Perícia médica Judicial

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Teoria e prática PERICIA MEDICA JUDICIAL

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Organizado por profissionais renomados da área médica e do direito, a obra apresenta o processo de Perícia Médica no âmbito judicial, orientando profissionais que desejam seguir carreira de Perito em todas as suas abrangências, através da combinação de uma sólida base teórica com a discussão de cases jurídicos reais da prática docente e de magistrado dos professores autores, acumulados ao longo dos últimos 10 anos. O livro foi elaborado de forma a guiar o leitor durante todo o processo da Perícia Médica, desde as análises preliminares até a fundamentação exigida nos relatórios judiciais. Os textos são seguidos de laudos reais, que visam facilitar a compreensão do leitor e ilustrar os cases.

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Teoria e prática

PERICIA MEDICAJUDICIAL

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ORGANIZADORESMaristela Pagani

Antônio Roberto Andolfato de SousaCarlos Rodolfo Dall´Aglio Rocha

Octávio Ricci Junior

Teoria e prática

PERICIA MEDICAJUDICIAL

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SUMÁRIO

Nota dos Organizadores07

Perícia Cível – Parte Teórica Dr. Cristiano Jarreta Coelho de Castro

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Laudos Cíveis19

Assistência TécnicaProf. Dr. Hermes de Freitas Barbosa

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Perícia Trabalhista – Parte Teórica – Trabalho e SaúdeProf. Dr. José Carlos Cacau Lopes

72

Perícia Trabalhista – Parte Teórica 2Dr. Rodarte Ribeiro

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Laudos Trabalhistas83

Perícia Criminal – Parte Teórica 1Prof. Dr. Eudes Quintino de Oliveira JuniorDr. Pedro Bellentani Quintino de Oliveira

110

Perícia Criminal – Parte Teórica 2Dr. Sérgio Clementino

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Laudos Criminais138

©nVersos editora, 2013

Diretor Editorial: Julio César BatistaEditor Assistente: Guilherme UdoDiretor de Arte: Julio César BatistaEditor de Arte: Áthila Pereira PeláCapa: Áthila Pereira PeláProjeto Gráfico e Editoração Eletrônica: Erick Pasqua, Henrique Marques BarsaliRevisão: Elaine Hipólito, Gléssia Veras e Guilherme Santos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Perícia médica judicial : teoria e prática / organizadores Maristela Pagani...[et al.]. -- São Paulo : nVersos, 2013.

Vários autores. Outros organizadores: Antônio Roberto Andolfato de Sousa, Carlos Rodolfo Dall’Aglio Rocha, Octávio Ricci Junior. Bibliografia.

978-85-64013-84-1

1. Medicina legal 2. Medicina legal - Brasil I. Pagani, Maristela. II. Sousa, Antônio Roberto Andolfato de. III. Rocha, Carlos Rodolfo Dall’Aglio. IV. Ricci Junior, Octávio.

13-10699 CDU-340.6

Índices para catálogo sistemático: 1. Medicina legal 340.6

nVersos editoraAv. Paulista, 949, 9º andar

01311-917 – São Paulo – SPTel.: 11 3567-5660

[email protected]

1ª edição – 2013Esta obra contempla o novoAcordo Ortográfico da LínguaPortuguesaImpresso no BrasilPrinted in Brazil

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Nota dos orgaNizadoresPor

Maristela PagaNiaNtôNio roberto aNdolfato de sousaCarlos rodolfo dall’aglio roCha

oCtávio riCCi JúNior

No início da década passada, a Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/FAMERP passou a receber solicitações dos juízes de boa parte das comarcas da região noroeste paulista para indicar médicos que pudessem realizar perícias.

A demanda era grande e não havia número suficiente de profissionais para atendê-la.

Diante do compromisso social que se apresentava, bem ainda da oportunidade de abertura de uma nova possibilidade de atuação profissional na área médica, foi iniciado em abril de 2003 o primeiro curso de especialização em Perícia Médica da FAMERP.

É claro que o curso não é condição legal para o aluno atuar como perito judicial ou extrajudi-cial. Segundo a lei, para isso basta que o perito seja médico. Entretanto, diante da especificidade dos conhecimentos exigidos para tal atuação e, ainda, por conta de que a tradicional graduação em medicina não abordar com profundidade o conhecimento necessário para formar peritos médicos, o objetivo daquela iniciativa era fornecer ao médico elementos para atuar de forma segura como perito judicial.

Desde então, foram concluídas seis Turmas de Capacitação e cinco Turmas de Especialização, com mais de quinhentos alunos titulados.

Transcorrida uma década daquela iniciativa pioneira, a Perícia Médica, judicial e extrajudicial, consolidou-se como um importante mercado de trabalho para o graduado em Medicina, e a FAMERP se orgulha de ter contribuído para isso.

Em comemoração aos 10 anos do Curso de Perícia Médica da FAMERP, esta singela obra reúne alguns dos temas ministrados em sala de aula. Tais temas são abordados em textos de autoria dos professores e organizados pelos coordenadores do curso.

Não há, obviamente, a pretensão de esgotar o assunto, mas certamente trata-se de uma obra fun-damental para quem se interessa pela Perícia Médica.

Boa leitura.

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PeríCia Cível - Parte teóriCaPor

dr. CristiaNo de Castro Jarreta Coelho

iNtrodução

Muito honrado com o convite da FAMERP para trazer breves notas jurídicas no campo cível dessa obra que trata de tão caro tema – PERÍCIAS MÉDICAS – , mas sem olvidar a enorme respon-sabilidade assumida, logo procurei delimitar o âmbito do trabalho de forma bem clara, sob pena de perdimento completa de foco.

Ainda que a ordem jurídica tenha criado a ficção de que a ignorância da lei1 não pode ser alegada, parece absolutamente inegável que as ações judiciais constituem fonte de absoluto desconhecimento para muitos. E a situação se torna mais complexa ainda quando nos deparamos com os chamados dilemas da pós-modernidade, essencialmente alicerçados em relações jurídicas complexas e plurais.

