Por um trabalho: fator de equilibrio

7
11~l1 COLABORAÇÃO INTERNACIONAL POR UM TRABALHO, FATOR DE EQUILíBRIO* Christophe Dejours, Dominique Dessors e François Desrlaux. Professores do Conservatoire National des Arts et Métiers, Laboratoire de Psychologie du Travail, Paris, França. Tradução de Maria Irene S. Betiol, revista por Edith Seligmann Silva, Professoras do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da EAESP/FGV. * RESUMO: A atividade profissional não é só um modo de ganhar a vida - é também uma forma de inserção social on- de os aspectos psíquicos e físicos estão fortemente implica- dos. O trabalho pode ser um fator de deterioração, de enve- lhecimento e de doenças graves, mas pode, também, consti- tuir-se em um fator de equiltbrio e de desenvolvimento. A possibilidade da segunda hipótese está vinculada a um tra- balho que permita a cada indivíduo aliar as necessidades fí- sicas, o desejo de executar a tarefa. 98 Revistade Administraçãode Empresas * PALAVRAS-CHAVE: Organização do trabalho, condições de trabalho, trabalho equilibrante, saúde mental. * ABSTRACT: The professional activity isn't only a way of life: it is also a means of social insertion where the psychic and physical aspects are strongly concerned. Working can be a factor of deterioration, of aging and serious diseases, but it can also be a factor of equilibrium and self develop- ment. The possibility of the second hypothesis is linked to a kind of work that allows each person to combine his physical needs to his desire of doing the task. * KEY WORDS: Organization of work, working condi- tions, work as a factor of equilibrium, mental health. * Artigo publicado originalmente sob o título Pour un travail facteur d'équilibre, Cahiers de la mutualité dans l'entreprise, n" 11, novembre 1984, Santé et conditions de travail, Paris, França. São Paulo,33(3):98-104 Mai./Jun. 1993

description

Por um trabalho: fator de equilibrio

Transcript of Por um trabalho: fator de equilibrio

  • 11~l1COLABORAO INTERNACIONAL

    POR UM TRABALHO, FATOR DE EQUILBRIO* Christophe Dejours, Dominique Dessors e

    Franois Desrlaux.Professores do Conservatoire National des Arts et Mtiers,Laboratoire de Psychologie du Travail, Paris, Frana.

    Traduo de Maria Irene S. Betiol, revista por EdithSeligmann Silva, Professoras do Departamento deFundamentos Sociais e Jurdicos da Administraoda EAESP/FGV.

    * RESUMO: A atividade profissional no s um modo deganhar a vida - tambm uma forma de insero social on-de os aspectos psquicos e fsicos esto fortemente implica-dos. O trabalho pode ser um fator de deteriorao, de enve-lhecimento e de doenas graves, mas pode, tambm, consti-tuir-se em um fator de equiltbrio e de desenvolvimento. Apossibilidade da segunda hiptese est vinculada a um tra-balho que permita a cada indivduo aliar as necessidades f-sicas, o desejo de executar a tarefa.

    98 RevistadeAdministraode Empresas

    * PALAVRAS-CHAVE: Organizao do trabalho, condiesde trabalho, trabalho equilibrante, sade mental.

    * ABSTRACT: The professional activity isn't only a way oflife: it is also a means of social insertion where the psychicand physical aspects are strongly concerned. Working canbe a factor of deterioration, of aging and serious diseases,but it can also be a factor of equilibrium and self develop-ment. The possibility of the second hypothesis is linked toa kind of work that allows each person to combine hisphysical needs to his desire of doing the task.

    * KEY WORDS: Organization of work, working condi-tions, work as a factor of equilibrium, mental health.

    * Artigo publicado originalmente sob o ttulo Pour un travailfacteur d'quilibre, Cahiers de la mutualit dans l'entreprise,n" 11, novembre 1984, Sant et conditions de travail, Paris,Frana.

