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REFORMA TRABALHISTA: EFEITOS DA FLEXIBILIZAÇÃO EM FACE DO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE DOCENTE 1 Emerson de Souza Farias RESUMO: Este artigo investiga a aplicação do contrato intermitente na profissão docente, enfatizando seu caráter violador do princípio constitucional do não retrocesso dos direitos sociais do trabalho. A Lei n° 13.467/2017 cria o contrato intermitente, no qual a remuneração e prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade. Sendo uma análise documental e bibliográfica, sustenta-se nos estudos de D’Amorim (2018) Pereira (2017), Canotilho (200), Vasapollo (2011), Mészáros (2006) revelando que, nos moldes da reforma trabalhista atual, essa modalidade de contrato, corrobora para a flexibilização e precarização do trabalho docente. Palavras-chave: Profissão docente. Trabalho intermitente. Reforma trabalhista. Precarização. ABSTRACT: This article investigates the application of the intermittent contract in the teaching profession, emphasizing its character violating the constitutional principle of non-retrocession of social rights of work. Law No. 13,467 / 2017 creates the intermittent contract, in which the remuneration and rendering of services, with subordination, is not continuous, occurring with alternation of periods of service rendering and inactivity. It is a documentary and bibliographical analysis, based on the studies of D'Amorim (2018), Canotilho (200), Vasapollo (2011) and Mészáros (2006), revealing that, in the mold of the current labor reform, this modality of contract, corroborates for the flexibilization and precarization of the teaching work. Keywords: Teaching profession. Intermittent work. Labor reform. Precariousness. 1 INTRODUÇÃO A Organização da educação nacional garante a coexistência das modalidades de ensino públicas e privadas, sendo ambas regulamentadas e regidas por princípios constitucionais que visam entre outras coisas, a garantia do padrão de qualidade, art. 206, VII e valorização dos profissionais da educação, art. 206, V (BRASIL, 1988). Quanto a contratação, podem ser tanto como estatutários, regime de trabalho dos servidores públicos, 1 Mestre em pela Universidade Federal do Piauí, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí. Email: [email protected]

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REFORMA TRABALHISTA: EFEITOS DA FLEXIBILIZAÇÃO EM FACE DO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE DOCENTE

1Emerson de Souza Farias

RESUMO: Este artigo investiga a aplicação do contrato intermitente na profissão docente, enfatizando seu caráter violador do princípio constitucional do não retrocesso dos direitos sociais do trabalho. A Lei n° 13.467/2017 cria o contrato intermitente, no qual a remuneração e prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade. Sendo uma análise documental e bibliográfica, sustenta-se nos estudos de D’Amorim (2018) Pereira (2017), Canotilho (200), Vasapollo (2011), Mészáros (2006) revelando que, nos moldes da reforma trabalhista atual, essa modalidade de contrato, corrobora para a flexibilização e precarização do trabalho docente.

Palavras-chave: Profissão docente. Trabalho intermitente. Reforma trabalhista. Precarização.

ABSTRACT: This article investigates the application of the intermittent contract in the teaching profession, emphasizing its character violating the constitutional principle of non-retrocession of social rights of work. Law No. 13,467 / 2017 creates the intermittent contract, in which the remuneration and rendering of services, with subordination, is not continuous, occurring with alternation of periods of service rendering and inactivity. It is a documentary and bibliographical analysis, based on the studies of D'Amorim (2018), Canotilho (200), Vasapollo (2011) and Mészáros (2006), revealing that, in the mold of the current labor reform, this modality of contract, corroborates for the flexibilization and precarization of the teaching work.

Keywords: Teaching profession. Intermittent work. Labor reform. Precariousness.

