Projeto Final 5
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Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Ciência Política
Programa de Pós Graduação em Ciência Política
Disciplina : Seminário de Dissertação I
Professora : Telma Maria Gonçalves Menicucci
Projeto de Dissertação
Débora Cerqueira Vales
Belo Horizonte, fevereiro de 2014
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Emancipação para as democracias contemporâneas : entre os limites
apontados pela Escola de Frankfurt e as possibilidades da Teoria
Deliberativa
Introdução
O diagnóstico das democracias de massa do ocidente capitalista revelam que, apesar de
sua ampla adoção, os regimes democráticos vêm perdendo sua vitalidade. O modelo
clássico de soberania popular, pautado pela democracia representativa e por sua
configuração puramente liberal, inibiu o interesse dos cidadãos pela participação política.
A descrença na democracia representativa é resultado de uma concepção de soberania popular que se resume a disputa de cargos políticos entre partidos e lideranças políticas.
Também, pelo reducionismo e segmentação do papel do cidadão-eleitor a escolha de
representantes baseada na agregação de preferências pré estabelecidas. Ocasionou-se,
portanto, o engessamento da formação livre da opinião pública e da vontade coletiva no
debate entre os cidadãos (Melo, 2009). Nesse sentido, o desafio que se coloca á Teoria
Democrática é pensar modos de revitalização das democracias, pautados pelo engajamento
político dos seus cidadãos e na esteira dos limites colocados pelo modelo de democraciarepresentativa.
A Teoria Deliberativa emerge no cenário de novos rumos da Teoria Democrática,
compreendida como uma resposta aos limites da representação e do engessamento da
autonomia política das democracias de massa. Também a Teoria Deliberativa compõe a
chamada Teoria Crítica; Como será visto posteriormente, o legado crítico prima pela
supressão das relações de opressão / dominação presentes nas sociedades a partir da
emancipação dos indivíduos. O projeto emancipatório é construído a partir do diagnósticos
dos limites e possibilidades de cada sociedade para a emancipação.
Assim, coube a Teoria Deliberativa superar a impossibilidade de emancipação em
regimes democráticos, antes defendida pelos teóricos críticos da primeira geração. A
medida em que se desenvolve em termos de legitimidade democrática, em influência nos
desenhos das instituições democráticas e em trabalhos empíricos produzidos, a Teoria
Deliberativa é acusada de ter se liberalizado e abandonado o seu legado crítico. É no
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debate entre frankfurtianos1 e deliberacionistas que se insere o presente projeto de
dissertação ao discutir as aproximações e distanciamento da Teoria Deliberativa da
tradição crítica e a possível ressignificação do conceito de emancipação.
Segue, portanto, a contextualização político-social e de ideias do debate evidenciado, bem como um sucinto resumo do desenvolvimento das Teorias Crítica e Deliberativa.
Também serão evidenciadas outros aspectos importantes do projeto, justificativa, pergunta
e hipótese, metodologia, objetivos e bibliografia.
Apresentação do tema e definição do objeto
O último quartil do século XX foi marcado tanto pela ratificação da hegemonia dos
regimes democráticos, como também por descrédito quanto a legitimidade do modelo
liberal de democracia. Nesse contexto, a Teoria Deliberativa encontrou caminho aberto
para sua firmação enquanto teoria democrática de crítica ao liberalismo (NOBRE, 2004)
Os fatores que conformaram nessa dupla dimensão de reafirmação e questionamento,
são centrais na disputa de sentidos da democracia. A Teoria Democrática é constituída portanto, de diversificados modelos e significados de igualdade e liberdade que pautam as
práticas e instituições democráticas. Durante quase todo século XX os regimes
democráticos foram ajustados majoritariamente por uma perspectiva procedimental.
Assim, até meados da década de 1970 o modelo liberal de representação dominou as ideias
e práticas democráticas. Baseada em valores agregativos e de auto-interesse, a democracia
representativa entende a representação política e a vontade da maioria como características
legitimadoras da democracia.
Segundo essa vertente, nos regimes democráticos as decisões são tomadas mediante o
princípio da maioria, ou seja, pela agregação de preferências contabilizadas através do
voto. Sendo assim, as democracias são reduzidas a regras e procedimentos
institucionalizados principalmente na divisão de poderes, na competição partidária e nas
1 Correspondem aos teóricos da primeira geração da Teoria Crítica conhecida a partir da década de 1960
como Escola de Frankfurt
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eleições periódicas. Vale lembrar que os princípios da democracia representativa vão de
encontro as ideias defendidas pela Teoria da Escolha Racional. Nessa perspectiva, a razão
é entendida como concepções pré-formatadas de acordo com os interesses pessoais. Tais
concepções individuais balizariam os cálculos dos indivíduos na tomada de decisão.
A ampla adesão ao regime democrático nas décadas de 1970 e 1980 foi resultado do ruir
do socialismo de Estado no Leste Europeu e do fim das ditaturas militares em países da
América Latina (MELO, 2009). O cenário de democratização em países do Leste Europeu
e América Latina ficou conhecido então como a “ Terceira Onda de Democratização” (
SANTOS.; et al. 2003).
Assim, foram colocados importantes desafios tanto ás democracias consolidadas como
ás jovens democracias que insurgiam. Nesse aspecto, teóricos da democracia já apontavam
para as limitações do sistema tradicional de representação e de suas instituições liberais. A
legitimidade da representação passa a ser questionada na medida em que a apatia da
participação dos cidadãos é notória. As eleições periódicas e decisões por maioria já se
mostravam insuficientes ás demandas por representação das sociedades contemporâneas,
compostas pelo pluralismo e diversidade de identidades. Somado a esses fatores, também o
esvaziamento dos partidos, a baixa participação e pouco interesse dos cidadãos nas
eleições, o aumento da desconfiança nas instituições e o uso de mecanismos legais para
decisões eleitorais compõem o cenário da chamada “crise da representação” (AVRITZER,
2012).
Também, na Europa do pós guerra se estabeleceu o arranjo social conhecido como
Welfare State. Segundo Nobre ( 2004 ), O Welfare State foi resultado de ampla negociação
entre movimentos sociais, sindicatos, entidades patronais, partidos políticos e burocracia
estatal. Atribui-se ao Estado o protagonismo da implementação de políticas públicas
direcionadas principalmente aos direitos sociais. No entanto, na medida em que avança na
promoção de direitos sociais, o Welfare State tem efeitos perversos em outras dimensões
do direito, dentre elas, os direitos políticos.
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Em oposição a categorização “histórico-evolutiva”2 de direitos defendida por Marshall
(1967), é importante elencar considerações a respeito dos efeitos do Welfare State nesse
aspecto. A proposta de Marshall abarca três vertentes de direitos : civis, políticos e sociais.
