PRODUÇÃO MUSICAL E DESGASTE MUSCULOESQUELÉTICO ELEMENTOS CONDICIONANTES DA CARGA DE TRABALHO DOS...

116
ÂNGELA MÁRCIA FERREIRA PETRUS PRODUÇÃO MUSICAL E DESGASTE MUSCULOESQUELÉTICO ELEMENTOS CONDICIONANTES DA CARGA DE TRABALHO DOS VIOLINISTAS DE UMA ORQUESTRA BELO HORIZONTE ESCOLA DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO DA UFMG 2005

description

PRODUÇÃO MUSICAL E DESGASTE MUSCULOESQUELÉTICOELEMENTOS CONDICIONANTES DA CARGA DE TRABALHO DOSVIOLINISTAS DE UMA ORQUESTRABELO HORIZONTE

Transcript of PRODUÇÃO MUSICAL E DESGASTE MUSCULOESQUELÉTICO ELEMENTOS CONDICIONANTES DA CARGA DE TRABALHO DOS...

  • NGELA MRCIA FERREIRA PETRUS

    PRODUO MUSICAL E DESGASTE MUSCULOESQUELTICO ELEMENTOS CONDICIONANTES DA CARGA DE TRABALHO DOS

    VIOLINISTAS DE UMA ORQUESTRA

    BELO HORIZONTE ESCOLA DE ENGENHARIA

    DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUO DA UFMG 2005

  • NGELA MRCIA FERREIRA PETRUS

    PRODUO MUSICAL E DESGASTE MUSCULOESQUELTICO ELEMENTOS CONDICIONANTES DA CARGA DE TRABALHO DOS

    VIOLINISTAS DE UMA ORQUESTRA

    BELO HORIZONTE

    ESCOLA DE ENGENHARIA

    DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUO DA UFMG 2005

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em Engenharia de Produo da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Engenharia de Produo.

    Linha de Pesquisa: Ergonomia e Organizao do Trabalho

    Orientadora: Prof. Dra Eliza Helena de Oliveira Echternacht . Departamento de Engenharia de Produo -UFMG

  • folha UFMG (pegar com Mabel)

  • DEDICATRIA

    A todos os msicos e funcionrios da Orquestra Sinfnica, que, com carinho e elevado esprito de colaborao, foram a fora propulsora que

    tornou possvel a construo deste trabalho.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao Senhor Jesus Cristo, pelo privilgio da vida.

    professora Eliza, que percorreu esta caminhada realizando a arte de ensinar, e com sabedoria e amizade transformou minhas limitaes, permitindo a conquista deste trabalho.

    Ao meu amor, Joo Alu, pelo incentivo e companheirismo, pela dedicao e cumplicidade; juntos compartilhamos todos os momentos, o que tornou mais suaves as dificuldades

    vivenciadas e mais saborosas as vitrias atingidas.

    Aos meus pais, Benedito e Maria, pelo exemplo de coragem e simplicidade, e que ao longo da vida me ensinaram que sempre vale a pena lutar.

    A Joo e Iedda, meus sogros queridos, que sempre me acolheram com muito carinho e estiveram presentes nesta caminhada.

    Raquel Bonesana, pela sua lealdade. Juntas vivenciamos momentos de alegria e de angstia, o que tornou forte nossa sintonia e permitiu-nos compreender o valor verdadeiro de

    uma grande amizade.

    Meny, pelo seu carinho, incentivo e disponibilidade.

    Ao Jussan, que com simpatia me acolheu na orquestra e permitiu o convvio com os msicos.

    A todos os msicos e maestros da orquestra que contriburam para o meu trabalho, em especial aos violinistas que participaram da pesquisa.

    Aos violinistas Karine, Marlene, Jos Augusto e Boaz, e ao percussionista Werner, o meu

    muito obrigado pela pacincia e pelo interesse em ajudar-me a compreender o trabalho na orquestra.

  • Em meio aos sons, compassos, espaos, enredos, o instrumento parceiro inseparvel dessas jornadas, viajante das emoes e sentimentos, porm desconhece o corao e os medos do artista que o

    manuseia. (Joo Alu)

  • RESUMO

    Frente s demandas de compreenso e preveno dos processos de adoecimento musculoesqueltico em msicos, este estudo objetiva mostrar como os condicionantes da atividade o planejamento do trabalho, o repertrio, as configuraes ambientais e espaciais, o posto de trabalho, a partitura, o maestro e o spalla interferem nas estratgias operatrias dos violinistas de uma orquestra diante do contexto da produo musical.

    Para a pesquisa aplicou-se a Anlise Ergonmica do Trabalho, e os dados foram coletados atravs da observao da atividade nas situaes de ensaio de uma orquestra sinfnica, acompanhada de entrevistas.

    Os resultados apontam que a forma como se estrutura e se organiza o planejamento do trabalho, as relaes hierrquicas, as diferenas ambientais e espaciais, as condies do posto de trabalho e da partitura evidenciam escassas possibilidades de flexibilizao, que restringem as margens de regulao dos msicos, influenciando diretamente em suas estratgias operatrias e na forma de usar o corpo. As variaes encontradas nos modos operatrios indicam que as exigncias de desempenho na atividade de um violinista, em uma orquestra, contm aspectos cognitivos e relacionais fortes que se inter-relacionam com o componente

    fsico e modulam a carga de trabalho, o que aponta a relevncia de se considerarem os elementos constituintes da organizao do trabalho na investigao e na compreenso dos distrbios musculoesquelticos apresentados por esses instrumentistas.

    Palavras-chave: msico, orquestra, organizao do trabalho, uso do corpo e desgaste musculoesqueltico.

  • ABSTRACT

  • LISTA DE FIGURAS

    1 Esquema geral da abordagem.............................................................................. 30

    2 Estrutura organizacional da orquestra................................................................. 36

    3 Esquema do processo de trabalho........................................................................ 40

    4 ANEXO 2 Leiaute esquemtico do salo de ensaios da orquestra (incio das observaes) ......................................................................................

    116

    5 Fluxograma do trabalho prescrito........................................................................ 57

    6 Esquema das interfaces abordadas na atividade.................................................. 58

    7 Diviso do trabalho no naipe dos violinos........................................................... 59

    8 O posto de trabalho: interface individual e coletiva............................................ 62

    9 As partes do violino e do arco............................................................................. 63

    10 O violinista e seu instrumento de trabalho.......................................................... 65

  • LISTA DE QUADROS

    1 Queixas de sinais e sintomas relacionados atividade de tocar......................... 39

    2 Queixas dos violinistas e histrico de afastamentos........................................... 53

    3 Avaliao postural simplificada (teste de um minuto)........................................ 55

  • LISTA DE GRFICOS

    1 Os violinistas e a histria profissional................................................................ 52

    2 Tempo de profisso............................................................................................. 52

    3 Tempo de trabalho na orquestra.......................................................................... 52

    4 A dinmica na conduo do concerto................................................................. 69

    5 A dinmica na conduo da pera...................................................................... 69

    6 Comparao entre a dinmica do concerto e da pera........................................ 70

  • SUMRIO

    1 INTRODUO......................................................................................... 16 2 REFERENCIAL TERICO...................................................................... 21 2.1 Os distrbios musculoesquelticos em musicistas.................................... 21

    2.2 Os distrbios musculoesquelticos: diagnsticos clnicos e sintomatologia............................................................................................

    21 2.3 Distrbios musculoesquelticos: o nexo causal......................................... 23

    2.4 O trabalho coletivo e a carga de trabalho.................................................. 27

    3 METODOLOGIA..................................................................................... 30

    3.1 Primeira etapa: levantamento de dados sobre a orquestra, anlise da demanda e reconhecimento da atividade de trabalho...........................

    30

    3.1.1 Conhecer o processo de trabalho da orquestra.......................................... 31

    3.1.2 Anlise do processo tcnico e das tarefas.................................................. 32

    3.2 Segunda etapa: o foco sobre o naipe dos violinos..................................... 32

    3.3 Terceira etapa: os condicionantes da atividade e as estratgias operatrias.................................................................................................

    33

    4 RESULTADOS: A ORQUESTRA PESQUISADA................................. 35

    4.1 Os msicos instrumentistas........................................................................ 37

    4.1.1 Os msicos da orquestra e o adoecimento: as queixas relacionadas atividade de tocar.......................................................................................

    38 4.2 O processo de trabalho............................................................................... 39

    4.2.1 O maestro e sua batuta............................................................................... 40

    4.2.2 Os ensaios e o repertrio........................................................................... 42

    4.2.3 As condies para o desenvolvimento da tarefa........................................ 45

    4.2.3.1 Os instrumentos musicais.......................................................................... 45

    4.2.3.2 A partitura.................................................................................................. 46

    4.2.3.3 O salo de ensaios, o teatro e o fosso: caractersticas gerais de conforto......................................................................................................

    47

    4.2.3.3.1 O salo de ensaios...................................................................................... 47

  • 4.2.3.3.2 O palco e o fosso........................................................................................ 48

    5 A FAMLIA DAS CORDAS: O NAIPE DOS VIOLINOS...................... 51 5.1 Os violinistas e o processo de desgaste musculoesqueltico..................... 51

    5.2 O trabalho prescrito para os violinistas..................................................... 55

    5.3 A diviso do trabalho no naipe dos violinos.............................................. 57

    5.3.1 Maestro titular............................................................................................ 59

    5.3.2 Spalla (primeiro violinista)........................................................................ 59

    5.3.3 Concertino.................................................................................................. 60

    5.3.4 Chefe de naipe (dos segundos violinos).................................................... 60

    5.3.5 Msicos de fila (tutti)................................................................................ 60

    5.4 O posto de trabalho dos violinistas............................................................ 61

    5.4.1 O mobilirio............................................................................................... 62

    5.4.2 O violino.................................................................................................... 63

    6 OS CONDICIONANTES DA ATIVIDADE DE TRABALHO DOS VIOLINISTAS E OS MODOS OPERATRIOS.....................................

    66 6.1 O planejamento do trabalho....................................................................... 66 6.2 O repertrio............................................................................................... 67

    6.3 A diversidade operatria de dois violinistas.............................................. 71

    6.4 As configuraes espaciais e ambientais................................................... 74

    6.4.1 O salo de ensaios...................................................................................... 74

    6.4.1.1 O mobilirio e as dimenses do espao..................................................... 74

    6.4.1.2 A acstica................................................................................................... 76

    6.4.1.3 A iluminao.............................................................................................. 77

    6.4.2 O teatro (palco e fosso).............................................................................. 77

    6.4.2.1 O palco....................................................................................................... 77

    6.4.2.1.1 O mobilirio e as dimenses do espao..................................................... 77

    6.4.2.1.2 A iluminao.............................................................................................. 79

  • 6.4.2.1.3 A acstica................................................................................................... 79

    6.4.2.2 O fosso....................................................................................................... 81

    6.4.2.2.1 O mobilirio e as dimenses do espao..................................................... 81

    6.4.2.2.2 A iluminao.............................................................................................. 81

    6.4.2.2.3 A acstica................................................................................................... 82

    6.5 As interfaces do posto de trabalho............................................................. 83

    6.5.1 A partitura.................................................................................................. 83

    6.5.1.1 As condies da partitura........................................................................... 83

    6.5.1.2 A partitura como objeto mediador do trabalho.......................................... 84 6.5.1.3 A partitura e o arranjo fsico do naipe dos violinos................................... 86 6.6 A dinmica na conduo dos ensaios........................................................ 87

    6.6.1 O maestro.................................................................................................. 87

    6.6.1.1 O maestro titular A................................................................................. 89

    6.6.1.2 O maestro titular B................................................................................. 92

    6.6.2 O spalla...................................................................................................... 94

    7 ANLISE DOS CONDICIONANTES DA ATIVIDADE DE TRABALHO.............................................................................................

