ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

18
ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 349 ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA INDEPENDÊNCIA COM RESPONSABILIDADE 343 JUDICIARY CONTROL BODIES AND THE SEARCH FOR INDEPENDENCE WITH RESPONSIBILITY Caroline Belletti 344 Sumário Introdução; 1 A questão da responsabilidade dos juízes; 2 A independência dos magistrados e garantias que asseguram a sua liberdade de atuação; 3 Órgãos de controle do Poder Judiciário no direito comparado; 4 A atuação do Conselho Nacional de Justiça no âmbito brasileiro; Considerações Finais; Referências Bibliográficas. Resumo O presente artigo tem como tema central a atuação dos órgãos de controle do Poder Judiciário e a busca de harmonização entre os conceitos de independência e responsabilidade. O objetivo geral é analisar os institutos da responsabilidade judicial e da independência judicial, apresentando-se conceitos, subdivisões e opiniões acerca desses conteúdos. Como objetivo específico pretende-se relatar a criação e função dos órgãos de controle do Poder Judiciário no direito comparado e, mais especificamente, no âmbito brasileiro, com destaque para o Conselho Nacional de Justiça. Há entendimentos 343 Artigo submetido em 22/03/2016, pareceres de aprovação em 26/04/2016 e 01/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016. 344 Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, área de concentração Direito Socioambiental e Sustentabilidade. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera - UNIDERP. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI . Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. Advogada. Email: [email protected].

Transcript of ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

Page 1: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 349

ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA INDEPENDÊNCIA COM RESPONSABILIDADE343 JUDICIARY CONTROL BODIES AND THE SEARCH

FOR INDEPENDENCE WITH RESPONSIBILITY

Caroline Belletti344

Sumário

Introdução; 1 A questão da responsabilidade dos juízes; 2 A independência dos magistrados e garantias que asseguram a sua liberdade de atuação; 3 Órgãos de controle do Poder Judiciário no direito comparado; 4 A atuação do Conselho Nacional de Justiça no âmbito brasileiro; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.

Resumo

O presente artigo tem como tema central a atuação dos órgãos de controle do Poder Judiciário e a busca de harmonização entre os conceitos de independência e responsabilidade. O objetivo geral é analisar os institutos da responsabilidade judicial e da independência judicial, apresentando-se conceitos, subdivisões e opiniões acerca desses conteúdos. Como objetivo específico pretende-se relatar a criação e função dos órgãos de controle do Poder Judiciário no direito comparado e, mais especificamente, no âmbito brasileiro, com destaque para o Conselho Nacional de Justiça. Há entendimentos

343 Artigo submetido em 22/03/2016, pareceres de aprovação em 26/04/2016 e 01/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016.

344 Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, área de concentração Direito Socioambiental e Sustentabilidade. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera - UNIDERP. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI . Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. Advogada. Email: [email protected].

Page 2: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 350

no sentido de que a ampla independência que é dada ao Judiciário, com uma série de garantias para assegurar a liberdade de atuação dos seus membros, pode muitas vezes levar a abusos de poder e condutas indesejadas pelos jurisdicionados. Aliado a esse fato, a responsabilização dos magistrados não é algo tão simples, principalmente no âmbito de um Estado de tradição civil law. Nesse contexto, o presente artigo tenta relatar a atuação dos órgãos de controle do Poder Judiciário, verificando se esse tipo de fiscalização pode servir como ferramenta na busca de maior transparência no âmbito dos tribunais e aumentar a legitimidade das decisões do Judiciário.

Palavras-chave: Poder Judiciário. Responsabilidade. Independência. Órgãos de Controle.

Abstract

This paper focuses on the activities performed by the control bodies of the Judiciary and the search for a balance between the concepts of independence and responsibility. The overall objective is to analyze the institutes of judicial responsibility and judicial independence, presenting concepts, subdivisions and opinions on them. The specific objective is to describe the establishment and role of the control bodies of the Judiciary in comparative law and, more specifically, in the Brazilian context, with a focus on the National Council of Justice. Some people think that the broad independence given to the Judiciary, with a number of guarantees to ensure the freedom of operation of its members, can often lead to abuse of power and undesired conducts by the members of the Judiciary. Additionally, holding judges responsible is not so easy, particularly in States that follow the civil law tradition. In this context, this paper aims to describe the activities performed by the control bodies of the Judiciary, checking whether this type of supervision can serve as a tool to achieve greater transparency in courts and to enhance the legitimacy of the decisions made by the Judiciary.

Keywords: The Judiciary. Responsibility. Independence. Control bodies.

Introdução

Com a passagem governo militar para o regime democrático no Brasil e a tentativa de implementação do Estado de Direito, a estrutura estatal passou a se fazer mais presente na vida em sociedade. Uma nova constituição foi promulgada em 1988, prevendo ampla gama de prestações e direitos a serem alcançados pelo ente estatal.

Nesse cenário, surgiu a necessidade de se conferir independência ao Poder Judiciário para poder atuar de forma mais autônoma na importante função que lhe é acometida, qual seja, a de funcionar como guardião da Constituição Federal e a de dar concretude e efetividade aos novos objetivos a serem implementados pelo Estado de Direito.

Page 3: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 351

Para garantia da independência, a Carta Política trouxe em seu texto uma série de garantias conferidas tanto ao Poder Judiciário em si como aos seus integrantes. Dentre essas garantias figuram a inamovibilidade, a irredutibilidade de subsídios e a vitaliciedade, destinadas aos magistrados, além de outras, como a autonomia administrativa e financeira, que visam assegurar a independência da instituição em si.