Respeitando a ordem apresentada, tais direitos teriam pautado a disputa de significados da
própria democracia. Isto é, em um primeiro momento a democracia se caracterizava
especialmente pelas noções de igualdade formal correspondentes aos direitos civis. A
consolidação desses direitos impulsionou a busca por direitos políticos e posteriormente,
por direitos sociais. Tanto os direitos civis, como os direitos políticos, constituem o
paradigma das liberdades negativas, que grosso modo, correspondem ao direitos dos
cidadãos a não terem suas liberdades tolidas pelo Estado.
Assim, a luta por direitos tem pautado não só as diversas significações dos regimesdemocráticos mas, também a própria concepção de cidadania. A cidadania no modelo do
Welfare State pode ser compreendida pelo prisma dos direitos sociais, em virtude da
promoção da igualdade material entre indivíduos. Essa possível igualdade é tida como
necessária as igualdades pleiteadas no âmbito das liberdade negativas.
Ao indicar a ampliação e aprofundamento de direitos, o Welfare State também foi
responsável por revés quanto aos direitos políticos. A obrigatoriedade do Estado na
implementação de políticas públicas culminou na ideia do cidadão como“ cliente do
Estado” . Esse aspecto é reforçado a partir do protagonismo da burocracia técnica na
tomada de decisões, especialmente voltadas para a promoção da igualdade material entre
os cidadãos. A concepção de “ cliente”, resultante da ação paternalística da burocracia,
acarretou a substituição da participação dos cidadãos na vida pública por decisões técnicas
da burocracia estatal. Também, o controle público das iniciativas e ações da burocracia
ficou a cargo dos partidos políticos. Tais fatores resultaram na redução da participação
política dos cidadãos ás eleições. Nesse sentido, os cidadãos consentem que o Estado atueem áreas da autonomia privada, antes inexpugnáveis, em favor da igualdade material a ser
alcançada (NOBRE, 2004).
O protagonismo do Estado na implementação de políticas públicas gerou o aumento do
aparato e burocracias estatais, bem como a ampliação de cargos e funções técnicas. O
2 O termo “ histórico- evolutivo” se justifica porque a categorização apresentada pelo autor cria uma
espécie de linha do tempo referente a uma contínua ampliação de direitos.
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aumento e diversificação das funções técnicas e laborais é apontada como um dos fatores
de aprofundamento do desmatelamento da classe trabalhadora. Isto é, os postos de trabalho
já não estavam mais ligados a um paradigma de classe proletária industrial, conforme a
teoria marxista aponta, mas passa a conformar em diversificadas profissiões na provisão de
bens e serviços culminando no enfraquecimento das relações de identidade da classe
trabalhadora.
Apesar dos efeitos perversos do Welfare State nas democracias consolidadas, pode se
dizer que a resistência a esses efeitos impulsionaram grande parte dos novos movimentos
sociais na reivindicação por direitos ligados ao reconhecimentos de identidades e discursos
e na reivindicação por novos espaços de participação política e deliberação (NOBRE,
2004).
Vale considerar que, o Welfare State pode ter sido um dos fomentadores para o
desmantelamento e diversificação da classe trabalhadora. No entanto, o próprio avanço do
capitalismo e sua transformação de capitalismo industrial para o capitalismo financeiro
culminou em mudanças estruturais nas sociedades ocidentais.
Todos esses fatores pautaram os novos rumos da teoria democrática, que se ocupou em
propor modos de superação das limitações do sistema representativo, e dos fatores
supracitads. Tais limitações estavam ancoradas na questão da legitimidade da
representação. Assim, vale um breve apontamento referente ao desenvolvimento da Teoria
Deliberativa no crivo das democracias contemporâneas, também uma sucinta revisão
bibliográfica capaz de apontar os pressupostos fundamentais da tradição crítica.
Principais pressupostos da Teoria Crítica
Apoiadas na “herança” marxista de aferro ao capitalismo e suas relações de dominação,
a Teoria Crítica e a Teoria Deliberativa se configuraram entre os principais expoentes
teóricos de crítica ao liberalismo no século XX.
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A criação do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt na década de 1920, inaugura a
tradição filosófica chamada então de Teoria Crítica. Sediado na Universidade de Frankfurt,
o Instituto “ acolheu’ diversos filósofos que foram responsáveis por variadas correntes de
pensamento, todas alicerçadas na orientação para emancipação. No entanto, foi
Horkheimer , duas décadas á frente do Instituto, que imprimiu suas matrizes teóricas á
tradição frankfurtiana de modo mais contundente.
Ao questionar o modelo liberal/capitalista e suas consequentes relações de dominação, a
Escola de Frankfurt e seus principais expoentes concentram seus esforços em pensar um
projeto emancipatório baseado na supressão das relações de opressão e também na
formação de uma consciência crítica sobre a realidade social. Isto é, os sujeitos devem ser
capazes de lançar um olhar crítico sobre as configurações das sociedades em que estãoinseridos para que assim, sejam agentes das transformações sociais direcionadas para a
emancipação dos sujeitos.
“ O processo de formação da consciência não seria individual, mas da própria
humanidade, o que promoveria a transformação social. A saída aberta por Horkheimer
passa, assim, por uma revitalização da consciência crítica que permitiria aos seres
humanos questionar as práticas que marcam a vida social desde seu interior”.(
MENDONÇA 2013)
A construção de uma consciência tal que seja capaz de subverter as relações de
dominação perpassa pelo crivo da racionalidade. Para os teóricos críticos, as ambições do
iluminismo de racionalidade e autonomia do homem foram frustradas e resultaram em
submissão e perda da capacidade crítica. Mediante tal constatação , Horkheimer e Adorno
apostam no elemento reflexivo, centrado na revitalização da linguagem (ADORNO, et al.,
1985) (DUARTE, 2002).
As bases para o modelo crítico foram lançadas por Horkheimer em Teoria Tradicional e
Teoria Crítica (1991) e em Filosofia e Teoria Crítica (1991). O modelo crítico é de suma
importância não só para os fundadores da Escola de Frankfurt, mas também para as
gerações de teóricos críticos posteriores a estes.
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Alicerçados na crítica ao método científico tradicional, os teóricos críticos propõem um
método que seja capaz de corresponder a matriz emancipatória defendida por esta tradição.
A crítica ao método científico tradicional não indica a oposição ou negação deste. No
entanto, o método crítico pressupõe a superação das limitações do modelo tradicional.
Segundo Horkheimer (1991), a Teoria Tradicional se desenvolveu na matriz
cartesiana/positivista e sua origem está atrelada ao desenvolvimento das ciências naturais.
