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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2a VARA PROCESSO N. CLASSE 07100 AUTOR JUÍZA FEDERAL Tipo: _ f : 27846-10,2013.4.01.3900 : AÇÃO CIVIL PÚBLICA : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL : ANAC : HIND G. KAYATH SENTENÇA O Ministério Público Federal ajuizou a presente ação civil pública contra a Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC, objetivando provimento judicial que obrigue a requerida a desenvolver, no prazo de 30 (trinta) dias, programas de fiscalização permanente e presencial nos aeroportos do Estado do Pará, a fim de verificar as condições de uso das aeronaves e dos pilotos, com a apresentação mensal de relatórios a esse respeito, bem como sobre as empresas de manutenção de aeronaves credenciadas pela agência ora requerida, além da implementação desses Programas no prazo de 60 (sessenta) dias, com a cominação de multa diária no caso de eventual descumprimento da decisão judicial. Pugnou, ainda, em caráter de urgência, pela apresentação em juízo pela ANAC dos seguintes documentos: (a) autos de infração por ela lavrados no período de 2003 a 2012; (b) relatório das auditorias realizadas nas empresas de taxi aéreo no mesmo período; e (c) a relação dos postos do órgão oficial atualmente operando neste Estado, bem como dos que foram fechados nos últimos 10 (dez) anos, em face da desatenção pela requerida da requisição formulada pelo MPF na via administrativa. (L) Juízo Federal da 2a Vara Processo 27846-10.2013.4-01.3900

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PODER JUDICIÁRIOJUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2a VARA

PROCESSO N.CLASSE 07100AUTORRÉJUÍZA FEDERALTipo: _ f

: 27846-10,2013.4.01.3900: AÇÃO CIVIL PÚBLICA: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: ANAC: HIND G. KAYATH

S E N T E N Ç A

O Ministério Público Federal ajuizou a presente ação civil pública

contra a Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC, objetivando provimento

judicial que obrigue a requerida a desenvolver, no prazo de 30 (trinta) dias,

programas de fiscalização permanente e presencial nos aeroportos do Estado

do Pará, a fim de verificar as condições de uso das aeronaves e dos pilotos,

com a apresentação mensal de relatórios a esse respeito, bem como sobre as

empresas de manutenção de aeronaves credenciadas pela agência ora

requerida, além da implementação desses Programas no prazo de 60 (sessenta)

dias, com a cominação de multa diária no caso de eventual descumprimento da

decisão judicial.

Pugnou, ainda, em caráter de urgência, pela apresentação em juízo

pela ANAC dos seguintes documentos: (a) autos de infração por ela lavrados

no período de 2003 a 2012; (b) relatório das auditorias realizadas nas empresas

de taxi aéreo no mesmo período; e (c) a relação dos postos do órgão oficial

atualmente operando neste Estado, bem como dos que foram fechados nos

últimos 10 (dez) anos, em face da desatenção pela requerida da requisição

formulada pelo MPF na via administrativa.

(L) Juízo Federal da 2a Vara Processo n° 27846-10.2013.4-01.3900

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Finalizou requerendo a antecipação dos efeitos da sentença.

A petição inicial veio instruída com os autos do Inquérito Civil

Público n° 1.23.000.000322/2012-4 (fls. 15-199).

Na forma do que dispõe o art. 2° da Lei n° 8.437/92, o pedido de

liminar foi postergado para após a manifestação da demandada (fls. 200), o que

aconteceu às fls. 205-212 (2° vol) opondo-se ao pedido, oportunidade em que

acostou aos autos os documentos de fls. 213-267v.

Pedido de liminar parcialmente deferido (fls. 269-294), do que,

inconformada, a requerida opôs Agravo de Instrumento para o TRF1, em

relação ao qual foi concedido parcial efeito suspensivo (fls. 306-328 e 383-

390).

Em contestação, após defender a impossibilidade de antecipação da

tutela que esgote, ainda que parcialmente, o objeto da ação, a ANAC requereu

a extinção do feito sem resolução do mérito em virtude da carência de ação

pela a) impossibilidade jurídica do pedido; b) falta de interesse de agir ante o

cumprimento das medidas liminares deferidas (perda de objeto); c)

ilegitimidade passiva. Antes de adentrar no mérito propriamente dito, alegou

que o acolhimento do pedido pelo Poder Judiciário implicaria na violação da

separação dos poderes por se tratar de medidas, segundo entende, que estariam

inseridas no âmbito do poder discricionário do Administrador, pugnando

ademais pela total improcedência do pedido sob o argumento de que no wS

desempenho de suas funções como agência reguladora tem desenvolvido

intensa fiscalização no setor aéreo regional, atividade que já envolveria todos

os aspectos buscados na presente ação (fls. 363-379).

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Considerando as alegações do autor a respeito do não cumprimento

das decisões liminares, apesar de já haver decorrido mais de 60 (sessenta) dias

da decisão de urgência (fls. 380-381v), a ANAC respondeu às fls. 424-424v

desdizendo os argumentos e requerendo a juntada dos Relatórios de Vigilância

respectivos (fls. 425-440).

Réplica às fls. 444-456, que veio acompanhada dos documentos de

457-463, como oposição aos juntados pela ANAC por ocasião da manifestação

sobre o atendimento à determinação liminar. Na mesma peça, o autor

expressamente declinou de apresentar novas provas. De igual forma, a ANAC

abdicou de produzir novas provas (fls. 466).

É o relatório.

Decido.

Em primeiro plano, impõe-se registrar que a questão relativa ao

suposto esgotamento do objeto da ação por meio de liminar já foi superada

pelo conhecimento do Agravo de Instrumento interposto contra a decisão de

antecipação de tutela pela instância ad quem (fls. 306-328 e 383-390). Isto

posto, passo ao exame das preliminares:

a) Impossibilidade jurídica do pedido:- como já visto, objetiva o

autor compelir a requerida a implementar programas voltados para a segurança

da aviação geral na região amazônica, questão afeta ao Poder Polícia da

requerida e que, por obvio, não encontra vedação na lei, valendo destacar,

nesse ponto, que não se pode confundir impossibilidade jurídica do pedido

(L) Juízo Federal da Z1 Vara Processo n" 27846-10.2013.4.01.3900

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com sua eventual improcedência por se tratar de institutos diversos. Afasto,

nestes termos, a preliminar em tela.

