambm uso antigo e tradicional fazer, nas Missas

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    de grande aparato, uma extensa fuga no final, com a letra: Cum sanctospiritu in gloria Dei Patris. Amen.6

    Um interessante documento eclesistico brasileiro, a Pastoral coletiva de 1910,foi explcita ao proibir a diviso das Missas em peas independentes, comonormalmente ocorria nas composies dessa espcie desde o final do sculo XVIII.Observe-se a preciso da terminologia adotada e a analogia com o exemplo anterior:

    Devem ser quanto antes proscritas e substitudas, porque estopor si mesmas reprovadas e condenadas, todas as Missas que noconservam a unidade de composio prpria do texto.

    Tais so as missas, cujas partes do Gloria ou do Credo como, porexemplo, o Laudamus, o Gratias agimus, o Domine Deus, o Incarnatus,etc., so compostas por nmeros separados, de modo a formarem por siss uma composio parte, que pode ser destacada e substituda poroutra de igual jaez.7

    Para colocar mais lenha na fogueira, como possvel definir a Missa enquantouma nica composio, quando seus trechos polifnicos eram entremeados porinmeras passagens em cantocho, entoadas por coros e solistas e compostas por vriosautores a partir da Idade Mdia? Seria, ento, a Missa, um tipo de composiosemelhante a uma esponja, que permite a infiltrao de outras composies em seusinterstcios, ou a Missa constituda de um conjunto de composies que se integramem uma unidade cerimonial?

    Se as questes acima levantadas j se mostram complexas em relao Missa, oque dizer, ento, das Matinas, das Laudes, das Vsperas, da Procisso dos Passos daQuaresma, das Encomendaes Fnebres, das Novenas, Trezenas, Setenrios e muitosoutros gneros catlicos - ou melhor, unidades cerimoniais -, tal como acimaformuladas? Um exemplo paulista pode ser interessante, neste caso. Existe, no Arquivoda Cria Metropolitana de So Paulo, um interessante conjunto manuscrito de 1878 commsica do compositor tietense Vicente Antnio Procpio (fl.1867-1878) para ascerimnias pblicas dos principais dias da Semana Santa (Domingo de Ramos e TrduoPascal), em partes de SATB, violinos I e II, baixo, pistom I em d, clarinetes I e II em

    6 VIEIRA, Ernesto. Diccionario musical; [...]. 2 ed, Lisboa: Typ. Lallemant, 1899. p.348. Grifos meus.

    7 PASTORAL collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Provincias Ecclesiasticas de S. Sebastio

    do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyab e Porto Alegre communicado ao clero e aos fieis oresultado na cidade de S. Paulo de 25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: TypographiaLeuzinger, 1911. n.3, p.640-645. Grifos meus.

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    d.8 Trata-se toda essa msica de uma nica obra? Em caso negativo, onde comea eonde termina cada composio?

    Nem sempre essas dificuldades tm sido abordadas em toda sua complexidade,existindo uma certa tendncia, tanto no Brasil quanto no exterior, em uma definio deobra teoricamente pouco fundamentada, alm da tendncia de se tratar a msicareligiosa com critrios prprios da msica profana. Um exemplos importante autilizao de ttulos uniformes como ttulos da composio, tal como recomendado peloRISM,9 o que gera inmeros problemas de referncia e uma dificuldade de compreensodo real significado da obra. s composies catlicas insuficiente dar um ttulouniforme como ocorre na msica profana. Assim como uma pessoa precisa ter um nome

    e um sobrenome, para um registro preciso, uma composio religiosa deve serdesignada por seu incipit literrio e por sua funo cerimonial, como, por exemplo:Astiterunt reges terr (Primeira Antfona das Matinas de Sexta-feira Santa), Christusfactus est (Antfona final das Laudes do Trduo Pascal), Te Deum laudamus (Hino deAo de Graas). A inverso da posio do incipit literrio e da funo cerimonial nareferncia obra possvel, mas a utilizao de somente uma delas em um catlogodificulta a localizao da obra e no permite uma rpida apreciao de seu significado.

    Outro problema ligado a essa tendncia a diviso das composies emmovimentos, utilizando-se, para isso, os andamentos. Ora, o conceito de movimento,enquanto parte de uma obra, est essencialmente ligado msica instrumental,especialmente quela cujas partes no possuem carter pr-determinado (como as partesde um concerto, ou os preldios e fugas), podendo ser definido como parte auto-suficiente de uma composio instrumental extensa, como uma sinfonia, concerto ousonata.10 Esse conceito de movimento, que entra na histria da msica no sculo XVII,especialmente ligado s sonatas, no tem uma aplicao garantida na msica religiosa:nas sonatas, concertos e sinfonias existem movimentos, mas na msica religiosa catlica

    existem Antfonas, Responsrios, Lies, Salmos, Hinos, Cnticos, Graduais, Tractos,etc., ou seja, unidades funcionais. Por isso, j nas pastorais brasileiras do sculo XVIIIeram citados segmentos de obras religiosas, mas esses eram referidos por meio de

    8 AMCP, n.308. Cpia de Jos Marcelino Rodrigues, So Roque, 2/10/1878: SATB, vl I, vl II, pt I d, cl I

    d, cl II d, bx9 COTTA, Andr Guerra. O tratamento da informao em acervos de manuscritos musicais brasileiros.

    Dissertao (Mestrado). Belo Horizonte: Escola de Biblioteconomia da Universidade Federal de MinasGerais, 2000. p.162-168.10

    ISAACS, Alan e MARTIN, Elisabeth. Dicionrio de msica Zahar: editoria Luiz Paulo Horta. Rio deJaneiro, Zahar Editores, 1985. p.248.