Tendo-se em vista a previsão de diversas garantias aos magistrados a fim de assegurar ampla liberdade de atuação, a possibilidade de responsabilização dos integrantes do Poder Judiciário tornou-se algo remoto, ainda mais no contexto de um país de predominante tradição civil law como é o caso do Brasil. Nesse cenário, abriu-se espaço para o surgimento de problemas como a corrução e o abuso de poder por parte dos membros do Judiciário.

Em razão dos problemas advindos da ampla independência que foi concedida ao Judiciário, percebeu-se a necessidade de criação de mecanismos de prestação de contas que assegurem uma atuação transparente e compromissada com os ditames da Constituição Federal. Afinal, os abusos e a corrupção podem levar ao comprometimento da legitimidade e credibilidade de toda a instituição.

Com o objetivo de possibilitar o controle do Judiciário e servir como mecanismo para prestação de contas, surgiu em diversos países a ideia de criação de conselhos e organismos que ficassem responsáveis pela fiscalização do Judiciário. No Brasil, a partir da emenda constitucional n. 45 de 2004, foi criado o Conselho Nacional de Justiça.

Tendo-se em vista os problemas advindos da independência excessiva e dos entraves à possibilidade de responsabilização dos juízes, o presente artigo visa estudar a criação e atuação dos órgãos de controle do Poder Judiciário no direito comparado e no direito interno, dando-se enfoque para a atuação do Conselho Nacional de Justiça.

Pretende-se analisar se os órgãos de controle podem ser vistos como algo positivo, como um mecanismo eficaz na busca pela transparência do Poder Judiciário, servindo como um incentivo para a boa atuação dos magistrados e, com isso, uma ferramenta na superação das crises de legitimidade ocasionadas pelos abusos cometidos nos últimos tempos.

1 A questão da responsabilidade dos juízes

O vocábulo responsabilidade vem do latim respondere e significa responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. A imposição de responsabilidade foi estabelecida pela própria cultura da sociedade, desde a origem da raça humana. Os integrantes da sociedade sempre buscaram impor a todos o dever de responder por seus atos. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana. (STOCO, 2007, p. 114).

Page 4: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 352

No que diz respeito ao conceito de responsabilidade, a doutrina alemã distingue os termos “obrigação” e “responsabilidade”, afirmando que a violação da obrigação é que ensejaria a responsabilidade e, consequentemente, o dever de reparar o dano para restabelecimento da situação jurídica anterior, antes da prática do ato anulado. (WALD, 1994, p. 465).

O indivíduo responsável não é, obrigatoriamente, o descumpridor do dever ou obrigação, podendo a responsabilidade ser dirigida contra outro indivíduo que se encontre vinculado com aquele numa relação determinada pela ordem jurídica. Assim, a responsabilidade pode ser verificada quando um órgão ou seu titular responde pelos efeitos e consequências derivados de uma determinada atividade.

No caso do Poder Judiciário, seu membros são agentes políticos que prestam um determinado tipo de serviço público. Por sua vez, todos os prestadores de serviço público devem se ater aos princípios que norteiam a execução destes serviços e ainda ficam sujeitos à responsabilização pela má prestação. (FURTADO, 2007, p. 1045). Ocorre que aos magistrados são asseguradas determinadas garantias que impedem ou restringem a possibilidade de responsabilização.

A responsabilidade pessoal dos demais agentes públicos em geral é subjetiva e pressupõe a comprovação de dolo ou culpa. (FURTADO, 2007, p. 1013). Está prevista no art. 37, §6º, parte final da CRFB. (BRASIL. Constituição Federal, 1988, art. 37, §6º).

Os magistrados, por sua vez, submetem-se ao tratamento especial conferido pelo Código de Processo Civil e pelo art. 49 da LC 35/1979, Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, (BRASIL. Lei complementar 35, 1979, art. 49), que admitem a responsabilidade pessoal dos juízes apenas em duas hipóteses: dolo ou fraude e recursa, omissão ou retardamento, sem justo motivo, de providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Destaca Orlando Viegas Martins Afonso (2004, p. 138) que no caso dos juízes

a responsabilidade não é uma consequência do exercício normal do poder, isto é, quando o poder é exercido de forma pautada na lei a regra é a irresponsabilidade do magistrado. A responsabilidade surgiria apenas quando a atuação se desse mediante abuso do poder e desviando-se dos ditames legais.

Afonso (2004, p. 139) também coloca que quanto mais ampla a discricionariedade do juiz em um sistema processual, maior o grau de responsabilidade do Poder Judiciário. Em contrapartida, quando o sistema processual reduz drasticamente o poder discricionário do juiz ou sua possibilidade de aplicação de soluções aleatórias a casos semelhantes que lhe são submetidos, menor é a possiblidade de desvios à lei por parte do magistrado.

Page 5: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 353

A responsabilidade do magistrado pode ser vista sob diversos âmbitos. Mauro Cappelletti assim como Afonso e Lair da Silva Loureiro Filho propõe uma divisão da responsabilidade judicial, classificando-a em responsabilidade política, face aos poderes políticos do Estado e prevista na legislação ordinária e na própria Constituição; a responsabilidade social, que seria aquela perante organismos ou grupos sociais específicos; e a responsabilidade jurídica (pessoal) do juiz, que poderia ser penal, civil ou disciplinar.

A responsabilidade judicial sob o ponto de vista político estaria intimamente ligada com o tipo de sistema jurídico adotado pelo Estado e a forma de acesso aos cargos do Judiciário, isto é, se através de eleição, escolha política ou concurso. (AFONSO, 2004, p. 139).

