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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Pedro Ivo Vieira Silva AUTORIZAÇÕES PORTUÁRIAS e a exploração de terminais privados no novo marco legal MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Pedro Ivo Vieira Silva

AUTORIZAÇÕES PORTUÁRIAS e a exploração de terminais privados no novo marco legal

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Pedro Ivo Vieira Silva

AUTORIZAÇÕES PORTUÁRIAS e a exploração de terminais privados no novo marco legal

MESTRADO EM DIREITO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Administrativo.

Orientador: Professor Dr. Carlos Ari Sundfeld.

SÃO PAULO 2014

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Banca Examinadora

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Este trabalho é dedicado ao meu grande amor, Sophia. Aos meus pais, Nathanael e Rita.

E ao meu irmão, João Vitor.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, primeiramente, ao grande responsável por este trabalho -

Professor Carlos Ari Sundfeld. Foi um privilégio ter sido orientado por este grande jurista.

Gostaria de agradecer aos Professores Floriano de Azevedo Marques Neto e Jacintho

Arruda Câmara por terem aceitado o convite de formar a banca examinadora. É uma grande

honra.

Agradeço, ainda, à Professora Dinorá Adelaide Musetti Grotti e ao Professor Jacintho

Arruda Câmara pela seriedade e pelos excelentes apontamentos durante a banca de

qualificação.

Sou especialmente grato à Estruturadora Brasileira de Projetos - EBP, um lugar

incrível com pessoas excepcionais, que me fez crescer muito profissionalmente. Hélcio, Duda

e toda equipe: muito obrigado!

Por fim, agradeço à Sophia, aos meus pais, e a todos aqueles que me apoiaram neste

desafio. Não foram poucos os momentos de ansiedade em que estas pessoas fizeram toda a

diferença para me manter no caminho certo.

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RESUMO O presente estudo trata da exploração de Terminais Portuários de Uso Privado

(TUPs) e o tratamento conferido pelo novo marco legal de 2013 (Lei n. 12.815). O estudo possui três objetivos centrais. O primeiro é compreender melhor a utilização da autorização como instrumento de outorga de serviço público para sua exploração em um regime mais aberto, flexível e regido majoritariamente pelo direito privado. O segundo é analisar especificamente a autorização portuária dentro da lógica do novo marco legal com foco nas principais hipóteses de ingerência estatal na liberdade de exploração dos TUPs. O terceiro e último objetivo procura desenvolver a assimetria regulatória existente entre os terminais públicos e privados sob a perspectiva da política pública trazida pelo novo marco regulatório.

Palavras-chave: direito administrativo, serviço público, portos, novo marco regulatório, autorizações portuárias, terminais de uso privado, autonomia privada, assimetria regulatória.

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ABSTRACT The following study deals with the exploitation of Private Port Terminals (TUP) and

the treatment given by the new port statute (Law n. 12.815/2013). The study has three main aims. The first one brings the authorization as a legal instrument of public service concession for an exploitation in a more flexible system. The second one aims specifically the port authorization and the logic of the new port statute focusing on how the State interfere the exploration of TUPs. The third and last one regard the regulatory asymmetry between public and private port terminals from the perspective of public policy brought by the new port statute.

Key-words: administrative law, public service, ports, new port statute, port authorization, private port terminals, enterprise, regulatory asymmetry.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

2 BREVE HISTÓRICO NORMATIVO 18

2.1 A estratégia de governo e a centralização de competências 28

3 A NOVA LEI DOS PORTOS 33

3.1 Separação dos regimes jurídicos de exploração portuária (definição de porto organizado) 35

3.2 Concessões de portos organizados e arrendamentos de terminais públicos 39

3.2.1 Os novos critérios de seleção 45

3.2.2 A oportunidade de agrupamento e otimização das áreas dos terminais públicos 50

3.2.3 Comentários finais 52

3.3 Autorização de instalação portuária localizada fora da área do porto organizado 54

3.3.1 Breve histórico da restrição de cargas nos terminais de uso privativo misto 55

3.3.2 A impertinência da restrição e a liberação pelo novo marco legal 58

4 AUTORIZAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE OUTORGA DE SERVIÇO

PÚBLICO PARA EXPLORAÇÃO EM REGIME PRIVADO 64

4.1 A evolução do conceito clássico de serviço público e a influência da doutrina

francesa sobre a brasileira 64

4.2 A evolução do instituto da “autorização” 69

5 AUTORIZAÇÃO PORTUÁRIA E A EXPLORAÇÃO DE TERMINAIS

PRIVADOS NO NOVO MARCO LEGAL 78

5.1 O risco político-regulatório 80

5.2 A migração do modelo de “terminal de uso privativo” para o modelo de

“terminal de uso privado” 83

5.3 Questões anteriores à celebração do contrato de adesão 86

5.3.1 Direito subjetivo? 86

5.3.1.1 Compatibilidade com o planejamento e as diretrizes setoriais 90

5.3.1.2 Viabilidade locacional 93

5.3.2 Inaplicabilidade da regra da licitação 95

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5.3.2.1 Procedimentos administrativos como garantia de tratamento isonômico

entre os interessados 96

5.3.2.2. Prazo para implantação e início das operações 99

5.4 Questões afetas à execução do contrato de adesão 101

5.4.1 Estabilidade jurídica (não aplicabilidade do caráter precário da autorização) 101

5.4.1.1 Obrigações impostas unilateralmente 104

5.4.1.1.1 Por que prazo máximo para TUPs? 107

5.4.1.2 O que se esperar do acesso excepcional de terceiros? 108

5.5 Questões posteriores à execução do contrato de adesão 111

5.5.1 O direito a renovações sucessivas? 111

5.5.1.1 As hipóteses restritas de extinção da autorização 114

5.5.1.2 Inaplicabilidade da reversão de bens privados 116

5.5.1.3 Considerações Finais 117

6 ASSIMETRIA REGULATÓRIA ENTRE TERMINAIS PÚBLICOS E PRIVADOS 119

6.1 A assimetria regulatória vista como instrumento legítimo de política pública 120

6.2 Efeitos desejáveis e indesejáveis que os terminais privados tendem a exercer sobre

os terminais públicos 126

7 CONCLUSÃO 129

BIBLIOGRAFIA 135

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1 INTRODUÇÃO

Qual seria a orientação normativa da nova Lei dos Portos de 2013? O que a história

teria a nos contar? Quais foram os fatores determinantes para a revisão do marco regulatório?

Qual o modelo da autorização portuária? O que há de novo envolvendo exploração de

terminais portuários privados? Este modelo seria compatível com a Constituição Federal e

com os preceitos que norteiam os serviços públicos?

O setor portuário possui um enorme peso na cadeia logística brasileira. Em recente

estudo, realizado pelo consórcio liderado pela Booz & Company do Brasil Consultores Ltda.

com o apoio do Fundo de Estruturação de Projetos vinculado ao Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (FEP/BNDES)1, apontou-se que 95% do volume do

comércio exterior brasileiro passa pelos complexos portuários brasileiros, o que significa, com

base no ano de 2010, aproximadamente 850 milhões de toneladas de carga. Os números

mostram a relevância do elo que este setor representa na cadeia produtiva e a sua importância

para o desenvolvimento econômico nacional.

Entretanto, o país possui um dos maiores custos logísticos do mundo, o que revela um

fator de peso no famigerado custo Brasil. De acordo com o levantamento realizado pela

Fundação Dom Cabral2, o custo logístico brasileiro representa aproximadamente 12% do seu

produto interno bruto, comprometendo mais de 13% da receita das empresas. O fato é que se

investe muito aquém em infraestrutura logística, o que impacta sobremaneira no escoamento

da produção nacional. Com custo logístico alto, o país perde competitividade no contexto

internacional, impactando negativamente a balança comercial.

No dia 16 de maio de 2013, o Governo da Presidenta Dilma Rousseff enfrentou aquele

que pode ser considerado o maior embate político desde o início de seu mandato – a

conversão da Medida Provisória n. 595 na Lei Federal n. 12.815. A referida lei disciplina a

exploração direta e indireta dos portos e instalações portuárias no Brasil. Nem mesmo outros

projetos de ampla repercussão pública, tais como o novo código florestal e a repartição dos

royalties do petróleo, exigiram tamanha articulação política para sua aprovação.

                                                                                                               1 FEP/BNDES. Análise e Avaliação da Organização Institucional e da Eficiência de adesão do Setor Portuário Brasileiro. São Paulo: Booz & Company, 2012. Bibliografia. 1. Disponível em 2 Estudo da Fundação Dom Cabral (disponível em: http://www.fdc.org.br/pt/PublishingImages/noticias/2012/pesquisa_custo_logistico.pdf, acesso em 23 de maio de 2014).

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Para se ter uma ideia do embate político, a Medida Provisória n. 595 foi convertida em

lei no Senado Federal faltando apenas 5 horas para a sua caducidade, após uma sessão que se

estendeu por mais de 22 horas na Câmara dos Deputados3. Um dos pontos centrais do debate

envolvia justamente a possibilidade de maior participação privada em uma atividade

constitucionalmente reservada ao Estado.

Trata-se de discussão que já se arrasta desde o antigo marco legal, há mais de vinte

anos, envolvendo a outorga de autorizações a particulares para a exploração de terminais

portuários privados. Como sabemos, a exploração de portos marítimos, lacustres e fluviais no

Brasil é atividade prevista no artigo 21 da Constituição Federal. Logo, por se tratar de serviço

público reservado à União, seu regime de exploração deve seguir, em linhas gerais, as normas

de direito público conforme disposto no artigo 175 da Carta Maior.

Ocorre que, assim como em outros setores igualmente atribuídos ao Estado, desde a

antiga Lei de Modernização dos Portos (Lei n. 8.630/93), utiliza-se a “autorização” como

forma de exploração indireta da atividade pelo poder concedente. Se sob a vigência da antiga

lei já era difícil definir as características da autorização portuária, tendo em vista sua

proximidade com a exploração de atividade econômica em sentido estrito, o novo marco

legal, aproximando ainda mais a atividade ao campo de atuação privada, trouxe novos

desafios ao intérprete no esforço de coadunar a autorização com os preceitos de ordem

pública.

Mais especificamente, muito embora o novo marco legal tenha contribuído para a

elucidação de pontos polêmicos – como a definição mais precisa dos regimes jurídicos

aplicáveis ou, ainda, a eliminação da distinção entre carga própria e carga de terceiros – ele

veio acompanhado de novos debates.

Por exemplo, no âmbito dos terminais privados o legislador previu, de um lado, a

“autorização” como instrumento de abertura do setor para a exploração privada por qualquer

interessado que preencher os requisitos exigidos. Mas, por outro lado, previu mecanismos

com elevado potencial de ingerência estatal na gestão empresarial destes ativos privados.

Trata-se de um regramento normativo complexo, com um sistema de freios e

                                                                                                               3 VALOR ECONÔMICO – “Governo vence a batalha dos portos com Renan e Alves”. Disponível em: http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/3127666, acesso em 11 de maio de 2014.CBN – “MP dos Portos é aprovada após 22 horas de sessão”. Disponível em http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/economia/2013/05/16/mp-dos-portos-e-aprovada-apos-22-horas-de-sessao, acesso em 11 de maio de 2014.

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contrapesos nada trivial e que pode gerar séria insegurança jurídica. Ademais, o tratamento

conferido aos terminais privados ampliou a assimetria existente entre eles e os terminais

públicos localizados dentro dos portos organizados.

O presente estudo trata, justamente, destes três importantes debates, quais sejam: (i) a

figura da autorização como instrumento de outorga de direitos para exploração de serviço

público em regime privado; (ii) as características da autorização portuária no novo marco

legal, e; (iii) a assimetria regulatória existente entre terminais públicos e privados.

Vale destacar, entretanto, que o presente trabalho, assim como fez a nova Lei dos

Portos, isolou o modelo de privatização através da emissão de autorização a áreas e

instalações localizadas sempre fora dos limites dos portos organizados. Logo, o presente

estudo não engloba os antigos terminais de uso privativo, seja ele exclusivo ou misto,

localizados dentro dos portos públicos.

O Capítulo 2 busca trazer um breve histórico normativo do setor, com o intuito de

analisar o caminho percorrido pelas diferentes orientações de governo implementadas ao

longo do tempo até chegarmos ao atual estágio – a revisão do marco legal em 2013. Quais

foram os principais fatores que ensejaram esta revisão? Considerando que a revisão de um

marco legal nunca é algo simples, quais foram as grandes causas que justificaram a adoção

deste meio?

Sempre a depender da forma a ser conduzida pelo Governo, a revisão de um marco

legal pode ensejar instabilidade jurídica, tanto aos agentes já instalados, como também aos

entrantes, o que abala de forma sistêmica a confiança do mercado a ponto de suspender

investimentos em curso e/ou programados.

Esta hipótese pode ensejar efeitos exatamente contrários aos desejados no momento da

revisão, tal como prover o mercado de maior segurança jurídica e fomentar a participação do

capital privado na expansão e modernização do setor. Por outro lado, se bem conduzida a

transição, é possível realocar corretamente os incentivos, acelerando os investimentos

necessários ao desenvolvimento do setor com o mínimo de instabilidade jurídica.

Nesse contexto, a revisão do regramento envolvendo os terminais portuários privados

parece ter sido mais bem recebida pelo mercado se comparada à revisão dos arrendamentos de

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áreas e instalações públicas4. Completado quase um ano do novo marco legal, o Governo

Federal ainda não conseguiu licitar qualquer terminal público. Diferentemente, conforme

divulgado pela mídia, a emissão de autorizações para a instalação e exploração de terminais

privados já são responsáveis por mais de oito bilhões em investimentos no setor5.

O objeto do presente estudo está intimamente ligado à conjectura acima descrita.

Acreditamos de antemão que, mesmo longe da perfeição, o novo marco legal trouxe

importantes avanços na outorga de direitos a particulares para a exploração de terminais

portuários privados.

Isso porque o legislador dotou a nova Lei dos Portos com os principais elementos para

a formação de um ramo mais acessível aos interessados na exploração da atividade portuária

em um regime concorrencial (ao não prever limitações à atividade, abre-se o flanco de agentes

                                                                                                               4 Esta inferência é claramente compreensível na prática. Isso porque os terminais portuários privados não envolvem qualquer uso de bens públicos, ou seja, todo o investimento depende exclusivamente dos particulares. Já no caso dos arrendamentos, que envolvem ativos estatais, encontram-se as principais dificuldades com o advento do novo marco legal, pelo simples fato de que o número de stakeholders é altíssimo, envolvendo os interesses mais diversos possíveis. O simples fato dos atuais arrendatários não quererem sair de seus respectivos negócios já justifica plenamente o esforço de tentar postergar a vigência de seus contratos com o poder público o máximo possível, seja através da assinatura de aditivos, seja através de ações judiciais com antecipação de tutela. 5 FOLHA DE S. PAULO - Empresas privadas aceleram interesse por terminal próprio (5/4/2014) "Enquanto está parado o processo de concessão dos portos públicos, tem crescido o interesse da iniciativa privada em terminais próprios, como alternativa mais barata para escoar mercadorias. [...] Até a nova lei, abrir terminais próprios somente era vantajoso para empresas de grande porte e que movimentavam elevados volumes (Vale, CSN, Petrobras e gigantes do agronegócio). É que havia uma restrição que limitava os investimentos: as companhias só podiam transitar com carga própria, sem abrir espaço a terceiros em seus terminais. Apesar do alto custo de construir um terminal novo, analistas afirmam que as despesas de operação tendem a ser menores. Isso ocorre, segundo especialistas, porque os empreendimentos não estão sujeitos à contratação de mão de obra do Ogmo (Órgão Gestor de Mão de Obra, obrigatório no porto público) nem ao pagamento de valores referentes à concessão (arrendamento e tarifas de movimentação dos portos públicos). De acordo com Rodrigo Paiva, diretor da consultoria Mind Estudos e Projetos, a nova lei cria a figura do investidor privado em infraestrutura portuária e permite a maior participação de estrangeiros graças ao fim da restrição às cargas de terceiros. "Antes, o terminal era apenas um elo da cadeia de uma empresa. Agora, passa a ser um negócio em si", disse. Além disso, afirma, os novos terminais abrem caminho para a movimentação de contêineres (cargas de maior valor) em áreas privativas, o que quase inexiste atualmente. Entre os pedidos de autorização encaminhados à Antaq, estão os de companhias de setores tradicionais como agronegócio (Bunge) e petróleo (Exxon e HRT), mas a maior parte é formada por firmas que constituíram empresas para investir na construção de terminais privativos. (Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/159846-empresas-privadas-aceleram-interesse-por-terminal-proprio.shtml, acesso em 11 de maio de 2014.) VALOR ECONÔMICO - Governo já autorizou instalação de 15 Terminais de Uso Privado (27/03/2014) “Com os novos empreendimentos, já são 14 novos contratos de adesão assinados desde a entrada em vigor do novo marco regulatório do setor definido pela Lei 12.815/2013 (...) O novo ciclo de autorizações para instalações portuárias privadas começou em dezembro do ano passado. Até agora os investimentos previstos somam quase R$ 8 bilhões" (disponível em http://www.valor.com.br/brasil/3495896/governo-ja-autorizou-instalacao-de-15-terminais-de-uso-privado#ixzz2xb5tJoYi, acesso em 11 de maio de 2014). O ESTADO DE S.PAULO - Concessão de porto público deve ficar para o próximo governo (01/04/2014) "(...) maior trunfo são os terminais portuários privados que, ao contrário dos públicos, avançam. De 2013 até agora, já foram autorizados 15 empreendimentos, que mobilizarão investimentos de R$ 7,9 bilhões" (disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,concessao-de-porto-publico-deve-ficar-para-o-proximo-governo,1147562,0.htm, acesso em 11 de maio de 2014).

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privados interessados no serviço portuário como seu mais novo negócio).

Nosso otimismo com os avanços do novo marco legal não afasta, entretanto, os

grandes desafios que a nova Lei dos Portos impôs. Fato é que o novo arcabouço regulatório

possui inúmeros espaços vazios que tendem a ser preenchidos pela atuação do poder

concedente, seja oriundo de seu poder regulamentar (e.g. resolução estabelecendo as

condições do acesso excepcional de terceiros), seja em função de seu poder discricionário

(e.g. a conferência dos projetos privados e o planejamento e as diretrizes setoriais).

De qualquer forma, existem fortes indícios para acreditar no avanço proporcionado

pelo novo marco legal. Vide o número de pedidos de autorização apresentados à Agência

Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Mesmo tendo reagido de forma crítica

durante a vigência da Medida Provisória e logo após a sua conversão na nova Lei dos Portos,

o mercado preferiu as indefinições envolvendo os terminais privados às incertezas do novo

modelo de arrendamentos de terminais públicos.

Vale frisar que os terminais portuários privados, em grande parte dos casos,

demandam volume de investimento bem superior aos terminais portuários públicos, na

medida em que aqueles, salvo raras exceções, são empreendimentos greenfields, desprovidos

de acessos terrestres e aquaviários. Ademais, nos casos dos terminais privados, o risco técnico

e econômico é integralmente do empreendedor interessado, não havendo qualquer espécie de

mitigação por parte do poder concedente.

O terceiro Capítulo desenvolve as vigas mestras da nova Lei dos Portos, seus

objetivos, diretrizes e os respectivos instrumentos para a consecução dos mesmos. A partir de

um marco legal mais claro e bem definido, com o fim precípuo de aumentar a capacidade

geral do sistema por meio do choque na oferta dos serviços portuários (o que provocaria o

aumento na concorrência entre os terminais e a consequente queda nos preços praticados), a

nova lei abriu importantes frentes de atuação de acordo com os grandes modelos contratuais –

concessão, arrendamento e autorização – cada qual dotado de novas características.

Por exemplo, destacam-se as novas configurações para a concessão de portos

organizados, as mudanças no formato dos arrendamentos de terminais públicos e um novo

modelo privado e irrestrito para as autorizações portuárias. Estas frentes de ação culminaram

na revisão de importantes elementos práticos, tais como a função exercida pelo conceito de

“porto organizado”, os novos critérios de seleção que substituíram o antigo maior valor de

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outorga e, notadamente, o fim da restrição de cargas nos Terminais de Uso Privado (TUPs),

extinguindo assim a diferenciação dos conceitos de carga própria e de terceiros.

O quarto capítulo trata da “autorização”, enquanto instituto jurídico do Direito

Administrativo, e os obstáculos doutrinários que restringem seu uso como instrumento de

outorga de serviço público, vinculado, não precário, desprovido de licitação, para exploração

da atividade por particular em regime jurídico privado. Como veremos, este formato ganhou

prestígio a partir da reforma administrativa do Estado em meados da década de 1990 e se

encontra cada vez mais presente em diversas legislações setoriais, dentre elas, as de

telecomunicações, energia elétrica e portuária.

Os dois últimos capítulos aproximam-se mais do cerne do estudo. O quinto capítulo

traz as características da “autorização portuária” no novo marco legal, sempre com foco na

dicotomia entre a liberdade na gestão empresarial pelos proprietários dos terminais privados e

os mecanismos de ingerência em sentido amplo por parte do poder concedente (formulação do

planejamento setorial, regulamentação, fiscalização, etc.).

Iniciamos o capítulo com a perspectiva crítica do modelo. Trata-se do risco político-

regulatório que pode macular o sucesso dos terminais privados. Este risco é, em grande parte,

fruto das lacunas deixadas pelo novo arcabouço regulatório, que pode jogar elementos

essenciais do modelo (direito subjetivo, imposição unilateral de obrigações, hipóteses de

cassação da autorização, entre outros) na vala da discricionariedade do poder concedente

desprovida de parâmetros claros e objetivos.

Destacamos, outrossim, a mudança de orientação normativa, com a substituição do

termo “privativo” pelo termo “privado” nos casos de terminais portuários localizados fora dos

portos organizados em áreas particulares. Tratamos, por fim, dos principais aspectos que

regerão os terminais privados – contrato de adesão, prazo contratual, renovações sucessivas,

inaplicabilidade da licitação e da reversão dos bens privados, entre outros. Buscaremos lançar

uma análise crítica sobre os principais instrumentos de ingerência estatal na atuação dos

autorizatários e alertar sobre os aspectos críticos existentes.

O sexto e último capítulo trata da autorização portuária como um instrumento legítimo

de formulação e implementação de política pública, na medida em que os terminais privados

contam com um regime regulatório mais brando do que os terminais públicos sujeitos a

contratos de arrendamento, o que acaba impactando em certa medida a atuação destes últimos.

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Ocorre que, diferente de uma prática desleal ou predatória, esta postura do legislador

alinha-se com os resultados que se almeja no médio e longo prazo, qual seja, a possibilidade

de entrada de mais competidores no mercado para aumentar a oferta de serviços e, ao mesmo

tempo, reduzir os preços praticados. Este modelo de regulação mais branda surge justamente

como forma de diminuir a barreira de entrada existente em um setor marcado pela dominação

dos agentes já instalados.

Cumpre esclarecer, por fim, algumas peculiaridades no formato metodológico

utilizado no presente estudo. As fontes disponíveis para pesquisas são bastante escassas,

sendo que a grande maioria, considerando o recente advento do novo marco legal, estão

ligadas à antiga legislação do setor. Esta é a grande razão que nos levou a adotar o texto

normativo como principal fonte de pesquisa.

Assim, será a lei, e não a doutrina ou a jurisprudência, o principal insumo para as

reflexões do presente estudo. Mesmo porque, tanto doutrina quanto jurisprudência ainda estão

dando os seus primeiros passos nos novos debates. Manter-se fiel aos contornos do novo

marco legal parece um passo importante nesta nova etapa que se inaugura, com bases ainda

não consolidadas e que merecem reflexões mais detalhadas, como a que se propõe neste

espaço.

A opção pelo recorte metodológico na autorização portuária considerou o histórico de

debate acerca da pertinência em se manter a restrição na exploração dos terminais privados

(antigos terminais de uso privativo exclusivo ou misto). Por muito tempo procurou-se

resposta definitiva para a natureza jurídica do instituto, porém sem grande êxito. A lei parece

ter avançado neste sentido.

Além disso, a ênfase no objeto proposto mostra-se pertinente, na medida em que as

autorizações tendem a concentrar grande parcela das atividades portuárias no Brasil, sendo

que o êxito na crescente inserção de competição no setor dependerá do seu sucesso. Por

último, é na imbricação deste modelo de negócio com os arrendamentos de terminais públicos

que se encontra a assimetria regulatória existente no setor, alvo de grandes debates.

Ademais, analisar os terminais de uso privativo, localizados dentro dos limites das

poligonais dos portos organizados, muito embora tentador, mostrou-se completamente

inviável. Ocorre que o novo marco legal foi claro ao dispor sobre o limite entre domínio

público e privado, definido pela linha limítrofe que circunda os portos organizados,

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denominada poligonal.

Portanto, a princípio, toda e qualquer área ou infraestrutura localizada dentro deste

limite é bem público sujeito a exploração, ou direta pela União, ou indireta por terceiros a

partir da celebração dos contratos de concessão ou dos contratos de arrendamento. Com

efeito, parece que a solução para estes terminais privados não será uma tarefa trivial. Assim,

este estudo não se aplica aos terminais privados localizadas dentro dos portos organizados.

Por fim, vale lembrar que o estudo não trata, igualmente, dos contratos celebrados

entre as autoridades portuárias federais, estaduais ou municipais e agentes privados para a

exploração de áreas e infraestruturas não operacionais, nem dos futuros contratos a serem

celebrados entre os concessionários dos portos públicos e os agentes privados para a

exploração dos terminais sob seu domínio.

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2 BREVE HISTÓRICO NORMATIVO

Pode-se dizer que a história do setor portuário, assim como outros setores sensíveis às

fases político-econômicas que o país atravessou, teve uma espécie de movimento pendular, no

sentido de alternar fases dotadas de maior intervenção estatal (normalmente atreladas a

governos centralizadores em momentos de pujança econômica), e outras fases com maior

atuação de agentes privados (decorrentes da ineficiência gerencial e/ou incapacidade de

financiamento público)6.

Estes movimentos atávicos parecem ajudar a mapear o racional por trás das fases de

maior ou menor participação dos particulares, o que também se aplica ao caso da exploração

de portos no Brasil. Em outras palavras, a partir da evolução histórica é possível verificar um

ir e vir do Estado, buscando muitas vezes atrair maior participação privada sem, contudo,

afastar o seu amplo poder de ingerência e controle sobre a atividade.

O Decreto n. 1.746 de 1869 instituiu as primeiras outorgas de portos públicos. Além

disso, a norma criou as primeiras companhias docas do país e, em função disso, ficou

conhecida como “Lei das Docas”. O referido decreto previa ainda a possibilidade de o

Governo contratar empresários para a construção de docas e armazéns, com foco na melhoria

dos portos existentes e na implantação de outros novos.

Itiberê de Oliveira Castellano Rodrigues7 traça um rico histórico normativo do setor,

abordando desde o regime portuário na época do Império – Constituição de 1824 – até o

marco legal vigente à época do fechamento de seu artigo, em 2012. O autor relata a origem                                                                                                                6 Vera Monteiro, citando Caio Tácito, explica que esse ir e vir da história teve início no período colonial, fase em que o monarca concentrava o domínio sobre a ordem econômica, captando recursos do erário para o financiamento dos serviços de interesse coletivo. Já na segunda metade do século XIX, o sentido deste movimento muda, e o capital privado passa a assumir importante função na exploração dessas atividades. Por sua vez, nas primeiras décadas do século XX, no período pós-Primeira Guerra Mundial, novos direitos passam a integrar o conjunto de garantias fundamentais, o que leva à criação de monopólios da União na prestação de atividades essenciais (artigo 116 da Constituição de 1934). As décadas de 1930 e 1940 são marcadas pelo ingresso das empresas estatais no desenvolvimento econômico do país. Essa expansão da intervenção direta do Estado na economia atinge seu ápice no início da década de 1980, pouco antes da forte crise mundial que impacta o poder de financiamento público. Nesse instante, juntamente com a estabilização da democracia brasileira em 1988, tem início um processo de retomada da abertura da ordem econômica com a consequente diminuição do estado prestacional. Esta tendência se intensifica a partir dos anos 1990 com a estabilização monetária e cambial. É o momento de importantes leis gerais e setoriais para regrar as parcerias entre poder público (repleto de atribuições de interesses sociais) e o privado (MONTEIRO, Vera. Concessão. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 25). 7 RODRIGUES, Itiberê de Oliveira Castellano. Evolução histórico-jurídica do regime de exploração de portos no Brasil e o regime da Constituição de 1988. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, v. 10, n. 38, jul./set. 2012, p. 148.

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dos primeiros contratos de concessão de obra pública no direito administrativo brasileiro que

se deram justamente no campo portuário.

Nos primeiros contratos de concessão era conferido aos particulares o direito de

realizar obras de expansão e melhoria nos portos e, em contrapartida, cobrava-se “taxas de

uso e de passagem” diretamente dos usuários. Cite-se, como exemplo, as concessões de obras

públicas envolvendo os portos de Santos (SP) e do Rio de Janeiro (RJ), os quais tinham como

objeto a expansão e a melhoria da infraestrutura mediante a cobrança de tarifas.

O Decreto n. 9.979/1888 8 , editado pela Princesa Imperial Regente, regulava a

exploração do porto de Santos pelo prazo de 39 anos, sendo que todos os bens e benfeitorias

                                                                                                               8 Interessante observar algumas passagens do Decreto, tais como: (i) autorização para construir as obras de melhoria como objeto contratual; (ii) uso e gozo das obras pelo prazo de 39 anos, sendo reversíveis os bens findo o prazo; (iii) usufruto dos terrenos desapropriados e aterrados, podendo inclusive serem alienados mediante aprovação do governo (nestes casos, os valores deveriam ser revertidos à amortização do capital); (iv) direito do governo de “resgatar” antecipadamente as obras, hipótese em que se indenizará deduzida a parte dos investimentos já amortizados; (v) eram de responsabilidade do concessionário os serviços de capatazia. “A Princeza Imperial Regente, em Nome do Imperador, Tendo em vista a proposta apresentada em concurrencia publica por José Pinto de Oliveira, C. Gaffrée, Eduardo P. Guinle, João Gomes Ribeiro de Avellar, Dr. Alfredo Camillo Valdetaro, Benedicto Antonio da Silva, e Ribeiro, Barros & Braga, em virtude do edital da Directoria das Obras Publicas da respectiva Secretaria de Estado datado de 19 de Outubro de 1886, Ha por bem Conceder aos referidos proponentes autorisação para construir as obras de melhoramento do porto de Santos a que se refere o mesmo edital, observadas as clausulas que com este baixam assignadas (...) As obras do melhoramento do porto de Santos, que constituem o objecto da concessão (...) são as que constam do plano e relatorios confeccionados pelo Engenheiro Domingos Sergio de Saboia e Silva, comprehendendo um caes e aterro entre o extremo da ponte velha da estrada de ferro e a rua Braz Cubas, o estabelecimento de uma via ferrea dupla de 1m,60 de bitola para o serviço dos guindastes e vagões de carga e a construcção dos armazéns precisos para a guarda das mercadorias (...) e com as seguintes modificações que os concessionarios obrigam-se a effectuar, sem que por isso possam allegar dispendio com a construcção superior á importancia do orçamento constante dos mesmos estudos, a saber, 3.851:505$570 (...) Os concessionarios terão o uso e gozo das obras de que trata a clausula precedente pelo prazo de 39 annos (...) Findo esse prazo reverterão para o Estado, sem indemnização alguma, as obras, terrenos e bemfeitorias, bem como todo o material rodante da empreza. Os concessionarios terão igualmente o usufructo dos terrenos desapropriados e dos que forem aterrados, podendo, de accordo com o Governo, arrendar ou vender os que não forem necessarios ao serviço da empreza (...) no caso de venda será o producto da mesma levado á conta da amortização do capital (...) O Governo reserva-se o direito de resgatar as obras (...) Para este resgate, bem como para a reducção das taxas de que trata o art. 1º, § 5º da mesma lei, será deduzida do custo das obras a importancia que já houver sido amortizada.” (grifo nosso) Outros três dispositivos previstos no decreto merecem destaque, não apenas pelo seu valor histórico, como também para a própria análise do presente estudo: (i) o atraso na entrega das obras estava sujeito à multa de mora por mês de atraso; (ii) era previsto pagamento, pelo concessionário, de quantia anual para a fiscalização das obras e dos serviços pelo governo; (iii) o decreto trazia, de forma exaustiva, as taxas que poderiam ser cobradas pelo empresário e seus respectivos valores, sendo que era vedada a cobrança em duplicidade. Ademais, as taxas variavam de acordo com a carga movimentada (mercadorias de quaisquer gênero ou objetos de grande volume, mas de pouco peso ou, ainda, bagagens de passageiros que deveriam ser isentas de taxas), o tipo de embarcação (navios a vapor ou não movido a vapor ou, ainda, botes, escaleres e outras embarcações miúdas que deveriam ser isentos de taxas) e armazenagem (cobrada por período, no caso, mensal ou fração deste). “Os concessionarios terão o direito do cobrar, pelos serviços prestados nos seus estabelecimentos, na fórma da Lei de 13 de Outubro de 1869, as seguintes taxas: 1º pela carga e descarga de mercadorias e quaesquer generos nos caes que possuirem em virtude da presente concessão, exceptuados apenas os objectos de grande volume o pouco peso, 1 real por kilogramma; 2º pela carga e descarga nas mesmas condições de objectos de grande volume e pouco peso, 3 réis por kilogramma; 3º por dia e por metro linear de caes occupado por navios a vapor,

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realizadas eram revertidos findo o prazo contratual. O Decreto previa, ainda, o ressarcimento

através da cobrança dos valores de tarifas, as quais eram propostas pelo empresário e

previamente aprovadas pelo governo, com revisão ordinária de cinco em cinco anos.

De acordo com Caio Tácito9, foi a partir da segunda metade do Século XIX que “a

mobilização de capitais privados para a exploração de atividades de interesse coletivo se

[apresentou e assumiu] aspecto significativo”. Ocorre que a expansão das cidades e da

demanda levou o poder público a recorrer à capacidade de adesão e investimento da iniciativa

privada, então detentora de tecnologia e recursos de capital necessários para o

desenvolvimento.

Entretanto, muito embora ambos os decretos buscassem atrair maior participação de

agentes privados e incentivar a expansão e modernização dos portos públicos, Paulo Peltier de

Queiroz Júnior10 afirma que “as concessões contratadas para os principais portos com base na

‘Lei de Docas’, salvo raras exceções, não atingiram os objetivos esperados”. A participação

privada não alcançou, portanto, os resultados almejados.

A Lei n. 3.314 de 1886, com o pêndulo voltando-se ao poder público, instituiu o

arrendamento portuário em sua primeira configuração, a qual atraía para o próprio governo a

responsabilidade pelas obras e reservava aos arrendatários a subsequente exploração do ativo.

De acordo com Itiberê de Oliveira Castellano Rodrigues 11, este era um sistema alternativo às

concessões que não conseguiram executar todas as obras de expansão e melhoria necessárias.

Nos dizeres de Paulo Peltier de Queiroz Júnior12 as obras seriam construídas à custa do

Tesouro Nacional para, em seguida, serem arrendadas a particulares que seriam responsáveis

pela exploração comercial dos ativos prontos e operacionais. Verifica-se, assim, que o                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          700 réis; 4º por dia e por metro linear de caes occupado por navios que não sejam movidos por meio do vapor, 500 réis. 5º por mez ou fracção de mez e por kilogramma de mercadoria ou qualquer genero que houver sido effectivamente recolhido aos armazens dos concessionarios, 2 réis. Paragrapho unico. São isentos de pagamento de taxas: 1º em relação à carga e descarga os volumes que constituirem bagagem de passageiro; 2º relativamente á atracação os botes, escaleres e outras embarcações miudas de qualquer systema e as que pertencerem a navios em carga e descarga”. Decreto n. 9.979/1888, Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-9979-12-julho-1888-542680-publicacaooriginal-51939-pe.html, acesso em 13/01/14. 9 TÁCITO, Caio. O retorno do pêndulo: serviço público e a empresa privada. O exemplo brasileiro. RDA n. 202, 1995, p. 1 e 2. 10QUEIROZ JR., Paulo Peltier. A reforma conceitual do sistema portuário nacional. Dez. 2006. Parte I. Disponível em http://www.portogente.com.br/imprimir.php?cod=5789, acesso em 04 de maio de 2014. 11 RODRIGUES, Itiberê de Oliveira Castellano. Evolução histórico-jurídica do regime de exploração de portos no Brasil e o regime da Constituição de 1988. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, v. 10, n. 38, jul./set. 2012, p. 154. 12 QUEIROZ JR., Paulo Peltier. A reforma conceitual do sistema portuário nacional. Dez. 2006. Parte I. Disponível em http://www.portogente.com.br/imprimir.php?cod=5789, acesso em 04 de maio de 2014.

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formato do contrato de arrendamento sucede o de concessão, surgindo justamente em função

da insuficiência da atuação privada13. Além disso, a primeira configuração dos contratos de

arrendamentos possuía duas características importantes: (i) tratava-se de parte do todo, ou

seja, o poder público apartava área do porto público, construía a infra e superestrutura

portuária necessária à exploração e a delegava a particular interessado, e; (ii) o foco era a

delegação da atividade e não a construção do ativo.

A Constituição de 1891 não tratou especificamente do regime de exploração dos

portos, mas concentrou na União a competência legislativa sobre a matéria. Nesta fase, de

acordo com Itiberê de Oliveira Castellano Rodrigues14, a Lei n. 957 de 1902 autorizou o

governo federal a realizar as obras necessárias ao melhoramento dos portos públicos,

enquanto que o Decreto n. 4.859 de 1903 previu que as obras poderiam ser realizadas

diretamente ou por meio da celebração de contrato com terceiros particulares.

O diploma normativo mais relevante desta fase é o Decreto n. 4.279 de 1921 que

trouxe, pela primeira vez, o conceito de “porto organizado”. Sua definição servia,

basicamente, para restringir a movimentação de cargas fora dos portos devidamente

aparelhados para tanto. Esta característica parece estar ligada à segurança no desenvolvimento

da atividade em solo nacional (diferente da função, atualmente, exercida de referencial para a

separação entre os regimes de exploração).

Foi a partir deste decreto, portanto, que restou vedada, salvo para os casos de

mercadorias nacionais em trânsito (cabotagem), a atracação de embarcações fora dos portos

providos de “installações modernas de cáes, molhes, obras congeneres, serviços de dragagem

e outros necessarios ao trafego dos navios”15 (conforme disposto no artigo 1º do Decreto n.