Para o autor, a validade das teorias nesse campo consiste na correspondência da teoria com
os fatos, gerando relações de causa e efeito. Nessa direção, o método dedutivo ganha
espaço também nas ciências sociais na busca de leis gerais que pudessem explicar uma
ampla variedade de fenômenos sociais.
Assim, a Teoria Tradicional “ importa” o método das ciências naturais. A construção
dos saberes através da observação dos fenômenos sociais culminou em diagnósticos em
que “ saberes” e “ ação” estão dissociados (HORKHEIMER, 1975). De tal modo, a
Teoria Tradicional tende às generalizações para aquilo que Horkheimer chama de “
natureza viva”. A dimensão puramente descritiva da realidade como fim último da análise
das sociedades fomentaria a ideia de que o modo de organização das sociedades modernas
seriam inerentes a essas sociedades, em especial as relações de dominação. Assim, a Teoria
Tradicional contribuiria para uma perspectiva “ natural “ das relações de poder, coibindo o
comportamento crítico dos indivíduos.
Em contrapartida, os teóricos críticos propõem a superação do dualismo entre “ saberes”
e “ ação” na construção de uma prática teórica que não se limita a descrição. Pretende-se,
portanto, subverter experiências opressivas e promover mudanças estruturais na
organização social, orientadas para a emancipação e comportamento crítico
(CARNAÚBA, 2010) (WIGGERSHAUS, 2002) . É importante destacar que para a
tradição crítica é central a ideia de que o modo de organização da sociedade são fruto das
ações humanas e por isso, os sujeitos são capazes de protagonizar transformações sociais.
Assim, o diagnóstico do tempo presente ( HORKHEIMER) revelam as relações que
conferem as sociedades determinadas características e possibilitam a construção de uma
consciência crítica coletiva promotora da transformação social (MENDONÇA, 2013).
Alicerçadas num projeto político e filosófico de caráter emancipatório, o legado
frankfurtiano e a Teoria Deliberativa propõem um modelo normativo de supressão das
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relações de dominação para além da concepção produtivista. Tais aproximações
permitiram que parte da literatura considerasse a Teoria Deliberativa como a segunda
geração da Escola de Frankfurt, tendo em vista além do caráter normativo do modelo e a
crítica à visão reducionista3 da política, as concepções de esfera pública e racionalidade
comunicativa presentes em Habermas (1984). Deve-se endossar que o legado crítico é
sustentado por dois pilares principais : a orientação para a emancipação e o comportamento
crítico.
A ideia da supressão das relações de opressão nas sociedades capitalistas tem seu marco
inicial no paradigma produtivista de Marx (MELO.Rúrion, 2011). Dialogando com essa
tradição, a Escola de Frankfurt mantém seu legado marxista ao buscar a supressão das
relações de dominação. No entanto, aponta para as limitações desse modelo ao considerarque o projeto emancipatório embasado nas relações do mundo do trabalho e na existência
de uma classe proletária coesa, não mais correspondem á realidade das sociedades
contemporâneas. Nesse sentido, a Escola de Frankfurt em alguma medida cumpre seu
papel central enquanto Teoria Crítica, ao diagnosticar características do contexto social e
repensar um projeto emancipatório possível.
No entanto, os diagnósticos negativos apresentados pela primeira geração excluem
outros modos de dominação que não estão diretamente ligados a questões
socioeconômicas, como nacionalidade, sexo e raça (COHEN, 1982). A ideia é de que,
apesar de criticar os diagnósticos da tradição marxista, a primeira geração da Teoria Crítica
parece permanecer considerando o mundo do trabalho como central para a emancipação.
Endossando a fala de Honneth (1999), Melo ( 2011 ) sintetiza assim:
“ [...] fraqueza teórica do círculo interno da primeira geração da teoria crítica
residiria exatamente em manter seu programa vinculado ao quadro de um reducionismo
funcionalista em que apenas os processos sociais suscetíveis de assumir funções na
reprodução e na expansão do trabalho social podem encontrar um lugar nele”. ( Honneth
apud Melo, 2011)
3 A ideia de visão reducionista da política refere-se a uma dimensão liberal que entende a política
meramente como o lugar da disputa de poder de indivíduos auto interessados.
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Para Habermas (1985) seria necessária a superação do paradigma produtivista, sem abrir
mão das intenções do marxismo ocidental. O que indica um direcionamento da tradição
crítica em reformular os termos do próprio projeto emancipatório. Consolidando – se,
portanto, na ideia de ampliação da participação política e na autonomia dos sujeitos
baseada na sua capacidade de autodeterminação e autorealização em que os próprios
cidadãos seriam capazes de se organizar de forma livre e igual (MELO.Rúrion, 2011)
A quebra do socialismo de Estado e a ascensão de novos movimentos sociais,
especialmente no leste europeu, foram cruciais para que as esquerdas repensassem seus
significados históricos, suas limitações teóricas e normativas. Nessa dimensão, a literatura
aponta para a reconstrução de um diagnóstico pautado pela arena democrática. A
emergência da pluralidade dos movimentos sociais, e as pluralidades das demandas pordireitos e garantias advindas destes, fez-se fundamental o estreitamento do legado crítico
com questões da teoria política. Tais questões estariam voltadas para os estudos da esfera
pública e da sociedade civil. Nas palavras de Habermas ( 1992 ), a reconstrução se dá na
busca por um Estado democrático de direito que vincula necessariamente aos processos
políticos de legitimação articulados com as lutas sociais e com a concepção de democracia
sensível ás manifestações da sociedade. Assim, o projeto emancipatório anteriormente
defendido na superação das relações de dominação originárias do mundo do trabalho, passa a considerar a emancipação no interior do Estado democrático de direito sensível as
pluralidades das demandas da sociedade civil através da participação política e da
deliberação.
Principais pressupostos e desenvolvimento da Teoria Deliberativa
No campo da Teoria Deliberativa não há uma conformidade absoluta quanto ao conceito
de deliberação e quais são as qualidades fundamentais para a caracterização de um espaço
deliberativo. Além disso, a própria relação da deliberação com a democracia apresenta
diversificadas facetas ao longo da concretização dos regimes democráticos
(AVRITZER,2009). Assim, vale ressaltar as principais ideias presentes no interior da
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teoria democrática deliberativa, dando ênfase especialmente àquelas que pautam os
direcionamentos das inovações democráticas..
