Os instrumentos de regularização fundiária na política de reforma agrária e a aplicação do...

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS PEDRO SERGIO VIEIRA MARTINS OS INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA POLÍTICA DE REFORMA AGRÁRIA E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA SOCIAL NO CONTEXTO AMAZÔNICO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PEDRO SERGIO VIEIRA MARTINS

OS INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA

POLÍTICA DE REFORMA AGRÁRIA E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO

DA JUSTIÇA SOCIAL NO CONTEXTO AMAZÔNICO

BELÉM-PA

2011

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PEDRO SERGIO VIEIRA MARTINS

OS INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA

POLÍTICA DE REFORMA AGRÁRIA E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO

DA JUSTIÇA SOCIAL NO CONTEXTO AMAZÔNICO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará

Orientador: Profº Dr. Girolamo Domenico Treccani

BELÉM – PA

2011

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PEDRO SERGIO VIEIRA MARTINS

OS INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA

POLÍTICA DE REFORMA AGRÁRIA E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO

DA JUSTIÇA SOCIAL NO CONTEXTO AMAZÔNICO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará

Orientador: Profº Dr. Girolamo Domenico Treccani

Banca Examinadora:

_____________________________________________________

Orientador: Prof Dr. Girolamo Domenico Treccani

_____________________________________________________

Membro: Prof. Dr. José Heder Benatti

_____________________________________________________

Membro: Prof. Msc. João Daniel Macedo Sá

Belém-PA, de de 2011.

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Dedico esse trabalho aos meus

familiares, amigos e amigas, pelas

incontáveis contribuições e por

todo apoio.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho representa a finalização de uma etapa de rica experiência,

mas também demarca o início de uma jornada de horizontes maiores. A graduação,

com suas contradições, apresentou as fundamentações teóricas para intervir na

sociedade a partir da Ciência Jurídica, porém somente através do protagonismo

estudantil foi possível perceber a realidade contraditória e imersa em opressões que

se põem dentro e fora do meio universitário, o que me faz encarar constantemente o

desafio do papel dos agentes do Direito junto ao povo e sendo povo.

Por isso, agradeço - como gesto de admiração - aos militantes dos

movimentos populares, por mostrarem no cotidiano, que apesar das dificuldades, o

povo pode e deve construir um projeto popular para o Brasil.

Às organizações estudantis construtoras dos EIV’s e de tantas outras

atividades que demonstram a importância da articulação entre estudantes e os

movimentos sociais para construção de uma sociedade justa.

Ao NAJUP Isa Cunha, que desde seu início mostra na Universidade e nas

comunidades de sua atuação, que a luta pelos Direitos Humanos depende da

organização popular e defesa dos interesses da classe trabalhadora. Também a

todos os coletivos da REAPE e da RENAJU que dentro das estruturas

conservadoras de ensino jurídico, no Pará e no Brasil, assumem a causa popular e

defendem um Direito insurgente.

Agradeço de modo especial à Josilene Ferreira Mendes pelo apoio,

orientação e colaboração ao longo da graduação em Direito, sempre animadora da

construção da Ciência Jurídica à serviço do povo.

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“Sem a terra repartida, que prazer que tem a vida?

Pensava o sertanejo sem um prato de comida.

Só um punhado de terra daria conta de sua lida?

Onde plantaria seus pés todos cheios de feridas?

Se por tudo onde passava, a cerca estava estendida

Ia mais rápida do que ele caminhando nas subidas.

Com pernas feitas de estacas e a espinha retorcida De arames

com seus grampos, margeando a estrada sem vida.”

(À Poesia Sertaneja – Ademar Bogo)

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RESUMO

A presente monografia visa discutir o tema da Política de Reforma Agrária no Brasil

e na Amazônia, destacando sua origem colonial, os marcos legislativos e variações

econômicas que predominaram na distribuição dessas terras, além de ressaltar as

principais tendências políticas atuais da reforma agrária, baseada num determinado

modelo de uso e comércio da terra.

Palavras-chaves: Amazônia; Direito a Terra; Mercado; Regularização Fundiária;

Reforma Agrária

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ABSTRACT

This thesis aims to discuss the issue of Land Reform Policy in Brazil and the

Amazon, highlighting its colonial origin, the legislative frameworks and economic

fluctuations that prevailed in the distribution of land and highlights the main trends of

current land reform policy based on a particular model of land use and trade

KEY WORDS: Amazon, Land rights; Market; Regularization; Agrarian Reform

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SUMÁRIO

ABREVIATURAS.......................................................................................................9

1. INTRODUÇÃO......................................................................................................10

2. DIREITO À TERRA COMO PRODUTO DE CONFLITOS....................................12

3. FORMATAÇÃO E A DISPUTA PELO TERRITÓRIO...........................................16

3.1 O que é território?................................................................................................16

3.2 As forças e tendências econômicas da atualidade no campo.............................19

4. HISTÓRICO GERAL DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO BRASIL.......................22

4.1 Recortes determinantes da estrutura fundiária da Amazônia..............................25

5. INSTRUMENTOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E ACESSO À TERRA..29

5.1 Institutos Jurídicos de Distribuição da Terra........................................................29

5.2 Princípio da Justiça Social e Reforma Agrária.....................................................37

6. POLÍTICAS DE REFORMA AGRÁRIA.................................................................40

6.1 Considerações Iniciais..........................................................................................40

6.2 Política de Regularização Fundiária na lógica do mercado.................................46

6.3 Inserção das terras da Amazônia no mercado atual............................................52

7. CONCLUSÃO........................................................................................................60

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA...............................................................................63

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ABREVIATURAS

BM: Bando Mundial

CNBB: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNC: Conselho Nacional dos Camponeses (Colômbia)

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBRA: Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

ITERPA: Instituto de Terras do Estado do Pará

ITR: Imposto Territorial Rural

MAPA: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MDA: Ministério do Desenvolvimento Agrário

MIRAD: Ministério de Reforma Agrária e Desenvolvimento

MST: Movimentos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem-Terra

NAFTA: North American Free Trade Agreement (Tratado Norte-Americano de Livre

Comércio)

PCB: Partido Comunista Brasileiro

PNRA: Plano Nacional de Reforma Agrária

PRONAF: Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar

PT: Partido dos Trabalhadores

RA: Reforma Agrária

RAM: Reforma Agrária de Mercado

SUDAM: Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

TDA: Título da Dívida Agrária

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1. INTRODUÇÃO

A análise da eficácia de um princípio jurídico exige necessariamente a

percepção social e econômica do contexto posto e de sua construção histórica. A

realidade jurídica é um fator a ser verificado a partir de outras realidades e de outros

instrumentos científicos que corroborem com o detalhamento e instrução da

formação do Direito.

O objeto da pesquisa apresentada na presente monografia são os

instrumentos de regularização fundiária, encerrados dentro da aplicação do princípio

da Justiça Social no campo. Logo, foi preciso expor razões históricas e econômicas,

bem como políticas, da conformação de tais instrumentos, para a compreensão do

modo de garantir a Justiça Social, e enfatizá-la no contexto da Amazônia brasileira.

Primeiramente, a historicidade dos direitos, e especificamente do Direito a

Terra, alcança um lapso temporal extenso, no entanto, para a realidade amazônica,

e brasileira no geral, a influência suficiente parte dos fatos determinantes ocorridos

no mundo ocidental europeu desde o século XV. Para sem mais delongas

resgatarmos o passado das instituições jurídicas.

Percebeu-se que a criação de direitos se deu através de conflitos de

interesses, marcados por vezes, em processos violentos e radicais, subtraindo-se

privilégios de um determinado grupo social, classe, casta etc., e garantindo-se para

outro grupo o direito a ter direitos. Tal se procede ainda quando movimentos sociais

denunciam as opressões sociais e logram êxito nas mudanças sociais.

Quando tratamos no Direito a Terra não se fica restrito ao regime jurídico

de acesso, mas também ao uso da terra, seja pela função social, seja pelo modelo

de produção agrícola que impulsiona a própria realidade fundiária a se transmudar,

não necessariamente conforme a Justiça Social, mas sempre motivada pela

conjuntura econômica.

Chegamos a constatar que o abismo social tem origens históricas, e

mesmo que institutos agrários tenham sido revogados, sua aplicação fez brotar

desigualdades sociais que hoje são sentidas e inegáveis para qualquer política que

venha a ser implementada.

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O Direito a terra pôde ser substancializado na Reforma Agrária e na

Regularização fundiária. Porém ambas, desde os instrumentos jurídicos até ás

políticas de Estado e de Governo, já que estão intrinsecamente ligadas, são

disputadas num sistema de mercado agrícola, mercado de terras e implementação

da Justiça Social no campo.

Não obstante, respostas a este cenário de desigualdade vem sendo

apontadas pelos movimentos sociais e dentro dos espaços acadêmicos, cada um

com possibilidades distintas, mas todos propondo a (re)estruturação do Direito com

a finalidade de garantir desenvolvimento e distribuição de terras. Coube, porém,

discernir o que seria factível, como também o meio mais eficaz.

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2. DIREITO À TERRA COMO PRODUTO DE CONFLITOS

A questão da terra traduz a relação de uma sociedade com o seu local, o

meio de onde obtém suas fontes de sobrevivência, seu lócus de habitação e vida, ou

seja, a terra é ao fim e ao cabo a natureza, o ambiente natural no qual homens e

mulheres existem.

Conforme a utilização da terra, cada sistema econômico desenvolvido na

história divide o espaço em vários segmentos, atribuindo a cada um, valor

específico. Deste modo, o espaço urbano é distinto do rural, como um terreno no

centro da cidade passa a ser diferente do terreno da periferia, correspondendo às

desigualdades socioeconômicas, e considerando seu valor produtivo.

Ao mesmo passo, por força da intervenção do ser humano, a terra

adquire valor que a caracteriza como uma riqueza, objeto necessário à constituição

da vida e desenvolvimento das forças produtivas.

Se numa ordem social os bens necessários à sobrevivência, como a terra,

passam a ter um valor que permite a sua troca, logo são automaticamente

cambiáveis; e, quanto mais organizado for esse sistema de troca de bens, mais

caracterizado estará seu mercado.

Por seu turno, a intercambialidade de um bem faz dele uma mercadoria,

com a tarja de seu preço, com valor de troca (expresso, por exemplo, em dinheiro).

Tendo a Terra recebido tal valor não só sua troca se torna possível, como provável

será sua disputa, havendo oferta e procura.

A estrutura social, em síntese, dá a terra dois significados, o de um

direito e de uma mercadoria1. O Direito à Terra nasceu nas representações sociais,

simbólicas e religiosas. As lutas históricas pelo acesso à terra fornecem-lhe um valor

jurídico imenso, sendo considerada na formatação atual do Direito, com relevância

ao aspecto positivo, um Direito Fundamental.

1 Diferentemente da atividade industrial, onde a terra é simplesmente o espaço sobre o qual se constrói a unidade produtiva e se organiza o processo de trabalho, na agricultura ela á um meio de produção fundamental na medida em que é no solo que o processo biológico das plantas se realiza e, indiretamente, a produção animal; é uma mercadoria que embora não seja reprodutível e não se possa atribuir valor, no sentido marxista do termo, pode ser apropriada privadamente, permitindo ao seu proprietário o poder de dispor dela em favor ou não do aumento da produção . (BELIK, W., REYDON, B., GUEDES, 2007. p. 105)

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Ainda neste sentido, tal qual o espaço urbano, o meio rural congrega

disparidades socioculturais, relativas aos grupos humanos, biomas e modos de

produção. Trataremos aqui da terra ligada à agricultura, ou seja, do meio rural. A

paisagem natural modificada no cultivo de plantas e na criação de animais

representará o eixo central das relações socioeconômicas em questão.

A começar, a história moderna do Direito à Terra no mundo ocidental

resulta de um processo histórico de disputas, conflitos e guerras. Desde Jacques de

Ille-de-France, os ‘nu-pieds’ normandos; nonnets rouges bretões; croquantes e

camisards dos séculos XVI e XVII, a estrutura social de desigualdades econômicas

coloca em choque pobres e ricos, no interesse da propriedade rural2.

O crescimento populacional europeu após o século XV tencionou a

demanda por terras agricultáveis. Ao mesmo tempo em que a elite mercantilista

ascendia socialmente, parcela do campesinato foi levada à manutenção de seu

modo de produção, e outra se desenvolveu com o monopólio das técnicas e

mercados agrícolas.

Em conseqüência, entre esses grupos sociais passaram a existir conflitos

diretos. Por exemplo, guerras camponesas na Alemanha no século XVI e

sublevações em toda Europa oriental na Rússia, bem como o gesto do cossado

Bolotinikov no século seguinte (PRESSBURGER, 2002, p. 115) que representaram

marcos da insurreição propriamente camponesa.

Durante o século XIX as manifestações populares, em especial do

proletariado, levaram à força os avanços dos chamados direitos sociais (à educação,

saúde, condições dignas de trabalho e à terra). “Nas lutas sociais, portanto, os

operários passaram a reivindicar novos direitos, ocorrendo uma ampliação

progressiva dos direitos do homem e do cidadão” (ERNICA; ISAAC; MACHADO,

2 As grandes sagas de revoltas do século XVII são aquelas que conhecemos sob o nome dos cróquants (Quercy, Primavera de 1624; Guyenne, Maio Junho de 1635; Sain-tonge, Abril Junho de 1636; Gasconha, 1638-1645; Périgord, 1637); dos nus-pieds (Normandia, julho-Novembro de 1639); dos sabótiers (Sologne, Agosto de 1658); dos lustucru (Boulonnais, Maio Julho de 1662); dos bónnets-róuges (Bretanha, 1675); dos tard-avisés (Quercy, Maio Junho de 1707). Os maiores destes levantamentos, no auge da vaga, chegaram a reunir algumas dezenas de milhar de camponeses. Na maioria dos casos, os amotinados agrupavam-se em bandos que variavam entre algumas dezenas e alguns milhares de homens juntos, sob o comando de “capitães” escolhidos geralmente no seio dos camponeses, mas as vezes também na nobreza. Os camponeses raramente dispunham de armas de fogo, estando sobretudo munidos das suas armas tradicionais -facas, forquilhas, machados e chuços. Podem-se distinguir quatro tipos de motins, bem como outros tantos tipos de violência colectiva: contra a carestia do pão, contra os aquartelamentos, contra a cobrança dos impostos e contra a cobrança das rendas. (BACZKO, 2011).

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2010). Conquistando direitos além das garantias individuais decorrentes do processo

revolucionário francês do século XVIII.

Deste período marcado pela Revolução industrial decorreram mudanças

sociais, como o crescimento da classe proletária que impulsionaram processos

insurgentes por melhores condições de vida dessa população em face dos Estados

Nacionais. A força social, criada pelos trabalhadores - em seus sindicatos e

movimentos - promoveu a modificação dos ordenamentos jurídicos para que

contemplassem suas reivindicações ao menos na letra da lei.

Esse momento histórico ficou marcado pela concepção de Estado do

Bem-estar social (Welfare State), que compreendesse as pressões das massas

populares e lhes concedesse direitos sociais, tendo como referências a Constituição

Mexicana de 1917, Constituição de Weimar de 1919 (Alemanha), Constituição

Espanhola de 1931 e a Constituição da Irlanda do ano de 1937. Além de alguns

Estado Nacionais, a Igreja Católica reconheceu relativamente a legitimidade dos

protestos do proletariado3.