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 13

    designaes especficas, quando se determinava, por exemplo, que o mestre da capelano consentisse [...] que nas matrizes e capelas da dita comarca se cantem msicascom composies de letras profanas ou outras que no sejam Antfonas, Salmos, Hinos,Graduais e as mais que se contm na ordem da reza do Ofcio Divino e Missa,conforme o rito da festa [...].11

    As unidades cerimoniais e funcionais na msica catlica nem sequer dependemda msica, sendo intrnsecas do texto litrgico, tal como encontrado no Brevirio,Missal, Antifonrio, Vesperal, Saltrio, Santoral ou qualquer outro livro litrgicocatlico. Casos mais problemticos esto relacionados msica religiosa paralitrgica(portanto no referida em livros litrgicos), como Novenas, Trezenas, Encomendaes,algumas Procisses, etc. Os textos paralitrgicos, se no foram registrados em algumlivro cerimonial ou descritos por pesquisadores da rea, necessitam ser estudadosdiretamente da tradio, para que se possa conhecer seu contedo e sua estrutura.Assim, para uma correta definio das unidades cerimoniais e funcionais na msicalitrgica, no existe outra maneira a no ser o estudo das cerimnias a partir dos livroslitrgicos contemporneos s composies.12 No caso da msica paralitrgica precisoestudar a tradio, mas esse estudo anlogo ao da msica litrgica, uma vez que estoenvolvidos, nos dois casos, a estrutura das cerimnias e os textos religiosos musicados.

    Por outro lado, o estudo da liturgia no resolver todos os problemas, uma vezque os compositores e/ou os copistas geravam desvios do padro litrgico corrente - porcostume ou por iniciativa prpria - acarretando mais um problema para o pesquisador.Um caso interessante desse tipo de desvio est nos Responsrios Fnebres de Joo deDeus de Castro Lobo. De acordo com Olmpio Pimenta, o compositor faleceu antes deiniciar o Responsrio VII (j que as Matinas de Defuntos possuem nove Responsrios)e, por essa razo, cita apenas [...] os Seis Responsrios de Defuntos, ltimo pensamentocom o qual cerrou o escrnio glorioso de suas composies [...],13 obra impressa no

    11 Proviso de Julio da Silva e Abreu para Mestre da Capela da Comarca do Rio das Mortes, registrada em

    1/2/1749. Arquivo Eclesistico da Arquidiocese de Mariana, Livro do Registro Geral (Provises) 1748-1750,v.1, f.105v/106v.12

    Para uma tipologia e descrio dos livros litrgicos catlicos, ver: CASTAGNA, Paulo. Cantocho eliturgia: implicaes na pesquisa da msica catlica latino-americana (sculos XVI-XX). IV SIMPSIOLATINO-AMERICANO DE MUSICOLOGIA, Curitiba, 20-23 jan. 2000. Anais. Curitiba, FundaoCultural de Curitiba, 2001. p.199-222.13

    PIMENTA, Olympio. Recordao do passado - 1794 a 1832: o Maestro Padre Joo de Deus. BoletimEclesistico, Mariana, ano 10, n.5, p.110-113, maio 1911. Esse interessante artigo, que representa a maisantiga notcia biogrfica de Joo de Deus de Castro Lobo, j havia sido referido por D. Oscar de Oliveiraem um texto de 1986, tambm dedicado biografia e produo musical do compositor mineiro, mas nochegou a ser citado por Raimundo Trindade em sua breve notcia de 1929 (reimpressa em 1955) sobreCastro Lobo. De todos os textos conhecidos, no entanto, o de Pimenta o nico que possui uma

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 14

    ltimo volume da srie Acervo da Msica Brasileira.14 A julgar pelo depoimento deOlmpio Pimenta, os Responsrios VII, VIII e IX que, em alguns manuscritos aparecemassociados aos Responsrios I a VI de Castro Lobo, no foram compostos por esseautor, mas agregados aos principais por copistas e mestres de msica, com a finalidadede prover msica para o restante das Matinas.

    Podemos usar tambm uma descrio do sculo XVIII para perceber que, muitasvezes, no era exigido que o compositor escrevesse msica para toda uma unidadecerimonial, mas apenas para algumas de suas unidades funcionais, gerando-se obras queocupam diferentes nveis de organizao. Na Memoria dos escriptores na arte damuzica, documento que integra o cdice 8942 da Diviso de Reservados da BibliotecaNacional de Lisboa, redigido provavelmente em 1737,15 existe uma pequena notciabiogrfica sobre Anto de Santo Elias (?-1748), lisboeta que recebeu o hbito noConvento do Carmo da Bahia em 1696, posteriormente retornando a Portugal, ondeatuou como harpista no Convento do Carmo e na S Oriental de Lisboa. Nessedocumento esto citadas suas composies, em geral unidades funcionais ou conjuntosde unidades funcionais de cerimnias que em sua maioria sequer foram mencionadas:

    [...] Comps o primeiro Te Deum laudamus que se cantou naIgreja de S. Roque da Casa professa da Companhia [de Jesus] no dialtimo do ano, como se costuma, comps mais os ResponsriosMatutinais para a solenssima festa de Nossa Senhora do Carmo, paraSanto Andr Cursino, para So Brs, para o Natal, mais muita variedadede Psalmos, Magnificas e Missas, tudo com instrumentos vrios; compsos Responsrios dos trs dias da Semana Santa, vrios Misereres, Liese Lamentaes da mesma Semana. Comps mais um livro de Hinos demsica de estante a quatro vozes, o qual se acha no seu Convento deLisboa. E no tempo em que se cantavam Vilancicos, muita quantidadedeles comps para as festas principais do ano.16

    explicao satisfatria para a ausncia dos Responsrios VII a IX. Cf.: OLIVEIRA, D. Oscar de. PadreJoo de Deus, preclaro musicgrafo mineiro: 1794-1832. O Arquidiocesano, Mariana, ano 28, n.1.412,p.1, 12 out. 1986; TRINDADE, Cn. Raimundo. Arquidiocese de Mariana: subsidios para sua historia. 2.ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1955. v.2, p.94.14

    CASTRO LOBO, Joo de Deus de. Seis Responsrios Fnebres. In: CASTAGNA, Paulo (coord.).Msica fnebre; coordenao musicolgica Paulo Castagna; coordenao editorial Carlos AlbertoFigueiredo; coordenao da reviso Marcelo Campos Hazan; assessoria litrgica Aluzio Jos Viegas;pesquisa, edio e texto Carlos Alberto Figueiredo, Marcelo Campos Hazan, Paulo Castagna. BeloHorizonte: Fundao Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana, 2003. n.1, p.51-147 (Acervo daMsica Brasileira / Restaurao e Difuso de Partituras, v.9)15

    Memoria dos Escriptores na Arte da Muzica de que / temos noticia, filhos da Provincia de NS doCarmo da Antiga e Re-/gular obseruancia neste Reyno de Portugal. f. 164r.16

    NERY, Rui Vieira. Para a histria do barroco musical portugus (o cdice 8942 da B.N.L.). Lisboa,Fundao Calouste Gulbenkian, 1980. p.61.