    SoPaulo,33(3):98-104 Mai./Jun. 1993

  • POR UM TRABALHO, FA TOR DE EQUILBRIO

    Esta maneira to banal, em nossa lin-guagem cotidiana, de interrogar algumsobre sua atividade profissional, traduzbem a importncia concedida ao traba-lho no conjunto de nossa vida, No sum modo de ganhar a prpria vida, um status social ao qual se associam, svezes, uma roupa especfica, um voca-bulrio particular. um lugar, uma f-brica, um escritrio, um ateli, onde sepode estar isolado ou integrado em umaequipe, confrontado a seus colegas, aseus clientes, em diferentes nveis hie-rrquicos, em um clima de solidariedadeou de conflito. tambm uma parte im-portante do dia ou da noite, da semana,do ano, um tempo em ruptura ou, aocontrrio, coerente com aquele dos laze-res, da famlia, das frias. , tambm,um "ofcio" ou um "en1prego", umaatividade, uma reflexo, um savoir-faire,uma fonte de interesse, uma causa de fa-diga, mas tambm um meio de desen-volvimento.

    Compreende-se, pois, que atravsdessas diferentes relaes do indivduocom seu trabalho, sua sade seja impli-cada no mais alto nvel. certo que osleitores dos Cahiers de la mutuulit co-nhecem hoje, um pouco melhor, os fato-res de agresso da sade ligados ao tra-balho. cada vez mais freqente se ou-vir pesquisadores e mdicos, nos col-quios sobre as condies de trabalho, fa-larem de deteriorao "desgaste" pelotrabalho, de envelhecimento precoce.Mas isso no nos deve fazer perder devista que o trabalho , tambm, um fa-tor essencial de nosso equilbrio e denosso desenvolvimento. Talvez no im-porte qual trabalho; talvez no importeem que condies.

    lAR BEM CONSIGO PRPRIO

    Para compreender as relaes com-plexas entre a sade e o trabalho, pre-ciso, antes de mais nada, entender bemo que , realmente, a sade.

    Os mutualistas todos conhecem a de-finio de sade dada pela OrganizaoMundial de Sade e retomada pela Fe-derao Francesa dos mutualistas nocontexto de sua poltica de preveno.

    Segundo a O.MS., "a sade um estado decompleto bem-estar fsico, mental e social eno consiste, somente, em uma ausncia dedoena ou enfermidade".

    A fim de progredir sobre essa noode sade, C. Dejours faz duas crticas essa formulao. Inicialmente, se intuiti-vamente cada pessoa tem uma idia doque a sade, ou mesmo do que signifi-ca este estado de completo bem-estar, difcil e provavelmente impossvel delhe dar uma definio. Em seguida, po-demos ir mais longe e pr em dvida aexistncia deste "estado" de completobem-estar. Pode-se mesmo afirmar queeste estado no existe.

    Com efeito, seria prefervel consideraro completo bem-estar mais como umideal, ou mesmo uma fico, do queuma realidade. Nesta perspectiva, a sa-de no seria um estado, mas um objeti-vo. E , a partir desta nuance, talvez su-til, mas primordial, que pode se desen-volver a ao de preveno e de con-quista da sade.

    Os conhecimentos recentemente ad-quiridos pelas cincias do homem e davida so igualmente uma ajuda interes-sante para compreender o contedo danoo de sade e, talvez, para faz-laevoluir.

    Esses conhecimentos podem ser clas-sificados em trs sries, originrios:

    da fisiologia das regulaes;" da psicossomtica; da psicopatologia do trabalho.

    99

  • ~~lJCOLABORAO INTERNACIONAL

    100

    A FisiologiaA Fisiologia nos ensina que o organis-

    mo no um estado invarivel... mas emperptuo desequilbrio, seguido, graasaos dispositivos de regulao, de um re-torno ao equilbrio.

    A concentrao do acar no sangue,por exemplo, muda ao longo do dia.Quando comemos ele aumenta, em se-guida, retoma a seu valor inicial apsmais ou menos duas horas. No h noorganismo seno "variveis", e nunca"constantes biolgicas", contrariamenteao que se ouve dizer em linguagempopular.

