IMPLANTAÇÃO DE PROCESSO ELETRÔNICO NO SISTEMA JUDICIÁRIO - UM ESTUDO SOBRE APRENDIZAGEM...

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    REAd | Porto AlegreEdio 81 - N 2maio/agosto 2015p. 462-490

    IMPLANTAO DE PROCESSO ELETRNICO NO SISTEMA JUDICIRIO: UM

    ESTUDO SOBRE APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL EM UMA SECRETARIA

    DE GESTO DE PESSOAS

    Caroline Bastos [email protected]

    Ana Cludia de Souza [email protected]

    Universidade Federal de Cincias da Sade de Porto Alegre - Porto Alegre, RS / Brasil

    http://dx.doi.org/10.1590/1413-2311.0592014.53649

    Recebido em 15/10/2014Aprovado em 16/07/2015Disponibilizado em 01/08/2015Avaliado pelo sistema "double blind review"Revista Eletrnica de AdministraoEditor: Lus Felipe NascimentoISSN 1413-2311 (verso "on line")Editada pela Escola de Administrao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.Periodicidade: QuadrimestralSistema requerido: Adobe Acrobat Reader.

    RESUMO

    A recente virtualizao dos processos fsicos no sistema judicirio brasileiro permitiumaior eficincia e celeridade em suas tramitaes; entretanto transformaes significativasforam desencadeadas nos modos de estruturao laboral dos servidores pblicos que atuamnesta rea. O objetivo deste estudo foi investigar a aprendizagem organizacional nestasituao de mudana crtica no processo de trabalho, luz da perspectiva sociolgica proposta

    por Giddens (2009). Para tanto, as aes desenvolvidas pelos servidores-agentes de umaSecretaria de Gesto de Pessoas de um Tribunal Regional Federal foram analisadas a partir daTeoria da Estruturao e dos conceitos centrais de agncia e dualidade da estrutura. Alm

    disso, buscou-se fazer aproximaes entre as proposies de Giddens (2009) e as reflexespoltico filosficas de Hannah Arendt (2010; 2012) tendo em vista a dialtica das relaes depoder observadas na prtica.

    Palavraschave: aprendizagem organizacional, relaes de poder, agncia, dualidade daestrutura.

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    IMPLEMENTATION OF COMPUTER-BASED TECHNOLOGY IN THE

    BRAZILIAN JUDICIAL BRANCH: A STUDY ON ORGANIZATIONAL LEARNING

    IN A DEPARTMENT OF PERSONNEL MANAGEMENT

    ABSTRACT

    The recent and new information platform of the judicial branch fostered grater efficient andspeed in court proceedings. However, it triggered significant changes across the functionalstructure and the working practices of the directly-involved agents. This study aims toinvestigate the organizational learning in this critical situation of change in the work processregarding the virtualization of the Brazilian court proceedings by sociological approach ofGiddens (2009). For this purpose, the actions carried out by employees-agents of a departmentof personnel management of a Brazilian Federal Regional Court (TRF) were analyzed fromthe Giddens Theory of Structurationand its main concepts, such as agency and duality of

    structure. Besides, in order to problematize the complexity of these processes, we attemptedto make approximations between Giddens propositions (2009) and the political and

    philosophical reflections of Hannah Arendt (2010; 2012) as regards of the dialectics of powerrelations identified in their practices.

    Keywords:organizational learning, relations of power, agency, duality of structure.

    IMPLEMENTACIN DEL PROCESO ELECTRNICO EN EL SISTEMA

    JUDICIAL: UN ESTUDIO DE APRENDIZAJE ORGANIZACIONAL EN UNA

    DIRECCIN DE GESTIN DE PERSONAS.

    RESUMEN

    La reciente implantacin del sistemade informacin en el poder judicial permitiuna mayor eficiencia y velocidad de los procedimientos judiciales. Sin embargo est aprovocar cambios significativos en toda su estructura funcional y en los modos deestructuracin del trabajo de los agentes directamente implicados. Se objetiv con este estudiola investigacin del proceso de aprendizaje organizacional en una crtica situacin de cambioen las actividades laborales por la virtualizacin de los procedimientos judiciales; desde la

    perspectiva sociolgica de Giddens (2009). A partir de las evidencias obtenidas, sondiscutidas las acciones desarrolladas por los funcionarios de la Secretaria de Gestin dePersonas en una Corte Federal de Justicia en Brasil por medio de la Teora da Estructuraciny sus constructos de dualidad de la estructura y agencia. Adems, para poner en evidencia lacomplejidad de este fenmeno, hemos tratado de establecer vnculos entre las proposicionesde Giddens (2009) y las reflexiones poltico-filosficas de Hannah Arendt (2010, 2012) conrespecto a la dialctica de las relaciones de poder que fueron identificadas en la prctica.

    Palabras clave: aprendizaje organizacional, relaciones de poder, agencia, dualidad de laestructura.

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    INTRODUO

    A implantao do processo eletrnico em instituies do judicirio brasileiro teve

    incio h aproximadamente uma dcada; porm, somente na contemporaneidade que osavanos tecnolgicos permitiram que o sistema pudesse ser inteiramente eletrnico. A

    virtualizao dos processos uma forma de garantir eficincia na tramitao. Conforme o

    artigo 5, LXXVIII da Constituio Federal (CF, 1988), o poder judicirio deve prestar

    jurisdio com agilidade e eficincia. Disso decorre a lei 11.419/96, a qual dispe sobre a

    informatizao do processo judicial: "passa a ser permitido o uso do meio eletrnico na

    tramitao dos processos judiciais, comunicao de atos e transmisso de peas processuais.

    Em sendo assim, a implantao do processo eletrnico visa a atender no s exigncias

    constitucionais, mas tambm a uma demanda social de maior celeridade na justia.

    O poder judicirio brasileiro vive, portanto, uma nova fase por estar em meio a um

    processo de adaptao s metas do Conselho Nacional de Justia (CNJ, 2012). Essas

    mudanas repercutem, tambm, na adequao dos cargos e da prpria estrutura judiciria

    como um todo. A nova velocidade na tramitao das aes judiciais o resultado do sistema

    implantado, o qual possibilita que todas as aes protocoladaspeties, pareceres, sentenas

    e acrdos tornem-se exclusivamente eletrnicas. medida que os processos fsicos so

    transformados em virtuais, diversas funes administrativas podem ser substitudas ou

    extintas.

    Colombo (2012) demonstra o efeito da implantao do sistema eletrnico judicial no

    modo de estruturao do trabalho pelo resultado imediato de reduo em 27% das turmas de

    trabalho no especializado. Para alm de uma mudana na estrutura quantitativa do quadro

    funcional, Colombo (2012) destaca que tais transformaes passaram a exigir um novo perfil

    de servidores no judicirio, o qual decorre da demanda contempornea para que estes atuem

    menos no manuseio dos processos e mais em sua anlise.

    Atualmente os Tribunais Regionais Federais possuem uma relao de 2/3 de tcnicos

    para 1/3 de analistas. A busca por analistas se tornou premente na medida em que o trabalho

    executado pelo servidor administrativo est sendo substitudo pelo processo eletrnico. Desse

    modo, a defasagem na funo do servidor tcnico (especializado) j est provocando o

    esvaziamento de algumas tarefas e a sobrecarga de outras funes. Por outro lado, a

    importncia dos servidores administrativos para o judicirio no menosprezada, tendo em

    vista alguns esforos institucionais em discutir a readequao necessria para a realidade demudana no processo de trabalho.

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    O presente artigo se prope a investigar o processo de aprendizagem organizacional

    em uma situao de mudana crtica no sistema judicirio brasileiro. Qual seja: a implantao

    de um sistema eletrnico que transformou a estruturao do trabalho em um Tribunal

    Regional Federal (TRF). Amrico e Takahasi (2014) argumentam que h uma lacuna no

    campo cientfico quanto aos estudos que busquem contribuir para o entendimento da

    participao social e das relaes de poder no processo de aprendizagem organizacional. O

    presente artigo se insere nesta linha de anlise: investigar o papel dos servidores do TRF em

    um processo de aprendizagem organizacional movido pela transformao do trabalho na

    implantao de um sistema eletrnico. O que se buscou foi produzir avanos na compreenso

    desse fenmeno pela investigao do papel do agente (servidor) e das relaes de poder nesse

    contexto de mudana crtica pela virtualizao dos processos no judicirio.Para tanto, foram analisadas as aes desenvolvidas por servidores (tcnicos e

    analistas) da Secretaria de Gesto de Pessoas de um Tribunal Regional Federal brasileiro. Em

    funo da experincia indita e da problemtica provocada por essas transformaes no

    trabalho, a Secretaria precisou desenvolver formas de acompanhar e intervir nas mudanas, o

    que promoveu um processo de aprendizagem organizacional imbricado por novas relaes de

    poder inerentes prtica. Dada escassez de trabalhos sobre as temticas das relaes de

    poder, dos aspectos sociais envolvidos nesse processo e da aprendizagem organizacional emambincia pblica (Antonello & Godoy, 2010); a contribuio que se pretende nesse artigo

    expor a complexidade em que tais processos se do por meio do referencial analtico da

    perspectiva sociolgica em aprendizagem organizacional na abordagem da Teoria da

    Estruturao (Giddens, 2009). Alm disso, buscou-se fazer aproximaes entre as proposies

    Giddens (2009) e Hannah Arendt (2010; 2012). Como ser discutido a seguir, a inteno em

    justapor a proposta de Giddens com as reflexes poltico filosficas de Arendt tem o objetivo

    de ampliar a dimenso abordada pelo autor, colocando a relao agente-estrutura-podersubjacentes prpria constituio do sujeito em sua condio humana (Arendt, 2010).