Nesse panorama, seria impensável de minha parte ter a pretensão de esgotar no presente trabalho o Direito Civil. Se o Direito, como um todo, é deveras amplo, já que na condição de ciência humana reflete a complexidade da sociedade pós-moderna, o Direito Civil não deixa de ter a mesma ampli-tude. Para se aquilatar a correção de tal afirmação, basta lembrar, por exemplo, que o nascimento do Direito Civil moderno, ligado ao Códe Civile de Napoleão (de 21 de março de 1824), teve o objetivo primordial de funcionar como a Constituição do Cidadão, como defesa deste perante o Estado Ab-solutista que era derrubado. Daí porque, não raro, afirma-se que a Teoria Geral do Direito Civil tem contornos de Teoria Geral do Direito.

Com essa premissa, ainda que a obra seja destinada a profissionais de “fora do Direito”2, o que demandaria explicações mais basilares, é imperioso, repita-se, que se delimite o âmbito de discussão, pois, do contrário, corre-se o risco de muitíssimo dizer, sem nada esclarecer.

Trilhando esse caminho, adianta-se, desde já, que se a proposta da participação em tela é discutir três laudos periciais cíveis, antes de qualquer coisa, urge que se compreendam quais temas do Direito Civil são abordados. No primeiro laudo, que doravante denominarei Perícia I, discute-se a existência ou não de erro médico em caso de cirurgia plástica – redução abdominal – que não teve o resultado esperado. Na Perícia II, a discussão ainda se encontra no âmbito do chamado erro médico, desta vez às voltas com a alegação de negligência médica no atendimento emergencial. Na Perícia III, final-mente, discute-se a redução ou não da capacidade laboral de pessoa vítima de acidente de trânsito para fins de seguro a danos pessoais causados por veículos (DPVAT).

Como se vê, o eixo central das três perícias é o campo da Responsabilidade Civil3. Desta feita, o presente trabalho partirá de pequenas noções de Teoria Geral do Direito Civil e do Direito das Obrigações para, tão logo possível, adentrar as normas jurídicas que regulam a matéria avaliada.

Juiz de Direito Titular da Vara do Juizado Especial Cível da Comarca de São José do Rio Preto

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Ainda que a exposição siga nitidamente o método empírico, pois parte do caso estudado para dar as bases teóricas de avaliação, o resultado é plenamente satisfatório, porquanto permite ao leitor ter a noção clara do raciocínio jurídico necessário para a solução das questões periciais.

Não se pode deixar de pontuar que aqui não se pretenderá promover longas citações doutrinárias jurídicas que em nada solucionam as questões a serem discutidas. O Direito, como toda ciência humana, não tem respostas definitivas e exatas. O que se encontra aqui e acolá é certa tendência de solução, o que por certo não exclui a discussão. Por isso, evitou-se cair na tentação de longas cita-ções, optando-se por explanações diretas. Evidentemente, tal postura, a despeito do ganho em dinâ-mica, traz um prejuízo: as definições passam pelas opções pessoais do autor. Assim, é fundamental frisar que sempre é possível encontrar posições diversas no mundo do Direito, o que não dispensa a consulta de outras fontes.

Enfim, delineado nosso objeto e traçadas nossas metas, espera-se colaborar para a introdução do perito médico no conhecimento da ordem jurídica, imprescindível premissa para o profissional que auxiliará o Estado no exercício da jurisdição.

o direito Civil

O Direito, assim entendido como ciência produzida pelo homem como instrumento hábil para regulação da vida em sociedade, pode cuidar de questões públicas ou de questões privadas.

Públicas4 são as questões que envolvem interesses comuns de toda uma determinada população. Como os interesses podem variar tanto em relação ao objeto quanto em relação aos sujeitos, para facilitação do estudo sistematizado nas universidades, para cada interesse público específico cor-responde uma disciplina do Direito estudada. Assim, por exemplo, por meio do Direito Tributário estudam-se as mais variadas relações jurídicas havidas entre todas as pessoas residentes ou atuantes no Brasil, sejam físicas, sejam jurídicas, e os entes federativos – União, DF, Estados e Município, conforme disciplina constitucional e legal sobre o tema. Como os tributos constituem a fonte de custeio das atividades estatais voltadas para a prática do bem comum, as relações jurídicas tributárias são tratadas como de Direito Público. Também são consideradas de Direito Público as relações jurí-dicas havidas entre uma pessoa acusada da prática de um crime e o Estado que busca, via Ministério Público, punir tal indivíduo pelo delito cometido, via Poder Judiciário julgar se houve ou não crime e, havendo, determinar a segregação daquele – Direito Penal e Processual Penal.

Na outra ponta se encontram as questões tidas como privadas. Embora ao Estado interesse regular e concretizar essa regulação com o escopo de impedir o exercício arbitrário das próprias razões, não há como negar que determinados assuntos interessam diretamente apenas aos cidadãos: muito em-bora o Estado tenha interesse concreto de que as partes de um contrato de compra e venda sigam as normas legais sobre o assunto, caso em um determinado negócio uma das partes não tenha quitado o preço integral ajustado, por exemplo, enquanto ele não for acionado pela parte prejudicada para fazer valer a norma, a questão não lhe trará qualquer repercussão jurídica, de modo que se o credor houver por bem perdoar o débito, nada se lhe obstará.

Muito embora a disponibilidade do Direito seja um critério claro de visualização da diferença entre o que é público e o que é privado, vale dizer que nem sempre é assim: (a) para se casar, a lei exige idade mínima de 16 anos (artigo 1.517, do Código Civil), muito embora preveja algumas exceções (artigo 1.520, do Código Civil); (b) no entanto, o noivo entre 16 e 18 anos depende da autorização dos pais ou representantes; (c) se um dos pais – ou ambos – se opuser à vontade do filho, haverá possibilidade de se tentar obter judicialmente o suprimento desse requisito; (d) obtido o alvará judicial, o casamento se rea-lizará eficazmente, no entanto, mesmo assim, o regime de bens do casamento, conforme exige a lei, será de separação total (artigo 1.641, III, do Código Civil); (e) é dizer, ainda, que o casamento seja algo de interesse direto dos nubentes, portanto, classificável como de interesse privado, ainda que tenha havido autorização judicial para realização da cerimônia, por conta da precocidade do ato, considerando o legis-lador importante para proteger os patrimônios individuais dos nubentes por questão de controle social.

