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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO URBANO CURSO DE MESTRADO REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS “TERRAS DE NINGUÉM” A Semi-Formalização em Novas Bases Isauro Sousa RECIFE, 2005. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO URBANO

CURSO DE MESTRADO

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS “TERRAS DE NINGUÉM” A Semi-Formalização em Novas Bases

Isauro Sousa

RECIFE, 2005.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO URBANO

CURSO DE MESTRADO

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS “TERRAS DE NINGUÉM” A Semi-Formalização em Novas Bases

Isauro Sousa

Orientadora: Drª Maria Ângela de Almeida Souza

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Desenvolvimento Urbano do

Centro de Artes e Comunicação da Universidade

Federal de Pernambuco como requisito parcial à

obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento

Urbano.

RECIFE, 2005.

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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS “TERRAS DE NINGUÉM” A Semi-Formalização em Novas Bases

Dissertação defendida e aprovada, em....... de ...................... de 2005.

Banca Examinadora:

................................................................................................................................

Profª. Dra. Maria Ângela de Almeida Souza

Orientadora

................................................................................................................................

Prof.

Examinador

................................................................................................................................

Prof.

Examinador

................................................................................................................................

Prof.

Suplente

................................................................................................................................

Prof.

Suplente

RECIFE/2005.

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À minha eficiente e dedicada Orientadora, Drª. Maria Ângela de Almeida

Souza, pela valiosa colaboração e paciência no curso deste trabalho.

“IN MEMORIAM”

Do meu querido e inesquecível filho Freddy, por estar sempre presente nos

meus pensamentos;

Do meu pai e amigo, Raimundo Nonato de Sousa, pelo exemplo, que me deu,

de incentivo aos estudos, de honra, trabalho e perseverança;

De minha querida e saudosa mãe, Maria Angélica Leite Sousa, em cujo seio

de amor e ternura alentou todos os filhos.

Isauro Sousa

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AGRADECIMENTOS

À professora Dra. Maria Ângela de Almeida Souza pelo incentivo, paciência

e dedicação dispensados à preparação deste trabalho.

Aos demais professores do MDU, pelos ensinamentos proferidos ao longo

do curso, especialmente ao Professor Dr. Luis de la Mora.

Ao Dr. Jan Bitoun pelas valiosas observações e contribuições a este

trabalho.

Aos meus filhos Alexandre e Charles pelos incentivos e ajudas desde os

primeiros momentos deste empreendimento.

A Aldely pelo zelo dispensado aos serviços de digitação.

Às pessoas entrevistadas e que prestaram declarações, sem dúvida,

fundamentais para elaboração desta dissertação.

Enfim, a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para que

esta pesquisa se efetivasse.

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Autor:A.C.Jobim/Vinicius de Moraes

Autor: Marcos e Paulo Sergio Valle

Autor: Carlos Lyra/ G. Guarnieri

“O morro não tem vez “Podem me prender,

E o que ele fez já foi demais, Podem me bater

Mas olhem bem vocês, Podem até deixar-me sem comer,

quando derem vez ao morro Mas eu não mudo de opinião

Toda a cidade vai cantar”.1 Daqui do morro eu não saio não

Se falta água eu furo um poço

Se falta carne,

Eu compro um osso

E boto na sopa

“Feio não é bonito E deixa andar

O morro existe Falem de mim

Mas pede pra se acabar.... Quem quiser falar

Canta, mas canta triste, Aqui não paga aluguel

Porque tristeza é só o que se tem pra contar E se morrer amanhã seu dotô

Chora, mas chora rindo Estou pertinho do ceú”.2

Porque é valente nunca se deixa quebrar,

Ama, o morro ama

Amor bonito,

Amor aflito

Que pede outra história” 3

1 Trecho da Música “O Morro não Tem Vez”, Dois na Bossa, Tom Jobim/Vinicius de Moraes, 1965. 2 Trecho da Música “Terra de Ninguém”, Dois na Bossa, Marcos e Paulo Sergio Valle, 1965. 3 Trecho da Música “Feio não é Bonito”, Dois na Bossa, Carlos Lyra/G. Guarnieri, 1965.

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RESUMO

A problemática do acesso à moradia na cidade do Recife agravou-se a partir

de meado dos anos 70, principalmente em decorrência da ocupação dos

assentamentos populares, mediante invasões coletivas, o que frequentemente

ocasionava vários conflitos sociais entre os moradores, o proprietário fundiário e o

próprio Estado. Processo este, exarcebado pela intensidade dos movimentos sociais

urbanos em torno da temática da terra e da moradia.

O estudo aqui apresentado analisa o processo de regularização fundiária de

um extenso assentamento popular situado nos morros de Casa Amarela, na cidade

do Recife, abrigando mais de 16 mil famílias, denominado “Terras de Ninguém”, em

função de um movimento popular de mesmo nome que surgiu, pioneiramente no

Recife, em meado dos anos 70, lutando pela posse da terra dos moradores.

Após evidenciar aspectos conceituais da questão em foco, o trabalho aborda

o processo de ocupação da área, na sua transformação de espaço rural (engenho

de açúcar) para um espaço urbano, destacando a condição de semi-formalidade que

se estabeleceu entre as famílias que se assentaram na área e os proprietários

herdeiros das áreas remanescentes do engenho; destaca o movimento social que

emergiu do conflito com os proprietários de terra, representado pela Empresa

Imobiliária de Pernambuco Ltda; e focaliza o processo de regularização fundiária

promovido pelo Estado de Pernambuco através da COHAB-PE, que ocorreu a partir

da década de 80.

Destaca a atuação dos atores envolvidos naquela luta pelo acesso da terra,

as dificuldades e as soluções encontradas no processo de regularização fundiária

das “terras de Ninguém”; evidenciando que a semi-formalidade que caracterizou o

processo de ocupação se mantém, em novas bases, pela inconclusão do processo

de regularização fundiária.

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ABSTRACT

(FAZER A TRADUÇÃO PARA INGLÊS)

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SIGLAS

ANPUR – Associação Nacional de Pós–Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e

Regional

BNH – Banco Nacional de Habitação

CDRU – Concessão de Direito Real de Uso

CEF – Caixa Econômica Federal

CENDHEC – Centro Dom Hêlder Câmara de Estudos e Ação Social

CJP – Comissão de Justiça e Paz

CNDU – Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano

CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito

COMUL – Comissão de Urbanização e Legalização

DIRCON – Diretoria de Controle Urbano

DIUR – Diretoria de Integração Urbanística

FIDEM – Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife

HABITAT – Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano

LUOS – Lei de Uso e Ocupação do Solo

MDU – Mestrado em Desenvolvimento Urbano

MHU – Ministério de Habitação e Urbanismo

ONG’s – Organização Não Governamentais

ONU – Organização das Nações Unidas

PC – Partido Comunista

PCR – Prefeitura da Cidade do Recife

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento

PREZEIS – Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social

PROMORAR – Programa de Erradicação de Sub-Habitação

PSB – Partido socialista Brasileiro

PT – Partido dos Trabalhadores

RMR – Região Metropolitana do Recife

SEPLAN – Secretaria de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente.

SFH – Sistema Financeiro de Habitação

ZEIS – Zona Especial de Interesse Social

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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES E DOCUMENTAÇÃO

• FIGURAS

Figura 1. Igreja do Engenho São Pantaleão do Monteiro.

Fonte: COSTA (2001, p. 126).

68

Figura 2: Assinatura do Decreto de Desapropriação das “Terras de Ninguém”

pelo Governador Marco Maciel, 1980.

Fonte: Jornal Habitação, COHAB-PE, ano 4, nº 4, Janeiro de 1981.

113

Figura 3: João Braga faz a leitura do Decreto de Desapropriação das “Terras de

Ninguém”, 1980.

Fonte: Cartilha de aniversário produzida pelo Movimento “Terras de Ninguém”,

2001.

114

Figura 4: João Braga entrega cartilha sobre “Terras de Ninguém” ao líder

comunitário João do Cigarro.

Fonte: Cartilha produzida no gabinete do Deputado estadual João Braga. 1998.

114

Figura 5. Entrega aos moradores das “Terras de Ninguém” dos Títulos de

Propriedade aos moradores.

Fonte: Jornal Chão e Teto, fevereiro de 1988.

117

Figura 6. Apresentação aos moradores das “Terras de Ninguém” dos

programas de melhora de habitação.

Fonte: Jornal Chão e Teto, fevereiro de 1988.

118

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• DOCUMENTOS

Anexo 1 - Mapa de cobrança nº 01, encontrado nos arquivos da Empresa

Imobiliária de Pernambuco Ltda; do período de 06 a 14 de julho de

1951, referente aos recibos nº 4045 a 4588, onde se vê os nomes

e assinaturas do cobrador Antonio David e do Diretor daquela

Empresa, Dr. Roberto Sarmento da Rosa Borges, o que comprova

o procedimento das cobranças efetuadas, relativas ao pagamento

do “aluguel do chão” nas “Terras de Ninguém”.

72

Anexo 2 – Em janeiro de 1977, uma caderneta de recibos de “terreno

alugado”, em nome de Maria de Jesus Silva, apresenta um valor

de Cr$ 15,70, a ser pago à Empresa Imobiliária de Pernambuco

Ltda.

74

Anexo 3 – Um Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda, de

terreno situado no Alto do Eucalipto n. 907, tendo como promitente

comprador Laurentino Urbano Cabral e promitente vendedor a

Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda., firmado em junho de

1973, estipulado os seguintes valores: preço total do terreno de

Cr$ 6.048,00, a serem pagos em 96 parcelas: 12 de Cr$ 19,00; 12

de Cr$ 32,00; 12 de Cr$ 45,00; 12 de Cr$ 57,00; 12 de Cr$ 70,00;

12 de Cr$ 82,00; 12 de Cr$ 95,00; 12 de Cr$ 104,00.

75

Anexo 4 - Notas promissórias emitidas por nome de Laurentino Urbano

Cabral, em favor da Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda;

referentes a uma das primeiras, e uma das últimas parcelas. Nas

últimas parcelas, após a desapropriação, foram transferidos os

direitos destas para a COHAB-PE.

75

Anexo 5 - Os aluguéis do chão variavam entre Cr$20,00 e Cr$30,00, por mês,

segundo depoimento de moradores, em reportagem publicada no

Diário de Pernambuco, em 23/07/1978.

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Anexo 6 - Decreto nº 7.008 de 29/12/1980 sancionado pelo então Governador

do Estado de Pernambuco Dr. Marco Antônio de Oliveira Maciel

que desapropriou mais de 20.000 lotes em 53 comunidades,

pertencentes à Empresa Imobiliária de Pernambuco S/A., tendo

contemplando mais de 15.000 famílias, numa área com cerca de

350 hectares.

112

Anexo 7 - Instrumento particular de ajuste para fixação de preço de

desapropriação e outras avenças que entre si fazem a Companhia

de Habitação Popular do Estado de Pernambuco COHAB-PE e a

Empresa Imobiliária de Pernambuco S.A., destinado ao Cartório do

Registro Geral de Imóveis do 2º Ofício, datado de 31 de dezembro

de 1980.

113

Anexo 8 - O mandado de registro emitido pelo MM. Juiz de Direito da 2º Vara

de Sucessões e Registros Públicos da Comarca do Recife, BR

Josias Horácio da Silva, em 25.09.1987, cerca de sete anos após a

desapropriação das terras.

113

Anexo 9 - Certidão de Registro emitida pelo Cartório Geral de Imóveis do 2º

Ofício da Comarca do Recife, sob o nº 4730, emitido em

05.10.1987, referente às terras desapropriadas.

113

Anexo 10 - Título de propriedade (escritura particular de compra e venda),

emitido pela COHAB-PE em 24.04.1990 e “croquis” da planta de

um imóvel situado à rua Lago Azul nº 44 - Casa Amarela, das

“Terras de Ninguém”: beneficiário José Lyra de Almeida Freyre.

117

Anexo 11 - Título de propriedade (escritura particular de compra e venda),

emitida pela Companhia Estadual de Habitação e Obras – CEHAB

emitido em 14.02.2005, em favor de Maria de Lourdes Alves da

Silva.

118

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13

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS 05

RESUMO 07

ABSTRACT 08

LISTA DE SIGLAS 09

INDICE DE ILUSTRAÇÕES E DOCUMENTAÇÃO 10

INTRODUÇÃO 15

1. O ACESSO À TERRA URBANA: Bases Conceituais e Aspectos do

Recife

21

1.1 A QUESTÃO FUNDIARIA URBANA NO CONTEXTO DA QUESTÃO

DA MORADIA

21

1.1.1 A Questão da Moradia nas Sociedades Capitalistas 22

1.1.2 A Informalidade no Acesso à Terra e à Moradia 25

1.2. O ESTADO COMO MEDIADOR DOS CONFLITOS URBANOS 29

1.2.1 O Estado como Campo de Forças 29

1.2.2 O Direito Estatal/Legal e o Direito Social/Justo 31

1.2.3 Poder e Legitimidade Face aos Conflitos Sociais 33

1.3 OS FUNDAMENTOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA 36

1.3.1 A Propriedade Urbana: Conceito e Equacionamento no

Brasil

36

1.3.2 Regularização Fundiária: Conceito e Políticas 42

1.3.3 Instrumentos de Regularização Fundiária 46

2. “TERRAS DE NINGUÉM”: O Processo de Ocupação 51

2.1 AS CONDIÇÕES DE OCUPAÇÃO DAS ÁREAS POBRES DO

RECIFE

51

2.1.1 O Processo de Expansão do Recife 51

2.1.2 Os Conflitos Fundiários da Ocupação Informal do Recife 63

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2.2 O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DAS “TERRAS DE NINGUÉM” 68

2.2.1 O Engenho São Pantaleão do Monteiro 69

2.2.2 O Aluguel do Chão nas “Terras de Ninguém”: a semi -

informalização negociada

72

3. “TERRAS DE NINGUÉM”: O Movimento Social Urbano pela Posse da

Terra

81

3.1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS PELA TERRA URBANA NO RECIFE

DOS ANOS 70/80

81

3.1.1 A Trajetória dos Movimentos Sociais Urbanos no Recife 81

3.1.2 Origens e Antecedentes das Associações dos Moradores 88

3.2 O MOVIMENTO SOCIAL “TERRAS DE NINGUÉM” 95

3.2.1 As Bases do Movimento Social “Terras de Ninguém” 95

3.2.2 As Reivindicações do Movimento “Terras de Ninguém” 98

4. “TERRAS DE NINGUÉM”: O Processo de Regularização Fundiária 101

4.1 A POLITICA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA PÓS 80 101

4.1.1 O PROMORAR - Início dos Anos 80 101

4.1.2 A Formalização das ZEIS e o PREZEIS 105

4.1.3 Chão e Teto - Final dos Anos 80 110

4.2 FORMALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE PROPRIEDADE PARA OS

MORADORES

112

4.2.1 Processo de Desapropriação das “Terras de Ninguém” 114

4.2.2 Processo de Regularização Fundiária dos Moradores das

“Terras de Ninguém”

117

4.2.3 A Semi-Informalidade na Regularização Fundiária das

“Terras de Ninguém”

121

CONSIDERAÇÕES FINAIS 124

BIBLIOGRAFIA 127

ANEXOS

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15

INTRODUÇÃO

Este trabalho analisa o processo de regularização fundiária das “Terras de

Ninguém”, nos morros de Casa Amarela, na cidade do Recife, destacando as

condições de formalização/legalização da ocupação da terra, anterior e

posteriormente à intervenção estatal. Parte da análise da ocupação do espaço

urbano, entendendo o espaço como produto e reprodutor das relações sociais, e

considerando a expansão urbana como expressão concreta da dinâmica da

sociedade que a produziu.

Enfocando as condições formais e legais de acesso à terra, este estudo

evidencia o distanciamento que se estabelece entre a legislação em vigor e a

realidade social, focalizando os conflitos urbanos do Recife na sua dimensão política

e jurídica e destacando a coexistência de vários direitos, como nos mostra Falcão

(1984). Destaca os avanços no sentido do reconhecimento de direitos não

institucionalizados, que respaldam as ações de regularização fundiária dos

assentamentos populares do Recife, a partir dos anos 80, destacando instrumentos,

estratégias e procedimentos utilizados pelas administrações locais - estadual e

municipal; e finalmente levanta alguns questionamentos que relacionam o processo

de regularização fundiária com a dinâmica dos movimentos sociais e com a crise do

Estado e seu rebatimento nas políticas habitacionais e de regularização fundiária.

O objeto de estudo remete para uma realidade perversa das grandes cidades

brasileiras, marcadas pela imensa desigualdade na distribuição da renda, que fica

concentrada nas mãos de uma pequena parcela da população. Enquanto isso, a

maioria experimenta uma vida de pobreza ou extrema miséria, sendo-lhe negadas

condições mínimas de sobrevivência, como o trabalho, a alimentação e a saúde.

Muitos e poucos desfrutam dos bens produzidos.

Um dos efeitos mais cruéis dessa concentração de renda é a falta de acesso

a um local adequado para as famílias morarem e criarem os seus filhos. Em nosso

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16

país, quem ganha menos de três salários mínimos está excluído do chamado

mercado imobiliário formal.

Essa situação faz com que a população busque, como meio de suprir sua

necessidade de moradia, a ocupação de áreas insalubres ou impróprias – sem as

mínimas condições de habitabilidade, sejam os morros, as encostas, os alagados, as

margens de rios e canais, ou a ocupação de áreas de manguezais. Nesses locais,

enfrenta-se a falta de água encanada, luz elétrica, saneamento ambiental, etc.

Um outro aspecto a destacar e que, mesmo em áreas impróprias para

construir a ocupação se faz, na maioria das vezes, sem formalização. Assim, depois

de consolidada a ocupação, e conquistados à custa de esforço da comunidade

alguns investimentos públicos, como eletrificação e água encanada, aparece o

“dono” do terreno, reivindicando judicialmente o seu direito de propriedade.

A falta de um lugar para morar ou as precárias condições de moradia,

experimentadas pela imensa maioria da população brasileira, passam a exigir do

Estado ações mais enérgicas, no sentido de minorar essa triste realidade.

Foi somente nas décadas 70 e 80, passadas que, com as mudanças no

quadro político do país - causadas, dentre outros fatores, pelo fortalecimento dos

movimentos populares - algumas administrações locais começaram a reconhecer os

direitos dos favelados de terem acesso ao solo urbano e à moradia.

A condição de agente financeiro da SFH conferiu à COHAB – PE, através da

Lei nº 4.380/64 e nº 5.049/66, a prerrogativa de exercer a função de emitir escritura

particular com força de instrumento público, a custos inexpressivos, para o

beneficiário, bem abaixo dos custos dos cartórios privados e sem o processo

burocrático, por vezes inacessível para as famílias mais pobres. Utilizando-se desta

prerrogativa, a COHAB – PE emitiu títulos de propriedade para as famílias situadas

nas áreas desapropriadas, inclusive nas “Terras de Ninguém”, objeto deste estudo.

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17

O final dos anos 70 é marcado por significativas mudanças na política de

habitação popular do Banco Nacional de Habitação - BNH, que resultam na criação

de programas alternativos, a qual é dirigida para urbanização e regularização de

assentamento pobres consolidados nas cidades. Esses programas alternativos

formulados, no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação - SFH, constituem-se

uma resposta do poder público às pressões sociais e visa o atendimento à

população inserida na faixa de renda inferior a 3 salários mínimos, conduzidos pelas

instâncias de governo local - estatal e municipal.

No contexto do processo de descentralização e pressionados pelos

movimentos sociais de luta pelo acesso à terra urbana e à moradia, o governo de

Pernambuco e a Prefeitura do Recife empreenderam, na década de 80, um amplo

processo de regularização fundiária dos assentamentos populares do Recife, no

qual se destacam as “Terras de Ninguém”. Registram-se, assim, avanços no sentido

do reconhecimento de direitos não institucionalizados, que respaldam as ações de

regularização fundiária dos assentamentos populares do Recife, a partir dos anos

80, destacando instrumentos, estratégias e procedimentos utilizados pelas

administrações locais - estadual e municipal;

Procurando aprofundar a análise do processo de regularização fundiária de

um assentamento pobre do Recife, as “Terras de Ninguém” - de grande relevância

no contexto da cidade, este estudo adota:

Como marco espacial - o assentamento popular que ocupa parte dos morros

de Casa Amarela, em áreas remanescentes do antigo engenho São Pantaleão do

Monteiro, onde se desenvolveu o Movimento Social “Terras de Ninguém”,

reivindicando a posse de terra para os moradores e conferindo o nome “Terras de

Ninguém” à área.

Como marco temporal, as décadas de 1970 e 1980, por compreender, de

um lado a constituição e o auge do Movimento “Terras de Ninguém”, e, de outro

lado, a política de regularização fundiária adotada pelo Governo de Pernambuco.

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18

Como recorte temático, o trabalho aborda a política de regularização

fundiária das “Terras de Ninguém” procurando contextualizá-la a partir do processo,

de ocupação dessas terras, o movimento social que ali se desenvolveu e a política

geral de regularização fundiária empreendida pelo Estado. Buscou-se assim, o

contexto mais amplo dos processos em que o tema está envolvido seja no âmbito da

cidade do Recife, seja no âmbito das políticas em vigor na época, adotando como

veio de análise a condição de formalização / legalização do acesso à terra.

O trabalho de investigação pautou-se em:

• Uma base documental, fornecida pelos antigos proprietários da terra, em

posse da Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda;

• Reportagens de jornais do período em estudo, de modo a recuperar os

fatos relacionados, seja com os conflitos estabelecidos entre os

moradores, o proprietário da terra e o Estado, sejam com os processos

implantados pelo Estado na ação de regularizar a área;

• Entrevistas semi-estruturadas com:

Ø Dirigentes e técnicos da COHAB-PE, visando captar os

procedimentos, as dificuldades, os conflitos e as realizações da

política de regularização fundiária implantada: João Batista de Meira

Braga (Diretor de Programa Especiais da COHAB-PE 1979 - 81) -

entrevista realizada em 27.07.2005; Carlos Magno Sampaio (Diretor

de Programas Especiais - 1987/90) - entrevista realizada em

11.06.2004; Fernando Barros (Assessor Jurídico da COHAB-PE -

1991/98) - entrevista realizada em 30.05.2005; Aurino Teixeira da

Silva Filho (Advogado e Gestor de Regularização Fundiária - da

CEHAB, atual substituta da COHAB-PE - 2004 até a presente data) -

entrevista realizada em 16.05.2005.

Ø Integrante do Movimento “Terras de Ninguém”, visando captar as

relações estabelecidas pelos integrantes do movimento com o

proprietário da terra e os técnicos e dirigentes da COHAB, e opinião

deles a respeito do processo instalado para a regularização fundiária:

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João Severino Alves (João do Cigarro) (Presidente do Movimento

“Terras de Ninguém” e responsável pelo Escritório do aludido

Movimento até o momento) - entrevista realizada dia 14.05.2005.

Ø 30 moradores das “Terras de Ninguém” que receberam título de

propriedade da COHAB-PE, visando captar a real repercussão desse

título para os moradores e os procedimentos posteriores adotados

para registro em cartório, visando a efetivação da formalização da

propriedade da terra - entrevistas realizadas dia 07.03.2005.

Ø Funcionário do 3º Cartório Geral de Imóveis da Comarca do Recife,

buscando informações sobre o Registro dos títulos das “Terras de

Ninguém”: Álvaro Henrique Campelo Vilaça (Técnico Judiciário) -

entrevista realizada dia 07.10.2004.

É importante ressaltar as dificuldades encontradas para realização da

pesquisa empírica, uma vez que a COHAB-PE, que realizou o processo de

regularização fundiária das “Terras de Ninguém”, foi extinta no final de 1998, e o

acervo documental, inclusive aqueles relativos ao processo de regularização

fundiária das “Terras de Ninguém” não se encontram disponíveis para consulta, em

face das mudanças ocorridas com esses arquivos. Ao ser extinta, a COHAB-PE foi

substituída por duas entidades: a Empresa de Melhoramentos Habitacionais de

Pernambuco – EMHAPE (1999-2002), que, por sua vez, foi substituída pela atual

Companhia Estadual de Habitação e Obras – CEHAB do Governo de Pernambuco,

as quais assumiram as funções que a COHAB-PE exercia; e a Pernambuco

Participações – PERPART, que assumiu os funcionários, o passivo trabalhista, os

imóveis, etc., bem como funções de comercialização de imóveis residuais da antiga

COHAB-PE e grande parte de seus arquivos, inclusive os processos de

regularização fundiária. A partir do ano de 2003, a CEHAB reinstala o processo de

regularização fundiária das áreas sob domínio da antiga COHAB-PE, inclusive as

“Terras de Ninguém”, porém vive a dificuldade de restaurar os arquivos e as

informações, na maioria, transferidas para a PERPART.

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Esta dissertação foi estruturada em quatro capítulos: o primeiro procura

explicitar as bases conceituais que envolvem o objeto de estudo, situando-o no

contexto mais amplo da cidade do Recife. Aborda a questão fundiária urbana no

contexto da problemática da moradia e enfoca a regularização fundiária, bem como

os instrumentos de regularização fundiária, em vigor no país, ressaltando a

intervenção do Estado como mediador, através da instância jurídica, bem como o

contraponto que se estabelece entre as normas vigentes e o clamor por direitos

sociais não positivados.

O segundo capítulo procura recuperar historicamente o processo de

ocupação das “Terras de Ninguém”, precedendo-o de uma contextualização mais

ampla ao abordar a formação do Recife e, em especial, o processo de ocupação das

áreas pobres da cidade. No caso especifico das “Terras de Ninguém”, destaca-se a

condição de semi-formalização negociada entre os moradores e os proprietários da

terra, apesar do não respaldo legal dos contratos estabelecidos.

O terceiro capítulo procura recuperar as bases e as reivindicações dos

movimentos sociais urbanos que emergem no Recife em meados da década de 70,

e trata de forma mais detalhada o Movimento “Terras de Ninguém”, destacando os

conflitos resultantes das relações de poder que se estabelecem entre o morador,

proprietário da terra e Estado no processo de (re) produção dos espaços favelados

do Recife, procurando identificar a lógica que preside tal processo.

O quarto e último capítulo aborda o processo de regularização fundiária das

“Terras de Ninguém”, no contexto da política habitacional da década de 80. Detalha

o processo de aquisição da terra pelo poder público e a formalização dos títulos de

propriedade para os moradores, destacando a superação dos entraves legais e

administrativos, envolvendo moradores, advogados e juizes, bem como o Poder

Público. Evidencia, em termos conclusivos, que a semi-formalidade dos moradores

referente ao domínio da terra que ocupam, de certa forma, permanece, após o

processo da entrega pelo Estado das Escrituras Públicas de Propriedade, uma vez

que a maioria dos moradores contemplados, não efetuou o registro em Cartório.

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1. O ACESSO À TERRA URBANA: Bases Conceituais e Aspectos do Recife

Este capítulo procura analisar a questão fundiária urbana no contexto da

moradia; a mediação do Estado nos conflitos urbanos e os fundamentos da

regularização fundiária. Enfatizamos que a problemática urbana decorre, em grande

parte, do sistema de acesso à propriedade da terra. Abordamos, então, a

problemática do acesso à terra urbana enquanto acesso à moradia, para situar o

modo como tal acesso é viabilizado, através da mediação do Estado, evidenciando,

a partir daí, a abordagem da questão.

Procuramos desenvolver uma análise sucinta da formação do sistema de

propriedade no Brasil e de sua evolução, indicando como este sistema de

propriedade se interpenetra no sistema de poder político e como contribuiu para

provocar a crise urbana dos dias atuais. Veremos, assim, que a solução do

problema urbano está ligado ao problema agrário, devendo seu questionamento ser

feito, levando em conta, a totalidade e não as características especificas de cada

um.

1.1 A QUESTÃO FUNDIÁRIA URBANA NO CONTEXTO DA QUESTÃO DA

MORADIA

Este item se reporta à questão da moradia nas sociedades capitalistas. O

processo social analisado envolve uma questão social expressa pela problemática

habitacional urbana e uma política formulada pelo Estado, a partir dos interesses do

capital e das pressões populares. Procura-se também destacar a informalidade no

acesso à terra e à moradia, vez que este acesso remete, de igual forma, a questão

da distribuição de renda e traz, em si, as contradições presentes no regime

capitalista, que visam tão somente a exploração da força de trabalho, em prol do

bem-estar das minorias privilegiadas.

