Praticas Pedagogicas Para a Igualdade Racial Na Educacao Infantil
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Prticas Pedaggicaspara a Igualdade Racial na Educao Infantil
AUTORES
Angela Barbosa Cardoso Loureiro de Mello
Prof. Ms. Antonio Carlos Malachias
Profa. Ms. Carolina de Paula Teles Duarte
Daniela Martins Pereira Fernandes
Prof. Dr. Hdio Silva Jr.
Profa. Dra. Lucimar Rosa Dias
Mrcio Jos da Silva
Profa. Dra. Maria Aparecida Silva Bento
Profa. Dra. Marly de Jesus Silveira
Profa. Ms. Waldete Tristo Farias Oliveira
Maria Aparecida Silva BentoORGANIZADORA
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EQUIPE DO CEERT
Direo ExecutivaHdio Silva Jr.Maria Aparecida Silva Bento
CoordenaoMrio Rogrio SilvaShirley Santos
Equipe TcnicaAngela Barbosa Cardoso Loureiro de MelloAntonio Carlos Malachias (Billy)Boaventura Martins SebastioCarolina de Paula Teles DuarteDaniel TeixeiraDaniela Martins Pereira FernandesEdison da Silva CornlioEdna Muniz de SouzaEllen de Lima SouzaFernanda de Alcntara PestanaJucelino Alves AvelinoKayod Ferreira da SilvaLauro Cornlio da RochaLucimar Rosa DiasMrcio Jos da SilvaMaria Elisa RibeiroMarly de Jesus SilveiraSnia Maria RochaVanessa Fernandes de MenezesVivian SampaioWaldete Tristo Farias Oliveira
EQUIPE RESPONSVEL PELA PUBLICAO
Coordenao GeralMaria Aparecida Silva Bento
Organizao e Preparao dos Textos FinaisHdio Silva Jr.Maria Aparecida Silva BentoShirley Santos
Coordenao EditorialMyriam Chinalli
Reviso TcnicaLucimar Rosa DiasMaria Letcia NascimentoRita de Cssia Freitas Coelho
EditoraoAndra Medeiros da SilvaAngela Barbosa Cardoso Loureiro de Mello
Projeto Gr co e DiagramaoAndra Medeiros da Silva
Prticas pedaggicas para igualdade racial na educao infantil / Maria Aparecida Silva Bento, organizadora. -- So Paulo : Centro de Estudos das Relaes de Trabalho e Desigualdade - CEERT, 2011.
Vrios autoresBibliografi a.ISBN 978-85-64702-02-8
1. Educao infantil 2. Ensino 3. Escolas -Administrao e organizao 4. Igualdade racial -Promoo 5. Pedagogia 6. Poltica educacional7. Prtica de ensino I. Bento, Maria Aparecida Silva.
11-09075 CDD-372.21
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
ndices para catlogo sistemtico:1. Gesto de ensino e prticas pedagogicas para a igualdade racial : Educao infantil 372.21
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CRDITOS DAS FOTOSP. 01 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Ensaio para cortejo. Projeto: FESTEJANDO A CULTURA AFRO-BRASILEIRA, realizado na U.E.B. Pastor Estevam ngelo de Souza. So Luiz/MA
P. 04 e 05 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Contao de Histria. Projeto: A FRICA EST EM NS: trabalhando igualdade racial com bebs e crianas bem pequenas, realizado no Centro de Educao Infantil Ver. Rubens Granja. So Paulo/SP
P. 08 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Mural do livro Menina Bonita do Lao de Fita. Projeto: DIFERENTES SIM, DESIGUAIS NUNCA!, realizado na Escola Municipal Prof. Juarez Costa. Itapeva/SP
P. 11 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Desfi le de Beleza Afro. Projeto: FESTEJANDO A CULTURA AFRO-BRASILEIRA, realizado na U.E.B. Pastor Estevam ngelo de Souza. So Luiz/MA
P. 19 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Crianas localizando Guin Bissau no mapa. Projeto: RODA DE HISTRIA: UMA VIVNCIA EM GUIN BISSAU, realizado na ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAO INFANTIL EMEI NGELO MARTINO. So Paulo/SP
P. 27 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Desfi le de Beleza Afro Projeto: A CULTURA AFRO-BRASILEIRA, realizado na U.E.B. Pastor Estevam ngelo de Souza. So Luiz/MA
P. 32 e 33 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Crianas confeccionando o Manto. Projeto: FESTEJANDO RODA DE HISTRIA: UMA VIVNCIA EM GUIN BISSAU, realizado na ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAO INFANTIL EMEI NGELO MARTINO. So Paulo/SP
P. 37 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Crianas brincando com boneca. Projeto: RODA DE HISTRIA: UMA VIVNCIA EM GUIN BISSAU, realizado na EMEI NGELO MARTINO. So Paulo/SP
P. 43 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Exposio de trabalhos na Mostra Cultural. Projeto: RODA DE HISTRIA: UMA VIVNCIA EM GUIN BISSAU, realizado na EMEI NGELO MARTINO. So Paulo/SP
P. 52 e 53 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Construo de bonecas com sucata. Projeto: DIFERENTES SIM, DESIGUAIS NUNCA!, realizado na Escola Municipal Prof. Juarez Costa. Itapeva/SP
P. 61 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Exposio do Manto confeccionado pelas crianas. Projeto: RODA DE HISTRIA: UMA VIVNCIA EM GUIN BISSAU, realizado na EMEI NGELO MARTINO. So Paulo/SP
P. 71 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Crianas desenhando em um pedao de tecido para compor um trabalho coletivo. Projeto: PANS DE SOBREVIVNCIA: PEDAOS DE VIDAS ENLAADAS PELA MORADIA E PELO TRABALHO, realizado na EMEIEF Archimedes Naspolini. Cricima/SC
P. 92 e 93 Acervo do 5o prmio Educar para a Igualdade Racial. CEERT Menina vestida de Menina Bonita do Lao de Fita. Projeto: A FRICA EST EM NS: TRABALHANDO IGUALDADE RACIAL COM BEBS E CRIANAS BEM PEQUENAS, realizado no Centro de Educao Infantil Ver. Rubens Granja. So Paulo/SP
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pppppppppppppppppp pSUMRIO
Captulo 1 Educao Infantil e valorizao da diversidade: marcos legais 11
Captulo 2 Diversidade tnico-racial e educao infantil: uma introduo 19
A pedagogia que refora o preconceito 20
Entre o silenciamento e as frases de efeito 24
Captulo 3 A diversidade e as desigualdades 27
Diversidade, multiculturalismo e desigualdades 29
Diversidade e resistncia 30
Diversidade e identidade 34
Captulo 4 Infncia e educao tnico-racial: estruturas e singularidades 37
Criana: sujeito histrico, social e cultural 38
Captulo 5 Metodologias para a valorizao da diversidade tnico-racial na educao infantil 43
1. Conflitos como molas propulsoras na educao infantil 45
Experincia 1 Maracazinho valorizando a cultura afrodescendente 45
2. Incluso da temtica no projeto poltico-pedaggico (PPP) 47
Experincia 2 Griot: africanidades na educao infantil 47
3. Planejamento conjunto das atividades 49
Experincia 3 Vamos brincar no quintal? 49Experincia 4 Gnero e raa: mala da diversidade A viagem em busca de nossas razes 51
4. Participao da comunidade 52
Experincia 5 Herana: valores civilizatrios afro-brasileiros 53
Experincia 6 Projeto Gri: contador de histrias 56
5. Metodologias que deram certo 57
Apresentao: A educao infantil para uma sociedade sem racismo 9
Prof. Dr. Hdio Silva Jr.
Prof. Dr. Hdio Silva JrProf. Dra. Lucimar Rosa Dias
Prof. Dra. Maria Aparecida Silva Bento
Prof. Dra. Marly de Jesus Silveira
Prof. Ms. Carolina de Paula Teles Duarte
Prof. Ms. Waldete Tristo Farias Oliveira
Daniela Martins Pereira Fernandes
Mrcio Jos da Silva Prof. Dra. Maria Aparecida
Silva Bento
Prof. Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva
Prof. Dra. Maria Aparecida Silva Bento
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SUMRIO
Experincia 7 Sensibilizar para a igualdade 57 Observando o conjunto de experincias 58
Captulo 6 A gesto comprometida com a igualdade tnico-racial: fundamentos da experincia de So Carlos, em So Paulo 61
Gesto: o foco que garante as aes 65
A formao de gestores e profissionais da educao infantil 67
O material pedaggico 68
Interao com a sociedade 68
Condies institucionais 69
Avaliao e monitoramento 70
Captulo 7 Contribuies para a implementao de polticas de valorizao da diversidade tnico-racial na educao infantil 71
Pressupostos 72
Campo de incidncia 73
Critrios para o estabelecimento de convnios e parcerias 74
O monitoramento e a avaliao da gesto escolar 75
Glossrio 78Fontes mltiplas sobre a temtica tnico-racial 82Bibliografia sobre educao 82Bibliografia sobre educao infantil 83Bibliografia sobre cultura afro-brasileira e africana 85Filmes sobre a temtica da discriminao e/ou da promoo da igualdade tnico-racial 86Onde encontrar os vdeos 87Centros de Estudos e Pesquisas Afro-Brasileiros 87Organizaes negras e instituies que se dedicam ao tema da educao, diversidade e igualdade tnico-racial 89Sites estatsticos 90Pginas eletrnicas sobre a temtica tnico-racial 90Anexo 94
Angela Barbosa Cardoso Loureiro de Mello
Prof. Dr. Hdio Silva Jr.Prof. Ms. Waldete Tristo
Farias Oliveira
Prof. Ms. Antonio Carlos Malachias
Prof. Dr. Hdio Silva Jr.Prof. Dra. Lucimar Rosa
Dias
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APRESENTAOEducao infantil para uma sociedade
sem racismo
Esta publicao visa contribuir para a construo de prticas na educao infantil que promovam a igualdade ra-cial. Este documento um dos produtos oriundos do projeto Educar para a igualdade racial: institucionalizando prti-cas e implementando normas para uma educao livre do racismo, resultante da parceria entre o MEC/COEDI, o CEERT e o UNICEF1, com apoio logstico da SECADI na etapa final. O principal objetivo deste material apresentar subsdios para prticas pedaggicas e de gesto voltadas para a promoo da igualdade racial na educao infantil. Vale ressaltar que a na-tureza deste material orientar programas e aes capazes de promover direitos, incidindo efetivamente na vida das crian-as, a curto prazo.