Assim, é possível definir de uma maneira mais completa o interesse privado como sendo alguma situação que tangencia de forma direta a vida de pessoas físicas ou jurídicas, sem participação direta do Estado5, ao não ser o interesse próprio na regulação dos conflitos da sociedade.

Diante dessas breves premissas, é possível classificar o Direito Civil como um grande ramo do Direito Privado, não porque suas relações jurídicas não interessem ao Estado, mas sim porque suas afirmações – ou não – afetam diretamente a vida de particulares. O interesse do Estado é, repita-se, indireto, porquanto ao estipular as normas que regerão tais relações jurídicas é evidente,já que ao mesmo Estado interessa impor o cumprimento daquelas quando assim reclamado pela parte lesada.

Aprofundando o enquadramento sistemático do Direito Civil, a essa altura já é possível imaginar que o próprio Direito Civil é capaz de gerar subdivisões, pois os interesses que regula são de variadas naturezas. Para tanto, o Código Civil de 2002 promoveu uma primeira grande divisão: (a) de um lado a Parte Geral, na qual estão disciplinados os sujeitos de Direito, que são as pessoas que atuarão na sociedade por meio das mais variadas possibilidades; os bens, que são exatamente o objeto das relações travadas pelos sujeitos, e, finalmente, as relações jurídicas, que são exatamente as variadas formas de atuação daquelas pessoas em sociedade; (b) de outro lado, previu a chamada Parte Espe-cial com cinco livros diversos que, por definição, prevê as especificidades de cada ramo do Direito, sempre recorrendo às generalidades da Parte Geral.

O Livro II da Parte Especial regula o Direito de Empresa, que antigamente era estudado como Di-reito Comercial, restringindo-se às relações jurídicas voltadas para a mercancia como forma de gerar e circular riquezas. O Livro III traz o chamado Direito das Coisas, disciplina na qual são reguladas as relações jurídicas travadas por todos com os bens: direito de propriedade, usufruto, servidões etc. O Livro IV, sob a rubrica de Direito de Família, disciplina as relações jurídicas pessoais de todos como o casamento – e seus regimes –, a união estável, as obrigações alimentares, a tutela, a curatela, além de outros assuntos. No Livro V, finalmente, cuidou o legislador de disciplinar o destino dos bens das pessoas quando da morte: cuida-se do chamado Direito das Sucessões.

Deixou-se o Livro I por último de forma propositada, já que é justamente dele que nos ocupare-mos de forma mais detida no desenvolver do presente trabalho. Nesse livro da Parte Especial, deno-minado Direito das Obrigações, são reguladas as relações jurídicas através das quais uma pessoa se

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apresenta com o dever jurídico de realizar uma determinada prestação6 para outra. Genericamente pode-se dizer que há duas formas básicas de assunção dessa obrigação: (a) ou se assume a obrigação por vontade direta, seja por contrato, seja por ato unilateral com tal conteúdo; (b) ou se assume a obrigação de forma impositiva por infringência da lei. Em outras palavras, tanto se obriga a uma prestação aquele que firma um contrato de doação, quanto aquele que ultrapassa o sinal de PARE da rua e causa uma colisão. A diferença fundamental é que o primeiro quis assumir a obrigação de dar algo a alguém, enquanto o segundo é compelido pela lei a reparar (dar ou fazer) o prejuízo do lesado.

Dependendo da fonte da obrigação, a questão se colocará dentro do Direito Contratual ou da Res-ponsabilidade Civil. Assim, bem como colocado o tema, é possível definir a Responsabilidade Civil como a parte do Direito Civil que se ocupa de disciplinar as responsabilidades das pessoas por seus atos causadores de dano. Há uma série de regras postas no ordenamento para disciplinar as respon-sabilidades de todas as pessoas que atuam em sociedade, pois se existe um nicho no qual a injustiça se faz presente é o campo do dano. Toda vez que alguém sofre um dano a ordem jurídica é abalada, sendo que a obrigação de reparação será a única forma de reposição das partes ao estado anterior.

É importante, ainda com intuito genérico de informação, colocar desde já que responsabilidade não é sinônimo de culpa, muito embora haja uma tendência quase automática a tal vinculação7. Há modalidade de responsabilidade que se fundamenta diretamente na culpa da pessoa: é a chamada responsabilidade subjetiva, na qual a obrigação de reparação do prejuízo somente nascerá se houver concomitantemente a prática de um ato ilícito (de forma ativa ou por omissão) culposo (por impru-dência, negligência ou imperícia) ligado (nexo de causalidade) diretamente a dano. N’outra ponta, prevê a lei que determinadas condutas ou atividades impõem àquele que as promove a obrigação de reparar os prejuízos causados, ainda que, para tanto, não tenha colaborado de forma culposa: é chamada responsabilidade objetiva. Nesses casos, considerou o legislador que o risco da atividade, geralmente por razões econômicas, deve ser assumido por quem o criou.

Cabe aqui um parêntese importante: nas chamadas relações de consumo8 a responsabilidade civil do fornecedor de serviços – ou de produtos – é de natureza objetiva. É dizer, prescinde-se da inves-tigação – e da comprovação – de que tenha havido culpa do fornecedor na causação do dano experi-mentado pelo consumidor (artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor). Assim, quando o serviço é prestado pelo fornecedor de forma defeituosa, não se discute se houve ou não culpa daquele para se avaliar a responsabilidade do mesmo pela reparação. Basta que haja prova do dano vinculado (nexo de causalidade) ao defeito para se chegar à conclusão da obrigação de reparação.

Evidentemente que nunca se retirará do fornecedor o direito de tentar provar que o defeito, em verdade, nasceu por culpa exclusiva do próprio consumidor, de terceiro ou do chamado caso fortuito ou força maior9 (artigo 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor), quando, então, será exclu-ída a responsabilidade civil do mesmo pelo evento danoso. Contudo, repita-se, para se chegar a tal situação terá o fornecedor o ônus de provar a excludente.