As ideias sobre deliberação e democracia não se desenvolveram de modo expressivo
durante a primeira metade do século XX, como dito anteriormente, marcada por profundo
descrédito nos regimes democráticos. A pluralidade das sociedades modernas foi
fundamental para a descrença de teóricos em relação a formas mais participativas de
democracia. Até meados da década de 1970 a teoria democrática liberal;
Como considera Avritzer (2000), os debates entre estudiosos da teoria democrática
também se referem ao próprio conceito de deliberação. Segundo o autor, em sua
etimologia a palavra deliberação pode significar tanto decisão quanto argumentação.Ambos os significados fundamentam duas das primeiras concepções relativas á
deliberação, sendo elas a vertente decisionística, que considera deliberação como o
momento da tomada de decisão, e a visão argumentativa, em que a deliberação se dá
quando os atores expõem publicamente razões e avaliam diferentes argumentos.
A concepção decisionística tem origem em Rousseau e está presente também nos
escritos de autores como Weber, Schumpeter e Downs. A partir desse entendimento as
preferências são formatadas individualmente segundo as próprias razões e valores dos
sujeitos. Os agentes deliberam individualmente segundo suas preferências pessoais
baseadas em valores e visões privadas. Para os referidos autores, o pluralismo das
sociedades modernas não permite a troca de razões e argumentos, ficando de fora da vida
política as concepções e os valores múltiplos presentes nas sociedades plurais
(SCHUMPETER, 1961 apud CUNHA, 2009). Em outras palavras, esses autores não crêem
que possa haver uma real troca de argumentos e formatação de preferências, assim como
decisões baseadas em debates políticos e, portanto, o pluralismo deve ser excluído da vida
política.
Max Weber apresenta elementos importantes a respeito da concepção decisionística de
deliberação. Para o autor, a pluralidade das sociedades e as distintas tradições culturais
impossibilitariam o debate. Outro ponto importante refere-se à complexidade
administrativa da burocracia do Estado que seria incompatível com a participação ampla da
sociedade e dos processos argumentativos (AVRITZER, 2000).
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Segundo Schumpeter (1961), existe a impossibilidade de se determinar o que seria o
bem comum a ser alcançado. A referida impossibilidade deriva do fato de que a percepção
de bem comum é diferente para indivíduos e grupos. Assim, a solução para este autor se dá
no abandono de questões culturais pela ordem política. Entretanto, parte das preocupações
de Weber está centrada na produção de resultados mais racionais e eficientes. Para a teoria
weberiana, a participação e argumentação seriam contrárias à busca por esses fins já que a
racionalidade de decisões tratava-se da capacidade dos sujeitos em decidir de modo
metódico e sistemático (AVRITZER, 2000)
A partir de meados da década de 1980 e na de 1990 a deliberação passa a ter papel
central na legitimidade das democracias (CUNHA, 2009). É importante ressaltar, como foi
dito anteriormente, que a compreensão de deliberação adotada está baseada numa
concepção que articula argumentação e decisão. Ou seja, há uma valorização dos processos
de decisão coletiva que permitiam a reflexão e o debate de ideias e argumentos que,
consequentemente, seriam responsáveis pela melhora na qualidade das decisões (CUNHA,
2009).
Sendo a deliberação uma premissa para a legitimação dos regimes democráticos, não é
difícil perceber o seu papel central nas democracias contemporâneas e consequentemente asua projeção nos estudos e ideias do campo da Ciência Política. Assim, para os teóricos
democratas deliberativos os principais valores da democracia são representados pela
participação e deliberação, contrários à teoria agregativa, que entende como pressupostos
essenciais para a democracia a competição auto interessada e os mecanismos de agregação
de vontades. Vale destacar que o novo cenário democrático possibilita a ampliação da
participação dos cidadãos, a expressão dos grupos minoritários da sociedade.
Para os teóricos deliberativos é justamente a grande divergência das sociedades plurais
que faz com que a troca pública de argumentos e concepções que precedem uma decisão é
que faz com que ela possa ser aceita por todos, culminando na legitimação dos regimes
democráticos (CUNHA, 2007; FARIA, 2008). Bohmam (1997) coloca que a deliberação
pública, por intermédio do consentimento, é o meio de legitimação das decisões tomadas.
Para o autor, o desafio que se coloca para os regimes democráticos é conseguir
consentimento e cooperação dos cidadãos em sociedades tão plurais e desiguais. A
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apresentação pública dos argumentos e os debates seriam os mecanismos necessários para
a superação dessas desigualdades conseguindo a cooperação e o consentimento desejados.
A democracia deliberativa se difere da democracia direta uma vez que o voto é
precedido pelo debate de idéias onde todos podem expor suas soluções para assuntos
coletivos que são, por sua vez, passiveis de julgamento e apreciação dos demais. Como
destacou Araújo (2004 apud CUNHA, 2009), o voto na democracia deliberativa é a
expressão de uma decisão fruto de diferentes opções consideradas aceitáveis por uma
comunidade política.
A pluralidade das sociedades contemporâneas que anteriormente era vista como fator
inibidor do alargamento da participação política dos cidadãos agora passa a justificar adeliberação e participação mais ampla da sociedade. A questão da pluralidade apresenta-se
como um dos argumentos centrais da teoria de Rawls.
O autor de A ideia da razão pública recupera a perspectiva da argumentação nos
processos decisórios. Segundo Rawls, da pluralidade das sociedades modernas advém a
necessidade de solução de conflitos, oriundos de interesses diversos, através de decisões
consensuais. Tais decisões seriam alcançadas por intermédio da justificação pública de
argumentos e razões. Isto é, os conflitos provenientes da pluralidade das sociedades não
dificultam a tomada de decisão, como defendia Weber e outros teóricos liberais, mas torna
necessária a apresentação pública de argumentos e a decisão baseada no bem público. O
debate anterior a tomada de decisões tem como papel a justificação pública das decisões
para que possam ser aceitas por todas as pessoas. Nesse caso, não se espera que as pessoas
passem a compartilhar ou compartilhem de uma mesma visão de mundo. Espera-se que a
justificativa pública possa legitimar a decisão, já que a argumentação esclarece o porquê da
escolha e é passível de ser aceita por todos (COHEN, 1997 apud AVRITZER, 2000).
É possível localizar nas idéias de Rawls dois momentos principais a respeito da
deliberação. No primeiro deles, como afirma Avritzer (2000), o autor transita entre duas
concepções de deliberação. Para Rawls, o consenso é formado na posição original, muito
semelhante à ideia de maioria proposta por Rousseau. No entanto, quando a capacidade de
decidir da maioria é colocada em cheque, Rawls defende a troca de opiniões com os outros
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cidadãos, o que promoveria o questionamento próprio (parcialidade) e a ampliação da
perspectiva inicial de opinião individual.
Num segundo momento, o autor incorpora a ideia de que os sujeitos estão cientes de
seus valores que são, segundo ele, mutuamente desinteressados em relação aos demais
sujeitos. Rawls leva em consideração também que as concepções abrangentes são
conflituosas e que os próprios indivíduos sabem que as concepções diferentes daquelas
adotadas por eles são de natureza contrária porque estão embasadas em outros valores.