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1.1.1 A Questão da Moradia nas Sociedades Capitalistas

Os conflitos de propriedade no grande Recife e nas demais cidades

brasileiras nos mostram que as invasões de terrenos urbanos no Brasil se

intensificaram nas décadas de 70 e 80. Esta intensificação ocorre justamente no

período histórico em que o regime político de 1964 não consegue mais controlar

uma congênita crise de legitimidade.

Esta crise, que tem suas raízes no fracasso do modelo econômico, força o

regime a abandonar a via de legitimação autoritária e buscar a via democrática. O

país passa por período de transição entre um autoritarismo em vias de ser

abandonado e uma redemocratização ainda não alcançada denominada “abertura

política”. O Governo, ao desistir de se legitimar através da eficácia do projeto

econômico-social, pretende, democratizando-se, manter-se no poder. Vale dizer,

manter o pacto político e a estrutura sócio-econômica atual. As oposições, ao

aceitarem a distensão gradual do autoritarismo, pretendem explicitar a falta de

legitimidade política do regime, enfraquecendo-o.

Definida por Marx e Engels (1979, p. 80), como “concentração da produção,

dos instrumentos de produção, do capital, dos prazeres e das necessidades”, a

cidade capitalista é a sede do poder. Por ser abrigo da classe dominante, pressupõe

uma participação diferenciada dos homens no processo de produção e distribuição

de bens, estabelecendo uma relação de dominação e desigualdade, expressa pela

abundância de uns poucos e a carência da grande maioria. Assim sendo, o urbano

não é mera concentração de população, mas um arranjo espacial para atender às

exigências do capitalismo.

As relações de produção capitalista chegam a todos os setores da vida

nacional. Com a modernização e proletarização do campo se institui o “bóia-fria”, e o

“exército de reserva” já não é mais privilégio só da cidade. Com o urbano se

expande também à exploração e a miséria, o que leva Oliveira (1972) a dizer que “o

urbano é a antinação”. A complexidade do urbano só pode ser compreendida e

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analisada se abordada de acordo com a conjuntura histórica, na qual se acha

inserida, e com processos sociais que são expressos através das formas espaciais

resultantes.

Possibilitando o sistema capitalista enfrentar o desenvolvimento contraditório

de todas as condições gerais de produção o Estado, longe de suprimi-la, exacerba-

a, com a sua atuação cada vez maior o espaço urbano. Como agente principal da

distribuição social e espacial dos equipamentos urbanos para as diferentes classes e

frações de classe, o Estado, em última instância, reflete as lutas que se

desenvolvem na ocupação e uso do espaço urbano que, fruto do conflito, resulta

segregado.

Desde que o acesso à moradia por parte dos setores mais pobres da

população processa-se à margem do quadro jurídico instituído, a noção de

habitação como um direito configura-se não só para o morador como para o Poder

Público. (SOUZA, 1990).

A problemática da moradia, nas sociedades capitalistas, é estudada por um

dos teóricos clássicos do marxismo Engels (1982), que já no final do século XIX, via

a penúria aguda da habitação, na Alemanha, em conseqüência da Revolução

Industrial, o que naquela época já se entendia por escassez de habitação, para ele

era o agravamento das más condições dos operários, resultado do fluxo repentino

de população para as grandes cidades, sendo que “a extensão das grandes cidades

modernas dá aos terrenos, sobretudo nos bairros dos centros um valor artificial, às

vezes super elevado” (ENGELS, 1982, p. 117). Na realidade os operários vão sendo

afastados do centro para a periferia; tornando-se as residências operárias e, em

geral, as residências pequenas são cada vez mais escassas e mais caras.

(ENGELS, 1982, p. 118).

A escassez de moradia é a expressão da desigualdade implantada pelo

capitalismo como sistema de produção. È um fenômeno que cresce paralelamente

ao exército industrial de reserva, sendo ambos benéficos para o processo de

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acumulação, na medida em que o capitalismo cria, como condição necessária à sua

expansão, a existência de uma classe que não tenha outra coisa para vender a não

ser sua força de trabalho. Nesse sentido, a crise da habitação é, segundo Engels

(1982, p. 137),

“um produto necessário da ordem social burguesa”, visto que é “uma

sociedade na qual a grande massa trabalhadora não pode contar

senão com um salário e, portanto, exclusivamente com a soma de

meios disponíveis para sua existência e para reprodução de sua

espécie..., onde o retorno regular de violentas flutuações industriais

condiciona, por um lado, a existência de um grande exército de

reserva de operários desocupados e, por outro lado, lança à rua,

periodicamente, grandes massas de operários sem trabalho”.

Engels (1982) caracteriza a crise de habitação como um problema típico, e

inerente ao sistema de produção capitalista, criticando a solução que a burguesia

apresenta para essa problemática que, historicamente, tem sido proposta para

transformar o operário em proprietário de sua moradia, revelando desta maneira o

culto pela propriedade privada, um sustentáculo do próprio sistema.

O Estado, enquanto guardião do processo de acumulação capitalista,

segundo Engels (1982), não resolve nas suas bases o problema habitacional para a

classe trabalhadora. Parte dos recursos arrecadados da própria população é

empregado para criar a infra-estrutura necessária ao processo de acumulação,

ficando o consumo e até as medidas de produção e reprodução da força de trabalho

em segundo plano, devido à abundância da oferta de mão-de-obra no mercado. “O

Estado se preocupará, no máximo, em conseguir que as medidas usuais, que

representam um paliativo superficial, sejam aplicadas em toda parte de maneira

uniforme” (ENGELS, 1982, p.157), sendo que as soluções propostas pelo Estado

criam sempre outros problemas, reproduzindo a desigualdade social e as condições

precárias já existentes.

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Ao se analisar o acesso das classes populares à habitação no Brasil,

devemos considerar os seguintes aspectos: O primeiro que é o problema da

habitação, nas cidades, está intrinsecamente relacionado com a questão

fundiária urbana, uma vez que a excessiva valorização dos terrenos e o

crescimento desordenado produzem desequilíbrio na estrutura da cidade. Segundo,

a habitação ocupa um lugar importante no ciclo de reprodução do capital por ser um

componente do consumo social médio que contribui para a fixação do valor da força

de trabalho. Terceiro aspecto, devido ao Estado privilegiar os investimentos voltados

para a criação da infra-estrutura necessária para o desenvolvimento industrial, os

recursos não tem sido suficientes para que os investimentos estatais em bens de

consumo coletivo acompanhem o ritmo crescente da cidade, não tendo a habitação

popular merecido um tratamento sério até hoje no país, sendo esse na realidade, um

problema bem mais complexo que apresenta implicações econômicas, sociais e

políticas que expressa a dinâmica do processo de desenvolvimento capitalista no

país. Um problema que é formulado falsamente, vez que atende aos interesses do

poder e da ideologia dominante. (MARICATO, 1979).

A habitação popular, assim, se configura como um problema complexo que

apresenta implicações econômicas, sociais e políticas que expressa a dinâmica do

processo de desenvolvimento capitalista no país.

1.1.2 A Informalidade no Acesso à Terra e à Moradia

A questão do acesso à terra, associado à questão da moradia, dos mais

pobres no sistema capitalista, tem sido objeto de reflexão de muitos estudiosos,

mas, principalmente se constitui o motivo de muita luta daqueles que só na luta

alimentam a esperança de um dia morar com dignidade, tendo para isto que

enfrentar e confrontar-se com os interesses e a selvageria do capital que estão na

base dessa luta, bem como com o Estado que, pressionado e submisso a esses

interesses, se situa no centro desse conflito, tentando dar “respostas” às demandas

populares por moradia.

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A situação das grandes cidades brasileiras, marcadas pela precariedade e

ilegalidade do habitat das maiorias e pela segregação sócio – espacial foi induzida

por um Estado que, no passado, investiu pesadamente no fomento e estruturação

de um desenvolvimento urbano – industrial, voltado para as necessidades produtivas

do capital e para o consumo das camadas privilegiadas, omitindo-se completamente

diante da demanda do mercado interno de massas.

A continuidade dessas políticas concentradoras de renda, a diminuição do

investimento em políticas sociais e a privatização de serviços públicos só vieram a

agravar essa situação. O resultado é a imensa carência de habitação e de serviços

como educação, saneamento, atendimento médico, transportes, creches e

abastecimento nas áreas populares da cidade.

Nesse sentido, Souza (1990, p. 14) afirma que:

“O acesso à habitação por parte das classes de menor poder

aquisitivo remete, por sua vez, à questão da distribuição de renda e

traz, em si, a contradição presente em todas as esferas da produção

capitalista, que avança lentamente, não porque lhe faltem condições

formais, mas porque, em seu conjunto, aprofundam-se mecanismos

de exploração da força de trabalho que inviabiliza o seu próprio

mercado. Na mesma proporção em que o desenvolvimento da

produção capitalista leva à proletarização da população, fazendo

com que o salário seja a forma dominante de acesso aos bens

necessários à reprodução da força de trabalho, despendido no

processo produtivo, ela tende a reduzir a capacidade de compra do

conjunto da população”.

O desenvolvimento urbano dá-se em função de dois aspectos que

determinam o crescimento da acumulação capitalista: a redução no tempo de

circulação de mercadoria, inclusive a mercadoria força de trabalho, diminuindo,

assim, o tempo de giro de capital e, portanto, aumentando a taxa de lucro; e o

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aumento da produtividade que é uma condição necessária para a acumulação do

capital. (SOUZA, 1990)

A intervenção do Estado, através das políticas habitacionais tem se tornado

fundamental no sentido de criar as condições de inserção dos diversos setores da

população nesse sistema, especialmente aqueles mais pobres que se vêem

excluídos do mercado formal pelo custo cada vez maior que a habitação passa a

apresentar enquanto elemento essencial de seu consumo.

O trabalhador procura eliminar de suas despesas, gastos com moradia, tal

como o aluguel, por exemplo, através de estratégias que caracterizam um “sub-

mercado” ou mercado informal. O crescimento das favelas e dos loteamentos

clandestinos nas cidades brasileiras é um indicador disto (MARICATO, 1987).

Como “morar” é uma necessidade extensiva a todos, a desigualdade entre as

classes sociais transparece no âmbito da desigualdade de localização e consumo da

habitação. E as condições de acesso à moradia passam a constituir-se uma

dimensão das condições de acesso à cidade.

Nesse sentido, a noção de acessibilidade assume um caráter político –

espacial, denunciador de processos de exclusão social. Estreitamente vinculada à

noção de contradições urbanas, encontra-se na essência dos conflitos e movimentos

sociais que envolvem a luta pelo acesso aos bens e serviços urbanos, ao mesmo

tempo em que se constitui fundamento da política pública de caráter social de cunho

compensatório. A moradia popular neste país só pode ser entendida num contexto

de super exploração da força de trabalho. (SOUZA, 1990).

Nesse sentido, o movimento pelo acesso à habitação assume, no contexto

brasileiro, uma expressão significativa. E a complexidade da realidade urbano-

metropolitana do país localiza-se num plano tão cruel que um fenômeno da

dimensão das invasões de terrenos urbanos, que assola as grandes cidades em

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meados da década de 70, antes de constituir-se uma expressão de luta por

habitação, representa a luta pela própria permanência na cidade. (SOUZA, 1990).

Analisando o processo de ocupação das áreas pobres do Recife, Souza

(1985) identifica duas seqüências, ao longo deste século, onde a questão do direito

à moradia emerge de forma distinta:

- a principio, a ocupação faz-se sem luta, sem movimento organizado, sem

transparência, sem institucionalização. Diante da disponibilidade de espaço

a população ocupa o que sugere a percepção por parte desta de um direito

natural de morar;

- já em meados dos anos 70, a ocupação assume um teor de luta social

organizada, de caráter coletivo e, também, revolucionário em seu sentido

jurídico, na medida em que a luta instala-se enquanto quebra do direito

de propriedade.

Contudo, mesmo consolidando-se como um direito “naturalmente” ou

“coletivamente” conquistado, a habitação constitui-se um bem consumido e

apropriado privadamente. E esta dupla condição – de bem e de direito – torna-se

evidente no desdobramento do processo (SOUZA, 1990).

As classes sociais confrontam-se em lutas sócio - políticas nas quais o

objetivo é obter maior poder econômico e político. Essas lutas se manifestam, no

caso, como movimentos populares que desenvolvem práticas de apropriação das

condições que assegurem sua sobrevivência e sua própria reprodução enquanto

classe.

No Recife, a atuação da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de

Olinda e Recife, como mediadora dos conflitos se intensificou bastante entre meados

dos anos 70 e a década de 80. Sua atuação de assessoria jurídica aos conflitos

urbanos do Recife teve repercussão significativa na atuação do Estado como

mediador desses conflitos.

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1.2 O ESTADO COMO MEDIADOR DOS CONFLITOS URBANOS

Este item enfoca a intermediação do Estado como campo de forças;

procurando conceituar o Direito Estatal/Legal e o Direito Social/Justo, apresentando

suas diferenças e aplicabilidade no contexto social e a mediação que exerce frente

aos conflitos urbanos.

1.2.1 O Estado como Campo de Forças

O Estado é percebido como produto das relações sociais, a partir do interior

da sociedade civil, apresentando-se, por conseguinte, como uma expressão social

histórica, ao inserir-se no contexto econômico e político, é obrigado a adaptar-se às

conjunturas.

Além de se encontrar a serviço da manutenção da estrutura social, coloca-se

como instância contraditória e, como tal, assume funções também contraditórias,

conforme a correlação das forças sociais presentes na sociedade. Sendo assim,

num país capitalista como o nosso, as políticas sociais não chegam a alterar a

essência do processo de reprodução das desigualdades sociais.

Para Marx (1982), Direito e Estado pertencem ambos a esfera da

superestrutura, denominada “superestrutura jurídica e política”, na conhecida

passagem, que constituem um texto, da crítica da economia política. E como se trata

de um conjunto difícil de distinguir em partes diversas e separadas, de tal maneira

que a extinção do Estado comporta também a extinção do Direito e vice-versa.

Se considerarmos, os teóricos do Estado Moderno deste último século, Max

Weber e Hans Kelsen, a tendência em identificar o Direito, entendido como

ordenamento coativo, com o Estado, entendido como aparelho através do qual, os

detentores do poder legítimo exercem seu domínio, chega às suas extremas

conseqüências. Para Weber, o grande Estado Moderno é o Estado em que à

legitimidade do Poder depende de sua legalidade, isto é, do fato de que o poder se

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apresenta como derivado de um ordenamento normativo constituído e aceito e se

exerce segundo normas pré-estabelecidas. Para Kelsen, o Estado não é nada fora

do ordenamento jurídico. (BOBBIO, 1998).

As relações entre Direito e Poder se confundem, às vezes com as relações

entre Direito e Estado. O Estado simboliza e concentra o poder, tanto no sentido

sociológico como no direito público. O Direito e Poder se relacionam através de

valores que o Direito implica, e de normatividades que o Poder acarreta. (REIS,

1979).

O Estado, entendido como síntese de uma sociedade organizada, é também

concebido como “uma condensação material e específica de “uma relação de forças

entre classes e frações de classes” (POULANTZAS, 1978, p. 148). E entender o

Estado como tal é entendê-lo dividido, fragmentado; é entendê-lo como um campo e

um processo estratégico onde se interceptam núcleos e redes de poder que ao

mesmo tempo se articulam e apresentam contradições uns em relação aos outros,

emanando táticas contraditórias, cujo objetivo geral toma corpo nos aparelhos

estatais – aspecto material do Estado. Este, um grupo organizado para gerir a

sociedade, não se exclui, contudo, da sociedade, ao contrário, participam dela e

representam-na, levando para o seio do Estado os interesses contraditórios das

várias facções por eles representadas. Gerir, é assumir a coordenação do conjunto

social e, como tal, encerra um potencial de força, de poder. (SOUZA, 1985).

O poder do Estado, por sua vez, é uma expressão que designa o campo de

sua luta, o das relações de forças: os interesses de classe designam o horizonte de

ação de cada classe em relação às outras. A capacidade de uma classe em realizar

seus interesses está em oposição à capacidade (e interesses) de outras classes: o

campo do poder é, portanto estritamente relacional (POULANTZAS, 1984).

Baseado em Foucault (1982), Souza (1985, p. 28) afirma que o Poder não é

objeto que se detém, ou um lugar que se ocupa, mas algo que se disputa que se

exerce e, nessa disputa ou se ganha ou se perde. E o seu caráter relacional implica

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no entendimento de que a luta que se trava para o exercício do poder não se faz

fora dele, ou seja, a própria resistência ao exercício do poder é interior a ele e é,

também, uma certa dimensão de poder. Nesse sentido, o poder emana de todas as

relações sociais e, apesar de tomar corpo nas instituições, ultrapassa-as.

É nesse sentido que as lutas populares atravessam de lado a lado o Estado

porque estão nele inscritas, como afirma Souza (1985, p. 29).

“O Estado está imerso na luta que o submerge constantemente...

Até as lutas (e não apenas a de classes) que extrapolam o Estado,

não estão no entanto, ‘fora do poder’, mas sempre inscritas nos

aparelhos de poder que as materializam e que, também eles,

condensam uma relação de forças... Em razão do encadeamento

complexo do Estado com o conjunto de dispositivos do poder, essas

lutas mesmas têm sempre efeitos, ‘à distância’, desta feita, no

Estado”.

1.2.2 O Direito Estatal / Legal e o Direito Social / Justo

Abordando a questão da pluralidade do direito, Falcão (1984) contrapõe a

justiça legal e a justiça social. Para o senso comum do cidadão em geral, e do

profissional do Direito em particular, não se distingue uma de outra. A justiça legal,

realiza a justiça social. É contra-senso imaginar que realizar justiça legal seja se

opor à justiça social. Atualmente, a justiça enquanto ideal social foi apropriada pelo

Estado e por sua ordem legal. Assim, aplicar o Direito Positivo estatal é fazer justiça

legal, sendo talvez, o caminho privilegiado e exclusivo de praticar justiça social. Esta

apropriação não é gratuita. Ao contrário, é historicamente explicável, e situada.

Resulta do aparecimento dos estados nacionais nos dois últimos séculos. E toma

forma com associação do liberalismo como ideologia social, ao capitalismo como

teoria econômica, e ao positivismo dogmático como doutrina jurídica.

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Este senso comum é reforçado quotidianamente pela doutrina jurídica

dominante na prática dos tribunais e dos advogados. No Brasil, a concepção de

ordem jurídica enquanto ordem legal, formulada pela associação do positivismo

dogmático à ideologia liberal, é hegemônica e fundamenta doutrinariamente este

senso comum. Em três aspectos pelo menos: Primeiro, no sentido de que as nossas

Constituições enquanto normas fundamentais, teriam sempre (com exceções

transitórias) transformado ideais liberais, enquanto ideais sociais dominantes, em

ideais legais. Segundo, no sentido de que a estrutura lógico-hierárquica da ordem

legal, ao submeter normas inferiores às normas superiores, asseguraria o

compromisso de toda a ordem legal com os ideais liberais já constitucionalizados.

Finalmente, no sentido de que fora desta ordem legal liberalmente submetida, não

existiria direito nem justiça.

De uma forma geral, lidamos com a seguinte questão: Será que justiça legal é

necessariamente igual à justiça social? Ou será esta igualdade apenas uma

pretensão, que pode ou não ser concretizada? Em outras palavras: Será que no

Brasil de hoje, aplicar a ordem legal é fazer justiça social? Se não é, a que se deve

esta separação entre justiça legal e justiça social? (FALCÃO, 1982)

Ao falarmos de justiça, necessariamente falamos de direito, a instituição

social que nas sociedades contemporâneas tem a pretensão de concretizar o justo.

Neste sentido, o justo legal seria o valor social resultante da aplicação do direito

legal (o direito positivo estatal), e o justo social o valor social resultante da aplicação

do direito social (o direito positivo não-estatal). Por isto podemos também perguntar:

Será que no Brasil de hoje existem dois direitos: um direito legal estatal e um direito

social não-estatal? Se existe a que se deve esta duplicidade jurídica?

A legalidade significa a existência de um conjunto de leis, estruturado em

função de um conceito de Poder Público que diferencia os campos de ação dos

setores público e privado, e a conformidade de todos os atos praticados não apenas

pelos governados mas, também pelo próprios governantes. Ela é assim, um tema

moderno, considerando que o contratualismo, na linha de Locke e Rousseau,

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desenvolve nos séculos XVII e XVIII uma série de idéias que se cristalizam no

século seguinte e, em cujo bojo, está o princípio de que o governo das leis é

preferível ao governo dos homens.

O Estado moderno é basicamente um sistema jurídico, ou seja, o poder que

ele exerce não se baseia exclusivamente na violência, mas sim naquela força

suavizada e racionalizada empregada de acordo com as normas vigentes tanto para

os que obedecem como para os que mandam.

Esta exigência de respeito e conformidade à ordem jurídica, que pressupõe

até mesmo à existência de mecanismos que impeçam o comportamento irregular do

Estado, é uma decorrência do aumento de complexidades das sociedades

modernas e da necessidade de novas formas de organização, resultantes do

processo de industrialização que se iniciou no século XIX.

A legalidade pode ser considerada como uma qualidade do exercício do

poder. Uma norma é legitima quando sustentada sobre um valor e sua legalidade é

dada pelo direito vigente, impessoal e objetivo. A legitimidade implica valor, ou um

amplo conjunto de valores da comunidade mediante a capacidade humana de agir

em conjunto. Segundo Bobbio (1995), do ponto de vista do governante a

legitimidade expressa o fundamento de seu direito de mando, enquanto a legalidade

estabelece seu dever. Se a legitimidade do poder é o fundamento do seu dever de

obediência, a legalidade do poder é a mais importante garantia de seu direito de não

ser oprimido.

1.2.3 Poder e Legitimidade face aos Conflitos Sociais

Os conflitos de propriedade que durante a fase do regime autoritário

brasileiro, dos anos 60 do século XX, estavam latentes, explicitam-se como invasões

urbanas nas décadas de 70 e 80. Diante delas o regime tem duas opções: Ou aplica

a conservadora legislação existente, o que fatalmente levaria à convocação da força

policial para desalojar os invasores, aumentando o conflito social e incorrendo em

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graves perdas de legitimidade junto às populações marginalizadas; ou busca outras

formas de equacionamento destes conflitos, à margem ou mesmo contra o direito

estatal, mas sem agravar a crise de legitimidade.

Segundo Santos (1984), a dinâmica dos conflitos abertos entre as classes

populares, de um lado, e a burguesia fundiária e imobiliária e o Estado, do outro, as

primeiras, em luta pela habitação, ocupando terras devolutas para construir os seus

barracos ou defendendo ocupações mais ou menos antigas perante a ameaça de

remoção, os segundos, tentando obter e garantir o funcionamento pleno da renda

fundiária urbana mesmo que à custa da expulsão dos moradores “favelados”.

Expressa um impacto no processo de legitimação do poder político estatal.

O termo “legitimidade deriva de “legítimo”, que por sua vez, se origina do latim

legitimu (legitimus, a, um), que significa em conformidade com a lei. A palavra lei- lex

– designava, em Roma, diversos tipos de atos jurídicos, porém mais especialmente

os que emanavam das autoridades públicas. A história do vocabulário evidência

importantes conexões entre as palavras e as coisas, a experiência da relação

dialógica governantes/governados na formulação das normas do Direito Público.

(BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1986)

A democracia é uma tentativa de organizar o Poder numa Sociedade, de tal

forma que se dê essa mediação bem sucedida entre Estado e Sociedade Civil, em

cujo vértice se encontra o tema da legitimidade.

Para Faria (1978) o normativismo a strito sensu – positivismo - reduz o

legitimo ao legal, afirmando que o poder se torna legítimo quando sustentado por

qualquer legalidade. Como observa ainda o mesmo Autor, apoiado em Bobbio, a

Legalidade prende-se ao exercício do Poder, de acordo com normas, mas não

esclarece, por si só, por que estas normas são acatadas. No contexto do

normativismo, a grande contribuição analítica, para o estudo da Legitimidade,

encontra-se na distinção entre normas primárias e normas secundárias. As normas

primárias estabelecem regras de conduta para os governados, ao passo que as

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secundárias regulamentam a produção jurídica, isto é, o processo de criação

jurídica. Neste sentido, disciplinam o mecanismo de gênese da norma,

enquadrando-se no âmbito da Política do Direito, que é o campo em que se insere o

tema da Legitimidade.

A Legitimidade se constitui numa questão sempre em aberto, uma vez que

tanto o Direito como a Política não fornecem respostas com validade universal, mas

sim especificas e limitadas ao âmbito dos grupos sociais (com os quais se tornou

necessário um “diálogo” para se chegar a um pacto de concordância).

O pensamento Weberiano nos conduz àquela idéia de mandato que, se de

um lado permite passar do nível externo da violência para o nível interno da

obediência, do outro assenta-se na probabilidade de encontrar os meios necessários

de imposição. (WEBER, 1947).

A relativização da idéia de justiça e de bem comum conduz, desta maneira,

ao problema do relacionamento entre Poder e Legitimidade, e à conseqüente

distinção entre a obediência obtida pela eficácia do poder e a obediência sustentada

na autoridade da lei e do direito.

Se por um lado o direito não se reduz à lei, para ser válido, por outro ele

pressupõe uma decisão oriunda de um ato de poder soberano. Positividade e

Soberania são, portanto, dois conceitos que se exigem mutuamente: enquanto

soberania é o poder originário de declarar, em última instância, a positividade do

Direito, positivo é o Direito garantido pelo poder soberano do Estado. (BOBBIO,

1995).

A Legitimidade está de algum modo, associada à noção de democracia no

mundo moderno, pois ela resulta, de um lado, da lógica do pensamento político

ocidental e, de outro, da consolidação da sociedade burguesa. Em síntese, a

democracia é o regime dos sistemas abertos, ou seja, aqueles que procuram

garantir a manutenção das regras do jogo, a sobrevivência dos textos

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constitucionais, a impessoalidade e o rodízio do poder, e a ação dos diferentes

grupos sociais, sem a eliminação das partes descontentes e da maneira menos

coercitiva possível. Desta forma, o problema da legitimidade está associada a

múltiplas formas de organização política e aos diversos modos de obtenção do

consenso.

A legalidade significa a existência de um conjunto de leis, estruturadas em

função de um conceito de poder público que deferência os campos de ação dos

setores públicos e privados, e a conformidade de todos os atos praticados não

apenas pelos governados, mas, também pelos próprios governantes.

Estas considerações sobre a natureza da justiça como produto da aplicação

do direito na sociedade brasileira de hoje tem objetivo específico. Assim temos o

tema das relações entre o pluralismo jurídico e a legitimidade política.

1.3. OS FUNDAMENTOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Este item procura mostrar a Propriedade urbana; seu conceito e conseqüente

equacionamento no Brasil; a Regularização Fundiária, seu conceito e políticas e os

instrumentos de regularização fundiária vigentes.

1.3.1 A Propriedade Urbana: Conceito e Equacionamento no Brasil

A palavra Propriedade vem do Latim, Propietas, tatis, significando a qualidade

do que é próprio. Pertença ou direito legítimo. Juridicamente falando, é o direito de

usar, gozar e dispor de bens, e de reavê-los do poder de quem quer que

injustamente os possua. Bens sobre os quais se exerce este direito. (FERREIRA

1988).

O termo “propriedade” deriva do adjetivo latino “proprius” e significa: “que é de

um indivíduo específico ou de um objeto específico (nesse caso, equivale a: típico

daquele objeto a ele pertencente), sendo apenas seu“. “O conceito que daí emerge é

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o de “objeto que pertence a alguém de modo exclusivo, logo seguido da implicação

jurídica: “direito de possuir alguma coisa”, ou seja,“ de dispor de alguma coisa de

modo pleno, sem limites”. (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1986).

A propriedade é, assim, a relação fundamental do direito das coisas,

abrangendo todas as categorias dos direitos reais. É a plenitude do direito das

coisas.

