Políticas públicas de educação: subsídios para...

81
Marília Soares de Almeida Reis Políticas públicas de educação: subsídios para inclusão em perspectiva humanista Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, na Universidade Cidade de São Paulo – UNICID, sob orientação da profa. dra. Edileine Vieira Machado Universidade Cidade de São Paulo São Paulo 2010

Transcript of Políticas públicas de educação: subsídios para...

Marília Soares de Almeida Reis

Políticas públicas de educação: subsídios para inclusão em perspectiva humanista

Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, na Universidade Cidade de São Paulo – UNICID, sob orientação da profa. dra. Edileine Vieira Machado

Universidade Cidade de São Paulo

São Paulo

2010

_____________________________

_____________________________

_____________________________

COMISSÃO JULGADORA

Agradecimentos

À Deus, por ser sua criatura.

Aos grandes Mestres Humanistas, que lançaram as sementes.

Aos grandes Mestres que as cultivaram.

Aos que as disseminam, na certeza de que as futuras gerações, moralmente

transformadas por esse trabalho de fé e reflexão, experimentarão o doce sabor da

vida

Aos professores doutores Jair Militão da Silva e Jean Lauand, membros da banca,

pela contribuição inestimável e por não deixarem o brilho de sua inteligência

sobrepor-se ao modo simples e humilde de agir

À professora doutora Edileine Vieira Machado, por acompanhar e orientar,

pacientemente, a minha caminhada.

À minha filha Marisa, pelo apoio e boa vontade, quando as dificuldades pareciam

maiores.

Dedicatória

Aos meus pais, Guiomar e Valderez, in memorian, pela vida, exemplo e amor que

sempre dedicaram aos seus.

Ao meu esposo, amigo e companheiro Moises, pelo incentivo, apoio e paciêcia.

Aos meus filhos, Marisa, Fernando e Aline, meus maiores estímulos para a

contínua busca do crescimento, por compreenderem a minha ausência e mesmo

assim permanecerem ao meu lado conquista. A vocês, meu amor e eterna

gratidão.

Resumo

O tema dessa pesquisa é a relação professor-aluno em sala de aula, na

perspectiva humanista. Tem por objetivos estudar concepções de homem,

humanismo e universidade; compreender a relação professor-aluno na

perspectiva humanista; pesquisar caminho para humanizar a formação do

professor e facilitar a inclusão. O interesse por essa temática surge da

experiência da pesquisadora como professora na rede estadual de ensino da

cidade de São Paulo. Da banalização, a indiferença, a violência, a criminalidade,

a falta de critérios e envolvimento na condução da organização escolar por ela

experimentada, surge o problema da pesquisa: como os professores podem

contribuir para uma formação humana dos alunos? Parte-se da hipótese de que

se a formação de professores se desse na visão humanista, os alunos seriam

considerados, por eles, como pessoas e sujeitos do processo formativo. A

metodologia adotada pelo pesquisador é de natureza fenomenológica e como

procedimento, a pesquisa bibliográfica. Para o desenvolvimento desse trabalho

foram selecionados autores humanistas, cujos pensamentos vêm ao encontro do

conceito de Universidade de Josef Pieper, são eles: Jair Militão da Silva, Jean

Lauand e Alfonso López Quintás. A pesquisa evidenciou a forte contribuição que

uma universidade humanista pode trazer para a formação de pessoas capazes de

conviver em grupo e mais inclusivas.

Palavras-chaves: políticas públicas de educação; formação de professores,

humanização; universidade

Abstract

The subject of this research is the relation professor-pupil in classroom, in the

perspective humanist. It has for objectives to study conceptions of man,

humanismo and university; to understand the relation professor-pupil in the

perspective humanist; to search way to humanizar the formation of the professor

and to facilitate the inclusion. The interest for this thematic one appears of the

experience of the researcher as teacher in the state net of education of the city of

São Paulo. Of the banalização, the indifference, the violence, crime, the lack of

criteria and envolvement in the conduction of the pertaining to school organization

for tried it, appears the problem of the research: how the professors can contribute

for a formation human being of the pupils? He has broken myself of the hypothesis

of that if the formation of professors if of this in the vision humanist, the pupils

would be considered, for them, as people and citizens of the formative process.

The methodology adopted for the researcher is of fenomenológica nature and as

procedure, the bibliographical research. For the development of this work authors

had been selected humanists, whose thoughts come to the meeting of concept of

University of Josef Pieper, they are: Jair Militão Da Silva, Jean Lauand and

Alfonso López Fifth. The research evidenced the strong contribution that a

university humanist can bring for the formation of people capable to coexist in

group and more inclusive.

Keywords: public education policies, teacher education, humanization; University

Sumário

Página

Introdução

08

Capítulo I - Concepções de homem e sua formação,

sob a ótica de três estudiosos humanistas

15

Capítulo II - Concepções de Humanismo

41

Capítulo III - Universidade humanizadora

49

Considerações finais

74

Referências bibliográficas

Introdução

Este trabalho busca compreender a relação professor-aluno em sala de

aula na perspectiva humanista, a partir de concepções de homem, humanismo e

universidade, visando apontar um caminho para humanizar a formação do

professor e facilitar a inclusão.

O interesse por essa temática surge da minha experiência como

professora. Iniciei minha carreira no sistema educacional do Estado de São Paulo,

como professora substituta, durante um ano e meio, na escola de Educação

Básica Araci Zebral, situada na periferia da cidade de São Paulo, bairro de

Guaianazes, região de alta densidade demográfica e problemas sociais e

econômicos comuns às periferias de uma grande metrópole.

Cursando licenciatura em Letras e como professora monitora em uma

instituição filantrópica, vivenciei as contradições entre os ideais, teorias e a

realidade da escola pública. Ao chegar, a coordenadora pedagógica apresentou-

me a instituição, informando sobre as normas de conduta, como manter os alunos

dentro da sala de aula, utilizar o método de cópia de textos a fim controlar a

indisciplina com a recomendação de ter cuidado com meus bens pessoais e com

os ”LA”.

LA era o rótulo dos alunos em liberdade assistida (LA). As condições

da escola e o fato de a maioria desses alunos estarem no Ensino Médio me

colocavam, segundo meus colegas, em uma posição privilegiada, já que eu não

seria professora deles. A Escola atendia três turnos, com 20 salas de aula, 10

para o Ensino Fundamental e 10 para o Ensino Médio - salas lotadas que não

ofereciam condições de estabelecer vínculos com os alunos.

Observando a situação, um fato levou-me à reflexão: o distanciamento

e a indiferença com que os professores e gestores tinham em relação à

comunidade; os aspectos sociais e econômicos dos alunos carentes, como

moradia, alimentação e emprego e suas consequências como mecanismos

facilitadores da violência e criminalidade. Minha condição de substituta não me

permitia criar vínculos para auxiliar a transformar tal situação. Acreditava, sem

muita clareza, apenas uma suposição, que criar vínculos fosse o caminho para

melhorar as relações dos alunos entre si e com o professor e, quem sabe,

estender também com os funcionários da escola, fazendo com que os alunos se

sentissem, realmente, sujeitos na escola: acolhidos e incluídos.

Hoje, escrevendo minha história, procuro entender o meu modo de

pensar na época: seria apenas idealismo ou já tinha uma visão de homem como

um ser que não vive sozinho, mas que precisa do outro para sobreviver, um ser

de relações.

Nessa época, nem imaginava que a antropologia e a ontologia,

gnosiologia e teleologia seriam tão importantes e fundamentais para a minha

formação como pessoa e como professora, o que ocorreu na disciplina Pesquisa

em Educação do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade

de São Paulo, ministrada pelo prof. dr. Jair Militão da Silva.

Mais tarde, com esses estudos e, depois, com o curso Introdução aos

fenômenos antropológicos, ministrado pelo prof. dr. Jean Lauand, é que me dei

conta da importância de identificar a nossa visão de homem para compreender

nossas atitudes como professores.

Com a aprovação em concurso público tornei-me titular de cargo com

direito à escolha de uma Unidade Escolar, o que fiz a partir de dois critérios: a

mesma comunidade de Guaianazes, pelo desafio da transformação e o tamanho

da escola: uma escola menor, para poder conhecer os alunos e suas famílias,

facilitando a integração e a parceria para atingirmos os objetivos da educação.

A escola tinha passado por uma reforma e contava com elevador para

crianças com deficiência. Assim, minha representação era que tinha

características capazes de possibilitar a concretização dos ideais apontados pela

teoria acadêmica e minha experiência na entidade filantrópica.

Como minha aprovação no concurso se deu no 3º semestre do curso na

Faculdade, só assumi o cargo, depois de receber o Diploma, em fevereiro de

2005, na Escola Estadual Professora Ernestina Del Buono Trama.

Na primeira visita à escola, a coordenadora pedagógica me apresentou

as salas que iriam assumir: Sobraram três 5ª séries e uma 6ª série, sala de

aceleração”1. Como a outra coordenadora, esta também caracterizou os alunos

como péssimos em comportamento e aprendizado.

1 Projeto da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que tem por objetivo a equiparação idade-série.

O sentimento de satisfação, como professora efetiva, era maior que a

dura realidade. Aquelas turmas eram minhas e eu faria o melhor. Assim, os

comentários não conseguiram apagar o sentimento e a chama que me motivara a

ser professora.

Foi com a 6ª. D, sala de aceleração, e 5as. séries que comecei a

colocar em prática a experiência e vivência humana, adquiridas na entidade

filantrópica.

As primeiras impressões foram que eu estava diante de alunos

inteligentes, receptivos, mas sem respeito entre si, criadores de conflitos e

violentos na sala de aula. A troca de turno era outro problema. Como não havia

carteiras e cadeiras para todos, subiam e desciam a escada, arrastando-as,

causando um barulho ensurdecedor. Quando chegavam, jogavam as cadeiras e

carteiras, sem refletir sobre sua ação, quebrando tudo, até mesmo as mesas do

refeitório, o que os obrigava a se alimentarem em pé.

Para os gestores, professores e funcionários, a situação era merecida:

“- A escola recebera jogos de mesas e cadeiras para o refeitório e salas de aula e

eles mesmos destruíram, por isso, merecem o castigo de se alimentarem em pé”.

Embora fosse verdade, eu refletia sobre as causas de tais comportamentos e

como nós professores poderíamos contribuir para a superação da violência e

alienação dos alunos, que eram os mais prejudicados.

Como fazer com que percebessem sua relação com o espaço físico,

aos objetos e principalmente os outros? A ansiedade e a insegurança me

dominavam. Pensava na ação e sobre a ação, no compromisso e participação

que poderiam contribuir para a mudança das atitudes dos alunos. Aproveitava

todas as situações que pudessem contemplar o diálogo e a prática pedagógica

para ensinar português, mas também os valores humanos, capazes de construir

um sujeito pensante que se sentisse realmente sujeito da ação educativa.

Recordo-me, em especial, de um fato: um aluno reincidente, ao

terminar mais um diálogo, disse: “- Professora, por que você não escreve tudo

isso que você falou?...”.

Considerei tal fala como um protesto e não lhe dei atenção. Percebendo

minha indiferença, o aluno repetiu: “- É sério, professora, por que você não

escreve essas coisas que falamos aqui? São coisas importantes para as pessoas

aprenderem”. Percebendo a sinceridade e a autenticidade de suas palavras, tive a

certeza de que o diálogo valia a pena.

A banalização, a indiferença, a violência, a criminalidade, a falta de

critérios e envolvimento na condução da organização escolar são fatores que me

levam a levantar hipóteses e a buscar a compreensão da dificuldade de incluir os

alunos bem como da relação professor-aluno.

Emerge, então, a partir dessa minha experiência, o problema da

pesquisa: como os professores podem contribuir para uma formação humana dos

alunos? Esta pesquisa procura responder a essa questão e contribuir para a

construção de uma escola humanizadora e inclusiva.

Parto da hipótese de que se a formação de professores se desse na

visão humanista, considerariam os alunos como pessoas e sujeitos do processo

formativo.

A pesquisa, de natureza fenomenológica, tem como metodologia o

levantamento bibliográfico, realizado por consultas em banco de dados, acervos

de bibliotecas de Universidades e site www.hottopos.com.

Para o desenvolvimento desse trabalho foram selecionados autores,

como Josef Pieper, conceituado filósofo humanista cristão do século XX, Jair

Militão da Silva, Jean Lauand e Alfonso López Quintás. Vale salientar que a

ordem de apresentação dos autores é de caráter pedagógico: Jair Militão da Silva

apresenta-nos a concepção de sujeito, pessoa; Jean Lauand, conceito de homem

na ação e Alfonso López Quintás, um caminho para a formação do homem na

perspectiva humanista.

Acredita-se na relevância do trabalho, por contribuir para a formação do

pesquisador, dar respostas às suas inquietações, apontar um caminho para a

inclusão dos alunos e melhorar as relações professor-aluno, por meio de

formação de docentes numa universidade humanizadora.

Estrutura do trabalho:

• Introdução: tema da pesquisa, objetivos, problema, metodologia e a

estrutura do trabalho.

• Capítulo 1 Concepções de homem e sua formação, sob a ótica de

três estudiosos humanistas, conceitos de Homem e relevância desse

conhecimento para a formação de docentes.

• Capítulo 2: Concepções de Humanismo.

• Capítulo 3: Universidade humanizadora: conceito de Universidade na

visão humanista e o filosofar.

• Considerações finais.

• Referências.

Capítulo I - Concepções de homem e sua formação, sob a ótica

de três estudiosos humanistas

Não serei reconhecido no meio da multidão; quem sou eu no meio de uma tal multidão de criaturas?