    97 7.1 A organizao e o processo de trabalho na orquestra................................ 98

    7.1.1 O planejamento do trabalho e o repertrio................................................ 98 7.1.2 A hierarquia e as interfaces relacionais..................................................... 99

    7.1.3 As condies de execuo da atividade: a partitura, as configuraes espaciais e ambientais................................................................................

    102 7.1.3.1 A partitura.................................................................................................. 102

    7.1.3.2 As configuraes espaciais e ambientais................................................... 103

    7.2 As estratgias operatrias e o desgaste musculoesqueltico..................... 106

    8 CONCLUSO........................................................................................... 108

    9 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...................................................... 110

  • 10 BIBLIOGRAFIA....................................................................................... 113

    11 ANEXOS................................................................................................... 114

  • 16

    1. INTRODUO

    No cenrio da produo musical verifica-se, atravs da Histria, que a orquestra sinfnica, desde o seu nascimento no sculo XVIII, passou por inmeras transformaes em sua estrutura organizacional, em funo do desenvolvimento dos instrumentos, da evoluo dos gneros e das formas musicais. Atravessou geraes produzindo a sua arte e conseguiu manter-se viva at a atualidade, mesmo em face das vrias inovaes culturais do mundo contemporneo. Ao longo dos anos vem vencendo o desafio de preservar suas caractersticas essenciais, mantendo os instrumentos musicais acsticos, a formao instrumental clssica (grupo das cordas, das madeiras, dos metais, da percusso e dos teclados) e a diviso do trabalho instituda por uma hierarquia rgida, que at a atualidade define as funes de cada musicista.

    Ao apreciar-se a harmonia construda por uma orquestra, prende-se singularidade dos sons, beleza plstica dos instrumentos e s performances que se mostram no palco. Sob a luz dos holofotes, a msica vista como uma atividade preenchida de prazer e descontrao. Mas se observada a atividade desses instrumentistas pela tica do trabalho, depara-se com um fazer que exige disciplina, dedicao, criatividade, competncia individual e trabalho coletivo.

    No desempenho de suas performances profissionais, vrios instrumentistas, ao longo da histria da produo musical, vm apresentando distrbios no sistema musculoesqueltico relacionados atividade de trabalho. Tais disfunes tm sido abordadas em vrios estudos realizados nos ltimos vinte anos, os quais demonstram ndices significativos de adoecimento em msicos e apontam os principais grupos de leses encontradas: desordens musculoesquelticas, neuropatias compressivas e disfunes motoras. Os resultados revelam uma prevalncia dessas disfunes em instrumentistas profissionais, especialmente nos de instrumentos de corda, que comumente so afetados pela sobrecarga funcional dos msculos e tendes (LEDERMAN, 1986; FISHBEIN, 1988; HOPPMANN, 1989; LOCKWOOD, 1989; TUBIANA, 1991).

    Diante do quadro crescente de adoecimento ocupacional em musicistas, em todo o mundo, surgem os servios especializados para atender a essa demanda. Assim, a medicina do msico torna-se uma realidade. No Brasil especificamente em Belo Horizonte e no Recife uma equipe de profissionais (ortopedistas fisioterapeutas, fonoaudilogos, otorrinolaringologistas, dentistas, psiclogos e terapeutas ocupacionais) se rene para atender

  • 17

    especialmente essa categoria. A temtica passou a ser mais abordada na internet (www.saudedomusico) e em disciplinas de alguns cursos de msica (JORNAL ESTADO DE MINAS, 2003).

    O interesse na investigao desse problema surgiu da vivncia do pesquisador na assistncia fisioteraputica a msicos que apresentaram disfunes no sistema musculoesqueltico, as quais reduziam ou impediam a capacidade produtiva desses instrumentistas.

    Considerando-se, ento, a significativa demanda que se apresentava, tornava-se necessrio aprofundar os conhecimentos sobre as relaes entre o fazer do msico e a produo dos distrbios musculoesquelticos, para que medidas preventivas pudessem ser institudas. Assim, a proposta desta pesquisa investigar como a organizao do trabalho, as configuraes espaciais e ambientais e as caractersticas individuais na execuo do trabalho podem influenciar o uso do corpo e contribuir para a sobrecarga do sistema musculoesqueltico.

    Realizou-se, portanto, um estudo da atividade de trabalho dos violinistas em uma orquestra sinfnica estadual, utilizando-se os princpios da Anlise Ergonmica do Trabalho (GURIN et al. 2001, WISNER, 1994), a qual permite recortar e detalhar, na situao de trabalho, os elementos determinantes da atividade. A Ergonomia permite extrair do contexto de trabalho a relao entre o homem e o meio, permitindo revelar, a partir do comportamento e do discurso dos trabalhadores, elementos que auxiliam na compreenso da carga de trabalho configurada na atividade.

    A escolha de uma orquestra sinfnica como campo emprico levou em considerao a complexidade dessa produo musical, que engloba aspectos individuais e coletivos para o desenvolvimento da atividade, apresentando-se como um contexto que privilegia a anlise dos elementos organizacionais, em funo das seguintes caractersticas: possui uma organizao de trabalho onde a concepo se separa da execuo e as interaes que se estabelecem, no plano vertical, so definidas por uma hierarquia rgida, que direciona o trabalho.

    O foco da anlise centrou-se sobre os violinistas, devido centralidade do naipe das cordas em relao aos fluxos de produo das obras selecionadas para o repertrio dessa orquestra, o que torna efetiva a participao desses instrumentistas no desenvolvimento do trabalho, bem como ao fato de a literatura tambm apresentar maior incidncia de disfunes no sistema musculoesqueltico em instrumentistas de corda disfunes estas tambm constatadas nas

  • 18

    entrevistas realizadas com os violinistas dessa orquestra, pela incidncia de queixas e sintomas relacionados a esse adoecimento ocupacional, reforando a escolha do foco para a investigao.

    Os ensaios foram escolhidos como momento privilegiado para as observaes da atividade, pois quando o processo de construo da interpretao da(s) obra(s) ocorre, permitindo verificar as interfaces entre os violinistas, os instrumentos de trabalho, o maestro, a organizao espacial e a organizao do trabalho.

    Esta pesquisa tem como objetivo, a partir da Anlise Ergonmica do Trabalho (AET), evidenciar a variabilidade existente na atividade em questo e as estratgias utilizadas pelos violinistas da orquestra numa situao concreta como esses msicos se organizam e se reorganizam frente s solicitaes da tarefa e demonstrar como os elementos da organizao do trabalho configuram a carga de trabalho desses musicistas, procurando estabelecer uma relao entre a organizao do trabalho e a produo de DORT (KUORINKA, 1995; ECHTERNACHT, 1998).

    A partir dessa abordagem busca-se responder s seguintes hipteses:

    Que elementos presentes na configurao de trabalho dos violinistas condicionam fatores de sobrecarga e influenciam o uso do corpo?

    Quais as estratgias utilizadas pelos violinistas para gerir as variabilidades?

    A investigao do desgaste musculoesqueltico em msicos requer um maior detalhamento de como se processa a atividade de trabalho, elegendo-se os elementos que definem as exigncias fsicas, cognitivas e psquicas (relacionais) que conformam a real carga de trabalho, pois, atravs da compreenso dos elementos condicionantes da atividade e da forma como os instrumentistas se relacionam e conduzem suas aes ao executarem seu trabalho, que ser possvel uma reflexo sobre a influncia desses aspectos sobre o corpo desses trabalhadores.

    Para encontrar as respostas, os objetivos especficos centraram-se nos seguintes pontos: investigar como os condicionantes externos da atividade a organizao do trabalho, as configuraes espaciais e ambientais, o posto de trabalho, a partitura, a relao com o espao fsico, a relao com o maestro e o spalla influenciam nos modos operatrios; verificar, atravs do foco sobre as estratgias operatrias, como a competncia individual influencia nos

  • 19

    modos singulares do uso do corpo, podendo constituir uma sobrecarga que influencia no adoecimento musculoesqueltico.

    Para melhor compreenso dos passos realizados neste trabalho, assim se fez o desenvolvimento dos captulos:

    No captulo 1 so apresentados o tema, o foco da pesquisa e o contexto no qual se encontra inserido, bem como as justificativas que orientaram a investigao da carga de trabalho dos violinistas da orquestra, na busca de articular elementos da organizao do trabalho com o desenvolvimento dos distrbios musculoesquelticos.

    No captulo 2 apresentam-se os pressupostos tericos, atravs de uma reviso bibliogrfica sobre o adoecimento musculoesqueltico em msicos, e a abordagem do conceito de trabalho coletivo e da carga de trabalho, onde se procurou mostrar uma sntese do estado da questo quanto incidncia dessas disfunes em musicistas com o seu diagnstico clnico e os aspectos que estabelecem o nexo causal e fundamentam o diagnstico ocupacional bem como apoiar, no terreno conceitual do trabalho coletivo e da carga de trabalho, a investigao sobre a explorao dos aspectos organizacionais, ambientais e espaciais presentes no processo de trabalho da orquestra, a fim de que possam ser compreendidos e considerados ao se analisarem os riscos que predispem os musicistas aos distrbios musculoesquelticos.

    No captulo 3 apresenta-se o desenvolvimento metodolgico da pesquisa, baseado nos princpios da Anlise Ergonmica do trabalho (AET), onde a descrio das etapas realizadas possibilita verificar os critrios de escolha da situao real de trabalho analisada, bem como identificar os materiais e instrumentos de investigao utilizados para a realizao deste trabalho.