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 15

    Foi devido dificuldade de se estabelecer um conceito fixo e nico de obra, decomposio musical, que cheguei, em 1998, formulao do conceito de unidademusical permutvel, uma categoria arquivstico-musical (e, portanto, no documental)que no deixa de ser um nvel de organizao, mas no se apresenta de maneiramecnica e linear como os quatro nveis anteriormente descritos.

    A Unidade musical permutvel (UMP) designa o conjunto de textos (e no,necessariamente, de unidades funcionais ou sees) que receberam uma composioautnoma e que pode ser associada a uma outra unidade musical permutvel, mesmoque escrita por autor diferente. Esse tipo de unidade, portanto, decorrente da atividadede compositores e copistas em uma determinada poca e regio, e no somente departicularidades dos textos religiosos, sendo exemplos as Lies das Matinas, os Hinosdas Vsperas, as Turbas das Paixes, os Improprios da Adorao da Cruz, os Tractosdas Lies da Missa do Sbado Santo, etc.

    A UMP, portanto, pode ser ora uma unidade cerimonial, ora uma unidadefuncional e ora uma seo, sendo definida enquanto um nvel transversal, que podeabarcar pores de nveis distintos. Alm disso, essa categoria arquivstico-musicalpossui o importante carter de ser permutvel, ou seja, contm em si a possibilidade deser copiada ao lado de uma outra UMP em um mesmo manuscrito, para ser usada emuma mesma cerimnia, ainda que a msica de ambas tenha sido escrita por autoresdiferentes. Esse o caso, por exemplo, de algumas Missas de Domingo de Ramos, quenormalmente possuem polifonia para o Intrito, para as partes corais do Ordinrio(Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus, Benedictus e Agnus Dei), para o Tracto, para a Paixo(segundo So Mateus), para o Ofertrio e para o Comnio. Em determinadosmanuscritos pode-se encontrar justapostos um Ordinrio e uma Paixo, mas em outros omesmo Ordinrio, porm com uma Paixo diferente. Permutas como essas soobservadas tambm entre o Intrito e o Ordinrio, entre o Intrito e a Paixo, etc., sendoainda mais complexas em outros tipos de unidades cerimoniais, como as Matinas doTrduo Pascal, ou a Missa e Vsperas do Sbado Santo.

    Muitas vezes, obras diferentes escritas para os mesmos textos, comportam-se demaneira diferente em relao s UMPs. Na Missa - para aproveitar as discussesanteriormente formuladas - existe msica para todas as partes corais do Ordinrio, queora se comporta enquanto uma nica composio e ora se comporta enquanto duas: dofinal do sculo XVIII ao final do sculo XIX era comum entre os copistas e mesmoentre os compositores, a diviso do Ordinrio da Missa festiva em duas partes, agora

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 16

    denominadas Missa (com o Kyrie e o Gloria) e Credo (com o Credo, o Sanctus, oBenedictus e o Agnus Dei). Ernesto Vieira, que reconheceu esse fenmeno em 1899,informa que a parte musical que na missa festiva ou solene se designa especialmentecom o nome de Missa, compreende os Kyries e a Gloria e que o Credo constitui asegunda parte da Missa festiva [...].17 Por isso, comum encontrar, em arquivosbrasileiros, manuscritos contendo apenas o Kyrie e o Gloria (intitulados Missa) emanuscritos contendo apenas o Credo e unidades subseqentes do Ordinrio (intituladosCredo), alm de manuscritos que contm todas as unidades do Ordinrio (intituladosMissa e Credo). Obviamente, a Missa e o Credo festivos eram permutveis, ou seja,uma determinada Missa poderia ser combinada ora com um Credo e ora com outro. Jnas Missas feriais (destinadas maior parte da Quaresma e do Advento), esse fenmenono era comum, utilizando-se normalmente uma Missa que se comportava enquantouma composio nica.

    Diante desses casos, em lugar de um genrico conceito de obra ou composiomusical, geralmente claro (ou bem menos problemtico) na msica profana, aarquivologia musical requer um conceito diferente para a classificao da msicareligiosa, especialmente dos sculos XVIII e XIX, mostrando-se at aqui eficaz acategoria de unidade musical permutvel. Tal conceito foi aplicado no Arquivo da CriaMetropolitana de So Paulo, no Grupo de Mogi das Cruzes, no Museu da Msica deMariana, no Arquivo Histrico Monsenhor Horta e em inmeros documentosrepertoriados em acervos brasileiros de manuscritos musicais, solucionando problemasque no puderam ser resolvidos apenas pela abordagem litrgica ou pelo estudo dosdocumentos nos quais a msica foi registrada.

    Para analisar um exemplo mais concreto, tomemos o conjunto nico do grupon.253 do Arquivo da Cria Metropolitana de So Paulo,18 cuja msica , afora pequenasvariantes, idntica a um conjunto sem cdigo do arquivo da Orquestra Lira Sanjoanense(So Joo del Rei - MG),19 obviamente copiado por outro copista, em outra poca e em

    17 Cf.: VIEIRA, Ernesto. Diccionario musical. op. cit., p. 348-349.

    18 ACMSP P 253 - Suprano Tracto Primeiro. Sem indicao de copista, sem local, [final do sc. XIX]: partes de

    SATB.19

    OLS, sem cd. - Soprano a 4 Vozes / dos / Tratos Paxa e Adorao / da Crus Prossia do Enterro / do Senhor /17 / 1928 / Pertence a Hermenegildo Je de Sousa Trindade / Pr dadiva de Manoel Jose da Sa. Cpia de CarlosAntnio da Silva, [So Joo del-Rei?, meados do sc. XIX]: partes de SATB. Este manuscrito est citado em:BARBOSA, Elmer Corra (org.). O ciclo do ouro. o tempo e a msica do barroco catlico; catlogo de umarquivo de microfilmes; elementos para uma histria da arte no Brasil; Pesquisa de Elmer C. CorraBarbosa; acessoria no trabalho de campo Adhemar Campos Filho, Aluzio Jos Viegas; Catalogao dasmsicas do sc. XVIII Cleofe Person de Mattos. Rio de Janeiro: PUC, FUNARTE, XEROX, 1978. p. 271.A data 17 / 1928, nesse manuscrito, foi aplicada a lpis por um copista diferente de Carlos Antnio da

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 17

    outro local. Como tais conjuntos so nicos em cada acervo, pode-se afirmar que sogrupos constitudos por um nico conjunto. Mas se conjuntos como esses aparecessemno mesmo fundo de um mesmo acervo, deveriam ser reunidos em um mesmo grupo,justamente por conterem as mesmas obras.