(Eclesiástico 16,17)

No capítulo I serão apresentados conceitos de Homem e relevância

desse conhecimento para a formação de docentes, sob a ótica de 3 estudiosos

humanistas: Jair Militão da Silva, Jean Lauand e Alfonso López Quintás. Como já

mencionado na introdução, por questão pedagógica, iniciaremos com Jair Militão

da Silva por apresentar-nos a concepção de sujeito, pessoa, depois Jean Lauand,

conceito de homem na ação e, finalmente, Alfonso López Quintás, um caminho

para a formação do homem na perspectiva humanista.

Segundo Silva (1996), o conceito de sujeito está condicionado à ideia

de pessoa. Os pensadores gregos, nos primórdios do ato de filosofar, até o

momento dos clássicos, como Sócrates, Platão, Aristóteles, já apresentavam

elementos constitutivos do conceito de pessoa, quando buscavam uma resposta à

pergunta: O que permanece enquanto tudo parece mudar, procurando

compreender a essência das coisas, o ser das coisas (p.80). Nessa busca de

sentido, duas categorias relacionam-se, ora complementarmente, ora em

oposição, ora dialeticamente (por meio de discussão): a matéria e a forma, ou a

matéria e as idéias, ou a matéria e o espírito ou, ainda, o corpo e a alma (p.80).

De acordo com SILVA (1996), é no homem que essas duas categorias

ou dimensões se unificam e permitem a percepção sensível da realidade material

e a apreensão inteligível do conceito (p.80).

Por isso, o homem é aquele que pode conhecer a totalidade do real e encontrar-lhe o significado mais radical. Cada homem tem, desse modo, a possibilidade de chegar ao conhecimento; todavia, a ênfase na universalidade do que se conhece, na universalidade do conceito, não permite que a idéia de autonomia do ser individual torne-se hegemônica; em outras palavras, cada homem pode conhecer o que todo homem pode conhecer (SILVA, 1996, p.80).

Nesse sentido, na visão dos clássicos gregos, cada ente tem a capacidade

de compreender a totalidade do real e atribuir-lhe significado, isto é, todos são

capazes de chegar ao conhecimento.

Mesmo que para algumas correntes de pensamento o conhecer signifique um trabalho de ascese individual e, portanto, aparentemente, isso possa significar autonomia e responsabilidade, nesse momento a idéia de autonomia do humano diante da natureza é incipiente: os estudiosos concordam que o homem é visto, então, mais como um dos inúmeros elementos da natureza, dotado de maior complexidade, mas tão-somente mais um entre os demais entes (SILVA, 1996, p. 81).

Em outras palavras, os pensadores clássicos vêem o homem como um

ente da mesma natureza que os demais entes, porém, mais complexo, constituído

de matéria (corpo) e forma (alma).

Conforme SILVA (1996, p.80), a tradição judaico-cristã vê o homem como

um ente constituído de corpo e alma; entretanto, não mais como duas partes

separadas, mas em unidade, indissolúvel, que forma uma nova totalidade.

O homem passa, assim, a ser visto como uma totalidade completa em si mesma, mas aberta, necessariamente, para as outras totalidades que são os outros homens (SILVA, 1996, p. 81).

Segundo o autor, a visão do cristianismo, o homem é ser de relações,

isto é, um ente constituído pela unidade de corpo e alma que, necessariamente,

está aberto a outras totalidades, para relacionar-se com outros homens.

Ainda, segundo SILVA (1996), o conceito de pessoa cada vez mais vai

sendo explicitado pelos pensadores cristãos, embora desde o surgimento do

cristianismo, os elementos básicos já estejam presentes.

Segundo GILSON e BOEHNER,

inicialmente o homem é concebido como dotado de corpo e alma, sendo o “lugar” do encontro entre as dimensões materiais e espirituais do universo, podendo compreender a realidade e posicionar-se diante dela com autodeterminação (1982, apud SILVA, 1996, p.81).

Para SILVA, a autodeterminação fundamenta uma Antropologia

que vê o homem como alguém que responde livremente a um Outro (fundamentalmente Deus, mas expresso também no próximo) que o interpela pela palavra e pelos acontecimentos (fatos dotados de significado para quem o vive (1996, p. 81).

Os fatos dotados de significado são as experiências de vida de cada

um. A autodeterminação é uma característica do homem que aparece desde o

início do pensamento filosófico cristão.

A natureza humana, que é o homem, de acordo com Silva,

consiste em ser um ente que pode conhecer, mediante a inteligência, e pode escolher, mediante a vontade que é acionada pelo amor (1996, p. 82).

Nesse sentido, a escolha, o livre-arbítrio, são impulsionados pelo amor,

pelo desejo de conhecer algo novo. Comenta Silva:

Assim, são atributos do homem o entendimento, a vontade e a memória que lhe garantem manter uma identidade constante, embora sofra mudanças com o tempo. Esse homem é uma totalidade que perdura, que se apresenta com consistência; é uma pessoa (1996, p.82).

Mantendo essa identidade básica como pessoa – por ter como atributo

entendimento (inteligência), vontade e memória –, o homem pode mudar o seu

modo de agir inúmeras vezes durante a vida, para praticar o bem ou o mal.

Para o autor, o homem é capaz de transcender o dado imediato, isto é,

discernir o bem do mal e ir em busca de valores: é capaz de adiar a satisfação de

prazeres imediatos em vista de algo que considere um bem futuro (SILVA, 1996,

p. 82).

Portanto, o homem é pessoa, dotada de alma e corpo, podendo conhecer, decidir e responsabilizar-se. Para exercer essas suas possibilidades deve realizar um trabalho de humanização porque não é espontânea nem automática a utilização dessas potencialidades. É necessário que haja um processo educativo contínuo que faça presente o conhecer, o decidir e o responsabilizar-se (SILVA, 1996, p. 82).

Conforme o autor, a pessoa é um ser relacional, aberto a outras

totalidades (pessoas), em razão da imperfeição e do amor, características do

homem. A imperfeição pode ser explicada pela sua dependência do outro para a

própria sobrevivência, para manter-se pessoa: a criança para sobreviver precisa

ser amamentada pela mãe; o doente sem locomoção precisa ser cuidado por

outra pessoa. O amor busca relacionar-se com o outro com a intenção de ajudar

na sua sobrevivência e no seu viver bem.

É na tradição judaico-cristã que a pessoa passa a ser considerado

indivíduo com inteligência, vontade e memória e tem o seu próprio valor, não

podendo ser instrumentalizada a nenhum fim. (SILVA, 1996, p. 83).

Essa visão de homem muda o modo de pensar sobre suas

responsabilidades, missões e maneira de relacionar-se, tratar e ver as pessoas

que fazem parte da organização:

A pessoa vale por si mesma, independentemente de sua maior ou menor “utilidade” social. Esta visão traz como conseqüência o fato de que as estruturas e organizações sociais devam estar a serviço da pessoa e não servir-se desta como um meio. Portanto, a pessoa é dotada de dignidade intrínseca – a dignidade humana – e, desse modo, é também possuidora de direitos inalienáveis – os direitos humanos (SILVA, 1996, p.83).

Essa visão humanista ou personalista influenciou vários campos de

atividade e humana e realidades culturais, por ter um forte potencial hermenêutico

(compreensão) e organizativo da vida individual e social (SILVA, 1996, p.83).

Para Silva, a unidade escolar sofre influência da organização política,

da educação e dos comportamentos humanos em situação de conflito e tensão,

sobre o que a psicoterapia humanista lança alguma luz (1996, p.83).

Para Maritain, no livro Os direitos do homem, a sociedade, para garantir

os direitos da pessoa humana, deve ser

personalista, comunitária, pluralista e teísta: pode manifestar-se livre e responsavelmente, associar-se segundo seus interesses, ter garantida sua identidade cultural e poder, como desdobramento dessa mesma identidade, professar a fé religiosa que escolha (MARITAIN, 1967 apud SILVA, 1996, p.84).

De acordo com Silva,

a pessoa, por sua própria natureza, é dotada de direitos naturais, isto é, que não dependem da forma cultural que a sociedade assume, estando entre estes o direito à existência, o direito à liberdade pessoal e o direito de procurar a perfeição da vida moral (1996, p. 84).

Nessa visão,

a pessoa humana ultrapassa o cidadão [...] Nesse sentido, não se justifica em hipótese alguma a existência de um Estado totalitário que se organize de forma que as pessoas vivam em função dele. Antes, o Estado é que deve estar a serviço das pessoas (Id. Ibid.)

A pessoa precisa relacionar-se para existir, já no grupo familiar e, por

isso, a necessidade de um grupo de referência onde ocorra ajuda mútua, amparo

e trocas afetivas, cognitivas, valorativas é radical para a vida da pessoa (p.84).

Como apoio a esse grupo é que surge a sociedade civil mais ampla na qual uns

grupos podem associar-se a outros conforme seus interesses e o bem-comum,

que deve ser sempre um bem humano, isto é, não contrário à pessoa humana.

Para Maritain, o bem-comum é o critério que julga a moralidade

intrínseca dos atos políticos que devem buscar a justiça e a retidão moral. A

sociedade que nasce do respeito à dignidade e aos direitos humanos será

democrática e pluralista, por se preocupar com a prática do bem-comum, da

redistribuição dos bens materiais e culturais, evitando, assim, acumulação que

redunde em desigualdade injusta (1967 apud SILVA, 1996, p. 85).

De acordo com Maritain, a pessoa é dotada de razão, vontade e

instintos que precisam ser educados para que ocorra um domínio de si, que

garante a verdadeira independência e autonomia (1967 apud SILVA, 1996, p. 85).

De acordo com Silva, o conceito de pessoa contribui para uma

verdadeira civilização humanista, por sempre levar em conta o humano existente

nas situações (1986, p. 87).

Lauand também contribui para nossa compreensão a respeito do

conceito de homem na sua ação, sua constituição e destaca a importância desse

conhecimento para a educação.

Segundo Lauand, se perguntássemos à milenar tradição do

pensamento pelos fundamentos filosóficos da Educação, os antigos dar-nos-iam

esta sentença - tão simples -para meditar: “O homem, é um ser que esquece!”

(2007, p. 143).

Lauand destaca o papel da memória na educação, desde os gregos,

tendo como seu ponto alto o século V antes de Cristo, quando o poeta grego

Píndaro, com o Hino a Zeus, escreve um tratado de educação, uma das maiores

obras primas dos últimos tempos. (Id. Ibid.).

Píndaro descreve a cena na qual Zeus, fazendo valer seu poder, toma a

resolução de organizar o caos, estabelecendo a ordem e a harmonia. Já estando

a terra, os rios, os animais e o homem em conformidade com essa harmonia,

Zeus oferece um banquete aos deuses para apresentar a sua criação. Um dos

deuses pede a palavra a Zeus e aponta um erro seriíssimo:

Estão faltando criaturas que louvem e reconheçam a grandeza divina deste mundo... pois o homem é um ser que esquece! (LAUAND, 2007, p.1)

E vem a constatação:

O homem, ele que foi agraciado pela divindade com a chama do espírito, o homem, afinal, saiu mal feito, mal acabado, ele tende ao embotamento, à insensibilidade... ao esquecimento! (Lauand, 2007, p.144).

A fim de corrigir a situação, Zeus envia as musas (filhas Mnemosyne),

as artes, aos homens como auxilio à sua memória (LAUND, 2007, 144). Esse o

motivo pelo qual as descobertas filosóficas, realizadas pelos grandes pensadores

da tradição ocidental, não foram consideradas como originais, mas como:

des-cobertas: trazer à tona algo já visto, já sabido, mas que, por essa entrópica tendência para o esquecimento, não permanecera na consciência (LAUAND, 2007, p.144).

Conforme o autor, o esquecimento do essencial é um traço particular

do homem, que se lembra do supérfluo, porém, esquece-se da sabedoria do

coração, do caráter sagrado do mundo e do homem... (LAUAND, 2007, p.144).

Comenta o autor:

Na língua árabe, desde tempos imemoriais, a própria palavra para designar o ser humano é Insan. A surpreendente profundidade desse vocábulo torna-se manifesta quando dirigimos nossa atenção para seu significado literal: Insan - deriva do verbo nassa/yansa, esquecer, e significa aquele que esquece. (LAUAND, 2007, p.145).

A denominação de insam mostra que o homem não se dá conta de que ele

é o esquecente: o Insan, ser humano-o esquecente- foi chamado de Insan por

causa de seu esquecimento (LAUAND, 2007, p. 145).

O Alcorão, (20,50-52) apresenta Deus - em sentido contrário ao homem

- como Aquele que não se esquece. O mesmo ocorre na Bíblia judaica e cristã,

quando o profeta coloca uma frase na boca de Deus: Pode, acaso, uma mulher se

esquecer de sua criança de peito?... Ainda que ela se esquecesse, Eu não me

esqueceria de ti (Is 49,15 ) (LAUAND, 2007, p.145).

De acordo com o autor, é muito importante ter consciência de que

somos seres esquecentes e lembrar:

Assim, a missão profunda da educação não é a de apresentar-nos o novo, mas algo já experimentado e sabido que, no entanto, permanecia inacessível, precisamente o que se expressa com a palavra lembrar (LAUAND, 2007, p.144).

Os antigos desenvolveram a Pedagogia do lembrar, baseada na

sabedoria popular, nos provérbios, na memorização, nos gestos, nas festas...,

Pedagogia esquecida e incompreendida entre nós (LAUAND, 2010).

Lauand chama a atenção para a sutileza das linguagens:

O lembrar, o memorizar está associado não já (ou não só) a um processo intelectual, mas ao coração: saber de memória é, em inglês, by heart; em francês, par coeur; e esquecer-se de alguém, em italiano, é scordarsi, sair do coração... (LAUAND, 2007, p.146).