Para Pessoa (1982), a propriedade imóvel é uma forma de riqueza. Ela é um

fator essencial de produção, permanece fixa e pode ser dito que nunca será

totalmente destruída, exceto, talvez, por inundação. Foi no sentido de riqueza ou de

patrimônio, e não era de exploração econômica, que se pensou inicialmente na

propriedade.

A noção de propriedade foi evoluindo para a amplitude, extensão ou

profundidade dos direitos do proprietário em relação à comunidade. A idéia inicial

visava assegurar a um indivíduo o direito exclusivo sobre uma determinada área e

destiná-la ao fim ou ao uso que lhe aprouvesse. Apesar da lei não conceder a

ninguém o direito de propriedade nem a exclusividade sobre o ar que respiramos ou

a água que bebemos, admite esta exclusividade sobre o solo urbano.

A evolução do conceito de propriedade, no mundo ocidental, tem uma

progressiva mais prudente e vagarosa redefinição. As medidas legais e os institutos

jurídicos com o objetivo de modernizar conceitos fundiários ou de dar utilização às

terras no Brasil, foram destinados ao equacionamento da questão agrária, o que se

explica pelo padrão de economia que o colonizador desejava para o País e o

sistema rudimentar de seu desenvolvimento.

As origens e os primeiros aspectos do regime de Terras do Brasil encontram

suas raízes nas capitanias hereditárias, no século XVI, logo após a sua descoberta.

Das capitanias e sesmarias surgiram as fazendas agropastoris e os engenhos de

cana-de-açúcar.

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Portugal implantou o regime das capitanias hereditárias e das sesmarias para

colonizar o Brasil devido à grande extensão de terras e invasões por outros povos.

Do regime jurídico das sesmarias ramificou-se a nossa propriedade imóvel.

Entrelaça-se, em suas origens, o regime jurídico das sesmarias com o das terras

comunais do município medievo, desfrutadas uti singüli permunícipes, ou seja, com

o regime jurídico dos assim chamados communalia.

De acordo com Medeiros (1998, p264):

“A titulo de esclarecimento o termo ‘sesmaria’ vem da palavra

sesma, a sexta parte de algo e para grande parte dos

estudiosos significa a concessão de terras mediante o

pagamento do foro, a sexta parte dos frutos.”

No Brasil, este instituto provocou o surgimento dos latifúndios. As terras, no

Brasil, foram doadas aquele com excelentes condições financeiras para o plantio da

cana-de-açúcar.

O sistema das sesmarias predominou em todo o período colonial (1530 a

1822), e nele o sesmeiro tinha apenas a posse da terra e não o domínio; mas, com o

poder de que desfrutavam, exerciam a exploração total das terras que lhes eram

destinadas, dominando tanto escravos, índios e negros, como os que trabalhavam

para ele como meeiros ou empregados. Havia, também, sem situação jurídica

regulamentada, em grandes áreas distantes dos centros governamentais, grupos de

migrantes que, não dispondo de títulos de posse, se estabeleciam em terras que

conquistavam, vivendo à margem da administração colonial. Foi reconhecendo a

importância destes grupos que José Bonifácio, antes da Independência, fez extinguir

o sistema de sesmarias, substituindo-o pelo “direito de posse”. (PORTO, 1980)

Do ponto de vista formal, o “direito de posse” foi uma evolução sobre o

sistema das sesmarias; ele abria a exploração da terra a pessoas que haviam

conquistado sem dependerem das relações com as autoridades, mas a forma de

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reconhecimento dificultaria a execução da lei. Esta intervenção do Patriarca da

Independência pode ser apontada como uma primeira tentativa, frustrada, de

democratizar o acesso à propriedade e à posse da terra.

O sistema do direito de posse vigoraria até os meados do século XIX, ou seja,

até a edição da Lei de Terras (Lei nº 601, de 1850), quando foi aprovada a lei de

acesso à propriedade pelo sistema de compra e venda. Esta lei resultara de uma

reação dos proprietários de terra que temiam ter dificuldades em reter os

trabalhadores em suas propriedades quando fosse abolida a escravidão.

O Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964), promulgado

alguns meses após o golpe de estado conservador, representou um documento

jurídico de grande importância e, ao mesmo tempo, uma providência para conter o

movimento vindo da base em favor de modificações na estrutura fundiária.

Essas formas de direito - de propriedade e de posse - convivem em nossa

legislação brasileira. E a história brasileira é uma luta permanente dos excluídos do

acesso à terra pela obtenção de direitos ligados à possibilidade de sua exploração.

A promulgação da Lei de Terras em 1850 e o seu regulamento, de 1854,

consolidaram legalmente a propriedade fundiária privada, formaram um mercado

capitalista de terras e permitiram o surgimento de inúmeros latifúndios privados

porque não havia mais a restrição, imposta para as sesmarias, de tamanho de área.

As doações foram proibidas e as terras devolutas, vendidas. Desta forma,

quando o solo se tornou uma mercadoria, modificaram-se o uso, o desenho e a

estética do espaço urbano (FRIDMAN, 1995). A partir de então surgiram os

loteamentos de grandes parcelas de terras, tanto na cidade quanto nos subúrbios.

Surgem novos agentes e novos vetores de expansão na cena urbana e se redefiniu

o papel do Estado.

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A primeira Constituição Republicana de 1892 conferiu aos Estados o domínio

das terras devolutas. Houve posteriormente muita discussão porque os Estados

compreendiam que as “terras de marinha” eram devolutas. A lei de 24-11-1892

concedeu a remissão dos foros aos foreiros e a instrução de 26.7.1893 regulou o

preço da remissão e permitiu a transformação dos arrendatários em foreiros. Foram,

por esta lei, revalidados os contratos de aforamentos concedidos após 1830.

Nas últimas quatro décadas, e em razão dos fluxos migratórios para as

cidades, surge a preocupação com o equacionamento da questão urbana. O direito

agrário encontra-se institucionalizado. Teve equacionamento moderno e recente,

sendo ao mesmo, aplicadas regras de natureza tributária e administrativa que o

compatibilizam, ao menos em parte, com as necessidades sociais. O Direito urbano,

contudo, é ainda embrionário, demandando definições de natureza constitucional

que sequer ocorreram e não possui existência autonomia.

O direito de propriedade até hoje ainda se encontra no âmbito do Direito Civil,

sendo considerado como direito real fundamental, apesar de ser vinculado a uma

função social, expressa na Constituição Federal vigente, isto é, o Direito Civil não

disciplina a propriedade, mas regula as relações civis, estabelecendo as faculdades

de usar, gozar e dispor dos bens, na melhor forma que lhe aprouver. O que nem

sempre é coerente com a função social da propriedade. Como estabelece o Código

Civil Brasileiro (1916).

“Juridicamente, a propriedade é o poder assegurado pelo grupo

social à utilização dos bens da vida psíquica e moral”.

E como afirma Ortolan (apud NAUFEL, 1989, p. 764).

“É o poder de ocupar a coisa, de dela retirar todos os proveitos,

todos os produtos, periódicos ou não, todos os acréscimos, poder de

modificá-la, de dividi-la, de aliená-la, de destruí-la, mesmo salvo as

restrições legais; enfim, de reivindicá-la das mãos de terceiros

(seqüela)” .

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O art. 1.228 § 3º do Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002

define propriedade como o “direito de usar, gozar e dispor da coisa, e de reavê-la do

poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Baseia-se essa

definição no mesmo conceito adotado pelos antigos romanos: “domínium est jus

utendi, fruendi et abutendi re sua, quatenus juris ratio patitur”.

O direito de propriedade está inserido no direito civil brasileiro, considerado

como direito real fundamental, estando expressamente vinculado a uma função

social, o que está previsto na Constituição Federal vigente, que garante o direito de

propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública,

ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.

A propriedade é o direito complexo, absoluto ou quase absoluto, perpétuo e

exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, sob as

limitações da lei. Pode ser plena ou limitada, como pode ser também resolúvel, se

sujeita a uma condição ou termo resolutivo. Regulam a propriedade a Constituição

Federal e o Código Civil. Outras leis a ela se referem. Modos de aquisição da

propriedade imobiliária, no sistema brasileiro, são a transcrição do título no Registro

Geral de Imóveis, a acessão natural e a industrial, o usucapião ordinário, o

extraordinário e o especial previsto na Constituição e nas leis além do endosso de

título no Registro Torrens, de pouco uso no Brasil.

Um dos grandes avanços trazidos pela Constituição Federal de 1988 é que a

propriedade urbana cumpra a sua função social quando atender às exigências

fundamentais de ordenação expressas no plano diretor. Assim sendo, a função

social da propriedade ainda se encontra sem regulamentação.

Baseada no principio da Função social da propriedade, surge, a partir da

década de 70, uma discussão aberta sobre a redefinição do direito de propriedade e

sobre a prevalência do direito â habitação. Uma discussão que circunda uma base

fundamental da organização da sociedade, o que reforça a importância de se

estudar a questão que suscitou tal discussão e de recuperar seu trajeto.

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No contexto da cidade do Recife, alguns avanços foram alcançados nesse

sentido. A lei do PREZEIS, por exemplo, que regulamentou as áreas pobres

Institucionalizadas como Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS, é respaldado

no reconhecimento da previdência do direito à moradia, ou o direito de quem utilizou

o solo. Entretanto, este fato se opõe com o direito mais tradicional tutelado pelo

Estado que é direito de propriedade, que constitui o contraste jurídico.

A função social da propriedade foi contemplada na Constituição Federal de

1965, entretanto, somente a atual, promulgada em 1988 é que explicitou: no caso da

propriedade, “reavê-la de quem injustamente a possua”. Por outro lado, a pré-falada

Carta Magna estabelece que “a propriedade urbana cumpre sua função social

quando atende às exigências fundamentais de ordenação expressas no plano

diretor;” o que na prática, ainda não se observa.

Vale salientar que a função social da propriedade ainda permanece sem

regulamentação, quando deveríamos fazer uso do conceito: a função social da

propriedade se constitui em um equilíbrio entre o interesse privado e o interesse

público, isto é, que o interesse coletivo se superponha ao interesse individual.

A função social da propriedade - expressão que denomina o princípio pelo

qual o interesse público deve ter preferência sobre a propriedade privada, embora

sem eliminá-la - respalda a ação intervencionista do Estado na esfera individual, a

fim de concretizar uma visão social de bem comum. Os institutos mais expressivos

do princípio em epígrafe são a desapropriação da propriedade privada (CF, Art. 5º,

XXIV) e a requisição desta (CF, Art. 5º, XXV).

1.3.2 Regularização Fundiária: Conceito e Políticas

O termo fundiário vem do latim fundus, é utilizado como adjetivo relativo a

terrenos. Sendo comumente empregado, a regularização fundiária, como “processo

destinado a tornar terrenos regulares para o cumprimento de determinado fim”.

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(BARROS, 1998, p. 68). Porém o conceito de regularização fundiária tornou-se mais

abrangente, entendido por Alfonsin (2002) como:

“processo conduzido em parceria pelo Poder Público e população

beneficiária, envolvendo as dimensões jurídica, física e social de

uma intervenção que prioritariamente objetiva legalizar a

permanência de moradores de áreas urbanas ocupadas

irregularmente para fins de moradia e acessoriamente promove

melhorias no ambiente urbano e na qualidade de vida do

assentamento bem como incentiva o pleno exercício da cidadania

pela comunidade - sujeito do projeto”.

Segundo Alfonsin (2002), as políticas de regularização fundiárias derivadas

das propostas da reforma urbana e introduzidas entre nós por permissão expressa

da Constituição Federal de 1988 estão de fato, em processo de implantação no

Brasil, se inserem em uma história da política urbana e habitacional brasileira como

uma radical novidade e o Estatuto da Cidade vêm para lhes dar novo fôlego,

desacreditadas que já estavam em um quadro em que era quase impossível

trabalhar juridicamente para dar-lhes eficácia.

A legalidade/ilegalidade está presente na formação do estado e do território

brasileiro, principalmente nas cidades.

Em relação aos avanços da regularização fundiária, podemos destacar: como

um novo paradigma para lidar com o direito de propriedade; um modelo de gestão

urbana democrática e sustentável: a regulamentação da concessão de uso especial

para fins de moradia; a possibilidade de regularização fundiária COLETIVA de

terrenos tanto privada quanto públicos (ALFONSIN, 2002).

Segundo Fernandes (2002), o termo regularização tem sido usado com

sentidos diferentes, referindo-se em muitos casos tão somente aos programas de

urbanização das áreas informais, principalmente através da implementação de infra-

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estrutura urbana e prestação de serviços públicos. Em outros casos, o termo tem

sido usado para se referir exclusivamente às políticas de legalização fundiária das

áreas e dos lotes ocupados informalmente. As experiências mais compreensivas

combinam essas duas dimensões: a jurídica e a urbanística. São ainda poucos os

programas que têm se proposto a promover a regularização de construções

informais.

Entretanto, a falta de compreensão da natureza e da dinâmica do processo

de informalidade urbana tem levado a todo tipo de problema. Com freqüência, os

programas de regularização acabam por reproduzir a informabilidade urbana em vez

de promover a integração sócio espacial. Por outro lado, a regularização fundiária só

é efetivamente demandada pela população quando existe ameaça de expulsão.

Passada a ameaça a demanda maior é por urbanização e por melhores condições

de habitabilidade.

Os programas de regularização objetivam a integração dos assentamentos

informais ao conjunto da cidade, e não apenas o reconhecimento da segurança

individual da posse para os ocupantes.

Diante do exposto, é relevante conceituar Regularização Fundiária numa

dimensão mais ampla, em vez de admitir o entendimento meramente jurídico de

regularização. Assim sendo, consideramos que a regularização fundiária é uma

intervenção que abrange um trabalho jurídico, urbanístico, físico, social, sob pena de

que faltando uma destas dimensões o processo fatalmente será interrompido e

fragmentado.

Como podemos deduzir, há uma implicação ética ao se garantir a titulação de

um lote, pois muitas vezes a forma como a área foi ocupada consagra injustiças.

Entretanto, caso o Poder Público não proceda a concessão da titulação dos lotes em

nome dos moradores, corre o risco de haver despejos e/ou desperdício de dinheiro

público.

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O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, em seu artigo 2º,

inciso XIV, a regularização fundiária é estabelecida como uma das diretrizes da

política urbana, que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade e da propriedade urbana.

As áreas não edificadas, sub-utilizadas ou não utilizadas podem ser

delimitadas como áreas urbanas para fins de regularização fundiária. Com base

nesta norma, o Plano Diretor pode delimitar áreas urbanas destinadas à

regularização fundiária, onde poderão ser aplicados os instrumentos destinados a

garantir que a propriedade urbana atenda a sua função social previstos no § 4º do

artigo 182 da Constituição Federal vigente.

O instrumento das Zonas Especiais de Interesse Social está previsto como

um dos instrumentos de regularização fundiária na alínea “f”, do inciso V do artigo 4º

do Estatuto da Cidade. Foi pioneiramente instituído no recife, na Lei Municipal de

Uso e Ocupação do Solo, em 1983, que formalizou como Zonas Especiais de

Interesse Social - ZEIS, 27 áreas pobres da cidade - a maioria em processo de

conflito e luta pela posse da terra - inclusive as “Terras de Ninguém”, nos morros de

Casa Amarela.

As Zonas Especiais de Interesse Social são destinadas primordialmente à

produção e manutenção de habitação de interesse social. Essas zonas especiais

visam incorporar os espaços urbanos da cidade clandestina — favelas,

assentamentos urbanos populares, loteamentos irregulares e habitações coletivas

(cortiços) — à cidade legal. Por este instrumento fica reconhecido, pela ordem

jurídica da cidade, que para atender à sua função social as áreas ocupadas pela

comunidade de baixa renda devem ser utilizadas para fins de habitação de interesse

social.

A aquisição das áreas ou a sua regularização através de títulos de

propriedade ou posse apresenta-se consequentemente como uma perspectiva

amplamente presente para os moradores de locais onde se estabelecem situações

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de conflito, comparecendo como a forma mais imediata de garantir a permanência

no local e de fazer face às pressões para sua expulsão.

1.3.3 Instrumentos de Regularização Fundiária

O Estatuto da Cidade, aprovado como Lei nº 10.257, em 10 de julho de 2001,

oferece aos municípios uma série de instrumentos que podem intervir no mercado

de terras e no processo da exclusão social, garantindo o cumprimento integral da

função da cidade e da propriedade urbana. Alguns desses instrumentos já se

encontravam constantes de legislação anteriores, sendo aplicado por diversos

municípios.

Um avanço fundamental propiciado pelo Estatuto é a previsão de normas

para a regularização fundiária, onde as irregularidades jurídicas são um dos maiores

entraves a universalização do direito à cidade. Ao mesmo tempo, o Estatuto incluiu a

regularização fundiária na agenda obrigatória da política urbana e habitacional das

cidades.

Segundo Rolnik (2002) ainda que incorporam a avaliação dos efeitos da

legislação urbanística sobre o mercado de terras, propiciando ao município uma

maior capacidade de intervir e não apenas normatizar e fiscalizar ─ no uso, na

ocupação e na rentabilidade das terras urbanas, realizando, assim, a função social

da cidade e da propriedade.

Esses instrumentos, se bem aplicados, podem promover uma verdadeira

reforma urbana, estruturando uma política fundiária municipal que garanta a

destinação do território do município para moradia e atividades econômicas da

população de baixa renda, e evitando dessa forma a proliferação de assentamentos

irregulares o objetivo desses instrumentos é induzir a ocupação de áreas já dotadas

de infra-estrutura e equipamentos, mais aptos para urbanizar ou povoar, evitando

pressão de expansão horizontal na direção de áreas não servidas de infra-estrutura

ou frágeis do ponto de vista ambiental.

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Entre os instrumentos de atuações urbanísticas destinadas a promover a

regularização fundiária, está o instituto da Concessão do Direito Real de Uso, criado

em l967 e escassamente utilizado até agora. Evidencia-se a importância da maior

utilização desse meio de ocupação do solo para o assentamento de populações de

baixa renda.

A Concessão de Direito Real do Uso – CDRU, é um instrumento instituído em

nível nacional pelo Decreto – Lei nº 271/67, que permite ao Poder Público legalizar

espaços públicos utilizados para fins residenciais. Em alguns estados a CDRU é

também regulamentada por meio das Constituições Estaduais, leis orgânicas ou

legislações especificas, na maioria, anteriores ao Estatuto da Cidade.

Trata-se de um direito real devido à relação estabelecida entre o imóvel

(terreno, casa, prédio) e a pessoa que o possui e utiliza para satisfazer suas

necessidades de moradia. O direito real permite o uso de ações pra defender a

posse ou a propriedade contra qualquer pessoa que viole ou prejudique o direito de

possuir, utilizar e dispor do imóvel.

A CDRU dispõe também, sobre loteamento urbano e concessão do espaço

aéreo. Segundo Meirelles (1980), a CDRU é o contrato através do qual o Poder

Público transfere a utilização remunerada ou gratuita de terreno público ou particular,

como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização,

edificação, cultivo ou qualquer outra exploração social. Pode ser definida como um

direito real resolúvel, aplicável a terrenos públicos ou particulares, de caráter gratuito

ou oneroso, para fins de urbanização, industrialização, edificação, cultivo de terra ou

outra utilização de interesse social.

Este direito poderá ser constituído através de instrumento público ou

particular, a ser celebrado entre concedente (proprietário) e concessionário

(posseiro). Ou ainda, como reza o Decreto – lei 271/67, através de simples termo

administrativo, sendo inscrito e cancelado em livro especial (art. 7º § 1º).

Anteriormente, discutia-se a possibilidade e até a necessidade do registro deste

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direito no Cartório de Registro de Imóvel. Face à sua redação, a constituição de

direito real de uso pela CDRU foi objeto de divergência entre aplicadores do direito.

A questão central residia na dúvida quanto à necessidade de registro cartorário da

CDRU. Verificada a necessidade de registro, caberia ser definido, então, qual o “livro

especial” para sua inscrição e cancelamento, mencionado no Decreto - Lei. Hoje,

estão superadas essas dúvidas.

O Estatuto da Cidade prevê também, a regularização fundiária através da

Usucapião (inclusive coletivo) para regularizar posses em terrenos privados, e a

Concessão do Direito Real de Uso Especial para fins de moradia, destinados a

imóveis públicos ocupados por posseiros.

A usucapião urbano, de acordo com o artigo 183 da Constituição Brasileira, é

o instituto que tem a finalidade de reconhecer o direito de propriedade urbana, das

pessoas que possuírem como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros

quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-o para sua

moradia ou de sua família.

A usucapião especial de imóvel urbano apesar de constituir-se em dispositivo

auto-aplicável da Constituição Federal, o artigo 10, do Estatuto da Cidade veio

ampliar a possibilidade de iniciativa para a usucapião coletiva, o que pode facilitar a

regularização fundiária de áreas urbanas de difícil individualização como as favelas.

A desapropriação, por sua vez, é uma forma excepcional de aquisição da

propriedade privada pelo Poder Público, sujeita a estritos requisitos e condições

constitucionais e legais. A desapropriação pode ser aplicada, em casos de

necessidade, de utilidade pública, ou de interesse social, como é o caso da

regularização fundiária. (SAULE JR., 2002).

Com base na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade, o Poder Público

Municipal pode aplicar a desapropriação para fins de reforma urbana nos casos em

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que o imóvel não estiver cumprindo sua função social, ou seja, quando não atender

às exigências fundamentais da ordenação da cidade, expressa no Plano Diretor.

O instrumento deve ser utilizado com muita cautela pelos graves ônus

financeiro que usualmente acarreta para o Poder Público. A incidência de juros

moratórios e compensatórios, cumuláveis, e o valor elevado atribuído ao imóvel,

frequentemente tornam os custo insuportáveis para a Administração Pública

podendo, inclusive, gerar a responsabilidade do Prefeito. A Lei de Responsabilidade

Fiscal estabeleceu ser nulo o ato de desapropriação de imóvel urbano sem prévia e

justa indenização em dinheiro ou prévio depósito judicial do valor da indenização.

Com base na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade, o Poder Público

Municipal pode aplicar a desapropriação para fins de reforma urbana nos casos em

que o imóvel não estiver cumprido sua função social. (SAULE JR., 2002)

No Código Civil Brasileiro Lei nº 10.406, aprovado em 10 de janeiro de 2002,

a desapropriação está prevista nos Art. 1.275, V, 1.228, § 3º, e 2.030; bem como o

direito de propriedade deve ser exercido, conforme o Art. 1.228, § 1º; encontra-se o

direito real no Art. 1.225, I; o direito do proprietário está previsto no Art. 1.228; por

outro lado, o usucapião Art. 1.238 a 1.244.

Na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade de 2001, a

desapropriação por interesse social nas áreas urbanas vem atrelada a mais dois

instrumentos seqüenciados e anteriores: a parcelamento ou utilização compulsória e

o Imposto Predial e Territorial urbano progressivo no tempo. No caso, a

desapropriação pode ser efetivada mediante pagamento da divida pública.

Os fundamentos da regularização fundiária, através de seus instrumentos,

têm por objetivo legalizar a permanência de populações moradoras de áreas

urbanas ocupadas em desconformidade com a lei, significando a integração dessas

populações ao espaço urbano formal, e o resgate de sua cidadania. Contudo, a

titularidade definitiva das áreas ocupadas por assentamentos informais, para seus

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verdadeiros moradores, vem esbarrando em processos judiciais intermináveis e

enormes dificuldades de registro junto aos cartórios.

No caso do Recife, desde a década de 80, vem sendo aplicando, de forma

associada, instrumentos jurídicos de regularização fundiária, estabelecendo uma

ponte entre procedimentos de regularização urbanística e fundiária, através do Plano

de Regularização de Zonas Especiais de Interesse social, o PREZEIS. Mesmo

instituídos no âmbito municipal, as ZEIS, se constituem numa referência para o

processo de regularização fundiária assumida por outras instancias governamentais

como é o caso do governo do Estado, através da COHAB-PE.

Alinhados com os princípios do PREZEIS, os processos de regularização

fundiária empreendido pelas instâncias municipais e estadual, tiveram como objetivo

a conjugação da regularidade urbanística e fundiária, bem como a inibição da ação

de especuladores imobiliários e a permanência da população original. Como

principal destaque, se assinala a resistência da população ao instrumento CDRU,

priorizado pelo governo municipal, que se contrapõe à uma preferência manifesta

pelo titulo de propriedade plena, largamente aplicada pela instancia estadual,

através da COHAB-PE, inclusive nas “Terras de Ninguém”, objeto central deste

trabalho.

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2. “TERRAS DE NINGUÉM”: O Processo de Ocupação

Este capítulo procura analisar como se processou a ocupação das áreas

pobres do Recife e mais especificamente das “Terras de Ninguém”. Aborda, nessa

análise da formação e expansão urbana, como a propriedade fundiária rural, em

função da qual o Recife foi criado, transformou-se em propriedade fundiária urbana;

e, no caso especifico das “Terras de Ninguém”, como o antigo engenho São

Pantaleão do Monteiro tornou-se a maior área de morro da cidade, ocupada por

população pobre.

2.1 AS CONDIÇÕES DE OCUPAÇÃO DAS ÁREAS POBRES DO RECIFE

Este item apresenta o processo da expansão do Recife, destacando a

apropriação desigual do solo urbano pelas classes mais abastadas e pelas classes

mais obras, o que originou os grandes conflitos pela terra urbana.

Os conflitos fundiários da ocupação informal do Recife remotam ao início do

século XX, e se ampliam no final dos anos 30, ocasião em que o governo estadual -

à frente o interventor Agamenon Magalhães - começou a intervir de forma mais clara

nos padrões de uso do solo e das áreas a serem urbanizadas. Foi criada, então, a

“Liga Social Contra o Mocambo” financiada pelo Governo do Estado e contando com

contribuições de empresas e entidades classistas. A partir de então, ocorreu o

combate ao mocambo realizado pela mencionada “Liga”, objetivando a

implementação da política de erradicação dos mocambos, “a fim de transformar os

165 mil habitantes dos mocambos em pequenos proprietários, em pequenos

burgueses, segundo as palavras do próprio interventor”. (PANDOLFI, 1984, p. 64).

2.1.1 O Processo de Expansão do Recife

O Recife surgiu como um pequeno núcleo de pescadores que se

estabeleceram na zona peninsular (hoje ilha do Recife), na foz dos rios Capibaribe e

Beberibe, por volta de 1537. Inicialmente ligado a Olinda pela sua função de porto

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da vila sede da Capitania, Recife cresce em tamanho e importância; sua história

então relaciona-se com as alternâncias de comando político – administrativo, ora em

Olinda, ora em Recife, até que este se firma incontestavelmente como centro político

e econômico da região.

A colonização de Pernambuco teve como base econômica a monocultura da

cana de açúcar, e a formação do Recife – cidade situada entre o oceano, os rios e

os alagados – está vinculada à exportação do açúcar. Já na sua fundação, em 1537,

o Recife abriga engenhos de açúcar, originando grandes “latifúndios urbanos”.

Da vila de pescadores, surgida em 1537, originou-se o bairro do Recife. Os

bairros de Santo Antônio e da Boa Vista surgiram somente no século XVII e o

restante da cidade era chamado, até o início do século passado, de arredores.

Segundo Freyre (apud COSTA, 2001), o Recife é uma cidade de formação

notadamente rurbana, visto a sua condição de porto exportador do açúcar produzido

pelos engenhos que, a partir do século XVI, surgiram ao longo da Várzea do

Capibaribe. Muitos desses engenhos deram origem aos bairros atuais: Apipucos,

Madalena, Cordeiro, Torre, Engenho do Meio, São João da Várzea, Dois Irmãos,

Beberibe, Jiquiá, Casa Forte, São Paulo, Curado, Santo Antonio, São Braz, São

Sebastião, São Cosme e Damião, entre esses, o Engenho São Pantaleão do

Monteiro. (COSTA, 2001). Parte desse engenho São Pantaleão do Monteiro

transformou-se, no final da década de 70, nas “Terras de Ninguém”.