1 INTRODUÇÃO

A Organização da educação nacional garante a coexistência das modalidades de

ensino públicas e privadas, sendo ambas regulamentadas e regidas por princípios

constitucionais que visam entre outras coisas, a garantia do padrão de qualidade, art. 206, VII

e valorização dos profissionais da educação, art. 206, V (BRASIL, 1988). Quanto a

contratação, podem ser tanto como estatutários, regime de trabalho dos servidores públicos,

1 Mestre em pela Universidade Federal do Piauí, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em

Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí. Email: [email protected]

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ou regidos pelo Decreto Lei nº 5.452/43, Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), através

de contrato de serviço por tempo determinado, indeterminado, temporário, ou como

intermitentes, nova modalidade trazida pela reforma trabalhista de 2017.

No setor privado, o modelo de contrato tempo indeterminado, é o mais comum. Nessa

modalidade, não existe um período pré-estabelecido de vigência do contrato, é definida

apenas uma data de início para as atividades profissionais, prevendo o encerramento com a

aposentadoria do trabalhador. As modalidades por tempo determinado e temporário,

consistem em contratações em caráter extraordinário, por um período de até 2 anos, no qual

o trabalhador já sabe o dia do início e fim do seu contrato com a instituição empregadora.

Ocorre que com a Lei n° 13.467/2017, denominada popularmente de reforma

trabalhista, trouxe um outro modelo de contrato de trabalho, aplicável à docência, o contrato

intermitente, nele a contratação é por tempo indeterminado e sob vínculo de emprego,

mediante registro da carteira de trabalho, porém a renumeração, o pagamento das

contribuições previdências, depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e

pagamento de demais tributos são condicionados à efetiva prestação do serviço e

proporcionais ao ganho mensal do trabalhador, vencimento esse, que dada as condições da

prestação do serviço, é possível que seja menos de um salário mínimo.

Além disso, a prestação do serviço só ocorre se o empregador convocar o empregado,

podendo assim ficar dias, meses, semestres e anos sem trabalho e sem renda, mesmo assim,

figurar como empregado formal da instituição empregadora e para efeitos estatísticos perante

os órgãos do governo.

Segundo estudiosos, como D’Amorim (2018) Pereira (2017), Vasapollo (2011), e

Mészáros (2006) esta forma de contratos atípicos, são reflexos de um processo de

flexibilização dos direitos trabalhistas que traz mais facilidade na contratação e demissão do

empregado, lucratividade para as empresas, em detrimento dos direitos dos trabalhadores.

Assim, como essa pesquisa, procura-se investigar investiga a aplicação do contrato

intermitente na profissão docente, enfatizando seu caráter violador do princípio constitucional

do não retrocesso dos direitos sociais do trabalho.

A relevância do presente artigo se faz pelo analise que realiza acerca dos efeitos

práticos gerados pela nova modalidade de contrato de trabalho docente, na relação Estado,

profissionais da educação e precarização das condições de trabalho, também, por trazer à

tona um tema inédito para o debate em torno das transformações no mundo do trabalho

educacional.

Esta pesquisa utiliza a abordagem qualitativa, consistindo em um estudo com base em

fontes primárias documental, como: a legislação que trata do contrato de trabalho intermitente,

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e bibliográfica, com algumas dissertações sobre a flexibilização do trabalho no Brasil, artigos

acadêmicos acerca do contrato de trabalhos atípicos. Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009)

informam que a pesquisa qualitativa, possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja

compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural, portanto, neste trabalho,

os elementos de contextualização, será a descrição de casos fictícios para atribuir melhor

sentido a determinado dado, de maneira que esclareça circunstâncias de aplicação da referida

lei.

Esse trabalho está dividido em três partes, a contar com esta seção introdutória. A

primeira trata-se de uma introdução na qual é apresentado o objeto da pesquisa, conceitos e

a contextualização do objeto, justificando o tema de estudo e apresentando o problema e a

metodologia da pesquisa. A segunda, efetiva-se em uma discussão sobre o processo de

flexibilização de direitos na legislação trabalhista.