    1 PROCESSOS ELETRNICOS E TEORIAS DA APRENDIZAGEM

    ORGANIZACIONAL

    Os avanos tecnolgicos no mundo de trabalho globalizado impem novas dinmicas

    s relaes de produo. Esse fenmeno impacta a subjetividade dos sujeitos atingidos por

    essas transformaes, uma vez que o dilema tecnolgico no diz respeito tecnologia em si

    mesma, mas imposio de tornar o sujeito uma vtima dcil ingenuidade e ao know-how

    tecnolgicos (Bauman, 1997). Vrias atividades desenvolvidas pela mo de obra humana

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    vm sendo paulatinamente substitudas pela tecnologia; especialmente naquelas funes em

    que esta se configura como mais eficiente. Dessa forma, o processo trabalho transforma-se

    para acompanhar as demandas emergentes das novas formas de organizao da produo na

    contemporaneidade.

    O ltimo estgio da sociedade de trabalhadores, o qual a sociedade deempregados, requer de seus membros um funcionamento puramenteautomtico, como se a vida individual realmente houvesse sido submersa no

    processo vital, global da espcie e a nica deciso ativa exigida do indivduofosse deixar-se levar, por assim dizer, abandonar a sua individualidade, asdores e as penas de viver ainda sentidas individualmente e aquiescer a umtipo funcional, entorpecido e 'tranquilizado' de comportamento (Arendt,2010, p. 403).

    Essas novas formas de organizao do trabalho vm acompanhadas de adversidades

    que geram sofrimento ao trabalhador. Os estudos realizados por Christophe Dejours (1992,

    1997 e 2003) contriburam para o aprofundamento de questes relativas aos impactos do

    trabalho na individualidade do trabalhador. Nessa perspectiva, o trabalho uma dimenso de

    conflito que provoca sofrimento ao mesmo tempo em que gera fortalecimento do sujeito,

    realizao pessoal e reconhecimento social. em funo dessa dinmica que as modificaes

    estruturais que atingem o trabalho desencadeiam implicaes significativas, tanto nas

    condies como na prpria sade mental dos trabalhadores (Cimbalista, 2006). Na dcada de

    90, por exemplo, o sistema bancrio passou por um intenso processo de reestruturao

    operacional e de trabalho. Jinkings (2003) argumenta que a finalidade era modelar o setor ao

    novo modo atravs do qual o capital passara a se reproduzir. Segundo o autor, esse processo

    implicou especialmente na redefinio do perfil operacional das instituies bancrias, as

    quais se voltaram para os mercados de capital e passaram a desenvolver atividades

    especulativas que visavam a diversificao de servios e produtos. Como consequncia, foramadotadas medidas de reorganizao produtiva que alteraram profundamente as relaes e

    condies de trabalho e resultaram na precarizao do emprego para um grande contingente

    de assalariados bancrios.

    A exemplo do sistema bancrio, Colombo (2012) destaca que a larga utilizao da

    tecnologia para tramitao de processos uma tendncia que dever consolidar-se no sistema

    judicirio brasileiro em um perodo de tempo relativamente curto. As experincias em curso

    j apresentam sinais claros dos impactos que a mudana de paradigma tecnolgico produzirsobre a organizao e a gesto do trabalho. Otimista com as possibilidades proporcionadas

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    pela tecnologia, o Conselho Nacional de Justia brasileiro apontou pontos positivos do uso de

    novas tecnologias agregadas aos processos judiciais e administrativos (CNJ, 2010). Dentre

    eles, foram destacados ganhos de produtividade e benefcios sociais, tais como: a) reduo de

    impactos negativos ao meio ambiente; b) automao de atividades repetitivas e eliminao

    dos erros decorrentes da interveno humana; c) ampliao dos meios de acesso s

    informaes; e d) liberao da fora de trabalho para atividades de maior relevncia

    institucional. Em contrapartida, Colombo (2012) aponta distintos impactos, riscos e efeitos

    indesejveis a partir de suas anlises de experincias mais avanadas da implantao do

    processo eletrnico; quais sejam: a) necessidade de melhorias na interface dos sistemas

    informatizados com os usurios; b) alerta para a intensificao das atividades laborais e

    sobrecarga cognitivo emocional; e c) aumento de doenas de trabalho associadas disseminao de novas tecnologias e tcnicas de gesto.

    Tendo em vista esse contexto, destacam-se a seguir os principais conceitos presentes

    em Aprendizagem Organizacional e na Teoria da Estruturao; que se constituem como base

    terica de anlise do fenmeno aqui investigado.

    O processo de aprendizagem organizacional mostra-se como um conceito

    multiparadigmtico e conta com uma gama de perspectivas diferentes. Conforme Antonello e

    Godoy (2010), as perspectivas da Aprendizagem Organizacional distribuem-se,genericamente, entre as abordagens Psicolgica, Antropolgica, da Cincia Poltica,

    Histrica, Econmica, da Cincia da Comunicao e Sociolgica. A presente pesquisa visa

    contribuir pela anlise do fenmeno investigado por meio da perspectiva sociolgica, tendo

    em vista ser uma abordagem pouco explorada em estudos nacionais na rea (Antonello e

    Godoy, 2010).

    Na perspectiva sociolgica, a aprendizagem organizacional parte da considerao das

    diferentes perspectivas dos agentes, suas relaes mtuas e a sua estruturao no tempo e noespao; esta ltima permeada por relaes de poder. Nessa linha, o ambiente social

    caracterizado como o espao em que processos de aprendizagem e gerao do conhecimento

    so constitudos e se constituem (Gherardi, Nicolini e Odella, 1998; Gherardi e Nicolini,

    2001). A aprendizagem organizacional, portanto, se refere a uma prtica social que

    desenvolvida por um grupo cuja identidade est baseada na participao e nas negociaes

    polticas entre os agentes. Nesse contexto terico, a aquisio de conhecimento no se d pelo

    acumulo de informaes quantificveis. Em outras palavras, a aprendizagem no concebida

    como uma forma de conhecer o mundo, mas como meio de o agente tornar-se parte desse

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    mundo constitudo e constituinte de relaes sociais (Gherardi, Nicolini e Odella, 1998).

    Desse modo, uma importante contribuio desses estudos considerar que no h

    aprendizagem social fora de relaes de poder/conhecimento.

    A perspectiva sociolgica reconhece que o conflito se d a partir do poder inerente s

    relaes dos agentes que compem o grupo (Gherardi, Nicolini e Odella, 1998). A relevncia

    dessa reflexo aceitar que a aprendizagem ocorre tambm na prtica cotidiana dos

    indivduos. Em outras palavras, a abrangncia proporcionada por esse referencial de

    aprendizagem permite abordagens e intervenes que no foquem a aprendizagem como

    algo que acontece na mente, mas como algo produzido e reproduzido nas relaes sociais dos

    indivduos, quando eles participam de uma sociedade (Gherardi e Nicolini, 2001, p. 47).

    Nesse sentido, uma contribuio significativa dessa perspectiva distanciar-se dos

    pressupostos cartesianos que propem o solipsismo epistemolgico, isto , atribuir mente

    individual a capacidade de acessar um real ontolgico. A implicao desses pressupostos

    que os aspectos polticos da aprendizagem organizacional quando observados por essa

    perspectiva individualistaso frequentemente interpretados como se fosse um problema a

    ser eliminado para que ocorra uma aprendizagem verdadeira. Todavia, sob o ponto de vista

    da perspectiva sociolgica isso irreal, pois a dimenso poltica afirmada como sendo

    inextricvel e constituinte basilar das relaes sociais.

    Em funo desse entendimento, as relaes de poder em uma organizao tero papel

    fundamental na aprendizagem organizacional do ponto de vista sociolgico. Nesses termos,

    poltica e poder desempenham papis preponderantes na aprendizagem organizacional, pois

    trazem tona a importncia dos conflitos, das contradies internas e das tenses entre os

    agentes nas suas relaes intersubjetivas e em seus embates com e contra a estrutura. Nessa

    linha de raciocnio, uma vez que o conhecimento socialmente construdo por agentes e

    grupos (Easterby-Smith, Burgoyne e Araujo, 1999), torna-se inevitvel que as interpretaesparticulares acerca da produo desse conhecimento sejam apoiadas particularmente por

    alguns e rejeitadas por outros. Dessa forma, no somente a produo do conhecimento

    mediada por relaes de poder, mas a prpria apropriao e efetivao desse conhecimento

    como produto se d em um contexto mediado por relaes polticas.