Portanto, nos arredores do Recife, os holandeses já encontraram dezenas de

engenhos de açúcar, todos ligados à Olinda. Todos esses engenhos foram sendo

incorporados no processo de expansão da cidade e deram origem aos atuais bairros

— subúrbios, alguns dos quais ainda conservam o nome do seu engenho. (BALTAR,

1951).

A colonização do Brasil iniciada pelos portugueses despertou em meados do

século XVI, o interesse pelo cultivo da cana-de-açúcar, o que ocasionou o primeiro

grande ciclo econômico do Brasil, desenvolvido na região Nordeste e tendo o Recife

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como o principal núcleo portuário de exportação do produto. Essa economia que

deteve o monopólio internacional do século XVII, foi deprimida no século XVIII, pela

concorrência antilhana, vindo se recuperar só no século seguinte, já num quadro de

forte concorrência com a produção cubana e o açúcar de beterraba. (SOUZA et al,

1984).

Apesar de um período de relativa estagnação na produção açucareira, não se

assistiu a uma involução do desenvolvimento do mercado externo nordestino. Na

verdade, houve um surto algodoeiro, a partir do momento em que os EUA,

envolvidos com a guerra da Independência, deram lugar ao Brasil enquanto

fornecedor de algodão no mercado inglês, passando então o Recife a constituir-se o

segundo porto algodoeiro do País.

Com a abolição da escravatura houve um período de transição dessa

economia colonial, baseada no trabalho escravo, para um sistema produtivo fundado

num regime de trabalho livre. A despeito de o sistema econômico do período pós –

abolição haver se caracterizado pela exportação de produtos agrícolas, tanto o

conteúdo como a forma do processo de acumulação capitalista mudaram. O

processo contínuo de modernização, começou a transformar os antigos engenhos

em usinas, passando de unidades agrícolas para unidades agroindustriais.

(SINGER, 1977).

Inúmeras inovações tecnológicas foram realizadas - o uso do bagaço como

combustível, a substituição de tambores de moenda e a introdução de moendas a

vapor - mas o surto algodoeiro, uma opção de menor inversão de capital e a

inexistência de uma política urbana, entendida enquanto forma de intervenção do

Estado nas condições gerais da produção capitalista, apareciam como obstáculo ao

processo de modernização da produção açucareira (MELO, 1982).

O período seguinte à expulsão dos holandeses coincidiu com o início da crise

da economia açucareira do século XVIII. Aguçou-se, em conseqüência, o

desentendimento entre os senhores de engenho e os comerciantes portugueses,

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habitantes do Recife, que comercializavam o açúcar em troca de especiarias

européias e escravos. Resulta dessa disputa a decisão do governo português de

elevar Recife à categoria de Vila (1710) – Vila de Santo Antônio do Recife.

Aproveitando as estreitas faixas de terreno sólido que se estendiam pela

planície, “foram desenvolvendo-se os caminhos de ligação de cada um daqueles

engenhos com o centro da povoação” (BALTAR, 1951, p. 45-46). E os povoados em

que foram transformando-se os engenhos, estenderam-se naturalmente em forma

linear ao longo desses caminhos de ligação. A cidade em expansão ampliou a ilha

de Antônio Vaz, aterrou os alagados de Afogados e da Boa Vista, modificando a

configuração hidrográfica da planície.

Quando se tornou capital da província, em 1825, Recife teve sua área

acrescida do território, antes, pertencentes à Olinda. Compreende então, as

freguesias de São Pedro Gonçalves, Santo Antônio, São José, Boa Vista, Afogados,

Poço da Panela, Graças e Várzea. No meado do século XIX, o Recife apresentava-

se com três tipos de agrupamentos distintos:

• um núcleo central, formado pelos bairros do Recife, Santo Antônio, São

José;

• diversos núcleos suburbanos, constituindo freguesias ou mesmo

povoados;

• os agrupamentos lineares ao longo das vias de acesso e ligação entre

uns e outros.

Na metade do século XIX, o Recife experimentou um rápido crescimento

populacional que quase dobra a sua população, acompanhado por uma expansão

urbana inédita e pela melhoria dos equipamentos de infra-estrutura. Se processa o

desenvolvimento dos transportes urbanos como os bondes de burro (1871) e os

ferros-carris – as “maxambombas” (1876) que vieram permitir o acesso, às zonas

urbanas, inclusive das classes menos favorecidas. As estradas de ferro de

penetração para o interior seguiam antigos caminhos de gado e as vias urbanas

aperfeiçoavam os caminhos de ligação dos antigos engenhos, o trem de carga com

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destino a Limoeiro, por exemplo, que, também, transportava passageiros, seguia

pela Avenida Norte, margeando os morros de Casa Amarela, onde se situa as

“Terras de Ninguém” . A estrutura viária da cidade já se definia, então, em forma de

“leque aberto”. (SOUZA et al, 1984).

Como parte integrante do processo de transformação do habitat natural dos

engenhos em habitat urbano e suburbano, a primeira transformação fundiária urbana

haveria de ocorrer. Assim é que as grandes propriedades canavieiras ou engenhos

foram-se dividindo em propriedades menores ou chácaras denominadas “sítios”.

Estes passaram a desenvolver cultura de subsistência e produção de alimentos em

pequena escala, como é o caso dos famosos sítios nas áreas alagadas, que

desenvolviam a atividade pesqueira em viveiros. (SOUZA et al, 1984).

Um grande marco do século XIX foi o verdadeiro surto de industrialização que

se verificou no país e que guardou íntima vinculação com impulso e a modernização

da produção açucareira. E Recife, pela sua condição portuária, polarizava o espaço

regional a partir do seu sistema de transporte.

As primeiras indústrias a se instalarem na área urbana do Recife foram

aquelas que mantinham uma complementaridade com a produção açucareira —

fundição para reparos de equipamentos, fiação e tecelagem para fabricação de

sacos e vestimentas dos escravos. A renda gerada por essas indústrias e atividades

comerciais de intermediação é que constituíam a base da economia urbana.

No final do século XIX, o Recife, como centro econômico da região, chegou a

ter estabelecida uma pequena Indústria de bens de consumo dirigida à sua área de

influência, chegando a atingir o mercado consumidor do sul do país, que aumentava

consideravelmente. Entretanto, esta industrialização recifense não conseguiu firmar-

se com posição de destaque no cenário nacional, devido a perda de parte do

mercado externo do açúcar e do algodão, ao passo que o café se fortifica, e a

posterior intensificação da economia do Sudeste, confirmou a transferência de

comando entre os centros econômicos nacionais (COSTA, 1982).

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Esta situação reflete-se, sobretudo no urbano e, no caso do Recife, como não

poderia deixar de ser, a cidade apresenta problemas dos mais complexos.

Problemas expressos na própria estrutura social e econômica da população e

problemas que se retratam a nível espacial pelo crescimento vertiginoso e

desordenado do seu sítio.

A implantação das usinas gerou uma decomposição do “complexo rural” da

região. Com a abolição da escravatura e a proletarização de grande parte dos

trabalhadores do campo, a cidade intensificou o seu crescimento demográfico em

função do grande contingente migratório que afluiu para o seu espaço urbano, o que

explica a terceirização que passou a caracterizar esse crescimento na base de um

setor informal.

Embora não tenha acompanhado a industrialização e o seu crescimento

tenha sido provocado por fatores externos à economia da cidade, Recife chega a

ocupar o 3º lugar em número de habitantes, entre as cidades brasileiras, na primeira

metade do século XX. No entanto, segundo dados do Censo dos Mocambos de

1939, 50% dessa população habitavam mocambos e apresentava uma proporção de

um terço de desempregados.

O desemprego e a falta de moradia passaram a constituir-se o principal

problema da população pobre do Recife, passando a refletir no espaço urbano os

primeiros traços de segregação de uma população marginalizada.

Os negócios imobiliários, inclusive os especulativos, foram crescendo em

volume dentro da área urbana e a fonte de renda proporcionada pela terra urbana foi

tornando-se atrativos para os investidores da área rural. Assim é que, muitos dos

investimentos que passaram a se processar no setor imobiliário, eram provenientes

dos lucros que os capitalistas ou proprietários fundiários rurais extraíam da

agricultura.

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Os antigos sítios dos arredores da cidade, que aos poucos foram sendo micro

- parcelados e incorporados ao recinto urbano, marcou a segunda transformação

fundiária que ocorreu no processo de formação do Recife. (MELO, 1974).

Sob o condicionamento da expansão urbana e em função desse processo,

começou a vigorar, também, uma nova forma de uso do solo, onde os sinais da

segregação no setor habitacional já se tornavam visível ao tecido da cidade.

A estagnação relativa da agroindústria do açúcar e a crise do algodão foram

fatores mais importantes de impedimento para que a industrialização do Nordeste

tomasse forma nesse período entre as duas Guerras. Com a crise mundial

prolongada até o início da 2ª Guerra Mundial, a economia brasileira se vê

encurralada e, como única saída possível, inicia o processo de substituição de

importações de artigos manufaturados por produtos da indústria nacional nascente.

O desenvolvimento industrial resultante, não se dá em todos os centros urbanos,

beneficiando apenas os centros que possuíam um amplo mercado local e um

sistema de mecanização já iniciado, concorrendo para acentuar o processo de

concentração industrial que terá lugar no País. (SOUZA et al, 1984).

A cidade do Recife em expansão, mantendo a sua estrutura de irradiação, ia

aos poucos conquistando por aterros os terrenos alagados, dando continuidade à

planície. Estes terrenos adquiriram um alto valor imobiliário que permitia o acesso

apenas às classes mais favorecidas, dando por isso origem aos bairros residenciais

da classe média e alta como os bairros do Derby, Espinheiro, etc. Os baixios sujeitos

à inundação das marés mais altas e terrenos acidentados, cujo custo de implantação

de infra-estrutura não viabilizava a especulação, adquiriram baixo valor imobiliário

em relação aos terrenos planos e secos ou facilmente recuperáveis, ficando ao

alcance das classes menos favorecidas. (SOUZA, 2002).

A ocupação das áreas desprezíveis e desvalorizadas por habitações de baixa

renda, foi adquirindo formas peculiares ao longo do seu processo: aqueles que

encontravam empregos nos “viveiros” construíam sua moradia nos mangues — as

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palafitas, mediante o “aluguel do chão” ao proprietário; morros próximos às vias de

penetração da cidade, como os de Casa Amarela, tiveram seus sítios pouco a pouco

micro-parcelados e alugados a terceiros que, mediante o “aluguel do chão”, poderia

construir e ter a “posse” do imóvel; e as “Terras de Marinha” passaram a ser refúgio

daqueles que não tinham acesso à terra urbana. (SOUZA et al, 1984).

No período de 1920 a 1940, o Recife registrou um crescimento populacional

da ordem de 46%, o que veio acirrar as contradições urbanas, já que esse

crescimento não teve a necessária contrapartida na oferta de bens e serviços

coletivos. O crescimento de nossa cidade, nessa época, não foi resultante direta da

expansão da economia urbana, mas devido a fatores externos à cidade, tais como o

êxodo rural e ainda o proveniente de pequenas cidades. Êxodo esse ocasionado

pelas secas e em parte pela industrialização do açúcar. As usinas, ao irem

substituindo os engenhos bangüês, propiciaram a formação do exército industrial de

reserva. Assim, o Recife recebeu um contingente populacional maior do que o seu

mercado de trabalho poderia absorver. (CEZAR, 1985).

Desse modo, tal crescimento populacional do Recife não se deveu aos “seus

atrativos”, suas “maiores possibilidades de trabalho no comércio, na indústria e nos

prazeres. Consequentemente, oferecendo melhores salários” como afirmava

Bezerra. (1965, p. 33). Em 1940, apenas 6% da população ativa desta cidade eram

empregados na indústria e nem mesmo o setor de serviços apresentava um bom

desempenho estrutural. No mínimo 1/6 da população recifense, em 1940, eram

desempregados disfarçados ou não.

Na década de 40, o Poder Público estadual, através da Liga Social Contra o

Mocambo, e com o apoio de iniciativa privada, promoveu, uma campanha cuja

perspectiva era livrar o Recife da paisagem desagradável dos mocambos nas zonas

centrais. Isto provocou, por um lado, a recuperação da maioria dos terrenos

alagados do centro da cidade e, por outro, a transferência compulsória de grandes

contingentes da população para a periferia do Recife em morros e córregos que

circundavam a planície da cidade. Desses morros, os de Casa Amarela — Alto

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Santa Izabel, Alto da Esperança, Alto da Conceição, Alto José do Pinho, etc., foram

os primeiros a serem densamente ocupados. A via férrea que os margeava,

correspondente hoje à Avenida Norte, apesar de ser linha de um trem de carga com

destino a Limoeiro, supria o subúrbio com um transporte de passageiros, o que

conferia aos morros de Casa Amarela uma vantagem sobre os demais morros

periféricos. (SOUZA et al, 1984).

A expulsão do homem do campo para a cidade acelerou o aumento da

população urbana, o que também acarretou a ocupação dos morros e outras áreas

periféricas, haja vista, não haver alternativas para aqueles que aqui chegavam

ávidos de encontrarem condições de sobrevivência.

É nesse contexto que se dá a ocupação das “Terras de Ninguém”, em Casa

Amarela, que se intensificou a partir de 1940. Os ocupantes dessas terras haviam

sido, em grande maioria, expulsos das áreas centrais do Recife, por ocasião da

implementação da Política de Erradicação dos Mocambos que fundou a Liga Social

Contra o Mocambo - entidade privada, de “caráter humanitário”, ligada à Secretaria

de Saúde Pública - destinada a promover a extinção dos mocambos e a incentivar a

construção de casas populares “dotadas de condições higiênicas de fácil aquisição”.

Esta instituição se compunha de Secretários de Governo e da maior parte dos

empresários das grandes indústrias, alguns dos quais eram, também, grandes

proprietários urbanos. Através de uma campanha publicitária o Governo de

Agamenon Magalhães divulgou à população o plano a ser executado, cujas

medidas, entre outras incluíam: a proibição de mocambos na Cidade e a interdição

pela Saúde Pública de todo mocambo desocupado, intimando seu proprietário a

demoli-lo; a taxação rigorosa dos terrenos onde existissem mocambos; o aterro dos

terrenos alagados. (SOUZA, 2004).

O Decreto Municipal nº 76 de 1938, que proíbe a construção de mocambos

nas zonas urbanas e suburbanas do Recife, foi estabelecido a pedido do interventor

federal de Pernambuco, como parte integrante de sua Política de Erradicação dos

Mocambos. Este decreto indica o descompasso entre legislação e realidade social.

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60

O recenseamento dos mocambos constata, em 1939, a existência de 45.581

mocambos, o que significa 164.637 habitantes que residiam no perímetro urbano do

Recife, representando 63,7% das habitações da Cidade. (Imprensa Oficial, 1939).

O relato das condições de habitação na cidade do Recife, no final da década

de 30, mais precisamente, em 1939, foi realizado pelo do então interventor do

estado de Pernambuco, Agamenon Magalhães. Um Censo sobre os mocambos,

conhecido por “Observações Estatísticas sobre os Mocambos do Recife” se constitui

em fonte de maior relevância, dada à abrangência da pesquisa realizada que

envolve desde os dados referentes à população que habita os mocambos, passando

pelos preços de “aluguel do chão” e indicando a forma de apropriação e

concentração da propriedade territorial urbana. (SOUZA, 2004).

A Comissão Censitária dos Mocambos, responsável pela elaboração do

censo, foi criada pelo decreto nº 182, de 17 de setembro de 1938. O objetivo

expresso no documento era reconhecer as condições de habitabilidade nos

mocambos, tendo em vista a sua solução. Para tanto se fazia necessário investigar a

ocupação da população economicamente ativa, a renda familiar, a renda fundiária, e

a concentração da propriedade. É importante destacar que o cálculo da renda da

terra, bem como os preços do solo no Recife nos proporcionam obter a grandeza

dos dispêndios estatais, em caso de indenização que deveria ser pago aos

proprietários.

No período após Guerra com a penetração do capital monopolista no Brasil,

competiu ao Estado a criação das condições gerais urbanas. Por outro lado, o

capital monopolista criou uma série de novas necessidades, tanto na esfera da

produção propriamente dita, como no consumo, que necessariamente se aglomerou

no urbano. Assim, transportes, infra-estrutura urbana, habitação, equipamentos

urbanos, etc., passaram a ser cada vez mais, componentes fundamentais do

processo de acumulação do capital e de reprodução da força de trabalho. Como tais

empreendimentos exigem grandes somas de investimentos e não são rentáveis a

curto prazo, o Estado foi requisitado para atender a essas necessidades e passou a

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61

atuar nos setores básicos para o aprofundamento do processo industrial. (SOUZA et

al, 1984).

Os movimentos migratórios que acompanharam o processo de

industrialização, desde o seu início, levaram as cidades mais industrializadas a um

processo de metropolização, em que as cidades periféricas passaram a crescer em

taxas mais elevadas que a própria metrópole. Por outro lado, a excessiva oferta de

força de trabalho frente a uma retração geral de mercado agrava os problemas de

moradia e saúde. Esses problemas, à proporção que o desemprego e a queda do

valor do salário aumentam, assumem proporções desmedidas.

A proporção da população urbana que, na década de 30 era de 30% sobre a

população rural foi invertida em 40 anos. As condições criadas para o

desenvolvimento do setor da construção civil, que representava um atrativo para a

mão-de-obra não especializada do campo, responderam, em grande parte,

urbanização acelerada por que o Recife passou nesses últimos anos. Por outro lado,

o Estado, que assumia a competência de todo empreendimento necessário a essa

urbanização, e não rentável à iniciativa privada — como a implantação de infra-

estrutura, por exemplo, — vai levando a especulação que a oferta de imóveis foi

gerando na cidade, cada dia mais, para áreas mais distantes. Mais tarde a política

de urbanização implantada pela SUDENE no Nordeste, adotando o Recife como

pólo industrial da região, concorreu para transformar a relação cidade/campo.

Com a expansão da cidade, a tendência à mudança do tipo do uso do solo é

então comandada pelo seu valor. A propriedade do solo urbano requer a posse de

uma renda monetária para permitir o acesso à terra urbana mas, a economia

capitalista, não assegura esse mínimo de renda a todos. (SINGER, 1982). No

espaço da cidade isso se reflete, a cada dia, na expansão das áreas caracterizadas

por suas condições precárias de urbanização.

Com o golpe militar de 1964 haviam sido afastados os políticos

comprometidos com mudanças e reformas sociais. A ditadura militar, que se instalou

no país desestruturou, proibiu e reprimiu as organizações populares.

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Os governantes entre 1964 e 1978, empreenderam grandes obras, visando

modernizar a Cidade, viabilizando contratos com empresas de cimento, aço, entre

outras cujos recursos, muitas vezes, eram oriundos de empréstimos ao exterior.

Assim, a Cidade ganha os viadutos da Avenida Norte, de Afogados, da Cabanga,

João de Barros, Cinco Pontas e Joana Bezerra. Grandes avenidas são construídas

ou ampliadas como a Avenida Dantas Barreto e a Avenida Agamenon Magalhães.

Com isso, muitas favelas foram removidas e as populações ali residentes foram

jogadas na periferia, cada vez mais distantes. Milhares de moradores das favelas do

Recife foram removidos para os morros do Ibura e de Casa Amarela, longe da

Cidade.

O Governo de Pernambuco, que nas décadas de 70 a 90, interveio no setor

habitacional, de forma mais intensiva como mediador do sistema e agente financeiro

do BNH, não conseguiu acompanhar o déficit de moradias, cada dia mais crescente

na área metropolitana. Seu programa em quinze anos foi ampliado. De simples

promotor de lotes e habitações em conjuntos residenciais construído pela COHAB,

ele passa, também, a recuperar as favelas espontâneas através de seu programa

“PROMORAR”, também implantado pela COHAB.

Atualmente, no espaço urbano do Recife, a estrutura original de irradiação se

mantém inalterada; o tecido urbano já ocupa o recinto da planície quase por

completo e se liga aos tecidos das cidades vizinhas; os arrabaldes já constituem-se

centros secundários e a segregação no seu espaço urbano se dá principalmente no

seu setor residencial. A disparidade entre classes sociais se concretiza na cidade

por zonas geograficamente distintas de áreas residenciais da classe média e alta, de

favelas espontâneas, de conjuntos habitacional COHAB, e de novos bairros

residenciais de alta renda em expansão que invadem a área norte da cidade, onde

os “sítios” não sofreram ainda a segunda transformação fundiária.

A pobreza da moradia dos mocambos nos mostra dois pontos para reflexão: o

primeiro refere-se não à pobreza da moradia em si, mas à pobreza do próprio

morador, o segundo refere-se às formas de ocupação do solo pelos mesmos, onde

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63

na maioria das vezes eram construídos sobre as áreas menos apropriadas para

habitação como lama, mangue, beira de riacho, morros etc.

2.1.2 Os Conflitos Fundiários da Ocupação Informal do Recife

Segundo afirma Souza (2004), momentos da história da cidade do Recife

retratam o fosso existente entre aparato regulatório e o processo excludente de

urbanização, que resulta na ocupação informal e nos conflitos urbanos. Um desses

momentos remete ao final do século XIX e início do século XX, quando já era

expressiva a quantidade de mocambos na cidade, ocupando predominantemente os

mangues e alagados. Em recenseamento realizado no Recife, em 1913, os

mocambos representavam 43,2% das habitações da cidade. Nesta fase, o discurso

higienista, que desde os anos de 1850 condenava as condições de salubridade dos

sobrados, voltava-se para os mocambos da cidade. No primeiro Congresso Médico

em Pernambuco, em 19074, os mocambos do Recife são considerados “uma

ameaça constante à saúde pública” e “um perigo sério para a parte da população

mais favorecida da fortuna”. Em face dessa argumentação, um Secretário de

Estado5 assegura que esses mocambos não poderiam, “a bem da salubridade

pública, permanecer por mais tempo (...) na capital e nos seus subúrbios”.

O Estado, até 1939, não se encontrava diretamente envolvido na questão da

proliferação dos mocambos, que ocupavam, predominantemente, as “Terras de

Marinha” - áreas de propriedade pública. As terras nas mãos dos latifundiários

urbanos não eram consideradas, ainda, como fonte de lucro através da especulação

imobiliária e a ocupação dessas propriedades encontraram pouca resistência.

Para atender as suas necessidades de moradia, as classes menos

favorecidas da população, que possuíam apenas sua força de trabalho, sem outra

opção, procuravam, aos poucos, proceder aterros sobre os alagados nas áreas do

4 Relatório de Dr. José Carlos Torres Coltrim em Chermont, O. casas para Proletários em Annaes do I

Congresso Médico de Pernambuco, Recife, 1907, p. 559 - 603, apud SOUZA, (2004). 5 Idem Relatório op. cit.

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centro, onde estas terras firmes já eram escassas, o que caracterizou o crescimento

da cidade.

Posteriormente, a partir da incorporação dos alagados ao Patrimônio da

União e a regulamentação da cessão aforamento dos terrenos de Marinha, em 1831,

através da Lei Orçamentária de 15 de novembro de 1831, em seu artigo 51, §§ 14 e

15, os posseiros foram obrigados a pagar pela utilização dos terrenos em que

edificaram sua morada àqueles que se apresentassem como “proprietários”. Os

moradores foram sendo ameaçados de expulsão de seus mocambos ora pelo

aumento abusivo dos aluguéis, ora pelo uso de força policial, à medida que os

alagados foram se tornando alvo de interesse da especulação imobiliária, para

realização de grandes empreendimentos. (SOUZA, 2002).

Desta forma a legislação vigente e os conflitos decorrentes de ocupação e de

formalização das terras ocupadas pelos favelados do Recife, denota o desacordo

entre as leis vigentes e a realidade social. Os mocambos em sua maioria se

situavam em terras de mangues e alagados, inserindo-se assim, em “terrenos de

Marinha” - terras de praia, de margem, de beira - mar, de mangue, de maré - os

quais estavam regulamentados em legislação especial (Aviso de 18 de novembro de

1818); Lei Orçamentária de 15 de novembro de 1831 (artigo 51 §§ 14 e 15);

Instruções nº 348, de 14 de novembro de 1832; e decreto nº 4105, de 22 de

fevereiro de 1868 e compondo o quadro fundiário brasileiro, conforme o contido na

Lei Imperial nº 601, de 18 de setembro de 1850 - a Lei de Terras, a qual institui o

estatuto fundamental do regime de terras no país, regulamentando: as terras de

sesmeiros regulares, sesmeiros irregulares e posseiros; as terras devolutas

(devolvidas) e as terras públicas - de domínio público, para uso institucional ou para

uso comum - entre as quais se inseriam as “terras de Marinha”, que passaram a

integrar o patrimônio nacional. (SOUZA, 2004).

Em 1920, havia 240 mil pessoas morando no Recife e até 1940 a Cidade

cresceu lentamente, a uma taxa anual de crescimento em torno de 1.91%. No

entanto nos próximos 20 anos esta taxa seria duas vezes maior que a de 1940.

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(MOURA, 1990, p. 66). Contudo, o Recife não cresceu, portanto, como outras

capitais, pelo aumento da oferta de emprego mais devido à expulsão dos

camponeses pelo latifúndio. Além de não haver moradias também não havia

trabalho para os novos moradores da Cidade, pois a indústria, até 1940, empregava

apenas 6,3% e o comércio 3,0% da população. (BEZERRA, 1965).

No “Recenseamento dos Mocambos do Recife” (1939), foi constatado uma

população estimada em 164.837 pessoas que habitavam nos mocambos,

significando dizer que quase 50% da população da cidade. Os mocambos somavam

45.581 moradias pobres, representando cerca de 2/3 das moradias da cidade.

Desses mocambos, 67,76% eram construídos de taipa e coberto de palha, e apenas

6% eram de taipa com cobertura de telha, o que comprova a extrema pobreza dessa

moradias. (SOUZA, 2002)

Segundo esse Recenseamento dos Mocambos, parte expressiva dessas

habitações, na época, era objeto de “contrato” entre os moradores e o aforante ou

proprietário da terra. Cerca de 76,6% dos mocambos pagavam aluguel, seja do

imóvel em si e do chão (33,8%), seja o “aluguel do chão” (42,8%). Apenas 8,6%

eram próprios e não pagavam nenhum aluguel. Os 15% restantes obedeciam a

outras formas. Podemos destacar que, 76,3% pagavam aluguel pelo direito ao uso

da moradia, quer seja em renda da terra simplesmente ou acrescida de uma taxa de

juros sobre o capital aplicado na edificação. Os 15% restantes estavam isentos de

qualquer pagamento, por serem próprios, ou ainda cedidos gratuitamente. (CEZAR e

COSTA, 1992).

A população pobre expulsa dos mocambos situados nas áreas centrais da

cidade, teve que se alojar em outras áreas. Aproximadamente 20.000 pessoas

emigraram do Recife para outras cidades, estados vizinhos e também para São

Paulo, para onde se promovia “embarques compulsórios”; outras famílias em grande

número, dirigiu-se para os morros de Casa Amarela e outras áreas alagadas da

Cidade. Uma vez aterrados esses alagados e aplanadas as áreas em declive das

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encostas dos morros para a construção de suas moradias, tinha início a luta contra

os proprietários, muitas vezes falsos.

O modo de ocupação predominante da população mais pobre era aterrar o

mangue e ocupar os morros. Naquela época a ocupação desses espaços ainda se

deu de maneira quase pacifica. Os proprietários permitiam e os pobres aterravam,

limpavam e zelavam os terrenos vazios em troca do direito de morar

temporariamente nessas terras. O mercado só tinha começado a despertar para a

ocupação imobiliária e muitos proprietários cobravam dos moradores “aluguel do

chão”.`’E nesse sentido que, parte expressiva das áreas pobres do Recife não se

caracterizavam, no final da década de 70, pela condição de “informalidade” total.

(SOUZA, 2004).

Surgindo sobre os aterros em áreas de maré e em terras de antigos engenhos

de açúcar que, até o final do século XIX, margeavam os mangues da cidade, o

Recife apresenta uma estrutura fundiária caracterizada por grandes extensões de

“Terras de Marinha” e áreas loteadas dos latifúndios originários daqueles engenhos,

o que confere aos conflitos urbanos, que emergem em meados de 70, um aspecto

peculiar.