    No captulo 4 esto descritos: o campo emprico; o contexto produtivo da orquestra, sua estrutura organizacional, as caractersticas da populao, a descrio da atividade de trabalho e as condies gerais para o desenvolvimento da tarefa. o que permite fazer um reconhecimento global do processo de trabalho na orquestra e facilita a compreenso posterior da atividade de trabalho dos violinistas, foco desta pesquisa.

    No captulo 5 apresenta-se o foco da pesquisa onde descrito o naipe dos violinos, abrangendo-se a atividade de trabalho dos violinistas de forma mais detalhada e os

  • 20

    seguintes dados: a estrutura organizacional do naipe, as caractersticas da populao estudada (histrico profissional, queixas e afastamento do trabalho em funo do desgaste musculoesqueltico e os resultados da avaliao postural realizada), a descrio do trabalho prescrito, a diviso do trabalho dentro do naipe e os elementos que integram o posto de trabalho. A identificao desses aspectos auxilia a compreenso do trabalho dos violinistas e facilita a investigao dos condicionantes da atividade.

    No captulo 6 so descritos os condicionantes da atividade de trabalho dos violinistas analisados: o planejamento do trabalho; o repertrio; as interfaces do posto de trabalho (a partitura, as condies da partitura, a partitura como objeto mediador do trabalho, a partitura e o arranjo fsico do naipe); as configuraes espaciais e ambientais referentes ao salo de ensaios, o palco e o fosso (abordagem sobre os aspectos do mobilirio e as dimenses do espao, a acstica e a iluminao) e a dinmica na conduo dos ensaios (o maestro e o spalla). Em cada um desses aspectos foram descritos os modos operatrios realizados pelos violinistas observados, na busca de se compreender a carga de trabalho configurada na atividade.

    No captulo 7 fez-se uma anlise dos condicionantes abordados na atividade de trabalho dos violinistas, onde foram apontados, atravs dos resultados obtidos, que os elementos organizacionais e os aspectos cognitivos da atividade devem ser considerados ao se analisar o desgaste musculoesqueltico em musicistas.

    Espera-se que este estudo possa ser compreendido e contribua, mesmo com suas limitaes e imperfeies, para uma reflexo sobre a investigao do adoecimento musculoesqueltico em msicos.

  • 21

    2. REFERENCIAL TERICO

    2.1 Os distrbios musculoesquelticos em musicistas

    Os distrbios no sistema musculoesqueltico em msicos so remotos. Relatos dessa doena ocupacional foram encontrados nas notas biogrficas de Robert Shumann (1839), que teve perda de fora nos dedos e quase no podia us-los. Isso dificultou sua atividade profissional (www.geocities.com/Athens/Rhodes/9533/bio.html). Em 1897, nos estudos realizados por Poore, essas disfunes tambm foram identificadas em pianistas, apontando que o uso excessivo das mos era a principal causa das dificuldades para tocar. Mas foi a partir da dcada de 80 que maiores investigaes sobre as doenas ocupacionais em msicos foram desenvolvidas, nelas se englobando estudantes de conservatrio, professores, msicos autnomos e instrumentistas de orquestra.

    Nesta pesquisa sero evidenciados alguns desses estudos que abordam o estado-da-questo desse tipo de adoecimento ocupacional em musicistas, com o seu diagnstico clnico, bem como os aspectos que estabelecem o nexo causal e fundamentam o diagnstico ocupacional das disfunes no sistema musculoesqueltico.

    2.2 Os distrbios musculoesquelticos: diagnsticos clnicos e sintomatologia

    Hochberg et al. (1983), em seus estudos sobre os problemas musculoesquelticos em msicos instrumentais, identificaram trs tipos de problemas relacionados ao desempenho desses profissionais: distrbios msculo-tendinosos, compresso de nervo e deficincia motora. Dos 179 msicos examinados, 62% foram classificados como tendo problemas musculoesquelticos que envolviam o antebrao; a maioria dos msicos apresentou dor palpao, especialmente nas junes msculo-tendinosas e nos msculos lumbricais da mo. Uma pequena porcentagem apresentou tendinites e tenossinovites, compresso de nervo e sndrome do desfiladeiro torcico. Entre 18% e 10% apresentaram distrbios globais. No foram citadas as categorias especficas dos instrumentos musicais.

    Lederman (1985) relata que os sintomas mais comuns nos instrumentistas de cordas so dor no pescoo e no ombro, nas mos e nos dedos, bem como fraqueza e tenso em grupos musculares ou articulaes. Seus estudos indicam que freqente o formigamento da mo ou do brao e comum a perda do controle motor.

  • 22

    Caldron et al. (1986), em um estudo entre msicos profissionais, estudantes e amadores, observou problemas musculoesquelticos relacionados ao tocar em 57% dos 250 participantes. O diagnstico informou 49% de tendinites, 32% de espasmos musculares, 23% de compresso de nervo e 16% de bursite/artrite.

    Lederman (1986), em sua pesquisa, avaliou 226 instrumentistas com sintomas relacionados ao tocar: 103 (46%) de instrumentos de corda, 7 de teclado (32%), 44 de instrumentos de sopro (19%) e 6 percussionistas (3%). A idade mxima era de 32 anos; 58% eram mulheres. 65 pacientes (29%) tiveram desordem em nervos perifricos; 27 tiveram sintomas da sndrome do desfiladeiro torcico; 12 tiveram neuropatia do nervo mediano (sndrome do tnel do carpo em 9); 9 tiveram neuropatia do nervo ulnar; 6 tiveram radiculopatias cervicais; 5 tiveram neuropatias digitais e 3 tiveram outras desordens de nervos perifricos.

    Fry (1987) relata que os distrbios musculoesquelticos so comuns em msicos e se caracterizam por dor e tenso msculo-ligamentar, fraqueza muscular e perda do controle motor nos segmentos afetados.

    Hoppmann (1989) revela, em seus estudos, que os problemas musculoesquelticos so comuns em msicos instrumentais. A maioria deles pode ser classificada como leses de msculos/tendes, compresso de nervos, sndrome do desfiladeiro torcico ou deficincia motora.

    Lederman (1989) fez um relato dos resultados encontrados em 21 msicos profissionais que estavam entre 134 msicos instrumentais observados por ele num perodo de 7 anos. Entre eles havia 6 violinistas, 4 pianistas, 4 guitarristas, 6 msicos de instrumento de sopro e 1 percussionista. Desses msicos, 15 apresentaram dores freqentes nas mos e nos punhos; os instrumentistas de sopro apresentaram distonia facial, que afetou a embocadura (a posio dos lbios em instrumentos de sopro); os violinistas tenderam a sofrer distrbios na mo esquerda, enquanto os pianistas mostraram problemas na mo direita.

    Lockwood (1989) demonstra, em suas pesquisas, que os msicos de instrumentos de corda so comumente mais afetados do que os percussionistas, e as mulheres mais afetadas do que os homens. Os resultados de seus estudos apontam que os sintomas de dor so freqentes, variando entre dor moderada, enquanto o msico est tocando, para dor severa, o suficiente para impedir qualquer uso da mo afetada. Tambm as sndromes neurais (que afetam o nervo

  • 23

    mediano, ulnar e torcico) e as distonias focais (envolvendo parte ou todos os msculos que formam a embocadura, a posio dos lbios em instrumentos de sopro) foram encontradas.

    Tubiana (1991) relata que, numa investigao realizada junto International Conference of Symphony Orchestra Musicians (ICSOM), em 1986, envolvendo cerca de 2.120 participantes, os resultados evidenciaram que 76% dos msicos apresentaram disfunes ocupacionais.

    Gonik (1991), Tubiana (1991), Zaza, Charles & Muszynski (1998), ao abordar a questo do adoecimento ocupacional em instrumentistas de orquestra, apontam ndices significativos de msicos que apresentam dor, desconforto e outras disfunes relacionados ao tocar, como casos de perda auditiva induzida por rudo (PAIR) e de distrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT).

    Moura, Fontes & Fukujima (1998) apontam trs principais grupos de leses encontradas nos msicos: os distrbios musculoesquelticos (62%), as neuropatias compressivas (18%) e as disfunes motoras (10%).

    Rajko Crnivec (2004) demonstra, em seu estudo, uma comparao entre 70 msicos da Slovene Philharmonic Orchestra com 109 msicos da Berlin Opera Orchestra, onde realizou exames mdicos para identificar a incidncia de doenas relacionadas ao trabalho. Os resultados apontam uma significativa incidncia da sndrome de overuse, caracterizada por traumas cumulativos que levaram os msicos a exceder seus limites fisiolgicos e causaram-lhes disfunes mais freqentemente processos inflamatrios e distrbios musculoesquelticos degenerativos.

    Os resultados da significativa incidncia de distrbios musculoesquelticos em msicos observados por esses pesquisadores apresentam uma grande variabilidade de sintomas e tipologias clnicas.

    2.3 Distrbios musculoesquelticos: o nexo causal

    Alguns autores investigaram os aspectos que estabelecem o nexo causal e fundamentam o diagnstico ocupacional das disfunes no sistema musculoesqueltico.

    Fry (1987) relata que o quadro de tenso msculo-ligamentar presente em msicos devido ao uso excessivo do segmento corporal (especialmente dos membros superiores), durante a atividade de tocar.

  • 24

    Lockwood (1989) demonstra, em suas pesquisas envolvendo a performance de msicos, que quase 50% dos instrumentistas observados experimentou problemas relacionados ao tocar, alguns dos quais tiveram suas carreiras ameaadas ou terminadas. Os resultados apontam que a leso, em vista do uso repetitivo dos msculos e tendes, foi o problema mais comum.

    Hoppmann (1989), segundo demonstrou sua pesquisa, relata que a incidncia das disfunes no sistema musculoesqueltico mais alta em msicos profissionais, especialmente nos

    instrumentistas de corda, devido sobrecarga funcional dos msculos e tendes.

    Gonik (1991) afirma que o impacto das disfunes em msicos de orquestra no fcil de detectar, em funo do abandono da atividade, o que deve excluir os instrumentistas lesionados das amostragens de pesquisa. Em seus estudos relata que, em geral, existe uma prevalncia no acometimento dos membros superiores na maioria dos msicos e aponta uma relao direta com as exigncias para se tocar o instrumento. Por exemplo, os flautistas mantm rotao externa do ombro, enquanto os clarinetistas e obostas realizam uma sustentao contnua do peso do instrumento sobre os msculos entre o polegar e o indicador, o que pode provocar o acometimento dessas articulaes.