4.279 de 1921).                                                                                                                13 Registre-se o surgimento da dicotomia existente entre a concessão de portos (à época regida pelo Decreto n. 1.746/69) e o arrendamento portuário (à época regida pela Lei n. 3.314/86). A diferença entre ambos dava-se, essencialmente, pela responsabilidade na execução das obras de construção e/ou reforma, sendo que no primeiro caso cabia ao particular construir e operar, enquanto no segundo caso cabia ao governo imperial construir e ao particular explorar o ativo implantado. 14 RODRIGUES, Itiberê de Oliveira Castellano. Evolução histórico-jurídica do regime de exploração de portos no Brasil e o regime da Constituição de 1988. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, v. 10, n. 38, jul./set. 2012, p. 154. 15 “Art. 1º Nos portos providos de installações modernas de cáes, molhes, obras congeneres, serviços de dragagem e outros necessarios ao trafego dos navios, executados por concessão, nos termos da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1839, ou por contracto ou administração, nos termos dos decretos n. 4.859, de 8 de junho de 1903, e n. 6.368, de 14 de fevereiro de 1907, é obrigatoria a atracação dos navios aos cáes ou obras congeneres, para embarque e desembarque de mercadorias e passageiros, para ou de outros portos. Salvo o caso de mercadorias nacionaes, ou nacionalizadas em transito, nenhuma outra, seja qual fôr a sua especie ou natureza, poderá ser embarcada ou desembarcada sem passar pelo cáes ou obras congeneres e complementares, sujeita sempre ao pagamento das taxas respectivas”.

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Mas foi ao longo da década de 1930 que o setor deu um grande salto normativo. A

partir da competência legiferante conferida privativamente à União pela Constituição Federal

de 1934, neste mesmo ano foram editados os Decretos n. 24.447, n. 24.508, n. 24.511 e n.

24.599, com destaque para estes dois últimos.

Dinorá Adelaide Grotti16 ensina que o ano de 1934 foi marcado pela primeira

sistematização normativa do setor portuário, na medida em que, além de concentrar e

organizar a matéria, revogou diversos dispositivos esparsos. Esta sistematização fundava-se

justamente “na ideia de que, a cada porto organizado correspondia uma hinterlândia, cabendo

ao porto organizado o monopólio do embarque e desembarque das mercadorias destinadas ou

provenientes de sua hinterlândia”.

O modelo adotado era sobre o monopólio existente de acordo com a hinterlândia de

cada porto público. O estudo realizado pela FGV17 aponta que o termo hinterlândia deriva do

termo em inglês “hinterland” e expressa o território situado por trás da costa marítima numa

região servida por um determinado porto, remetendo à visualização geográfica onde a

hinterlândia de um porto costuma ser constituída por uma parte do litoral e sua respectiva

projeção para o interior. Mais do que uma coordenada geográfica, o termo possui acepção

econômica, no sentido de abrangência regional das operações daquele respectivo porto

público. O conceito é importante para verificar os níveis de influência de um porto sobre o

outro, notadamente para a avaliação de captura de demanda de um porto sobre o outro.

O Decreto n. 24.511/34 instituiu dois importantes princípios – máxima eficiência e

igualdade no tratamento dos usuários (artigo 1º, § 1º). Note que os referidos princípios não

possuíam assento constitucional, na medida em que a Carta Política de 1934 ainda não tratava

a atividade portuária como serviço público. Com efeito, a previsão de ambos os princípios

possuem especial destaque, pois tinham o papel fundamental de orientar a forma de atuação

dos prestadores de serviços e possibilitar eventuais reclamações por parte dos usuários.

O Decreto n. 4.599/34, mais conhecido como Lei das Concessões dos Portos,

considerando a necessidade de se estabelecerem novas bases para a concessão dos portos                                                                                                                16 De acordo com a autora, “Hinterlândia consiste em um neologismo oriundo da palavra inglesa “hinterland”, que significa, grosso modo, área de influência local, regional, logístico e comercial que aquele porto público possui em relação aos demais”. GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 176. 17 FGV - Fundação Getúlio Vargas. Relatório sobre Fiscalização da Regulação Econômico-Financeira: Setor Portuário In Projeto de Aperfeiçoamento do Controle Externo da Regulação do TCU/SEFID, Brasília/DF, 21/08/06, disponível em http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2054558.PDF, acesso em 05 de maio de 2014, p. 34-35.

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nacionais, previu em seu artigo 1º a possibilidade de o Governo Federal contratar o

melhoramento e a exploração mediante outorga aos Estados ou às entidades privadas de

reconhecida idoneidade técnica e capacidade financeira. Perceba que o Decreto, muito embora

almejasse lançar novas bases para a concessão no setor, inovou pouco e manteve o mesmo

formato anterior.

Percebe-se que o grande avanço foi mesmo no sentido de consolidação da legislação

esparsa. Na visão de Itiberê de Oliveira Castellano Rodrigues18, isto se deu em parte pelo viés

centralizador do governo de Getúlio Vargas, que assumira o poder em 1930, e “serviu para

unificar a matéria em conceitos ou padrões básicos para todos os portos nacionais”. Ademais,

“serviu para atualizar a matéria portuária em face da série de reformas político-econômicas

que derivam da Revolução e que visavam a uma ‘revolução industrial’ no Brasil”.

As constituições subsequentes, entre 1937 e 1988, mantiveram essencialmente a

mesma base normativa 19 . O mesmo não se pode afirmar no âmbito da legislação

infraconstitucional, onde ocorreram importantes modificações, especialmente no aspecto

envolvendo a abertura do monopólio.

Primeiramente, o Decreto-lei n. 6.460 de 1944 previu que a construção e a exploração

de instalações portuárias rudimentares não possuíam qualquer caráter de monopólio20, sendo

que Estados e Municípios poderiam construir instalações portuárias, desde que o valor não

ultrapasse Cr$ 1.000.000,00 (um milhão de cruzeiros)21. Entretanto, as referidas instalações

                                                                                                               18 RODRIGUES, Itiberê de Oliveira Castellano. Evolução histórico-jurídica do regime de exploração de portos no Brasil e o regime da Constituição de 1988. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, v. 10, n. 38, jul./set. 2012, p. 165. No mesmo sentido, Cristiana Maria Malhado Araújo Lima descreve que “no governo do Presidente Getúlio Vargas, fez-se presente o dirigismo econômico por parte do Estado, com ampla centralização administrativa. Foi neste contexto que, especificamente, no ano de 1934, em junho, surgiu uma primeira sistematização da legislação portuária, por meio da atuação de José Américo, Ministro das Viações e Obras Públicas, com a edição dos quatro decretos (...)” (Regime jurídico dos portos marítimos. São Paulo: Verbatim, 2011, p. 17) 19 Neste ponto, cumpre destacar que discordamos da posição adotada pelo autor. Entendemos de forma parecida a Floriano de Azevedo Marques Neto e Fábio Barbalho Leite, que a Constituição Federal de 1988 alterou significativamente o tratamento dado ao setor . Isso porque, diferentemente das Cartas Constitucionais de 1946 e 1967 (que se referiam apenas à competência legislativa), atribui à União a competência para: (i) nos termos de seu art. 21, inc. XII, al. “f”, explorar, diretamente ou mediante concessão, permissão ou autorização, os portos marítimos, fluviais e lacustres, e; (ii) nos termos de seu art. 22, inc. X, legislar privativamente sobre o regime dos portos, navegação lacustre, fluvial e marítima. 20 “Art. 7º A construção e exploração de instalações portuárias previstas neste Decreto-lei serão feitas sem qualquer caráter de monopólio. Continuarão os armadores e embarcadores com a faculdade de construir trapiches próprios, satisfeitas as exigências da legislação em vigor”. 21 “Art. 1º As instalações portuárias das cidades e vilas do país, cujo valor não ultrapasse de Cr$ 1.000.000,00 (um milhão de cruzeiros), poderão ser construídas pelos municípios e pelos estados e a sua construção, conservação e exploração serão regidas por êste Decreto lei. Os dispositivos do presente Decreto-lei se aplicarão também às instalações portuárias de valor até Cr$ 1.000.000,00 que a União construir e entregar aos municípios

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eram consideradas ativos federais para fins de encampação a qualquer tempo pela União,

mediante o pagamento de indenização não superior ao respectivo custo, determinada por

arbitramento:

Art. 2º Ainda que realizadas pelos estados ou municípios, as instalações portuárias referidas no art. 1º serão consideradas instalações federais. § 1º A União poderá, em qualquer tempo, encampar essas instalações para ampliá-las e sujeitá-las ao regime previsto no parágrafo único do art. 1º, caso em que pagará à entidade que as houver realizado quantia não superior ao respectivo custo, a qual será determinada por arbitramento no processo de encampação. (grifo nosso).

Em 1966, o Governo procurou estender ainda mais as formas de exploração portuária

e, por meio do Decreto-lei n. 5, ampliou o permissivo também aos particulares (embarcadores

ou terceiros) interessados na construção de seus próprios terminais. Conforme consta no

artigo 26, abaixo transcrito, a exploração da atividade, embora não dependesse de uma

movimentação mínima anual, era restrita ao uso exclusivo do proprietário. Vejamos:

Art. 26. É permitido a embarcadores ou a terceiros, satisfeitas as exigências da legislação em vigor, construir ou explorar instalações portuárias, a que se refere o Decreto-lei número 6.460, de 2 de maio de 1944, independentemente da movimentação anual de mercadorias, desde que a construção seja realizada sem ônus para o Poder Público ou prejuízo para a segurança nacional, a exploração se faça para uso próprio. (grifo nosso)

Surgia então o modelo da autorização portuária. De acordo com Cristiana M. M.

Araújo Lima, o Decreto-lei n. 5 de 1966 inaugurou, por meio da autorização prevista no artigo

26, os terminais de uso privativo. Esta autorização consistia em ato administrativo unilateral

da Administração Pública, em razão do exercício do poder de polícia envolvido, expedido a

qualquer interessado na construção e operação de instalações portuárias22.

Interessante notar, outrossim, que o diploma legal dava fortes indícios de que o setor

não vivia um bom momento. Já no preâmbulo, previa-se que a norma buscava a recuperação

econômica das atividades dos portos nacionais e, por sua vez, o artigo 32 previa a

possibilidade de o Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis autorizar às

administrações dos portos remover as mercadorias neles depositadas para armazéns externos

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         para conservar e explorar”. 22 LIMA, Cristiana Maria Melhado Araújo. Regime jurídico dos portos marítimos. São Paulo: Verbatim, 2011, p. 19.

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com o intuito de evitar congestionamento nos armazéns internos23.

Nesta linha de raciocínio, nos casos mais extremos, o Decreto mitigava a restrição

imposta aos terminais privativos e permitia, excepcionalmente, a movimentação da carga de

terceiros. Senão vejamos:

Art. 32 [...] § 5º Quando ocorrer congestionamento nas instalações dos portos organizados, o Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis poderá autorizar a movimentação de cargas de terceiros nos terminais ou embarcadouros de uso privativo, fixando, em regulamentação própria, as taxas portuárias devidas pelos usuários”.(grifo nosso)

É importante frisar que é neste momento que surge a autorização portuária em sua

primeira configuração e, com ela, surge também a distinção entre carga própria e carga de

terceiros (este ponto será melhor tratado no Item 3.3.1 do presente estudo).

Entre 1975 e 1990, o Governo Federal manteve o viés centralizador e criou a entidade

governamental que passaria a ser a responsável pela gestão dos portos públicos nacionais – a

Portobrás (Empresa Brasileira de Portos S/A). Entretanto, mesmo com este perfil

centralizador, as Companhias Docas foram recebendo cada vez maior autonomia, diretamente

ligadas aos problemas e perspectivas locais.

Pode-se dizer que a Portobrás enfrentou dois momentos bem distintos durante o seu

período de existência. O primeiro deles foi marcado pela possibilidade de um planejamento de

maior qualidade e visão de longo prazo, o que possibilitou a efetivação de importantes

investimentos para o setor durante o tempo em que o governo contava com fontes suficientes

de financiamento público mantendo o equilíbrio fiscal24.

Entretanto, também sob sua gestão, o setor portuário enfrentou uma de suas piores

crises. Os anos 1980 foram marcados por uma forte recessão econômica, o que culminou na

                                                                                                               23 “Art. 32. Para evitar o congestionamento dos armazéns internos, o Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis poderá autorizar as administrações dos portos a remover as mercadorias nêles depositadas, por conta dos seus proprietários ou consignatários, para armazéns externos satisfeitas as exigências legais”. 24 Neste sentido, Suriman Nogueira destaca que “o período de atuação da Portobrás foi caracterizado por um, ainda inigualável, desenvolvimento do sistema portuário nacional, período em que foram realizados diversos investimentos no aumento da capacidade física de manuseio e estocagem, dragagem e melhorias nas técnicas operacionais. A partir da segunda metade da década de 1980 a economia nacional passa a suportar uma situação recessiva e de graves dificuldades na captação de recursos para o financiamento da infra-estrutura portuária. Como consequência desse esgotamento das fontes de investimento, os portos brasileiros passam a enfrentar uma expressiva deterioração física e inadequação tecnológica”. SOUZA JÚNIOR, Suriman Nogueira de. Regulação Portuária: a regulação jurídica dos serviços públicos de infra-estrutura portuária no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 74.

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  26

extinção de importantes linhas de financiamento e desequilíbrio nas contas públicas. Em

decorrência disso, a Portobrás foi diretamente afetada e não conseguiu sustentar a manutenção

dos investimentos necessários às expansões e modernizações demandadas pelo setor.

Com a sua extinção no início da década dos anos 1990, a Lei n. 8.029 de 1990

outorgou a administração dos portos para a competência da Secretaria Nacional dos

Transportes e do Departamento Nacional de Transportes Aquaviários, ambos subordinados ao

Ministério da Infraestrutura. Foi o tempo necessário para a elaboração, discussão e aprovação

do primeiro marco regulatório do setor portuário brasileiro (PL n. 8/1991).

Vale destacar que, diferentemente das legislações até então vigentes, o primeiro marco

legal do setor foi pensado e promulgado sob a égide da Constituição Federal de 1988,

responsável por dar um novo enfoque para os serviços portuários ao incluir esta atividade no

rol do artigo 21, o qual elenca os serviços públicos a cargo da União.

Pela primeira vez na história, uma Carta Política brasileira previu a atividade portuária

como efetivo serviço a cargo do Poder Público. Um dos efeitos disso foi retirar o enfoque do

uso do bem público e reorientar para o desenvolvimento da atividade em si. É possível extrair

esta conclusão justamente da forma como a previsão foi disposta pelo constituinte originário,

qual seja, no artigo que cuida das atividades materiais a serem prestadas pelo ente público.

Em 1993 foi promulgado o primeiro marco legal do setor, a Lei n. 8.630, mais

conhecida como Lei de Modernização dos Portos. Era uma lei moderna, bem organizada, que

mantinha o foco pós-extinção da Portobrás – atrair maior participação e investimento privado

– e buscava: (i) promover arrendamentos de terminais portuários localizados dentro dos

portos organizados, e; (ii) não fixar limites para a movimentação de cargas de terceiros por

parte dos terminais privativos mistos localizados dentro e fora das poligonais dos portos

públicos.

Pode-se dizer que a Lei de Modernização dos Portos é reflexo do movimento

legislativo rumo à reforma administrativa, direcionando o poder público às suas funções

precípuas e indelegáveis e abrindo espaços a maior participação privada. Procurou-se, de um

lado, conferir maior liberdade na exploração indireta da atividade por meio dos particulares

(arrendatários e autorizatários), mas assumir, por outro, o papel de regulador e fiscalizador da

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  27

prestação do serviço público25.

A exposição de motivos do projeto da lei, remetida ao Congresso Nacional em 1991,

deixa clara esta característica ao mencionar as intenções do Governo em fomentar a

concorrência no setor, alcançando todos os proprietários, arrendatários ou locatários de

instalações portuárias, a fim de permitir a prática de tarifas justas e a prestação de serviços

adequados de acordo com as reais necessidades dos usuários.

Ademais, segundo a mensagem do então Presidente da República, Fernando Collor de

Mello, o projeto de lei alinhava-se por completo à “ação do Governo, que propicia aumentar a

competitividade da economia brasileira, ao mesmo tempo em que envida esforços para

modernizá-la, dando fim a práticas que funcionam em detrimento da sociedade brasileira” 26.

Dez anos depois da promulgação da LMP, seguindo a lógica de Estado Regulador, foi

criada a Agência Nacional dos Transportes Aquaviários – ANTAQ (Lei n.10.233/01). Ela

ficou responsável pela implantação das políticas setoriais, bem como pela regulação,

supervisão e fiscalização das atividades de prestação de serviços de transporte aquaviário e de

exploração da infraestrutura portuária e aquaviária.

A Lei n. 11.518 de 2007, por sua vez, criou a Secretaria Especial de Portos, vinculada

à Presidência da República (SEP/PR), atualmente designada apenas como Secretaria de

Portos, entidade esta que passou a ser responsável pela formulação das políticas e diretrizes

setoriais, com vista ao desenvolvimento e fomento dos portos e terminais portuários

                                                                                                               25 De acordo com Marcos Juruena Villela Souto, “o grande problema, com o aumento do número de empresas estatais – como, de resto, de toda a estrutura da Administração – foi o fato de que se esgotaram os recursos públicos para financiar a atuação de todas as tarefas assumidas pelo Estado. O princípio da subsidiariedade no sentido de que a atividade econômica estatal deve ser complementar à da iniciativa privada, embora não mais explícito no texto constitucional, é uma consequência natural da opção pela livre iniciativa, sendo, pois, um limite à criação, encampação ou nacionalização de empresas. Daí a necessidade de, à luz de um novo cenário econômico, se repensar onde é indispensável a presença do Estado. Onde não for, a privatização é o caminho” Direito Administrativo Regulatório. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 22. 26 Em 18 de fevereiro de 1991, os Ministros de Estado da Justiça, da Marinha, da Economia, Fazenda e Planejamento, do Trabalho e da Previdência Social e da Infraestrutura, apresentaram a exposição de motivos nº 10, que trazia o projeto para a lei dos portos, no seguintes termos: "(...) a livre concorrência entre os proprietários, arrendatários ou locatários de instalações de um mesmo porto de maneira a possibilitar através da competição e prática de tarifas adequadas e a prestação de serviços de acordo com as necessidades dos usuários (...) estímulo a participação do setor privado nos investimentos necessários a modernização da infra-estrutura e ao reaparelhamento dos portos - em face da carência de recursos públicos que devem ser destinados prioritariamente, para atender as demandas da área social - possibilitando aos terminais privativos movimentarem mercadorias de terceiros". O Presidente da República, à época, por meio da Mensagem n. 67/91 ao Congresso Nacional, disse que: "O projeto guarda coerência com a ação do Governo, que propicia aumentar a competitividade da economia brasileira, ao mesmo tempo que envida esforços para modernizá-la, dando fim a práticas que funcionam em detrimento da sociedade brasileira" (grifo nosso).

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  28

marítimos. As linhas gerais para a formulação destas políticas e diretrizes são estabelecidas

pelo Decreto n. 6.620 de 2008.

2.1 A estratégia de governo e a centralização de competências

Com a extinção do Ministério da Infraestrutura27 em 1992, o poder concedente passou

a ser exercido pelo Ministério dos Transportes, a quem cabia, dentre outras atribuições,

expedir as autorizações portuárias. No campo da regulação, pouco fez, seja pelo baixo efetivo

de pessoas, seja pela própria atuação descentralizada das autoridades portuárias em cada porto

organizado.

Ocorre que, muito embora o viés centralizador já estivesse previsto no marco

regulatório de 1993, o poder executivo retardou a formação deste aparato, fosse por

conveniência (pois existiam grandes interesses envolvidos, tanto de poderes políticos locais

que exerciam forte influência sobre as Companhias Docas, quanto dos agentes econômicos

que se já haviam se instalado e se posicionado bem no mercado), fosse por oportunidade (pois

o setor, num primeiro momento, demonstrou avanços com a desregulação).

Apenas dez anos depois do advento do marco legal é que foi criada e constituída a

agência reguladora (ANTAQ). Contudo, foram poucas as mudanças diante de um setor bem

estruturado regionalmente. A agência parece ter tido dificuldades para levar a cabo medidas

regulatórias que já são complexas por natureza (para uma regulação satisfatória, por exemplo,

é preciso conhecer a fundo dados setoriais, sendo que neste setor as informações são difíceis

de serem coletadas).

O resultado foi uma regulação precária e ineficaz. Poderíamos destacar, mais

especificamente, os seguintes pontos:

(i) o grande lapso temporal entre o advento do marco regulatório e a estruturação do

poder concedente regulatório possibilitou a consolidação dos conglomerados empresariais e a

melhor organização e representatividade para defesa dos interesses da categoria de forma que

                                                                                                               27 Criado através da Lei n. 8.028/90 de 12 de abril de 1990, ele unificou o Ministério das Minas e Energia, o Ministério das Comunicações e o Ministério dos Transportes. Foi extinto pela Lei n. 8.422/92 de 13 de maio de 1992. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Minist%C3%A9rio_da_Infraestrutura, acesso em 10 de março de 2014.

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esta pudesse oferecer resistência às eventuais mudanças que impactassem de forma

desfavorável suas atividades;

(ii) durante este período, a regulação era distante e desprovida dos recursos humanos e

materiais necessários para deflagrar uma fiscalização eficaz sobre o setor, o qual, seja pelas

suas características intrínsecas, seja pela sua dispersão ao longo de toda a costa litorânea, não

é simples de ser controlado;

(iii) a falta de clareza na distribuição de competências entre poder concedente (advento

da Secretaria de Portos), autoridades portuárias (que concentravam as atribuições de natureza

local), bem como a própria agência reguladora, dificultou sobremaneira o controle e a

fiscalização sobre os agentes.

No ano de 2007, o Governo Federal lançou o Programa de Aceleração do Crescimento

(mais conhecido como PAC), com o objetivo de tornar mais célere o crescimento econômico

do Brasil por meio de vultosos investimentos em mais de cem projetos de infraestrutura em

rodovias, hidrovias, ferrovias, portos, aeroportos, e outros.

A verdade é que, por diferentes razões, o programa não alcançou os resultados

esperados. Em função disso, uma das saídas encontradas pelo Governo foi a fragmentação do

programa, demasiadamente abrangente, em outro mais modesto e focado no propósito de

ampliar e integrar a malha logística nacional.

Criou-se, assim, o PIL - Programa de Investimentos de Logística, que destacou os

projetos de maior relevância nos setores de rodovias, ferrovias, aeroportos e portos. O PIL

representou uma visão de política pública de planejamento integrado e multimodal dos fluxos

de cargas no país, com o propósito último de reduzir custos para movimentação de carga

interna e para exportação.

Os investimentos em rodovias e ferrovias integraram uma reformulação dos acessos

terrestres aos portos brasileiros e uma reorganização dos fluxos de carga para exportação.

Essa estratégia não poderia vir desacompanhada da centralização no planejamento portuário, a

ponto de colocar em risco o esforço do Governo de ampliar o escopo de análise dos

problemas de infraestrutura nacional e operacionalizar soluções logísticas sistêmicas.

O Governo Federal, assim como fez em outros setores logísticos, precisava concentrar

também no setor portuário todos os esforços e as competências necessárias para emplacar o

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programa. A saída foi criar a Secretaria Especial de Portos – SEP com status de ministério e

vinculada diretamente à Presidência da República.

A SEP buscou centralizar o planejamento, dentro de um programa do governo central

para racionalizar as medidas e integrar melhor a malha logística (cite-se como exemplo o

movimento para desafogar os portos do sudeste, buscando melhorar as rotas rodoviária e

ferroviária alternativas para os portos do Pará).

Esta espécie de manobra não seria possível a partir do antigo marco legal. A antiga

descentralização era positiva, por um lado, pois havia maior interface e proximidade com os

problemas locais, maior participação da população aos redores, mais conhecimento sobre as

características, práticas e funcionamento dos portos, entre outros.

Mas, por outro lado, esta mesma descentralização criava sérios embaraços para a

entidade central reunir todos os dados e elementos necessários para pensar e implantar

medidas macro e de longo prazo, que não privilegiassem apenas os interesses locais, mas que

tivesse também uma postura frente ao conjunto todo da obra.

A ideia era extrapolar a visão da hinterlândia (zona de influência) do porto público e

visualizá-lo dentro do contexto como um todo (sistema portuário nacional), envolvendo os

demais portos (públicos e privados), rotas rodoviárias, acessos ferroviários e os respectivos

centros produtivos de norte a sul do país.

Em novembro de 2012, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

(BNDES) financiou, por meio de seu Fundo de Estruturação de Projetos (FEP), um estudo

técnico destinado à análise e avaliação da organização institucional e da eficiência da gestão

do setor portuário brasileiro.

A partir de um levantamento abrangente, e uma análise pormenorizada, o diagnóstico

foi o de que o marco institucional e legal brasileiro tinha sérios aspectos críticos de

organização, distribuição de funções, de eficiência, os quais prejudicavam significativamente

o desenvolvimento do setor portuário nacional.

O Governo Federal, de certa forma sensibilizado com as constatações levantadas pelo

estudo, especialmente em face do impacto que o setor exerce sobre toda a cadeia produtiva e

logística do país, iniciou um processo de revisão do marco legal que culminou na elaboração

do texto da Medida Provisória n. 595 de 2013.

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Durante a sua vigência, diversos aspectos críticos vieram à tona, dando início a uma

fase de intensos debates entre políticos, juristas, empregados e as classes empresariais

envolvidas. Esta fase foi marcada por uma pluralidade incrível de interesses, sendo que o

desfecho foi a conturbada conversão da Medida Provisória na nova Lei dos Portos.

Uma das rupturas foi justamente a redistribuição das competências institucionais, com

especial atenção à centralização de atribuições na Secretaria de Portos. A distribuição de

competências no setor portuário sempre foi objeto de grande debate e que, na maior parte das

fases históricas, seguiu as orientações dos respectivos governos.

Buscando não fazer qualquer juízo leviano sobre o mérito na concentração de

competências, destacamos apenas que, nos moldes do diagnóstico do FEP/BNDES, o tema

merecia efetivamente ser revisto, sendo certo que diversos indícios apontavam para o estado

crítico da confusa repartição de atribuições entre os órgãos e entidades envolvidas.

Se por um lado o tema merecia a revisão, por outro, é necessário observar que a

orientação normativa foi na contramão das práticas comumente adotadas no contexto

internacional, qual seja, prover as autoridades locais com cada vez mais autonomia. Esta

descentralização é recomendável, pois os principais problemas possuem caráter regional, e.g.,

a permanente interação com a população local.

O tema é controvertido e existem autores que defendem fortemente que a

descentralização da administração é sem dúvida o modelo mais indicado. Este é o caso, por

exemplo, de Suriman Nogueira de Souza Júnior28. Esta visão, contudo, não parece ser

compartilhada pelo atual Ministro da Secretaria de Portos.

Em entrevista concedida ao Valor Econômico no dia 18 de novembro de 201329,

Antônio Henrique Silveira, destacou, além das alternativas ao mecanismo de outorga nas

licitações dos arrendamentos portuários (referindo-se aos novos critérios de seleção) e o fim

da distinção entre carga própria e de terceiros nos TUPs 30, justamente a reordenação das

                                                                                                               28 SOUZA JÚNIOR, Suriman Nogueira de. Regulação Portuária: a regulação jurídica dos serviços públicos de infra-estrutura portuária no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 76. 29 VALOR ECONÔMICO - Docas vão ter novo modelo de adesão, garante ministro (18/11/2013). Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/3340914/docas-vao-ter-novo-modelo-de-gestao-garante-ministro#ixzz2l0 ZUTdtT, acesso em 03 de maio de 2014. 30 Os dois itens serão analisados nos tópicos abaixo, sendo que os novos critérios de seleção, embora sejam aplicados a todos os processos de concorrência pública no âmbito portuário (concessões, arrendamentos e, quando cabível, autorizações), por uma questão didática, serão tratados no item referente ao arrendamento portuário (Item 3.2.2). Já o fim da restrição de cargas nos terminais privados será analisado no tópico dedicado à autorização portuária (Item 3.2.3).

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atribuições dos órgãos de planejamento, regulação e gestão dos portos.

Percebe-se que a nova Lei dos Portos seguiu a tendência que já orientava o setor há

mais de uma década – centralização de competências nos órgãos centrais e a privatização para

maior investimento e atuação privada.

O que causou a "ruptura" do sistema não foi, portanto, a mudança no norte regimental,

mas sim as ferramentas que foram utilizadas pelo legislador, com destaque para os novos

critérios de seleção.

Em outras palavras, o maior controle e o choque de oferta sempre foram desejáveis

sob o ponto de vista do Governo Central. Mas o nível de concentração de competências e

atribuições da forma como foi feito, é algo inédito.

Na mesma senda, no que concerne à busca pelo choque de oferta, os critérios a serem

obrigatoriamente utilizados na seleção dos agentes privados também foi uma medida

agressiva para se alcançar o resultado esperado.

A própria liberação dos TUPs com as medidas de assimetria que diminuíram barreiras

e permitiram a inserção e manutenção da competição, já faria da nova Lei dos Portos um

verdadeiro marco para o setor.

São estes aspectos que, ao lado de outros que serão vistos ao longo da exposição,

como o acesso excepcional de terceiros e a assimetria regulatória entre terminais públicos e

privados, conferem ao novo marco legal o status de inovador.

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3 A NOVA LEI DOS PORTOS

Como visto, duas foram as características centrais do novo marco legal – a

centralização de competências e a busca pela maior participação privada. Elas não foram

inovações e refletem os planos do atual governo central. O que não pode deixar de ser notado

é que ambas as características adotaram medidas juridicamente agressivas e, não raras vezes,

de difícil conciliação com o ordenamento jurídico a que se submetem.

A centralização de competências, embora mereça reflexão própria e apartada, foi

brevemente resumida no segundo capítulo. A outra característica central da nova Lei dos

Portos – maior participação privada – será objeto do presente capítulo, sendo que o foco aqui,

em linhas gerais, é trazer aquelas que podem ser consideradas as principais inovações em

termos de concorrência, eficiência e capacidade do sistema31.

Ponto central, imprescindível à compreensão de todo o racional que informa a norma,

são os pilares sobre os quais a nova Lei dos Portos se apoia. Tudo começa no artigo 3º, que

traz os objetivos básicos e as diretrizes fundamentais do novo arcabouço regulatório. A lei

erigiu como objetivos centrais o aumento da competitividade do sistema portuário e o

desenvolvimento econômico do país.

Como corolário destes dois objetivos básicos, a lei trouxe ainda as seguintes diretrizes

que devem orientar todo o planejamento e desenvolvimento do setor: (i) expansão,

modernização e otimização da infraestrutura e da superestrutura; (ii) garantia da modicidade e

da publicidade das tarifas e preços praticados no setor, da qualidade da atividade prestada e da

efetividade dos direitos dos usuários; (iii) estímulo à modernização e ao aprimoramento da

gestão dos portos organizados e instalações portuárias, à valorização e à qualificação da mão

de obra portuária e à eficiência das atividades prestadas, e; (v) estímulo à concorrência,

incentivando a participação do setor privado e assegurando o amplo acesso aos portos

organizados, às instalações e atividades portuárias.

Para os fins específicos do presente estudo, destacamos a seguinte lógica que deverá

acompanhar as exposições: a partir dos dois objetivos centrais – aumentar a competitividade e

                                                                                                               31 Vale observar que as inovações são apresentadas não necessariamente acompanhadas de um juízo de valor sobre cada uma delas. Normalmente, os comentários de cunho mais opinativo tratam dos temas que de alguma forma interferem no verdadeiro objeto da pesquisa – a autorização portuária e a forma de exploração dos terminais privados.

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o desenvolvimento do país – resta claro que o legislador optou pelo caminho da inserção e

manutenção da competição no setor portuário brasileiro com o claro intuito de promover o

desenvolvimento econômico nacional.

Como sabemos, o setor portuário é tido como um dos principais entraves logísticos no

escoamento de cargas no Brasil. Em função disso, o objetivo central da lei não pode vir

descontextualizado da realidade existente no setor. O legislador quis e a lei previu

mecanismos para promover o aumento imediato e geral do sistema portuário nacional a fim de

se evitar qualquer espécie de gargalo logístico independente da atuação dos demais modais

(embora saibamos que o insucesso destes impacta diretamente na capacidade portuária).

Assim, diante da pergunta que se coloca com relação à nova Lei dos Portos, qual seja,

se ela representaria mera continuidade da reforma realizada a partir de 1993, nossa resposta

seria negativa. Conquanto a lei tenha adotado a mesma linha do antigo marco legal – pois

manteve o processo de incremento na atuação privada – ela teve uma postura juridicamente

mais agressiva que a fez se desprender do antigo modelo32.

Pelo menos seis elementos práticos são essenciais para demonstrar a referida assertiva,

ou seja, demonstrar que a nova Lei dos Portos trouxe medidas que, ainda que juridicamente

agressivas, são legítimas e constituem consequências tanto do discurso político quanto do

próprio racional previsto pelo legislador. Vejamos:

a) dois deles ligados aos contratos celebrados no âmbito dos portos organizados33

(concessões e arrendamentos): (i) novos critérios de seleção dos agentes privados que atuarão

como arrendatários, e; (ii) a reorganização e otimização das áreas públicas e a possibilidade

de verticalização nas operações;

b) dois deles ligados aos terminais privados: (i) liberação da atividade a todo e

                                                                                                               32 O antigo marco legal dos portos já poderia, a bem da verdade, ser considerado juridicamente desafiador. Isso porque algumas das medidas hoje tomadas são oriundas de fases mais remotas. Cita-se como exemplo a própria distinção de regimes jurídicos e a assimetria regulatória que permeia os terminais públicos e privados. Ocorre que o novo marco legal acentuou esta assimetria, o que torna os debates, sob a perspectiva legal, ainda mais acirrados. Ao lado deste fator, poderíamos destacar ainda os novos critérios de seleção que substituíram o maior valor de outorga, a institucionalização da verticalização nos terminais públicos, a restrição ao amplo acesso de terceiros, a maior liberdade de tarifas, entre outros. 33 Cabe destacar que, muito embora, para fins de organização da exposição, elencamos os elementos dos novos critérios de seleção e a verticalização na cadeia logística, no bojo do tópico dedicado aos contratos celebrados no interior dos portos organizados (concessões e arrendamentos), eles também podem ser aplicados aos casos de portos e terminais privados localizados fora dos portos públicos. Por exemplo, no caso de necessidade da realização de processo seletivo para a escolha do melhor projeto privado para a implantação de um novo TUP, a ANTAQ deverá se valer dos novos critérios de seleção previstos na lei.

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qualquer interessado (direito subjetivo à emissão da autorização e à sua respectiva

manutenção); (ii) eliminação de qualquer limitador na exploração da atividade pelos agentes

privados;

c) dois deles ligados à relação entre terminais portuários públicos e privados: (i)

assimetria regulatória como mecanismo de eliminação da barreira de entrada de novos

agentes; (ii) diferentes níveis de ingerência estatal para o fomento e manutenção da

competição entre os terminais.

As primeiras duas características, ligadas aos contratos celebrados no âmbito dos

portos organizados (concessões e arrendamentos) serão desenvolvidas ainda neste capítulo,

sendo que sobre as concessões de portos organizados destacamos os novos modelos de

contratos disponíveis a serem utilizados de acordo com a abrangência do objeto proposto e, no

que envolve os arrendamentos de áreas e instalações portuárias, destacamos os novos critérios

de seleção e a oportunidade de reorganização e otimização das áreas públicas, e a

possibilidade de verticalização nas operações.

Já os outros quatro pontos serão tratados no Capítulo 5 (autorização portuária) e no

Capítulo 6 (assimetria regulatória), respectivamente. Isso ocorre porque eles compõem o

cerne do debate proposto no presente estudo, quais sejam, as inovações trazidas pela lei

envolvendo a delegação de terminais privados por meio de autorizações, bem como a

diferença de controle e regulação incidente sobre estes quando comparados aos terminais

públicos que foram objeto de arrendamentos.

Preliminarmente, entretanto, não poderíamos deixar de trazer a solução de um antigo

problema. Trata-se da maior clareza e organização na separação entre os regimes de

exploração da atividade portuária. Ademais, para discorrer sobre esta separação mais clara de

regimes jurídicos aplicáveis, será preciso falar sobre a definição de “porto organizado” e a

relevância da função que ele exerce, especialmente no novo marco regulatório.

3.1 Separação dos regimes jurídicos de exploração portuária (definição de porto organizado)

Floriano de Azevedo Marques Neto e Fábio Barbalho Leite, em parecer elaborado à

época do antigo marco legal, chamavam a atenção para o complexo regime a que os contratos

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portuários eram submetidos, sendo que este era o exato reflexo da dificuldade que se tinha

para determinar qual a parcela de serviços prestados por particulares que permanecia sob o

manto do serviço público estabelecido pela Constituição Federal34.

Na mesma linha, o estudo realizado com o apoio do FEP/BNDES35 aponta como um

dos pontos críticos do antigo marco legal justamente a falta de clareza quanto às atividades

portuárias que seriam ou não consideradas como serviços públicos. De acordo com o estudo,

se a LMP tivesse sido mais direta quanto a este ponto, seria possível conferir maior segurança

jurídica às autorizações emitidas evitando, assim, o preenchimento da lacuna por atos

normativos infralegais.

Ambas as constatações podem ser vistas sob dois prismas diferentes. No primeiro,

existia a dificuldade de se delimitar com precisão a fronteira que separava os terminais

públicos regidos pelo direito público, a partir de contratos administrativos precedidos de

licitação, com obrigações de universalidade e continuidade, e os terminais privativos,

igualmente localizados dentro dos portos públicos, mas explorados a partir da outorga de

direito por meio de autorizações e submetidos a um regime mais brando.

No segundo, que mais nos interessa para fins do presente estudo, envolvia a dicotomia

existente entre a liberdade de exploração dos terminais de uso privativo misto e as limitações

de ordem pública que deveriam incidir sobre a atividade por força constitucional. Será que a

atividade desenvolvida no âmbito dos terminais de uso privativo deixara de ser um serviço

público?

Ocorre que a Lei de Modernização dos Portos distinguiu, apenas de forma indireta, as

espécies de cargas ao prever duas modalidades de terminais de uso privativo – um de uso

exclusivo (que pressupõe a movimentação de carga própria), e outro de uso misto (que

pressupõe a movimentação de carga diferente da própria), sem trazer qualquer previsão de

cunho restritivo.

Vale dizer que a lei não definiu qualquer conceito de carga própria e de carga de

terceiro, tampouco estabeleceu algum percentual máximo para movimentação de carga de

                                                                                                               34 MARQUES NETO, F. A.; LEITE, F. B. Peculiaridades do contrato de arrendamento portuário. Revista de Direito Administrativo, v. 231, 2003, p. 6. 35 FEP/BNDES. Análise e Avaliação da Organização Institucional e da Eficiência de adesão do Setor Portuário Brasileiro. São Paulo: Booz & Company, 2012. Bibliografia. 1. Disponível em http://www.FEP/BNDES.gov.br/SiteFEP/BNDES, acesso em 03 de maio de 2014, p. 67.