Colocadas tais premissas – e essa foi a razão do parêntese –, identifica-se um grande problema: os prestadores de serviço em geral (como o médico e o advogado, por exemplo) bem se amoldam à relação de consumo, pois prestam um serviço de forma onerosa aos clientes (pacientes), que,

por sua vez, recebem-nos como destinatários finais. Assim, em tese, a responsabilidade civil dos mesmos seria objetiva não fosse a ressalva legal do artigo 14, § 4º, do Código de Defesa do Con-sumidor: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verifi-cação de culpa”. Logo, é importante fixar que enquanto a pessoa jurídica que prestou o serviço (o hospital, por exemplo) responde de forma objetiva pelos prejuízos causados, o profissional liberal que diretamente prestou tal serviço responde de forma subjetiva, ou seja, mediante comprovação de prática de conduta culposa.

Colocadas essas premissas teóricas (sem qualquer pretensão de esgotamento do tema), fica menos árdua a tarefa de promover a explanação jurídica necessária para solução dos casos peri-ciais em estudo, pois em todos cases, como adiantado linhas acima, estar-se-á diante da chamada Responsabilidade Civil, ramo do Direito Civil onde se avaliará basicamente se a parte acionada na Justiça, de acordo com as regras próprias postas, tem ou não responsabilidade diante do evento danoso questionado.

os Casos

Tal qual colocado na introdução deste artigo, a base para um estudo jurídico acerca de responsa-bilidade civil, para que se perdesse o foco da obra final, somente poderia ser justamente a avaliação de laudos periciais. Ainda que o método empírico não seja o mais aconselhado para se fixar bases doutrinárias no Direito Brasileiro10, como a pretensão do presente trabalho não é encerrar a questão doutrinária, mas sim permitir a contextualização jurídica – no âmbito do Direito Civil – dos assuntos tratados, não se vê outro método mais propício para a fixação do tema.

Perícia I

Ao que se extrai do laudo pericial trazido à baila, a parte autora (identificada como DONA MA-RIA e que doravante será tratada apenas como autora) moveu ação indenizatória contra o HOSPI-TAL onde realizou cirurgia plástica para redução de volume abdominal e o MÉDICO que conduziu o procedimento (denominados réus daqui em frente). O reclamo da parte autora é o fato de que o resultado alcançado não foi aquele almejado, o que lhe causou abalo moral.

Sobre o tema em análise, a base teórica para solução do processo merece algumas ilações. A cirurgia plástica, no campo dos serviços médicos, tem a “fama” de atribuir ao médico condutor do procedimento responsabilidade pelo resultado. Embora verdadeira a assertiva, há algumas questões que merecem uma análise mais detida.

Em um primeiro plano, é importante colocar que nem sempre é assim. Nas chamadas cirurgias plásticas reparatórias, como no caso de vítima de queimadura, por exemplo, o aspecto funcional do procedimento se sobrepõe ao aspecto estético. Como na gênese desses casos a cirurgia não é realizada para satisfação pessoal, não se pode exigir do profissional responsável um resultado final. O comprometimento do médico, nesse caso, é com o emprego dos meios hábeis para se tentar atingir o resultado esperado, sendo que o parâmetro para verificação da adequação ou não do quanto executado é a literatura médica reconhecida.

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Quando, como no caso da perícia em tela, a cirurgia plástica tem cunho exclusivamente estético, a obrigação do médico passa a ser de resultado. Porém, não se pode estender tal assertiva às raias do não razoável. Há duas espécies de resultado do ponto de vista jurídico. Há o resultado objetivo, que é aquele resultado esperado dentro da própria literatura médica, passível de análise comparativa, e há o resultado subjetivo, que é aquele resultado esperado dentro da cabeça do paciente. Logo, o resul-tado que vincula o cirurgião plástico é aquele objetivamente considerado e não aquele internamente desejado pelo paciente, por mais fantasioso que seja.

Evidentemente, não se está a analisar nesses casos eventuais falsas promessas. A par da questão ética, quando o Direito se depara com as falsas ilusões comprovadamente geradas no paciente, a questão se coloca no âmbito contratual e não da responsabilidade civil. Em qualquer contrato é vedado às partes pela lei (artigo 422 do Código Civil) agir sem boa-fé objetiva (aquela boa-fé que é revelada em comportamentos e atitudes), de modo que o dever de informação é inerente em todos eles. Daí porque o médico que cria falsas expectativas, antes de qualquer coisa, está praticando um ilícito contratual, devendo responder por ele. Do ponto de vista médico, contudo, não se pode exigir de tal médico o resultado subjetivo, ainda que por ele induzido, porquanto objetivamente impossível.

Nesse contexto, no caso em tela, cuidando-se de cirurgia plástica estética, a obrigação contratual do requerido é de resultado, assim compreendido como aquele resultado possível dentro da literatura médica. Outrossim, como se trata de profissional liberal, ainda que vendendo um serviço, nos termos do artigo 14, § 4°, do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil do médico réu é de natureza subjetiva. É dizer, somente responderá pelo resultado não satisfatório de acordo com a literatura médica se para ele concorreu de forma culposa, ou seja, com imprudência, negligência ou imperícia. Em outras palavras: terá o médico responsabilidade civil nesse caso se não tiver capacida-de técnica para o procedimento (não for cirurgião plástico) ou se não usar os meios técnicos previstos para o mesmo ou ainda, se os usou, fê-lo de forma inadequada.

É necessário lembrar, ainda, que a ação foi movida pela paciente também contra o HOSPITAL onde foi realizado o procedimento. Por se tratar de pessoa jurídica prestadora de serviços onerosos (serviços hospitalares), entre a autora e o HOSPITAL não incide a benesse do § 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, de modo que a responsabilidade deste, ao contrário do cirurgião, é de natureza subjetiva. Assim, havendo dano decorrente dos serviços hospitalares da ré, é dizer, não sendo concretizado o resultado objetivamente esperado da cirurgia plástica realizada na autora, responderá o HOSPITAL de forma objetiva.