    O quadro 1 apresenta o ttulo ou incipit latino dos trechos musicais existentesnos trs nveis de organizao musical dos citados documentos nos arquivos de SoPaulo e So Joo del Rei. Observe-se a existncia de trs unidades cerimoniais com,respectivamente, trs, duas e duas unidades funcionais. Cada uma dessas unidadesfuncionais, contudo, possui um nmero varivel de sees.

    Silva ou do proprietrio Hermenegildo Jos de Sousa Trindade (1806-1887). Carlos Antnio da Silva omesmo nome de um msico que figura como copista de alguns manuscritos do Arquivo da CriaMetropolitana de So Paulo, copiados entre 1841 e 1864, no sendo claro, no momento, se correspondem mesma pessoa.

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 18

    Quadro 1. Unidades cerimoniais, unidades funcionais e sees de ACMSP 253 e deOLS, sem cdigo.

    Unidades cerimoniais Unidades funcionais Sees Domine, audivi

    Missa dos Pr- Primeiro Tracto V. In medio duorumSantificados V. In eo, dum conturbata fueritou dos Catecmenos Eripe me, Domine

    Segundo Tracto V. Qui cogitaveruntV. Acuerunt linguas suasPassio... Joannem

    Paixo 1. Jesum Nazarenum(Promio e Turbas) 2. Jesum Nazarenum

    3. Numquid et tu [...] ejus es 4. Si non esset hic 5. Nobis non licet 6. Non hunc 7. Ave, Rex Judorum 8. Crucifige, crucifige eum 9. Nos legem habemus10. Si hunc dimittis11. Tolle, tolle, crucifige eum12. Non habemus regem13. Noli scribere14. Non scindamus eam[Ecce lignum crucis...] Venite, adoremus

    Adorao da Cruz Invitatrio e Improprios Popule meusHagios o TheosCrux fidelis

    Hino Nulla silvaDulce lignumHeu! Heu! Domine!

    Procisso do Enterro Primeira parte Pupilli facti summusCecidit coronaSpiritus cordis nostriDefecit gaudium[stimatus sum] cum descendentibus

    Segunda parte [Sepulto Domino] Signatum est monumentum[In pace factus est] Locus ejus[In pace in idipsum] Dormiam et requiescam[Caro mea] Requiescet in spe

    O estudo dos dois documentos e de sua msica, no contexto em que foramlocalizados, permitiu a identificao de nove UMPs em seu interior, nmero queobviamente no corresponde s trs unidades cerimoniais, sete unidades funcionais etrinta e sete sees. Tais UMPs aparecem marcadas, no quadro 2, por linhas maisespessas, para facilitar sua visualizao.

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 19

    Quadro 2. Unidades cerimoniais, unidades funcionais e sees de ACMSP 253 e deOLS, sem cdigo (as UMPs esto marcadas na terceira coluna pelas linhas maisespessas do quadro).

    Unidades cerimoniais Unidades funcionais Sees / UMPsDomine, audivi

    Missa dos Pr- Primeiro Tracto V. In medio duorumSantificados V. In eo, dum conturbata fueritou dos Catecmenos Eripe me, Domine

    Segundo Tracto V. Qui cogitaveruntV. Acuerunt linguas suasPassio... Joannem

    Paixo 1. Jesum Nazarenum(Promio e Turbas) 2. Jesum Nazarenum

    3. Numquid et tu [...] ejus es 4. Si non esset hic 5. Nobis non licet 6. Non hunc 7. Ave, Rex Judorum 8. Crucifige, crucifige eum 9. Nos legem habemus10. Si hunc dimittis11. Tolle, tolle, crucifige eum12. Non habemus regem13. Noli scribere14. Non scindamus eam[Ecce lignum crucis...] Venite, adoremus

    Adorao da Cruz Invitatrio e Improprios Popule meusHagios o TheosCrux fidelis

    Hino Nulla silvaDulce lignumHeu! Heu! Domine!

    Procisso do Enterro Primeira parte Pupilli facti summusCecidit coronaSpiritus cordis nostriDefecit gaudium[stimatus sum] cum descendentibus

    Segunda parte [Sepulto Domino] Signatum est monumentum[In pace factus est] Locus ejus[In pace in idipsum] Dormiam et requiescam[Caro mea] Requiescet in spe

    O critrio para a identificao da UMP de origem dupla: litrgico e musical.Inicialmente necessrio um conhecimento mnimo da estrutura, significado,convenes e origem dos textos da cerimnia qual se refere a msica, alm dadescrio de seus trs nveis bsicos de organizao. Paralelamente, necessrioconstatar se cada um dos trechos identificados aparece em outras cpias musicais,associados a msicas diferentes, ou seja, se os trechos em questo se permutam comoutros, uma vez que esse o fenmeno principal que define a UMP.

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 20

    Assim, o isolamento da UMP uma tarefa complexa, que requer uma reflexogrande caso a caso, aliada a um estudo do prprio acervo ao qual pertencem osmanuscritos estudados e mesmo de vrios acervos musicais. Isso significa que a UMPno uma categoria fixa, porm depende de circunstncias do meio em que a obra foicriada. Trata-se, portanto, de uma espcie de conceito ecolgico-musical, se que possvel tal neologismo: se o estudo dos trs nveis bsicos de organizao musical(unidade cerimonial, unidade funcional e seo) pode ser comparado anatomia, ouseja, ao estudo das estruturas internas dos seres vivos, a UMP somente pode sercomparada ecologia, a cincia que estuda a relao entre os seres vivos e o meioambiente. Ora, nada mais atual, interdisciplinar e brasileiro que o conceito ecolgico-musical de UMP.

    certo que sua definio muito trabalhosa, mas a quantidade de soluesoferecidas pelo conceito de UMP, dentro de uma concepo da msica religiosasegundo nveis de organizao, extremamente vantajosa. Paralelamente, a evoluodas pesquisas que j levaram em considerao esse conceito, especialmente pelospesquisadores do projeto Acervo da Msica Brasileira, vem estabelecendoconfiguraes mais definidas para o repertrio religioso brasileiro dos sculos XVIII eXIX, fazendo com que, em breve, seja bem mais simples identificar as UMPs em nossosacervos.