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  37

terceiro nos terminais de uso privativo misto36. Este fator gerou sérias dúvidas quanto à

natureza jurídica desta espécie de terminais portuários, pois, a princípio, não havia qualquer

espécie de limitação.

A nova Lei dos Portos evoluiu quanto a estes antigos pontos críticos, uma vez que: (i)

deixou claro que todas as formas de exploração da atividade portuária pertencem ao gênero da

exploração indireta do serviço pela União, e; (ii) separou de forma precisa os regimes

jurídicos aplicáveis a cada forma de exploração de acordo com a natureza e localização das

áreas e instalações portuárias. Senão vejamos.

O artigo 1º da Lei n. 12.815 de 2013, além de trazer um leque de arranjos contratuais

possíveis, deixa claro que seu objeto é regular a exploração direta ou indireta dos portos e

instalações portuárias pela União:

Art. 1º Esta Lei regula a exploração pela União, direta ou indiretamente, dos portos e instalações portuárias e as atividades desempenhadas pelos operadores portuários. § 1º A exploração indireta do porto organizado e das instalações portuárias nele localizadas ocorrerá mediante concessão e arrendamento de bem público. § 2º A exploração indireta das instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado ocorrerá mediante autorização, nos termos desta Lei.

Verifica-se que os parágrafos do artigo 1º determinam que, por um lado, a exploração

indireta do porto organizado e das instalações portuárias nele localizadas ocorrerá sempre

mediante concessão e arrendamento de bem público, enquanto que a exploração indireta das

instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado ocorrerá sempre mediante

autorização.

Restou claro que: (i) todas as formas de desenvolvimento da atividade, seja ela

realizada dentro dos portos públicos, seja ela realizada em áreas particulares fora dos portos

públicos, são formas de exploração indireta da atividade de titularidade da União, e; (ii) a lei

erigiu o porto organizado como verdadeiro divisor de águas entre as formas de exploração

                                                                                                               36 É o que se extrai do artigo 4º da LMP: “Art. 4° Fica assegurado ao interessado o direito de construir, reformar, ampliar, melhorar, arrendar e explorar instalação portuária, dependendo: (...) II - de autorização do órgão competente, quando se tratar de Instalação Portuária Pública de Pequeno Porte, de Estação de Transbordo de Cargas ou de terminal de uso privativo, desde que fora da área do porto organizado, ou quando o interessado for titular do domínio útil do terreno, mesmo que situado dentro da área do porto organizado [...] § 2° A exploração da instalação portuária de que trata este artigo far-se-á sob uma das seguintes modalidades: [...] II - uso privativo: a) exclusivo, para movimentação de carga própria; b) misto, para movimentação de carga própria e de terceiros”.

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  38

indireta e os respectivos regimes jurídicos aplicáveis.

Logo, toda e qualquer forma de exploração operacional dentro das poligonais dos

portos organizados deverão ser formalizadas mediante a celebração, ou de contratos de

concessão (quando envolver o porto como um todo), ou de contratos de arrendamentos

(quando envolver áreas e instalações que constituem o porto organizado).

Por sua vez, a exploração da atividade fora destes limites será possível apenas e tão

somente por meio de autorização, sendo que em todos os casos, dentro ou fora dos portos

organizados, a delegação será conferida pela Secretaria de Portos à pessoa jurídica de direito

privado que demonstre capacidade para seu desempenho e sempre por sua conta e risco37.

Em função desta característica da lei, é importante definirmos com precisão o conceito

de “porto organizado”. O inciso I do artigo 2º define porto organizado como sendo o “bem

público construído e aparelhado para atender a necessidades de navegação, de movimentação

de passageiros ou de movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e

operações portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária” 38.

Extraem-se desta definição duas características básicas: (i) uma de ordem finalística –

áreas e infraestruturas destinadas à navegação, movimentação e armazenagem de cargas ou

pessoas, e; (ii) outra de ordem subjetiva – ter sua administração sob a responsabilidade de

uma autoridade portuária.

No que concerne à característica ‘área’ do porto organizado, o inciso II do mesmo

artigo 2º a define como sendo aquela “delimitada por ato do Poder Executivo que compreende

as instalações portuárias e a infraestrutura de proteção e de acesso ao porto organizado”. Este

ato consiste em decreto federal que dispõe sobre a poligonal que circunda cada porto

organizado, traçando a linha limítrofe, nem sempre contínua, de sua área total39.

                                                                                                               37 “Art. 1º. [...] § 3o As concessões, os arrendamentos e as autorizações de que trata esta Lei serão outorgados a pessoa jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco”. 38 Esta orientação já vinha sendo utilizada desde o antigo marco legal. De acordo com Suriman Nogueira de Souza Júnior, “a conceituação legal dada à área do porto organizado afastou as noções de hinterlândia e de zona de jurisdição do porto, vindo a delimitar o espaço físico no qual os serviços de natureza portuária devem ser prestados, de fato, ou seja, restringindo a área onde a concessionária exerce os poderes e deveres relativos à concessão. É a partir da fixação dessa área e paralelamente à atuação dos portos organizados que são delimitados os espaços destinados à livre iniciativa privada para a implantação e exploração de instalações portuárias, entre as quais os terminais portuários de uso público e privado, cujos regimes jurídicos são definidos de acordo com a localização, dentro ou fora do porto organizado”. SOUZA JÚNIOR, Suriman Nogueira de. Regulação Portuária: a regulação jurídica dos serviços públicos de infra-estrutura portuária no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 23. 39 Depreende-se do artigo 15 da Lei n. 12.815: “Ato do Presidente da República disporá sobre a definição da área

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  39

Já o elemento subjetivo é disciplinado pelo artigo 17 da lei que diz que a

administração do porto, denominada ‘autoridade portuária’, deverá ser exercida diretamente

pela União, pela delegatária ou pela entidade concessionária. Mesmo com o rol de atribuições

significativamente reduzido, as autoridades portuárias permanecem como elemento essencial

para fins de definição do que deve ser tratado como porto organizado.

Como se percebe, a partir da definição precisa de porto organizado, a lei conseguiu

delimitar com maior nitidez o raio de incidência do regime especial de direito público. Vale

dizer que o novo marco legal tratou a atividade portuária indiscriminadamente como serviço

público, mas restringiu com maior precisão o raio de incidência do regime de direito público,

caracterizado, conforme adiante se verá, por determinadas obrigações que não alcançam os

agentes submetidos ao regime privado.

Hoje, com o advento do novo marco legal, o instituto do porto organizado (com a

respectiva poligonal, claro) possui duas funções de elementar importância – ele não apenas

delimita o espaço entre portos e cidade, como também é o principal referencial para a

identificação do regime jurídico a que deve se submeter os empreendedores que desenvolvem

atividades portuárias40.

Em suma, a grande contribuição da nova Lei dos Portos foi delinear de forma mais

precisa e sistematizada os regimes de exploração portuária possíveis no Brasil. Isso tornou

não apenas o ambiente negocial mais seguro sob a perspectiva jurídica, como também fez um

recorte mais preciso nos objetos a serem debatidos pela doutrina. Pelo menos, agora, sabe-se

com mais clareza o terreno que se estará pisando.

3.2 Concessões de portos organizados e arrendamentos de terminais públicos

Primeiramente, no que envolve as formas de delegação dos portos públicos como uma

unidade operacional (portos organizados), a lei trouxe novidades ao prever três diferentes

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         dos portos organizados, a partir de proposta da Secretaria de Portos da Presidência da República. Parágrafo único. A delimitação da área deverá considerar a adequação dos acessos marítimos e terrestres, os ganhos de eficiência e competitividade decorrente da escala das operações e as instalações portuárias já existentes”. 40 Em outras palavras, o novo marco legal deixou claro que o regime jurídico a ser aplicado dentro da poligonal do porto organizado será o público, sujeito não apenas à autoridade local – realizada por meio da administração portuária – como também a todo regramento do poder concedente.

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  40

espécies de contratos de concessão que podem ser designadas como integrada, parcialmente

integrada e não integrada, e delimitou a função do objeto previsto para cada qual41.

Vale lembrar que esta é uma prática legislativa possível e não viola qualquer preceito

constitucional. Isso porque a Carta Maior não possui um conceito rígido e fechado de

concessão, sendo que este negócio jurídico deve se dedicar a regrar as relações jurídicas

travadas pela administração pública. Quem melhor explica isto é Vera Monteiro42.

De acordo com a autora, cabe ao contrato fazer as definições do modelo concreto,

sendo que não há razão para não aceitar que um contrato de concessão, confeccionado a partir

de certa estrutura negocial, busque mecanismos de outras espécies de concessão para melhor

configuração do contrato à realidade prática levada a cabo pela administração pública43.

Ainda de acordo com Vera Monteiro, as diferenças entre as espécies concessórias

fogem do plano conceitual, devendo se basear na forma como elas se articulam e compõem os

vários mecanismos que constituem sua estrutura contratual. Antes de enxergar o contrato de

concessão como mero instrumento de transferência da execução de determinado serviço

público, é preciso identificar sua função precípua, qual seja, “viabilizar a realização de

investimentos significativos para a disponibilização de bens e serviços à sociedade”44.

A racionalidade por trás da nova lei de portos assemelha-se muito a esta vertente

doutrinária. A lei buscou se desvencilhar das amarras da lei geral de concessões (tendo esta

apenas aplicação subsidiária) e previu novos arranjos contratuais, que, a partir do conceito

pretendido por Vera Monteiro, podem ser considerados espécies do gênero concessão.

Marcos Augusto Perez adota entendimento semelhante, na medida em que acredita

que a concessão gênero abriga múltiplas formas de parcerias público-privadas e teria como

principal finalidade a atração de parceiros para a montagem de projetos de financiamento que

viabilizem a implantação, manutenção, ampliação e modernização dos serviços públicos45.

Nesse contexto, o Decreto n. 8.033/2013, ao regulamentar o disposto no artigo 2º,

                                                                                                               41 Em função de conferência realizada no dia 1º de outubro de 2013, quando foi apresentado o novo marco regulatório pelo Governo aos investidores, denominou-se as três espécies de concessão da seguinte forma: (i) concessão integrada (Inciso I), (ii) parcialmente integrada (Inciso II) e (iii) não integrada (Inciso III). Para maiores detalhes, vide Capítulo 6. 42 MONTEIRO, Vera. Concessão. São Paulo: Malheiros, 2010. 43 Ibidem, p. 182. 44 Ibidem, p. 193. 45 PEREZ, Marcos Augusto. O risco no contrato de concessão de serviço público. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 97.

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  41

inciso IX, da Lei 12.815/2013, que definiu concessão como sendo toda “cessão onerosa do

porto organizado, com vistas à administração e à exploração de sua infraestrutura por prazo

determinado”, previu três arranjos contratuais possíveis:

Art. 20. O objeto do contrato de concessão poderá abranger: I - o desempenho das funções da administração do porto e a exploração direta e indireta das instalações portuárias; II - o desempenho das funções da administração do porto e a exploração indireta das instalações portuárias, vedada a sua exploração direta; ou III - o desempenho, total ou parcial, das funções de administração do porto, vedada a exploração das instalações portuárias. (grifo nosso)

O primeiro arranjo (“Concessão Integrada”) transfere ao concessionário todas as

funções inerentes à autoridade portuária, tornando-se responsável não apenas pela

administração do porto, como também pela exploração direta e indireta de suas instalações.

Assim, caso opte pela exploração direta, poderá operar com corpo de profissionais próprio ou

contratar operador portuário. Em ambos os casos, haverá a negociação direta com os usuários.

Na hipótese de optar pela exploração indireta, o concessionário buscará terceiros

interessados na exploração de instalações portuárias localizadas dentro do porto público sob

sua tutela, mediante a celebração de contratos de arrendamento que deverão ter o prazo

sempre limitado ao prazo da própria concessão. Neste caso, será o arrendatário responsável

pela negociação e contratação com usuários.

Conforme se depreende do artigo 21 do Decreto, os contratos celebrados entre o

concessionário e terceiros serão regidos pelas normas de direito privado, não se estabelecendo

qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente. Logo, parece que em

nenhuma hipótese o concessionário se eximirá da responsabilidade pela concessão, sendo que

eventual dano provocado por terceiro deverá ser acionado mediante ação de regresso46.

Ademais, os contratos de arrendamento e demais instrumentos vigentes, voltados à

exploração de áreas no interior do porto poderão ter sua titularidade transferida ao

concessionário, uma vez que, de acordo com o parágrafo primeiro do artigo 22, ele deverá

                                                                                                               46 Decreto n. 8.033/2013: “Art. 21. Os contratos celebrados entre a concessionária e terceiros serão regidos pelas normas de direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente, sem prejuízo das atividades regulatória e fiscalizatória da Antaq [...] §1º Os contratos celebrados entre a concessionária e terceiros terão sua vigência máxima limitada ao prazo previsto para a concessão. §2º A transferência da titularidade afasta a aplicação das normas de direito público sobre os contratos”.

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  42

respeitar os termos contratuais originalmente estabelecidos47. Enfim, não são poucos os pontos

que despertam dúvidas na aplicação prática dos modelos.

O segundo arranjo contratual possível (“Concessão parcialmente Integrada”) possui a

mesma base do primeiro, com a diferença essencial de ser vedada a exploração direta dos

terminais portuários, ou seja, embora o concessionário seja responsável pela administração do

porto organizado, exercendo todas as funções inerentes à autoridade portuária, não lhe é

permitido o desenvolvimento da atividade portuária propriamente dita.

Com efeito, o desenvolvimento da atividade portuária deverá ser realizado por

terceiros arrendatários. Neste caso, caberá ao futuro concessionário selecionar e contratar com

os interessados na exploração das instalações portuárias existentes ou a serem construídas e

amortizadas mediante a exploração do terceiro. Como se percebe, são muitos os negócios

jurídicos possíveis, desde que sempre observadas as regras básicas da concessão.

No terceiro e último arranjo (“Concessão não integrada”), é transferido apenas o

desempenho, total ou parcial, das funções de administração do porto, sendo vedada a

exploração direta ou indireta das instalações portuárias, ou seja, ao concessionário caberá

apenas o gerenciamento de alguma função no porto, tais como vias, iluminação, tratamento de

resíduos sólidos, fornecimento de água tratada, captação de esgoto etc.

Na concessão não integrada, o poder concedente mantém a titularidade para a seleção

e celebração dos contratos de arrendamento das áreas e infraestrutura localizadas dentro do

respectivo porto organizado, sendo o concessionário mero gestor do todo ou de parcela das

funções administrativas. Este arranjo contratual assemelha-se muito às concessões

administrativas, na medida em que é licitada a prestação de um serviço à própria entidade

pública mediante o pagamento de uma contraprestação.

Entretanto, no caso da concessão não integrada, poderia haver a sistematização da

contraprestação a partir dos próprios usuários da utilidade disponibilizada pelo

concessionário. Por exemplo, o consumo de algumas utilidades são facilmente

individualizadas, tais como fornecimento de água ou utilização das vias internas do porto, o

que poderia ensejar a cobrança de taxas em contrapartida às obras necessárias e o

gerenciamento do serviço por parte do concessionário.

                                                                                                               47 Decreto n. 8.033/2013: “Art. 22. Os contratos de arrendamento e demais instrumentos voltados à exploração de áreas nos portos organizados vigentes [...] poderão ter sua titularidade transferida à concessionária [...] §1º A concessionária deverá respeitar os termos contratuais originalmente pactuados”.

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  43

Enfim, no que envolve o instituto da concessão no setor portuário, a principal

inovação do novo marco legal foi a previsão de diferentes arranjos contratuais, o que pode

tornar o modelo da concessão mais seguro e bem delimitado. Lembrando, contudo, que os

novos critérios de seleção, conquanto sejam tratados em tópico a parte, também se aplicam às

licitações de eventuais concessões de portos organizados.

Este é, inclusive, outro importante ponto de atenção do novo modelo para concessões.

Não nos parece uma tarefa simples optar por algum dos critérios obrigatórios pela lei e a

seleção do agente mais adequado e preparado para a gestão do porto como um todo. A título

de ilustração, como utilizar o critério de maior capacidade dinâmica e instalada frente à

pluralidade de terminais que um porto pode ter?

O Governo Federal, no plano geral de outorgas em 2013, previu dois planos pilotos

para testar os arranjos contratuais disponíveis para concessão de portos públicos. Tratava-se

do Porto de Manaus, no Estado do Amazonas, e do Porto de Imbituba, no Estado de Santa

Catarina. Até o fechamento do presente estudo, ambos os planos estavam suspensos, sem

terem sido disponibilizadas as minutas de edital e contrato para consulta pública.

Já o contrato de arrendamento é definido como sendo a cessão onerosa de área e

infraestrutura pública localizada dentro do porto organizado, para exploração por prazo

determinado 48 . Talvez uma questão histórica, marcada pela consolidação de termos

comumente utilizados no setor, bem como em prol da segurança e estabilidade das relações

jurídicas (uma vez que diversos contratos encontram-se em pleno vigor), tenha feito com que

o legislador mantivesse a denominação “contrato de arrendamento”.

Este fator, entretanto, não pode levar à falsa conclusão de que se trata de cessão de uso

de bem público desprendido da atividade que deve ser, obrigatoriamente, desenvolvida nele49.

Em sentido contrário, o novo arcabouço legal tornou o conteúdo do contrato de arrendamento

mais preciso, realinhando seus dispositivos para os fatores quantitativos e qualitativos da

                                                                                                               48 “Art. 2º [...] XI - arrendamento: cessão onerosa de área e infraestrutura públicas localizadas dentro do porto organizado, para exploração por prazo determinado”. 49 Pode parecer uma constatação simples, mas que já foi objeto de muita discussão. Vide, por exemplo, Itiberê de Oliveira Castellano Rodrigues, para quem o arrendamento é típico contrato de concessão de uso de bem público. O autor afirma que “não resta, portanto, maior dúvida em se afirmar que os portos constituíram originária e efetivamente um bem de uso comum do povo [...] as atividade portuárias são acessórias e/ou inerentes ao uso do bem público ‘porto’ pela população em geral e, com isso, elas não ganham autonomia jurídica e menos ainda preponderância em relação ao próprio uso do bem público ‘porto’”. Evolução histórico-jurídica do regime de exploração de portos no Brasil e o regime da Constituição de 1988. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, v. 10, n. 38, jul./set. 2012, p. 147.

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  44

prestação de serviço em si, considerando a transferência do ativo público um meio para se

atingir o fim proposto.

Além disso, elencou as cláusulas que devem, necessariamente, informar o contrato de

arrendamento no mesmo tópico dedicado ao contrato de concessão. Dentre elas, destaca-se a

necessidade de delimitação da área e inventário de bens; modo, forma e condições da

exploração da instalação portuária; obrigação de reversibilidade dos bens afetos; valor do

contrato; critérios e procedimentos para reajustes e eventuais revisões tarifárias; indicadores e

metas de qualidade; entre outros. Ademais, tanto o contrato de concessão, quanto o contrato

de arrendamento, devem ser sempre precedidos de licitação e possuir prazo determinado.

Verifica-se, assim, que o legislador buscou tratar o contrato de arrendamento de forma

equiparada ao contrato de concessão. Vale dizer que ele previu o arrendamento como típica

concessão do serviço público portuário. A diferença essencial entre os contratos ficou por

conta da característica dos respectivos objetos a serem licitados – enquanto a concessão

refere-se à cessão onerosa do porto organizado como uma unidade, o arrendamento atém-se à

cessão onerosa de parcela localizada dentro dos portos organizados.

Estrutura bem definida como esta não havia no antigo marco legal. Pelo contrário,

como aponta Floriano Marques e Fábio Barbalho, a leitura conjunta das disposições do antigo

arcabouço normativo tornava tudo muito indeterminado e, de certa maneira, confuso. Não é

por outra razão que correntes doutrinárias surgiram defendendo as mais diversas naturezas

jurídicas para o contrato de arrendamento50.

                                                                                                               50 MARQUES NETO, F. A.; LEITE, F. B. Peculiaridades do contrato de arrendamento portuário. Revista de Direito Administrativo, v. 231, 2003, p. 8. Uma das duas principais correntes, defendida por Tércio Sampaio, buscava afastar a natureza jurídica de serviço público do arrendamento justamente com base na noção de que a concessão ocorria apenas uma única vez, sendo que para cada objeto concedido haver-se-ia um único e exclusivo prestador (elemento intuito persona típico dos contratos de concessão). Consequentemente, qualquer contrato que viesse a ser celebrado entre o concessionário e outro particular deveria ser regido pelo direito privado. Era neste contorno que se deflagrava a relação entre eventual interessado em explorar instalação dentro do porto e a autoridade (concessionário) responsável por aquele porto. O arrendamento nada mais seria do que a exploração de parte do todo concedido: “[...] as regras para as concessionárias, determinadas em lei, referem-se, no caso da exploração dos portos, aos chamados portos organizados, construídos e aparelhados para atender às necessidades de navegação e de movimentação e armazenagem de mercadorias. Concedido é o porto (art. 21, XII, da CF), enquanto uma unidade organizada. Diferente da concessão (e da delegação) do porto, isto é, da sua exploração como um todo, e a exploração de instalação portuária de uso público ou privativo, que é exploração de parte do objeto da concessão (e da delegação) e que pressupõe a prévia concessão [...] a relação que tem por objeto a exploração da parte do todo ocorre entre quem tem a concessão (ou delegação) do todo e o interessado em explorar-lhe parte. Esta relação não exige mais concessão, nos termos do art. 175 da CF, pois concessão já houve, do todo, e sendo a concessão intuitu personae, a relação entre o concessionário e o interessado em parte do objeto concedido não pode ser de novo concessão” (FERRAZ JÚNIOR, T. S. Porto - arrendamento - cessão e prorrogação do contrato. Revista trimestral de direito Público, São Paulo, n. 26, abr./jun. Disponível em http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/131, acesso em 22 de abril de 2014.

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  45

Não obstante os avanços a partir da maior precisão dos termos que devem reger os

contratos de arrendamento - aproximando-os sobremaneira dos contratos de concessão (em

nossa avaliação, acertadamente) - o que nos cabe destacar, por ora, são os novos critérios de

seleção que substituíram o antigo maior valor de outorga atrelado a um MMC (movimentação

mínima contratual).

Observe que a aplicação destes novos critérios não se restringe aos certames

envolvendo arrendamentos. Ao contrário, o artigo 6º da lei não faz qualquer ressalva quanto à

aplicação dos critérios, o que nos leva à conclusão de que eles são, igualmente, aplicados às

concessões, aos arrendamentos e, inclusive, às autorizações nos casos previstos no artigo 32

do Decreto n. 8.033/2013.

A opção por tratar do tema no bojo do tópico dedicado aos arrendamentos decorre do

fato de que todos os exemplos práticos disponíveis envolvem as minutas de editais e contratos

publicadas para a realização das consultas e audiências públicas para a primeira rodada de

arrendamentos de áreas nos portos de Santos e do Pará51. De qualquer forma, as considerações

aqui expostas estendem-se às concessões e autorizações, quando cabível.

3.2.1 Os novos critérios de seleção

O que se percebeu, com as minutas publicadas, foi que as áreas a serem arrendadas na

primeira rodada podem ser divididas, basicamente, em dois grandes grupos: (i) algumas

vocacionadas à verticalização das operações, cumprindo o papel de elo na cadeia logística, e;

(ii) outras dotadas de atributos capazes de torná-las a atividade fim de um empreendedor, ou

seja, a atividade portuária não seria meramente uma atividade meio dentro de uma cadeia

logística, mas sim um empreendimento em si.

Portanto, os gestores públicos buscaram alocar os critérios de seleção disponíveis de

acordo com a natureza do arrendamento, alguns pendentes à verticalização e outros mais

propensos à competição, sempre visando os incentivos que os futuros licitantes vencedores

terão frente ao sistema portuário nacional, mais precisamente, o norte é sempre o que se

esperar daquele licitante vencedor independente da natureza de sua atividade. É olhar o

                                                                                                               51 Disponíveis para consulta no site oficial da ANTAQ (http://www.antaq.gov.br/Portal/AudienciaPublica.asp).

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Ivo Vieira Silva.… · 3.2 Concessões de portos organizados e arrendamentos de terminais públicos 39 3.2.1 Os novos critérios

  46

arrendamento dentro de um contexto maior – o setor portuário brasileiro.

Os novos critérios de seleção, não obstante possíveis dificuldades práticas, refletem

bem esta postura do Governo Central na aprovação do novo marco legal, pois buscaram

desonerar os valores que seriam pagos a título de outorga (fixa e variável) e redirecioná-los

para maiores investimentos em infra e superestrutura necessários para a expansão e

modernização da capacidade geral do sistema portuário nacional e, consequentemente, a tão

desejada redução dos custos logísticos para os usuários.

O novo marco legal aboliu, assim, o maior valor de outorga a ser oferecido nos leilões

de portos e terminais públicos e, de forma ousada, previu três critérios de seleção, cada qual

ligado a um incentivo estratégico: (i) visando aumentar a capacidade do sistema, elencou o

critério de maior movimentação; (ii) visando reduzir os custos logísticos, elencou o critério de

menor tarifa, e, por fim; (iii) visando aumentar a eficiência nas operações, elencou o critério

de menor tempo de movimentação52. Vejamos:

Art. 6º. Nas licitações dos contratos de concessão e arrendamento, serão considerados como critérios para julgamento, de forma isolada ou combinada, a maior capacidade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de movimentação de carga, e outros estabelecidos no edital, na forma do regulamento.

Em linhas gerais, o referido artigo 6º autoriza o poder concedente a se valer de

qualquer um dos três critérios de julgamento de forma isolada ou combinada. O Decreto n.

8.033/2013 prevê outros três critérios adicionais, quais sejam: (i) maior valor de investimento;

(ii) menor contraprestação do poder concedente, e; (iii) melhor proposta técnica. Estes

critérios poderão ser utilizados de forma associada a, pelo menos, um dos três critérios

previstos na Lei 12.815/2013.

Sob o prisma estritamente jurídico, a utilização de um ou mais critérios de julgamento

admitidos pelo novo marco legal encontra-se no campo da discricionariedade administrativa,

respeitadas sempre as limitações estabelecidas. Vale dizer que a conveniência e oportunidade

do Poder Público devem informar a decisão de se utilizar um ou mais dos referidos critérios

frente a cada caso concreto, não existindo qualquer determinação legal apriorística na seleção

                                                                                                               52 Cabe observar que alguns critérios, não obstante a louvável intenção do legislador, são de difícil aplicação, seja pela complicação do emprego no certame licitatório (dificuldade na objetivação dos lances ou análise da proposta pela comissão), seja no custo regulatório a posteriori pela agência (relatórios de difícil aferição teórica e prática in loco), seja pela inviabilidade prática (como menor tempo de movimentação no descarregamento de cargas líquidas que depende do sistema de cada embarcação).

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do critério a ser utilizado.

Logo, o responsável pela elaboração do edital tem de ser criterioso na adoção dos

critérios, sob risco dos incentivos não serem alocados de forma correta e causarem sérias

distorções. É nesse sentido que classificamos a inovação trazida pelo novo marco legal como

complexa. Muito embora os critérios possam fazer total sentido em um primeiro momento, na

prática sua aplicabilidade não se mostra nada trivial.

Vale aqui tecermos algumas considerações para ilustrar e, até mesmo, justificar nossa

opinião. Primeiramente, dentre os três critérios previstos, aquele que aparenta ser o mais

complicado de ser utilizado é o critério de menor tempo de movimentação, na medida em que

o setor conta com diferentes tipos de instalações de acordo com a carga movimentada, sendo

que cada uma delas possuem medidas e procedimentos diversos.

Talvez esta tenha sido a razão de o Decreto n. 8.033/2013 ter desmembrado este

critério em três subtipos, quais sejam53: (i) menor tempo médio de movimentação de

determinadas cargas; (ii) menor tempo médio de atendimento de uma embarcação de

referência, ou; (iii) outros critérios de aferição da eficiência do terminal na movimentação de

cargas.

Este último subtipo reflete aquela que parece ter sido a verdadeira intenção do

legislador – prever na lei um critério que tivesse o condão de selecionar o interessado com o

maior potencial e expertise de dar uma destinação eficiente para a atividade desenvolvida na

área arrendada, extraindo o melhor desempenho possível das instalações existentes e/ou a

serem construídas.

O critério de maior capacidade de movimentação também foi fragmentado em outros

três subtipos: (i) maior capacidade dinâmica, ou seja, vence aquele que oferecer a estrutura

com o potencial máximo de movimentação em um momento de pico; (ii) maior capacidade

estática, ou seja, aquele que oferecer infraestrutura com a maior capacidade de armazenagem

dentro da área do arrendamento, e; (iii) maior capacidade efetiva, ou seja, aquele que promete

a maior movimentação de carga dentro de um intervalo de tempo para aferição.

                                                                                                               53 “Art. 9º [...] § 3º O menor tempo de movimentação poderá corresponder: I - ao menor tempo médio de movimentação de determinadas cargas; II - ao menor tempo médio de atendimento de uma embarcação de referência; ou III - a outros critérios de aferição da eficiência do terminal na movimentação de cargas, conforme fixado no edital”.

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Por fim, o critério de menor tarifa, como o próprio nome já diz, busca selecionar o

interessado que seja capaz de ofertar serviços portuários ao custo mais baixo possível para os

respectivos usuários daquele terminal. Este critério não sofreu qualquer desdobramento pelo

Decreto, nos moldes do que ocorreu com o menor tempo ou a maior capacidade de

movimentação, conforme acima apontado.

Frente ao novo marco legal, portanto, o critério de julgamento no certame deverá ser

aquele que melhor atinja os objetivos do governo com o novo marco regulatório do setor

portuário brasileiro, quais sejam a expansão e modernização das instalações portuárias, seja a

partir do reflexo natural do regime de competição inter e intraportos, seja pelo aumento

forçado da capacidade geral do sistema, sendo que ambos tendem ao mesmo efeito de longo

prazo: evitar gargalos com choque de oferta e redução nos custos logísticos.

Nas primeiras minutas de editais e contratos sob a égide do novo marco legal,

percebeu-se que foram adotadas, basicamente, duas estruturas de seleção: (i) maior

capacidade de movimentação efetiva, e; (ii) menor tarifa. Enquanto este buscou a proposta

que oferece o maior desconto sobre uma tarifa base única ou uma cesta tarifária, aquele

buscou o interessado que se comprometer a dar o uso mais eficiente para o ativo.

Perceba que a “movimentação efetiva” não se restringe à capacidade que o terminal

deverá ser dotado, diferentemente, refere-se à movimentação a ser efetivamente realizada pelo

futuro arrendatário, transcorrido um período determinado de tempo suficiente para a

implantação ou expansão do terminal arrendado.

Vale dizer que o montante contido na proposta vencedora do certame deverá

corresponder, necessariamente, ao que foi movimentado dentro dos limites territoriais daquele

terminal específico em determinado ano previamente estipulado, o qual deve ser suficiente

para as obrigações prévias à assinatura do contrato, bem como à emissão de todas as licenças

e certificados necessários à construção e ao início das operações.

Dois pontos devem ser destacados: (i) cabe ao futuro arrendatário, por sua conta e

risco, realizar todos os investimentos necessários para atingir a movimentação contida em sua

proposta que sagrou vencedora, e; (ii) o risco assumido pelo arrendatário, salvo nas hipóteses

previstas em lei ou alocadas ao poder concedente na matriz de risco contratual, é amplo e

abarca, inclusive, os desafios de ordem comercial de captação de usuários.

Verifica-se, assim, que o risco será sempre proporcional à agressividade contida na

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proposta de licitação. Quanto maior a oferta de capacidade efetiva proposta pelo licitante,

maior tende a ser o investimento em instalações e/ou tecnológicas empregadas. Como se não

bastasse, o licitante vencedor deverá ter capacidade comercial suficiente para capturar a carga

necessária para o atingimento da movimentação efetiva mensurada no intervalo de um ano de

operação dentro dos limites de seu terminal.

O critério de maior capacidade de movimentação efetiva serve, de forma geral, para

atender certames que têm como objeto terminais que integram uma cadeia produtiva ou que

são controlados por comercializadoras/consolidadoras de cargas. Nesses casos, o fenômeno da

verticalização torna a seleção por menor tarifa inócua, já que tomador e prestador do serviço

são o mesmo agente. O critério em tela pode levar novos entrantes verticalizados a buscar

maior eficiência e/ou menor preço para cumprir a movimentação mínima garantida, nos casos

em que sua própria carga não for suficiente para atingir o montante prometido.

Já o critério de menor tarifa possui uma racionalidade um pouco diferente. Aqui o

arrendatário, em regra, possui a atividade portuária como um fim em si mesma, ou seja, não

pertence a qualquer cadeia verticalizada e busca a maximização de seu lucro através,

notadamente, do aumento de eficiência atrelado ao maior número de usuários possível, e a

redução de custos para aumentar sua margem de ganho.

Muito embora o critério de seleção de menor tarifa possa representar certo custo

regulatório, ele tende a fomentar a competição, não apenas intraportos, como também

interportos, pois em um determinado momento passa a ser crucial a captura de novos nichos

de usuários. Ressalta-se que a adoção do critério não implica no afastamento das demais

exigências contratuais, tal como a obrigação de manter capacidade estática mínima.

Percebe-se que o novo marco legal privilegiou aquele que tem a capacidade de

oferecer o mais adequado e eficiente serviço, em detrimento daquele que possui mais recurso

para remunerar o Estado pela utilização de ativo público em proveito próprio. Em outras

palavras, preferiu-se as externalidades que o serviço portuário pode proporcionar a que a

melhor remuneração pela utilização do bem público. A lógica encontra-se intimamente ligada

ao momento que o país atravessa, ou seja, a necessidade premente de mais investimentos na

expansão das instalações e na modernização dos serviços prestados.

Os riscos que norteiam os novos critérios de licitação, entretanto, são enormes. Dentre

os riscos operacionais, não gerenciáveis, poderíamos citar: (i) dificuldades nos acessos

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terrestres e marítimos que limitam sobremaneira o desempenho dos terminais; (ii) alterações

de médio e longo prazo nos grandes eixos de acesso terrestre, pois podem deslocar volumes

substanciais de cargas de um porto para outro, mudando a estratégia de certos agentes do

mercado; (iii) considerando que os custos portuários são pequenos face aos custos logísticos

totais, os terminais muitas vezes não possuem elasticidade suficiente para capturar volumes

suficientes; (iv) muitos terminais não possuem berços para atender navios maiores e

poderiam, assim, ser excluídos do mercado. Já no que envolve riscos de mercado, poderíamos

citar: (i) desempenho da economia nacional, pois a atividade portuária possui forte

dependência do comércio exterior; (ii) em função da especialização, o desempenho portuário

pode ser afetado por um segmento industrial específico.

Todos os riscos, sejam eles de ordem operacional, sejam eles de ordem comercial,

podem ser invocados pelos futuros arrendatários para se eximir do cumprimento da

movimentação efetiva/prometida, razão pela qual a utilização dos critérios para a escolha dos

arrendatários nos leilões tornou-se complexa. De acordo com as minutas de edital e contrato

publicadas, a matriz de risco é clara, no sentido de que são poucas as hipóteses que eximem o

futuro arrendatário do cumprimento do lance vencedor. Ademais, calculou-se uma banda na

curva de crescimento da movimentação, o que vale dizer que ao arrendatário é conferida certa

margem de tolerância previamente estipulada no instrumento convocatório (por exemplo,

quando não atingir a capacidade prometida durante três anos seguidos ou três exercícios

aleatórios dentro do intervalo de cinco anos).

3.2.2 A oportunidade de agrupamento e otimização das áreas dos terminais públicos

O segundo ponto a ser destacado no âmbito dos portos públicos consiste na

oportunidade única de se resolver um problema antigo, qual seja, a reorganização e

otimização das áreas públicas. Ocorre que os terminais públicos no Brasil possuem sério

problema estrutural oriundo das práticas sob as quais foram sendo desenvolvidos. São

marcados, assim, por grave fragmentação física que impacta sobremaneira na eficiência e

operacionalidade das instalações.

Mais especificamente, esta espécie de falha estrutural implica sérias dificuldades na

recepção e expedição de cargas, formação de filas adicionais e na deficiência do arranjo físico

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e porte dos espaços de armazenagem. Além disso, provoca baixa escala que torna os terminais

inadequados aos portes dos navios atualmente utilizados, bem como as composições

ferroviárias que os servem.

Por fim, o zoneamento irracional e não planejado, como nos casos em que granéis

sólidos convivem ao lado de cargas gerais, contêineres e, em casos mais graves, passageiros,

impacta significativamente na qualidade do serviço prestado, com perdas significativas de

escala e sinergias na conexão entre os modais terrestres e marítimos e as operações de

embarque e desembarque das instalações.

Em suma, esta escassez e falta de otimização das áreas dentro dos portos organizados

geraram ineficiência operacional e concentração de mercado por parte de alguns agentes

privados que conseguiram agrupar áreas ao seu redor. Este último fator unido à demanda

excedente pelos serviços não permitiu grau de concorrência suficiente para promover os

investimentos necessários e baixar os preços.

O atual programa de arrendamentos portuários consiste numa oportunidade única de

solucionar grande parte desses problemas, pois poderá (i) consolidar áreas em terminais com

escala adequada, (ii) mudar a vocação de áreas para conferir racionalidade no zoneamento,

(iii) atender as demandas mais prementes e (iv) embutir nos contratos mudanças relevantes

nos acessos rodoviários e ferroviários, adequando os terminais aos novos tempos.

Esse esforço só é possível nesse instante porque, coincidentemente, inúmeros

contratos dos portos venceram nos últimos meses e vencerão num futuro bem próximo. Trata-

se de uma oportunidade única de reverter o problema histórico de desenvolvimento

desorganizado dos portos. Sob a égide do antigo marco legal, que por fatores diversos

comprometia a discricionariedade de renovação dos contratos por parte do poder concedente,

esta reorganização provavelmente não seria viável.

Juntamente com esta reorganização dos espaços e a otimização das áreas, é necessária

uma releitura sobre o paradigma da verticalização como se esta fosse uma prática ruim e

danosa para o sistema portuário como um todo. Ocorre que a junção entre a verticalização nas

operações, o agrupamento de áreas e os novos critérios de seleção pode gerar um incremento

substancial na capacidade de movimentação nos terminais públicos.

Em termos práticos, um terminal público pode muito bem ser arrendado a particular

que fará uso exclusivo das instalações em proveito próprio. Entretanto, em função da

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concorrência em torno do critério de seleção utilizado (maior capacidade ou menor tempo de

movimentação), a tendência é de maximização no lance ofertado (pois, do contrário, o

interessado não arrendará o terminal) e o consequente excedente na oferta do serviço.

Isso porque o incremento na capacidade de movimentação daquela instalação pública

licitada tende a ser maior do que o aumento na movimentação de carga do próprio

verticalizado. Com isso, gera-se ociosidade no terminal portuário, o que tende a ser

compensado pela oferta de serviços pelo arrendatário a terceiros. Percebe-se que, o que antes

era concentração de mercado, passa a ser uma espécie de universalização indireta do serviço.