Sendo assim, é necessária uma alternativa para a resolução desses conflitos para a adoção
de uma concepção de justiça. Deste modo, Rawls dá um importante passo para a
deliberação argumentativa, introduzindo a pluralidade para o seio das decisões políticas e
considerando que além da existência das concepções conflituosas os sujeitos reconhecem
que a opinião dos demais está baseada em outros valores e que há a necessidade de uma
solução para esse conflito (AVRITZER, 2000).
Entretanto, Rawls considera que em sociedades pluralistas, as razões das concepções
abrangentes são individuais e que é possível prescindir delas ao formar uma teoria da
justiça, mas deixa de perceber que o debate entre razões privadas tem consequências na
formação de uma razão pública. Isto é, o autor considera a pluralidade como importante para a teoria da justiça, considera que as concepções são formatadas a partir de valores
morais, mas não percebe que, o debate entre essas concepções privadas interfere na
formação da razão pública (AVRITZER, 2000).
É possível identificar em Rawls algumas condições para a operacionalização da
democracia. A primeira delas refere-se à presença de espaços e instituições democráticas
capazes de abrigar as deliberações, isto é, espaços destinados para a apresentação pública
de razões e argumentos. Além disso, Rawls destaca como importante para a democracia o
desejo e interesse dos cidadãos em participar desses processos (AVRITZER, 2000).
O principal expoente da Teoria Deliberativa é Jürgen Habermas. A teoria habermasiana
de democracia deliberativa está centrada no conceito de “esfera pública” enquanto espaço
de troca de ideias, de argumentos e formatação de opiniões e preferências. A troca de
ideias e argumentos, diferentemente do que pensa Rawls, se dá fora do âmbito do Estado,
nos espaços da vida cotidiana, tais como associações, grupos e outros espaços nos quais os
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cidadãos podem se encontrar e debater a respeito dos diversos assuntos referentes às
normas e decisões públicas. As normas, nesse caso, são construídas através do que
Habermas chama de ação comunicativa. A ação comunicativa se expressa na troca dos
diversos argumentos, concepções e perspectivas presentes no interior da sociedade plural.
Assim, os cidadãos são capazes de influenciar as decisões públicas, não através de espaços
no interior da burocracia, mas através da expressão da opinião pública formatada na esfera
pública que pressiona os decisores públicos a tomarem determinadas decisões
(AVRITZER, 2000).
A teoria habermasiana também propõe o Principio do Discurso ou Princípio D
(AVRITZER, 2000; CUNHA, 2009). O principio do discurso, de certa forma, passa a
nortear grande parte das propostas dos teóricos deliberativos quanto à legitimação das
decisões tomadas nas democracias deliberativas. O princípio do discurso diz que “somente
são válidas aquelas normas-ações com as quais todas as pessoas possivelmente afetadas
possam concordar como participantes de um discurso racional” (HABERMAS, 1997 apud
CUNHA, 2009). Isto é, a legitimidade das decisões está atrelada não à vontade geral
determinada pela maioria, mas no fato de que todos os afetados pelas decisões têm a
possibilidade de expor publicamente suas razões. Sendo assim, a legitimidade da
deliberação está nos procedimentos de inclusão em que ocorre a mútua justificação entreos participantes. Ou seja, todos aqueles que serão afetados pelas decisões (inclusive as
minorias) têm a oportunidade de expor seus argumentos além de criticar e ponderar os
argumentos apresentados por outros sujeitos.
Mediante o Princípio do Discurso, Habermas restabelece na teoria democrática a ideia
de legitimação baseada na participação ampla dos cidadãos, ainda que fora da
institucionalidade do Estado, o que estabelece fundamentos importantes à teoria
democrática deliberativa. Os diferentes autores dessa linha compartilham o que pode ser
chamado de “requerimento da justificação”, que confere legitimidade às decisões mediante
a apresentação pública de argumentos que podem ser compreendidos por todos os cidadãos
afetados. Vale ressaltar que para Jürgen Habermas, as preferências expressas na esfera
pública não refletem necessariamente nas tomadas de decisão. Somente em Bohman (1997
apud CUNHA, 2009) que se tem de maneira mais sistemática, o que o autor chama de
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decisões vinculantes, ou seja, aqueles cujas deliberações produzem necessariamente
resultados, decisões.
Os teóricos deliberacionistas concordam que os debates e suas trocas de argumentos
possibilitam que os participantes formatem suas preferências. No entanto, a teoria
deliberativa apresenta algumas diferenciações em seu interior. Uma delas é quanto a
função do processo deliberativo, com duas vertentes principais que podem ser identificadas
como instrumental ou expressiva. A instrumental entende que o papel do processo
deliberativo refere-se à qualidade e/ou eficiência das decisões. Para a concepção expressiva
o papel da deliberação é a justificativa pública das decisões tomadas.
Outro ponto importante refere-se a constituição do bem comum que é apresentada nateoria deliberativa sobre dois prismas principais: consensual e pluralista. Segundo os
teóricos da vertente consensual, a democracia deliberativa visa à construção do bem
comum. No entanto, para os pluralistas, o variado leque de visões, valores morais e razões
presentes no interior das sociedades são passíveis de serem partilhadas nos processos
deliberativos (CUNHA, 2009).
Quanto aos princípios que conferem legitimidade à deliberação, é possível destacar
como os mais importantes e que estão presentes em grande parte dos autores, a igualdade
de participação, a liberdade de exposição de argumentos e participação, além da
publicização, entendida como justificação pública de razões ( BOHMAN, 1997 apud
CUNHA, 2009).
Segundo Manin (1997 apud CUNHA, 2009), a legitimidade da deliberação parte do
pressuposto de que, anteriormente ao debate, os cidadãos possuem informações
incompletas sobre as questões públicas. Os espaços deliberativos seriam, portanto, o lócus
para a apresentação de razões e para troca de informações, a fim de que os atores possam
formular suas preferências.
Para Dryzek (2000 apud CUNHA) é importante não que todos estejam participando,
mas que todas as identidades estejam igualmente representadas por intermédio do discurso.
Nesse ponto, as ideias de Dryzek se aproximam em grande medida das experiências dos
conselhos de políticas já que nem todos os cidadãos submetidos às decisões a serem
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tomadas estão presentes, mas é importante que os diversos grupos que compõem as
sociedades plurais estejam representados. O autor pontua também a prerrogativa de
representação das identidades desses grupos por um determinado indivíduo que partilha os
mesmos discursos daqueles que representa, mas que tenha mais disponibilidade ou
motivação para a participação em fóruns deliberativos. Igualmente abordando uma
argumentação representativa, Cohen e Sabel (1997 apud CUNHA) defendem que a
participação pode ocorrer por intermédio da representação daqueles que estão submetidos
às normas e que os corpos deliberativos devem observar os princípios de igualdade e
deliberatividade.