    Poder-se-ia objetar que essas vari-veis evoluem, afinal, em torno de valo-res fixos (por exemplo, a glucose deveriapermanecer em uma concentrao prxi-ma de 0,80 a 1 g/litro). Esta afirmaoest longe de ser generalizvel. Comefeito, o valor de referncia no o mes-mo nas diferentes horas do dia ou doperodo do ano. Os ciclos podem ser dealgumas horas (para os ciclos de sono,por exemplo), de um dia (para certoshormnios), de alguns dias ou semanas(ciclo menstrual da mulher), de muitosmeses (gravidez), de muitos anos oumesmo da vida inteira (crescimento s-seo, desenvolvimento sexual, envelheci-mento). Isto significa que o organismoest em perptuo movimento e que noh nada, por assim dizer, de fixo ou deconstante em um organismo vivendonormalmente.

    A sade, seguramente, no um esta-do calmo, estvel, plano, uniforme.

    Se prosseguirmos a investigao nodomnio psquico, encontraremos obser-vaes comparveis. O mesmo se diz daangstia. Ela uma sensao penosa.Mas a sade psquica, seguramente nocorresponde a uma vida onde a angs-tia esteja definitivamente abolida. Todomundo est sujeito angstia. E, noobstante, h pessoas que, se bem queangustiadas, esto com boa sade. Oobjetivo, para elas, poder lutar contraa angstia, de tal maneira que ela sejamomentaneamente resolvida. Depoisela ressurge, e assim por diante.

    No trabalho, igualmente, pode-seconstatar como uma tarefa regular, fixa,repetitiva, imutvel perigosa para ostrabalhadores. L, tambm, a variedade,a possibilidade de escolher seu modooperatrio ou de mud-la, so, certa-mente, mais favorveis sade que amonotonia e a constncia impostas. As-sim, quando as presses de tempo sofortes, elas rigidificam os modos opera-trios e enclausuram os trabalhadoresem um caminho nico para executar atarefa.

    A PsicossomticaDe trinta anos para c, muito se tem

    estudado sobre as relaes entre o quese passa "na cabea das pessoas" e oque se passa em seus organismos. Asdoenas evoluem por avanos, por cri-ses, e estas ltimas no ocorrem ao aca-so na vida das pessoas, mas, precisa-mente, quando alguma coisa de penosoocorre na vida psquica, na vida afetiva.Conhece-se, assim, numerosos exem-plos onde a doena fsica, ela mesma, desencadeada por ocasio de uma situa-o afetiva insustentvel, no momentoem que o sujeito est, de certa forma,pressionado por um impasse psquico.

    Isto verdadeiro para a maior partedas doenas. Todavia, duas situaesescapam dessas circunstncias:

    As intoxicaes e acidentes, quer elessejam profissionais, involuntrios ouiatrognicos (devidos a tratamentosmdicos ou a medicamentos). Nestassituaes, todas as possibilidades dedefesa do organismo so ultrapassa-

  • POR UM TRABALHO, FATOR DE QUILBRIO

    das e os elementos psquicos tmaqui pouca ou nenhuma importncia.

    e As infestaes parasitrias ou micro-bianas intensas, como encontramos,por exemplo, em situaes onde ocorpo atacado por vermes ou mos-quitos em quantidade. Isto se observa,principalmente, em regies tropicais eem certos pases ditos "de endemia".No domnio da psicossomtica e dapsiquiatria pode-se, assim, se pergun-tar como definir a sade mental. Nos a definio de bem-estar psquico difcil de formular, mas uma tal defi-nio perigosa, pois ela tem implica-es sociais e polticas que no esta-mos certos de poder controlar.

    Voltemos angstia. ela anormal?Defender uma tal posio muito peri-gosa. Tomemos como exemplo o casode um militante poltico ou sindical, an-gustiado por aes nas quais ele partici-pa. A resposta mdica que vem espon-taneamente consistiria em propor a estehomem ou a esta mulher para parar demilitar. E, todavia, se dissermos a todosos militantes angustiados por suas res-ponsabilidades para cessarem sua mili-tncia, no teremos certeza de que elesvo se sentir melhor. Haver, dentreeles, alguns que iro se sentir pior. Po-de-se utilizar o mesmo raciocnio paramuitas outras atividades angustiantes:para o pesquisador, para o artista etc..que s vezes conquistam seu equilbrioprecisamente graas a este enfrenta-menta do trabalho angustiante.