Em outras palavras, a tendência natural é que o arrendatário passe a ter cada vez mais

espaço ocioso nos limites de seu terminal, pois o crescimento de sua cadeia produtiva

verticalizada pode não acompanhar o incremento na capacidade instalada (estática e/ou

dinâmica) de seu terminal.

Logo, para cumprir o lance que se sagrou vencedor no certame licitatório, ou ele será

compelido a movimentar carga de terceiros (hipótese do critério de movimentação efetiva), ou

ele deverá manter capacidade estática ou dinâmica e terá de atender, excepcionalmente,

terceiros (norma a ser editada para regulamentar o acesso excepcional de terceiros).

O conjunto de todos estes fatores, organizados de forma sistemática, tende a alocar os

incentivos necessários ao aumento da capacidade geral do sistema. Este, pelo menos, é o

racional. Obviamente, existem inúmeros fatores de ordem prática que podem influenciar o

resultado. Citamos, como exemplo, os problemas nos acessos terrestres e marítimos que

limitam consideravelmente o incremento na capacidade do sistema portuário brasileiro.

3.2.3 Comentários finais

Os critérios de seleção demonstram um potencial incrível para se alcançar o aumento

na capacidade geral do sistema. Ocorre que a vinculação ao instrumento editalício não se

restringe apenas ao momento em que se ofertam os lances, mas, ao contrário, ela deve

acompanhar toda a execução do contrato, sob pena de caducidade do contrato de

arrendamento em curso.

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  53

Como se não bastasse as dificuldades impostas na própria modelagem dos

arrendamentos para se chegar no critério que melhor refletirá a natureza e característica

daquele terminal a ser licitado, os desafios impactam igualmente na elaboração dos termos

que regerão a relação entre poder concedente e arrendatário ao longo de todo o prazo da

cessão do ativo público.

São duas as consequências práticas: (i) a estratégia de modelagem e a estruturação da

licitação tornaram-se bastante complexas, especialmente quando comparadas aos demais

setores que utilizam o critério de maior valor de outorga, e; (ii) o poder concedente, na

execução dos futuros contratos, deverá ser firme o suficiente para entender que a caducidade

passou a ser uma realidade no setor em função das obrigações assumidas pelo arrendatário a

partir dos critérios utilizados no certame.

No que envolve a possibilidade de reorganização das áreas, caso se mantivesse o

antigo marco legal, as antigas práticas demonstram que ela não seria possível. Isso porque a

"segunda perna dos contratos" (renovação dos contratos vigentes) era uma espécie de direito

líquido e certo dos arrendatários, o que, na maior parte das vezes, não consistia na medida

mais adequada para o planejamento macro setorial.

Com a “ruptura” causada pelo advento do novo marco legal, parece que o poder

concedente restabeleceu a prerrogativa discricionária da renovação contratual, sendo que são

grandes as chances de se optar pelas melhores decisões sob o ponto de vista da racionalidade

e otimização das áreas públicas de acordo com a vacação e demais características que possam

influenciar o desenvolvimento das atividades no respectivo terminal.

Esta característica abarca, inclusive, os casos em que a renovação é a opção mais

adequada, mediante algumas adaptações contratuais e operacionais e um plano de

investimento robusto o suficiente para fazer frente ao novo prazo em que aquele ativo público

ficará a cargo do particular. A sensação, enfim, é de que o Estado voltou a poder tomar

decisões estratégicas e de mais longo prazo.

Todas estas considerações apenas farão sentido se partirmos de uma premissa básica,

qual seja, a de que as boas intenções e a tecnicidade prevalecerão no âmbito público, uma vez

que a corrupção, embora sempre presente, não seja suficiente para desvirtuar as decisões

discricionárias aqui impostas. Caso esta premissa não seja seguida, o evento pode ser

realmente danoso.

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  54

O problema é que grande parcela desta atual conjectura já tem origem no

gerenciamento falho da administração pública. Ocorre que houve uma espécie de perda de

controle dos termos e prazos contratuais diante de tantos aditivos e brechas no gigante

arcabouço infralegal. Passou a ser comum contratos que privilegiassem os interesses privados

em detrimento daqueles que efetivamente deveriam ser tutelados.

Existem casos em que o interesse público foi completamente deixado de lado, e o que

se viu foram empresários “sentados” em ativos públicos, sem realizar qualquer investimento

e, ainda pior, subaproveitando a infraestrutura instalada. Nestes casos, bastava os

arrendatários arcarem com os valores da movimentação mínima contratual (MMC) para se

manterem na área. Acontece que, com a desatualização dos valores de movimentação mínima

contratual, ficou barato aproveitar o ativo na medida dos próprios interesses do arrendatário,

sem a necessidade de expandir as operações.

3.3 Autorização de instalação portuária localizada fora da área do porto organizado

Até o momento, conforme inicialmente proposto, a exposição teve uma abordagem

mais abrangente, abarcando desde aspectos históricos até questões mais gerais envolvendo o

novo marco regulatório. A partir deste tópico adentraremos especificamente no objeto do

presente estudo – trata-se da autorização portuária e a exploração dos terminais privados no

novo marco legal de 2013.

Não se pode perder de vista que a abertura dos TUPs foi, em nossa avaliação, o maior

avanço na nova Lei dos Portos. Isso porque selou um dos temas mais controvertidos do setor

portuário brasileiro e que será a frente de ação de maior impacto prático, contribuindo de

maneira significativa no aumento geral do sistema portuário nacional, o que resultará em

serviços de melhor qualidade e preços mais baixos.

Sob esta ótica, de acordo com o inciso XII do artigo 2º da nova Lei n. 12.815/2013, a

autorização portuária consiste na outorga de direito à exploração de área e instalação

localizada fora da área do porto organizado e formalizada mediante contrato de adesão. Além

disso, o inciso IV do mesmo artigo prescreve que terminal de uso privado é toda instalação

portuária explorada mediante autorização e localizada fora da área do porto organizado.

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  55

Chamamos a atenção para dois aspectos importantes da definição trazida pela lei: (i)

diferentemente das concessões e arrendamentos, os quais envolvem cessão de área e

infraestrutura pública, no caso das autorizações, o objeto é a outorga de direitos, e; (ii) os

dispositivos legais isolaram os terminais privados dos limites dos portos organizados, uma

vez que a passagem “localizada dentro ou fora da área do porto organizado” prevista na

redação da antiga lei não foi replicada.

Significa dizer que o viés de patrimônio público dos portos organizados foi ressaltado

e, a partir de agora, as áreas em seus interiores são, em regra, públicas e afetas ao

desenvolvimento da atividade portuária. Claramente, esta inferência esbarra em diversas

situações juridicamente complexas, as quais nem sempre encontrarão soluções expressas no

marco regulatório. Vale dizer que muitas situações de fato e de direito poderão ser dirimidas

somente após sua judicialização.

Ademais, outro ponto de especial atenção foi que a nova Lei dos Portos não fez

qualquer distinção na destinação dos Terminais de Uso Privado. Ocorre que a antiga lei previa

que a utilização desta espécie de terminal poderia ser para uso exclusivo ou para uso misto, o

que pressupunha o desenvolvimento para proveito de terceiros que não o próprio proprietário

do ativo portuário.

Vale dizer que o novo marco legal não fez qualquer distinção na espécie de atividade

desenvolvida nos terminais privados. Conforme se verá, trata-se de uma inovação brutal para

o setor e que merece ser mais detalhadamente analisada. Buscaremos trazer breve histórico

sobre a evolução das limitações impostas a esta espécie de terminal para, em seguida, analisá-

las criticamente.

3.3.1 Breve histórico da restrição de cargas nos terminais de uso privativo misto

Conforme se depreende do estudo realizado com o apoio do FEP/BNDES54 sobre o

setor de portos no Brasil, um dos pontos críticos do sistema normativo eram as indefinições

de conceitos e o grande espaço para a edição de normas infralegais destinadas a preencher,

por vezes de forma falha ou de modo ilegítimo, vazios normativos. Este aspecto crítico aplica-                                                                                                                54 FEP/BNDES. Análise e Avaliação da Organização Institucional e da Eficiência de adesão do Setor Portuário Brasileiro. São Paulo: Booz & Company, 2012. Bibliografia. 1. Disponível em http://www.FEP/BNDES.gov.br/SiteFEP/BNDES, , acesso em 03 de maio de 2014, p. 268.

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se perfeitamente à indefinição nos limites de exploração dos terminais de uso privativo misto.

Isso porque conceitos como carga própria, carga de terceiros, operação eventual e

operação subsidiária não foram definidos pela LMP, o que gerou durante muitos anos

significativa insegurança para os interessados e proprietários de terminais portuários de uso

privativo misto. Além disso, abriu ampla liberdade para os diplomas normativos infralegais

regularem a matéria de forma instável (pois sofriam sucessivas alterações).

O primeiro dispositivo a efetivamente regulamentar a limitação na exploração da

atividade pelos particulares foi o artigo 5º, inciso II, alínea “c”, da Resolução ANTAQ n. 517

de 2005, ao exigir comprovação técnica de volume de carga própria que justificasse a

implantação do empreendimento55.

Mesmo neste caso (em que houve regulamentação, tendo em vista que diversos outros

dispositivos legais jamais foram disciplinados por qualquer normativo infralegal), a

regulamentação mais atrapalhou do que ajudou. Como se percebe, a previsão foi

extremamente aberta e subjetiva, uma vez que é uma tarefa árdua demonstrar a partir de

critérios consistentes se determinado volume de carga própria justifica ou não a implantação

de um terminal portuário privativo.

O Decreto n. 6.620 de 2008 (art. 35, inciso II), com o mesmo intuito de tornar mais

claro os limites de exploração dos terminais privativos, trouxe novos elementos que,

novamente, tornaram a verificação ainda mais complexa. Tratam-se dos termos

“preponderante”, “subsidiário” e “eventual”, necessários para justificar a movimentação de

carga de terceiros, mas que vieram desacompanhadas de suas respectivas definições. Senão

vejamos:

Art. 35. As instalações portuárias de uso privativo destinam-se à realização das seguintes atividades portuárias: I - movimentação de carga própria, em terminal portuário de uso exclusivo; II - movimentação preponderante de carga própria e, em caráter subsidiário e eventual, de terceiros, em terminal portuário de uso misto.

Em 2010, a Resolução ANTAQ n. 1.660 trouxe finalmente, em seu artigo 2º, incisos

                                                                                                               55 “Art. 5º A interessada na autorização de que trata esta Norma deverá dirigir requerimento à ANTAQ, instruído com a seguinte documentação: [...] II - Habilitação Técnica: [...] c) declaração da requerente especificando as cargas próprias que serão movimentadas no terminal, com movimentação anual mínima estimada que justifique, por si só́, de conformidade com estudo técnico especializado, a sua implantação, e, com relação às cargas de terceiros, se houver, a natureza destas”.

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  57

III, VI e VII, as definições necessárias para complementação do inciso II do artigo 35 do

Decreto n. 6.620/08. Vejamos:

Art. 2o Para os efeitos desta norma considera-se: [...] III - terminal portuário de uso privativo misto: a instalação portuária explorada por pessoa jurídica de direito público ou privado, não integrante do patrimônio do porto público, localizada dentro ou fora da área do porto organizado, utilizada na movimentação ou armazenagem de cargas próprias e de cargas de terceiros, destinadas ou provenientes de transporte aquaviário; IV - carga própria: é a carga pertencente à autorizada, à sua controladora, à sua controlada, ao mesmo grupo econômico ou às empresas consorciadas no empreendimento, cuja movimentação, por si só́, justifique, técnica e economicamente, a implantação e a operação da instalação portuária objeto da outorga; V - carga de terceiros: aquela compatível com as características técnicas da infraestrutura e da superestrutura do terminal autorizado, tendo as mesmas características de armazenamento e movimentação, a mesma natureza da carga própria autorizada que justificou técnica e economicamente o pedido de instalação do terminal privativo, conforme §1o deste artigo, e cuja operação seja eventual e subsidiária; VI - operação eventual: movimentação e armazenagem de cargas de terceiros, realizada por terminais portuários de uso privativo misto, de forma acessória. VII - operação subsidiária: movimentação e armazenagem de cargas de terceiros, realizada por terminais portuários de uso privativo misto, em regime de complementaridade da carga própria declarada (grifo nosso).

A partir deste arcabouço regulatório, consolidou-se uma forte vertente doutrinária no

sentido de que o papel do particular deveria ser sempre marginal à atuação das instalações

públicas – sua atuação jamais poderia ensejar qualquer espécie de substituição nas atividades

desenvolvidas pelos terminais públicos.

Nos dizeres de Cristiana M. M. Araújo Lima 56, ao privado, quando explorador de

atividade portuária em regime privado, seria possível apenas parcela residual, ou seja, ele

poderia prestar o serviço desde que de forma a complementar o serviço já oferecido pelos

terminais públicos – nunca de forma a substituir este.

                                                                                                               56 “[...] a exploração da atividade portuária em regime de Direito Privado e como instrumento de acumulação econômica, por meio de autorização de terminais de uso privado (de uso exclusivo ou misto), somente poderá existir na medida em que existam portos prestadores de serviço público. Assim, o terminal de uso privativo somente poderá existir de forma a complementar o serviço portuário, e nunca como substituto deste”. Regime jurídico dos portos marítimos. São Paulo, Editora Verbatim, 2011, p. 61.

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  58

3.3.2 A impertinência da restrição e a liberação pelo novo marco legal

Se partíssemos do modelo apontado por Cristiana M. M. Araújo Lima, implicaria dizer

que ao tomador do serviço portuário é terminantemente proibido de optar pelo atendimento

privado enquanto existir oferta pública disponível. Em outras palavras, enquanto a

infraestrutura pública não atingir sua plena capacidade, o usuário do serviço não poderá

recorrer aos serviços oferecidos pelos terminais privados.

Insistimos na inferência, pois ela é muito importante e esconde o verdadeiro racional

do novo marco legal – assim, se tomarmos como premissa que, porquanto perdurar a

ociosidade nos portos públicos, ao tomador do serviço é vedado buscar terminais privados

localizados fora de seus limites, é o mesmo que dizer que se o Brasil alcançar a desejada

concorrência no setor, o agente privado que atuar fora da poligonal do porto organizado,

mesmo sendo mais atrativo, seja pelo fato de ser mais eficiente, seja pelo fato de oferecer os

melhores preços, estaria proibido de captar parcela do mercado de cargas movimentadas pelos

portos públicos.

Não é preciso ser economista para vislumbrar que a situação descrita vai contra as

lições mais elementares de eficiência e aproveitamento econômico de recursos escassos.

Logo, sob o aspecto técnico-econômico, a impertinência da limitação imposta pelo antigo

marco legal é patente. Em um setor repleto de gargalos estruturais, defender a restrição à

expansão da infraestrutura, seja ela qual for, é ruim e prejudicial ao país.

A impertinência da restrição não se limita à perspectiva econômica. Ela também é

patente sob o olhar da própria Constituição Federal de 1988, a qual elenca, como fundamento

do Estado Democrático de Direito, a livre iniciativa e, como objetivo fundamental da

República, o amplo desenvolvimento econômico e social do país.

De acordo com Vitor Rhein Shirato, muito embora não houvesse, até 1988, dispositivo

constitucional ou legal que conferisse o status de serviço público às atividades portuárias, o

regime jurídico contemplado pelos decretos que disciplinavam as concessões estatais no setor

possuía viés público mesmo sem a designação formal de serviços públicos57.

                                                                                                               57 SCHIRATO, Vitor Rhein. Serviços portuários e as infraestruturas privadas. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 10, n. 39, jul/set. 2012, p. 229.

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Cristiana M. M. Araújo Lima58 aponta três fatores que foram essenciais para que a

atividade portuária estivesse sempre vinculada ao poder público: (i) o primeiro, de ordem

patrimonial, diz que todos os portos encontram-se situados em mar territorial, sendo bens

públicos pertencentes à União; (ii) o segundo relaciona-se à questão de segurança nacional, na

medida em que os portos possuem localizações estratégicas para a defesa da costa brasileira;

(iii) e o terceiro fator, de ordem econômica, indica que os portos são o principal meio

utilizado para o comércio exterior brasileiro, tendo grande peso na política econômica

nacional .

Talvez estes tenham sido os elementos invocados pelo Estado para restringir a

prestação da atividade portuária no Brasil. Entretanto, nenhum deles parece influenciar a

impertinência da restrição na atividade. No que concerne à questão patrimonial, observados o

mar territorial, os domínios territoriais costeiros e os terrenos da marinha59, as áreas

localizadas logo atrás da faixa litorânea são plenamente passíveis de aquisições por parte dos

particulares, inclusive, com o fim de implantação de instalações portuárias (não seria questão

fundiária que, a princípio, impediria a exploração da atividade).

Referente à segurança nacional, não é uma praxe da União atrair para si a construção

de novos portos sob a justificativa de proteção da costa brasileira, mesmo porque são poucos

os exemplos em que instalações portuárias militares encontram-se dentro dos portos públicos

operacionais. O terceiro fator vai de encontro à perspectiva adotada pela autora, uma vez que

é justamente pela importância dos portos na cadeia logística nacional, crucial para o

desenvolvimento econômico, que se deveria privilegiar o sistema mais eficiente, ainda que

este esteja fora do âmbito estatal.

Ademais, poder-se-ia acrescentar questões envolvendo segurança nas operações,

responsabilidade ambiental e áreas costeiras limitadas para receber instalações portuárias para

atrair a atividade ao poder público. Todas estas três questões são legítimas e poderiam ser

adequadamente controladas por meio de uma regulação estatal mais efetiva.

Vale dizer que a segurança nas operações portuárias pelo privado poderia ser garantida

a partir de regras mais rígidas na qualificação exigida para a emissão de autorização; já a

responsabilidade ambiental poderia ser garantida por meio de condicionantes impostas no

                                                                                                               58 LIMA, Cristiana Maria Melhado Araújo. Regime jurídico dos portos marítimos. São Paulo, Editora Verbatim, 2011, p. 53 59 Artigo 20, incisos VI e VII, da CF.

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processo de licenciamento, bem como a obrigatoriedade de implantação de programas de

gerenciamento de riscos e sistema de gestão e controle ambiental no terminal.

Poder-se-ia alegar, por fim, eventual alocação indesejada de recursos econômicos

escassos (mais especificamente a duplicidade de infraestruturas). Mas, se o serviço público é

prestado de forma tão insatisfatória a ponto de justificar a instalação de um terminal particular

e exclusivo, aquilo que era indesejável passa a ser justificável.

Em suma, grande parte da motivação do Constituinte para elevar a exploração de

portos ao status de um serviço público de titularidade e responsabilidade do Poder Público

Federal, envolveu a consolidação de fatores históricos atrelados a questões de ordem

patrimonial, econômica e de defesa territorial.

Contudo, este conjunto de fatores não deveria interferir na atuação dos agentes

privados, especialmente diante da incapacidade do sistema em absorver toda a demanda pelos

serviços e, mais ainda, diante do apetite dos particulares em investir e explorar os diferentes

modelos de negócios do setor.

Não se deve confundir parcela do mínimo garantido (de responsabilidade estatal) com

a possibilidade de um setor, suficientemente maduro, ir mais além e desenvolver um ambiente

de concorrência entre os agentes econômicos com potencial de fazer o nível de serviços

aumentar e, ao mesmo tempo, reduzir os preços praticados.

Mostra-se não apenas razoável, como também desejável, fomentar o pleno

desenvolvimento do setor a partir da inserção e incremento da competição entre os players.

Este é um excelente caminho para o aumento de capacidade e eficiência do setor portuário

como um todo, o que contribuiria para desonerar o custo logístico brasileiro.

Pela ótica econômica, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), no

exame do Ato de Concentração n. 08012.007452/2009-31, no qual se analisou denúncia de

concorrência desleal formulada pela entidade que representa os operadores de terminais

portuários públicos (Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres de Uso Público -

ABRATEC), julgou improcedente a demanda, considerando que os valores de arrendamento

são fixados a partir de uma modelagem econômico-financeira que inclui todas as receitas e

custos previstos ao longo de toda a exploração já com os efeitos da concorrência a que se

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submete e a reversibilidade dos bens ao final do vínculo contratual60.

Pela ótica da legalidade, no recente julgamento da Representação TC 015.916/2009-

061, na qual se discutiam supostas irregularidades envolvendo os terminais privativos de uso

misto (TUPM) e a atuação da Agência Nacional de Transporte Aquaviário (ANTAQ), sob a

alegação, dentre outras, de “ofensa ao Decreto nº 6.620/2008, que regulamentou a Lei

8.630/1993 (Lei dos Portos), e à Resolução/Antaq 517/2005, tendo em vista que os TUPM

estariam movimentando predominantemente cargas de terceiros e não cargas próprias, como

determina a referida legislação”, o TCU decidiu pela perda do objeto da Representação, na

medida em que as autorizações não contrariavam a legislação setorial. Isso porque, à época

das autorizações, os diplomas normativos que regiam as autorizações eram silentes quanto à

proporcionalidade entre a movimentação de cargas próprias ou de terceiros.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal houve duas demandas ligadas ao caso em

tela. Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 929 e da Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental n. 139. A primeira demanda foi proposta em 26 de

agosto de 1993 pelo Partido Comunista do Brasil juntamente com o Partido Democrático

Trabalhista. Buscava-se, a partir dela, que a Suprema Corte declarasse a inconstitucionalidade

dos seguintes dispositivos da Lei 8.630/93 (sem prejuízo de outros): (i) artigo 4º, § 2º, II,

“b”62, sob a alegação de que a possibilidade de os terminais privativos de uso misto

movimentarem cargas de terceiros contraria o dispositivo constitucional que eleva a atividade

portuária à qualidade de serviço público; (ii) artigo 6º, §§ 1º e 2º63, na medida em que

conferem a possibilidade a qualquer interessado explorar a atividade portuária que, por força

constitucional, seria reservada à atribuição do Estado, e; (iii) o conceito trazido de “porto

organizado” no artigo 1º por, supostamente, restringir a incidência das normas constitucionais

                                                                                                               60 Alguns aspectos do voto serão melhor analisados no último tópico do presente estudo, que trata da assimetria regulatória entre os terminais públicos e privados e os efeitos decorrentes disso. 61 O voto apresentado pelo Min. Relator Raimundo Carreiro foi acompanhado pelo Min. Revisor Aroldo Cedraz. 62 “Art. 4° Fica assegurado ao interessado o direito de construir, reformar, ampliar, melhorar, arrendar e explorar instalação portuária, dependendo: [...] II - de autorização do órgão competente, quando se tratar de Instalação Portuária Pública de Pequeno Porte, de Estação de Transbordo de Cargas ou de terminal de uso privativo, desde que fora da área do porto organizado, ou quando o interessado for titular do domínio útil do terreno, mesmo que situado dentro da área do porto organizado [...] 2° A exploração da instalação portuária de que trata este artigo far-se-á sob uma das seguintes modalidades: [...] II - uso privativo: [...] b) misto, para movimentação de carga própria e de terceiros.” 63 “Art. 6° Para os fins do disposto no inciso II do art. 4° desta lei, considera-se autorização a delegação, por ato unilateral, feita pela União a pessoa jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco. § 1° A autorização de que trata este artigo será formalizada mediante contrato de adesão, que conterá as cláusulas a que se referem os incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do § 4° do art. 4° desta lei. § 2° Os contratos para movimentação de cargas de terceiros reger-se-ão, exclusivamente, pelas normas de direito privado, sem participação ou responsabilidade do poder público.”

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que tratam dos serviços públicos.

Conquanto o desfecho da ação fosse aguardado com ansiedade pelos interessados no

tema, seu mérito não foi julgado e, diante do advento do novo marco legal, deverá ser julgado

na mesma linha da Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) n. 139, ou

seja, pela perda do objeto. A ADPF 139, proposta em fevereiro de 2014 pela própria

ABRATEC contra atos administrativos da ANTAQ envolvendo a exploração de terminais

privativos de uso misto, foi julgada prejudicada pelo Ministro Gilmar Mendes. Isso porque a

Agência argumentava que os terminais de uso misto seriam uma “figura inexistente na

legislação portuária” e pretendia que o Supremo fixasse as condições e o modo de

interpretação e aplicação dos dispositivos constitucionais supostamente violados, o que não

era mais possível devido à alteração das normas legais de regência da matéria, somada à

revogação ou profunda modificação dos atos impugnados, mesmo porque “a existência de um

novo microssistema jurídico a cuidar do assunto” tem “o condão de alterar significativamente

a própria questão constitucional debatida” 64.

O grande racional por trás do novo marco legal (o que não impede de ter sido o

mesmo racional à época da LMP, mas se utilizando de instrumentos diferentes) foi buscar, a

qualquer custo, um verdadeiro choque de oferta na prestação dos serviços portuários, através

do rápido aumento da capacidade geral do sistema, o que forçaria os preços para baixo e

tornaria o custo logístico brasileiro mais barato contribuindo para a competitividade da

produção nacional frente ao mercado internacional.

Como foi visto, abriram-se algumas frentes de ação, dentre as quais (i) a possibilidade

de integração vertical de determinadas cadeias produtivas, especialmente as exportadoras, e

(ii) o fomento da competição entre terminais e portos com vistas a melhorar o acesso e as

condições para os tomadores dos serviços portuários. Este modelo tem demonstrado ser viável

apenas em setores suficientemente maduros.

Assim como já se presenciou em outros setores de relevante interesse social, tais como

telecomunicações e energia elétrica, a rentabilidade e a segurança jurídica suficientes para

atrair agentes privados só foi possível após avanços tecnológicos significativos e formação de

um mercado consumidor robusto o bastante para fazer frente aos investimentos demandados.

Este parece ser, agora mais do que nunca, o momento do setor portuário brasileiro que é visto

                                                                                                               64 STF - ADPF 139. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp? incidente=2607867, acesso em 12 de maio de 2014.

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como um grande vilão logístico ao lado das ferrovias.

Nesse contexto, a coexistência entre os dois mundos – serviço público e iniciativa

privada – é crucial para o sucesso do modelo proposto. Ao Estado seria atribuída a

responsabilidade de garantir instalações mínimas e adequadas ao atendimento de todos,

garantindo o escoamento da produção nacional e o recebimento de mercadorias provenientes

do exterior sem interferir na atuação privada. Esta parece ser a linha de interpretação mais

condizente com o objetivo republicano envolvido, qual seja, o desenvolvimento econômico

nacional.

Não há mais que se falar em distinção de cargas. A lei revogou os dispositivos

limitadores da antiga lei e não incluiu qualquer previsão que indicasse alguma espécie de

restrição na movimentação de cargas por parte dos terminais privados. Vide a própria

definição de terminal portuário, cuja redação prescreve que se trata de “instalação portuária

explorada mediante autorização e localizada fora da área do porto organizado” (art. 2º, inc.

IV) sem qualquer menção às expressões “preponderante”, “subsidiário”, “eventual”, ou

qualquer outro termo que nos levasse ao entendimento de restrição na atividade.

A única hipótese remanescente, após o advento do novo marco legal, que daria algum

sentido à distinção entre cargas própria e de terceiros, seria o caso de movimentação

excepcional, previsto no artigo 13 da lei a seguir transcrito: “Art. 13. A Antaq poderá

disciplinar as condições de acesso, por qualquer interessado, em caráter excepcional, às

instalações portuárias autorizadas, assegurada remuneração adequada ao titular da

autorização”.

Entretanto, esta previsão tem o condão de evitar o não atendimento injustificado por

parte dos detentores de terminais portuários, sejam eles públicos ou privados. Perceba que o

racional aqui é diametralmente oposto ao previsto pela antiga lei, pois o que se pretende aqui

é evitar o subaproveitamento das instalações portuárias (de forma alguma limitar a

movimentação, como ocorria sob a égide da antiga lei).

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4 AUTORIZAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE OUTORGA DE SERVIÇO

PÚBLICO PARA EXPLORAÇÃO EM REGIME PRIVADO

O período pós Constituição Federal de 1988 gerou importantes transformações no

campo das concessões de serviço público e a forma de se enxergar as parcerias público-

privadas em sentido amplo. Desde a promulgação da Lei Geral de Concessões em 1995,

seguida pela Lei Geral de Telecomunicações em 1997, até a Lei de PPPs em 2004, os

elementos formadores do conceito de serviço público tiveram de ser, aos poucos, revistos.

Um destes elementos foi justamente a figura da autorização que, mesmo sem vocação

doutrinária para tanto, passou a ser utilizada como instrumento de outorga de serviço público

para a exploração por particulares em regime jurídico privado. Antes de enfrentarmos os

obstáculos doutrinários para a utilização deste instituto para fins de delegação, julgamos

pertinente tecer breves comentários sobre a evolução do conceito clássico de serviço público e

a influência da doutrina francesa sobre a brasileira.

Isso porque foi a partir do conceito clássico de serviço público que duas características

fundamentais foram fortemente incorporadas à doutrina e à jurisprudência brasileira, e, hoje,

são parte da forte resistência ao emprego da autorização como instrumento de delegação de

serviço público nos moldes previstos por algumas legislações setoriais. Trata-se da suposta

exclusividade na prestação dos serviços e a unicidade do regime jurídico empregável.

4.1 A evolução do conceito clássico de serviço público e a influência da doutrina francesa

sobre a brasileira

Como exaustivamente desenvolvido por diversos autores65, a evolução do direito

administrativo possui pouco mais de duzentos anos e deve seu desenvolvimento, em larga

escala, aos pensadores franceses a partir do iluminismo e da Revolução de 1791. Suas vigas

                                                                                                               65 Para maior aprofundamento do assunto, são obras de indispensável leitura: CAUPERS, João. Introdução ao direito administrativo; GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. La lengua de los derechos: la formación del derecho público europeu tras la revolución francesa; RIVERO, Jean. Los princípios generales Del derecho em el derecho administrativo francés contemporáneo; SÁNCHES MORÓN, Miguel. Derecho administrativo; entre outros.

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mestras foram consolidadas a partir dos julgados do Conselho de Estado francês (Conseil

d'Estat), encarregado de decidir os recursos administrativos envolvendo órgãos públicos

durante o século XIX66.

O racional de seu desenvolvimento parte de casos empíricos, dos quais se constatou

que o direito civil não poderia ser aplicado aprioristicamente sem antes passar por uma

avaliação dos valores e interesses envolvidos – muitas vezes em prol do cidadão, a fim de

coibir práticas abusivas do Estado e, outras vezes, em prol do próprio Estado, visto como a

entidade dotada de prerrogativas para a consecução do bem estar da população.

Nas lições do jurista francês Jean Rivero, enquanto o juiz ordinário recorria ao Código

Civil, o juiz administrativo consultava a jurisprudência que se formava a partir dos julgados

envolvendo o Estado como parte. Os precedentes eram, assim, fontes fundamentais do direito

administrativo – um conjunto de regras não escritas (princípios gerais), mas que vinculavam

em medida semelhante à lei em sentido estrito.

A partir disso, a primeira geração dos administrativistas franceses procurou

desenvolver teorias lógicas que pudessem justificar as decisões anteriormente tomadas pelo

conselho. Desse modo, o direito administrativo evoluiu até atingir um conjunto próprio de

princípios e regras que lhe conferiram o status de ramo autônomo da ciência do direito Este

formato evolutivo parece ilustrar bem o desenvolvimento da teoria dos serviços públicos67.

                                                                                                               66 Miguel Sanches Morón afirma que “por no tratarse de un órgano judicial, fue el Consejo de Estado el que, a através de una jurisprudencia creativa e innovadora, dedujo los principios, técnicas y conceptos que han servido para construir todo un sistema de Derecho administrativo […] se fue elaborando poco a poco y en buena medida sobre la base de la adaptación al Derecho público de las instituciones de Derecho privado”. Derecho administrativo. 4 ed. Madrid: Tecnos, 2009, p. 49. 67 A referida teoria foi tão importante que em determinado momento o direito administrativo chegou a ser visto como o direito próprio dos serviços públicos administrativos em contraposição à doutrina da puissance publique, a qual, de forma distinta, erigia as prerrogativas de estado como elementos basilares da doutrina administrativista. Daniel Wunder Hachem, em obra de obrigatória leitura, na qual analisa o surgimento e evolução do princípio da supremacia do interesse público, esclarece alguns elementos históricos intimamente ligados à origem doutrinária de serviço público “Sabe-se que o Direito Administrativo recebeu, como disciplina autônoma, ampla influência da doutrina e da jurisprudência francesa. Em suas origens, duas noções distintas foram propostas como ideias-chave para explicar a sua racionalidade”: (i) a escola da puissance publique que utilizava como critério-base a distinção entre atividade de adesão e de autoridade, e aquela que mais nos interessa; (ii) escola do serviço público, também conhecida como ‘Escola de Bordeaux’, inaugurada por León Duguit para substituir a noção de autoridade estatal pela de dever prestacional público, ou seja, prover o Estado dos mecanismos necessários para o atingimento das necessidades de interesse geral. Esta visão passou a ser compartilhada por outros doutrinadores franceses, tais quais Gaston Jezé, Roger Bonnard, Louis Rolland e André de Laubadére. Esta vertente influenciou, inclusive, a doutrina italiana, especialmente Renato Alessi e a posterior doutrina brasileira, notadamente Celso Antônio Bandeira de Mello. Pecebe-se, assim, que a escola do serviço público tem seus olhos voltados para o fim que se justifica os meios adotados, ou seja, um regime especial de direito público apenas se justificaria enquanto empregado para o atingimento de um bem comum, denominado de ‘interesse público’. Emergindo o poder sempre às sombras do respectivo dever, essa concepção organizou os institutos em torno da

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Ocorre que, a partir de dois grandes juristas franceses – Léon Duguit e Gaston Jezé –

foi desenvolvida a Escola do Serviço Público, a qual buscou enaltecer a série de atribuições

vinculadas ao poder estatal, posicionando-as sobre todas as suas prerrogativas. Esta mudança

de paradigma possibilitou olhar o Estado como uma ferramenta na consecução dos objetivos

sociais, sendo que a utilização de qualquer privilégio atribuído a ele só se justificaria única e

exclusivamente para este fim68.

Sendo esta a forma mais apta de legitimar a existência do Estado, o direito

administrativo passou a ser visto como o conjunto de regras que determinavam a organização

dos serviços públicos e asseguravam seu funcionamento regular e ininterrupto. Destacam-se

três elementos informadores deste pensamento: (i) o primeiro, de caráter subjetivo, na figura

do Estado como titular da atividade prestacional; (ii) o segundo, de caráter objetivo,

decorrente da essencialidade do serviço à coletividade, e; (iii) o terceiro, de caráter formal,

preconizava a atividade submetida a um regime jurídico especial que lhe assegurasse

tratamento diferenciado e apartado das demais atividades reservadas à atuação dos

particulares.

A doutrina brasileira incorporou estes elementos afrancesados e os vinculou aos

serviços atribuídos à competência e responsabilidade do poder público nas três esferas de

governo69. Podemos citar, como exemplo, Temístocles Brandão Cavalcanti que reuniu os três

elementos para informar o conceito de serviço público no Brasil: “não apenas sob o ângulo de

atividades pertencentes ao Estado, mas também sob o aspecto de serviços sujeitos a um

regime jurídico especial, decorrente de normas especiais impostas pelo Estado e necessárias

para o atendimento das necessidades coletivas”70.

O conceito de serviço público passou, assim, a ter um enorme peso semântico, pois,

onde quer que fosse empregado, vinha sempre acompanhado da figura do Estado e do

respectivo regime especial de direito público. No âmbito da antiga jurisprudência do Supremo

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         obrigação do Estado em servir a coletividade, do encargo de atender as necessidades gerais, apenas esta a justificativa para o exercício da autoridade. A noção de sobrepor o interesse público sobre o privado surge daqui. (HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse público. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 51/53). 68 Nas palavras de Daniel Wunder Hachem, “configurariam serviços públicos, atividades cuja característica principal não seria o poder de comando da Administração, mas sim o dever de agir em prol da sociedade” (Ibidem, p. 51). 69 De acordo com Alexandre Santos, “os serviços públicos constituem conceito que historicamente tende a uma amplitude bastante alargada, oriunda da matriz francesa, que, via de regra, equiparava os serviços públicos a toda atividade estatal [...] O foco deve ser dado, portanto, no regime jurídico”. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p 125. 70 SCHIRATO, Vitor Rhein. Livre iniciativa nos serviços públicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 47.

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Tribunal Federal, podemos destacar a decisão que manteve os serviços de abatedouros sob o

manto público dos municípios, com fundamento na essencialidade e relevância que a referida

atividade representava para a sociedade.

Esta composição dogmática encontra-se, ainda, presente tanto na doutrina quanto na

jurisprudência pátria. Por exemplo, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que o

constituinte originário indicou, expressamente, os serviços públicos que deverão ser

obrigatoriamente prestados pelo Poder Público Federal71.

Dinorá Adelaide Musetti Grotti acredita que seria o povo que diz o que é serviço

público em seu sistema jurídico, sendo que, no caso brasileiro, o artigo 21 da Constituição

Federal lista as atividades que somente poderão ser desempenhadas diretamente pela União

ou indiretamente (mediante autorização, permissão ou concessão), o que importa

necessariamente no reconhecimento de que estas atividades são serviços públicos72.

Pelo lado da jurisprudência, vale lembrar recente julgamento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade n. 1.943, em que se contesta a estrutura de organização e a forma de

atuação das organizações sociais. O Ministro Relator Ayres Britto, embora critique de forma

contundente a abstenção do Estado em prestar os serviços públicos que lhe foram

constitucionalmente outorgados, vislumbra que algumas atividades estatais não possuem a

característica de exclusividade73.

Entretanto, a referida não exclusividade seria limitada aos serviços de cunho social,

tais como saúde, educação, cultura, meio ambiente e assistência social. Nesses casos, quando

os serviços sociais são prestados pelo setor público, devem ser considerados serviços públicos

regidos pelo direito público. Já quando prestados pela iniciativa privada devem ser

considerados atividades privadas e regidos pelo direito comum, porém sob o timbre da

relevância pública.

O fundamento para tanto, de acordo com o Ministro, é que o constituinte originário

buscou garantir a prestação do mínimo pelo Estado, mas sem dispensar a atuação

                                                                                                               71 “A Carta Magna do País já indica, expressamente alguns serviços antecipadamente propostos como da alçada do Poder Público federal. Serão, pois, obrigatoriamente serviços públicos [...] os arrolados como de competência das entidades públicas. No que concerne à esfera federal, é o que se passa com [...] exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres (art. 21, XII, letras ‘a’ a ‘f’)”. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 680. 72 O Serviço Público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 90. 73 VIEIRA SILVA, Pedro Ivo. Organizações sociais e dispensa de licitação como fuga para o direito privado (breve análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.943). São Paulo, BLC, julho/2013, p. 624-632.