Dessa forma, o presente trabalho sistematiza trs com-ponentes que foram enriquecidos com a colaborao de es-pecialistas e com o debate coletivo: o aprendizado resultante do estudo do acervo de prticas pedaggicas do prmio Edu-car para a igualdade racial; a sistematizao e a anlise de aes e experincias realizadas pela prefeitura de So Carlos, em So Paulo; e o inventrio de proposies feitas a partir do estudo realizado pela professora doutora Lucimar Rosa Dias (2008) para o COEDI/MEC2.
Tomamos como pressuposto para a produo deste ma-terial que o pleno desenvolvimento da pessoa no contexto de sociedades plurais, multiculturais e plurirraciais , depen-de, em grande medida, da capacidade de os sistemas de ensi-no dialogarem, valorizarem e protegerem os marcos culturais formadores da nacionalidade. Sem isso, est comprometido no o interesse de um ou outro grupo particular, mas a prpria qualidade da educao democrtica.
A educao infantil pode ser entendida, dentre outros, a partir de dois ngulos distintos e complementares: o primeiro
1 MEC Ministrio da Educao.
COEDI Coordenao de Educao Infantil.
CEERT Centro de Estudos das Relaes do Trabalho e Desigualdades.
UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia.
2 DIAS, Lucimar Rosa. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO DO SUL/CMPUS CPTL)
Sugesto de indicadores para formulao de polticas para promoo da igualdade racial na educao infantil. Projeto Unesco 914 BRA 1095, dez. 2008.
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como territrio em que deve ser assegurada a interao respei-tosa e positiva com a diferena. O segundo como instrumento de transformao social no sentido em que forma a primeira infncia para valorizar positivamente a diferena, dissociando diferena de inferioridade, de tal sorte que a mdio e longo prazos o preconceito e a discriminao sejam erradicados da socie-dade. Isto , no basta que a educao infantil no seja ela prpria uma fonte ou experincia de discriminao. Cabe-lhe tambm contribuir com uma cultura de respeito recproco e de convivncia harmoniosa entre todos os grupos tnicos, ra-ciais, culturais e religiosos.
No limite, esses so os principais pressupostos que orien-tam nosso texto, para o qual foi imprescindvel a capacidade crtica e formulativa de todos e todas que, de algum modo, colaboraram para esta empreitada.
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APRESENTAO
Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva Maria Aparecida Silva Bento Secretria de Educao Bsica CEERT
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Captulo 1
Educao
Infantil e valoriz
ao
da diversidad
e: m
arcos legais
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Desde meados do sculo passado, o Movimento Negro Brasileiro preocupa-se com o papel desempenhado pela edu-cao na reproduo de esteretipos e preconceitos, buscan-do instituir mecanismos jurdicos de promoo da igualdade racial.
Na realizao da Conveno Nacional do Negro pela Constituinte, promovida pelo Movimento Negro Unificado em conjunto com vrias entidades negras de todo o pas, em Bra-slia, em 1986, os participantes aprovaram uma srie de pro-posies que foram inscritas na Constituio de 1988. Tratava-se de um expressivo leque de conquistas jurdicas, dentre as quais a previso de que o ensino de histria deve levar em considerao a contribuio das diferentes culturas e etnias para a formao do povo brasileiro1 e o respeito devido pela educao aos valores culturais2.
No entanto, importantes instrumentos jurdicos da polti-ca educacional, dentre eles o Estatuto da Criana e do Adoles-cente (1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (1996) e o Plano Nacional da Educao (2001), foram discutidos e aprovados pelo Congresso Nacional, sem se comprometerem com medidas voltadas para o enfrentamento da diversidade tnico-racial que caracteriza o alunado brasileiro.
A Constituio de 1988 reconhece o carter multirracial da sociedade brasileira
Na esteira da redefinio do papel da frica na formao da nacionalidade brasileira, a Constituinte de 1988 assegurou reconhecimento pblico a uma obviedade raramente presente na imagem que o pas faz de si prprio: a pluralidade tnico-racial da sociedade brasileira.
Especialmente demonstrativos do reconhecimento de que falamos so os preceitos transcritos a seguir:
A temtica da diversidade tnico-racial muitas
vezes tomada como tema secundrio,
menos importante, desvinculado da
poltica educacional. No entanto, a
alterao da Lei de Diretrizes e Bases
pelas leis 10.639/2003 e 11.645/2008 incluiu a diversidade como contedo essencial da educao.
1 Constituio Federal, art. 242, 2.
2 Constituio Federal, art. 210.
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Art. 215, 1 O Estado proteger as manifestaes das culturas popu-lares, indgenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatrio nacional. 2 - A lei dispor sobre a fixao de datas comemorativas de alta significao para os diferentes segmentos tnicos nacionais.
Art. 216, 5 Ficam tombados todos os documentos e stios detentores de reminiscncias histricas dos antigos quilombos.
Art. 242, 1 O ensino da histria do Brasil levar em conta as con-tribuies das diferentes culturas e etnias para a formao do povo brasileiro.
Ato das Disposies Constitucionais Transitrias - art. 68 - Aos remanes-centes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os ttulos respectivos.
So prescries que no apenas conferiram ideia de cidado um trao marcadamente plural e diverso, como tambm reavaliaram o pa-pel ocupado pela cultura indgena e afro-brasileira, no passado e no pre-sente, como elementos fundantes da nacionalidade e do processo civi-lizatrio nacional, ao lado, naturalmente, da cultura de matiz europeu.
Tambm no que se refere aos tratados internacionais assinados pelos governos brasileiros, o reconhecimento da pluralidade brasileira est assegurado, conforme pode ser observado nos preceitos transcri-tos a seguir:
Convenes internacionaisConveno Relativa Luta Contra a Discriminao no Campo do
Ensino, promulgada pelo Decreto 63.223, de 6 de setembro de 1968:
Art. 1 Para os fins da presente conveno, o termo discrimi-nao abarca qualquer distino, excluso, limitao ou prefe-rncia que, por motivo de raa, cor, sexo, lngua, religio, opinio publica ou qualquer outra opinio, origem nacional ou social, condio econmica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito
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destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matria de ensino e, principalmente:
a. privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diver-sos tipos ou graus de ensino;
b. limitar a nvel inferior a educao de qualquer pessoa ou grupo;
c. sob reserva do disposto no artigo 2 da presente Conveno, insti-tuir ou manter sistemas ou estabelecimentos de ensino separados para pessoas ou grupos de pessoas; ou
d. de impor a qualquer pessoa ou grupo de pessoas condies incom-patveis com a dignidade do homem.
Conveno sobre os Direitos da Criana, promulgada pelo Decre-to 99.710, de 21 de novembro de 1990:
Art. 19, 1 Os Estados Partes adotaro todas as medidas le-gislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criana contra todas as formas de violncia f-sica ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou explorao, inclusive abuso sexual, enquanto a criana estiver sob a custdia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsvel por ela.
Art. 28, 1 Os Estados Partes reconhecem o direito da criana educao e, a fim de que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de condies esse direito, devero especialmente:
2. Os Estados Partes adotaro todas as medidas necessrias para assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compa-tvel com a dignidade humana da criana e em conformidade com a presente Conveno.
Art. 29, 1 Os Estados Partes reconhecem que a educao da criana dever estar orientada no sentido de:
a. desenvolver a personalidade, as aptides e a capacidade mental e fsica da criana em todo o seu potencial;
b. imbuir na criana o respeito aos direitos humanos e s liberdades fundamentais, bem como aos princpios consagrados na Carta das Naes Unidas;
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c. imbuir na criana o respeito aos seus pais, sua prpria identi-dade cultural, ao seu idioma e seus valores, aos valores nacionais do pas em que reside, aos do eventual pas de origem e aos das civilizaes diferentes da sua;
d. preparar a criana para assumir uma vida responsvel numa so-ciedade livre, com esprito de compreenso, paz, tolerncia, igual-dade de sexos e amizade entre todos os povos, grupos tnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indgena.
Conveno sobre a Proteo e Promoo da Diversidade das Expres-ses Culturais, ratificada pelo Decreto n 6.177, de 1 de agosto de 2007.
Art. 2, item 3 - A proteo e a promoo da diversidade das ex-presses culturais pressupem o reconhecimento da igual digni-dade e o respeito por todas as culturas, incluindo as das pessoas pertencentes a minorias e as dos povos indgenas.
Leis ordinriasEstatuto da Criana e do Adolescente, lei 8.069, de 13 de julho de 1990:
Art. 15 A criana e o adolescente tm direito liberdade, ao respeito e dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituio e nas leis.
Art. 16 O direito liberdade compreende os seguintes aspectos:
III crena e culto religioso.
V participar da vida familiar e comunitria, sem discriminao.
Art. 17 O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade fsica, psquica e moral da criana e do adolescen-te, abrangendo a preservao da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenas, dos espaos e objetos pessoais.
Art. 18 dever de todos velar pela dignidade da criana e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desuma-no, violento, aterrorizante, vexatrio ou constrangedor.
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Lei de Diretrizes e Bases da Educao, arts. 26-A e 79-B:
Art. 26 A. Nos estabelecimentos de ensino fundamen-tal e de ensino mdio, pblicos e privados, torna-se obri-gatrio o estudo da histria e cultura afro-brasileira e indgena.
1o O contedo programtico a que se refere este artigo incluir diversos aspectos da histria e da cultura que caracterizam a formao da populao brasi-leira, a partir desses dois grupos tnicos, tais como o estudo da histria da frica e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indgenas no Brasil, a cultura negra e indgena brasileira e o negro e o n-dio na formao da sociedade nacional, resgatando as suas contribuies nas reas social, econmica e poltica, pertinentes histria do Brasil.
2o Os contedos referentes histria e cultura afro-brasileira e dos povos indgenas brasileiros sero ministrados no mbito de todo o currculo escolar, em especial nas reas de educao artstica e de literatura e histria brasileiras.
Art. 79-B. O calendrio escolar incluir o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Conscincia Negra.
Merece ateno o fato de que o artigo 26-A situa-se no captulo da educao bsica, abarcando a educao infantil, alm do ensino fundamental e mdio.
Um destaque fundamental que a educao infantil, pri-meira etapa da educao bsica, tem como finalidade o desen-volvimento integral da criana at seis anos de idade, em seus as-pectos fsico, psicolgico, intelectual e social, complementando a ao da famlia e da comunidade.1 Cristalina, incisiva e eloquen-te, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao LDB, lei 9.394, assim, se refere a um dos principais objetivos da educao infantil.
Tambm a Constituio Federal emprega a expresso pleno desenvolvimento da pessoa2 ao estabelecer as funes a serem exercidas pela educao.