Na terceira seção, aborda-se a relação do contrato de trabalho com alguns princípios

constitucionais e trabalhistas já consolidados no contexto de violação do direito dos

profissionais da educação. Na quarta e última parte, as considerações possíveis da pesquisa,

se evidencia que o contrato de trabalho intermitente representa um retrocesso aos direitos

trabalhistas que não atende a proposta inicial de ser um alavancador na geração de emprego

e de formalização das relações de trabalho no Brasil.

2 REFORMA TRABALHISTA: PRESUPOSTOS DA FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS.

A Reforma Trabalhista brasileira de 2017, representou grande transformação no

mundo do trabalho, inclusive na educação, como mudanças importantes no Decreto 5.452/43,

que dispõe sobrea consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O projeto de lei da reforma

trabalhista foi proposto pelo ex-Presidente da República Michel Temer e a tramitação teve

início na Câmara dos Deputados em dezembro de 2016. O projeto foi aprovado na Câmara

em 26 de abril de 2017 por 296 votos favoráveis e 177 votos contrários. No Senado Federal

foi aprovado em 11 de julho 2017 por 50 a 26 votos. Por fim, sancionado em 13 de julho 2017

sem vetos ao texto encaminhado pelos senadores. (AGENCIA BRASIL, 2018).

Assim, na forma de Lei n° 13.467 de 2017, passou ter efetividade prática a partir de 11

de novembro de 2017. A referida reforma foi deveras criticada pelas Centrais Sindicais

laborais, devido a restrição dos espaços de debates, pela Associação dos Magistrado

trabalhistas (ANAMATRA) pelo Ministério Público do Trabalho e pela Organização

Internacional do Trabalho, dado o afrontamento que ela representa para alguns importantes

princípios fundamentais do direitos trabalhistas já consolidados, por outro lado defendida por

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economistas de matriz liberal, pelo Conselho Nacional da Industria, empresários e ainda, pelo

presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho (AGENCIA

BRASIL, 2018).

A Reforma, alterou mais de 100 (cem) dispositivos da CLT, sob o argumento da

caducidade da legislação trabalhista, e da necessidade de uma atualização da norma para o

contexto da maior produtividade, combater ao desemprego, diminuir a informalidade e

amenizar os efeitos da crise econômica no país iniciada em 2014 (CNI, 2012).

Esses tipos de explicações são encontrados em vários documentos do Conselho

Nacional da Industria anteriores à reforma, a exemplo do documento “101 Proposta para

Modernização Trabalhista”, elaborado em 2012, o qual serviu de importante base para a

formulação da reforma no ano de 2017.

Não se pode negar o importante papel que essa legislação cumpriu durante décadas, trazendo conceitos e valores relevantes para uma relação de trabalho mais humanizada. Passadas sete décadas, porém, o Brasil se transformou na sexta economia mundial, as instituições brasileiras se consolidaram, as organizações sindicais se fortaleceram e os instrumentos de negociação coletiva foram validados pela Constituição Federal de 1988. Contudo, o sistema ainda é regido, essencialmente, pela mesma legislação. (CNI, p. 16, 2012)

Entre outras coisas o documento defende a necessidade de modernizar as normas

trabalhistas e adaptá-la ao novo cenário da economia mundial, indica como primordial a

flexibilização das regras, “Soluções para o aumento da produtividade [...] com propostas como

sistemas de remuneração estratégica, compensações de jornada e flexibilização do trabalho

por prazo determinado” (CNI, 2012, p. 19).

No entanto, para Pedro Mahin (2017) o objetivo da reforma trabalhista é ampliar a

auto-regulação do mercado pelo mercado, diminuir a interferência do Estado nas relações de

trabalho, possibilitando assim que o negociado entre as partes, (patrão e empregado) se

sobrepusesse ao legislado, destaca o autor: ''o propósito da alteração legislativa é evidente:

restringir ao máximo o exercício do controle de legalidade e de constitucionalidade de

convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho pela Justiça do Trabalho” (MAHIN. p.

33, 2017).