Tomás de Aquino esclarece a causa profunda do saber de cor:

inesquecível é o que amamos!

O que não se esquece é precisamente o que se faz com solicitude e amor. Ora, Deus ama com solicitude o bem do homem; portanto, Ele não o esquece.(in LAUAND, 2007, p.146).

Segundo LAUAND, a tradição clássica em educação, a pedagogia do

lembrar pode ser considerada como pedagogia do amor (2007, p. 147).

A formulação de Píndaro Torna-te o que és permite o acesso ao

pensamento e à educação grega: Areté significa virtude, porém, por desuso, os

tradutores optaram em traduzi-la como a excelência do ser, o mais alto grau de

desenvolvimento do homem.

Explica Lauand:

A excelência, o máximo do ser, o superlativo do ser de algo: areté no golfe é Tiger Woods; areté de atacante é Neymar em dia inspirado; areté de cavalo não é um pangaré qualquer, mas o ímpeto daquele cavalo idealizado pelo poeta pré-islâmico, Im AL- Qays, que “avança, retrocede, arranca e recua num mesmo ato”, o que, no original árabe, é toda uma onomatopéia:’ Mikarrin, mifarrin,mugbilin, ma’ na!’. O caso torna-se problemático quando o pensamento grego - com Sócrates e Platão - indaga pela areté do homem. Sal que é sal salga; centroavante que é centroavante marca; homem que é homem...quê? (2010, p. 11).

Segundo o autor, Areté refere-se a uma qualidade específica de algo

ou de alguém, em grau máximo. Para a areté do homem, após 2500 anos de

antropologia e filosofia moral, ainda não se encontrou resposta. Nas várias

culturas, a moral se enraíza no ser - e até com ele se confunde (LAUAND, 2010,

p. 11).

Conforme Tomás de Aquino, moral é o ser do homem, o homem é e

está chamado a ser (apud LAUAND, 2009a, p.64).

Tomás de Aquino entende moral como processo de autorrealização, a

qual afeta o homem em sua totalidade, nasce de um conhecimento sobre o

próprio ser, a natureza humana. O conjunto de regras que determina o que é

moral, a realização do ser em sua totalidade, deve ser entendida como uma

declaração sobre o ser do homem ( apud LAUAND, 2009a, p. 64).

Não se pense que, quando falamos em realização do ser, estamos pensando no homem como um ser puramente espiritual: Não! Tomás constantemente afirma a intrínseca união do espírito à matéria, reconhecendo o corpo como realidade essencial ao homem (...). É a este homem que se dirige a ética de Tomás; ao homem espírito unido á matéria, ser-em-potência, que ainda não atingiu a estatura a que está chamado e para quem a moral se expressa na sentença de Píndaro: ‘Torna-te o que és!’. (LAUAND, 2009a, p.66).

Na visão de Tomás de Aquino, agir contra a lei moral, impressa no

próprio ser, é violar uma lei natural. Entretanto, a virtude, que é expressão dessa

lei, só é alcançada pela prática, nasce de uma ação consciente: a autoeducação.

É com a prática que surge o hábito, a aptidão, para agirmos de acordo com

nossas inclinações naturais. A aquisição de virtudes é auto-educação para aquilo

que objetivamente é bom (LAUAND, 2009a, p. 67).

Comenta Lauand:

O verdadeiro sentido do hábito, o que lhe dá Tomás, nada tem que ver com essas deformações. Hábito é pura e simplesmente uma qualidade adquirida (auto-adquirida e livremente desenvolvida) que facilita e aperfeiçoa a ação e aperfeiçoa também o próprio homem. (2009a, p. 6).

O homem considera bom àquilo que lhe traz alegria. Acredita ser a

posse do que deseja o motivo de sua felicidade, mas a grande questão é: O que é

a felicidade? Feliz é querer bem aquilo que se tem (LAUAND, 2009a).

Essa resposta nos remete a relevantes questionamentos: O que é

possuir? O que é ter?

Lauand, a partir das concepções de Platão, Aristóteles, Agostinho e

Tomás de Aquino, entende que o verdadeiro ter transcende o plano dos atos

jurídicos ou cartoriais e se inscreve numa dimensão mais profunda da existência

como comenta Agostinho, no sermão do filho pródigo:

Como pode Deus dizer “tudo que é meu é teu?’’ Na verdade, tudo o que é de Deus é nosso, mas nem tudo nos está submetido. Uma coisa é dizer “meu servo”; outra, “meu irmão”. Sempre que dizes “meu”, dizes com a verdade, mas acaso é a mesmo título que o aplicas ao irmão e ao servo? É diferente o “meu” em “minha casa” e em “minha mulher”; como não é o mesmo em “meu filho”, “meu pai” e “minha mãe”. Excetuando a Mim, ouço que todas as coisas são tuas. Sim, dizes: “ meu Deus”, mas será que este “meu” é o mesmo que em “meu servo”? (apud LAUAND, 2009a, p.69).

Segundo Lauand, a alegria se baseia em algo interior, inconfundível:

uma razão, um porquê, um fundamento.

A busca da alegria pela alegria é uma característica dos dias atuais, o

homem não busca a razão da alegria, deseja só a sensação de felicidade, o que

pode ser conseguido, até por estímulos elétricos, o que caracteriza uma felicidade

desumanizadora. (LAUAND, 2009a, p.70)

“A posse do bem é que é a causa da alegria, diz Tomás”. E Platão “É pela posse do bem que os felizes têm a felicidade” [...] É na contemplação da verdade que o homem é definitivamente feliz: é aí que um homem realmente tem àquilo que ele realmente quer (apud LAUAND, 2009a, p.70).

Para Lauand, um conceito no qual o homem se vê como participação no

Ser criador de Deus é importante para obter a felicidade, que, não mais

transferida para outro plano, invade o mundo do homem do presente. Comenta

Tomás:

Assim como o bem criado é certa semelhança e participação do Bem Incriado, assim também a consecução de um bem criado é também certa semelhança e participação da felicidade definitiva (apud LAUAND, 2009a, p. 70).

A realidade do ter é captada na contemplação, por um olhar de amor,

que não é exclusividade de quem vive uma vida monástica, mas de quem

pergunta pelo ser, pelo quê das coisas, encanta-se com o existir do outro. Nesse

momento realiza-se um encontro pessoal no qual se atende a um chamado pela

voz das coisas, um chamado que é eco do logos, da palavra criadora de Deus.

Pode acontecer que, na busca do “Quem”, distanciemo-nos do

verdadeiro ter, levados pelo desejo de matar nossa sede na água salgada do

supérfluo, do consumo, do sensacional, do irrelevante (LAUAND, 2009a, p. 72).

Tarefa da educação é tornar plausível ao homem de hoje que sua realização e felicidade estão no ver: contemplar no simples do quotidiano a mensagem de amor que ai se encerra (Idem, p. 72).

Mas como formar esse homem ou pessoa?

Nesse sentido, López Quintás aponta um caminho para a formação do

homem, propondo uma análise do pensamento de Einstein, que envolve questões

como: Qual a nossa maneira de pensar? Qual o ideal que temos na vida? Para

onde direcionamos a vida? Qual é a meta? (apud LAUAND, 2009a, p. 39).

De acordo com o autor, liberdade, solidariedade, tolerância, amor, são

temas importantes, já abordados em obras didáticas, contudo não se aborda o

ideal de vida. Entretanto, para alguns educadores, a coisa mais importante na

vida é a meta que se quer alcançar. (LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009a,

pp. 39-40).

Para o autor, tal pensamento indica uma aparente lógica, pois o ideal

de vida, a meta, que estimulou os criadores da notável ciência, da notável técnica,

anunciada a partir da ciência moderna (século XVI até o início do século XX), era

que o conhecimento científico traria o domínio da realidade. Com o mito do eterno

progresso, acreditou-se que à medida que aumentasse o conhecimento cientifico,

o que corresponde á técnica, atingir-se-ia o domínio da realidade, o domínio do

bem-estar e da felicidade.

Comenta López Quintás:

Contudo, no começo do século XX, em 1914, quando o conhecimento científico era assombroso, não encontramos a felicidade humana, mas o desastre coletivo; 1914-1948, milhões de jovens inocentes perderam a vida nas terríveis trincheiras, fruto de um erro de seus antepassados (apud LAUAND, 2009a, p.40).

A ciência e a técnica atendem a interesses de indivíduos ou grupos, em

um egoísmo perigoso, já constatado, em 1914, de forma funesta (apud LAUAND,

2009a, p.40).

A partir de 1918, os autores unanimemente concordam em um ponto: a

necessidade de modificar o ideal.

Um Guardini, um Buber, um Heidegger, um Jaspers..., ao escrever, transmitem praticamente uma mesma ideia fundamental: é preciso mudar! Mudar o ideal. Vejam, uma sociedade, uma pessoa, pode viver sem ideal? Sim, mas estará como um barco à deriva, em meio a uma tempestade. Um indivíduo, uma sociedade sem ideal, realmente estão perdidos (LÓPEZ QUINTÁS, 2009a, p.41).

Para López Quintás, após quatro séculos promovendo a ciência e a

técnica, objetivando a felicidade, o ideal da idade moderna culminou em uma

catástrofe, a Segunda Grande Guerra Mundial. O ideal rompeu-se. Daí aqueles

autores dizerem sempre: o ideal deve se mudado! (2009a, p.41).

Os ideais devem ser substituídos: o de domínio (sobre nações, sobre os

outros) pelo ideal de solidariedade, o de arrogância pela simplicidade, o de ter

pelo ser, o da dominação, que objetiva ser mais que os outros, por um ideal de

serviço. Tal substituição gerará uma nova concepção de mundo e de condição

humana, como comenta López Quintás:

Era justamente isso que nos propunham, por exemplo, Heidegger, quando falava de passar de uma vida inautêntica à vida autêntica, é também Jaspers, ou Marcel, que postulava passar do problema ao mistério: no fundo, todos estão a dizer que se deve mudar o ideal (apud LAUAND, 2009a, p.43).

A Europa, que produziu tanta ciência, arte e cultura, pôde destruir a si

mesma, com tal frenesi, com tal fúria. A nova concepção de cultura é viver a vida

espiritual e estabelecer laços pessoais. Uma pessoa pode ser um grande poeta,

pode ser um grande músico e ser cruel com os outros... Essa pessoa é culta?

(LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009a, p.43).

A cultura sem vínculos pessoais não é cultura do espírito, é antes sonhar com o espírito. O diálogo propicia um ambiente de encontro, cria meios para o desenvolvimento da cultura do espírito, não se restringindo à mera informação. A autêntica cultura, em que consiste? Escrever crítica de arte? Fazer poesia? Sim, mas, acima de tudo, consiste em cultivar as relações pessoais (...) Quando começa a autêntica vida espiritual? Quando há uma palavra dita com amor e não com ódio: uma palavra dita com ódio destrói a cultura. E não se dá a devida importância a isto. Um professor, por exemplo (façamos um pouco de autocrítica), que dá aulas brilhantes, que possui muitos conhecimentos, mas não cria um ambiente de diálogo na escola, um ambiente de encontro, estará realmente fomentando a cultura ou somente fomenta a informação. (LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009a, p. 44).

Para López Quintás, a Segunda Guerra Mundial vitimou milhares de

pessoas, porém, não foi pior que o flagelo moral. A ideia era que não havia um

meio para vencer o ódio. Entretanto, depois de 1945, procura-se destruir esse

ódio por meio de palavras: A Europa foi cristã, o cristianismo é amor e, nós,

europeus, temos que esquecer o ódio e viver o cristianismo (apud LAUAND,

2009a, p.45).

Segundo López Quintás, a Europa se uniu nas áreas econômica e

política, mas resta ainda o espiritual, a união entre as pessoas: amarmo-nos.

Até pouco tempo, dizia-se: como um francês pode deixar de odiar os alemães ou vice-versa? Ou um inglês deixar de odiar um francês? E todos eles...,os italianos? Pois agora vemos que é possível com um novo humanismo. E tantos autores nos disseram: é necessário um novo homem, o homem que prefira o amor ao ódio, o homem que se pergunte todas as manhãs: “A que estou chamado? A destruir ou a construir? A amar ou a odiar?” (apud LAUAND, 2009a, p.45).

Para o autor, a tendência natural é a aceitação, como ocorre com os

espanhóis e os ingleses, que continuamente em lutas, hoje se descobrem como

irmãos. Como irmãos, devem unir-se, a fim de serem mais fortes e, com equilíbrio

de força, competir com outros continentes, como explica López Quintás:

Mas o ideal é de domínio: o ideal é ser mais que o Japão, mais que os Estados Unidos. E muitas pessoas pensam assim, enquanto outras, não: o ideal requer um equilíbrio de forças para a solidariedade (apud LAUAND, 2009a, p.46).

Na Espanha, o governo, desejando humanizar o processo de imigração

de norteafricanos que, em busca de melhores oportunidades, enfrentam viagens

perigosas, declaram que está disposto a firmar contratos com países

iberoamericanos e africanos para receber dois milhões de imigrantes (apud

LAUAND, 2009a, p.46).

Para o autor, um futuro bom é resultado de abertura para o outro,

reconhecendo-o como irmão.

A tarefa da Europa, após a construção de uma cultura de poder, é criar

uma cultura de serviço, no qual a solidariedade estabeleça uma relação de

dignidade entre quem presta o serviço e quem o aceita (apud LAUAND, 2009a,

p.47).