Outro ponto presente na teoria democrática deliberativa que merece destaque refere-se à
importância da participação dos sujeitos que detém conhecimento diversificado, técnico,
nas arenas de deliberação para que os participantes sejam capazes de articular através de
informações, conhecimentos mais substanciais e soluções alternativas (CUNHA, 2009).
O campo da teoria democrática deliberativa é articulado por princípios que são capazes
de legitimar uma experiência deliberativa e, principalmente, estabelecer orientações
normativas para a deliberação. Os princípios normativos presentes na teoria democrática
deliberativa podem variar de acordo com os autores, mas alguns deles estão presentes em praticamente todas as abordagens. É possível identificar dois tipos de princípios:
procedimentais ou substantivos. Por princípios procedimentais entende-se a legitimação
das decisões políticas como resultado do consentimento oriundo dos procedimentos. Em
sociedades diversificadas quanto a concepções e valores, os procedimentos têm papel e
incorporar valores pré-existentes na produção de decisões aceitáveis por todos. Devem
conseguir capturar valores e crenças compartilhadas (CUNHA, 2009).
No caso dos princípios substantivos considera-se que o objetivo principal da democracia
deliberativa é justificar decisões que sejam inteligíveis a todos os cidadãos livres que
tendem a cooperar entre si (CUNHA, 2009). Apesar dessa distinção, boa parte dos teóricos
deliberacionistas considera tanto princípios procedimentais quanto substantivos em suas
formulações. É importante ressaltar que, de uma maneira geral, os princípios mais
importantes para a teoria deliberativa da democracia estão atrelados à igualdade e à
liberdade dos cidadãos de atuar nos processos deliberativos mediante a exposição pública
de razões e argumentos. A igualdade de participação é entendida como o direito dado aos
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cidadãos de exercer influência de maneira igualitária e de participar do contexto político.
Também é direito dos mesmos a liberdade de opinião e expressão, que não devem ser
restringidas nem por normas formais dos espaços deliberativos nem por mecanismos
informais de coibição da expressão dos sujeitos. Cabe também destacar o conceito de
igualdade deliberativa, que pressupõe que os cidadãos devem gozar de igualdade de
manifestação pública de suas razões, argumentos e críticas no interior dos espaços
deliberativos. A igualdade de expressão dos sujeitos está relacionada ao princípio de
reciprocidade/razoabilidade que garante aos cidadãos respeito mútuo entre si e que se
consideram e devem uns aos outros a justificação pública de suas razões referentes às
normas a que são submetidos. Esta última premissa aparece também no principio de
inclusão deliberativa, aproximando-se do Princípio D habermasiano, que propõe que todos
os indivíduos que estão submetidos às decisões do poder político devem ter seus interesses
considerados nos debates e decisões vinculantes (CUNHA, 2009).
Os princípios da não tirania e de autonomia vão nessa ordem. A última, ao propor que
arenas deliberativas devem garantir condições para que os atores tenham não só igualdade
de participação, mas que suas manifestações sejam próprias desses participantes e,
portanto, resguardadas de quaisquer interferências por desigualdade de poder ou outro tipo
de influência, assim como pressupõe o princípio da não tirania. O conceito de publicidadealude ao fato de que os processos deliberativos devem ser públicos e coletivos enquanto o
princípio da provisoriedade trata da possibilidade de contestação e do caráter provisório
das regras e normas que regem o espaço deliberativo. Além disso, segundo o princípio de
conclusividade, é desejável que o processo deliberativo culmine em uma decisão
racionalmente motivada pela apresentação pública de razões e argumentos. Segundo o
princípio denominado por accountability, as concepções e razões apresentadas nas arenas
deliberativas devem ter o anonimato de votos preservados e também devem ser passíveisde revisão (CUNHA, 2009).
Por fim, no que se refere a autonomia e emancipação dos sujeitos, a Teoria Deliberativa
se direciona a um conceito de emancipação também além do paradigma marxista de
produtivismo. Buscando, portanto, a incorporação das lutas sociais e a pluralidade de
reivindicações de direitos legítimos na ampliação da participação nos processos de
formação política nos processos democráticos.
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Críticas da Escola de Frankfurt aos deliberacionistas
A tradição crítica como um todo é fortemente marcada pelas fortes críticas estabelecidas
entre os teóricos dessa tradição. Tal característica é justificada por um dos principais
argumentos da tradição crítica que prima pela constante renovação dos diagnósticos docontexto social e consequentemente por novas abordagens teóricas. No interior desses
debates, está a crítica dos teóricos da primeira geração da Teoria Crítica aos
deliberacionistas. A crítica refere-se a um possível abandono da Teoria Deliberativa do seu
legado crítico. Tal argumento é sustentado pela conformação da deliberação na realidade
das comunidades políticas e no campo da Teoria Democrática.
Na leitura dos teóricos críticos, os princípios fundamentais da deliberação na busca por
um consenso e/ou decisões mais responsivas mascarariam as disputas reais de poder que
permeiam as comunidades políticas. Assim, a busca pelo consenso culminaria para a
reprodução dessas relações e para a cristalização de hegemonias e manutenção do status
quo (MOUFFE, 2005). Desse modo, assentado sobre os ideários iluministas de
racionalidade, igualdade e possibilidade de consenso, o modelo deliberacionista conceberia
a política para além das disputas de poder. Ainda, a ênfase na deliberação e
consequentemente nos espaços de partilha de poder suprimiria outras modalidades de ação
política da sociedade civil tais como manifestações, passeatas dentre outras (PEREIRA,
2010).
No entanto, conforme afirma Mendonça ( 2013 ) , o modelo deliberacionista não
desconsidera as desigualdades e práticas opressivas que permeiam as comunidades
políticas. O debate argumentativo condiz no reconhecimento dessas relações de poder que,
entretanto, não devem circunscrever as decisões. Também, o modelo deliberacionista não
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só considera a existência do auto interesse, como avalia a importância deste, no sentido de
provisão de informações a respeito do conflito em questão e assim, dá subsídios ao acordo.
Problema de pesquisa e pergunta
O que foi acima explicitado converge para o que é central para a pergunta e hipótese
deste projeto . Assim, os debates entre frankfurtianos e deliberacionistas e o conceito de
emancipação são centrais para o estudo proposto. Nessa seção pretende-se estabelecer do
modo mais claro e o objetivo possível a pergunta de pesquisa a nortear as investigações
teóricas e a hipótese formulada a partir desta, como segue :
Problema de pesquisa : A repercussão teórica da criticidade da Teoria Deliberativa
quanto a sua pretensão de ser uma teoria democrática e as suas implicações para o conceito
de emancipação.