Nesse contexto, nos Estados que adotam o modelo do common law e onde o acesso aos cargos é feito mediante eleições, existem maiores possibilidades do controle da atuação dos magistrados por mecanismos de participação, como o recall e o impeachment, que permitem a fiscalização do eleitor em relação ao desempenho dos juízes. Já nos modelos de tradição civil law e onde a escolha em geral é feita através de concurso público, costuma-se conferir maior independência ao magistrado, o que acaba reduzindo as hipóteses de responsabilização. (LOUREIRO FILHO, 2005).

Assim, a responsabilidade política tem maior relevância nos Estados em que o magistrado exerce uma atividade eminentemente política. Já nos modelos estatais em que o magistrado atua de modo independente, como é o caso do Brasil, a responsabilidade pelo ato judicial na perspectiva política se restringe aos julgadores, que são indicados através de procedimento diverso do concurso público, como é o caso dos ministros do Supremo Tribunal Federal. (LOUREIRO FILHO, 2005).

A responsabilidade social, por sua vez, corresponderia a um dever do magistrado perante à sociedade, isto é, uma espécie de prestação de contas para com os jurisdicionados. (LOUREIRO FILHO, 2005).

A responsabilidade social também é destacada como uma consequência do Estado Democrático de Direito em decorrência do fato de que a função jurisdicional também é uma das funções estatais e, portanto, destinada a realizar valores constitucionais e concretizar direitos fundamentais. (AGUIAR, 1998, p. 37).

Por fim, a responsabilidade jurídica pressupõe a sujeição dos magistrados a sanções jurídicas impostas através de processos onde se apurem eventuais danos causados no exercício da função, subdividindo-se em penal, civil e disciplinar. (AFONSO, 2004, p. 145).

A ideia da responsabilidade penal é a de que os juízes devem responder penalmente pela prática de crimes cometidos dentro ou fora de sua função e sempre

Page 6: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 354

que intencionalmente violarem à lei. Contudo, alguns problemas dificultam essa forma de responsabilização, como a generalidade dos tipos criminais imputáveis aos magistrados, isto é, a não existência de normas específicas para os juízes nesse sentido, fazendo com que acabem sendo utilizadas as normas gerais de punição dos demais servidores públicos. (AFONSO, 2004, p. 149).

A responsabilidade civil está limitada aos casos taxativamente previstos em lei e é exercida pela via de regresso. (AFONSO, 2004, p. 150). Como já mencionado, a responsabilidade pessoal dos juízes ocorre apenas em duas hipóteses: dolo ou fraude e recursa, omissão ou retardamento, sem justo motivo, de providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte, estando prevista no art. 49 da LC 35/1979, Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN. (BRASIL. Lei complementar 35, 1979, art. 42).

Finalmente, a responsabilidade disciplinar prevê a aplicação de punições aos magistrados na esfera administrativa e é apontada por Afonso (2004, p. 151) como a forma de responsabilização mais efetiva nos países de tradição civil law. Contudo, o autor também coloca que a inexistência de um direito disciplinar bem estruturado é um dos entraves à responsabilização, fazendo com que sejam aplicadas muitas vezes as normas disciplinares gerais das demais funções públicas.

Ocorre que a possibilidade de responsabilização dos juízes pelas suas decisões, opiniões e condutas adotadas muitas vezes pode levar ao comprometimento da atuação judicial. A fim evitar referidos efeitos foram necessários mecanismos que garantissem a independência do magistrado e sua boa atuação, conceitos essenciais para a concretização do Estado de Direito, como adiante se abordará.

2. A independência dos magistrados e garantias que asseguram a sua liberdade de atuação

A independência do Judiciário é considerada um dos dogmas das democracias contemporâneas. Em todos os países onde a democracia sucedeu a regimes autoritários, com construção de Estados de direito, a independência do Judiciário aparece como conceito fundamental, buscando proteger a atuação dos juízes de pressões políticas para que possam interpretar e a aplicar a lei com isenção, levando em conta as técnicas e princípios aceitos pelos jurisdicionados. (BARROSO, 2013, p. 421).

Ocorre que existe um certo alinhamento doutrinário acerca da necessidade de concessão de independência ao Judiciário para a concretização do Estado de Direito e consolidação da democracia. Um Judiciário independente ajudaria a prevenir o abuso de autoridade e obrigaria o governo a prestar contas. Para tanto, seria necessário que o Judiciário pudesse transmitir a lei de forma consistente e imparcial, de forma a merecer confiança e credibilidade da sociedade. (SANTISO, p. 01).

Page 7: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 355

Jorge Chaires Zaragoza (2004, p. 529) destaca que a independência não deve ser considerada como um conceito absoluto, mas sim relativo. Segundo o autor, todos os tribunais são de alguma forma independentes e também subordinados e que, qualquer que seja a forma de nomeação dos membros do Judiciário, os juízes costumam manter um sistema de valores que reflete a cultura política dominante.

A independência também é diferenciada dos conceitos de imparcialidade e objetividade por Zaragoza (2004, p. 530). A independência para o autor seria uma instituição jurídica com a qual se pretende eliminar toda subordinação objetiva do juiz. Já a imparcialidade e a neutralidade seriam parâmetros ou modelos de atitude, e não categorias jurídicas. Assim, a independência não seria sinônimo de imparcialidade e objetividade, mas uma maneira a se buscar uma atuação correta por parte do julgador.

Segundo o autor, o conceito de independência abarcaria também a independência objetiva e a subjetiva, a independência interna e a externa e a autonomia do Poder Judiciário e a independência pessoal do juiz (ZARAGOZA, 2004, p. 531).