- Falta de interesse de agir na modalidade necessidade-adequação:-

argumenta a demandada que as ações pleiteadas pelo autor não encontrariam

abrigo na Lei n° 7.347/85, que disciplina a ação civil pública. Não é o caso.

Com efeito, segundo se infere da exordial, pretende o autor obter

provimento judicial que obrigue a requerida a intensificar sua atuação nos

aeroportos da Região Amazônica, mormente no que tange à verificação das

reais condições de voo das aeronaves e pilotos que atuam nessa área, como

forma de reduzir o grande número de acidentes verificados nos últimos dez

anos e, por via de consequência, garantir a segurança não só das pessoas que

operam esses aviões (aeronautas) como das que se utilizam desse meio de

transporte. Nota-se, portanto, que a discussão gira em torno de interesse

coletivo, o que, a toda evidência, revela a adequação da via eleita pelo autor,

na forma do que dispõe o inciso IV do art. 1° da Lei n° 7.347, de 24/07/1985

(Lei da Ação Civil Pública).

De igual forma revela-se inconcebível a alegação de falta de

interesse processual pela perda superveniente do objeto em virtude do alegado

cumprimento das medidas de urgência deferidas liminarmente posto que, ainda

que todas as providências pleiteadas pelo autor já tivessem sido adotadas pela

Agência demandada (o que não se vislumbra nos autos), sua atuação nesse

sentido decorreria da decisão proferida de forma precária (antecipação da

tutela), que necessita ser confirmada por sentença de mérito. Rejeito, portanto,

a preliminar.

(L) Juízo Federal da 2" Vara Processo n"27846-I0.20i3.4.01.3yOO

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- A ilegitimidade passiva suscitada pela requerida já foi

devidamente afastada por ocasião da análise do pedido liminar que restou

mantida, nessa parte, pela instância ad quem ao apreciar o Agravo de

Instrumento contra ela interposto (AI 0074029-02.2013.4.01.0000 - fls. 384/2°

vol.).

Ultrapassadas as preliminares, passo ao exame do mérito.

Pois bem, pretende o Ministério Público Federal compelir a

Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC, a adotar providências urgentes

relacionadas à fiscalização permanente e presencial nos aeroportos

administrados pela INFRAERO no Estado do Pará, bem como nas empresas de

manutenção aeronáutica a fim de assegurar um mínimo de segurança na

navegação aérea dentro do Estado do Pará.

Em amparo de seu pleito, alega que existe um significativo

aumento no índice de acidentes no Estado do Pará, lastreado em estatísticas do

CENIPA (fl. 04-v a 06-v), cenário agravado a partir do início das atividades da

ré - ANAC. Segundo o autor, tal agravamento decorre de deficiência na

atividade de fiscalização da referida agência, por isso, vem a juízo extrair

comando judicial para que sejam implementadas medidas mais rígidas de

fiscalização, até porque, quando requereu tais informações diretamente da

parte ré, considerando o poder de requisição de informações em sede de

inquérito civil, nada recebeu dos requisitados.

A parte ré, por sua vez, alega que desenvolve atividades de

fiscalização, tendo implementado um sistema virtual de fiscalização

(DCERTA), e que o aumento do quantitativo de acidentes decorre do aumento

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da frota ou do movimento aéreo (fl. 13) e, ao final, traz quantitativos de

fiscalizações fisicamente concretizadas (fL 266).

Para um exame mais preciso, necessário dividir a análise da

matéria, que possui natureza complexa, nos seguintes elementos: i) aumento do

índice de acidentes aéreos; ii) ações recomendadas pelo órgão de prevenção de

acidentes no Brasil; iii) ações de fiscalização da agência fiscalizadora.

i) Aumento do índice de acidentes aéreos:

O quantitativo de acidentes aéreos é um índice que traz elementos

mais estáveis a fim de compreender se, efetivamente, existe uma maior

insegurança na aviação, até porque traz os casos mais graves com a aviação.

Ou seja, existem várias outras situações, em que a vida dos ocupantes de um

aparelho aéreo foi exposta a perigo, entretanto não é considerada nos índices

que se está a analisar.

Necessário então perquirir sobre o índice de insegurança, até

porque é o lastro fático do pedido autoral, que, segundo seus dados, foram

agravados com o início dos trabalhos da ANAC, em consequência da

diminuição da atividade fiscalizatória da autarquia.

A agência reguladora, por sua vez, informa que a ampliação da

frota brasileira gerou eventual incremento no quantitativo de sinistros aéreos

(fl. 211); entretanto, não é isso que se deduz do gráfico apresentado pelo aL

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Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, no Simpósio

Nacional de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos1:

Crescimento da Frota Nacional eQuantidade de Acidentes por Ano

2003 200J 2005 2006 ÍQG7 200B 20051 J010 2011 2012

"Número d» cresoímento <f« frota Nnctonnl fornecido p*ln AMAC inumero Of acldenus peia CEMIPA.

O gráfico estatístico acima conjuga o crescimento da frota aéreo

com o quantitativo de acidentes aéreos (casos mais graves de ocorrências

aéreas), apontando que, mesmo considerando o crescimento da frota, os

acidentes estão desenvolvendo um maior crescimento.

Se utilizarmos os quantitativos do biénio 2011/2012, conclui-se que

a aviação teve um crescimento de 5,5% (de 14.236 aeronaves em 2011 para

15.019 em 2012); já os acidentes aéreos cresceram 13,8% (de 159 acidentes

em 2011 para 181 acidentes em 2012), quer dizer, os acidentes aumentaram

mais que o dobro do que a frota aérea se expandiu.