    Norris (1997) considera que h necessidade de informar os msicos sobre as sintomatologias iniciais dos distrbios musculoesquelticos, alertando-os de que a prtica do instrumento na presena de dor pode gerar resultados graves, comprometendo a sade e, conseqentemente, interferindo na carreira profissional. So fatores predisponentes ao adoecimento: tempo excessivo de dedicao ao instrumento, falta de condicionamento fsico, hbitos incorretos na prtica do instrumento (no realizao de alongamentos e aquecimentos, as posturas adotadas), questes tcnicas do instrumento (realizao de fora excessiva), a troca do instrumento, as condies ambientais (como quantidade insuficiente de iluminamento, a temperatura) e as caractersticas do mobilirio (uso de cadeiras que no contemplam as diferenas individuais).

    Paull & Harrison (1997) relatam que as exigncias impostas para a formao e a performance no meio musical se caracterizam por uma cultura de dedicao ao longo da carreira profissional, na qual h uma tendncia dos msicos de negligenciar a presena de sintomas durante a execuo do trabalho, em funo da obteno de ganhos e resultados satisfatrios. O desemprego e a competio na busca de manter-se no mercado de trabalho so justificavas

  • 25

    para alguns profissionais no procurarem tratamento especializado, o que promove o agravamento do adoecimento.

    Lieberman (1999) descreve em seus estudos que a tendinite comum entre os instrumentistas de violino e viola, devido aos padres de repetitividade e posio do arco, que obriga o punho a manter-se em flexo por tempo prolongado; pronao da mo direita, pela contnua sustentao do instrumento e pela flexo da mo esquerda, e excessiva presso dos dedos no local de digitao das notas por tempos longos.

    Andrade & Fonseca (2000) desenvolveram uma pesquisa abrangendo 419 msicos de treze estados brasileiros, objetivando verificar o nvel de estresse fsico em instrumentistas de cordas. Os resultados encontrados revelaram que 88% dos msicos apresentavam algum desconforto relacionado prtica musical, especialmente relativos postura corporal adotada na execuo do trabalho. Esses pesquisadores consideram que a sobrecarga muscular que afeta os violinistas e os violistas se relaciona s especificidades de seus instrumentos, que, durante a execuo, permanecem apoiados sobre o corpo e exigem movimentos diferenciados dos membros superiores, levando-os a ficar assimtricos durante o tocar. Outro fator seria a aquisio de um novo instrumento, o que representa adaptao a variaes que podem ocorrer em relao altura das cordas, largura do brao do instrumento ou ao peso do arco.

    Joubrel et al. (2001), em uma pesquisa que abrangeu 141 instrumentistas franceses, verificou que 76% dos msicos apresentaram disfuno musculoesqueltica, sendo 58,1% relacionadas ao sobre-uso (esforo repetitivo).

    Michael (2002) relata que as posies adotadas pelos msicos para tocar seus instrumentos estabelecem uma relao direta com o design destes, e que o tempo de dedicao prtica instrumental com a adoo de posturas desconfortveis pode influenciar no aparecimento de processos lgicos e disfunes. Contudo observa-se, ao longo dos anos, que o design dos instrumentos musicais sofrem poucas modificaes, levando os msicos a desenvolver tcnicas para adequar-se s condies do instrumento e executar o seu trabalho.

    Ackermann & Adams (2003) realizaram uma pesquisa envolvendo 32 instrumentistas, onde avaliaram a dimenso do brao dos violinistas e os limites de movimentao, mensurados por um fisioterapeuta, buscando-se uma relao de tais elementos com as tcnicas de se tocar o instrumento e o aparecimento de dor. As comparaes realizadas revelaram significativamente maior limitao na mo esquerda quando comparada com a mo direita, o

  • 26

    que deve ter uma relao com os anos de adaptao para tocar o instrumento. Os resultados identificaram atributos fsicos que podem ser fatores de risco para o desenvolvimento de processos de dor nos violinistas, apontando que instrumentistas dotados de braos direitos menores precisam ter mais ateno quanto ao posicionamento da cabea junto ao instrumento ao tocar.

    Rajko Crnivec (2004), na comparao realizada entre 70 msicos da Slovene Philharmonic Orchestra e 109 msicos da Berlin Opera Orchestra, observou que os problemas musculoesquelticos nos msicos se relacionavam com o movimento repetitivo

    (especialmente das extremidades), com posturas no fisiolgicas (esforo isomtrico dos msculos afetados) e com a postura prolongada na posio sentada durante suas performances. O grupo de instrumentistas mais afetados foram os contrabaixistas, os violoncelistas, os violinistas, os violistas e os instrumentistas de sopro. O autor verificou que a severidade dos distrbios fsicos e a restrio da habilidade para a performance musical tambm estavam relacionadas com a idade, com o tempo de performance em msica clssica e com o tempo total de servio.

    A sntese da reviso bibliogrfica determina, na maioria das vezes, o fator biomecnico como responsvel pelo adoecimento musculoesqueltico em msicos e relevante na produo da sobrecarga fsica desses trabalhadores. Contudo acredita-se que outros aspectos, dentro do contexto de trabalho dos msicos, devem ser considerados ao se apontarem os fatores determinantes dessas disfunes.

    O comit da World Health Organization (1985) descreve as doenas relacionadas ao trabalho como multifatoriais o ambiente de trabalho e a execuo do trabalho contribuem significativamente, mas identificam-se caractersticas pessoais e outros fatores ambientais e socioculturais entre os fatores de risco.

    Nessa perspectiva, vrios autores propem modelos de investigao nos quais consideram que os fatores organizacionais, ambientais e psicossociais relacionados ao trabalho devem ser investigados, pois a abordagem desses elementos revela a real carga de trabalho instituda pela atividade, permitindo sintetizar uma mediao entre o trabalho e o adoecimento (WISNER, 1994; KUORINKA, 1995; ECHTERNACHT, 1998; GURIN et al., 2001).

    Diante disso, em face da complexidade do fazer na produo musical e pelo fato de o trabalho na orquestra apresentar uma hierarquia e uma organizao que revela demandas de

  • 27

    interao entre os instrumentistas, possvel verificar como os msicos estruturam suas

    estratgias operatrias frente s solicitaes da tarefa. Acredita-se que a explorao dos aspectos organizacionais, ambientais e espaciais presentes nesse processo de trabalho fundamental para que possam ser compreendidos e considerados na anlise dos riscos que predispem os musicistas aos distrbios musculoesquelticos.

    2.4 O trabalho coletivo e a carga de trabalho

    A produo orquestral caracteriza-se como um trabalho coletivo, visto que todos os instrumentistas atuam buscando o mesmo objetivo construir a interpretao da obra. E este fazer musical engloba a execuo de aes que necessitam de cooperao, j que os msicos compartilham ambientes, postos e objetos de trabalho, o que exige esforo individual e esforo coletivo para atingir os objetivos prescritos.

    Tal afirmao se respalda nos conceitos de Leplat (1990), Savoyant (1990) e Lacoste (1999), os quais consideram que o trabalho coletivo ocorre quando existe interao entre os trabalhadores na busca por um objetivo comum. E isso requer o compartilhamento de espaos e ferramentas, exige articulaes entre os operadores e a realizao de aes em situaes de imprevisibilidade para que a dinmica de execuo do trabalho seja estabelecida.

    Para Montmollin (2001), o trabalho coletivo permite um compartilhamento de competncias individuais complementares e a constituio de uma competncia que mais do que a soma dessas competncias individuais. E, para o cumprimento dos objetivos do trabalho, ocorrem trocas de informaes, a uniformizao das representaes, a articulao do savoir-faire e a elaborao em comum de raciocnios e estratgias.

    A produo sonora na orquestra ocorre atravs da integrao de todos os naipes de instrumentos, os quais se articulam frente s determinaes da obra musical e da interpretao dada pelo maestro. Embora haja uma especializao instrumental, todos os esforos individuais convergem para a construo sonora da obra musical, o que caracteriza uma atividade coletiva de trabalho de integrao e harmonia entre as partes.

    Dentro do contexto da produo orquestral, o trabalho coletivo envolve um conjunto de relaes sociais construdas sob uma hierarquia rgida, onde a organizao do trabalho formaliza a diviso das tarefas, determina os espaos, os limites de autonomia, e coordena as articulaes necessrias para atingir a cooperao entre os musicistas.

  • 28

    Tais evidncias podem ser vistas pela definio das funes dos msicos e pela disposio espacial em que se encontram organizados os grupos de instrumentos dentro da orquestra, que ainda preserva suas caractersticas essenciais, determinadas pela tradio. As interaes entre os msicos ocorrem durante os ensaios e apresentaes, o que exige o compartilhamento de um ambiente comum de trabalho e a construo de resultados coletivos mediante a comunicao e a cooperao.

    De acordo com De La Garza & Weill-Fassina (2000:228), a cooperao caracteriza uma atividade coletiva na qual os operadores trabalham juntos no mesmo objeto ou em objeto prximo, visando mesma meta proximal, o que implica um compartilhamento do trabalho em funo dos conhecimentos e das competncias dos trabalhadores, do estado de sade de uns e de outros e das exigncias imediatas do trabalho. A cooperao necessita de uma disponibilidade temporal e pessoal dos atores envolvidos.

    Para se compreender o trabalho coletivo faz-se necessrio encontrar respostas para diversas questes, tais como: quais so as condies gerais para a realizao do trabalho? Quais so as caractersticas dos trabalhadores, suas competncias e conhecimentos? Como se estabelecem a comunicao e as interaes?

    Para Dejours (1997), ao se abordar a dimenso coletiva do trabalho, no se pode considerar apenas a relao sujeito-tarefa; preciso tambm considerar as interaes e a intersubjetividade (relaes entre as pessoas), espao onde ocorrem as dinmicas necessrias atividade real de trabalho.

    Assim, a verificao do trabalho coletivo sob a tica da Ergonomia possibilita a compreenso das interaes que se processam na situao de trabalho, permitindo a identificao das variveis externas demandadas pela produo e das variveis humanas, bem como verificar de que forma so mantidas as condies operatrias e as possibilidades de gesto da carga de trabalho. Dessa forma, a abordagem da dimenso coletiva do trabalho auxilia na compreenso de como se processa a atividade individual.

    O reconhecimento dos condicionantes externos (contraintes) e dos condicionantes internos (astraintes) possibilita a avaliao dos campos de possibilidades de ao e regulao dos trabalhadores.