    Antonacopoulou e Chiva (2007) tambm enfatizam as dimenses do poder e da

    poltica da aprendizagem organizacional com base na perspectiva da complexidade social. Em

    sua proposta, os autores assinalam que a poltica refere-se, por um lado, dimenso oriundadas negociaes entre os agentes com interesses diversos; por outro lado, o poder est

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    relacionado ao meio atravs do qual os conflitos de interesses so resolvidos. O poder um

    meio de reforar as escolhas dos agentes durante esse processo de interao. Nessas

    negociaes, Antonacopoulou e Chiva (2007) destacam o carter de tenso e de conflito

    inerentes s relaes de poder e s interaes sociais presentes no processo de aprendizagem

    organizacional. importante salientar que existem trs aspectos essenciais circunscritos

    nesses campos de negociaes na viso desses autores; a saber: 1) a assimetria de poder e

    controle; 2) as tenses entre prioridades organizacionais e individuais da aprendizagem; e 3)

    as diferentes perspectivas e motivaes subjacentes ao processo de aprendizagem social.

    Esses aspectos possibilitam a existncia de diferentes propsitos e sentidos dos agentes

    envolvidos no processo, j que a apropriao singular de cada um interdependente do

    contexto no qual ele se situa e da perspectiva que ele adota.Ademais, no cerne de um conjunto de teorias da perspectiva sociolgica se encontra de

    forma predominante o conceito ontolgico de prtica;cujas interpretaes se entrelaam no

    interesse pelo dirio, pela vida cotidiana e pela materialidade da ao (Reckwitz, 2002;

    Antonello e Godoy, 2010). Levar em considerao a importncia da prtica para a

    aprendizagem pressupe que toda atividade na vida dos indivduos uma oportunidade para

    aprendizagem e que as situaes sociais casuais so to importantes para a aprendizagem

    quanto experincias formais.No campo da aprendizagem organizacional, a abordagem baseada na prtica entende

    que as pessoas aprendem um modo de ordenao de elementos heterogneos (humanos e no

    humanos) na prtica, cuja organizao alinhada num conjunto coerente legitimado pela

    produo e reproduo cotidiana (Gehardi, 2009; 2005). Essa concepo de aprendizagem

    organizacional como processo social e situado sinaliza que os indivduos engajados na prtica

    incorporam modos de produo e reproduo previamente organizados. Ao mesmo tempo em

    que produzem novos modos de organizar a prtica em suas atividades cotidianas.Por outro lado, Elkjaer (2004) destaca que os indivduos devem ser entendidos como

    participantes potenciais; o que significa que eles podem ou no se engajar na prtica. Seu

    argumento que a ao sempre encaminhada na situao concreta. A autora defende o

    entendimento transacional da relao entre indivduo e organizaes: em sua concepo a

    unidade de anlise no nem o indivduo nem a organizao (ou instituio), mas sim as

    situaes negociadas que ganham sentido na ao concreta. Complementando essa

    contribuio, Gherardi e Nicolini (2001, p. 49) afirmam que prtica um sistema de

    atividades no qual saber no est separado do fazer e das situaes" e que a prtica deve ser

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    entendida como um "conhecimento coproduzido por meio da atividade. Evidencia-se nos

    posicionamentos tericos desses autores que o processo de aprendizagem baseado na prtica

    se caracteriza como um fluxo contnuo de possibilidades e oportunidades cujos aspectos

    emergem como relevantes medida que se conectam com aspectos significativos da prtica.

    Dentre essas diferentes abordagens em aprendizagem organizacional, Reckwitz (2002)

    destaca a de Giddens (2009) tendo vista que este autor localiza o social na prtica, bem como

    delimita relaes de poder e processos de coero social de modo diferenciado. Prtica, para

    Giddens (2009), um tipo de comportamento rotinizado em que vrios elementos so

    interconectados na ao: corporificao das atividades, esquemas mentais interpretativos,

    coisas e seu uso. O ponto central da Teoria da Estruturao proposta por Giddens (2009) est

    no conceito de dualidade da estrutura que analisada a partir de duas dimenses nas

    interaes sociais. A dimenso sintagmtica, que representa a padronizao das relaes

    sociais no tempo e no espao, envolvendo a reproduo de prticas localizadas. E a dimenso

    paradigmtica, que se caracteriza pela ordem virtual de modos de estruturao

    recursivamente implicados na reproduo destas prticas. nesta perspectiva de anlise que o

    presente artigo se insere. Em sendo assim, alguns aspectos da Teoria da Estruturao sero

    aprofundados a seguir.

    Uma das principais proposies da Teoria da Estruturao a de que as regras e os

    recursos usados na produo e na reproduo da ao social so, ao mesmo tempo, os meios

    de reproduo do prprio sistema. A estrutura social no seno a ao dos prprios agentes,

    mobilizada pelas condies oferecidas pela estrutura. Esse movimento, chamado de dialtica

    do controle, existe em funo da caracterstica essencial atribuda estrutura: sua dualidade.

    A estrutura refere-se, em anlise social, s propriedades de estruturao quepermitem a delimitao do tempo-espao em sistemas sociais, s propriedades quepossibilitam a existncia de prticas sociais discernivelmente semelhantes pordimenses variveis de tempo e de espao, e lhes emprestam uma forma sistmica.

    Dizer que uma estrutura uma ordem virtual significa que os sistemas sociais,como prticas sociais reproduzidas, no tm estruturas, mas antes exigempropriedades estruturais e que a estrutura s existe como presena espao-temporal, em suas exemplificaes em tais prticas e traos mnmicos orientando aconduta de agentes humanos dotados de cognoscitividade. (Giddens, 2009, p.20).

    O cerne da Teoria proposta por Giddens (2009) remete, portanto, a trs conceitos

    fundamentais: estrutura, sistema social, e dualidade de estrutura. Estrutura nesse contexto

    entendida como dualidade. Ou seja, ela , ao mesmo tempo, condio e produto da ao.

    Nesse sentido, a estrutura que possibilita e restringe a ao do agente em uma dinmicapermanentemente conflitiva. Os sistemas sociais, por sua vez, compreendem as atividades

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    localizadas dos agentes; isto , as aes que so produzidas e reproduzidas atravs do tempo e

    do espao. Analisar a estruturao de sistemas sociais significa, portanto, investigar os modos

    como tais sistemas so produzidos e reproduzidos na interao entre os agentes. importante

    frisar que, sob o prisma dessa teoria, os sistemas so fundamentados nas atividades

    cognoscitivas dos agentes localizados socialmente; por meio de regras e de recursos existentes

    na diversidade de contextos em que transcorrem as prprias aes. O ltimo conceito

    fundamental proposto por Giddens (2009) o teorema da dualidade da estrutura, que

    demonstra que agentes e estrutura no so dois conjuntos de fenmenos isolados. Ao invs

    disso, as regras e recursos esboados na produo e reproduo da ao social so tanto os

    meios de reproduo do sistema, como os modos de os agentes serem capazes de transformar

    esse mesmo sistema.Para aprofundar os conceitos de poder e de agente, ambos intimamente relacionados

    perspectiva social da aprendizagem organizacional, optou-se nesta pesquisa por aproximar a

    Teoria da Estruturao de Giddens (2009) das proposies de Hannah Arendt (2010, 2012).

    Esta autora expande a perspectiva de Giddens ao situar a prpria constituio do mundo

    humano como resultado da ao de sujeitos em relao uns com os outros. Tomado nesses

    termos, o mundo para Arendt (2010) a produo e o produto resultante das relaes livres e

    plurais estabelecidas entre sujeitos singulares. a partir do estabelecimento dessas relaesque o mundo partilhado entre os homens toma forma e significado. Alm disso, partilharem

    esse mundo a condio que permite ao homem realizar-se naquilo que, para a autora, a

    caracterstica humana por excelncia: a ao. Nas palavras da filsofa, o agir humano

    entendido como tomar iniciativa, iniciar, (como indica a palavra grega archein, comear,

    conduzir, e, finalmente, governar), imprimir movimento a alguma coisa (Arendt, 2010, p.

    221). Nesse sentido, ao agir, o homem no somente modifica o mundo iniciando algo novo,

    mas tambm se torna capaz de governar e apropriar-se dessa novidade iniciada por ele.Especificamente na ambincia do servio pblico poucos estudos organizacionais

    concentram-se na influncia das relaes de poder e das interaes sociais no que diz respeito

    ao processo de aprendizagem organizacional. Destacam-se duas pesquisas nessa rea.