1 Transcrio literal do art. 29 da LDB.
2 Constituio Federal, art. 206.
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No plano das normas internacionais, h poucos anos o Brasil ratificou a Conveno sobre a Proteo e Promoo da Diversidade das Expresses Culturais1, que situa a identidade cultural como direito fundamental da pessoa humana.
1. Isso quer significar que, num pas plural como o Brasil, a valorizao da diversidade tnico-racial na educao atende a trs propsitos principais: Assegurar o pleno desenvolvimento psquico e emocional da criana ne-gra e indgena, na medida em que tal fato contribui para a diminuio do etnocentrismo estabelecido pelo espao escolar em detrimento dos no-brancos;
2. Colaborar para a melhoria do desempenho escolar dos membros dos grupos afetados pelos contedos e prti-cas etnocntricos;
3. Assegurar a qualidade do servio pblico de educao.
Declaraes internacionaisA declarao, uma espcie de ato internacional, no possui
a fora normativa dos tratados (ou convenes) internacio-nais, mas nem por isso ocupa lugar desimportante na galeria dos princpios que regem o direito internacional.
Deliberaes de reunies internacionais promovidas pe-las Naes Unidas, a exemplo da Declarao e do Programa de Ao da Conferncia de Durban, embora no tenham fora de lei isto , no vinculem, nem obriguem juridicamente o Esta-do aderente , obrigam-no moralmente e devem servir como parmetros para a interpretao do direito internacional e do direito interno. Por essa razo, vale a pena uma leitura do ane-xo I contendo formulaes da Declarao e do Programa de Ao da Conferncia de Durban.
Mais do que punir, podemos e devemos prevenir. Mais do que combater a discriminao, devemos promover a igualda-de, conforme parecer elaborado pela professora Petronilha Beatriz Gonalves e Silva2, aprovado por unanimidade pelo Conselho Nacional de Educao3, que inclusive encontra res-sonncia em texto das novas Diretrizes Curriculares Nacio-nais de Educao Infantil4.
1 Decreto 6.177, de 1 de agosto de 2007.
2 Parecer CNE/CP, 003/2004.
3 Resoluo 1, de 17 de junho de 2004.
4 Resoluo CNE/CEB 5, de 17 de dezembro de 2009.
A diversidade no representa um contedo que interessa apenas a negros ou indgenas: tem a ver diretamente com a qualidade da educao, e, portanto, diz respeito a toda a sociedade.
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Desde muito pequenas, as crianas devem ser mediadas na construo de uma viso de mundo e de conhecimento como elementos plurais, formar atitudes de solidariedade e aprender a identificar e superar preconceitos que incidem sobre as di-ferentes formas dos seres humanos se constiturem enquan-to pessoas. Podero assim questionar e romper com formas de dominao etria, socioeconmica, tnico-racial, de gnero, re-gional, lingustica e religiosa, existentes em nossa sociedade e recriadas na relao dos adultos com as crianas e entre elas.
Com isso, as crianas podem e devem aprender sobre o valor de cada pessoa e dos diferentes grupos culturais, adqui-rir valores como os da inviolabilidade da vida humana, a li-berdade e a integridade individuais, a igualdade de direitos de todas as pessoas, a igualdade entre homens e mulheres, assim como a solidariedade com grupos enfraquecidos e vulnerveis poltica e economicamente.
O grande desafio de uma poltica pblica voltada para a promoo da igualdade racial desde a infncia passa, portanto, pela conjugao de esforos da Unio, dos Estados e dos Mu-nicpios no sentido de assegurar a definio dos parmetros curriculares, a sistematizao e a disponibilizao das fontes bibliogrficas, o desenvolvimento de uma metodologia para a capacitao dos professores e a edio de materiais educati-vos destinados a professores, alunos e familiares.
Ao Movimento Negro, principal construtor das conquis-tas aqui assinaladas, cabe cobrar polticas e aes dos poderes pblicos e disponibilizar quadros preparados tcnica e politi-camente para fazer avanar a luta por uma educao voltada para a igualdade racial.
justo pensar, pois, que, mais do que disseminar um pos-svel sentimento de tolerncia, o sistema educacional pode e deve formar os indivduos para a valorizao da diversidade humana, tomando-a em sua devida dimenso um dos maio-res patrimnios da humanidade e vivenciando-a em sua grandiosidade e plenitude.
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Captulo 2
Diversidad
e tnico-racial e edu
cao infantil: uma intro
duo
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A pedagogia que refora o preconceitoDurante a educao infantil, as crianas comeam a per-
ceber as diferenas e semelhanas entre os participantes de seu grupo, a reconhecer as prprias caractersticas e poten-cialidades e, dependendo dos recursos afetivos e sociais que lhe forem oferecidos, esse processo pode ser mais positivo ou mais negativo para a constituio de sua identidade. Segundo Bento (2003)1, a identidade est fortemente marcada pela re-lao que estabelecemos com nosso grupo, com o out-group o grupo de fora e, particularmente com nosso prprio corpo, j que a nossa psique existe dentro de um corpo. Nesse processo vamos construindo representaes sobre ns e sobre o outro.
No Brasil, as representaes do corpo negro esto marca-
das por esteretipos negativos. Esses esteretipos so difundi-
dos amplamente pelos meios de comunicao. Assim, cria-se
e difunde-se a idia de um corpo feio, promscuo, sujo, mal-
cheiroso e portador de um cabelo ruim. Isso gera vergonha na
criana negra, afeta sua autoestima. Muitas vezes a vergonha,
o desconforto do pertencimento racial aparece na educao
infantil e acompanha toda a vida escolar das crianas negras.
Um corpo negro, segundo Oliveira e Abramowicz (2010)
tende a ser rejeitado segundo uma norma de negao do di-
ferente em relao ao modelo esttico de beleza e sade con-
vencionalmente estipulado como padro a ser seguido. As
autoras salientam que a escola pblica se funda sobre dois
princpios bsicos: a disciplina e o higienismo. Nesse contexto,
as prticas sociais e discursivas colocaram o negro no lugar de
mal-cheiroso e do indisciplinado. O racismo, na pequena
infncia, incide diretamente sobre o corpo, na maneira pela
qual ele construdo, acariciado ou repugnado (OLIVEIRA;
ABRAMOWICZ, 2010, p. 220).
O corpo um elemento fundamental na questo da
identidade, pois a relao que a
criana estabelece com seu corpo, sede de sua identidade, pode ser marcada pela rejeio que a professora e as
outras crianas tm desse corpo. Se for um corpo rejeitado, a criana tambm se sentir mal com
esse corpo, ter uma alterao em sua autoestima.
1 BENTO, Maria Aparecida Silva & CARONE, Iray
(orgs.). Psicologia social do racismo estudos sobre
branquitude e branqueamento no Brasil. Petrpolis: Vozes,
2003.
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Sentindo-se desaprovadas naquilo que so, atingidas em sua subjetividade, muitas crianas negras experimentam fortes sentimentos de auto-rejeio e de rejeio pelos outros negros.
Por outro lado, podem explicitar o desejo de serem bran-cas, j que o grupo branco foi inventado e difundido como gru-po superior, mais belo, forte e competente.
Essa contradio no se configura no que podemos con-siderar um bom caminho para assegurar o pleno desenvolvi-mento das crianas. Para criar uma estrutura psquica har-moniosa, necessrio que o corpo seja vivido e pensado como local e fonte de vida e prazer. As situaes de sofrimento que o corpo impe a cada pessoa precisam ser reelaboradas e esquecidas1.
S dessa forma possvel continuar a amar e cuidar da-quilo que , por excelncia, condio de sua sobrevida. Por essa razo, nossas sociedades, e particularmente nossas es-colas, precisam se estruturar de forma tal que possibilitem s crianas uma multiplicidade de modos de ser, de possibilida-des culturais diversas, que favoream a construo de novas experincias e representaes do ser negro, branco e indgena. Essas novas representaes podem incidir e influenciar todo o ambiente escolar.
Pesquisas2 apontam que j nessa etapa da educao, quando se trata de distinguir quem so as crianas fceis e difceis para se trabalhar, as professoras tendem a classificar como difceis, em sua maioria, as crianas negras, principal-mente os meninos negros. Essas crianas recebem atributos pautados em um comportamento social considerado negati-vo, tais como custa mais pra aprender a dividir os objetos; ele terrvel, no para, no fica quieto; agitado; agressivo; teimoso; muito levado; impe aquilo que quer, com agres-
1 BENTO, Maria Aparecida Silva. Resgatando a minha bisav Discriminao racial e resistncia na voz dos trabalhadores negros (dissertao de mestrado). So Paulo, Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, 1992.
2 SILVA, Vera Lcia Neri da. Os esteretipos racistas nas falas de educadoras infantis Suas implicaes no cotidiano educacional da criana negra (dissertao de mestrado em educao). Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense, 2002, p. 138.
Sentindo-se desaprovadas naquilo que so, atingidas em sua subjetividade, muitas crianas negras experimentam fortes sentimentos de auto-rejeio e de rejeio pelos outros negros.
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sividade; quando est com muita raiva, ele se isola etc. As crianas fceis em sua maioria meninas brancas recebem atributos como espertas, bem comportadas, com bom de-senvolvimento etc.
Comportamentos considerados inadequados, quando realizados por crianas negras, podem ser qualificados como positivos se feitos por crianas brancas. Uma das professoras entrevistadas por Vera Lcia Neri da Silva (2002)1 classificou como difcil uma criana negra pelo fato de ela sempre querer fazer tudo (querer auxili-la na sala). Entretanto, esse mesmo atributo foi usado como positivo ao se referir a uma criana branca, fcil de lidar.
Tais apontamentos indicam que as representaes que
as professoras possuem sobre os negros colaboram para o de-
senvolvimento de prticas discriminatrias, mesmo que isso
ocorra sem que se perceba. As instituies educacionais po-
dem, a partir dessas concepes, oferecer criana negra e
branca oportunidades de desenvolvimento social, cognitivo e
educacional diferentes e desiguais, proporcionando s crian-
as negras uma autorreferncia negativa, pois
[...] no convvio com os esteretipos negativos, as crianas aprendem
a internalizar sentimentos positivos ou negativos sobre si mesmas, e a pro-
fessora uma das principais pessoas que vai lhes possibilitar informa-
es sobre como e o qu elas so, a partir do fornecimento dos principais
dados sobre seu desenvolvimento, suas capacidades e habilidades (SILVA,
2002, p. 139).