As áreas pobres situadas em “Terras de Marinha” – Coque, Brasília Teimosa,

Coelhos, etc. - eram fortemente assediadas pelo mercado imobiliário em busca de

espaço para sua realização. Já os assentamentos pobres em propriedades privadas

- “Terras de Ninguém”, entre outros - eram objeto de conflitos entre moradores e

proprietários fundiários.

Sem ter acesso aos programas oficiais e sem terra para construir sua própria

moradia, convivendo numa conjuntura de intensa repressão política que sufocava

qualquer forma de reivindicação, a população pobre não tinha outra saída senão

multiplicar as ocupações informais. Escolhido o local, centenas de mocambos eram

construídos numa só noite. Poucas horas bastavam para o seguimento de uma nova

favela. Em conseqüência aumentaram consideravelmente os conflitos entre

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proprietários e ocupantes. Não demorou muito e a questão da moradia virou caso de

polícia, na década de 70, dezenas de ocupações foram violentamente derrubadas

por força da ação policial. (FALCÃO E SOUZA, 1984).

Nessas ocupações surge uma nova qualidade de luta pela organização dos

ocupantes, decididos a resistir de todas as maneiras contra a expulsão,

transformando as áreas em verdadeiros campos de batalha contra a polícia e o

proprietário da terra. Em tempos de abertura política, a guerra desencadeada contra

pobre sem-teto por parte do Estado ganhou espaço na imprensa, influenciando a

opinião pública e provocando alianças entre invasores e entidades da sociedade

civil, além do apoio por parte da Igreja Católica, progressista naquele tempo.

Em 1977, uma pesquisa da Arquidiocese de Olinda e Recife mostra que

nesse ano, na Região Metropolitana do Recife, 50.000 famílias, mais de 300.000

pessoas, estavam ameaçadas de expulsão. O problema cresceu mais ainda entre

1978 e 1981, quando 80 novas invasões se verificaram, envolvendo outras 250.000

pessoas. (BARROS E SILVA, 1985).

Alguns fatores contribuem para a elevação das taxas de crescimento

populacional e de moradias em áreas pobres. O desenvolvimento do setor da

construção civil, empreendido pela política implantada após 1964, através do

Sistema Financeiro de Habitação – SFH, contribuiu para uma urbanização

acelerada, seja no Recife, seja nos municípios circunvizinhos, desencadeando um

processo de metropolização, a partir dos anos 70, A excessiva oferta de mão de

obra aliada à limitação do mercado de trabalho urbano eleva, por sua vez, o número

de pobres no Recife e nos municípios a ele vizinhos.

A especulação imobiliária decorrente deste processo contribuiu para elevação

dos preços dos terrenos urbanos. A redução e conseqüente valorização dos

espaços disponíveis da cidade do Recife impuseram maiores dificuldades à fixação

residencial nos limites do município, o que levou à emergência, em finais da década

de 70, de sucessivas invasões urbanas com caráter de luta organizada.

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A população pobre da Cidade empurrada pela especulação imobiliária e pelo

gradativo aumento das áreas de terras nobres, para dentro dos mangues e para as

encostas dos morros, sofreu sua tragédia em julho de 1977, quando chuva e cheia

provocaram mais de 60 mortes e desabrigaram mais de 20.000 pessoas, moradores

de favelas e bairros populares.

Em 1993, segundo a pesquisa “Perfil Econômico dos Bairros” realizados pela

Prefeitura da Cidade do Recife, nesta cidade, existiam 526 assentamentos de baixa

renda. Estas favelas ocupavam 15% da área territorial da Cidade, onde se concentra

50% da população, enquanto 40% do espaço urbano esta destinado à especulação

imobiliária, o que provoca “efeitos contraditórios”, quais sejam: a existência de vazios

urbanos e, ao mesmo tempo, a saturação, que provoca a expulsão da população

para a periferia, ou para áreas insalubres ou de risco (alagados, morros, mangues e

canais).

Esse processo de segregação sócio - espacial de parte da população e a

degradação de suas condições de vida é o retrato das cidades brasileiras e o

produto resultante do modelo de desenvolvimento excludente adotado pelo Estado.

A política neo-liberal adotado pelo Estado Brasileiro tem levado a desativação de

programas sociais, agravando cada vez mais as precárias condições das

populações carentes.

O processo de empobrecimento gradativo da população, por sua vez, vai

resultar nos grandes conflitos urbanos pela posse da Terra. O Recife, onde essa

população pobre representa metade de sua população total, reflete no seu espaço a

expressão desse conflito, que hoje, já ultrapassa as fronteiras da cidade.

2.2 O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DAS “TERRAS DE NÍNGUEM”

Este item analisa a ocupação do Engenho São Pantaleão do Monteiro, que

deu origem posteriormente à partir do bairro de Casa Amarela, onde se situam as

“Terras de Ninguém”. As fontes de informações que versam sobre essa ocupação,

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constituem-se de documentos que datam não só da época em que toda aquela área

era uma propriedade rural, mas que registram uma boa parte das transformações

fundiárias por que passou a antiga propriedade.

2.2.1 O Engenho São Pantaleão do Monteiro6

Segundo Galvão (1910, p. 389-429) Dicionário Corográfico e Estatístico, às

folhas 389 e 429: o Engenho São Pantaleão foi um dos primeiros construídos na

“Capitania de Pernambuco” na época Nova Luzitânia. As terras que deu origem a

propriedade, foram cedidas pelos donatários da Capitania, à Pantaleão de Siqueira,

constituindo o que era denominada de “Sesmaria”, a propriedade do engenho se

limitava com o engenho Beberibe, ao norte, o engenho Casa Forte à leste, o

engenho Dois Irmãos à oeste, e o Rio Capibaribe ao sul. (COSTA, 2001).

Este foi depois vendido ao Senhor Manoel Vaz e sua esposa Dona Maria

Rodrigues, que em seguida venderam ao Jorge Camelo e sua mulher Dona Isabel

Cardoso, cuja escritura foi lavrada no dia 05 de dezembro de 1577 na vila de Olinda.

Em 1593, pertencia o Engenho a Fernão Martins Pessoa, casado com Dona

Maria Gonçalves Raposo, no ano de 1606, a Francisco Monteiro Bezerra e sua

mulher Dona Maria Pessoa, filha do referido Fernão Martins Pessoa. É do nome

desse último proprietário que veio a denominação de “Monteiro”, acrescentando ao

nome do engenho que passou a ser engenho Pantaleão de Monteiro, cuja

denominação perdurou, passando à localidade que hoje constitui um próspero bairro

do Recife - bairro do Monteiro.

Passou o referido engenho pelas mãos de outros herdeiros até que com o

falecimento de Dona Maria Helena Pessoa de Melo, estas terras passaram a

pertencer a sua filha Dona Josefa Francisca de Mello Marinho, casada com

Francisco Marinho de Albuquerque Mello, que era conhecido como “seu Chico

6 As informações contidas neste item foram, na maioria, extraídas de documentação fornecida pelos

herdeiros do Engenho São Pantaleão do Monteiro e proprietários das “Terras de Ninguém”

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70

Marinho”, tendo este ficado à frente da administração da propriedade, tornando-a

conhecida como Propriedade Marinho.

Em 1860, foi feito por Francisco Marinho o registro dessa propriedade, vindo o

mesmo a falecer posteriormente em 02 de agosto de 1881 e sua mulher em 30 de

dezembro de 1892. Em 24 de março de 1916, foi reaberto o inventário sendo

nomeado inventariante Alfredo Bartolomeu da Rosa Borges, conforme Carta de

Sentença do Formal de Partilha, homologada em 16 de dezembro de 1916 pelo Dr.

Juiz de Direito Samoel Martins e registrado no Cartório de Imóveis, às fls. 53v - Livro

3AA, nº 9549.

Vale salientar que da descrição dos limites do Engenho São Pantaleão do

Monteiro, feita no ano de 1860, constam nomes e referências que perduram até

hoje, tais como: Estrada do Arraial - Beco do Quiabo, “Assude do Monteiro” e do

nome de Hemetério Veloso da Silveira, provém a designação de “Bomba do

Hemetério”, que é parte do subúrbio do Bartolomeu, em Casa Amarela.

Por ocasião da depressão sofrida

pela indústria açucareira nordestina, os

proprietários do engenho São Pantaleão do

Monteiro, em meados do século XVIII,

abandonaram o fabrico do açúcar. Já no

início do século XIX, o engenho não

safrejava mais. Como ocorreu com todos os

engenhos dos arredores do Recife, a

propriedade teve suas terras divididas em

sítios diversos para plantio e criação de

animais, arrendados a terceiros. Data de meados do século XIX, um documento do

engenho onde se encontra registrado a relação dos arrendatários dos sítios e a

respectiva quantia do arrendamento. A Igreja do Engenho, construída no início do

século XVII (1606) e demolida no início do século XX (1921), representa a fase em

Figura 1. Igreja do Engenho São Pantaleão do Monteiro. Fonte: COSTA (2001, p. 126)

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71

que o engenho desempenha suas funções rurais e, posteriormente, se transforma

em sítios nas bordas da cidade. (Figura 1)

A renda que o proprietário extraía da sua terra, antes originária da atividade

produtiva desenvolvida no engenho, já na primeira transformação fundiária da

propriedade, passa a se constituir uma renda proveniente da monopolização do

acesso à terra pelo proprietário.

Com a abolição da escravatura, a decomposição do “complexo rural” e o

conseqüente crescimento populacional do Recife, acompanhado pelo

desenvolvimento dos serviços de transportes coletivos, os sítios do antigo engenho

São Pantaleão, por suas condições de acessibilidade, foram aos poucos sendo sub-

parcelados e incorporados à função urbana.

O engenho incorporava, no seu acervo, regiões planas e irrigadas por rios,

riachos e açudes, e regiões de topografia bastante acidentada, o que levou a

propriedade, no seu processo de transformação fundiária, a se dividir em zonas de

condições de urbanização bem diferenciada que refletem as condições de seus

ocupantes.

Os sítios localizados nas áreas planas da propriedade tiveram, alguns deles,

seus lotes facilmente alugados ou mesmo vendidos, enquanto outros permaneceram

como sítios durante um período maior, vindo a ser loteados mais recentemente e

ocupado por uma população mais privilegiada. (SOUZA et al, 1984).

As áreas de relevo acidentado remanescentes do antigo engenho São

Pantaleão Monteiro, no entanto, não ofereciam grandes atrativos ao capital

imobiliário que já especulava outros arrabaldes da cidade como Derby, Madalena,

etc. O alto custo de implantação de infra-estrutura urbana e as dificuldades de

ocupação do solo, comparadas às facilidades que as demais áreas planas

disponíveis da cidade ofereciam, atribuíram um baixo valor imobiliário, aqueles

morros que tornaram-se objeto de demanda da população de baixo poder aquisitivo.

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72

Com a expulsão dos mocambos para recuperação dos mangues centrais da

cidade, promovida pela Companhia da Liga Social Contra o Mocambo, na década de

40, acelerou-se a urbanização dos morros do bairro de Casa Amarela, bairro a que o

antigo engenho São Pantaleão do Monteiro deu origem. (SOUZA et al, 1984).

2.2.2 O Aluguel do Chão nas “Terras de Ninguém”: a “Semi-Informalidade

Negociada.

A aceleração no processo de ocupação dos morros de Casa Amarela (ao

norte da Av. Norte) iniciou-se nos anos 40 como resultado da política de erradicação

dos mocambos nas áreas centrais da cidade, promovida pela campanha da Liga

Social Contra o Mocambo, no governo do interventor Agamenon Magalhães. Ao

longo da década de 1950, ocorreu maior concentração em torno do mercado público

e o espraiamento de uma ocupação sem alinhamento e sem regularidade

característica de mocambos, subindo os morros da Conceição, Alto José do Pinho,

Alto José Bonifácio, Alto do Mandú, Alto da Esperança e Alto da Favela, e descendo

pelos córregos do Euclides, Zeca Tatu, Saudade e Zé Grande. O bairro de Casa

Amarela apresentava no ano de 1960, 114,97 hab./ha., a mais alta densidade da

cidade (SOUZA et al, 1984).

Em 1943, segundo levantamento fotogramétrico do Serviço Geográfico do

Exército, já encontravam-se ocupados os Altos, Santa Izabel, do Mandú, da Favela

da Esperança, da Conceição e José do Pinho. Dominava o tipo de ocupação em que

as habitações eram próprias, ou seja, construídas precariamente pelo próprio

morador, que se comprometia a pagar o “aluguel do chão” cuja área variava, em

média, de 100 a 150m². As condições mínimas de urbanização, necessárias para

ocupação da área eram também criadas pelos ocupantes que, rudimentarmente

construíam as vias de acesso, furavam poços para extração d’água e puxavam

redes elétricas clandestinas. (SOUZA et al, 1984).

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Nesta fase, as áreas remanescentes do antigo engenho, já dilapidadas por

diversas transações de venda a terceiros, contavam com 33 co-proprietários, o que

trazia grandes dificuldades não só para os rendatários, que não sabiam a quem

prestar contas, como também para os proprietários, devido à dificuldade de precisão

dos limites das áreas pertencentes a cada um.

A Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda foi criada em 1942, a fim de

proceder o controle administrativo e financeiro da “Propriedade Marinho”, que não

possuía uma direção unificada. Desta forma, o condômino Alfredo Bartolomeu da

Rosa Borges teve a idéia de organizar uma Empresa comercial, para a qual os

condôminos daquela propriedade transferissem seus direitos, sub-escrevendo e

integralizando suas cotas no capital da Empresa, com as respectivas partes nas

terras. Esta Empresa foi organizada e registrada posteriormente na Junta Comercial

do Estado de Pernambuco em 20 de março de 1943, sob o nº 160 e com o capital

CR$ 185 mil.

Um acordo e divisão amigável entre proprietários, em 1952, sob escritura

pública registrada no Cartório de Imóvel do 1º Ofício, culminou na divisão da

“Propriedade Marinho”, oriunda do Engenho São Pantaleão do Monteiro, em três

grandes glebas: a área onde se situa a Fábrica da Macaxeira, que ficou para Othon

Bezerra de Melo; a propriedade Santo Marinho, que foi reservada para o grupo de

herdeiros e sucessores de Manuel Alfredo Marinho do Passo e Primitiva Marinho ; e

a Propriedade Marinho, que abrangeu o restante da área que foi incorporada à

Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda. (SOUZA et al, 1984).

Quando, em julho 1951, essa Empresa assumiu a administração da

propriedade, ela promoveu a ocupação das áreas ainda despovoadas dos morros,

ao modo de ocupação que vinha já se processando. Os custos de investimentos que

a área requeria para implantação de uma infra-estrutura por parte da iniciativa

privada, inviabilizava qualquer perspectiva de exploração econômica que não aquela

que já estava instalada.

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A Empresa iniciou, então, um grande trabalho de organização e controle das

áreas já ocupadas e implantou uma política de incentivo para ocupação das demais

áreas. Para isso, contratou cobradores que percorriam os caminhos abertos pelos

ocupantes pioneiros; legalizou a compra do terreno para aqueles que preferiam e

podiam adquirir sobre ele direitos “perpétuos” já que, em caso de desabamento da

casa, o proprietário da casa que pagava aluguel do chão perdia seu direito ao chão;

reprimiu energicamente as “invasões”, quando detectadas. (SOUZA et al, 1984).

O mapa de cobrança nº 01, encontrado nos arquivos da Empresa Imobiliária

de Pernambuco Ltda; do período de 06 a 14 de julho de 1951, referente aos recibos

nº 4045 a 4588, onde se vê os nomes e assinaturas do cobrador Antonio David e do

Diretor daquela Empresa, Dr. Roberto Sarmento da Rosa Borges, comprovam o

procedimento das cobranças efetuadas, relativas ao pagamento do “aluguel do

chão” nas “Terras de Ninguém” 7. (Anexo 1)

Ressalte-se que, segundo informações contidas nos arquivos da Empresa

Imobiliária de Pernambuco Ltda; a mesma administrava uma propriedade com mais

de 15 mil casas, abrangendo uma população de mais de 50 mil pessoas.

O “aluguel do chão”, que era uma prática institucionalizada no Recife, desde o

final do século XIX, que remete aos aforamentos de terra à Igreja, ao Estado, etc., foi

também adotada nas terras da Imobiliária de Pernambuco. Implica o domínio útil do

imóvel, mediante a posse regularizada através de contrato, porém não envolve o

domínio real que é detido pelo proprietário das terras; sendo este, também, uma

forma de rendimento fundiário, no Recife, além do aluguel e venda.

Desse modo, os mocambos do Recife, em grande parte, ocupam a terra

mediante o pagamento do aluguel, uma soma de dinheiro que representa a parcela

referente à renda da terra. Constituindo-se portanto como um tributo extraído dos

recursos dos mocambos e transferidos ao proprietário fundiário.

7 Documento 1: “Histórico do Engenho São Pantaleão do Monteiro “Propriedade Marinho”, da

Empresa Imobiliária de Pernambuco LTDA. (Anexo 1). Esses documentos são do acervo da família Rosa Borges, fornecido para a elaboração deste trabalho.

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A ocupação das “Terras de Ninguém”, em Casa Amarela, desde o principio,

ocorreu mediante o pagamento do foro, “aluguel do chão”, como se cobrava da Terra

Pública e da Igreja.

Conforme o recenseamento dos mocambos cerca de 42,7% dos mocambos

do Recife pagavam “aluguel do chão” aos proprietários das terras que ocupavam, o

que evidencia a consolidação do pacto, isto é, levando a prática já institucionalizada

entre os mocambos da cidade de pagar o “aluguel do chão”.

Essa prática era, de certa forma antiga, e decorria de “falsos” proprietários,

que obtinham o aforamento legal, isto é, aqueles que pertencentes as classes mais

abastadas, conseguiram “mediante o pagamento à União de uma taxa anual, o foro”

(...), “o aluguel do chão dos mocambos situados nas terras de marinha”. Segundo

Falcão e Souza (1985, p. 76).

“Ao direito de usar para morar começa a se contrapor o direito para

gozar e dispor”; passaram a cobrar dos habitantes dos alagados “o

aluguel do chão” ou a expulsa-los e a destruir os mocambos. Esta

expulsão passa a ser mais significativa na década de 20, quando os

alagados se tornaram alvo de interesse para empreendimentos

imobiliários. “Construir ou comprar mocambos, para alugar ou para

utilizar junto ao judiciário como provas das benfeitorias, tornaram-se

práticas correntes, que exacerbaram a disputa pela terra”.

Tal prática é transferida para as “Terras de Ninguém”, aos proprietários

herdeiros das terras remanescentes de um antigo engenho de açúcar - o Engenho

São Pantaleão do Monteiro - embora esse instituto jurídico fosse estabelecido para

as terras de domínio público. Dá-se, então, lugar a uma favelização “consentida”. Tal

prática, por sua vez institucionalizada desde o inicio do século para grande parte dos

mocambos da Cidade, relativiza a condição de “informalidade” atribuída ao processo

de ocupação dessas habitações, e permite caracterizar os morros de Casa Amarela

como uma favela “consentida”, pelos proprietários da terra, e semi-formalizadas,

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mediante contrato entre esses proprietários e os moradores, porém à margem do

quadro jurídico instituído. (FALCÃO e SOUZA, 1985).

Essa peculiar situação jurídica acima levou, também Falcão e Souza (1985,

p.79) a ressaltar que:

“... além de terem diferentes conceitos e práticas de Direito, os

grupos e classes sociais defendem os respectivos direitos

recorrendo não só ao direito positivo estatal - a legalização e a

prática vigente nos tribunais como também ao direito social informal

(...) os próprios proprietários, por exemplo, não hesitaram em

assinar o histórico “aluguel do chão”, irregular do ponto de vista do

Código Civil, quando foi preciso “legalizar” a solução negociada que

corresponde aos interesses de ambas as partes”.

Os autores, ainda, constatam que “raramente os proprietários e a população

pobre defendiam seus direitos e deveres a partir das normas do Código Civil,

mantendo larga margem de ambigüidade legal em seus contratos”. (FALCÃO &

SOUZA, 1985, p. 76).

A partir de 1960, a Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda., inicia um

processo de venda dos seus lotes. O preço de um lote em 1960 era de Cr$

12.240,00. O pagamento do preço da terra podia ser feito em até 6 anos, em

prestações mensais, o que equivalia a uma prestação de Cr$ 170,00. O “aluguel do

chão” na mesma época era em torno de Cr$ 6,20. (EGLER, 1986),

Esses preços variavam, segundo o tamanho do lote, ou da casa, e conforme

o ano de cobrança. Em documentos fornecidos pelos moradores entrevistados,

constatamos os seguintes valores:

• Em janeiro de 1977, uma caderneta de recibos de “terreno alugado”, em

nome de Maria de Jesus Silva, apresenta um valor de Cr$ 15,70, a ser

pago à Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda. (Anexo 2)

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• Em junho de 1973, um Contrato Particular de Promessa de Compra e

Venda, de terreno situado no Alto do Eucalipto n. 907, tendo como

promitente comprador Laurentino Urbano Cabral e promitente vendedor a

Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda (Anexo 3), traz os seguintes

valores: preço total do terreno de Cr$ 6.048,00, a serem pagos em 96

parcelas: 12 de Cr$ 19,00; 12 de Cr$ 32,00; 12 de Cr$ 45,00; 12 de Cr$

57,00; 12 de Cr$ 70,00; 12 de Cr$ 82,00; 12 de Cr$ 95,00; 12 de Cr$

104,00.

• O Anexo 4 apresenta duas notas promissórias, em nome de Laurentino

Urbano Cabral, emitidas pela Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda,

referentes uma das primeiras e uma das últimas doze parcelas. Nas

últimas parcelas, após a desapropriação, eram transferidos para a COHAB-

PE.

A venda dos 12.000 lotes é lenta e culmina em 1980, quando o Estado,

através da COHAB - PE desapropria o que restou da propriedade. A intervenção do

Estado concretizada pela desapropriação foi o resultado das pressões populares

através do movimento “Terras de Ninguém”, após intensos conflitos com

proprietários fundiários, inclusive com o Estado.

Desta forma, o “aluguel do chão”, no Recife, correspondia, por conseguinte ao

pagamento do foro, previsto no contrato de enfiteuse, isto previsto no Código Civil

Brasileiro, Lei nº 3.071 de 01 de janeiro de 1916.

Segundo Beviláqua (Código Civil Brasileiro, 1916), o termo Enfiteuse {Do

grego empheiteusis, emphyteuse}. - o direito real de posse, uso e gozo de imóvel

alheio, alienável e transmissível por herança, conferido perpetuamente ao enfiteuta,

obrigado a pagar uma pensão anual invariável (foro) ao senhorio direto. O emitente

civilista nos dá breve notícia sobre a etimologia da palavra, à qual atribui origem

grega. Mas, segundo informam historiadores do direito, nos documentos

genuinamente helênicos, não se depara a palavra emphyteusis, que parece ter

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entrado para a terminologia jurídica do direito romano por intermédio das províncias

gregas. Jus emphyteuticon. (NÁUFEL, 1989).

Dá-se a enfiteuse, aforamento, ou emprazamento, diz o artigo 678 do Código

Civil Brasileiro de 1916, quando por ato entre vivos ou de última vontade, o

proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o

adquire, e assim, se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro,

anual, certo e invariável.

O contrato de enfiteuse é perpetuo. A enfiteuse por tempo limitado considera-

se arrendamento e como tal se rege. Só podem ser objeto de enfiteuse terras não

cultivadas ou terrenos que se destinem a edificação. Já o termo Aforamento

corresponde o mesmo que enfiteuse, ou seja, arrendamento com o foro. (NÁUFEL,

1989).

Por outro lado, o novo Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro

de 2002, em seu artigo 2.038, parágrafos 1º e 2º, das disposições finais e

transitórias, preceitua que:

“ Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses,

subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do

Código Civil anterior Lei nº 3.071 de 01 de janeiro de 1916, e leis

posteriores”.

§ 1º Nos aforamento a que se refere este artigo é defeso:

I - cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem

aforado, sobre o valor das construções ou plantações;

II - Constituir subenfiteuses.

§ 2º A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por

lei especial.”

A formação de um mercado imobiliário de construção de habitações para

aluguel e venda, não elimina a prática do “aluguel do chão” contrariamente, ele

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permanece sendo uma das formas de rendimento da propriedade fundiária, em

Recife, embora em processo de extinção.

A luta em relação à moradia tomou características distintas, constituindo-se

numa resistência ao pagamento do “aluguel do chão”, a proprietários ou pseudo-

proprietários, pelo uso dos terrenos, ou seja, o chamado foro. Estas lutas populares

tinham como questão fundamental o acesso ao solo urbano, e o descontentamento

agravou-se com os aumentos da cobrança do “aluguel do chão”.

É importante ressaltar que, apesar do pagamento do “aluguel do chão” se

constituir um dos problemas centrais da luta pela posse da terra nas “Terras de

Ninguém”, era também relevante a questão dos aluguéis.

O fato das áreas dos morros da zona norte não atraírem a cobiça do capital

imobiliário não impediu que até a década de 80, muitos dos moradores fossem

obrigados ao pagamento do “aluguel do chão”. Havia, na época, certas condições, à

nível de mercado, que propiciavam uma regularidade daquele tipo de ocupação:

regularidade esta que deixou de existir quando a partir dos anos 60, os proprietários

da terra não mais “consentem”, passando eles próprios a construírem “casas de

aluguel”.

Apesar das “casas de aluguel” e das casas que pagam o “aluguel do chão”

possuírem condições construtivas idênticas e, ainda, do capital investido nessas

construções serem irrisórios, o que não justifica uma grande diferença entre o preço

do “aluguel da casa” e o “preço do aluguel do chão”, passou a haver um

distanciamento gradativo entre esses dois preços.

Os aluguéis das casas variavam entre Cr$20,00 e Cr$30,00, por mês,

segundo depoimento de moradores, em reportagem publicada no Diário de

Pernambuco, em 23/07/1978. (Anexo 5). O que nos leva a deduzir, acerca da média

do aluguel mensal de um mocambo e da renda auferida pelo proprietário, é que se

tratava de uma atividade econômica altamente lucrativa.

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No final dos anos 50 e início da década de 60 eram comuns as reuniões, em

diversos bairros, contra os aumentos do foro - “aluguel do chão” e de aluguéis de

casas. Constitui exemplo destas lutas, a do Núcleo Nacionalista do Alto de Santa

Terezinha, que pretendia averiguar a quem pertenciam às terras dos altos e

córregos de Casa Amarela, Beberibe e Água Fria, em resposta à “espoliação” com

os aumentos do foro indo até 100%.

Essa luta contra o pagamento do “aluguel do chão” se estende até os anos

80. Ainda no fim da década de 70, cerca de 8.000 famílias pagavam “aluguel do

chão” às famílias Marinho/Rosa Borges/Campos e ao Cotonifício Othon Bezerra de

Melo. O “direito” às “Terras de Ninguém”, em Casa Amarela baseava-se na suposta

herança, que remontava a três séculos, de terras pertencentes a uma “Irmandade

Religiosa de São Cosmo e São Pantaleão”, passando posteriormente, ao domínio do

Engenho São Pantaleão por Manoel Vaz a Jorge Camelo.

Essa luta contra a exploração imobiliária fundamentou o primeiro e maior

movimento pela posse da terra no Recife, em meados dos anos 70: o movimento

“Terras de Ninguém”.

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3. “TERRAS DE NINGUÉM”: O Movimento Social Urbano pela Posse da Terra

Este capítulo procura relatar os conflitos fundiários urbanos, no Recife dos

anos 70/80, que se processavam entre o proprietário fundiário, os moradores e o

Estado; bem como resgata a história do movimento “Terras de Ninguém”.

3.1. O MOVIMENTO PELA TERRA URBANA NO RECIFE NOS ANOS 70/80

Este item busca resgatar a trajetória dos movimentos sociais urbanos no

Recife, bem como as origens e antecedentes das associações de moradores. As

reivindicações por habitação, veiculadas pelos líderes dos trabalhadores e expressa

através de sindicatos, movimentos de cultura popular e associações de bairro.