    A angstia aparece, ento, como ummotor, uma fora que impulsiona aao. A angstia contribui, assim, paraa formulao dos objetivos, das metas,que, uma vez atingidos, atenuam a an-gstia, mas no a impedem de ressurgirem seguida. A angstia vem, tambm,do interior, do passado, da histria decada sujeito, da infncia. E, precisamen-te a vida, os engajamentos, o trabalhoconsistem em encontrar terrenos quepermitam dominar esta angstia. Deum terreno a outro, de uma etapa a ou-tra, de uma angstia a outra, o sujeitopode, s vezes, ter a impresso de umarepetio. Mas, durante este percurso, osujeito traa sua vida, sua experincia,

    ele se transforma, modificando a reali-dade que ele escolheu enfrentar.

    A sade mental no , seguramente, aausncia de angstia, nem o confortoconstante e uniforme. A sade a existn-cia da esperana, das metas, dos objetivosque podem ser elaborados. quando h odesejo. O que faz as pessoas viverem odesejo e no s as satisfaes.O verdadei-ro perigo quando o desejo no maispossvel. Surge, ento, o espectro da "de-

    presso", isto , a perda do tnus, dapresso, do el. A psicossomtica mostraque esta situao perigosa, no somentepara o funcionamento psquico, mas tam-bm para o corpo: quando algum estem um estado depressivo, seu corpo sedefende menos satisfatoriamente e ele fa-cilmente fica doente.

    A psicopatologia do trabalhoOs especialistas e os cientistas leva-

    ram muito tempo para compreender queo trabalho um dado fundamental dasade. No somente de maneira negati-va (o trabalho como causa de doenas,de intoxicaes, de acidentes, de desgas-tes etc.), mas tambm de forma positiva.O no-trabalho tambm pode ser perigo-so para a sade, como se v bem, atual-mente, com toda a patologia do desem-prego. E as observaes destas situaesde no-trabalho conduzem a criticar se-veramente a idia, no obstante muitodifundida, que a felicidade seria no ternada para fazer. Muita gente pensa que,quando os trabalhadores lutam contra

    101

  • ~~lJCOLABORAO INTERNACIONALcertos aspectos do trabalho, tais como asms condies de higiene, os ritmos, amonotonia etc., porque eles so pre-guiosos e que seu ideal seria a inativi-dade, a passividade, a ociosidade, umaespcie de ideologia de uma vida derendas. Isto fundamentalmente falso.Ao contrrio, quando um sujeito no faznada, no quer fazer nada, e se mantmem uma inatividade quase total, geral-mente sinal, do ponto de vista psiqui-trico, que ele est doente. Se observar-mos as crianas deixadas livres (noabandonadas) suas escolhas no consis-tem, de forma nenhuma, em ficar inati-vas. Ao contrrio, elas no ficam quie-tas. Comeam por jogos, depois constru-es, depois todo um universo de expe-rimentaes, de projetos, de realizaesque no tem nada a ver com a ociosida-de estuporosa e beata.

    A questo que nos colocada pelapsicopatologia do trabalho no a dis-juntiva: "Trabalho ou no-trabalho?",mas antes,"Qual trabalho?".

    ENTO, SADE ATRAVS DE QUALTRABALHO?

    Em ergonornia, a resposta a esta ques-to foi encarada sob dois aspectos tradi-cionais da carga de trabalho:

    Em um primeiro momento, o compo-nente fsico da carga de trabalho (ba-rulho, iluminao, calor, desgasteenergtico etc.).

    102

    Mais tarde, o componente mental dacarga de trabalho, relativo percep-o e ao tratamento da informao ne-cessria execuo do trabalho.

    Depois, para responder questo"Qual trabalho?", em termos de equil-brio ou de bem-estar psquico (bem-es-tar moral), pareceu indispensvel fazerapelo, tambm, a um componente maisrecente da carga de trabalho: a carga ps-quica. Esta noo, que concerne a vari-veis diferentes do tratamento da infor-mao e que so relativas a fenmenosde ordem afetiva e relacional, se distin-guiu daquela de carga cognitiva.