Diferenas de tratamento como essas tambm foram ob-
servadas por Oliveira2 com crianas bem pequenas, conforme
esse exemplo emblemtico:
Durante qualquer refeio, Vagner (negro, 1 ano) era posto no ca-
deiro, pois, de acordo com Marli, ele no d sossego (...). Igor (branco,
1 ano) no fazia nada menos terrvel que Vagner. As travessuras reali-
zadas pelos dois eram as mesmas: empurrar beros, subir em cima da
mesa, arrastar as cadeiras, bater nos colegas etc. No entanto, o diferen-
cial entre eles era a cor (OLIVEIRA, 2004, p. 122).
1 Idem.
2 OLIVEIRA, Fabiana de. Um estudo sobre a creche: o
que as prticas educativas produzem e revelam
sobre a questo racial? (dissertao de mestrado em educao). So Carlos,
SP: Universidade Federal de So Carlos, 2004.
Comportamentos considerados inadequados,
quando realizados por crianas
negras, podem ser qualificados como
positivos se feitos por crianas brancas.
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O episdio sugere que as crianas, desde tenra idade, tm elementos para perceber diferenas nas reaes, podendo as-soci-las ao pertencimento racial. Muitas vezes, as crianas negras no recebem a mesma ateno que as brancas.
Na educao infantil a gente j sentiu essa questo da diferena
do tratamento dos profissionais em relao criana negra e criana
branca. [...] As crianas negras no tm tanto colo, chamego, aconchego
como as crianas brancas (DIAS, 2007, p. 250).
Esse um elemento fundamental na questo da identi-dade, pois a relao que a criana estabelece com seu corpo, sede de sua identidade, pode ser marcada pela rejeio que a professora e as outras crianas apresentam em face desse corpo. Se for um corpo rejeitado, a criana tambm se sentir mal com este corpo, ter uma alterao em sua autoestima. Podemos averiguar isto, no comportamento de crianas bran-cas em relao a crianas negras, conforme uma professora relatou:
A criana falou: No quero essa menina perto de mim [...] essa
neguinha perto de mim (na festa junina). Ah, no quero danar com
ela (criana negra). A criana no diz especificamente por que no
quer danar... mas voc tem que ter jogo de cintura como professora
para montar os pares de maneira que a criana negra seja bem aceita
como par.
[...] s vezes ela (a criana negra) no convidada para fazer parte
da brincadeira. So poucos os que a chamam, os que a convidam. Elas
(as crianas brancas) do preferncia s outras crianas brancas para
ficar brincando (idem, p. 277-8).
Essa ocorrncia nos ajuda a entender por que a maioria das professoras de educao infantil que participaram do pr-mio Educar para a igualdade racial comeou a desenvolver ex-perincias a partir dos conflitos que surgem entre as crianas.
Com efeito, crianas em idade de educao infantil ouvi-das pela pesquisadora Eliete de Godoy (1996)1 j apresentavam opinies sobre as razes pelas quais pessoas nascem negras e outras brancas. Algumas afirmaram: porque assim na
1 GODOY, Eliete A. de. A representao tnica por crianas pr-escolares. In: IV Simpsio Internacional de epistemologia Gentica, 1996, guas de Lindia. XIII Encontro Nacional de professores do PROPRE, 1996.
Muitas vezes, as crianas negras no recebem a mesma ateno que as brancas.
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barriga da me; porque veio do cu assim ou ainda porque bebe muito caf. Nessas falas as crianas no expressaram julgamentos ou preferncia por determinada tonalidade. No entanto, no mesmo estudo, algumas crianas disseram que [...] o preto e o branco no combinam, s cor repetida com-bina, branco com branco, preto com preto. Ou seja, apresen-tam concepes negativas sobre a convivncia entre os grupos tnico-raciais.
Tal cenrio revela que essencial que as professoras es-tejam preparadas para lidar com a questo das diferenas, em especial relacionadas ao pertencimento racial, tanto com as crianas quanto com suas famlias. Tambm fundamental que saibam explicar para as crianas que as diferenas fazem parte da histria da humanidade e no significam inferioridade.
Entre o silenciamento e as frases de efeitoAs atitudes racistas, se no problematizadas pela profes-
sora com a totalidade dos alunos, podem potencializar discri-minaes e preconceitos em relao s crianas negras. Obser-vemos o relato:
A gente teve a ideia de fazer um painel da etnia no corredor [...]
como se fosse uma boneca segurando esse painel. [...] A boneca era ne-
gra. A uma criana (de 3 anos) falou: Nossa, mas que boneca feia. Eu
falei: Voc achou ela feia?. Achei. Por qu? Ah! porque se parece
com voc (professora negra), parece com a Cintia, e ela foi falando... ci-
tou a mim e todos os nomes das crianas negras da sala (DIAS, p. 269,
2007).
Essas atitudes, sem interferncia das professoras, po-dem ocasionar o afastamento, a recusa, por parte das crianas brancas, de querer brincar com as crianas negras. Como rela-tado por outra professora, uma menina se recusava a brincar no parque, alegando que, se ficasse ao sol, poderia ficar preta, e ela no queria. Ser negro significava algo ruim, negativo, a ponto de ela se recusar a brincar com os colegas no parque.
Para evitar comportamentos racistas, no adianta que as professoras usem frases de efeito, muito comuns no meio edu-
fundamental que saibam explicar para as crianas que as diferenas fazem
parte da histria da humanidade e no significam
inferioridade.
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cacional, como: Para mim, as crianas so iguais, Trato to-
dos do mesmo jeito, Aqui, na sala, no tem diferena de cor,
Nem percebo a cor dos meus alunos, No presto ateno
se tem preto ou branco na sala. E muito menos silenciarem
diante de situaes como a relatada por Carla (negra, 5 anos):
as crianas me xingam de preta que no toma banho [...] Fi-
cam me xingando de preta cor de carvo. Ela me xingou de
preta fedida. Contei para a professora e ela no fez nada.
Calando-se, as professoras acabam contribuindo para a
perpetuao de prticas discriminatrias, colaborando para
que, de um lado, crianas negras, em sua maioria, cresam
tmidas, temerosas e envergonhadas de si mesmas, e, de outro
lado, as instituies educacionais continuem sendo ambientes
que no as acolhem, negando insistentemente sua histria e
cultura, sem proteg-las contra a violncia da discriminao
e do preconceito raciais. Acrescente-se a isso o fato de que o
silncio colabora para que crianas brancas cresam acredi-
tando na superioridade que a brancura lhes possibilita.
Oliveira e Abramowicz (2010)1 destacam outro aspecto que nos parece fundamental: o fato de que, na creche, paparica-o (termo utilizado inicialmente por Aris, 1981) corresponde a uma prtica ou a um tratamento diferenciado (positivamen-te) em relao s crianas, justamente por algumas ganharem esse privilgio e outras no. Elas enfatizam que as crianas negras frequentemente no ganhavam paparicao, tendo em vista um processo de excluso que no era entendido como ato de segregao, mas apenas como o recebimento de um carinho diferenciado, com menor paparicao. O problema racial apareceu na relao das professoras com as crianas negras na forma da excluso de certa paparicao, que ocor-ria com determinadas crianas. As negras estavam, na maior parte do tempo, fora, em situaes como: contato fsico em determinados momentos, recebimento de elogios relaciona-dos beleza e ao bom comportamento e estabelecimento de esteretipos na relao entre a professora e a criana negra.
1 OLIVEIRA, Fabiana de; ABRAMOWICZ, Anete. Infncia, raa e paparicao, Educao em Revista. Belo Horizonte: v.26, n. 2, p.2009-226, ago.2010.
Calando-se, as professoras acabam contribuindo para a perpetuao de prticas discriminatrias, colaborando para que, de um lado, crianas negras, em sua maioria, cresam tmidas, temerosas e envergonhadas de si mesmas, e, de outro lado, as instituies educacionais continuem sendo ambientes que no as acolhem.
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Com base nesses relatos, podemos considerar que a educao
para a igualdade tnico-racial requer uma combinao de aes que coloquem em prtica os ideais de uma sociedade mais justa e demo-crtica, em que as crianas negras e indgenas tenham direito a seu pleno desenvolvimento. O papel das professoras torna-se fundamen-tal no sentido de assegurar o direito educao de qualidade a todas as crianas.
Neste sentido, apresentamos adiante, no captulo 5, estudo re-alizado pelo CEERT, em parceria com o MEC/COEDI e o UNICEF, em que nos debruamos sobre as experincias de educao infantil que foram premiadas ao longo de quatro edies do prmio Educar para a igualdade racial, pertencentes, pois, ao acervo do CEERT, buscando aprender com elas.
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Captulo 3
A diversidad
e e as desigua
ldad
es
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O termo diversidade, to utilizado nos documentos e nos debates referentes educao, costuma ser entendido como variedade, pluralidade e diferena. A diversidade frequentemente associada a lnguas e linguagens, culturas, cor da pele e outras caractersticas fsicas.
No entanto, segundo Muniz Sodr1, diversidade mais do que variedade de aparncias, a existncia de valores atribu-dos a determinadas aparncias, gerando estigma, esteretipo, preconceito e discriminao, ou seja, pressupe julgamento de valor. O diverso, o diferente, definido a partir da compara-o com o que considerado a referncia, o universal, que, por ser modelo, se considera superior.
Nesse sentido, a outra face da diversidade a referncia, a hegemonia exercida por aquele que no considerado nem se considera diverso, ou seja, daquele havido como par, o mes-mo, o universal. Ou seja, a necessidade de valorizao da diversidade explicita a existncia de processos de negao da multiplicidade de histrias, de trajetrias, de culturas dos gru-pos humanos.
Outro aspecto muito importante da palavra diversidade, salientado por Muniz Sodr2, o fato de ela ser abordada no territrio do cognitivo, ou seja, falamos em pensar a diversi-dade, entender a diversidade, em distinguir as diferenas. Para Sodr, a diversidade deveria estar mais no territrio do sentir. A diversidade menos para ser pensada e mais para ser sentida. Diversidade trata dos afetos e das atitudes. Est no territrio de aceitao do que considerado diferente, di-verso. Diversidade remete imediaticidade, proximidade, portanto tambm fsica. Trata-se da convivncia entre gru-pos humanos com diferentes histrias, trajetrias, religies, culturas e linguagens.
1 SODR, Muniz. Inveno do contemporneo: a
ignorncia da diversidade, 2007.
2 Idem
A diversidade menos para ser pensada e mais para ser sentida.
Diversidade trata dos afetos e das atitudes.
Est no territrio de aceitao do
que considerado diferente,
diverso.
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Diversidade, multiculturalismo e desigualdades
O conceito de diversidade compartilha vrias dimenses com o conceito de multiculturalismo. Ambos podem ser invoca-dos com o objetivo de relativizar ou minimizar o legado do racismo e da injustia social.