    Primeiro, Comin, Inocente e Fiura (2011) apresentam discusso sobre a maneira como a

    aprendizagem corporativa e a gesto do conhecimento tm sido incorporadas agenda dos

    profissionais que atuam em gesto de pessoas. Alm de exporem como estes agentes tm se

    imbricado tanto na prtica organizacional como na pesquisa cientfica sobre o tema. Segundo

    esses autores, o processo de aprendizagem uma poltica de desenvolvimento organizacional

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    472IMPLANTAO DE PROCESSO ELETRNICO NO SISTEMA JUDICIRIO: UM

    ESTUDO SOBRE APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL EM UMA SECRETARIA DEGESTO DE PESSOAS

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    vinculada estratgia da organizao utilizada como instrumento de assimilao do

    aprendizado das pessoas.

    O segundo estudo, de Bertolim, Zick e Britto (2013), traz reflexes acerca das

    mudanas na forma de pensar a administrao pblica e, consequentemente, sua prestao dos

    servios. A contribuio desses autores est em apontar que o empenho para vencer as

    barreiras aprendizagem socioprtica perpassa pela valorizao do elemento humano no

    trabalho. Especialmente no servio pblico, defendem que preciso alterar o foco taylorista

    do clculo de tempos e movimentos no trabalho, por uma viso de servidor pblico autnomo

    e capaz de aprimorar suas prticas de trabalho.

    O presente estudo busca ampliar os debates anteriores sobre aprendizagem

    organizacional na prtica e rotina de trabalho dos servidores (pblicos) de uma Secretaria de

    Gesto de Pessoas de um Tribunal Regional Federal. Vale ressaltar que se pretende abordar a

    natureza de conexo entre ao e poder para compreender os processos de aprendizagem

    organizacional, principalmente aqueles decorrentes de contextos de transformaes

    aceleradas. Conforme Giddens (2009), a estreita conexo entre ao e poder que expressa a

    capacidade do agente de atuar de modos diferentes e ser capaz de intervir no mundo ou, por

    outro lado, ser capaz de abster-se de tal interveno. Deriva dessa conexo a possibilidade de

    o agente influenciar um processo ou um estado especfico de coisas. Considerando que o

    agente no age sozinho, Giddens (2009) permite investigar os modos pelos quais o agente

    capaz de influenciar o poder manifestado por outros, coadunando ou fragmentando linhas de

    fora favorveis ou contrrias transformao da estrutura. Nesse sentido, a ao do agente

    depende de sua capacidade de produzir diferena. Portanto, pela lente da proposta de Giddens

    (2009), o poder definido, como capacidade dee a ao humana como capacidade colocada

    em movimento, produzindo diferena no prprio ato de transformar. Por meio desta linha de

    anlise que a participao dos servidores do TRF em um processo de transformao do seutrabalho ser investigada na presente pesquisa. Para tanto, foram estudadas suas aes e as

    relaes de poder que estruturaram o processo de aprendizagem organizacional na Secretaria

    de Gesto de Pessoas.

    2 MTODO

    Esse estudo do tipo transversal com cunho qualitativo-descritivo. (Eco, 1993; Strauss

    e Corbin, 1998). Participaram oito servidores de um Tribunal Regional Federal em exerccio;

    sendo trs psiclogos, um ergonomista, um socilogo, um tecnlogo em processamento de

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    473Caroline Bastos Capaverde & Ana Cludia de Souza Vazquez

    REAd | Porto AlegreEdio 81 - N 2maio/agosto 2015p. 462-490

    dados, uma publicitria e um tcnico em comunicao. Todos trabalham na Secretaria de

    Gesto de Pessoas da instituio pesquisada e tiveram seu processo de trabalho transformado

    pela implantao do processo eletrnico. Trata-se de uma amostra por convenincia (Bauer e

    Gaskell, 2002), cuja coleta de dados se fundamentou no critrio de saturao terica para sua

    limitao (Fontanella, Ricas e Turato, 2008). Esse projeto foi submetido e aprovado pelo

    Comit de tica em Pesquisa da Universidade Federal de Cincias da Sade de Porto Alegre

    (UFCSPA), e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

    A coleta de dados ocorreu por meio de dois instrumentos. Primeiro, a pesquisa

    documental que objetivou obter dados para caracterizao do processo de informatizao do

    trabalho no TRF que foi gerenciado pela Secretaria de Gesto de Pessoas. Essa investigao

    preliminar buscou informaes do processo eletrnico veiculadas no site da instituio e do

    seminrio Atualidade e Futuro da Administrao da Justia. Neste, uma de suas mesas-

    redondas foi a discusso sobre o processo eletrnico e as transformaes no funcionamento do

    sistema judicirio; cujos contedos tiveram como foco o balano das conquistas e dos

    desafios a serem enfrentados. O segundo instrumento utilizado foram entrevistas com roteiro

    semiestruturado com os participantes, a fim de obter dados sobre como ocorreu a implantao

    do processo eletrnico na instituio. As questes continham perguntas relacionadas

    implantao do sistema eletrnico; mudanas no processo de trabalho; prticas adotadas;tenses e conflitos experienciados; dinmica das relaes de poder e aspectos significativos

    no processo de aprendizagem organizacional. As entrevistas foram gravadas, totalizando 9

    horas e transcritas para fins de anlise.

    A interpretao dos dados de caracterizao do processo de informatizao do

    trabalho no TRF e das entrevistas foi realizada por meio da tcnica de anlise de contedo

    (Minayo, 2010; Bardin, 2009). O processo de sistematizao da anlise de contedo foi

    organizado em trs etapas: a) pr-anlise: fase de sistematizao e organizao das ideias,retomando-se os objetivos iniciais da pesquisa, b) explorao do material: dados empricos

    foram codificados para delinear o ncleo de compreenso e c) tratamento dos resultados

    obtidos e interpretao: nessa fase foram realizadas as interpretaes a partir da triangulao

    dos dados empricos e sua relao com o quadro terico e os objetivos propostos nesse estudo.

    3 RESULTADOS

    Nesta seo sero descritas as evidncias obtidas sobre o processo de aprendizagem

    organizacional. Por meio das perspectivas tericas de Giddens (2009) e Arendt (2010), os

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    474IMPLANTAO DE PROCESSO ELETRNICO NO SISTEMA JUDICIRIO: UM

    ESTUDO SOBRE APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL EM UMA SECRETARIA DEGESTO DE PESSOAS

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    achados foram agrupados em trs nveis de anlise: a) a estruturao vertical de implantao

    do processo eletrnico no TRF; b) a ao de horizontalizao promovida pela Secretaria de

    Gesto de Pessoas; e c) a agncia dos servidores nas propriedades estruturais e suas novas

    demandas de organizao do trabalho.

    3.1Verticalizao do processo eletrnico na organizao

    A dinmica de verticalizao na implantao do processo judicial eletrnico foi

    observada nas principais demandas e exigncias para sua estruturao na prtica. O

    planejamento das aes de modificao dos processos judiciais fsicos para o meio eletrnico

    foi realizado de forma hierrquica, com estratgia Top-Down. O que significa que o TRF

    recebeu a diretriz estratgica de implantao do processo eletrnico a partir de uma

    determinao do CNJ (2012). Em decorrncia desta nova poltica, a Secretaria de Gesto de

    Pessoas teve que lidar com os atravessamentos provocados nas consequentes transformaes

    do processo de trabalho estabelecido.

    Dois aspectos centrais nessa dinmica de verticalizao foram identificados no que diz

    respeito s propriedades estruturais da implantao do processo eletrnico no TRF. O

    primeiro refere-se modernizao do trabalho pela virtualizao de processos judiciais que s

    existiam fisicamente at ento. Este dado demonstrado pelo modo como o prprio sistema

    judicirio descreve e justifica sua deciso estratgica em documentos internos que apresentam

    os aspectos positivos da mudana provocada por esse processo:

    marca o incio de uma nova era, representa a irreversvel entrada doPoder judicirio no mundo do futuro. A substituio do papel representaeconomia de recursos pblicos e preservao do meio ambiente, a previso de que 50 toneladas de papel ao ano deixem de ser utilizadas; acesso ao

    processo a qualquer hora e lugar do mundo, economia de recursos pblicos;diminuio de despesas com locais para guarda e arquivamento de

    processos. (TRF, 2013a)

    A segunda propriedade estrutural identificada na implantao vertical do processo

    eletrnico caracteriza-se pela potencializao da relao entre os mecanismos de

    transparncia, acessibilidade e interatividade do TRF com a sociedade e a emergncia de

    novas modalidades de trabalho. Se, por um lado, o sistema judicirio destaca os benefcios

    oriundos da implantao do processo eletrnico, por outro, essa mudana promoveu uma

    profunda reestruturao no processo de trabalho e das demandas dirigidas aos agentes

    envolvidos em sua execuo prtica. Em decorrncia foram elaborados seminrios paraproblematizar as consequncias dessa transformao e a necessidade de a instituio tornar-se

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    475Caroline Bastos Capaverde & Ana Cludia de Souza Vazquez

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    permevel s novas demandas. O que pode ser observado na transcrio de um seminrio

    promovido pela instituio que explicita o conflito gerado por essa dinmica de

    verticalizao:

    A Constituinte promete um processo clere ao cidado, algum vai ter que

    agir para que isso ocorra. Ao mesmo tempo, existe a preocupao com asade do servidor, a partir da mutao do trabalho. Desafios de adaptaos novas ferramentas de trabalho, reaprender a trabalhar. Os efeitos datecnologia sobre o mundo do trabalho remetem eliminao de tarefas. (TRF, doc. Interno).