1 Informações disponíveis em: <http://www.siiiTposioccnipa.com.br/>. Acesso em: ll.nov.2013.

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Interessante registrar, também, que até 2005/2006, o índice de

acidente estava a diminuir, apesar de existir, mesmo naqueles tempos, um

crescimento da frota aérea, embora mais tímido.

Mais preocupante ainda é a projeção da normalidade do

quantitativo de acidentes aéreos. Segundo ainda aponta o gráfico do CENIPA

acima, caso o nível de segurança obtido nos anos anteriores a 2012 estivessem

em vigência, tal ano se encerraria com uma estimativa de 98 acidentes,

quantitativo esse extremamente longínquo do quantitativo real ocorrido: 181

sinistros graves. Logo, 83 acidentes aeronáuticos deflagrados em 2012

poderiam ter sido evitados, se os níveis de segurança de anos anteriores se

mantivessem e, frise-se, já considerando o crescimento da frota aérea

brasileira.

Importante, porém, localizar o setor da aviação em que se encontra

sob tal óbice de insegurança, a fim de melhor precisar o real alcance dos

números apresentados. Aponta o MPF (fl. 06) que os acidentes aéreos, no

Estado do Pará, concentram-se na aviação geral e de táxi aéreo, conclusão

extraída de dados fornecidos pelo CENIPA, que indica que apenas 2% dos

sinistros envolveram a aviação regular; quer dizer, 98% dos acidentes aéreos,

no Estado do Pará, ocorreram na aviação geral (táxi aéreo, agrícola., aviação

privada, aerodesporto, segurança pública).

Trata-se de um setor enormemente pulverizado, distribuído em

dezenas de operadores públicos e privados, em vários aeroportos da região,

que não possuem regularidade de rotas, mas atuam sob demanda ou sob seus

interesses privados (arts. 177 e 180 do CBA).

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Desse modo, uma primeira conclusão se extrai: apesar do

crescimento da frota aérea, o quantitativo de acidentes aéreos tem mais que

duplicado em relação à expansão da aviação, sendo que, no Estado do Pará, tal

insegurança atrela-se à aviação geral, que agrupa os voos de táxi aéreo e de

aeronaves privadas em geral.

ii) Ações recomendadas pelo Órgão de prevenção de acidentes no

Brasil

Seguindo as referências indicadas pelo autor e pela parte ré, com o

decurso da investigação de um acidente, o órgão de prevenção de acidentes

aeronáuticos (CENIPA) emite as chamadas Recomendações de Segurança de

Voo, definidas pela norma aeronáutica administrativa - Norma de Sistema do

Comando da Aeronáutica n° 3-13/2013:

1.5.25 RECOMENDAÇÃO DE SEGURANÇA DE VOO (RSV)

Medida de caráter preventivo ou corretivo emitida pelo CENIPA,

ou por Elo-SIPAER, para o seu respectivo âmbito de atuação,

visando eliminar o perigo ou mitigar o risco decorrente de uma

condição latente, ou de uma falha ativa, resultado de uma

investigação de uma ocorrência aeronáutica, ou de uma ação de

prevenção, e que em nenhum caso, dará lugar a uma presunção de

culpa ou responsabilidade.

Da análise das Recomendações de Segurança de Voo, então

emitidas a partir dos sinistros aéreos ocorridos neste Estado do Pará (fl. 216 a J-IAt.

219) e publicadas também no sítio oficial do CENIPA2, observa-se que seu

Informação disponível cm: <http://ww\y.cenipa.aer.mil.hr/ccnipa/paginas/reÍLUoi-íos/rcIatorios>. Acesso emll.nov.2013

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teor concentra-se, justamente, na melhoria da atividade de fiscalização da

ANAC. Em especial, destaco as seguintes recomendações, destinadas a parte

ré, relacionadas a sinistros aéreos deste Estado do Pará:

1) ACIDENTE AÉREO: Aeronave PT-NRR (2006)

Número da RSV: 108/D/10

Destinatário: ANAC

Recomendação: Analisar a criação de mecanismos, a fim de coibir

os voos de fretamento em aeronaves registradas como TPP.

2) ACIDENTE AÉREO: Aeronave PT-MEE (2008)

Número da RSV: 117/2012

Destinatário: ANAC

Recomendação: Incrementar a fiscalização das oficinas de

manutenção, visando evitar a realização de serviços sem as

ferramentas previstas pelos fabricantes.

3) ACIDENTE AÉREO: Aeronave PT-JEP (2011)

Número da RSV: 326/2011

Destinatário: ANAC

Recomendação: Intensificar a fiscalização das operações da

aviação geral, principalmente nos aspectos ligados ao controle dos

pilotos e supervisão das operações, a fim de verificar a

conformidade quanto aos requisitos de segurança de voo

estabelecidos na legislação aplicável.

O MPF ainda cita que o CENIPA emitiu Ações Recomendadas de

Segurança à ANAC, fruto da análise do Panorama Estatístico da Aviação Civil

Brasileira - FCA 58-1, emitido em 2013 e aprovado pela Portaria CENIPA n°

33-T/DDOC, de 21 de julho de 2013 (fls. 161 a 199 - anexo I).

(L) Juízo Federal da 2;< Vara Processo n" 27846-10.2013.4.01.3900 10

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No que tange ao objeto desta ACP, a Autoridade Aeronáutica

recomendou diretamente à ANAC, com o objetivo de implementar medidas

para a prevenção de acidentes aeronáuticos no Brasil (fl. 165 - anexo I), o

seguinte:

2.5 ANAC

As orientações do CENIPA para a ANAC, expressas nas ações

recomendadas a seguir, ocorrem no escopo das atividades do

SIPAER e foram baseadas nos dados estatísticos analisados. Visam

a auxiliar no incremento da prevenção de acidentes aeronáuticos

naquela Agência e, consequentemente, na aviação civil brasileira.

[...]