Em sua origem, o multiculturalismo aparece como princ-pio tico que orienta a ao de grupos culturalmente domina-dos. Falar de multiculturalismo falar do jogo das diferenas, cujas regras so definidas nas lutas sociais por atores que, por uma razo ou outra, experimentam o gosto amargo da discrimi-nao e do preconceito no interior das sociedades em que vivem.
No Brasil, quando se fala em ao afirmativa para negros e mulheres, logo surge a pergunta: E os outros discrimina-dos?. Muitas vezes essa pergunta surge para paralisar e es-vaziar a luta por aes afirmativas e cotas. O subtexto des-te questionamento a falsa premissa segundo a qual todos somos discriminados, todos somos contra a discriminao e, portanto, precisamos de polticas para todos. Ou seja, a diver-sidade no Brasil frequentemente utilizada para relativizar o peso da luta contra a discriminao e pela promoo da igual-dade de direitos.
Numa resposta instigante, alguns grupos excludos vm ressignificando a expresso diversidade e utilizando-a como for-a aglutinadora no caminho pela democratizao das relaes sociais. No territrio da educao, importantes segmentos do movimento social vm debatendo conjuntamente a discrimi-nao racial, de gnero, de idade, de pessoa com deficincia, de orientao sexual, fazendo um esforo para encontrar territ-rios de atuao conjunta. Esse processo ambivalente, contra-ditrio, gerador de tenso entre os grupos, mas vem se afirman-
Falar de multiculturalismo falar do jogo das diferenas, cujas regras so definidas nas lutas sociais por atores que, por uma razo ou outra, experimentam o gosto amargo da discriminao e do preconceito no interior das sociedades em que vivem.
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do como marco poltico no enfrentamento da discriminao e na defesa da igualdade de oportunidade e tratamento. Essa cone-xo dos diversos movimentos sociais se explicita em momentos importantes da histria da democratizao da educao no pas, como na Conferncia Nacional de Educao Bsica (2009)1. Des-sa forma, os movimentos sociais usam a expresso diversidade de outra maneira, como manifestao de resistncia.
Diversidade e resistnciaO professor Luis Gonalves2 destaca que desde 1950 te-
mos iniciativas no sentido de enfrentar o racismo e valorizar a cultura afro-brasileira na seara educacional.
Esse processo vem crescendo de maneira no linear, com um salto significativo na dcada de 1970, e, posteriormente, no centenrio da abolio da escravatura, quando ocorreu uma onda de publicaes sobre o assunto.
Na realizao da Conveno Nacional do Negro pela Constituinte (promovida pelo Movimento Negro Unificado em conjunto com vrias entidades negras de todo o pas, em Braslia, em 1986), a militncia aprovou uma srie de proposi-es que terminaram sendo inscritas na Constituio de 88. Trata-se de um expressivo leque de conquistas jurdicas, den-tre as quais a previso de que o ensino de histria deve levar em considerao a contribuio das diferentes culturas e et-nias para a formao do povo brasileiro3 e o respeito devido pela educao aos valores culturais4.
No ano de 1995 os principais jornais do pas noticiavam a mais notvel manifestao contempornea de rua organizada pelo Movimento Negro brasileiro: a Marcha Zumbi dos Palma-res, Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, que, no dia 20 daquele ms, mobilizou cerca de trinta mil pessoas em Bras-lia, ocasio na qual os coordenadores do evento reuniram-se com o presidente da repblica, entregando-lhe um documento pactuado entre as principais organizaes e lideranas negras do pas. No documento da Marcha pode-se ler: Com efei-to, o impacto do modelo educacional brasileiro sobre o povo negro caracterizado por sistemticos atentados dignidade humana. (...) De outro lado, a inculcao de imagens estereo-
1 Conferncia Nacional da Educao Bsica. 2009, Ministrio da Educao (Confirmar com Hdio)
2 GONALVES, Luis Alberto Oliveira; SILVA, Petronilha.
O jogo das diferenas: o multiculturalismo e seus
contextos. Belo Horizonte: Autntica, 1998.
3 Constituio Federal, art. 242, 2.
4 Constituio Federal, art. 210.
No territrio da educao, importantes
segmentos do movimento social
vm debatendo conjuntamente a discriminao racial, de gnero,
de idade, de pessoa com deficincia, de orientao sexual,
fazendo um esforo para encontrar
territrios de atuao conjunta.
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tipadas induz a criana negra a inibir suas potencialidades, limitar suas aspiraes profissionais e humanas e bloquear o pleno desenvolvimento de sua identidade racial. Cristaliza-se uma imagem mental padronizada que diminui, sub-represen-ta e estigmatiza o povo negro, impedindo a valorao positiva da diversidade tnico-racial, bloqueando o surgimento de um esprito de respeito mtuo entre negros e brancos e compro-metendo a idia de universalidade da cidadania.1
Formulaes interessantes sobre educao e igualdade racial tambm constaram do documento brasileiro apresen-tado na III Conferncia Mundial Contra o Racismo, a Discrimi-nao Racial, a Xenofobia e Intolerncia Correlata, realizada em Durban, em 2001.
Neste nterim, importantes instrumentos jurdicos da poltica educacional, dentre eles o Estatuto da Criana e do Adolescente (1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educao (1996) e o Plano Nacional da Educao (2001), foram discutidos e aprovados pelo Congresso Nacional sem se comprometerem com medidas voltadas para o enfrentamento da diversidade tnico-racial que caracteriza o alunado brasileiro.
Quinze anos se passaram da promulgao da Constituio de 1988 at que fosse promulgada, em janeiro de 2003, uma lei cuja principal funo consiste em regulamentar o referido ar-tigo da Constituio que se ocupa da diversidade tnico-racial na educao. Com a nova redao dada pela lei 10.639, a LDB passou a ter pelo menos duas regras diretamente preocupa-das com a temtica tnico-racial, conforme veremos adiante. Em 2005, outra vez o Congresso Nacional alterava a LDB, agora por meio da lei 11.645, inserindo a temtica da cultura ind-gena no mesmo patamar que aquela de raiz afro-brasileira.
Trata-se de um processo que configura verdadeira res-posta do Movimento Negro brasileiro ao que Flvia Rosemberg (1986) denominou a trajetria acidentada da criana negra na escola, na qual se observa a hostilidade com que o sistema educacional trata as crianas negras. Destacam-se a as ima-gens produzidas sobre a criana negra e sobre seu povo, os silncios, o no reconhecimento de sua cultura e o impacto deste vazio na identidade da criana.
1 Por uma Poltica de Combate ao Racismo e Desigualdade Racial: Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida. Braslia: Cultura Grfica e Editora Ltda. 1996, p. 23 e 26.
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Esse quadro de violao de direitos requer que os profissio-nais da infncia estejam atentos ao exposto nas novas Diretri-zes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil, cuja fun-o sociopoltica e pedaggica descrita nos seguintes termos:
[...] requer oferecer as melhores condies e recursos construdos
histrica e culturalmente para que as crianas usufruam de seus direitos
civis, humanos e sociais e possam se manifestar e ver essas manifestaes
acolhidas, na condio de sujeito de direitos e de desejos. Significa, final-
mente, considerar as creches e pr-escolas na produo de novas formas
de sociabilidade e de subjetividades comprometidas com a democracia e
a cidadania, com a dignidade da pessoa humana, com o reconhecimen-
to da necessidade de defesa do meio ambiente e com o rompimento de
relaes de dominao etria, socioeconmica, tnico-racial, de gne-
ro, regional, lingustica e religiosa que ainda marcam nossa sociedade.
Nesse contexto, atuam ainda mecanismos utilizados para invalidar as experincias e histrias culturais de estudantes negros e indgenas, afetando profundamente suas identida-des, gerando baixa autoestima, e provocando sentimento de superioridade nas crianas brancas.
Diversidade e identidadeSegundo Janet Helms (1990)1, identidade racial :
um sentimento de identidade coletiva ou grupal, baseado em uma
percepo de estar compartilhando uma herana racial comum com um
grupo racial particular [...]. um sistema de crenas que se desenvolve
em reao a diferenciais percebidos no pertencimento a grupos raciais.
Em sociedades como a nossa, em que o pertencimento a um grupo racial enfatizado, o desenvolvimento da identi-dade racial ocorrer de alguma forma com qualquer pessoa. Dada a situao desigual entre brancos e negros, no sur-presa que esse processo de desenvolvimento se desdobre de diferentes maneiras.
Brancos e negros vivenciaram trajetrias muito diferen-ciadas, herdaram benefcios e prejuzos (concretos e simbli-cos) de um mesmo processo histrico. E essa herana se refle-te objetivamente nas diferentes condies de vida de negros e brancos, e tambm subjetivamente, na maneira como se vem
1 HELMS, Janet E. Black and white racial identity: theory,
research and practice. New York, Greenwood Press,
1990.
Esse quadro de violao de direitos requer que os profissionais da infncia estejam
atentos ao exposto nas novas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educao
Infantil.
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ou so vistos, na maneira como se sentem com relao a si prprios e aos outros.
Nesse processo, as diferenas reais ganham outra dimen-so, porque a tomada de conscincia das diferenas, e no as diferenas, o que leva construo da identidade tnica (Teixeira, 1992)1.
A educao comprometida com a diversidadeComo nos evidencia Silveira (2002), a educao
orientada para a diversidade deve contemplar:
1. A nfase na autorreflexo sobre a atuao na escola, so-bre o quanto aprendem com as crianas, ou seja, a pres-suposio de que as professoras de instituies de edu-cao infantil podem e devem sentir-se educadoras no sentido amplo da palavra;
2. A ateno para o fato de que educadores e gestores sem-pre podem estar posicionados em relao aos grupos dis-criminados em razo de seus preconceitos e/ou de seus prprios pertencimentos, inclusive eventuais privilgios simblicos e materiais decorrentes da condio de ser identificado como branco;
3. O reconhecimento da alienao provocada pela for-a do mito, ou seja, a possibilidade de que o mito da democracia racial brasileira ainda esteja presente na ideia de diversidade da poltica curricular para o ensi-no fundamental;
4. O reconhecimento da discriminao institucional como elemento fundamental. Instituies foram fei-tas para se conservar resistem a mudanas. Proces-sos de sensibilizao e formao sem mudanas nas estruturas avanam mais lentamente a criao de regras institucionais para o cotidiano das instituies pode ajudar muito;
5. As possibilidades mobilizadoras de crtica e ao so-cial, por meio de conceitos que ainda guardam esse potencial, tais como igualdade, liberdade, cultura e outros.
1 BENTO TEIXEIRA, Maria Aparecida Silva. Resgatando a minha bisav discriminao racial e resistncia na voz dos trabalhadores negros (dissertao de mestrado). So Paulo, Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, 1992.