  • 29

    A carga de trabalho singular embora se configure mediante condies coletivas. A questo subjacente anlise da carga de trabalho consiste em descobrir os elementos estruturantes da singularidade frente aos condicionantes tcnicos e organizacionais impostos aos coletivos de trabalho. O fio condutor da anlise o significado das aes que fundamentam a relao sujeito/contexto. Assim, a aplicao do conceito de carga de trabalho requer uma anlise integrada entre as condicionantes externas (objetivos, exigncias e meios) e as condicionantes internas (condies internas de resposta situao), o que exige uma compreenso do trabalho em ao menos dois planos distintos, o plano da objetividade da observao o que nos remete realidade sensvel e ao plano da subjetividade do/a operador/a o que nos remete histria do sujeito trabalhador (ECHTERNACHT, 2002:06-07).

    Considerando-se que cada sujeito, ao se relacionar com sua atividade de trabalho, mobiliza aspectos fsicos, cognitivos e psquicos frente s demandas que lhes so colocadas, torna-se possvel estabelecer uma interface entre a carga de trabalho e a sade dos trabalhadores e ainda verificar o impacto sobre a sade dos indivduos em situao de trabalho. Contudo, tal investigao trata-se de um desafio, em razo da dificuldade de considerar as inter-relaes ocorridas entre os planos fsico, cognitivo e psquico da atividade de trabalho.

    Diante disso, nesta pesquisa sero utilizadas como categoria central para a explorao da carga de trabalho as estratgias operatrias realizadas pelos sujeitos frente s exigncias da atividade de trabalho, porquanto a singularidade dos modos operatrios auxilia a compreender de que forma o sujeito constri e estrutura os seus conhecimentos a partir de suas interaes com o meio para agir sobre ele e transform-lo. As diferenas que se processam entre essas formas de organizar a interao com o meio traduzem reaes diversas sobre o corpo, o que resulta em dimenses diferenciadas da carga de trabalho para o sujeito.

    O foco sobre as estratgias operatrias condio para a anlise da carga de trabalho na medida em que essas representam a sntese das regulaes possveis pelo sujeito frente objetividade da situao, coordenando os aspectos psquicos, cognitivos e fsicos mobilizados pela ao (ECHTERNACHT, 2002:08)

    Nesse contexto que ser conduzido o desenvolvimento desta pesquisa, buscando-se avaliar os condicionantes externos numa atividade de trabalho marcada por significativas exigncias fsicas e cognitivas. Revelados os efeitos potenciais sobre o processo de interao e adaptao do trabalhador ao usar o seu corpo, espera-se encontrar elementos que favoream a compreenso sobre o processo de desgaste musculoesqueltico.

  • 30

    3. METODOLOGIA

    Sero abordados neste captulo a estrutura metodolgica e os procedimentos aplicados para a realizao da anlise ergonmica do trabalho. As etapas foram construdas seguindo-se o modelo de Gurin (1997), conforme o esquema abaixo representado.

    FIGURA 1 Esquema geral da abordagem (Gurin, 1997).

    3.1 Primeira etapa:

    levantamento de dados sobre a orquestra, anlise da demanda e reconhecimento da atividade de trabalho

    A primeira etapa teve a durao de 36 horas, num perodo de 2 meses. A abordagem inicial foi realizada atravs de entrevistas com o gerente da orquestra e com o instrumentista representante da comisso interna dos msicos, quando se investigaram as condies organizacionais, a assistncia de sade oferecida aos msicos, a incidncia de queixas, o absentesmo e a presena de afastamentos do trabalho relacionados com o desgaste musculoesqueltico. Houve dificuldade de acesso direto aos arquivos referentes ao quadro de sade dos msicos, devido s normas internas da fundao cultural qual pertence a orquestra. Foram, ento, entrevistados vrios msicos procurando-se abordar representantes

    Diagnstico: - diagnostico local incidindo sobre a (s) situao (es)

    analisada(s) em detalhe. - mas igualmente diagnostico global incidindo sobre o

    funcionamento mais geral da empresa.

    Das primeiras formulaes de demanda a identificaodos fatores gerais em jogo: anlise da demanda e do contexto, reformulaao da demanda

    Explorao do funcionamento da empresa e de seus traos: caractersticas da populao, da produo, indicadores relativos a eficcia e a sade.Hipteses de nvel 1: escolha das situaes a analisar.

    Observaes globais da atividade (observaes abertas)

    Anlise do processo tcnico e das tarefas

    Formulao de um pr- diagnstico Hipteses de nvel 2

    Definio de um plano de observao

    Observaes sistemticas

    Tratamento dados Validao

    Interao

    Com os operadores, papel das Entrevistas e

    das

    Verbalizaes

  • 31

    dos diversos naipes que compem a orquestra (violino, viola, violoncelo, contrabaixo, obo, trompete, clarinete, trompa, corn ingls, fagote, harpa, flauta, flautim e percusso) a fim de investigar aspectos sobre a doena e a relao com a atividade de trabalho.

    Verificada a presena de queixas e de casos de afastamentos da atividade de trabalho relacionados ao desgaste musculoesqueltico, partiu-se ento para o reconhecimento da produo musical na orquestra, de modo a compreender a estrutura organizacional e as condies gerais para a realizao do trabalho. Aps esse momento, a primeira etapa foi dividida em duas fases:

    3.1.1 Conhecer o processo de trabalho da orquestra

    Para compreender o universo de produo musical buscou-se conhecer o funcionamento da orquestra a fim de identificar os aspectos centrais dentro do processo de trabalho fase que teve a durao de 168 horas, num perodo de 6 meses. Para tanto, realizaram-se entrevistas semi-estruturadas com o gerente da orquestra; com o arquivista; com maestros (titular e convidados), msicos de fila (tutti) e chefes de naipes; com o concertina, com o spalla; com msicos convidados e armadores da orquestra, onde se investigou sobre a organizao do trabalho, a forma de contratao dos msicos, a diviso das tarefas, as condies de execuo da atividade, as relaes estabelecidas entre os msicos e com o maestro. Foram tambm observados 08 ensaios da orquestra (ensaios dirios e ensaios finais), nos quais verificou-se a dinmica na conduo dos trabalhos da orquestra pelo maestro titular e pelos maestros convidados.

    Nessa etapa foi possvel verificar que a atividade configura-se como um trabalho coletivo, na medida em que requer cooperao e interao entre os msicos para se construir a interpretao da obra musical. Ficou evidente que o trabalho na orquestra exige esforo individual e coletivo para a execuo da tarefa, que a organizao do trabalho caracteriza-se pelos princpios tayloristas onde existe uma diviso entre a concepo e a execuo alm de ser direcionada por uma hierarquia rgida, que determina os espaos de ao de cada msico. Alm disso, pde-se perceber que as dificuldades para a realizao da atividade de trabalho, de acordo com as entrevistas, relacionavam-se principalmente com as condies oferecidas para a execuo do trabalho.

  • 32

    3.1.2 Anlise do processo tcnico e das tarefas

    Essa fase teve a durao de 123 horas, por um perodo de 5 meses. Realizou-se a aproximao da atividade de trabalho dentro de cada naipe de instrumentos que compe a orquestra (naipe das cordas, das madeiras, dos metais e da percusso) para compreenso do processo tcnico e das tarefas. A abordagem foi realizada atravs das seguintes aes: observao direta de cinco ensaios, entrevistas com chefes de naipes e msicos de cada naipe (investigao sobre a tarefa e a diviso do trabalho, identificao das caractersticas do instrumento musical, dos aspectos de manuteno, dos acessrios e das particularidades relacionais internas), observao de dois ensaios com a pesquisadora inserida entre os msicos no interior do naipe (o estar sentada junto aos msicos permitiu-lhe o registro de aes e verbalizaes durante os ensaios) e confrontao dos dados coletados.

    Mediante tais procedimentos foi possvel reconhecer como ocorre o processo geral de trabalho de cada naipe da orquestra quanto diviso do trabalho e ao papel de cada grupo dentro da produo, o que indicou a escolha do naipe dos violinos para o desenvolvimento da pesquisa.

    3.2 Segunda etapa: o foco sobre o naipe dos violinos

    Ao se conhecer o processo geral de trabalho de cada naipe, pde-se perceber que existe uma centralidade das cordas no fluxo de produo musical da orquestra. Diante disso, optou-se por focalizar este estudo sobre o naipe dos violinos, uma vez que so estes os instrumentos que oferecem uma base meldica referencial para as cordas da orquestra. As exigncias de desempenho para tocar o violino, as caractersticas da diviso do trabalho dentro do naipe, o compartilhamento do posto de trabalho e a presena de queixas e sintomas de desgaste musculoesqueltico nesses instrumentistas tambm foram considerados.

    Essa etapa foi realizada em 2 meses, mediante observaes diretas nos ensaios, num total de 56 horas. Observados 10 violinistas msicos de fila (tutti), foram abordados os aspectos especficos dessa populao trabalhadora: histrico profissional, queixas relativas s disfunes do sistema musculoesqueltico, presena de alteraes visuais, histrico de afastamento do trabalho e alteraes posturais, atravs da realizao do teste de um minuto (ANEXO 1).

  • 33

    O acompanhamento da atividade de trabalho foi feito inicialmente a partir de informaes sobre o trabalho prescrito, obtidas em entrevistas semi-estruturadas com o gerente da orquestra, com o spalla, com o concertino e os chefe de naipe e com os violinistas observados (msicos de fila tutti). Foram registradas as verbalizaes espontneas dos instrumentistas e as aes realizadas durante os ensaios, verificando-se as interfaces dentro do posto de trabalho no plano individual e coletivo. Os registros eram feitos, na maioria das vezes, sem que se conseguisse compreender imediatamente os significados das comunicaes e das aes, pois as caractersticas da atividade no permitiam confrontao simultnea. Os dados coletados eram restitudos ao(s) violinista(s) sempre ao trmino dos ensaios, seguindo-se do registro das verbalizaes consecutivas.

    As entrevistas individuais semi-estruturadas tiveram como finalidade levantar informaes sobre a percepo dos violinistas a respeito das dificuldades de realizao da atividade. Nessa discusso foram abordadas questes relativas s condies de trabalho: acstica, mobilirio, partes musicais, violino e seus acessrios, estilo da obra, espao fsico, relacionamento entre os pares e com o maestro.

    A partir do reconhecimento geral do trabalho do naipe dos violinos e da identificao dos aspectos organizacionais que norteiam o fazer dos violinistas, foi possvel estabelecer as diretrizes para uma investigao mais sistematizada, na busca de se revelar o significado das aes desses instrumentistas ao executarem seu trabalho.