A Constituição Mexicana de 05 de fevereiro de 1917 trouxe em seu bojo a

positivação da função social da propriedade. Vejamos seu art. 27, §3º:

A Nação terá  em todo o tempo o direito de impor à propriedade  privada as modalidades que dite o interesse público, assim como o de regular o aproveitamento dos  recursos naturais suscetíveis de apropriação, para fazer uma distribuição eqüitativa da riqueza pública e para cuidar de sua conservação. Com esta finalidade, fixar-se-ão as  medidas necessárias para o fracionamento dos latifúndios;  para  o desenvolvimento da pequena propriedade agrícola produtiva; para a criação de novos centros de povoamento agrícola com as terras e águas que lhes sejam indispensáveis; para o fomento da agricultura, e para evitar  a destruição dos recursos  naturais e os danos que a propriedade possa sofrer em prejuízo da sociedade. Os núcleos de povoamento que  careçam de terras e águas, ou não as  tenham em quantidade suficiente para as necessidades de sua população, terão direito a que se lhes dote delas, tomando-as das propriedades lindeiras, respeitando sempre a pequena propriedade agrícola produtiva.

3Na encíclica Populorum Progressio (1967), Paulo VI declarou: “Se a terra é feita para fornecer a cada um os meios de subsistência e os instrumentos do progresso, todo homem tem direito de nela encontrar o que lhe é necessário”. Na Encíclica Rerum Novarum (1891), Leão XII afirmara que a autoridade deve intervir na propriedade privada para moderar-lhe o uso e harmonizá-la com o bem comum (TOURINHO NETO, 2002). Porém, conforme o Papa Leão, XIII, na encíclica Rerum Novarum possuir singularmente bens como seus era direito dado ao homem pela natureza. De outro lado, também não era lícito à consciência cristã admitir como justa uma ordem social que, em máxima parte, nega ou torna praticamente impossível ou vão o direito natural de propriedade tanto dos bens de consumo quanto de produção.

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Veremos daí que o Direito a Terra como direito fundamental é uma

construção histórica e passa a ser modificado e compreendido de acordo com as

circunstâncias, sendo caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra

velhos poderes. E nascido de modo gradual, não todos de uma vez, nem de uma

vez por todas.

As mobilizações camponesas em países em desenvolvimento, como o

levante zapatista no México, as ações do Movimento dos Trabalhadores e

Trabalhadoras Rurais Sem-terra (MST) no Brasil, o Conselho Nacional dos

Camponeses (CNC) na Colômbia, ratificam a assertiva da busca constante por

liberdade. No México as principais reivindicações das organizações camponesas

são: uma moratória ao capítulo agrícola do NAFTA, a implementação de programas

sociais para 2003-2020, uma verdadeira reforma financeira no setor rural, a

exclusividade do Congresso para modificar o orçamento do setor rural, o acesso à

alimentação de qualidade e seguranças para todos os mexicanos, o reconhecimento

da cultura e dos direitos dos povos indígenas. (TANAKA, 2004, p. 138).

A luta camponesa na Colômbia conquistou em 1926 a promulgação da Lei nº 74, que reconhecia a função social da propriedade, autorizava o Estado a expropriar terras agricultáveis não exploradas e estabelecia ainda outras medidas em favor dos colonos. Além das Ligas Camponesas, surgiram o Partido Agrário Nacional, dirigido por Erasmo Valencia, a Union Nacional Izquierda Revolucionaria (UNIR), fundada por Jorge Eliecer Gaitan e o Partido Socialista Revolucionario. O Conselho Nacional Campesino (CNC), fundado em 19 de março de 1999, dele fazem parte 11 organizações nacionais. (MONDRAGON, 2004, p. 89).

Essencialmente esta liberdade está refletida na possibilidade real de

acesso à terra, para todos. Os fatos sociais deste quadro representam a conduta do

Estado em face do sistema econômico, em âmbito nacional e internacional, e dos

sujeitos de direito que pelo trabalho rural necessitam da Terra4.

4 Os complexos agroindustriais são áreas nas quais os elementos do ambiente institucional, tais como os direitos de propriedade da terra, as políticas agrárias e agrícolas, a política de segurança alimentar, etc, tem efeitos importantes sobre as ações dos agentes que os compõem. (BELIK, W., REYDON, B., GUEDES, 2007. p. 107)

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3. FORMATAÇÃO E A DISPUTA PELO TERRITÓRIO

3.1 O que é território?

Explorando o substantivo “terra” como simples representação, podemos

entendê-lo de diversas maneiras. Como já visto, a terra como direito representa a

busca pelo espaço, um local de sobrevivência e reprodução de estilos de vida. A

história do direito a terra sempre esteve ligada a disputa por território, ou seja, pelo

poder de determinação social do espaço.

Portanto, de pronto cabe entender as configurações territoriais como

determinações materiais, e não como meras causalidades. As ‘disputas políticas’, as

‘correlações de força’, desenham os mapas e traçam as rotas do uso da terra.

Esses termos possuem vinculação estrita com as relações de poder que afloram na disputa por condições de existência, e que direta ou indiretamente dizem respeito à terra, matriz de todos os bens, convertidos ou não em mercadorias, a depender do circuito no qual são extraídos, transformados e consumidos (PAULINO, 2010, fl.108)

Cada grupo humano constrói seu espaço de vida com as técnicas que

inventa ou apreende para tirar do seu pedaço de natureza os elementos

indispensáveis à sua própria sobrevivência. Organiza a produção, a vida social e o

espaço, na medida de suas próprias forças, necessidades e desejos. A cada

constelação de recursos corresponde a um modelo particular de sobrevivência.

O território social é, portanto, uma reprodução do real. Cada território possui seus próprios códigos, suas representações e também suas fronteiras. Desta forma, conformam-se modelos, representações, construções da realidade, que se revelam como instrumentos de poder. Assim, pensar o território implica ainda compreendê-lo através das relações de poder. (PAULINO, 2010, p.108)

O território deve também ser apreendido como síntese contraditória, como

totalidade concreta do processo de produção e distribuição dos bens, frutos da terra,

e da função de ingerência que o Estado desempenha.

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O território é assim produto concreto da luta de classes travada pela sociedade no processo de produção de sua existência. Dessa forma são as relações sociais de produção e processo contínuo; contraditório de desenvolvimento das forças produtivas que dão a configuração histórica especifica ao território. (FABRINI, 2010, p.36)

Atualmente, as discussões sobre o acesso à terra e formatação territorial

devem ser realizadas levando-se em conta o fator primordial que alcança a realidade

rural como um todo: a modernização agrícola que está acontecendo em muitas

partes do mundo.

Temos, portanto, que a chamada modernização da agricultura é

justamente “o processo que reforça a hegemonia latifundiária, processo que tem

como marco a implantação de inovações tecnológicas no processo produtivo, e que

intensificou as relações capitalistas na agricultura” (ONOFRE; SUZUKI, 2011). Em

síntese, a modernização criou o conflito/competição entre dois modelos de

desenvolvimento agrícola.

Por um lado, a promoção das agroempresas como uma forma de atrair

capital privado e aumentar a produtividade agrícola. Por outro lado, a agricultura

familiar como a espinha dorsal da subsistência rural em muitas partes do mundo em

desenvolvimento. Os modos coexistem no uso intensivo do capital, porém, o apoio a

pesquisas, desenvolvimento tendem a se concentrar no setor comercial5.

Na conjuntura atual do campo prevalece a conflitualidade existente entre

a agricultura familiar e o agronegócio referente à disputa de território. Cada um

representa diferentes modelos de desenvolvimento, ao ponto de formar territórios

divergentes, dentro da totalidade do meio rural.

A conjunção de organizações espaciais diferentes e paisagens

geográficas completamente distintas, de acordo com a matriz tecnológica e o modo

produtivo, sugere o reflexo final da dinâmica dualista e bipolarizada dos movimentos

econômicos no campo.

Segundo João Fabrini nesta condição temos diferentes tipos de

paisagens. A primeira deriva do território camponês se caracteriza pela pequena

escala de heterogeneidade geográfica, caracterizado pelo freqüente povoamento,

pela policultura e produção diversificada de alimento – principalmente – para o

desenvolvimento local, regional e nacional (FABRINI, 2010, p. fl37).

5 Análise a partir do texto “Políticas e práticas para assegurar e melhorar o acesso a terra” da Conferência internacional sobre reforma agrária e desenvolvimento rural.

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O estabelecimento familiar moderno define-se como uma “unidade de

produção menos intensiva, financeiramente pouco comprometida e, principalmente,

muito retraída em relação ao mercado” (FERNANDES, p. 190), por certo, a maior

parte de suas produções é reutilizada para as necessidades da unidade de produção

ou autoconsumida pela família, e nunca é totalmente comercializada.

A segunda, onde predomina o chamado ‘agronegócio’6, aparece mais

como um movimento que se distingue pela escala e homogeneidade da paisagem

geográfica, e é reproduzido pelo trabalho subalternizado e controle tecnológico das

commodities. Daí o fato da agricultura familiar estar ligada à propriedade suficiente

para a produção familiar e de excedentes, quando o agronegócio consolida o

latifúndio.

Eduardo Galeano em seu livro “As Veias Abertas da América Latina”, nos

informa que “o latifúndio e seu parente pobre, o minifúndio, constituem em quase

todos os países latino-americanos, o gargalo da garrafa que estrangula o

desenvolvimento de toda economia” (GALEANO, 2010, p. 181).

O cerne do confronto de tais tendências econômicas no campo se

apresenta não só na qualidade, mas fundamentalmente na quantidade. A

apropriação de terras demarca a diferença no rumo do desenvolvimento. Para o

agronegócio a terra será concentrada. Na agricultura familiar será distribuída.

Nuances, no entanto, definem as evoluções do desenvolvimento rural que rompem

com a dicotomia. Galeano complementa:

O regime da propriedade imprime sua marca no regime da produção: 1,5 por cento dos proprietários agrícolas latino-americanos possui metade das terras cultiváveis, e a America Latina gasta anualmente mais de 500 milhões de dólares para comprar no estrangeiro alimentos que facilmente poderiam ser produzir em suas imensas e férteis terras. Apenas 5 por cento da superfície total está cultivada: a mais baixa proporção do mundo e, portanto, o maior desperdício. De resto, nas escassas terras cultivadas os rendimentos são muito baixos. E as técnicas modernas de produção, virtual monopólio das grandes empresas agrícolas, em sua maioria estrangeiras, são empregadas de tal modo que em vez de ajudar os solos os envenenam para ganhar o máximo num mínimo de tempo (GALEANO, 2010, p. 181).

6 O agribusiness é conceito criado por Davis e Goldberg na Universidade de Harvard na publicação do livro “A concept of agribusines”, em 1957. Os norte-americanos haviam desenvolvido uma série de quadros a partir das contas nacionais dos anos de 1947 e 1964 mostrando que podemos ver o agribusiness como o principal componente da economia americana compreendendo 35 a 50% do total nacional, dependendo do tipo de medida que se emprega.

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O choque entre agronegócio e a produção familiar camponesa ensejará

respostas pelo Estado. O principal foco a ser explorado, a partir de então, será a

necessidade de ordenamento territorial e em que medida esta política oferece a

concretização da Justiça Social, em meio a dinâmica econômica gerida por

instituições multilaterais.

Ora, não é preciso grande capacidade de discernimento para concluir-se que o acesso à terra de trabalho como preconizava a CNBB – na mesma linha de Marx, sobre os bens de isso, diga-se de passagem – há muito não só foi esquecido em favor da terra de exploração, como esse último modelo vem aumentando o potencial excludente da propriedade privada. (ALFONSIN, 2003, p. 53).

3.2 As forças e tendências econômicas da atualidade no campo

O Desenvolvimento agrícola, as políticas de governo, o mercado de terra

e o mercado de produtos agrícola, constituem atualmente determinado sistema

econômico que se sustenta na exploração e no acúmulo de riquezas, na

transformação de capital em mercadoria e novamente em capital; e nas

modernizações avançadas das forças produtivas.

O modelo em voga, analisado no âmbito rural, se apresenta como um

processo de modernização da agricultura e na incorporação de novas terras à

dinâmica de produção de mercadorias nos estabelecimentos agropecuários7.

O produto social da cadeia produtiva envolve latifundiários, pequenos

proprietários, ribeirinhos, posseiros, quilombolas, dentre outros camponeses,

indígenas, e o Estado enquanto instituição reguladora da propriedade rural.

De acordo com Fabrini (2010, p. 60) a expansão do modo capitalista de

produção tende a promover a expulsão/expropriação dos camponeses, e a

concentração da terra. Ou seja, uma espécie de ‘fronteirização’ do capital.

O expoente capitalista em questão seria o próprio agronegócio, e seus

pacotes tecnológicos modernos, produção em larga escala, exploração de grandes

extensões de terras, geralmente de base monocultora e voltada para os mercados

7 O IBGE define como estabelecimento agropecuário todo terreno de área contínua, independente do tamanho ou situação (urbana ou rural), formado de uma ou mais parcelas, subordinado a um único produtor, onde se processasse uma exploração agropecuária. Excluíram-se da investigação os quintais de residências hortas domésticas

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21

de exploração, promovendo a consolidação dos latifúndios, o que não significa que a

agroindústria moderna seja uma extensão da fazenda. Pelo contrário, estamos

tratando de uma agroindústria constituída a partir de capitais provenientes também

de outras órbitas. Em outras palavras, “a agroindústria moderna não é fruto da

integração para frente dos capitais agrários, mas sim através da integração para trás

principalmente do capital financeiro, comercial ou industrial”. (BELIK, 2007, p. 143)

Por sua vez, “Os camponeses não constituem uma sociedade à parte,

uma classe arredia ou um modo de produção próprio” (BOGO, 2010, p. 91). O

campesinato8 é constituído com a expansão capitalista, exatamente sendo produto

das contradições da expansão, a classe camponesa é umbilicalmente determinada

pelas contradições e recriações do meio rural.

Geralmente são vítimas das inovações e das transformações que mexem com seu modo de produzir a existência. Eles fazem parte do mesmo modo de produção em vigor em buscam, por meio das formas variadas de produção, maneiras de resistirem às transformações forçados por elementos externos. (BOGO, 2010. p. 91)

Para Francisco Costa, o avanço das transformações tecnológicas e

ampliação da produção de mercadorias a partir da forma camponesa de produzir

forma nos territórios ‘as fronteiras de desenvolvimento’, acompanhada da construção

de um campesinato de grandes proporções. Adiciona ademais que:

A fronteira agrícola é entendida como contínuo avanço de estruturas camponesas sobre áreas não desbravadas para a agricultura, sendo o componente do desenvolvimento agrário brasileiro a garantir, pela ampliação da chamada margem extensiva desse desenvolvimento, o atendimento dos mercados urbanos em expansão, além de constituir absorvedouro de excedentes populacionais (COSTA, 2000, p. 198)

Portanto, as relações entre diferentes tecnologias que importam em

diferentes atribuições ao valor da terra, não se dão pelo acaso. A história evidencia a

construção de uma estrutura objetiva/material ao mesmo tempo política para

8 “As palavras “camponês” e “campesinato” são das mais recentes no vocabulário brasileiro, aí chegadas pelo caminho da importação política. Introduzidas em definitivo pelas esquerdas há pouco mais de duas décadas, procuraram dar conta das lutas dos trabalhadores do campo que irromperam em vários pontos do país, nos anos 1950. Antes disso, um trabalhador parecido, que na Europa e em outros países da América Latina é classificado como camponês, tinha aqui denominações próprias, específicas ate em cada região”. (MARTINS, J.S. Os camponeses e a política no Brasil. In: Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e o seu lugar no processo político. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1995 p. 21)

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22

justificar na atualidade a intensidade de conflitos e mais uma vez por em questão a

atuação do Estado de Direito no cumprimento de princípios constitucionais.