Maximizou o princípio da intervenção mínima do Estado, sob a retorica da autonomia

das vontades coletivas, flexibilizando os direitos trabalhistas e o sistema de proteção social

com severas restrições para a ação de atores sociais, sem conduto apresentar uma

compensação para as subtrações de direitos pela introdução de contratos atípicos,

precarizando ainda mais as condições de trabalho, renda e estabilidade no emprego, no

Brasil.

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Aqui, o termo “contrato de trabalho atípico” é utilizado para se referir a relação jurídica

de vínculo de trabalho onde o objeto é a prestação de serviço não subordinada ao

empregador, de forma eventual, com perda das condições de ganhos salariais já consoldade

na CLT, a exemplo dos contratos por tempo determinado, temporários, terceirização, e o

recentemente introduzido, o contrato intermitente, sobre esse definição, destaca Krein, (2001,

p.25) “o crescimento do trabalho atípico (trabalho em tempo parcial, contratos por prazo

definido, contratos de formação profissional ...) formas diferentes do uso do trabalho foram

justificadas pela necessidade de flexibilizar e reduzir o custo do trabalho”.

Tem início no Brasil desde a década de 1990, com os processos de restruturação

produtivas implementados em razão das transformações econômicas e políticas que passava

o país nesse período, e como resultado das reivindicações feitas pelo setor empresarial por

reformas, trabalhista, e da previdência, “com o escopo de potencializar a competitividade da

indústria nacional em uma economia globalizada” (CAVALCANTE, 2014, p. 8), ratificando a

flexibilização como solução para modernizar as forças de trabalho como a promessa do

aumento dos índices de ocupação, contraditoriamente, “impondo à força de trabalho que

aceitassem s salários reais mais baixos e em piores condições” (MÉSZÁROS, 2006, p.46).

Para Cavalcante (2014), as reformas iniciadas no Brasil na década de 1990, de matriz

neoliberal2, necessariamente não refletiram no aumento de vagas de emprego e melhorias

nas condições de trabalho e ganho, mas contribuíram para aumentar a segmentação e a

diferenciação entre os trabalhadores, insegurança no emprego, favorecendo a formação de

um exército de reserva, ou como ressalta Mészáros (2006, p. 27), a questão “[...] não é se o

desemprego ou o “trabalho temporário flexível” vai ameaçar os trabalhadores empregados,

mas quando estes, forçosamente, vão vivenciar a precarização”.

Um exemplo dessa afirmação é o que, diz o Relatório sobre o Emprego no Mundo

publicado em Genebra em 2014, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo

o qual, “o aumento da produtividade causa mais desemprego que o deslocamento de postos

de trabalho de alguns países industrializados para outros do mundo em desenvolvimento”.

Destaca que nos anos 2000, a produção de aço nos Estados Unidos aumentou de 75 para

102 milhões de toneladas, porém o número de empregos nessa atividade econômica diminuiu

de 289 mil para apenas 74 mil trabalhadores (OIT, 2018).

Por sua vez, no âmbito da atividade docente, onde o nível de instrução é maior, a

modernização do meio de produção representou aumento na demanda de serviços e da

lucratividade, porém, não se traduziu em aumento de renda ou valorização da mão-de-obra

2 Para Cavalcante, os traços mais evidentes do neoliberalismo, são a privatização do Estado, a desregulamentação

dos direitos trabalhista, um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, e uma ofensiva generalizada do capital e do Estado contra a classe trabalhadora organizada-sindicatos (p. 29)

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docente, como defendem os reformadores. O Censo da Educação Superior divulgado pelo

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), destaca que a

maior parte dos estudantes do ensino superior estão matriculados em instituições de ensino

privadas, com 75,3% das matrículas, a modalidade à distância (EaD) respondem por 90,6%

dos estudantes, (AGENCIA BRASIL, 2018).