    Minha opinio que, na atividade de catalogao de acervos manuscritos, asoluo mais adequada para o efetivo conhecimento de seu contedo a catalogaoseparada de documentos e obras, estas ltimas com base nas UMPs. Mas apesar desseconceito ter uma implicao principalmente arquivstica, seu mbito se estende tambm rea de edio, embora com um grau bem maior de flexibilidade.

    Sabendo-se que as UMPs se articulam livremente nas cpias brasileiras dossculos XVIII e XIX, nada impede de se destacar de um determinado grupodocumental, as UMPs que se deseja editar, sem a obrigatoriedade de se editar toda amsica contida no grupo. Bom exemplo a msica para a Semana Santa de VicenteAntnio Procpio, anteriormente mencionada. Desse manuscrito, o editor podeperfeitamente selecionar apenas as Matinas de Quinta-feira, a Missa e Vsperas doSbado ou a Procisso do Enterro de Sexta-feira, como tambm pode editar toda amsica do conjunto, em um nico volume. Mas se o editor tem essa liberdade, issosomente justificvel, do ponto de vista metodolgico, frente a uma conscincia sobre

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 21

    os nveis de organizao e sobre as UMPs identificadas, o que exige uma permanenteabordagem interdisciplinar envolvendo msica e liturgia (e um pouco de biologia...).

    4. Nveis de organizao e tipologia

    Existem certas unidades cerimoniais, cuja variabilidade na maneira com que amsica aplicada em seus textos gera uma tipologia distinta de obras, quanto presenaou ausncia de msica polifnica em suas unidades funcionais ou mesmo em suassees. Esse fenmeno especialmente complexo na msica litrgica e paralitrgica daQuaresma, perodo de quarenta e seis dias entre a Quarta-feira de Cinzas e o Domingode Pscoa, que termina com a Semana Santa.

    Entre as unidades cerimoniais particularmente afetadas por esse fenmeno, estoas Matinas do Trduo Pascal, ou seja, aquelas cantadas na Quinta-feira, na Sexta-feira eno Sbado Santo. Nessas Matinas pode-se reconhecer pelo menos cinco nveis deorganizao distintos: unidade cerimonial, noturnos, partes, unidades funcionais esees. As Matinas possuem trs noturnos e a estrutura de cada um deles estrepresentada no quadro 3.

    Quadro 3. Estrutura dos noturnos das Matinas do Trduo Pascal.

    Partes Unidades funcionaisPrimeira parte 1 Antfona / 1 Salmo / 1 Antfona(Salmodia) 2 Antfona / 3 Salmo / 2 Antfona

    3 Antfona / 4 Salmo / 3 AntfonaSegunda parte 1 Lio / 1 Responsrio(Lies e Responsrios) 2 Lio / 2 Responsrio

    3 Lio / 3 Responsrio

    Embora a maneira teoricamente correta de se numerar as Antfonas, Salmos,Lies e Responsrios seria reiniciar a numerao a cada Noturno, o costume, tanto noslivros litrgicos como em muitas composies musicais, foi o de numerar as Lies e osResponsrios de forma contnua, como se pode observar nos quadros 4, 5 e 6, com oincipit de cada um dos textos cantados do Trduo Pascal.

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 22

    Quadro 4. Incipit dos textos tridentinos do primeiro Noturno das Matinas do TrduoPascal.

    UnidadeFuncional

    Quinta-feira Santa Sexta-feira Santa Sbado Santo

    Antfona I Zelus domus tu Astiterunt reges terr In pace in iddipsumSalmo I Salvum me fac, Deus (68) Quare fremuerunt (2) Cum invocarem (4)Antfona I Zelus domus tu Astiterunt reges terr In pace in iddipsumAntfona II Avertantur retrorsum Diviserunt sibi vestimenta Habitat in tabernaculoSalmo II Deus, in adjutorium (69) Deus, Deus meus (21) Domine, quis habitabit (14)Antfona II Avertantur retrorsum Diviserunt sibi vestimenta Habitat in tabernaculoAntfona III Deus meus, eripe me Insurrexerunt in me Caro mea requiescetSalmo III In te, Domine, speravi (70) Dominus illuminatio (26) Conserva me, Domine (15)Antfona III Deus meus, eripe me Insurrexerunt in me Caro mea requiescetVersculo Avertantur retrorsum Diviserunt sibi vestimenta In pace in idipsumResposta Qui cogitant mihi mala Et super vestem meam Dormiam et requiescamLio I Incipit Lamentatio

    Jeremi... Aleph. QuomodoDe LamentationeJeremi... Heth. Cogitavit

    De LamentationeJeremi... Heth.Misericordi

    Responsrio I In Monte Oliveti Omnes amici mei Sicut ovis ad occisionemLio II Vau. Et egressus est Lamed. Matribus suis Quomodo obscuratum estResponsrio II Tristis est anima mea Velum templi scissum est Jerusalem surgeLio III Jod. Manum suam misit Aleph. Ego vir videns Incipit Oratio Jeremi...

    Recordare, DomineResponsrio III Ecce, vidimus eum Vinea mea electa Plange quasi virgo

    Quadro 5. Incipit dos textos tridentinos do segundo Noturno das Matinas do TrduoPascal.