Item 2.5.3 AÇÕES RECOMENDADAS:

[•••]

b) Incrementar a fiscalização da aviação geral, visando a coibir

a indisciplina de voo neste segmento;

c) Aumentar significativamente a fiscalização e o controle das

oficinas de manutenção de aeronaves, com a finalidade de

verificar o cumprimento dos requisitos de homologação, bem

como coibir desvios das práticas recomendadas;

d) Revisar os processos de fiscalização e de controle das

empresas de táxi-aéreo, visando assegurar que mantenham

desempenhos compatíveis com os obtidos durante o processo de

certificação;

Sendo assim, a prevenção de novos acidentes aéreos no Brasil e no

Estado do Pará denota uma mesma ação recomendada para a parte ré: a •%)

necessidade de melhoria das atividades de fiscalização da ANAC, quer a nível

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de fiscalização das operações aéreas nos vários aeroportos, como também em

nível organizacional.

Um último elemento ainda corrobora tal assertiva: o gráfico que

registra o índice de acidentes aéreos em que estejam presentes violações às

normas da ANAC pelos operadores; ou seja, acidentes aéreos em que o

operador agiu de forma intencionalmente refratária às normas regulamentares:

Percentual de Acidentes da Aviação Civilcom Presença de Violação em 2012

• Acidentes com violação Acidentes sem violação

Segundo os dados acima consolidados pelo CENIPA3, mais de um

terço dos acidentes aéreos, no Brasil, tem relação direta com o não

cumprimento de regras aeronáuticas, cuja fiscalização cabe, exclusivamente, a

tal autarquia especial, como estabelece a Lei 11.182/2005 (art. 8°, XXI). Logo,

trata-se de irregularidades passíveis de tratamento por ação de fiscalização

punitiva, como a emissão de autos de infração, mas esta forma de fiscalização

depende da constatação da flagrância infracional, somente possível de detecção

se eficientemente observadas pelos agentes públicos em ações presenciais.

;L

Informações disponíveis em: <hltp://www.simposioccnipa.com.br/>. Acesso cm: ll.nov.2013

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Portanto, é certo que a atuação de fiscalização da ANAC, no que

tange às suas responsabilidades legais, representa ponto central na diminuição

do quantitativo de acidentes, segundo aponta o órgão de prevenção de

acidentes aéreos (CENIPA) que, como visto, cresce de maneira

desproporcional e coloca em risco a vida das pessoas transportadas pelo modal

aéreo.

iii) Ações de fiscalização da agência fiscalizadora para a

diminuição de acidentes aéreos no Estado do Para

Requer o MPF que a parte ré desenvolva atividades de fiscalização

de aeronaves e tripulações, considerando alguns aeroportos específicos que

elenca, tendo por foco a questão da aeronavegabilidade dos equipamentos

aéreos e as habilitações dos operadores.

Ao que tudo indica, o órgão ministerial chancela a fiscalização tipo

"inspeção de rampa", que contém regulamentação certa na Instrução de

Aviação Civil n° 3002-91-0198/1997: Procedimentos relativos à realização de

inspeção de rampa em aeronaves operando segundo os RBHA 121, 129 ou

135.

Ab initio, relevante analisar a questão da fiscalização, como

elemento adequado à prevenção dos acidentes que ora se desenvolvem neste

Estado do Pará, tal qual, inclusive, vem recomendando o órgão de prevenção

de acidentes aéreos (CENIPA). O Regulamento Brasileiro de Homologação

Aeronáutica n° 17/2006, documento que compõe a regulamentação da própria

ANAC, define os objetivos e tipos de fiscalização no âmbito da aviação civil,

traz, em seu escopo, o seguinte objetivo fiscalizatório:

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SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2a VARA17.7-OBJETIVOS

(a) A fiscalização visa um ou mais dos seguintes objetivos:

(1) determinar a conformidade do objeto fiscalizado com os

requisitos da legislação em vigor;

[...](3) verificar a aeronavegabilidade das aeronaves

Portanto, a atividade de fiscalizar, no âmbito da segurança da

aviação, é uma ação estatal de efetivamente verificar, comparar e analisar a

situação concreta da aeronave e dos tripulantes, diante de requisitos

previamente homologados e, desse modo, exigíveis dos operadores.

Necessário, porém, verificar se a "inspeção tipo rampa", requerida

pelo MPF, amolda-se às necessidades para intensificar a ação fiscalizatória da

ANAC, com o fim de atender às recomendações de segurança emitidas pelo

CENIPA e, ainda, mitigar as ações de indisciplina aos próprios regulamentos

da ANAC.

A IAC 3002-91-0198 traz a definição de tal forma de fiscalização:

A. Inspecão de Rampa

Inspeção realizada em uma aeronave engajada em operação

comercial de transporte público de passageiros e/ou carga, com o

objetivo de comprovar o cumprimento dos requisitos

operacionais e procedimentos aprovados pela autoridade

aeronáutica, e sua utilização em etapa intermediária de voo, seu

início ou término, conforme requerido pela legislação aeronáutica

em vigor.

(L) Juízo Federal da 2" Vara Processo n" 27846-10.2013.4.01.3900 14

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A própria norma aeronáutica (IAC) traz, ainda, uma definição

ampla de tal procedimento de fiscalização:

Em perspectiva mais abrangente, dentro do conceito de segurança

na aviação civil, essa IAC tem como objetivo possibilitar a

verificação "in loco" do cumprimento, pelos operadores, dos

requisitos operacionais e de manutenção aplicáveis, contidos na

legislação aeronáutica em vigor.

Segundo se observa, a inspeção de rampa é justamente aquela que

irá confrontar as declarações do operador aéreo com a situação real, durante a

própria operação aérea, abrangendo, nos termos da referida IAC (item 7 e 10

da IAC): registros de manutenção; documentações da aeronave e aeronautas,

análise de discrepâncias, bem como as condições gerais de aeronavegabilidade

do equipamento e, ainda, questões especiais, como manifesto de carga, ficha

de peso e balanceamento.