Segundo o INEP, com o aumento de estudantes à distância, não houve aumento na

contratação de professores, pelo contrário, como o desenvolvemos das plataformas online,

EaD, diminuíram as contratações, pois um único professor, por meio de uma vídeo aula,

ministra a mesma disciplina para incontáveis números alunos em diferentes salas, assim, não

representando maiores ganhos para esse profissional, como destaca a citação a seguir:

o tutor da UAB, que recebe a bolsa independente de sua titulação. Além disso, outros fatores que contribuem para a precarização deste trabalho de tutoria são a ausência dos direitos trabalhistas, da estabilidade, férias, décimo terceiro salário e progressão salarial, que usualmente os servidores públicos têm acesso, (PEREIRA, 2017, p. 215).

Essa observação é importante porque nos documentos da CNI contraditoriamente

destaca que: “A adequada regulação das relações do trabalho pode servir de incentivo ao

investimento empresarial e à geração de empregos de boa qualidade, além de estimular o

mérito e a produtividade” (p. 06), ocorre que a relação investimento empresarial e o aumento

dos postos de trabalho, pelo menos na última década, não se efetivou.

Enfim, essas características, concernente a modernização do mundo do trabalho, têm-

se desenvolvido acentuadamente na educação, a exemplo da EaD, e na medida que o setor

empresarial vem ocupando cada a atividade educacional como empreendimento econômico,

nota-se paralelo a isso a precarização das condições de trabalho e flexibilização do direitos

com a falta de salário digno, jornada incompatível com os afazeres escolares, inclusive para

garantir a presença de todos os profissionais em cursos de formação inicial e continuada a

heterogeneidade no perfil das contratações e das relações de trabalho docente.

3 CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE E SUAS IMPLICAÇÃO PARA OS

PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO

Por contrato de trabalho intermitente, em analogia ao art. 443, § 3º da Lei n°

13.467/2017, entende-se aquele no qual a prestação de serviços, na condição de emprego,

carece de alguns requisitos já consolidados na legislação trabalhista brasileira, nele, a

subordinação deixa de ser contínua, em face da possibilidade de alternância de períodos de

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trabalho e de ócio forçado, independentemente do tipo de atividade do empregado e do

empregador. O trabalhador só faz jus a renumeração se for convocado ao trabalho, sendo

que o empregado tem a opção de não aceitar a convocação, assim, como o empregador tem

para não oferecer o serviço, sem que a recursa de ambos, configure motivo para a interrupção

do contrato de trabalho. (BRASIL, 2017)

A contratação de um professor intermitente se dá na forma escrita, nele o docente

terá sua carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) registrada pela Instituição de

Ensino, nela será registrado o valor da hora aula, o dia de trabalho, local e data limite para

pagamento do salário. (CLT, art. 452-A).

Porém, diferente do professor empregado fixo, a renumeração será proporcional a

média diária do piso salarial da categoria, sendo que não poderá receber pela diária ou hora

aula, menos do que os professores empregados fixo recebem, porém, a Instituição de

Ensino tem o direito de pagar um valor maior aos trabalhadores intermitentes em

comparação com o salário dos empregados fixos.

Na concepção de Vasapollo (2006), essa situação de privilegiar os contratados

atípicos, quanto a renumeração, é uma forma de forçar aos outros trabalhadores, no caso, os

empregados fixos, aceitarem salários mais baixos e em piores condições, diante da ameaça

de serem substituídos por aqueles, reafirmando o que diz Mészáros (2006), que o processo

de precarização tem atingido a totalidade da força de trabalho.

Quanto as Férias, no regime de contrato intermitente, o professor, desde que cumpra

12 meses de efetivo serviço, terá direito à férias, podendo ser divididas em três períodos, um

deles sendo de 14 dias corridos, no mínimo, e os outros dois de mais de cinco dias corridos,

sendo esse parcelamento em até três vezes aplicado a todos, independentemente da idade

do professor.

O dito professor empregado nessa modalidade entrará em exercício e fará jus ao

salário mediante a convocação da Instituição de Ensino "por qualquer meio de comunicação

eficaz" para informar sua jornada com, pelo menos, três dias corridos de antecedência ,

conforme parágrafos 1o e 2º, do art. 452-A da CLT. Assim, o professor terá um dia útil para

responder, se não o fizer, a Instituição de Ensino poderá considerar que o professor desistiu

da tarefa, porém, a recusa não configurará insubordinação, ou causa direta para a rescisão

do contrato.