Pergunta : O alargamento do conceito de emancipação através da racionalidade
discursiva e da ideia de esfera pública, teria retirado da Teoria Deliberativa o seu caráter
crítico conforme as críticas dos frankfurtianos? Ou, do contrário, a reformulação doconceito baseado nas possibilidades e limitações das democracias contemporâneas teriam
reforçado o legado crítico? Isto é, a orientação á emancipação, tal qual proposta pela
Teoria Deliberativa, culmina, de fato, no abandono do legado crítico por esta tradição? Ou,
consistiria na ressignificação do conceito de emancipação baseado nas limitações e
possibilidades de um projeto emancipatório nas comunidades políticas contemporâneas ?”
Hipótese
Ao propor a orientação a emancipação baseada na razão argumentativa e no conceito de
esfera pública, os deliberacionistas propõem a ressignificação do conceito de emancipação
tal qual defendido pelos teóricos críticos da primeira geração. Isto é, a ressignificação do
conceito de emancipação seria resultado das possibilidades e limitações para a
emancipação. Nesse sentido, a Teoria Deliberativa estaria exatamente cumprindo seu
papel crítico na orientação para a emancipação em um contexto de ressignificação do
conceito de emancipação.
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Justificativa
Um dos mais importantes movimentos políticos das últimas décadas do século passadoconsiste na “ Terceira Onda de Democratização”. A democratização de países do Leste
Europeu e América Latina possibilitou a criação de diversas inovações democráticas,
inclusive no Brasil. Tais inovações estão direcionadas a ampliação da participação e
deliberação da sociedade civil. Esse processo chamou a atenção de diversos autores tanto
no campo da Ciência Política como na área da Gestão Pública, o que fomentou uma série
de estudos, em sua maioria empíricos, que vão desde a análise de movimentos sociais até a
investigação comparada de instituições deliberativas.
A totalidade desses estudos está ancorada nos pressupostos da Teoria Deliberativa,
especialmente nos estudos de Habermas, Bohmnan e Dryzek. Em suma, a maioria desses
estudos pretende investigar as potencialidades das inovações democráticas em incluir
novos atores e demandas. Também, tentam mensurar a qualidade dos discursos e o
princípio de igualdade de fala nas arenas deliberativas.
Diferentemente do amplo desenvolvimento dos estudos empíricos na temática da
deliberação, estudos que pretendem discutir os pressupostos normativos que orientam a
Teoria Deliberativa ficam a cargo daqueles autores já considerados clássicos e
investigações que tem atentado para as novas configurações das sociedades
contemporâneas tem se mostrado ainda insuficientes.
No entanto, o campo da tradição crítica e também por assim dizer, a Teoria
Deliberativa, vem atentando em tempos recentes para as novas configurações das
sociedades plurais, em especial, no que se refere a grupos da sociedade civil na luta por
direitos de reconhecimento, tanto por parte do Estado como por parte da própria sociedade.
Assim, discutir aspectos da Teoria Deliberativa que vão além dos termos políticos
tradicionais em participar e apresentar argumentos quanto as decisões públicas, é de suma
importância. Isto é, dado o contexto social presente a discussão a respeito da emancipação
, de representação de identidades e por reconhecimento são fundamentais.
Conforme a leitura de Terra e Repa (TERRA, 2011), o momento para se discutir a
tradição do pensamento crítico é bastante oportuna. Para esses autores, a Teoria Crítica
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passa por um momento de intensa renovação nos cenários acadêmicos nacional e
internacional. Por fundamentar-se na crítica ás condições sociais vigentes, em vias de
questionamento dos moldes de organização das sociedades e de transformação social, a
Teoria Crítica parece ganhar novo fôlego.
Além disso, os debates quanto a legitimidade dos regimes democráticos tem tomado em
direção as aspirações de radicalização da democracia, remontam as discussões a respeito
dos conceitos de autodeterminação, autonomia e emancipação dos sujeitos. Ainda, discutir
tais preceitos no âmbito da deliberação e da tradição crítica é central na medida em que , a
Teoria Deliberativa é apontada como um caminhos para a superação da crise de
legitimidade dos regimes democráticos representativos. Nesse sentido, discutir as
limitações e possibilidades da Teoria Deliberativa é crucial para justificar o seu papel nasdemocracias contemporâneas.
Objetivos
Objetivo Geral : A partir da análise e interpretação dos conceitos de esfera pública,
ação comunicativa e razão discursiva presentes na obra de Jurgen Habermas, identificar
pressupostos que indicam a possibilidade de superação das relações de
opressão/dominação das democracias contemporâneas. Bem como, identificar nesses
conceitos prerrogativas que apontem a possibilidade de reprodução das relações opressoras
das sociedades capitalistas liberais.
Objetivos específicos :
1) A partir dos postulados de Max Horkheimer e Jurgen Habermas definir de modo
sistemático como o conceito de emancipação é tratado em cada um desses autores.
2) Identificar os principais pontos de crítica da Escola de Frankfurt direcionados á
Teoria Deliberativa, na medida em que esta se conforma em uma Teoria Democrática.
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3) Interpretar na obra do Habermas uma leitura das democracias liberais
contemporâneas que ressalte as limitações do modelo e o potencial emancipatório das
sociedades plurais contemporâneas.
Metodologia
Como foi possível observar, o estudo proposto trata-se de uma investigação teórica cuja
vertente metodológica principal refere-se a um esforço interpretativo do conceito de
emancipação em escolas e autores que compõem a chamada tradição crítica. Portanto,
pretende-se identificar e interpretar as possíveis variações no conceito de emancipação,
comparando os postulados da Escola de Frankfurt e o conceito defendido pelosdeliberacionistas. Assim, busca-se compreender em que medida tais mudanças ora
reforçam a crítica feita aos deliberacionistas a respeito de sua aproximação do modelo
liberal de democracia, ora constituem a ressignificação do projeto emancipatório baseado
nas possibilidades e limitações á emancipação nas democracias contemporâneas.
O esforço interpretativo, fundamental para este trabalho de investigação, ganha aporte
teórico e de método nas ideias defendidas por Koselleck 4 ( 2006 ).
Vale ressaltar que, a disputa de significados e sentidos transcorre toda a construção do
trabalho, desde a discussão sobre o contexto sócio político e teórico-acadêmico até a
interpretação do conceito de emancipação propriamente dito, tanto na Escola de Frankfurt
quanto entre os deliberacionistas.