Há que se notar o extremo valor de tal classe de fiscalização, visto

que o agente fiscalizador, diante de eventuais discrepâncias então detectadas,

poderá decidir desde a uma simples notificação de condição irregular de

aeronave, podendo chegar até a sua interdição (Item 10.D). Com isso,

assegura-se que a operação aérea seja desenvolvida com um maior grau de

segurança, se comparada com outros voos que não passam por qualquer

fiscalização, especialmente se as rotinas de fiscalização presencial são

diminutas, onde, naturalmente, diminui-se a atenção às regras de conduta. Ll/U

Da análise das Recomendações de Segurança de Voo emitidas pelo

CENIPA à ANAC, afetas diretamente a acidentes aéreos já ocorridos neste

Estado do Pará (íls. 216 a 219), e das Ações Recomendadas à ANAC, no

(T,) Juízo Federal da 2a Vara Processo n" 27846-10.2013.4.01.3900 15

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intuito de contribuir para a segurança da aviação e a diminuição dos acidentes

aéreos, em face das estatísticas de acidentes aéreos no Brasil (fl. 165 — anexo

I), constata-se que a fiscalização presencial é efetivamente o modelo

necessário, pois cumpre com os requisitos que a própria Agência elenca como

delineadores de um processo de fiscalização de aeronavegabilidade e tem

efeitos necessários para coibir a indisciplina às normas regulamentares,

reportadas pelo CENIPA.

Ora, realmente não existe outra maneira de assegurar que

determinada aeronave esteja cumprindo os requisitos de segurança, senão

confrontar a sua situação real com as documentações e declarações

apresentadas, fora disso, tudo não passa de teoria ou virtualização. Assim, o

agente público, no momento da fiscalização, verifica se os equipamentos estão

dentro de suas horas de controle, se o piloto é aquele que efetivamente consta

no plano de voo, se os equipamentos mínimos da aeronave existem, se a

quantidade de passageiros é adequada ao tipo de aeronave, se o tipo de carga

transportada é autorizado, qual o verdadeiro destino da aeronave.

A parte ré, por sua vez, aponta que vem desenvolvendo tal classe de

fiscalizações de rampa, inclusive de forma "intensa" (fls. 212), tanto que, em

todo o ano de 2012, realizou uma operação (fl. 266), com duração de 05 dias,

neste Estado do Pará.

Além disso, alega a ANAC que desenvolveu um sistema de

acompanhamento virtual de análise de planos de voo, denominado de

DCERTA, que faz um acompanhamento das condições de cadastro das

aeronaves e dos tripulantes.

(L) Juízo Federal da 2" Vara Processo n° 27846-10.2013.4.01.3900 16

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Sendo assim, custa perquirir se as soluções adotadas pela Agência

são suficientes para atender às demandas e, com isso, cumprirem com seu

papel legal de agência fiscalizatória da aviação civil e, mais do quer isso, se

atende às orientações de prevenção, emanadas do órgão de prevenção de

acidentes aéreos do Brasil.

No campo da fiscalização virtual (DCERTA), apesar de indicar um

mecanismo célere e económico, está muito distante dos próprios padrões de

fiscalização que a própria Agência estabelece como necessários para uma

atuação de fiscalização eficaz, como bem dispõe o Regulamento Brasileiro de

Homologação Aeronáutico - RB HA 17 (item 17.7), isto porque a análise "in

loco" preenche uma lacuna que a fiscalização virtual ainda não consegue

atingir.

O sistema DCERTA verifica as habilitações relativas à licença

registrada no plano de voo e se a aeronave, também constante no plano de voo,

está com seu certificado de aeronavegabilídade e matrícula em dia, como

aponta a própria ANAC (fl. 210-v).

Todavia, nada assegura que será aquele piloto, constante do plano

de voo, que irá conduzir o aparelho. Além disso, a aeronave não passa por

qualquer análise concreta de controle de aeronavegabilídade, ou seja, não se

consegue atestar se todos os equipamentos mínimos estão presentes (radares,

horizontes artificiais), se está com manifesto de carga declarado, se as

condições gerais da aeronave atendem à segurança, se os registros de

manutenção estão em dia, e, ainda, se não se trata de uma aeronave privada,

explorando economicamente o transporte público de forma clandestina, ou,

(L) Juízo Federal da 2a Vara Processo n" 27846-10.2013.4.01.3900 17

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ainda, se não é o próprio táxi aéreo que está a empregar uma aeronave privada

em seus negócios, tudo a fraudar a segurança, em prol dos lucros.

Ou seja, afora a existência válida do certificado de

aeronavegabilidade, todos os outros requisitos de segurança não são

alcançados pelo DCERTA, que se mostra adequado como um sistema

complementar, mas jamais capaz de exercer papel central de fiscalização; logo,

inservível para atender às recomendações do CENIPA, que busca

"intensificar" as açoes de fiscalização da ANAC, em especial, na aviação

geral, como já pontuado acima - modalidade do transporte que se encontra sob

intenso aumento de acidentes, mesmo considerando o aumento da frota, como

já demonstrado acima.

Nesse primeiro passo, há que se reconhecer o acerto do MPF, na

busca pela concentração de ações de fiscalização da ANAC por meio de

"inspeções de rampa", que, conforme já detalhado acima, é a classe de

fiscalização que concretiza a checagem das condições reais de

aeronavegabilidade das aeronaves, contribuindo de maneira decisiva para que

novos acidentes não voltem a ocorrer, e, além disso, atende à própria

regulamentação da ANAC (RBHA 17), em ações de fiscalização de

aeronavegabilidade.

Ocorre que a ANAC informa que vem desenvolvendo tal trabalho e

traz referência ao seu cumprimento (fl. 266), inclusive declarando que o faz de

forma intensificada, como já pontuado.

Para uma melhor análise sobre a eficiência da Agência, o RBHA 17

traz uma tabela, em que detalha o número de fiscalizações recomendadas para

(L) Juízo Federal da 2a Vara Processo n°27846-l0.20l3.4.01.3900 18

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alcançar um nível de confiabilidade de 95% (item 17.27-j), objetivo, reforce-

se, estabelecido pela própria agência.