    No trecho acima, constata-se a imposio verticalizada dessa nova modalidade de

    trabalho e a aparente dicotomia existente entre a necessidade de implementao veloz para

    atender demanda social de celeridade na justia e a preocupao vigente com a consequenteeliminao de tarefas e a mutao do trabalho. Fazendo frente a essa constatao, servidores

    impactados por tal verticalizao manifestaram a inteno de problematizar as consequncias

    da informatizao, bem como as mudanas em suas rotinas de trabalho. Registra-se que em

    outro seminrio promovido pela instituio foi exposta a inteno de tentar compreender as

    contradies geradas pela implantao do processo eletrnico por meio da criao de um

    grupo de trabalho para estudo dos impactos do sistema do processo eletrnico sobre a

    sade e proposio de medidas para sanar seus efeitos. (TRF, doc. Interno).

    Assim, tem-se que as propriedades estruturais de introduo do novo sistema de

    trabalho so verticalizadas. Os resultados apontam para a constatao institucional de que a

    implantao do processo eletrnico se deu de forma contraditria e ambgua para os

    servidores. As finalidades positivas referentes nova estruturao do trabalho e de dilogo

    com a sociedade demonstram que a verticalizao deste processo desencadeou uma srie de

    consequncias para as quais a instituio ainda no estava previamente preparada. Entre estas,

    destaca-se nesta pesquisa o papel do servidor como agente de transformao no modo de

    estruturao do trabalho na instituio.

    A estruturao verticalizada na implantao do processo eletrnico colocou a

    aprendizagem organizacional no espao constitudo pela tenso entre suas propriedades

    estruturais institucionalizadas e as aes promovidas pelos agentes que atuam na prtica. O

    processo de aprendizagem organizacional se constituiu, portanto, justamente no

    atravessamento dessa verticalizao estrutural por meio de intervenes singulares e criativas

    promovidas pelos servidores-agentes. Esse aspecto ser aprofundado na prxima seo; a qual

    apresenta os contedos das entrevistas com os servidores da Secretaria de Gesto de Pessoas

    do TRF que expem como o processo eletrnico foi apreendido, como a implantao

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    476IMPLANTAO DE PROCESSO ELETRNICO NO SISTEMA JUDICIRIO: UM

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    verticalizada foi interpretada pelos agentes e quais aes emergiram da tenso entre as novas

    exigncias de trabalho e as trocas sociais estabelecidas neste contexto.

    3.2 Ao de horizontalizao promovida pela Secretaria de Gesto de Pessoas

    Um ponto central no processo de aprendizagem organizacional foi o papel

    desempenhado pela Secretaria de Gesto de Pessoas do TRF. Frente rgida estrutura vertical

    de virtualizao do processo judicial, a equipe dessa Secretaria promoveu aes de

    horizontalizao para insero dos servidores no processo de transformao do seu trabalho.

    Para dar conta das demandas geradas pela mudana estrutural e as consequentes tenses e

    problemas gerados pela implantao verticalizada, a Secretaria de Gesto de Pessoas decidiu

    repensar suas aes. A alternativa encontrada pelos agentes dessa Secretaria foi formar grupos

    de trabalho que contavam com a participao dos servidores atingidos pelo processo

    eletrnico e tinham como objetivo principal a problematizao desse evento crtico. Tal como

    descrito pelo Servidor-agente 1, na Secretaria:

    A gente faz o acompanhamento... quando a gente identifica necessidade,bem nesse contexto do processo eletrnico, eu preciso acompanhar gruposque tm o seu trabalho atingido pelo processo... difcil descrever assim,

    porque no so rotinas padro. Pra cada interveno, discutido como sevai atuar, que tipo de estratgia vai ser dada, mas sempre muita escuta.Ento, isso e o que mais for necessrio. Tambm algumas articulaespolticas, tem que fazer negociaes que to no meio desse processo.

    Notamos que os agentes da Secretaria promoveram a participao dos servidores do

    Tribunal atingidos pelo processo eletrnico, inserindo-os na reorganizao do seu prprio

    trabalho. Ou seja, ao invs de uma nova prtica vertical, eles horizontalizaram as aes e

    proporcionaram a participao dos servidores nessa segunda fase de implantao por meio da

    criao dos grupos de debate. Nesses grupos, o servidor pode participar singularmente dos

    processos de reorganizao do trabalho, apontando criativamente novos modos de fazer, a

    partir da sua prpria experincia, de como ele percebeu as mudanas:

    Nunca uma demanda vem e a gente simplesmente absorve do jeito queveio, ento sempre um questionamento. A gente prope demandas para ainstituio e eu vejo que muito legal de trabalhar aqui isso, essa

    possibilidade de no simplesmente aceitar o que na instituio est sendocolocado. Poder questionar, fazer um contraponto (Servidor-agente 7)

    Observamos na prtica da Secretaria de Gesto de Pessoas uma ao direcionada paraobteno de maior permeabilidade estrutural para a participao social do servidor nesse

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    477Caroline Bastos Capaverde & Ana Cludia de Souza Vazquez

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    processo. Um novo cenrio de trabalho emergiu em funo da necessidade de resistir

    implantao verticalizada do processo eletrnico. Essa dualidade da estrutura destacou a

    aprendizagem organizacional pela dinmica contraditria entre institudo e instituinte

    estabelecida pela dialtica de controle nas relaes de poder (Giddens, 2009).

    A gente pega o sujeito e verifica todos os profissionais tcnicos da rea deRecursos Humanos que em algum momento tiveram contato com esseservidor e a gente leva esses caras ao redor de uma mesa e pem o caso doservidor na mesa e v o que vamos fazer por ele.(Servidor-agente 7)

    A dualidade nos modos de estruturao da implantao do processo eletrnico no TRF

    se evidenciou em mbito macropoltico da instituio, uma vez que a criao de espaos mais

    flexveis e dialgicos foram postos em curso pela instituio e novas formas de trabalho

    foram desenvolvidas para dar conta das novas demandas. O que se evidencia nas aes de

    horizontalizao promovidas pela Secretaria a emergncia da capacidade de agncia dos

    servidores pela possibilidade de intervir as propriedades verticais e hierrquicas dessa

    estrutura de virtualizao no sistema judicirio. Os relatos sinalizam que a problematizao

    nos grupos de trabalhos foi importante para o entendimento transacional entre os agentes em

    situaes que foram negociadas e que permitiram elevar a participao social de servidores

    impactados na prtica pela implantao vertical do processo eletrnico (Elkjaer, 2004:

    Gehardi, 2009, 2005). Esses aspectos, porm, so caracterizados nos achados como elementos

    de uma dialtica que se estabeleceu de forma essencial neste processo. As aes de

    horizontalizao, na percepo dos entrevistados, promoveu um espao social propcio ao

    estabelecimento da agncia desses servidores pela ampliao de sua capacidade de intervir de

    forma concreta nas propriedades estruturais da implantao do processo eletrnico (Giddens,

    2009).

    3.3 Agncia dos servidores na horizontalizao do processo de virtualizaoO processo de horizontalizao foi identificado tanto nos discursos de problematizao

    das transformaes do trabalho, como em aes que comearam a emergir da necessidade de

    atenuar essas mudanas, em contraposio implantao verticalizada. Trs aspectos centrais

    sero destacados nessa anlise: (1) a percepo dos processos de implantao do sistema

    eletrnico como um evento crtico imposto verticalmente; (2) o carter contraditrio da

    mudana e a ambiguidade de papel dos servidores a partir do novo processo de trabalho; e (3)

    a capacidade de agncia dos servidores frente permeabilidade estrutural promovida pelaSecretaria de Gesto de Pessoas do TRF.

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    478IMPLANTAO DE PROCESSO ELETRNICO NO SISTEMA JUDICIRIO: UM

    ESTUDO SOBRE APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL EM UMA SECRETARIA DEGESTO DE PESSOAS

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    Em primeiro lugar, os entrevistados definiram o processo vertical de implantao do

    sistema eletrnico como um evento que interferiu no processo de trabalho de forma crtica. O

    cenrio intersubjetivo apresentado pelos respondentes caracteriza essa imposio

    verticalizada. Ademais, as falas demonstram que o incio do processo se caracterizou como

    pouco flexvel s especificidades contextuais:

    O processo de mudana se d e a instituio no tem esse lugar de

    reflexo. como se fosse uma mquina que est operando, e vai mudandosuas engrenagens, troca o leo do tipo A e vai para leo do tipo B [...]Existe um processo absolutamente alienado nesta histria, s est trocandoos modos operatrios. (Servidor-agente 6)

    Quando tu vai fazer uma mudana, como a implantao de um novosistema de trabalho como esse, tm duas formas clssicas de interveno.Uma tu pensar assim, com todos os atores que esto envolvidos no

    processo, faz uma construo coletiva, tu vai construindo isso com aspessoas, e elas vo se apropriando, e esse processo vai se dando. Isso umaforma. A outra forma : tu trata as pessoas como objetos e implanta, enfiagoelaabaixo dessas pessoas o processo eletrnico. O tribunal optou pela

    segunda forma, que foi enfia goela abaixo e venha o Processo

    Eletrnico.(Servidor-agente 4)

    A constatao do servidor-agente 4 encontra respaldo na explanao do servidor-agente 5, o qual caracteriza o processo de aprendizagem como estando intimamente

    relacionado prpria conformao dada pela estrutura s transformaes demandadas:

    Ns j estamos trabalhando basicamente com a consequncia. Ns

    estamos trabalhando em cima dos furos que comeam a aparecer emdecorrncia da implantao goela abaixo. Aprendendo a partir do que

    vem aparecendo.