Identidade exprime, acima de tudo, o sentido de pertinncia dos membros do grupo tnico ao seu grupo especfico e reflete a forma pela qual um grupo social, com mais poder, define aqueles grupos com menos poder, colocando-os parte e limitando sua participao (Bento, 1992).
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Identidade exprime, acima de tudo, o sentido de pertinncia dos membros do grupo tnico ao seu grupo especfico e reflete a forma pela qual um grupo social, com mais poder, define aqueles grupos com menos poder, colocando-os parte e limitando sua participao (Ben-to, 1992).
Assim, a pergunta : qual o significado de diversidade quando aparece desarticulada da desigualdade social?
No prximo captulo veremos a importante articulao entre o conhecimento destes fenmenos sociais e a construo de uma edu-cao promotora da igualdade racial. Julgamos que seja imprescind-vel aos professores compreenderem esses processos e isso depender fundamentalmente de aes de formao, seja no mbito da formao inicial, seja na formao continuada.
Ao incluir nos pressupostos de formao do professor a exigncia de que esse profissional reflita sobre as diferenas culturais (compre-endemos que essas diferenas incluem o pertencimento dos alunos a grupos tnicos ou raciais), temos justificada a necessidade imperativa dos cursos de formao contemplarem a temtica da diversidade e da igualdade tnico-racial. Tal perspectiva parece tornar cada vez mais concreta a compreenso de que os saberes docentes devem incluir percepes sobre as diferenas culturais e raciais de seus alunos e os modos pelos quais se possa trabalhar pedagogicamente com tais dife-renas. Essa perspectiva deveria fazer-se presente tanto na formao inicial quanto na continuada.
Sempre que a formao especfica ocorra, devem ser contempla-dos de algum modo saberes que permitam aos professores compreen-der questes relativas diversidade e igualdade tnico-racial.
No prximo captulo destacaremos a importncia de os professo-res, especialmente dos que atuam na educao infantil, apropriarem-se de conhecimentos sobre a articulao entre infncia e diversidade tnico-racial.
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Captulo 4
Infncia e edu
cao tnico-racial: estru
turas e sing
ularidad
es
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Criana: sujeito histrico, social e cultural
1 CORSARO, William A. The sociology of childhood.
Thousand Oaks, Califrnia: Pine Forge Press, 1997
(Sociology for a New Century).
...se, por um lado, as crianas reagem cultura do adulto, tentando dar-lhe sentido e frequentemente resistindo a ela, por outro retiram de sua experincia familiar o modo de como tratar os pares. Em alguns aspectos, a cultura entre parceiros afeta a forma pela qual as crianas interagem com os pais e com outros adultos.
(CORSARO, 1997, p. 1)
De acordo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil DCNEI e Resoluo CNE/CEB no 5, de 17 de dezembro de 2009, a criana concebida como o centro do planejamento curricular, sendo considerada sujeito histrico e de direitos, que se desenvolve nas interaes, relaes e pr-ticas cotidianas a ela disponibilizadas e por ela estabelecidas com adultos e crianas de diferentes idades nos grupos e con-textos culturais nos quais deseja, aprende, observa, conversa, experimenta, questiona, constri sentidos sobre o mundo e suas identidades pessoal e coletiva, ao mesmo tempo em que produz cultura.
Assim, independentemente das diferenas entre cada sociedade ou cultura, as crianas distribuem-se na estrutura social segundo a classe social, a etnia e a raa, o gnero e a cultura. Esses so aspectos importantes na caracterizao da posio social ocupada pelas crianas.
Indiscutivelmente, as condies de nascer e de crescer no so iguais para todas as crianas.
Toda criana pequena merece ser encorajada a explo-rar seu ambiente e a se expressar por meio de diversas lin-guagens, incluindo palavras, movimento, desenhos, pinturas, montagens, esculturas, teatro de sombras, colagens, dramati-zaes e msica. A instituio de educao infantil deve ofe-recer ambientes em que a criana seja protagonista, ativa, nos
As crianas so agentes ativos que constroem suas prprias culturas e contribuem para a
produo do mundo adulto.
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A educao voltada para crianas de 0 a 6 anos requer uma pedagogia que possibilite a constituio de um espao de escuta, de respeito, de valorizao da cultura de cada criana, em suas diferentes realidades.
quais possa experimentar o dilogo e a interao com outros, na vida coletiva das salas de atividades nas instituies, da comunidade e da cultura, em que professoras e professores sero facilitadores dessa interao.
Sirota (2001)1 destaca que a infncia no mais conside-rada fenmeno diferente e relacionada imaturidade biolgi-ca; tambm no mais um elemento natural ou universal dos grupos humanos, mas aparece como componente especfico, tanto estrutural quanto cultural, de grande nmero de socie-dades. Javeau (1994) e Jenks (1997), ambos citados por Sirota, consideram a infncia uma das idades da vida que necessitam de explorao especfica, como a juventude ou a velhice.
preciso destacar que:
[...] O conjunto de experincias vividas por elas [pelas crianas] em
diferentes lugares histricos, geogrficos e sociais muito mais do que
uma representao dos adultos sobre esta fase da vida. preciso conhecer
as representaes de infncia e considerar as crianas concretas, localiz-
las nas relaes sociais etc., reconhec-las como produtoras da histria2.
Abramowicz, Levcovitz e Rodrigues (2009, p. 193)3 desta-cam que importante no ter um modelo de criana, uma referncia de infncia, mas efetivamente buscar reconhecer a diversidade das histrias e culturas presentes no cotidiano. Segundo ela, a pedagogia da escuta respeita mais e prescreve menos. Cria condies para um ambiente que um lugar de vida infantil, muito mais do que um lugar institucional con-cebido e finalizado para objetivos do tipo didtico. As autoras chamam a ateno para o fato de que a educao de crianas pequenas as coloca no espao pblico, que aquele que per-mite mltiplas experimentaes.
Nessa educao, a professora se esfora para entender o que as crianas falam, o que querem conhecer, o que h de in-teressante a fazer e a deixar de fazer, a estudar, deixar para l,
1 SIROTA, Rgine. Emergncia de uma sociologia da infncia: evoluo do objeto e do olhar. Cadernos de Pesquisa. So Paulo, n 112, maro-2001, p. 7-31.
2 KUHLMANN, Moyss Jr. Infncia e educao infantil: uma abordagem histrica. Porto Alegre: Mediao, 2001, p. 54, 2 edio.
3 Abramowicz, Anete; Levcovitz, Diane; Rodrigues, Tatiane Cosentino. Infncias em Educao Infantil. Pro-Posies, Campinas, v. 20, n. 3 (60), p. 179-197, set./dez. 2009.
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pensar o que h de interessante para visitar, as novas formas de brincar, que msicas e que danas podem ser inventadas. E nesse contexto que se potencializa a idia de infncia como experincia. A abertura para a experincia possui, por si s uma flexibilidade que favorece a multiplicidade de estticas, de culturas, de modos de ser, ou seja, uma verdadeira celebra-o da diferena. Esse contexto o oposto do que se constata na pedagogia centrada nos currculos nacionais unificados, que investem na valorizao de determinada esttica e em padres homogneos, bem como na adoo de idias comuns, entre elas, luz da experincia brasileira, a da democracia racial (ABRAMOWICZ; LEVCOVITZ; RODRIGUES, 2009, p. 186 e 194).
Essa mudana de paradigma requer dos profissionais for-mao adequada, bem como contedos pedaggicos que pos-sam auxiliar no processo de desenvolvimento das crianas e no respeito suas diferenas. Educar e cuidar so um binmio importante, definindo aes de igual magnitude nas institui-es que atuam com crianas pequenas.
Como educar num contexto de diferentes culturas e his-trias? Decerto, uma pressuposto bsico assegurar a presen-a de contedos e atitudes positivas, que auxiliem as crian-as a se sentirem fortalecidas, em harmonia com seus corpos, suas culturas e suas singularidades.
Em instituies educativas, as crianas de 0 a 6 anos pre-cisam ter direito a brincadeiras, a uma ateno individual, a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante, ao contato com a natureza, a uma alimentao sadia, ao desenvolvimen-to de sua curiosidade, imaginao e capacidade de expresso, ao movimento em espaos amplos, a proteo, afeto, amizade, expresso de seus sentimentos, ateno especial durante seu perodo de adaptao e ao desenvolvimento de sua identidade cultural, racial e religiosa.
O conhecimento da professora sobre diferentes culturas, povos e histrias ajuda no s a acolher as crianas, mas a favorecer a convivncia e valorizar a diversidade.
A criana se constri como sujeito por meio das mltiplas interaes sociais e das relaes
que estabelece com o mundo,
onde influencia e influenciada por ele,
ao mesmo tempo em que constri
significados a partir dele.
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Por outro lado, fundamental destacar que a prtica pe-daggica na educao infantil demanda habilitao em con-sonncia com a legislao vigente e qualificao para propor-cionar criana experincias que ampliem suas experincias culturais e propiciem seu bem-estar fsico e emocional. Para isso, alm dos conhecimentos e das habilidades necessrios para o trabalho cotidiano com a criana em instituies edu-cativas, destacamos a importncia da criao de contextos que favoream uma relao de compartilhamento com as fa-mlias das crianas e com a comunidade em geral.
O trabalho docente na educao infantil ento enten-dido na perspectiva da profissionalidade, o que significa uma construo na qual professores e professoras so compreen-didos como atores sociais que, agindo num espao institucio-nal dado, constroem nessa atividade sua vida e sua profisso. Como diria Tardif e Lessard (2005, p. 38): so atores que [...] do sentido e significado aos seus atos e vivenciam sua funo como uma experincia pessoal, construindo conhecimentos e uma cultura prpria da profisso.
A compreenso da docncia como construo social traz para o centro das discusses novas perspectivas de anlise destacando a subjetividade dos professores, ao mesmo tempo em que os coloca como sujeitos ativos, produtores de saberes especficos do seu trabalho. Saberes especficos para o traba-lho na e para a infncia, para e com a criana.
Desse modo, ao mesmo tempo em que se constri como profissional da infncia, protagonista de sua ao profissional, segundo Guimares e Leite, torna-se capaz de possibilitar um vnculo positivo das crianas com o processo de explorao do mundo ao invs de crianas passivas e respondentes e vislumbrar a constituio de sujeitos ativos, formuladores de hipteses, criativos, transformadores.
No que diz respeito formao de professores, a LDB 9.394/1996, alterada pela lei 10.639/2003, indica que ela se far em nvel superior, em curso de licenciatura, de graduao plena, em universidades e institutos superiores de educao.