A independência institucional ou objetiva é alcançada com a colaboração dos outros poderes; é baseada em uma imunidade organizativa que exige a abstenção de qualquer ingerência dos poderes de Estado na organização e funcionamento administrativo e instrumental dos tribunais Já independência funcional ou subjetiva não admite esse tipo de colaboração porque nesse caso seria possível uma dependência da função julgadora em relação aos demais poderes. A independência subjetiva ou funcional pressupõe, na verdade, uma imunidade na atuação que atenda aos objetivos substanciais da magistratura. (ZARAGOZA, 2004, p. 531).

Para assegurar a independência em todas essas facetas mencionadas são conferidas diversas garantias ao Poder Judiciário, previstas na própria Constituição Federal, que dão suporte aos membros da magistratura para o desempenho da tão importante tarefa que lhes é confiada. (TAVARES, 2015, p. 953).

José Afonso da Silva (2012, p. 590) distingue as garantias conferidas ao Poder Judiciário em garantias institucionais, que protegeriam o Judiciário como um todo e se subdividiriam em garantias de autonomia orgânico-administrativa e financeira; e garantias funcionais ou de órgãos, que assegurariam a independência e imparcialidade dos membros do Poder Judiciário, previstas tanto em razão do próprio titular como em favor da própria instituição.

No âmbito das garantias institucionais, a garantia de autonomia orgânico-administrativa prevê a independência do Judiciário para estruturar seus órgãos e determinar o seu funcionamento podendo, por exemplo, eleger seus órgãos diretivos, elaborar seu regimento interno e prover os cargos de juiz e demais servidores na forma prevista na Constituição Federal. (SILVA, 2012, p. 591).

Page 8: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 356

A garantia de autonomia financeira, por sua vez, garante ao Judiciário a elaboração de seu próprio orçamento, dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais poderes na lei de diretrizes orçamentárias. Discorrendo acerca da garantia da autonomia financeira, Silva (2012, p. 592) alerta que as divergências e disputas entre tribunais logo demonstrarão que assuntos administrativos devem ficar sob o comando da administração e não dos julgadores, que precisam ficar imunes a disputas envolvendo questões políticas.

As garantias funcionais estabelecidas em favor dos juízes para assegurar a sua independência são divididas em garantias de independência dos órgãos judiciários e garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários. As garantias de independência dos órgãos judiciários são a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos. Já as garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários aparecem na Constituição Federal sob a forma de vedações. (SILVA, 2012, p. 593).

Nas palavras de Uadi Lammêgo Bulos (2014, p. 1.291) a vitaliciedade consiste na “vinculação do titular ao cargo com foros de permanência e definitividade, à luz do estágio probatório de dois anos para os juízes togados de primeiro grau”. O magistrado que alcance a vitaliciedade apenas perde o cargo mediante sentença judicial transitada em julgado.

A inamovibilidade, por sua vez, consiste na impossibilidade de designar o juiz para exercer outro cargo, diferente daquele para o qual foi nomeado. Excepcionalmente, o juiz poderá ser removido por interesse público mediante decisão pelo voto de 2/3 do tribunal a que estiver vinculado. (BULOS, 2014, p. 1.292).

André Ramos Tavares (2015, p. 955) afirma que a inamovibilidade garante a imparcialidade da própria justiça, impossibilitando que haja a mudança de julgador em decorrência de interesses políticos e governamentais, ou até mesmo em decorrência do comportamento popular, como em casos de grande repercussão onde a sociedade clama por justiça.

Já a irredutibilidade é a garantia funcional de liberdade que veda a diminuição dos ganhos da magistratura, inclusive por medida geral, observados os critérios estabelecidos na Constituição Federal. (BULOS, 2014, p. 1.292).

A irredutibilidade reforça a independência dos juízes na medida em que os magistrados ficam livres de pressões financeiras ou salariais em razão das decisões que eventualmente tenham tomado nas causas que lhe são apresentadas para julgamento e sobre as quais têm de se pronunciar, especialmente quando um dos ocupantes da relação processual é o próprio Poder Público. (TAVARES, 2015, p. 956).

Por fim, as garantias que asseguram a imparcialidade vêm previstas na Constituição Federal sob a forma de vedações, sendo elas a proibição do exercício de

Page 9: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 357

outro cargo ou função, ainda que em disponibilidade, exceto a função de magistério; o recebimento de participação ou custas de processos; o exercício da atividade político-partidária; o recebimento de auxílios ou contribuições e o exercício da advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou antes de decorridos três anos do afastamento. (TAVARES, 2015, p. 959-961).

Assim, ao Judiciário são asseguradas uma série de garantias que visa permitir a atuação do magistrado de forma independente e imparcial. Todavia, em que pese previstas para assegurar uma boa atuação dos membros do Judiciário, as garantias muitas vezes são utilizadas para justificar condutas arbitrárias dos magistrados e abusos de poder.

Comentando acerca dos abusos de poder e arbitrariedades cometidas por magistrados, Luís Roberto Barroso (2013, p. 422) afirma que independência e imparcialidade devem ser usadas “como condições para um governo de leis, e não de homens, de leis, e não de juízes”.

Nesse sentido também comenta Carlos Santiso (p. 01) que a independência do Judiciário se utilizada de forma irresponsável acaba afetando de forma negativa o seu desempenho e, por isso, é necessário que se encontre um equilíbrio adequado entre independência e responsabilidade a fim de que o Judiciário não acabe perdendo a sua credibilidade e legitimidade política e social pelos abusos cometidos por alguns de seus membros.