    Alm da percepo crtica da verticalidade, destaca-se o carter contraditrio com que

    os servidores perceberam os prprios benefcios trazidos pela inovao tecnolgica. Os

    entrevistados realizaram a anlise de problemas e consequncias negativas do processo

    verticalizado de implantao do sistema eletrnico. Ao mesmo tempo, em seu discurso est

    presente o reconhecimento do significado macroestrutural da implantao do processo

    eletrnico:

    Eu acho que o prejuzo seria por ele ser muito veloz, por ele ser muitopautado pela velocidade da mquina. Ele diz respeito, um pouco, davelocidade do humano, que no corresponde velocidade da mquina.

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    479Caroline Bastos Capaverde & Ana Cludia de Souza Vazquez

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    Ento o processo eletrnico tem provocado nas pessoas uma ansiedademuito grande, que as pessoas querem responder na velocidade que amquina est demandando. E elas no podem e no conseguem, ento elas

    se angustiam, isso seria a coisa ruim [...] Bom, um ponto positivo. Nmero1, a agilidade da prestao jurisdicional, que significa responder

    socialmente a morosidade do judicirio. Quer dizer, toda vez que a genteconseguir ajudar a fazer os processos andarem mais rpido, a gente estdando uma respostasocial.(Servidor-agente 8)

    Velocidade e celeridade na tramitao do processo judicial so identificadas pelos

    entrevistados como uma resposta sociedade que desejada. Entretanto, ao mesmo tempo,

    so aes associadas ao custo implcito desse processo na sade mental dos servidores pela

    mecanizao do trabalho. Nesse sentido, o servidor-agente 5 constata tal contradio ao

    identificar os furos que comeam a aparecer em decorrncia da implantao goela abaixo

    juntamente com a enunciao de benefcios advindos da nova plataforma processual:

    Do ponto de vista da ergonomia, que so as coisas que eu tenho uma

    contribuio a dar, o processo eletrnico uma soluo. uma soluoporque ele ajuda a resolver problemas que eram crnicos para ns. Doponto de vista de ergonomia, por exemplo, uma coisa elementar otransporte manual de cargas.

    Pode-se constatar nos resultados que a forma como o processo eletrnico foiimplantado fez com que os servidores-agentes envolvidos direta e indiretamente nas

    consequncias no tivessem clareza de como ou de quando a transio da plataforma

    processual estaria completa. Alm disso, a prpria instituio no possua subsdios para

    pautar ou formatar a prtica desses servidores-agentes durante esse perodo instvel. Esse

    dado se verificou repetidamente nas falas dos servidores-agentes.

    Pra ser de gabinete, pr-requisito estar formado ou cursando Direito,tem que ter conhecimento jurdico porque no existem mais tarefas que nosejam jurdicas. O processo eletrnico tomou esse lugar. A gente comeou atrabalhar com as pessoas, atender. Eu sinto diariamente as pessoas que a

    gente atende. Essa questo de tarefas que existiam e no existem mais. E oque vai se fazer agora? (Servidor-agente 2)

    Tendo em vista as posies poltico ideolgicas das pessoas que esto nasdirees, vejo mudanas claras nas polticas de Recursos Humanos dainstituio. Quem sabe isso se relacione j com o estabelecimento do

    processo eletrnico e esse monte de consequncias para diversos atoressociais, que a poltica de RH tradicional no d conta.(Servidor-agente 7)

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    480IMPLANTAO DE PROCESSO ELETRNICO NO SISTEMA JUDICIRIO: UM

    ESTUDO SOBRE APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL EM UMA SECRETARIA DEGESTO DE PESSOAS

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    Se, por um lado, a instituio no pde prover os servidores-agentes com

    conhecimentos respaldados por acontecimentos prvios, a permeabilidade estrutural

    promovida pela ao da Secretaria de Gesto de Pessoas foi o que assegurou a eles a

    possibilidade de construrem espaos criativos propcios para lidarem com as novas

    experincias imprevisveis. Observa-se nos resultados a complexidade social do processo de

    aprendizagem, assim como tenses, ambiguidades e conflitos que emergem nesse evento de

    mudana crtica. Identificam-se interconexes e mltiplas possibilidades obtidas pela

    experimentao e explorao criativa dos servidores-agentes que conduzem aprendizagem

    dos sujeitos envolvidos na prtica (Antonacopolou e Chivas, 2007). No entanto, para alm da

    aprendizagem dos indivduos na instituio, os achados empricos da presente pesquisa situam

    esse processo de aprendizagem como uma ao social localizada na prtica de intervir nos

    modos de estruturao. Nestes aspectos se evidencia a dialtica de controle produzida pelos

    agentes envolvidos (Giddens, 2009).

    Os servidores-agentes evidenciaram sua percepo de que o evento crtico estruturado

    verticalmente exigiu, contraditoriamente, a emergncia de dinmicas horizontais para lidar

    com seus efeitos. As aes prticas de horizontalizao, por sua vez, os inseriram em um

    espao social de atividades narrativas e reflexivas sobre o trabalho e as transformaes

    demandadas pela virtualizao. Essa dinmica possibilitou maior identificao dos servidores-

    agentes com suas prticas de trabalho e conscincia de seu valor agregado, promovendo neles

    a capacidade de explorar solues criativas e intervir nas mudanas decorrentes. Em sendo

    assim, evidenciamos o protagonismo do servidor-agente frente s exigncias da estrutura,

    mesmo que se tenha em vista suas ambiguidades acerca do processo verticalizado. Esse

    aspecto pode ser observado na fala do servidor-agente 6 que explicita que o processo

    eletrnico possibilitou seu reconhecimento como um agente ativo nas aes desenvolvidas

    para contornar os efeitos colaterais da implantao do processo eletrnico:

    Acho que a mudana vai ocorrer, ora mais pesadamente pela atuao dealgumas pessoas, ora mais pesadamente pela atuao do coletivo, e um vaiinterferir no outro. Eu acho que eu tenho uma posio poltica detransformao, com uma discusso de conscientizao e a gente podeconcretamente pensar, sobre tirar uma pessoa de um estado e ajudar essa

    pessoa a sair desse estado e ir para um outro estado.

    Fica claro nos relatos que as aes de horizontalizao da Secretaria de Gesto de

    Pessoas fizeram emergir um agente com capacidade de intervir em um processo que noprevia sua participao. Essa experincia gerou um processo de aprendizagem organizacional

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    acerca de um fenmeno pioneiro na poca; qual seja: implantao de um sistema eletrnico

    no judicirio brasileiro. O protagonismo do servidor-agente se deu, portanto, na dialtica entre

    seu poder de intervir e a permeabilidade da estrutura aprendente.

    ...a gente j travou embates de participao, colocando o servidor comoponto central da questo. Fomos at eles, ouvimos os que j trabalhavaminformalmente, aproximamos a realidade da literatura e, com dilogo,conseguimos acompanhamento peridico a esses servidores levando emconta a nossa realidade aqui do tribunal e no de outra instituio (Servidor-agente 7)

    Finalmente, faz-se necessrio destaca o aspecto poltico das relaes de poder do

    servidor-agente nesse processo (Arendt, 2010). O servidor-agente 7 afirma que: fizemos um

    trabalho de articulao poltica em nvel macro: propondo projetos que faam correo naestrutura de cargos: precisa-se de mais analistas e menos tcnicos. Seu relato um exemplo

    das possibilidades de interveno ascendentes de organizao poltica identificadas nas falas

    dos servidores-agentes. O modo dialtico como foi estruturada a resistncia dos servidores-

    agentes aos mecanismos verticalizados descendentes da estrutura gerou um processo de

    aprendizagem organizacional que os apropriou da capacidade de intervir no processo, de

    inserir elementos distintivos nas propriedades estruturais previamente atribudas e atribuir

    sentidos ou direes singulares sua agncia na horizontalizao promovida pela Secretaria.

    Experincia nica, singular e social de aprendizagem organizacional.