Todavia, de qualquer ótica que se analise o desempenho da ANAC

em suas ações de fiscalização presenciais da aviação geral, urge classificá-lo

como absolutamente ineficaz e quase inexistente, mesmo sob os parâmetros

que a própria agência estabelece.

É que no trágico ano de 2012 (ano com maior quantidade de

acidentes aéreos no Brasil entre 2003- 2012), a ANAC informa que realizou,

no Estado do Pará, uma operação de inspeção de rampa, justamente aquela

modalidade de fiscalização que, efetivamente, confronta as condições reais das

aeronaves em operações com seus requisitos de segurança.

Segundo a ANAC, em Belém foram 05 dias de fiscalização (28

aeronaves fiscalizadas em Vai de Cans e 30 aeronaves fiscalizadas em Júlio

César); 02 dias em Santarém (11 aeronaves fiscalizadas); 01 dia em Altamira

(4 aeronaves fiscalizadas); 01 dia em Itaituba (05 aeronaves fiscalizadas) e 01

no aeroporto privado de Santarém.

Sendo assim, dos 365 dias do ano, a ANAC esteve presente, em

Belém, realizando sua atividade de fiscalização de aeronaves em operação

aéreas, em 1,09% dos dias, local esse que é a capital do Estado, onde se

concentram as operações aéreas no Estado. Nas demais localidades, o índice

de fiscalização por dia nem chega a um por cento.

No entanto, necessário também fazer o comparativo das

fiscalizações com o movimento aéreo, considerando os padrões do RBHA

(L) Juízo Federal da 2a Vara Processo n° 27846-10.2013.4.01.3900 19

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SEÇÂO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2a VARA

17/2006, que traz o número de inspeções recomendadas, considerando a

quantidade que compõe o grupo a ser fiscalizado.

Para tanto, serão analisados os movimentos de três aeroportos: Júlio

César (atual Brig Protásio - onde concentra-se a aviação regional e sem

operação aérea de empresas regulares) e Aeroporto de Santarém c Aeroporto

de Altamira.

Segundo dados oficiais da INFRAERO , que traz o movimento

médio de 2012 de tais aeroportos, e os dados fornecidos pela parte ré

(fiscalizações presenciais cumpridas - fl. 266-v), consolida-se o seguinte

resumo estatístico:

Júlio César(Brig Protásio)

Santarém

Altamira

MovimentoAnual

17.914

17.329

8.928

MovimentoMensal Médio

1.492

1.444

744

Qtddeaeronaves

fiscalizadaspela ANAC

30

11

4

Percentual defiscalização

da ANAC emSet/2012

2%

0,76%

0,53%

Percentual defiscalização

da ANAC em2012

0,16%

0,06%

0,04%

O RBHA 17/2009 traz como número de inspeções recomendadas,

para grupo acima de 10.000, um índice de 3,7% (menor índice da tabela),

índice esse que jamais foi atingido pela ANAC, mesmo no mês em que esteve

realizando a operação mais intensa que reportou.

Fonte: <htíp://www.infracro.gov.br/index.php/br/cstatistica-dos-aeroportos.html>. Acesso em ll.nov.2013.

(L) Juízo Federal da 2" Vara Processo n° 27846-10.2013.4.01.3900 20

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Considerando o movimento mensal de cada um dos aeroportos e o

padrão de segurança de aeronavegabilidade do RBHA 17, observa-se

alarmante distanciamento. Segundo o referido RBHA 17, o aeroporto de Júlio

César deveria ser alvo de 16% de fiscalizações (grupo de até 2.000

movimentos/mês), mas a ANAC apenas atingiu 2%, no mês de setembro/2012,

nos demais meses foi a mais absoluta ausência, como a própria agência admite

em seus demonstrativos de fiscalização. Na média anual, o aeroporto de Júlio

César sofreu fiscalização na ordem de 0,16%, longe dos 16% exigidos ou

mesmo dos 3,7%, menor índice de fiscalização que a norma contempla.

Santarém teve o ínfimo índice de 0,76% no mês de setembro/2012,

também distante dos 16% indicados pelo RBHA 17, e, considerando todo o

ano de 2012, chegou ao índice de 0,06% de aeronaves fiscalizadas - assim,

com igual quadro de penúria fiscalizatória, visto que o RBHA 17 exige, em seu

grau mínimo, 3,7% de fiscalizações.

Altamira, aeroporto com menor movimento aéreo, também não teve

melhor sorte. Atingiu o índice de 0,53% no mês de setembro/2012, quando a

ANAC lá esteve, gerando um índice de 0,04% de fiscalização anual. Mesmo

considerando seu baixo movimento de aeronaves e o menor índice de

fiscalizações constantes do RBHA 17 (3,17%), a atuação fiscalizatória é quase

inexistente.

Diante de quadro tão crítico, não há outra conclusão no sentido de

que a "intensificação" nas atividades de fiscalização da ANAC não atende aos \[fl

padrões de fiscalização que a própria agência estabelece, nem no que se refere

à qualidade da fiscalização e nem à abrangência (quantitativo e frequência).

(L) Juízo Federal da 2a Vara Processo n° 27846-10.2013.4.01.3900 21

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SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ-2"VARA

A qualidade das fiscalizações está em desarmonia, pois que, até o

momento, constaía-se que a estratégia da autarquia é a de efetivar inspeçÕes

virtuais, concentrando seus esforços no sistema DCERTA, que, como visto,

não atende ao conceito de fiscalização a segurança de aeronavegabilidade, pois

esta requer a presença "ín loco" do agente público, a fim de constatar a

situação concreta da aeronave (registros de manutenção, existência de todos os

equipamentos mínimos que compõe a aeronave, peso e balanceamento da

aeronave etc).

A questão da abrangência das fiscalizações presenciais é

notoriamente desfavorável, pois os índices apresentados, em inspeções de

rampa, para 2012, estão elevadamente distantes dos padrões de segurança.

Numa visão mais simples, nem é difícil chegar a tal conclusão, considerando a

realização de apenas 05 (cinco) dias de fiscalização da ANAC em todo o ano

de 2012 e em todo o Estado do Pará.