No Brasil a estratégia política da agroindustrialização é relativamente

recente. A política de elevar o valor agregado através do processamento de

produtos agrícolas começa a fazer parte do discurso governamental somente ao

final dos anos 1960.

Antes disso, a agricultura era vista como um setor voltado para si mesmo

com a finalidade de produzir bens finais para exportação ou para o consumo interno

de alimentos (BELIK, 2007, p. 156). É possível que se leve à discussão

considerando se a agropecuária moderna pode ser feita com menos terra e menos

trabalho, mas com muito mais capital. O complexo de agronegócios da agricultura

pode ser visualizado enquanto uma estrutura de segmentos setoriais, envolvendo

empreendimentos em cadeias que se iniciam, nas fábricas de insumos e maquinaria

e finalizam-se nas estruturas de varejo. Apuraremos em seguida a formatação

fundiária e a consolidação da agroindústria no Brasil e na Amazônia.

4. HISTÓRICO GERAL DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO BRASIL

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23

A questão agrária no Brasil, em âmbito jurídico e social, envolve, como

em diversos países da América Latina, conflitos e falhas relativas à distribuição de

terras, e seus desdobramentos na política econômica e social na efetivação de

direitos nas formas de acesso a terra.

A trajetória histórica e cultural do continente latino-americano tem sido marcada por um processo constitutivo de dominação interna e de submissão externa. Uma história de contradições, caracterizada pelo autoritarismo e pela violência de minorias, e pela marginalidade e resistência das maiorias ‘ausentes da história’, como os movimentos indígenas, negros, campesinos e populares (WOLKMER, 2004, p. ix).

A Amazônia se apresenta, nesse cenário, como especial território onde

convergem diversos interesses antagônicos relacionados à propriedade

historicamente determinada e o uso da terra. A estrutura fundiária desta rica região é

disputada pelo agronegócio, povos tradicionais e campesinato. Atualmente sofre

contínuo processo de reconfiguração.

O instrumento jurídico como resolução de conflitos não apresentou uma

saída equânime para o caos fundiário, desde a colonização do país. Hoje os

desafios persistem e impelem a transmudação do Direito - como ordenamento

jurídico vigente – mas, sobretudo, da atuação do Estado no que concerne à política

agrária que efetive os preceitos fundamentais de garantia do acesso à terra

acompanhado de justiça social.

Primeiramente, o ‘dever-ser’ da Ciência Jurídica exige necessariamente

uma análise dos fatos, a realidade econômica latente que determina a dinâmica

social. Para isso será vista a formatação da estrutura fundiária, o que ela representa

e como é forjada, objetivando apurar o olhar científico sobre a aplicação do preceito

constitucional.

A realidade posta é a de que as terras que hoje representam o território

do Brasil eram habitadas por uma pluralidade étnica, - hoje denominada

genericamente como ‘povos indígenas’, -até o processo de colonização

engendrado fundamentalmente por Portugal a partir de 1500. A realocação e o

extermínio desses povos são os pontos iniciais do estabelecimento da (des)

organização territorial do Brasil.

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24

Antes mesmo de chegarem à costa brasileira os europeus já haviam

distribuído a parte sul do continente americano. Antes da descoberta e colonização

pelo lusitanos as terras eram consideradas propriedade do rei, por direito de

conquista, por força dos Tratados de Alcaçovas (1479) e de Tordesilhas (1494). O

poder político exercido em nome de toda Igreja Católica também reconhecia

formalmente através das declarações papais as terras adquiridas através das armas

e da diplomacia (TRECCANI, 2001, p.27).

Insuficiente economicamente de territórios exploráveis que sustentassem

a relação mercantilista mantida por Portugal com outras nações, em decorrência do

baixo aproveitamento da Índia, a metrópole passou a investir na colônia americana,

dando cabo à ocupação da terra descoberta.

Para tal o sistema sesmarial outrora utilizado no Reino de Portugal é

implementado na colônia para administração e exploração das riquezas. O instituto

sesmarial era concessão do Poder Público, ou seja, da metrópole portuguesa de um

direito ao uso da terra assegurado pela exploração efetiva do solo de caráter

resolutivo. Consistia em distribuir o território ainda inexplorado entre alguns

abastados escolhidos da Corte Lusitana. As grandes porções de terras eram, no

entanto, intangíveis a um controle rigoroso.

No período pombalino, o Alvará 03 de 1770, que tratava da tramitação

administrativa do processo de confirmação das cartas de sesmaria, para que fosse

estabelecida a segurança jurídica relativo aos domínios coloniais no Brasil, ditou

uma burocracia intragável, e logo os latifúndios formados a partir da ocupação

lusitana foram mantidos e, ampliado o número de posses9.

Com a independência do Brasil, a divisão fundiária passou por uma fase

de transição, o reconhecimento da propriedade da terra seria feito pela legitimação

das posses. A Constituição de 1824 garantiu o caráter absoluto da propriedade da

terra a liberando de qualquer condição ou cláusula resolutiva (TRECCANI, 2001, p.

69).

9 Segundo PANINI, alguns dos resultados que podem ser atribuídos ao regime de sesmarias no Brasil são: 1) formação de extensas propriedades, monoculturas de produtos abastecedores do mercado europeu; 2) mentalidade latifundiária, mantenedora de grandes glebas de terra inexplorada; 3) adoção de um modelo de agricultura estimulador de práticas predatórias e manutenção de técnicas agrícolas baseadas em técnicas rudimentares; 4) fortalecimento do poder político-econômico do sesmeiro, pela concentração da propriedade da terra em suas mãos.( PANINI, Carmela. Reforma agrária, dentro e fora da lei. São Paulo: Paulinas, 1990. P. 26. Apud: TRECCANI, Girolamo Domenico. Violência e grilagem. p. 45)

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25

No entanto, precisava ser aprovada uma lei complementar que

regulamentasse a matéria. Passaram-se cerca trinta anos neste vazio de

regulamentação infraconstitucional, período tido como ‘o império da posse’. O

sistema de propriedade de grandes extensões prevaleceu ainda no período imperial.

Até a Lei de Terras, o registro das propriedades era feito basicamente junto aos

registros paroquiais de Terra, sob responsabilidade dos provedores. O registro

paroquial ainda foi utilizado por muito tempo após a promulgação da Lei de terras.

A partir da Lei 601 de 1850, a Lei de Terras, as terras devolutas poderiam

ser adquiridas pela compra, ficando vedada a aquisição pela posse. A capacidade

de exploração da porção de terra pelo seu proprietário determinava o seu tamanho.

Sesmarias ou outras concessões expedidas pelo governo puderam ser revalidadas

desde que tivessem cumprido as condições prescritas nos respectivos títulos

(BENATTI, 1996, p. 88).

Segundo Treccani (2001, p. 69), deste modo, obtinha o Direito a terra

somente aquele que dominava um poder político e econômico, capaz de se

apoderar das maiores quantidades de terras. Em suma a Lei de Terras aprovada em

1850 e regulamentada em 1854 tinha por objetivo: ordenar a apropriação territorial

do país; acabar coma posse; fazer cadastro de terras; financiar a imigração; criar um

setor agrícola de pequenos proprietários; tornar a terra uma garantia confiável para

empréstimos e, funcionar como chamariz para a imigração.

Durante o século XX o modelo de regularização fundiária foi transformado

a partir de marcos legislativos importantes como o Estatuto da Terra e o Decreto Lei

1.164 de 1 de abril de 1971, que permitia a federalização das terras da Amazônia.

Estes dispositivos legais por representarem de certo modo instrumentos de atual

aplicação serão vistos em parte específica deste trabalho. Enfim, abordaremos

adiante a Constituição de 1988, em detalhes.

4.1 Recortes determinantes da estrutura fundiária da Amazônia

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As mudanças na ordem normativa agrária, desde o período colonial,

tiveram seus efeitos específicos na região Amazônia, em especial as terras hoje

localizadas no Estado do Pará. A história fundiária paraense, em termos jurídicos,

teria começado em 5 de setembro de 1501, quando Fernando e Izabel, reis de

Espanha, concederam uma carta patente para Vicente Yanes Pinzon nomeando-o

governador das terras desde o cabo de Santo Agostinho até o Reino Orenoco

(TRECCANI, 2001, p. 50).

Entretanto, firmado o direito de conquista e com a divisão da Terra de

Vera Cruz em Capitanias, João de Barros recebeu da Coroa Portuguesa em

conjunto com seu sócio Aires da Cunha as 50 milhas mais ao norte do Brasil, do

Gurupi até o Amazonas através da Carta Régia de 1534 (TRECCANI, 2001, p. 50).

No Pará predominou a ocupação primária, prática utilizada tanto pelos camponeses

como pelos grandes proprietários ainda no período republicano. (BENATTI, 1996, p.

137).

No século XX a expansão da economia industrial alcança as nações

periféricas, quando são implementadas as indústrias de grande porte da siderurgia.

O início do século combina, na lógica econômica, o desenvolvimento das técnicas

industriais e as demandas das grandes guerras. No ensejo, o aproveitamento dos

recursos minerais e florestais é intensificado, e os olhares do governo federal se

prendem a região amazônica.

No pós-Primeira Guerra a Amazônia viveu uma profunda crise e, e a partir

dela surge um forte processo de reorientação de sua economia e sociedade. A

redefinição, no mercado mundial, das novas bases da economia da borracha natural

colocadas pelos plantios orientais, reordenou a estrutura regional que se nutriu dos

elementos restantes dos decadentes seringais (COSTA, 2000, p. 185).

Na década de 1930 as leis brasileiras condicionaram o direito de

propriedade. Nessa mesma linha, a Constituição de 1946 estabeleceu que o uso da

propriedade tinha a finalidade de atingir o bem-estar social10 e ensejou a promoção a

justa distribuição da propriedade. Ademais, essa Constituição acrescentou às

causas tradicionais de desapropriação – necessidade e utilidade pública – a

desapropriação por interesse social. (CEPAL, 2000)

10 “o uso da propriedade está subordinado ao bem-estar social” (art. 147, CF/46)

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27

Após, no cenário mundial, finda a Segunda Grande Guerra, a construção

da Rodovia Belém-Brasília, segundo Violeta Loureiro (2002, p. 85), pode ser

considerada como um verdadeiro marco para a história da região Amazônica,

introduzindo-a nas exigências da nova economia internacional.

Ao mesmo passo um pacote de novas tecnologias é introduzido na

produção agrícola. O período de industrialização do campo ficou conhecido como

“Revolução Verde”, importando na modernização da agricultura, a fim de garantir o

aumento da produtividade da terra para a produção de alimentos através da adoção

de um novo sistema agrícola que privilegiasse a padronização da produção

alimentar, a motorização e mecanização do cultivo, utilização de produtos químicos

nas atividades agrárias (MATTOS NETO, 2011).

Para Benatti, desde o golpe militar de 1964 o problema da terra,

particularmente na Amazônia, transformou-se progressivamente num problema de

ordem militar, esta intervenção se deu com a construção de uma infra-estrutura e um

rol de instrumentais jurídicos que pretendiam legitimar a nova fase de

desenvolvimento brasileiro, baseado da exploração arbitrária da Amazônia.

A partir deste momento, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 10 de 1964, a qual transferia a competência para a união de legislar sobre a questão agrária, e do Decreto-Lei 1.164 de 01 de abril de 1971, que subtraiu cerca de 70% das terras paraenses para a União, os Estados perderam quase que toda a competência que tinham para legislar sobre suas terras (BENATTI, 1996, p. 142).

Através do Decreto Federal nº 1164, de 1971, o Governo Federal retirou

dos estados as terras situadas dentro de uma faixa de 100 km de cada lado de todas

as estradas federais existentes, em construção ou simplesmente projetadas e não

iniciadas. (LOUREIRO, 2002, p.86). Francisco Costa complementa:

Na estratégia do Estado sobre a Amazônia ao ampliar a malha rodoviária, a abertura da Belém-Brasília faz a transmudação dos processos verificados no Paraná, até os anos 60, e em boa parte do centro-oeste, até os anos 70, para o eixo amazônico, ao atrair grandes projetos de infra-estrutura e arrastar uma massa contínua de camponeses pobres. (COSTA, 2000, p. 201)

A transformação da estrutura de desenvolvimento a partir do local

formava os sujeitos exploradores e ainda os próprios sujeitos explorados. Através

da malha viária cortando a floresta Amazônica foi considerada decisiva para a

colonização da região, atraindo e facilitando a inserção de migrantes, geralmente

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oriundo do nordeste do país, integrados ao contexto local sem estrutura, tornando-se

mão-de-obra barata11.

O território, no entanto, guardava a herança da história agrária do país,

com indefinições dos contornos fundiários, acompanhado do estimulo ao latifúndio.

Segundo Violeta Loureiro, as terras da Amazônia, em sua grande maioria devolutas,

para serem transferidas para os grandes grupos econômicos e garantir a

propriedade da terra aos pretensos investidores futuros, o governo alterou a

legislação existente e criou dispositivos legais extraordinários e de exceção

(LOUREIRO; ARAGÃO PINTO, 2002, p. 78)

De acordo com a mesma autora, para tornar legal a aquisição de terra

demarcada ou comprada fraudulentamente, muitas delas já aquinhoadas com

incentivos fiscais, o Governo Federal regularizou as terras griladas e ao Poder

Judiciário os instrumentos legais de que esta precisava para legalizá-las, e

posteriormente promover a expulsão dos antigos moradores (LOUREIRO, 2002, p.

81). Empresas de grande porte brotaram em larga expansão:

Até dezembro de 1985, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) havia aprovado incentivos fiscais no montante de US $ 3.928 milhões para 959 empresas, das quais 628 – 65,5% do total – eram agropecuárias (584) ou agroindustriais (44). (COSTA, 2000, p. 200)

O desenvolvimento tecnológico anunciado na Revolução Verde se amplia

na fronteira norte. As empresas agropecuárias foram contempladas com incentivos

da ordem de US$ 632,2 milhões (17,4% do total), tendo sido colocados à disposição

de cada empresa, em media, US$ 1,2 milhão. Na agroindústria, alocaram US$ 215,4

milhões, isto é, 5,5% de todo valor dos investimentos incentivados. (COSTA, 2010,

p. 54).

Somente com a nova ordem Constitucional Brasileira, consagrada em

1988, vários princípios afloraram no ordenamento jurídico pátrio para orientar a ação

do Estado e definir prioridades na resolução de conflitos no campo.

No entanto, demonstra-se um entendimento diverso, ou no mínimo

complexo, quando no plano concreto as perspectivas econômicas confundem-se,

priorizando o mercado, com a demanda por condições de desenvolvimento da

agricultura e mais os princípios fundamentais.

11 As taxas de crescimento populacional da região entre 1950 e 1970 variam entre 3,9% a 4,4% ao ano, passando de 3.427.000 habitantes em 1950 para 7.717.000 em 1970? (DIEHL, 2010)

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En el contexto, pues, de La apertura econômica o globalizacion, el problema agrário, y su defectuosa estructua de propiedad y tenecia de La tierra, no puede abordarse solo desde uma perspectiva campesina, sina a la luz de la realidade y de lãs exigências del desarrollo global, asi como teniendo em cuenta el proceso de urbanizacion y la proteccion ambiental. Pero, por outro lado, cualesquiera planes de desarrollo agrário no son factibles si la tierra esta mal distribuída y si quines la trabajan no son sus propietarios. (CORREDOR, 2001, p. 43)

A cada momento histórico já visto há um correspondente jurídico, seja

programático, principiológico ou técnico, para a realização de determinado objetivo

político-econômico-social. Vejamos quais os aportes legais que permitiram

mudanças no paradigma da reorganização fundiária.

5. INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E ACESSO À TERRA

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5.1 Institutos Jurídicos de Distribuição da Terra

“Posse” e “propriedade” são institutos do direito que expressam a relação

entre os seres humanos e as coisas. Ambos figuram como instrumentos para o

acesso a terra. A posse, sobretudo, guarda significação complexa, sendo que na

acepção agrária a posse é o exercício direto e contínuo, durante um tempo

ininterrupto, de atividades agrárias adequadas à natureza do ambiente.

A ordem cronológica da aplicação dos instrumentais jurídicos no

ordenamento jurídico brasileiro, a respeito da distribuição e redistribuição de terras,

nos indica a evolução da regularização fundiária no Brasil e como foram forjados os

modelos políticos de resolução da questão agrária.

A Carta Magna de 1824 previu pela primeira vez o rito da desapropriação

no ordenamento jurídico pátrio. Entretanto, considerava apenas a utilidade ou

necessidade pública. Somente no século seguinte o interesse social caracterizou o

ato de desapropriação, vide o teor da Constituição de 1934.

A ordem constitucional posterior, de 1946, expressou superficialmente a

distribuição da propriedade: ”art 147 - O uso da propriedade será condicionado ao

bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16,

promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.

O Decreto-Lei nº 3.365/41 dispunha sobre o rito da desapropriação,

garantindo por meio de declaração de utilidade pública, a desapropriação de todos

os bens pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios. Mas

sua redação original não considerava a finalidade para a reforma agrária, somente

em 2001, com a Medida Provisória nº 2.183-56, 60 anos depois sua redação foi

alterada, para incluir no art. 15-A, o seguinte:

No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. (grifo nosso)

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Com o tempo certas lacunas no sistema jurídico agrário foram sendo

supridas. A Emenda Constitucional nº 10 de 1964 deu a União competência para

legislar sobre direito agrário, definiu o pagamento de justa indenização em títulos da

dívida pública, no caso do art. 147 da CF/46; afirmou a indenização em dinheiro

pelas benfeitorias úteis e necessárias encontradas na propriedade; determinou que

os planos que envolvessem desapropriação para fins de reforma agrária seriam

aprovados por decreto do Poder Executivo, e sua execução será da competência de

órgãos colegiados; e assegurou aos posseiros de terras devolutas que teriam

morada habitual, preferência para aquisição até cem hectares; firmou que sem

prévia autorização do Senado Federal, não se fará qualquer alienação ou concessão

de terras públicas, com área superior a três mil hectares, salvo quando se tratar de

execução de planos de colonização aprovados pelo Governo Federal.

A Lei nº 4.504 de 1964, chamada de Estatuto da Terra, dispôs sobre um

conjunto de medidas acerca da Reforma Agrária e a promoção da Política Agrícola.

Em seu bojo trouxe o conceito de Reforma Agrária. De acordo com o §1º do art. 1º

do Estatuto da terra, considera-se reforma agrária: “o conjunto de medidas que

visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de

sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de

produtividade”.

Em seu art. 2º enumera um conjunto de quatros condições

caracterizadoras do cumprimento da função social da propriedade da terra, sendo

elas: o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores, a manutenção de níveis

satisfatórios de produtividade, a conservação dos recursos naturais e a observância

dos direitos trabalhistas. Em seu bojo a lei trouxe importantes definições técnicas

para regularização fundiária e reforma agrária. Além de ‘Empresa rural’, ‘parceleiro’,

e “colonização” conceitua em seu art. 4º:

I - "Imóvel Rural", o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;

II - "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;

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III - "Módulo Rural", a área fixada nos termos do inciso anterior12;

IV - "Minifúndio", o imóvel rural de área e possibilidades inferiores às da propriedade familiar;

Sobre o "latifúndio", o texto normativo expunha dois tipos, por dimensão e

por exploração. Quando superar a área definida na forma de seu art. 46, a terra

seria latifúndio por dimensão. Seria por exploração quando mantido inexplorado em

relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins

especulativos, ou seja, deficiente ou inadequadamente explorado. A única exceção

estaria presente na proteção da terra tendo em vista a floresta nela contida.

O desconhecimento da real estrutura fundiária ensejou a competência

dada ao Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) através da Lei 4.504/64 para

discriminar as terras devolutas federais, com autoridade para reconhecer as posses

legítimas manifestadas através de ‘cultura efetiva’ e ‘morada habitual’, bem como

arrecadá-las ao patrimônio público federal quando desocupada ou ocupadas

ilegalmente. O instituto garantia a emissão de títulos de domínio aos posseiros.

A distribuição ou redistribuição de terras, denominada Reforma Agrária,

teria o objetivo de criar um sistema entre os cidadãos e a terra capaz de congregar

desenvolvimento econômico e justiça social. Para tanto, reza o Estatuto da Terra,

seria necessária a extinção do minifúndio e do latifúndio. Os meios de execução

desta política seriam a desapropriação por interesse social; doação; compra e

venda; a arrecadação dos bens vagos; reversão a posse pelo Poder Público de suas

terras e a herança ou legado.

A desapropriação levava em conta o art. 147, § 7º da Constituição Federal

de 1946, que disciplinava o pagamento de justa indenização pelo valor declarado no

ITR, mais a indenização por benfeitorias13. Ao final ingressava-se na imissão da

12   Art. 5° A dimensão da área dos módulos de propriedade rural será fixada para cada zona de características econômicas e ecológicas homogêneas, distintamente, por tipos de exploração rural que nela possam ocorrer. Parágrafo único. No caso de exploração mista, o módulo será fixado pela média ponderada das partes do imóvel destinadas a cada um dos tipos de exploração considerados.13 Os títulos da dívida agrária não eram utilizados para tais finalidades. Vejamos: art. 105. Fica o Poder Executivo autorizado a emitir títulos, denominados Títulos da Dívida Agrária, distribuídos em séries autônomas, respeitado o limite máximo de circulação equivalente a 500.000.000 de OTN (quinhentos milhões de Obrigações do Tesouro Nacional). § 1° Os títulos de que trata este artigo vencerão juros de seis por cento a doze por cento ao ano, terão cláusula de garantia contra eventual desvalorização da moeda, em função dos índices fixados pelo Conselho Nacional de Economia, e poderão ser utilizados:  a) em pagamento de até cinqüenta por cento do Imposto Territorial Rural; b) em pagamento de preço de terras públicas; c) em caução para garantia de quaisquer contratos, obras

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posse. As desapropriações seriam promovidas pelo Instituto Brasileiro de Reforma

Agrária, e as terras destinadas prioritariamente à propriedade familiar. As terras

arrecadadas poderiam ser vendidas.

A ‘colonização’, instrumento de expansão da fronteira econômica do país,

foi contemplada nos dispositivos do Estatuto da Terra, como meio de acesso à

propriedade rural, e caracterizada nos termos do Capítulo II do Estatuto. Sua

formulação passava pela atuação do Ministério da Agricultura, no entanto, carecia

de anuência do Ministério de Guerra. O IBRA tinha poderes, segundo a Lei nº 4.947

de 1966, para extinguir aforamentos tendo em vista a execução de projetos de

colonização. Com a Lei 4.504/64 a Reforma Agrária passa a ser parte do

planejamento do Poder Público, com fundo próprio, e, definida em planos periódicos,

nacionais e regionais.

A nova ordem constitucional agrária inaugurada na Constituição Federal

de 1988, Capítulo III, Título VII, avançou na positivação de direitos relativos à terra e

a garantia da Justiça Social no campo. Suas disposições foram regulamentadas por

lei específica, Lei nº 8.629/1993, que em seu art. 2º reza que “a propriedade rural

que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos

termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais”.

Em comparação com o Estatuto da Terra, a Lei da Reforma Agrária

apresenta outras definições técnicas a serem tomadas na política agrária. ‘Imóvel

Rural’ passa a ser o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua

localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária,

extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial. A ‘pequena propriedade’ é o imóvel

rural de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais e a ‘média

propriedade’ o imóvel rural de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos

fiscais. Sendo insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a

pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra

propriedade rural14.

e serviços celebrados com a União; d) como fiança em geral; e) em caução como garantia de empréstimos ou financiamentos em estabelecimentos da União, autarquias federais e sociedades de economia mista, em entidades ou fundos de aplicação às atividades rurais criadas para este fim; f) em depósito, para assegurar a execução em ações judiciais ou administrativas.14 O Decreto lei nº 554 de 1969 tinha a função de fazer funcionar os diplomas anteriores, fixando o rito sumário com vias a agilização dos procedimentos de desapropriação e com isso evitando-se a retomada da terra. Não aplicado pela Lei 6602/1978 e revogado pela Lei Complementar nº 76/1993.

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34

A desapropriação por interesse social, anteriormente prevista, tal qual a

indenização, são recepcionadas no atual ordenamento jurídico com certas

diferenças. A indenização pela terra é paga previamente e constitui-se em títulos da

dívida agrária, somente as benfeitorias úteis e necessárias são indenizadas em

dinheiro. Também acrescenta a Lei de Reforma Agrária:

Art. 5º § 4o  No caso de aquisição por compra e venda de imóveis rurais destinados à implantação de projetos integrantes do Programa Nacional de Reforma Agrária, nos termos desta Lei e da Lei no 4.504, de 30 de novembro de 1964, e os decorrentes de acordo judicial, em audiência de conciliação, com o objetivo de fixar a prévia e justa indenização, a ser celebrado com a União, bem como com os entes federados, o pagamento será efetuado de forma escalonada em Títulos da Dívida Agrária - TDA, resgatáveis em parcelas anuais, iguais e sucessivas, a partir do segundo ano de sua emissão15.

A desapropriação para fins de reforma agrária16 incorpora a análise de

medidas importantes: o grau de utilização da terra e de eficiência na exploração

determinados pelo órgão competente. Os índices apontados servem como medida

para averiguação do cumprimento da função social da terra, destacada no art. 9º da

Lei 8.629/93, que representa a observância simultânea: aproveitamento racional e

adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do

meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Para

Lucas Barroso:

Desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária é atuação da vontade do Estado, mediante indenização, consistindo na retirada de bem de um patrimônio, em atendimento à composição, apaziguamento, previdência e prevenção impostos por circunstâncias que exigem o cumprimento de um conjunto de medidas que visem a melhor distribuição da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, coma gradual extinção do minifúndio e do latifúndio (BARROSO, 2005, p. 166).

15 Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 200116 O lançamento e a gestão de TDA’s estão regulamentados pelo Decreto nº 578 de 24 de junho de 1992. Estes títulos que eram emitidos pelo INCRA sob a forma cartular (impressa), passaram a ser geridos pelo então Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, hoje Ministério da fazenda, inclusive nas atividades de controle, lançamento, resgate e pagamento de juros. A partir desta norma, os TDA’s são lançados mediante solicitação expressa do INCRA e exclusivamente sob forma escritural (fl. 25). Os TDA’s são registrados na contabilidade do Tesouro Nacional pelo valor de emissão com a atualização monetária. Esta prática contraria disposições internacionais de contabilidade, como o Manual de Estatística e Finanças Públicas. (fl. 63)

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Sob a ingerência já do INCRA, são selecionados dois meios próprios

para a distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária: a emissão de títulos de

domínio e a concessão de uso, ambos inegociáveis pelo prazo de 10 (dez) anos,

garantindo ao concessionário a possibilidade futura de adquirir título de domínio.

A concessão de uso, constante na Lei como direito real, é transferível por

ato inter vivos ou por sucessão legitima ou testamentária, a titulo gratuito ou

remunerado, desde que o novo concessionário ou seus descendentes não dêem uso

diferente ao estabelecido no contrato administrativo (BENATTI; SANTOS; GAMA,

2006, fl. 71)

O instituto da legitimação de posse já existia formalmente, no direito

brasileiro com o advento da decantada Lei nº 601 de 1850. Até então a posse não

era socialmente tão distinta da propriedade. O instrumento surge com foco no meio

rural e promove a conversão em domínio das posses registradas através das

Paróquias É, portanto, a primeira forma de regularização fundiária. A Lei de terra

proibia a ocupação espontânea de terras devolutas, criminalizando tal prática. Por

fim, submeteu toda forma de aquisição da terra ao meio mercantil, a compra e

venda.

A legitimação de posse é ato administrativo de reconhecimento do pleno

domínio do particular. Sua função advém de situações fundiárias sem amparo

jurídico. Quando a área reivindicada for de mais de um modulo rural o instrumento

administrativo é a regularização de posse, uma forma de aquisição onerosa da terra

pública, garantido o direito de preferência. Na concessão de direito real de uso,

garante-se a posse do particular. Através deste meio a terra estaria parcialmente

fora do mercado.

Em 1946 com o Decreto-lei nº 9.760 o Estado inicia a discriminação das

terras devolutas, por enquanto, de atuação específica em âmbito administrativo. As

terras devolutas são institutos jurídicos originários do direito brasileiro, uma situação

anômala da situação fundiária brasileira. Segundo o artigo 5º do Decreto-Lei nº

9760/1946, são devolutas as terras na faixa de fronteira, nos territórios federais e no

Distrito federal, as terras que não sendo próprias nem aplicadas a algum uso federal,

estadual, territorial ou municipal não se incorporarem ao domínio privado.

Com a promulgação do Estatuto da Terra, a legitimação da posse ganha

outros contornos. A saber, o princípio federativo empregado desde a Constituição de

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1891 garantiu que os Estados assegurassem aos posseiros de terras devolutas que

tenham morada habitual, preferência para aquisição até cem hectares.

Atualmente, segue-se o que reza a Lei nº 6.383 de 1976, a respeito do

procedimento administrativo e judicial para dar cabo da discriminação das terras

devolutas em território nacional.

A Ordem Constitucional inaugurada em 1988 resume os últimos avanços

e reafirma a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, o

imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa

indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real,

resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e

cuja utilização será definida em lei. Dispôs a Carta Magna em seu art. 184, § 3º que

cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito

sumário, para o processo judicial de desapropriação, ou seja, a celeridade na

implementação de projetos da reforma agrária.

O interesse no desenvolvimento econômico agrícola corresponde a

mesma seção do sistema de disposições constitucionais. Daí entende-se que

Reforma Agrária não pode representar um atraso na produção, pelo contrário, é a

expressão de maior produtividade no meio rural, combinando-se as atividades agro-

industriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais.

Sobre a distribuição e redistribuição da propriedade ficaram as terras

públicas e devolutas a serem compatibilizadas com a política agrícola e com o plano

nacional de reforma agrária. Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela

reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis

pelo prazo de dez anos. A aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por

pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de

autorização do Congresso Nacional. Para tanto, uma lei detalhará o procedimento.

Quanto à posse, atualmente faz jus à legitimação da posse o posseiro

que preencher as exigências legais contidas nos artigos 11, 97, 99 a 102 da Lei nº

4504/64 e na Lei nº 6383/76. (BENATTI; SANTOS; GAMA, 2006, fl. 60).