De acordo com López Quintás:

Este é o caminho. Em filosofia, em antropologia, se está agora - e já há muitos anos - ressaltando muito a seguinte ideia: os homens -você e eu- não somos como uma circunferência, com o centro no ‘eu’, do qual equidistam todos os pontos, tudo servindo ao eu...Essa é uma ideia egoísta do ser humano. Hoje, tende-se a pensar que o ser humano deve ser representado como uma elipse, possuidora de dois centros: o eu e o tu, que apresentam um dinamismo reversível nos dois sentidos: eu preciso de você e você precisa de mim. Essa ideia – e o pensamento biológico a tem ressaltado muito – é importantíssima: Ebner, Buber, Guardini, Levinas, Nedoncelle e muitos outros autores a têm enfatizado muito (apud LAUAND, 2009a, p. 47).

Essa orientação, que se inicia em muitos países, deve ser

fundamentada, para torná-la clara a todos os homens públicos, diretores de

jornais, culturais e econômicos a fim de fazê-los verem o que o ser humano

realmente é, como expõe López Quintás:

Temos que recorrer não a nossas idéias superficiais, mas sim ao que diz, por exemplo, a pesquisa científica, a pesquisa ética, a pesquisa antropológica, a pesquisa da teoria da criatividade [...] Há como que um consenso em todo o mundo para se dizer o seguinte: o ser humano – você e eu – é um ser de encontro. Vive como pessoa, desenvolve-se, aperfeiçoa-se, criando encontros (apud LAUAND, 2009a, p.49).

É preciso criar um espaço de amor, até mesmo nas instituições de

ensino, incluindo a universidade, para a garantia de formação, da constituição de

uma escola inclusiva, e não apenas informação.

O autor vê esse encontro

não como algo de mera proximidade, mas sim como um enriquecimento mútuo. A pessoa é um âmbito da vida repleta de possibilidades, projetos; quando os ofereço a outra, e essa os oferece a ela, nasce o desejo de compreensão recíproca, a vontade de caminhar juntas (LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009a, p.56).

Esse encontro propicia experiências no qual as pessoas se influenciam

mutuamente, como duas ações livres, de âmbitos diferentes, que se

complementam e se enriquecem reciprocamente, superando as divisões. As

pessoas passam a compartilhar seus problemas, alegrias e valores (apud

LAUAND, 2009a, p.57).

Já descobrimos uma série de coisas: as exigências do encontro. Uma última, muito importante: para encontrar-se deve-se compartilhar valores elevados. Vejam, quando você e eu nos dirigimos rumo a algo valioso, unimo-nos entre-nos. Para unir-se o mais importante é fazer o bem em comum, compartilhar algo. [...] E eu comento: amar-se não é tanto um olhar para o outro - pelo prazer de olhar a pessoa amada - mas sim consagrar-se juntos a algo valioso. (idem, p.60).

Para o autor, a concretização conjunta de algo de extremo valor

estabelece vínculos fortíssimos entre as pessoas. O fato de ambos olharem juntos

fomenta o encontro.

Explica López Quintás:

Bem, sabem como se chamam estas exigências do encontro? Virtudes. Que são as virtudes? Para os latinos, virtudes eram capacidades – virtus, capacidade. Capacidades de quê? De criar encontros, de criar formas elevadas de vida. (apud LAUAND, 2009a, p.61).

Quando se assumem valores, como generosidade, fidelidade e

cordialidade, colocando-os em prática, eles se transformam em virtudes,

resultando em uma maneira própria de ser, uma forma virtuosa, que facilita o

encontro.

O contrário representa os vícios: egoísmo, dureza, infidelidade, que,

por não fomentarem o encontro, são considerados antivalores (LÓPEZ QUINTÁS

apud LAUAND, 2009a, p.61).

Para o autor, os frutos do encontro ocorrem na sua própria vivência,

como a energia, quando há um encontro de verdade, e a alegria, que surge da

consciência de que está se desenvolvendo como pessoa. Juntas, geram outros

sentimentos, como entusiasmo e felicidade, o que resulta em plenitude. A

felicidade se manifesta na paz e repouso interior, amparo e alegria, o que permite

reconhecer que não há nada maior na vida, não há maior valor, que o encontro

(LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009b, p.45).

Conclui o autor: Vemos que o encontro é a chave. Então, quando

descobrimos o valor mais alto, dizemos: isso é tudo para mim na vida. Não há

nada como isso - essa é a minha meta, esse é o meu ideal (LÓPEZ QUINTÁS

apud LAUAND, 2009b, p.45).

Querer viver numa boa expressa a ideia de que, quanto mais

sensações prazerosas, melhor, um ideal falso, fundado em valores menores:

agradável é um valor, mas não o maior (LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009b,

p.45).

Assim, afirma López Quintás:

Então, há uma escala de valores. Descobrir essa escala de valores é fundamental na vida – é uma das tarefas básicas da formação; e a criança e o jovem devem ir descobrindo-a – ajudados pelo adulto, mas devem ir descobrindo-a. Sabem vocês qual é, hoje, uma das calamidades, das maiores desgraças do mundo atual, a meu ver? É que hoje se está subvertendo, o que se convencionou chamar de subversão de valores: considera-se o agradável como valores mais altos, que são servir aos outros, estão sendo considerados como os mais baixos. Isto é terrível (apud LAUAND, 2009b, p.45).

Essa alteração de valores, na qual o que é agradável às pessoas é

considerado valor supremo e justifica suas ações, esse estar numa boa, em

busca da “felicidade”, que representa o viver bem das pessoas ao preço do

sofrimento do outro, não é felicidade, mas egoísmo, com o qual não há encontro

nem desenvolvimento da pessoa e a sociedade não pode ir adiante. (LÓPEZ

QUINTÁS apud LAUAND, 2009b, p.46).

Como diz o pedagogo Josef Kentennich:

“Não conheço nenhum problema sério de um jovem que não seja resolvido, quando o jovem descobre o autêntico ideal. Não conheço nenhum problema sério que não seja resolvido quando se descobre o autêntico ideal” (in LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009b, pp.46-47).

Segundo López Quintás, as leis preveem que as crianças e os jovens

devem se educados integralmente, que cresçam como se deve crescer, que

tenham verdadeiros ideais, que não se confundam; que saibam pensar por si

mesmas, que não se deixem enganar. Entretanto, não dizem como atingir tal

objetivo (LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009b, p.47).

A lei determina que o professor deve ser orientador e formador,

devendo, em alguns momentos, tratar de valores, como amor, tolerância, saúde e

outros, porém, não se encontra um tempo para isso, o que cria dificuldades para

atingir o objetivo da lei. Esses temas, quando abordados sem articulação e

continuidade, não criam raízes na mente e no espírito dos alunos. Os professores

não se sentem incumbidos da tarefa de desenvolver valores, pois foge a suas

especializações, o que compromete a formação dos jovens como pessoa (LÓPEZ

QUINTÁS apud LAUAND, 2009b, p.47).

Pergunta o autor:

Em que consiste o processo de crescimento? Um pouco o que disse antes, descobrindo o encontro, o ideal, os valores [...] O encontro é relação, os valores são relação, as virtudes... Tudo é relação. E o ideal, o mesmo. Então, a minha pergunta é esta: como cada uma das matérias pode colaborar para que aquele aluno descubra a importância das relações, fique admirado diante da importância das relações e as ame, as deseje? (LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009b, p.48).

A formação humana do aluno não consiste em falar de virtude e

valores, mas fazê-lo perceber o poder, a força que essas relações têm.

Não há nada mais belo do que uma estrutura matemática, uma equação com a qual Kepler, por exemplo, podia determinar o movimento dos astros. Vejam que poder! Mas, ao mesmo tempo, que harmonia, que beleza. Alguém que estude matemática desta maneira sai da aula dizendo: a relação é uma maravilha! E vai para a física, sobretudo a microfísica, e vê o mesmo, porque a última instância não são pequenos pedaços de matéria, são energias estruturadas, ou seja, inter-relacionadas. E o aluno sai dizendo: quem diria, esse “negócio” de relação está no último fundamento da realidade. E vai às ciências naturais e vê, por exemplo, a polinização das plantas, como as plantas necessitam umas das outras, há as palmeiras macho, palmeiras fêmea, e vem o vento e os insetos a fecundar...tudo é interrelação.(...) E aí se aprende o que é a relação. (LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009b, p.49).

Segundo o autor, a percepção das relações e interrelações no universo

resultam em admiração e prepara para o entendimento de seu aspecto ético.

Quando as normas são fecundas, não se opõem, [...] se completam (LÓPEZ

QUINTÁS apud LAUAND, 2009b, p.49).

As regras e normas não se opõem à liberdade, não caracterizam estar

à mercê do outro, deixar de autogovernar-se, ao contrário, quando são vistas

como algo que aperfeiçoa, a pessoa as assume como algo próprio. (LÓPEZ

QUINTÁS apud LAUAND, 2009b, p.50).

(A lei) ao princípio é externa, estranha, alheia e distinta de mim. Depois a converto em íntima. Vejam, quando um jovem percebe que uma realidade, por exemplo, uma norma, a princípio, é distinta dele, distante, externa, estranha, alheia, mas que pode chegar a ser íntima sem deixar de ser distinta, este jovem já tem um porvir, está formado. Vejam que importante é isto: algo distinto é, ao princípio, distante, externo, estranho, se converte em íntimo (LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009b, p.50).

Ética é o princípio que regula, ordena e interrelaciona a vida, com a

consciência de que a vida de cada pessoa regula-se com relação aos demais

(LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009b, p.51).

Comenta López Quintás:

Um aluno que tenha estudado matemática, física, arte grega [...], sabe o que responderá quando o professor lhe perguntar sobre isto? “Claro, evidente! E como poderia ser de outra forma?” Se todo o universo está inter-relacionado, se a relação é o fundamento da vida (vida animal, vida vegetal, o fundamento da vida inanimada), se é assim, como poderia ser diferente quando se trata de vida humana? (apud LAUAND, 2009b, p.51).

Para o autor o homem vive a relação, vive em relação, cria a relação, o

que o diferencia do animal e do vegetal, que vivem, criam e estão, mas não têm

consciência nem desejo disso. O homem, ao contrário, sabe e deseja essa

relação, é capaz de ações que criam uma unidade, uma união, pelo fato de saber

que criar uma unidade é meta não somente do homem, mas do universo inteiro

(LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009b, p. 52).

Explica López Quintás:

O universo vem, desde a criação, como que dando voltas, voltas que culminam na unidade. Quando alguém cria unidade, poderíamos dizer que está na mesma orientação do universo e sua perfeição. Quando se rompe a unidade, poderíamos dizer que vai contra a direção do universo, vai contra tudo do universo (2009, p.52).

Cabe aos professores mostrar aos alunos esse mundo das relações, de

forma a contribuir para a formação e compreensão de que este mundo está bem

feito, que o mundo está bem ordenado (LÓPEZ QUINTÁS apud LAUAND, 2009b,

p. 52).

Capítulo II - Concepções de Humanismo

Tomás de Aquino (1225-1272) explica:

1. o homem é constituído por matéria e espírito. É um corpo sujeito às leis da natureza, limitado pelo espaço e o tempo, contudo, é também espírito, ultrapassando o tempo e o espaço;

2) por esta formação matéria-espírito, o homem é uno, não existindo um sem o outro. A partir da comunhão de ambos nasce o homem;

3) a alma dá forma à matéria e, por vir antes, é imortal. Não há lugar para a morte no mundo puramente espiritual, pois a morte e tão unicamente a decomposição do corpo carnal http://www.advogado.adv.br/artigos/2003/romualdoflaviodropa/direitoshumanosbrasil.htm

Para o autor, a pessoa é substância individual de natureza racional, o

que a distingue dos outros animais. O homem é o primeiro ser da criação, por

revelar um “fragmento” da inteligência e racionalidade de Deus. A inteligência

confere valor e dignidade à pessoa, como o que há de mais perfeito no universo,

o que a distancia dos animais e a aproxima do Criador (apud

http://www.advogado.adv.br/artigos/2003/romualdoflaviodropa/direitoshumanosbra

sil.htm).

Segundo Tomás, o homem (inferior) está para Deus (superior) e os

bens deste mundo estão à disposição de todos os homens para que deles

desfrutem para seu desenvolvimento e perfeição (apud

http://www.advogado.adv.br/artigos/2003/romualdoflaviodropa/direitoshumanosbra

sil.htm).

Maritain (1882-1973) propõe a retomada da doutrina de Tomás de

Aquino, com o seu Humanismo integral, apontando que a natureza humana está

disposta a um fim último, distinto de si mesmo, e que é Deus (idem). O homem

não se aniquila diante de Deus, mas se reabilita, por sua ligação com ele, o que

configura um humanismo teocêntrico (apud

http://www.advogado.adv.br/artigos/2003/romualdoflaviodropa/direitoshumanosbra

sil.htm)

Assim, uma formação humanista cristã pode inspirar o agir livre e

responsável do homem no mundo, de forma a colaborar com o agir divino, como

expõe Tomás:

Se agimos como homem é porque nascemos homem e não ratos. Natureza humana é assim, o ser que o homem recebe de nascença. A “natureza”, especialmente no caso da natureza humana, não é entendida por Tomás como algo rígido, como uma camisa de força metafísica, mas como um projeto vivo, um impulso ontológico inicial (ou melhor ” principal”), um “lançamento no ser”, cujas diretrizes fundamentais são dadas precisamente pelo ato criador que, no entanto, tem de ser completado pelo agir livre e responsável do homem. Assim, todo agir humano (o trabalho, a educação, o amor, etc.) constitui uma colaboração do homem com o agir divino, precisamente porque Deus - cuja ordem conta com as causas segundas - quis contar com essa cooperação) (apud LAUAND, 2007, p.105)

Para Tomás de Aquino, a razão – ratio - acentua o caráter de

pensamento, estruturação racional do ser; natureza indica o ser enquanto

principio de operações (falar, pensar, amar, germinar, digerir, latir, etc (apud

LAUAND, 2007, p.105).