Embora a parte ré cite que possui dificuldades do pessoal

qualificado (fl. 211 e 224), tal deficiência não pode superar sua obrigação de

fiscalização e, em especial, no setor da aviação que está mais gerando sinistros

aéreos - a aviação geral. Aqui, não se está em busca de ações de

aperfeiçoamento da aviação, mas sim a ações que, segundo o órgão de

prevenção de acidentes, irão evitar a perda de vidas humanas em sinistros

aéreos.

-MAo que tudo indica, a ANAC está mais atuando como uma agência TUJ

central, do que uma agência nacional, pois vem concentrando suas ações de

fiscalização por sistema virtual e, na parte presencial, praticamente é silente,

(L) Juízo Federal da 2J Vara Processo n" 27846-10.2013.4.01.3900 22

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pois seu desempenho, sob qualquer incide, mostra-se com absoluta

inexpressividade: cinco dias de fiscalização de rampa em todo um estado da

federação, por todo um ano, é algo que nem é digno de reporte como uma ação

eficaz.

Diante do quadro assinalado, resta patente a procedência das

alegações do MPF, no sentido de que a atuação fiscalizaíória da ANAC, no

acompanhamento das operações aéreas neste Estado do Pará, está se

desenvolvendo sob imensa ineficácia, pois não atendem à qualidade e nem à

abrangência necessárias, mais do que isso, o índice de sinistros aéreos tem se

elevado, mesmo considerando o aumento da frota aérea, e ainda que existam

recomendações expressas do órgão de prevenção de acidentes no Brasil, para

que a fiscalização das aeronaves da aviação geral seja intensificada pela ré.

No caso, trata-se de intervenção do Poder Judiciário em tema de

políticas públicas, haja vista sobrepor-se o direito à vida e à segurança das

pessoas que se utilizam do transporte aéreo e apenas para dar cumprimento ao

que a própria lei já determina: compulsar determinado órgão estatal a cumprir

com seu dever legal, tudo isso em face da ineficiência do Estado, cuja atuação

percebe-se em clara hipótese de abusividade governamental.

Nessa toada, confirma-se, como se manifestou o Supremo Tribunal

Federal, na ADPF n° 45, a inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos

direitos sociais, económicos e culturais. Em contraposição à cláusula da

reserva do possível, levantada pela demandada, há a necessidade de

preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do

núcleo consubstanciador do que se chama "mínimo existencial", materializado,

(L) Juízo Federal da 2a Vara Processo n" 27846-10.2013.4.01.3900 23

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no caso, nos direitos à vida, à integridade física e à segurança daqueles que

utilizam do transporte aéreo regional, neste Estado do Pará.

Esse, a propósito, é o entendimento que vem sendo adotado pelos

tribunais pátrios, inclusive pelo TRF da 5a Região, consentâneo com a tese

prevalecente no julgamento da ADPF 45, pelo STF. Vejamos:

"CONSTITUCIONAL. PODER PÚBLICO. DIREITO À SAÚDE.

CIRURGIA. NECESSIDADE. SISTEMA DE SAÚDE.

GARANTIA DE ACESSO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS

PÚBLICAS. I. O direito à saúde é garantia estabelecida nos arts. 6°

e 196 da Constituição Federal, portanto cabe ao Poder Público

implementar políticas que garantam ao cidadão o acesso ao sistema

de saúde médico-hospitalar. II. "É possível ao Poder Judiciário

determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente. de

políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja

ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder

Executivo". Precedente: AI 734487 AgR, Relator(a): Min. ELLEN

GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-154

DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-

06 PP-01220 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 158-162. III. Necessidade

cirúrgica comprovada pelo laudo do Hospital das Clínicas / UFPE,

assinado pela médica em 22/06/2010, em que consta a descrição da

presença de sangramentos, bem como de "tumoração de superfície

regular pelo OCE, sugerindo mioma". IV. Remessa oficial a que se

nega provimento.

(REO 00149432620104058300, Desembargador Federal Ivan Lira

de Carvalho, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::16/06/2011 -

Página::711.)" Destaque ausente no original.

(L) Juízo Federal da 2" Vara Processo n» 27846-10.2013.4.01.3900

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PODER JUDICIÁRIOJUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ-2a VARA"CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO.

LIXÃO. APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE ATERRO

SANITÁRIO E DE PROJETO DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA

DEGRADADA. CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO. MULTA

FIXADA. AGENTE PÚBLICO. EXTENSÃO DA ASTREINTES

AOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA DE

DIREITO PÚBLICO INTERNO. POSSIBILIDADE. GESTOR.

AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. INOBSERVÂNCIA. I -

"É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal

e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição

em qualquer de suas formas." (artigo 23, inciso VI, DA CF/88) II -

Responsabilidade do Poder Público Municipal no que se refere à

proteção dos direitos fundamentais ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado e do direito à saúde. Situação em que a

concretização deste dever se traduz na instalação de um aterro

sanitário. III - Ao Poder Judiciário cabe, embora excepcionalmente,

a imposição da implementação de políticas públicas

constitucionalmente previstas, quando a omissão perpetrada

comprometa a própria integridade dos direitos sociais igualmente

protegidos pela Carta Magna vigente. IV - Quando o réu é pessoa

jurídica de direito público interno, é possível que a sanção

cominada alcance também o gestor público, de modo a assegurar o

cumprimento da decisão. V- Contudo, em atenção aos princípios do

contraditório e da ampla defesa, a cominação de astreintes ao gestor

deve ser precedida obrigatoriamente da sua convocação aos autos,

para que seja oportunizado a este o direito de defesa. VII- Apelação

e remessa oficial parcialmente providas, para isentar os gestores do ^

pagamento de astreintes e multa.

(AC 200582010051188, Desembargadora Federal Margarida

Cantarelli, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::10/02/2011 -

Página::297.)" Destaque ausente no original.