3.1.1 A Trajetória dos Movimentos Sociais Urbanos no Recife

Os movimentos sociais pela posse da terra no Recife e, mais

especificamente, nas “Terras de Ninguém”, emergiram em meados da década de 70,

com uma alta capacidade de organização e de pressão social. Essa mobilização

possibilitou, por exemplo, o surgimento de inúmeros movimentos populares,

envolvendo outros assentamentos pobres, como é o caso de Brasília Teimosa,

Coque, Coelhos, etc. Especialmente nos anos 70 e 80, os movimentos sociais

urbanos atuam com mais vigor, e a sua relação com os partidos políticos e a Igreja

se mostrou, bastante incisiva.

As lutas sociais pela posse da Terra, no Recife, evidenciam, por outro lado, o

debate pobre a multiplicidade dos “direitos” e seus agentes, como dão consistência à

hipótese das mudanças na relação Estado e movimentos sociais urbanos, em um

período de crise de legitimidade que “abre espaço para o surgimento de

manifestações normativas não estatais”. Afinal, os invasores, lembra Falcão (1984,

p. 26), “não são contra o direito de propriedade”, pelo contrário, “querem ser

proprietários”. Estabelece-se, assim, o acordo mútuo de abandono da rígida ordem

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legal, embora não do terreno do direito. Desconfirmação, portanto, e não

propriamente contestação. Evidenciando a incapacidade da ordem legal de se impor

como expressão da justiça social. A idéia ainda arraigada na cultura jurídica

nacional, do judiciário como arena essencial de conflitos, esta ultrapassada diante

do Brasil contemporâneo. Aparentemente, a burocracia estatal vem aos poucos

assumindo um papel acentuado na resolução dos conflitos sociais.

O final dos anos 70 e toda a década de 80 foram marcados pelos avanços da

participação popular no Brasil, quando se constata a crise de hegemonia política das

elites. A expressão “Movimentos Sociais” surge associada à análise das relações de

classe e do movimento da sociedade. Na década de 70 ocorre um rompimento, pelo

menos parcial, com esta tradição de análise das mobilizações coletivas. A expressão

“Movimentos Sociais” passa a designar um conjunto de estudos que continua a

crescer constituindo um campo de análise acadêmica.

No Recife, os movimentos sociais dos anos 70 vêm evidenciar uma mudança

no processo de acesso à terra e è moradia. A ocupação dos alagados do Recife no

início do século XX, produziu-se de forma lento, paulatina. As reivindicações por

moradia se dão no âmbito do movimento operário, emergente na época. Em 1909

estoura a greve da Great Western, e 10 anos depois, a “grande greve”. A primeira

organização operária mais abrangente data de 1914: A Federação dos

Trabalhadores de Pernambuco.

Segundo Melo (1984), no final dos anos 20, na inauguração da Vila de São

Miguel, em Afogados, dois representantes do povo tomaram a palavra: Um, fala em

nome do operário e o outro, em nome dos moradores. O movimento operário e o

movimento urbano se confundem. Para Cezar (1985), esses movimentos se

distinguem, em 1931, quando se registra a criação da Liga dos Proprietários da Vila

de São Miguel, objetivando congregar proprietários pobres.

As contradições urbanas evidenciam-se. Os sobrados e os mocambos se

opõem. O desemprego atinge níveis alarmantes. Em 1939/1940, o confronto do

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espaço urbano já era objeto e palco das lutas sociais, culminando com a expulsão

de mais de 12 mil mocambos dos mangues do entorno do canal Derby - Tacaruna.

“As invasões - e formação das favelas - sucedem, com seu lado

dialético e necessário, as expulsões”. O povo não esquecerá este

jogo gravando-o num mote popular: ‘Sinhô dotô, onde vô morar? É

de macacos pra lá!’ (NASCIMENTO, 1984 p. 23).

Moisés (1978) afirma que o desenvolvimento do capitalismo no pós - 30 e a

crescente intervenção do Estado na sociedade são dados fundamentais para se

pensar os avanços das mobilizações populares, sobretudo nos momentos de crise

de hegemonia, nas conjunturas políticas de abertura. O Estado é agente

fundamental para garantir a reprodução do sistema capitalista, na fase monopolista,

e isso tem profundas repercussões na elaboração das estratégias políticas, na

atuação dos partidos políticos, sobretudo no Brasil.

Apesar de alguns estudiosos afirmarem que os movimentos sociais urbanos

se dirigirem contra o Estado, em Pernambuco, entre 1955 a 1964, estes movimentos

representados pelas associações de bairro poderiam ser questionados, haja vista ter

sido o próprio Estado através de seus agentes locais que os estimulou. A justificativa

é conseqüência da conjuntura política naquele momento histórico e as forças

políticas que se encontravam no bloco do poder. O caráter do Estado continuava

capitalista mas, em nível estadual, os governos eram ligados à Frente do Recife,

com uma orientação nacional-reformista. O movimento das associações fazia parte

da luta mais geral pelas reformas sociais. As associações de bairro, em sua maioria,

deram apoio às administrações Pelópidas e Arraes. Não havia, nesse caso, uma

caracterização do Estado enquanto antagonista, embora a ele estivessem dirigidas

às reivindicações.

As associações não tinham autonomia políticas, de uma forma geral, estava

na dependência da política institucional, não se pode deixar de ressaltar o seu lado

positivo, principalmente por ter propiciado a participação popular. Havia discussão

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de problemas locais gerais, mobilizações por reivindicações denotavam a

importância da mobilização popular.

Contudo os movimentos sociais não podem ser pensados, apenas, como

meros resultados da luta por melhores condições de vida, produzidos pela

necessidade de aumentar o consumo coletivo dos bens e serviços. Os movimentos

sociais devem ser vistos, também, (e neles, é claro os seus agentes), como

produtores da História, como forças instituintes que além de questionar o Estado

autoritário e capitalista, questionam com sua prática a própria centralização /

burocratização tão presentes nos partidos políticos.

Segundo Castells, a prática desses agentes tende a transformar a estrutura

urbana ou a modificar relações de poder (CASTELLS, 1977, p. 263). Poder nesse

caso é entendido como a capacidade de uma classe ou fração de classe em realizar

seus interesses às custas dos interesses de outras classes (POULANTZAS, 1968, p.

129).

Os movimentos sociais urbanos politicamente organizados ensejam

modificações substanciais nas relações de poder. Assim, as mudanças legais

poderão alterar as relações de poder entre classes. Com efeito, a luta dos invasores

do Recife trouxe algumas mudanças legais.

O movimento social urbano pela posse da terra teve seu marco após o golpe

militar em março de 1964, com a supressão do estado de direito civis e políticos e da

participação popular. Nesse sentido a luta dos moradores por direito à moradia no

Recife, mais especificamente, nas “Terras de Ninguém”, que emerge em meados

dos anos 70, pode ser considerado sob o prisma dos movimentos sociais urbanos.

Os “Movimentos Sociais”, no Brasil dos anos 70, têm por objetivo a

reivindicação da democratização da propriedade urbana impulsiona a redefinição

das políticas estatais, no sentido de urbanizar favelas e, para tal, desapropriar

propriedades, e repassa-las à comunidade residente. Não raras vezes essa política

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traz mecanismos que buscam impedir a realização da venda e da renda por parte

dos moradores beneficiados com a regularização da posse da terra.

Nesta época, segmentos da sociedade civil, principalmente nos bairros, com o

apoio das bases eclesiásticas da Igreja Católica, tendo à frente a Comissão de

Justiça e Paz, pertencente a Arquidiocese de Olinda e Recife, com o apoio

expressivo do seu arcebispo Dom Hêlder Câmara, empreenderam a defesa em prol

das populações carentes que residiram nas favelas. Esta luta pelo acesso ao solo e

à moradia urbana, defendia a permanência das famílias em suas moradias.

Essas camadas populares que chegavam ao Recife em busca de

sobrevivência eram procedentes dos municípios circunvizinhos e dos municípios de

outros estados, eram atraídas pelas oportunidades geradas pelo impulso da

construção civil, decorrente da política do Sistema inanceiro de Habitação SFH.

O quadro de desigualdades sociais e de oportunidades se expressa no

espaço urbano. A injustiça social provocou a discussão e propostas de instrumentos

jurídicos, capazes de conferir às populações carentes, condições dignas de moradia

e acesso a trabalho, serviços públicos, transporte, saneamento e infra-estrutura.

Essa discussão toma corpo no Movimento Nacional pela Reforma Urbana -

MNRU, em diversas iniciativas municipais e, apesar da tentativa frustradas de

aprovar o projeto de Lei Federal nº 775 de 1983 - o Estado da Cidade - alguns

instrumentos defendidos foram incorporados à Constituição Federal de 19888 e,

mais adiante, em 2001, a lei Federal nº 10.257 consolida os demais instrumentos do

Estatuto da Cidade, ampliando inclusive, o seu escopo, como é o caso da usucapião

urbano coletivo.

No Recife, em 1980, já são registrados avanços conquistados pelos

movimentos sociais. Por força de decreto municipal, foram reconhecidas 26 Áreas

8 Os instrumentos urbanísticos normativos explicitados na Constituição Federal de 1988, são: os

instrumentos seqüenciados; parcelamento ou utilização compulsória; IPTU progressivo no tempo e desapropriação por títulos da divida pública; e a usucapião urbana.

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Especiais de Interesse Social - ZEIS. Em 1983, a Lei de Uso e Ocupação do Solo -

LUOS nº 14.511 reconheceu 27 ZEIS, num universo de 72 favelas identificadas pela

Fundação de Desenvolvimento Metropolitano - FIDEM em 1978. Foi um grande

avanço do movimento popular o reconhecimento, pelo poder público municipal, da

existência de uma cidade informal.

A participação popular na elaboração da Lei do PREZEIS, nº 14.947,

instituída em 1987, consolida primeiramente propostas do movimento nacional em

defesa de uma política urbana, incorporando avanços que futuramente foram

inseridos na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade de 2001. Dentre

outras contribuições, a Lei do PREZEIS, avança no sentido de, garantir à função

social da propriedade, inibindo a especulação imobiliária.

Nesse contexto percebe-se que a questão habitacional urbana no Recife

como, também, na localidade, “Terras de Ninguém”, e nas demais cidades inseridas

no modo de produção capitalista, configura-se como uma das condições gerais em

torno da qual as classes sociais confrontam-se em lutas sócio - políticas, cujo

objetivo é obter maior poder econômico e político. Essas lutas se manifestam, no

caso, como movimentos populares que desenvolvem práticas de apropriação das

condições que assegurem sua sobrevivência e sua própria reprodução enquanto

classe.

A questão habitacional, ou seja, o acesso ao solo urbano e à moradia, dentro

da atual realidade contraditória, através de falsas aparências, nos leva a

compreender que esta não poderá ser resolvida dentro do sistema capitalista

vigente, que provoca uma ordem injusta que preside a construção da conjuntura

atual em nossa sociedade, porque o bloco do poder que organiza socialmente esta

ordem, a reproduz em função de seus próprios interesses: concentrar as riquezas e

o poder.

Os movimentos sociais populares por sua vez, são considerados enquanto

instância organizativa e representativa das classes populares, os quais, em sua luta

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cotidiana, por moradia e acesso aos serviços básicos de consumo coletivo, têm, por

vezes, ultrapassado os limites geográficos dos bairros e das favelas, relacionando-

se, na dinâmica da sociedade, com outras forças sociais, como sindicatos e partidos

políticos, passando a se vincular às questões políticas mais amplas.

Os movimentos sociais urbanos no seu processo de constituição encontram-

se direta ou indiretamente articulados às instituições, seja com forma de apoio ou

motivação. Na maioria das vezes, destaca-se o papel da Igreja enquanto motivadora

e difusora de valores éticos sobre moradia e propriedade.

A Igreja através de uma ação pedagógica que enfatiza dimensões cotidianas

dá vez ao poder criador. Há, então, uma valorização do saber popular que permite a

organização lenta e consistente dos grupos de reflexão. No entanto, na medida em

que ela é sedimentada e vinculada à população o espaço de avaliação crítica é

pequeno. Como separar Igreja e Povo, se ela aparece como sendo o próprio povo?

Nesse sentido, o simbolismo absoluto da Igreja dificulta avaliação crítica de

sua prática, na medida em que sua distância é menos visível. Por outro lado, a

percepção da conquista do poder, como finalidade última da organização, dificulta a

aceitação de práticas diferenciadas e provoca a luta por hegemonia no interior dos

movimentos. A democracia e autonomia são valores ou fins a serem perseguidos e

são também resultantes de experiência dos movimentos em determinado contexto

social.

3.1.2 Origens e Antecedentes das Associações de Moradores.

Na década de 20, já se registrava reivindicações por habitação, veiculadas

pelos líderes dos trabalhadores. O movimento de bairro surge em 1931, com o

registro em Cartório da “Liga dos Proprietários da Vila São Miguel”, em Afogados.

Entretanto, só entre 1955 e 1964, é que eclodiram os movimentos populares,

expressos pelos sindicatos, Movimento de Cultura Popular e associações de bairro.

(CEZAR, 1985).

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Constata-se que, desde o ano de 1929, os moradores das áreas pobres do

Recife vinham formando associações para a luta em defesa do solo ocupado, em

diversas épocas. Dentre estas associações, talvez a mais antiga seja a “Sociedade a

Bem de Nossa Defesa”, em Afogados, com 280 sócios, depois transformada em

“Liga Mista dos Proprietários Pobres da Vila de São Miguel”, em 1931. Outras tantas

organizações populares surgiram, mas é apenas no pós-45 que elas assumem

nitidamente um importante papel de foco de resistência às investidas

governamentais.

A liga dos Proprietários da Vila de São Miguel (Afogados) foi registrada em

cartório, em 1931 e tinha por objetivo:

“Congregar debaixo de uma bandeira, sem distinção de cor,

nacionalidade, credo político ou religioso todos os proprietários

pobres da Vila São Miguel, sendo sócios todos aqueles que

possuírem mocambos, casa ou qualquer imóvel sobre os terrenos

aforados a mesma liga”. (CEZAR, 1985, p. 126)

O Estado politiza o espaço urbano, bem como as organizações populares, as

associações de bairro e ligas de moradores, à medida que interferem nos padrões

de uso do solo e das áreas a serem urbanizadas. Estas entidades foram criadas

para garantir a ocupação de alagados e morros e reivindicar serviços de infra-

estrutura e equipamentos coletivos (água, luz, esgoto, transporte, etc.). As classes

populares urbanas passaram a requerer espaços de participação política.

Após a redemocratização, em 1947, surge os “Comitês Populares

Democráticos de Bairro” por iniciativa do PCB. No ano seguinte surge a sociedade

Mixta Largo do Viveiro de Afogados, e ainda a Sociedade Beneficente Mixta 30 de

Setembro, na Mustardinha. No mesmo período surge a Sociedade dos Proprietários

do Largo dos Pescadores da Estrada dos Remédios. Essas organizações foram as

precursoras das associações de bairro. (CEZAR, 1985).

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Pelópidas Silveira, após um período de sessenta anos, em 1955, foi eleito o

primeiro prefeito do Recife. Este tinha como plataforma política, a questão da

participação popular, através das associações de bairro, daí ser ele considerado o

criador desse tipo de organização. Paulo Cavalcanti afirma que a idéia surgiu dos

grupos comunistas, reconhecendo, entretanto, que a idéia partiu de Pelópidas

Silveira. As associações funcionavam como vetores de pressão (CEZAR, 1985).

Havia a preocupação com a participação popular, mas a ênfase era dada às

reivindicações de cada localidade, referente aos problemas do bairro. Nesse sentido,

para Cezar (1985), as associações de bairro não surgiram espontaneamente. Está

patente a ação do Prefeito Pelópidas Silveira e da Frente do Recife, em especial do

Partido Comunista. A Prefeitura do Recife forneceu um modelo de estatuto e esta

era estimuladora do movimento.

As associações de bairro tinham mandato de cada diretoria, era de dois anos

e as eleições eram efetuadas em assembléias gerais. O objetivo geral era “promover

o bem – estar da comunidade e lutar por melhorias do bairro”. (CEZAR, 1985, p.

128)

A maioria das associações não era registrada em cartório, por ser

dispendioso o registro e nem a Prefeitura do Recife exigia. Era levada em

consideração a atuação e não a questão formal.

A forma de mobilização posta em prática para conseguir o atendimento

dessas demandas era abaixo-assinados, reuniões com secretários e Prefeitos, e

atos públicos. Posteriormente, a Prefeitura da Cidade do Recife pôs em pratica as

“audiências populares” nos bairros. Aos poucos as reivindicações coletivas foram se

sobrepondo àquelas de caráter pessoal. (CEZAR, 1985).

Pelópidas Silveira introduziu ainda o regime mutirão para realização de obras

de interesse coletivo, em bairros populares, tendo continuidade na gestão de Miguel

Arraes, no qual foi criado o Movimento de Cultura Popular - MCP, tendo atuação em

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vários bairros. Além das reivindicações por terra e bens de consumo coletivo, havia

atividades educativas e culturais nas associações bem como atos de apoio às

greves de trabalhadores, às reformas de base e a Miguel Arraes. (CEZAR, 1985).

O relacionamento entre movimento de bairro e os prefeitos da Frente do

Recife (Pelópidas, Arraes e novamente Pelópidas) foi estreito e possibilitou, em certa

medida, a participação das classes populares. Esses prefeitos deram prioridade à

questão social, especialmente à população, mais pobre. Um exemplo foi a instalação

de dezenas de chafarizes nos bairros, o que gerou a reação de Cid Sampaio que, ao

invés dos chafarizes, queria estações de tratamento d’água e rede distribuidora, o

que implicava em altos recursos. (CEZAR, 1985)

Era sempre enfatizado que o atendimento de reivindicações como chafarizes,

escadarias e escolas, se era, e é importante não é tudo. Segundo Arraes:

“o que era importante seria lutar para resolver os problemas

nacionais, sem os quais teremos sempre uma periferia cada vez

maior, meninos sem escolas, povo sem saúde. O problema não é

problema do Recife, é o problema do Brasil” (apud. SINGER, 1977,

p 331).

O Partido Comunista considerava que as associações podiam ajudar os

poderes públicos na indicação de seus problemas mais urgentes. Em 1963, as

associações eram consideradas o traço de união entre o povo e os governantes

funcionado ao lado dos sindicatos e outros organismos de classe, como elementos

de controle da administração pública e de expressão das forças populares que

marchavam para ocupar, de direito e de fato, o seu lugar na direção do estado.

O Partido Comunista frisava que essas organizações tinham caráter

apartidário, além de que estas associações de bairro não poderiam ser

transformadas em núcleos eleitorais. Entretanto, a partir do início de 1959, são

criadas seis associações e, no ato de inauguração, são lançadas as candidaturas de

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Arraes à Prefeitura do Recife, e Eduardo Lima à Câmara dos Vereadores,

constatando-se depoimentos de militantes do Partido, utilizando essas entidades

durante a campanha eleitoral. (CEZAR, 1985).

Paulo Cavalcanti justificava o engajamento das associações na campanha de

Arraes por que os outros candidatos que se opunham a Arraes no pleito municipal

hostilizavam as associações. Estas associações pretendiam que ficasse à frente do

Recife um governo ou um prefeito que fosse simpático as suas teses. (CEZAR,

1985).

Por outro lado, Bezerra (1965) destaca que o comício de lançamento da

candidatura de Arraes ao governo estadual foi convocado por “dezenas de

associações de bairro”.

Às associações defendiam que estas deveriam ser abertas à participação de

toda e qualquer pessoa, independente de religião ou posição política, segundo Paulo

Cavalcanti,

“(...) a coisa era tida como comunista já naquele tempo, e que

dela se acercasse era suspeito de ser comunista. As diretorias,

em sua maioria, eram formadas” “dentro de um terreno muito

estreito ideologicamente, de comunista ou assemelhado (...).

Entretanto nem todos os dirigentes eram comunistas nem

mesmo a maioria desses dirigentes”. (apud CEZAR, 1985, p.

135)

O Partido Comunista - PC tinha alguma penetração em áreas populares,

realizando um trabalho nos bairros. E além do PC, outros grupos tentavam influir nas

associações. O Partido Socialista Brasileiro – PSB estimulou o surgimento de

algumas dessas associações apesar de não deter à mesma influencia do PC. A luta

pela hegemonia sempre está presente e o movimento de bairro não se constituir em

uma exceção. (CEZAR, 1985).

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As reações relativas às associações eram várias, desde a campanha de

Pelópidas Silveira, à Prefeitura do Recife. As reações mais contundentes partiram da

Câmara dos Vereadores e da Secretaria de Segurança Pública, (governo Cordeiro

de Farias), estes alegavam de que se tratava de “células comunistas”.

Os vereadores oposicionistas ao governo de Pelópidas Silveira, em número

de 21, redigiram um manifesto contra a criação das associações, mesmo antes dele

tomar posse. O temor era de que “sendo as associações um ponto de contato entre

o prefeito e a população suburbana, por onde correrão as reivindicações do povo”,

ficarão anuladas, praticamente as funções da Câmara que se encarregará apenas

de redigir as leis. (Folha do Povo – 12 a 18 de março de 1959).

Na verdade o que estava por trás da resistência dos vereadores era a defesa

do clientelismo. O temor maior era com a possibilidade de deixarem de ser

intermediários entre a população e o executivo municipal. Eles queriam aparecer

como os patrocinadores daquelas coisas (calçamentos, escola, Luz, etc.).

Para se ter uma idéia do caráter fisiológico da oposição dos vereadores na

câmara, basta citar o documento por eles lançado onde propõem que seja limitado a

cinco o número de associações por bairro, sendo que os presidentes deveriam ser

os vereadores da localidade. O Prefeito do Recife recusou a proposta, mantendo-se

firme na defesa das associações como entidades de reivindicações de interesses

legítimos da população. E Pelópidas Silveira afirma: “Eu me opus tenazmente a isso

e considerei que as associações tinham que surgir do povo”. (apud CEZAR, 1985).

A Secretaria de Segurança Pública – SSP-PE, no Governo Cordeiro de

Farias, também reage às associações, fazendo intimidações a líderes do movimento

e apreendendo material supostamente subversivo. A ação da SSP sofre mudanças

com a eleição de governadores ligados à Frente do Recife.

Em 15 de julho de 1963 foi criada a Federação das Associações dos Bairros

do Estado de Pernambuco – FABEP, a qual deveria apoiar “os trabalhadores”,

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estudantes e outras classes do estado, em toda luta de caráter reivindicativo desde

que justas, em toda manifestação de rebeldia pela legalidade democrática e defesa

da soberania nacional, pedindo-lhes cobertura para a auto-organização das

camadas populares e para as exigências junto ao governo no que tange ao rápido

atendimento das reivindicações expostas nos seus estatutos.

Os objetivos da Federação estavam em sintonia com o Partido Comunista,

que, no seu V Congresso, decidiu:

“as tarefas fundamentais que se colocam hoje diante do povo

brasileiro são a conquista da emancipação do país do domínio

imperialista e a eliminação da estrutura agrária atrasada, assim

como o estabelecimento de amplas liberdades democráticas e

a melhoria das condições de vida das massas populares”.

(CEZAR, 1985, p. 135).

A FABEP teve sua atuação marcada pelo grande apoio que deu ao governo

Miguel Arraes. Segundo reportagem de Manoel Barbosa, veiculada no Diário de

Pernambuco, em 13/12/1987, existiu naquela data mais de 200 associações

comunitárias no Grande Recife. E a quase totalidade delas estava agregada à

Federação de Bairros da Região Metropolitana do Recife - FEMEB, criado naquele

ano com a pretensão de ser o embrião de uma entidade de nível estadual.

Os debates que ocorreram entre autoridades municipais e associações, bem

como seus resultados, demonstraram um avanço no processo de participação

popular, processo este que foi interrompido com o golpe militar de 1964.

Após um período de desmobilização pós-64, o movimento de bairro do Recife,

ressurge em meados de 1975 com o “Movimento Terras de Ninguém”, em Casa

Amarela. A pressão exercida pelo mercado imobiliário em expansão sobre os

moradores das áreas pobres do Recife, fortaleceu a luta pela moradia em vários

bairros da cidade.

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O redirecionamento da política habitacional do Banco Nacional de Habitação -

BNH, através da COHAB-PE, instalando práticas de participação através do

Programa PROMORAR e envolvendo as Prefeituras como agentes promotores,

incentivou e criação de entidades representativas nas áreas de interpretação, um

exemplo desse estímulo é dado pelos Núcleos de Planejamento Comunitário - NPC -

os chamados “barracões” - instalados pela Prefeitura do recife nos assentamentos

sob sua intervenção. (SOUZA, 1990).

Segundo a ETAPAS (1987), em 1985 o Recife totalizava cerca de 151

Associações de Moradores em atividade. As lutas empreendidas por algumas

dessas entidades extrapolam os limites do bairro, incentivando a mobilização de

organização de quase todos os bairros da cidade, dando lugar a entidades como a

Assembléia dos Bairros, a Reunião dos Conselhos de Moradores do Setor Sul, a

Federação dos Moradores do Núcleo Habitacionais da COHAB (FEMOCOHAB), a

Comissão de Luta do Ibura, o Conselho Popular do Setor Caxangá, a Federação

Comunitária de Pernambuco (FECOPE). (ETAPAS, 1986).

Muitas das entidades representativas surgiram para realizar ocupação

coletivas de terrenos, outras emergiram de comunidades consolidadas para

reivindicar os atendimentos de necessidade concreta. Algumas dessas se

fortaleceram em função de Problemas que, a partir de certo momento, foram

sentidos como insuportáveis pela maioria dos moradores. Este é o caso do

Movimento “Terras de Ninguém”, que luta pela posse da terra onde seus integrantes

habitavam. 9

3.2 O MOVIMENTO “TERRAS DE NINGUÉM”

O “Movimento Terras de Ninguém“, em Casa Amarela, ganha um maior

impulso em 1978, com a criação da Pró-Federação de Casa Amarela, a atual

Federação das Associações e Centros Comunitários e Conselhos de Moradores de

9 ETAPAS, Folhas do Bairros. Recife. Etapas, 1986.

ETAPAS, Retrato da Gente. Conselho e associação de Moradores da Região Metropolitana do Recife. Etapas, 1987.

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Casa Amarela - FEACA. Havia naquela ocasião grande pressão exercida pelo

mercado imobiliário em expansão sobre os moradores das áreas pobres do Recife, o

que favoreceu o fortalecimento da luta pela moradia, em várias partes do Recife, e

inclusive nas “Terras de Ninguém”.

Este item aborda inicialmente, as condições de formação do movimento e

destaca, em seguida, as suas principais reivindicações.

3.2.1 As Bases do Movimento Social “Terras de Ninguém”

A história e o movimento social urbano pela posse de terra, as lutas e

reivindicações populares, as formas de organização que nasceram na periferia, o

cotidiano de um povo que na sua resistência e perseverança constrói a sua

sobrevivência, é a própria história do povo que habita as áreas em conflito.

A forma de ocupação semi-formalizada e resistência dos moradores contra a

exploração do proprietário, caracterizaram um avanço qualitativo na forma de

organização dos moradores das “Terras de Ninguém”, frente a um Estado mais

exposto às reivindicações populares no clima da abertura política que tomava conta

do País, no final da década de 70. As lutas populares saíram da clandestinidade

para as manchetes dos meios de comunicação, despertando a opinião publica e

mobilizando em apoio, diversos setores da sociedade civil.

Na realidade, o Estado impotente, frente à demanda popular, minimiza os

programas voltados para dar acesso às populações mais pobres, demandando por

habitação popular, enquanto a especulação imobiliária avança inviabilizando o

acesso ao mercado imobiliário por parte dessa população de baixa renda.

Quando, na década de 70 a crise que começou a assolar o país intensificou

as tensões nas camadas mais pobres da população, os conflitos entre os moradores

das “Terras de Ninguém” e o proprietário, representado pela Empresa Imobiliária de

Pernambuco Ltda., começou a tomar vulto e, em meados da década de 70, já se

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constituía um movimento social urbano reivindicatório pelo direito à propriedade da

terra que ocupavam — o movimento “Terras de Ninguém”.