Vale ressaltar que o procedimento para desapropriação foi modificado

pela medida provisória nº 2109/2001, que criminalizou as pessoas que ocupam terra

e privilegia os latifundiários, com a condição de não-desapropriação por dois anos,

no caso de uma ocupação, e por quatro anos, quando houver reincidência

(BUAINAIN, 2008, p.221). Modificando a Lei nº 8.629/93, assim dispôs:

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§ 6o  O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações

Houve deste modo, claro prejuízo a qualquer forma de mobilização em

torno da desapropriação de áreas onde não havia o cumprimento da função social.

O descumprimento precisa ser anunciado e denunciado. O desafio social não está

em simplesmente positivar, mas fazer cumprir o preceito constitucional.

O aparelho Estatal volta-se a outro sujeito, o que reclama o latifúndio para

si, como modelo correto e legítimo. Haja vista ainda que dois anos após a edição da

medida foi verificado que somente 1,6% dos proprietários de terra controlavam

43,8% das terras, ou seja, quase metade das propriedades esta nas mãos de menos

de 2% dos proprietários (BUAINAIN, 2008, p. 219).

Segundo o IBGE, a área agricultável disponível ainda não utilizada

corresponde a 90 milhões de hectares ou a 10,5% do território nacional, excluídas

as áreas de pastagens, florestas nativas e reservas ambientais. Além disso,

detemos a maior reserva de recursos hídricos e a maior biodiversidade do planeta. 

O índice de Gini que mede o grau de desigualdade para a renda no Brasil

é 0,6, sendo que 1 significa a concentração absoluta da renda nas mãos de uma só

pessoa. Para a concentração da propriedade da terra, temos escandalosos 0,8. O

Índice de Gini do Brasil é de 54,4 (ou 0,544 relativo ao ano de 2008, divulgado em

2009) o que demonstra que nosso país tem uma alta concentração de renda17. 

Em 2003, todas as unidades da federação apresentavam índice de Gini

superior a 0,566. Rondônia, Amapá, Roraima e Santa Catarina eram os estados com

menor os menores valores do índice. Em oposição, Amazonas, Distrito Federal,

Pará e Bahia eram as unidades da federação onde a estrutura fundiária era mais

concentrada18.

17 Na análise da evolução 1992-2003, Roraima e Amapá apresentaram diminuição considerável no índice (respectivamente -0,273 e -0,258). Isso pode ter ocorrido pelo parcelamento de glebas por projetos de colonização particulares, venda de terras públicas e instalação de assentamentos. Tocantins foi a segunda UF com maior crescimento do índice de Gini, ficando atrás somente do Distrito Federal.18 O Centro-Oeste e o Norte são as regiões responsáveis pela maior incorporação de novas terras na estrutura fundiária e as microrregiões de Itaituba e Altamira, no Pará, são as que compreendem, individualmente, a maior proporção da área total incorporada na estrutura fundiária brasileira no

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38

5.2 Princípio da Justiça Social e Reforma Agrária

Toda política empregada pelo Estado Democrático de Direito, conforme o

texto constitucional, deve conter como orientação fundamental o alcance da Justiça

Social. O princípio da justiça social tem por objetivo administrar as desigualdades e

corresponde ao direito à sociedade de exigir do Estado uma atuação vinculada à

redução dos desequilíbrios sociais e comprometida simultaneamente com a garantia

e a promoção da igualdade de todos os seus integrantes, no que se refere à

liberdade, à dignidade e às oportunidades.

Logo, os abismos sociais causados pelo desequilíbrio na distribuição de

terra, não correspondem ao ideal democrático.

É como se o poder de disposição do proprietário de terra, que tem sido traduzido na interpretação predominante do nosso ordenamento jurídico como valor de troca simplesmente, ignorasse todo o valor de uso de que se reveste o mesmo bem, valor esse sem o qual a própria vida dos não proprietários pode ser colocada em risco (ALFONSIN. 2003, p. 51)

Frente a isso o Estado passa a ter a obrigação de sanar os consequentes

males sociais, seja implementando instrumentos existentes seja produzindo seu

próprio arsenal jurídico adaptado aos novos contextos. Afinal, os direitos sociais são

aqui direitos prestacionais, ou seja, o Estado deve agir.

No Brasil, por sua vez, a justiça social está expressamente estatuída no

ordenamento pátrio como um preceito jurídico inserido na Constituição. O conteúdo

jurídico da expressão ‘justiça social’ pode ser obtido pela interpretação dos próprios

dispositivos da Constituição, iniciando-se nos arts. 170 e 193, nos capítulos que

tratam dos princípios gerais da atividade econômica e das disposições gerais da

ordem social.

Ocorre daí que a obediência da justiça social desemboca na obrigação

do Estado em promover as reformas na política para, por exemplo, proporcionar aos

homens e mulheres do campo mais dignidade. A igualdade em dignidade rechaça as

desigualdades profundas representadas pela pobreza absoluta, pela miséria.

período 1992-2003.

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Deparamo-nos que, outrossim, “Justiça Social, Democracia e Reforma

Agrária ainda se constituem num trinômio paradoxalmente oposto à reinante

verdade da monocultura, do latifúndio e da economia de exportação”. (MANIGLIA,

2006, p.182)

A violação dos direitos humanos, da desigualdade social rural, da

formação de pólos de miséria e de empresas agrárias de riquezas, de confrontos

entre o novo e o arcaico, entre o coronel e o assentado, do latifundiário e do sem-

terra, criando um cenário trágico, onde o homem rural passou a sofrer as dores da

humilhação.

Mas, afinal, o que seria a Justiça Social no campo? Podemos afirmar que

a Constituição Federal, ao estabelecer regras que condicionam, de maneira negativa

e positiva, o exercício do direito de propriedade rural, impondo a desapropriação por

interesse social para fins de reforma agrária quando não houver cumprimento da

função social, materializa o efetivo exercício do direito ao trabalho, à moradia, à

saúde, à alimentação adequada e, em conseqüência, à vida. E estes todos, juntos,

concretizam o princípio da dignidade da pessoa humana, tornando palpável o

fundamento constitucional de que o Brasil é um Estado Democrático de Direito.

Podemos assim concluir que a Reforma Agrária é o eixo central da

Justiça Social no meio rural? Ou bastaria a política fundiária, ou seja, um conjunto

de providências de amparo á propriedade da terra que se destinem a orientar, no

interesse da econômica rural, as atividades agropecuárias.

Para Coutinho Cavalcanti, a reforma agrária é “a revisão e o

reajustamento das normas jurídico-sociais e econômico-financeiras que regem a

estrutura agrária do país, visando à valorização do trabalhador do campo e ao

incremento da produção”. (COUTINHO, 1961)

De todo modo, o direito agrário pode efetivar muito bem os direitos

humanos. Por exemplo, o direito à vida é materializado por meio da produção de

alimentos e, por sua vez, o direito ao trabalho em relação direta com a dignidade

humana.

Chega-se ao entendimento de que a terra torna-se um instrumento efetivo

de acumulação de riqueza e transferência dessa riqueza para as próximas gerações,

podendo vir a servir de garantia para o acesso ao crédito. Ademais, a garantia da

terra é uma fonte de segurança pessoal e seguridade social na velhice.

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Enfim, garante a continuidade do acesso a uma mesma parcela

oferecendo a possibilidade de capitalização de investimentos de longo prazo, e uma

fonte de capital social. Portanto, a distribuição de terra interfere diretamente na

promoção da justiça social.

6. POLÍTICAS DE REFORMA AGRÁRIA

61. Considerações Iniciais

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41

O Estado brasileiro passou por quadro evolutivo em termos de gestão e

desdobramentos de institutos democráticos. A realização de políticas públicas a

partir de um planejamento mais elaborado de cunho econômico ocorreu com o

amadurecimento da relação Estado - sociedade civil.

A demanda por reforma agrária sempre foi um tema presente na história do Brasil, reivindicada tanto pelos camponeses quanto por outros segmentos da sociedade, preocupados com as injustiças do campo. Em 1844 Joaquim Nabuco já defendia a necessidade de reforma agrária. (STÈDILE, 2005, p. 145)

Quando a população passou a ser percebida em suas demandas plurais

de todo o território nacional. Aí sim a atuação do Estado voltou-se para os direitos

sociais e somente neste estágio da democracia brasileira a política de Reforma

Agrária pôde surgir.

No Brasil no período do pós-guerra com a preparação de Planos de

Desenvolvimento, traduzindo as prioridades colocadas em cada novo governo em

relação à economia (BELIK, 2007, p. 155), surgem as primeiras políticas setoriais

que se colocam dentro da tradição de foco e segmentação nos programas de

governo. Afinal, através das políticas setoriais elegem-se prioridades de governo e

selecionam-se mecanismos de apoio voltado para o sucesso dos setores escolhidos.

De acordo com BUAINAIN (2008, p. 30) o maior obstáculo institucional

para a realização de reforma agrária na primeira metade do século XX era a

natureza fiscal do pagamento de prévia indenização pelo valor da terra, posto

traduzir-se em títulos especiais da divida publica, conforme o artigo nº 141 da

Constituição Federal de 1946, haja vista a consequente possibilidade de discussão

judicial da motivação da desapropriação.

Luiz Carlos Prestes apresentou na constituinte de 1946 a proposta de

Reforma Agrária da bancada do PCB criticando o panorama semi-feudal do território

brasileiro e projetando a saída a partir do comunismo. No parlamento, a reforma

agrária voltaria a ser apresentada, não mais por comunistas, com o projeto de

reforma agrária apresentado pelo deputado Coutinho Cavalcanti do PTB de SP em

1954.

Em 1950 o documento do bispo Dom Inocêncio Engelke, de Campanha

(Minas Gerais) sobre a questão agrária e distribuição de terras, foi produzido a partir

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de uma reunião com fazendeiros, padres e freiras, além de professores rurais.

Nenhum trabalhador rural.

Escreveu D. Inocêncio: “Mas não basta esse programa, nem é ele uma

solução. É apenas um ponto de partida. Faz-se mister uma reforma de estrutura e

de base, cuja configuração foi felizmente delineada nesta semana por sacerdotes,

fazendeiros e professores rurais”. (STÉDILE. 2005, p. 36). Provável é que naquela

altura os trabalhadores rurais ainda não haviam percebido o que estava

acontecendo.

A preocupação do bispo era de que os trabalhadores, indo para as

grandes cidades, se tornassem comunistas. E a preocupação dos fazendeiros era

com a perda de mão-de-obra barata. (STÉDILE. 2005, p. 29). Em seu documento

ele destacava a condição de contraste entre o mundo rural e o crescente processo

de urbanização:

Hoje estradas se rasgam levando ao recesso do país a locomotiva, os automóveis e, sobretudo, os caminhões. Há pontos do alto sertão que pularam do século 16 para o século 20 com abertura de campos de aviação e com a possibilidade de atingir, em horas, centros civilizados que só em semanas e meses podiam ser atingidos (STÉDILE. 2005, p. 32)

Em outro documento, datado de 1961, membros da Igreja também se

pronunciaram sobre a distribuição de terras para camponeses pobres. Afirmavam

numa visão ainda conservadora, por exemplo, que:

Deve pois, o Estado reformar por leis adequadas o regime da propriedade rural, de sorte a torná-la acessível a todos quantos sentem no coração a nobre independência e a viril energia, que os chama para a vastidão da vida dos campos e o trabalho da terra. Evidentemente, toda reforma agrária há de delinear-se com prudência e retidão e largo descortino e se a desapropriação se fizer necessária urge aplicá-la somente com justiça, nos limites em que o bem comum estritamente a exigir. (STÉDILE. 2005, p. 64)

Por sua vez, representantes dos movimentos camponeses do Brasil,

reunidos em Belo Horizonte também no ano de 1961, lançaram a primeira proposta

unitária de reforma agrária oriunda das massas populares.

Conforme o texto redigido, os trabalhadores desejavam sobremaneira que

“as forças que dirigem os destinos da nação brasileira se lancem à realização de

uma eficaz e inadiável política agrária, capaz de, (...), ir dando solução às questões

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43

indispensáveis à plena realização da reforma agrária de que necessitam os

lavradores” (STÉDILE. 2005, p.77). Reivindicaram ademais a:

Imediata modificação, pelo Congresso Nacional, do artigo 141 da Constituição Federal, em seu parágrafo 16, que estabelece a exigência de indenização prévia, justa e em dinheiro” para os casos de desapropriação de terras por interesse social. Esse dispositivo deverá ser eliminado e reformulado, determinando que as indenizações por interesse social sejam feitas mediante títulos do poder público, resgatáveis em prazo longo e a juros baixos (STÉDILE. 2005, p. 77)

Antes da Promulgação da Lei 4.504, outro projeto de lei de reforma

agrária foi apresentado pelo deputado Leonel Brizola em 1963, bem como em 1964,

novo projeto de reforma agrária é divulgado pelo governo Goulart.

Enfim com o Estatuto da Terra (1964) ficou garantido o processo de

desapropriação, a Reforma Agrária e a Política Fundiária, com o pagamento da terra

nua em Títulos da Dívida Ativa. Porém, a aplicação do Estatuto estava nas mãos do

governo ditatorial, o empecilho, portanto, era a ausência de vontade política.

Na época foram realizadas muito mais colonizações, do que projetos de

Reforma Agrária. João Pedro STÉDILE aponta que:

O Estatuto da Terra foi previsto para um momento histórico em que a reforma agrária de tipo clássico deveria viabilizar o desenvolvimento do mercado interno. Isso se dava no marco de influência das teses cepalinas, que preconizava que, para enfrentar o subdesenvolvimento era necessário desenvolver a indústria nacional e distribuir renda (STÉDILE. 2005, p. 154)

Com abertura democrática no cenário político brasileiro, a partir de 1985

na chamada Nova República, os clamores populares voltam a ser ouvidos, dentre

eles a questão da reforma agrária. Antes ainda é aprovada no 3º congresso

nacional dos trabalhadores agrícolas em 1979 uma proposta de reforma agrária da

CONTAG que indicava:

Distribuição massiva da terra, em áreas de maior concentração de assalariados, parceiros, arrendatários, posseiros e ocupantes; redistribuição imediata ao trabalhador rural das terras que se encontram em áreas prioritárias de Reforma Agrária e em áreas desapropriadas; discriminação e titulação das terras públicas, com entrega imediata ao legítimo trabalhador rural; luta pela não destinação de áreas às grandes empresas (STÉDILE. 2005, p. 159)

A pressão internacional aumenta através bancos e instituições

financeiras, que exigiram do Brasil, planos para a reforma agrária como modificação

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da política de desenvolvimento, a fim de que o Brasil explorasse o setor rural, e

somente assim liberarem recursos.

O então presidente José Sarney tratou de criar o Ministério da Reforma e

Desenvolvimento Agrário (MIRAD), o qual elaborou o Plano Nacional de Reforma

Agrária (PNRA), com a pretensão de assentar 1,4 milhões de famílias num prazo

mínimo de 4 anos. Todavia, o governo, como já havia acontecido anteriormente,

pressionado pelos latifundiários, não aplicou o Plano.

A década de 1990 foi marcada pelo avanço de políticas de privatização de

setores ligados à assistência e apoio aos agricultores e no abandono da política de

reforma agrária, em favor de uma redistribuição de terras orientadas pelo mercado.