Visando resguardar o princípio da independência do Poder Judiciário e a necessidade de conciliação entre responsabilidade com independência é que decorreu a criação de conselhos de administração e fiscalização da atividade judicial e demais órgãos de controle semelhantes em diversos países do mundo. (ZARAGOZA, 2004, p. 539). Cumpre adiante destacar alguns aspectos gerais acerca das referidas entidades no direito comparado.

3 Os órgãos de controle do poder judiciário no direito comparado

A ampla atuação do Judiciário acerca dos mais variados temas, disciplinados ou não no ordenamento jurídico, é uma característica marcante das sociedades democráticas contemporâneas, ficando mais evidente em países onde é adotado o sistema da common law, como é o caso dos Estados Unidos, mas também presente em diversos outros países europeus, mesmo que de tradição civil law. (CITTADINO, 2004, p. 105).

Visando dar maior liberdade de atuação aos membros do Judiciário para que pudessem dar concretude a vasta gama de direitos previstos nas Cartas Políticas, foram asseguradas uma série de garantias aos magistrados, principalmente dentro dos chamados Estados de Direito. (BARROSO, 2013, p. 421).

Page 10: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 358

Com o passar do tempo percebeu-se que a independência excessiva levou a abusos e corrupção. Os magistrados passam a fazer uso da independência para buscar preferências pessoais, ditando suas próprias leis, e não mais para aplicar o direito taxativamente previsto. (BARROSO, 2013, p. 422). Chega a hora de reformas, de necessidade de criação de órgãos de controle que garantissem uma atuação mais transparente por parte do Judiciário.

Nesse cenário, a luta contra a corrupção e os abusos de poder tem impulsionado reformas judiciais em países em transição/desenvolvimento, como é o caso da maioria dos países da América Latina, visando aumentar a credibilidade do Judiciário sem comprometimento da independência. Todavia, devido às condutas dos próprios governantes, a reforma tem sido bastante difícil de ser implementada nesses países. (SANTISO, p. 01).

Destaca Carlos Santiso (p. 02) que os governos democráticos recém instaurados na América Latina procuraram implementar reformas econômicas de forma rápida e radical e, para que isso ocorresse, buscaram neutralizar ação do Judiciário sobre as atitudes do Executivo, visando se livrar de possíveis rejeições de projetos ou da prestação de contas. Assim, os governos passaram a interferir na composição dos tribunais, se esforçando para criar sistemas judiciários “politicamente dóceis”. Esse processo acabou prejudicando a credibilidade e confiança do Judiciário.

Nesse cenário, a fim garantir a independência do judiciário e procurar superar crises de legitimidade e confiança, tem lugar a necessidade de criação de órgãos de controle que, como analisa José Afonso da Silva (2012, p. 570) podem ser considerados benéficos à eficácia das funções jurisdicionais, não só pela colaboração que oferecem na formulação de uma política judicial, como também porque impedem que os integrantes do Judiciário se convertam, nas exatas palavras no autor, “em um corpo fechado e estratificado”.

Alisando-se alguns exemplo isoladamente, verifica-se no México a criação do Conselho da Justiça Federal. Referido órgão de gerência atua primeiramente como garantidor da autonomia da estrutura judicial e indiretamente como apoio na independência pessoal do juiz, tentando possibilitar uma justiça imparcial e objetiva o mais possível. (ZARAGOZA, 2004, p. 539).

Na Constituição Federal da Colômbia, nos artigos 254 a 257 está instituído “Del Consejo Superior de La Judicatura”, a quem compete a gerência do Poder Judiciário do país, estando divido em duas câmaras, a câmara de administração e a câmara de jurisdicional disciplinar. (COLÔMBIA. Constitución de Colombia, art. 254 - 257). Na América Latina, também na Constituição Federal da Venezuela, no artigo 267, também percebe-se a instituição de órgão de controle do Poder Judiciário com características semelhantes ao da Colômbia. (VENEZUELA. Constitución de La República Bolivariana de Venezuela, art. 267).

Page 11: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 359

Os órgãos de controle do Judiciário também fazem parte da realidade de países europeus, como no caso de Portugal, onde o órgão de controle está previsto nos artigos 219 e 220 da Constituição Federal (PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa, art. 219-220), na França, conforme dita o art. 65 da Carta Política, que instituiu o Conselho Supremo da Magistratura (FRANÇA, Constitution, art. 65), na Espanha, estando previsto no art. 122 da Carta Política (ESPANHA. Constitución Española, art. 122) e, ainda, na Itália, com previsão no art. 104 da Constituição Federal (ITÁLIA, Constituzione dela Repubblica Italiana, art. 104).

Em todos os países europeus citados, os Conselhos são órgãos integrantes da estrutura do Poder Judiciário, tendo por finalidade o controle administrativo e disciplinar da magistratura, sem qualquer interferência na independência de julgamento dos membros do Judiciário (MORAES, 2010, p. 525).

Apesar da diversidade de modelos de organização adotados em cada país, encontram-se nos órgãos de controle denominadores comuns, através dos quais se identifica a maioria deles, como a composição plural, todos integrantes da estrutura do Poder Judicial, e todos com função de administração dos órgãos jurisdicionais, visando assegurar autonomia e independência. (MENDES, 2015, p. 1.021).

Jorge Chaires Zaragoza (2004, p. 541) também aponta características comuns dos órgãos de gerência do Judiciário em diversos países europeus e hispanoamericanos: todos adotam uma composição mista com integrantes dos outros poderes, com diferentes forças, partidos políticos, associações, etc., a fim de equilibrar possíveis interesses dentro e fora do Judiciário; todos têm atribuições similares, atuando em questões administrativas como seleção de juízes, nomeações e etc., sem participar da tomada de decisões judiciais; e todos atuam como garantidores da independência.