Também aqui cabe um parêntese diante dos inúmeros questionamentos que se vê sempre que se trava tal discussão: como pode o HOSPITAL responder por algo sem culpa? Inicialmente, vale aqui remeter o leitor ao capítulo anterior, quando se procurou rapidamente diferenciar culpa de respon-sabilidade. Não bastasse a possibilidade legal de que alguém seja responsável por um dano mesmo sem ter culpa11, não se deve olvidar que há outras hipóteses legais que excluem a responsabilidade civil, inclusive dos fornecedores. Assim, se não houver dano juridicamente indenizável, se o dano for causado exclusivamente pelo próprio consumidor ou por terceiros ou se o dano for decorrência direta de caso fortuito ou força maior, não há que se falar em responsabilidade civil do fornecedor.

Colocados esses fundamentos, no caso da perícia em análise, tem-se o seguinte quadro: (a) a autora se submeteu à cirurgia plástica para redução de volume abdominal e reclama que o resul-tado não foi satisfatório, o que lhe causou abalo moral (agravamento de quadro depressivo); (b) a responsabilidade civil do médico réu é de natureza subjetiva e de resultado, ou seja, responde pelo resultado objetivamente não alcançado se agiu comprovadamente de modo ilícito (por im-prudência, negligência ou imperícia); (c) a responsabilidade civil do HOSPITAL réu é de natureza objetiva, mas fica excluída se comprovar a inexistência de dano, a culpa exclusiva da autora para a ocorrência do dano, a culpa exclusiva de terceiro12 ou que o resultado danoso decorreu de caso fortuito ou força maior.

E, com essas premissas, a leitura do laudo em estudo permite clara conclusão de improcedência da ação, ou seja, de não responsabilização civil dos réus. Primeiro, porque após longa discussão e fundamentação, concluiu o médico perito que subscreveu o laudo que a técnica empregada na cirurgia foi adequadamente escolhida e realizada. Esclareceu, ainda, que o resultado objetivamente esperado não foi totalmente atingido por conta de aspectos anatômicos individuais da parte autora. Esclareceu, também, que o fato de a autora tabagista permanecer com vida sedentária e engordando no pós-operatório foi elemento que potencializou sua natureza anatômica, dificultando a obtenção do resultado esperado. Não bastasse, concluiu a perícia que o quadro clínico anterior da autora de distúrbio psiquiátrico (transtorno afetivo bipolar) potencializou suas frustações. Com tais elementos fáticos, é de se concluir que o resultado estético objetivamente esperado não aconteceu por questões absolutamente alheias ao médico réu (anatomia da autora agravada pela negligência da própria), que empregou adequadamente a correta técnica para o procedimento.

Por conseguinte, não houve culpa imputável ao médico, o que exclui a sua responsabilidade civil. Perante o HOSPITAL também não há que se falar em responsabilidade em razão da excludente de caso fortuito (anatomia da autora) somada ao fato do consumidor (conduta pós-operatória da própria autora) como causas exclusivas do resultado.

Frise-se, ainda, que nem mesmo do ponto de vista contratual é possível responsabilizar o médico réu. No laudo pericial em análise, dentro do Histórico (item 3.2), consignou o Perito que a autora lhe relatou, a título de expectativa da cirurgia, que “Sabia que não ficaria com cinturinha, mas queria o abdome reto. Dr. José disse que ficaria melhor”. Assim, não se vislumbra nem mesmo indício de prestação de informação inadequada que justifique análise outra.

Perícia II

O segundo laudo pericial em análise traz à baila reclamação de negligência de atendimento mé-dico-hospitalar com evolução para óbito. Cuida-se de ação indenizatória proposta pela esposa do falecido contra o HOSPITAL responsável pelo atendimento (e outros – provavelmente médicos que estiveram na cadeia de atendimento13).

As mesmas premissas teóricas colocadas na análise do caso anterior têm cabimento no caso em voga: a responsabilidade civil de cada médico envolvido no atendimento do falecido é de natureza subjetiva (pressupõe a existência de prática de ato ilícito para responsabilização, que fica caracteriza-

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do pela conduta negligente, imprudente ou imperita – culpa lato sensu), enquanto a responsabilidade da entidade hospitalar, por se tratar de pessoa jurídica, é de natureza objetiva por força do Código de Defesa do Consumidor.

É importante agregar no presente caso a explanação de que as obrigações contratuais do médico para as hipóteses de atendimento médico patológico, ao contrário do caso da cirurgia plástica, segue a regra geral: trata-se de obrigação de meio. Não é possível exigir que o médico garanta ao paciente o resultado satisfatório, porquanto a medicina não é ciência exata, estando aquele sujeito a vários fa-tores externos à conduta do profissional. No entanto, no que tange o comportamento do médico como fator preponderante para a obtenção de resultado satisfatório, está ele adstrito ao dever de empregar as melhores técnicas ao seu alcance, de acordo com a literatura médica imperante, da melhor forma possível. Daí porque se fala em obrigação de meio. Fora daquilo que está ao alcance instrumental do médico, não é dado exigir do mesmo.

Nesse momento, cabe a consignação de importante parêntese: e quando carece o médico de estru-tura instrumental adequada? Responde ele pelo insucesso do tratamento?

Evidentemente que não se pode, em princípio, responsabilizar civilmente o médico que não dis-punha de estrutura material necessária para encaminhar adequado tratamento ao paciente. No entan-to, tal situação não exclui a responsabilidade do médico de, podendo fazê-lo, desde que sem risco não tolerável ao paciente, encaminhá-lo a local onde haja estrutura adequada. Como se vê, são situações distintas: uma situação é não ter estrutura e não poder (porque não há meios ou porque se o fizer colocará a vida do paciente em risco não tolerável) encaminhar o paciente para um centro melhor, e outra distinta é não ter estrutura e deixar de encaminhá-lo para melhor local, podendo fazê-lo.

Também é importante acrescentar que atualmente se entende que o médico também tem o dever contratual derivado da boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil), nesses casos, de informar ao pa-ciente a existência de outros meios instrumentais que eventualmente possam conduzir o tratamento a um melhor encaminhamento. Quando esse dever não é cumprido, a despeito de não se poder por isso vincular o médico, do ponto de vista causal, a um resultado danoso, é possível falar em indenização pela perda da chance de tratamento. Hodiernamente, vem-se atribuindo valor indenizável à chance perdida, de maneira que o dever de prestar tal espécie de informação também passa a ser de respon-sabilidade profissional do médico14.