Em PIEPER podemos reconhecer os princípios que difere a natureza

humana de outras naturezas. Para ele “Pertence à essência do ser vivo o fato de

estar e de viver em um mundo, em” seu “mundo, de que possua um mundo. Ser

vivo significa estar” no “mundo” (2007, p.24).

As palavras “no”, “com”, “ao lado de” não significam que essa relação

exista, é preciso um mundo interior, pois a relação se estabelece de dentro para

fora. O que difere o ser humano na criação é o fato de o homem ser dotado de um

centro dinâmico a partir do qual toda ação surge, e ao qual se refere tudo o que

se recebe e sofre (PIEPER, 2007, p.24).

A capacidade de colocar-se em relação com o exterior é o que

determina o interior. “Dentro” significa capacidade de relação e de inclusão [...]

(PIEPER, 2007, p.24), e,

mundo significa campo de relação. Possuir um mundo significa: ser centro e suporte de um campo de relação. O segundo, porém, é: quanto mais alto o lugar do ser-interior, ou seja, quanto mais extensa e abrangente for uma capacidade de relação, tanto mais amplo e levado será o campo de relação submetido a esse ser.

Dito de outro modo: quanto mais alto um ser estiver na ordenação hierárquica da realidade, tanto mais amplo e elevado o lugar do seu mundo (idem, 2007 p.25).

A pedra inerte não tem interior, só a situação espacial. Já o que a

planta estabelece relação com as substâncias nutritivas, criando um campo de

relações, o mundo das plantas.

Os animais, por sua percepção sensível das coisas, têm a capacidade

de relacionar-se e incluir-se, distinguindo-se do vegetal, revelando um traço

próprio e totalmente novo de se colocar em relação ao exterior. (PIEPER, 2007,

p.25).

O animal é dotado de visão, o que não significa que todas as coisas

visíveis ao seu redor sejam vistas; o espaço ao seu redor, mesmo que perceptível

em si, não é ainda mundo, mas o meio ambiente, onde o animal se encontra

adaptado, preso. As coisas a sua volta não podem ser vistas, determinando uma

realidade-restritiva mediante a finalidade biológica do individuo ou da espécie

(PIEPER, 2007, p. 27).

Explica Pieper

O campo de relação do animal não é o seu ao redor, menos ainda o seu mundo, mas seu “meio ambiente” neste sentido determinado: um mundo no qual algo é deixado de fora, um meio recortado, no qual algo seu possuidor ao mesmo tempo está adaptado e trancado (2007, p.27).

Quando se compara a capacidade de percepção dos animais, com a

capacidade de relação do mundo vegetal, reconhece-se uma força de relação

nova e mais extensa.

Já o homem tem a capacidade de conhecimento espiritual. Um modo

novo de colocar-se em relação.

Essa capacidade de relação, essencialmente diferente, não está

associado também um campo de relação, isto é, um mundo com dimensões

fundamentalmente de outro tipo? o que mostra que a tradição filosófica do

Ocidente compreendeu a faculdade do conhecimento espiritual, e justamente

definiu como facilidade de se colocar em relação com a totalidade das coisas

existentes (PIEPER, 2007, p. 28).

O espírito é determinado primeiramente pela capacidade de relação

com a totalidade do ser, o que o determina não é tanto a característica da não-

corporeidade e sim essa capacidade de relação, como explica Pieper:

Espírito significa uma faculdade de relação com tal amplidão e tal abrangência de força, que o campo de relação associado a ele a principio ultrapassa as fronteiras do meio ambiente. Pertence à natureza do espírito que seu campo de relação seja o mundo O espírito não possui meio ambiente, possui mundo. É da natureza do ser espiritual romper os limites do meio ambiente, portanto, superar ambas as coisas: adaptação e a limitação. (2007, p.28).

Para Comenius, as potencialidades humanas são radicadas na mente,

a qual não é sinônimo de massa encefálica, mas de espírito imortal.

O nosso pequeno corpo está encerrado num círculo estreito; a nossa voz vai um pouco mais além; a vista chega à cúpula celeste; mas à nossa mente I SE NÃO COnão pode fixar-se um limite, nem no céu nem fora do céu: tanto se eleva acima dos céus dos céus, como desce abaixo do abismo; e, mesmo que esses espaços fossem milhões de vezes mais vastos do que são, ela aí penetraria, todavia, com incrível rapidez. E havemos então de negar que todas as coisas lhe são acessíveis, que ela é capaz de tudo? (COMENIUS, apud INCONTRI, 2004, p.127).

PIEPER complementa: Não só pertence à essência do espírito que seu

campo de relação é a totalidade das coisas, mas também que pertence à

essência das coisas existentes estarem no campo de relação do espírito. (2007,

p.30).

A espiritualidade é a capacidade de relação fundada em si mesma, um

espírito pessoal, que, segundo o autor, de modo algum se trata, no entanto,

somente de Deus, mas também inteiramente do espírito criado, não absoluto, do

espírito humano! (PIEPER, 2007, p. 30).

Na perspectiva da existência de uma hierarquia de mundo, quanto mais

abrangente a faculdade de relação, mais extenso o seu campo. A faculdade de

relação mais baixa de mundo corresponde ao menor grau do ser em si mesmo.

Enquanto ao espírito como faculdade de relação dirigida para a

totalidade do ser deve também obedecer ao modo mais supremo do ser-em-si.

(PIEPER, 2007, p.32).

Para Tomás de Aquino, porque é capaz de apreender o universal, a

alma espiritual possui a capacidade do infinito (PIEPER, 2007, p.33).

Assim, existe a possibilidade das coisas tornarem-se acessíveis e

compreensíveis, quando se considera sua essência universal, como expõe

PIEPER:

Quem, ao conhecer, alcança a essência universal, a essência total das coisas, adquire justamente a partir disso um ponto de vista de onde a totalidade do ser, de todas as coisas existentes torna-se acessíveis e visíveis. (2007, p. 33).

PIEPER (2007) entende que a ciência, a filosofia e a religião ampliam a

concepção de homem, preparando-o para o retorno a sua interioridade,

reconhecendo-se também como um ser espiritual, que vive em totalidade com as

coisas existentes.

Como seres espirituais, temos potencial para a compreensão total da

realidade, como afirma Pieper:

Humano, ao contrário do que nos parecia ser, significa conhecer além das estrelas, perceber além do invólucro da adequação costumeira ao cotidiano a totalidade das coisas existentes, além do meio ambiente o mundo que o abrange. (2007, p.35).

Para Comenius, todo conhecimento deve ser aplicado e transformado,

direcionado e finalizado na maior de todas as tarefas humanas: a tarefa de educar

(In COVELLO,1999, pp.11-12).

A educação integral não se realiza sem que entre em jogo o ser

Humano, a totalidade do ser, o todo das coisas existentes, Deus e o mundo.

(PIEPER, 2007, p.38)

Capítulo III - Universidade humanizadora

Nesse capítulo serão apresentados os conceitos de Universidade na

visão humanista, o que é filosofar e como e onde se deve dar a formação de

professores humanizadores, habilitados a formar pessoas capazes de relacionar-

se e considerar o outro como sujeito de uma situação educativa.

Pergunta Lauand,

Quando se coloca a questão O que é uma Universidade?, e isto procurando não a realidade meramente fática, mas a verdadeira realidade, no caso, o que deve ser uma Universidade, tal como em qualquer questão de Filosofia da Educação, é para o homem que devemos nos voltar. (1987, p. 23).

Para compreender o que é ou deve ser uma Universidade, chega-se a

uma temática fundamental - o homem -, visto que a Filosofia da Educação

decorre da Antropologia Filosófica, e filosofar é perguntar pelo ser. A investigação

sobre a Universidade implica necessariamente a indagação pelo ser do homem.

(LAUAND, 1987, p.23).

De acordo com o autor, filosofar é fundamental para estabelecer a

conexão entre a Universidade e o ser do homem, o que envolve a consideração

da totalidade do real e da existência humana. O homem humanista relaciona-se

com o espírito, que está relacionado com o filosófico.

Falar do lugar e do direito da Filosofia é, ao mesmo tempo, falar de

nada mais nada menos que do lugar e do direito da Universidade, da formação

acadêmica (LAUAND, 1987, p.24)

Segundo o autor, é por meio da reflexão filosófica sobre a Metafísica,

Filosofia da História, Ética e outras ciências e experiências que encontramos

resposta à questão o que é o homem?

Que quer dizer experiência? (...) Um conhecimento com base num contato direto com a realidade [...] Mas os resultados que obtemos não desaparecem quando cessa o ato de experiência; acumulam-se e conservam-se: nas grandes instituições, no agir dos homens e no fazer-se da linguagem (LAUAND, 1987, p. 38).

Uma larga experiência se esconde nas grandes instituições, mas as

experiências que o homem tem, consigo, e com o mundo condicionam sua vida,

não estando ao alcance da consciência reflexiva. Em experiências o conteúdo

pode ser anunciado e conhecido claramente, em outras continua oculto.

Em todos os fatos fundamentais da existência sabemos muito mais do que sabemos [...] Não se trata tanto do que alguém julga que pensa, mas do que realmente pensa, o que talvez só venha a descobrir - para sua própria surpresa - por ocasião de um forte abalo existencial. (PIEPER, in LAUAND, 1987, p. 39).

Para o autor, “filosofar” é uma questão filosófica, que nos situa no

próprio centro da filosofia, não podendo, assim, dizer nada sobre a essência da

filosofia e do filosofar sem, ao mesmo tempo, fazer uma afirmação sobre a

essência do homem (LAUAND, 1987, p.39)

Contudo, há diferença entre filosofia e filosofar: “Filosofia” pode indicar

uma disciplina ao lado de outras disciplinas, como Matemática, Física, enquanto

filosofar é uma atitude interior, um “modo de olhar” para o mundo e a realidade.

Filosofar e estudar filosofia são coisas distintas, podendo até uma ser entrave

para a outra. A Filosofia, como matéria, pode ser estudada de maneira bem

pouco filosófica ou com o autêntico espírito do filosofar e, neste caso, falamos da

“Filosofia da Educação” ou “Filosofia da Universidade”. (LAUAND, 1987, p.410).

A filosofia tem uma estrutura de esperança, pelo fato de não dar

resposta plena a uma indagação filosófica. Por ser um assunto coletivo, deve ser

tratada na forma de diálogo ou discussão, para sentir a presença dos que pensam

de maneira diferente. Não esgotar o assunto não quer dizer que não se pode

conhecer a verdade, o que não se pode é esgotá-la. Podendo conhecer a

verdade e, na medida em que o pode fazer, a discussão filosófica, chega-se a

uma conclusão.

O autor considera a linguagem um campo privilegiado onde se exprime

e se oculta a realidade, o que indica a necessidade de um esforço de depuração,

exame profundo e intuição, a fim de o filósofo ser conduzido da linguagem à

realidade.

Segundo o autor, é necessário examinar atentamente o significado

integral das palavras, imunizar-se contra o desejo de perfeição que pode ocultar-

se por detrás de significados demasiado corretos (PIEPER, apud LAUAND,1987,

p.49)

Apreender o não-dito é uma das dificuldades no campo da

interpretação, porque o que é evidente não se fala, o que é por si só compreende-

se, não se fala, mas o problema está em saber o que é obvio, que pode ficar sem

ser revelado (PIEPER, apud LAUAND,1987, p.49).

Nesta, por assim dizer, inocente consideração (também ela de algum modo evidente) reside a máxima e real dificuldade de toda interpretação de texto, na medida em que, no texto que vai ser interpretado, algumas coisas permanecem sem ser expressas por causa de sua evidência; coisas que para quem o interpreta de modo algum são óbvias porque ele não as capta sem mais (PIEPER, in LAUAND,1987, p. 50).

E isso significa que na captação, organização e articulação das ideias,

a interpretação já está alterada para quem a interpreta.

Esse é o motivo pelo qual se deve dar atenção às “brechas”, as

lacunas que se suprimiu no discurso, pois é aí que o autor que está sendo

interpretado tem suas evidências inexpressas (PIEPER apud LAUAND, 1987,

p.51).

Para Pieper, os grandes filósofos, antigos e medievais, só têm

importância concreta como testemunhas da verdade, a qual tem de mostrar-se

por si mesma e provar sua legitimidade com argumentos objetivos. O filosofar

deve voltar se para a experiência, experiência que não pode ser ignorada (apud

LAUAND, 1987, p. 53).

Pieper, buscando captar a verdade orientada por ele, Tomás de

Aquino, segue-o a partir da problemática atual, como o papel das ciências

contemporâneas ou acontecimentos sociais (apud LAUAND, 1987, p.54).

A discussão sobre a realidade social envolve conceitos de bem comum

e filosofar, de Tomás, com o olhar voltado para o nosso mundo. (LAUAND,1987).

Se for verdade que o filosofar é um ato que ultrapassa, transcende o mundo do trabalho, a nossa questão que significa filosofar? - aparentemente tão “teórica” e abstrata - transforma-se, de repente e subitamente, numa questão de extrema atualidade histórica (PIEPER, in LAUAND,1987, p. 54).

O verdadeiro filosofar inclui considerações e informações sobre o

mundo e a existência, que não procedem de experiência ou de argumentos de

razão, mas de outras esferas, como revelação, sagrada tradição, fé, teologia.

(PIEPER, apud LAUAND,1987, pp.55,56).