    3.3 Terceira etapa: os condicionantes da atividade e as estratgias operatrias

    Essa etapa teve a durao de 98 horas, por um perodo de 3 meses. Dez violinistas foram observados durante seis ensaios, para o que se utilizou o registro manual em uma planilha, onde os dados coletados listaram a ordem cronolgica dos eventos observados nesses ensaios, de modo a verificar as estratgias operatrias durante a atividade de trabalho. Foram tambm realizadas entrevistas individuais e confrontaes consecutivas dos dados coletados com os registros das verbalizaes.

    Nesse momento, o interesse da pesquisa era focalizar os violinistas e revelar de que forma a organizao do trabalho modifica o uso do corpo, refletindo-se em aspectos que potencializam o desgaste musculoesqueltico nesses musicistas. Procurou-se, ento, identificar o trabalho prescrito, o trabalho real e as condies para a execuo da atividade, com o objetivo de demonstrar que as estratgias operatrias individuais apresentam caractersticas distintas, o

  • 34

    que possibilita diferenas nas margens de regulaes dos msicos e conformam diferentes cargas de trabalho.

    Assim, as observaes se centraram sobre os seguintes condicionantes da atividade:

    Planejamento do trabalho, onde se verificaram as dificuldades colocadas para o cumprimento do prescrito.

    Repertrio: foram observados ensaios de um concerto e de uma pera com o objetivo de verificar as exigncias de interaes de acordo com o programa a ser executado. Durante as atividades de trabalho da pera, fez-se uma comparao entre dois violinistas, com vistas a compreender as interfaces que se estabelecem dentro do posto de trabalho a partitura, o instrumento, o colega e o maestro , demonstrando-se a diversidade operatria no uso do corpo.

    Explorao dos aspectos da configurao espacial e ambiental do salo de ensaios, do palco e do fosso; onde foram apontadas as diferenas entre o mobilirio, as dimenses espaciais, a iluminao e a acstica, demonstrando-se como esses aspectos influenciam o fazer dos violinistas e modificam o uso do corpo no desempenho da atividade.

    Abordagem das interfaces do posto de trabalho: apontou-se como a partitura constitui-se num objeto mediador do trabalho dos violinistas, ressaltando-se a relevncia das condies fsicas da partitura e de sua relao com o arranjo fsico do naipe aspectos que condicionam a atividade dos violinistas e configuram diferentes modos operatrios.

    Observao da dinmica do maestro na conduo dos ensaios mediante uma comparao entre dois maestros titulares, a fim de evidenciar as diferenas de conduta para a realizao do trabalho. Apontou-se ainda a interface entre o spalla e os violinistas, na busca de se revelarem as dificuldades encontradas e demonstrar que esse fator influencia na carga de trabalho dos violinistas.

    Essa etapa conduziu identificao das estratgias operatrias e de regulao adotadas pelos violinistas, permitindo a identificao do reflexo das condies organizacionais sobre a atividade de trabalho, evidenciando que os condicionantes externos e internos analisados estabelecem uma correlao com os mecanismos individuais do uso do corpo, e que tais elementos devem ser valorados ao se investigar o adoecimento musculoesqueltico nesses instrumentistas, porque modifica o campo de possibilidades de regulao para execuo da tarefa.

  • 35

    4. RESULTADOS: A ORQUESTRA PESQUISADA

    A pesquisa desenvolveu-se na capital de um estado da regio Sudeste do Brasil, tendo por objeto uma orquestra sinfnica vinculada a uma fundao cultural do governo estadual e cuja atuao data de 27 anos. Desde a sua fundao, em 1977, essa orquestra passou por inmeras transformaes no sentido de estruturar seu quadro de instrumentistas, seu acervo musical e sua infra-estrutura de instrumental de trabalho. No decorrer dos anos, grandes maestros e instrumentistas fizeram e fazem a sua histria hoje, considerada um dos mais importantes conjuntos brasileiros da msica orquestral, faz cerca de 45 apresentaes anuais. Seu repertrio abrange os mais variados autores musicais e compreende todos os perodos da histria da msica escrita para orquestra: concertos, bals, peras, operetas, sinfonias poemas sinfnicos e grandes obras sinfnico-corais, como rquiens, missas, antfonas cantatas, oratrios, novenas e obras sacras diversas.

    A orquestra caracteriza-se por uma formao instrumental clssica organizada em naipes ou grupos de instrumentos: grupo das cordas (violinos, violas, violoncelos, contrabaixos e harpa); grupo das madeiras (flautas, flautim, obo, corn ingls, contrafagote, fagotes, clarinetes e requinta); grupo dos metais (trompas, trompetes, trombones e tuba); grupo de percusso

    (tmpano, bumbo, caixa clara, pratos, gongos, glockenspiel, xilofone, vibrafone, marimba, jogo de campanas, maracas, pandeiros, chocalhos e tringulos) e grupo dos teclados

    (piano, celesta e cravo). Cada naipe constitui-se numa clula independente por ter uma voz prpria na forma como expressa o som, cada um com um posicionamento determinado dentro do conjunto orquestral. Os grupos de instrumentos ficam dispostos em fileiras, formando um semicrculo de frente para o maestro. Algumas modificaes de localizao podem ocorrer (instrumentos podem ser adicionados ou suprimidos) de acordo com a obra musical e ou segundo a preferncia do regente.

    Para organizar as atividades de trabalho no departamento da orquestra sinfnica, a fundao conta com uma equipe administrativa constituda pelos seguintes profissionais: um superintendente de produo artstica, um gerente, um arquivista, dois montadores e uma secretria, subordinados a uma diretoria artstica e presidncia da fundao. A fundao cultural participa ativamente das decises sobre a programao a ser desenvolvida pela orquestra, da escolha do repertrio, da contratao de maestros e msicos temporrios para

  • 36

    completar o quadro de instrumentistas quando executa determinado repertrio ou para outras eventualidades , no tendo, assim, a orquestra, autonomia prpria.

    De acordo com a gerncia da orquestra, em janeiro de 2002, o quadro de funcionrios encontrava-se incompleto (devido recesso do estado em efetuar concursos e contrataes), pois seria necessrio incorporar-se um diretor artstico, um inspetor e, pelo menos, um funcionrio para auxiliar o setor de arquivo realidade que implicava acmulo de funes para a equipe articular as atividades junto aos msicos integrantes da orquestra. Durante o desenvolvimento da pesquisa, os cargos de diretor artstico e de auxiliar para o setor de arquivo foram preenchidos, melhorando as condies de organizao do trabalho. Entretanto, desde o incio at a finalizao da pesquisa (janeiro 2003 a junho 2004), a orquestra vinha atravessando uma crise financeira suas remuneraes eram das mais baixas entre as orquestras sinfnicas do pas , o que lhe dificultava conseguir manter o conjunto de instrumentistas adequado execuo de importantes repertrios. Alm do dficit de pessoal, a orquestra tambm enfrentava a escassez de recursos financeiros para realizar suas produes, uma vez que o estado no subsidiava suas reais necessidades.

    FIGURA 2 Estrutura organizacional da orquestra

    Superintendente Corpo Artstico

    Gerente da Orquestra Equipe apoio:Arquivista, armadores e secretriaRegente Titular

    Diretor Artstico

    Presidncia Fundao

    Spalla

    Chefes Naipes Demais msicos orquestra

    Superintendente Corpo Artstico

    Gerente da Orquestra Equipe apoio:Arquivista, armadores e secretriaRegente Titular

    Diretor Artstico

    Presidncia Fundao

    Spalla

    Chefes Naipes Demais msicos orquestra

    Superintendente Corpo Artstico

    Gerente da Orquestra Equipe apoio:Arquivista, armadores e secretriaRegente Titular

    Diretor Artstico

    Presidncia Fundao

    Spalla

    Chefes Naipes Demais msicos orquestra

    Superintendente Corpo Artstico

    Gerente da Orquestra Equipe apoio:Arquivista, armadores e secretriaRegente Titular

    Diretor Artstico

    Presidncia Fundao

    Spalla

    Chefes Naipes Demais msicos orquestra

  • 37

    4.1 Os msicos instrumentistas

    A orquestra composta por 75 msicos, assim distribudos: 20 violinistas, 09 violistas, 07 violoncelistas, 06 contrabaixistas, 04 flautistas, 03 obostas, 04 clarinetistas, 04 fagotistas, 05 trompistas, 03 trompetistas, 03 trombonistas, 01 tubista, 01 timpanista, 03 percussionistas, 01 harpista e 01 tecladista.

    Alguns msicos esto na orquestra desde a sua fundao, e a faixa etria varia de 20 a 55 anos de idade. Dos 75 msicos, 42 possuem formao superior e 33 formao em conservatrio; conforme as exigncias profissionais da categoria, todos so filiados Ordem dos Msicos do Brasil (OMB). O vnculo com o Sindicato dos Msicos Profissionais do estado no obrigatrio.

    Os msicos ingressam na orquestra atravs de concurso pblico, seguindo ainda um esquema de cargo vitalcio1 em suas funes, j que aguardam a deciso do governo do estado sobre a implementao de um plano de carreira elaborado pela gerncia da orquestra. Os cargos de maestro titular e spalla so preenchidos por indicao, aps apreciao do conselho dos msicos da orquestra, embora a deciso final fique a critrio da diretoria da fundao cultural.

    atribuio do msico instrumentista a participao em ensaios, concertos sinfnicos, espetculos lricos e cnicos, no lhe sendo exigida dedicao exclusiva atividade de trabalho na orquestra.

    A estrutura interna da orquestra, composta pelos msicos, obedece a uma hierarquia onde os cargos dos instrumentistas apresentam diferenciaes em suas funes, o que representa os limites de sua ao, especialmente quanto ao poder de deciso, e indica a faixa de sua remunerao profissional. Assim a diviso de funes, segundo a hierarquia: o maestro (a orquestra trabalha com um regente titular ou convidado) responsvel pela coordenao e orientao tcnica e artstica dos msicos da orquestra, bem como por participar da elaborao da programao e do cronograma de trabalho necessrio ao desenvolvimento das atividades propostas pela diretoria artstica. O spalla (o primeiro violinista) atua como

    1 Cargo Vitalcio: a estrutura da diviso das funes de cada msico nesta orquestra corresponde a uma classificao de

    msicos tipo A (excelente), B (timo) e C (bom), de acordo com os resultados obtidos no concurso pblico da instituio. No entanto, nem sempre, a vaga disponvel dentro do naipe corresponde qualidade tcnica conquistada pelo msico. Por exemplo: existe a vaga de 3 instrumentista para o naipe de sopro; o msico consegue obter no concurso classificao A, mas aceita assumir a vaga oferecida. Assim como o cargo vitalcio, ele no poder, posteriormente, assumir a posio de 1 instrumentista do naipe, que corresponde sua real classificao. Tal sistema no permite ao msico mudar de funo; no h uma real valorizao da qualificao e do desempenho de cada um, o que resulta na estagnao de alguns profissionais.