Alexandre de Moraes (MORAES, p. 525), ao analisar a criação dos órgãos de controle em Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia, aponta que os órgãos de controle em geral representaram uma grande conquista para a magistratura, ao passo que substituíram o controle que era realizado diretamente pelo Gabinete, e, indiretamente, pelo Parlamento, ou seja, permitiram uma ampliação nas garantias institucionais da magistratura.

Todavia, alerta Zaragoza (2004, p. 541) que a existência desses órgãos de gerência e apoio não significa, por si só, que a independência já esteja garantida, sendo necessário que se consolidem outros mecanismos jurídicos.

Em que pese as deficiências, é perceptível a evolução dos Conselhos de Magistratura na realidade atual, de modo que são comuns reformas destinadas ao aperfeiçoamento de suas funções. (MENDES, 2015, p. 1.021).

Page 12: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 360

Apesar dos vários aspectos a serem modificados em cada modelo, é certo que os Conselhos de Magistratura têm cumprido um importante papel na solução dos complicados problemas relacionados à administração eficiente dos órgãos jurisdicionais. (MENDES, 2015, p. 1.021).

4 A atuação do conselho nacional de justiça no âmbito brasileiro

A partir de lutas da Ordem dos Advogados do Brasil juntamente com alguns partidos políticos para a criação de um órgão de controle do Judiciário, é colocada em prática em 2004 a reforma judicial que levou à criação do Conselho Nacional de Justiça. (FERREIRA FILHO, 2011).

Antes da criação do CNJ e até mesmo nos dias atuais, o sentimento geral da sociedade é o de que o Judiciário não presta contas a ninguém, isto é, a nenhum dos outros poderes e nem ao povo. Por outro lado, o Executivo presta contas ao Legislativo pelo controle político que este exerce sobre ele, e o Legislativo ao povo nas eleições periódicas. (FERREIRA FILHO, 2011). Assim, o protagonismo atual do Judiciário somado à sua ausência ou tímida prestação de contas, tem sido objeto de discussões.

Claudia Maria Barbosa (2013, p. 05) aponta a existência de um paradoxo na atuação do Judiciário em países onde a construção do estado de bem estar é mais recente, como é o caso do Brasil: enquanto a população clama por maior protagonismo do Judiciário, enxergando nele a possibilidade de efetivação de direitos sociais assegurados constitucionalmente, a sociedade civil e a sociedade política temem que esse protagonismo do Judiciário prejudique a tripartição e harmonia dos poderes, desequilibrando o sistema de freios e contrapesos.

Assim, referido paradoxo refletiria uma crise do Judiciário, que demandaria uma revisão acerca do papel exercido pelo referido poder, bem como das demais questões que envolvem a estrutura judicial e que carecem de mudanças. Destaca Barbosa (2013, p. 06) que, embora muitos problemas ainda demandem soluções, nos últimos anos o Judiciário passou por diversas mudanças, especialmente após a criação do Conselho Nacional de Justiça, que tem contribuído para diminuir o paradoxo acima citado entre o “clamor” e o “temor”.

Antes da criação do CNJ, a reforma judicial já era apontada como necessária para reforçar a credibilidade, legitimidade e eficiência do Poder Judiciário. Todavia, o nível alto de independência que foi concedido aos magistrados com a promulgação da CFRB/88 é tão amplo que possibilitou aos membros do poder até mesmo se subtraírem às reformas por muito tempo. (SANTISO, p. 03).

As propostas de reformas tinham como preocupações: melhorar a administração da justiça, modificar a forma de revisão judicial e sistema de recursos,

Page 13: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 361

fortalecer os mecanismos de prestação de contas e criar órgãos de controle externo. (SANTISO, p. 15).

Em que pese as propostas de reforma, a criação de um conselho judicial sempre foi muito controversa. Afirmavam os não simpatizantes da reforma que a criação do referido órgão implicaria em uma tentativa do Executivo de interferir em questões judiciais. (SANTISO, p. 15).

Todavia, em uma sociedade em que o clamor por transparência aflora nos mais diversos segmentos sociais, os magistrados não poderiam ficar excluídos de prestar contas à população. (AGRA, 2014, p. 612). Assim, mesmo diante de tantas controvérsias, a reforma judicial foi concretizada no Brasil através da emenda constitucional n. 45 no ano de 2004, levando à criação do Conselho Nacional de Justiça, previsto no art. 103-B da Constituição Federal. (BRASIL, Constituição Federal, 1988, art. 103-B).

Dentre as atribuições do CNJ, o art. 103-B da Constituição Federal, está o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe a elaboração de relatórios estatísticos acerca de processos e sentenças, rever processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano, representar ao Ministério Público nos casos de crime contra a administração e abuso de poder, receber reclamações contra membros do Judiciário, dentre outras. (BRASIL, Constituição Federal, 1988, art. 103-B).

A constitucionalidade do CNJ chegou a ser objeto de contestação pela Associação dos Magistrados Brasileiros por meio de ação direita de inconstitucionalidade, sob a alegação de que referido órgão ofenderia o princípio da separação e independência dos poderes e também o próprio pacto federativo. (AGRA, 2014, p. 614).

O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a ação que questionava a constitucionalidade do CNJ afirmando que a Constituição Federal desenhou uma estrutura de freios e contrapesos na qual estariam inseridos os três poderes, e que juntos formavam um sistema de integração e cooperação preordenado a assegurar o equilíbrio dinâmico entre eles. (AGRA, 2014, p. 615).