Tal reivindicação se consolida em decorrência do desejo de libertar-se do

pagamento do “aluguel do chão”, haja vista os questionamentos pelos seus

ocupantes junto aos órgãos judiciais, questionando a efetiva propriedade da família

Rosa Borges. A defesa dos moradores assessorados pela Comissão Justiça e Paz,

sustentava-se na indevida transmissão da propriedade que teria ocorrido no inicio do

século XX. Assim sendo, a partir desse entendimento, o movimento procurava

provar que os pretensos proprietários que se beneficiavam do “aluguel do chão” não

faziam jus a esses rendimentos.

É relevante destacar a importância do Movimento “Terras de Ninguém”, no

contexto da cidade do Recife, por envolver mais de 53 comunidades, com uma

população estimada em 50 mil pessoas, que ocupavam uma área de cerca de 350

hectares nos morros da zona norte da cidade. Essa área era subdividida em cerca

de 15 mil lotes, dos quais cerca de 6 mil continuavam pagando o “aluguel do chão”,

enquanto que cerca de 6 mil lotes vinham sendo adquiridos pelos moradores, pagos

em prestações mensais, monetariamente corrigidas. A Empresa Imobiliária de

Pernambuco Ltda., de propriedade da família Rosa Borges, era a beneficiaria desse

empreendimento. Essa particular forma de apropriação dos rendimentos fundiários,

perdurou até a década de 80 na cidade do Recife quando as reivindicações do

Movimento repercutiram na intervenção do Estado. (EGLER, 1986)

A insatisfação se dava de ambos os lados. O “aluguel do chão”, já não se

constituía na melhor opção de rendimentos para o proprietário da terra por isso, ao

vender a terra, o proprietário fundiário das “Terras de Ninguém”, procurou

certamente, novas formas de valorização do seu capital.

A diferença que se estabelecia entre o “preço do aluguel do chão” — que

corresponde à renda de 0,15% ao mês sobre o preço do terreno — e o “preço do

aluguel da casa” — que corresponde à renda de 1% ao mês sobre o preço da terra

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que ocupa — fez surgir o poder do proprietário da casa construída sobre o chão

alugado, advindo, do direito de posse sobre o imóvel que construiu e sobre o qual o

proprietário de terra não tem o direito de intervir. (EGLER, 1986).

Assim, esse aspecto fundamentou a grande disputa pela posse da terra

ocasionando grandes conflitos entre os moradores das “Terras de Ninguém”, e o

proprietário fundiário.

Depoimentos daqueles que lideravam a luta pela desapropriação das “Terras

de Ninguém”, denotam a angústia e o medo vivido pelos moradores:

“Fazíamos reuniões às escondidas, com portas fechadas. Tínhamos

muito medo da polícia e das ameaças do que se diziam donos da terra.

Braga dizia muito pra gente os caminhos que a gente deveria seguir. Ele

dizia que a força da gente era bonita e ensina a lutar. Eu achava tão

engraçado”!

Graciema Alves da Silva (moradora do Morro da Conceição).

“Eram muitas reuniões. E bastava a gente se reunir num dia, que a

polícia ia atrás da gente no outro. Até que um dia, a gente se reuniu com

o governador Marco Maciel. Ele nos apoiou e enviou o problema para a

COHAB. Foi ai que conheci João Braga. Ele foi um cara certo nas horas

incertas”!

Djalma Rodrigues de Freitas (morador de Nova Descoberta).

“Eu vi surgir este movimento contra os que se diziam donos das terras e

nós não tínhamos tranqüilidade. Procuramos o governador Marco Maciel,

através de uma audiência, e ele determinou que o Secretário de

Habitação, José Jorge, fizesse um levantamento do problema. Braga,

como Diretor da COHAB - PE, foi encarregado da solução. Hoje,

vivemos sem o aperreio de pagamento de terreno, mas ainda falta muita

gente receber o título de posse”!

Adamastor da Silva Ramos (morador do Alto Santa Izabel)

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“A perseguição era grande quando nós não pagávamos o “aluguel do

chão”. Trabalhava na Macaxeira, ganhava muito pouco e atrasei três

meses. Consegui juntar o dinheiro de dois meses e eles não aceitaram e

cancelaram o meu contrato e perdi tudo que havia pago. Fui para o

Tribunal e, com a ajuda das ‘Terras de Ninguém’, foi o que me salvou“.

Marciano do Santos (Alto do Eucalipto)

Enquanto “favela semi-formalizada” os Morros de Casa Amarela tornam-se,

pois, objeto de controle dos proprietários, não só no que se refere ao pagamento dos

alugueis do chão e de casas construídas pelos proprietários como à repressão a

novas “invasões” no interior da propriedade.

O ponto auge do movimento expressou a revolta dos moradores quanto à

elevação dos aluguéis, culminando na cessação do pagamento do “aluguel do

chão”, não apenas nas terras desta propriedade, mas como prática dominante no

contexto das favelas da Cidade. A exacerbação do conflito implicou na intervenção

do Governo do Estado.

3.2.2 As Reivindicações do Movimento “Terras de Ninguém”

Com a intervenção do Governo do Estado, no início dos anos 80, visando a

desapropriação das Terras e a conseqüente regularização para os moradores, o

movimento “Terras de Ninguém” amplia suas reivindicações para melhoria da área.

Em meados dos anos 80, com um maior teor de organização dos

movimentos, as reuniões e as assembléias haviam se tornado e principal forma de

encaminhamento das reivindicações populares ao governo estatal e municipal.

Especialmente entre os anos 1986 e 1998, com o Programa “Prefeitura nos Bairros”,

implantado pela Prefeitura do Recife. (SOUZA, 1990).

O Movimento “Terras de Ninguém”, com a força de cerca de 53 comunidades

e diversas representações e Pró-Federação de Casa Amarela, o Conselho de

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Moradores de Casa Amarela - FEACA, os centros Comunitários - reivindicaram

obras de urbanização, tais como calçamento, iluminação pública, aterros de

alagados nos córregos; e instalação de escolas, postos de abastecimento de

gêneros alimentícios, entre outras. A questão da precariedade dos transportes

coletivos aparecia entre as reivindicações mais comuns das diversas associações.

Apesar da introdução dos ônibus elétricos já na década de 60, na gestão de

Pelópidas Silveira. A extensão da área e a complexidade das vias num

assentamento de relevo acidentado, só queria um melhor serviço de transporte

público.

Contudo, o centro das reivindicações e da luta do movimento “Terras de

Ninguém” permanecia como a posse da Terra legalizada pelo Estado enquanto tal

situação não se consolidasse plenamente.

Antes da intervenção estatal, e em razão do pagamento do “aluguel do chão”,

as “Terras de Ninguém” caracterizavam-se como uma favela “consentida” e “semi-

formalizada”. Como ressaltam, Falcão e Souza (1985:79), uma vez que tal solução

negociada era legitimada pelos contratantes, embora fosse irregular do ponto de

vista do código civil em vigor.

Contudo, conforme esses autores afirmaram (Falcão e Souza 1985: 80), é o

movimento da reação à exploração que veio reforçar:

“... um processo de construção coletiva de uma nova cidadania,

definida por um conjunto de direitos, tomados como auto-evidentes,

que é pressuposto da atuação política e fundamento da legitimidade

do poder”.

É importante salientar que, no movimento “Terras de Ninguém”, Igreja e

partidos políticos de oposição, na época, lutaram juntos aos moradores oferecendo

seu apoio e difundindo o problema para o restante da sociedade, fortalecendo as

suas reivindicações.

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A luta pelo direito à moradia empreendida pelo Movimento, foi apoiada pela

Comissão de Justiça e Paz, tendo à frente D. Hêlder Câmara, Arcebispo de Olinda e

Recife. Os assessores do movimento pautavam sua luta no tratado dos Direitos

Humanos, do qual o Brasil era signatário. Estes participantes confrontavam o direito

natural (social) com o direito positivo estatal e desempenharam papel relevante na

politização das invasões inclusive no âmbito jurídico, onde os argumentos em defesa

do direito dos invasores passam a ser utilizados.

Diante disso, Egler (1986) comenta que os movimentos sociais urbanos, que

têm por objeto de reivindicação a democratização da propriedade urbana, provocam

políticas estatais que vem no sentido de desapropriar grandes propriedades, que

são loteadas e repassadas à comunidade. Não raras vezes essa política vem

embutida de mecanismos que buscam impedir a realização da venda e da renda. O

fato da propriedade ser dividida e utilizada para fins habitacionais, não elimina a

formação e apropriação da renda.

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101

4. “TERRAS DE NINGUÉM”: O Processo de Regularização Fundiária.

Este capítulo traça um quadro geral da política de regularização fundiária pós

80, implantada na Região Metropolitana do Recife - RMR e especificamente nas

“Terras de Ninguém”, pelo Governo do Estado, através da COHAB - PE. Este

processo foi empreendido intensamente na gestão estadual de 1987/90, no Governo

de Miguel Arraes de Alencar, porém manteve sua continuidade até a extinção da

COHAB - PE , em 1988, quando foram paralisadas todas as ações de regularização

fundiária por parte da instância estadual. Destaca ainda, a formalização dos títulos

de propriedade para os moradores, enfatizando seus impasses e fornecendo um

esboço das condições de implantação desta política, visando discutir a atuação da

esfera estadual e no campo habitacional.

4.1 A POLÍTICA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA PÓS 80

Este item procura explicitar a política de regularização fundiária pós 80,

implantada na Região Metropolitana do Recife - RMR, onde se aborda a formas que

viabilizaram tal política, como o Programa de Erradicação de Sub-Habitação -

PROMORAR, instituído em 1979; a formalização das ZEIS e o PREZEIS, criados

após o início dos anos 80 e o Programa Chão e Teto, implantado pelo Governo do

Estado, através da COHAB-PE, no final dos anos 80.

4.1.1 O PROMORAR - Início dos Anos 80

No Brasil, em meados de 1970, um grande movimento de questionamento

da política social, inclusive a habitacional, assola o País. A universidade, os partidos

políticos, a Igreja e as Entidades de Assessoria aos movimentos populares passam

a desempenhar papel relevante no desenvolvimento de um movimento de

contratendência do caráter empresarial da política de Habitação Popular.

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Os partidos políticos, ressurgidos e rearticulados no processo de “abertura”

não só passam a ter alguns de seus membros como interlocutores dos movimentos

populares, como formalizam planos de ação e de governo que têm papel relevante

como elemento de propaganda e arregimentação partidária, assim como proposto de

políticas alternativas.

As Entidades de Assessoria aos movimentos populares, multiplicam-se na

década de 70 e, as já existentes intensificam o seu papel quanto assessoria, antes

bloqueado pelo regime de repressão. Vinculadas, na sua maioria, a organismos

religiosos, tais entidades reforçam o papel da igreja nesse processo.

A Igreja, que se aliara às forças condutoras do golpe de 64, teve alguns

setores distanciados destas pelo regime de exclusão e de repressão imposto pelo

sistema. Redefinindo seu papel em meados da década de 70, dá origem a

instituições de forte atuação junto aos Movimentos Sociais entre as quais destaca-se

a Comissão de Justiça e Paz (CJP). Na sua tarefa de defesa dos direitos dos

invasores e de assessoria jurídica aos movimentos populares, a CJP desempenha

papel relevante na politização das invasões, inclusive, no âmbito jurídico, onde os

argumentos em favor dos invasores passam a ser utilizados em vários estados do

país (MOURA, 1988).

Havia ficado evidente, nesse final dos anos 70, que os programas da COHAB

- PE, dirigidos por famílias com rendimentos mensais de 3 a 5 salários mínimos, não

conseguiram resolver o problema da habitação popular, especialmente para as

famílias mais pobres. Nesta mesma ocasião, ocorreram mudanças significativas na

política habitacional do BNH, com a inovação de programas alternativos, que eram

direcionados para urbanização e regularização das classes pobres, o que

proporcionaram um engajamento local – estadual e municipal.

A política habitacional, até então fortemente baseada na construção de

conjuntos padronizados (definidos por alguns autores como programas

“convencionais”), dá lugar a programas (definidos como “alternativos”) baseados nos

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preceitos: Tipologias locais de assentamento, reconhecimento de favelas e cortiços

como espaços legítimos para habitá-lo, que devem ser urbanizados e não

destruídos.

O uso de tecnologias locais e a ênfase em auto-ajuda e participação

comunitária tiveram um impacto positivo na redução de custos e na viabilização de

projetos urbanos. E ainda, a urbanização e regularização de favelas evitou os

problemas de remoção, reduzindo custos e gastos.

O Governo de Pernambuco, em 1979, cria a Secretaria de Habitação, com

uma unidade administrativa especifica para implantar os programas “alternativos” do

BNH. A COHAB - PE como único agente financeiro SFH em Pernambuco, teve uma

ação bastante expressiva, durante toda a década de 80 atuando, também, como

agente promotor do sistema. Assim, o BNH instituiu vários programas, PROFILURB

(1975), FICAM (1977) e finalmente o Programa de Erradicação de Sub-habitação -

PROMORAR (1979), que visa à urbanização das áreas pobres consolidadas e em

processo conflitos ou o reassentamento de favelas removidas, em face da

impossibilidade de urbanização.

Tais programas alternativos implantados pelo SFH, correspondiam ao

contexto de crise de recursos e de legitimidade do Estado, como resposta do Poder

Público às pressões sociais e por outro lado, para atender às populações carentes

com renda inferior a 3 salários mínimos.

O traço distintivo dos programas alternativos, entre eles o PROMORAR, em

relação ao programa convencional foi de início, a área de intervenção e a população

beneficiada. Atuando em favelas consolidadas ou promovendo reassentamentos, os

programas alternativos tiveram como pressuposto para a sua atuação a identificação

prévia da clientela, em geral, politicamente fortalecida. (SOUZA, 1990).

Em termos de regularização fundiária, os programas alternativos apresentam

dois momentos expressivos, especialmente no que se refere a aquisição de áreas

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ocupadas pela população pobre para fins de regularização fundiária, no âmbito do

governo estadual: o início dos anos 80, com a aquisição de cerca de 350 hectares

nos morros de Casa Amarela — “Terras de Ninguém“, viabilizadas com recursos do

PROMORAR; e, posteriormente, em 1987, em resposta às grandes invasões de

terrenos urbanos, o que levou o governo estadual a adquirir mais de 200 hectares

onde estas foram consolidadas nas seguintes localidades — Buriti (60 a 79

hectares); Roda de Fogo (63,41 hectares); Brejo (25,69 hectares) e Vinte e Sete de

Novembro (antigo Plano Cruzado — (78,00 hectares)) — tendo sido desembolsados

recursos da Receita Interna do Estado. (SOUZA, 1990).

A COHAB – PE, como único agente financeiro do Sistema Financeiro de

Habitação em Pernambuco, teve a partir do inicio da década de 80, uma grande

atuação no processo de reversão do quadro fundiário dos assentamentos populares

do Recife.

Por ocasião da implantação do projeto “PROMORAR” no Recife, em 1979, foi

feito um levantamento dos conflitos na área urbana, as favelas nos morros de Casa

Amarela, não só por sua dimensão espacial, como pela intensidade do seu conflito,

se apresentaram como as de maior expressão da Cidade. A intervenção do Estado

na área, como já dissemos acima, deu-se com a desapropriação das terras da

Empresa — as chamadas “Terras de Ninguém”. Com isso, o conflito se aplacou e as

áreas vizinhas que tinham se contagiado com o movimento, ainda esperam, mas

com certa passividade, a sua oportunidade.

A regularização fundiária empreendida pelo PROMORAR, promovia também,

conciliações dos conflitos existentes, reconhecendo de maneira tácita o direito de

propriedade x direito de moradia.

Segundo Falcão (1984, p. 84) aquele momento político em que se inicia a

implantação dessa política, confirma o argumento de que, há uma relação entre

autoritarismo/redemocratização e exclusividade/não exclusividade do direito estatal.

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Nesse sentido, o processo de redemocratização vivido no país do início dos anos 80,

propiciou o reconhecimento de outros direitos não estatais.

Com a queda do padrão de financiamento estatal e, conseqüentemente, com

a instabilidade do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, a indústria da construção

civil teria no PROMORAR uma alternativa para canalizar, ainda, algum padrão de

investimento público para o setor. Os municípios, por sua vez, teriam que adequar

suas legislações para permitir a alocação de recursos em áreas que não dispunham

de parâmetros legais para se tornarem objeto de financiamento, a partir das políticas

federais. Nesse contexto, emergem os primeiros exemplos notáveis de

reestruturação legal, com a introdução da figura das ZEIS na Lei do Uso e Ocupação

do Solo de Recife e a Pró-Favela na legislação de Belo Horizonte, no início da

década de 80.

4.1.2 A Formalização das ZEIS e o PREZEIS

A partir de 1980, vemos efetivamente a implantação de uma política de

habitação popular na RMR, voltada para a pobreza urbana, a qual visava mediar

conflitos, implicando, na maioria das vezes, numa dimensão jurídica. A escolha das

áreas de intervenção é resultado de um processo de negociação com as lideranças

comunitárias das áreas de maior conflito e se baseiam no levantamento de dados

dos assentamentos de baixa renda realizados pela FIDEM, em 1978. Estes dados

também serviram para que o Prefeito do Recife decretasse, já em 1980, as 26 Áreas

Especiais de Interesse Social - AEIS, dentro de um universo estimado de 70 favelas,

as quais, acrescida de mais uma, passaram a ser institucionalizadas como Zonas

Especiais de Interesse Social - ZEIS, na Lei de Uso e Ocupação do Solo - LUOS nº

14.511, aprovada em janeiro de 1983. Esta lei estabelece um tratamento

diferenciado para as ZEIS, visando garantir a sua integração à estrutura formal da

cidade, e consolida, assim, uma ação de vanguarda do governo municipal do Recife

no processo de legalização urbanística e fundiária dos assentamentos pobres.

(SOUZA, 2004).

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A regulação das ZEIS veio a acontecer em 1987, na gestão do Prefeito

Jarbas Vasconcelos (1986/1988), após longo processo de articulações, pressões e

negociações das organizações de bairros, apoiadas pela Comissão de Justiça e Paz

da Arquidiocese de Olinda e Recife. A lei do PREZEIS nº 14.947/87 garantiu as

condições urbanísticas de ocupação das famílias pobres no solo conquistado e, não

apenas a conservação de um padrão social semelhante, mas também propicia

mecanismos para a regularização da posse da terra.

Segundo Rolnik (2004, p. 01), a Lei do PREZEIS apresenta como fundamento

a segurança da posse da terra da população em áreas não regularizadas no Recife

e cria condições de participação popular na definição das ações e urbanização e

regularização fundiária. O PREZEIS foi a primeira experiência municipal, no âmbito

brasileiro, e é uma referência quando se pensa em mecanismo de co-gestão no trato

da política urbana.

Destacando o processo de institucionalização do PREZEIS, é importante citar

que, em abril de 1986, três meses após a posse do Prefeito Jarbas Vasconcelos,

numa grande assembléia do movimento popular, foi entregue solenemente a ele, a

proposta do PREZEIS, para ser encaminhada ao Poder Legislativo como Projeto de

Lei Municipal. Esta proposta depois de ser minuciosamente examinada e

aperfeiçoada pela Secretaria de Assuntos Jurídicos da Prefeitura do Recife foi

encaminhada para a Câmara Municipal, sendo finalmente aprovada e sancionada

pelo Prefeito, em março de 1987, a Lei nº. 14.947/87, que instituiu o Plano de

Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social – PREZEIS que instituía um

instrumento de gestão para as ZEIS, através das Comissões de Urbanização de

Legalização – COMUL.

A Lei do PREZEIS (1987) trataria, portanto, sobretudo de institucionalizar os

canais de gestão urbana, colocando a população próxima à arena divisória. Seriam,

criadas, em lei, as Comissões de Urbanização e legalização da Posse da Terra

(COMUL) – institucionalizando as práticas das antigas comissões de bairros – com o

objetivo de tratar dos problemas específicos de cada uma das ZEIS. Seria também

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criada a figura, ainda consultiva, do Fórum do PREZEIS, destinado a ocupar-se das

questões pertinentes ao conjunto da ZEIS.

A agenda institucional do PREZEIS, bem como a pauta do Fórum, teriam na

regularização fundiária o foco privilegiado das discussões. Tratava-se de um período

embrionário de consolidação institucional, com novas ZEIS sendo legalmente

reconhecidas, demandando um grande esforço, embora disperso, em busca da

aplicação dos instrumentos jurídicos de regularização fundiária.

A Lei do PREZEIS autoriza o Executivo Municipal a utilizar os instrumentos

necessários à regularização fundiária destacando: a usucapião, para a aquisição,

pelos moradores, da propriedade dos terrenos particulares ocupados; e a CDRU -

Concessão de Direito Real de Uso, utilizada para garantir a permanência daqueles

que ocupam áreas públicas municipais, ou cedidas em aforamento pela União ao

Município, firmada através de um contrato entre este e o morador; e a

desapropriação figurava como os instrumentos jurídicos disponíveis para promover a

regularização através do PREZEIS.

O desdobramento no processo de regularização da posse da terra tem sido

lento e complexo, necessitando neste particular, cada vez mais, do envolvimento

direto da comunidade para superação das dificuldades relacionadas à regularização.

Essa lei foi resultado de uma ampla discussão que contou com a participação

expressiva de entidades e organizações da sociedade civil, elaborado pela

Comissão de Justiça e Paz, da Arquidiocese de Olinda e Recife, após longo

processo de articulações, pressões e negociações das organizações de bairro,

tornando-se referência nacional para a gestão municipal no campo dos programas

de urbanização e regularização fundiária em áreas pobres. Em 1993, é editada a Lei

nº. 15.790/93, que instituiu o Fundo do PREZEIS. Posteriormente a Lei do PREZEIS

foi alterada pela Lei Municipal nº 16.113/95.

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Através da nova Lei Municipal nº 16.176 sancionada pelo Prefeito da Cidade

do Recife, em 09 de abril de 1996, amplia-se a classificação das ZEIS para 45 áreas

e remete todas as definições para transformação de áreas em ZEIS, de

regularização urbanística, fundiária e de gestão das ZEIS, para a Lei do PREZEIS

estabelecendo um tratamento diferenciado para essas áreas, visando garantir a sua

integração à estrutura formal da Cidade, sendo por conseguinte, o primeiro grande

passo do direito à moradia e à permanência no local de moradia das classes pobres,

em prol da legalização urbanística e fundiária desses assentamentos informais.

Hoje, as ZEIS representam 80% das localidades de interesse social no Recife.

São 66 ZEIS, instituídas, onde residem mais de 150.000 famílias e 38 COMULS

instaladas. Quarenta comunidades reivindicam a sua transformação em ZEIS e doze

ZEIS reivindicam a instalação de novas COMULS. (MIRANDA, 2002). É importante

salientar que a ZEIS Morros de Casa Amarela, instituída desde 1983, não possui

COMUL, devido a dificuldade de representação de suas comunidades (Mapa 1 e 2)

Segundo Botler e Marinho (1993), o plano de Regularização das Zonas

Especiais de Interesse Social (PREZEIS) é um marco na renovação dos moldes de

gestão de políticas urbanas no Recife. Criado há dez anos, no contexto da

redemocratização, apropria-se – enquanto instrumento jurídico, urbanístico e como

ferramenta gerencial – de práticas iniciadas por governos anteriores, do período de

transição democrática, introduzindo, ampliando e enfatizando aspectos políticos de

participação e descentralização, tendo em foco uma ampla representatividade social.

Ancorado numa lei de regulamentação de instrumentos previstos nas normas de uso

do solo, o programa envolve um vasto campo de ação na recuperação de áreas

faveladas e propõe uma ampla estrutura institucional para gerenciamento e controle

da ação governamental.

Com a Lei nº 14.947/87, do PREZEIS, abriu-se um leque para que novas

áreas pudessem ser reconhecidas como ZEIS, sendo introduzidos mecanismos de

proteção contra as ações especulativas do mercado. Dentre os principais

instrumentos de inibição, encontra-se aqueles fundamentados em critérios de

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regulação sobre as dimensões dos lotes – antecipados pelo projeto Teimosinho – e

na proibição de remembramentos, o que reforçaria a conservação das

características das ocupações locais, bem como do perfil social dos ocupantes.

Estes aspectos definem o perfil de uma primeira fase do PREZEIS,

predominada pelo argumento em favor da legitimação das ocupações e centrado,

quase exclusivamente, na defesa da regularização da posse da terra. Naquele

momento, as ações de urbanização a serem promovidas pelo Poder Público eram

interpretadas sob desconfiança – entendidas como ações “predatórias” – à medida

que potencializavam uma ação especulativa do setor imobiliário: em registros de

manifestações populares, chegava-se a empunhar faixas de protestos contra

possíveis iniciativas de urbanização, sem que antes fosse promovida a regularização

da posse da terra.

Observe-se que, naquele período, as ações de urbanização estavam

exclusivamente vinculadas aos programas federais de habitação. No caso, o

PROMORAR, que previa programas de urbanização de favelas sem remoções para

a periferia da cidade, como costumeiramente realizado na década de 70.

Ressalta-se, no entanto, que a ótica hegemônica, na esfera do movimento

popular e das entidades de assessoria envolvidos no PREZEIS, sendo a garantia de

permanência daquelas populações no solo conquistado e não apenas a

conservação de um padrão social semelhante, consolida o PREZEIS até os dias

atuais, apesar de algumas dificuldades que apresenta no seu processo de gestão,

que faze ao escopo deste trabalho aprofundar.

Segundo Rolnik (1997) o PREZEIS, introduz critérios de regulação espacial

calcados, principalmente, num formato de acesso igualitário ao solo urbano. Critérios

traduzidos, sobretudo, em padrões de lotes mínimos e máximos previamente

definidos, de forma a conservar uma homogeneidade sócio-espacial e assegurar o

solo urbano em favor daquelas populações carentes.

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4.1.3 Chão e Teto - Final dos Anos 80

Os programas habitacionais implementados pelo Governo do Estado, através

da Secretaria de Habitação e Companhia de Habitação Popular - COHAB - PE, no

final dos anos 80 são voltados, basicamente, para a população de baixa renda que

ganha entre zero e três salários mínimos.

No início de 1987, Miguel Arraes assume o Governo do Estado e traz Pedro

Eurico Barros e Silva — assessor do movimento popular — como Secretário de

Habitação, que adotou como princípio substituir o caráter de provedor da habitação

em si, pelo promotor das condições de acesso à habitação. Procurou assim, formular

um programa, de modo que, a intervenção governamental se desse nos pontos de

estrangulamento do sistema, promovendo, portanto, em primeiro plano, o acesso à

terra e à infra-estrutura básica, e num segundo plano, apoiando a produção da

habitação em si, através do financiamento do material de construção e da

assistência técnica no canteiro da obra. (SOUZA, 2003).

Desta forma, aquele governo através da Secretaria de Habitação e

Companhia de Habitação Popular - COHAB-PE, lança programas sob o título de

“chão e teto”, voltados, basicamente, para a população de baixa renda que ganha

entre zero e três salários mínimas. São eles: Projeto Construção; Projeto Melhoria

de Habitação; Projeto Inquilino; Barro; Legalização da Terra; Urbanização de

Favelas e Lotes Urbanizados.

Com estes programas, a COHAB-PE reformulou por completo o tratamento

que era dado à questão habitacional no Estado. Anteriormente esta política era

voltada quase que exclusivamente para os conjuntos habitacionais para a faixa de 3

e 7 salários mínimos, em detrimento da maioria da população, composta por

pessoas de baixíssima renda.

A necessidade de moradias alia-se à perspectiva da possibilidade de obtê-las

no governo que se instala, constituindo-se a razão maior do crescimento do número

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de invasões nesse momento. A invasão do Buriti (61 hectares) em Casa Amarela,

envolvendo quase 3.000 famílias, ocorre no dia da posse do novo Secretário de

Habitação. E é interpretada por muitos como a própria “manifestação da esperança”

que o governo instalado passara a representar. Dias após, no Brejo da Guabiraba

(26 hectares) em Nova Descoberta, 500 famílias também invadem, instalando um

conflito com a polícia que havia sido requisitada pelo proprietário.

Desta forma, a pressão popular através das invasões cresce expressivamente

nos primeiros meses do ano de 1987 e declina, posteriormente, contribuindo, para

isso, a postura adotada pelos governantes no trato da questão (EGLER, 1986).