Para Lauand,

uma pessoa - tomada em sua totalidade, diríamos” existencial - ao filosofar, ao fazer sua “opção” filosófica, já antes (trata-se de um pré-suposto) possui uma interpretação da realidade, condição de todo o filosofar: na teologia. (1987, p.56).

Ao relacionar-se com a Teologia, a Filosofia não está se subordinando

a um fim situado fora de si mesmo, porém ao mesmo saber sobre as últimas

causas, que se alcança, de modo distinto, pela fé e pela Teologia. Nessa mútua

colaboração, a Teologia é beneficiada pela abertura ao todo da realidade, ao

invés de sucumbir a um pretenso estado de auto-suficiência.

São muitos os benefícios para a Filosofia por seu contato com a

Teologia.

Que é o conhecimento em si, e em última análise? A reflexão filosófica sobre esta questão, sua discussão tem, é verdade, um fundamento experimental incontestável (a experiência das sensações, dos pensamentos, etc.). Mas, se eu levo mais adiante, necessariamente chegará um momento em que deva considerar a realidade objetiva de um lado e a faculdade humana de outro; ser-me-á necessário, em certo momento, colocar a questão assim formulada por Heidegger:” De onde a enunciação representativa toma a orientação de se dirigir para o objeto, e de se orientar retamente? [...] donde o sujeito cognoscente tem “a orientação para o que é?” (...) e onde se encontra o fundamento interior dessa orientação do conhecimento para o ser? Sem dúvida, esta questão se situa no centro, na raiz de toda teoria filosófica do ser: e é uma das formas sob as que aparece, a um certo momento, o problema da natureza do conhecimento (...) Ora, é evidente que essa questão que diz respeito aos fundamentos do conhecimento (“donde o conhecimento tira sua orientação para o ente?”) não pode receber resposta à margem de uma afirmação teológica (PIEPER, in LAUAND, 1987, pp. 59-60).

Na opinião do autor, a Filosofia, como ciência especializada, que se

recusa à ordenação à Teologia, quando se volta para as raízes de seus temas,

interrompe o único caminho para um real aprofundamento das últimas causas.

Assim, não se trata mais de Filosofia, no sentido de Platão e de Aristóteles e da

grande tradição ocidental.

Para Pieper, o filosofar é um ato que ultrapassa o mundo do trabalho,

caracterizado como mundo da utilidade, da sujeição, das necessidades e da

produtividade, da fome e do modo de saciá-la, cuja meta é a realização da

utilidade comum.

O mundo do trabalho se dirige à utilidade comum, conceito que deve

ser diferenciado do bem comum. (LAUAND, 1987, p. 62).

A filosofia não está a serviço de nenhuma finalidade prática, o que a

torna livre.

Para Lauand, a Filosofia não é alheia à realidade por transcender o

mundo do trabalho, pois é nele que está a base da existência física, sem a qual o

homem não poderia filosofar. O Filósofo quer saber não se um rei que tem muito

ouro é feliz ou não, mas o que é em si o poder, a felicidade e a miséria, em si e

em suas últimas razões.(LAUAND,1987,P.63).

Explica Lauand: Da afirmação da liberdade da Filosofia decorrerá boa

parte da Filosofia da Educação pieperiana - a pedagogia das artes liberais (1987,

p.64)

As artes liberais têm sentido em si mesmas, ao passo que as artes

servis visam a um fim fora de si. Entre as artes liberais, a Filosofia sempre foi

entendida como a mais livre. As artes liberais não são consideradas como

disciplinas, dado o espírito de liberdade que as caracteriza. (Pieper, apud

Lauand,1987).

Assim como chamamos livre o homem que é fim para si mesmo e não existe para outro, assim esta ciência é também a única entre todas as ciências que é uma disciplina liberal, já que é para si mesma seu próprio fim. E legitimamente, outrossim, que se pode considerar mais que humana sua posse (ARISTOTELES, in LAUAND,1987, p. 65)

Para Lauand, o conceito de liberdade tem suas raízes na pessoa

humana e o conhecimento do todo da realidade, que indaga sobre a essência e o

ser das coisas em si e em suas últimas razões é o único que pode ser chamado

livre, pois livre significa não-prático.

O Homem é um ente cuja natureza essencialmente reside no desejo de ver e conhecer [...] Na a atividade de compreender, o homem está fazendo aquilo que, essencialmente, ele quer fazer, e no ato de conhecimento é que ele é realmente livre (PIEPER, in LAUAND, 1987, p. 68).

Tal conhecimento, que procura captar a natureza última da realidade,

não está a serviço da práxis, mas é teorético, isto é, contemplativo, no sentido

grego de theoria (contemplação).

Para Lauand, o Homem é um ser tal que a sua realização, “a sua

suprema felicidade se encontra na contemplação. (1987, p.69), orientada

exclusivamente para a verdade, algo que tem sentido em si mesmo, não prático.

A pessoa é um ser que existe para seu próprio aperfeiçoamento. Assim, o “bom

em si mesmo” não o que é para isto ou para aquilo, mas, em última estância,

bom, como expõe Pieper:

“Para que estás na terra?” A resposta de Anaxágoras foi: para consideração contemplativa, eis theoria, do céu e da ordem do universo. Pois bem, exatamente o mesmo queremos expressar aqui com a tese que vamos examinar, a saber, que a consideração filosófica [...] é não só parte essencial do “bem do homem” (entendido como bem em si mesmo), mas também elemento imprescindível do bem comum. (in LAUAND, p.70).

Para Lauand, a realidade vista como ela é resulta de um conhecer, um

contemplar com olhar de amor.

Diremos que “temos algo” só na medida em que mantenhamos viva a sua presença, vendo-o de novo uma e outra vez, contemplando, pensando nele, recordando-o. De nenhuma outra maneira nos é dada nossa verdadeira riqueza, o que verdadeiramente possuímos na vida. (PIEPER. in LAUAND, 1987, p.71).

O conhecimento é a assimilação que o ser cognoscente faz do mundo

objetivo, chegando ser esse mundo o próprio ser do sujeito. O cognoscente

possui, de modo intencional, a forma dos objetos conhecidos e, no caso do sujeito

espiritual, de forma profunda e sem fronteiras. Para Pieper, a verdadeira Filosofia

se apóia na crença de que a riqueza própria do homem está em que sejamos

capazes de ver aquilo que é, a totalidade daquilo que é (in LAUAND,1987, p.72).

Para o autor, o mundo do trabalho torna-se desumano, ao negar tudo

que não se submete ao principio de utilidade, estendendo seus tentáculos até

mesmo à existência espiritual do homem.

Um mundo no qual a filosofia terá de morrer, ou melhor, morreria, se

fosse possível aniquilar totalmente a natureza humana. O lazer, como atividade

receptiva, de imersão contemplativa do ser, deveria ocorrer, não para repor

forças, mas para o homem continuar sendo homem, capaz de contemplar o

mundo como totalidade. Ao exclusivismo do trabalho como esforço, o lazer

contrapõe a contemplação. Se não há amor e sintonia de aprovação ao mundo,

não há festa nem arte. É claro que o invisível da festa - o louvor de culto que brota

do mais intimo - só pode adquirir forma concreta no âmbito das artes e de

nenhum outro modo (LAUAND, 1987, p.76).

Conforme Pieper, as formações, acadêmica e filosófica têm as mesmas

características

Falar do lugar e do direito da Filosofia é, ao mesmo tempo, falar, nada mais, nada menos, que do lugar e do direito da Universidade, da formação acadêmica, e da formação em geral no sentido próprio da palavra, a saber, naquele sentido pelo qual, por princípio, a formação se distingue da simples instrução profissionalizante e a ultrapassa (In LAUAND, 1987, p. 77).

Segundo o autor, o ideal do espírito acadêmico teve início na Academia

de Platão, o que explica o nome de nossas atuais instituições de ensino superior:

acadêmica.

Para Lauand, a Universidade deve realizar em termos institucionais o

anseio fundamental da natureza humana, como um modelo atemporal. Uma

formação não baseada na filosofia, não perpassada de Filosofia, não pode ser

chamada de acadêmica. (2007, p.78).

A Universidade, para legitimar-se, deve proporcionar de modo filosófico

a formação de profissionais.

O caráter acadêmico é constituído unicamente pelo fato de todas as ciências, também as ciências particulares, precisamente estas, serem tratadas de maneira acadêmica, o que significa de maneira filosófica (PIEPER, in LAUAND,1987, p.79).

Para Lauand, a crescente descaracterização sofrida pela perda da

Identidade da Universidade pode ser compreendida à luz desse critério.

Indústrias, empresas, bancos e outras instituições oferecem cursos

com finalidades meramente práticas, superando a universidade, por sua

adequada infraestrutura e amplos e modernos recursos. Como ver a universidade,

nesse contexto?

O que distingue (um estudo especializado qualquer, realizado à maneira filosófica) é, antes de tudo, a ausência de vínculos que o liguem a qualquer fim utilitário. Essa é a verdadeira liberdade acadêmica; essa liberdade é, per definitionem, destruída no momento em que as ciências se tornam um simples disfarce utilitário para qualquer espécie de poder (PIEPER in LAUAND, 1987, p. 79).

A proposta de educação não pode referir-se apenas a um elenco de

disciplinas, mas somente ao saber, procurando estabelecer a conexão entre

verdade, conhecimento e liberdade.

As ciências podem ser tratadas filosoficamente, uma vez que, por sua

natureza, exigem liberdade, são teoréticas, não práticas.

A teoria é o ato da existência do homem que busca o entendimento da

realidade, ouvindo, observando, filosofando. A Ciência, por seu caráter

experimental, pergunta, interroga o mundo, o qual é multifacetado, fixando-se

naquilo que lhe interessa.

Pedagogia das Artes liberais é o caráter teorético da filosofia aplicado à

universidade, ao tratamento de cada disciplina, sobretudo às artes liberais, que se

dirigem somente ao saber e não à utilidade prática.

Dentro da pesquisa científica, que não é na realidade algo abstrato (“a Ciência”), mas feita por homens vivos, ocorre freqüentemente um escondido filosofar. Esta característica oculta, geralmente mais pressentida do que palpável, parece-me ser precisamente o que a Ciência tem de propriamente acadêmico: que na moeda de prata do falar da Ciência se encontre a liga de ouro do silêncio filosófico. (PIEPER apud LAUAND,1987, p. 82).

O espírito das Artes Liberais leva à pesquisa, ao estudo, à docência de

modo filosófico. Professor e aluno voltam-se para o particular aspecto de uma

disciplina, ou especialidade, sem se enclausurarem, deixando abertura para

reflexões e diálogo sobre o todo do real. Os grandes mestres, com as virtudes do

genuíno professor universitário, realizam discussões de assuntos com abertura à

totalidade, á maneira filosófica de tratamento, como na Academia de Platão, como

afirma Pieper:

O que caracteriza o verdadeiro professor universitário é a capacidade de participar desse diálogo (desse diálogo polifônico e aberto). Para além de toda qualificação cientifica, ele deve ser capaz de reconhecer que os resultados particulares de seu próprio trabalho podem servir a uma consideração global do todo. Sem sucumbir ao diletantismo sempre pronto a fazer generalização gratuita, deve aprender a arte de colocar seu próprio saber a serviço de um colóquio de caráter filosófico (apud LAUAND,1987, p. 84).

O excesso de especializações que visa á utilidade prática destrói o

espírito acadêmico. A liberdade acadêmica está na inexistência de vínculos com

qualquer fim utilitário, ocupando-se da verdade e de mais nada, o que só é

possível, se houver na sociedade um setor livre onde se possa discutir a fundo e

imparcialmente todo e qualquer interesse coletivo e privado. A liberdade, na

acepção das artes liberais, possibilita ao estudante ele mesmo planejar seus

estudos.

Perde-se a liberdade acadêmica, na medida em que as aspirações

totalitárias do mundo do trabalho conquistam o âmbito da Universidade (PIEPER,

apud LAUAND, 1987, p. 87).

A liberdade e o direito de filosofar radicam-se no caráter criado da

pessoa humana, garantindo um setor livre do utilitarismo do mundo do trabalho e

da astúcia política.

Lauand propõe três princípios para orientar as atividades da

Universidade:

1. O bem do homem consiste em ver as coisas, na medida do possível, tais como são, e viver e agir a partir da verdade assim captada.

2. O homem se alimenta da verdade: a existência é tanto mais rica quanto mais amplo e profundo é o mundo que o ilumina e lhe é acessível.

3. O lugar natural é o diálogo entre os homens; a linguagem não deve dificultar o acesso à realidade nem desfigurá-la. (1987. p.90).

Para Lauand, a simplificação partidarista, o radicalismo ideológico, a

afetividade cega, o culto da forma e a terminologia arbitrária atentam contra a

Universidade.

De acordo com o autor a Filosofia que busca a utilidade prática nos

torna senhores da natureza, acreditando ser o pensamento uma ferramenta na

indústria intelectual e que o fim último de todo conhecimento é a satisfação das

necessidades da humanidade.

A abertura para o todo integra a essência do homem e da

Universidade. As grandes experiências que o homem tem da realidade e de si

mesmo recolhem-se nas grandes instituições, como as Universidades.

A tarefa do filósofo que pergunta pelo ser da Universidade é penetrar a

realidade, procurar a essência do que é acadêmico, captar as grandes

experiências que se fundiram na instituição universitária e que se tornaram mais

ou menos invisíveis.

Se se trata, por exemplo, do problema da liberdade humana, em lugar de estudar simplesmente sob seus aspectos psicológicos, jurídicos, é necessário (para quem filosofa) que se considere ‘em si mesma’ de todo ponto de vista pensável (PIEPER, apud LAUAND,1987, p. 95).