Salientou o STF na ADC de número 12 que o controle ético-disciplinar a ser realizado pelo CNJ, em relação a todos os membros da magistratura, representa uma grande conquista do Estado Democrático de Direito. A criação do CNJ demonstra que a sociedade evoluiu e passou a reconhecer que mecanismos de responsabilização dos juízes por inobservância das obrigações funcionais são imprescindíveis à boa prestação jurisdicional. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2010 Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 12).

Page 14: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 362

O Supremo também destacou na ADC de número 12 que um dos imperativos do regime republicano consistiria na necessidade de convívio permanente entre a independência jurisdicional e instrumentos de responsabilização dos juízes que não sejam apenas formais, mas que cumpram, com efetividade, o papel que a Constituição lhes confere. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2010 Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 12).

Discorrendo acerca da criação e atuação do Conselho Nacional de Justiça, José Afonso da Silva (2012, p. 570) destaca que não é desprezível a ideia de que esse tipo de órgão contribua para dar legitimidade democrática aos integrantes do Poder Judiciário, já que a investidura dos seus membros não nasce da vontade do povo como ocorre nos demais poderes do Estado.

Afirma Silva (2012, p. 570) que o CNJ, junto com o Conselho Nacional do Ministério Público, embora seja tipicamente um órgão interno do Poder Judiciário, pelo predomínio de magistrados em sua composição, presta bons serviços ao sistema nacional de administração da justiça, contribuindo para a construção da ideia de um Judiciário mais aberto e transparente.

André Ramos Tavares (2015, p. 942) alerta para o fato de que “o sentimento de impunidade, inexoravelmente, gera a acomodação e, pior, o sentimento de total liberdade, ou melhor, de arbitrariedade” e, assim, destaca como fundamental a existência de um órgão fiscalizador do Poder Judiciário a fim de permitir o controle e acompanhamento da rotina dos tribunais, sem comprometer a sua independência.

A opinião de Tavares (2015, p. 942) é a de que o CNJ serve como um órgão auxiliar no combate aos males que acometem o Poder Judiciário, como a morosidade e também a falta de transparência, esta última decorrente de sua natureza fechada. Referido órgão, segundo o autor, atuaria como uma verdadeira “sentinela” na fiscalização do Judiciário.

Humberto Theodoro Júnior também coloca como inadmissível rotular o CNJ como um órgão de intromissão no Judiciário e na função jurisdicional. Segundo ele, não se atribui ao Conselho a função de rever e controlar as decisões jurisdicionais, senão a de coibir comportamentos abusivos por partes dos juízes que se afastam da disciplina legal no exercício da função. O Conselho não compromete a independência do Judiciário, mas sim atua como um instrumento para a legitimação e boa atuação dos tribunais.

Em que pese toda a atuação do Conselho Nacional de Justiça, Barbosa (2013, p. 17) afirma que ainda é presente no Judiciário brasileiro uma certa bipolaridade, existindo muitas vezes uma máxima transparência de sua atuação, citando como exemplo a transmissão ao vivo das sessões do STF, e em outras um fechamento total, como nos processos internos de promoção e sanção, onde não existe qualquer forma de controle social.

Page 15: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 363

Além disso, apenas a figura do órgão de controle não garante o bom andamento da prestação jurisdicional e nem que a independência já esteja garantida (ZARAGOZA, 2004, p. 541). O Estado como um todo deve procurar modernizar-se para aprimoramento de todas as funções, não apenas da judicial. Afinal, o Legislativo também contribui para os problemas enfrentados pelo o Judiciário, isso porque continua a editar leis com previsão de tecnicismos exagerados, processos protelatórios e procedimentos morosos. (MORAES, 2010, p. 523).

Também, a modernização deve partir do Executivo. É necessário conceder ao Poder Judiciário infraestrutura adequada para o exercício de suas funções. Não se pode esquecer que, para efetivação da justiça e da cidadania, é necessário que os membros do Judiciário gozem de autonomia e independência, que não devem ser comprometidas por ingerências indesejadas dos órgãos de controle. (MORAES, 2010, p. 523).

Em que pese necessária a reestruturação, permanece inadmissível qualquer forma de intervenção tanto na autonomia financeira, administrativa e funcional do Poder Judiciário como nas garantias de independência e imparcialidade de seus membros, pois o auxílio entre os três Poderes é necessário e Republicano, já a intromissão é perigosa e antidemocrática. (MORAES, 2010, p. 523).

Considerações finais

A independência do Poder Judiciário sempre foi um das grandes objetivos a serem implementados para a concretização do Estado de Direito. Não é de hoje a ideia de que ao Poder Judiciário é necessária a concessão de liberdade suficiente para que possa atuar de forma autônoma no cumprimento de sua função de guardião da Constituição Federal e de concretizador da vasta gama de direitos prevista no texto constitucional.

Ocorre que com o passar do tempo a independência que foi concedida ao Judiciário foi tamanha que acabou resultando em condutas e atitudes indesejadas por parte dos membros da magistratura. A concessão de tamanha liberdade cedeu espaço à corrupção e ao exercício da jurisdição a serviço de interesses e preferências pessoais.

Não bastasse os problemas advindos da ampla liberdade concedida aos membros da magistratura, as possibilidades de responsabilização dos membros do Judiciário também se apresentam de forma tímida, fazendo com que muitas condutas indesejadas acabassem ficando sem punição e o Judiciário livre da prestação de contas.