    A noo de "carga psquica"de trabalho

    Com a preocupao da objetividade,os ergonomistas buscaram sempre me-dir, avaliar ou quantificar a carga de tra-balho. Se, em se tratando do componen-te fsico da carga de trabalho, relativa-mente fcil medir um nvel sonoro, umdesgaste energtico ou um ambiente tr-mico, como apreender, a partir de cadauma dessas medidas, a globalidade dacarga fsica? Esta dificuldade no sem-pre superada, o que deixa aparecer o ca-rter reducionista desta noo de carga.Ademais, o prprio termo carga permiteapreender apenas o aspecto negativo dotrabalho.

    Imagina-se, com mais razo, a dificul-dade de medir uma vivncia que , an-tes de mais nada, qualitativa: o prazer, asatisfao, a frustrao ou a agressivida-de; dificilmente se deixaro cercar porcifras. Por outro lado, esta vivncia no circunscrita apenas aos lugares e tem-pos de trabalho.

    Sem a pretenso de medir a carga ps-quica, podemos, no obstante, proporum modelo.

    Submetidos a excitaes vindas do ex-terior (informaes visuais, auditivas,tteis etc.) ou do interior (excitaes ins-tintuais ou pulsionais, inveja, desejo) otrabalhador retm energia. A excitao,quando se acumula, torna-se a origemde uma tenso psquica, popularmentechamada tenso nervosa. Para liberar es-ta energia, o trabalhador dispe de mui-tas vias de descargas, que so, esquema-ticamente:

  • POR UM TRABALHO, FATOR DE QUILBRIO

    via psquica; via motrica; via visceral.

    Assim, por exemplo, um sujeito toma-do por uma crise agressiva pode, even-tualmente, construir fantasias agressi-vas: essas representaes mentais pode-ro ser suficientes para descarregar o es-sencial de sua tenso interior, pois, aproduo de fantasias consome energiapulsional. Uma outra pessoa no conse-guir relaxar por este meio e precisarutilizar sua musculatura: fuga, crise deraiva motrica, atuao dessa agressivi-dade. violncia, constituem uma gamapossvel de "descargas psicomotoras".

    Enfim, quando a via mental e a viamotrica esto fora de ao, a energiapulsional no pode se descarregar senopela via do sistema nervoso autnomo epelo desregulao das funes somticas( a via visceral).

    A relao homem-tarefaColocadas no contexto do trabalho,

    essas preliminares fazem sobressair trsfatos:

    a. o organismo do trabalhador no ummotor banal submetido a um s tipode excitao. Ele deve gerenciar, aomesmo tempo, excitaes exteriores einteriores;

    b. o trabalhador no chega ao seu traba-lho como uma mquina nova. Ele temuma histria pessoal, que se concretizapor uma certa qualidade de suas aspi-raes, de seus desejos, de suas moti-vaes e de suas necessidades psicol-gicas. Isto confere a cada indivduo,caractersticas nicas e pessoais, quecombatem o mito do "trabalhador m-dio" to ao gosto do taylorismo;

    c. o trabalhador, em funo de sua hist-ria, dispe de vias de descarga prefe-renciais, que no so as mesmas paratodos e que participam na formaodaquilo que se chama estrutura dapersonalidade.

    Estas consideraes conduzem for-mulao da questo "Qual trabalho?",de maneira diferente: a tarefa qual estafetado um trabalhador, oferece um es-coamento conveniente sua energia ps-

    quica? Em outros termos, a tarefa exigeatividades psquicas, fantasiosas 1 e psi-comotoras em quantidade suficiente?

    Esta questo fundamental e resumetoda a problemtica da relao entre oaparelho psquico e o trabalho. Umaproblemtica diferente daquela da cargafsica, onde o perigo o emprego exage-rado das aptides fisiolgicas (exemplodo emprego excessivo da acomodao

    visual). Em se tratando da carga psqui-ca, o perigo principal o da subutiliza-o ou o da represso das aptides ps-quicas, fantasiosas ou psicomotoras, queocasiona uma reteno de energia pul-sional ("tenso nervosa"). O bem-estarpsquico no provm da ausncia defuncionamento, mas, ao contrrio, deum livre funcionamento em relao aocontedo da tarefa. Se o trabalho favore-ce esse livre funcionamento, ele ser fa-tor de equilbrio; se ele se ope, ser fa-tor de sofrimento e de doena.