    4 DISCUSSO

    As prticas identificadas na relao de verticalizaohorizontalizao que permeou

    a transformao do trabalho no TRF evidenciaram relaes de poder na dialtica de controle

    entre a estrutura (implantao do processo eletrnico) e os agentes humanos (servidores

    pblicos). Os resultados empricos evidenciam um processo de aprendizagem organizacional

    pautado pela capacidade dos agentes em intervir em um processo para o qual no se

    preconizava tal participao. Em sendo assim, dois aspectos sero discutidos nessa seo

    como aes concretas de interveno que promoveram aprendizado no TRF.

    Primeiro, h que se reconhecer o papel dos agentes no balizamento da velocidade pela

    qual o processo eletrnico foi implantado e com qu o modo de trabalho at ento vigente foi

    sendo modificado. De incio, tem-se que os conceitos de dualidade da estrutura e de agente

    foram constatados neste estudo como sendo fundamentais para compreender a atuao da

    secretaria de gesto de pessoas com relao ao evento crtico e a insero dos servidores noprocesso de mudana. A implantao do processo eletrnico no sistema judicirio brasileiro

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    foi uma deciso tomada em decorrncia, principalmente, da demanda social por uma justia

    mais clere. Suas propriedades estruturais foram programadas para que a transformao do

    processo judicial fsico em virtual fosse rpida e verticalizada. No foi planejado um espao

    de participao dos agentes, em que se pese que suas funes laborais fossem ser esvaziadas

    ou extintas. No entanto, em funo das caractersticas do agente destacadas nos resultados

    dessa pesquisa, pode-se obsevar que os servidores-agentes desse processo puderam balizar a

    velocidade com que essas transformaes impactaram em suas rotinas de trabalho. As prticas

    de discusso, participao, problematizao e negociao criaram, em contrapartida,

    processos horizontais que tiveram o efeito de atenuar a verticalidade das demandas.

    Nesse ponto, recupera-se Giddens (2009) quando ele prope que o homem da

    sociedade moderna um agente inserido na sociedade, capaz de transformar seu contexto com

    criatividade a partir de fenmenos sociais j existentes. Por outro lado, as reflexes de Arendt

    (2010) tornam-se particularmente pertinentes a contextos que passam por transformaes

    institucionais, pois a autora concebe o agente em ao como sendo capaz no s de produzir

    algo, mas, principalmente de reconhecer-se e ser reconhecido como sujeito a partir dessa sua

    ao partilhada. Ou seja, ao agir e ao falar, os homens mostram quem so, revelam seu

    aparecimento no mundo humano (Arendt, 2010, p. 224). Destaca-se o ponto no qual ela

    reflete que o homem, enquanto singularidade existencial, no pode constituir-se em totalidade

    fora do mbito das relaes polticas e de poder, uma vez que elas so indissociveis da

    prpria constituio desse mundo em que se do as aes humanas.

    Se algum quiser ver e conhecer o mundo tal como ele realmente, spoder faz-lo se entender o mundo como algo comum a muitos, que estentre eles, separando-os e unindo-os, que se mostra para cada um de maneiradiferente e, por conseguinte, s se torna compreensvel na medida em quemuitos falarem sobre ele e trocarem suas opinies, suas perspectivas unscom os outros e uns contra os outros. (Arendt, 2012, p. 59).

    Tais reflexes filosficas so iluminadoras para o objeto de estudo em questo, uma

    vez que a capacidade de o agente intervir no seu contexto no designa um aspecto meramente

    instrumental ou imperativo existncia humana. Ao contrrio, Arendt (2010, 2012)

    demonstra que justamente a capacidade de agir que atribui ao homem sua singularidade

    existencial. Em outras palavras, a realizao do agente em sua vita activa isto , em suas

    condies bsicas enquanto ser humano tem a ao como condio sine qua non de suaexistncia:

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    Os homens podem perfeitamente viver sem trabalhar, obrigando outros atrabalharem para eles; e podem muito bem decidir simplesmente usar e fruirdo mundo de coisas sem lhe acrescentar um s objeto til; a vida de umexplorador ou senhor de escravos e a vida de um parasita podem ser injustas,mas certamente so humanas. Por outro lado, uma vida sem discurso e semao e esse o nico modo de vida em que h sincera renncia de todaaparncia e de toda vaidade, na acepo bblica da palavra literalmentemorta para o mundo; deixa de ser vida humana, uma vez que j no vividaentre os homens. (Arendt, 2010, p 220)

    O segundo aspecto que destacamos no processo de aprendizagem organizacional

    investigado refere-se ao espao social possibilitado pelo movimento da Secretaria de Gesto

    de Pessoas de posicionar os servidores como agentes capazes de negociar e intervir nas

    mudanas crticas decorrentes da deciso de implantao do processo eletrnico. A partir dasproposies de Hannah Arendt (2012), podemos compreender esse espao coconstrudo pela

    Secretaria de Gesto de Pessoas como um lugar em que os diversos servidores agentes

    exerceram seu poder de intervir. E o fizeram por meio da flexibilizao horizontal das

    relaes e do processo estrutural. Atravs de relaes pautadas na horizontalidade e

    flexibilidade, os agentes puderam intervir nas propriedades estruturais planejadas para esse

    processo e, tambm, de conferir um sentido singular sua existncia nesse contexto,

    inscrevendo elementos de diferena na estruturao da implantao do processo eletrnico.Constata-se esse padro de interveno no fato de os servidores-agentes da secretaria terem

    buscado criar aes que no fossem pautadas por modelos de gesto tradicionais. Ao invs de

    propostas engessadas, os servidores-agentes priorizaram alternativas de trabalho construdas

    coletivamente, implantando novos modos de agir baseados em inovaes pontuais emergidas

    das prprias prticas de trabalho.

    A consequncia mais latente da adoo de processos pautados pela horizontalidade e

    flexibilidade foi a oportunizao de os prprios servidores agentes se reconhecerem

    mutuamente como corresponsveis pelo processo de mudana estrutural. Esse

    reconhecimento fortaleceu a emergncia de aes pautadas pela necessidade de novos modos

    de agir frente s novas demandas estruturais (Giddens, 2009). Nesse sentido, os servidores-

    agentes foram desafiados a inventar uma prtica de lidar com o contexto a partir do prprio

    local em que se faziam necessrias as mudanas. Como consequncia, por exemplo, funes

    que seriam extintas foram redesenhadas justamente pela negociao realizada por meio da

    ao concreta dos agentes ao produzir novos sentidos para o modo e o processo de trabalho.

    Tomando os achados empricos das entrevistas, observamos o destacado papel que as

    especificidades singulares e a bagagem de conhecimentos adquiridos ao longo da vida de cada

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    um dos servidores-agentes desempenharam nas aes prticas colocadas em curso por cada

    um deles (Giddens, 2009). O modelo adotado pela Secretaria de Gesto de Pessoas contrasta

    com o planejamento preconizado previamente pela instituio. De acordo com os dados, o

    modelo anterior possua caractersticas que priorizavam uma perspectiva de gesto

    tradicional, de restrio das aes dos agentes de modo a possibilitar menos intervenes

    desses sobre o processo. A consequncia desse tipo de estruturao se observa em uma menor

    identificao com seus objetivos; o que resulta em baixa apropriao singular por parte dos

    agentes.

    A horizontalidade e a dinmica mais flexvel criada pela Secretaria para lidar com as

    consequncias do evento crtico possibilitaram a emergncia de processos de aprendizagem

    permeados por trocas intersubjetivas. Essa estratgia de gesto promoveu o enriquecimento

    das aes dos agentes e das intervenes da Secretaria em mbito macro e micropoltico.

    Diversas formas em que os servidores-agentes mostraram-se capazes de influenciar o poder

    manifestado pelos outros e pela prpria instituio se desdobraram da; o que permitiu aes

    prticas e ativas no processo de transformao que promoveu a experincia nica e

    significativa de aprendizagem organizacional no TRF (Giddens, 2009). Em funo da atuao

    simultnea da Secretaria nos mbitos macro e micropolticos, foi possvel a implantao de

    um modelo de gesto distinto do preconizado, com legitimidade e capacidade de contrapor-se

    pretenso de uma imposio verticalizada do processo eletrnico.

    Com base nas evidncias, constatou-se que as relaes intersubjetivas entre os

    servidores-agentes foram os espaos sociais onde ocorreram os processos de aprendizagem

    organizacional e de gerao de conhecimento na prtica (Gherardi; Nicolini; Odella, 1998;

    Gherardi; Nicolini, 2001; Giddens, 2009).

    Conforme a perspectiva sociolgica, aqui adotada para interpretao dos resultados, a

    aprendizagem tende a estar associada a uma prtica que desenvolvida por um grupo; a partirda qual emerge uma identidade baseada na participao. H que se destacar a necessidade de

    atentar para a dimenso poltica contida nessas prticas, seja no balizamento das velocidades

    seja na coconstruo da horizontalizao identificados nessa pesquisa. Arendt (2012) destaca

    que a poltica aquilo que indissocivel da pluralidade humana, no sendo, entretanto, uma

    caracterstica dos seres humanos. A dimenso poltica uma instncia que emerge - s e

    somente - quando sujeitos estabelecem entre si relaes pautadas pela liberdade e pela

    pluralidade. Ou seja, a poltica na viso da autora aquilo que surge no dilogo livre entresujeitos diferentes. Ao encontro dessa colocao,Antonocopoulou e Chiva (2007) definem a

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    dimenso poltica como uma caracterstica das relaes sociais em que so criadas mltiplas

    possibilidades durante as negociaes entre os agentes com interesses diferentes. Nesse

    processo, o poder visto como o meio atravs do qual os conflitos de interesses so

    resolvidos, sendo tambm uma fonte para reforar as escolhas dos agentes durante o processo

    de interao.