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complementar/suplementar do particular em um nicho tão essencial à população. O mesmo

não ocorreria com os serviços públicos de titularidade estatal, pois, nesses casos, o Estado não

se esquiva jamais de sua titularidade.

Poderá apenas se valer da interposição de pessoa jurídica do setor privado, pelos

mecanismos de exploração indireta da atividade (concessão ou permissão), sendo que, mesmo

nesses casos, a atividade não perderá nunca sua natureza pública, pois o serviço não se

despubliciza pelo fato do transpasse de sua prestação ao setor privado.

Verifica-se, portanto, que a doutrina francesa e o conceito clássico de serviço público

influenciaram fortemente a doutrina e jurisprudência brasileira, especialmente, no que

envolve três grandes atributos para a delegação e exploração indireta dos serviços intitulados

públicos, quais sejam: (i) a titularidade estatal implicaria, necessariamente, exclusividade na

sua prestação por parte do próprio ente público; (iii) o rol de atividades reservado à

exploração estatal acarretaria unicidade no regime jurídico aplicável (público); (iii) os únicos

dois instrumentos de delegação são a concessão e a permissão.

Consequentemente, pela ótica doutrinária, não seria possível aos particulares

explorarem de forma concorrente atividades reservadas ao Estado, sendo que a única hipótese

de particulares prestarem estes serviços seria por meio da delegação a partir de dois

instrumentos contratuais – concessão e permissão. Além disso, os serviços públicos não

poderiam ser prestados além dos limites do regime especial de direito público. As referidas

atividades estariam, portanto, excluídas da esfera de atuação dos agentes privados e,

notadamente, do regime comum de direito privado.

Nesse contexto rígido e fechado, a autorização não passa de ato administrativo

unilateral, discricionário e precário, oriundo do poder de polícia (ordenador) do Estado. Com

efeito, a autorização, como elemento do direito administrativo nos moldes dispostos pela

dogmática publicista, não é instrumento hábil à delegação de serviço público pelo poder

concedente, muito menos possibilitaria a exploração da atividade pública por particulares em

regime jurídico de direito privado.

Antes de discorrer especificamente sobre a autorização e expor o papel que

acreditamos que ela deva exercer no ordenamento jurídico pátrio, é necessário destacar que,

ainda que se verifique amplo e crescente movimento legislativo no sentido de prever a

autorização como legítimo instrumento de delegação de serviço público, grande parcela da

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  69

doutrina e da jurisprudência pátria não adere a este modelo de prestação por particulares,

especialmente quando submetidos ao regime de direito privado.

4.2 A evolução do instituto da “autorização”

No âmbito do direito administrativo, o termo “autorização” sempre foi objeto de

questionamento doutrinário e jurisprudencial, especialmente em função de ser um termo

polissêmico, com empregos que muitas vezes se confundem e, principalmente, trazem

consequências práticas, como a definição do regime jurídico aplicável.

Pelo fato de o objeto do presente estudo ter assento constitucional, nos ateremos à

utilização do conceito em duas passagens previstas na Constituição Federal. A primeira delas

encontra-se inserida nos incisos X e XI do artigo 21 da Constituição Federal, enquanto a

segunda encontra-se prevista no parágrafo único do artigo 170 do mesmo diploma normativo.

Sobre este último, cabe lembrar que ele consiste, basicamente, na denominada

‘autorização administrativa’. Trata-se de ato de polícia administrativa, possui natureza

instrumental e serve como mecanismo de intervenção do Estado na economia. Era esta a

configuração da autorização portuária à época do Decreto-lei n. 5 de 196674.

Neste sentido, Cristiana M. M. Araújo Lima afirma que a autorização prevista no

artigo 26 do Decreto-lei n. 5/1966 consistia em ato administrativo unilateral da Administração

Pública, em razão do exercício do poder de polícia envolvido, expedido a qualquer

interessado na construção e operação de instalações portuárias75.

Este modelo é, inclusive, aquele que melhor reflete a autorização como conhecida

pelos administrativistas, ou seja, a autorização como instituto típico de direito público

consistente no ato administrativo unilateral, discricionário e precário (o que vale dizer que

pode ser revogado unilateralmente a qualquer instante, sem fazer jus à indenização).

Entretanto, o que mais nos interessa para fins do presente estudo é a maneira como nos

desvencilhamos desta visão ortodoxa e limitada, e coadunamos a expressa previsão

                                                                                                               74 Mesmo porque não havia qualquer menção constitucional à autorização como forma de exploração indireta do serviço. Aliás, sequer havia a previsão da atividade portuária como serviço público de titularidade estatal. 75 Regime jurídico dos portos marítimos. São Paulo, Editora Verbatim, 2011, p. 19.

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  70

constitucional da autorização nos incisos X e XI do artigo 21 com os demais preceitos no

ordenamento jurídico brasileiro.

Ocorre que os referidos incisos trazem, de forma não exaustiva, atividades de

titularidade da União, sendo de sua responsabilidade prestar os serviços listados de forma

direta ou de forma indireta por meio da concessão, permissão ou, note-se, autorização.

Indagar-se-ia: (i) qual a natureza jurídica desta autorização (considerando que não se encontra

igualmente descrita no artigo 175 da CF), e; (ii) quais as características que deveriam norteá-

la (considerando os atributos conferidos pela doutrina administrativista brasileira).

As indagações refletem duas questões de diferentes naturezas. A primeira, de ordem

legislativa, preceitua que o constituinte originário previu os dois instrumentos cabíveis para a

prestação de serviço público no artigo 175, quais sejam, a concessão e a permissão. Implicaria

dizer, portanto, que a ‘autorização’ não constitui instrumento hábil à exploração indireta das

atividades pelo Poder Público76.

Cristiana Maria Malhado Araújo Lima 77 , por exemplo, afirma que não existe

autorização de serviços públicos, pois

as atividades previstas pelo inciso XII do art. 21 da Constituição Federal podem ser realizadas em benefício do próprio sujeito ou de um restrito grupo, nos diversos setores, não apresentando qualquer característica de serviço público. A outorga de determinado serviço por meio da autorização exclui, desse modo, determinada atividade do regime de serviço público.

Vitor Rhrein Srirato explica que, com o advento da Carta Maior de 1988, foi inserida

                                                                                                               76 Na visão de Celso Antônio Bandeira de Mello, a omissão do termo autorização no artigo 175 da CF e a sua respectiva previsão nos incisos XI e XII do artigo 21 decorre de ‘insuficiência técnica’ do Constituinte, uma vez que a autorização remete invariavelmente ao ‘poder de polícia’ e não a ‘serviço público’. Ademais, para conciliar a referida omissão, o autor sugere ser preciso recorrer ao primeiro artigo e identificar duas situações: (i) “usada no sentido corrente em Direito Administrativo para exprimir o ato de ‘polícia administrativa’, que libera alguma conduta privada propriamente dita, mas cujo exercício depende de manifestação administrativa aquiescente para verificação se com ela não haverá gravames ao interesse público”, e outra: (ii) “está em pauta um serviço público, mas se trata de resolver emergencialmente uma dada situação, até a adoção dos convenientes procedimentos por força dos quais se outorga permissão ou concessão. Por isto mesmo, a palavra autorização está utilizada também no art. 223 da Constituição”. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 486 e 684-685. Esta parece ser a posição também de Alexandre Santos de Aragão: “[...] o importante é identificar a atividade regulada: se serviço público, o consentimento da Administração Pública será concessão ou permissão; se atividade privada será autorização. Não é pelo fato da lei ou o regulamento se referir nominalmente a ‘autorização’ que, como em um passe de mágica, a atividade deixa de ser serviço público (ou monopólio público) para ser uma atividade privada”. Direito dos Serviços Públicos. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 693. 77 Regime jurídico dos portos marítimos. São Paulo, Editora Verbatim, 2011, p. 59.

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em nível constitucional a competência estatal para a prestação dos serviços públicos por meio

do artigo 175 e, igualmente, foi incluída a atividade portuária no rol de competências

materiais da União Federal previstas no artigo 21, inciso XII, sendo que a união de ambos os

aspectos fez com que parcela considerável da doutrina cravasse o entendimento de que a

totalidade dos serviços portuários deveria ser tratada como sendo serviço público e

disciplinada exclusivamente pelo regime jurídico de direito público.

Diante do equívoco cometido pelo constituinte originário, ao inserir no artigo 21 a

previsão de um instrumento inadequado para promover a exploração indireta por parte do

poder concedente responsável, a definição e as características do instituto de direito público

permaneciam inalteradas, sendo que a previsão constitucional nada mais seria do que uma

impropriedade terminológica78.

Como bem aponta Jacintho Arruda Câmara79, ao se falar de autorização na seara do

Direito Administrativo relaciona-se a ideia de instrumento precário e de natureza

discricionária, expedida em função da oportunidade e conveniência do poder público, não

admitindo qualquer estabilidade ao detentor da autorização. Assim, qualquer outra figura

diversa desta, mesmo sendo criada por lei em sentido estrito, é vista como equivocada.

Ainda de acordo com o autor, a acepção clássica de autorização influenciou até mesmo

a interpretação do diploma fundamental do ordenamento jurídico brasileiro (Constituição

Federal de 1988), ensejando uma situação, no mínimo, paradoxal. Ao invés de a doutrina

buscar interpretar e aplicar o direito posto, colocou em xeque a atuação e o eventual equívoco

cometido pelo constituinte originário.

Reparem que estamos falando sobre o constituinte originário que, na visão de Luis

Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, é o poder que inaugura toda uma ordem

jurídica inédita, dotado de autonomia ilimitada e incondicionada, pois não se reportaria a

qualquer ordenamento jurídico anterior e/ou nenhum processo predeterminado para a sua

                                                                                                               78 “Já as atividades de serviço público foram atribuídas ao Estado e se caracterizam por um regime jurídico de direito público. Estão reservadas ao Estado, mas poderão ser delegadas aos particulares por meio de concessão ou permissão. Não se aplica a elas, então, o princípio da livre iniciativa, tal como não serão desempenhadas sob o regime de direito privado. A qualificação jurídica de uma certa atividade e sua subsunção ao art. 173 ou ao art. 175 da CF/88 resulta, portanto, extremamente relevante. Há dois efeitos imediatos de extraordinária importância. [...] Sendo a atividade considerada como serviço público, estará vedado o seu exercício pelo particular, excluídas as hipóteses de concessão e permissão ”. O regime jurídico das empresas estatais e a distinção entre “serviço público” e “atividade econômica”. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, v. 1, 2006, p. 121. 79 CÂMARA, Jacintho Arruda. Autorizações administrativas vinculadas: o exemplo do setor de telecomunicações. In ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo: Horizonte: Fórum, 2008, p. 620-621.

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  72

elaboração e promulgação80.

De acordo com Vera Monteiro81, não existe um projeto constitucional determinado em

relação ao modo como o Estado deve prestar serviços à coletividade ou, até mesmo, autorizar

o uso de seu patrimônio por particulares. Logo, a menção dos institutos da concessão,

permissão ou autorização em determinados dispositivos constitucionais não tornam o modelo

uníssono, ou seja, não fazem com que a forma de exploração seja uniformizada e submetida a

um regime jurídico universal. Em suas próprias palavras, a autora afirma que:

Não existe na Constituição Federal de 1988 uma distinção entre concessão, permissão e autorização. Os três instrumentos são usados como sinônimo de ato jurídico e têm a função de abrir a possibilidade de contratação de terceiros (ente público ou empresa privada, pessoa jurídica ou pessoa física) na exploração de serviços públicos e serviços monopolizados e no uso de bens públicos.

De acordo com as conclusões extraídas por Vera Monteiro82, o melhor enfrentamento

do problema está na aceitação de que a concessão, a permissão e a autorização são todos

instrumentos de regulação, os quais podem assumir múltiplos formatos, de acordo com a

conveniência e as peculiaridades, tanto do setor econômico, como também os agentes

envolvidos (stakeholders), cabendo à legislação setorial definir suas específicas funções e

regime jurídico.

Após a reformulação do papel do Estado no início da década de 1990, bem como as

reformas constitucionais que se sucederam, essa postura acadêmica entrou em colapso, pois

textos normativos de diferentes setores passaram a prever expressamente a modalidade

‘autorização’ como forma de delegação de atividades de titularidade pública. A título de

exemplificação, vide os setores de energia elétrica e telecomunicações.

Nesse sentido, Jacintho Arruda Câmara lembra que a autorização para prestar serviços

de telecomunicações não obedeceu ao figurino traçado pela doutrina tradicional, sendo que foi

concebida para viabilizar a prestação dos serviços em regime privado. E mais: a autorização

seria (i) vinculada (afastando a análise discricionária da Agência), (ii) não seria precária, (iii)

ocorreria em concomitância com o regime público e (iv) desprovida de determinadas

                                                                                                               80 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 9-10. 81 MONTEIRO, Vera. Concessão. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 78-79. 82 Ibidem, p. 94.

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obrigações como continuidade e universalização83.

Foi a partir disso que alguns doutrinadores passaram a aceitar a autorização como

mecanismo de delegação de serviço público. Entretanto, os autores mais relutantes

procuraram restringir ao máximo sua aplicação. Este parece ter sido o caso de Celso Antônio

Bandeira de Mello84 que até chegou a considerar a autorização um mecanismo apto para

viabilizar serviços públicos. Entretanto, na opinião do autor este mecanismo restringia-se tão

somente aos serviços emergenciais, instáveis, não constantes, ou para viabilizar a sua

prestação em caráter emergencial e precário apenas durante o tempo necessário para a

realização do procedimento de outorga da respectiva concessão ou permissão (estes sim

mecanismos adequados à transferência de serviços públicos para entes privados)85.

Outro caso parece ter sido o de Alexandre Santos de Aragão 86 para quem as

autorizações estão sempre ligadas a uma dentre duas situações práticas alternativas: ou as

atividades integram o setor, mas não são efetivamente serviços públicos (e.g. alguns nichos no

setor de telecomunicações tal como a comunicação por rádio), ou apenas são designadas

formalmente de autorização, mas tratam-se, efetivamente, de concessão (nos casos em que

envolvam bens reversíveis) ou de permissão (nos demais casos em que não existam grandes

investimentos a serem amortizados).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro87, por sua vez, aceita a autorização diante dos casos de

serviços sociais, os quais podem ser delegados aos particulares por decisão discricionária da

União, não apenas para o atendimento de necessidades coletivas (concessão e permissão),

                                                                                                               83 CÂMARA, Jacintho Arruda. Autorizações administrativas vinculadas: o exemplo do setor de telecomunicações. In ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo: Horizonte: Fórum, 2008, p. 624-626. 84 Curso de Direito Administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 684-685. 85 "Há cinco espécies de serviço que o Estado não pode permitir que sejam prestados exclusivamente por terceiros, seja a título de atividade privada livre, seja a título de concessão, autorização ou permissão. São os serviços (a) de educação, (b) de saúde, (c) de previdência social, (d) de assistência social e (e) de radiodifusão sonora e de sons e imagens [...] Todos os demais serviços públicos [...] o Estado pode prestar por si mesmo [...] ou transferindo seu desempenho a entidade privada (mediante concessão, permissão ou autorização). [...] Atualmente, nosso entendimento é o de que a resposta se encontra no art. 175 [...] 'autorização', que aparece no art. 21, XI e XII, tem em mira duas espécies de situações: (a) uma que corresponde a hipóteses em que efetivamente há serviço de telecomunicação [...] mas não propriamente serviço público, mas serviço de interesse privado delas próprias. Aí, então, a palavra 'autorização' foi usada no sentido corrente em direito administrativo para exprimir o ato de 'polícia administrativa' [...] (b) outra, a de abranger casos em que efetivamente está em pauta um serviço público, mas se trata de resolver emergencialmente dada situação, até a adoção dos convenientes procedimentos por força dos quais se outorga permissão ou concessão". BANDEIRA DE MELLO. Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 288. 86 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 690-691. 87 DI PIETRO, Maria Silvia. Direito Administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 211.

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como também para exploração no próprio benefício do autorizatário, o que não deixaria de

ser, também, de utilidade pública. Esta posição doutrinária, conforme tivemos a oportunidade

de verificar, utilizou a mesma linha de argumentação adotada pelo Ministro Ayres Britto no

julgamento da ADI 1.943, quando afirmou que apenas nos casos de serviços públicos sociais

seria possível a prestação tanto pelo poder público como também pelos particulares, sendo

que neste último caso a atividade seria regida pelo direito privado com o timbre de relevante

utilidade pública.

Marcos Augusto Perez chama atenção para o fato de que algumas atividades,

originalmente ligadas ao seu conceito, foram realmente alteradas até o ponto de alcançarem o

regime predominante de Direito Privado ou, até mesmo, o regime de competição88. Além

disso, a redução de importância da concessão em alguns campos já é uma realidade em

justamente em função do fato de ter se tornado cada vez mais comum serviços públicos

industriais e comerciais serem prestados pela iniciativa privada com base em autorizações89.

Entendemos, portanto, que a problemática envolvendo a autorização deve ser vista

dentro de uma lógica mais ampla, qual seja a reforma administrativa do Estado, momento em

que o Poder Público se viu obrigado, em função do significativo aumento de atribuições e

responsabilidades, a especializar suas ações às funções indelegáveis, atraindo maior

participação da sociedade civil para atividades que poderiam ser promovidas na forma de

parcerias ou, até mesmo, atividades que deveriam ser repassadas para o privado por meio dos

instrumentos de desestatização90.

Em outras palavras, a reforma administrativa provocou verdadeira ruptura no papel do

Estado e a sua forma de organização gerencial, ao focar sua atuação nas funções que

precipuamente lhe incumbiam, atraindo a maior participação dos agentes privados para os

setores que poderiam ser por eles desenvolvidos com permanente controle e acompanhamento

do Estado, numa espécie de condução à distância.

É nesse contexto que Carlos Ari Sundfeld91 afirma que, muito embora ainda presentes

alguns hábitos doutrinários e jurisprudenciais, oriundos de tempos passados, o velho conceito                                                                                                                88 PEREZ, Marcos Augusto. O risco no contrato de concessão de serviço público. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 83. 89 Complementa dizendo que a “decisão relacionada à passagem para o regime de autorização é evidentemente política, fruto de lei, mas invariavelmente tem fundo econômico” (Ibidem, p. 97-99). 90 De acordo com Maria Sylvia Zanella de Pietro, existem diversas formas de desestatização. 91 SUNDFELD, Carlos Ari. A Administração Pública na Era do Direito Global. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, ano I, vol. 1, nº. 2, maio, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br, acesso em 02 de março de 2014.

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de serviço público, se algo diz, diz muito pouco. Isso porque a clássica noção de serviço

explorado diretamente pelo Estado, em um sistema fechado e de regime jurídico singular, foi

desaparecendo aos poucos, com as empresas estatais virando particulares (privatizações) e o

regime de exploração dos serviços sofrendo sucessivos choques de alta tensão pelas normas

setoriais (desestatizações).

O antigo modelo, mais fechado e rígido, permeado de falsos dispositivos protetores do

interesse público, restou esgotado, pois (i) além de não ter trazido os resultados econômicos e

sociais esperados (visto que tolheu a liberdade dos agentes privados implementarem em

plenitude sua expertise, com serviços mais adequados e preços mais acessíveis a partir de

engenharia financeira e tecnológica que só ele possui), (ii) trouxe um custo regulatório altíssimo

sem, contudo, alcançar uma regulação eficaz e uma fiscalização adequada.

Ainda de acordo com Carlos Ari Sundfeld, superada a era do Estado-empresário e

iniciada a do Estado-regulador, a legislação brasileira passou a tratar as atividades de

titularidade pública de forma a prever a exploração também por particulares sob o regime de

direito privado submetidos a diferentes níveis de regulação.

O novo modelo, mais flexível e dinâmico, consegue aos poucos (i) eliminar as

barreiras de entrada (aumentando o número de interessados nos certames, o que pode ensejar

melhores parcerias com o poder público), (ii) garantir maior compartilhamento de

infraestrutura (ampliando o acesso de diferentes agentes), (iii) prever maior autonomia

empresarial, liberdade de investimento e forma de exploração da atividade (com controles a

partir da defesa da concorrência e da mensuração de desempenho).

A vinculação excessiva do conceito de serviço público a um modelo de exploração

monopolístico traz à tona inúmeras distorções, como impor um abismo que não existe entre os

regimes público e privado, ou, ainda, afastar a possibilidade de concorrência no âmbito das

atividades titularizadas pelo Poder Público. A coexistência, não apenas entre regimes

jurídicos, como também entre as formas de exploração pública e privada, é hoje uma

realidade e se instala no instituto da autorização.

A coexistência entre os regimes público e privado é plenamente viável e já foi adotada

por outros setores regulados. Curiosamente, antes mesmo do setor de telecomunicações, no

qual se reconheceram as diferentes espécies de serviços que demandavam diferentes dosagens

de regulação, desde o mais rígido (regime de concessão) até o mais flexível (regime das

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autorizações), o próprio setor portuário já previa a figura da autorização dentro de um

arcabouço regulatório mais brando.

Frise-se que o diagnóstico realizado pelo FEP/BNDES92, em 2009, apontou duas

direções possíveis para o entendimento da controversa em tela. A primeira delas, a qual não

acreditamos ser a linha mais adequada, dizia que:

Tradicionalmente, o instituto da ‘autorização’ é visto como um ato discricionário que libera um particular para exercer uma atividade privada, não havendo processo licitatório nem prazo definido. No setor portuário, entretanto, a ‘autorização’ é utilizada para o caso de instalações que prestam, na prática, serviços a terceiros (o que, em uma determinada concepção, pode ser caracterizado como serviço público), como é o caso de ETCs e IP4s e, em alguma, de terminais de uso privativo misto. A delegação da prestação de serviços públicos para a iniciativa privada deveria ser feita apenas mediante concessão ou permissão, sempre precedida de licitação pública (art. 175 da Constituição).

A segunda direção interpretativa, a qual acreditamos ser a mais correta, informava,

com base no artigo 6º, caput, da Lei n. 8.630/93, que a autorização é uma forma de delegação,

o que permitiria defender que:

a atividade explorada em terminais privativos consiste em serviço público. Isso seria reforçado pelo fato de que a autorização (emitida de modo unilateral) é formalizada por meio de contrato de adesão. A despeito de a figura do contrato de adesão não ser usual em direito público, este formaliza a autorização e possui cláusulas bastante similares às dos contratos de arrendamento (inclusive possibilidade de reversão de bens) (grifo nosso).

Cabe destacar, por fim, que a mencionada Representação TC 015.916/2009-0, perante

o Tribunal de Contas da União, abordou, dentre outros, suposta ofensa ao artigo 21, inciso

XII, alínea “f”, c/c o artigo 175, ambos da Constituição Federal, tendo em vista que os

Terminais de Uso Privativo Misto (TUPM) estariam realizando prestação de serviço público

em regime de direito privado e sem prévia licitação.

A conclusão dos Ministros foi no sentido de que

o Ministério dos Transportes e, posteriormente, a Antaq agiram estritamente dentro do que previa a legislação, particularmente o art. 6º da Lei n° 8.630/93 e os arts. 13, inciso V, e 14, inciso III, alínea c, da Lei nº

                                                                                                               92 FEP/BNDES. Análise e Avaliação da Organização Institucional e da Eficiência de adesão do Setor Portuário Brasileiro. São Paulo: Booz & Company, 2012, p. 67-68. Bibliografia. 1. Disponível em http://www.FEP/BNDES.gov.br/SiteFEP/BNDES, acesso em 03 de maio de 2014.

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10.233/2001, quanto ao uso da autorização como sendo o instrumento jurídico adequado para a outorga dos Terminais de Uso Privativo Misto.93

                                                                                                               93 Tribunal de Contas da União - TC 015.916/2009-0.

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5 AUTORIZAÇÃO PORTUÁRIA E A EXPLORAÇÃO DE TERMINAIS PRIVADOS

NO NOVO MARCO LEGAL

Traçadas as linhas gerais da evolução do instituto da autorização no Direito

Administrativo e do papel que ela pode exercer no âmbito da delegação dos serviços públicos,

insta levantarmos a forma como ela foi especificamente tratada pelo novo marco legal do

setor de portos. Quais seriam as características centrais da autorização portuária?

Primeiramente, cabe destacarmos que diferente das constituições que a sucederam, a

Constituição Federal de 1988 inovou no ramo portuário brasileiro ao prever em seu artigo 21,

inciso XII, alínea ‘f’’, que caberá à União explorar, diretamente ou mediante autorização,

concessão ou permissão os portos marítimos, fluviais e lacustres94.

Desde a Constituição Federal de 1934, o que se reservava ao Governo Central era a

competência de legislar privativamente sobre a matéria. A partir de 1988, entretanto, a

exploração de portos no Brasil passou a ser atividade de titularidade pública federal, podendo

ser prestada apenas mediante a prévia anuência do poder concedente.

Ocorre que, ao mesmo tempo em que a atividade encontra-se inserida no rol do artigo

21 da Carta Maior (que, como sabemos, traz um conjunto de atividades de responsabilidade

da União), ela desperta grande interesse empresarial. Poderia arriscar-se dizer que a atividade

portuária é formalmente tratada como serviço de atribuição pública, mas materialmente

vocacionada à ampla e irrestrita exploração privada.

                                                                                                               94 No mesmo sentido, Caio Tácito defende que do tratamento dos portos brasileiros “nasce e se mantém uma relação publicística, imbricada na concessão de serviço público, que tem como sua origem a legislação monárquica de 1869 e se prolonga até o Estatuto de 1993” (TÁCITO, Caio. Regime de Portos. Terminal privativo. Permissão. In Temas de direito público: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 1246). Floriano de Azevedo Marques Neto e Fábio Barbalho Leite entendem da mesma forma, ao afirmar que “A Constituição de 1988 alterou consideravelmente o tratamento jurídico reservado à atividade portuária em comparação com suas predecessoras [...] a Constituição de 1988, além de reservar à União a competência para legislar sobre a matéria (artigo 22, X), estabeleceu em seu artigo 21, inciso XII, que compete à União: ‘XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: (...) f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;’. (MARQUES NETO, F. A.; LEITE, F. B. Peculiaridades do contrato de arrendamento portuário. Revista de Direito Administrativo, v. 231, 2003, p. 273). Em sentido contrário, Itiberê de Oliveira Castellano Rodrigues afirma que: “Desde uma perspectiva histórico-constitucional, a Constituição de 1988 não inovou revolucionariamente no que diz respeito à natureza jurídica dos portos se comparada às Constituições anteriores. Pelo contrário, ela reforçou aquilo que as anteriores Constituições já previam, é dizer: a exploração do bem público ‘porto’, em toda a sua extensão, é atribuição federal, e o mesmo se diz em relação à legislação regedora dessa matéria”. RODRIGUES, Itiberê de Oliveira Castellano. Evolução histórico-jurídica do regime de exploração de portos no Brasil e o regime da Constituição de 1988. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, v. 10, n. 38, jul./set. 2012, p. 188.

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Com efeito, não compartilhamos da ideia de que existiria qualquer espécie de

monopólio natural no ramo portuário, como já apontado por alguns autores95. O que sempre

existiu de fato foi monopólio legal. O Estado, em função de suas leis, impunha restrições para

a exploração da atividade pelos particulares, de acordo com as orientações políticas por ele

estabelecidas.

É este Estado que, de tempos em tempos, diante da incapacidade de realizar todos os

investimentos necessários à adequada prestação das atribuições que lhe são impostas, recorre

à maior participação privada, mas, de forma paradoxal, leva a cabo medidas que muitas vezes

criam instabilidades nas relações jurídicas e fulminam com o ambiente propício ao maior

investimento e atuação privada96.

Este diagnóstico aplica-se em larga medida ao setor portuário brasileiro e, o que mais

nos interessa pelo momento, à exploração de Terminais de Uso Privado. A lei nos transmite a

ideia de ampla liberdade empresarial, mas existem inúmeras passagens na lei e no decreto que

geram, no mínimo, desconfiança quanto à referida liberdade na exploração dos TUPs.

Este movimento do legislador de querer dar com uma mão e, a todo instante, tentar

tirar com a outra, gera sério desconforto no exegeta da norma. Demonstra clara desconfiança

do Estado em relação à atuação privada. A sensação é a de que existe o permanente temor de

se abrir demais a ponto de perder o controle97.

Afinal, qual seria a orientação normativa após a promulgação do novo marco legal?

Em que medida ela seguiu a antiga lei? A autorização portuária cumpriria função semelhante

às autorizações existentes em outros setores? Os espaços vazios deixados pela lei geram

algum risco de hiper-regulação por parte do poder concedente?

                                                                                                               95 Neste sentido SOUZA JÚNIOR, Suriman Nogueira de. Regulação Portuária: a regulação jurídica dos serviços públicos de infra-estrutura portuária no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 37. 96 Cite-se como exemplo a revisão dos contratos de produção e fornecimento de energia elétrica em 2013, em que o Governo buscou reduzir as tarifas para conter o crescente movimento inflacionário. 97 Ocorre que esta fobia do legislador infraconstitucional não encontra sustentação no ordenamento jurídico brasileiro. Isso porque os setores regulados possuem suas matrizes normativas em um patamar de difícil alcance, qual seja o disposto no artigo 21 da Constituição Federal que pode ser alterada apenas por meio de emenda constitucional.

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5.1 O risco político-regulatório

As referidas indagações ganham um contorno ainda mais relevante quando vistas sob a

perspectiva da nova disposição de funções e atribuições institucionais. Tivemos a

oportunidade de tecer breves comentários no item 2.1 e identificamos significativa

concentração de competências no âmbito do Governo Central.

Mais que isso. É notável o esvaziamento das funções da Agência Reguladora, sendo

que suas atribuições estão, hoje, seriamente comprometidas pelo poder concedente na figura

da Secretaria de Portos. Em outras palavras, esta vertente vai contra os principais avanços

regulatórios que vivenciamos na segunda metade da década de 1990 em diante.

De acordo com Carlos Ari Sundfeld, o enfraquecimento dos estados nacionais na era

da globalização comprometeu sobremaneira seu papel de prestador de serviços públicos,

muitas vezes monopolistas, levando à sua desregulação, privatização, e obrigando o estado a

assumir um novo papel - o de regulador98.

Ainda de acordo com o autor, aquele estado bem distinto da sociedade, regido por um

direito próprio, oposto ao direito privado (comum da sociedade), enclausurado em estruturas

rígidas e bem demarcadas, "onde orbitam as autoridades públicas, exercendo solitárias o

                                                                                                               98 De acordo com Floriano de Azevedo Marques Neto, "No modelo prevalecente até o final da década de 80 - marcado pelo colapso do último ciclo de concessões encerrado no Brasil no início dos anos 70 - firmava-se a idéia de que a melhor maneira de regular uma determinada utilidade pública era reservar sua exploração ao Estado. A simples exploração direta dessa atividade já era considerada regulação suficiente. Submetido ao pleno controle estatal, o ente encarregado da exploração de uma dada utilidade pública já o faria consoante o atendimento do interesse público. Mais ainda, assegurava-se que a detenção, pelo Estado, de uma rede de suporte a serviço essencial [...], algo inerente à prestação de um serviço público, era condição sine qua non para a preservação dos interesses nacionais, para a manutenção da soberania nacional e da própria unidade do sistema [...] por óbvio, inexistia a separação entre regulador e operador da utilidade. A regulação (regulamentação, política tarifária, planejamento, e expansão, fiscalização, etc.) do serviço era feita internamente à própria operadora ou nos espaços estatais que a controlavam. Portanto, no contexto de intervenção direta, há uma confusão entre regulador e operador, o que torna muito pouco claros os parâmetros regulatórios. Daí ser a regulação marcadamente retrospectiva, conjuntural e medida pela política [...] No início da década de 90, se começa a questionar tais concepções, digamos, clássicas de serviço público. A pressão pela abertura dos mercados e o crescimento do direito concorrencial e do pressuposto da competição como benéfico para o consumidor afetaram fortemente as barreiras ideológicas à introdução da competição nos serviços públicos. Os avanços tecnológicos [...] reduziram fortemente as barreiras econômicas que sustentavam a necessidade de exploração monopolista destas atividades e esvaziaram o peso da escala na exploração de utilidades públicas. Faltava superar as barreiras jurídicas". MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A nova regulamentação dos serviços públicos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 1, fevereiro, 2005. Disponível na Internet http://www.direitodoestado.com/revista/redae-1-fevereiro-2005-floriano-marques-neto.pdf, p. 7-9, acesso em 07 de março de 2014.

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poder de modo incontestável", tornou-se indefinido99.

Foi o momento ideal para o surgimento das principais agências reguladoras brasileiras.

Foi neste período que chegamos o mais próximo de um modelo regulatório técnico, livre de

ingerências políticas, o que tornava os setores mais sofisticados e propícios a receber

investimentos privados.

De acordo com Floriano de Azevedo Marques Neto, com o processo de transferência

da exploração de serviços públicos para a iniciativa privada ocorre a separação entre operador

e regulador, pois a atividade regulatória não sai das mãos do Estado que passa a exercê-la de

forma indireta.

Para o autor, a volta da delegação da exploração dos serviços públicos aos

particulares, em regime público, já foi uma profunda transformação no panorama regulatório,

tornando-a significativamente mais complexa. Ocorre que a introdução da competição na

exploração destas atividades trouxe um impacto ainda maior 100.

O Estado atua num triplo papel (formulação de política pública, titular do serviço e

dos bens afetos à sua prestação e ente regulador encarregado de tutelar os interesses de todos

os agentes envolvidos), razão pela qual, na visão de Floriano de Azevedo Marques Neto, é

imprescindível a presença de um órgão regulador autônomo que neutraliza a atividade

regulatória da influência dos interesses do próprio Estado.

Nesse contexto, a atuação do agente regulador mostra-se crucial para estabelecer um

ambiente mais previsível, seguro, e menos sujeito a interferências de ordem política.

Entretanto, este não parece ter sido o modelo adotado pela nova Lei dos Portos. Os espaços

deixados pela lei, atrelados à concentração de competências, são os componentes necessários

para a hiper-regulação que, nada mais é do que regulação política, feita pelo Executivo, e não

pela agência reguladora.

Em outros dizeres, o contexto é propício para o órgão público concedente (a Secretaria

de Portos vinculada diretamente à Presidência da República, no caso), dotado de amplo poder,

exercer enorme influência sobre todo o setor, desde a forma de atuação da agência reguladora                                                                                                                99 SUNDFELD, Carlos Ari. “Meu depoimento e avaliação sobre a Lei Geral de Telecomunicações”In Revista de Direito de Informática e Telecomunicações, vol. 2. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 2-6. 100 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A nova regulamentação dos serviços públicos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 1, fevereiro, 2005. Disponível na Internet http://www.direitodoestado.com/revista/redae-1-fevereiro-2005-floriano-marques-neto.pdf, p. 7-9, acesso em 07 de março de 2014, p. 8-10.

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até sobre as autoridades portuárias locais.

O referido modelo institucional torna a regulação do setor frágil, altamente vulnerável

às oscilações de cunho político. A lei claramente abre espaços que fazem com que o poder

concedente concentre os instrumentos necessários para ditar as regras caso a caso, o que abre

margem para severo risco político-regulatório.

A título de ilustração, este modelo institucional pode impactar diretamente três

aspectos elementares para o sucesso da atual configuração das autorizações portuárias:

(i) a necessidade de se assegurar amplo acesso (garantindo previsibilidade no

requerimento para a emissão da autorização) e tratamento igualitário entre as pessoas

interessadas (seguindo os procedimentos administrativos prévios à celebração dos contratos

de adesão, respeitando sempre os parâmetros legais existentes);

(ii) a necessidade dos termos obrigacionais previstos nos contratos de adesão serem

condizentes com a natureza da atividade portuária privada (evitando imposições unilaterais

que não guardem pertinência com as características da instalação particular e com a forma de

atuação do agente privado);

(iii) a necessidade de assegurar a permanência dos autorizatários em suas

dependências portuárias privadas (garantindo as sucessivas renovações de prazos sem

imposições unilaterais desarrazoadas e desprovidas de uma análise mais profunda de

oportunidade e conveniência).

Em todos os exemplos, o que ditará o nível de sucesso do modelo será justamente a

forma de atuação daquele que concentra os poderes necessários para a emissão da

autorização, para a imposição unilateral de obrigações e para a manutenção da atividade

desenvolvida pelo autorizatário. Isso porque, conforme se verá, a lei deixou espaços para a

atuação do gestor público sem parâmetros bem definidos.

Será que a nova lei trouxe efetivamente mais liberdade à atuação do privado? Como

dito, buscaremos abordar os principais dispositivos legais que refletem esta mudança de

orientação do novo marco legal. Buscaremos, ao final, extrair uma visão geral da lei. Trata-se

de uma abordagem bottom-up, na qual iremos buscar tratar individualmente de cada um dos

principais temas para, depois, buscar extrair alguma conclusão.

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5.2 A migração do modelo de “terminal de uso privativo” para o modelo de “terminal de

uso privado”

O antigo marco legal dos portos já previa três principais espécies de exploração da

atividade com diferentes níveis de regulação que variavam de acordo com as características

das áreas/instalações (porto público, terminais públicos ou privados localizados dentro do

porto público e terminais privados localizados fora do porto público) e de acordo com os

serviços disponibilizados (uso público, privado ou misto).

O novo marco legal seguiu a mesma lógica e previu diferentes níveis de liberdade e

intervenção estatal. A partir da ampla gama de atividades existentes no setor portuário, cada

qual com seu respectivo modus operandi, estabeleceu-se tratamentos diferenciados aos

serviços – desde aqueles mais ligados aos preceitos de ordem pública (objeto de contratos de

concessão e de arrendamento) até aqueles mais propensos ao regime concorrencial

(outorgados por meio de autorizações).

O artigo 1º da nova Lei dos Portos foi claro ao dispor que o direito para a exploração

de áreas e instalações localizadas fora dos limites dos portos organizados deverá ser

outorgado mediante autorização. Este dispositivo deve ser lido em conjunto com o previsto no

inciso IV do artigo 2º que diz que os Terminais de Uso Privado consistem na “instalação

portuária explorada mediante autorização e localizada fora da área do porto organizado”.

Verifica-se, assim, que o escopo da autorização será invariavelmente Terminais de

Uso Privado, localizados sempre fora das poligonais dos portos organizados. O antigo marco

legal trazia, diferentemente, a figura do terminal de uso privativo, o qual poderia ser destinado

ao uso exclusivo ou ao uso misto. Perceba que, além de não fazer qualquer distinção quanto

ao uso do terminal, a lei substituiu o termo “privativo” pelo termo “privado”.

A mudança de nomenclatura pode parecer algo trivial em função de sua aparente

simplicidade. Ocorre que esta alteração deve ser vista sob um ângulo mais abrangente e que

esconde uma verdadeira mudança de orientação normativa do marco regimental. O simples

fato da eliminação na distinção das espécies de cargas, próprias e de terceiros, já pode ser

vista como uma guinada no papel dos TUPs para o setor portuário brasileiro.