    Assim, por paradoxal que isso possaparecer, um trabalho onde no h gran-de coisa a fazer, mas que preciso estarpresente e fazer de conta que se estocupado, vai gerar, rapidamente, umaumento da carga psquica, seguida poruma intensa fadiga.

    Consideraes sobre a organizaodo trabalho

    Ter um trabalho equilibrante, quepossibilite a descarga da energia pulsio-

    1. Fantasia.vencenao imagi-nria em que o indivduo estpresente e que figura, de modomais ou menos deformado pe-los processos defensivos (doego). a realizao de um desejoe, em ltima anlise, de um de-sejo inconsciente".

    103

  • JJ!JlJ COLABORAO INTERNACIONAL

    2. Astenia: fraqueza orgnica.

    104

    nal, no coloca questes relativas ao am-biente fsico ou qumico do trabalho,mas diz respeito, principalmente, or-ganizao do prprio trabalho.

    Parece que o conflito que ope o dese-jo do trabalhador realidade do traba-lho, coloca face a face seu projeto espon-tneo e a organizao do trabalho que li-mita a realizao desse projeto e prescre-ve um modo operatrio preciso.

    A organizao do trabalho , de umlado, a diviso das tarefas, que conduzalguns indivduos a definir por outros, otrabalho a ser executado, o modo opera-trio e os ritmos a seguir. Por outro la-do, a diviso dos homens, isto , o dis-positivo de hierarquia, de superviso,de comando, que define e codifica todasas relaes de trabalho.

    Quando se coloca face a face o funcio-namento psquico e a organizao dotrabalho, descobre-se que certas organi-zaes so perigosas para o equilbriopsquico e que outras no o so.

    As primeiras atacam e destrem o de-sejo dos trabalhadores. Elas provocamdoenas mentais e fsicas. Assim, numtrabalho repetitivo sob presso de tem-pos ou no trabalho por peas, no h,absolutamente, lugar para a atividadefantasiosa; ou as aptides fantasiosasno so utilizadas e a via de descargapsquica est fechada. A energia psqui-ca se acumula, se transformando emfonte de tenso e desprazer, at que apa-recem a fadiga, depois a astenia 2 e, a se-guir, a patologia.

    As segundas so favorveis sade.So aquelas que oferecem um campo deao, um terreno onde o trabalhadorconcretiza suas aspiraes, suas idias,sua imaginao, seu desejo. Em geral,esta situao possvel, quando o traba-lho livremente escolhido e quando aorganizao do trabalho suficiente-mente flexvel, para que o trabalhadorpossa organiz-lo e adapt-lo a seus de-sejos, s necessidades de seu corpo, svariaes de seu estado de esprito. As-sim, por exemplo, o trabalho de ofcio,como o vemos no artesanato, deixa, fre-.qentemente, o trabalhador livre parasua organizao.

    , pois, desejvel, para transformarum trabalho fatigante em um trabalhoequilibrante, flexibilizar a organizaodo trabalho de maneira a deixar ao tra-balhador uma maior liberdade para or-ganizar seu modo operatrio e para en-contrar os gestos que sero capazes delhe dar prazer, isto , uma distenso ouuma diminuio da carga psquica detrabalho.

    BATALHAR PELA SADE

    Como expusemos no incio deste arti-go, a sade no um estado, mas umobjetivo que se rernaneja sem cessar.No alguma coisa que se tem ou nose tem, mas que se tenta conquistar eque se defende, como a liberdade. E,afinal, o bem-estar fsico, psquico e so-cial no a liberdade de regular as va-riaes que ocorrem no estado do orga-nismo? liberdade de lhe dar comida quandofaminto, dormir quando fatigado, delhe dar atividade quando em repouso?

    liberdade de deixar cada um ser donoda organizao da prpria vida, se-gundo seu desejo?

    liberdade de agir individual e coleti-vamente sobre a organizao do tra-balho?

    Se se aceita esta viso das coisas, en-to se compreende melhor que a sadeno apenas responsabilidade dos ou-tros, de uma instituio, dos mdicos oudo Estado. , antes de mais nada, res-ponsabilidade de todos e de cada um. ,pois, sua responsabilidade. O

    Artigo recebido pela Redao da RAE em maro/93, aprovado para publicao em abril/93.