(BUAINAIN, 2008, p. 39). Em 1989 o Partido dos Trabalhadores (PT) havia indicado

em seu programa que o governo para implantar a reforma agrária deveria retirar:

Ainda os privilégios bancários que beneficiam latifundiários e grandes empresas, executando suas dívidas ou negociando refinanciamentos em troca da cooperação com a reforma agrária. As desapropriações serão aceleradas, sobretudo nas áreas de conflito. Nenhuma tolerância haverá com o atual quadro de violência que domina regiões inteiras do país. Todos os crimes do latifúndio serão apurados. (STÉDILE. 2005, p.182)

Conforme dados oficiais do INCRA (INCRA, 2000) no período 1995-1999

o governo de FHC desapropriou 17.040.000 ha, beneficiando 481.852 famílias. Em

termos de custos, o custo por família passou de R$ 19.412,00 para R$ 8.294,00 no

período 1995-99, e, o preço médio por hectare desapropriado também caiu de R$

382,00 para R$ 264,00. Além disso, é importante destacar que o ano de 2002 foi o

maior em concessão de crédito por assentamentos.

O aumento da população e da urbanização, mais o crescente índice de

participação da mulher na força de trabalho, criaram um ambiente econômico e

social que estimulava mudanças substanciais nas indústrias alimentícias e no

comercio varejista.

A introdução de inovações como alimentos congelados, o advento de

supermercados e a informação, através dos anúncios de TV, promoveram a

proliferação de alimentos semiprontos, ao mesmo tempo em que aceleraram as

tendências para uma concentração corporativa nesses setores.

Do ponto de vista de seus formuladores, era necessário que os administradores dos empreendimentos relacionados ao agribusiness desenvolvessem uma percepção clara do sistema total de produção do qual

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participavam e moldassem suas decisões estrategicamente de acordo com aquele contexto. Na realidade, o termo surge para dar conta das relações mais estreitas entre campo e a industria. (BUAINAIN, 2008, p.41)

Por seu turno, o MST reafirma em 1995 durante seu Congresso que o

modelo de reforma agrária tinha que ser posto em contraposição a estrutura

fundiária concentradora, tendo o latifúndio como alvo a ser exterminado.

Deverá se alterar a atual estrutura de propriedade realizando desapropriações e expropriações, para que se garanta o direito de todos trabalharem na terra, e que ela esteja subordinada aos objetivos gerais assinalados. As políticas de reforma agrária devem garantir que de fato se produza uma democratização do acesso à terra e da propriedade. A distribuição das terras públicas em programas de colonização não deve ser confundida com reforma agrária (STÉDILE. 2005, p. 189)

No início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi proposto o II Plano

Nacional de Reforma Agrária, com base nas resoluções tiradas em 2003 na

Conferência da Terra. O Governo Federal trabalhava com o Programa ‘Vida Digna

no Campo’ que veio a subsidiar o Plano Nacional e seu enfoque no fortalecimento

da agricultura familiar destoava da conjuntura internacional e da vocação produtiva

pensada para o Brasil19.

O público do II PNRA incluía, além dos beneficiários diretos da Reforma

Agrária, os agricultores familiares, as comunidades rurais tradicionais, as

populações ribeirinhas, os atingidos por barragens e outras grandes obras de infra-

estrutura, os ocupantes não-índios das áreas indígenas, as mulheres trabalhadoras

rurais e a juventude rural, e outros segmentos da população que habita os

municípios rurais que não se dedicam às atividades agrícolas, porém a elas

diretamente ligados, num universo que não se dedicam às atividades não agrícolas,

num universo que chega a cerca de 50 milhões de pessoas.

Mesmo que de caráter nacional o Plano previa a adequação do modelo

de reforma agrária às características de cada região, e sua organização visava a

19 O Programa presidencial do PT em 2002 continha o seguinte: Alterando o atual modelo que prioriza a agricultura intensiva de escala, este programa defende o fortalecimento da agricultura familiar por usa maior capacidade de compatibilizar produção para o autoconsumo e para o mercado, geração de empregos, de melhoria das condições das famílias rurais e de diversificação das atividades. A agricultura familiar também tem grande capacidade de assumir a proteção ambiental , de manutenção da diversidade cultural, da biodiversidade, alem de grande capacidade de dinamização das economias locais. (A questão agrária no Brasil: Programas de reforma agrária 1946-2003 / João Pedro Stédile (org); Douglas Estevam (assistente de pesquisa) - -1. Ed. – São Pulo: Expressão Popular, 2005, p. 214)

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coordenação das ações de maneira que não ficassem dispersas e desarticuladas.

Afinal a meta era de assentar 115 mil famílias até 2004.

O II PNRA anunciado pelo governo apresenta as seguintes metas: a)

quatrocentas mil famílias assentadas; b) meio milhão de famílias com posses

regularizadas; c) 130 mil famílias beneficiadas pelo crédito fundiário; d) recuperar a

capacidade produtiva e a viabilidade econômica dos atuais assentamentos; e) criar

2.075 novos postos permanentes de trabalho no setor reformado; f) cadastramento

georeferenciado do território nacional e regularização de 2,2 milhões de imóveis

rurais; g) reconhecer, demarcar e titular áreas de comunidades quilombolas; h)

garantir o reassentamento dos ocupantes não índios de áreas indígenas; i) promover

igualdade de gênero na Reforma Agrária; j) garantir assistência técnica e extensão

rural, capacidade, crédito e políticas de comercialização a todas as famílias das

áreas reformadas; k) universalizar o direito à educação, à cultura e à seguridade

social nas áreas reformadas.

As medidas propostas na política de Estado foram: revisão do conceito de

propriedade reformável; atualização dos índices de produtividade; agilidade na

obtenção de terras; Estados e Municípios possam ajuizar ação discriminatória;

diminuir os custos de indenização.

Uma questão a que se por em destaque. Os Planos sempre refletiram

uma política de governo, a agenda federal em relação à determinada intervenção em

benefício de um público específico. O II PNRA, segundo a lógica econômica do

Banco Mundial, deveria trazer em seu bojo medidas de mercado para a resolução de

demandas no campo, ao invés disso, o Plano previu que 71% das terras seriam

obtidas de forma onerosa pelo Governo Federal, com a utilização dos instrumentos

da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária e da compra e

venda, e 29% corresponderão ao instrumento de destinação de terras públicas.

Os dados do Censo Agropecuário 2006 (IBGE, 2006) mostraram que

existiam naquele ano no Brasil 5.204.130 estabelecimentos agropecuários com

superfície total de 354.865.534 ha. Em 2006 foram recenseados 344.265

estabelecimentos agropecuários a mais do que em 1996 (crescimento de 7,1%) e no

mesmo período a área total dos estabelecimentos brasileiros foi acrescida de

1.254.288 ha (acréscimo de 0,4%).

A simples comparação entre essas taxas indica que a evolução dos

estabelecimentos 1996-2006 foi ‘desconcentradora’, visto que o número de

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estabelecimentos cresceu à taxa superior àquela da área total dos

estabelecimentos. Segundo o MDA até 2005 foram 914 mil ha obtidos para o

Programa de Reforma Agrária, 127.506 famílias assentadas em 2005. (BALANÇO

GERAL DA UNIÃO, 2006)

De janeiro de 2003 a 31 de julho de 2006, apenas 83.359 famílias foram

assentadas por meio de novos assentamentos, 85.052 por meio de regularização

fundiária, 80.304 por reordenação e 1.670 por meio de reassentamentos, totalizando

250.385 famílias beneficias. (SOUZA; PEREIRA)

De acordo com os dados do IBGE (Censo Agropecuário de 2006), em

2006, dos 354,8 milhões de hectares dos estabelecimentos agropecuários, 21,6%

eram ocupados com lavouras, 48,56% com pastagens e 28,1% com matas e

florestas

No cenário exposto a região Norte foi a que apresentou maior

crescimento absoluto e relativo da área total dos estabelecimentos. A evolução na

região foi concentradora, pois a taxa de crescimento de área foi duas vezes superior

à taxa de aumento do número de estabelecimentos.

6.2 Política de Regularização Fundiária na lógica do mercado

Na história no Brasil é perceptível o emprego do instrumento jurídico para

um determinado investimento econômico com a peculiaridade de cada época. A

vocação agrária ou agroindustrial pensada para o país foi sendo transmudada de

acordo com a demanda do mercado internacional. Necessariamente sua estrutura

fundiária se transformou para abraçar a exploração mineraria, florestal e agrícola.

Vistas as tendências econômicas passadas, é interessante analisar como

a regularização fundiária está sendo direcionada para além dos institutos jurídicos

distributivistas, e afinal a que interesses estão servindo, tendo em vista todas as

violências historicamente geradas para os camponeses, povos tradicionais e o

próprio meio ambiente.

Segundo Leonilde Medeiros (2002, p. 59) emergiu no Brasil em meados

dos anos 70 um modelo adverso da estrutura clássica de reforma agrária, a

chamada Reforma Agrária de Mercado (RAM). Num contexto dede intensificação

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das ocupações de terra, mas também de estreito redirecionamento das políticas do

Banco Mundial que elaborou alguns princípios gerais de ação, tais como o

reconhecimento da importância da propriedade familiar em termos de eficiência e

equidade; a necessidade de estimular os mercados para facilitar a transferência de

terras para usuários mais eficientes e a importância de uma distribuição igualitária

de bens e de reformas agrárias redistributivas.

A propaganda da reforma agrária de mercado (RAM) chamava os

agricultores para um uso mais eficiente de recursos e a importância de que a

reforma agrária tivesse um caráter voluntário, ou seja, autônomo e espontâneo, livre

de burocracias administrativas e judiciais. (MEDEIROS, 2002, p. 80)

A principal tese dos defensores da RAM argumenta nos seguintes termos:

este meio envolveria um maior custo de transação, que implicaria um acréscimo

substancial ao valor da terra; se sujeitaria a maior tempo de identificação das terras

e a realização do assentamento, haveria a necessidade de uma máquina burocrática

superdimensionada. (MEDEIROS, 2002, p. 80)

Há que se considerar que nos anos 1995-1997, de acordo com Villa

Verde & Gasques, os gastos com reforma agrária superaram os US$ 900 milhões,

parcela considerável desses recursos referem-se a indenização de imóveis rurais.

(1998, p. 25). O total de pagamentos efetuados pela União passou de US$

12.234.041,40 em 1994 para US$ 1.025.379.691,60 em 1997.

Não obstante, o plano real afetou o mercado de terras de forma profunda.

A recessão provocada por políticas restritivas de consumo e crédito, associada a

ganhos razoáveis no mercado financeiro e de títulos, fizeram o preço da terra cair

significativamente. Entre 1994 e 1995, o preço da terra teve uma redução de 42%

chegando ao patamar mais baixo pós-modernização dos anos 70. (REYDON, 2000,

p. 178)

A estimativa para 1998 era a de que os dispêndios com resgates de TDA

atingissem o valor de US$ 360.924.946,70, incluindo-se as despesas da União com

as ações judiciais (VILLA VERDE & GASQUES, 1998, p. 40). Os compromissos para

1999 com a liquidação de títulos atingem o montante de R$ 533.039.432,21 (VILLA

VERDE & GASQUES, 1998, p. 45).

O fato contraditório é que nas décadas de 70 e 80, os gastos com política

fundiária representavam, em geral, cerca de 2% do gasto total na agricultura. Neste

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período (1974-89), o único ano em que houve maior expressão nos gastos foi 1988,

no qual esse percentual foi de 6,79% do gasto total do governo federal.

Em termos de valor, de dinheiro, nota-se que, de 1974 a 1985, gastou-se

muito pouco com Política Fundiária, sendo que os montantes oscilaram entre US$

15.557.779,28 e US$ 86.322.078,12. A partir de 1986, há uma notória mudança do

no nível dos gastos com política fundiária, o que pode ser explicado pela

implantação do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) no período de 1986 a

1989. (VILLA VERDE & GASQUES, 1998, p. 9)

MEDEIROS indica que a primeira experiência brasileira, dentro dessa

nova orientação, iniciou-se no Ceará, em 1996. Em 1995, a Secretaria de Agricultura

dessa unidade da federação autorizou o Idace, Instituto de Desenvolvimento Agrário

do Ceará, a realizar estudos sobre o mercado de terras e avaliar a performance dos

mecanismos historicamente usados para a reforma agrária no Estado.

A partir daí, foram estabelecidos contatos com missões do Banco Mundial

para lançar as bases de um programa alternativo da reforma agrária. Como

resultado, em 1996 foi criado o Fundo Rotativo de Terras, que viabilizou uma

parceria com o Banco mundial para criar um projeto de crédito fundiário no Projeto

São José. A experiência se iniciou em fevereiro de 1997. O cédula da terra

começou no mesmo ano com 90 milhões de dólares. (MEDEIROS, 2002, p. 72).

O lançamento dessa iniciativa, em dezembro de 1997, com o nome de

Programa Piloto Cédula da Terra, inicialmente circunscrito a 5 estados do Nordeste,

provocou acaloradas polêmicas no meio acadêmico e nos movimentos sociais que

transcenderam as fronteiras do país: organizações internacionais chegaram a

solicitar ao Banco Mundial, co-financiador do programa, um Painel de Inspeção, que

reúne um comitê independente para avaliar as ações do próprio banco.

A concepção do programa de crédito fundiário seria romper com a visão

de que o pobre é naturalmente um incompetente e incapaz e busca empoderar os

próprios interessados para escolher, negociar e adquirir terras. No caso, teriam os

compradores, habitantes locais, mais informações que os órgãos públicos, e

evitariam comprar terras ruins, que não permitem sua exploração sustentável e

geração de renda para a família e pagamento do empréstimo; como devem pagar

pelas terras, não fariam conluio com os proprietários.

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O que se cria afinal é meio de regularização fundiária com ingerência

direta do mercado de terras, determinando o que está fora ou dentro desse mercado

(ex: clausulas de inalienabilidade), tipo de propriedade e de produção.

O resultado no Brasil, em suma, foi desastroso. As primeiras experiências

permitiram que os que possuíam mais contatos, informação e recursos conseguiam

registrar a terra em seus nomes, em detrimento dos mais pobres, tendo em vista que

os pequenos agricultores são particularmente vulneráveis a perder seus direito sobre

a terra.20

A combinação de fatores como terras fracas, falta de investimento e de

orientação técnica, precariedade de recursos naturais, acarretou a falta de produção

e renda. As famílias contempladas, além de continuarem na miséria, estão

impossibilitadas de pagar as dívidas contraídas com a compra da terra. Ficou

comum ouvir das pessoas beneficiadas a seguinte declaração: “antes não tinha

nada e não devia. Hoje não tenho nada e estou devendo”. (DOMINGOS NETO,

2004, p. 58)

É clara a identificação que o sistema da livre iniciativa e a liberação

econômica, apoiado na competência e a competitividade, define os lineamentos das

políticas econômicas de integração de uma abertura comercial e de globalização,

porém se pretende trasladar a agricultura como parte da economia, de maneira que

o setor agrário seja também altamente competitivo. No entanto, o certo é que este

setor apresenta especificidades que não podem ser desconhecidos na hora de

instrumentar as mudanças21.