Muito embora a LMP previsse a figura do “terminal privativo de uso misto”, a

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terminologia “privativo” mantinha conotação de um terminal vertido ao próprio uso do

proprietário, na linha do que previa a legislação infralegal, ou seja, a carga própria a ser

movimentada no terminal deveria justificar a implementação do mesmo. Diferentemente, a

nova nomenclatura utilizada pelo legislador parece trazer noção mais próxima da livre

exploração do ativo pertencente ao privado.

Esta parece ser a impressão do mercado. De acordo com Rodrigo Paiva, em

reportagem veiculada pelo jornal Folha de São Paulo101, a nova lei cria a figura do investidor

privado em infraestrutura portuária, pois antes o terminal era apenas um elo da cadeia de uma

empresa, mas agora passa a ser visto como um negócio em si. Ainda em concordância com o

consultor, a maior parte dos interessados é formada por firmas que constituíram empresas

com o propósito de investir na construção de terminais para a exploração econômica.

O terminal de uso privado seria um ativo privado, pertencente a um agente privado e

regido majoritariamente pelo direito privado102. Observe que o regime jurídico de exploração

não é o comumente utilizado, tal como na concessão, mediante licitação, com dever de

universalização etc. Trata-se de regime mais flexível, com maior liberdade gerencial e de

preços. Esta forma de exploração vale-se de permissivo constitucional e, de forma deliberada,

o legislador infraconstitucional possibilita uma regulação mais tênue103.

O grande desafio no estágio a seguir é compreender a compatibilidade entre o regime

jurídico aplicável às autorizações – considerando que a aplicação do regime privado não tem

o condão de afastar a natureza publicística da atividade – e os objetivos centrais do novo

marco regimental dos portos – aumento da capacidade e eficiência geral do sistema –,

atrelados à maior competição entre os agentes econômicos.                                                                                                                101 FOLHA DE S. PAULO - Empresas privadas aceleram interesse por terminal próprio (5/4/2014). Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/159846-empresas-privadas-aceleram-interesse-por-terminal-proprio.shtml, acesso em 07 de março de 2014. 102 Artigo 43 da Lei n. 10.233/01, conforme redação dada pela Lei n. 12.815/2013: “Art. 43. A autorização, ressalvado o disposto em legislação específica, será outorgada segundo as diretrizes estabelecidas nos arts. 13 e 14 e apresenta as seguintes características: I – independe de licitação; II – é exercida em liberdade de preços dos serviços, tarifas e fretes, e em ambiente de livre e aberta competição; III – não prevê prazo de vigência ou termo final, extinguindo-se pela sua plena eficácia, por renúncia, anulação ou cassação”. 103 Floriano de Azevedo Marques Neto e Fábio Barbalho Leite observam que “o texto constitucional admite – como é o caso do setor de telecomunicações – que a delegação da exploração do porto se dê por meio de concessão, permissão ou autorização. Nesse sentido, a Constituição deve ser interpretada sistematicamente, com o sopesamento dos demais preceitos nela contidos. Ora, segundo o art. 175 da Carta Maior, os serviços públicos serão prestados diretamente ou por meio de concessão e permissão, sempre precedidos de licitação. Assim, ao admitir que a exploração dos portos se dê também mediante autorização, o legislador constituinte implicitamente estabeleceu que parte dos serviços compreendidos na atividade portuária fosse prestada além do quadro estreito do regime de Direito Público incidente sobre os serviços públicos stricto sensu” . MARQUES NETO, F. A.; LEITE, F. B. Peculiaridades do contrato de arrendamento portuário. Revista de Direito Administrativo, v. 231, p. 269-295, 2003, p. 276).

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Dentro desse contexto, os itens a seguir tratam da forma e do conteúdo da autorização

portuária no novo marco legal. Mais especificamente, busca-se traçar o modelo de exploração

dos terminais privados sob o regime mais flexível da autorização. Quais são os trâmites para a

emissão das autorizações? Será que os mecanismos de ingerência estatal aumentaram? Quais

são, hoje, os principais riscos para o empreendedor privado?

Os tópicos encontram-se estruturados da seguinte forma: dividiu-se a análise das

questões em três diferentes estágios – antes, durante e depois da celebração do contrato de

adesão. Como sabemos, a eficácia da autorização portuária depende da subsequente assinatura

do contrato de adesão entre o particular e o poder concedente. É o que se extrai da definição

prevista no inciso XII do artigo 2º da lei: “Art. 2º Para os fins desta Lei, consideram-se: [...]

XII - autorização: outorga de direito à exploração de instalação portuária localizada fora da

área do porto organizado e formalizada mediante contrato de adesão”.

Em função disso destacamos as seguintes questões distribuídas de acordo com os três

estágios indicados:

a) antes da celebração do contrato de adesão – (i) o caráter vinculado da autorização e

o direito subjetivo dos agentes privados interessados na implantação de terminais portuários

privados, e; (ii) os procedimentos administrativos prévios como forma de garantir certa

isonomia entre todos os interessados (não aplicabilidade da regra da licitação);

b) durante a execução do contrato de adesão – (i) a celebração do contrato como

componente de estabilidade jurídica no vínculo negocial estabelecido com o poder concedente

(não aplicabilidade do caráter precário da autorização), e; (ii) as obrigações oriundas do

contrato de adesão e a liberdade do agente privado de não contratar;

c) após a execução do contrato de adesão – (i) natureza jurídica do prazo contratual

máximo de 25 anos, do direito às renovações por prazos iguais e sucessivos e as hipóteses de

extinção da autorização; (ii) com o fim da exploração do terminal portuário, a inaplicabilidade

da reversão dos bens privados.

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5.3 Questões anteriores à celebração do contrato de adesão

5.3.1 Direito subjetivo?

Diante de todo o exposto, foi possível constatar que a autorização, enquanto

instrumento de outorga de direito para a exploração de serviço público, tem o papel de

conferir um regime mais flexível para o desenvolvimento da atividade, no qual o agente

privado pode contar com maior liberdade na gestão do negócio (com menos obrigações

impostas pelo poder concedente) e nas práticas de mercado e de preços (guiados mais pelo

regime de competição instalado e menos pela regulação estatal direta).

Além disso, foi possível verificar que o legislador se valeu desta medida no setor de

portos, ao manter a figura da autorização portuária (proveniente da Lei de Modernização dos

Portos de 1993) e acentuar seu viés liberalizante, pois eliminou a restrição existente na

destinação que se podia dar aos terminais privados (uso exclusivo ou majoritariamente

privativo), tornando a atividade disponível a qualquer particular interessado (não mais

somente aos detentores de cargas).

Ora, uma atividade sem limitação, seja ela de natureza operacional, seja ela de

natureza subjetiva, implicaria afirmar tratar-se de uma atividade econômica aberta a todo e

qualquer agente interessado. Mas será que a exploração de terminais privados enquadra-se

efetivamente neste modelo? Em outras palavras, será que a atividade encontra-se aberta a todo

e qualquer interessado? Quais são os requisitos para a obtenção da autorização portuária?

Quais são os fatores impeditivos deste direito?

Realmente, a nova Lei dos Portos não parece ter previsto (pelo menos diretamente)

restrições aos particulares que pleiteiam autorizações para a construção e exploração de

terminais privados. Ao contrário, excluindo a restrição na movimentação de cargas alcançou

potenciais interessados que antes não tinham acesso à atividade, pois não possuíam o requisito

básico para o pleito – ser proprietário de carga própria suficiente para justificar a implantação

do terminal portuário privativo.

Em outros dizeres, a atividade atrai, agora, não apenas os proprietários de cargas que

necessitem escoar suas respectivas produções, mas também empreendedores que busquem na

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própria atividade portuária seu core business. Pode-se dizer que o desenvolvimento da

atividade portuária enquadra-se tanto como uma atividade-meio do produtor (como o elo de

uma cadeia logística), como também uma atividade-fim com o fim precípuo de exploração

econômica na busca pela remuneração do capital empregado.

De maneira prática, o inciso XII do artigo 2o da Lei n. 12.815/2013, que define o

conceito de autorização, não atribui qualquer elemento subjetivo ao instituto, ou seja, não

definiu qualquer destinatário específico para obtenção das autorizações portuárias. Apenas o

parágrafo 3º do artigo 1º do mesmo diploma é que determina que a autorização seja outorgada

à pessoa jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, sempre por sua conta e

risco (sem ônus para o poder concedente).

Tampouco o artigo 9º da lei faz qualquer restrição de natureza subjetiva. Informa que

o pleito poderá ser feito, a qualquer momento, pela pessoa interessada, mediante requerimento

dirigido à Agência Nacional de Transportes Aquaviários na forma do regulamento (previsto

no Decreto n. 8.033/2013 a partir dos artigos 26 e seguintes). O dispositivo determina, ainda,

que a ANTAQ, após o recebimento do requerimento, publique seu extrato e promova a

abertura de anúncio público.

Interessante indagar qual seria a razão da determinação prevista no artigo 9º da lei

acima referida? O legislador parece querer dar ampla publicidade ao ato. Mas para quê?

Como sabemos, a publicidade é o primeiro passo para a administração pública garantir certa

isonomia no tratamento com os particulares. Seria a partir dela que se conseguiria, por

exemplo, identificar a existência de outros interessados na instalação de terminal privado na

mesma região.

Entretanto, esta medida parece inócua frente às características apontadas no início do

presente tópico. Isso porque, considerando que qualquer interessado pode pleitear autorização

perante a agência reguladora, não faria sentido a cada novo requerimento investigar outros

interessados, pelo simples fato de que estes estariam garantidos independentemente daqueles

que protocolaram seus pedidos. Essa premissa estaria correta, salvo diante de uma importante

situação excepcional.

Como informamos anteriormente, não acreditamos em qualquer monopólio natural no

que envolve a atividade portuária. Entretanto, esta inferência não se confunde com o fato de

que projetos privados podem estruturalmente e/ou operacionalmente interferir entre si. De

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forma prática, o empreendimento de um agente privado pode facilmente dificultar ou até

mesmo impedir a instalação de outro empreendimento na mesma localização. Esta é uma

hipótese plenamente factível no âmbito da infraestrutura portuária.

Justamente em função disso, é que o legislador exigiu dar publicidade para todos os

requerimentos protocolados. Busca-se, assim, evitar que um projeto privado frustre outro

igualmente legítimo. Conforme adiante se verá, a hipótese descrita denomina-se

"impedimento locacional" e consiste em um dos requisitos exigidos para a expedição da

autorização portuária. Caso exista mais de um projeto, incompatíveis entre si, o trâmite para a

expedição da autorização seguirá trâmite especial denominado "processo seletivo".

Percebe-se, portanto, que a tentativa do poder público de dar ampla publicidade aos

requerimentos que cheguem ao seu conhecimento visa garantir tratamento isonômico entre

todos os demais interessados. Aliás, este é um forte indício do direito subjetivo que norteia a

autorização portuária. Não faria sentido buscar garantir igualdade de condições aos

particulares se não fosse direito de todos pleitearem a autorização para a instalação de seu

próprio terminal portuário.

Falar em direito subjetivo à autorização é defender que sua emissão está vinculada ao

tratamento legal, ou seja, ao preenchimento dos requisitos exigidos por lei. Este seria o

atributo necessário para objetivar a decisão por parte do poder competente. Caso contrário, a

emissão das autorizações ficaria a mercê do gestor público, que decidiria sempre caso a caso

de acordo com a conveniência e oportunidade que nem sempre segue o interesse público, o

que enseja séria desconfiança por parte dos agentes privados.

Nós acreditamos na figura da autorização portuária vinculada a partir da análise

sistemática do novo arcabouço regulatório. O que não se pode afirmar, entretanto, é que o

complexo de normas preencheu devidamente os espaços vazios que abriam um flanco enorme

para a regulação infralegal ou, até mesmo, conferiam ampla margem de atuação por parte dos

gestores públicos.

Conforme estudo realizado com o apoio do FEP/BNDES104 em 2009, a indefinição de

conceitos é um problema recorrente no setor, sendo que não existe consistência na utilização

de determinados institutos e, por consequência, na legislação infralegal, o que acarretava

                                                                                                               104 FEP/BNDES. Análise e Avaliação da Organização Institucional e da Eficiência de adesão do Setor Portuário Brasileiro. São Paulo: Booz & Company, 2012. Bibliografia. 1. Disponível em http://www.FEP/BNDES.gov.br/SiteFEP/BNDES, acesso em 03 de maio de 2014, p. 268.

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confusão na aplicação prática dos mesmos. Em virtude disso, surge um grande espaço para a

edição de normas infralegais destinadas a preencher, por vezes de forma falha ou de modo

ilegítimo, os vazios normativos.

Com efeito, diametralmente oposto a defender o direito subjetivo de todo interessado

na implantação de seu próprio terminal privado a partir do novo marco legal, seria defender

que a emissão de autorizações portuárias se tornou um procedimento seguro e objetivo que

evita ampla margem discricionária por parte do gestor público responsável. Em suma, a Lei n.

12.815/2013 previu o objetivo sem prover os meios adequados.

Ainda que não exista previsão expressa de que a emissão da autorização portuária seja

ato vinculado, assim como ocorre em outros setores como telecomunicações e fornecimento

de energia elétrica105, a partir da leitura sistemática do novo arcabouço regulatório do setor de

portos, é possível extrair o caráter vinculado da outorga do direito de construir e operar

terminal privado que deve ser examinada sempre de forma objetiva.

Entretanto, é justamente o fato de o caráter vinculado da autorização partir de uma

interpretação sistemática do novo marco legal que a torna um instrumento ainda frágil e com

diversas brechas normativas. Não esgotaremos todas as lacunas existentes, mas trataremos das

duas principais, que, de certa forma, são as que mais geram desconfiança quanto ao êxito do

modelo da autorização portuária em sua configuração atual.

Trata-se dos elementos que impediriam a emissão da autorização portuária. De acordo

com o artigo 12 da nova Lei dos Portos dois fatores seriam imprescindíveis para a emissão

das autorizações portuárias: “Art. 12. Encerrado o processo de chamada ou anúncio público, o

poder concedente deverá analisar a viabilidade locacional das propostas e sua adequação

às diretrizes do planejamento e das políticas do setor portuário”. (grifo nosso)

Verifica-se, assim, serem essencialmente dois os fatores que poderiam impedir a

emissão das autorizações portuárias: (i) incompatibilidade com as diretrizes e políticas

setoriais, e/ou; (ii) impedimento locacional para a instalação de dois ou mais terminais na

mesma área.

                                                                                                               105 Nesse sentido, Floriano de Azevedo Marques Neto aponta que o caráter discricionário da autorização, embora seja característico enquanto instituto jurídico, há previsão legal em sentido contrário e exemplifica com o uso de espectro radioelétrico e de uso de potencial elétrico com potência entre 1.000 e 10.000 kW. (In MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Bens Públicos – função social e exploração econômica – o regime jurídico das utilidades públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 338)

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Por mais restritivos que possam parecer, ambos os fatores abrem margem para a

apreciação subjetiva da autoridade responsável. Por exemplo, condicionar a expedição da

autorização à conformidade com as políticas e diretrizes setoriais pode representar um risco

considerável aos agentes interessados.

Isso porque é muito complexo prever parâmetros claros e precisos o suficiente para

tornar a apreciação por parte do gestor público a mais objetiva possível. Conforme se verá, o

caso do setor portuário é ainda mais grave, pois sequer conta com o conjunto de documentos

que formariam o planejamento setorial.

5.3.1.1 Compatibilidade com o planejamento e as diretrizes setoriais

Primeiramente, no que concerne às diretrizes e políticas setoriais, a conferência

realizada pelo poder concedente tem como objetivo precípuo evitar justamente a falta de

racionalização na implantação de nova infraestrutura e conciliar a expansão e a manutenção

das operações nas instalações públicas localizadas dentro dos portos organizados e os

empreendimentos privados para a construção e exploração de portos e terminais localizados

fora dos portos públicos.

A forma mais simples de compreender a questão em tela é por meio de um caso

prático. Suponhamos que seja realizada licitação para o arrendamento de um novo terminal

público vocacionado à movimentação de granel sólido vegetal, sendo que o critério de seleção

utilizado seja a maior capacidade de movimentação efetiva a ser alcançada em até cinco anos

contados da data de assinatura do contrato.

Sabemos que os agentes interessados neste tipo de licitação fazem todo o

levantamento técnico-operacional para verificar as condições físicas da área e dos acessos

tanto terrestres quanto marítimos e elucidar as limitações operacionais do futuro terminal.

Além disso, o interessado no arrendamento faz amplo levantamento de demanda para se

avaliar o prognóstico comercial do empreendimento.

Somente depois de reunidos todos estes elementos básicos é que se formula uma

proposta. Neste contexto, indaga-se como se asseguraria o cumprimento de uma

movimentação efetiva pelo licitante vencedor diante de eventual emissão de autorização não

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planejada para a instalação de um terminal privado de terceiro na mesma hinterlândia do

terminal público arrendado?

Pelo lado do licitante vencedor, este parece um caso de “fato do príncipe” que

ensejaria pleito de reequilíbrio do contrato de arrendamento106. Já pelo lado do poder

concedente, seria um evento danoso e que deveria ser evitado em função do interesse público.

Assim, é razoável que nestes casos o direito subjetivo do privado seja relativizado e haja a

manutenção do cenário no momento da licitação (“rebus sic standibus”).

Em função disso é que a checagem do empreendimento privado proposto frente ao

planejamento do setor seria necessária. Foi um dos mecanismos encontrados pelo legislador

para viabilizar a manutenção e eventual expansão dos portos e terminais públicos,

restringindo o mínimo necessário a liberdade dos particulares em instalarem seus próprios

terminais.

Muito embora a palavra final seja dada pela autoridade competente, esta não deve fluir

a bel-prazer dos gestores públicos. Ela deve ser vinculada aos documentos oficiais, sendo que

a autoridade não pode se furtar das informações ali contidas, pois são elas que determinam o

planejamento setorial. Eventual recusa na emissão da autorização deverá ser sempre

tecnicamente fundamentada com base nos mesmos documentos.

Ocorre que os referidos documentos oficiais simplesmente não existem no setor de

portos. Há quanto tempo ouvimos falar no famigerado Plano Nacional de Logística Portuária

(PNLP)? É, infelizmente, uma prática comum nas atuais administrações públicas em todo o

Brasil retardar os estudos estratégicos necessários ao bom planejamento de setores cruciais

para o desenvolvimento econômico e regional do país.

De acordo com as informações prestadas pela própria Presidência da República107, a

                                                                                                               106 Vislumbramos, pelo menos, duas soluções para o caso em tela: (a) o edital de licitação do terminal público deveria trazer, caso a caso, uma espécie de “gap” de tempo suficiente para a implantação e início da operação por parte do licitante vencedor, sendo que durante este período seja vedada a emissão de novas autorizações para a hinterlândia daquele terminal público sob pena de reequilíbrio contratual; (b) outra possibilidade permaneceria intrínseca à relação contratual entre poder concedente e arrendatário, ou seja, solucionar-se-ia através ou do próprio reequilíbrio econômico-financeiro do negócio ou pela própria caducidade do arrendamento. 107 “A partir do novo marco regulatório, coube à Secretaria de Portos a missão de elaborar o planejamento setorial em conformidade com as políticas e diretrizes de logística integrada, abrangendo tanto acessos portuários quanto infraestrutura e desenvolvimento urbano. A primeira iniciativa da SEP nessa direção foi a construção, ainda durante a formulação da Lei 12.815, do Plano Nacional de Logística Portuária (PNLP), ferramenta de apoio na tomada de decisões e busca de resultados para os problemas provocados pela falta de uma estrutura uniforme na divisão clara de tarefas e responsabilidades entre entidades públicas e privadas. A partir do PNLP, a Secretaria elabora diagnósticos e prognósticos do setor para avaliação de cenários e proposição de ações de

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partir do novo marco regulatório, cabe à Secretaria de Portos a missão de elaborar o

planejamento setorial em conformidade com as políticas e diretrizes de toda a logística

integrada, abrangendo desde os acessos portuários até a infraestrutura e o desenvolvimento

urbano fronteiriço.

No dia 08 de janeiro de 2014 foi publicada a Portaria SEP n. 3 que institucionalizou,

além do Plano Nacional de Logística Portuária (PNLP), os demais instrumentos - Plano

Mestre (Master Plan), Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) e Plano Geral de

Outorgas (PGO) - que juntos passaram a formar a estrutura de planejamento do setor

portuário nacional108.

Ocorre que, como sabemos, "institucionalizar" não significa ter os documentos oficiais

disponíveis para consulta. Passado um ano da conversão da MP n. 595 na Lei n. 12.815, o

PNLP ainda não foi publicado. Além disso, apenas doze Master Plans dos portos públicos

foram concluídos e os principais PDZs não foram devidamente revistos e atualizados.

Verifica-se, portanto, que o aparato que deveria instruir as tomadas de decisão está

incompleto.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         médio e longo prazos que permitem a tomada de decisões em seis principais áreas temáticas: infraestrutura; superstrutura e operações; logística e hinterlândia; economia e finanças; gestão; e meio ambiente. O PNLP desenvolveu Planos Diretores Estratégicos (Master Plans) para 12 portos públicos [...] trazem elementos, ferramentas e alternativas para melhoria da gestão e para a expansão desses portos” (texto extraído da página oficial da Presidência da República no dia 23/03/2013. Disponível http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/pnpl). 108 "Dando continuidade ao esforço do Governo Federal para melhorar a gestão dos portos, no dia 08 de janeiro de 2014 foi publicada no Diário Oficial da União a portaria nº 3, da SEP, que institucionalizou, além do PNLP, os demais instrumentos que passaram a formar o conjunto do planejamento do setor portuário nacional: o Plano Mestre, o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) e o Plano Geral de Outorgas (PGO). Desta forma, conforme determina a Portaria, ficam assim definidos os respectivos planos: I - O Plano Nacional de Logística Portuária - PNLP - instrumento de Estado de planejamento estratégico do setor portuário nacional, que visa identificar vocações dos diversos portos, conforme o conjunto de suas respectivas áreas de influência, definindo cenários de curto, médio e longo prazo com alternativas de intervenção na infraestrutura e nos sistemas de adesão, garantindo a eficiente alocação de recursos a partir da priorização de investimentos, evitando a superposição de esforços e considerando as disposições do Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte - CONIT. II - O Plano Mestre - instrumento de planejamento de Estado voltado à unidade portuária, considerando as perspectivas do planejamento estratégico do setor portuário nacional constante do Plano Nacional de Logística Portuária - PNLP, que visa direcionar as ações, melhorias e investimentos de curto, médio e longo prazo no porto e em seus acessos. III - O Plano de Desenvolvimento e Zoneamento - PDZ - instrumento de planejamento operacional da Administração Portuária, que compatibiliza as políticas de desenvolvimento urbano dos municípios, do estado e da região onde se localiza o porto, visando, no horizonte temporal, o estabelecimento de ações e de metas para a expansão racional e a otimização do uso de áreas e instalações do porto, com aderência ao Plano Nacional de Logística Portuária - PNLP e respectivo Plano Mestre. IV - O Plano Geral de Outorgas - PGO - instrumento de planejamento de Estado que consiste em um plano de ação para a execução das outorgas de novos portos ou terminais públicos e privados, reunindo a relação de áreas a serem destinadas à exploração portuária nas modalidades de arrendamento, concessão, autorização e delegação, com respectivos horizontes de implantação, tomando como base o planejamento do Poder concedente, das Administrações Portuárias e da iniciativa privada. Todos os instrumentos estão conectados e passam a formar um conjunto funcional” (texto extraído da página oficial da Presidência da República no dia 23/03/2013. Disponível http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/pnpl).

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A própria Presidência informa que a primeira iniciativa da SEP foi a construção do

Plano Nacional de Logística Portuária (PNLP) que tende a ser a principal ferramenta de apoio

na tomada de suas decisões. Considerando que o PNLP não existe, é possível vislumbrar que

a Secretaria não está devidamente preparada para elaborar os diagnósticos e prognósticos

necessários para a avaliação dos cenários e as respectivas ações de médio e longo prazos109.

Consequentemente, sem um bom planejamento integrado de médio e longo prazo, com

regras claras nos modelos de cessão dos serviços e na forma de atuação da agência

reguladora, o risco político-regulatório torna-se alto demais e incapaz de atrair maior

investimento e atuação privada.

5.3.1.2 Viabilidade locacional

Diferentemente do primeiro fator impeditivo, disposto de forma abrangente e sem

qualquer delimitação precisa, a definição de viabilidade locacional encontra-se prevista no

parágrafo único do artigo 30 do Decreto n. 8.033/2013:

Art. 30. (...) Parágrafo único. Para os fins deste Decreto, considera-se viabilidade locacional a possibilidade da implantação física de duas ou mais instalações portuárias na mesma região geográfica que não gere impedimento operacional a qualquer uma delas. (grifo nosso)

O legislador parece ter sido mais cauteloso com este fator impeditivo. Isso porque ele

previu dois elementos essenciais que podem ser factualmente constatados, quais sejam (i) a

existência de dois ou mais interessados na implantação de um porto ou terminal, (ii) que os

                                                                                                               109 "Destaca-se um ganho importante para as Autoridades Portuárias, que passaram a registrar suas demandas nos planos estratégicos do governo, criando uma agenda de compromissos com o desenvolvimento de cada porto em conformidade com as ações das diversas outras áreas de governo. Na prática, o Governo já vinha se valendo da utilização desses instrumentos, a partir da elaboração do PNLP, como suporte para a definição do novo marco legal e mais recentemente para a elaboração dos estudos referenciais de novos arrendamentos nos portos nacionais. Para o setor, a Portaria da SEP significa a formalização do resgate do planejamento portuário nacional, que passa a ser instrumento indicativo para atração de investimentos, identificação de oportunidades, participação da sociedade no desenvolvimento dos portos e da sua relação com as cidades, com o meio ambiente, da integração com as políticas de expansão da infraestrutura nacional de transportes e para racionalização da utilização de recursos públicos. O maior avanço regulatório com a adoção dos instrumentos de planejamento citados é o da clareza institucional dos caminhos a percorrer em curto, médio e longo prazo para que se possa garantir a capacidade portuária necessária ao nosso desenvolvimento econômico, com redução de custos que tornarão o país mais competitivo e com uma logística equivalente a padrões mundiais de eficiência” (texto extraído da página oficial da Presidência da República no dia 23/03/2013. Disponível http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/pnpl)

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projetos estejam concentrados na mesma localidade, e (iii) algum fator de ordem física ou

operacional impeça a instalação conjunta dos empreendimentos.

Em outros dizeres, a apreciação da viabilidade locacional pressupõe, primeiramente, a

existência de dois ou mais projetos privados para a instalação de terminais portuários. Além

disso, é preciso que os projetos possuam áreas ou regiões coincidentes. Como se não bastasse

a improbabilidade da junção destes dois fatores, é preciso ainda um terceiro, qual seja, a

comprovação da impossibilidade da instalação dos terminais concomitantemente.

Os dois primeiros elementos são autoexplicativos. No que envolve o terceiro é

importante salientar que o ônus da prova não parece caber ao poder concedente ou, mais

especificamente, à agência reguladora que tem a atribuição de analisar os requerimentos. Ao

contrário, a pessoa interessada, que alega a inviabilidade, é quem deve reunir todos os

potenciais fatores que comprometam a instalação ou operação simultânea.

Apenas na hipótese de divergência é que a palavra final caberá ao ente público

encarregado de dirimir controvérsias, sendo que na hipótese do impedimento locacional ser

incontornável, a ANTAQ deverá proceder com o processo seletivo público, observados

sempre os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Este

processo é regido pelos artigos 30 e seguintes do Decreto n. 8.033/13, conforme adiante se

verá.

Vale destacar, por fim, que na hipótese de compatibilidade com as diretrizes e

políticas do setor, caso exista apenas um único interessado a autorização portuária poderá ser

emitida de plano (desde que obviamente observados os demais dispositivos legais) e caso

exista mais de um interessado com possibilidade de instalação concomitante (viabilidade

locacional), deverá ser expedida autorização para ambos os agentes.

Art. 12. [...] § 1º Observado o disposto no regulamento, poderão ser expedidas diretamente as autorizações de instalação portuária quando: I - o processo de chamada ou anúncio público seja concluído com a participação de um único interessado; ou II - havendo mais de uma proposta, não haja impedimento locacional à implantação de todas elas de maneira concomitante.

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5.3.2 Inaplicabilidade da regra da licitação

O artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal determina que:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (grifo nosso)

O artigo 175 também da Constituição Federal determina que “incumbe ao Poder

Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre

através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

Celso Antônio Bandeira de Mello110 afirma que a licitação possui, basicamente, dois

grandes objetivos – proporcionar o negócio mais vantajoso para a administração pública e

assegurar aos administrados ensejo de disputarem a participação nos negócios que as pessoas

governamentais pretendam realizar.

Ainda de acordo com o autor, como corolário destes dois objetivos centrais,

existiriam, pelo menos, três exigências públicas impostergáveis – a proteção dos interesses e

recursos públicos, de um lado, e observância aos princípios da isonomia e impessoalidade, por

outro lado.

Licitação implica concorrência, que, por sua vez, implica pluralidade de agentes

interessados no mesmo objeto. Com exceção da hipótese de inviabilidade de instalação de

dois ou mais terminais privados na mesma região, não há que se falar em objeto singular no

caso das autorizações portuárias e, muito menos, em concorrência.

Isso porque, a princípio, a autorização portuária é aberta a todo e qualquer interessado,

sendo que a nova Lei dos Portos não impôs expressamente qualquer restrição de ordem

subjetiva. Ademais, não existe qualquer ativo público transferido pelo poder concedente ao

agente privado interessado na exploração da atividade.

                                                                                                               110 BANDEIRA DE MELLO, p. 519.

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O que há, efetivamente, é a outorga de um direito, nos exatos termos da definição

trazida pela lei regimental. Diferentemente da concessão e do arrendamento, a autorização

não envolve qualquer cessão de porto, área ou instalação portuária pública. Conforme se

depreende do artigo 27, inciso II, do Decreto n. 8.033/2013, os interessados em obter a

autorização poderão requerê-la à ANTAQ mediante a apresentação de título de propriedade,

inscrição de ocupação, certidão de aforamento ou contrato de cessão sob regime de direito

real, ou outro instrumento jurídico que assegure o direito de uso e fruição da área.

Este parece ser o entendimento de Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara ao

afirmarem que não existiria qualquer violação à Constituição ou ao princípio geral do Direito

na emissão de autorizações portuárias não precedidas de licitação. Isso porque o tratamento

conferido pelo legislador, qual seja, a ausência de licitação, é coerente com o perfil natural da

autorização como instrumento de outorga111.

Dentre os fatores expostos pelos autores, destacam-se: (i) as autorizações são

reservadas a áreas particulares, nas quais os interessados dispõem de direitos sobre os bens

imóveis – não haveria, portanto, competição; (ii) a lei não prescreve qualquer limitação no

número de terminais privativos, ou seja, em regra todo e qualquer interessado é legítimo para

requerer autorização – não haveria, portanto, sentido da concorrência pública.

Verifica-se, assim, que a regra da licitação não se aplica ao presente caso, sendo certo

que ele carece dos dois principais elementos que compõem a aplicação da concorrência

pública. Logo, os procedimentos administrativos previstos na nova Lei dos Portos possui

outra finalidade diversa da busca pela melhor contratação pelo poder público. Mas qual seria

esta finalidade? É o que veremos no tópico a seguir.

5.3.2.1 Procedimentos administrativos como garantia de tratamento isonômico entre os

interessados

O artigo 8º da Lei n. 12.815/2013 prevê três procedimentos administrativos prévios

para a outorga de autorização portuária, quais sejam:

                                                                                                               111 SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Terminais portuários de uso privativo misto: as questões de constitucionalidade e das alterações regulatórias. Revista de Direito Público da Economia (RDPE), Belo Horizonte, ano 10, n. 37, jan./mar. 2012, p. 15.

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(i) anúncio público que ocorre a partir de todo e qualquer pleito de particulares

interessados na instalação de um terminal privado e tem como finalidade precípua garantir

publicidade e isonomia a eventuais outros particulares interessados na instalação de

infraestrutura na mesma região;

(ii) chamada pública que ocorre mediante provocação do próprio Poder concedente, a

fim de levantar possíveis interessados na instalação e exploração de um novo terminal, em

determinada região, por conta e risco do interessado;

(iii) processo seletivo público, o qual ocorrerá apenas na hipótese de, depois de

realizado o anúncio ou a chamada, haver dois ou mais projetos que possuam algum fator que

impeça a instalação de ambos na mesma localidade (“inviabilidade locacional”) .

A diferença central do anúncio público e da chamada pública encontra-se na natureza

dos atos que lhes dão origem. Enquanto o anúncio parte do requerimento protocolado pelo

particular interessado, que se assemelha muito a um PMI (proposta de manifestação de

interesse comumente utilizado no âmbito das concessões comuns), a chamada pública

inaugura-se a partir de um ato de ofício do próprio Poder concedente que, ao identificar um

interesse público na instalação de um novo terminal em uma determinada região, convoca os

interessados a se manifestarem, nos seguintes termos:

Art. 10. O Poder concedente poderá determinar à Antaq, a qualquer momento e em consonância com as diretrizes do planejamento e das políticas do setor portuário, a abertura de processo de chamada pública para identificar a existência de interessados na obtenção de autorização de instalação portuária, na forma do regulamento e observado o prazo previsto no inciso II do § 1o do art. 9º.

Em ambos os casos, o instrumento da abertura tanto da chamada pública quanto do

anúncio público deverá indicar parâmetros de instalação, tais como: (i) a região geográfica na

qual será implantada a instalação portuária; (ii) o perfil das cargas a serem movimentadas, e;

(iii) a estimativa do volume de cargas a ser movimentado nas instalações portuárias. A

indicação destes parâmetros mostra-se pertinente, na medida em que é a partir deles que os

demais interessados poderão analisar o grau de impacto que eventualmente o terminal poderá

ter em seus respectivos projetos empresariais.

Ademais, os interessados terão sempre de apresentar o respectivo título de propriedade

do bem imóvel. Conforme se depreende do parágrafo único do artigo 11 da lei, este título é

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abrangente, podendo ser a inscrição de ocupação, a certidão de aforamento, a cessão de direito

real ou qualquer outro instrumento jurídico que assegure o direito de uso e fruição da

respectiva área. Este dispositivo tem o condão de mitigar especulações imobiliárias.

A nosso ver, os procedimentos de anúncio, de chamada e do processo seletivo

possuem o mesmo viés, qual seja assegurar igualdade de oportunidades e, conforme o caso, de

condições entre os interessados na instalação de terminais privados, sendo que o interesse da

administração pública aparece em segundo plano, apenas nas hipóteses em que se demanda

desempate (presente apenas no processo seletivo).

O processo seletivo público, o qual pressupõe duas ou mais propostas concorrentes e

algum fator que inviabilize a instalação de todos os empreendimentos na mesma região, seja

ele de ordem técnica (impedimento locacional), seja ele relacionado ao interesse público

(incongruente com as diretrizes e planejamento setorial), é o procedimento administrativo que

mais desperta atenção.

Isso porque sua aplicação prática não se mostra simples, uma vez que ele pode se

originar a partir da manifestação de interesse de um particular, o qual detém todos os dados do

projeto para a instalação do empreendimento para a movimentação de determinada carga

específica, o que pode gerar significativa assimetria de informação, favorecendo um

interessado em detrimento do outro.

Em outros dizeres, a ANTAQ recebe o requerimento e, após publicá-lo, depara-se com

algum impedimento locacional. A partir disso tem de proceder com o processo de seleção

entre os interessados. Este fator implica diversos desafios. Talvez os dois maiores sejam

nivelar as condições de oportunidade e o critério a ser empregado no processo de seleção

entre os interessados.

De acordo com o parágrafo 3º do artigo 12 da lei, o processo seletivo público

“considerará como critério de julgamento, de forma isolada ou combinada, a maior

capacidade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de movimentação de carga, e

outros estabelecidos no edital”. Verifica-se, portanto, que o legislador mandou utilizar os

mesmos critérios aplicáveis aos casos de licitação de portos (concessão) e terminais públicos

(arrendamentos), o que nos remete às lições acima.

O problema é que os critérios previstos na legislação guardam particularidades com os

tipos de instalações portuárias, embarcações-tipo e a vocação de cargas a serem

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movimentadas. Por exemplo, a medida utilizada para mensuração da movimentação efetiva de

granéis sólidos pode não coincidir com a medida utilizada para determinadas espécies de

granéis líquidos. Logo, como a ANTAQ faria diante de dois projetos com características

operacionais diferentes?

Por outro lado, no caso de manutenção do impedimento locacional, mesmo após a

reformulação dos requerimentos, caberá à ANTAQ promover o processo seletivo público para

seleção da melhor proposta, hipótese em que deverá definir os critérios de julgamento.

Percebe-se que a ANTAQ ficará responsável pela definição de algum critério que possa ser

aplicado simultaneamente aos projetos apresentados, mesmo que eles não guardem

pertinência entre si.

Vale destacar, contudo, que existe a possibilidade de na reformulação dos

requerimentos por parte dos particulares interessados, dentro do prazo de trinta dias, seguida

de uma nova apreciação por parte da Agência, ser eliminado o impedimento locacional,

hipótese em que se aplicará o artigo 31, que preconiza a expedição das autorizações a todos os

interessados quando não existir impedimento locacional à implantação concomitante das

instalações portuárias requisitadas.

Vale destacar, por fim, que o parágrafo 3o do artigo 1o da lei prescreve que as

autorizações, assim como as concessões e os arrendamentos, deverão ser sempre outorgadas à

pessoa jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, e sempre por sua conta e

risco. O novo marco legal não faz, portanto, qualquer diferenciação quanto à necessidade de

qualificação técnica-operacional para a exploração dos terminais, sejam eles públicos ou

privados.

5.3.2.2. Prazo para implantação e início das operações

De acordo com os parágrafos 1º e 2º do artigo 26 do Decreto n. 8.033/2013, a partir da

celebração do contrato de adesão, o autorizatário terá o prazo máximo de três anos para

instalar seu terminal portuário privado, englobando desde a emissão de todas as licenças e

autorizações que se façam necessárias, até o início das operações propriamente ditas.

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Art. 26. [...] § 1º O início da operação da instalação portuária deverá ocorrer no prazo de três anos, contado da data de celebração do contrato de adesão, prorrogável uma única vez, por igual período, a critério do poder concedente. § 2º O pedido de prorrogação do prazo para o início da operação deverá ser justificado e acompanhado de documentação que comprove a exequibilidade do novo cronograma.

Ainda nos termos do dispositivo, é possível a prorrogação do prazo, por uma única

vez e igual período, mas sempre a critério do poder concedente mediante a apresentação de

justificativa acompanhada da respectiva documentação que comprove a exequibilidade do

novo cronograma proposto pelo autorizatário.