    UnidadeFuncional

    Quinta-feira Santa Sexta-feira Santa Sbado Santo

    Antfona IV Liberavit Dominus Vim faciebant Elevamini portSalmo IV Deus judicium tuum (71) Domine, ne in furore (37) Domini est terra (23)Antfona IV Liberavit Dominus Vim faciebant Elevamini portAntfona V Cogitaverunt impii Confundantur Credo videreSalmo V Quam bonus Isral (72) Expectans exspectavi (39) Dominus iluminatio (26)Antfona V Cogitaverunt impii Confundantur Credo videreAntfona VI Exsurge, Domine Alieni insurrexerunt in me Domine, abstraxistiSalmo VI Ut quid, Deus (73) Deus, in nomine tuo (53) Exaltabo te, Domine (29)Antfona VI Exsurge, Domine Alieni insurrexerunt in me Domine, abstraxistiVersculo Deus meus, eripe me Insurrexerunt in me Tu autem, DomineResposta Et de manu contra legem Et mentita est iniquitas Et resuscita meLio IV Ex Tractatu Sancti

    Augustini... Exaudi, DeusEx Tractatu SanctiAugustini... Protexisti me

    Ex Tractatu SanctiAugustini... Accedet homo

    Responsrio IV Amicus meus osculi Tamquam ad latronem Recessit pastor nosterLio V Utinam ergo qui nos modo Nostis, qui conventus erat Quo perduxerunt illasResponsrio V Judas mercator pessimus Tenebr fact sunt O vos omnesLio VI Quoniam vidi iniquitatem Exacuerunt tamquam Posuerunt custodes militesResponsrio VI Unus ex discipulis meis Animam meam dilectam Ecce, quomodo moritur

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 23

    Quadro 6. Incipit dos textos tridentinos do terceiro Noturno das Matinas do TrduoPascal.

    UnidadeFuncional

    Quinta-feira Santa Sexta-feira Santa Sbado Santo

    Antfona VII Dixi iniquis: Nolite loqui Ab insurgentibus in me Deus, adjuvat meSalmo VII Confitebimur Tibi (74) Eripe me de inimicis (58) Deus in nomine tuo (53)Antfona VII Dixi iniquis: Nolite loqui Ab insurgentibus in me Deus, adjuvat meAntfona VIII Terra tremuit et quievit Longe fecisti notos meos In pace factus estSalmo VIII Notus in Juda Deus (75) Domine, Deus salutis (87) Notus in Juda Deus (75)Antfona VIII Terra tremuit et quievit Longe fecisti notos meos In pace factus estAntfona IX In die tribulationis me Captabunt in animam justi Factus sum sicut homoSalmo IX Voce mea ad Dominum (76) Deus ultionum (93) Domine, Deus salutis (87)Antfona IX In die tribulationis me Captabunt in animam justi Factus sum sicut homoVersculo Exsurge, Domine Locuti sunt adversum me In pace factus estResposta Et judica causam meam Et sermonibus odii Et in Sion habitatio ejusLio VII De Epistola prima Beati

    Pauli... Hoc autemDe Epistola Beati Pauli...Festinemus ingredi

    De Epistola Beati Pauli...Christus assistens Pontifex

    ResponsrioVII

    Eram quasi agnus Tradiderunt me in manus Astiterunt reges terr

    Lio VIII Ego enim accepi a Domino Adeamus ergo cum fiducia Et ideo novi TestamentiResponsrioVIII

    Una hora non potuisti Jesum tradidit impius stimatus sum

    Lio IX Itaque quicumque Nec quisquam sumit Lecto enim omni mandatoResponsrioIX

    Seniores populi consilium Caligaverunt oculi mei Sepulto Domino

    A anlise das Matinas descritas em catlogos de acervos brasileiros demanuscritos musicais (incluindo catlogos de obras de alguns autores de msicareligiosa),20 bem como o exame de espcimes de Matinas em acervos no catalogadospermitiu o estabelecimento de cinco tipos bsicos de Matinas, como se pode observar noquadro 7.

    20 BARBOSA, Elmer Corra (org.). O ciclo do ouro. op. cit., 454 p.; MUSEU DA INCONFIDNCIA /

    OURO PRETO. Acervo de manuscritos musicais: Coleo Francisco Curt Lange: coordenao geralRgis Duprat; coordenao tcnica Carlos Alberto Baltazar e Mary ngela Biason. Belo Horizonte:Universidade Federal de Minas Gerais, 1991, 194 e 2002. 3v. (Coleo pesquisa Cientfica);NOGUEIRA, Lenita Waldige Mendes. Museu Carlos Gomes: catlogo de manuscritos musicais. SoPaulo: Arte & Cincia, 1997. 415p.; MATTOS, Cleofe Person de. Catlogo temtico das obras do padreJos Maurcio Nunes Garcia. Rio de Janeiro: Ministrio da Educao e Cultura, 1970. 413p.; DUPRAT,Rgis. Msica na S de So Paulo colonial. So Paulo: Paulus, 1995. 231p.; JUNQUEIRAGUIMARES, Maria Ins. Luvre de Lobo de Mesquita Compositur Brsilien (?1746-1805): contextehistorique, analyse, discographie, catalogue thmatique, restitution. Paris: Presses Universitaires duSeptentrion, 1996. 659p.

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    Quadro 7. Tipos de Matinas polifnicas para a Semana Santa, em catlogos brasileirosde manuscritos musicais.

    Tipos1 - Somente com a Primeira Antfona2 - Com primeira Antfona, Lies (geralmente apenas I, VI e VII) e Responsrios3 - Com primeira Antfona e Responsrios4 - Somente com Responsrios (todos ou alguns)5 - Somente com Lies (uma ou mais)

    Nas Paixes das Missas de Domingo de Ramos e Sexta-feira Santa, o fenmeno ainda mais complexo. Esse tipo de msica possui textos que na Idade Mdia foramdestinados a trs tipos de cantores eclesisticos: o Cronista, o Cristo e o Sinagoga(quadro 8). Com o advento das Paixes polifnicas, ao redor do sculo XVI, foramestabelecidas diferentes maneiras de se distribuir a polifonia para os textos queoriginalmente haviam sido destinados a cantores solistas. A partir da tipologia dasPaixes portuguesas estabelecida pelo musiclogo lusitano Jos Maria PedrosaCardoso,21 estudei o fenmeno em acervos paulistas e mineiros, chegando formulaode cinco tipos, os dois ltimos at agora descritos somente no Brasil (quadro 9).

    Quadro 8. Cantores das Paixes mondicas.

    Smbolo Parte(cantor)

    Personagens representados

    C Cronista Evangelista (ou narrador) Cristo Jesus CristoS Sinagoga Personagens singulares (Pedro, Caifs, Ancila, Pilatos, etc.)

    Personagens coletivos ou Turbas (judeus, soldados, discpulos, etc.)

    Quadro 9. Tipos de Paixes polifnicas encontradas em acervos paulistas e mineiros demanuscritos musicais.