Com essas premissas teóricas e os elementos fáticos colocados no laudo pericial, já é possível avaliar a solução do caso. Ao que se infere do laudo do expert, o esposo da autora passou por três períodos de inter-nação antes do óbito, internações estas que ocorreram em espaço de um ano (maio de 2012 a maio de 2013).

Segundo a avaliação do perito, o que se extrai da conclusão exposta após longa fundamen-tação, os tratamentos pelos quais o esposo da autora foi submetido nos períodos de internação seguiram padrão de conduta adequada, não havendo indicação de que tenha ocorrido imprudência na escolha dos meios ou negligência na execução dos mesmos. Segundo a mesma avaliação téc-nica, as complicações patológicas pelas quais o esposo da autora passou decorreram de evolução ruim do quadro, de modo que se trata de desdobramento esperado pela literatura, quando não atingido o intento do tratamento.

Com esse quadro fático colhido pela perícia, não há qualquer suporte fático-probatório para se dizer que tenha havido, por parte do(s) médico(s) responsável(eis) pelo atendimento, a prática de ato ilícito: não há qualquer colheita de elemento indicativo de quebra da obrigação de meio. Sem ato ilícito (culpa, por assim dizer), não há autorização legal para se responsabilizar civilmente qualquer médico pelo óbito, o que torna improcedente a pretensão da parte autora.

Do ponto de vista da pessoa jurídica prestadora dos serviços hospitalares, a inexistência de ato ilícito por parte de seus prepostos (médicos indicados para o tratamento), é de reconhecer a caracte-rização da inexistência de defeito de serviço na linha causal que levou ao óbito. E, com isso, agiu-se de acordo com a lei (artigo 14, § 3º, I, do Código de Defesa do Consumidor).

Em suma: sem a caracterização de culpa por parte dos profissionais que atenderam o esposo da parte autora não se vislumbra base jurídica para sucesso da demanda.

Perícia iii

Desta vez, cuida-se de ação movida para recebimento de indenização de seguro obrigatório de trânsito, conhecido como DPVAT. De acordo com o artigo 3º, II, da Lei n° 6.194/74, em caso de in-validez permanente decorrente de acidente causado por veículos automotores de via terrestre, é devida à vítima uma indenização de R$ 13.500,00. Anualmente, quando do licenciamento de seus veículos, os proprietários são compelidos a pagar um valor discriminado como “seguro obrigatório”, que nada mais é do que o prêmio15 cobrado pelas coberturas legais por morte e invalidez permanente.

Nessa espécie de ação, portanto, a necessidade de avaliação pericial, conforme é possível intuir da descrição supra, restringe-se a três pontos: (a) se há invalidez permanente detectada na parte autora; (b) em havendo, se ela decorreu do acidente de trânsito envolvendo veículo automotor, ou seja, se há nexo de causalidade entre a invalidez e o acidente descrito na petição inicial; (c) se a invalidez é total ou, se parcial, qual o grau.

Tais elementos são fundamentais para a conclusão final do processo, pois a lei prevê de modo ex-presso que a indenização do seguro obrigatório, não em caso de óbito, somente será devida se houver invalidez permanente em decorrência de acidente de veículo automotor. Mesmo que haja invalidez no ato da perícia, se ela for suscetível de reabilitação total, não haverá direito de recebimento de inde-nização. Mesmo que haja invalidez permanente, se for detectado que a causa desta não é o acidente, também não se está diante de hipótese de pagamento de indenização.

Finalmente, de acordo com as recentes alterações legais, em caso de invalidez permanente par-cial, previu-se o pagamento proporcional, razão pela qual é fundamental nessas hipóteses, não sendo o caso de invalidez total, que seja precisado o grau da invalidez.

Acoplados tais elementos técnicos aos fatos apurados no laudo pericial em análise, tem-se que restou comprovado naquele processo que: (a) a parte autora, de fato, é portadora de invalidez per-manente; (b) é decorrente de acidente de trânsito envolvendo veículo automotor, embora parcial; (c) a invalidez é de grau 62,5%, o que ensejará a obrigação por parte das companhias seguradoras que garantem o DPVAT de pagar a indenização legal correspondente.

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PeríCia MédiCa JudiCial - teoria e PrátiCa

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laudos CíveisCoNClusão

Como adiantado inicialmente, longe de pretender o esgotamento da matéria, mas simplesmente buscando uma breve introdução, não se perdeu de vista o propósito de esboçar os procedimentos mentais de raciocínio jurídico a partir dos fatos médicos colhidos pela perícia. Auxiliando a ensinar como se pensa juridicamente os fatos médicos que são avaliados pela perícia, está-se, em última análise, auxiliando a elaborar laudos altamente satisfatórios e úteis na solução de processos, onde são debatidos dramas da vida real.

Notas

1. Tal máxima é expressa por conhecido brocardo latino, constantemente repetido nos meios forenses: ignorantia legis neminem excusat, ou seja, nin-guém pode invocar a seu favor que ignora a lei. Tal norma está prevista no artigo 3º do Decreto-lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942, conhecido como Lei de Introdução do Código Civil. Essa foi a forma que a lei encontrou de impedir brechas argumentativas para descumprimento das normas.

2. Coloca-se entre aspas a afirmação, porquanto não é precisa a colocação do Direito de fora de alguma profissão. Como produto de uma sociedade, o Direito reflete as aspirações, valores e mecanismos de todo um conjunto de pessoas que integra aquele território, as quais exercem as mais variadas profissões, ainda que não regulamentadas. Tecnicamente, portanto, mais adequado seria afirmar que a obra é destinada a profissionais que não têm conhecimento técnico do Direito.

3. O Código Civil atual é dividido em Parte Geral e Parte Especial. A Parte Geral, por sua vez, é subdividida em três livros: Das pessoas, Dos Bens e Dos Fatos Jurídicos. A Parte Especial é subdividida em cinco livros: (I) Do Direito das Obrigações, subdividido em Direito Contratual e Responsabilidade Civil; (II) Do Direito de Empresa; (III) Do Direito das Coisas; (IV) Do Direito de Família; (V) Do Direito das Sucessões.