Para os grandes conglomerados internacionais, o registro e a titulação de

terras têm há muito sido vistos como os principais instrumentos para o aumento da

segurança da posse, fortalecendo um frutífero mercado de terras e facilitando o uso

20 Análise a partir do texto “Políticas e práticas para assegurar e melhorar o acesso a terra” da Conferência internacional sobre reforma agrária e desenvolvimento rural.21 Enfim, as políticas agrícolas muitas vezes entram em contradição com as políticas redistributivas. Poucos Estados impulsionaram reformas agrárias redistributivas baseadas realmente no setor camponês. Para muitos, o progresso técnico é sinônimo de grandes estruturas e a redistribuição justificada por exigências de justiça social. No Brasil e na África do Sul, a grande agricultura moderna parece produzir de maneira eficaz, e não é considerada tão negativa quanto os latifúndios. No entanto, a riqueza produzida pela unidade de superfície no contexto do agronegócio é muito inferior à que produziria uma agricultura familiar a balança comercial, os Estados tem dificuldade em reconhecer que no médio prazo os grandes produtores capitalistas modernizados. A política agrícola é quase sempre favorável a estes últimos com subsídios que mantêm a ilusão de sua eficácia. (ONOFRE, Gisele Ramos e SUZUKI, Júlio Cesar. Reflexões Sobre a Reforma Agrária no Brasil. Disponível em: <http://www.geografia.fflch.usp.br/inferior/laboratorios/agraria/Anais%204%C2%BAENGRUP/trabalhos/onofre_g_r.pdf> . Acesso em 02 de agosto de 2011)

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da terra como garantia em mercados de crédito. Levadas a cabo pelo Banco Mundial

estas propostas são permeadas por contradições.

O Banco Mundial22 vem investindo em programas de apoio a

regularização fundiária em várias partes do mundo durante muitos anos como

instrumento para criar as pré-condições para o surgimento e/ou ativação de

mercados de terra.

Façamos a consideração de que, no entanto, o registro de terras pode ser

um componente útil de uma estratégia de garantia da posse mais ampla –

“particularmente onde os sistemas consuetudinários se deterioram, onde as disputas

sobre terras são generalizadas e em áreas recentemente colonizadas – e pode se

estender à taxação de terras como meio fiscal para o governo descentralizado”.

(ONOFRE; SUZUKI)

Segundo as diretrizes do BM, as transações mercantis são necessárias

para permitir a transferência de terras para produtores mais eficientes e seria

importante para se realizar uma distribuição mais equilibrada da terra. O modelo

instrumental para isso seria a chamada reforma agrária redistributiva.

A introdução de um organismo financeiro multilateral não ocorreu de

forma repentina. A política do BM advém das alterações paradigmáticas na

ordenação da economia mundial. Nos anos 1950 e 1960, muitos consideravam os

grandes investimentos em capital físico e infra-estrutura como a principal via de

desenvolvimento.

Nos anos 1970 aumentou a conscientização por parte do BM de que

capital físico não era suficiente: a saúde e a educação tinham pelo menos a mesma

importância. Nos anos 1980, após a crise da dívida, recesso global e experiências

contrastantes a ênfase passou a ser atribuída à melhoria da gestão econômica e

liberação da força do mercado.

Nos anos de 1990, o governo e as instituições passaram a ocupar o

centro do debate ao lado das questões de vulnerabilidade no âmbito local e nacional

(MARTINS; FARIAS, 2007). De acordo com o documento ‘Rural development: from

vision to action – a sector strategy’ do Banco Mundial, datado de 1997:

22 “O Banco Mundial á única agência supranacional de financiamentos que angaria fundos nos mercados financeiros internacionais para combater a pobreza através do financiamento de projetos nos países em desenvolvimento; oferece aconselhamento econômico e técnico aos países membros”. (MARTINS, Mônica Dias & FARIAS, Francisco Adjacy. O conceito de pobreza do Banco Mundial –. Ten. Mund., Fortaleza, v. 3, n. 5, jul/dez. 2007.)

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O Banco irá ajudar programas de reforma agrária redistributiva em países com uma distribuição desigual de terras. O Banco ajudou a África do Sul no período 1992-1994 a desenvolver um programa de reforma agrária redistributiva, baseado em transações negociadas ou voluntárias entre compradores e vendedores, ao mesmo tempo em que subsidiava os pobres sem terra, a fim de lhes permitir adquirir terras. Essa abordagem, chamada de reforma agrária “negociada” ou “assistida pelo mercado”, também está sendo desenvolvida na Colômbia, Brasil e Guatemala (...) com a assistência do Banco (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 85)

A disposição mercadológica de um território nesse modelo de reforma, a

fez ser denominada Reforma Agrária de Mercado (RAM). O pressuposto da RAM é o

da falência histórica do que os economistas do BM denominaram de reforma agrária

“conduzida pelo Estado” (State-led), modelo “desapropriacionista” ou, simplesmente,

modelo “tradicional” de reforma agrária. Ou seja, a RAM foi criada para substituir

algo que, segundo o discurso do BM, deixou de ser viável ou mesmo desejável.

A RAM tem como objetivo estimular ao máximo a compra e venda de

propriedades rurais, enquanto o outro as prejudicaria, por limitar a mercantilização

da terra entre os beneficiários da reforma agrária e entre estes e os agentes

econômicos interessados em adquirir imóveis rurais para a produção agrícola.

(PEREIRA, 2011)

De acordo com os teóricos do Banco Mundial, para melhorar a

performance dos programas de titulação, seria preciso garantir certas pré-condições,

dentre as quais: a) a existência de mercados de crédito formal que aceitem a terra

titulada como garantia para a obtenção de financiamentos; b) a eliminação de

restrições de ordem social, política e cultural que impeçam a emergência de

mercados de compra e venda de terras; c) a existência de uma base legal e uma

infra-estrutura institucional capaz de administrar o programa, proteger grupos

politicamente frágeis e garantir a propriedade legítima da terra, pois, do contrário, as

relações de poder deturpariam todo o processo; d) que a oferta de titulação seja

superior à demanda, de modo a reduzir os custos de transação posteriores.

Segundo Reydon & Plata:

as vantagens da RAM são: maior grau de liberdade dos favorecidos ao permitir-lhes escolher a terra que desejam e negociar o preço; na supressão da intervenção da agência estatal no processo de seleção e negociação da terra eliminando a burocracia; na redução dos custos administrativos e na possibilidade de transferência de funções das agências governamentais ao setor privado, especialmente nas áreas de preparação de projetos e assistência técnica aos beneficiários. (PLATA & REYDON, 2006, p. 42)

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Dentro da estratégica econômica, o Banco Mundial chegou a fazer uma

avaliação de responsabilidade financeira do Brasil, considerando que pós as

mudanças realizadas em 2000 o sistema público brasileiro de gestão financeira

possui uma estrutura legal adequada e um alto grau de transparência. Observou

que, embora o sistema orçamentário seja fragmentado e complexo, o país tem como

rastrear de modo confiável as despesas orçamentárias. (MARQUES, 2007, p. 9)

6.3 Inserção das terras da Amazônia no mercado atual

A ‘revolução agrícola’ desativou o significado econômico clássico da

reforma, contribuindo assim para a afirmação de concepções reducionistas. Desta

forma, os fatores sociais e econômicos só podem ser transformados em

desenvolvimento econômico se os ativos produtivos, como a terra, estiverem

disponíveis para a maioria dos produtores mais pobres.

No caso brasileiro, as transformações ocorridas no campo durante as

décadas de 60 e 70 e o marco político-ideológico que se consolidou conduziram a

um progressivo reducionismo na concepção da reforma agrária que foi redefinida

como um instrumento de política de terras.

As políticas liberais que foram aplicadas na agricultura na América Latina no contexto da globalização supunham que a discriminação do rol de Estado seria compensada pelo dinamismo do setor privado e que este substituiria com suas inversões as inversões públicas nas áreas mais criticas do desenvolvimento rural: infra-estrutura, serviços financeiros, extensão agrícola, investigação e desenvolvimento dos serviços; as ma prática o rol das intervenções privadas foi muito limitado e dirigido, sobretudo a beneficiar a agricultura capitalista e marginalizado a agricultura familiar.23

Se na década de 80 os países em desenvolvimento se encontraram

constrangidos pela crise econômica e pelos ajustes estruturais, na década de 90 o

avanço da hegemonia neoliberal iria promover o afastamento do Estado da

23 Análise a partir do texto “Reforma Agrária, Justiça Social e Desenvolvimento sustentável” da Conferência internacional sobre reforma agrária e desenvolvimento rural – Reforma Agrária, Justiça Social e Desenvolvimento sustentável.

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economia. Isto se traduziu na emergência de propostas como a distribuição de

terras realizadas pela via livre de mercado e políticas de privatização de setores

prestadores de assistência e apoio aos agricultores.

A Amazônia ingressou na rota da regularização fundiária como fronteira

da expansão do mercado de terras, o que é, na verdade, a reconquista acelerada da

região com a retomada dos grandes projetos com certa intervenção autoritária.

Sob a justificativa de organizar a ocupação territorial da Amazônia e a

conseqüente ação predatória do uso da terra e dos recursos naturais “medidas são

tomadas no âmbito do governo federal e estadual com a finalidade de instituir um

“novo” padrão de desenvolvimento para a região” (SHIRAISHI)

Todavia, a implementação de todo novo projeto incorpora elementos já

existentes, ou seja, nesse caso, a regularização fundiária e a expansão da economia

de mercado vem ocorrendo com base numa estrutura social pré-existente. Daí que

os sujeitos e grupos sociais, que há pouco tempo atrás eram considerados

“atrasados” são incorporados ao modelo de desenvolvimento24.

Em via de conseqüência, a questão fundiária na Amazônia vem abordar o

ponto elementar que ensejou o emprego da reforma agrária de mercado: a

inexistência de segurança jurídica relacionada à propriedade da terra. A insegurança

e do descontrole na região amazônica passou a ser assumido hegemonicamente

pela tônica da tese da “falta” do direito de propriedade privada.

O entrelaçamento desses problemas justificou a adoção de um conjunto de ações no âmbito federal e estaduais, que objetiva o processo de regularização fundiária das ocupações de terras na região amazônica. A necessidade de procedimentos “simplificados” e, portanto, “modernos”, “sem entraves burocráticos”, é que dá unidade aos mais diferentes discursos (dos defensores do meio ambiente aos produtores rurais) e que justifica as reformas dos estatutos das terras. No contexto da região, o estímulo ao acesso a terra por meio da regularização fundiária das ocupações representa os anseios e as demandas do capital. A terra, nesse caso, é vista somente como fator de produção, uma mercadoria como qualquer outra (SHIRAISHI)

Não é o simples fato da incerteza sobre a posse efetiva e propriedade que

resulta na exploração indevida da terra, posto que também favorece ao campesinato

a regularização de sua vinculação com a terra. O que se põe como equívoco nos

24 “De outro lado, a proteção da natureza é coextensiva a esses sujeitos e grupos sociais, invertendo a lógica, pois submete o sujeito à natureza. Verifica-se uma negação em relação às formas de apropriação e uso pré-existentes realizadas por esses sujeitos e grupos sociais” (SHIRAISHI)

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processos de regularização, segundo Shiraishi é que “a insegurança deriva da

incapacidade dos intérpretes em refletir as categorias à luz dos contextos sociais,

isto é, da imobilidade dos intérpretes do direito” (SHIRAISHI). Portanto, a elaboração

do discurso da ausência da propriedade privada ao ser colocada como pressuposto

da insegurança existente na região revela o descaso com os problemas sociais

existentes.

Em suma, a questão está nos interesses em jogo. A segurança jurídica da

propriedade não se traduz inevitavelmente na regularização guiada conforme os

ditames da política econômica, isso, em fundo, é uma produção política proferida

pelo Estado. A garantia da permanência na terra através do reconhecimento do

vínculo que uma família ou comunidade possui com a terra pode ser obtida por

métodos outros que não dependa da dinâmica do mercado de terras.

Por fim, o discurso jurídico como produto das relações de poder tem sido

posto muito mais no sentido de adequar as demandas sociais aos seus

instrumentos, do que propriamente transformá-los em razão das demandas.

No Estado do Pará em julho de 2009 foi promulgada a Lei Estadual nº

7.289, dispondo sobre a alienação, legitimação de ocupação e concessão de direito

real de uso e Permissão de Passagem das terras públicas pertencentes ao Estado

do Pará. Sua preocupação estava exatamente no ordenamento territorial, através da

regularização fundiária. Observando a administração pelo próprio Estado, vejamos:

Art. 1º Fica o Estado do Pará, através do Instituto de Terras do Pará, autorizado a alienar, conceder o direito real de uso e Permissão de Passagem das terras públicas de que é proprietário no território paraense, nos termos desta Lei e da Constituição do Estado do Pará.

Sobre essa Lei façamos algumas considerações começando pela

determinação de que desde a inscrição da concessão de direito real de uso, o

concessionário fruirá plenamente do terreno para os fins estabelecidos no contrato e

responderá por todos os encargos civis, administrativos e tributários que venham a

incidir sobre o imóvel e suas rendas, conforme o §3º, art. 2º da Lei. Ora, a plena

fruição é a liberdade de produzir e investir na propriedade conforme deseja o

proprietário, no entanto, trata-se de liberdade condicionada pelas obrigações civis,

ambientais, trabalhistas e tributárias.

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A Lei fez restrições para a obtenção das terras públicas estaduais, dentre

elas o que reza os §9º e §10, art. 2º:

§9º Fica vetado a concessão de uso de terras publicas estaduais a pessoa condenada em processo transitado em julgado, por crime de plantação de maconha e outros psicotrópicos, destinados a preparação de entorpecentes, ressalvado a cultura do tabaco. § 10. Fica criado no âmbito do Estado do Pará, o cadastro de pessoas que tiverem envolvimento comprovados com plantação de maconha em assentamentos agrários.

A intenção do legislador foi evitar a reincidência do plantio de

psicotrópicos. Cabe perguntar se não caberiam outras restrições para o acesso à

terra? A mesma Lei em destaque e o Decreto Estadual nº 2.135/2010 dispõem sobre

restrições para a permanência na terra concedida, entretanto tantos usos da terra

pelo caráter maléfico poderiam, e deveriam constar do conteúdo normativo a fim de

garantir a Justiça Social através da utilização da terra. Assim reza seu art. 6º:

Art. 6° O Estado do Pará promoverá medidas que permitam a utilização racional e econômica das terras públicas rurais, assegurando a todos os que nelas habitam e trabalham a oportunidade de acesso à propriedade, a fim de atender aos princípios da justiça social, do desenvolvimento agropecuário e da função social da propriedade.

Há a possibilidade de obtenção da terra de forma onerosa e não-onerosa.

Cabe ao Instituto de Terras do Pará (ITERPA) promover, a alienação de terras

públicas estaduais arrecadadas sob a forma de venda direta aos legítimos

ocupantes de terras públicas estaduais ou mediante licitação, na modalidade de

concorrência pública.

Quem seriam os beneficiados da política fundiária estadual? Segundo o §

1° do art. 7º: “Poderá adquirir o domínio àquele que, sendo ocupante de terras

públicas estaduais estiver produzindo em terras do Estado, levando-as a cumprir a

sua função social” e demais requisitos expressos no parágrafo seguinte. A lei

determina nestes casos a inexigibilidade de licitação, mediante o pagamento do

valor da terra nua, em um prazo de dez anos, em parcelas com base nos preços

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praticados no mercado imobiliário rural. Ademais expõe o art. 6º do Decreto

2.135/2010 do Governo do Pará:

Art. 6º É vedada a regularização fundiária à pessoa jurídica quando qualquer de seus sócios já tenha sido beneficiário de regularização fundiária realizada nos termos da Lei Estadual n° 7.289/2009, exceto se adquiriu área pública mediante concorrência.