O grande desafio das prticas desenvolvidas nas instituies de educao infantil reconhecer a criana enquanto sujeito histrico, sujeito que se apropria e produz cultura.
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No entanto, ainda admite, como formao mnima para o exerccio do magistrio na educao infantil e nas quatro pri-meiras sries do ensino fundamental, aquela oferecida em n-vel mdio, na modalidade normal.
Enfim, a formao de professores pode assegurar que a infncia seja verdadeiramente tratada nas instituies educa-cionais como construo histrica, social, cultural e poltica. Pode oferecer elementos para que a professora perceba as di-ferentes populaes infantis, com e em diferentes processos de socializao.
Criana e infncia so compreendidas
como construes sociais. De tal modo, que o
conceito de infncia fornece um quadro
interpretativo que permite
contextualizar os primeiros anos da vida humana.
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Captulo 5
Metod
olog
ias pa
ra a valorizao
da diversidad
e tnico-racial n
a ed
ucao
infantil
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pppppppppppppppppp pAfinal, o que caracteriza as experincias bem sucedidas de desenvolvi-
mento da temtica tnico-racial? Como superar as resistncias e os problemas que frequentemente surgem no desenvolvimento dos projetos sobre esse tema?
Que apoios so necessrios? Onde procurar ajuda e obter os recursos necessrios implementao desses projetos?
Neste captulo, apresentamos dados relativos ao estudo do acervo de prticas pedaggicas do prmio Educar para a igualdade racial, que integram o banco de dados das expe-rincias selecionadas durante as quatro edies (2002, 2004, 2006, 2008), considerando as categorias de educao infan-til, fundamental anos iniciais/finais e mdio, realizadas pelo CEERT.
So mais de mil prticas pedaggicas registradas por edu-cadores de todo o pas, acumuladas desde 2002. Trata-se de uma singular fonte de informao tanto para polticas edu-cacionais da unio, dos estados e municpios, como fonte de estudos e pesquisa para universidades, acadmicos, educado-res, estudantes e pblico em geral, interessados em conhecer o fazer do educador, narrado por ele prprio suas dificuldades, estratgias, metodologias, superaes.
Ao analisar os diferentes aspectos que caracterizam o de-senvolvimento de aes para a educao voltada para a igual-dade tnico-racial, os gestores e as professoras apontaram problemas e possibilidades de soluo, apresentadas a seguir como uma referncia que pode contribuir com outras institui-es e professores.
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1. Conflitos como molas propulsoras na educao infantil
Convm assinalar que no raramente professoras declaram que decidiram trabalhar o tema tnico-racial inicialmente como resposta a conflitos que surgi-ram nas relaes entre criana-criana. Tambm foram citados os conflitos entre famlia-professor e entre professores.
Desse modo, podemos afirmar que os conflitos tendem a figurar como mola propulsora para a realizao de trabalhos que visaram a promoo da igualdade racial e a superao da discriminao e do preconceito racial. A experincia relata-da a seguir exemplifica caso tpico em que a professora resolveu atuar em razo de conflitos surgidos entre as crianas, motivados por pertena tnico-racial:
Experincia 1 Maracazinho valorizando a cultura afrodescendente
O desenvolvimento do projeto
O tema geral do projeto Maracazinho foi o maracatu de baque-virado. A professo-ra foi envolvendo progressivamente todas as crianas por meio da msica, da dana e da valorizao da cultura afrodescendente. Isso foi acontecendo cotidianamente nas atividades com desenhos, com leituras de trechos de textos sobre maracatu, rodas de conversa, leituras de imagens, consultas s crianas para sondar seus conhecimen-tos prvios, bem como da criao de um cantinho para os instrumentos musicais do maracatu. Foi muito importante nesse processo o envolvimento dos pais participan-do das atividades, das oficinas e das pesquisas que foram realizadas. Os esforos da professora trouxeram resultados significativos para as crianas: a aproximao mais calorosa entre elas, o desenvolvimento da oralidade, a elevao da autoestima e o fortalecimento da identidade.
Escola: EMEI Lar Meimei, Olinda, PE Professora: Ceclia de Morais Dantas
Acervo do 2o prmio Educar para a Igualdade Racial do CEERT.
Aprendendo com a experincia
Observando essa experincia premiada e a recomendao dos especialis-tas que a analisaram, podemos destacar a importncia de:
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1. Propiciar que as crianas brancas e negras vivenciem igualmente situ-aes cotidianas, nas quais possam ter suas caractersticas culturais e fenotpicas elogiadas e valorizadas;
2. Oferecer situaes nas quais as crianas sejam convidadas a dividir ma-teriais, espaos de brincadeiras etc.;
3. Garantir que crianas negras e brancas tenham tratamento igualitrio nas diversas situaes cotidianas da educao e do cuidado, tais como no momento da alimentao, do banho, da brincadeira e dos afetos;
4. Garantir que nas atividades dirias as crianas negras e brancas recebam a mesma ateno do professor, principalmente no acolhimento, momento de adaptao entrada na instituio;
5. Problematizar o sentimento de superioridade que as crianas brancas possuem em relao s crianas negras por meio de atividades;
6. Promover a reflexo sobre a temtica da diversidade como componente curricular da educao infantil.
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2. Incluso da temtica no
projeto poltico-pedaggico (PPP)
Um nmero expressivo de professoras assinalou que no fazia parte das concepes do PPP das escolas a preocupao com a temtica da diversidadetnico-racial. Portanto, as atividades realizadas por elas caracterizaram-se como aes isoladas.
Os recursos financeiros para a realizao dos projetos vieram em grande parte da Associao de Pais e Mestres (APM), porm contaram tambm com recursos pr-prios e, eventualmente, com doaes e apoio da Secretaria Municipal de Educao.
Nesse sentido, trazemos uma experincia premiada que justamente estava includa no PPP da escola. Outra caracterstica desta experincia so temas como aspectos da cultura afro-brasileira, identidade a e autoestima. Esses tambm fo-ram os mais abordados nas experincias inscritas no Prmio: a cultura (afro-bra-sileira, africana e indgena), formao de identidade, autoestima, direitos huma-nos, racismo, discriminao e preconceito, diversidade, diferenas fsicas e gnero.
Experincia 2 Griot: africanidades na educao infantil O desenvolvimento do trabalho
A experincia estava inscrita no PPP (projeto poltico pedaggico) da escola, o que ajudou muito na sua efetivao. As crianas foram os atores principais nesse trabalho sobre a frica e Angola, sempre recontando as histrias dos filmes e das confeces dos materiais que faziam. Foram envolvidas em rodas de conversas e apresentaes de artefatos para imitao da cultura de Angola. Trabalharam em montagem de pai-nis, confeco de boneca de papel de revista, modelagem de uma galinha da angola feita de argila e posteriormente pintada pelas crianas, confeco de um quadro-cenrio e personagens de papel para contao de histrias.
Os pais encontraram na escola um espao para expor suas dificulda-des em relao sua identidade de cor-raa e de como se sentiam em rela-o aos preconceitos e s discriminaes j sofridas. As crianas conhece-ram a cultura africana, em especial a do pas de Angola. A convivncia entre pessoas de diferentes raas e etnias era sempre estimulada, promovendo respeito e solidariedade s diferenas.
Escola: EMEI Victrio Rebucci, So Carlos, SPProfessora: Dirlene Isabel Sebin Martins de Oliveira
Acervo do 2o prmio Educar para a Igualdade Racial do CEERT.
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Aprendendo com a experincia
Observando essa experincia premiada e a recomendao dos especia-listas, destacamos as aes que devem ser implementadas pelas Secretarias Municipais e Estaduais de Educao, bem como especificamente pelo pro-fessor:
1. Indicar a obrigatoriedade da insero da temtica tnico-racial nos PPPs (projeto poltico pedaggico) das instituies de educao infantil, bem como supervisionar estas aes e identificar as verbas pblicas dispon-veis para uso nas instituies;
2. Participar ativamente dos conselhos de escolas para sugerir como devem ser utilizados os recursos financeiros, em funo do projeto poltico peda-ggico da educao infantil;
3. Envolver a famlia em atividades, nas quais a diferena e a con-dio de negros podem ser valoradas positivamente, colaborando para a formao de uma identidade positiva para crianas e famlia.
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3. Planejamento conjunto
das atividades
A maioria das atividades planejadas pelas professoras contou com a colabo-rao dos pais e de outros professores na execuo do projeto. Nesse sentido, as professoras destacaram que o apoio dos profissionais da prpria escola, da comu-nidade e das instncias governamentais essencial para a realizao e o sucesso do trabalho. Para exemplificar, segue o relato de uma experincia premiada:
Experincia 3 Vamos brincar no quintal?
O desenvolvimento do projeto
O trabalho envolveu fortemente os pais e a comunidade. Procurando abordar questes tnico-raciais e de gnero, de forma ldica para a construo da identida-de, a professora envolveu as crianas a partir de brincadeiras da tradio brasileira como: pio, corda, bola, hlice, elstico, amarelinha, rodas cantadas, idas ao parque e ao quintal, aulas na piscina e formao de congada. Um dos pontos marcantes do trabalho foi a presena de Mestre Silvio, lder da congada na comunidade local. Os pais, alm da participao no decorrer do trabalho, na troca das brincadeiras com as crianas, realizaram ao final do projeto, juntamente com a comunidade escolar, uma grande festa na qual a escola ofereceu um almoo e seu espao fsico. As famlias contriburam com refrigerantes e sobremesas e as crianas com suas experincias, ensinando, rememorando e resgatando o prazer do brincar.
Escola: CEU EMEI Aricanduva, So Paulo, SPProfessoras: Amanda Gomes Pinto e Ftima Regina Graminha
Acervo do 4o prmio Educar para a Igualdade Racial do CEERT
Aprendendo com a experincia
Pode-se destacar como aprendizado desta experincia, a importncia de:
1. Planejar, executar e avaliar as atividades com professores, gestores e famlias;
2. Promover a socializao do planejamento nos encontros com as famlias e comunidade para que amplie a legitimidade;
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3. Fomentar a criao de redes para trocas de experincias entre as famlias, os professores da escola e de outras escolas, como tambm atividades de pesquisa de materiais, recursos alternativos, metodologias etc.;
4. Sugerir momentos de avaliao coletiva envolvendo famlia, docentes e gestores da escola sobre todos os trabalhos realizados, e em especial so-bre as temticas raciais;
5. Organizar, a partir das experincias, grupos de estudo entre professores e gestores, que discutam a temtica e as formas de inclu-la na prtica pedaggica cotidianamente.