4. Conforme é possível inferir do site: http://origemdapalavra.com.br/pala-vras/publico/, consultado em 10/07/2013, o termo “público” é a 1ª pessoa do presente do indicativo do verbo “publicar”, que deriva do latim PUBLI-CARE, “tornar público”, de PUBLICUS, “relativo ao povo”, de POPULUS, “povo”. Esta originou também “população” e “popular”, bem como “povo-ar” e “povoamento”.

5. É importante atentar que em todo o momento que se mencionar no pre-sente artigo o termo “Estado” estar-se-á referindo a qualquer dos entes fe-derativos brasileiros – Município, Estado, DF, União – , em clara menção ao Poder Público.

6. Prestação é um termo técnico jurídico que encerra a definição de um comportamento devido. Assim, três são as possibilidades le-gais de comportamentos que podem ser assumidos (ou impostos) por alguém: dar, fazer ou não fazer. Em um contrato de locação, por exem-plo, enquanto o locador assume a obrigação de dar o uso do imóvel ao loca-tário, este assume a obrigação de dar mensalmente a quantia estipulada pelo uso – aluguel. Quando se contrata um profissional para pintar um imóvel, assume aquele o dever de fazer o serviço especificado, quando, então, terá o contratante o dever de dar o preço ajustado. Finalmente, é possível imaginar que na Convenção de Condomínio onde foi estipulado o dever de silêncio a partir das 22 horas, cada condômino assumiu o dever de não fazer barulho a partir daquele marco temporal.

7. A origem dessa vinculação seria assunto para uma obra inteira e, por muitos, é advogada a tese de que a religião seria a grande “responsável” pelo raciocínio. Contudo, não se pode perder de vista que a questão tam-bém tem relação com a natureza humana. Imagine-se a seguinte cena: dois irmão jogam bola na sala da casa, embora insistentemente aler-tados do risco de quebra do vaso materno; assumindo o risco do com-portamento (conduta tipicamente caracterizadora da imprudência), os dois continuam a brincadeira, até que um deles, em arroubo próprio da idade, deu um forte chute e, finalmente, quebrou o vaso; ambos foram colocados de castigo pela mãe, não sem se ouvir o protesto daquele que se julgava inocente, pois não tinha chutado a bola no vaso – “Não fui eu!”. No exemplo citado, muito embora fosse possível argumen-tar que o irmão que não chutou a bola não poderia se ver castigado

pelo arroubo do outro, não se pode perder de vista que ambos prati-caram a conduta perigosa alertada pela mãe. Com isso, ainda que não tivesse culpa direta no chute, ele também era responsável pelo estrago. 8. O Código de Defesa do Consumidor foi instituído pela Lei n° 8.078/90, na qual, pela junção dos artigos 2º e 3º, encontra-se a definição de relação de con-sumo pela identificação de seus participantes: de um lado há o fornecedor de produtos ou serviços, que o faz de forma onerosa, e de outro há o consumidor, assim entendido como a pessoa física ou jurídica que recebe o serviço ou o produto como destinatário final.

9. Caso fortuito ou força maior – expressões jurídicas que se equivalem – se subdividem em duas espécies: fortuito interno e fortuito externo. O fortuito interno é aquele evento que, embora imprevisível e inevitável, a despeito de todo cuidado tomado, se encontra dentro da linha normal de atividade do causador e, por isso, não é passível de exclusão da responsabilidade civil. Cuida-se, por exemplo, da quebra do motor de um ônibus de passageiros que foi objeto da devida revisão ou do mal súbito que acometeu o motorista do mesmo ônibus. Muito embora, nos dois casos, não haja conduta culposa da empresa em nenhum dos dois eventos, em ambos ela é responsável pelos prejuízos advindos do evento em função de se tratar do chamado fortuito interno, já que são eventos de ocorrência possível no desenvolvimento da atividade lucrativa da mesma. Já o fortuito externo é aquele evento também imprevisível e inevitável, mas que, ao contrário do interno, encontra-se to-talmente fora da linha causal de atividade do causador. São os chamados “Acts of God”, em geral relacionados com eventos da natureza: o mesmo ônibus que colide não em função do mal súbito do motorista ou da quebra do motor, mas sim em função de um forte vendaval ou de uma enchente.

10. O Direito Brasileiro “descende” da família Romano-germânica, base-ado essencialmente na lei, pois o modelo abstrato de conduta que molda a atividade de todos é extraído justamente da norma legal. Já no Direito Anglo-saxão, que tem nos EUA e na Inglaterra os grandes expoentes, esse modelo abstrato de conduta é extraído dos precedentes jurisprudenciais, ou seja, das decisões reiteradas de casos concretos extrai-se a norma que a todos vincula.

11. Basta remeter o leitor, por exemplo, ao caso de responsabilidade legal do pai pelo filho menor. Qualquer dano causado pelo filho menor obriga o genitor ao ressarcimento (artigo 932, I, do Código Civil). Veja-se que o pai não praticou qualquer conduta ilícita relacionada fisicamente ao dano, ou seja, não teve culpa pelo resultado, mas mesmo assim é responsável civil-mente pela reparação.

12. Cabe aqui uma referência: esse terceiro não pode ser o médico respon-sável pelo procedimento. Isso porque se houver culpa deste na causação do dano, haverá fatalmente responsabilidade do HOSPITAL. O médico em relação ao hospital onde ele opera não pode ser considerado terceiro, pois houve a permissão de atuação daquele por este.

13. Diz-se “provavelmente” porquanto o laudo não especifica o polo passivo da demanda.

14. Sobre o tema, recomenda-se a leitura do artigo “A Responsabilidade civil pela perda de uma chance no Direito brasileiro”, de Gilberto Andreassa Juniors, in Revista de Direito Privado, editora REVISTA DOS TRIBU-NAIS, n° 40, 2009, página 177/214.