Assim, o primeiro passo consiste em estabelecer o contexto sócio político em que se
inserem os debates entre os representantes da primeira geração da Teoria Crítica e os
deliberacionistas. Conforme brevemente explanado no primeiro item do projeto, o diálogoentre essas duas vertentes se insere tanto nas discussões da esquerda quanto entre os
teóricos da democracia.
É interessante notar que os fatores que conformaram nos questionamentos ao modelo
clássico de democracia liberal, também contribuíram para a ascensão de um novo
4 Desde já, agradeço ao colega Rafael Pacheco pelas indicações bibliográficas.
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pensamento da esquerda que vai além da antítese revolução vs. reforma. Assim, a Teoria
Deliberativa ganha fôlego ao corresponder as duas vertentes de disputa de significados.
Estabelecidos o contexto sócio político e os debates teóricos em que insurge a Teoria
Deliberativa, a tarefa agora consiste em tratar mais longamente e de modo aprofundado aconstrução do conceito de emancipação. Sabe-se que a emancipação para toda tradição
crítica respeita um denominador comum que é a supressão das relações opressoras/de
dominação nas sociedades através do diagnóstico das potencialidades e limitações ao
projeto emancipatório. No entanto, o modo de atuação pragmática, isto é, o modo de
intervenção nas sociedades, de potencialidades e limites, propõem diferentes orientações
para o conceito de emancipação. Deste modo, almeja-se apontar as diferenciações e
similaridades dos principais conceitos de emancipação e sua relação com o contexto emque emerge, desde o paradigma produtivista até a teoria da ação comunicativa.
A posteriori, discorrer-se-á sobre o caminho traçado pela Teoria Deliberativa do
diagnóstico da impossibilidade da democracia defendido pela primeira geração ao conceito
de esfera pública. Isto é, como a Teoria Deliberativa, através dos conceitos habermasianos
de esfera pública e razão discursiva, tornou possível a conformação do legado crítico para
a Teoria Democrática.
Por fim, serão apresentados os resultados da análise interpretativa acima descrita em
resposta a pergunta de pesquisa e a hipótese colocada.
Como se sabe tanto a Teoria Democrática quanto a tradição crítica são constituídas por
uma grande variedade de autores e linhas de pensamento. Uma das características mais
fortes na tradição crítica é justamente a sucessão de autores e ideias que remontam, ao
mesmo tempo que pretendem refutar, o legado anteriormente defendido. Assim, devido a
limitação do tempo e ao que se propõe um projeto de dissertação é necessário elencaralguns autores, ou vertentes teóricas mais específicas e que sejam adequadas ao tema
No que tange á Escola de Frankfurt e o conceito de emancipação desta vertente teórica,
as ideias de Max Horkheimer nos parece as mais relevantes. A literatura aponta para a
centralidade deste autor tanto pelo fato de ter estado a frente do Instito por mais de duas
décadas, mas também pela sua influência em postular as características centrais da tradição
crítica. Ainda, nos textos de Horkheimer é possível encontrar de modo mais consistente e
focalizado discussões sobre emancipação num viés político e portanto, mais adequada ao
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campo da Ciência Política. O texto seminal e considerado o mais importante sobre o
projeto emancipatório foi escrito em parceria com Theodor Adorno em “ A Dialética do
Esclarecimento”. Juntamente com “ Teoria Tradicional e Teoria Crítica” e “ Fi losofia e
Teoria Crítica” “ O eclipse da razão” , “ A Dialética do Esclarecimento” compõem os
textos mais importantes quanto a ideia de emancipação defendidas por Horkheimer.
Do mesmo modo, a Teoria Deliberativa abarca uma infinidade de autores e ideias.
Assim, apoiados na literatura também é necessário a escolha de determinados autores.
Apesar de sido Cohen ( 1982 ) primeiro autor a escrever sobre deliberação pública
conforme é concebida atualmente, a Teoria Deliberativa ficou mais conhecida através de
Jurgen Habermas. O filósofo alemão foi responsável pelos conceitos de esfera pública,
razão discursiva com que os demais autores deliberacionistas dialogam diretamente. Alémdos postulados de Habermas presentes em Três modelos normativos de democracia (
1994) , Mudança estrutural na esfera pública ( 1989) e A Teoria da Ação Comunicativa (
1990) também serão utilizados as ideias reconhecimento público da diferença em Melucci
(1984), a política dual em Cohen e Arato( 1984) e reflexividade em Thompson( 1990).
Nessa direção, o argumento defendido é que o conceito dialógico e reflexivo de
publicidade constitui um dos elementos de uma teoria crítica da democracia.
Sumário
Considerando as noções interpretativas que orientam a metodologia do presente projeto
de dissertação, é interessante a organização de um sumário prévio que possa orientar as
temáticas a serem trabalhadas na construção dos argumentos. Também, contribui para
guiar os passos a serem percorridos na construção da investigação proposta.
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Introdução
Apresentação do tema
Tema geral : Teoria Crítica ; Teoria Democrática ; Conceito de emancipação
Tema específico: O legado crítico na Teoria Democrática através da ampliação do
onceito de emancipação enquanto importante inovação democrática para superação das
imitações do modelo liberal de democracia.
Objeto de estudo
Objeto geral : Emancipação na Tradição Crítica.
Objeto específico : O conceito de emancipação na Teoria Deliberativa ( Teoria
emocrática e Teoria Crítica ).
Organização do texto em capítulos e o tema central de cada um deles.
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Capítulo 1 - Contexto sócio-político/historização do debate
A transição do capitalismo industrial para o capitalismo financeiro/monopolista
A ascensão dos novos movimentos sociais e a luta por direitos de reconhecimento
Pluralização das sociedades : identidades e transversalidade de identidades
A democratização do Leste Europeu e da América Latina
A crise do Welfare State
Contestação do modelo clássico de representação
Modelos de democracia e os novos rumos da Teoria Democrática
Teorias da democracia
Modelos elitista, pluralista, legal e participativo
Os novos rumos da Teoria Democrática e a ascensão da Teoria Deliberativa
Capítulo 2- A tradição crítica e os sentidos da emancipação
Paradigma produtivista e emancipação
A Escola de Frankfurt e suas orientações emancipatórias
Horkheimer e Adorno e a dialética do esclarecimento
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Capítulo 3 – Teoria Crítica e Teoria Democrática: do diagnóstico da impossibilidade
da democracia ao conceito de esfera pública5
A esfera pública e a racionalidade comunicativa em Jurgen Habermas
Igualdade e liberdade no legado habermasiano
Emancipação em Habermas
Críticas ao projeto emancipatório a teoria deliberativa
Considerações Finais – Resultados encontrados; defesa ou refutação da hipótese
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