Dessa forma, pode se afirmar, que na modalidade intermitente o objeto do contrato de

trabalho deixa de ser a prestação de serviço estável ao empregador, como consolidado na

legislação trabalhista, e passa a ser a conveniência da atividade econômica, onde o trabalhar

é tratado como meio de produção, destituído de seus direitos trabalhistas individuais e

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coletivos, em flagrante desregulamentação dos princípios e função social do trabalho, tendo

em vista que há a possibilidade de um professor passar dias, meses ou semestres ou anos

sem ser convocado pela Instituição de Ensino, e o “período de inatividade não será

considerado tempo à disposição do empregador”, ( art. § 5º, art. Art. 452-A da CLT). Logo,

também não terá direito à remuneração, podendo prestar serviços de qualquer natureza a

outras empresas ou instituições de ensino, mantendo, em tese, relações jurídicas de

emprego, com mais de uma instituição de ensino, mas na prática, se assemelhando a um

trabalhador autônomo.

Quanto as contribuições previdenciárias, a Instituição de Ensino contratante deverá

efetua o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e proporcional ao valor

auferido mensalmente pelo professor, assim como ao depósito do Fundo de Garantia do

Tempo de Serviço, porém, se sua remuneração mensal fora abaixo do salário mínimo,

necessariamente deverá complementar o valor para que seja garantido a efetiva contribuição

previdenciária, por exemplo, se um professores do ensino médio convocado para ministrar

duas disciplina em um semestre, totalizando 8 horas semana e 32 horas mensais,

considerando o valor da hora/aula de R$ 17,17, (valor baseado na Convenção Coletiva dos

professores, divulgada pela Federação dos Professores do Estado de São Paulo em 2018

(SINPROSP, 2010), assim disposto:

Quadro 01 - Valor da hora aula divulgado pela Federação dos Professores do Estado de São Paulo, mediante convenção coletiva de trabalho 2018

Docente Disciplinas C. H. Semanal

C.H. Mensal

Valor H/A

11% cont. Previdência empregador

Diferença a ser paga pelo empregado

Profº Ensino Médio

02 08hs 32hs R$ 17,17*

R$ 1,88 R$ 15,29

Valor bruta R$ 517,44

R$ 56,90 - 52,88

Valor líquido R$ 412,50

Fonte: Sinprosp, 2018. No final do mês, esse profissional da educação receberá renumeração bruta de 517,44,

porém, nessas condições, terá sua adesão ao regime geral da previdência social

comprometida, caso não arque com as contribuições previdenciárias sobre a diferença de R$

56,90, conforme o que dispõe o art. 911-A, §1º (CLT), restando apenas R$ 412,50 liquido

mensal, e se não houver o recolhimento complementar da previdência sobre a mencionada

diferença, o respectivo mês “não será considerado para fins de aquisição e manutenção de

qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social, nem para cumprimento dos

períodos de carência para concessão dos benefícios previdenciários” (art. 911-A, §2º).

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Desta forma, tem-se via contrato intermitente, uma mudança radical na situação

jurídica do professor em relação as Instituições privadas de ensino, para além do de seu

rebaixamento à condição de fator de produção, pois de um lado o qualifica como empregado,

mas por outro, sua dignidade é afrontada quando submetido ao ócio forçado, e sem a garantia

de aferir verbas salarias no final do mês e excluído da proteção previdenciária. Para Alves

(2000) essa situação “tende a constituir um estatuto precário para as parcelas dos

trabalhadores, expondo-os, cada vez mais, à disposição das idiossincrasias do capital”

(ALVES, p. 45, 2000).