Para Lauand, o filosofar é a afirmação de Universidade, que expressa a

própria natureza do espírito humano, a totalidade do ser, a universalidade das

coisas, Deus e o mundo. Já o pensar cientificamente é considerar o objeto sob

um aspecto particular, dentro dos limites de cada ciência.

Discutir sobre o ser e os fins da Educação é discutir sobre a verdadeira

riqueza do homem, ou seja, aquilo que por natureza o homem está chamado a

ser, como expõe Lauand:

A alma espiritual está essencialmente disposta a ‘convenire cum omni ente’ [...] o espiritual é capaz de apreender a totalidade do real.’. E “ser capaz de conhecimento espiritual quer dizer: viver diante e em meio à realidade total. O Espírito, e só ele, é capax universi. (1987, p.98).

De acordo com Lauand, a natureza do ser é uma afirmação

antropológica que está além dos limites da experiência material, é cognoscível,

porque contém em si uma semelhança do ente com o outro. O verum (verdadeiro,

cognoscível) se distingue de aliquid (algo), que também expressa relação, mas

somente de delimitação externa de um ente com respeito a outro.

A inteligência humana tem um potencial de conhecimento que abarca a

totalidade do real:

Toda coisa é cognoscível na medida em que tem ser. Por isso se diz

que a alma é, de certo modo, tudo. (PIEPER, apud LAUAND, 1987, p.102).

Para Pieper, a expressão “todo ente é verdadeiro” deve ser

compreendida como expressão do caráter criador e de sua condição de criatura.

Por isso as coisas são reais: porque são pensadas; deve-se dizer ainda mais precisamente: por que são pensadas. Dado que cada coisa tem um conteúdo conceptual, uma essência, isso pressupõe um pensamento criador. (LAUAND, 1987, p.100)

[...]

De uma inteligência criadora divina, depende a natureza humana. Verdadeiro é o real enquanto se conforma ao projeto do conhecimento divino (PIEPER, apud LAUAND,1987, p.101).

[...]

O Ocidente sempre entendeu, e até mesmo definiu, a potência de conhecimento espiritual como a capacidade de se pôr em relação com a totalidade das coisas existentes. (Id, Ibid. p. 103).

Para Pieper, é característica do espírito a abertura para a totalidade e

interioridade:

Quanto mais abrangente é a capacidade de relacionar-se com o mundo do ser objetivo, tanto mais profundamente essa capacidade se encontra ancorada no interior do sujeito. E onde está presente o grau mais elevado de “amplidão do mundo”, isto é, orientação para a totalidade, aí se realiza também o grau mais elevado de concentração em si mesmo, que é próprio do espírito. Duas coisas, portanto, constituem a essência do espírito: a capacidade de relação com a totalidade do mundo e da realidade, e uma possibilidade extrema de centrar-se em si mesmo, de autonomia, de independência. (apud LAUAND, 1987, p. 104)

O espírito humano, ao filosofar, realiza sua potencialidade de

relacionar-se com tudo, sua grande experiência, grande experiência, que deve ser

a preocupação da universidade, como explica Pieper:

A reivindicação de ser, no sentido apontado, um “ensino superior”, um lugar de cultura, um lugar onde se efetua a formação, também ela, só se legitima na medida em que se dê a confrontação com o todo do real, o que permite ao espírito realizar suas virtualidades últimas (apud LAUAND,1987, p. 104).

O filosofar não cessa de colocar questões que jamais poderão receber

respostas definitivas. Já a ciência procura esclarecer o que é desconhecido e sua

aplicação prática.

No filosofar, não se trata de descobrir uma realidade nova, mas ver

mais claramente o que já se sabia pelo conhecimento comum. E a apreensão

intuitiva do objeto em si mesmo requer que se saiba escutar em silêncio, com

receptividade ao todo e ao mundo.

Pieper considera que, para a captação da realidade, há necessidade

do silêncio interior, um silêncio não passivo, não indiferente e que não recuse

ouvir a verdade, assumir a própria condição de ente espiritual. (apud LAUAND,

1987, p.107).

O silêncio visa ouvir e captar o ser das coisas, que não são mudas,

mas procedem da palavra criadora e trazem uma mensagem de mil vozes àquele

que ouve calado. Mensagem cuja percepção traz em si a verdadeira riqueza do

homem. (LAUAND, 1987, p.107). O silêncio reflete a ansiedade pelo

conhecimento da verdade, a partir da máxima de Pascal:

Se não vos preocupais em saber a verdade, tende suficiente verdade para viver em paz. Mas, se desejais de todo o coração conhecê-la, então, isso não basta. (PIEPER, in LAUAND, p.108).

Para Lauand, o filosofar surge com a admiração, da admiração nasce a

questão filosófica, que se volta para realidade cotidiana, de um modo não-

cotidiano.

Perceber no comum e no diário aquilo que é incomum e não-diário, o mirandum (o que suscita admiração) eis o princípio do filosofar. Nesse ponto, como dizem Aristóteles e S. Tomás, o ato de filosofar se assemelha ao ato poético; tanto o filósofo como o poeta se ocupam do maravilhoso, daquilo que suscita e inflama a admiração (PIEPER, apud LAUAND,1987, p.109).

Para Pieper, a filosofia e a poesia têm muito em comum, por

transcenderem o mundo do trabalho ou por terem seu princípio na admiração,

porém, a filosofia não busca fazer presente algo mediante figuração sensível

(som, ritmo, figura), mas apreender a realidade em conceitos que não falam à

imaginação (apud LAUAND,1987, p. 110).

Assim, o filosofar assemelha-se mais ao poético e misterioso do que as

ciências exatas.

o sentido da admiração é a experiência de que o mundo é mais profundo, mais amplo e mais misterioso do que pode parecer ao conhecimento comum. A admiração aponta para a plenitude de sentido do mistério. A admiração aponta não para o suscitar da dúvida, mas para o estímulo do reconhecimento de que o ser como ser é inconcebível e misterioso, de que o próprio ser é um mistério (PIEPER, in LAUAND,1987, p. 110).

Segundo Lauand, é no excesso de luz que reside o sentido do mistério

do ser criado e pensado por Deus.

O ser real das coisas é precisamente sua luz, “uma coisa tem tanta luz como realidade”; estas são duas frases de S. Tomás [...] com um profundo sentido. Pela procedência do logos é que as coisas são cognoscíveis para o homem. Mas precisamente por isso refletem uma luz infinita e, por conseguinte, são-nos inabarcáveis. (PIEPER, in LAUAND, 1987, p. 112)

A cognoscibilidade das coisas é inesgotável, o que torna o filosofar

uma estrutura de esperança, sempre à procura, sem respostas definitivas, não

sendo sequer capaz de abarcar em sua totalidade a essência de um mosquito

(LAUAND,1987,p.113).

Segundo Lauand, na atualidade declara-se exacerbadamente um

pensamento no qual só se reconhece como verdadeiro aquilo que pode ser

comparado cientificamente. Considerando o momento atual, torna-se de extrema

importância a distinção entre a forma de a filosofia e a ciência se relacionarem

com seu objeto. A filosofia busca o ser ‘em si e em suas últimas razões’, a ciência

busca respostas definitivas ou passíveis de definição.

Para Lauand, cientificismo é uma posição filosófica (e não científica)

que julga ser válido apenas o conhecimento científico, porque pode expressar-se

em enunciados protocolares. Platão, Aristóteles, Tomás e outros entendem que o

mistério está sempre presente e, pela própria natureza das coisas, homem algum

dará resposta cabal e clara à pergunta sobre o ser. (1987, p.115).

Segundo Lauand, para o cientificismo, “apenas o possível de ser

medido pode ser ensinado”, o que é incompatível com uma Filosofia de Educação

crítica.

A Ciência visa à aplicação prática, mas cabe à Filosofia perceber a

diferença entre o bom e o mau uso dos conhecimentos científicos.

Desse modo, quando falamos em “bom” deste ou daquele particular ponto de vista, devemos lembrar-nos de que se trata de um “bom” relativo e que, estritamente falando, bom é somente o que se conforma com o homem visto enquanto totalidade de seu ser pessoal (PIEPER, apud LAUAND,1987, p. 117).

Para Lauand, a miopia cientificista pode levar a absurdos e exageros,

como alguns físicos que consideravam fascinante a possibilidade de construir a

bomba atômica: “Uma mera tarefa de desenvolvimento da ciência” . Outros,

diante de fotografias de homens queimados pela sua bomba, afirmavam estar

dispostos a retomar o trabalho a qualquer momento.

Estamos hipertrofiando aspectos parciais e deixando de ver o

essencial, inacessível à ciência, denuncia Pieper:

A admiração comporta um aspecto negativo e outro positivo. O aspecto negativo consiste em que aquele que admira não sabe, não compreende; não conhece o que está “por trás” ou, como diz Santo Tomás, “ a causa daquilo que admiramos nos é desconhecida” [...] Portanto, quem admira não sabe, ou não sabe perfeitamente. (apud LAUAND,1987, p.119).

Quem pode dizer que sabe plenamente em si e em suas últimas razões

o que é o homem, o amor, ou o “ter”? (LAUAND, 1987, p.119).

Segundo Lauand, para a filosofia, não se chega à plenitude do

conhecimento, não há respostas precisas e definitivas, não pode ser um sistema,

o que seria uma postura antifilosófica e pseudofilosofia por desejar possuir a

fórmula do mundo. O filosofar e o homem são “estar a caminho”, “esperança”, o

“ainda não” (LAUAND, 1987, p.119).

O objetivo da educação filosófica é preparar o espírito para a discussão

de questões que dizem respeito ao “homem em si”, com abertura para o todo,

como o fazia a Universidade medieval. O diálogo, o colóquio, a disputatio

dependem do espírito das pessoas que dão existência à Universidade.

É necessário, pois, que os estudantes, por mais que se limitem a um aspecto parcialmente formulado da realidade (aliás, pela sua própria disciplina científica), individualmente sejam postos em condições, sejam estimulados, continuamente provocados, compelidos pelo próprio espírito da instituição, a olhar, de modo pessoal, o todo do mundo e da existência. (PIEPER, apud LAUAND, 1987, p.121).

A capacidade e o preparo para organizar e participar desses debates

caracterizam o genuíno professor universitário. Um preparo que vai além da

competência científica, que considera que os resultados particulares do próprio

trabalho de pesquisa são aptos à consideração global. Que sabe compreender e

dialogar filosoficamente sobre sua especialidade. Considerar o todo nada tem a

ver com o empenho para conseguir adeptos, mas é uma atitude do professor

como homem, não do ponto de vista administrativo.

O Filosofar e o Educar têm como objetivos as atitudes humanas, que

nenhuma metodologia pode abarcar.

Aqui (na atitude do autêntico professor) situa-se algo que escapa totalmente ao âmbito “metodológico” da “didática”, da habilidade pedagógica ou, antes, aqui liga-se o que se pode adquirir metodicamente e disciplinadamente, a arte pedagógica, como algo muito profundo e que propriamente não se pode aprender. (idem, p.122).

Para Lauand, não se pode filosofar “em abstrato’” e, quando se trata de

refletir sobre atitudes humanas, como a do professor, não se separam as

discussões filosóficas do personagem concreto.

Como diz Tomás,

ensinar é uma das formas mais elevadas e perfeitas da vida espiritual, pois no ensino se enlaçam as duas formas fundamentais da existência humana: a vita contemplativa e a vita activa (apud LAUAND,1987, p.122)

Para Pieper, a aptidão de abrir-se para a verdade das coisas, ouvir

silenciosamente a realidade e, com simplicitas, abrir-se para o todo e reconhecer

o mistério do ser são as características contemplativas do mestre.

A formação se dirige ao todo: culto e formado é aquele que sabe o que acontece com o mundo em sua totalidade. A formação atinge o homem todo em quanto e capax universi, enquanto é capaz de aprender a totalidade das coisas que são. (In Lauand, 1987, p.123).

A capacidade de admirar não é só característica do aluno, que medita

pela primeira vez sobre um tema, mas também do professor. Na relação

professor-aluno, cada um se apropria do que, em princípio, era só do outro.

O professor, além do domínio de “técnicas didáticas”, deve ser capaz de

posicionar-se com os principiantes. É justamente isso o que caracteriza o

professor: que ele se esforça e consegue e sai-se bem na tarefa de não só falar e

formular, mas pensar a partir da situação do primeiro encontro. (LAUAND, 1987,

p.124).

A simplicidade e a capacidade de admirar a realidade que o professor

adquire no contato com o aluno transformam-se em comunicação.

O mistério está no amor, o qual torna o mestre apto a reunir toda a sua

experiência a uma amorosa identificação com os que começam. (PIEPER, apud

LAUAND, 1987, p. 124).

A proximidade entre “amor” e “ser igual” expressa na mesma palavra traz à luz um componente que a princípio nos era mais ou menos oculto, mas que depois não nos surpreende e de que até já tínhamos suspeitado e quase mesmo sabido com clareza: que o amor inclui sempre um recíproco voltar-se entre amante e amado e repousa sobre esse voltar-se. (Pieper, apud Lauand, 1987, p. 124).

A Formação Humana, em Pieper, é um processo de autorrealização,

que, nem caótico, nem aleatório, volta-se para descoberta de uma realidade

objetiva.

Segundo Lauand, o espírito acadêmico é ‘anti-sofistico’. Na sofistica

ocorre a dúvida, não a admiração, a crítica, não o respeito, o fim prático, não a

contemplação, a sedução, não a simplicitas. (1987, p.126).