O Estado do Pará tem um território de 124,85 milhões de hectares e cerca

de 7 milhões de habitantes. Logo, a demanda por ordenamento territorial recai em

múltiplos instrumentos de regularização. Para o âmbito da União foi promulgada a

Medida Provisória nº 458, posteriormente convertida na Lei federal nº 11.952/2009.

A medida ampliou de 500 (quinhentos) para 1.500 (mil e quinhentos)

hectares a área de terras públicas disponíveis para que o Governo Federal repasse

a entes privados (DIEHL, 2010)

Com isso, reaqueceu-se o mercado de terras na Amazônia. Afinal, a partir

da entrega de terras públicas baratas a médios e grandes produtores privados, dado

que, ainda que fosse a maior parte das terras regularizadas em prol de pequenos

proprietários, a mercantilização da terra está sendo acentuada.

A política de Reforma Agrária anuncia uma quebra com o padrão do

latifúndio. No período de 2003 a 2005 somente 25% das famílias foram assentadas

em terras desapropriadas (RAMOS FILHO, 2009, p. 249). O MDA assumiu que

houve uma inversão na prioridade inicialmente traçada como meta no II PNRA de

assentar 71% das famílias de forma onerosa. (RAMOS FILHO, 2009, p. 249).

No caso da Lei 11.952/2009 a própria entrega das terras à livre

disponibilização privada; “grava” as terras no mercado, e, com a concorrência

capitalista, a tendência é a concentração dessas terras nas mãos dos grandes

proprietários (DIEHL, 2010).

A Lei instituiu o “Programa Terra Legal” do Governo Federal, Programa

este que irá estruturar a regularização fundiária de 67,4 milhões de hectares de

terras federais não destinadas na Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato

Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão). Dos 296.856 imóveis

rurais a serem regularizados pelo Terra Legal nesses nove estados, 89.785 estão no

Pará (INCRA, 2009).

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O ‘Terra Legal’, programa do governo Federal gerido pelo Ministério do

Desenvolvimento Agrário – MDA vai titular imóveis rurais cujas posses sejam

anteriores a dezembro de 2004. Sob a justificativa da celeridade no processo de

regularização, que hoje leva cerca de cinco anos, o rito de titulação simplificado

(MDA).

Quanto a distribuição da Terra, embora o governo dê destaque para o

grande número de pequenos posseiros a serem beneficiados, um número reduzido

de posses (6,6%) reúne quase 73% das terras da região. Elas também poderão ser

regularizadas mediante a divisão dos imóveis entre familiares.

Uma característica em destaque para a entrada no mercado de terras das

áreas tituladas através do “Terra Legal” é que as terras só ganharam valor com o

abate das árvores, objeto de preocupação mundial.

Algumas pessoas já estão demarcando terras e ocupando mais,

esperando que a propriedade seja legalizada. Isso se intensificou após o surgimento

do Terra Legal, mas não dá para atribuir o aumento do desmatamento e da

ocupação irregulares diretamente ao programa, apesar de ele poder ser sim um fator

que tem contribuído para acelerar esse processo (OECOAMAZONIA, 2010).

A oferta da terra gratuita torna mais lucrativo invadir e desmatar novas

áreas do que investir no aumento de produtividade das áreas já abertas (IMAZON,

2009). A baixa valoração da terra e a possibilidade de lucro após três anos podem

ocasionar novas ocupações onde o monitoramento e a fiscalização não sejam

efetivos (IMAZON, 2009).

Segundo o MDA “Todo o ocupante regularizado assumirá cláusulas

ambientais obrigatórias preconizadas no artigo 15 da Lei que rege a regularização

fundiária da Amazônia Legal, podendo perder o título da terra caso não as cumpra”

(FOLHA, 2009). Dados do Imazon indicaram, entretanto, um crescimento de 167%

na derrubada da floresta em agosto deste ano, em comparação com o mesmo mês

do ano passado (FOLHA, 2009).

Segundo o IMAZON, em 2008, havia indefinição fundiária de 53% da

Amazônia, incluindo terras privadas sob suspeita de ilegalidade; área legalmente

considerada sem alocação e posses sem reconhecimento legal. Além disso, não

havia documentação consistente da locação física de imóveis rurais inseridos no

cadastro de terras do INCRA e registros nos cartórios da Amazônia. O limite foi

novamente alterado pela Lei 11.763/2008, passando para 15 modulos fiscais, não

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excedendo 1,5 mil hectares. Ou seja, em um espaço de três anos, os limites de área

de regularização fundiária em terras publicas sem licitação praticamente

quadruplicou

O terra legal não conseguiu alcançar a ambiciosa meta de emitir títulos

num prazo de 60 dias. Houve avanços na fase de cadastramento de posses, mas

muitos desafios ainda persistem nas etapas de georreferencimento, vistoria de

imóveis e titulação. No total, o programa cadastrou 74.132 posses em 8.369.872,937

hectares em 12 meses, sendo a maioria dos cadastros validos localizados no Pará,

com 49% dos imóveis (35.815 posses) e 48% (4 milhoes de hectares) da área

cadastrada.

A maior parte de área cadastrada (39%) estava concentrada nos imóveis

acima de 4 e menores que 15 módulos fiscais, apesar de representarem apenas 8%

do numero de imóveis cadastrados. De acordo com a lei 11.952/2009 os ocupantes

desses imóveis devem pagar pela regularização da terra. Por outro lado

considerando o numero de posses cadastradas, a maior parte (63%) concentrou-se

na categoria de 1 modulo fiscal que serão objeto de doação pela Lei 11.952/2009.

Essas posses correspondiam a 16% da área total cadastrada.

Pelo Programa Terra Legal terras de ate 1 modulo fiscal serão doadas;

imóveis entre 1 e 4 módulos fiscais serão vendidos com valores diferenciados e

abaixo do valor de mercado; e áreas entre 4 e 15 módulos fiscais serão vendidas por

valores determinados nas tabelas de referencia do INCRA sobre as quais incidirão

índices relativos à localização e condição de acesso, tempo de ocupação e tamanho

da área.

As repercussões são maiores quando vislumbra-se a estrutura complexa

já estabelecida na Amazônia. Trata-se de uma característica própria do mercado de

terras na Amazônia. Há preços para três tipos de mercadorias: ‘terras com mata’;

‘terras de pastagem’ e ‘terras para lavoura’ (COSTA, 2010, p. 53)

Foram 13,5 milhões de hectares desmatados para atividades

agropecuárias entre os Censos Agropecuários de 1995 e 2007 (COSTA, 2010, p.

51). A dimensão da ocupação da terra pela destruição das florestas aponta a

tendência do mercado de terras de pastagem ou de lavoura25.

25 Parte integrante do paradigma agropecuário é a perspectiva que trata a natureza na condição de matéria-prima, indicando a desmontagem do ecossistema para comercialização de suas partes como processo econômico legítimo, ou na condição do insumo terra, isto é, de um suporte depreciável de um sistema edafo-climático para a produção agropecuária

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Segundo Reydon & Plata, os preços da terra, assim como de todos os

outros ativos, são formados pela concorrência entre compradores e vendedores com

expectativas diferentes sobre o futuro, num mercado específico. A expectativa

intensifica-se nas áreas de fronteira.

O aumento na demanda por terras ocorre quando uma certa classe de potenciais compradores espera obter retorno mais elevado do que obteria com os demais ativos. Para a terra, como ativo de capital, isso normalmente ocorre quando há um novo produto, um novo mercado para um produto já disponível, uma nova tecnologia. Essa elevação na demanda normalmente vem acompanhada de elevação nos preços. (REYDON, 2006; PLATA, 2006, p. 271)

Segundo COSTA um montante de 14,2 milhões de hectares de terras

novas foram produzidos em associação à expansão da economia rural entre 1995 e

2006, ou seja, se inseriram na dinâmica dos negócios. Enquanto 2,4 milhões de

hectares foram distribuídos pelo INCRA (COSTA, 2010, p. 52).

Há três espécies básicas de especulação no mercado de terras, que

geram ganhos para seu proprietário ou apropriador: na apropriação privada de terras

públicas, devolutas e não ocupada, urbanas ou rurais; através da posse; na

transformação do uso e do tamanho da propriedade; e da valorização da terra por

seu caráter de ativo líquido. (REYDON, 2007, p. 256).

Ademais, por mais paradoxal que pareça, as indicações do Banco

Mundial demonstram que a Terra grilada não é a mais lucrativa. Aponta-se que os

mecanismos de certificação de qualidade e de rastreabilidade típicos do novo

padrão produtivo concedem lastro à necessidade de uma visão integrada e

integradora da cadeia de produção, que é absolutamente fundamental para a

inserção competitiva na nova ordem dos agromercados globalizados (GONÇALVES,

2005).

As previsões para o agronegócio demonstram a intensidade do peso

econômico que influenciará a situação fundiária na Amazônia, em detrimento de

qualquer outra forma de apropriação da terra que limite seu aproveitamento aos

moldes do próprio agronegócio.

A produção de soja, por exemplo, em 2018/19 é estimada em 26,5

milhões de hectares, atingindo uma produção de cerca de 88,9 milhões de

toneladas, representando um acréscimo de 5 milhões de hectares em relação à

safra de 2007/2008 (MAPA, 2011).

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Segundo o MAPA essa expansão será superada apenas pela cultura de

cana-de-açúcar que aumentara cerca de 7 milhões de hectares em 2018/19. Mas o

aumento da produtividade será o principal fator de crescimento da produção de soja

no Brasil26.

7. CONCLUSÃO

Vimos que na disputa pelo espaço, grupos políticos distintos e suas

correspondentes propostas de desenvolvimento agrícola se chocam, e no meio da

lide, como num cabo-de-guerra, o Estado, aparelho institucional público, se desloca

para atender quem possuir a maior força. No Brasil, atualmente, e mais

especificamente na Amazônia, temos a dinâmica do agronegócio se chocando com

26 A soja deve expandir através de uma combinação de expansão de fronteira em regiões onde ainda há terras disponíveis e de um processo de substituição de lavouras onde não há terras disponíveis para serem incorporadas (MAPA, 2011).

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outros modos de produção, aqui em destaque o modelo camponês de agricultura

familiar.

No entanto, tendo como base o texto constitucional podemos destacar

uma direção a partir da Justiça social, aplicando-a à dinâmica fundiária e agrária.

Portanto, ainda que seja determinado pelas demandas do mercado financeiro, o

território pode receber proteção especial pelo Estado. Ora para o equilíbrio

ambiental, ora para o benefício das populações tradicionais e campesinas, e

geralmente aos dois aspectos concomitantemente.

Do que se vê, o papel do Estado em promover a regularização fundiária,

foi historicamente encerrado dentro da dinâmica comercial - seja dos frutos da terra,

seja da própria terra – reorganizando os laços demográficos e sócio-econômicos de

cada território atingido.

Por conseguinte, atualmente, o pressuposto básico da Regularização

Fundiária, ou da Reforma Agrária “de Mercado”, é o de que diante da configuração

do capitalismo contemporâneo e da dinâmica e ainda do legado das políticas de

ajuste estrutural desenvolvidas ao longo de séculos de exploração, instaura-se a

falência da reforma agrária. Não apenas da reforma agrária tradicional ou clássica,

mas da Reforma Agrária em sua essência exterminadora da concentração de terras

e criadora de oportunidades de vida.

A idéia central explorada neste trabalho foi a de que a competência

redistributiva de terras por parte do Poder Público passa a ser preocupação da

política econômica, em detrimento da questão do trabalho e da justiça social. Não

que haja dicotomia entre desenvolvimento e justiça social, ao menos, a interpretação

do princípio da justiça social visa exatamente garantir o desenvolvimento com

distribuição de renda.

A introdução dos ditames estratégicos do Banco Mundial na política

agrária do Brasil teve como primeiro pressuposto, a missão de salvar a estrutura

fundiária do Brasil, implementando meios mais céleres e menos onerosos. Ora o

único estudo no Brasil de abrangência nacional sobre os gastos efetivamente

incorridos para assentar uma família foi realizado no final da década de 1990,

quando existia um número menor de assentamentos e uma situação muito

diferenciada da atual. Este estudo analisou os gastos relativos a 78 projetos de

assentamento de um total de 836 projetos criados pelo INCRA entre 1986 e 1994

(MARQUES, 2007, fl. 55)

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Além disso, os Estados foram julgados incompetentes, segundo o BM,

para garantir condições de desenvolvimento. A solução seria investir na iniciativa

privada, dando a todos e a cada um a possibilidade de construir seu meio de

sobrevivência de modo independente.

No entanto, como foi indicado no texto “Estado e sociedade civil, acesso à

terra e desenvolvimento rural: reforço da capacidades para novas formas de

governança” da Conferência internacional sobre reforma agrária e desenvolvimento

rural: Essas “Não constituem políticas eficazes nem economicamente viáveis de

redistribuição das terras. A lentidão de sua aplicação não surpreende”. Afinal, como

pensar que bastaria, para reduzir as desigualdades, que os pobres comprassem as

terras dos ricos.

Qual seria, portanto, a justeza do modelo mercadológico de acesso à

terra? A garantia da posse, a entrada na terra, gera possibilidades, mas na realidade

a problemática definidora do contexto agrário está na permanência na terra, pois

obter a terra não importa necessariamente a saída de um estágio de vulnerabilidade

social, econômica e cultural.

Ora, o mercado pode se apresentar como uma saída da pobreza, mas

não deixara de oferecer riscos inerentes à economia financeirizada. Ou seja, o

mercado pode ser uma grande armadilha se não for controlado, tendo como atrativo

a ‘Justiça Social’.

É evidente que o Brasil possui uma das maiores taxas de concentração

de terra, e continua a concentrar. Mas também temos como óbvio que a produção

agrícola neste país não permite a devida distribuição de renda, apenas acentua a

acumulação de bens. Daí que a reforma agrária não pode ser mero acesso, e sim

isso e mais a mudança do modo de produção.

Em geral, os movimentos sociais do campo desafiam o governo a um

outro tipo de reforma agrária, que congregue a reorganização da matriz da produção

de alimentos, em termos técnicos e tecnológicos, e os direitos sociais, em especial a

educação.

No Acampamento Nacional da Via Campesina, durante a Jornada de

Lutas por Reforma Agrária no mês de agosto de 2011, foram feitas negociações

dentro do Palácio do Planalto. O primeiro ganho foi por a Reforma Agrária na pauta

do governo, novamente.

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As principais conquistas anunciadas pelo ministro foram o acréscimo de

R$ 400 milhões no orçamento do Incra e MDA para obtenção de terras para a

reforma agrária e a liberação dos R$ 15 milhões contingenciados do Programa

Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Também estão na lista a

implementação do Programa de Alfabetização Rural, nos moldes propostos pela Via

Campesina, e o financiamento de agroindústria em assentamentos: R$ 200 milhões

para projetos de até R$ 50 mil e outros R$ 250 milhões para projetos até R$ 250 mil,

todos esses créditos a fundo perdido.

A proposta do governo permite que os endividados acessem um crédito

de até R$ 20 mil, com juros de 2% ao ano e prazo de pagamento de 7 anos, para

quitar as dívidas atuais, e os libera para acessar novos créditos no Pronaf. Os

movimentos do campo reivindicavam a anistia da dívida.

MDA e Incra devem apresentar entre 7 e 10 de setembro um plano

emergencial de assentamento até o fim do ano, mas também com vistas até 2014. A

Produção Agroecologia Integrada e Sustentável (PAIS) terá todos os recursos

necessários para todos os projetos apresentados. Isso é para os movimentos sociais

conquistar a Reforma Agrária Popular.

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