    Categorias Nmero de espcimes1. Promio Polifonia somente no Promio2. Turbas Polifonia na fala dos personagens singulares do Sinagoga3. Texto Polifonia somente na parte do Cronista4. Texto e Turbas Polifonia no Promio, na parte do Cronista e na fala dos

    personagens singulares do Sinagoga5. Ditos de Cristo e Turbas Polifonia na parte do Cristo e na fala dos personagens

    singulares do Sinagoga

    21 CARDOSO, Jos Maria Pedrosa. O canto litrgico da Paixo em Portugal nos sculos XVI e XVII: os

    Passionrios polifnicos de Guimares e Coimbra. Tese de Doutoramento. Coimbra: Faculdade de Letras,1998. v.1, p.295.

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 25

    Tanto nas Matinas quanto nas Paixes, visvel a necessidade de utilizao deum critrio classificatrio flexvel, como a UMP. Nenhum dos tipos detectadosapresenta msica polifnica para todo o texto da unidade musical qual se referem, e apermuta entre determinados trechos flagrante nos acervos.

    Finalmente, para ilustrar esse tipo de fenmeno, interessante mencionar o casoda Procisso dos Passos da Quaresma. Nesse tipo de cerimnia, so cantados diversosMotetos ao ar livre, diante de pequenos oratrios denominados passos, e um ltimoMoteto no interior de uma igreja. No Brasil so conhecidos onze textos diferentes paraessa cerimnia, indicados em ordem alfabtica no quadro 10.

    A experincia no exame de dezenas de coletneas de Motetos de Passosdemonstra que no existiu, no Brasil, um nmero e uma ordem padronizada para osmesmos. Variaram, na grande maioria dos casos, de quatro a nove e sua seleo, atagora, parece quase aleatria. A permuta entre Motetos de uma fonte para outra foiintensa e tambm aparentemente aleatria: um Moteto com o mesmo texto e msica svezes o primeiro em um determinado conjunto, o segundo em outro, o terceiro emmais outro, e assim por diante. Inmeros conjuntos manuscritos com Motetos de Passosapresentam obras que no possuem necessariamente uma uniformidade estilstica entresi e que provavelmente foram escritos por autores diferentes. Ora, como descreverenquanto nica composio um conjunto de Motetos que aparenta terem sido escritospor pessoas diferentes?

    Na maioria dos casos, cada Moteto de Passos apresenta-se como uma unidademusical permutvel, porm existem exemplos nos quais todos os Motetos foram escritospelo mesmo autor, apresentando uma clara uniformidade estilstica. Nesse caso, todo oconjunto de Motetos poder ser classificado como uma nica UMP, ou seja, como umanica composio.

    Obviamente, ainda faltam trabalhos aprofundados sobre essa questo, masjustamente para permitir seu estudo, interessante, em um catlogo de obras, abrir umaentrada para cada Moteto de Passos, de maneira que todos os Angariaverunt, porexemplo, apaream lado a lado, mesmo que sejam a primeira, segunda, terceira ouquarta pea da coletnea.

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    Quadro 10. Motetos para a Procisso dos Passos da Quaresma, com indicao daorigem bblica e/ou litrgica dos textos.

    Textos OrigemAngariaverunt Simonem Cyrenum Evangelho segundo So Marcos, 15, 21

    Paixo da Missa de Tera-feira SantaBajulans sibi Crucem Evangelho segundo So Joo, 19, 17/18

    Paixo da Missa dos Pr-Santificados de Sexta-feira SantaExeamus ergo Epstola de So Paulo aos Hebreus, 13, 13Domine Jesu ? 22Fili Jerusalem, nolite flere super me Evangelho segundo So Lucas, 23, 28

    Paixo da Missa de Quarta-feira SantaJesus clamans voce magna Evangelho segundo So Lucas, 23, 46

    Paixo da Missa de Quarta-feira SantaO vos omnes, qui transitis per viam Lamentaes de Jeremias, 1, 12

    Lio III das Matinas de Quinta-feira Santa Verso do Responsrio IX das Matinas de Sexta-feira Santa Responsrio V das Matinas de Sbado Santo Antfona do Salmo 150, das Laudes do Sbado Santo

    Pater mi, si possibile est Evangelho segundo So Mateus, 26, 39 Paixo da Missa de Domingo de Ramos

    Pater, in manus tuas commendo Evangelho segundo So Lucas, 23, 46 Paixo da Missa de Quarta-feira Santa

    Popule meus, quid feci tibi? Improprios da Adorao da Cruz de Sexta-feira SantaTristis est anima mea Evangelho segundo So Mateus, 26, 38

    Evangelho segundo So Marcos, 14, 34 Paixo da Missa de Domingo de Ramos Paixo da Missa de Tera-feira Santa

    5. Unidades musicais permutveis na Semana Santa

    Definir as UMPs de forma genrica bastante temeroso, pois para todos oscasos pode haver excees, uma vez que no somente a liturgia que est em jogo, mastambm questes importantes ligadas aos compositores, aos copistas e s convenesprticas de uma determinada poca. Em minha tese fiz uma tentativa de identificao deUMPs na msica para a Semana Santa encontrada em acervos paulistas e mineiros demanuscritos musicais, especialmente aquela composta em estilo antigo.23 considerando-se que a Semana Santa o perodo litrgico que possui os problemas mais complexosem relao aos nveis de organizao, vale a pena apresentar, nos quadros 11 a 14, asUMPs localizadas em obras destinadas ao Domingo de Ramos e ao Trduo Pascal, paraque tais informaes orientem novas pesquisas sobre o assunto.

    22 Este o nico texto empregado nessa cerimnia que no foi localizado na Bblia ou nos livros

    litrgicos, no tendo sido possvel, at o momento, estabelecer sua origem.23

    CASTAGNA, Paulo. O estilo antigo na prtica musical religiosa paulista e mineira dos sculos XVIII eXIX. op. cit., v.2.

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    Observe-se que, nesses quadros, esto relacionadas unidades cerimoniais tantolitrgicas quanto paralitrgicas, as ltimas assinaladas com asterisco. A Procisso doEnterro de Sexta-feira Santa, embora assinalada com asterisco, pois seu texto no encontrado em qualquer livro litrgico tridentino, uma cerimnica litrgica do RitoBracarense, difundida no Brasil desde o sculo XVI.24 Nem todas unidades cerimoniaisesto representadas com msica em acervos brasileiros de manuscritos musicais, ounem para todas foi possvel identificar UMPs, razo de alguns campos estarem vaziosna coluna da direita de alguns quadros.