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Experincia 4 Gnero e raa: mala da diversidade A viagem em busca de nossas razes
O desenvolvimento do projeto
O projeto envolveu famlia, criana e escola. Entre as diversas atividades, ocorreu a confeco, em parceria com os pais, de um boneco de pano e uma pequena mala para cada criana. O boneco era transportado para outros espaos da instituio de edu-cao infantil e, aos finais de semana, ele visitava a casa das crianas, acompanhado de um dirio de bordo para que os pais pudessem registrar os fatos interessantes da visita. O envolvimento das crianas iniciou-se a partir do livro animado Ana e Ana, culminando com situaes de aprendizagem a partir do manuseio e da explorao da mala da diversidade. No incio do projeto, as crianas se sentiam incomodadas ao to-car o corpo dos amigos, ato estimulado pela professora. As crianas negras no gosta-vam que tocassem em seus cabelos e outras crianas evitavam brincar com bonecas negras. Contudo, no decorrer do projeto, mudanas positivas ocorreram no comporta-mento das crianas. As atividades e as dinmicas as envolveram, amenizando certas resistncias e rejeies, indicando uma apropriao dos conhecimentos vivenciados.
Escola: Creche Heitor Villa Lobos, Santo Andr, SPProfessora: Sueli Buzano da Costa
Acervo do 4o prmio Educar para a Igualdade Racial do CEERT
Aprendendo com a experincia
Esta experincia nos ensina a importncia de:
1. Abordar e ajudar as crianas a entenderem as diferentes texturas de cabelo, cor de pele etc.;
2. Explorar e promover atividades sobre a diversidade do ser criana no Brasil e no mundo: brincadeiras, cantigas, histrias, roupas, escolas, comidas etc.;
3. Promover situaes nas quais as crianas possam compreender que as diferenas (cor, cabelo, tipo de nariz...) no significam inferioridade;
4. Escutar as hipteses formuladas pelas crianas, principalmente no que se refere ao pertencimento racial. Realizar projetos de mdia e longa durao, pensando-se em atividades interdisciplinares;
5. Promover a insero do tema da diversidade tnico-racial em todos os tempos e espaos da instituio de educao infantil ao longo de todo o ano;
6. Documentar o trabalho realizado por meio de registros sistematizados, de modo a permitir a reflexo sobre cada etapa e condensar uma memria rica dos projetos;
7. Compartilhar com a coordenao pedaggica e outros professores indicaes para a elaborao dos registros;
8. Confeccionar materiais para que as crianas possam lev-los para casa: livro, brin-quedo, bonecos, objeto de arte, instrumento musical etc.
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4. Participao da comunidade
Grande parte dos projetos estudados do Prmio Educar para a Igualdade Racial, houve a participao da comunidade e das famlias.
De acordo com as professoras, a participao da comunidade fundamental, pois permite a ampliao da temtica para outros espaos como templos religiosos, associaes, clubes etc. Isso fortalece tambm o trabalho desenvolvido pela escola, compartilhando-se a responsabilidade com a sociedade. preciso tambm fortalecer a contribuio dos movimen-tos negros, dos grupos culturais locais e das organizaes no governamentais pelo acmulo, tanto no que diz respeito aos contedos a serem desenvolvidos como na definio de estrat-gias e metodologias a serem aplicadas. Essa parceria permite um dilogo mais estreito entre educao e sociedade na busca das melhores solues para o enfrentamento dos conflitos, in-tolerncias e resistncias aos projetos. Podemos observar isso na experincia descrita a seguir:
Experincia 5 Herana: valores civilizatrios afro-brasileiros
O desenvolvimento do projeto
O trabalho envolveu os pais por meio de encontros em que eram realizadas din-micas com msica, projeo de filmes, bem como discusses e palestras com repre-sentantes do Movimento Negro, permitindo que cada pai se colocasse e compartilhas-se sua histria pessoal. Os professores adaptaram suas salas de acordo com a faixa etria das crianas, envolvendo-as em atividades como: contao de histrias, de mi-tos, apresentao de msicas, de poesias, de fotos, reproduo de obras de arte como O Mestio, de Cndido Portinari, e A Negra, de Tarsila do Amaral, e recortes de revistas.
As atividades foram acompanhadas de debates, de produes de textos coletivos, ilustrao de personagens, teatro de fantoches, bonecas, lendas e fbulas, e outros recursos com o corpo, sempre valorizando os conhecimentos prvios das crianas em relao ao tema. Nesse trabalho, houve espao para o desabafo dos pais sobre o sofrimento do preconceito vivido. Os professores, por sua vez, ampliaram seus co-nhecimentos mostrando ao final do trabalho a beleza da frica em um CD com se-leo de msicas enfatizando o tema. Foi possvel perceber menor resistncia das crianas em trabalhar o tema. Ao abordar os valores civilizatrios em aes do dia-a-dia, as crianas ficaram mais atentas, intervindo e no se calando em situaes preconceituosas.
Escola: EMEI Mario Quintana, Diadema, SPProfessora: Raquel Rodrigues do Prado
Acervo do 4o prmio Educar para a Igualdade Racial do CEERT
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Aprendendo com a experincia
Observando essa experincia premiada e a recomendao dos especialis-tas, destacamos a importncia de:
1. Mapear grupos culturais, sociais, Movimento Negro e organizaes no go-vernamentais locais para fortalecer o trabalho desenvolvido pela escola;
2. Desenvolver aes especficas com as famlias, como palestras, encontros de formao, relatos de vida etc., para alm daquelas de apoio ao desen-volvimento do projeto;
3. Incluir e valorizar os saberes da comunidade na prtica cotidiana;
4. Construir com as crianas registros decorrentes do projeto, de modo a co-municar as experincias. importante acreditar no potencial de produo das crianas, pois os processos de criao tornam a aprendizagem mais rica, que, para ocorrer, requer interao social e cooperao da comunida-de, ou seja, uma prtica compartilhada.
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Experincia 6 - Projeto Gri: contador de histrias
O desenvolvimento do projeto
O projeto permitiu que cada criana entrasse em contato com sentimentos, emo-es e conhecimentos que caracterizam sua descendncia cultural e racial. Para en-trar em contato com a cultura africana, as crianas visitaram o Museu Afro-Brasileiro, confeccionaram panos com retalhos de diversos traados, participaram de leituras de contos de origem africana, tiveram sesso de penteados de birotes e realizaram plantio de sementes. O projeto tambm contou com forte participao dos pais e da comunidade. Algumas mes realizaram oficinas de tranados de acordo com os con-tos escolhidos.
A comunidade escolar e local, promoveram uma tarde de chs. Para cada con-to narrado, eram realizadas atividades em que as crianas podiam sentir-se va-lorizadas e participantes. Esse trabalho contribuiu muito para a construo da identidade racial das crianas, para o fortalecimento da autoestima e da auto-confiana delas, permitindo o conhecimento da histria e da cultura africana.
Escola: Escola Creche Vov Zezinho, Salvador, BAProfessora: Rita de Cssia Silva Santos
Acervo do 3o prmio Educar para a Igualdade Racial do CEERT
Aprendendo com a experincia
1. Construir estratgias que possam promover a construo positiva da auto-estima das crianas negras, como a elaborao de cartazes com adultos e crianas negras em diferentes posies sociais, bonecas negras, espelhos;
2. Realizar atividades que possibilitem a valorizao de suas caractersticas, bem como o reconhecimento de sua beleza.
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5. Metodologias que deram certo
As metodologias apontadas pelas professoras como mais adequadas para a educao infantil, consequentemente as mais utilizadas, foram: exposio (38%)1 e dramatizaes (31%)2, seguidas de outras como contao de histrias, observao e realizao de feiras. Foram citadas ainda roda de capoeira e brincadeiras de roda. Podemos observar isso na experincia descrita a seguir:
Experincia 7 Sensibilizar para a igualdadeO desenvolvimento do projeto
Nesse projeto, foram abordadas questes como: a origem do nome da criana, rvores genealgicas de cada criana e famlia, o motivo da escolha do nome. Para isso, a professora envolveu as crianas com rodas de conversa, construes coletivas, exibio de filmes, leitura e repetio de poesias, audio de msicas clssicas e fol-clricas, pesquisa de fotos em revistas. Foi feito levantamento dos conhecimentos das crianas e estimulada a expresso de sentimentos.
Alm do corpo docente da escola, o trabalho foi acompanhado por professores de outras escolas e por especialistas. Tambm contou com forte participao dos pais. Ao final do trabalho, houve produes como exposio de painel de fotos, cartazes na sala de aula com imagens de crianas, adultos, idosos, famlias, negros, brancos e asiticos inseridos na comunidade. Esse trabalho permitiu s crianas vivenciar mudanas de comportamentos e sentimentos, pois inicialmente os sentimentos ob-servados foram de culpa e rejeio. No decorrer do trabalho, as manifestaes obser-vadas foram de sentimentos de amor, unio, aceitao, respeito, percepo do outro e solidariedade, agindo positivamente no desenvolvimento escolar dos alunos.
Escola: EMEI Iniciao, Campinas, SPProfessora: Elaine Regina Cassan
Acervo do 3o prmio Educar para a Igualdade Racial do CEERT
Aprendendo com a experincia
A experincia nos ensina a importncia de:
1. Promover atividades abertas comunidade escolar;
2. Realizar exposies, mostras e feiras dos trabalhos realizados pelas crianas envolvendo outras escolas;
1 Esse dado refere-se ao universo da categoria educao infantil, considerando a anlise da metodologia de 32 experincias do acervo do CEERT.
2 Esse dado refere-se ao universo da categoria educao infantil, considerando a anlise da metodologia de 32 experincias do acervo do CEERT.
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3. Proporcionar momentos ldicos como dramatizaes, em que a partir de uma histria as crianas possam refletir sobre comportamentos adequa-dos/inadequados dos personagens;
4. Privilegiar no cotidiano escolar dramatizaes, brincadeiras e jogos nos quais as crianas brancas e negras possam expressar as representaes que possuem sobre as diferenas entre as pessoas.
Observando o conjunto de experinciasO estudo das experincias do prmio Educar para a igualdade racial nos
ajuda a compreender outras temticas, dentre elas o fato de que as professoras motivaram a participao das crianas, principalmente via atividades fortemente interativas, ou seja, por meio de exibio de vdeos, msicas e danas, incluso dos membros de suas famlias, bem como de atividades de valorizao da raa, etnia e identidade. Destacaram tambm que as crianas se sentiram mais motivadas ao saber que a famlia participaria do projeto e juntas poderiam viver algumas experincias.
As professoras relataram que a participao das crianas nos projetos ocor-reu por meio da confeco de materiais, de questionamentos, jogos e atividades diversas, fazer artstico, rodas de conversa e pesquis