A flexibilização trazida pela reforma trabalhista tem retirado direitos dos professores

sem que fosse apresentado compensações equivalentes, configurando com isso, o que

autores como: Canotilho (2002), Cavalcante (2014), Vasapollo (2006), Melo (2010)

caracterizam como violação ao princípio da vedação ao retrocesso.

Para Melo (2010), “o princípio da vedação ao retrocesso é uma garantia constitucional

implícita, decorrente do denominado bloco de constitucionalidade, tendo sua matriz axiológica

nos princípios da segurança jurídica, da máxima efetividade dos direitos constitucionais e da

dignidade da pessoa humana” (p. 65), No entendimento do autor, a vedação ao retrocesso

defende a ideia de que o Estado, após ter garantido um direito fundamental, não pode

retroceder, ou seja, praticar qualquer ato que precarize o direito já assegurado, sem que haja

uma medida compensatória, efetiva correspondente para tal.

Para Canotilho (2002), os direitos não podem retroagir, só podendo avançar na

proteção dos indivíduos, em decorre do princípio da vedação ao retrocesso, afirma que:

“qualquer medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de

outros meios alternativos capazes de compensar a anulação desses benefícios, é

considerada inconstitucional” (2002, p.336).

Nessa esteira, a reforma trabalhista, não se tem criado esses meios alternativos para

a compensação das perdas de direitos dos trabalhadores, como demostrado no capítulo

anterior, não tem garantido o aumento real de empregos, qualificação profissional ou retirado

o trabalhador da informalidade, mas na prática, como a atuação do Estado, a Reforma tem

beneficiado o capital, oferecendo-lhe, novas fontes de acumulação, com o processo de

flexibilização da legislação trabalhista permitindo ao capital aumentar a taxa de extração

de mais valia.

3 CONCLUSÃO

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O objetivo do presente trabalho foi analisar a reforma trabalhista acerca do contrato de

trabalho intermitente, sob a perspectiva da educação, do atendimento aos princípios

constitucionais de vedação ao retrocesso e da valorização da profissão docente e dos

requisitos da relação de emprego, verificando se essa nova modalidade de contratação tem o

potencial de auxiliar a reduzir o desemprego no país e retirar o trabalhador da informalidade.

Verificando as interfaces da reforma trabalhista, após sua promulgação, permite se

concluir que, o contrato de trabalho intermitente tem potencial inegável de precarização do

trabalho docente. Trata-se de uma atuação do Estado que possibilita haver contrato de

emprego sem prestação de serviço e sem contraprestação pecuniária. É o profissional

empregado sem o compromisso de prover rendam, um retrocesso nas garantidas trabalhistas

já consolidadas.

A promessa de redução do desemprego e da informalidade é um discurso vazio, um

sofismo, pois os profissionais intermitentes ativos, não estarão formalmente desempregados,

porém, só serão convocados eventualmente para trabalhar, e só receberão pelas horas

trabalhadas. Assim, o índice de desemprego será afetado, expressando um número de

desempregados menor, porém falseado a realidade econômica e de empregabilidade

concreta. O que ocorrerá é que haverá muitos empregados formais com rendimentos irrisórios

e dependentes da flutuação da atividade econômica direta de seus empregadores, ou seja,

índices de desemprego reduzidos com elevados índices de precarização (Mezaros, 2016).

Por outro lado, o processo de precarização atingi a totalidade da força de trabalho,

pois não há garantia de aumento de postos de trabalho e sim o risco de substituição dos

empregados fixo com contratos tradicionais por trabalhadores intermitentes, constituindo uma

ameaçar os trabalhadores empregados.

Conclui-se, assim, que a flexibilização trazida pela reforma trabalhista, retirou direitos

dos trabalhadores na forma do contrato intermitente, por outro lado, não foi criado pelo Estado

uma compensação para a retirada dos direito trabalhista, sendo inclusive a promessa de

geração de empregos e segurança jurídica aos trabalhadores submetidos à informalidade não

se concretizou, pois o que foi posto nada mais foi do que a normatização do subemprego ou

da precarização do emprego.

REFERÊNCIAS

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