    Quadro 11. Unidades cerimoniais e UMPs nos Ofcios de Domingo de Ramos(segundo Domingo da Paixo).

    Unidades cerimoniais UMPs localizadasMatinasLaudesPrimaTeraSextaNonaAsperso da gua Benta Asperso da gua BentaBno dos Ramos Bno dos RamosDistribuio dos Ramos Distribuio dos RamosProcisso dos Ramos Procisso dos RamosMissa Intrito

    Kyrie (Ordinrio)TractoUnidades da PaixoOfertrioConsagrao do clixConsagrao da stiaComnio

    VsperasCompletas

    24 Cf.: CASTAGNA, Paulo. A Procisso do Enterro: uma cerimnia pr-tridentina na Amrica

    Portuguesa. In: JANCS, Istn e KANTOR, Iris. Festa: cultura e sociabilidade na Amrica Portuguesa.So Paulo: Hucitec, Editora da Universidade de So Paulo, Fapesp e Imprensa Oficial, 2001. v.2, p.827-856 (Coleo Estante USP - Brasil 500 Anos. v.3)

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 28

    Quadro 12. Unidades cerimoniais e UMPs nos Ofcios de Quinta-feira Santa (da Ceiado Senhor).

    Unidades cerimoniais UMPs localizadasMatinas Primeira Antfona

    LiesResponsrios

    Laudes Miserere (Salmo 50)Antfonas do Benedictus e MiserereBenedictus (Cntico de Zacarias)Christus factus est (Antfona final)

    PrimaTrciaSextaNonaMissa Comemorativa da Ceia do Senhor Kyrie (Ordinrio)

    PrprioBno dos Santos leos O Redemptor... / Ut novetur... (Hinos)Procisso de transladao (ou reposio) Pange lingua (versos 1-4 do Hino)

    do Santssimo Sacramento Tantum ergo (versos 5-6 do Hino)VsperasDesnudao dos altaresLava-ps (ou Mandato) Mandatum novum (1 Antfona)

    Domine, tu mihi (4 Antfona)CompletasProcisso do Mandato (*) Miserere (Versculos do Salmo 50)

    Quadro 13. Unidades cerimoniais e UMPs nos Ofcios de Sexta-feira Santa (ou daPaixo).

    Unidades cerimoniais UMPs localizadasMatinas Primeira Antfona

    LiesResponsrios

    Laudes Miserere (Salmo 50)Antfona do Benedictus e MiserereBenedictus (Cntico de Zacarias)Christus factus est (Antfona final)

    PrimaTeraSextaNonaMissa dos Pr-Santificados ou dos

    CatecmenosDomine audivi... Eripe me Domine...(1 e 2 Tractos)Unidades da Paixo

    Adorao da Cruz Venite adoremus (Invitatrio)Popule meus (Improprios)Crux fidelis (Hino)Pange lingua (Hino Santa Cruz)

    Procisso ao Santssimo Sacramento Vexilla Regis (Hino Santa Cruz)VsperasCompletasProcisso do Enterro (*) Heu! Heu! Domine! (Estribilho)

    Versculos da primeira parteSegunda parte

  • CASTAGNA, Paulo. Nveis de organizao na msica catlica dos sculos XVIII e XIX 29

    Quadro 14. Unidades cerimoniais e UMPs nos Ofcios de Sbado Santo (ou deAleluia).

    Unidades cerimoniais UMPs localizadasMatinas Primeira Antfona

    LiesResponsrios

    Laudes Miserere (Salmo 50)Antfona do Benedictus e MiserereBenedictus (Cntico de Zacarias)Christus factus est (Antfona final)

    PrimaTeraSextaNonaProcisso do Fogo NovoBno do Crio PascalLies da Viglia Pascal Cantemus Domino... / Vinea facta... /

    Attende clum (1, 2 e 3 Tractos)Bno da gua Batismal Sicut cervus desiderat (4 Tracto)

    Kyrie (Ladainha de Todos os Santos)Missa da Viglia Pascal (de Aleluia) Kyrie (Ordinrio)

    Alleluia (Proprio)Vsperas Alleluia (Vsperas)Completas

    6. Concluso

    Aps essa discusso possvel perceber que, na arquivologia musical,especialmente no que se refere msica religiosa, estamos trabalhando com conceitoscuja formulao foi realizada h dcadas, sem que tenha havido suficiente reflexosobre os mesmos, especialmente no Brasil. Ao decidir pela utilizao de umdeterminado critrio, o arquivista ou editor se depara com dois caminhos: 1) utilizarconceitos j formulados, aceitando suas limitaes e, portanto, os problemas queporventura podero gerar; 2) adaptar aos seus problemas conceitos j existentes, oumesmo desenvolver novos conceitos.

    O reconhecimento dos nveis de organizao da msica religiosa e,especialmente, das unidades musicais permutveis, apresenta-se como uma realpossibilidade de desenvolvimento metodolgico, resultado da inconformidade com aslimitaes de uma terminologia obsoleta. Espera-se, assim, que, ao lado da assimilaoda metodologia atual e internacional, haja igualmente uma reflexo sobre suaaplicabilidade no Brasil, para, sempre que possvel, alavancar o desenvolvimento de

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    novos mtodos, bem como de novas vises e novas abordagens do patrimnioarquivstico-musical brasileiro.

    7. Bibliografia

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    VIEIRA, Ernesto. Diccionario musical; contendo Todos os termos technicos, com aetymologia da maior parte delles, grande copia de vocabulos e locues italianas,francezas, allems, latinas e gregas relativas Arte Musical; noticias technicas ehistoricas sobre o cantocho e sobre a Arte antiga; nomenclatura de todos osinstrumentos antigos e modernos, com a descripo desenvolvida dos maisnotaveis e em especial daquelles que so actualmente empregados pela arteeuropea; referencias frequentes, criticas e historicas, ao emprego do vocabulomusical da lingua portugueza; ornado com gravuras e exemplos de musica porErnesto Vieira. 2 ed, Lisboa: Typ. Lallemant, 1899. 11p., 1f. inum, 551p., 1p.inum.