15. “Prêmio” é a denominação legal para o valor acordado por segurado e seguradora como contraprestação pela proteção comercializada (cobertura). Uma vez ocorrido o sinistro (infortúnio coberto pela apólice contratada), nasce para a seguradora a obrigação de pagar a indenização avençada.

laudo PeriCial iPor

dr. MauriCio barCellos de oliveiraMembro Associado da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Fundador da Sociedade Brasileira de Queimaduras

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUÍZ DA X VARA CÍVEL DA COMARCA DE MO-ROROCA DO SUL-ESTADO DE SÃO PAULO.

Processo: XXXXXXX/

Ordem: YYYY/2004

Requerente: R.C.P.

Requerido: ______

Mauricio Barcellos de Oliveira, CRM 76069/SP, médico cirurgião plástico, nomeado perito neste processo através de despacho datado em __ de agosto de 2011 (fls. sss), tendo realizado perícia médica indireta através dos autos do processo, vem respeitosamente, perante Vossa Excelência, apre-sentar seu laudo:

QualifiCaçãoSra. ______,

Cor: Branca

RG ______

Nascida e residente em ______

Nível superior completo

Profissão:

iNtrodução

Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais por erro médico/hospitalar proposta por sra. ______ contra ______ e dr. ______, em que a requerente, após realizar cirurgia plástica no citado hospital com o supracitado médico, requer que seja indenizada pelos requeridos por dano moral e estético, além dos valores gastos a título de dano material.

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PeríCia MédiCa JudiCial - teoria e PrátiCa laudos Cíveis

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históriCo

Na éPoca dos fatos

Consta no processo e é confirmado pela requerente que esta foi consultada e examinada pelo dr.

______, dia XX/XX/XXXX, sendo diagnosticada como portadora de abdômen em tonel e com indi-

cação de realizar cirurgia plástica no sentido de reduzir o volume abdominal projetado anteriormente

(doc. 02).

Ambas as partes também concordam que houve a necessidade de preparar o intestino da reque-

rente no sentido de melhorar o ritmo intestinal, o qual se apresentava ressecado e, segundo a reque-

rente, ficava em torno de quinze dias sem evacuar.

A requerente diz que realizou tratamento clínico com a dra. ______, proctologista, obtendo resul-

tado satisfatório até os dias atuais, enquanto mantém um ritmo intestinal diário, segundo ela.

Também, no pré-operatório, o requerido foi informado pela requerente que fazia uso de

longa data de vários medicamentos prescritos pelo psiquiatra, dr. ______, que a acompanha

até os dias atuais.

da cirurgia

Segundo o prontuário médico hospitalar e os relatórios de enfermagem, a requerida foi internada

dia __ de novembro de ____, mesmo dia da cirurgia, no Hospital ______ (doc. 05).

Ainda segundo o mesmo prontuário e relatório relacionado anteriormente, a cirurgia iniciou-se

às 7h45, com término marcado às 10h20, ou seja, duas horas e 35 minutos de duração. No item “tipo

de cirurgia” está intitulada como “Dermolipectomia inferior, mais plicatura dos músculos reto abdo-

minal”. As anotações não dão referência a intercorrências ou complicações, sendo que a requerida

passou pela sala de recuperação anestésica e posteriormente encaminhada ao seu quarto (docs. 03,

04 e 06).

A requerida, durante perícia realizada, informa que houve duração cirurgia de seis horas de dura-

ção e que ocorreu uma parada cardiorrespiratória.

As folhas XX, XX e XX mostram que a evolução pós-operatória aconteceu sem intercorrências,

recebendo alta hospitalar no primeiro dia após a cirurgia, ou seja, no dia __ de novembro de _____.

A requerente confirma a alta neste dia.

Ao ser indagada sobre qual era sua expectativa sobre a cirurgia realizada, responde: “Sabia que

não ficaria com cinturinha, mas queria o abdome reto. Dr. ______ disse que ficaria melhor”.

do retorNo

Durante perícia realizada no dia XX/XX/XXXX, a requerente afirmou que realizou três retornos em consultório, não se lembrando das datas. Diz que não havia drenos e que foram retirados os pon-tos sem problemas. Na época, questionou o requerido sobre melhoras do resultado ao que foi dito que deveria esperar a regressão do inchaço. Relata que realizou drenagem linfática em ______ com uma fisioterapeuta de nome ______ e que foi acompanhada por uma amiga enfermeira. Afirma que mesmo após seis meses de pós-operatório não conseguiu ver melhora do quadro.

Nos documentos analisados ocorreram três retornos ambulatoriais: no dia 6 de dezembro de ____, onde foi retirado dreno específico. No dia XX/XX/XXXX, onde foram retirados os pontos. No dia XX/XX/XXXX, na qual a requerida refere inchaço inferior, é liberada para movimentos e para dre-nagem linfática. Após a última data não houve mais retornos, apesar de estar descrito para retornar com trinta dias após o último retorno.

aNteCedeNtes Pessoais

Quadro geral

Tabagista de longa data, inclusive na época da cirurgia, com períodos de parada. Atualmente está fumando.

Hipertensa em uso de Losartana para controle diário.

Faz uso de Torval, Seroquel, Rivotril e Sertralina. Todos no sentido de tratamento psiquiátrico com dr. ______. A requerida informa que usava estes medicamentos na época dos fatos.

Quadro Psicológico

A requerida refere que desde os 7 anos de idade faz acompanhamento psicológico, porém não especifica o porquê deste tratamento.

Aos 11 anos foi a São Paulo levada por seu pai, para ser consultada com Padre Quevedo.

Até os 16 anos foi tratada com dra. ______, em Rio Preto, quando seu pai faleceu e foi obrigada a parar o tratamento. Diz: “Até hoje não me conformo com a morte do meu pai”.

Aos 21 faleceu seu tio, que representava a figura paterna, segundo ela. Suas palavras: “Foi outro agravante na minha situação”.

Quando da sua primeira gravidez, há 24 anos, encontrava-se com depressão, evoluindo concomi-tantemente para depressão pós-parto. Nesta fase diz que iniciou acompanhamento com dr. ______.

Em análise dos autos no processo, observa-se laudo pericial datado de XX/XX/XXXX, assinado pelo dr. ______, CRM ______ –SP, o qual faz o diagnóstico na requerida de portadora de Transtorno Afetivo Bipolar