  • 38

    representante musical do maestro diante da orquestra regendo-a quando necessrio , tem a funo de solista no seu instrumento e de sua responsabilidade conduzir a afinao da orquestra e determinar tecnicamente as arcadas (posio dos arcos) para os instrumentos de corda. O concertino, msico que senta na primeira estante, ao lado do spalla, responsvel por auxili-lo ou substitu-lo, se necessrio. Aos chefes de naipe cabe coordenar as atividades conjuntamente com o maestro e o spalla, posicionar os msicos do seu naipe, coordenar a disciplina e a assiduidade. Os demais msicos da orquestra devem seguir as orientaes determinadas pelo maestro, pelo spalla e pelo chefe do naipe de seu respectivo agrupamento instrumental.

    4.1.1 Os msicos da orquestra e o adoecimento: as queixas relacionadas atividade de tocar

    Na investigao da demanda dos distrbios musculoesquelticos nos msicos instrumentistas da orquestra, verificou-se que as queixas relacionadas atividade de tocar eram significativas, e que a variabilidade de sintomas (anteriores ou atuais) vinculava-se s especificidades de cada instrumento. Os dados encontrados confirmam os resultados das pesquisas j desenvolvidas sobre o adoecimento ocupacional em msicos, demonstrando que atividade de tocar gera riscos sade e pode comprometer a performance profissional. O QUADRO 1, a seguir, contm exemplos de instrumentistas da orquestra e suas queixas relacionadas atividade de trabalho.

  • 39

    QUADRO 1 Queixas e sintomas relacionados atividade de tocar

    Msico

    Queixas de sinais e sintomas relacionados atividade de tocar

    Percussionista

    Tive cisto sinovial na mo esquerda, que me incomodava muito, mas depois desapareceu, e diariamente sinto dores nos ombros e nas costas, pois alguns instrumentos de percusso so pesados e outros so baixos, e dependendo do tempo que tocamos o corpo fica detonado.

    Trompetista

    Tenho que fazer muito esforo muscular com a face. J tive, e ainda tenho, problemas dentrios em funo do apoio do instrumento. Devido vibrao houve abalo nos sisos superiores e tambm j tive dores musculares na face.

    Violinista

    Olha, o violino exige muito esforo postural. Primeiro o jeito que a gente segura o arco, depois o posicionamento com o pescoo e o brao que sustenta o instrumento, sem falar nas outras exigncias para tocar. Tenho sempre dor no pescoo e no brao direito.

    Clarinetista

    um instrumento que exige muito desempenho respiratrio, e o posicionamento tambm traz muita tenso muscular. Tem um suporte de colocar no pescoo para sustentar o instrumento, mas no uso porque acho que fica desconfortvel. Tenho dores no pescoo e nas costas, mas a gente aprende a conviver com isso.

    Trompista

    Tive tendinite no ombro direito, doa tanto que fiquei mais de uma semana afastado para tratamento. At hoje, quando o programa exige mais tempo prolongado, ainda sinto dor.

    Corn Ingls

    J tive tendinite no punho e cotovelo direito. Tambm tenho dores constantes no pescoo em funo da correia que prende e ajuda a sustentar o instrumento, mas sem ela pior.

    Fagote

    O instrumento exige muito dos braos, eu j tive ombro congelado, e at hoje tenho um pouco de dificuldade de abrir o brao. N.a poca eu fiquei sem tocar um tempo, mas hoje posso dizer que no incomoda mais.

    Violoncelo

    J tive uma inflamao no tendo na mo direita (especialmente no polegar). Era uma dor aguda que me impossibilitava de tocar.

    4.2 O processo de trabalho

    O processo de trabalho na orquestra obedece a um fluxo de procedimentos que determina todo o desenvolvimento e a execuo do programa musical. Primeiramente, escolhe-se o repertrio pelo diretor artstico, pelo maestro e pela gerncia da orquestra que compor o programa a ser apresentado durante o ano, sem a participao efetiva da comisso dos msicos da orquestra. Qualquer produo passa pela aprovao final da diretoria da fundao cultural, especialmente quando so necessrios investimentos (em maestros convidados, na contratao de outros instrumentistas e solistas, na locao de obras musicais etc.) para a execuo do programa. elaborado um cronograma de datas, locais e horrios de ensaios e apresentaes, de viagens programadas, de apresentaes nos finais de semana, de indicao de obras e do maestro que conduzir a orquestra, assim como de folgas previstas. Tal programao fica exposta no quadro de avisos da orquestra, disponvel a todos os msicos. No entanto, no decorrer das atividades, nem sempre o programa realmente cumprido sofrem alteraes de ltima hora, exigindo um ajuste imediato de todos.

  • 40

    Definido o repertrio, a orquestra disponibiliza a partitura da(s) obra(s) musical(ais) no arquivo, onde as partes musicais para estudo referentes a cada agrupamento de instrumentos so entregues aos msicos. O maestro fica com a grade de regncia que contm, detalhadamente, as partes de cada naipe de instrumento e, s vezes, faz a marcao das arcadas (indicando a direo dos arcos) antecipadamente, apresentando sua interpretao orquestra. Mas, geralmente, o spalla (1 violinista) quem deve fazer a leitura das partes musicais antes dos ensaios e a marcao das arcadas, repassando-a aos chefes de naipes e aos instrumentistas. No decorrer dos ensaios, o maestro vai colocando suas orientaes para a interpretao da(s) obra(s) musical(is); assim, alguns ajustes so realizados no sentido de redefinir essas marcaes juntamente com o spalla. O ideal que isso ocorra apenas nos primeiros ensaios do programa a fim de no interferir na produtividade da orquestra.

    A partir desse momento, os ensaios vo lapidando a construo da (s) obra(s), o que mobiliza trabalho individual e coletivo, exigindo uma interao entre os instrumentistas dentro do seu naipe e todos os outros agrupamentos de instrumentos da orquestra. A harmonia entre todo o conjunto orquestral resulta na produo da msica, produto final que exposto ao pblico.

    FIGURA 3 - Esquema do processo de trabalho

    4.2.1 O maestro e sua batuta

    A performance de um maestro, ao conduzir uma orquestra, possui toda uma mmica e uma coreografia de gestos (com a batuta, as mos, os braos, o olhar, a expresso fisionmica e a

    naipe

    M aestro

    EscolhaR epertrio

    Aprova o diretor Funda o Cultural

    M aestro

    Chefe de

    o Cultural

    G erente O rquestrastico

    D iretor A rtstico

    G erente O rquestra

    M aestro

    A provao D iretorFundao

    PA R TITU R A

    SpallaM aestroC hefeN aipe

    V iolinos

    V ioloncelos

    V iolas

    Contrabaixos

    Flautas

    Clarinetes

    O bos

    Fagotes

    Trompas

    Trombones

    Trompetes

    Tubas

    Percusso

    Teclados

    H arpa

    Interpretao da O bra

    naipe

    M aestro

    EscolhaR epertrio

    Aprova o diretor Funda o Cultural

    M aestro

    Chefe de

    o Cultural

    G erente O rquestrastico

    D iretor A rtstico

    G erente O rquestra

    M aestro

    A provao D iretorFundao

    PA R TITU R A

    SpallaM aestroC hefeN aipe

    V iolinos

    V ioloncelos

    V iolas

    Contrabaixos

    Flautas

    Clarinetes

    O bos

    Fagotes

    Trompas

    Trombones

    Trompetes

    Tubas

    Percusso

    Teclados

    H arpa

    V iolinos

    V ioloncelos

    V iolas

    Contrabaixos

    Flautas

    Clarinetes

    O bos

    Fagotes

    Trompas

    Trombones

    Trompetes

    Tubas

    Percusso

    Teclados

    H arpa

    Percusso

    Teclados

    H arpa

    Interpretao da O bra

  • 41

    atitude plstica do corpo), que traduz os pensamentos e sentimentos de um autor numa obra musical. Mas a sua capacidade de recriar e esculpir uma nova imagem sonora da obra que garante a expressividade de sua atuao.

    O maestro precisa planejar seus atos para que consiga extrair emoes na interpretao da obra e atingir o pice da perfeio, harmonizando os sons de todos os instrumentos dentro da orquestra. Sobre ele recai diretamente uma imensa responsabilidade: a personalidade do conjunto orquestral.

    A atividade de um regente dentro da orquestra passa por trs fases (MAGNANI, 1989: 297-299):

    a) Conhecer a partitura: saber quais os pontos crticos da obra, quais as qualidades e os defeitos da instrumentao etc. Esse estudo da obra desenrola-se fora do instrumento orquestra, numa total interiorizao da conscincia sonora. Isso fundamental porque sua atividade toda baseada na antecipao das intenes e dos gestos.

    b) Saber o que quer extrair da partitura: deve ter uma concepo sonora muito bem definida da obra, dominada por uma inflexvel lgica interna baseada em um exato equilbrio entre a razo e a emoo. Mais especificamente deve estudar todos os acentos e a maneira de ataque do som nas cordas, as respiraes nos sopros e outros detalhes de natureza instrumental. Esse plano de organizao evita perda de tempo e estreis tentativas durante os ensaios, bem como permite aos instrumentistas o estudo antecipado das passagens, visando j o tipo de sonoridades e de fraseado que o regente deseja.

    c) Saber alcanar o resultado: para realizar a sua prpria concepo da obra, o regente deve saber com segurana o que pode solicitar a cada instrumento: no pedir o impossvel nem o bvio. Capacidade tcnica e sensibilidade psicolgica so as armas do regente na preparao da orquestra; assim ele consegue harmonizar muitas personalidades numa vontade nica, firmando uma liderana na cultura e na sensibilidade.

    Para conseguir tal desempenho, o maestro precisa desenvolver sua liderana junto aos msicos da orquestra, de forma que todos sigam suas orientaes e executem a sua interpretao da obra. Essa liderana pode se dar de forma cordial, onde o conhecimento e a

  • 42

    experincia na orquestrao e o convvio durante a construo da obra margeiam condutas de respeito e cooperao, ou pode se dar de forma autoritria, refletida em relaes conflituosas, onde o poder conferido ao maestro pela hierarquia reina de forma soberana, resultando algumas vezes na exposio dos msicos (o maestro aponta momentos individuais de performance) e causando desconforto para os instrumentistas. Assim, o maestro modela e organiza o som orquestral, conduzindo a dinmica dos movimentos na extrao dos sons, almejando alcanar a preciso e a significao em cada nota que ressoa dos instrumentos que compem a orquestra.