(L) Juízo Federal da 2n Vara Processo n° 27846-10.2013.4.01.3900 25

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Assim é que se afasta a teoria da reserva do possível, mormente em

face da relevância dos bens jurídicos que vêm sendo maculados (vida,

integridade física e segurança, basicamente).

É que se trata de salvaguarda da vida das pessoas, núcleo mais

íntimo do princípio da dignidade da pessoa humana, cláusula geral em torno da

qual gravita o ordenamento jurídico pátrio, até mesmo porque o perigo de

acidentes não é meramente eventual, passageiro, transeunte, mas constante, se

renovando a cada dia em que o Estado age de maneira insuficiente, colocando

em risco anormal e excessivo a vida daqueles que, a cada dia, embarcam nas

aeronaves que partem deste Estado do Pará, sem que exista qualquer aferição

das condições reais de aeronavegabilidade dos equipamentos, visto que a atual

estratégia da parte ré tem se concentrado em verificações virtuais e, como já

demonstrado acima, não atende à questão da segurança da aeronavegabilidade,

segundo os próprios padrões da autarquia (RBHA 17 e IAC 3002-91-0198).

No caso em apreço, alguns fatores, presentes conjuntamente,

demonstram a existência de perigo além do eventual: aumento do índice de

sinistros, ainda que se considere o aumento da frota; alto percentual de

acidentes decorrentes de irregularidades aéreas; e ineficácia fiscalizatória da

ANAC.

Resultado da interação destes elementos é a perda de vidas

humanas. Deve ser de enorme atenção a informação, fornecida pelo CENIPA,

de que a retomada dos níveis de segurança anteriores a 2012, mesmo "TVS

considerando o aumento da frota, levaria o citado ano de 2012 a ter

(L) Juízo Hederal da 2" Vara Processo n" 27846-10.2013.4.01.3900 26

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apresentado apenas 98 acidentes, ao passo que se consolidaram 181. Quantas

vidas foram perdidas? Quantos órfãos foram gerados?

São arguições que apontam justamente pela necessária intervenção

do Poder Judiciário, para que, a partir de então, retome-se um maior controle

das operações aéreas neste Estado da federação, que se concentram justamente

no setor mais afetado pela insegurança: a aviação geral.

Portanto, trata-se de um elevado perigo, pois relativo à própria

manutenção da vida, em situação crítica, que requer a atuação firme e ativa do

Poder Judiciário.

Nesse diapasão, considerando que o conjunto probatório aponta

para a omissão da requerida no cumprimento de suas atribuições legais, como

forma de manter a salvaguarda da integridade e da vida tanto dos aeronautas

quanto dos cidadãos que se utilizam da aviação neste Estado do Pará, o

acolhimento parcial do pedido é medida que se impõe.

Pelo exposto, confirmando a antecipação da tutela, julgo

parcialmente procedentes os pedidos alinhados na exordial para determinar que

a Agência Nacional de Aviação - ANAC:

a) Apresente em 30 (trinta) dias informações sobre:

a.l) quantitativo de autos de infração lavrados, a cada ano, no

Estado do Pará, entre 2003/2012;

a.2) quantidade de auditorias realizadas nas empresas de táxi aéreo,

a cada ano, no Estado do Pará, entre 2003-2012;

(L) Juízo Federal da 2" Vara Processo n" 27846-10.2013.4.01.3900 27

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a.3) quantidade de postos de fiscalização da ANAC existentes no

Estado do Pará (localização e quantidade de servidores), entre 2003-2012,

considerando as Seções de Aviação Civil (SAC), a sede do Primeiro Serviço

Regional de Aviação Civil (SERAC-1) e da Gerência Regional de Aviação

Civil-1 (GER-1) e a atual situação do Núcleo de Aviação Civil de Belém;

b) Apresentar, no prazo de 30 (trinta) dias, programa de fiscalização

permanente e presencial em todos os aeroportos administrados pela

INFRAERO no Estado do Pará (Aeroporto Júlio César Ribeiro e Aeroporto

Brigadeiro Protásio de Oliveira em Belém; Aeroporto Maestro Wilson Fonseca

em Santarém; Aeroporto João Corrêa Rocha em Marabá; Aeroporto de

Altamira; Aeroporto de Carajás), devendo apresentar relatório mensal das

diligências realizadas.

c) Apresentar, no prazo de 30 (trinta) dias, programa de fiscalização

permanente e presencial de empresas de manutenção aeronáutica, localizadas

no Estado do Pará, para ser implementado no prazo de 60 (sessenta) dias de

sua apresentação e cumprido totalmente no prazo final de 01 (um) ano, após a

sua implementação, devendo ser apresentado relatório mensal comprovando as

diligências realizadas;

A não apresentação das informações de fiscalização da ANAC

(item a), e dos programas de fiscalização permanente e presencial da aviação

geral (item b) e de empresas de manutenção aeronáutica (item c), no prazo

estipulado de 30 (trinta) dias, ensejará em multa diária de R$ 5.000,00 (cinco

mil reais) em face da parte ré.

(L) Juízo Federal da 2a Vara Processo n" 27846-10.2013.4.01.3900 28

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PODER JUDICIÁRIOJUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2a VARA

A não implementação do programa de fiscalização permanente e

presencial para a aviação geral (item b) gerará a imposição de multa de R$

10.000,00 (dez mil reais), em face da ré, a cada dia de fiscalização não

cumprido e em relação a cada aeroporto discriminado, a contar dos 60

(sessenta) dias de apresentação do referido programa de fiscalização,

A não implementação do programa de fiscalização de empresas de

Manutenção Aeronáutica (item c) gerará a imposição de multa de R$

10.000,00 (dez mil reais), em face da rc, a cada fiscalização não realizada,

considerando o prazo final de 01 (um) ano de sua implementação.

Sem custas e sem honorários advocatícios em virtude da requerida

(autarquia federal) possuir isenção legal.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Belém, ^A de outubro de 2014.

Juíza Federal da 2a Vara

(L) Juízo Federal da 2" Vara Processo n" 27846-10.2013.4.01.3900 29