O propósito da medida é compreensivo. De forma geral, ela visa evitar qualquer

espécie de especulações em torno da área que receberá o empreendimento privado. Em outras

palavras, o legislador procurou afastar requerimentos sem reais intenções da implementação

do projeto apresentado, no intuito de impedir ou, até mesmo, retardar empreendimento alheio.

Observe que estamos diante de um contexto de ampla disputa comercial entre

agentes econômicos que, muitas vezes, não possuem o foco na atuação portuária em si. A

título de exemplo, poderia ser vantajoso, sob o ponto de vista do setor de alimentos, retardar

um projeto portuário alheio que faria o concorrente reduzir seus custos logísticos e,

consequentemente, tornar seus produtos alimentícios mais competitivos.

Perceba que o foco, no exemplo citado, não está na implantação e operação do

terminal portuário, mas sim na prática anticoncorrencial ligada ao core business, qual seja, a

produção e exportação de produtos alimentícios. Justamente para evitar esta espécie de prática

é que o legislador buscou evitar especulações imobiliárias, limitando o prazo entre a

autorização e assinatura do contrato até o efetivo início das operações portuárias.

Verifica-se, assim, que o legislador buscou conferir a autorização ao agente

efetivamente empenhado na exploração da atividade, fazendo o melhor uso possível da área,

especialmente quando este tenha sido escolhido a partir de um processo seletivo com a

consequente eliminação de outro agente igualmente interessado.

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5.4 Questões afetas à execução do contrato de adesão

5.4.1 Estabilidade jurídica (não aplicabilidade do caráter precário da autorização)

Verificamos, anteriormente, que considerável parcela da doutrina tem forte aversão ao

uso da autorização como forma de delegação de serviço público. Pelo menos três fatores

contribuem para esta postura resistente: (a) o fato de a autorização não ser precedida de

licitação; (b) possuir caráter precário, e; (iii) poder ser explorada pelo regime jurídico privado.

O primeiro aspecto foi abordado no Item 4.3.2., dedicado aos procedimentos administrativos

previstos pelo novo arcabouço regulatório. Cabe, agora, analisar os outros dois aspectos.

Para tanto, devemos partir da premissa de que autorização, assim como já ocorre em

outros setores regulados, é instrumento legítimo de outorga do direito de explorar atividade

que, por força constitucional, é de responsabilidade do Estado. Ademais, é possível que a

intervenção estatal seja mais branda e que a prestação do serviço ocorra no âmbito do direito

privado, especialmente quando a outorga do direito não envolver qualquer utilização de bem

público, como é o caso dos terminais privados.

Floriano de Azevedo Marques Neto anota que

a autorização é definida pela quase unanimidade da doutrina como sendo o ato administrativo unilateral, discricionário e precário, por meio do qual a Administração Pública consente que um particular dê a um bem público, um uso privativo de seu interesse, porém compatível com o interesse público.112

Muito embora o autor trabalhe com autorizações atreladas à cessão de uso de bem

público, as características da autorização enquanto instituto de direito público não mudam.

Jacintho Arruda Câmara traz a discussão para o plano da autorização como instrumento para

viabilizar a prestação de um serviço público em regime privado.

Trata-se da autorização para se prestar serviço de telecomunicações, a qual, de

acordo com o autor, não seguiu o figurino traçado pela doutrina mais tradicional. Nesta seara

também ao se falar de autorização relaciona-se a ideia de instrumento precário e de natureza

discricionária, expedida em função da oportunidade e conveniência do poder público, não                                                                                                                112 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Bens Públicos – função social e exploração econômica – o regime jurídico das utilidades públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 336

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admitindo qualquer estabilidade ao detentor da autorização113.

O elemento de precariedade da autorização claramente não se aplica aos casos de

autorização portuária, considerando notadamente a própria natureza da atividade que exige

não apenas capital intensivo, como também a matriz de risco é alta e recai por absoluto sobre

o agente privado.

O Poder Público, ao convocar (chamada pública) ou avaliar propostas (anúncio

público) de interessados na implantação e exploração de um terminal privado, não está

conferindo qualquer espécie de privilégio ao particular, mas, diferentemente, está viabilizando

uma parceria público-privada em sentido amplo consubstanciada em um vínculo contratual

que, no caso, é o contrato de adesão.

Esta parceria envolve, de uma parte, a autorização para o desenvolvimento de uma

atividade que, por força constitucional, é de responsabilidade do Poder Público e, de outra

parte, o compromisso de investir recursos privados na construção e operação de um

empreendimento portuário para o desenvolvimento da atividade objeto da autorização.

Perceba que, de um lado, o objeto é a prestação do serviço e, de outro, é a implantação da

infra e superestrutura física necessária.

Ora, o ônus econômico da implantação do empreendimento, ressalte de absoluto

interesse público, recai exclusivamente sobre o particular detentor do projeto privado.

Diferente não deveria ser. O propósito aqui é reafirmar a necessidade de estabilidade na

relação jurídica travada entre o particular e o Poder concedente do serviço. Posto que a

atividade envolve extensa e complexa matriz de risco e exige grande monta de recursos

financeiros, toda esta engenharia técnica e econômica deve ser amplamente resguardada e

protegida juridicamente.

É crescente o número de doutrinadores que constata o novo modelo empregado pelas

legislações setoriais. Vide, como exemplo, Vitor Rhein Schiraro, ao dizer que:

                                                                                                               113 CÂMARA, Jacintho Arruda. Autorizações administrativas vinculadas: o exemplo do setor de telecomunicações. In ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Forum, 2008, p. 624-625.

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as autorizações passaram, dentre outras finalidades, a ser instrumento de outorga de direito de exploração de atividade desenvolvida no mesmo campo dos serviços públicos, que exigem grande monta de recursos (por exemplo, serviços de telecomunicações e geração de energia elétrica). A discricionariedade e a precariedade deixaram de ser compatíveis com as autorizações, em face do novo papel desempenhado por essas no direito brasileiro114.

Floriano de Azevedo Marques Neto anota que nem todas as características são tão

pacíficas assim, como é o caso do caráter discricionário da autorização, que, embora seja

característico enquanto instituto jurídico, existe previsão legal em sentido contrário, e

exemplifica com o uso de espectro radioelétrico e de uso de potencial elétrico com potência

entre 1.000 e 10.000 kW115.

Outro elemento não pacífico seria o aspecto da precariedade, tendo em vista haver

casos em que é estipulado prazo de vigência (autorização qualificada). De acordo com o

autor, nestes casos, a precariedade cede lugar a alguma estabilidade do vínculo com o

particular, pois se confere direito de se ver mantido o uso privado por certo período de tempo,

o que em si já afastaria a precariedade116.

Já no âmbito das telecomunicações, Jacintho Arruda Câmara aponta que “a receita

reproduzida nos manuais, de acordo com a qual a autorização seria um instrumento precário e

discricionário para exercício de determinada atividade, não é adequada ao perfil instituído

pela LGT. E a lei bem acentuou tais diferenças”.117

Conforme se verifica no trecho abaixo, o estudo do FEP/BNDES, à época da Lei de

Modernização dos Portos, já apontava nesta direção. Senão vejamos:

                                                                                                               114 SCHIRATO, Vitor Rhein. Livre iniciativa nos serviços públicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 57 e ss. 115 “Há alguns pontos, porém, que não se põem tão pacíficos como parece numa olhada mais ligeira sobre a doutrina. Primeiramente, com relação ao caráter discricionário. Embora ele seja característico das autorizações, há previsão legal em sentido contrário para as autorizações de uso de espectro radioelétrico e para autorização de potencial elétrico com potência de 1.000 e 10.000 kW. No primeiro caso, a Lei n. 9.472/97 (antigo 163, § 1o) é expressa em dizer que autorização de uso do espectro (bem público da União) é ato vinculado. No segundo caso, a Lei n. 9.427/96 não é explícita, mas prevê um regime de autorização que não dá margem para a denegação discricionária da outorga de autorização enquadrável nos limites da lei”. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Bens Públicos – função social e exploração econômica – o regime jurídico das utilidades públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 338. 116 “Tenha-se como exemplo a autorização para acréscimo de capacidade de geração com vistas ao aproveitamento ótimo do potencial hidráulico de que cuida o art. 26, V, da Lei n. 9.427/96. No art. 26, § 7o, vemos que aquelas autorizações ‘poderão ser prorrogadas por prazo suficiente à amortização dos investimento’, limitada a vinte anos, o que em si já afasta a precariedade” (Ibidem). 117 CÂMARA, Jacintho Arruda. Autorizações administrativas vinculadas: o exemplo do setor de telecomunicações. In ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas. Ed. Forum, Belo Horizonte, 2008, p. 624.

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[...] a formalização das autorizações, por meio dos contratos de adesão, representa mais uma inconsistência. Por ser ato ‘discricionário’, costuma-se dizer que a autorização, como regra, também é precária, na medida em que admite a revogação a qualquer tempo sem direito à indenização. Entretanto, é possível dizer que, sendo contrato, não há que se falar em precariedade, isto é, revogação sem possibilidade de indenização. ‘Contrato’ e ‘precariedade’ são ideias, em última análise, opostas. A doutrina brasileira mais recente já admite a autorização tanto vinculada como discricionária, a depender de como a lei dispuser. (grifo nosso)

Em função disso, portanto, não se pode manter o atributo da precariedade aplicável às

autorizações enquanto elemento doutrinário de direito público, defendido por alguns autores

presos aos manuais de direito administrativo. A referida característica deve ser afastada das

autorizações portuárias, especialmente após o advento do novo marco regulatório que prevê,

inclusive, a formalização por meio do contrato de adesão (artigo 2º, inciso XII).

5.4.1.1 Obrigações impostas unilateralmente

A nova Lei dos Portos contém dispositivos que, sem a adequada leitura, pode esconder

mecanismos de relevante ingerência estatal na atuação privada. Este é o caso, por exemplo, do

contrato de adesão. Este instrumento negocial, típico das relações privadas de consumo, tem a

finalidade, em linhas gerais, de “impor” unilateralmente os termos contratuais, sendo que, à

parte contrária, cabe aceitá-las ou declinar da negociação.

Não é por acaso que este modelo contratual é amplamente utilizado no âmbito

consumerista, no qual o fornecedor possui a vantagem de estipular os termos em que deseja

disponibilizar seus produtos ou seus serviços à sua base de clientes (sem poder, é claro, violar

as leis e os bons costumes).

Assim, muito embora a atividade portuária seja acessível a todo e qualquer

interessado, não se pode olvidar das limitações que estes particulares ainda enfrentam. O novo

marco legal não se limitou às regras aplicáveis aos procedimentos administrativos às quais

deverão se sujeitar os requerimentos de autorização, prevendo também diversos dispositivos

que influenciam diretamente a fruição da atividade portuária pelo particular.

Em outros dizeres, não obstante as duas vigas mestras da segurança jurídica conferida

às autorizações portuárias – formalização por meio do contrato de adesão e o afastamento de

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seu caráter precário –, existem diversos outros elementos previstos na nova legislação que

merecem especial atenção, pois podem mascarar significativa ingerência estatal na atuação

privada.

Primeiramente, cabe destacar o parágrafo 1º do artigo 8º da Lei n. 12.815/2013 que

traz as cláusulas essenciais que deverão constar dos contratos de adesão celebrados entre a

SEP e o autorizatário após a aprovação do requerimento de autorização pela ANTAQ. A bem

da verdade, o dispositivo excepciona duas cláusulas que são essenciais apenas aos contratos

de concessão e arrendamento. Vejamos: “Art. 12. [...] § 1º A autorização será formalizada por

meio de contrato de adesão, que conterá as cláusulas essenciais previstas no caput do art.

5º, com exceção daquelas previstas em seus incisos IV e VIII”. (grifo nosso)

Assim, todos os incisos do artigo 5º, com exceção dos IV e VIII, devem constar nos

contratos de adesão118. São eles: (i) objeto, área e prazo; (ii) modo, forma e condições de

exploração; (iii) critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade da

atividade prestada, assim como metas e prazos para o alcance de determinados níveis de

serviço; (iv) investimentos de sua responsabilidade; (v) direitos e deveres dos usuários; (vi)

direitos, garantias e obrigações do contratado, inclusive aqueles relacionados a necessidades

futuras de suplementação, alteração e expansão da atividade e consequente modernização,

aperfeiçoamento e ampliação das instalações; (vii) garantias para adequada execução do

contrato; (viii) responsabilidade pela inexecução ou deficiente execução das atividades; (ix)

penalidades e sua forma de aplicação; entre outras.

Perceba que para uma atividade, a princípio, mais flexível e aberta à exploração por

agentes privados, são muitas as cláusulas essenciais do contrato, com destaque para aquelas

ligadas à forma e ao controle de qualidade dos serviços prestados, com metas e prazos

estabelecidos, exigência de investimentos para necessidades futuras de suplementação,

alteração, expansão e modernização da atividade, das responsabilidades e respectivas

penalidades.

O legislador pecou pelo excesso no que tange às cláusulas que deverão compor os

contratos de adesão. Por exemplo, a antiga Lei n. 8.630/1993 restringia a cláusula que versava

sobre os direitos e deveres dos usuários, com as obrigações do contratado e as respectivas

sanções, apenas aos contratos para exploração de instalação portuária de uso público e nunca

                                                                                                               118 Art. 8º [...] § 1º A autorização será formalizada por meio de contrato de adesão, que conterá as cláusulas essenciais previstas no caput do art. 5o, com exceção daquelas previstas em seus incisos IV e VIII.

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para as instalações privadas (artigo 4°, § 5°).

Não obstante a proteção dos direitos e interesses dos usuários seja sempre bem

recebida, observe que o parágrafo 1º do artigo 8º da nova Lei dos Portos incluiu a cláusula

prevista no inciso VI do artigo 5º, que trata justamente dos direitos e deveres dos usuários,

como cláusula essencial aos contratos de adesão nos mesmos moldes dos contratos de

concessão e de arrendamentos.

Esta previsão, atrelada a critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros da qualidade da

atividade prestada, assim como metas e prazos para o alcance dos níveis de serviço, bem

como a responsabilidade pela execução deficiente ou inexecução das atividades, aproxima

sobremaneira os contratos de adesão dos contratos que regem as áreas e instalações públicas

(tornando-o quase um contrato de arrendamento no que se refere à forma de atuação do

terminal privado e ao relacionamento com terceiros usuários).

Observe que a cláusula prevista no inciso IV do artigo 5º, que versa sobre valor do

contrato, às tarifas praticadas e aos critérios e procedimentos de revisão e reajuste, foi

excluída. Logo, no âmbito dos contratos de adesão, não há que se falar em reajustes,

tampouco revisão dos termos contratuais, mesmo porque o empreendedor assume

integralmente os riscos atrelados ao empreendimento, tanto na fase de construção, como

também ao longo de toda a exploração do ativo privado. Esta regra comporta uma exceção.

Trata-se da hipótese de no processo de seleção ser eventualmente utilizado o critério de menor

tarifa (art. 12 § 3º). Para este caso, a agência deverá fiscalizar os preços praticados.

Não obstante o controle de preços seja uma exceção nos casos dos TUPs, deve-se

considerar sempre a competência concorrente para coibir e punir práticas anticoncorrenciais e

que afrontam os direitos dos consumidores. A ANTAQ já dispõe de competência para regular

diretamente o setor de forma a prevenir e coibir práticas lesivas à ordem econômica (art. 20,

inciso II, alínea b, da Lei n. 10.233/01). Mas esta atribuição não dispensa a competência do

Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em atuar nos casos envolvendo

qualquer espécie de conduta anticoncorrencial (art. 31 da Lei n. 10.233/01).

Outras duas ingerências estatais que merecem ser ressaltadas, na medida em que

aproxima indevidamente os termos do contrato de adesão aos termos típicos dos contratos de

concessão e arrendamento são: (i) a limitação da expansão para o terminal de uso privado nos

termos do artigo 33, parágrafo único, inciso II, do Decreto n. 8.033/2013, ao prever que o

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poder concedente poderá dispensar a emissão de nova autorização nas hipóteses de ampliação

da área da instalação portuária que não exceda a 25% da área original, desde que haja

viabilidade locacional; (ii) a realização de investimentos não previstos nos contratos de

adesão depender sempre de prévia comunicação à ANTAQ, nos termos do caput do artigo 42,

também do Decreto n. 8.033/2013.

5.4.1.1.1 Por que prazo máximo para TUPs?

Talvez nenhum potencial de ingerência desperte tanta preocupação quanto o limite

máximo de 25 anos. Não apenas pela limitação em si, mas pela absoluta falta de parâmetro

legal. Ainda que acreditemos que esta limitação temporal possua natureza diversa da

limitação imposta aos contratos de concessão e de arrendamento (cf. a seguir exposto), os

requisitos para renovação do prazo carecem de precisão na sua aplicação.

O parágrafo 2o do artigo 8o diz apenas que o autorizatário deverá manter a atividade

desenvolvida e realizar os investimentos necessários, mas não traça contornos mais precisos

sobre o que seria a manutenção da atividade e quais seriam estes investimentos a serem

realizados pelo proprietário do terminal.

Art. 8º [...] § 2º A autorização de instalação portuária terá prazo de até 25 (vinte e cinco) anos, prorrogável por períodos sucessivos, desde que: I - a atividade portuária seja mantida; e II - o autorizatário promova os investimentos necessários para a expansão e modernização das instalações portuárias, na forma do regulamento.

Primeiramente, no que concerne à manutenção da atividade, esta poderia variar desde

um entendimento mais abrangente - bastando desenvolver qualquer atividade portuária,

independente da capacidade ou movimentação efetiva ou, ainda, a natureza de carga

movimentada (granéis líquidos ou sólidos, vegetais ou minerais, cargas gerais conteirizadas

ou não) - até outra acepção mais restritiva, devendo-se manter, não apenas a vocação do

terminal, como também sua capacidade de movimentação estática, dinâmica ou efetiva.

No caso do segundo requisito - realização de investimentos necessários para a

expansão e modernização das instalações portuárias - a situação é ainda mais preocupante.

Isso porque o dispositivo é desprovido de qualquer parâmetro para nortear tanto o agente

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público na análise da renovação do prazo, quanto o próprio empreendedor para a eventual

necessidade de contraditório.

Perceba que o dispositivo prescreve que o autorizatário deverá promover os

investimentos necessários na forma do regulamento. Ocorre que este regulamento não existe.

Como se não bastasse a insegurança sobre o que seriam os investimentos a serem realizados,

o prejuízo no caso de eventual desentendimento é altíssimo, pois a não renovação da

autorização implica na interrupção imediata da atividade desenvolvida no terminal portuário.

O resultado seria tão grave, em função do impacto que esta interrupção pode ter sobre

a cadeia produtiva/logística, que a alternativa todos nós conhecemos: diante da clara violação

de direito líquido e certo, preenchidos os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in

mora, qualquer liminar, seja ela em sede de mandado de segurança, seja por meio de ação

ordinária com a antecipação de tutela, o autorizatário manteria as atividades.

5.4.1.2 O que se esperar do acesso excepcional de terceiros?

Tema delicado pendente de regulamentação é o acesso excepcional de terceiros. Muito

embora o legislador preveja o amplo acesso aos serviços portuários como diretriz a ser

seguida por todos os agentes do setor, um passo antes, ele previu o aumento da competição

como objetivo central da norma.

Significa dizer, portanto, que esta construção normativa não consiste em mero

preciosismo hermenêutico, mas representa sim a lógica que deve nortear os demais institutos

previstos (e a serem futuramente previstos) pelo arcabouço regulatório, especialmente a

norma infralegal que regerá o acesso excepcional de terceiros.

A norma, com fundamento nos artigos 12, inc. VII, art. 20, inc. II, al. b, art. 27, inc. IV

e XIV, todos da Lei n. 10.233/2001, bem como nos artigos 3º, inc. V, art. 7º e art. 13, todos da

Lei n. 12.815/2013, terá como foco disciplinar as condições de caráter excepcional em que

terceiros poderão acessar as instalações portuárias públicas e/ou privadas.

Mais especificamente, o artigo 13 da Lei n. 12.815/2013 estabelece que “a ANTAQ

poderá disciplinar as condições de acesso, por qualquer interessado, em caráter excepcional,

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às instalações portuárias autorizadas, assegurada remuneração adequada ao titular da

autorização”.

O artigo 47 do Decreto n. 8.033/2013, por sua vez, estabelece o prazo de cento e

oitenta dias contados da data de sua publicação para a realização de consulta pública e a

publicação do respectivo ato normativo. Até o fechamento do presente trabalho, ainda não

havia sido publicado o ato.

A princípio, qualquer interessado poderá utilizar as instalações portuárias privadas,

desde que de forma excepcional. Os autorizatários serão, nestas situações, obrigados a

contratar com terceiros a prestação de serviço no âmbito de suas instalações portuárias

assegurada sempre a adequada remuneração.

Considerando que os contratos a serem celebrados entre as partes seguirão o regime

comum de direito privado, o dever imposto pelo poder concedente vai de encontro com um

dos elementos essenciais ao instituto do negócio jurídico – a autonomia da vontade, a qual

nem sempre estará presente nas relações travadas com os terceiros usuários.

Em função disso, a garantia do acesso excepcional deve ser a mais restritiva possível,

sem frustrar, é claro, o direito assegurado legal e constitucionalmente. Significa dizer que

terceiros não poderão a bel-prazer requerer a utilização dos terminais privados alheios. Eles

deverão se enquadrar em uma das hipóteses previamente estabelecidas pela regulamentação.

Além disso, o ato normativo deverá contar com um procedimento administrativo

próprio em que, possivelmente, a agência reguladora participe do negócio jurídico a ser

celebrado entre as partes, seja por meio de simples aprovação prévia, seja como parte

anuente-interveniente do contrato.

Mostra-se pertinente, ainda, que o interessado no acesso demonstre a qualidade de

dependente do transporte aquaviário, ou seja, ele deve demonstrar que (i) necessita do modal

logístico, bem como (ii) não possui qualquer alternativa economicamente viável, o que

comprovaria a indispensabilidade do acesso.

Vale ressaltar que o ônus comprobatório é do terceiro interessado. Logo, caberá ao

interessado demonstrar, por exemplo, a ociosidade do terminal ou a operação aquém da

capacidade junto à Administração do Porto ou à ANTAQ.

É possível que a Agência estabeleça, inclusive, cotas para a movimentação de carga de

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terceiros, a ser ofertada publicamente numa espécie de balcão de negociações. Como ocorre

em muitos outros institutos do direito, a solução deverá ser dada caso a caso, sendo que as

partes envolvidas deverão levar sempre em consideração o binômio custo e benefício.

Não se pode furtar dos objetivos e diretrizes que a Lei dos Portos elenca, dentre os

quais se destaca a otimização das instalações portuárias a fim de se evitar qualquer

descontinuidade ou subaproveitamento das operações. Referida diretriz aplica-se tanto para a

perspectiva do proprietário da instalação portuária – que deverá disponibilizar a infraestrutura

sempre que esta esteja subutilizada, bem como para a perspectiva do terceiro interessado –

que deverá se adequar às condições técnicas e econômicas do respectivo terminal privado.

A título de ilustração, instalações portuárias, na maior parte dos casos, possuem fases

sazonais, com maior ou menor demanda pelo serviço. É possível dizer que nos casos de baixa

demanda, em que a instalação portuária estiver operando aquém de sua capacidade estática ou

dinâmica, os terceiros interessados terão forte argumento para pleitear junto à ANTAQ o

acesso às operações, desde que haja, é claro, compatibilidade de cargas.

Na linha do artigo 3º da Lei dos Portos, a ANTAQ poderá arbitrar os conflitos

envolvendo o acesso de terceiros e os proprietários dos terminais privados, sendo possível

vislumbrar sua capacidade de determinar ou vetar a movimentação, caso não seja comprovada

a necessidade indispensável.

Sob a ótica da limitação no acesso de terceiros, deve-se tecer algumas considerações

finais: (i) a restrição do acesso de terceiros deverá ser maior nos casos dos TUPs do que nos

terminais públicos; (ii) uma das hipóteses de liberação automática do acesso consiste nos

casos envolvendo relevante interesse público, tais como segurança, abastecimento,

calamidade pública, entre outros.

Outro ponto de desafio será o tratamento em bases não discriminatórias, tanto no que

envolve nível do serviço prestado, como também os preços praticados. Neste sentido, mesmo

sendo possível a ANTAQ arbitrar conflitos e impor obrigações, a resolução deverá prever de

antemão algumas situações como casos de recusa imotivada, prática abusiva de preço,

prestação de serviço falho ou interrupções injustificadas.

Isso demanda uma tarefa nada simples que é a definição de critérios claros e objetivos,

tais como parâmetros que indiquem a indisponibilidade de capacidade estática ou dinâmica de

movimentação, considerando a utilização dos equipamentos ou das instalações já com

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máxima eficiência, ou os níveis de serviço oferecidos.

Desafio ainda maior será identificar práticas de preços abusivos quando o terminal

portuário privado seja verticalizado, representando mero centro de custo integrado à cadeia

logística do proprietário do terminal e da carga movimentada em suas instalações. Nestes

casos, o caminho parece ser adotar uma espécie de terminal espelho para comparar as práticas

e preços comumente utilizados.

Em suma, a utilização, em caráter excepcional, por qualquer interessado, conforme

preconiza a lei, será aplicada em casos de: utilização de equipamentos, quando houver

viabilidade técnica e operacional; quando a instalação portuária tiver ociosidade sazonal e

puder ser utilizada por outro agente no período ocioso; e quando a instalação estiver operando

aquém de sua capacidade estática ou dinâmica, sem que haja uma justificativa operacional.

5.5 Questões posteriores à execução do contrato de adesão

5.5.1 O direito a renovações sucessivas?

Como vimos, o legislador limitou os contratos de adesão, nos mesmos moldes dos

contratos de concessão e arrendamento, ao prazo referencial máximo de 25 anos (art. 8º, § 2º,

da Lei n. 12.815/2013). Ocorre que, a partir de uma leitura sistemática da lei, a natureza

jurídica da limitação imposta aos contratos de adesão não se confunde com a limitação

imposta aos demais contratos.

Isso porque, diferentemente dos contratos de concessão e arrendamento, o

autorizatário de terminal de uso privado possui o direito subjetivo para a manutenção de sua

atividade, desde que observados os requisitos (i) da manutenção da atividade portuária, e (ii)

da realização de eventuais investimentos necessários para a expansão e modernização das

instalações portuárias.

O mesmo não ocorre com os concessionários de portos organizados e os arrendatários

de terminais portuários públicos. Como já tivemos a oportunidade de destacar, a natureza dos

bens envolvidos nas concessões e nos arrendamentos é diferente das autorizações. Enquanto

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  112

estas envolvem, invariavelmente, propriedade ou domínio privado do ativo, aqueles são

sempre bens públicos.

Nos termos do artigo 9o do Decreto n. 8.033/2013, os concessionários e arrendatários

terão seus contratos estabelecidos pelo "prazo de até vinte e cinco anos, prorrogável uma

única vez, por período não superior ao originalmente contratado", sempre a critério do poder

concedente. Depreende-se, assim, limitações de duas ordens:

(i) a primeira no número e na grandeza da prorrogação, sendo certo que contratos de

concessão e de arrendamento poderão ser prorrogados apenas uma única vez e nunca o prazo

previsto para a prorrogação poderá ser superior ao originalmente pactuado (ou seja, caso "a

primeira perna" do contrato tenha sido de dez anos, a "segunda perna do contrato",

prorrogação, não poderá ser superior a dez anos);

(ii) a segunda aloca claramente a decisão sobre a prorrogação na esfera de

competência discricionária do poder concedente (o que, defendemos acima, foi um avanço no

novo marco legal - isso porque esta renovação discricionária não se confunde com a

possibilidade de extensão de prazo decorrente do reequilíbrio econômico-financeiro do

contrato previsto no artigo 14 da Resolução ANTAQ 3.320/2014).

Logo, findo os prazos previstos nas concessões e nos arrendamentos, os bens afetos

deverão retornar à tutela do poder concedente, o qual poderá optar, ou pela renovação dos

respectivos contratos, quando cabível, ou pela reversibilidade dos bens seguida da realização

de um novo certame licitatório, caso seja esta a opção que melhor atinja os interesses públicos

envolvidos (pois a União pode optar pela exploração direta).

Já no caso dos contratos de adesão, o parágrafo 2o do artigo 8o deixa claro que a

autorização é prorrogável por períodos sucessivos sem fazer qualquer menção ao "critério do

poder concedente", como fez no artigo que rege o prazo dos demais contratos. O dispositivo

nos permite considerar que: (i) a prorrogação não está limitada a uma única vez apenas, e; (ii)

bastaria cumprir os requisitos previstos nos dois incisos do parágrafo.

Portanto, é possível inferir que o prazo referencial de 25 anos possui outro viés no

âmbito dos contratos de adesão. Diferentemente dos contratos de concessão e arrendamento,

que o prazo corresponde ao termo do vínculo jurídico estabelecido entre as partes, no caso das

autorizações este prazo referencial encontra-se mais próximo a uma espécie de reapreciação

por parte do poder concedente.

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  113

É justamente aqui que reside o risco-político. Até mesmo a manutenção da atividade

não é algo trivial de se apreciar. Ela não se restringe ao desenvolvimento da atividade

portuária em si, mas atinge o tipo de atividade desenvolvida, ou seja, as características do

terminal e a respectiva carga movimentada. Em outros dizeres, o autorizatário não possui o

livre arbítrio para alterar a destinação do terminal. É o que se extrai do artigo 35 do Decreto:

Art. 35. Não dependerão da celebração de novo contrato de adesão, bastando a aprovação pelo poder concedente: I - a transferência de titularidade da autorização, desde que preservadas as condições estabelecidas no contrato de adesão original; ou II - o aumento da capacidade de movimentação ou de armazenagem da instalação portuária, desde que não haja expansão de área original. Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no caput, o poder concedente poderá, conforme disciplinado em ato do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Portos da Presidência da República, dispensar a emissão de nova autorização nas hipóteses: I - a alteração do tipo de carga movimentada; ou II - a ampliação da área da instalação portuária, localizada fora do porto organizado, que não exceda a vinte e cinco por cento da área original, desde que haja viabilidade locacional.

Neste contexto, o poder concedente reserva a prerrogativa de examinar a manutenção

da atividade ou, na hipótese de sua alteração, averiguar a oportunidade e conveniência de se

celebrar um novo contrato de adesão a fim de prever novas obrigações mais condizentes com

a futura destinação, tais como capacidade e acesso de terceiros.

No que concerne à segunda exigência para a renovação do prazo contratual –

“investimentos necessários para a expansão e modernização das instalações portuárias, na

forma do regulamento” – também deve ser bem analisada sob pena da atuação estatal ensejar

verdadeiro desperdício de recursos em investimentos desnecessário às custas do privado.

Isso porque o dispositivo foi amplo e remeteu a normatização a regulamento próprio

que ainda não foi editado. A ideia do legislador aqui era mitigar as chances do particular

subutilizar a instalação portuária, especialmente em uma região com forte demanda pelos

serviços, para fins especulativos ou até mesmo práticas antieconômicas.

Em outros dizeres, é indesejável ao titular da atividade – União – ter diferentes agentes

privados, titulares de terminais portuários, que não explorem todo o potencial da área que

ocupam, aproximando-se de um cenário de manutenção da reserva de área e mercado que

detenham.

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Entretanto, esta ferramenta pode ensejar abuso por parte do agente público, ao

demandar do autorizatário investimentos descontextualizados da realidade econômica do

terminal. De qualquer forma, quando utilizadas para os fins precipuamente propostos, as

renovações podem converter-se em bons resultados para a capacidade geral do sistema.

5.5.1.1 As hipóteses restritas de extinção da autorização

A nosso ver, a estabilidade jurídica oriunda do contrato de adesão (que afasta o

caráter precário da autorização), bem como o direito à manutenção da atividade decorrente

das sucessivas renovações do prazo estipulado, tornariam as hipóteses de rescisão do contrato

e respectiva extinção da autorização bastante restritivas.

Justamente em função disso, a hipótese do termo final do prazo contratual não é

aplicável aos contratos de adesão. Significa dizer que, findo o prazo contratual, este não se

extingue de pleno direito. Ao contrário, o prazo deve ser renovado, salvo no caso de

desinteresse por parte do particular, o qual deverá notificar a autoridade competente.

Com efeito, as hipóteses de extinção do contrato de adesão podem ser em função: (i)

de rescisão do contrato por iniciativa do autorizatário; (ii) da falência ou extinção do

autorizatário; (iii) descumprimento de cláusula contratual ou de dispositivo legal por parte do

autorizatário, ou; (ii) por motivo de interesse público a cargo da autoridade competente.

As duas primeiras hipóteses são autoexplicativas. Já no que se refere às duas últimas,

vale destacar que a terceira hipótese, para a qual é o autorizatário quem dá causa, deve seguir

o regime da caducidade das concessões, enquanto a quarta hipótese, relacionada à atuação da

autoridade pública, deve seguir os moldes da encampação119.

                                                                                                               119 Art. 37. Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior. Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes. § 1o A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando: [...] § 2o A declaração da caducidade da concessão deverá ser precedida da verificação da inadimplência da concessionária em processo administrativo, assegurado o direito de ampla defesa. § 3o Não será instaurado processo administrativo de inadimplência antes de comunicados à concessionária, detalhadamente, os descumprimentos contratuais referidos no § 1º deste artigo, dando-lhe um prazo para corrigir

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Mais especificamente, nos casos de descumprimento total ou parcial do contrato de

adesão, ou inobservância de algum dispositivo normativo, em que o autorizatário é o

responsável pela violação, a critério do poder concedente, poderá ser unilateralmente

declarada a caducidade do contrato.

Para tanto, deverá ser instaurado processo administrativo em que seja assegurada a

ampla defesa e o contraditório do autorizatário e, ao final, o poder concedente deverá se

pautar pelas disposições legais e contratuais que regem as hipóteses de infrações e respectivas

penalidades, sempre de forma razoável e proporcional ao inadimplemento.

Caso reste configurado descumprimento passível de caducidade, tendo em vista que

não há qualquer espécie de retomada dos bens por parte do poder concedente (o que afasta a

possibilidade de enriquecimento sem causa), não haverá indenização pelos bens não

amortizados. Ademais, o autorizatário não fará jus a qualquer lucro cessante.

Já no que diz respeito à hipótese de extinção do contrato por força do interesse

público a cargo da autoridade competente, a questão é um pouco mais delicada. Isso porque,

não obstante toda a segurança e garantia jurídica que se deve prover aos proprietários de

terminais portuários privados, a titularidade do serviço permanece nas mãos do Estado.

A privatização, nesta configuração vista, não tem o condão de desplubicizar a

natureza da atividade que permanece indicada no artigo 21 da Constituição Federal. Significa

dizer, portanto, que o poder concedente mantém a possibilidade de extinguir a autorização

sempre de forma motivada em função do interesse público envolvido.

Mas a extinção da autorização portuária não é algo simples. Primeiramente, o ato

administrativo deve observar todos os elementos essenciais que o constitui, com especial

atenção aos motivos de fato que justificam a retomada da atividade e a interrupção da mesma

por parte do agente privado.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         as falhas e transgressões apontadas e para o enquadramento, nos termos contratuais. § 4o Instaurado o processo administrativo e comprovada a inadimplência, a caducidade será declarada por decreto do poder concedente, independentemente de indenização prévia, calculada no decurso do processo. § 5o A indenização de que trata o parágrafo anterior, será devida na forma do art. 36 desta Lei e do contrato, descontado o valor das multas contratuais e dos danos causados pela concessionária. § 6o Declarada a caducidade, não resultará para o poder concedente qualquer espécie de responsabilidade em relação aos encargos, ônus, obrigações ou compromissos com terceiros ou com empregados da concessionária. Art. 39. O contrato de concessão poderá ser rescindido por iniciativa da concessionária, no caso de descumprimento das normas contratuais pelo poder concedente, mediante ação judicial especialmente intentada para esse fim. Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput deste artigo, os serviços prestados pela concessionária não poderão ser interrompidos ou paralisados, até a decisão judicial transitada em julgado.

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Com a interrupção da atividade, em razão da extinção da autorização pelo poder

concedente, o particular deverá ser indenizado por todos os investimentos realizados e não

integralmente amortizados, bem como aos lucros cessantes pelo restante do prazo contratual

estabelecido, sem considerar hipótese de renovação.

Além disso, retomar a atividade não significa retomar o ativo privado, ou seja, o

poder concedente possui soberania sobre o serviço público portuário, mas este atributo não

alcança o direito assegurado constitucionalmente da propriedade privada. Logo, a União

interrompe o desenvolvimento da atividade naquela área, mas de forma alguma a assume.

Esta característica é muito importante, não apenas para demonstrar como seria difícil

a motivação necessária para justificar a extinção da autorização, como também eventual

processo para assumir o controle e a operação do ativo privado, caso seja este o objetivo do

poder público.

Para isso, será necessário, primeiramente, um decreto de utilidade pública. Vale dizer

que a assunção do ativo depende de todo um procedimento administrativo de desapropriação,

inclusive, com todas as obrigações que são reservadas, tais como indenização justa, prévia e

em dinheiro.

5.5.1.2 Inaplicabilidade da reversão de bens privados

Mais especificamente, no caso de cassação das autorizações, o poder concedente terá

o fundamento legítimo de expedir decreto de utilidade pública e proceder com a

desapropriação do ativo privado mediante prévia e justa indenização, caso seja esta a atitude

que melhor reflita o interesse público.

Este parece ter sido o entendimento do Poder Executivo Federal ao vetar o § 3º do

artigo 9º da nova Lei dos Portos. Este dispositivo previa penalidade a ser aplicada ao

autorizatário de TUP nas hipóteses de cessação da atividade portuária desenvolvida por sua

exclusiva responsabilidade, fosse pela perda do interesse em operar o terminal antes do prazo

fixado, ou fosse pelo descumprimento dos termos do contrato de adesão firmado.

Conforme já exposto, entretanto, esta característica não afasta o caráter público da

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atividade que continua sob o manto do Estado, ou seja, a não incidência do instituto da

reversibilidade prevista na Lei n. 8.987/95 não torna a exploração dos serviços portuários no

Brasil uma exploração de atividade econômica em sentido estrito.

De acordo com o § 1º do artigo 8º da lei, dentre as cláusulas essenciais que deverão

compor o contrato de adesão, foi excluída aquela prevista no inciso VIII do artigo 5º - “à

reversão de bens”. Logo, não são previstas cláusulas neste sentido.

O regime aplicável aos Terminais de Uso Privado (TUPs), portanto, é o da

autorização, não se confundindo com os regimes jurídicos típicos da permissão ou da

concessão. Logo, entendemos que o regime de reversibilidade não se aplica ao caso na exata

medida em que isso representaria espécie de expropriação de bens privados.

Dizer que os TUPs estariam sujeitos à reversão de bens seria o mesmo que defender

a expropriação de bens privados sem indenização, o que não encontra respaldo na

Constituição que prevê uma única hipótese de expropriação de bens sem indenização, qual

seja o cultivo ilegal de plantas psicotrópicas (artigo 243 da CF).