    4.2.2 Os ensaios e o repertrio

    As atividades requeridas para o desenvolvimento do programa a ser apresentado pela orquestra seguem toda uma rotina de trabalho, exigindo dedicao, pontualidade e desempenho de todos os profissionais com ela envolvidos: ensaios dirios e ensaio geral quando os ltimos ajustes so efetuados, geralmente realizado no mesmo dia e local da exposio ao pblico e ainda, uma vez por ms, apresentaes pblicas para disseminar a apreciao da msica orquestral sociedade de forma geral. Cada um desses momentos (ensaio dirio, ensaio geral, concerto e apresentaes pblicas) caracteriza-se de forma diferenciada quanto ao nvel de exigncia de performance do instrumentista e s caractersticas do ambiente de trabalho e do vesturio.

    O desenvolvimento da atividade de trabalho diria da orquestra ocorre no salo de ensaios, de segunda a sexta-feira, podendo sofrer alguma variao de acordo com a programao das apresentaes. Os ensaios so divididos em duas partes, nas quais se realiza a construo da interpretao da(s) obra(s) musical (ais), seguindo a dinmica de trabalho do maestro, quando existem momentos de repetio e de interrupes para orientaes a fim de realizar os ajustes necessrios na preparao do repertrio. A primeira parte do ensaio ocorre no perodo de 8:30h s 10:00h, seguindo-se de um intervalo de 20 minutos (momento de socializao dos msicos no cafezinho, no corredor do salo de ensaios). Em seguida, passa-se segunda parte, que corresponde ao perodo de 10:20h s 11:30h.

    A atividade diria de trabalho dos msicos nos ensaios comea com o registro do ponto do carto na portaria da instituio. Depois se dirigem com os seus instrumentos musicais para o salo de ensaios para desenvolver o programa musical a ser apresentado pela orquestra. Poucos instrumentistas chegam bem cedo, por volta de 7:30h da manh, e vo para o salo de

  • 43

    ensaios, que ainda no foi organizado pelos armadores da orquestra para o incio das atividades de trabalho.

    Durante as observaes realizadas em quatro ensaios verificou-se que apenas trs violinistas (foco desta pesquisa) geralmente chegam com maior antecedncia aos ensaios (em horrios distintos), realizam exerccios de aquecimento no instrumento e repassam alguns trechos da obra em questo que julgam necessrio antes do ensaio comear.

    Cerca de 40 minutos antes do horrio previsto para os ensaios (8:30h), os armadores da orquestra organizam as pastas (com a parte musical) nas estantes, posicionam as cadeiras nos postos de trabalho e, s vezes, deslocam algum instrumento musical (de grande porte) de acordo com as necessidades do ensaio. Aos poucos, o salo comea a ficar movimentado com a chegada dos demais instrumentistas dos vrios naipes da orquestra. s 8:15h, a maioria dos instrumentistas, incluindo os violinistas, j se encontra no local. Nesse momento, o rudo se torna forte e diversificado no salo, quando os sons de vrios instrumentos (nem sempre executando a mesma nota) se juntam ao burburinho das vozes e ao movimento das pessoas que se deslocam pelo ambiente. Mas, aos poucos, todos vo se acomodando nos locais devidamente estabelecidos pela formao da orquestra.

    Os msicos ento acomodam seus cases (estojo onde se coloca o instrumento) junto aos seus postos de trabalho, retiram o instrumento e procedem aos ajustes que se fazem necessrios (ex: os violinistas apertam o parafuso no talo do arco para tensionar a crina, afinam o violino etc); colocam lpis/borracha na estante ou em cima do case; ajustam o posicionamento da cadeira e da estante; abrem a parte musical e aguardam o sinal do spalla

    (este se coloca frente da orquestra e chama a ateno de todos) para a afinao dos instrumentos, o que antecede todos os ensaios da orquestra. A afinao comea sempre pelo obo instrumento da famlia das madeiras e termina nos instrumentos de corda.

    Em seguida, quando o maestro entra no salo e se dirige ao seu pdio localizado frente da orquestra, os msicos geralmente j se colocam com seus instrumentos a postos (por exemplo: os violinistas colocam o violino posicionado em p, com sua base apoiada sobre a coxa esquerda, sustentado no brao pela mo esquerda, enquanto o arco seguro pela mo direita e se apia sobre a coxa deste mesmo lado). Muitas vezes, antes de o ensaio comear, o gerente da orquestra aproveita esse momento para alguns avisos referentes atividade de trabalho, que configuram normas a serem seguidas pelos instrumentistas:

  • 44

    Bom pessoal, gostaria de comunicar que a partir de hoje vocs devem se preocupar um pouco mais com o tipo de roupa [visual] nos ensaios; por favor, evitem camiseta e bermuda, pois temos visitas com freqncia aqui e isso reflete mal (Gerente).

    O ensaio ento comea com o maestro se posicionando de frente orquestra (geralmente de p sobre o pdio), erguendo seus braos, em geral, com a batuta na mo direita, quando comea a indicar as orientaes quanto sua interpretao daquela obra, determinando a dinmica do ensaio: faz interrupes para solicitar repeties de determinados trechos, d orientaes verbais, faz expresses gestuais e solfeja, sempre com o intuito de conseguir exatamente o som que deseja, impondo o ritmo e a intensidade dos instrumentos.

    A partir de ento, os msicos permanecem na posio sentada (para sair do recinto devem comunicar ao maestro, e tal se d somente em caso de extrema necessidade). Para execuo de sua tarefa, precisam:

    Manter-se posicionados no seu posto de trabalho, de tal forma que bem visualizem os gestos do maestro e que lhes permita a leitura das partes musicais, uma vez que precisam seguir fielmente as orientaes grficas prescritas;

    Extrair o som do instrumento sempre que a partitura ou o maestro indicar; devem ficar atentos nos momentos de pausa institudos pela partitura para verificao do tempo necessrio para voltarem a tocar;

    Observar o spalla da orquestra a fim de verificarem se alguma informao est sendo repassada durante o transcorrer do ensaio (ex: os instrumentistas de corda devem ficar atentos em relao posio das arcadas);

    Interagir com o som do colega dentro do seu naipe especfico;

    Manter-se em harmonia com todos os demais grupos de instrumentos que compem a orquestra.

    Todas essas aes ocorrem de forma simultnea, exigindo do msico um desempenho que mobiliza esforo fsico e cognitivo para alcanar a produo determinada.

    Os ensaios, geralmente, so reservados aos profissionais que participam diretamente da atividade de trabalho, podendo ser acompanhados por outras pessoas somente mediante a autorizao da gerncia da orquestra. Iniciadas as atividades, no permitida a entrada ou

  • 45

    sada de pessoas no salo de ensaios. Solicita-se o mximo de silncio (no conversar, desligar telefone celular etc) de modo a no interferir na concentrao dos musicistas, pois a comunicao verbal durante os ensaios restringida pelas prprias exigncias da atividade e pelo maestro.

    Cada programa contm um repertrio especfico, o que representa uma grande variabilidade de estilos de obras musicais clssicos, modernos, romnticos e populares. O tempo de preparao de cada concerto exige uma mdia de cinco dias de ensaios para uma apresentao, mas existem programas cujo repertrio exige maior tempo de dedicao, que pode chegar a doze dias at a apresentao final.

    4.2.3 As condies para o desenvolvimento da tarefa

    4.2.3.1 Os instrumentos musicais

    Para a execuo do trabalho, a orquestra coloca disposio dos msicos os instrumentos musicais de maior porte (piano, harpa, contrabaixo, tmpanos e instrumentos de percusso), responsabilizando-se pela manuteno destes; os outros instrumentos so de propriedade dos msicos, que se responsabilizam pela sua manuteno e deslocamento at o local de trabalho.

    Por ocasio de viagens da orquestra, todos os instrumentos musicais recebem um seguro, especialmente por se tratar de instrumentos de modelos profissionais de alto custo comercial. Cada instrumento musical possui suas especificidades em relao a acessrios e exigncias de manuteno, o que segundo os msicos influencia diretamente no desempenho de sua atividade de trabalho:

    O clarinete um instrumento muito resistente, sua vida til grande. Raramente tem manuteno de reparao. Mas a manuteno diria de lubrificao das vlvulas [olhar se tem chave de gua agarrada, isso acontece por causa da saliva] necessria, pois influencia na resistncia do ar; tambm uma vez por semana fao uma limpeza interna com o snack [um tubo flexvel de metal] (Clarinetista). Apesar do custo ser alto, cuidar do instrumento necessrio. Sempre troco as cordas do violino a cada 3 meses e a crina do arco a cada 6 meses, pois isso influencia no meu trabalho.Quando a crina est gasta fica mais difcil atingir a sonoridade adequada, pois a crina no pega nas cordas com eficincia e isso exige mais esforo, fora mesmo com o brao direito (Violinista). O obo necessita de ter que confeccionar, quase que diariamente, a palheta que faz vibrar o ar para dentro do instrumento. O tempo de vida desta palheta curto, cerca de uma semana. Sendo que o processo de montagem, raspagem e finalizao demoram horas, sem falar que o custo alto. Mas se a gente quer qualidade sonora tem que investir (Obosta).

  • 46

    Assim, o cuidado com a manuteno e a escolha dos acessrios confere a cada msico um carter individual com o seu instrumento de trabalho, o que pode representar diferenas quanto s condies para o desenvolvimento da tarefa.

    4.2.3.2 A partitura

    A orquestra disponibiliza aos msicos a partitura da(s) obra(s) musical(ais) que compe(m) o programa a ser desenvolvido. Esta contm a disposio grfica das partes instrumentais de uma composio musical de modo a permitir a sua leitura e execuo.

    As obras pertencentes ao arquivo musical da orquestra objeto desta pesquisa contm registro com um nmero de identificao de patrimnio da fundao cultural; algumas delas com um carimbo na(s) pgina(s) da(s) partitura(s) em local aleatrio, s vezes sobre as notas musicais, o que dificulta a visualizao do prescrito. Existem partituras impressas (originais da editora), partituras manuscritas e cpias (xerox) dos mais diversos autores musicais, cujo acervo em torno de 2000 obras, abrangendo cerca de 200 autores repertrio que, de acordo com o arquivista, atende bem s necessidades da orquestra. Para ampliar esse repertrio musical, promovem-se intercmbios com outras orquestras para emprstimos de material de seus respectivos acervos, e alugam-se aquelas obras que no so vendidas em funo dos direitos autorais pertencerem a famlias de compositores ou a editoras.

    Diante dessa realidade, os msicos lidam diariamente com um