Nos Diálogos, Platão apresenta o relativista Protágoras (o homem é a

medida de todas as coisas); o erudito Hipias; o pródigo, o ”desmistificador” de

tudo que é digno de respeito e Gorgias, o requintado niilista.

O que há de comum a todas essas formas particulares de sofistica é exatamente o que as separa daquele esforço, permanente através do tempo, de conhecer com base na realidade e ser, esforço este que tem como grandes testemunhas Sócrates e Platão. (idem p. 127).

Pieper (in Lauand,1987) indica algumas características sofisticas:

1. Primor formal do discurso: “Quem procura analogias atuais para os fenômenos sofistas terá que fazê-lo entre os representantes modernos”.

2. Propostas de idéias novas, avançadas, não significando que todas as idéias novas sejam necessariamente sofísticas.

3. O sucesso, significando virtude e programa de vida, anunciado por Protágoras, um programa interessante na época moderna, em que utilidade e eficiência são consideradas os valores máximos.

Para Lauand, (1987), é no silêncio que o homem, voltando-se para a

verdade como ouvinte, recebe sua medida da realidade do mundo e realiza sua

própria riqueza espiritual. Para o sofista, não existe “tradição sagrada”, oriunda de

uma fonte acima do homem, preferindo o esquecimento da sabedoria, a favor de

uma liberdade vazia, considerando a forma mais importante que o conteúdo.

O sofista não percebe que essa dupla negação o leva a servir às forças

totalitárias. Quem nega a verdade objetiva (real) torna possível e até mesmo

inevitável a submissão aos fins arbitrários da práxis. (LAUAND,1987 , 128).

Assim, a realidade cede seu lugar à forma com a consequente

corrupção do caráter comunicativo, no qual o determinante passa a ser o

convencimento, instrumento de muitas formas de poder. A retórica sofistica e as

erudições desvinculadas da realidade causam essa dupla corrupção de palavras.

A sofística deforma o sentido acadêmico no que tem de mais intimo: a

atitude de respeito na formação, na pesquisa e no ensino. Se o mundo é criação,

a realidade não é mera matéria-prima para a ação pragmática, porém, objeto de

reverência.

Sempre que o elemento “crítico” se torna tão determinante que praticamente torna impossível a atitude reverencial, aí se dá também a forma mais extrema de sofistica anti-acadêmica, que destrói o núcleo do que é acadêmico, apesar de uma perfeição formal talvez extrema. Por critica não entendemos aqui a integridade do pensamento apoiado em evidência, mas aquela presunçosa auto-suficiência que se fecha intransigentemente [...] Mas por que a reverência é a atitude mais profunda do espírito acadêmico, e por que se fere a substância desse espírito quando se abandona essa atitude? Porque sem reverência a teoria num sentido pleno (isto é, a recepção silenciosa da realidade, atitude que se encontra por excelência no ato filosófico, que, por sua vez, constitui a essência da atividade acadêmica) se torna irrealizável. (PIEPER, apud LAUAND, 1987, p.129).

Considerações finais

A pesquisa teve como objetivo estudar concepções de homem,

humanismo e universidade, compreender a relação professor-aluno e investigar

um caminho para humanizar a formação do professor e facilitar a inclusão, a partir

da pergunta: Como os professores podem contribuir para uma formação humana

dos alunos?

Partimos da hipótese de que, em uma formação humanista, os alunos

seriam considerados pessoas pelos professores e isso poderia contribuir muito

para sua formação humana.

A pesquisa bibliográfica, a partir de autores humanistas, possibilitou

compreender que o homem é um ser que não vive sozinho, mas precisa do outro

para sobreviver, concepção em que se baseava minha prática.

Portanto, essa visão de homem na perspectiva humanista, como ser de relações,

é fundamental para se estabelecer e ou melhorar as relações professor-aluno e é

um indicativo para a efetivação de políticas de inclusão.

Teorizar a prática possibilitou-me disseminar esse novo conhecimento

para os professores e aos meus alunos. Disciplinas, como a Antropologia

Filosófica, possibilitariam o conhecimento de si mesmo, conhecer-se como um ser

constituído de corpo e alma, uma totalidade, aberto às outras totalidades

(pessoa), um ser de relação, que pelo amor busca relacionar-se com o outro com

o desejo de ajudar na sua sobrevivência e no seu viver bem. Um ser portador dos

atributos inteligência e liberdade, capaz de conhecer, decidir, responsabilizar-se e

mudar sua maneira de agir.

O estudo e reflexão sobre o ser do homem revelaram-no como pessoa,

dotado de corpo e alma, capaz de ver o que existe, a totalidade do que existe,

exercer sua liberdade e responsabilizar-se. Uma visão de homem classificada

como humanista.

O humanismo, tendo como base a filosofia e a religião, coloca em

evidência e como centro das preocupações o homem, retomando e

desenvolvendo ideias e conceitos de virtude e moral. Conforme Píndaro, torna-te

o que és é a grande vocação do homem que não está desaparecida, mas

esquecida, e deve ser trazida à tona. Essa a tarefa da educação: levar o ser

humano - de maneira amorosa - a tomar consciência de suas potencialidades e

desenvolvê-las pela autoeducação.

No humanismo, o homem é corpo e espírito, uma totalidade, que lhe

possibilita a abertura para o todo, como defende a filosofia e o filosofar.

A conexão entre humanismo e filosofia remete necessariamente à

universidade, por ser nessa instituição que se realiza o espírito do filosofar.

Formação acadêmica é o mesmo que formação filosófica, significando

que todas as ciências devem ser tratadas de forma filosófica. O que caracteriza o

genuíno professor é saber compreender e dialogar filosoficamente sobre sua

especialidade, levando o aluno a perceber que o universo está inter-relacionado,

que relação é o fundamento da vida, e que ele, como parte integrante do

universo, não pode ser diferente.

Consciente de que só o homem é capaz de saber e desejar essa

relação age para criar uma unidade, como meta não somente do homem, mas do

universo inteiro.

Para criação do novo homem, a chave é o encontro, o reconhecimento

do outro como ser igual, digno de respeito e capaz de relacionar-se com o mundo

das coisas e do homem. Considerar as pessoas como um âmbito maior do que o

corpo físico, com sentimentos, crenças, histórias e religião, é criar um campo de

realidade que os olhos não vêem, mas a mente sim.

Assim, é possível realizar experiências reversíveis, com dupla direção,

relações e influências mútuas, estruturadas em ações livres.

O encontro possibilita enriquecimento mútuo, partilhando com o outro,

possibilidades, projetos e a própria pessoa. Um campo de liberdade comum.

Para um autêntico encontro, é preciso generosidade, para se abrir ao

outro, autenticidade, para conquistar a confiança, abertura total e verdadeira, para

que haja comunicação, fidelidade autêntica e paciência, para ajustar-se aos

ritmos naturais, cordialidade, para compartilhar valores elevados, olhar e dedicar-

se a algo valioso.

Embora fundamental para a educação, parece que a visão humanista

ainda engatinha em nosso tempo e meio. Outros estudos poderão apontar

caminhos, aprofundar a discussão e demonstrar que sem Filosofia e sem filosofar

o homem pode perder a consciência de si e deixar-se levar apenas pelo lado

utilitário e superficial da vida. Provavelmente, muitas outras considerações

poderiam ser feitas. Todavia, atenho-me a estas, dada minha situação de

pesquisadora em formação.

Referências

COVELLO, Sérgio Carlos. Comenius – A Construção da Pedagogia. 3 ed. São Paulo, SP. Editora Comenius, 1999.

GILES, T. R. Filosofia da Educação. São Paulo: Ed. EPU. 1983.

INCONTRI, Dora. Pedagogia Espírita – Um Projeto Brasileiro e suas Raízes. Bragança Paulista, SP. Ed. Comenius, 2004.

LAUAND, J. A virtude como excelência e auto-realização: Ocidente e Oriente - Educação para a Excelência. Notandum Libro n. 14. São Paulo, 2010. Disponível em: http://www.hottopos.com/notand_lib_14/notandumlibro14.pdf. Acesso em: 10 de jul de 2010

__________.Filosofia, Linguagem, Arte e Educação – 20 Conferências sobre Tomás de Aquino. São Paulo. Ed. Factash. 2007.

_________. Fingir para Germinar: Educação e Antropologia-I. Revista Internacional d’Humanitats, 20 set-dez 2010. CEMOrOc-Feusp / Univ. Autònoma de Barcelona. Disponível em: http://www.hottopos.com/rih20/jean.pdf. Acesso em: 14 de jun. de 2010.

__________. O que é uma Universidade? - Introdução à Filosofia da Educação. São Paulo: Ed. Perspectiva.1987.

__________. Ratio, Natura, Ordo... Sentenças de Tomás de Aquino. Disponível em: http://www.hottopos.com/notand13/jean.htm. Acesso em: 02 de abr de 2010.

LÓPEZ QUINTÁS, A. L., LAUAND, J., PIEPER, J., MARIAS, J., LAUAND, João

Sérgio (orgs.). Antropologia e Ética 1 - Conferências. São Paulo: Ed. Factash. 2009a.

__________. Antropologia e Ética 2 - Conferências. São Paulo: Ed. Factash. 2009b.

MACHADO, E. V. Algumas condições do discurso acadêmico para que se leve em conta o tema da inclusão. In LAUAND, J.(org.). Filosofia e Educação. Estudos 16. São Paulo: Factash editora, 2009, p. 17-31.

MACHADO, E. V., SILVA, D. P. M. Formação de Sujeito para Inclusão nas Universidades: Direitos Humanos. Notandum 20 mai-ago 2009 CEMOrOC-Feusp/ IJI- Universidade do Porto. Disponível em: http://www.hottopos.com/notand20/edileine.pdf. Acesso em: 29 de out. 2009.

MACHADO, E.V. Humanizar a Educação para Incluir. Contribuições de Josef Pieper para a Formação de Professores. Internacional Studies on Law and Education de 6 de jul-dez 2010 CEMOrOC-Feusp/ IJI- Universidade do Porto.

Disponível em: http://www.hottopos.com/novidades. Acesso em: 16 de jul de 2010.

PIEPER, J. Que é Filosofar? São Paulo. Ed. Loyola. 2007.

QUEIROZ, A. Jacques Maritain e o Humanismo Integral. Pesquisa Psicológica, Maceió, ano 3, n. 2, jan./jun. de 2010. Disponível em: http://www.pesquisapsicologica.pro.br>. Acesso em: 25 de jun de 2010.

SILVA, J. M. A Universidade no Brasil, hoje - considerações sobre elitismo, democratização, ensino, pesquisa e gestão organizacional, à luz da experiência cristã. Revista Internacional d´Humanitats. 16 mai-ago 2009 CEMOrOc-Feusp / Univ. Autônoma de Barcelona. Disponível em: http://www.hottopos.com/rih16. Acesso em 16 abr, 2010.

SILVA, J. M. Autonomia da Escola Pública - A re-humanização da escola. 9ª. Ed. São Paulo: Editora Papirus. 1996.

_________. A Unidade como Critério de Conhecimento e Ação. Notandum, p. 1. v. 27 20 mai/ago 2009.Universidade do Porto, Porto. Disponível em: http://www.hottopos.com/notand20/jair.pdf. Acesso em: 05 de fev. 2010.

SILVA, J. M. A Unidade como Critério de Conhecimento e Ação. Notandum 20 mai-ago 2009 CEMOrOC-Feusp / IJI-Universidade do Porto. Disponível em: http://www.hottopos.com/notand20/jair.pdf. Acesso em: 16 de jan. de 2010.

SILVA, D. P. M. A educação e o ensino: algumas reflexões a partir do texto constitucional de 1988. Educação para a Excelência. Notandum Libro n 14. São Paulo, 2010. Disponível em: http://www.hottopos.com/notand_lib_14/notandumlibro14.pdf. Acesso em: 10 de jul de 2010.

SILVA, J. M. A construção de uma nova civilização fundada na excelência. Educação para a Excelência. Notandum Libro n 14. São Paulo, 2010. Disponível em: http://www.hottopos.com/notand_lib_14/notandumlibro14.pdf. Acesso em: 13 de jul de 2010.

________. Educação para a Dignidade Humana: A Contribuição de Paulo Freire na Atuação do Centro Sócio Educacional Sanitário Madonnina Del Grappa. Eccos – Revista Científica, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 183 – 198, jan – jun. 2007. Disponível em: http://portal.uninove.br/marketing/cope/pdfs_revistas/eccos/eccos_v9n1/eccos_v9n1_2j22.pdf. Acesso em: 22 de nov. de 2010.

________. A Unidade como Critério de Conhecimento e Ação. Notandum 20 mai- ago 2009 CEMOrOC-Feusp / IJI - Universidade do Porto. Disponível em: http://www.hottopos.com/notand20/jair.pdf. Acesso em: 14 de jun de 2010.

_________. Emergência educativa. Internacional Studies on Law and Education de 6 de jul-dez 2010 CEMOrOC- Feusp/ IJI - Universidade do Porto. Disponível em: http://www.hottopos.com/novidades Acesso em: 16 de jul de 2010.

SILVA, J. M. Responsabilidade Social do Ensino Superior. Revista de Educação CEAP – Ano XI – n. 42 – Salvador, set-nov/ 2003.

__________. A consideração da dignidade humana como critério de formulação de políticas públicas. Em M. C. Marcílio; L. Pussoli (eds.). Cultura dos direitos humanos. São Paulo: LTr, 1998, p.194-198.

__________. A Universidade no Brasil, hoje – considerações sobre elitismo, democratização, ensino, pesquisa e gestão organizacional, à luz da experiência cristã. Revista Internacional d´Humanitats – Ano XII, n. 16 – mai. – ago. 2009.