Com a filosofia do Programa Chão e Teto, a COHAB - PE reformulou por

completo o tratamento que era dado à questão habitacional no Estado.

Anteriormente esta política era voltada quase que exclusivamente para os conjuntos

residenciais convencionais para a faixa de três e sete salários mínimos, em

detrimento da maioria da população, composta por pessoas de baixa renda.

Os programas que compõem a nova sistemática implantada pelo Governo do

Estado, sob a denominação de Chão e Teto, são: Projeto Construção; Projeto de

Melhoria de Habitações; Projeto Inquilino; Barro; Legalização da Terra; Urbanização

de Favelas e Lotes Urbanizados.

No que concerne ao programa de regularização fundiária das áreas

adquiridas, grande parte do processo iniciado, ainda, através do PROMORAR, foi

consolidado no governo de Miguel Arraes com a legalização da posse da terra de

cerca de 30.000 moradores. Este governo, por sua vez, arcou com os custos do

parcelamento e assumiu o retorno do empréstimo ao BNH/CEF. Os custos do

processo de legalização foram em parte viabilizados com recursos do Banco Mundial

através do convênio FIDEM/MHU. Quase um quarto do total de favelas do Recife,

seus ocupantes já possuem o título de propriedade (cerca de 90%) ou a Concessão

do Direito Real de Uso – CDRU (SOUZA, 1990).

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112

O processo de Regularização Fundiária empreendido pelo Governo do

Estado, através da COHAB-PE, utilizou como instrumentos - a Desapropriação e a

Titulação de Propriedade para os Moradores.

Segundo Saule Jr. (2002) a desapropriação é uma forma excepcional de

aquisição da propriedade privada pelo próprio Poder Público, sujeita a estritos

requisitos e condições constitucionais e legais. A desapropriação pode ser aplicada

em casos de necessidade, de utilidade pública, ou de interesse social, como é o

caso da regularização fundiária das “Terras de Ninguém”.

A adoção predominante por parte da COHAB-PE do instrumento da

desapropriação e conseqüente regularização fundiária mediante título de

propriedade se deve à sua condição de Agente financeiro do SFH, como será

explicitado no item a seguir.

Um outro aspecto a destacar é que a COHAB-PE, conduz o processo de

regularização fundiária alinhada aos princípios do PREZEIS, que permite a

legalização das áreas, respeitando suas características e tipicidades,

independentemente das normas e parâmetros urbanísticos da Cidade. (Jornal Chão

e Teto, fevereiro de 1988).

O reconhecimento do direito do acesso à terra urbana por parte do Estado,

tornou-se explícito, especialmente pós 1987, não só no processo de legalização

empreendido, como também pela atitude política e não policial adotada no trato das

invasões.

4.2 FORMALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE PROPRIEDADE PARA OS MORADORES

Em Recife, para efeito de regularização fundiária dos assentamentos, são

adotados procedimentos e instrumentos legais diversos. Este processo avança a

partir da segunda metade da década de 80, de modo distinto entre a COHAB – PE

(governo estadual) e a URB RECIFE (governo municipal).

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113

Para as “Terras de Marinha”, bem como para as Terras Públicas cedidas à

COHAB – PE para fins de regularização fundiária, a COHAB – PE adota o CDRU,

transferindo para o morador o direito de uso de terra e não o direito pleno, em

conformidade com a regulamentação das “Terras de Marinha” e com as disposições

da Lei do PREZEIS.

Este procedimento para as “Terras de Marinha” e para as Terras Públicas é,

também, adotado pela Empresa de Urbanização do Recife – UBR, incumbida do

processo de regularização fundiária das ZEIS, seguindo os princípios da Lei do

PREZEIS, que prevê a utilização exclusiva para regularização fundiária em áreas

públicas a CDRU, proibindo a doação.

Contudo, ao contrário da COHAB – PE, a URB – RECIFE adota para as áreas

privadas, o instrumento da usucapião urbana, enquanto que a COHAB-PE utilizou,

predominantemente a escritura de propriedade com procedimentos que

possibilitaram resultados bem expressivos. (SOUZA, 2004).

Souza (2004, p. 11) apresenta um quadro geral dos avanços do processo de

regularização fundiária no âmbito da cidade do Recife, promovido pelas instâncias

estatal e municipal, destacando a atuação da COHAB-PE nesse processo:

“Dados disponíveis sobre a situação da regularização fundiária

atual dos assentamentos pobres do Recife apontam para um total

de 32.397 famílias regularizadas ou em processo de

regularização, o que representa cerca de 21% do total de famílias

residentes nesses assentamentos. Desse total, 93% refere-se às

titulações emitidas pela COHAB - PE. Cerca de 87% do total de

títulos emitidos já foram entregues, o que significa que 28.201

famílias residentes nas áreas pobres do Recife dispõem de seu

título de regularização fundiária. Isto representa 18,6% do total de

famílias residentes nessas áreas.

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114

Segundo dados apresentados, a COHAB-PE emitiu cerca de 26 mil títulos de

propriedade e entregou cerca de 24 mil desses títulos, 50% são destinados à

regularização fundiária das “Terras de Ninguém”, evidenciando a sua importância no

contexto político de regularização fundiária implantada no Recife.

4.2.1 Processo de Desapropriação das “Terras de Ninguém”

A desapropriação das “Terras de Ninguém”, em Casa Amarela, constituiu-se

no maior processo de regularização fundiária em terras urbanas, já ocupadas, que

se tem registro, na história do Recife. Esta vitória do povo, cujo movimento começou

com uma simples reunião de moradores, nos idos de 1975, cresceu e passou a

contar com a colaboração da Igreja, que na época, tinha à frente o arcebispo de

Olinda e Recife, Dom Hêlder Câmara; políticos, ONG, advogados, etc. Sabe-se que

mais de 100 mil pessoas foram beneficiadas, sendo 20 mil lotes de terra

desapropriados.

Antes, o povo pagava o “aluguel do chão” ou foro, nestas terras. Na

localidade, ainda se vê casas com placas com TP (terreno próprio), o que hoje, faz

parte de um passado que todos querem esquecer, haja vista que hoje todos os

moradores ficaram donos de seus lotes.

A extensão da área - cerca de 350 há - e o elevado número de comunidades

(53) compreendidas nas “Terras de Ninguém”, dificultaram a inserção da ZEIS Casa

Amarela no âmbito do PREZEIS - Plano de Regularização das Zonas Especiais de

Interesse Social.

A desapropriação ali implementada, envolveu 53 comunidades, e

desapropriou cerca de 20.000 lotes, pertencentes à Empresa Imobiliária de

Pernambuco Ltda., tendo contemplando mais de 15.000 famílias, numa área com

cerca de 350 hectares, cuja desapropriação foi feita pelo Governador do Estado de

Pernambuco Dr. Marco Antônio de Oliveira Maciel, através do decreto nº 7.008 de

29/12/1980 (Anexo 6), que:

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115

“Declara de necessidade e utilidade pública e de interesse social,

para fins de desapropriação, áreas de terra, localizadas na cidade

do Recife...”.

Várias foram às áreas integrantes das

“Terras de Ninguém”, as quais foram declaradas

de necessidade pública e interesse social, para

fins de desapropriação. Dentre elas destacam-se:

Oiteiro, Nova Descoberta, Vasco da Gama,

Córrego do Euclides, Córrego da Areia, Brejo,

Córrego da Bica, Córrego da Telha e Córrego do

Eucalipto. E, além desses 20 mil lotes

desapropriados o engenheiro João Braga10,

afirmou que havia mais 10 mil lotes em processo

de negociação perfazendo um total de 30 mil

lotes. (Mapa 2)

Todas essas áreas estão constantes do

“Instrumento particular de ajuste para fixação de

preço de desapropriação e outras avenças que

entre si fazem a Companhia de Habitação

Popular de Pernambuco e a Empresa Imobiliária

de Pernambuco S.A.”, destinado ao Registro do Cartório Geral de Imóveis, datado

de 31 de dezembro de 1980 (Anexo 7). O mandado de averbação de registro da

gleba foi emitido pelo Juiz, cerca de sete anos depois (1987), conforme se pode

verificar no Anexo 8, sendo o registro da referida gleba efetivado no Cartório Geral

de Imóveis do 2º Ofício da Comarca do Recife, sob o número 4730, também no ano

de 1987. (Anexo 9).

10 Em entrevista realizada em 26.07.2005, com o Engenheiro João Braga, Diretor do Programa Especiais da Secretaria de Habitação no período 1979-81

Figura 2: Assinatura do Decreto de Desapropriação das “Terras de Ninguém” pelo Governador Marco Maciel, 1980. Fonte: Jornal Habitação, COHAB-PE, ano 4, nº 4, Janeiro de 1981.

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116

As despesas com a referida desapropriação, ocorreram por conta dos

recursos financeiros do BNH, no âmbito do Programa PROMORAR, através da

Companhia de Habitação Popular do Estado de Pernambuco - COHAB - PE -

Sociedade de Economia Mista Estadual, da qual o Estado de Pernambuco detém o

controle acionário. O Governo de Pernambuco arcou com os custos do

parcelamento e dos procedimentos operacionais necessários à regularização da

área e, ainda, assim o retorno do empréstimo ao BNH.

A desapropriação amigável foi feita

entre o Espólio de Manuel Alfredo Marinho

do Passo e a Companhia de Habitação

Popular do Estado de Pernambuco -

COHAB - PE, pelo preço de Cr$

7.000.000,00 (sete milhões de cruzeiros),

pago no ato da aquisição, em moeda

corrente e legal no país. A leitura do

Decreto de Desapropriação realizada na

própria área constitui-se um marco de

vitória do movimento. (Figura 3).

A desapropriação das “Terras de

Ninguém” e sua conseqüente legalização

através da titularização, foi resultado de

uma grande mobilização popular dos seus

moradores e demais atores anteriormente

mencionados, os quais reivindicavam na

sua luta, o direito à moradia. E, mesmo

depois do Decreto de Desapropriação das

“Terras de Ninguém”, aquele movimento

pela posse da terra continuou com o líder

comunitário João do Cigarro à frente do movimento. 11 (Figura 4)

11 Como se constata em reportagem publicada em jornal local, em 6 de abril de 1981 e em entrevista

com João do Cigarro, presidente do movimento e responsável pelo Escritório, desde a fase de implantação da regularização fundiária.

Figura 3: João Braga faz a leitura do Decreto de Desapropriação das “Terras de Ninguém”, 1980. Fonte: Cartilha de aniversário produzida pelo Movimento “Terras de Ninguém”, 2001.

Figura 4: João Braga entrega cartilha sobre “Terras de Ninguém” ao líder comunitário João do Cigarro. Fonte: Cartilha produzida no gabinete do Deputado estadual João Braga. 1998.

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117

Em 1981, o governador em exercício Roberto Magalhães inaugura o Escritório

do projeto “Terras de Ninguém”; em Casa Amarela, ocasião em que o Secretário

José Jorge de Vasconcelos Lima informa que a Secretaria de Habitação investirá

naquela área recursos no valor de Cr$ 700 milhões de cruzeiros.

Por ocasião da desapropriação das “Terras de Ninguém”, em dezembro de

1980, coube a COHAB - PE receber naquela ocasião, os documentos da Empresa

Imobiliária de Pernambuco Ltda., incluindo as fichas de controle dos aluguéis. Além

dessas fichas cadastrais de cobrança, foram entregues também os contratos de

compra e venda dos lotes negociados anteriormente pela Empresa.

4.2.2 Processo de Regularização Fundiária dos Moradores das “Terras de

Ninguém”

Após o ato de desapropriação das “Terras de Ninguém”, os lotes foram

cedidos aos moradores, através de Escritura Particular de Compra e Venda, com

força de Escritura Pública, pela COHAB-PE, que, exercendo a condição de agente

financeiro do SFH e a conseqüente prerrogativa conferida pelas Leis 4380/64 e

5049/66, emitia escritura particular com força de escritura pública, a custos

inexpressivos para o beneficiário, bem abaixo dos custos cartoriais.

Apesar da desapropriação ter ocorrido em dezembro de 1980, pondo fim aos

conflitos sociais que perduravam por várias décadas, tendo como atores, os

moradores, o proprietário fundiário e o próprio Estado, a formalização dos títulos de

Propriedade para os moradores somente ocorreu a partir da instalação do Governo

de Miguel Arraes de Alencar, em 1987.

Os processos de regularização fundiária, empreendidos, seja pela COHAB -

PE, seja pela URB - RECIFE, enfrentaram várias dificuldades, destacando-se a

rigidez da legislação dos registros de imóveis, a cultura conservadora do poder

judiciário, a estrutura dos cartórios, com precárias formas de registro e

armazenamento, a falta de continuidade dos programas em função da mudança de

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118

prioridades dos governos, além de outros mais específicos, referentes ao

descompasso entre as ações de regularização jurídico-fundiária e o planejamento

das intervenções urbanísticas. (SOUZA, 2004).

Para enfrentar as dificuldades de registro em cartório dos títulos de

propriedade da terra emitidos, a COHAB - PE adotou um procedimento, no final dos

anos 80, que merece ser destacado. A Lei de Registros Públicos nº 6.015, de

31.12.1973 e Lei nº 6.815, de 19.08.1980, artigos 30, 33, 43 - 49; exige

determinados parâmetros – dimensões e padrões de ruas, de lotes, etc. – não

compatíveis com as condições especiais dos assentamentos pobres, o que até

então não permitia que os lotes das “Terras de Ninguém” e demais favelas do Recife

fossem registradas em cartório geral de imóveis. Para superar este entrave, a

COHAB – PE, por iniciativa do advogado responsável - Rita Carvalho, passou a

escritura de um lote das “Terras de Ninguém”, e solicitou ao 3º Cartório de Registro

Geral de Imóveis desta Comarca, ocasião essa que o mesmo rejeitou o registro do

respectivo lote. Suscitada a dúvida, o processo foi levado ao Juiz da 2ª Vara de

Sucessões e Registros Públicos da Comarca do Recife - PE, MM. Juiz Josias

Horácio da Silva, tendo a referida advogada, em nome da COHAB – PE, preparado

um arrazoado e juntado ao processo, bem como, baseando-se nas condições

especiais das ZEIS, utilizando argumentos políticos e justificando os motivos da

legalização, inclusive ressaltando a situação de ocupação espontânea, há mais de

200 anos, sem solução legal. Concedida a autorização pelo Juiz, para o registro em

Cartório do lote mencionado e, com base nesse registro, a COHAB – PE solicitou

por extensão, os registros dos demais lotes de “Terras de Ninguém”, como de outras

áreas do Recife que se encontravam em processo de legalização12.

Vale destacar a iniciativa inovadora da advogada Rita Carvalho, que

repercutiu na viabilização do processo de regularização fundiária das “Terras de

Ninguém” e de outros assentamentos em vias de regularização fundiária.

12 As informações sobre os procedimentos operacionais utilizados para a emissão dos títulos e a

regularização fundiária das “Terras de Ninguém” foram fornecidas pelo Advogado Carlos Magno Sampaio - Diretor de Programas Especiais da COHAB-PE (1987 - 90) - em entrevista realizada 16.06.2004.

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119

Na implementação deste processo de regularização, foi possível ser adotado

uma grande simplificação para a obtenção da emissão dos títulos de propriedade. A

exigência do levantamento topográfico foi dispensada, sendo substituído por outros

procedimentos: Era realizado levantamento fotogramétrico, no qual se baseava uma

equipe de campo, com dois medidores e um desenhista, os quais elaboraram

“croquis”, onde constavam as dimensões e limitações dos lotes, a ser anexado à

escritura emitida por lote. (Anexo 10).

Este processo simplificado não apresentava topografia, traçado urbanístico,

dimensões de rua, e outras exigências cartoriais, constituindo-se também mais uma

conquista da Advogada Dra. Rita Carvalho. O levantamento fotogramétrico servia de

auxílio aos medidores.

Os custos do processo de legalização - levantamento fotogramétricos,

equipes de medidores e desenhistas, emissão de escrituras e propriedade e

mobilização da comunidade para entrega dos títulos - foram viabilizados com

recursos do Banco Mundial, mediante o convenio FIDEM/MHU (SOUZA, 1990).

O êxito do processo de titulação

de propriedade empreendido pela

COHAB - PE repercutiu nas demais

comunidades, facilitando as

negociações com aquelas situadas em

terras públicas, cuja condição de

legalização seria a utilização do CDRU

- instrumento com dificuldades de

aceitação pelas comunidades, por

conceder apenas o direito de uso do

imóvel, ou seja, por não implicar na

aquisição de direitos equivalentes aos

da transferência da propriedade. (SOUZA, 2004).

Figura 5. Entrega aos moradores das “Terras de Ninguém” dos Títulos de Propriedade aos moradores. Fonte: Jornal Chão e Teto, fevereiro de 1988.

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120

O processo de regularização

fundiária, iniciado nas “Terras de

Ninguém”, tornou-se referência para

as demais áreas pobres que lutavam

pelo direito à posse da terra, sendo

aclamado pelo próprio movimento.

(Figura 5). Segundo os princípios do

instalados na gestão estadual, o

processo de regularização fundiária,

consolidando as famílias no seu local

de moradia, possibilitaria a

implantação de outros programas de

melhoria de habitações que passaram

a ser implantados na área. (Figura 6).

Estendida a experiências em outras áreas a COHAB-PE teve como resultado

a emissão de cerca de 26 mil títulos de propriedade no Recife, dos quais 12.678 mil

foram emitidos para as “Terras de Ninguém” numa13 experiência que pode ser

considerada inovadora, além de legal, já que os títulos emitidos são efetivamente

válidos e passíveis de registro em Cartório. Este processo foi empreendido

intensamente na gestão estadual de 1987 – 90, porém manteve sua continuidade

até a extinção da COHAB – PE, em 1998, quando foram paralisadas todas as ações

de regularização fundiária por parte da instância estadual.

Desde 2003, a Companhia Estadual de Habitação – CEHAB retoma o

processo de regularização fundiária interrompido com a extinção da COHAB-PE, em

1998. A Titulação de Propriedade das “Terras de Ninguém” segue, inclusive, o

processo instalado desde 1987, com modelo de escritura e de “croquis” dos lotes.

(Anexo 11).

13 Em entrevista com o Advogado Fernando Barros este afirma que dos 12.678 mil títulos emitidos e

entregues nas “Terras de Ninguém”, destinaram: para a área nº1- 10.155 e a área nº 2- 2.523. Entrevista realizada no dia 30.05.2005.

Figura 6. Apresentação aos moradores das “Terras de Ninguém” dos programas de melhora de habitação. Fonte: Jornal Chão e Teto, fevereiro de 1988.

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121

4.2.3 A Semi-informalidade na Regularização Fundiária das “Terras de

Ninguém”

Se os investimentos em urbanização nos assentamentos têm alto interesse

político, os processos de titulação podem ter um efeito ainda mais intenso, já que se

trata de uma formalização da segurança de permanência em contexto extremamente

vulnerável.

Vale destacar, que apesar do resultado expressivo da COHAB-PE, no sentido

de regularizar a posse de terra dos moradores das “Terras de Ninguém”, entregando

cerca de 12 mil títulos de propriedade, seria necessário para a conclusão do

processo de formalização da propriedade o registro dos títulos em cartório.

Contudo desse montante de 12 mil títulos entregues, apenas cerca de 1.600,

foram registrados. Esses títulos foram registrados a preço irrisórios e simbólicos, ou

seja, R$ 100.00 (cem reais); 14

Conforme informações do advogado Carlos Sampaio, Diretor dos Programas

Especiais da COHAB-PE, em entrevista realizada em 16.06.2004, os moradores das

“Terras de Ninguém” e de outras áreas, que receberam seus títulos de propriedade,

ficaram cientes da necessidade de registrá-los em Cartório Contudo, constatamos

que menos de 15% o fizeram, o que suscita algumas indagações.

Uma possibilidade que pode ser aventada remete à precariedade da difusão e

da precisão da informação fornecida pela COHAB-PE, da necessidade do registro

dos títulos de propriedade no cartório.

Outra possibilidade remete ao custo do registro em cartório, que dificulta a

conclusão do processo de regularização fundiária por parte dos moradores.

14 Informação obtidas no 3º Cartório do Registro Geral de Imóveis da Comarca do Recife, em

entrevista com Álvaro Henrique Campelo Vilaça (Técnico Judiciário) realizada dia 07.10.2004.

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122

Recentemente a Lei nº 10.931/04, que altera a Lei nº 6.015 de 31.12.73,

isenta às custas cartoriais, quando em Zonas Especiais de Interesse Social, e

emitidas por regularização fundiária promovida pelos órgãos públicos. Inicialmente

houve certa rejeição nos cartórios, mas a Corregedoria de Justiça está cientificando

os cartórios para fazer cumprir esta lei. Contudo, a medida é recente e a informação

pode não ter chegado até os moradores das “Terras de Ninguém”.

Deve-se ressaltar a dificuldade de implementação das leis em vigor, devida

em parte à falta de informação e educação jurídicas e ao difícil acesso ao Poder

Judiciário para o reconhecimento dos interesses sociais.

Admitimos, ainda, a possibilidade de que o sentimento de garantia de

permanência no seu lugar de moradia, minimize a necessidade da formalização

plena da propriedade.

Nesse sentido vale a pena destacar alguns depoimentos, que retratam esse

sentimento segurança, bem como o estímulo para melhoria do bem que considera

garantido.

Em entrevista com moradores das “Terras de Ninguém” que receberam título

de propriedade, observamos mudanças significativas no seu estado de espírito,

decorrente do fato de não serem mais molestados com ameaças de expulsão ou de

cobranças do “aluguel de chão” e adquirirem a confiança da permanência no local

de moradia.

“antes a gente nem dormia, ficava com medo de ser expulso. Braga

se juntou a nossa causa e o governo Marco Maciel desapropriou a

terra. Hoje me sinto tranqüila. Sei que ninguém, nem proprietário,

nem policia vão me incomodar” (Maria de Jesus Avelino)

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123

Verificamos que também, o engenho desses moradores detentores de titulo

de propriedade melhoraram as sua moradias, mediante financiamento do governo

ou mesmo por conta própria.

“(...) depois da desapropriação todo dinheiro que juntamos

empregamos em nossa casa, além daquele que o governo nos

emprestou para melhorar o barraco (...)” (Maria Pereira Cardoso).

Por outro lado constatamos que antes da desapropriação os moradores não

se dispunham a melhorar seus imóveis temendo a expulsão.

“Eu antes da desapropriação nunca me esforço para colocar um

prego nessa casa. O medo de ser mandado embora era grande”

(José Fabrício da Silva).

Por fim, podemos aventar que o Estado ao privilegiar a sua função regulatória

no âmbito da política urbana e habitacional, ocasiona uma “dispersão” das

contradições sem, no entanto, resolvê-las, deslocando a atenção das contradições

capitalistas para a legalização dos conflitos (MOURA, 1987). Ao conseguirem a

titularização de suas terras, por exemplo, os moradores tendem a não se sentirem

mais “marginalizados” na sociedade, minimizando questões como a sua própria

marginalidade econômica e evidenciando, neste contexto, a busca da cidadania.

(SOUZA, 1991).

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124

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A crise do padrão de desenvolvimento urbano e seus impactos sociais,

econômicos, políticos, institucionais tem sido uma problemática sentida por toda a

sociedade civil em suas mais diversas formas. A falta de áreas adequadas e

acessíveis à habitação, a ausência de atendimento por parte do Estado a este

quadro sócio-habitacional deficitário e carente, o elevado preço da terra urbana

devido à sua concentração monopólica e privada, o desemprego ou sub-emprego,

com conseqüente queda dos salários, que impede o trabalhador a ter acesso aos

programas habitacionais financiados, enfim, fatores estes que conformam um

conjunto de obstáculos que obrigam a população sem teto a utilizar a ocupação

irregular ou a “invasão”, como último recurso para ter acesso à terra e à habitação,

em terrenos públicos ou privados, sendo na maioria dos casos, em condições

precárias de saneamento e localização.

Em decorrência da crise do Estado - crise de recursos e crise de legitimidade

- o Estado redefine sua política habitacional em resposta aos setores populares que

reivindicam o direito ao acesso à moradia urbana, propiciando abertura de um

espaço de negociação entre o povo e o governo.

Nesse contexto, surge o movimento “Terras de Ninguém”, de base popular,

que eclodiu no Recife, em meados da década de 70, pondo em questão a política

social do governo instalado. As necessidades sociais passam então, a serem

circunscritas ao campo do direito que, assumindo um significado simbólico, passa a

configurar os princípios de uma nova política.

O acesso à habitação constitui-se, pois, o âmago da questão. O

reconhecimento do direito à moradia torna-se então, o principio central da política

implantada pela COHAB-PE, que, no âmbito da regularização fundiária, resultou na

concessão e emissão de títulos de propriedades, para cerca de 26 mil famílias no

Recife, das quais 12 mil são moradores das “Terras de Ninguém”.

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125

Verificamos, que o modo como ocorreu a ocupação das “Terras de Ninguém”,

objeto deste estudo, ocasionou grandes conflitos sociais, os quais estão diretamente

relacionados com o processo especulativo e excludente de ocupação do espaço

urbano, nos moldes capitalistas.

O processo de desapropriação e legalização da posse da terra dos

assentamentos populares do Recife, e em especial das “Terras de Ninguém”,

empreendido pela COHAB-PE, ao se constituir respostas às reivindicações de maior

expressão da população mobilizada politicamente, em torno da consolidação e

formalização do seu espaço de moradia, coloca a questão da habitação, não sob o

prisma exclusivo da escassez de recursos, mas no âmbito do processo decisório do

Estado e das contradições emergentes da interação do Estado e movimentos sociais

urbanos.

Vinda de um aparelho de Estado cuja função básica é a defesa e a

valorização da propriedade, vital para a reprodução e manutenção do modo de

produção capitalista vigente, a regularização fundiária assume papel fundamental no

processo de urbanização porque um dos pressupostos dos programas de titulação é

que os favelados, possuindo os títulos de propriedade e assim pagando os impostos

que isto implica, atingirão o sentimento e o exercício da cidadania.

Os programas de concessão de títulos de propriedade visam, em última

análise, permitir acesso à propriedade para aqueles que, via mercado de terras

urbanas, não dispõe de condições de realizá-los. Assim, dá-se o “status” de

proprietário àqueles que até então, são encarados como “posseiros”, invasores de

propriedade alheia.

Contudo, ao constatarmos que o esforço empreendido pelo poder público,

não se concretizou plenamente, no caso das “Terras de Ninguém”, em face da

pequena proporção de moradores que registraram seu titulo em Cartório, concluímos

que a semi-formalidade permanece.

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126

É importante ressaltar que, regularizar sem interromper o ciclo de produção

da irregularidade, além de renovar o sofrimento da população, provoca a

multiplicação permanente da demanda por recursos públicos. Além disso, o ciclo que

leva da informalidade à regularização tem frequentemente reafirmando e ampliando

as bases da política clientelista tradicional co-responsável pela própria produção da

informalidade. Em outros casos, a inadequação ou o fracasso dos programas tem

facilitado o surgimento de novos pactos sociais que, sobretudo nas áreas

controladas pelo tráfico de drogas e pelo crime organizado, desafiam cada vez mais

as estruturas, político - institucionais oficiais, assim como as bases e a validade da

ordem jurídica.

Ampliando sua avaliação para um contexto mais amplo de intervenção estatal

sobre os assentamentos precários, Rolnik (2002), destaca que a gestão pública

cotidiana incorpora lentamente essas áreas à cidade, regularizando, urbanizando,

dotando de infra-estrutura, mas nunca eliminando a precariedade e as marcas da

diferença em relação às áreas que já nascem regularizadas. Essa dinâmica tem alta

rentabilidade política, pois dessa forma o Poder Público estabelece uma base

política popular, de natureza quase clientelista, uma vez que os investimentos são

levados às comunidades são assim convertidas em reféns, eternamente devedoras

de quem as protegem ou “olhou por elas”. Essa tem sido uma das grandes moedas

de troca nas contabilidades eleitorais, fonte da sustentação popular de inúmeros

governos.

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