    Tendo como base esse referencial, verificou-se, durante o processo de aprendizagem

    organizacional no TRF a, a adoo de um modelo de gesto com compreenso histrica mais

    ampla, capaz de desenhar tendncias e antecipar leituras, e com reflexo tica baseada,

    predominantemente, na experincia prtica dos prprios servidores da instituio. A

    combinao favorvel poltico ideolgica foi um fator importante no reconhecimento por

    parte dos servidores-agentes das caractersticas duais da estrutura na qual estavam inseridos.O resultado disso foi que os servidores-agentes foram mobilizados a sarem de seus campos

    de conforto para construir novas realidades a partir das demandas desencadeadas por esse

    evento. Nesse ponto, as contribuies de Giddens (2009) servem reflexo crtica do

    processo de aprendizagem, pois o autor tira o homem de uma posio de passividade e o

    coloca como agente capaz de participar ativamente dos resultados obtidos a partir dos efeitos

    causados por suas aes.

    Por fim, como exemplo mais marcante da efetividade das prticas pautadas pelahorizontalidade adotadas pela Secretaria, destaca-se a estruturao do processo de

    regulamentao do teletrabalho para os servidores do TRF. Essa regulamentao estava, por

    um lado, condicionada s demandas verticalizadas da instituio. Ela pde ser resignifica

    justamente pela ao pautada na experincia dos servidores agentes envolvidos, atravs de

    processos dialgicos de enfrentamento. A insero desses servidores-agentes no grupo de

    trabalho que atuou na regulamentao da nova modalidade foi uma consequncia direta e

    efetiva da adoo do modelo de gesto ampliado para a implantao do processo eletrnico.Ao invs de fundamentar suas aes em modelos de outras instituies, nas quais o

    teletrabalho j era uma realidade, os servidores-agentes puderam se basear nas prprias

    experincias internas e informais de teletrabalho que j ocorriam na instituio. E foram

    capazes de intervir nesse processo por meio dos espaos de resistncia coconstrudos pela

    Secretaria. Do dilogo entre os servidores emergiu, por exemplo, a constatao dos riscos

    reais dessa nova modalidade de trabalho que passaria a ser exercida em tempo integral na vida

    dos trabalhadores. Alm disso, foram identificadas diversas crticas com relao ao aumento

    de metas para os servidores que optariam pelo trabalho a distncia. Outro ponto destacado foi

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    o potencial de isolamento social e de distanciamento da cultura organizacional promovido

    pelo teletrabalho; aes que poderiam fragmentar ainda mais a fora da classe trabalhadora na

    instituio. Como ltimo apontamento desses dilogos, derivaram propostas que sugeriram o

    acompanhamento peridico dos teletrabalhadores por parte da Secretaria de gesto de pessoas

    do TRF.

    CONSIDERAES FINAIS

    O objetivo da presente pesquisa foi investigar o processo de aprendizagem

    organizacional em uma situao de mudana crtica no sistema judicirio brasileiro. Para

    tanto, os resultados foram apresentados e discutidos pela lente das aes identificadas nos

    servidores-agentes para lidar com a situao de mudana crtica no processo de trabalho, luzda perspectiva sociolgica de Giddens (2009). A contribuio que se buscou foi produzir

    avanos por meio da compreenso aprofundada dos modos de estruturao e das relaes de

    poder agenciadas em um contexto de aprendizagem organizacional.

    O processo de aprendizagem organizacional da Secretaria de Gesto de Pessoas se deu

    de forma alicerada em aes horizontais, de participao social e nas relaes de poder que

    permeiam o processo de implantao do processo eletrnico no TRF. A Teoria da

    Estruturao serviu de apoio descrio dos principais aspectos identificados no processo deaprendizagem organizacional na Secretaria do TRF, em decorrncia da mudana crtica no

    processo de trabalho dos servidores desta instituio. A implantao do processo eletrnico se

    configurou no contexto social em que o servidor se apresentou como agente capaz de intervir

    nas propriedades e no sistema estrutural em est inserido como trabalhador.

    A principal contribuio da perspectiva sociolgica adotada nessa pesquisa foi

    possibilitar a constatao emprica de que o processo de aprendizagem organizacional da

    Secretaria baseou-se na agncia dos servidores-agentes e nas negociaes de poder quepautaram suas aes na prtica. Esse processo singular deveu-se especialmente s

    caractersticas poltico ideolgicas dos servidores-agentes que estavam frente do processo.

    Apesar de no haver um conhecimento prvio sobre qual padro de gesto adotar diante de tal

    evento, as prprias prticas e rotinas de trabalho adotadas pela Secretaria possibilitaram a

    emergncia de um novo modelo de gesto, mais dinmico e horizontal. Em que pese que sua

    prtica de gesto no esteja dissociada do projeto geral da instituio, a ao dos servidores da

    Secretaria proporcionou uma interveno direta dos servidores-agentes nos desdobramentos

    mais amplos de estruturao da instituio nesse momento de mudanas aceleradas.

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    A pauta dos gestores contemporneos vem exigindo cada vez mais a necessidade de

    adaptao e incorporao de novas demandas. Comin, Inocente e Miura (2011) argumentam

    que as pesquisas em gesto de pessoas ainda identificam dificuldades pelo aparente

    desinteresse dos profissionais em comunicar suas prticas ou em divulgar aes bem

    sucedidas por meio de publicaes cientficas. No presente estudo o modelo de gesto

    desenvolvido pela Secretaria foi pautado na relao social, incluindo sua dimenso poltica.

    Esse espao social permitiu aos servidores agentes cocriarem um ponto de contraposio

    imposio institucional; alm de se configurar como espao de agregao dos agentes

    resistentes. As prticas mais horizontais e dinmicas possibilitaram aes prticas que foram

    alm de apenas balizar a velocidade das mudanas impostas no processo eletrnico. A

    participao social dos servidores impactados pelo processo lhes conferiu ao poltica detransformao da mudana prevista quanto a diferentes aspectos do processo; quais sejam:

    aqueles que se mostraram maleveis nas negociaes estabelecidas nas relaes de poder.

    Decorre desse fenmeno, que os servidores puderam ascender de uma posio de passividade

    para tornarem-se agentes de uma interveno ampla e conjunta em um processo de

    estruturao em nvel macro e micropoltico.

    importante frisar que, apesar da proposta inovadora desse modelo de gesto pautado

    menos por dinmicas rgidas e hierrquicas e mais na dinmica transacional com a estrutura,no se pode desconsiderar que aspectos macropolticos tambm interferem nos rumos da

    estruturao. Sobre essa questo, Colombo (2012) aponta que existem tendncias de

    mudanas com potencial de grande impacto que j esto em fase inicial de desenvolvimento

    na ambincia pblica. Ele alerta, por exemplo, que se no forem adotadas medidas de mdio e

    longo prazo para sanar a necessidade da transformao do perfil exigido dos servidores a

    ingressarem no poder judicirio, parte das vantagens geradas pelo processo eletrnico podero

    ser anuladas por efeitos imprevistos ou indesejveis. Nesse sentido, faz-se necessrio que acapacidade dos agentes de agirem sobre a estrutura e se tornarem sujeitos de sua ao possa

    ser mobilizada por modelos de gesto mais dinmicos e sensveis ao papel primordial que os

    agentes e suas relaes contextuais representam na constituio final da prpria estrutura.

    Como limitao desse estudo, expe-se que a maioria dos profissionais da Secretaria

    de Gesto de Pessoas, especialmente os gestores atuais, detm uma viso social crtica mais

    ampliada - tendo em vista a formao que possuem em sociologia, psicologia social, entre

    outro. Esse aspecto coloca a poltica, a autonomia do servidor e as relaes de poder como

    central na construo de novas relaes humanas de trabalho. Dessa forma, em outra

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    ambincia, dada a existncia de viso poltica mais estreita, o processo de Aprendizagem

    Organizacional pautado pelo protagonismo do servidor-agente pode no ser alcanado.

    Finalmente, esse estudo traz contribuies para reflexes mais aprofundadas acerca do

    processo de Aprendizagem Organizacional em sua perspectiva sociolgica por considerar a

    dimenso poltica e de poder da condio humana que se destaca nas reflexes de Hannah

    Arendt (2010, 2012). Novos estudos nessa linha so sugeridos.

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    490IMPLANTAO DE PROCESSO ELETRNICO NO SISTEMA JUDICIRIO: UM

    ESTUDO SOBRE APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL EM UMA SECRETARIA DEGESTO DE PESSOAS

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