Nesse contexto, surge uma verdadeira crise de legitimidade. A sociedade procura o Judiciário como última esperança para o alcance de direitos básicos que não lhe são prestados por parte do Estado, mas também começa a perceber os abusos,

Page 16: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 364

a corrupção e demais questões que culminam em verdadeira crise de legitimidade do Poder Judiciário.

Visando superar a crise de legitimidade advinda da má prestação jurisdicional e como uma maneira de possibilitar a prestação de contas por parte do Judiciário, tiveram origem órgãos de controle do Poder Judiciário em diversos países, como o Conselho Nacional de Justiça no direito comparado.

No início, a ideia de um órgão de controle com função fiscalizadora não pareceu muito simpática aos membros da magistratura, que chegaram inclusive a cogitar a sua inconstitucionalidade. Todavia, a constitucionalidade do CNJ foi confirmada pelo Supremo e o referido órgão tem desempenhado um importante papel na fiscalização do Judiciário.

Desde a criação do CNJ, percebe-se que a função do órgão não é de causar qualquer interferência da independência de julgamento dos integrantes do Judiciário. Muito pelo contrário, o CNJ pode ser apontado inclusive como um garantidor das prerrogativas e então da própria independência do Judiciário.

Mudanças consideráveis são percebidas desde a criação do órgão de controle. A ideia de uma entidade destinada exclusivamente ao controle do Judiciário incentiva uma atuação mais transparente por parte dos integrantes dos magistrados e, além disso, permite a análise de resultados que é de suma importância para avaliação da prestação jurisdicional.

Em que pese os efeitos positivos da reforma judicial que levou à criação do CNJ e possibilitou certa abertura do Judiciário frente à sociedade, a simples existência do órgão por si só não gera a certeza de bons resultados e de garantia da independência.

Para o bom desempenho do Judiciário, para a garantia de sua independência e ao mesmo tempo uma adequada prestação de contas, são necessários processos de modernização também nas demais esferas estatais. Legislativo e Executivo também precisam readaptar-se a uma nova realidade, ao aumento do contingente populacional que clama por direitos não atendidos e consequentemente recorre ao Judiciário.

Os procedimentos morosos previstos pelo Legislativo só fazem contribuir para a morosidade da prestação jurisdicional. Aliado a isso, os recursos financeiros de que dispõe o Judiciário são ínfimos diante da enorme demanda de pessoal que seria necessária para o bom andamento dos tribunais.

É de suma importância a atividade que vem sendo desempenhada pelo Conselho Nacional de Justiça desde a sua criação. Os resultados são perceptíveis e sua atuação trouxe bons frutos ao longo do tempo. Todavia, para o alcance de uma prestação jurisdicional digna, diversas mudanças ainda são necessários, e que vão muito além da estrutura judicial.

Page 17: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 365

Referências bibliográficas

AFONSO, Orlando Viegas Martins. Poder Judicial: independencia in dependencia. Coimbra: Almedina, 2004.

AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

AGUIAR, Junior. A Responsabilidade política e social dos juízes nas democracias modernas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

ARRUDA, Kátia Magalhães. A responsabilidade do juiz e a garantia da independência. Disponível em: <http://http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/204/r133-16.PDF?sequence=4>. Acesso em: 12 nov. 2015.

Barbosa, Claudia Maria. A legitimidade do exercício da jurisdição constitucional no contexto da judicialização da política. In: BARRETO, V.; DUARTE, F. e SCHWARTZ, G. Curitiba, Direito da sociedade policontextural. Curitiba, Appris, 2013.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 12 nov. 2015.

BRASIL. Lei complementar n. 35, de 14 de março de 1979. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp35.htm>. Acesso em: 12 nov. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1989.

COLÔMBIA. Constitución de Colombia. Disponível em: <<http://www.jurisciencia.com/vademecum/constituicoes-estrangeiras/a-constituicao-da-colombia-constitucion-de-colombia/582/>> Acesso em 21 nov. 2015.

ESPANHA. Constitución Española. Disponível em: << http://www.lamoncloa.gob.es/documents/constitucion_es1.pdf>> Acesso em 21 nov. 2015.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 37 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

Page 18: ÓRGÃOS DE CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E A BUSCA PELA ...

ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 366

FRANÇA. Constitution. Disponível em: <<http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil constitutionnel/root/bank_mm/portugais/constitution_portugais.pdf >> Acesso em 21 nov. 2015.

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007. ITÁLIA. Constituzione della Repubblica Italina. Disponível em: << http://www.quirinale.it/qrnw/statico/costituzione/pdf/costituzione.pdf>> Acesso em 21 nov. 2015.

LOUREIRO FILHO, Lair da Silva. Responsabilidade política por atividade judiciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional positivo. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 525.

PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa. Disponível em: << http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx>> Acesso em 21 nov. 2015.

SANTISO, Carlos Santiso. Economic reform and judicial governance in Brazil: balancing independence with accountability. In Democratization and the judiciary: the accountability function of courts in new democracies. Frank Cass Publishers.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 36 ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 13 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. O conselho nacional de justiça – enfoque no direito. Disponível em: <<http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20140128201641.pdf>> Acesso em 24 nov. 2015.

VENEZUELA. Constitución de La República Bolivariana de Venezuela. Disponível em: <<http://www.oas.org/juridico/mla/sp/ven/sp_ven-int-const.html>> Acesso em 21 nov. 2015.

WALD, Arnaldo. Obrigações e contratos. 11. ed. Revista dos Tribunais: 1994. ZARAGOZA, Jorge Chaires. La independencia del poder judicial. Boletín Mexicano de Derecho Comparado, v. XXXVII, n. 110, maio/ago, 2004. Disponível em: <<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=42711004. Acesso em 21 nov. 2015.