A partir disso, inclusive, extrai-se a forma lógica de se contornar o problema de

eventual instalação portuária privada desacompanhada da autorização para desempenhar a

atividade. Repare que a autorização, em linha com o previsto no artigo 21 da CF, tem como

objeto a outorga de direitos para a exploração da atividade sem envolver qualquer espécie de

transferência de bem público.

É justamente esta a crucial diferença entre as autorizações e os contratos de

arrendamento. Se por um lado, toda a assunção de um terminal público, por parte do Poder

concedente, deve seguir os preceitos da reversibilidade dos bens públicos, por outro, no caso

da cassação das autorizações, implicaria no impedimento da exploração da atividade sem que

isso implique suposta reversão dos bens.

5.5.1.3 Considerações Finais

A estrutura complexa de parcerias público-privadas em sentido amplo (três espécies de

concessões, o contrato de arrendamento e a autorização portuária formalizada pelo contrato de

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adesão) permitiu que o legislador previsse diferentes arranjos regulatórios desde os níveis

mais altos (normalmente quando envolve áreas e instalações públicas dentro das poligonais

dos portos organizados) até os níveis mais baixos (quando particulares possuem áreas e

instalação portuárias localizadas fora dos limites dos portos públicos).

Além disso, existe uma nova orientação normativa para os Terminais de Uso Privado

(antigos terminais de uso privativo exclusivo ou misto), notadamente uma liberação da

atividade sem qualquer restrição de ordem subjetiva, sendo a emissão da autorização

vinculada ao preenchimento dos requisitos legais, estabilidade jurídica por meio da celebração

do contrato de adesão (o que afastou qualquer dúvida quanto a não aplicação do caráter

precário da autorização), direito à manutenção da atividade a partir de renovações sucessivas

do prazo contratual e contornos mais precisos para a individualização do ativo (bem privado),

sem haver reversibilidade dos mesmos ao termo contratual.

Logo, parcela do serviço público portuário nunca esteve tão próximo da atividade

econômica livre à iniciativa privada. Os que a difere é justamente a manutenção da regulação

do Estado sobre o desenvolvimento da atividade. O verdadeiro desafio do novo marco legal

será não transformar as ferramentas de regulação em um ambiental nefasto a investimento e

interesse público, como preconiza o objetivo central da lei. Existem, portanto, importantes

frentes de ingerência estatal que terão de ser acompanhadas de perto. O problema é que elas

foram previstas de forma muito abrangente e, ao mesmo tempo, superficial, o que abre

enorme flanco de atuação por parte do gestor público.

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6 ASSIMETRIA REGULATÓRIA ENTRE TERMINAIS PÚBLICOS E PRIVADOS

Assimetria regulatória é um termo polissêmico que pode significar, dentre outras

coisas, a diferença na incidência de regramento sobre sujeitos que se encontram em posições,

a princípio, análogas ou equiparadas. Normalmente, a assimetria regulatória é utilizada com

uma conotação negativa, no sentido de privilegiar um sujeito em detrimento de outro, ou seja,

tratar sujeitos iguais, em situações iguais, mas de forma desigual.

De acordo com o estudo do FEP/BNDES120, um dos pontos críticos apontados na LMP

envolvia justamente a assimetria regulatória entre as diferentes formas de exploração da

atividade. Havia, de acordo com o estudo, regulações jurídicas distintas para situações de fato

praticamente idênticas. O estudo foi inconclusivo, contudo, quanto à relevância ou não dessa

assimetria sob o ponto de vista econômico concorrencial.

No recente julgamento do TC 015.916/2009-0, um dos pontos centrais debatidos foi a

alegação de “concorrência assimétrica dos terminais privativos de uso misto em relação aos

terminais de uso público (localizados dentro das áreas dos portos organizados), o que estaria

causando para estes últimos desequilíbrios econômico-financeiros e perda de

competitividade”, uma vez que aqueles operavam sob condições legais mais flexíveis.

Neste ponto, a Corte de Contas invocou a conclusão do Conselho Administrativo de

Defesa Econômica, no sentido da inexistência de competição desleal, pois, a partir da análise

da matéria no âmbito da defesa econômica, restou comprovado que a concorrência entre os

terminais públicos e os terminais privados era saudável e consistia em uma forma eficaz de

incrementar a eficiência do setor portuário brasileiro.

O CADE analisou o tema no bojo do Ato de Concentração n. 08012.007452/2009-31,

sendo que os conselheiros julgaram improcedente a denúncia formulada pela ABRATEC e

argumentaram que não houve a comprovação de efeitos econômicos práticos que levassem a

corte a constatar qualquer espécie de concorrência predatória por parte dos terminais de uso

privativo misto em função dos diferentes níveis de regulação setorial.

Com o advento do novo marco legal do setor portuário, os questionamentos

                                                                                                               120 FEP/BNDES. Análise e Avaliação da Organização Institucional e da Eficiência de adesão do Setor Portuário Brasileiro. São Paulo: Booz & Company, 2012. Bibliografia. 1. Disponível em http://www.FEP/BNDES.gov.br/SiteFEP/BNDES, acesso em 03 de maio de 2014, p. 67-69.

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envolvendo a assimetria regulatória intensificaram-se notadamente em função do aumento da

concorrência entre arrendatários de áreas e instalações portuárias localizadas dentro dos

portos organizados (terminais públicos) e os proprietários de terminais portuários localizados

fora dos portos públicos (terminais privados).

O permissivo que conferiu aos Terminais de Uso Privado movimentar qualquer

espécie de carga, ampliando sobremaneira a atuação destes agentes, gerou sério desconforto

entre os arrendatários, os quais alegam possível concorrência desleal a ponto de impactar

diretamente a operação dos terminais públicos, o que causaria, consequentemente, o

sucateamento dos portos públicos.

Entretanto, esta visão de suposta concorrência predatória e possível sucateamento dos

terminais públicos é míope e não vislumbra, assim como já identificado pelo próprio órgão de

defesa da concorrência, o efeito positivo que os terminais privados provocam sobre o sistema

portuário como um todo, na medida em que forçam arrendatários a investirem na expansão e

modernização de seus terminais para fazer frente à competição.

Verifica-se que o efeito microeconômico é oposto ao alegado pela Associação

Brasileira dos Terminais de Contêineres de Uso Público, ou seja, o fomento à maior

participação de terminais privados no mercado portuário acirra a competição entre os agentes

envolvidos e provoca a oferta de serviços mais adequados a preços cada vez mais acessíveis,

movimento este benéfico aos usuários dos serviços.

Logo, a análise desta postura normativa deve ser vista a partir de uma lógica mais

ampla de política pública. Em outras palavras, não se trata de mero preciosismo legislativo

prever tratamento diferenciado aos terminais privados, muitas vezes em detrimento das

condições comerciais e operacionais dos terminais públicos. Não obstante as interferências de

diferentes grupos de pressão, existe um racional por trás da nova lei. Veremos a seguir.

6.1 A assimetria regulatória vista como instrumento legítimo de política pública

Floriano de Azevedo Marques Neto observa que um dos novos traços da regulação dos

serviços públicos no Brasil é a inserção de competição em setores ainda muito concentrados,

sendo que, nestes casos, o poder público tende a "oferecer ao operador entrante um regime de

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  121

prestação mais brando que aquele dispensado ao prestador dominante, com vistas a acirrar a

disputa pelo mercado, o que, é certo, traz inúmeras consequências benéficas aos usuários de

tais serviços" 121.

Não se trata, portanto, de uma postura dolosa por parte dos legisladores buscando

favorecer um agente em detrimento de outro. No caso específico de portos, não se buscou em

momento algum prejudicar as operações nos portos públicos. Muito pelo contrário. Trata-se

de uma ferramenta de política pública, na qual o fim justifica os meios empregados, mesmo

que estes pareçam prejudiciais em um primeiro momento. Isso é fruto da visão de médio e

longo prazo das medidas anunciadas.

Parece que a postura do Governo Central foi privilegiar soluções mais abrangentes e

com efeitos permanentes em detrimento da remediação pontual e de efeito imediato, mas que

no fundo não solucionaria estruturalmente o setor. Cite-se como exemplo os novos critérios

de seleção dos concessionários, arrendatários e, quando cabível, dos autorizatários, que

substituíram os valores de maior outorga. É uma medida que se surtirem os efeitos esperados,

estes virão apenas no longo prazo, após a licitação dos novos terminais públicos.

De forma prática, temos o seguinte contexto: por diferentes motivos, que vão desde

lobbies muito bem articulados que seguraram a abertura da atividade durante mais de vinte

anos de vigência da LMP, até a própria ineficácia do poder ordenador da agência reguladora,

o setor sofreu com certa estagnação, notadamente frente aos investimentos necessários à

expansão e modernização do sistema como um todo.

O resultado deste cenário foi a manutenção relativamente tranquila daqueles que já

estavam na posse dos terminais portuários. A partir de uma análise mais acurada de práticas

comumente utilizadas no setor, tais como celebração de sucessivos aditivos ou, em casos

                                                                                                               121 "A maior transformação neste cenário parece ser mesmo a introdução da competição em um mesmo serviço com distintas incidências regulatórias, ou seja, com a concomitância entre prestadoras sujeitas ao regime público e ao regime privado, ainda que ambas subordinadas a restrições de acesso para exploração da atividade econômica específica (necessidade de prévia licença - concessão, permissão ou autorização, conforme o caso). É o que ocorre hoje no setor de telecomunicações entre concessionárias e autorizatários do serviço de telefonia fixa; no setor de energia elétrica, onde deveriam competir concessionárias e autorizatárias na geração e comercialização de energia ou, ainda que precariamente, no setor de transporte intermunicipal de passageiros onde competem permissionárias e empresas autorizadas a explorar, em regime regulatório mais brando, tal modalidade de transporte mediante autorização para 'fretamento'. Nestes exemplos, atividades consideradas serviços públicos, são prestadas por competidores sujeitos a níveis de regulação distintos" (MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A nova regulamentação dos serviços públicos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 1, fevereiro, 2005. Disponível na Internet http://www.direitodoestado.com/revista/redae-1-fevereiro-2005-floriano-marques-neto.pdf, p.11 acesso em 07 de março de 2014).

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  122

extremos, a manutenção de contratos inconstitucionais que violavam claramente a regra da

licitação, é possível compreender a estagnação do setor.

Todas estas constatações são reflexos de um setor muito antigo que já passou por

diferentes arranjos regulatórios e que já sofreu ingerência de diferentes organismos

institucionais providos cada qual com diferentes formas de fiscalizar e acompanhar a

execução dos contratos vigentes. A consequência disso foi a consolidação de poderosos

oligopólios em diferentes zonas de influência e de acordo com nichos específicos de negócios.

Não é necessária qualquer reflexão jurídica ou econômica mais profunda para perceber

que os agentes bem colocados no setor atuavam incisivamente para se manter nos mesmos

locais e evitar mudanças regulatórias que impactassem seus respectivos negócios.

Possivelmente, significativa parcela da resistência para a aprovação da nova Lei dos Portos

tenha origem a partir desta conjectura.

André Felipe Canuto Coelho122, sob uma perspectiva da economia do direito, elenca as

espécies de falhas de mercado, dentre as quais, a concentração de mercado a as barreiras de

entrada. Enquanto a primeira caracteriza-se pela ausência de disputa suficiente e adequada,

com agentes capazes de interferir, significativamente, nos níveis de oferta e demanda, a

segunda consiste nas práticas comerciais adotadas pelos agentes já inseridos no mercado para

evitar, ou pelo menos dificultar, a entrada de novos agentes e, assim, restringir a competição.

A assimetria regulatória conferida em prol dos terminais privados pelo novo marco

legal entra em cena justamente neste contexto de concentração de mercado, alta lucratividade,

e de estagnação nos investimentos. Existiam, pelo menos, dois caminhos para o legislador

adotar: o primeiro, mais artificial, intensificaria o controle formal e a atuação regulatória; já o

segundo, buscaria um caminho mais natural, no qual os resultados seriam alcançados a partir

da própria atuação dos agentes inseridos em um regime de competição e com atuação

marginal dos organismos de controle. O legislador optou pelo segundo caminho.

Era preciso intensificar a competição entre os terminais, tanto públicos, como também

privados, pois, muito embora existissem alguns nichos e algumas regiões nos quais já era

possível vislumbrar certo nível de competição suficiente para proporcionar preços mais baixos

e níveis de serviços mais satisfatórios, esta não era a regra na maior parte dos portos

                                                                                                               122 COELHO, André Felipe Canuto. A necessária interação entre o direito e a economia diante da regulação do Estado na ordem econômica. Revista de Direito Administrativo e Constitucional, n. 27, jan./mar., 2007, p. 194/195.

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  123

brasileiros.

O número de terminais de uso privativo misto não era suficiente para fazer frente aos

terminais públicos, pois as restrições na movimentação de cargas de terceiros afugentavam

relevante parcela de investidores. Em determinados nichos de serviços, inclusive, era vedada a

implantação de terminais privativos, como ocorria nos terminais vocacionados para

movimentação de cargas gerais conteinerizadas (pois esta espécie de atividade não é típica de

agentes verticalizados para a movimentação de carga própria).

Vale dizer que a exploração portuária no Brasil ainda não era um negócio empresarial

em si. A atividade consistia em um elo dentro de uma cadeia logística que, excepcionalmente,

poderia movimentar carga de terceiros. Não bastasse a insegurança jurídica generalizada (o

que por si só afastava investimentos), a restrição foi gradativamente aumentando ao longo dos

anos (conforme exposto acima)123.

De acordo com Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara,

a assimetria regulatória constitui um instrumento legítimo para a implementação de políticas públicas em setores sujeitos à normatização estatal. Emprega-se essa ferramenta, basicamente, para estimular o surgimento de novos operadores em segmentos da economia onde já exista a presença de agentes fortemente consolidados. Trata-se, portanto, de maneira de fomentar a competição e não de frustrá-la.124

Em linhas gerais, a revisão do marco legal portuário buscou mitigar as barreiras de

entrada a novos players. Ainda que houvesse diferentes frentes de ação, a principal delas foi

justamente a liberação dos terminais privados a todo e qualquer interessado sem qualquer

restrição de cargas, chegando muito próximo à típica exploração de atividade econômica em

sentido estrito.

O legislador sabia que a balança pendia para um dos lados que, no caso, era favorável

aos arrendatários de terminais públicos. Estes contavam, não apenas com a restrição de cargas

nos terminais de uso privativo misto, como também com instalações portuárias bem

                                                                                                               123 Diante da falta de articulação política centralizada (pois à época do antigo marco legal o setor era fragmentado com viés regional), o caminho foi rever a lei regente como um todo e buscar mudar o seu racional de forma contundente – verdadeiro choque de realidade. Esta postura assustou, especialmente em função de vir desprovida de diálogo com os diferentes indivíduos envolvidos e que seriam diretamente impactados. 124 SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Terminais portuários de uso privativo misto: as questões de constitucionalidade e das alterações regulatórias. Revista de Direito Público da Economia (RDPE), Belo Horizonte, ano 10, n. 37, jan./mar. 2012, p. 11.

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localizadas e em plena operação, melhores acessos terrestres e marítimos, compartilhamento

de dragagem e manutenção do calado, base de clientes consolidada, entre outros.

As vantagens acima posicionavam os proprietários de arrendamentos de áreas e

instalações portuárias em uma zona de conforto, com baixa concorrência e grande poder de

barganha frente aos usuários dos serviços. Ademais, o incentivo para a realização de

investimentos em expansão e modernização dos terminais era diretamente proporcional às

projeções de maiores receitas ou redução nos custos, ambos os aspectos ligados à

maximização do lucro e não à consecução do interesse público.

O legislador buscou justamente equilibrar esta balança. Previu, assim, um sistema

mais flexível para os terminais privados, o qual possibilitaria não apenas a entrada de novos

players, como também a sobrevivência dos mesmos. Aliás, este tratamento em diferentes

níveis de regulação não proporciona qualquer garantia de sobrevivência aos novos terminais,

os quais deverão capturar parcela dos usuários a partir de serviços de melhor qualidade e/ou

melhores preços.

Ainda de acordo com Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara,

constatada a dificuldade de nova entrada de competidores, o Estado regulador constrói um ambiente normativo diferenciado, no qual os novos agentes se sujeitem a menos encargos do que os antigos, dominantes do mercado. Cria-se, assim um ambiente normativo propício para o crescimento da oferta de serviços e de maior competição entre agentes econômicos.125

Ora, este mecanismo no formato descrito pelos autores coaduna-se perfeitamente com

as diretrizes e objetivos trazidos pela nova Lei dos Portos, a qual erigiu justamente o estímulo

à concorrência, mediante o incentivo da maior participação do setor privado, com garantia da

modicidade das tarifas e dos preços praticados no setor, da qualidade da atividade prestada,

modernização e do aprimoramento da adesão e eficiência das atividades.

Os mecanismos utilizados para contrabalancear os pesos podem ser elencados sob o

ponto de vista: (i) gerencial, com destaque à exploração regida pelo direito privado; (ii)

regulatório, proporcionando estabilidade jurídica com a celebração do contrato de adesão e

direito a renovações sucessivas, e; (iii) operacional, poupando os autorizatários, por exemplo,

                                                                                                               125 SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Terminais portuários de uso privativo misto: as questões de constitucionalidade e das alterações regulatórias. Revista de Direito Público da Economia (RDPE), Belo Horizonte, ano 10, n. 37, jan./mar. 2012, p. 12.

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de contratarem mão de obra avulsa via OGMO (Órgão de Gestão de Mão de Obra).

Mesmo com o fim do monopólio legal remanescente, e a respectiva liberação do

mercado, ainda permanecem alguns dificultadores relevantes para a instalação de terminais

privados. Todos eles ligados à característica central de serem “greenfields”, ou seja, salvo

aquisições de terminais operacionais, precisam ser construídos e instalados do zero sem

qualquer infraestrutura básica pronta.

Os interessados nos terminais privados, portanto, necessitam de capital mais intensivo

quando comparado ao necessário para o arrendamento de um terminal público em operação,

mesmo considerando que este virá acompanhado de obrigações de expansão e modernização

das instalações (ou, antigamente, acompanhado do valor de outorga, que era o critério de

seleção utilizado nos leilões).

Dentre os principais fatores questionados pelos atuais arrendatários frente ao novo

marco legal, destacam-se: (i) a necessidade de pagamento dos antigos valores de outorga; (ii)

obrigatoriedade de contratar mão de obra avulsa por meio dos OGMOs; (iii) necessidade de se

observar as normas impostas pelas autoridades portuárias, como a limitação de horário para

operação; (iv) ter de se submeter à regulação de tarifas e demais obrigações impostas pelo

poder concedente; (v) arcar com as tarifas operacionais impostas pela administração portuária.

Todos os argumentos são legítimos e, de certa forma, corretos. Ocorre que, além da

opção tomada pelo legislador (conforme acima exposto) que dispensaria a necessidade de

rebater ponto a ponto, alguns argumentos não merecem prosperar. Isso porque eles também

sofreram mudanças com o advento do novo marco legal e, se ainda produzem efeitos, será por

pouco tempo até não restarem institutos do antigo marco legal.

Este é o caso, por exemplo, dos valores pagos a título de outorga. De duas, uma: ou

eles serão excluídos com a adaptação dos contratos em curso e substituídos por obrigações

atreladas a maiores investimentos na expansão e modernização do terminal; ou eles

permanecerão, mas os atuais arrendatários não assumirão novas obrigações relacionadas ao

incremento na capacidade operacional de seus respectivos terminais.

O outro ponto envolve a regulação tarifária. A necessidade de controle nas tarifas

praticadas não mais será em função da atuação da agência reguladora, mas sim em função da

própria competição entre os terminais, sejam eles públicos ou privados. Logo, o contexto de

assimetria regulatória, ao contrário dos questionamentos, não tende a gerar impactos pelo

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menos quanto a estes dois itens.

Entretanto, conforme se verá no próximo tópico, existem alguns aspectos oriundos da

assimetria regulatória existente que podem, sim, gerar, no futuro, desequilíbrio no

comportamento dos agentes, na medida em que o nível de competição entre os terminais

públicos e privados for se acentuando. Esperamos, igualmente, uma reação do gestor público

em adaptar a política pública e corrigir as respectivas distorções.

6.2 Efeitos desejáveis e indesejáveis que os terminais privados tendem a exercer sobre os

terminais públicos

Conforme apontamos acima, a Lei dos Portos trouxe uma nova estrutura de modelos

que conferiu maior liberdade ao gestor público para fazer uso do instrumento que julgar mais

adequado à consecução do desenvolvimento do setor conforme suas características, podendo

variar desde um modelo de regulação mais rígido (quando envolver áreas e instalações dentro

dos portos organizados) até uma regulação mais flexível (envolvendo sempre bens privados).

O modelo conferido pela lei às autorizações portuárias consiste na outorga de direito

para a exploração de um serviço público, mas que não envolve a transferência de qualquer

ativo público. Em função disso, optou-se pela possibilidade de um modelo mais flexível, em

que o particular pode explorar a atividade por meio do regime comum de direito privado,

contando com maior liberdade gerencial, comercial e operacional.

A adoção dessa regulação mais branda para as atividades desenvolvidas fora dos

limites das poligonais dos portos organizados (públicos) consiste em uma opção legislativa, o

que não afasta, sempre que necessário, a intervenção do Estado sobre o exercício desta

atividade, o qual permanecerá responsável pela fiscalização da adequação e segurança na

prestação dos serviços relacionados.

O efeito primário esperado deste arranjo coincide com o discurso político para a

aprovação do novo marco legal, qual seja a concepção de que o aumento da capacidade geral

do sistema, com a consequente queda nos preços praticados e o aumento na qualidade dos

serviços prestados, ocorreria de forma gradual a partir do incremento da concorrência entre os

terminais portuários.

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  127

Vale destacar que esta concorrência não se limitaria à competição entre terminais

públicos e privados, mas abrangeria, indiscriminadamente, a competição entre os próprios

terminais privados localizados dentro ou fora dos portos organizados ou a competição entre

terminais públicos localizados dentro ou fora da mesma hinterlândia dos portos públicos em

que se encontram.

Em linhas gerais, portanto, o novo marco regulatório tem seu mérito, ao passo que

trouxe elementos que guardam pertinência com a política pública a que se propunha – forçar

um choque de oferta nos serviços portuários e evitar qualquer espécie de restrição de

capacidade no futuro, o que provocaria efeitos nefastos em toda a cadeia produtiva do país,

especialmente naquelas dependentes do escoamento da produção para o comércio exterior.

Um dos racionais sempre foi visualizar o Brasil não como um fim em si mesmo, mas

dentro de um contexto internacional, no qual a competição entre os portos nacionais pudesse

trazer incentivos práticos que aumentassem a produtividade do sistema como um todo,

fazendo frente às demais cadeias produtivas e logísticas ao redor do mundo e tornando o

Brasil cada vez mais competitivo.

Não se nega, contudo, que esta postura afirmativa do Estado tem potencial de ensejar

algumas externalidades negativas. Mas este potencial não exclui a possibilidade de alguns

elementos do novo marco legal serem revistos a qualquer momento. Aliás, nenhuma política

pública, muito menos qualquer marco regulatório, tem a pretensão de ser rígido e imutável.

Muito pelo contrário. O gestor deve ficar atento aos efeitos práticos das políticas

públicas em curso e, na medida em que os problemas tomem contornos mais nítidos, pensar e

implementar novas políticas a fim de corrigir distorções. Repare que esta é justamente a forma

como as políticas públicas funcionam – elas possuem sempre como objeto situações

dinâmicas em constante evolução.

Conforme oportunamente mencionado, o CADE apreciou importantes aspectos

econômicos oriundos da assimetria regulatória existente entre os terminais públicos e privados

nos autos do Ato de Concentração n. 08012.007452/2009-31, que julgou improcedente a

denúncia formulada pela ABRATEC. O Conselheiro Relator, César Costa Alves de Mattos,

fundamentou seu voto dizendo, em linhas gerais, que:

(i) não há assimetrias sistemáticas de custos intrínsecas em favor de terminais de uso

público ou misto e as motivações econômicas usualmente observadas para a distinção entre

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  128

regimes de prestação pública e privada não estão presentes no setor portuário, o que sugere

que uma convergência dos regimes seria desejável;

(ii) não existe “uma obrigação de universalização e continuidade dos serviços

ofertados pelos terminais públicos que pudesse gerar a prática de cream-skimming126”,

tampouco existe prática de free riding visto que todos os terminais pagam as mesmas taxas

quando utilizam os serviços comuns oferecidos pelos portos organizados;

(iii) no que concerne aos investimentos, verifica-se que a rentabilidade dos terminais

públicos e privativos tendem a ser semelhantes no longo prazo, isso porque os valores pagos

nos leilões públicos levam em conta a estrutura de mercado e a concorrência em que estão

inseridos;

(iv) todos os terminais são obrigados a se valerem dos OGMOs para a contratação de

mão de obra avulsa, o que aumenta de forma generalizada o Custo Brasil.

Vale destacar, entretanto, que esta configuração sofreu mudanças em função do

regramento dado pelo novo marco legal. Logo, diferentemente do constatado pelo

Conselheiro, alguns aspectos tendem a impactar economicamente a atuação dos terminais

públicos no médio e longo prazo.

Talvez o exemplo mais claro disso, seja a submissão à contratação de mão de obra

avulsa via OGMO. Os Terminais de Uso Privado não mais contratam por meio dele, sendo

certo que esta prática tende a favorecer economicamente os proprietários desta classe de

terminais com a clara redução de custos.

Como dissemos, este fator, ao lado de outros que influenciem assimetricamente a

atividade dos terminais portuários, conforme o regime de competição for se acentuando,

deverá ser revisto pelo formador de política pública. Caso contrário, a concorrência entre os

terminais públicos e privados tornará efetivamente desleal e predatória.

                                                                                                               126 Prática de reter os serviços ou usuários mais “simples” e/ou rentáveis de modo a obter número maior de operações dentro de um intervalo de tempo.

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7 CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que o novo marco legal de portos buscou essencialmente

provocar um choque de oferta nos serviços portuários brasileiros, por meio do incremento da

eficiência e da capacidade geral do sistema. Para tanto, abriu frentes de ação, algumas menos

incisivas e/ou mais polêmicas ou de complexa aplicação prática.

Pelo lado dos portos e terminais públicos, os novos critérios de seleção, que

substituíram o maior valor de outorga, refletem bem a orientação da nova Lei dos Portos.

Mais do que intervir diretamente na regulação tarifária, o poder concedente se valeu de

critérios que influenciam diretamente a eficiência e a capacidade dos terminais públicos.

Trata-se do critério de maior capacidade de movimentação, que pode ser estática,

dinâmica ou efetiva, e do critério de menor tempo de movimentação, que pode ser por tipo de

embarcação, por espécie de carga operada ou qualquer outro elemento de aferição do

desempenho operacional do terminal portuário.

Espera-se, com isso, o rápido incremento na capacidade estática e dinâmica das

instalações operacionais, a ponto de o arrendatário verticalizado, que utiliza o ativo público

majoritariamente para uso próprio, passar a oferecer slots cada vez mais frequentes em função

da maior ociosidade de suas operações.

Isso porque, para cumprir com o lance do arrendatário que se sagrou vencedor no

leilão, o incremento da capacidade e/ou eficiência do terminal pode superar o aumento da

movimentação de carga própria, o que fará com que o operador busque carga de terceiros para

preencher os espaços vazios na movimentação do terminal público.

Demos ênfase ao arrendatário de cunho verticalizado, pois o arrendatário vocacionado

à prestação do serviço portuária a terceiros já possui todos os incentivos necessários para a

expansão e modernização das instalações, com o incremento da capacidade e da eficiência nas

operações para redução de custos e aumento da margem de lucro.

Outro ponto de destaque, no que envolve áreas e instalações públicas, consiste na

diretriz para a otimização das áreas dentro dos portos organizados. Este atributo da lei

atrelado ao poder discricionário do poder concedente em não renovar contratos de

arrendamento vigentes, possibilita importante ganho de escala e eficiência com a reordenação

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e com eventuais agrupamentos de áreas contíguas.

Perceba que são medidas que, por um lado, fazem jus ao objetivo central da norma de

provocar um verdadeiro choque de oferta no setor, mas que, por outro, podem provocar

concentração de agentes, privilegiando, de certa forma, os grandes players do mercado. É

justamente em função disso que a lei não alcançará sua plenitude sem antes haver uma

atuação mais incisiva das instituições responsáveis pelo bom funcionamento do setor.

O próprio legislador conferiu alguns mecanismos que, se efetivamente implementados,

podem fazer com que o cenário de concentração não seja prejudicial ao sistema. Trata-se da

mudança de dois paradigmas. O primeiro deles é aquele que não confia ou não aceita

competição no âmbito do serviço público portuário. O segundo é aquele que considera

inaceitável a utilização do terminal público para uso exclusivo de um particular.

Apenas a partir da ruptura destes dois paradigmas - possibilitar a destinação de um

terminal público para uso majoritariamente privado (sempre observados os princípios da

licitação, da ampla concorrência, da publicidade e da igualdade), e acreditar na inserção e

manutenção de um regime de competição suficiente para ofertar serviços de qualidade a

preços mais baixos - é que o novo marco legal de portos poderá ser eficaz.

Especialmente no âmbito dos portos e terminais públicos, a nova orientação normativa

deve vir, impreterivelmente, acompanhada da mudança de mentalidade dos que atuam no

setor, assim como dos intérpretes da norma. Será preciso rever conceitos, tais como acesso de

terceiros, formas indiretas de se atingir a universalidade do sistema, tarifas cada vez mais

reguladas pelo próprio regime de competição, entre outros.

Todas as considerações envolvendo portos e terminais públicos são necessárias, pois

exercem e recebem influência direta dos portos e terminais privados. O sistema portuário

brasileiro nunca esteve tão entrelaçado como agora - a figura da hinterlândia de um porto

público hoje é quase impossível de se estabelecer com precisão. Os dois campos de atuação -

público ou privado - não podem mais ser vistos de forma isolada e estanque.

A segunda frente de ação no novo marco legal, qual seja a possibilidade de exploração

portuária também por particulares por meio de terminais privados (TUPs), tende a exercer

cada vez maior influência na forma de atuação das instalações portuárias públicas, o que

afetará inclusive a forma como o poder concedente visualiza o setor e traça suas políticas

públicas e o planejamento estratégico setorial.

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Os TUPs (Terminais de Uso Privado), que a depender de sua grandeza podem ter as

características de um porto privado, localizado sempre fora das poligonais que circunscrevem

os portos organizados, constituíram o verdadeiro cerne do presente trabalho e podem ser

considerados um dos mais importantes avanços do novo marco legal, importante ferramenta

na busca pelo choque de oferta de serviços no setor.

Isso porque a nova Lei dos Portos extinguiu qualquer espécie de diferenciação na

destinação dos TUPs, o que significa dizer que, hoje, não existe mais a distinção entre uso

privativo exclusivo ou misto, tampouco distinção entre carga própria ou de terceiros. Não

apenas o acesso à exploração da atividade, como também a própria destinação dos serviços,

não possuem, hoje, qualquer restrição (pelo menos direta).

Surge, assim, a atividade portuária vista como um ramo acessível à exploração

econômica pelos particulares, sem afastar, contudo, a intervenção do Estado na figura de ente

público constitucionalmente responsável pela mesma. Muito embora a atividade desenvolvida

no âmbito destes terminais privados permaneça com o status de serviço público por força

constitucional, ela recebe tratamento diferente da atividade desenvolvida no âmbito dos ativos

portuários públicos que, quando delegada, é feita através da concessão (porto como uma

unidade) ou do contrato de arrendamento (áreas e instalações fracionadas).

Justamente em razão das atividades desenvolvidas no âmbito dos terminais privados

não perderem a qualidade de serviço público, assim como de se valerem da autorização para a

outorga do direito de exploração por particulares, é que percorremos brevemente a evolução

do clássico conceito de "serviço público" e do instituto da "autorização" como elemento

pertencente à ciência do Direito Administrativo.

Notamos, a partir disso, que as grandes resistências para a utilização da autorização

portuária em sua atual configuração são oriundas de opções legislativas que não se enquadram

nas concepções doutrinárias mais tradicionais, tais como a impossibilidade de delegação de

serviço público por meio de autorização e, muito menos, sua exploração fora do regime

especial de direito público.

Ocorre que, no caso dos Terminais de Uso Privado o legislador optou por um regime

mais flexível que permite a qualquer particular proprietário de área privada pleitear a

autorização portuária, desde que preenchidos os requisitos legais exigidos e sem ter de passar

por um processo de licitação, como ocorre na concessão e no arrendamento que sempre

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envolvem infraestrutura de natureza pública.

Além disso, com o fim da restrição imposta à movimentação de cargas não

pertencentes ao proprietário do terminal, os potenciais interessados na implantação de um

terminal portuário não mais se restringem apenas aos detentores de carga própria, ou seja, a

Lei dos Portos abriu significativamente o horizonte para a implantação de novos

empreendimentos privados, favorecendo o ambiente de livre concorrência.

Esta frente de ação encontra-se em linha com a orientação normativa conferida pelo

legislador – promover um choque de oferta no setor com a inserção de novos agentes no

mercado. Para se vislumbrar a constitucionalidade desta orientação, entretanto, é preciso se

desprender da visão rígida e estanque do campo de atuação privado diametralmente oposto ao

campo reservado ao Estado, como se existisse um abismo separando estes dois mundos.

Como tivemos a oportunidade de observar, não existe um modelo único e uniforme na

forma como o Estado provê a sociedade dos serviços essenciais erigidos pela Constituição

Federal, sendo que a Administração Pública possui margem para optar tanto pelo instrumento

de delegação mais adequado, quanto pelo regime em que o serviço atingirá mais eficazmente

o interesse público envolvido.

Como apontou Vera Monteiro, "é comum na legislação infraconstitucional a existência

de várias espécies de concessão e de vários modelos de prestação de serviços à coletividade,

que não guardam, necessariamente, uniformidade entre si", sendo que no setor de portos o

legislador optou por um modelo de competição com a atuação conjunta de ambas as esferas

pública e privada.

Logo, o campo infraconstitucional também reserva diversos desafios, igualmente

complexos, que devem ser superados pela doutrina mais tradicional, a começar pela releitura

dos clássicos atributos da "autorização" como instituto de direito público - ato administrativo

unilateral, discricionário, precário, proveniente do poder de polícia estatal, absolutamente

inadequado para a delegação de serviços públicos.

Primeiramente, a noção de precariedade da autorização não se aplica ao caso dos

portos. Isso porque a própria natureza da atividade, que exige capital intensivo e longo prazo

de amortização dos investimentos, não comporta a insegurança proveniente do viés precário

típico da autorização. Em suma, a construção e operação de um terminal portuário demandam

estabilidade e previsibilidade na relação jurídica estabelecida entre Estado e agente privado.

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Não é por menos que o legislador prevê a celebração de um instrumento jurídico

bilateral e sinalagmático entre autorizatário e poder concedente, denominado contrato de

adesão. Conquanto este não seja um modelo negocial típico de direito público, ele permite,

por um lado, a oportunidade do poder concedente impor determinadas obrigações

unilateralmente (característica dos contratos de adesão) e, por outro, conferir a estabilidade e

segurança que o negócio jurídico demanda.

Os elementos da unilateralidade e da discricionariedade também devem ser vistos com

reservas, inclusive em dois momentos distintos - tanto na emissão da autorização, como

também nas renovações de prazo. Isso porque para se garantir o acesso indiscriminado da

autorização portuária, bem como evitar imposições arbitrárias e desarrazoadas, é preciso

tornar a apreciação do gestor público a mais objetiva possível, estritamente vinculada aos

requisitos e parâmetros previstos na lei regente.

Mas como foi possível notar no Capítulo 5, é neste contexto que grandes incertezas

maculam o êxito do modelo, sendo que, a depender do comportamento do poder concedente

na figura da Secretaria de Portos, bem como na regulamentação de alguns pontos em aberto, a

emissão das autorizações, a imposição unilateral de obrigações, assim como a manutenção da

atividade pelo autorizatário, ficarão ao solto escrutínio do agente público, o que aumenta

consideravelmente o risco político-regulatório e, até mesmo, o sucesso do modelo dos TUPs.

Não obstante estas dificuldades, uma coisa é fato - o modelo da autorização, como

instrumento legítimo de outorga de serviço de titularidade pública, para a exploração da

atividade em um regime jurídico mais flexível, com maior liberdade empresarial, propício à

entrada de novos agentes econômicos num ambiente de competição saudável, vingou mais

uma vez, seguindo o caminho de inúmeras outras legislações setoriais.

Em função disso, foi preciso lembrar que determinadas características típicas dos

instrumentos de delegação de serviço público não se aplicam, pelo menos da mesma forma,

ao caso das autorizações que veiculam a outorga de direito de exploração e não um bem

público em si. Com efeito, verificamos que não se aplicam a regra da licitação, a cessão da

atividade findo o prazo máximo da autorização e a reversão dos bens privados.

Por fim, mas não menos importante, o Capítulo 6 tratou da assimetria regulatória

existente entre os terminais públicos e privados vista como um instrumento legítimo de

política pública que visa a mitigação da barreira para a entrada de novos players no mercado.

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Tivemos a oportunidade de ver que esta postura legislativa não apenas é possível como

também necessária à consecução dos objetivos da nova Lei dos Portos.

De forma prática, os TUPs servirão como um instrumento de inserção de competição e

desenvolvimento do setor. O aumento da competição provocado pela proliferação dos TUPs

tende a compelir os proprietários de terminais públicos a realizar investimentos para fazer

frente aos serviços prestados pelas novas instalações portuárias privadas localizadas fora dos

portos organizados.

Em função desta conjectura, já era esperada forte reação por parte daqueles que

ficaram descobertos pelas restrições legais que impunham barreiras aos novos entrantes.

Significa dizer que, sem prejuízo do assunto voltar a ser discutido no futuro, parece não fazer

sentido, atualmente, que o acirramento na concorrência entre terminais públicos e privados

seja de alguma forma desleal ou predatória.

Os prós e contras de cada qual parecem se equilibrar no curto e médio prazo, tanto

pelo aspecto econômico, quanto pelo próprio aspecto regulatório. Como dito, o assunto

poderá voltar a ser discutido, na medida em que nenhuma política pública é estanque. Ao

contrário, é de suma importância revê-las de tempos e tempos, a fim de ajustar eventuais

distorções ou, até mesmo, adequar às novas realidades.

Realmente existem pontos não desprezíveis com o potencial de, no longo prazo, após a

efetiva consolidação do regime de competição, impactar negativamente os terminais públicos.

Talvez o principal fator seja a falta de liberdade na contratação de mão de obra avulsa, assim

como ocorre no âmbito dos terminais privados. Este fator pode impactar significativamente os

custos dos terminais públicos.

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BIBLIOGRAFIA

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